Jornada Maranhao

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EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL

Poucas vezes na História do Brasil a conquista ou ocupação de


......................

SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................

dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro

por ordem de sua majestade feita o ano de 1614


no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (vol. 94). Eles complementam esta
Criado na década de 1980, o INBI/SU
foi elaborado para apoiar as ações de con-
narrativa de grande importância por tratar de maneira muito particular
a luta entre franceses e portugueses.
Jornada do etnográfico, um volume pleno de curio-
sidades sobre os trópicos. É o primeiro

Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a

C opiador das cartas particulares


mentos que representam fontes primárias e auxiliam os pesquisadores
e interessados em nosso passado colonial a estabelecer a verdade dos
por ordem de sua majestade viagem, os contratempos da navegação,
a permanência dos franceses no Brasil,
do senhor Dom Manuel da Cruz (1739-
1762) bispo do Maranhão e de Mariana.
fatos e a grandeza das ações dos homens que fizeram a nossa História. feita o ano de 1614 até a volta a Paris de d’Abbeville. Livro
precioso e necessário para os que dese-
O volume conta ainda com duas introduções, de José Sarney e Josué
Esta obra de D. Manuel da Cruz cons- jam conhecer o Brasil colonial e obter
titui um monumento para quantos se Montello, assim como de uma análise filológico-estilística empreendida
informação sob o olhar estrangeiro das
interessarem pela história da Igreja de por Antônio Martins de Araújo. nossas terras e costumes. Este volume faz
Minas Gerais, em particular, e da Igreja parte da bibliografia fundamental sobre
no Brasil, em geral. Por meio de diversas Diogo de Campos relata o preparativo para as guerras, a con-
cepção logística, o recrutamento das tropas, o tipo de combates, além a História do Brasil.
cartas, somos apresentados a caminhos
pouco ou nada conhecidos do interior do das cartas entre os dois comandantes e até diálogos de tão viva descri-
Piauí, Maranhão, Bahia e, claro, Minas, ção que apresentam o comportamento da assistência com desagrado ou Diogo de Campos
consolidados já na primeira metade do

Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de

Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
Edições do Edições do
Senado Federal
Senado Federal
Volume 161
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Poucas vezes na História do Brasil a conquista ou ocupação de
......................

SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................

dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro

por ordem de sua majestade feita o ano de 1614


no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (vol. 94). Eles complementam esta
Criado na década de 1980, o INBI/SU
foi elaborado para apoiar as ações de con-
narrativa de grande importância por tratar de maneira muito particular
a luta entre franceses e portugueses.
Jornada do etnográfico, um volume pleno de curio-
sidades sobre os trópicos. É o primeiro

Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a

C opiador das cartas particulares


mentos que representam fontes primárias e auxiliam os pesquisadores
e interessados em nosso passado colonial a estabelecer a verdade dos
por ordem de sua majestade viagem, os contratempos da navegação,
a permanência dos franceses no Brasil,
do senhor Dom Manuel da Cruz (1739-
1762) bispo do Maranhão e de Mariana.
fatos e a grandeza das ações dos homens que fizeram a nossa História. feita o ano de 1614 até a volta a Paris de d’Abbeville. Livro
precioso e necessário para os que dese-
O volume conta ainda com duas introduções, de José Sarney e Josué
Esta obra de D. Manuel da Cruz cons- jam conhecer o Brasil colonial e obter
titui um monumento para quantos se Montello, assim como de uma análise filológico-estilística empreendida
informação sob o olhar estrangeiro das
interessarem pela história da Igreja de por Antônio Martins de Araújo. nossas terras e costumes. Este volume faz
Minas Gerais, em particular, e da Igreja parte da bibliografia fundamental sobre
no Brasil, em geral. Por meio de diversas Diogo de Campos relata o preparativo para as guerras, a con-
cepção logística, o recrutamento das tropas, o tipo de combates, além a História do Brasil.
cartas, somos apresentados a caminhos
pouco ou nada conhecidos do interior do das cartas entre os dois comandantes e até diálogos de tão viva descri-
Piauí, Maranhão, Bahia e, claro, Minas, ção que apresentam o comportamento da assistência com desagrado ou Diogo de Campos
consolidados já na primeira metade do

Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de

Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
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Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................

dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro

por ordem de sua majestade feita o ano de 1614


no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (vol. 94). Eles complementam esta
Criado na década de 1980, o INBI/SU
foi elaborado para apoiar as ações de con-
narrativa de grande importância por tratar de maneira muito particular
a luta entre franceses e portugueses.
Jornada do etnográfico, um volume pleno de curio-
sidades sobre os trópicos. É o primeiro

Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a

C opiador das cartas particulares


mentos que representam fontes primárias e auxiliam os pesquisadores
e interessados em nosso passado colonial a estabelecer a verdade dos
por ordem de sua majestade viagem, os contratempos da navegação,
a permanência dos franceses no Brasil,
do senhor Dom Manuel da Cruz (1739-
1762) bispo do Maranhão e de Mariana.
fatos e a grandeza das ações dos homens que fizeram a nossa História. feita o ano de 1614 até a volta a Paris de d’Abbeville. Livro
precioso e necessário para os que dese-
O volume conta ainda com duas introduções, de José Sarney e Josué
Esta obra de D. Manuel da Cruz cons- jam conhecer o Brasil colonial e obter
titui um monumento para quantos se Montello, assim como de uma análise filológico-estilística empreendida
informação sob o olhar estrangeiro das
interessarem pela história da Igreja de por Antônio Martins de Araújo. nossas terras e costumes. Este volume faz
Minas Gerais, em particular, e da Igreja parte da bibliografia fundamental sobre
no Brasil, em geral. Por meio de diversas Diogo de Campos relata o preparativo para as guerras, a con-
cepção logística, o recrutamento das tropas, o tipo de combates, além a História do Brasil.
cartas, somos apresentados a caminhos
pouco ou nada conhecidos do interior do das cartas entre os dois comandantes e até diálogos de tão viva descri-
Piauí, Maranhão, Bahia e, claro, Minas, ção que apresentam o comportamento da assistência com desagrado ou Diogo de Campos
consolidados já na primeira metade do

Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de

Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
Edições do Edições do
Senado Federal
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Volume 161
Volume 161
Desenho de Jerônimo de Albuquerque Maranhão
(*Olinda, Pernambuco 1548 — Rio Grande do Norte, 1618),
militar e sertanista brasileiro.

Imagem parcial do Pequeno atlas do Maranhão e Grão-Pará, mostrando apenas a cidade de


São Luís e arredores, carta de João Teixeira de Albernaz I, cartógrafo português.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614
......................

SENADO
FEDERAL
......................

Mesa Diretora
Biênio 2011/2012

Senador José Sarney


Presidente

Senadora Marta Suplicy Senador Wilson Santiago


1º Vice-Presidente 2º Vice-Presidente

Senador Cícero Lucena Senador João Ribeiro


1º Secretário 2º Secretário

Senador João Vicente Claudino Senador Ciro Nogueira


3º Secretário 4º Secretário

Suplentes de Secretário

Senador Gilvam Borges Senador João Durval


Senadora Maria do Carmo Alves Senadora Vanessa Grazziotin

Conselho Editorial

Senador José Sarney Joaquim Campelo Marques


Presidente Vice-Presidente

Conselheiros

Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga

Raimundo Pontes Cunha Neto


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Edições do Senado Federal – Vol. 161

Jornada do
Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614

Diogo de Campos Moreno

......................

SENADO
FEDERAL
......................

Brasília – 2011
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 161
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico
e cultural e de importância relevante para a compreensão da história política,
econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.

Projeto gráfico: Achilles Milan Neto


© Senado Federal, 2011
Congresso Nacional
Praça dos Três Poderes s/nº – CEP 70165-900 – DF
[email protected]
Http://www.senado.gov.br/publicaçoes/conselho
Todos os direitos reservados

ISBN: 978-85-7018-379-8

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Moreno, Diogo de Campos.


Jornada do Maranhão / Diogo de Campos Moreno ; apresentação:
José Sarney e Josué Montello. – Brasília : Senado Federal, Conselho
Editorial, 2011.
168 p. : il. – (Edições do Senado Federal ; v. 161)

1. Maranhão, história. I. Título. II. Série.


CDD 981.21

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sumário

Sobre a presente edição


por Sebastião Moreira Duarte
pág. 9

As meias de seda
por José Sarney
pág. 11

À conquista do Maranhão
por Josué Montello
pág. 17

Artigo extraído das atas da


Academia Real das Ciências
pág. 21

Prefação
pág. 23

Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade feita o ano de 1614
pág. 27

Análise filológico-estilística
por Antônio Martins de Araújo
pág. 125

ÍNDICE ONOMÁSTICO
pág. 165
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sobre a presente edição
SEBASTIÃO MOREIRA DUARTE

D ESTA obra e de seu autor dirão bastante seu próprio texto


e os que os acompanham.
De suas edições anteriores, eis a notícia:
– a primeira saiu aos cuidados da Academia Real das Ci-
ências de Lisboa, feita por Joaquim José da Costa e Sá, em 1812;
– a segunda foi publicada no Brasil em 1874, integrando
o 2º v. das Memórias para a história do extinto Estado do Mara-
nhão, de Cândido Mendes de Almeida;
– a terceira, dita, por equívoco, “1ª edição brasileira”,
veio a público em 1984, pela Editorial Alhambra (Rio de Janeiro),
constituindo o 1º v. da coleção Documentos Maranhenses, patro-
cínio cultural da Alumar.
A presente edição publica-se em confronto com a primeira.
As páginas de apresentação, de autoria de José Sarney e Josué Mon-
tello, transcrevem-se da edição da Alhambra. A elas acrescenta-se,
desta vez, o estudo de Antônio Martins de Araújo, ao final do livro,
sobre sua ortografia, morfossintaxe, estilo e léxico.
10 Diogo de Campos Moreno

Em comparação com outras regiões brasileiras, o Maranhão


encontra-se em posição de preeminência sempre que se consideram a
sua riqueza cultural e a abundante bibliografia que acompanha a
sua própria História, desde a crônica dos tempos coloniais.
Ontem, como hoje, figuras do maior renome, nascidas ou
vividas no solo maranhense, explorando os mais distintos campos de
atividade do espírito, escreveram uma obra imensa – uma rica e va-
riada biblioteca – que, sem dúvida, constitui a nota de singularidade,
por excelência, com que esta parte do Brasil se apresenta ao conspecto
de toda a nacionalidade.
O Governo do Estado, consciente desse precioso patrimô-
nio, legado do passado ao presente e plataforma para a mais sólida
edificação do futuro, sente-se orgulhoso de lançar a coleção Ma-
ranhão Sempre, que possibilitará aos estudiosos e ao público in-
teressado ter à mão o acervo do que de mais significativo aqui se
escreveu, como registro de quase quatrocentos anos da História desta
terra, cuja capital, antes chamada Atenas Brasileira, é agora, por
título da Unesco, Patrimônio Cultural da Humanidade.
Nossa edição compreendeu a atualização ortográfica, a re-
dução do número de maiúsculas, o reordenamento da pontuação, e
nova divisão dos parágrafos. Guardamos, no entanto, absoluta fide-
lidade às opções e diferenças prosódicas de topônimos e antropônimos
do original, e bem assim, com todo cuidado, o vocabulário da época
e da pessoal preferência do autor. Eventuais dificuldades quanto a
esse ponto podem elucidar-se consultando-se o glossário que o Prof.
Martins de Araújo apresenta em seu estudo (item 12), ao qual remete
o asterisco (*) que precede algumas palavras. Raramente, uma letra
entre [ ] assinala o que nos pareceu simples lapso tipográfico.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As meias de seda

JOSÉ SARNEY

A JORNADA DO MARANHÃO por ordem de Sua Majestade


feita o ano de 1614, de Diogo de Campos Moreno, sargento-mor do
Estado, a quem Varnhagen atribui a autoria da Razão do Estado do
Brasil, é um livro importantíssimo, que constitui a certidão de batismo
das guerras de nossa conquista, um relato minucioso feito por quem delas
participou e comandou, elaborado com base nos menores detalhes.
É fascinante acompanhar, com a imaginação, o que se passou
nestas praias, ainda hoje desertas, na segunda década do século XVII.
Tenentes, generais e soldados com peitos e rodelas de aço, morriões e co-
ladas, tambores de guerra tocando e ordens de batalha dadas ao som das
trombetas de avançar, tudo num cenário de silêncio daqueles anos em
que nada se sabia do mundo. O vento que vinha do mar varria a areia
branca da praia, e nela, índios e fidalgos, entre audácia, selvageria e
medo, lutavam, enviados por ordens de reis e rainhas, invocando a fé e
matando pelos santos preceitos.
Este livro cativa no acompanhamento, tanto pelo relato como
pela imaginação, na lembrança de corsários, índios, mercenários, aventu-
12 Diogo de Campos Moreno

reiros, idealistas e heróis misturados numa saga sangrenta e gloriosa para


assegurar a quem devíamos pertencer. Se a Portugal, àquele tempo perten-
cido a Filipe II de Espanha, se a Maria de Médicis, viúva de Henrique
IV e mãe de Luís XIII, viúva de um conquistador desbragado e libertino,
que ao ser inquirida pela marquesa de Verneuil, amante do rei morto, se
poderia voltar ao Louvre, respondeu:
“Sempre respeitarei a todos aqueles a quem amou o rei, meu
marido; pode reaparecer na corte, onde será bem recebida.”
Mas o presidente do Parlamento, ao relatar o crime de Ra-
vaillac, afirmou naquela casa que a reação da rainha foi suspeita ao sa-
ber da morte do rei, por ele comunicada: “Não a encontrei nem surpresa
nem aflita!”
A bandeira que esta mulher deu a La Ravardière estava des-
fraldada nas dunas de Guaxenduba: Tanti dux faemina facti era o
lema, com as armas da França, em fundo azul-celeste, um navio tendo a
rainha e o filho que dela recebe um ramo de oliveira.
O Maranhão, diz o padre Antônio Vieira, em sua História do
futuro, estava nas profecias do profeta Isaías, “gente nascida e mais criada
na água que na terra”, ... e “são pontualmente os maratins dos Mara-
nhões”.
A nossa história nasce sob o privilégio dos grandes escritores. O
primeiro donatário é João de Barros, historiador emérito. A fundação é
documentada por importantes cronistas. Estes livros são basicamente a His-
tória da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras
circunvizinhas, escrito pelo padre Claude d’Abbeville, da missão francesa;
um opúsculo, L’arrivée des pères capucins et la convertion des sauvages
à notre sainte Foy, Paris, 1613; Voyage dans le nord de Brésil, de Yves
d’Evreux (1614-15), somente editado em 1862; a Jornada, agora reedita-
do, datado de 1614, e uma História do Maranhão, do frei Cristóvão de
Lisboa, em três volumes, devorada pelo incêndio que se seguiu ao terremoto
Jornada do Maranhão 13

de Lisboa, em 1755, e apenas salvo o 3º volume, que estava no gravador, e


assim escapou da destruição. Descoberto recentemente, foi editado em 1967
pelo Arquivo Ultramarino e tem por título História dos animais e árvores
do Maranhão, contendo belos desenhos e um documentário que prova o
pioneirismo dos portugueses nos estudos de história natural no Brasil.
O livro do padre d’Abbeville e este de Diogo de Campos Moreno
são para nós, maranhenses, os mais importantes. De um lado, o relato da
visão civilizadora dos franceses e do outro o sentimento de defesa da terra
de que se achavam donos os portugueses. Sob certo aspecto, a Jornada do
Maranhão contém dados de interesse mais universal que a História dos
padres capuchinhos. O livro de Diogo de Campos mostra como se prepa-
ravam as guerras, o seu apoio logístico, o recrutamento das tropas e o tipo de
combates. É um documentário administrativo, e não obra de historiador.
Ele não interpreta os fatos, apenas registra-os, mas ao registrá-los fornece
ao historiador aquela matéria que se torna eterna pelo milagre da palavra
escrita. A primeira referência a este livro foi feita por Berredo, que dele
muito se valeu para escrever os seus Anais. Ele afirma que o encontrou
na Grande Livraria do 3º Conde da Ericeira, e o relaciona entre as obras
que consultou: Relação da jornada de Jerônimo de Albuquerque para a
conquista do Maranhão. Manuscrito, sem nome do autor. Em 1812, a
Academia Real das Ciências de Lisboa o publica, já identificando o texto
como de Diogo de Campos Moreno. Não há dúvida de ter sido ele o autor.
Além das abonações contidas no prefácio da edição primitiva devo aduzir
algumas. Nesse texto passou despercebido o fato de que este relato não era
obra de um escritor, mas o diário de um comandante. À página 26, quan-
do ele fala das dificuldades da costa, afirma: “mandando-se de tudo fazer
um assento, para que constasse a todo tempo”.
Por outro lado, a preocupação permanente de Diogo de Campos
Moreno é documentar o seu procedimento impessoal, cumprindo missão
determinada pelo governador-geral e pelo rei, a quem sempre invoca nas
divergências com Jerônimo de Albuquerque. O fato de ser um relatório o
14 Diogo de Campos Moreno

obrigava a não tê-lo como obra de sua autoria, sem mérito outro senão o
de um oficial responsável, reconhecedor das leis de guerra e zeloso de seu
ofício. Ele se preparou para uma grande guerra, longa e difícil. A Jornada
tornou-se milagrosa porque os franceses não sabiam lutar e não tinham
vindo ao Brasil para lutar, e sim para civilizá-lo, servir aos interesses da
religião e da conquista.
As cartas que aqui são transcritas de Jerônimo de Albuquerque
e de La Ravardière mostram o estado de espírito dos invasores. No prin-
cípio a perplexidade, depois as mesuras e a magnanimidade. A morte de
um dos grandes amigos do comandante quebrou-lhe o ânimo.
A partir desse momento somente deseja a paz. Essa confissão
explica para nós como um exército tão numeroso, tão pleno de recursos,
foi derrotado por soldados maltrapilhos que não tinham sequer um
enfermeiro, nem comida, nem ataduras, nem meios, e muito menos
conhecimento do terreno. Por isso, as ordens de Jerônimo de Albuquer-
que, o grande conhecedor dos índios, dos artifícios e das fraquezas dos
nossos primeiros habitantes, se chocam com as de Diogo de Campos,
soldado que lutara em Flandres com o príncipe de Parma e que onde
chegava desejava construir fortes, ordenar companhias e esquadras, se-
gundo as regras mais apuradas da ciência e disciplina militares, con-
trastando com o velho Albuquerque, decidido, arrojado e vaidoso, com
uma imagem própria e legendária de conquistador de terras, como bem
observa João Lisboa.
Essa divergência de temperamento e de formação é bem evidencia-
da no diálogo entre o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque e o sargento-mor
Diogo de Campos, sobre como conduzir a guerra. Um confiava na audácia
e no arrojo; o outro, em seus conhecimentos científicos. É por isso que o autor
da Jornada diz ao velho guerreiro que esta luta “não era jornada de sertão,
senão de S. Majestade”. Era uma alusão bem clara aos métodos de Jerônimo
Jornada do Maranhão 15

de Albuquerque nas guerras de captura e ocupação das imensas vastidões do


território brasileiro.
Episódio singular também é relatado neste livro: uma aposta
estranha e singela que se faz nas praias das ilhas desertas do Maranhão.
Aqueles homens curtidos pelo sofrimento e pela aventura não
sonhavam com o fausto nem com a glória. Suas ambições eram singelas.
Vamos reconstituir o diálogo:
(Albuquerque) “Apostemos umas meias de seda, que antes de
sábado tenho índios do Maranhão...
(Diogo de Campos) “Sou contente de as perder... porém, se as
ganhar, lembro que mais há de dar V. Mercê...”
A Jornada, além do interesse específico para a História do Ma-
ranhão, nos fornece outras indicações sobre a terra. O Ceará, por exem-
plo, tem sua primeira seca testemunhada quando ele fala que Jerônimo
de Albuquerque ali não achou “cômodo para povoar por ser toda a terra
mísera, seca e não ter água para beber”. Mais adiante diz que em 1614
houve uma grande seca, pois eles não podiam empreender a caminhada
por terra: “as secas daquele ano foram mui grandes, achou-se que não
havia água para beber; nem folha verde, com que se cobrirem...”.
No mesmo relato ele nos diz que os índios tinham noção da
existência de doenças contagiosas e que usavam o fogo para evitar as
epidemias. Eles mandaram recrutar índios na serra do Ibiapaba, mas
seu chefe, o cacique Diabo Grande, mandou dizer ser impossível “dar-
lhe gente... por falta de saúde, que todos os seus, e eles tinham tal, que
haviam queimado as casas e aldeias, e viviam no campo até de se passar
o contágio daquele mal que os afligia”.
Finalmente as cartas trocadas entre os comandantes são documen-
tos importantes para o Maranhão. Vê-se que os franceses tinham em vista
edificar uma colônia em bases altas. O gabinete de La Ravardière surpreende
pelos instrumentos náuticos, aparelhos de ciência, e onde recebia seu inimigo
16 Diogo de Campos Moreno

com “música concertada”. Sua primeira missiva é assinada como “este teu
mortal inimigo”. Já Albuquerque, que nada falava de francês, dirá: “il sera
comme vous plaira”.
As últimas cartas, entretanto, têm um tom diferente: “Eu lhe
beijo às mãos com vossa licença, e o mesmo faço a vós ambos, vosso servi-
dor, Ravardière”.
(Albuquerque) “El capitán de Campos y yo os besamos las
manos muchas vezes. Hieronymo de Albuquerque.”
É este livro que está agora editado.
Napoleão dizia que a guerra era assim mesmo:
“De manhã vai bem, de tarde vai mal; de tarde vai bem, de
manhã vai mal...”
La Ravardière, vencido, sabendo da morte de De Pisiaux, seu
amigo e companheiro de sonho desta nova França, ficará trancado no cama-
rote de sua nau capitânia, fundeada ao largo da baía. A ninguém falará nes-
se dia, seu rosto não aparece. É somente tristeza, “pela morte do tenente-geral
De Pisiaux e pelos demais parentes e amigos do Senhor de La Ravardière,
aquele dia, nem o outro, falou a ninguém, encerrado em seu camarote, como
homem pouco acostumado a ser vencido...”.
Do outro lado, o vencedor, Diogo de Campos, dizia a Jerôni-
mo de Albuquerque:
“Cuido, Senhor, que ganhei as meias, e que não somente não
terá V. Mercê índios de paz, mas que terá franceses de guerra”.
E entre lágrimas pelos amigos mortos e cantos de alegria
pela vitória, na batalha de Guaxenduba morreu o sonho daqueles fi-
dalgos de construir nesta terra outra grande terra. Deles guardamos o
nome da cidade, a tradição e os gestos. Mas ficamos portugueses para
a eternidade, na disputa destas mágicas “meias de seda”.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À conquista do Maranhão
JOSUÉ MONTELLO

N O CATÁLOGO dos livros e relações manuscritas, relativo a


memórias do Maranhão, e que figura à entrada dos Anais Históricos,
de Bernardo Pereira de Berredo, vem arrolada, em décimo quarto lugar,
a relação da jornada de Jerônimo de Albuquerque para a conquista do
Maranhão, como manuscrito da biblioteca do conde de Ericeira.
Esse manuscrito não trazia nome de autor.
Dele se valeu Berredo, em seus Anais Históricos, daí extrain-
do muito dos subsídios em que se apoiou para escrever boa parte do livro
II dos mesmos Anais.
A Academia das Ciências de Lisboa, por iniciativa de um de
seus sócios, Joaquim José da Costa e Sá, publicou a referida Jornada, em
1812, na Coleção de notícias para a história e a geografia das nações
ultramarinas, tomo I, e com isto abriu caminho à divulgação do velho
apógrafo A história dos feitos portugueses, no gradativo domínio dos
mares e das terras, numa época de navegação insegura, certamente toda
uma vasta saga de feitos épicos. Somente um deles – a viagem de Vasco
18 Diogo de Campos Moreno

da Gama à Índia – bastou ao gênio de Camões para tema dos dez cantos
de Os Lusíadas, certamente a mais bela epopeia de língua portuguesa,
em todos os tempos.
De tal modo as aventuras portuguesas nos espantam, quer nas
histórias trágico-marítimas, quer nas Décadas, de João de Barros e Diogo de
Couto, que somos inclinados a crer, lendo a famosa Peregrinação, de Fernão
Mendes Pinto, que há, ali, menos ficção que realidade.
Com efeito, ao lermos os feitos realmente históricos nas pági-
nas dos cronistas e epistológrafos, a realidade nos parece tão estarrecente
quanto a ficção, não havendo assim razão para a interferência da fanta-
sia romanesca em muito do que narrou Fernão Mendes Pinto.
Atentemos agora para o fato de que o livro genial de Cervan-
tes, Dom Quixote, foi publicado em Lisboa, na fase em que Espanha e
Portugal se achavam unidos, sob a mesma coroa espanhola. Que é o herói
de Cervantes? Um leitor de novelas pastoris e de novelas de cavalaria,
inclinado a aceitar como verdadeiros todos os feitos absurdos contidos
nesses dous tipos de novela. Lembre-se mais a circunstância de que o
homem ocidental estava rodeado de fatos tão surpreendentes que não
haveria exagero em aceitar como verdadeiros os arroubos de imaginação
dos novelistas. A realidade era realmente fantástica. Por que a fantasia
não seria também real, impondo-se à credulidade humana?
Alcântara Machado, em Vida e morte do bandeirante, conta-
nos que, rebuscando os papéis cartorários dos desbravadores que fizeram a
nossa conquista leste-oeste e norte-sul, encontraram alusão a um volume de
Fernão Mendes Pinto, provavelmente as Peregrinações. No inventário de
Pero de Araújo, a carência de papel adequado levou o escrivão a valer-se
de uma folha em que figurava a cópia manuscrita de algumas estrofes ca-
monianas, precisamente aquelas em que os portugueses se preparam para a
conquista do cabo Tormentório.
O fantástico da literatura andava a harmonizar-se com o fan-
tástico da história verdadeira, como se não houvesse fronteiras exatas
entre realidade e fantasia, nesses tempos assombrosos.
Jornada do Maranhão 19

A Jornada do Maranhão tem de ser lida sem que percamos de


vista essa concordância. Lembro-me de que, numa das histórias trágico-
marítimas, um grupo de portugueses, vendo a água invadir o barco, em
meio à tormenta, tratou de girar a bomba, embora eles soubessem que
iriam morrer – porque desejavam morrer trabalhando.
O que aqui se relata na luta para o domínio dos mares e a con-
quista das terras do Maranhão, já quase a alcançar a Linha do Equador,
no lento subjugar das águas desconhecidas, tem o sabor das conquistas su-
premas. O homem, em face das forças da natureza, reconhece a desigual-
dade da luta, mas não se deixa intimidar por ela.
Foi dali que proviemos, nós, os maranhenses. Convém que nos
debrucemos sobre estes velhos textos com orgulho e alma reconhecida.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Artigo extraído das atas da


Academia Real das Ciências

D ETERMINA a Academia; que o manuscrito que contém a Jor-


nada do Maranhão por ordem de S. Majestade feita o ano de 1614,
e lhe foi apresentado pelo seu correspondente do número Joaquim José
da Costa e Sá, e se julgou digno de publicar-se, fosse impresso à custa da
Academia, e debaixo do seu privilégio; e que se inclua na Coleção de
Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas que
vivem nos Domínios de Sua Alteza Real1, ou lhes são vizinhas.

JOÃO GUILHERME CRISTIANO MÜLLER


Secretário da Academia

1 Na edição primeira, de 1812, da Academia Real das Ciências, está “portugueses”,


que Cristiano Müller trocou por “de Sua Alteza Real”. (N. do E.)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Prefação
(DA ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE
LISBOA PARA A EDIÇÃO ORIGINAL)

A JORNADA DO MARANHÃO, feita por Jerônimo de Albuquerque


em 1614, e que a Academia Real das Ciências manda publicar como fazendo
parte dos Documentos para a História dos Domínios Ultramarinos Portugue-
ses, foi tirada de um manuscrito que, pela sua letra e forma, parecia não só
datar da mesma época dos acontecimentos que refere, mas até ser o próprio
autógrafo do autor, que quis ocultar o seu nome.
Bernardo Pereira de Berredo, autor bem conhecido pelos seus Anais
históricos do Estado do Maranhão, teve já um bem cabal conhecimento deste
mesmo manuscrito, pois, além de citá-lo em o Catálogo dos Livros e Relações
Manuscritas que vem no princípio de sua obra, se serve muito dele em o seu
segundo livro, que trata das primeiras tentativas dos portugueses para recobrar
aquele país, e sobretudo em o terceiro e quarto, em que transcreve quase pelas
24 Diogo de Campos Moreno

mesmas palavras a maior parte dele. O mesmo Berredo confessa este plagiato
em as seguintes expressões tiradas do § 217: “Porque tive a felicidade de que a
universal vivente biblioteca das nossas idades, dom Francisco Xavier de Mene-
ses, 3º conde da Ericeira, me comunicasse generosamente um manuscrito, sem
nome de autor, porém do mesmo tempo desta expedição, que, conferido com as
minhas memórias, acho que é certíssimo diário dos sucessos dela, me pareceu
fazê-lo público à insaciável ambição dos estudiosos, procurando contudo na
restrição formal das suas notícias inclinar a benevolência dos mais severos ins-
petores dos preceitos da História, na rigorosa crítica das reflexões modernas”.
Julgamos bastante esta passagem a acreditar este opúsculo, visto ser
ele o mais antigo, ou para melhor dizer o único monumento donde é tirado
tudo o que atualmente se sabe a respeito daquela jornada de Jerônimo de Al-
buquerque.
Em quanto ao autor que a escreveu: não temos dúvida em afirmar
que foi Diogo de Campos Moreno, capitão e sargento-mor do Estado do Brasil,
o qual acompanhou Jerônimo de Albuquerque naquela Conquista, não só em o
seu posto de sargento-mor do Estado, mas como seu adjunto e colateral, expres-
sões de que se serve o governador Gaspar de Sousa em a patente que lhe passou
em Olinda aos 30 de julho de 1614.
Os motivos, que nos movem a esta persuasão, são bem fáceis de veri-
ficar pela leitura da mesma obra. Mostra-se pelo contexto dela que o seu autor
presenciou os fatos que refere tão miudamente, e que tinha uma instrução sufi-
ciente da ciência naval e arquitetura militar; além disso, conta por duas vezes,
e com muita miudeza, fatos em que ele se achou só dentre os portugueses, ou
com um único companheiro, sendo o primeiro a entrevista que teve com Mr.
de La Ravardière, e que vem à p. 78 e 79; e o segundo a outra entrevista com
o mesmo governador, e que vem à p. 99 e seguintes, em ambas as quais relata
com tanta miudeza as palavras que disse, e lhe responderam, e até os risos e
gestos dos franceses na sua presença, que só uma testemunha ocular seria capaz
de fazer aquela narração tão circunstanciada.
Outro motivo que nos induz a esta crença é que a história é escrita
com tal arte que toda a glória daquele sucesso se atribui não a Jerônimo de
Albuquerque, mas sim ao mesmo Diogo de Campos Moreno, sem que por isso
o autor diga uma única palavra em seu elogio, como era de esperar: pelo con-
Jornada do Maranhão 25

trário, ele se contentou de fazer falar os fatos, sem passar pelo desdouro de se
gabar a si mesmo.
Em quanto às razões que fizeram com que Diogo de Campos não
assinasse seu nome, ficarão conhecidas quando, depois de lida a sua obra, se
vir a liberdade com que é escrita, e as expressões com que se explica a respeito
de alguns indivíduos, principalmente do capitão-mor da expedição, Jerônimo
de Albuquerque, do qual, apesar de tudo, ele sempre se ficou dando por amigo,
como diz expressamente à p. 48.
Finalmente, deve-se notar que este Diogo de Campos foi quem trou-
xe a Lisboa o ajuste de suspensão de armas entre os dous comandantes, franceses
e portugueses, e que com sua saída do Maranhão para Portugal se dá fim àque-
la história, que acompanha seu autor até o apresentar diante do arcebispo vice-
rei de Portugal em 5 de março de 1615, época em que pouco mais ou menos
este opúsculo teria sido escrito, não sendo assim para admirar que o conde da
Ericeira viesse a ficar de posse dele.
O manuscrito foi comunicado à Academia pelo seu correspondente
Joaquim José da Costa e Sá, pessoa tão conhecida pelos seus muitos trabalhos
filológicos. A sua arrebatada morte privou a Academia de que ele acabasse
uma erudita prefação a este livro, o qual ele se propunha dedicar ao Príncipe
Regente Nosso Senhor, magnânimo e augusto protetor de todas as empresas
acadêmicas.
Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

D EPOIS que os portugueses intentaram a Conquista do Ma-


ranhão, segundo o refere João de Barros em suas Décadas, e nela se per-
deram muitos homens e muitos navios, sempre esta empresa ficou es-
pantosa, para os que quiseram olhar para ela, e tão desacreditada pela
mesma razão diante de seu dono, que poucas vezes se achou conveniente
só o falar nisso. Mas Deus, que das cousas em bem nosso tem diferente
cuidado, ordenou que, o ano de 603, um Pero Coelho de Sousa, homem
nobre, morador na Praíva do Estado do Brasil, no tempo que governou
Diogo Botelho, quisesse intentar por terra o que já em outra ocasião por
mar tinha sabido desta Conquista, da qual se diziam tantas grandezas,
que parecia fabuloso o *sítio, as terras, as gentes e tudo o mais que dali se
prometia. Não faltavam homens que acompanhando esta *tenção se ofe-
receram à jornada à sua custa, não pedindo mais que licença, a qual enfim
se lhes deu o dito ano, e no mês de maio. Por ordem do dito governador,
foi fazer esta expedição Diogo de Campos Moreno, capitão e sargento-mor
daquele Estado, por obrigação do cargo, e porque juntamente foi visitar
aquelas fortalezas. De modo que partiu o dito Pero Coelho com oitenta
homens brancos e quase oitocentos índios de guerra, e com outros homens
práticos na língua da terra, e levou provisões de capitão-mor da dita Con-
quista, em virtude das quais fez capitães de infantaria, e levou dous *cara-
30 Diogo de Campos Moreno

velões e um grande piloto da costa francês, chamado Otuimiri, sem o qual


não fizera nada. Nas demais cousas do provimento, não foi largo como
convinha, porque as forças eram poucas, e assim marchou até o Jaguaribe,
donde no Ceará *ajuntou a si todos aqueles índios moradores, com os
quais, por necessidade da comida e por passar avante, foi até a grande serra
de Buapava, e teve grandes recontros com os *tabajares de Mel Redondo,
e deu-lhe Deus grandes vitórias, e tais sucessos, que realmente, se fora sua
*tenção o Maranhão somente, muitos asseguram que chegara a ver suas
terras. Porém o homem, obrigado de cartas de seus mandadores, e do mau
provimento e socorro que lhe deram, pois nunca foi tal que passasse de
promessas, se tornou a Jaguaribe com desenho de fazer ali nova povoação e
colônia, para a qual trouxe desde a Praíva sua mulher e filhos, e deu nome
à terra a Nova Lusitânia, e ao lugar a Nova Lisboa. Mas como todas estas
obras eram sem ordem nem braço de rei, e o governador tratava de que
lhe mandasse parte dos índios, como por cartas e ordens suas hoje parece,
discorrendo que como de cativos era gente devida às primícias de seu go-
verno, entendendo disto os homens que a jornada se havia feito somente
para cativar e vender índios, deram-se tão boa manha que em breves dias
venderam até aqueles que fielmente os haviam ajudado e acompanhado na
guerra.
Neste tempo sucedeu que os holandeses acometeram a Bahia de
Todos os Santos, sendo seu general Paulo Wancarden, a qual se defendeu
desta armada honradamente, não tendo fortificação, nem artilharia equi-
valente a semelhantes forças, e assim para avisar a S. Majestade deste caso,
como da necessidade que aquele povo tinha de fortificação, e Paranambu-
co de um forte na sua *barra e de artilharia de alcance, e de munições de
guerra e armas, e assim para que avisasse ao dito senhor das cousas da Con-
quista da costa de leste-oeste, e das muitas razões que havia para se acudir
àquela costa, da qual sabidamente se serviam e apoderavam os inimigos,
foi mandado o dito Diogo de Campos a Espanha a tratar estas cousas, o
que fez partindo no ano de 604, e no de 605 e 606 alcançou ordem para as
fortificações do dito Estado e outras cousas de importância. Porém nunca
pôde alcançar que lhe deferissem às propostas do Maranhão, porque houve
alguma opinião que a jornada era mais conveniente aos particulares, que
desordenadamente se haviam havido nela, que não ao comum do servi-
Jornada do Maranhão 31

ço de Deus e de S. Majestade, e que o governador mais tratava dela por


se estar em Paranambuco que para socorrer a Pero Coelho, nem mandar
tratar do que convinha. E estes juízos, que podiam ser temerários, todavia
se fomentavam com novas que cada dia se escreviam destas desordens, que
chegaram a estado a Pero Coelho de Sousa, que desamparado dos seus e
quase mais vendido do que o foram os que ele vendeu, se veio deixando
tudo miseravelmente a pé com sua mulher e filhos pequenos, parte dos
quais pereceram de fome, fazendo tão lastimoso este seu passagem como
o de Manuel de Sousa na terra dos cafres. E assim se acabou a boa *tenção
desta empresa bem começada em nome de S. Majestade, e sem custa algu-
ma de sua Real Fazenda, ainda que todos os particulares ficaram perdidos,
se foi necessário que o dito senhor mandasse acudir à desordem dos cati-
vos, tirando-os a quem os tinha, e tornando-os a mandar restituir a suas
terras vestidos e contentes.
Acabado este sucesso, pareceu ao Colégio dos Padres da Com-
panhia de Jesus que esta empresa era sua deles, e de sua opinião e doutri-
na, como enfim pessoas dedicadas a descer e amparar os índios. Pelo que
havendo-se bem aconselhado na matéria pediram licença para dous padres
e quarenta índios irem até a grande serra da Buapava e dela ao Maranhão,
ou ao menos às partes a ele mais vizinhas. Porque entendiam que os mes-
mos índios haviam de abalar-se para os receber, e levá-los a tomar posse de
todos aqueles mundos. Porém Deus foi servido de outra cousa, e sucedeu
que, havendo os reverendos padres chegado já à Buapava, deixando de
novo quietos e mui amigos os do Ceará, passando avante foram no cami-
nho salteados dos tapuias da serra, *salvajes, que a todos fazem o mesmo,
andando como feras sempre no campo: foi morto o padre Pinto nesta *en-
volta, homem de grande bondade e exemplo na vida, que ali perdeu por
Deus, e está hoje o seu corpo venerado no Ceará dos mesmos índios, que
dizem que, depois que o têm consigo, que sempre lhes chove água do céu,
e lhes vai bem. O outro padre, Figueira, escapou por entre o mato com
alguns dos índios, que o encaminharam, e quando se viu no Ceará não fez
pouco, nem ali estivera muito seguro; mas neste tempo, vindo outra vez o
dito sargento-mor do Estado visitar a fortaleza do Rio Grande, e achando
notícia do aperto em que o dito padre estava, e vendo que o padre Pedro
São Peros queria ir ao buscar, deu a sua embarcação e soldados, que foram
32 Diogo de Campos Moreno

ao trazer dali cem léguas, donde estava enfermo e consumido, e tal fim
houve esta segunda empresa do Maranhão.
Já neste tempo governava o Estado do Brasil Dom Diogo de
Meneses, cujo zelo e cristandade parecia assegurar as maiores empresas
dele, tendo entre outras muitas cousas de substância alcançado, praticado,
e quase assentado, a forma mais fácil, mais breve e menos custosa de aquela
Conquista desdenhada, e quase de todos já avorrecida, e dando com sua
costumada prudência e verdade conta da importância da costa de leste-
oeste, e de seus portos até o Maranhão, e mostrando que não só estava em
perigo de *cossários se valerem dela, mas de outros tiranos, que possuin-
do-a podiam intentar grandes cousas contra o Peru, e todo novo mundo
da América, ao melhor do qual ficavam de *balravento, juntando a isto a
relação de certos franceses que em um *patacho se tomaram na boca da
baía, os quais descobriram muito do que sabiam, finalmente deferindo S.
Majestade aos avisos do dito governador, lhe mandou que, com particular
cuidado e diligência, se tornasse a informar das cousas daquela Conquista,
e do modo melhor em que podiam fazer-se.
Em virtude desta carta de S. Majestade, logo o governador no
ano de 611 mandou ao sargento-mor Diogo de Campos ao Rio Grande,
para que como parte mais próxima ao Jaguaribe de novo se informasse do
que convinha ao cumprimento da ordem do dito senhor.
Tinha o dito Diogo de Campos um parente seu, o qual de mui-
to pequeno havia mandado com Pero Coelho de Sousa, para que, ser-
vindo naquela entrada, aprendesse a língua dos índios e seus costumes,
dando-se com eles e fazendo-se seu mui familiar e parente ou compadre,
como eles dizem. Sucedeu isto tanto à medida do desejo, que, havendo-
se Pero Coelho de Sousa retirado em descrédito dos índios e os padres da
Companhia com pouca dita, só o moço chamado Martim Soares Moreno
sustentou o crédito e amizade destas gentes do Jaguaribe. Pela qual opinião
o dito governador Dom Diogo de Meneses o fez tenente da fortaleza do
Rio Grande, donde o achou servindo Lourenço Peixoto Sirne, quando foi
ser capitão de aquela capitania, fazendo que em seu tempo o dito Mar-
tim Soares fosse, como foi, três vezes ao Jaguaribe, cada vez confirmando
mais a paz e amizade com Jacauná, principal de aquelas gentes, o qual lhe
chamava filho: de que sucedeu que, chegando o dito sargento-maior ao
Jornada do Maranhão 33

Rio Grande, fez uma mui conveniente e nova relação das cousas daquela
Conquista, de modo assim gizada narração de seus fundamentos, que foi
assinada por todos os capitães de aquelas capitanias do norte até do de
Paranambuco, assegurando ser convenientíssimo fazer-se a Conquista, e
irem-se assegurando e povoando primeiro alguns portos de aquela costa
com pequenos *presídios.
Com estes pareceres, se resolveu o dito governador não só de
avisar a S. Majestade como fez cumprimento da ordem que tinha, mas de
dar, como deu, princípio à obra no dito ano. E assim despachou ao dito
Martim Soares, fazendo-o capitão do Ceará, e dando-lhe só dous soldados,
a fim que os índios não o tivessem por hóspede pesado, e vissem como não
ia a lhes fazer guerra, mas antes a se fiar nas suas amizades e forças: e que
assim tratasse de fazer fortaleza e igreja para se batizarem e doutrinarem os
ditos índios, para o que lhe deu capelão, ornamentos e um sino, e outras
cousas necessárias, com que se partiu e chegou a salvamento ao Ceará,
donde fundou igreja a N. Senhora do Amparo, e fez um forte capaz de du-
zentos homens soldados, e moradores, e nele com amizade e fé de Jacauná,
o qual fez vir a alojar-se meia légua do forte com a sua aldeia. Sucedendo,
para confirmação deste bom princípio, que tomou o dito Martim Soares
um navio holandês com ajuda dos índios, indo ele nu entre eles, e tingido
de jimpapo, que faz a carne como negro de Guiné, matando em terra e no
dito navio 42 homens, ficando senhores da nau e do que tinha em si de
mantimentos, armas, e *artilheria, e munições, e com este sucesso aumen-
tando-se o crédito da dita povoação, fizeram fugir do porto de Mucuripe
outra nau, matando-lhe alguns homens do batel, o que foi causa de que a
15 ou 16 léguas daqui fosse dar à costa, onde dizem que se perdeu, além
da gente, muito marfim e ouro da Costa da Mina, que com doença não
havia quem mareasse as velas. Tudo isto aconteceu já no cabo do governo
do dito Dom Diogo, e estando ele na Bahia de Todos os Santos, confiando
que de Paranambuco se teria cuidado do que à nova colônia importasse.
Mas sucedeu que se descuidaram tanto do dito Martim Soares que quase
se viu desacreditado e perdido com os índios, que, soberbos das presas al-
cançadas e não vendo que se fazia conta de aqueles brancos, e não faltando
um mau cristão que de secreto avisava aos bárbaros que os matassem, que
sem ordem se havia ido ali para os cativarem, estiveram mui em risco de
34 Diogo de Campos Moreno

perder as vidas e o bom princípio que com justa quietação se havia dado, e
sucedera dano, se o dito Martim Soares, já mui prático da língua e modos
de proceder dos índios, não se valera de sua indústria, até que lhe chegou
socorro.
Neste tempo, sendo S. Majestade já informada das cousas do
Maranhão, e da importância delas, e do modo em que o Governador Dom
Diogo de Meneses lhe tinha dado princípio, e havendo criado novo go-
vernador do dito Estado a Gaspar de Sousa, fidalgo de tantas partes, e
tão grande soldado, que para ele parece que guardava o Céu este encan-
tamento, e que dele se podiam esperar todos os bons sucessos, mandou
que, conformando-se com o que mais conveniente lhe parecesse para a
dita Conquista, assistisse sua pessoa em Paranambuco, e tratasse de eleger
pessoas em cargo, quais para a tal jornada bem lhe parecesse. Porque de tal
sorte lha encarregava, que, para a fazer, lhe dava todo o poder necessário
em assistência de dinheiro, como em efeito lhe deu, e *parou todas as
prevenções e cartas necessárias como se verá adiante, e assim, tanto que o
dito Gaspar de Sousa entregou a Paranambuco, não só tratou de socorrer,
como fez a Martim Soares em um momento, mas para a Conquista elegeu
logo capitão, nomeando no dito cargo a Jerônimo de Albuquerque por
ser experimentado nas cousas do sertão e dos índios, como por ser grande
*truxamante ou língua entre eles, e com nome de seu benfeitor e parente
ser muito aceito e conhecido em toda aquela costa, nas quais qualidades
parece que consistiu o maior peso da expedição, que sem índios era im-
possível fazer-se antes, o número deles quanto maior fosse, mais parece
que assegurava a jornada, e assim se tinha o dito governador persuadido
nesta consideração que, com só este homem abalar-se, se abalaria todo o
gentio de todas as partes, sem despesa da fazenda de S. Majestade, sem
algum trabalho. Contudo, não quis o Albuquerque partir-se sem muitos
homens brancos e tanto resgate quanto pôde tirar da fazenda de S. Majes-
tade, dizendo que além de sua fama e das dádivas se haviam de abalar todos
os índios de Jaguaribe, de Buapava e os tapuias do Parameri, chamados
*teremembés. E em efeito, vindo a contentar-se com o que lhe deram, que
não foi pouco, se partiu, e chegou ao Ceará o ano de 613, donde levou
consigo ao capitão Martim Soares, que com facilidade se lhe ofereceu para
reconhecer tudo o que faltava da costa até o Maranhão, e que entraria no
Jornada do Maranhão 35

mesmo rio, e com toda a brevidade possível tornaria a dar aviso se pudesse,
e que entretanto seria bom povoar-se o Camuri, que era um rio naquelas
partes de muito nome e muito próximo à grande serra de Buapava e dos
*teremembés, com os quais era mui necessário assentar pazes.
Partido Martim Soares, o dito Jerônimo de Albuquerque se foi
ao Camuri, e não achando cômodo para povoar, por ser toda a terra míse-
ra, seca e sem água para beber, se tornou atrás cousa de oito léguas à baía
das Tartarugas, chamada Peruquaquará, e ali assentou uma povoação, na
qual fundou um altar a N. Senhora do Rosário, e tratou com os índios da
Buapava que o seu principal, chamado o Diabo Grande, o viesse ver e ouvir
sua fala. Mas o índio, dando suas escusas, mandou um filho seu, oferecen-
do ao diante, quando ele tornasse, fazer o que lhe mandassem em nome
de S. Majestade, de quem era amigo, e dos brancos. Com isto se acabaram
os tratos e obras daquele ano e da despesa nele feita, que realmente, como
dizia o mesmo governador, já parece que pedia maior satisfação de obras.
Mas faltando Martim Soares, de quem não havia mais novas que as que ha-
via mandado do Pará, dizendo que tratara amizades com os *teremembés, e
que passava ao Maranhão, e vendo que o Diabo Grande havia refusado vir
a seu chamado, e que os mantimentos faltavam e a gente padecia falta de
todas as cousas, determinou de deixar nas Tartarugas 40 soldados com um
seu sobrinho, e partir-se por terra ao Ceará com o resto da gente, mandan-
do os barcos, que, costeando a costa como melhor pudessem, se tornarem a
Paranambuco, para donde ele também logo caminhava, não lhe parecendo
necessário para nenhuma cousa destas ordem do governador. E assim foi
este o fim da primeira Jornada de Jerônimo de Albuquerque o ano de 612,
chegando a Paranambuco a salvamento.
Neste tempo mandou S. Majestade ao sargento-mor daquele Es-
tado, Diogo de Campos, que logo se embarcasse em Lisboa, donde com
licença do dito senhor havia ido a levar sua casa, e que se fosse a servir na
Jornada do Maranhão, porque, quando de lá viesse, lhe mandaria fazer as
*mercês e honras que por aquele e os demais seus serviços merecesse. A isto
replicou por três vezes com instância o dito sargento-mor, escusando-se de
tornar ao Brasil, donde estava já despedido com licença do dito senhor.
Mas, estando nestas dúvidas, sucedeu que chegou aviso à corte de como
os holandeses armavam para o Brasil, pelo que o secretário Fernão de Ma-
36 Diogo de Campos Moreno

tos, em junho de 613, da parte de S. Majestade mandou ao dito Diogo


de Campos que logo se partisse a Lisboa, donde acharia uma armada até
400 homens, a qual se fiava só da diligência e partes de sua pessoa, com a
qual e com *ministros de guerra e *artilheria se havia de partir a socorrer
o Governador Gaspar de Sousa. Chegou a Lisboa o dito sargento-mor em
sete dias, donde achou trinta soldados assentados no armazém. Contudo,
sustentou esta opinião como pôde, avisando ao governador, do qual teve
resposta que a gente que se fazia era mui necessária, porque quando para
a jornada do mar para o efeito não servisse, seria para a Jornada do Ma-
ranhão, donde ninguém se deliberaria ir por sua vontade. Com esta carta
se tornou a aquentar a leva da gente. Porém chegou logo outro aviso do
mesmo governador, que a gente não convinha, porque se não achava em
tempo aquele estado para os pagar, e que só tomaria *artilheria e armas,
de que havia grande falta para o novo forte do Recife, e para os morado-
res. Com esta carta, o sargento-mor do Estado tratou de se partir com as
naus da Índia, e assim, alcançando duas *colebrinas para o forte da Lajem
do Recife de Paranambuco, e algumas armas e munições, e cousas para a
Jornada do Maranhão, se partiu em uma *urca, em 8 de abril de 1614,
com até 50 soldados para guarda de tudo, sem levar outra cousa, porque,
conforme aos avisos do governador, se entendia não haver mister nada.
A 26 de maio do dito ano chegou o sargento-mor do Estado ao
Recife, donde, no tocante à Jornada do Maranhão, achou um *caravelão
da Costa *apercebido de 300 alqueires de farinha somente para levar socor-
ro aos das Tartarugas, que havia três meses que comiam ervas do campo,
padecendo notável necessidade de todas as cousas. E achou que os ditos
soldados haviam sido acometidos de tapuias bárbaros daquelas comarcas,
que em número de até 300 vieram uma madrugada a dar na cerca, don-
de os portugueses se defenderam honradamente, tratando-os de sorte que
os fizeram afastar, e depois os obrigaram a ser amigos. Com este socorro
estava o *caravelão, e à falta de gente não partia, porque ainda que Jerô-
nimo de Albuquerque, que estava nomeado e se passeava na vila, estavam
tão frias as suas prevenções, que foi necessário mandar o governador um
substituto com o socorro, até que a armada fosse, e assim foi Manuel de
Sousa de Eça, natural das Ilhas, naquela província, e provedor dos defun-
tos e ausentes em Paranambuco. Finalmente, para o *caravelão partir, se
Jornada do Maranhão 37

tomaram 14 soldados dos que trouxe o sargento-mor, e 16 castelhanos


*arribados ali das Filipinas. Com este apresto aos 28 de maio partiu o dito
socorro, levando por culpa dos oficiais menores tão pouca pólvora que não
chegou a dous *arráteis. Chegaram a salvamento às Tartarugas a tempo, que
logo a 12 de junho chegou àquele porto uma nau de 400 toneladas com 300
franceses, de que se dirá adiante, os quais iam de socorro ao Maranhão. Mas
parecendo-lhes conveniente desfazer aquele *presídio, lançaram em terra até
100 homens, com os quais os portugueses vindo às mãos fora da sua cerca
os *escoseram de *feição, que, com um morto e sete feridos, os franceses se
retiraram à sua nau, e se foram seguindo sua viagem, ficando, dos do forte,
morto um e feridos quatro. A causa desta gente se embarcar sem fazerem
mais força aos da cerca foi porque não traziam mais ordem que para seguir
sua viagem. Contudo quiseram provar a mão para chegar honrados; mas
como viram mais resistência do que lhes haviam dito, logo desistiram se-
guindo seu caminho. De tudo isto teve o governador-geral aviso, e de que
em Ceará também a mesma nau lançara gente em terra, a qual levava frades,
e houve cartas suas deles em latim, a que se não deu crédito. Isto se soube
por aviso dos *presídios, os quais, ainda que distantes duzentas léguas, já se
aventuravam os soldados por terra a levar cartas a Paranambuco em menos
de um mês. E assim este último aviso, de que se trata, levaram Jorge Correia
e Jorge da Gama, soldados do Ceará, que chegaram a Paranambuco em 15
de junho, e Manuel de Sousa de Eça chegou com o socorro às Tartarugas a 9
do dito mês, segundo depois se soube.
O Governador Gaspar de Sousa, com o empenho desta gente,
a qual, com os de Ceará, chegava a 90 soldados de paga, parecia-lhe não
dilatar o resto, por não fazer vãs as despesas de cada dia e os socorros que
andavam e deviam de andar na carreira, pelo que desejava a saída de Jerô-
nimo de Albuquerque. E de outra parte, como as cousas do Maranhão e
da sua costa andavam tão escuras, e não havia pessoa alguma que daquelas
partes desse a conveniente notícia, tendo-se Martim Soares por perdido,
por faltar recado seu, já quase passando um ano, determinou contudo de
não estar parado, antes lhe pareceu como prudente que aquela costa, ou
por terra ou por mar, se acabasse de reconhecer até o mais próximo ao
Maranhão que se pudesse, fazendo-se no Pará, ou no Ototói, uma grande
povoação, a qual fosse abrigo da Jornada e de todas as outras, assentando-
38 Diogo de Campos Moreno

se em parte que houvesse terra para cultivar, por ver se poderia forrar-se à
custa e trabalhos dos mantimentos, que com tanta dificuldade se achavam,
quando convinha: pelas quais razões, e por uma natural confiança que
tinha em dar bom fim à empresa, mandou a Jerônimo de Albuquerque
logo se partisse a abalar os índios, para que, conforme a quantidade deles,
se aprestasse o necessário; mandou juntamente que ao dito se lhe passas-
sem novas provisões e regimento, e ao sargento-mor do Estado do Brasil,
Diogo de Campos, nomeou por colega e colateral do dito Jerônimo de
Albuquerque a igual voto nas cousas, para que nem se escusasse da ida
donde S. Majestade o mandava por estar nomeado o outro, nem, já que
fosse, houvesse diferenças nas resoluções das ordens, que, como haviam de
ser por votos, sempre a publicação delas de necessidade havia de ser em
nome do capitão da Conquista, que a ninguém se ficava subordinado mais
que ao governador; e ao sargento-mor do Estado, por seu cargo, tampouco
de outra pessoa naquelas partes, que do governador-geral, podia tomar a
ordem. Assim, que foi mui conveniente a traça para S. Majestade ficar mais
bem servido, como depois se mostrou nos efeitos.
Tendo isto assentado, mandou que se embarcassem 2.200 al-
queires de *farinha da terra em cinco barcos ou *caravelões da costa, com
ferramentas e cousas necessárias, parecendo-lhe que, para o que se havia de
fazer, que bastava este apresto, porque cada dia esperava ir provendo como
necessário fosse; de modo que Jerônimo de Albuquerque partiu para as
fronteiras dos índios da Prajuá a 22 de junho, e Diogo de Campos come-
çou de entender com as embarcações e assentos dos soldados, advertindo
do que mais conveniente lhe parecia para o tempo e as necessidades da
Jornada, a qual com menos de seis mil alqueires de farinha não era justo
intentar-se, pela falta de pilotos que havia para levar socorros, dos quais
não se podia ter confiança, até que dos mesmos navios tornassem alguns
a *balravento, cousa que até aquele tempo se tinha por infinita. Fundava-
se que a junta havia de ser de mais de mil almas, entre os quais o mesmo
governador fazia conta de 300 homens de mar e guerra, e de 500 frecheiros
índios, fora suas mulheres e criaturas, e os do Pará e Buapava, que o de
Albuquerque assegurava que se abalariam com ele para a jornada. E tudo
isto mal podia em cinco *caravelões fazer-se, e com a dita farinha, que
não chegava a 3 [mil] alqueires, sem outro provimento de comida, vinho,
Jornada do Maranhão 39

azeite, nem carne, nem *mezinhas, nem *físico, nem *barbeiro, nem cou-
sa alguma das que S. Majestade manda se deem a uma nau que parte do
porto, quanto mais a uma conquista tão perigosa nestas cousas. Ainda que
o dito sargento-mor se mostrava solícito, não era mui agradável ao pouco
que se podia a respeito do dinheiro, que faltava, e da gente, que não havia,
e dos avisos do Albuquerque, tão vários que se não podia sobre eles fundar
mais que dúvidas. O governador com sua prudência a tudo satisfazia, man-
dando *ministros por todas as partes *ajuntar farinha, pedindo dinheiro
emprestado para a leva da gente, tomando mais embarcações, mas de tal
modo que nem custosas nem defendidas fossem de seus donos, e estas
tais, como eram navios *mancos, pequenos e velhos, não autorizavam nem
asseguravam a Jornada, antes no meio destas prevenções todos entendiam
de fora que a Jornada se deixasse. O governador tudo isto fazia com o
olho em Jerônimo de Albuquerque, que umas vezes avisava que havia de
marchar por terra, e logo tornava, que não podia ser senão por mar, e isto
assim como com ele o praticavam os índios, que uns queriam e outros não
queriam embarcar-se. Os padres da Companhia diziam que por terra era
impossível fazer-se cousa boa por a larga distância até o Ceará, e caminho
sem gota de água, nem folha verde em muitas partes, de modo que quan-
do mais as cousas se mostravam tíbias, e que como digo nem mesmo o
governador parecia fiar-se nelas, então largando a casa de Paranambuco se
veio ao Recife, desejando de uma ou de outra sorte lançar fora o que junto
tinha, prometendo ser mui contínuo e pronto cada mês em mandar os so-
corros necessários. Alexandre de Moura e quase todos os práticos daquele
governo tinham contudo o negócio por duvidoso, e não se contentavam
dos fundamentos, nem da notícia, nem do cabedal daquela cousa, a qual
estando assim chegou aviso de Portugal, do capitão Martim Soares More-
no ser vivo e estar em seus trabalhos *arribado por Índias, e que havia visto
o Maranhão, e suas terras, e a grandeza e bondade delas, e que achava que
tinha muitos franceses, e fortalezas, e infinitos índios à sua *devação, pelo
que julgava serem necessárias para aquela Conquista grandes forças e ex-
cessivos gastos, e que para mais assim se informar do que passava naquelas
partes mandava o piloto Sebastião Martins e alguns soldados dos que com
ele se acharam, dos quais se poderia tomar mais larga informação, até que
Sua Majestade mandasse o que fosse servido. Esta gente, e aviso chegou a
40 Diogo de Campos Moreno

24 de julho a tempo que o almoxarife da Jornada tinha já recolhido assim


todo o pagamento dos *presídios de Ceará e Tartarugas, em fato, e alguma
pólvora e munições de guerra, e sempre se recolhia e embarcava a mais fari-
nha que se podia sem se tratar de outro algum mantimento. Também estes
dias, à persuasão do dito governador se acabaram de resolver os reverendos
padres capuchos de darem para a Jornada os dous que tinham oferecido, os
quais foram nomeados, e tocou a sorte ao P. Fr. Cosme de São Damião, que
havia sido guardião da Prajuá; e assim ao P. Fr. Manuel da Piedade, natural
daquela província do Brasil, homem nobre, teólogo, e grande *língua dos
índios. A estes reverendos PP. se não deu cousa alguma da Fazenda de Sua
Majestade, antes eles de esmolas se aviaram de cálices, ornamentos e tudo
o demais ao culto divino necessário, e de comida, com que fizeram infi-
nitas caridades a todos os da Jornada, a que puseram nome de Milagrosa.
Quis o Céu mostrar que na maior pobreza dava o *mor provimento, e na
menor notícia o maior conhecimento, e assim que também havia de dar,
como deu no tempo da *mor fraqueza o maior esforço. Isto só pela virtude
destes dous sacerdotes, sua vida, seu exemplo, e seu bom zelo. Também
neste tempo se ofereceram alguns particulares para a dita Jornada, como
foi o engenheiro do Estado Francisco de Frias, que com grande louvor
tinha acabado a fortaleza da Lajem do Recife, e assim o capitão Gregório
Fragoso de Albuquerque, que aceitou, à sua custa, servir uma companhia e
foi exemplo aos demais capitães, que também se contentaram com a paga
ordinária de soldados, até Sua Majestade mandar ordenar se lhes desse
soldo conforme a causa, e eles o merecessem, e assim se formaram quatro
companhias de 60 soldados cada uma, afora os particulares aventureiros,
que em uma esquadra à parte acompanhavam ao capitão-mor, quando
convinha.
Com as novas de Martim Soares e com a vinda de Sebastião
Martins se acabou de deliberar o governador a fazer mais alguma despesa e
mandar ganhar a *barra primeira do Maranhão chamada Perejá, porque o
dito piloto se obrigava a meter nela os navios, em parte segura com água e
terras boas para cultivar, suposto que o homem uma só vez havia entrado
naquele porto, sendo já passado um ano, mas a sua segurança e o desejo
do governador, que tinha de lançar fora esta armadilha, faziam *ganhado
o Perejá e a todos mui contentes se se vissem nele, e assim mandou fazer
Jornada do Maranhão 41

assento de que se fortificassem nesta *barra, e dessem logo aviso a Sua Ma-
jestade e a ele governador do que convinha a seu real serviço.
Já as ordens chegavam a este termo, e a cadeia e os fortes estavam
cheios de presos para embarcar, e os voluntários abicados às embarcações
pediam que comer; mas a comida e cousas mais necessárias não se acha-
vam, pelo que o sargento-mor do Estado não cessava de fazer lembran-
ças, advertindo que Manuel Mascarenhas Homem e Feliciano Coelho de
Carvalho, quando foram conquistar e povoar o Rio Grande 60 léguas de
Paranambuco, que o governador dom Francisco de Sousa, antes de tratar
na expedição, fizera o provimento da Jornada com 12$ cruzados em di-
nheiro da nau da Índia que foi ter à Bahia de Todos os Santos, e deu todos
os direitos dos escravos de Angola, e pôs um cruzado de tributo sobre cada
caixa de açúcar que se carregava naquele porto, e mandou que se tomasse
todo o dinheiro que estava recolhido dos defuntos e absentes, afora os so-
bejos dos dízimos, e afora o que gastaram muitos particulares por servir a
Sua Majestade, em que houve homem que só de sua *fazenda gastou dez
mil cruzados naquela jornada; e que além disso Alexandre de Moura estava
naquele tempo no Recife assistindo a mandar ao dito Rio Grande todos os
navios de provimento, vinhos, azeites, comidas, assim como chegavam do
Reino, e que Sua Majestade também mandou em duas grandes *urcas, pela
grande diligência e zelo do conde meirinho-mor, que governava a fazenda
do dito senhor em Portugal, nove peças de alcance de bronze e muitas de
ferro *coado, com tantas munições, armas e comida, que hoje parece cousa
incrível. Também veio ordem ao dito Manuel Mascarenhas para nomear,
e dar cargos e ordenados, quais lhe bem parecesse, como em efeito deu. E
com tudo isto dizem que a Jornada esteve tão arriscada a se alargar da mão
que tiveram feito assento disso, se Feliciano Coelho de Carvalho não che-
gara com o socorro da gente de Prajuá; sendo que os índios eram em mui
diferente número que os do Maranhão; e os franceses, que com eles anda-
vam, não chegavam a 60 homens sem cheiro de nobreza nem ordem de rei;
o que tudo é tão diferente na Jornada que se trata, que só de Paranambuco
a Perejá há 300 léguas, sem remédio, nem de tornarem tão cedo os navios
que lá forem, e que é cousa mui assegurada serem as forças dos franceses
mui grandes, pois só uma nau, de que havia notícia, além da que avisava
Martim Soares, era de 400 toneladas e levava 300 homens, muitos frades e
42 Diogo de Campos Moreno

povoadores, o que tudo assegurava haver daquela banda alguma grande co-
lônia, contra a qual achava serem necessárias mui diferentes forças das que
ao presente Sua Senhoria tinha, nem *ajuntar podia sem outros particula-
res favores e ordem de Sua Majestade, de quem era necessário aguardar-se
aviso, pois o que estava aparelhado só servia para engrossar as colônias da
costa e lançar as balizas mais avante, o que a *boamente faria se pudesse,
sem aventurar o todo da Jornada, a qual se esta vez se desacreditava ou
perdia, que para sempre o encantamento do Maranhão ficava mais cerrado
e mais espantoso aos olhos de todos pelas perdas já apontadas.
Bem via o governador que isto era falar a propósito, ainda que
não mostrava agradar-se de dificuldades, e mais quando as achava geral-
mente naqueles que aconselhar o podiam na matéria; e para mais ajuda
chegou, estando nestas dúvidas, uma carta de Sua Majestade, em que man-
dava que, sobre toda outra cousa, se lhe carregasse o pau-brasil às despesas
do dinheiro dos dízimos, e que não houvesse nada que isto *estorvasse, sob
pena de se haver pela fazenda e bens de quem causasse o contrário. Aqui
acabou o governador de se desgostar da Jornada, e sem dúvida a deixara,
se não estivera tanto cabedal metido. Contudo, tomando novo parecer,
mandou fazer outro assento, que visto ter feito despesa de mais de 16$
cruzados e estar quase *prestes tudo o que a terra podia a *boamente dar
de si, e Jerônimo de Albuquerque ser já parado ao Rio Grande com 300
índios flecheiros, conforme avisava em 29 de julho dito, com muita gente
branca, com todos os quais fazia e tinha feito despesa de dinheiro, armas e
mantimentos, e que parte dos índios já marchavam por terra, sem embargo
do que diziam os padres da Companhia, mandou que logo se partissem
dous *caravelões da costa, dos cinco que estavam destinados, com 1.200
alqueires de farinha, os quais, com a gente que levar pudessem, se fosse
logo ao Rio Grande para assistir a Jerônimo de Albuquerque, o qual en-
tendia que, sem dúvida, marcharia por terra neste modo de empenhar as
cousas. Fundava o governador um grande atalho ao que se lhe *presentava
de dificuldades, esperando que Deus o desempenhasse, pois a Jornada era
tanto de seu serviço, e contudo não parava de aviar ao sargento-mor, que
sempre apertava por farinha para seis meses pelo menos, pois dos socor-
ros não havia que ter confiança, como fica dito, nem nas partes donde
chegassem se havia de presumir que haviam de achar mais favor que o
Jornada do Maranhão 43

que consigo levassem e o que o rigor da guerra lhes permitisse. Enfim,


o governador, havendo chegado do Rio de Janeiro navios com farinha e
outros com peixe, mandou tomar até 6 mil alqueires de farinha com a que
estava embarcada, e 100 arrobas de peixe, e 20 *canastras de sardinhas,
e 20 *quintais de pólvora, três peças de *artilheria de ferro *coado, duas
de 13 *quintais, uma de 13, com 200 balas de ferro *coado, arcabuzes e
mosquetes, chumbo e morrão; e tudo o que mais pôde do armazém, com
que logo mandou ao sargento-mor do Estado que se partisse, pondo no
Regimento da Jornada uma *postila: que a Jornada fosse ao Pará ou Oto-
tói ou ao Perejá, donde melhor pudessem sem aventurar nada, antes que,
chegando ao Perejá, se fortificassem e avisassem Sua Majestade ao Reino,
e a ele governador por todas as vias, levando sempre a mira a fazerem a
Conquista do Maranhão sem se perder ponto nem ocasião, quando se ofe-
recesse, por ser este o último fim de tanta despesa. Com isto, e com outro
aviso do de Albuquerque que tinha 320 frecheiros com suas famílias, além
dos que por terra marchavam com o Camarão índio seu principal deles, e
homem de que fazia muita conta. Contudo, que convinha serem as embar-
cações muitas e mui capazes para embarcar-se estes que com ele estavam
com suas famílias, e assim virem muitos mantimentos e ferramentas, que
era a sua oração, sem tratar de outra cousa. O governador, vendo esta últi-
ma petição, mandou se tomasse mais uma caravela e um *patacho francês,
também navios *mancos e não mui capazes, donde se puseram dous *falco-
netes de bronze que estavam em dous dos *caravelões da farinha. Com isto
feito, em 21 de agosto estando todos embarcados, mandou o governador
descer a armada para baixo, a saber, dous navios redondos, uma caravela,
e cinco *caravelões com até 100 homens de mar e guerra, que, com os que
esperavam nos *presídios, faziam número de até 300 portugueses. E esta
foi a armada milagrosa com que saiu o sargento-mor do Estado, Diogo de
Campos Moreno, à Conquista do Maranhão, aos 23 de agosto de 1614,
sábado, às 7 horas da manhã, a se *ajuntar no Rio Grande com Jerônimo
de Albuquerque, seu colega, capitão da dita Conquista.
Este dia veio a armada a surgir no porto dos franceses, defronte
do rio Aviiajá, na Capitania de Itamaracá.
Deste porto, em 24 do dito, partiu a armada com bom vento
terral, e correndo a costa veio a surgir à baía da Traição, no cabo da Capita-
44 Diogo de Campos Moreno

nia da Prajuá, e na *derrota encontram este dia o *caravelão que vinha das
Tartarugas, de levar a Manuel de Sousa e o já dito socorro, o qual, como
parece, tinha na viagem posto desde 8 de junho até 24 de agosto, em que se
mostra a dificuldade com que daquelas partes se torna para *balravento.
Em 25 do dito, com bom tempo terral, partiu a armada na volta
do porto dos Búzios, e na *derrota se tomou o sol em seis graus, e se des-
pediu o *caravelão do almoxarife para que fosse, como foi, a dar aviso no
Rio Grande da vinda da armada; a qual este dia, por chegar ainda com sol
ao porto dos Búzios, passou a surgir na Ponta Negra, que dista 82 léguas
ao sul da fortaleza.
Ao outro dia, que foram 26 de agosto, veio por terra o capitão-
mor Jerônimo de Albuquerque a ver-se com o sargento-mor do Estado:
assentaram que na maré da tarde a caravela e todos os *caravelões fossem a
entrar no Rio Grande para ali se *estibarem os navios e se embarcarem to-
dos, o que se pôs em execução, indo neles o dito sargento-mor para apres-
tar *toas e batéis, e ao outro dia meter na mesma maré os navios redondos,
como em efeito entraram a 27 do dito na maré da tarde, com vento sueste
rijo, que naquela *barra é mui *ponteiro, mas os navios entraram bem.
Logo aos 28 de agosto fizeram resenha da gente dos índios, para
ver os que faltavam ao número de 500 frecheiros, quantidade que o de
Albuquerque assegurava levar do Rio Grande, para que, com os de Ceará e
Buapava, com quem tinha grandes *lianças, pudesse meter na Jornada até
mil índios de guerra; e assim se tomou mostra, e pareceram os principais
que se seguem:

Da aldeia de Ibatatã, Marcos Marigui, com 22


Da dita aldeia, o Arco Verde, com 9
De Paravaçu, Alexandre, com 10
De Tambepé, o filho de Bejiú, dom Francisco com 35
Da Pindauná, Jorge, com 18
De Joacocá, o Pau-Seco, com 22
Da mesma aldeia, o Mandiocapuá, com 16
De Jacarcuná, André, com 9
De Pirari, Mucurapirá, com 12
De Maripitanguá, Minaçu, com 7
Jornada do Maranhão 45

De Guaramasió, o Bejiú, com 16


De Tambaçuramá, o Tambor, com 24
Do Rio Grande, o Patacu deu 20
De Paranaçu deram 14
Somam 234
De modo que, como parece, estes 12 principais não trouxeram
mais que 2242 frecheiros e mais 300 bocas de mulheres e meninos. O Ca-
marão, que havia marchado por terra, levava pouco mais de 30 frecheiros,
como se verá adiante.
Tomada esta mostra, se armou a gente branca, que até este lugar
se lhe não haviam dado armas, e se repartiram os soldados pelas quatro
companhias, na forma que o tinha o governador ordenado, a saber: uma a
Antônio Albuquerque, filho do capitão-mor, outra a Gregório Fragoso de
Albuquerque, seu sobrinho, outra a Manuel de Sousa de Eça, que estava
nas Tartarugas, outra a Martim Calado de Betancor, que ao Reino vinha
com o sargento-mor a se achar nesta Jornada. Fizeram-se assim mesmo al-
feres, sargentos e listas das companhias, nomeando de novo embarcações
e *estâncias, e dando pólvora e munições a todos, para a partida ao tempo
de se embarcarem. Pareceu totalmente a Jerônimo de Albuquerque cousa
impossível poder ir por mar, tanto pelo número de navios lhe parecer in-
capaz do que ali tinha como por se temer que, se na viagem encontrassem
qualquer *cossário ou vela inimiga, que não podia deixar de perder, preso
com tão desguarnecidas e *cativas embarcações. E vendo que o queixar-se
não dava remédio, determinou-se de caminhar por terra com seus índios e
com os demais que lhe parecesse, e assim começou de se aprestar, e nomeou
os soldados que por terra haviam de ir com ele, e assim fez fala aos índios
para que se aprestassem, porque não cabiam nos navios. Chegou esta nova
ordem ao sargento-mor do Estado, que mostrava não saber cousa alguma,
e disse ao capitão-mor que lhe parecia muito bem o acordo, mas que para
se dar satisfação ao governador-geral convinha que primeiro se embarcasse
a gente, e constasse publicamente a todos que não cabia, e que, feito disto
assento, se tomaria o acordo que desenhado tinha, pois doutro modo não

2 Somam, na lista acima, 234, e 224 aqui, conforme a edição de 1812. (N. do E.)
46 Diogo de Campos Moreno

davam boa razão de si, pelo risco que corriam em se separar uns de outros,
pois a armada ficava sem gente, e a terra era incapaz de lhes dar água nem
comida em tão largos dias como haviam de passar até se juntarem no Ceará,
donde, se sobreviesse qualquer pequeno acidente, ficavam sem poder dar aos
*presídios nem um pequeno socorro, quanto mais fazer a Conquista donde
os mandavam. Com estas razões e outras, o dito sargento-mor e o mesmo
Jerônimo de Albuquerque tomaram a gente branca e índios, e de sorte os
acomodaram que ao outro dia só a pessoa e gente do capitão-mor estava em
terra; mas, vendo roto o seu desenho, se embarcaram também e se fizeram à
vela, quarta-feira, 3 de setembro, às 11 horas do dia. Porém a capitânia que
seguia o *caravelão do Machado meteu tanto de *ló por *sujigar o recife que
deu em seco na coroa da areia que está defronte da fortaleza, e assim naquele
dia tornaram todos a surgir em seus postos. À quinta-feira ao amanhecer
houve junta sobre a saída, com todos os mestres e pilotos da armada, porque
a maré era mui matinal de água viva, e lua nova, e vento muito, a *barra
ruim, de sorte que ao outro dia lhes parecia mais conveniente a saída, porque
o terral e a maré vinha em maior conjunção, e que, para se forrar a demora
daqueles dous dias, podiam, sem tomar terra, chegar ao Ceará em dous dias
e duas noites, ou à baía do Iguapecasi. Com este assento se deram ordens
necessárias e à sexta-feira, 5 de setembro de 1614, às 6 horas da manhã, com
vento fresco, partiu a armada pela *barra fora do Rio Grande, e fora seguin-
do três horas ao nordeste para dobrar os *baixos de São Roque, levando a
terra *sujigada a quatro léguas, e assim naquele *compaz governaram outra
hora pelo norte, e logo guinando ao nornoroeste, e pelo noroeste seguindo
a *derrota, desviados da terra as léguas ditas não viram *baixos, nem pedras,
nem escarcéus de mar, nem cousa de que guardar se devessem. Antes, com
esta navegação tirou esta Jornada o medo que os *caravelões da costa publica-
vam daqueles *baixos, fazendo que nas cartas se desse de resguardo 25 léguas,
fazendo a serventia daquela costa por um canal que fica a uma légua de terra,
pelo qual precisamente queriam que houvesse de ser o caminho cedo3, como
dito é, o de fora, bom para quaisquer navios. Também aquela noite foi o ca-

3 Caminho cedo é como registra a edição original (p. 22, antepenúltima linha), embora
possa prevalecer a sugestão de que a passagem melhor se entenderia substituindo-se
cedo por certo. (N. do E.)
Jornada do Maranhão 47

minho da armada ao noroeste. Mas a capitânia, havendo-se feito mais ao


mar do necessário, amanheceu com alguns navios a dez léguas de terra, e
achou-se menos da conserva o *patacho francês em que vinha o Capitão
Fragoso com sua companhia, e o *caravelão, em que Martim Calado vi-
nha com parte da sua, e o *caravelão em que vinha o Baracho. E assim,
sem eles, com vento rijo foram correndo a costa, para entrarem no porto
da Ubaraná. Mas tanto que se chegaram bem à costa, houveram vista
dos ditos navios, não sem algum rumor de armas, até se assegurarem uns
dos outros, por ser aquela costa muito continuada de *cossairos. Desta
separação dos navios teve a culpa o piloto-mor, que, sem advertir aos
demais, quis dar resguardo à restinga de Guamaré, que está 30 léguas do
Rio Grande, donde se acabam os *parcéis de São Roque, a qual bota ao
mar duas léguas. Este dia, por esperar uns por outros, não houve tempo
para se tomar a Ubaraná, e assim, passando avante com boa vigia, foram
até o amanhecer pelo noroeste, até que no quarto da *antealva, indo to-
dos com o prumo na mão, muito vento, e grande escuro, se acharam em
três braças, pelo que foi necessário guinar duas horas ao norte, até que
se acharam em sete braças, fazendo conta ser este o *parcel de Jaguaribé,
que bota ao mar duas léguas e meia, que tanto podiam vir naquele tempo
desviados da terra. Mas entrando logo no caminho de noroeste, foram a
entrar na grande baía do Iguapé, véspera do nascimento de N. Senhora,
um domingo, às 10 horas do dia, o resto do qual se gastou em amarrar-
se, e desembarcar o capitão-mor, que vinha muito maltratado do mar, e
os índios e suas mulheres, que, como gente *descostumada destes transes
navais, vinham lastimosos, e assim caminharam para as aldeias do Ce-
ará, que dali distam dez léguas, ficando com a armada o sargento-mor
com todos os soldados com os quais tratou de se partir a outra baía mais
avante, chamada Mocuripé, e ali esperar seu companheiro que por terra
queria vir com os índios. E assim, fazendo-se a armada à vela aos 8 do
dito, veio a surgir a três léguas da povoação do Ceará, donde está a casa e
forte de N. Senhora do Amparo, e, em chegando, se despediu um *cara-
velão com farinha para ir a Ajeruguaguará, o qual levou a cargo Paulo da
Rocha, soldado de boa experiência, e, chegado a salvamento, deu aviso
da armada naquelas partes.
48 Diogo de Campos Moreno

Neste *presídio de N. Senhora do Amparo estava com dezesseis


soldados portugueses o Capitão Manuel de Brito Freire, que com muitos
trabalhos e pouco proveito havia 14 meses que aguardava naquele lugar,
tendo a cargo o sucesso da Conquista, para a qual o governador lhe ha-
via dado entretenimento, conforme sua qualidade e partes. E assim, tanto
que a armada chegou, se embarcou, deixando o sargento com *presídio, e
mudando daqueles soldados os que quiseram embarcar-se, ficando em seu
lugar outros; porque o número nunca é bem, que seja, nunca pode ser me-
nos que de 20 homens de guerra, para, em companhia dos índios, poderem
assistir à guarda da terra e daquelas *barras.
Proveu-se esta gente de *vestidos, armas e munições, e vestiram
as aldeias dos índios para confirmação da boa amizade, e deram-se aos prin-
cipais ferramentas e casacas das que de Portugal para este efeito mandou S.
Majestade. Também se fez diligência, e se houveram destas gentes alguns
mantimentos da terra, que deram a troco de resgates para ajuda de se susten-
tar a despesa da farinha da armada, e nisto se gastaram até 6 do dito setembro,
no qual dia chegou o Camarão com sua gente, que, como fica dito, havia
vindo por terra desde o Rio Grande, e tal chegou do caminho, que mandou
pedir licença para se ficar naquelas aldeias com seu irmão Jacauná, o qual
também fazia força para que lho deixassem, ou ao menos lhe dessem tempo
para engordar, como quem diz para se refazer, e tanto porfiaram que, pelos
contentar, ficaram ali as mulheres e alguns dos seus índios. Com este acha-
que, que não quiseram parar avante, com que o número dos que na armada
vinham antes foi diminuindo-se que crescendo aqui no Ceará, nem destas
aldeias o de Albuquerque pôde tirar com todas suas falas e dádivas mais que
até 20 frecheiros, com um filho de Jacauná, moço de 18 anos, ficando por
estes mais de 40 dos da armada; nem tampouco Jacauná dera nenhum dos
seus, senão que Jerônimo de Albuquerque, deixando ali algumas criadas ín-
dias suas, deixou um menino seu de dous anos juntamente, com que ficaram
assegurados e contentes. Daqui se pode ver o cabedal que é bem fazer-se
das palavras dos índios do Brasil, e quanto importa estarem obrigados con-
tinuamente mais do temor e força dos brancos que de palavras de línguas,
as quais não guardam senão no que nos está bem. E aqui, como escala de
tantos cossários, importa terem freio, porque lhes dão âmbar, algodão, pau
Jornada do Maranhão 49

*cutiará e outros, e pimenta da terra, e fumo, e comida, e água, com que


refazendo-se caminham às Índias, ou donde querem.
Pela dilação que houve em todas estas cousas e porque os índios
não acabavam de embarcar-se, e os soldados, com achaque de o capitão-
mor estar em terra, andavam nela licenciosos, e as águas daquele *sítio
causarem maleitas, e o fundo da baía ter pedra que roía as amarras e as que-
brava, pareceu que, recolhida a gente branca, a armada se fosse ao Paramiri,
donde diziam que havia melhor cômodo para se poder esperar a vinda dos
índios, que até aquele lugar queriam caminhar por terra com o capitão-
mor. Feito este assento, partiu o sargento-mor do Estado à quarta-feira, 17
de setembro, e foi surgir com toda a armada às 2 horas da tarde no Parami-
ri, havendo caminhado com pouca vela até esta baía, que está em 3 graus
2/3 e tem para se povoar muitas mais comodidades que todos os outros
lugares até ali vistos. Este dia se pôs a gente em terra com seus corpos de
guarda, em *fronte de armas, donde se começaram de adestrar os soldados,
entrando todos os dias nas companhias, para verem o modo de proceder no
serviço ordinário, e com os inimigos quando os houvessem, e foi de grande
efeito o tempo que se tardou em vir por terra Jerônimo de Albuquerque,
porque, como muita desta gente em Paranambuco se havia embarcado por
força, e outros desarmados e mui bisonhos, e no Rio Grande não se lhes
haviam fiado as armas em terra, e no mar não havia lugar nem para irem
deitados, aqui se ordenou o que convinha, e se aguardou contudo mui a
ponto a vinda do capitão-mor, que chegou aos 24 de setembro. E logo aos
25 o sargento-mor do Estado foi pelo rio Curu acima em um batel arma-
do, mais de cinco léguas, por reconhecer aquelas terras e águas, nas quais
não achou cousa de consideração ao longo do rio, mas achou infinita caça e
pescaria, de que tudo aquilo abunda maravilhosamente, e assim neste lugar
somente se pode dizer que aquela gente não teve fome.
Em 28 do dito, com a vinda dos índios, se tornou a tomar mos-
tra, para saber o que o Ceará havia rendido de ajudas, e pareceram em
todos 220 frecheiros com a gente do Camarão e Jacauná, de sorte que, dos
embarcados no Rio Grande, ficaram mais de 50: os que viam e sentiam
estas cousas entregues à paciência não faziam mais que encomendar o ne-
gócio a Deus e às boas orações dos capuchos, os quais estes dias disseram
50 Diogo de Campos Moreno

missas solenes, que foram as primeiras que nestas paragens se disseram, em


que comungou muita gente.
Aqui nesta parte do Paramiri se acharam no mato perto do mar
árvore de que se destila e nasce o incenso chamado jataubá, e se achou
nelas e no chão muito de muito bom cheiro, e também se achou muito
*anime, e outras gomas aromáticas de diversas árvores, e muita *almécega,
e uns búzios no mar com botijas, com muito que comer dentro, de modo
que, como dito é, o Paramiri, pelo seu porto, terras, e boas águas para be-
ber, é a melhor de toda aquela costa.
Em 29, dia de São Miguel, estando todos embarcados, partiu
a armada na volta das Tartarugas, às duas horas depois do meio-dia, com
vento lesnordeste, que tal entrou a viração aquele dia, havendo em toda
aquela noite ventado o terral, e quase todas as paradas de aquela min-
guante de lua, no qual tempo, melhor que na crescente, se mostra aquele
mar navegável para *balravento ao longo da costa. Todo o resto do dia
caminhou a armada ao noroeste quarta de *loeste, correndo francamente
a costa, sem haver nela visto cousa de que guardar se devessem. Também
de noite se fez o mesmo caminho com pouca vela até o amanhecer, que se
acharam a seis léguas da costa com terral rijo do sudoeste, com o qual pela
bolina se vieram chegando à costa, que já corria mais a *loeste, e, sendo
reconhecida, se mostrou ser a terra do Acuracu e seus *parcéis, que a uma
légua ao mar não davam mais que duas braças e meia de água, e pela banda
do *loeste já se descobria a ponta ou morro de Jeruguaguará, para a qual
chegando-se com o prumo na mão, e vendo mui claro o fundo, deram em
quatro e em cinco braças bem pegadas à ponta, que já corria a loessudoes-
te, com grandes penedias ao longo do mar, e rochedos todos de mármore
jaspeado finíssimo de muitas cores. Entrados e surtos no porto, se gastou
o dia em desembarcar a gente e em se alojar dentro da cerca, e os índios
de fora, em seus *tijipazes, ou cabanas, ao longo da água. Com os navios
ficaram alguns soldados para sua guarda, por ser este porto também mui
demandado pelos *cossairos, sem embargo que com a viração fica tudo tão
desabrigado, e trabalham tanto as embarcações, que não há amarras que
durem, nem quem possa sair a terra, até que o vento acalma de noite e nas
madrugadas, até as oito horas do dia, que com o sol torna a viração. E isto
Jornada do Maranhão 51

dizem ser ali de ordinário até os meses de janeiro, fevereiro e março, que os
ventos cursam por cima da terra, e tem aquela paragem mais bonança.
Sendo, tal como dito é, esta enseada das Tartarugas *esparcelada,
perigosa e de pouco abrigo, pareceu bem que a armada e toda gente dela e
do *presídio se parasse ao porto do Camuri, oito léguas mais adiante, para
ali se tomar assento nas cousas da viagem e no socorro dos índios *tabajares
da Buapava, com quem o capitão-mor assegurava ter feito grandes amiza-
des, e porque também os índios *teremembés do Pará ou Ototói ficavam
mais perto, com os quais já Martim Soares havia tido falas, e parecia nisto
para o que se oferecesse deixar asseguradas todas aquelas gentes, e aquela
costa toda amiga para bem de se caminhar por terra, quando importasse.
Finalmente para em tudo sair com o prumo na mão conforme ao Regimen-
to do governador e as forças daquela armada. E assim para este efeito trata-
ram de mandar reconhecer de novo o Camuri por terra, para se passarem a
ele. Mas como as secas de aquele ano foram mui grandes, achou-se que não
havia água para beber nem folha verde com que se cobrirem, e que a *barra
era mui perigosa, e que na entrada tinha umas ruínas de pedra e cal, com
que em algum tempo houvesse sido povoada de gente de Europa, as quais
cousas denotavam não ser aquele posto de cobiça, se bem é verdade que
ali entravam algumas embarcações pequenas a resgatar o pau *cutiará, de
que os índios davam notícia haver ali muito. Com estas novas, foi forçoso
aguardarem em Jeruguaguará tomando mostra a toda a gente portuguesa,
e acabando de repartir aqueles soldados e as suas companhias até o número
de 60 a cada uma, como o mandava o governador, pagando-se a todo o seu
tempo atrasado em *fazendas, pelos preços do contrato, que foram tais, e
em tais cousas, que apenas houve com que os pobres se vestirem. Entretan-
to, mandou o capitão-mor à serra de Buapava dous índios para avisarem
ao Diabo Grande da sua chegada com os portugueses, para que descesse a
vê-los e a dar o socorro que tinha prometido para a Jornada do Maranhão.
Desta embaixada se riram os do *presídio, que de raiz conheciam a natureza
do índio Diabo, e contaram que, havendo-os convidado em dias passados
a uma guerra com certos tapuias seus inimigos, que foram dos4 soldados
daquele forte a dar-lhe ajuda, com a qual teve vitória; e comeu, e trouxe

4 Dous, provavelmente. (N. do E.)


52 Diogo de Campos Moreno

à sua terra quantidade de cativos. E como se viu em casa, por pagar a boa
companhia, quis também comer os soldados, e sem dúvida o fizera, se sua
mulher, chamada Itabu, os não avisara, dizendo-lhes que fossem, porque
seu marido tratava de os matar fingindo certo agravo de um deles, mas que
ela não queria que tal passasse. De modo que, com esta paga, se retiraram
ao *presídio a salvamento em que não fizeram pouco. Em 3 de outubro
foi lua nova à sexta-feira, muito *ventosa de vento *loeste na *crescença do
sol, como fica dito. De noite houve terral do sussudoeste, que durava até
às 7 e 8 do dia. Ao quinto da lua, se mostrou o tempo nubloso, e o vento
foi mais sobre a terra, com alguns chuveiros, e o mar andou mais brando
nesta *quebrança das águas.
Sábado, dia do beato P. S. Francisco, 4 de outubro, houve missa
solene de canto de órgão e *frautas naqueles desertos de Jeruguaguará,
com suma devoção e grande alegria, em que comungou muita gente. Este
mesmo dia à tarde chegaram dous índios da Buapava com embaixada do
Diabo Grande, o qual por eles se desculpava dizendo ser impossível de
presente vir ouvir a fala do de Albuquerque, nem dar-lhe gente para a
Jornada, por falta de saúde, que todos os seus e ele tinham tal, que haviam
queimado as casas e aldeias, e viviam no campo até se passar a contagião
de aquele mal que os afligia. Isto diziam os índios, os quais também tra-
ziam uma carta de um de dous soldados que o capitão Manuel de Sousa
mandara à dita serra, para que avisassem da vinda da armada: e eles pediam
nela *barbeiro e *mezinhas para se curarem, que também o mal os tinha
apalpado. Com esta nova, verdadeira ou fingida que fosse, ficou desenga-
nado o capitão-mor, e bem enganados os que se viam metidos entre tais
ajudas e palavras de negros, para darem fim a uma Jornada tão arriscada e
de tanta importância. Deixemos o que tinha custado de dinheiro e resga-
tes este pensamento, e tratemos como ao domingo, dia de Nossa Senhora
do Rosário, se celebrou sua festa com missa solene e pregação, que foi a
primeira que fez, que se pregou nesta costa, e a primeira que fez dos seus
estudos o P. Fr. Manuel da Piedade, filho de aquela província. Na tarde
deste dia houve *alardo geral, esquadrão e escaramuça, por honra da fes-
ta daquela Senhora Nossa, no qual se acharam 220 soldados efetivos das
companhias, e da gente do mar 60, de que se fez outra, de sorte que, com
os enfermos, chegou o número dos portugueses a 300, e com os índios não
Jornada do Maranhão 53

passaram de 200 frecheiros, de modo que todas as forças, com os desenga-


nos do Ceará e da Buapava, se remataram nisso, e as de todo o campo em
500 homens de mar e guerra. A estas festas assistiram os embaixadores da
Buapava, por amor dos quais foi necessário juntarem-se a conselho, assim
para responder ao Diabo, como para fazerem viagem, sobre o qual houve
grandes alterações e debates, assim pelos desenganos e faltas de tudo, como
pela pouca confiança que se podia ter nas ajudas do Maranhão, pois estas,
tão de casa e tão obrigadas aos favores portugueses, tão mal acudiam a
seu fiador. Todos viam este dano e outros que se derivavam dele, quanto
mais se chegavam ao Maranhão, sem deixarem atrás cousa alguma que
asseguradamente fosse amiga. Mas, como de outra parte o ficar ali não
era honroso e passar ao Camuri era impossível, chamaram a esta junta os
mestres e pilotos da armada, para que dissessem o que sabiam da entrada
do Pará, ou do Ototói, donde tratava o Regimento que se melhorassem
para se irem assim chegando ao Maranhão, ou Perejá, sem risco notável da
Jornada. A isto responderam todos que não sabiam, naquela costa, porto
algum mais que o Perejá, donde o piloto Sebastião Martins, que ali estava
presente, assegurava que meteria a toda a armada, mandando-se de tudo
fazer um assento, para que constasse a todo tempo, que, mais por neces-
sidade que por razão de guerra, se partiam ao Perejá, donde não tinham
reconhecido o que convinha ao total empenho. E isto feito, trataram de se
partir, mandando que à serra de Buapava se avisassem os soldados que, tan-
to que a saúde lhes desse lugar, se fossem ao *presídio de Ceará, para que
no primeiro barco que viesse de socorro pudessem juntar-se com o campo,
despedir os índios. Gastou-se o dia de segunda e terça-feira em acomodar
os reparos de *falconetes e das peças de ferro, que vinham no porão do
*patacho abatidas, porque as embarcações não eram capazes de as sofrer.
Fizeram água e lenha, e assim, à quinta-feira sendo a lua mais crescida e as
águas mortas, que em tal conjunção sempre naquelas partes o vento é mais
bonança, dando-se sinal de recolher, gastando-se o tempo de sexta-feira e
sábado em embarcar e repartir a gente com infinito trabalho, porque com
os de Jeruguaguará crescia a impossibilidade e faltavam lugares nos navios,
mas foi cousa maravilhosa que, sem se dar de queixa uma só palavra, todos
se embarcaram, donde era impossível irem deitados, nem haver mais que
comer farinha e água, porém era tal o desejo de todos saírem daqueles
54 Diogo de Campos Moreno

degredos e de verem se mais avante podiam melhorar sua sorte, que todo
outro trabalho lhes parecia glória.
Domingo, 12 de outubro, às 6 horas da manhã, sendo tudo a
ponto, deram fogo aos quartéis de Jeruguaguará, e a armada se fez a vela
com terral de sueste, e assim foram correndo a ribeira com boa ordem, até
que, com a *crescença do dia, entrando a viração do leste com fúria e gran-
des mares, foi necessário navegar com *balselhos correndo em popa com
muito trabalho e grande perigo, indo sempre a gente dos *caravelões por
debaixo do mar. Sobre a tarde *abonançou o vento algum tanto, e assim,
com a lua da noite e boa vigia, se foi fazendo o caminho pelos perigosos
*parcéis do Pará e Ototói, e ao amanhecer se achou a armada toda junta,
cousa que parecia impossível por ser tão diferentes gêneros de embarcações
tão carregadas e tão cativas. Enfim aclarou o dia, chegou a armada bem à
terra a qual não foi conhecida de nenhum piloto. Sebastião Martins afir-
mava estar três léguas de Perejá. Pelo que, chegando-se à terra mais do que
convinha, se o vento não fora todo bonança àquelas horas, custara caro o
desengano em que dali a pouco confessou que entrava, porque o Perejá
ainda lhe demorava a leste mais de 16 léguas. Pelo que, fazendo força de
vela para de dia se alcançar a *barra, contudo não foi possível, e assim che-
gou a armada com uma hora de noite a querer embocar, e a tempo que a
maré descia para baixo, sem haver donde de noite pudessem aventurar a
surgir navios tão carregados, e entre tantos *parcéis e *alfaques ainda não
conhecidos, donde até às nuvens o mar andava. De modo que, metido
o negócio nestas dúvidas, fundados no luar e na água morta, e vento em
popa, com o qual contrastavam a maré que descia, foram com milagroso
ou bárbaro atrevimento entrando para dentro com faróis e fuzilando uns
aos outros. E, mais que tudo, foi notável que houve navios que iam tocan-
do e dando grandes pancadas nos bancos ao entrar da *barra, e por não
atemorizarem os que vinham de trás, calavam e paravam sem se ouvir uma
palavra de rumor que turbasse a viagem. E assim, com o prumo na mão,
foram todos surgir a salvamento às 10 horas da noite, dentro do rio Perejá,
três léguas por ele acima da banda de leste, donde, em um pensamento,
saltando em terra o capitão-mor e o sargento-mor do Estado, com a maior
parte de gente fazendo *fronte de armas, até que se reconhecesse e assegu-
rasse o campo, sucedeu que, enquanto se reconhecia, e o capitão Francisco
Jornada do Maranhão 55

de Frias e os demais buscavam *sítio para a fortificação conveniente, que


o alferes Pestana, da bandeira de Martim Calado, esquecido da ordem que
se havia dado a todos, de não saírem a terra as bandeiras senão já de dia,
ele, com a sua às costas, em que estava figurado o glorioso Patrão de Espa-
nha, foi o primeiro que saltou em terra, o que vendo os soldados, tendo-o
por bom prognóstico, aclamaram Viva Santiago, e este nome se deu a este
primeiro quartel, de que se tomou posse ao outro dia, com ato solene em
nome d’el-Rei de Espanha nosso Senhor Imperador de aquele novo mun-
do, e se plantou uma grandíssima cruz de forte madeira, por padrão e posse
tomada desta primeira *barra do Perejá.
Aos 13 do dito, havendo-se buscado *sítio para a fortificação,
para em tudo se dar cumprimento ao que convinha, todas as águas para be-
ber se achavam distante dos *sítios convenientes. Verdade seja que, abrin-
do poços na areia, tiravam água doce que podia servir em necessidade.
Mas os soldados escarmentados das cacimbas ou poços de Jeruguaguará,
desejavam boa água, pois só isso e farinha tinham, e sobre isto já tratavam
mal do Perejá, e faziam *corrilhos e se descompunham em *absência dos
superiores, de que o sargento-mor do Estado mandou tirar devassa para se
castigar alguns dos causadores. O capitão-mor, em lugar de acudir a isto,
lançou-se de fora, e, esquecido do pouco que havia medrado com os índios
do Ceará e da Buapavá, sem lhe valerem dádivas nem língua, se persuadia
que, em chegando à outra *barra dentro do Maranhão, defronte da Ilha
dos *tupinambás, que, sem dúvida, em falando com um deles, todos se ha-
viam de vir à sua obediência. E de sorte lhes gabavam os seus esta opinião
em favor dos soldados, que já a ele mesmo lhe aborrecia o fortificar-se no
Perejá, de que tudo estava suspenso sem se fazer mais que perder tempo,
e dizia que, pois em toda a costa, em até ali não havia aparecido franceses
nem cousa que desse sinal de guerra, que realmente os não devia de haver
no Maranhão; e se os havia, que deviam ser mui poucos e sem defensa,
pois não haviam guardado aquela *barra. Pelo que determinava ir-se logo
ao Maranhão, ainda que fosse com os *caravelões somente; porque este
era o fim da Jornada, e de seu desejo. A isto se opunha o sargento-mor
do Estado, dizendo, mui ao contrário, que em nenhum modo convinha
largarem o posto do Perejá, por ser *barra de *barlavento das outras, e já
com bom princípio *ganhada, conforme a ordem do governador, que ali
56 Diogo de Campos Moreno

convinha seguir-se em tudo. Pois, no demais, havia tempo, quando fosse


assim o que dizia o capitão-mor: porque também podia a nau grande estar
no outro porto, pois sabidamente era passado a ele, e que não estaria sem
outros navios com *artilheria e gente de mar e guerra, *quiçáis diferente da
dos portugueses na prática naval; o que, sendo assim, que mais era doidice
que esforço irem-se lá meter sem primeiro estar tudo mui bem reconhe-
cido no Maranhão; pelo que era de parecer que se fortificassem logo, e
juntamente que mandassem reconhecer a Ilha e os *sítios a ela vizinhos, e
que dali avisassem ao governador de como estava no Perejá a salvamento,
para que soubesse com tempo donde havia de mandar os socorros; e que
também era importantíssimo avisarem a S. Majestade, despedindo, para
uma e outra cousa, aqueles navios que havia tantos dias que estavam car-
regados, que já as bombas os não podiam sustentar sobre as águas; e que
olhasse que, se os franceses estavam assim fortes, como a fama soava em
Paranambuco e avisava Martim Soares, que já a sua força não podia *es-
torvar a fortificação do Perejá, nem a amizade dos *teremembés, índios ali
vizinhos tão inimigos dos da ilha. Antes, ele, capitão-mor, havendo-se ali
fortificado, lhe ficava fácil o podê-los persuadir e juntar as pequenas forças
daquele campo, para assim se fazer igual ou superior a seus inimigos, e as-
segurar as *espaldas para qualquer sucesso; porque os da Ilha *topinambás,
ou acompanhados ou sós que estivessem, sempre haviam de temer esta
*liança; pelo que, em modo algum, havia nunca de ser de parecer de larga-
rem o Perejá sem ser mui bem primeiro tudo o demais reconhecido, assim
como é de costume de soldados práticos e gente de guerra, como todos o[s]
que ali estavam presumiam ser; e que olhasse que aquilo não era jornada
de sertão, senão de S. Majestade, e que já agora tinham obrigação de lha
sustentarem, pois estava tomada posse em seu real nome, pelo que era
necessário caminharem mui a tento. Com isto se sossegaram algum tanto
os curiosos de caminhar, e se mandou um batel equipado com dous pilotos,
seis marinheiros e seis soldados particulares a reconhecer o Maranhão e sua
*barra, e a Ilha Grande; e isto pela parte mais oculta que fosse possível, vendo
se podiam tomar língua. Foi por cabo desta obra Melchior Rangel, natural
do Rio de Janeiro, mancebo de boas partes e grande língua dos índios.
Com ele foram o alferes Estêvão de Campos, e Pedro Teixeira, Francisco
de Pavares e Manuel da Silva. Os pilotos foram Sebastião Martins e João
Jornada do Maranhão 57

Machado, os quais partiram a 15 de outubro às 7 horas da manhã. Entre-


tanto, o capitão-mor e o sargento-mor do Estado por mar e por terra não
paravam de buscar águas e reconhecer *sítios, e acomodar ferramentas para
o que se oferecesse, tendo de contínuo toda a gente ao pé das armas e das
bandeiras, e os navios abicados à terra muito, como à *defensa de tudo
convinha, mas sem se dar princípio à fortificação, de que o sargento-mor
do Estado andava desejoso e solícito, mas não tinha poder para forçar o seu
companheiro, antes aguardava que o tempo desenganasse a todos do que
lhes convinha, como depois sucedeu.
Eram já passados quatro dias que do batel não havia novas, pelo
que já se duvidava do bom sucesso, e tão diante foi esta imaginação que
aquela noite, sendo já mui tarde, se foi o capitão-mor a buscar o sargento-
mor do Estado ao seu rancho, e lhe disse: “Amigo, tratemos de nos fortificar
logo, e, em sendo de dia, faça-se disto assento, porque tenho mau conceito
do nosso batel, e quando venha, nenhum mal faz estarmos reparados, e olhai
que, ainda que todo o mundo seja contra nós, que em nenhum modo dei-
xemos de nos fortificar.” O sargento-mor lhe louvou a resolução, e de novo
lhe repetiu as causas que tinha para já tudo estar feito. E assim, logo àquelas
horas chamando a Francisco de Frias, se foram em um batel à boca da *barra,
a ver outro posto e uma água a ele vizinha de uma légua, e assentaram que o
mais perto da *barra e da água se começasse a fortificação em amanhecendo,
e que antes se dissesse uma missa ao Espírito Santo. Andando nisto, viram
fuzilar ao longe na entrada da baía, e tocando-se alerta mandaram dous batéis
a reconhecer, os quais avisaram ser o batel que vinha fazendo festa. Com esta
nova, cresceu na gente tal rumor que, sem saberem o que os outros diriam,
começaram os soldados em *corrilhos, com palavras atrevidas, a dizer que
não queriam aquele *sítio, senão o que mais perto houvesse dos inimigos,
aos quais ao *pelouro haviam de tomar a comida e a água, se faltasse. En-
fim, como a primeira se não castigou, esta, com a chegada e festa do batel
com boas novas, passou por alto, e os reconhecedores disseram que não
haviam visto nau,4 nem franceses, nem cousa em todo o Maranhão que

5 A edição original anota (p. 36, 15ª linha) não, em vez de nau. Eventual hesitação
em, neste ponto, substituir uma palavra por outra parece superada, se verificarmos
que o mesmo lapso ocorre adiante, à p. 66 (p. 43, 13ª linha do original impresso),
aí, porém, não havendo dúvida quanto à emenda. (N. do E.)
58 Diogo de Campos Moreno

dano pudesse fazer, e que haviam achado defronte da Ilha um sítio bom e
eminente com um rio de água doce pelo pé, e terras belíssimas para toda a
sorte de mantimento, e tudo tão bem assombrado, e o caminho até lá tão
escuso e fácil por entre as ilhas, que tinham por grande erro deixarem se-
melhante parte. Com este aviso, não somente o capitão-mor se fez com os
demais, mas sem se lembrar do que estava assentado, mandou subitamente
que se embarcassem todos, e que quem quisesse ficar ali que ficasse. Com
isto, pararam as cousas do Perejá, disse-se missa, embarcou-se a gente, e
ao outro dia, que foram 22, se fez a armada à vela, com uma pressa tão fa-
tal, que realmente ninguém da terra naquilo parece que concorria, porque
cada qual dos adjuntos do capitão-mor antes da imaginação já lhe gabavam
os feitos, e assim, ao tempo de darem à vela, disse o de Albuquerque ao
sargento-mor do Estado: “Apostemos umas meias de seda, que antes de
sábado tenho índios do Maranhão em minha companhia”. “Sou contente
de as perder, disse o do Estado, a troco de que todos tenhamos esse gosto.
Porém, se as ganhar lembro que mas há de dar V. M.” Com isto partiram,
e foram surgir àquela noite a uma ilha, passando por entre outras infini-
tas, que, por serem tantas e o dia ser das Onze Mil Virgens, a todo aquele
posto se pôs este nome. Ao outro dia, seguindo os pilotos que nos dous
*caravelões mais ligeiros caminhavam diante, foram navegando, enquanto
durava a maré, por uma grande baía toda cercada de ilhas com *barras ao
mar grande, a que os franceses chamavam Grandança, na qual, em desca-
beçando a maré, logo minguando o mar 19 palmos de água, se acharam
os navios grandes em seco, de modo que, calçados e vestidos, os homens
se saíram a passear na areia, que quase ficou enxuta, e andaram de uns em
outros navios, que parecia encantamento, sendo de quilha e não tendo es-
coras, estarem direitos sem caírem à banda, dando fim a tais desordens, as
quais, para quem as entendia sem lhes poder dar remédio, eram *tóssigo,
que consumia a vida e o gosto. Tornou a maré, nadaram os navios, a noite
entrou escura, tanto que com infinito trabalho e perigo entraram pelo ca-
nal de Mumuná, dando de novo em seco no *lamarão o navio do sargento-
mor do Estado. Mas como subia a maré, logo chegou donde estavam os
*caravelões, que sem esperar haviam seguido seu caminho, por gozar da
água doce daquela Ilha, donde alojados em terra estavam como em Toledo,
sem cuidar que no mundo podia haver inimigos. Deu-se a isto súbito re-
Jornada do Maranhão 59

médio, fazendo que se embarcassem todos para navegarem, mas o navio de


Gregório Fragoso deu em seco de *feição, e a tais horas, que houve votos de
o deixarem assim como estava com munições, *artilheria e comida, o que
sucedera se não fora a grande diligência dos *ministros da Fazenda com
o sargento-mor, tirando-lhe parte da carga, e com força de tais o fizeram
sair aonde os demais estavam, sem haver em todo aquele caminho, de dia
nem de noite, uma hora de repouso. Ao outro dia, sexta-feira, fazendo-se a
armada à vela pelas *angusturas ou *interrompeduras de aquelas ilhas tão
estreitas e de mato tão alto e cerrado que cada um prometia um esquadrão
de perigos. Indo pois nesta parte, começaram os navios a dar de novo em
seco, mas porém movendo-se por cima do *lamarão, pelo qual resvalando
com toda a força de velas, podemos dizer que mais de 600 passos navega-
ram por terra até que deram em mais fundo, e foram seguindo os *cara-
velões, que se adiantaram tão desordenadamente quanto a necessidade os
obrigava, porque a gente era tanta e tão apinhada que não havia água que
os sustentasse contra a excessiva quentura do sol, nem o mantimento era
mais que uma pouca de farinha de guerra seca, de modo que todos dese-
javam chegar àquele lugar, em que tinham sua esperança. O capitão-mor,
de outra parte, com achaque de ver ir sondando diante, meteu-se em um
batel com poucos companheiros, e foi-se à ilha de Santa Ana, chamada
das Guajavás, donde se fazia a praça d’armas para entrarem no Maranhão.
Desta ida sucedeu que, como os caravelões perderam de vista o batel da
sonda, tomando por diversos canais, cada um foi por seu caminho; e os
navios grandes, como lhes faltaram os *caravelões, dando em seco a cada
passo, também se apartaram, sem haver piloto que tomasse o remediar
isto; até que, já mui noite, em uma *jangada chegou o Machado, e foi por
um canal muito mais estreito que os até ali passados, encaminhando os
navios que pôde. E assim, em toda aquela noite e no outro dia, chegaram
à Ilha dita de Santa Ana, contra as correntes dos mares *atoando-se pelas
árvores na terra, até que finalmente se vieram *ajuntar na boca da *barra,
da qual, domingo, ao amanhecer, que foram 26 de outubro, se fizeram à
vela por entre aqueles *parcéis e bancos perigosíssimos para batéis, quanto
mais para navios tão carregados, e assim, ao expedir da *barra, deram mais
pancadas os navios grandes, que se teve a jornada por concluída. Porém,
Deus, que milagrosamente guiava o negócio, foi servido que sem dano al-
60 Diogo de Campos Moreno

gum, às 10 horas do dia, se achassem todos no Guaxindubá a salvamento,


que assim se chama o posto que ocuparam dentro nesta grande *barra do
Maranhão. As embarcações eram oito, como está dito, e tanto que saíram
ao mar, postas em ala com todas suas bandeiras tendidas, fizeram tal apa-
rato, que subitamente em toda a Ilha Grande, a qual a duas léguas e meia
estava defronte, se fizeram fumaça por toda a costa, dando aviso que durou
espaço grande. Pelo que o sargento-mor do Estado disse ao capitão-mor:
“Cuido, Senhor, que ganhei as meias, e que não somente não terá V. M.
índios de paz, mas que terá franceses de guerra. Porque aqueles fogos não
são feitos acaso, nem por bárbaros, pelo que será bem que, sem dilação,
nos fortifiquemos e descarreguemos os navios, que este porto não é para se
conservarem muito nele.”
Era aquele *sítio vaza de lama com algumas pedras, e a partes
areia, e todo *esparcelado ao mar mais de meia légua, que de maré vazia
ficava sem gota de água, e tão desabrigado que, em entrando a viração, não
havia remédio de se chegar aos navios nem de desembarcar nada deles.
Além disso, é este porto desviado da *barra mais de quatro léguas, de sorte
que com grande facilidade lhe podem tirar o favor e serventia da costa
quaisquer navios, de modo que, tirando ser água para beber, e boas terras,
e madeiras ao redor de si, tudo o demais que se busca em razão de guerra
lhe falta; mas já chegados ali, e descobertos, não havia outro remédio. Gas-
tou-se o dia em reconhecer o *sítio, em amarrar os navios e pôr a gente em
terra com *fronte de armas, cada qual ao pé da sua, que assim convinha.
Logo, sobre a eleição do *sítio e forma da fortificação, teve Jerônimo de Albu-
querque alguns debates com o engenheiro Francisco de Frias, querendo que
se fizesse entre o mato uma casa, como fazem os índios no sertão, que é uma
cerca de mato cortado com a rama para fora com folha, e tudo como quem
cerca o gado, dizendo que bastava aquilo, que cá nestas partes não se usavam
outras fortalezas. Além disto, que determinava de se passar dali ao Muni, rio
quatro léguas avante daquele posto, junto donde desemboca o Tapucuru,
chamado Maranhão, de que tudo ali toma o nome, porque lhe diziam os ín-
dios que lá havia melhores terras e águas para engenhos. Porém nestas práti-
cas chegou o sargento-mor do Estado e, tomando consigo ao capitão-mor,
se foi a lhe mostrar o *sítio que ali melhor havia para se fazer a povoação,
com as qualidades à terra necessárias, já que as do mar lhe faltavam, e disse
Jornada do Maranhão 61

quão fora do sentido estava quem em tal tempo falava de se meter a dentro
dos perigos que ainda não sabiam, pois naquele lugar, se houvesse inimi-
gos, como cuidava que havia, nem ali haviam de ser senhores de tomar um
caranguejo; pelo que deixasse ao Frias fazer seu ofício, e que todos ajudas-
sem sua traça, que assim convinha. Finalmente, depois que bem viram e
reconheceram tudo, dando parte ao Frias do que estava assentado, logo
traçou destramente um *sexágono perfeito, capaz de alojar em si toda
aquela gente e se defender com mui pouca, acomodando-se com o terreno.
E assim, aos 28 do dito se disse missa, e nela os padres capuchos lançaram
sorte ao nome da fortaleza, e saiu o Nascimento de Nossa Senhora, e assim
se chamou o forte Santa Maria, o qual este dia se começou com todos os
soldados, cada companhia seu lanço. E na descarga dos navios andava a
gente do mar e de serviço quando viram vir correndo à ribeira uma canoa
grande com muitos índios, a qual chegada à terra foram recebidos de Jerôni-
mo de Albuquerque e de todos, com alegria. Porém eles, mostrando mui
pouca, estavam com tanta turbação que ao principal lhe tremiam quantos
ossos tinha descompostamente, e não de frio. Deram-lhes dádivas, *vestidos
e cousas de resgate, mas como receio de ser esta vinda movida de outra causa
mais que de sua vontade. Nas perguntas também variavam: houve deles que
disseram que na ilha havia muitos franceses; outros disseram que já eram
idos, e que não havia ninguém, pelo que eles haviam vindo a saber que gen-
te era esta que havia chegado, para serem seus compadres. Enfim, o capitão-
mor, levado de suas imaginações e crédito que se persuadia ter com todos os
índios do Brasil, em lugar de reter a estes até saber pontualmente a verdade,
os largou, pedindo-lhes que o viessem ver amiúde e que dissessem a seus
parentes de sua vinda; e mandou que com eles fossem dos nossos cinco, para
fazerem suas falas aos da ilha; e em lugar destes fez que lhe ficassem dous da
canoa, filhos de um principal da Ilha, chamado Birampitanguá, moços de
boa feição: o mais velho se chamava Ipecutingá, o outro, Guiraitapavá; dos
nossos que foram, o principal se chamava Mucurapirá, índio velho e de im-
portância. Nesta obra dos índios não se quis meter ninguém, por que o
capitão-mor não tomasse achaque, a dizer que lhe *estorvavam as pazes
que ele tanto assegurava, em falando com um índio do Maranhão. Partida
a canoa, logo se assentaram as 3 peças de *artilheria em uma esplanada, que
para isto fizeram com seus cestões, enquanto os baluartes e cortinas da obra
62 Diogo de Campos Moreno

se firmavam de grossas vigas, assentados sobre grade e cruzados de per alto


com fortes travessas, e logo até o meio altura de um, estando feita uma trin-
cheira com seu entulho de 8 palmos de largo por dentro todo a roda, e cada
baluarte, duas *garitas no alto da cerca para as sentinelas, de modo que com
12 soldados se vigiava e *escortinava tudo. Porém, o trabalho era grande, e o
terreno mui duro e seco. A comida, somente, água e farinha porque do mar
nem da terra inda não podiam valer-se, e assim cada dia dos soldados de Je-
ruguaguará morriam, e dos demais adoeciam sem nenhum humano remédio
ou consolação alguma. Andando, pois, todos ocupados nas obras ditas, aos
30 de outubro, ao amanhecer, deram os índios da Ilha em umas índias e
moços que, desviados do quartel, andavam mariscando, e com terrível bru-
talidade despedaçaram quatro moças e mataram um índio que acaso acu-
diu aos gritos, e cativaram algumas outras índias e meninos, os quais reco-
lhiam na canoa em que haviam vindo. Tocou-se arma, e acudiu a gente
com tal presteza que não somente lhes tiraram o que tomado tinham, mas
pelo valor de um principal de nação *tabajar, chamado o Mandiocapuá, o
qual sentindo que lhe levavam sua mulher e um filho cativos, correu com
tal ligeireza que foi forçoso arremeter só a todos os contrários, dos quais
matando dous, pôs os demais em tal desordem que, quando chegaram os
que vinham com ele, assim portugueses como índios, já tinha rendido a
canoa e preso o capitão dela, e sua mulher e filhos livres, a qual, abraçando-
se com o marido naquela fúria, lhe pediu que não matasse nem consentis-
se matar aquele principal que a defendera a ela e a seu filho da fúria dos
outros, o que o marido fez. E depois, na prisão que em ferros deram ao da
canoa, esta mulher tinha cuidado de lhe mandar de comer todos os dias:
tanto pode um benefício feito em sujeito nobre, por bárbaro que seja! Este
sucesso foi causa de que os práticos no sertão do Brasil começaram a mur-
murar da confiança que se havia feito da primeira canoa, e diziam que sem
dúvida a Ilha estava cheia de franceses, os quais haviam mandado reconhe-
cer os navios, e gente com a primeira canoa, e sabendo que eram portugue-
ses, mandaram logo, conforme ao costume e ritos de suas guerras, a segun-
da canoa, que viesse a quebrar cabeças para se romper todo o sinal de paz
entre uns e outros índios, assegurando-se mais, por este meio, de seus alia-
dos; e que logo trás este efeito se seguiram os demais da guerra, sem a qual,
e sem se lhes dar uma grande rota, não cuidasse ninguém que havia de
Jornada do Maranhão 63

haver pazes. Isto dizia uma e muitas vezes o Capitão Simão Nunes Correia,
que fazia o ofício de ajudante de sargento-mor de aquela Conquista, ho-
mem de experiência em aquelas guerras do Brasil e nas de Buapava, com-
panheiro de Pero Coelho de Sousa. Mas com todas estas cousas, práticas, e
discursos, em público e secreto, o capitão-mor sempre esperava pela paz
que lhe haviam de trazer os índios que havia mandado à Ilha, e quase des-
gostava de ver fazer as obras da fortificação, em que o sargento-mor do
Estado trazia metido todo o cabedal. Mas tudo ao de Albuquerque parecia
desnecessário, em comparação do que estimava palavra dos índios, em que
não consentia que se pusessem dúvidas, e assim de contínuo estava olhan-
do com grande bondade se vinham canoas de paz. Porém, o índio preso,
que já via ser-lhe necessário agradar a seus amos revelando segredos, não já
que ninguém com força o constrangesse, porque o capitão-mor estava de
permeio, que era seu pai e seu parente de todos, como ele dizia, enfim
disse que na ilha havia muitos franceses, e muitos fortes, e muita *artilheria
de ferro e de bronze, e muitos navios, em particular uma nau5 muito gran-
de, a qual sabia de certo que estava para vir contra aqueles navios, e que
partiria, sem dúvida, em dando lugar o tempo; e que disto dava por sinal
que duas embarcações pequenas apareceriam no outro dia ao longo da ilha,
e que tinham os ditos franceses tomado todos os principais portos e ocu-
pados com gente de guerra, e que todas as canoas dos índios daquelas co-
marcas estavam debaixo de sua potência, de feição que nenhuma se bulia
sem particular ordem do seu major, e que os índios que haviam ido de paz
com a primeira canoa, que todos estavam em ferros, e que haviam sido
apertados com cordéis para dizerem o que *parava entre os portugueses.
Ouvidas estas novas, logo trataram de mandar aviso a Paranambuco por
duas vias, começando de arrecear que antes de muito nem por mar nem
por terra seria possível fazer-se, e assim se aprestaram Bastião Martins com
o seu *caravelão, e o Machado com o seu, por serem os mais ligeiros e me-
lhor velejados; em um se embarcou o almoxarife Francisco Mendes Roma,
e em outro o capitão Martim Calado, mui enfermo, para darem conta a S.
Senhoria de tudo o que passava, e solicitarem e trazerem o conveniente

6 Aqui não hesitamos em corrigir por nau o não que está no original de 1812 (p. 43,
13ª linha). (N. do E.)
64 Diogo de Campos Moreno

socorro. Andando nestas prevenções, apareceu ao longo da Ilha uma lan-


cha grande, e após ela outra, e logo daí a pouco tempo dispararam em
terra, em duas partes, artilheria à vista do forte Santa Maria, do qual tam-
bém responderam, largando as bandeiras nas novas *estâncias; e lá sobre a
tarde, com a maré, veio uma das lanchas a reconhecer os *quartaus e os
navios, dentre os quais lhe saiu o *caravelão do Martins com 20 soldados,
e os franceses se recolheram depressa. Soube-se depois que vinha dentro
com 15 soldados Monsieur du Prat, grande soldado, e pessoa de *substân-
cia da câmara do Cristianíssimo Rei de França. Este sucesso foi a 2 de no-
vembro, de modo que era passado o mês de outubro, e não se desenganava
o de Albuquerque, esperando sempre índios de paz da Ilha; e de não virem
todos, dava por escusa terem-lhes os franceses tomado os portos e as cano-
as. Contudo, com os princípios que havia visto, deram-se pressa ao despa-
cho dos *caravelões, e partiram em 5 do dito novembro, indo-se-lhes fazer
guarda até a boca da *barra com os outros bem armados, que tornaram ao
outro dia depois, que bem guiados os lançaram pela *barra fora. Neste
mesmo tempo a nau grande já se vinha chegando com *toas, por ser *con-
travento, e aos bordos, e estava nas coroas da Arasanhug, quando os *cara-
velões lhe passaram por *balravento cousa de duas léguas, e assim não pôde
ninguém fazer-lhes dano, e a não querendo porfiar e chegar à *barra gran-
de do Maranhão para se pôr na Ilha de Santa Ana, quebrou duas amarras
e perdeu duas âncoras com a fúria do temporal que Deus mandou aqueles
dias; e assim, à quinta-feira, se tornaram *arribados ao forte São Luís. E
este foi um dos melhores bens que teve a Jornada, dado por Deus, a quem
se devem as graças destas cousas; não se sabia nenhum no quartel dos por-
tugueses; antes, aguardando cada dia a dita, não se faziam *prestes, e se
trabalhava de noite e de dia, cousa que se não pode crer de gente tão can-
sada e tão mal provida, e que continuamente andavam com as armas nas
mãos, e atravessando matos, e rondando os postos das praias, guardando
postos, fazendo emboscadas, batendo *varedas, reconhecendo pistas, vi-
giando lanchas e trabalhando nas obras e na descarga dos navios, de sorte
que não havia sair de um trabalho sem se deixar de entrar em outro: de
todos, a guarda do mar e dos navios dava mais cuidado, porque por mo-
mentos as lanchas, canoas e *patachos apareciam em diversas partes, e
como nenhuma era segura aos novos hóspedes, de todas se arreceavam, e
Jornada do Maranhão 65

convinha guardarem-se, de modo que descalços, despidos, rotos do mato,


transidos, pálidos, mas mui animosos andavam todos os soldados e oficiais,
com uma conformidade grande.
Neste tempo, que foi a 7 do dito, os franceses, para ver se po-
deriam tomar nova língua, puseram uma bandeira branca em uma coroa
de areia que está defronte em meio canal do forte Santa Maria, a qual,
em sendo vista do capitão-mor, mandou logo que saísse um *caravelão
com 20 soldados e língua dos índios, dizendo que, sem dúvida, os da
Ilha, a nado ou como haviam podido, se haviam vindo àquele lugar para
se passarem a estoutra banda. Portanto, que levassem uma *jangada para
os meterem no *caravelão. Foi em efeito a embarcação e, em chegando
à coroa, foi a *jangada até à língua d’água, e os índios pouco a pouco se
vieram chegando à fala. Mas de mistura com eles vinham franceses com
roupões largos, dos quais, vendo que os da *jangada não saíam a terra,
desenvolvendo as armas, que traziam cobertas, começaram de dar uma
carga, à qual se descobriram detrás da areia outros mosqueteiros, que sem
dúvida tomaram a *jangada, se o *caravelão com um barco e com os mos-
quetes os não desviara. Tornado o *caravelão ao quartel, ainda Jerônimo
de Albuquerque não podia crer que estas cousas haviam de levar outro
caminho que o da paz que esperava dos índios. E nesta conformidade, aos
10 do dito, havendo as sentinelas da emboscada do Mum6 descoberto uma
canoa, se lhe armou de feição, que só dous que se lançaram ao mar esca-
param, nadando como golfinhos mais de duas léguas; os demais, fazendo
que vinham de paz, quando se viram *atalados, e a canoa veio ao quartel,
donde o capitão-mor saiu a recebê-los ao caminho. Mas o sargento-mor do
Estado, a quem mais doíam estas cousas, disse: “Senhor, não sejam estes
como os outros: mandem-se pôr a recado, e saibamos o que passa, que
tanta gente, nem tão bem concertada, não vem senão a tomar língua por
parte dos franceses.” A isto lhe respondeu o capitão-mor publicamente:
“Senhor, isto não é guerra de Frandes. V. M. me deixe com os índios, por
me fazer *mercê, que eu sei como me hei de haver com eles, que sei que
me vêm buscar de paz.” E assim falando, com eles à parte, lhes deu *vesti-

7 Mum registra a edição original, embora seja Muni ou, de forma mais atualizada,
Munim o nome do rio maranhense. (N. do E.)
66 Diogo de Campos Moreno

dos, espelhos e resgate, e despediu a canoa, deixando-os ir livremente. Mas


Deus, que via esta inocência, ordenou que de sua vontade se deixasse ficar
um índio que tinha sua mãe e parentes em Paranambuco, o qual, tanto que
a canoa se partiu, disse ao padre frei Manuel: “Vede como estais que esta
noite vos hão de vir a dar nos navios os franceses, que para isto mandaram
esta canoa a reconhecer como estavam; e, tanto que os tomarem ou quei-
marem, logo vos hão de vir pôr cerco por mar e por terra, porque tudo está
*prestes.” Ouvido isto, o sargento-mor do Estado, por ser já boca da noite,
tomou consigo uma esquadra de soldados, e se foi marchando a se meter
nos navios, mandando aviso a seu companheiro do que fazia, o qual acudiu
logo à praia, e disse ao do Estado que nos navios não havia para que meter
soldados, nem ir lá ninguém, porque não haviam vindo ali a defender na-
vios podres, senão a terra, de que estavam de posse. Houve sobre isto vozes
de parte a parte, porque o sargento-mor gritava: “Os nossos navios são hoje
os que nos autorizam assim sem nada como estão, e se o inimigo os toma,
ou os queima, que crédito nos fica com os índios, nem com os franceses,
que andam apalpando nossas forças, e que descarga daremos, Senhor, de
perdê-los sem sangue?” “Eu a darei por escrito a V. M., cada vez que ma
pedir”, disse o capitão-mor. E não consentindo que a gente fosse, se retira-
ram ao forte, mandando avisar a gente dos navios que estivessem com boa
vigia, e que, vindo à maré, se *atoassem à terra todo o possível. O sargento-
mor do Estado, com Francisco de Frias e alguns outros particulares, se
puseram com *artilheria a ponto e em vigia, aguardando os inimigos, os
quais no quarto de *antealva, com a maré que crescia e com o escuro da
noite, se vieram chegando sem serem sentidos da gente do mar. Mas os da
*artilheria, que os divisavam, dando fogo a uma peça, tocaram arma, e do
mar, tocando as trombetas e dando uma carga, investiram os franceses a
seu salvo com os navios, a gente dos quais, como eram sós os marinheiros
lançando-se ao mar, lhes deixaram a presa nas mãos. A *artilheria do forte
não cessava de jogar, dando em uns e em outros navios; porém não que se
fizesse com ela efeito de substância. O rumor era grande, as arcabuzadas
muitas, até que os franceses, desenganados da pouca força dos navios, e
guiados por Monsieur de Pisiau, e Monsieur du Prat, e o Cavaleiro de Ra-
zelli, da Ordem de S. João, tomaram a caravela, que estava mais ao mar, e o
*patacho francês, e um barco; os outros três navios, ou porque já tocavam
Jornada do Maranhão 67

em seco, ou por mais abrigados da *artilheria, escaparam desta *envolta,


que foi tão mal guiada, como fica dito, na madrugada da quarta-feira, 11
do dito novembro.
Não se pode contar a soberba com que o inimigo dali em diante
corria o mar livremente de uma a outra parte dos quartéis portugueses, e
como tinham ocupado todo o canal com velas, dando tanta inquietação e
tão novos trabalhos aos do forte Santa Maria, que nem comer nem traba-
lhar deixavam a gente, antes armando as três embarcações que tomaram,
com elas vinham a se meter debaixo da *artilheria, tirando as mosquetadas
aos que andavam na praia. E os portugueses, vendo o sucesso da *levada
dos navios, e reconhecendo o perigo em que estavam, sem remédio de so-
corro por mar nem por terra, e o poder das embarcações, *artilheria e gente
do inimigo, e o inumerável número de aldeias de índios que tinham até o
Pará, e as muitas canoas armadas de 70 e 60 palmos de comprido, e outras
munições de guerra e *bastimentos de que estavam providos, já alguns se
tomaram no Perejá, e começaram a ver cumpridas as profecias do sargento-
mor do Estado. Os índios amigos, vendo que os franceses haviam toma-
do os navios assim a mãos lavadas, andavam tão encolhidos e espantados
que já lançavam novas e faziam contas, e não pareciam ao trabalho como
dantes, nem o capitão-mor ousava a lhes mandar nada; e foi tanto que,
chegando-se a ele o sargento-mor do Estado, seu companheiro, e sempre
seu amigo, disse: “Será bom que por terra aventuremos alguns índios com
quatro soldados até a Buapava, para que dali ao Ceará e a Paranambuco
levem nova ao governador de como estamos, e que o socorro que houver
de vir, seja como convém a este novo desengano, porque tenho medo que,
se o não fazemos, que venham alguns barcos da costa, assim como nós
viemos, e que sirvam de *refresco aos que guardam a *barra, que até agora
mui como soldados, vejo que não perderam ponto, nem o perderão até nos
consumirem, ou nós a eles; e isto convém que seja com toda a brevidade
e segredo.” O capitão-mor respondeu que lhe parecia muito bem, mas
que estava desconfiado dos índios, aos quais abrindo o caminho para que
um só fosse, que sem dúvida se haviam de ir todos; pelo que em nenhum
modo havia que falar no tal aviso. “Pois, Senhor”, replicou o sargento-mor,
“se a vossa confiança com os maiores amigos está nesse estado, tratemos
que no Perejá, que tão cedo largamos, haja uma guarda para que avise aos
68 Diogo de Campos Moreno

nossos barcos, quando vierem; pois, sem dúvida não hão de vir a outra
parte senão ali, porque não sabem outra. E se ali houver 20 soldados em
um reduto, podem fazer a paz com os *teremembés, que nós não fizemos;
e por ela poderemos ter sujeitos aos nossos índios e os da Ilha seus inimi-
gos em tremores; e se nos vier socorro de gente, pode meter-se no reduto
com os outros, e descarregarem ali o mantimento, e tornarem a despedir
as embarcações, e a nós darem-nos aviso por terra, ou com um soldado de
noite em uma *jangada: e nisto, Senhor, cuidai, porque por ora não temos
melhor remédio, nem que mais nos assegure, salvo o de Deus, porque, se
perdemos o socorro, assim como os navios, pouco val o que fica, pois com
a morte não damos boa conta do que nos mandaram.” Enfim ficaram em
que se mandaria reconhecer o rio mais vizinho ao Jaguarapim, ou Ilha das
Guajavás, para ver se por dentro havia algum canal que se comunicasse
com os outros do Perejá.
Enquanto as cabeças andavam dando por estes conselhos, os de-
mais também discursavam, e quase que resolviam. E assim se chegou um
certo ao sargento-mor do Estado, e disse: “Senhor, isso está de modo que
não temos outro remédio mais que o do mato, e para que não venha tempo
que nem desse valer nos possamos, há neste quartel quem trata de dar fogo à
pólvora. E sei que, se deixa de o fazer, é porque está toda junta, e temem-se
que falte para a viagem; porque neste achaque enterrada a *artilheria fundam
o poder sair daqui. São mais de 70 homens os conjurados, mas por vos não
darem mais desgosto do que tendes, dissimulam, até ver a resolução que se
toma no remédio destas cousas.” Confessa o dito sargento-mor que nunca
em sua vida teve tal aperto de sentimento, pois gritar sobre o homem, que
lhe falava em segredo, não podia; matá-lo de qualquer modo era a ruína de
tudo; a respeito dos confederados, descobri-lo, pior, pois não havia a quem,
pois a matéria não era para todos; e assim, resolvendo-se com o rosto mais
alegre que pôde, respondeu: “Quando esta pólvora se houver de voar, há
de ser metendo-a debaixo dos pés dos inimigos, e nos nossos depois, se as
mãos nos faltarem. V. M. agradeça aos amigos o seu bom zelo, que eu não
quero saber quem são, e os assegure que antes de muito tempo terão em que
empregar-se, sem aventurar tanto como é a honra. E se acaso isso se me avisa
para que ponha na pólvora mais cuidado, eu vos asseguro que quem *avoar,
que há de *avoar antes dela, e amanhã, sendo Deus servido, mandaremos
Jornada do Maranhão 69

a reconhecer algum bom caminho para a comunicação de nossos socorros,


com que tudo parará no que desejamos.” Acabado este colóquio, logo aquela
tarde se meteu a pólvora entre todo o mantimento, e se lhe dobraram as
guardas sem dizer o porquê, mais por se assegurar a farinha e cousas do arma-
zém, que não estava. Acabado isto, juntamente se nomeou Melchior Rangel
com 60 *arquebuzeiros e 30 frecheiros índios para ir a reconhecer a Ilha das
Guajavás, ou Jaguarapim, para o efeito dito do canal que desejavam, e por-
que os inimigos continuavam tanto àquela parte, que davam a entender te-
rem em terra alguma gente, ou solta ou fortificada. Deu-se ao mancebo uma
mui boa guia, e ao outro dia, que foram 17 de novembro, partiu levando
ordem de reconhecer todos aqueles rios, a ver se se comunicavam por dentro
com os que havia trazido a armada, e que, se achassem gente na Ilha das
Guajavás, que a investissem no quarto d’*alva encamisados, e que do sucesso
bom ao longo da ponta fizessem um só fogo, e se houvessem mister socorro,
que fizessem muitos, chegando-se para o rio mais vizinho ao forte Santa
Maria, donde logo acudiriam todos. Dada esta ordem, e despedidos todos,
foi cousa maravilhosa que, em todo aquele dia e em toda a noite, e grande
parte do outro, não acertasse esta gente, levando guia, o caminho de quatro
léguas, pelas praias já outras vezes andadas deles. E foi que se entraram no
primeiro braço do rio próximo ao quartel e, querendo atravessar por ele aos
outros, vazou a maré, e o lodo era tal que, quanto se desviaram da praia, se
impossibilitaram a sair dele. Enfim, sem poderem ir adiante, aos 18 dias do
dito, tornaram ao *lojamento tão descompostos e cheios de trabalho como
se todo o ano houveram andado na vaza. Disto tomou notável despeito o
sargento-mor do Estado, e assim logo naquele ponto mandou consertar dous
batéis, nomeando dez soldados para cada um, e quatro marinheiros, todos
com seus mosquetes, e fouces de roçar, machados, e pás, e enxadas, e avisou
ao Capitão Frias engenheiro que na maré da madrugada se haviam de ir a
ver os canais, e cada um em seu batel, e que, em caso que necessário fosse,
haviam de abrir a terra de uns a outros, para fazer o caminho por dentro, que
desenhado tinham, pois era cosia possível pela disposição do terreno.
Estando tudo *prestes, e eles para se embarcarem naquela *re-
ponta da maré do dia 19, andando no quarto d’*alva vigiando se andavam
no mar as lanchas, viram que tudo estava coalhado de embarcações de vela
e remos, que vinham com grande silêncio chegando-se à praia, desviados
70 Diogo de Campos Moreno

do forte um tiro de *falcão por detrás dos mangues: deu-se aviso, e com
o novo dia começaram de se mostrar tantas bandeiras e tanto número de
gente, que a uma grande cidade pudera dar cuidado, e mais, que começa-
ram de saltar em terra com tantas trombetas, caixas, buzinas, e rumor, que
não houve mais que fazer que acudir os do forte Santa Maria, cada qual
à sua *estância. E o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, com até 80
soldados, por ver como desembarcavam, se foi na volta do inimigo, mas
dizem que alguns dos que levava consigo, vendo tanta gente, o persuadi-
ram que sem mais tardar se retirasse. Já quando ele vinha, o sargento-mor
do Estado lançava fora outro socorro, entendendo que se travaria alguma
escaramuça, e tinha ordenado o que convinha. Chegando à fortaleza o
capitão-mor, o sargento-mor do Estado, por ver como se alojava o inimi-
go, se foi com doze arcabuzeiros adonde já a vanguarda do inimigo tomava
posto, que dizem que a guiava o Sr. du Prat. E entretanto desembarcava
de batalha Monsieur de Pisiau, lugar-tenente-general de aquela empresa,
o qual vendo tão adiante seu companheiro parecendo-lhe que ele só havia
de levar a honra daquela Jornada, dizem que com demasiada louçania se
lançou à água, e a seu exemplo muitos dos seus, que foi causa de haver fras-
cos e bandoleiras molhados, e os índios das canoas, vendo saltar na água os
franceses, em um momento cobriram tudo. E eles vinham cobertos de *pa-
veses e *rodelas tintas de mil cores, e empenados a seu modo, que parecia
estar ali todo o Inferno. Neste tempo, com alguns arcabuzeiros que se che-
garam mais, começou o sargento-mor de travar a escaramuça a ver como
se punham, e havendo caído dous franceses e um soldado dos portugueses,
parou a obra, e o sargento-mor se veio ao forte, a ver o que determinava
seu colega, o qual achou com um óculo de longa vista olhando por uma
bombardeira o que os inimigos faziam, ao qual disse: “Senhor, não há já
que ver por óculos, que nem o trabalho hão de diminuir, nem hão de fazer
os inimigos menos.” “Pois que havemos de fazer, senhor capitão?”, respon-
deu o de Albuquerque. “Valer-nos de Deus, e de nossos punhos”, disse o
sargento-mor, “que já aqui não há outro remédio. O inimigo se fortifica, e
viu que nos retiramos, e entende que queremos aguardar o *sítio, e assim
trata de se alojar primeiro e desembarcar suas cousas. Se agora sem dilação
formos com toda esta gente por duas partes, sem dúvida os desbaratare-
mos, e nos dará Deus, hoje, um dia muito formoso. Pelo que V. M., com
Jornada do Maranhão 71

ametade desta gente branca e índios, sem se deter vá pela montanha, e eu,
com os demais, irei pela praia: e tanto que V. M. chegar aos inimigos, faça
sinal tocando arma os tambores, que até ali hão de ir com muito silêncio,
e investindo eu por esta banda, farei o mesmo, e Deus nos há de ajudar a
todos. Não replicou palavra o capitão-mor, antes movendo-se logo man-
dou dar em pé aos soldados um bocado de *biscouto e uma vez de vinho.
E com isto saíram todos marchando para fora da cerca, sem tocar caixas e
sem bandeiras.
Está diante do forte Santa Maria um oiteiro eminente à distân-
cia de um tiro de *falcão, imediato ao mar pela parte do norte, o qual tem
um rio de água doce pelo pé, que pela banda do sul participa de água que
bebem os portugueses. Neste *sítio desembarcou o inimigo de preamar,
como está dito, lançando em terra ao pé do monte, de 50 canoas, mais de
dous mil índios frecheiros da Ilha e de Tapitaperá, e com eles 200 soldados
franceses em duas tropas, como está dito, nos quais entravam muitos fidal-
gos de casas conhecidas de França, e dos mais bravos soldados dela, com
peitos e *rodelas d’aço, *morriões e *celadas, e muitos e bons mosquetes,
alguns de nova invenção, que, sendo curtos, tiravam 500 passos aos índios,
além de suas costumadas *rodelas e espadas, arcos e frechas. Traziam cada
qual seu feixe de varas atadas a modo de faxina, com que os que vinham
destinados a este efeito, em um momento, como eram tantos, fizeram uma
cerca no alto do monte, a qual se guarneceu de mosqueteiros à ordem de
Mr. de La Fos Benart, com mais quatrocentos índios *topinambós, com o
*língua Turçou, aos quais deu ordem Mr. de Pisiau que, ainda que sentis-
sem tocar armas e revolver-se tudo, que não largassem o posto, antes mais
cada vez o fortificassem cerrando-se nele. Logo mais abaixo desta coroa ou
cerca fizeram outra, ajudando-se do *sítio e do mato, a qual, como *bar-
bacã da outra, lhe dava resguardo, por ser levantada duas braças do terreno
da praia. Esta *barbacã com soldados franceses e índios se deu a cargo de
Mr. de Canonville, soldado velho e de muito nome, assegurando o monte
nesta forma: atalharam todo o espaço de terra que havia entre a maré e o
monte com sete trincheiras de pedra em *sosso, altas e grossas, que faziam
rosto ao forte Santa Maria, e a estas se retiraram os franceses quando a
escaramuça do sargento-mor, porque estavam guarnecidas da sua melhor
gente, até donde batia o mar com suas sentinelas; e as canoas todas estavam
72 Diogo de Campos Moreno

abicadas ao pé da montanha, e cobertas das ditas trincheiras, e todos os


mais índios ocupavam tudo o que o mar vazava, guarnecendo a ilharga das
trincheiras; em todos os vazios daquele campo seriam mil e quinhentos fre-
cheiros, que, todos fazendo os seus motins e *momos, se vinham chegando
para a praia do forte Santa Maria, que era parte somente donde temer se
podiam. O capitão-geral, Monsieur de la Ravardière, estava no mar com
outros 200 soldados franceses, à ordem do Cavaleiro de Razilli, da Ordem
de S. João, e do capitão Mateu Manarte, que com outros 100 frecheiros
de Comat haviam de sair com a *artilheria em se assegurando o *sítio. Já
havia marchado o capitão-mor por uma vereda secreta da montanha, com
setenta e cinco soldados portugueses, gente escolhida, que levavam em suas
companhias o capitão Manuel de Sousa de Eça e Francisco de Frias, aos
quais tocou ir por esta parte. Levava mais 80 frecheiros portugueses, gente
velha e destra nas ocasiões e guerras do Brasil, e o sargento-mor do Estado
já estava pegado aos inimigos com só Antônio de Albuquerque, filho do
capitão-mor, moço de 20 anos, que aquele dia quis seu pai que fosse com
a sua companhia pela praia com o sargento-mor, a quem o encomendou.
Com esta companhia, e com o resto dos índios, em que entrava o Mandio-
capuá com os *tabajarés, se foi melhorando o de Campos, coberto com um
pouco de mato por não mostrar a gente ao inimigo. Mas os soldados, que
viam o que tinha diante, moviam-se tibiamente, querendo antes estar-se ao
*socairo do forte Santa Maria. E nisto se houveram de modo não obede-
cendo aos sargentos, que o do Estado, virando-se a eles com uma pistola
na mão, disse: “Não me persuado que tão valentes homens duvidem de
vencer aqueles inimigos, e mais quando ontem no Perejá vos amotinastes
por chegar a este ponto, no qual, se agora houver algum infame ou covar-
de, o que não cuido, e como tal torcer o rosto, cuide que me tem aqui para
seu verdugo. Fazei, senhores, e irmãos, o que virdes fazer, advertindo que a
minha vida e a vossa está na morte de aqueles que logo hão de fugir, se um
pouco lhes temos a barba tesa à sua primeira fúria.” Dizendo isto, virou-se
ao capitão Madeira, valente soldado, e capitão dos índios todos, e disse-
lhe: “Metei-vos, senhor, com toda essa gente detrás daquelas embarcações
nossas, que já estão em seco, e não arremetais senão depois que me virdes
que vou investindo, e então cerrai com os índios da praia que guardam a
ilharga das trincheiras, e fazei como costumastes sempre.” E dando esta
Jornada do Maranhão 73

ordem disse ao alferes Diogo da Costa, soldado velho e de honra, natural


das Ilhas: “V. M. se vá voando ao forte, e diga ao capitão Gegório Fragoso
que com toda a sua companhia venha logo marchando pouco a pouco sem
bandeira e sem tocar caixa, e se ponha na retaguarda dos nossos índios, e
tanto que nos vir arremeter, entre pela praia de socorro com a sua arcabu-
zaria, para que os nossos índios o sintam nas *espaldas, e os inimigos se
descomponha pela ilharga.” Ordenado assim o que convinha, aguardando
o sinal des da montanha, saltou em terra de uma canoa um trombeta com
as armas reais de França bem concertado, e, tocando e chamando, se veio,
até que um tambor dos portugueses com ordem do sargento-mor do Esta-
do o foi recolher, e vindo à sua presença lhe deu uma carta em francês do
seu general, ao qual, enquanto se via, lhe mandou o sargento-mor tapar os
olhos ao trombeta, e pôr boa guarda, e lendo a carta para si somente viu
que dizia assim:
Ao Senhor Jerônimo de Albuquerque:
“Senhor de Albuquerque, o vosso atrevimento é incom-
parável vindo acometer em minha pessoa ao maior monarca
da Cristandade, com o seu povo e reino, do qual eu tomei pos-
se por Sua Majestade, com meus companheiros, há perto de
três anos, tendo comissões e letras-patentes do meu Rei para
este efeito, e tendo também para este efeito vinte capuchinhos
guarnecidos de mui boas missões do Papa. Portanto eu te peço,
ó Albuquerque, donde está a justiça da tua causa, e se Deus te
quer ajudar, vindo sem algum direito a turbar nossos limites, e
a transtornar por um tempo os bons efeitos que aqui se fazem
em todas as cousas. Eu não deixo de rogar a Deus que te não
mande o castigo que tu mereces, turbando-te em tal sorte o
espírito que tu não aceites a graça que, como cristão e como
nobre, eu te quero fazer, por duas razões principais: a primeira,
por teu *coraje de haver ousado vir dentro aos limites france-
ses acometendo um número de bravos fidalgos, onde eu sou
o menor e incapaz da honra que tenho de os mandar; a outra
razão mais forte é a prevenção que faço à perda do sangue
cristão, que não posso *estorvar, se não guardares as condições
74 Diogo de Campos Moreno

seguintes, assim como o desejam todos os meus, porque tenho


um número infinito de *salvagens, que não desejam mais que
de te abocanhar a ti e a tuas gentes, e de executar em ti e nos
teus todas as sortes de *carnecerias, gozando delas e de outras
mortes. E contudo, eu, por evitar estas inevitáveis *maloras,
porque as não desejo, olha, se te queres render por meu pri-
sioneiro de guerra, com todos os teus fidalgos, e soldados, e
*salvagens, porque, fazendo-o te prometo sobre minha honra,
e a eles todos, de vos fazer todas as cortesias em vossas pessoas,
que podereis desejar de um verdadeiro cristão e fidalgo francês.
E não querendo tu aceitar este favor, dando-me a pena de pôr
os pés em terra e de te plantar a bateria das minhas peças, não
tens que esperar de mim nada mais que o que as leis da nossa
arte prometerem. Assim que, pois não és ignorante, e tens as
qualidades que eu hei visto em teus passaportes, não confies
no socorro, antes assegura a vida tua e dos teus, que está hoje
posta no vento, e mais quando tu vês o estado em que estou
para lhes romper a cabeça, antes que vejam o teu forte, e antes
que venham a mim, tem que fazer com uma nau de 400 tone-
ladas que tenho na entrada da *barra, com um seu *patacho,
assim que eu te concedo termo de quatro horas para receber a
lei de teu benfeitor e servidor, se fizerdes para teu bem o que
te digo acima.
RAVARDIÈRE
“Se desejas de me mandar um de teus cavaleiros, pode vir
seguramente, porque te dou minha fé e palavra de to tornar a
mandar, em falando com ele, e por que não ignores, tu e os teus,
o estado em que estou, e vós vos achais. Aí vos mando parte das
cartas que eles escreviam pelos navios tomados por meus com-
panheiros. No campo francês, diante do forte São Simão dos
Portugueses no Maranhão, a 19 de novembro de 1614.”
Havia passado a palavra ao capitão-mor da vinda do trombeta,
o qual para mais não era vindo que para reconhecer e *empachar os portu-
gueses enquanto os franceses se fortificavam, e espantar com aquelas pala-
vras aos que sabiam pouco. Enfim o dito capitão-mor fez alto sonido já ao
Jornada do Maranhão 75

pé do monte da outra banda do leste, e, para saber a novidade, mandou um


alferes a informar-se. Mas o sargento-mor do Estado a resposta que deu foi
meter a carta no *uco do chapéu, e ao alferes por nome Manuel Vaz de
Oliveira disse: “Diga ao capitão-mor que a carta vem em francês, e que sua
mercê que a não há de poder ler. Mas que lhe aviso, se não quer ser cativo
dos franceses, que arremeta logo, como está assentado, porque aqui esta-
mos *prestes para fazer o mesmo, e que pedem que nos rendamos a sua
mercê dentro de quatro horas. Se não, que seremos postos ao cutelo.” Foi
o alferes voando com este recado, o qual, tanto que o capitão-mor o ouviu,
arremeteu como mui esforçado cavaleiro, e, ao sinal, o sargento-mor, dan-
do por nome Virgem de Guadalupe e gritando Santiago, cerrou com as
trincheiras da praia, e após ele arremeteu o Madeira com os índios amigos,
que não chegavam a cem homens. O socorro com o capitão Gregório Fra-
goso entrou assim como lhe estava ordenado, dando a carga pela banda do
mar. Já neste tempo a gente estava *abarbada com a primeira trincheira,
donde os mortos que caíam de uma e de outra parte faziam duvidoso espe-
táculo. Mas a virtude do sofrimento nos portugueses foi grande, pois, sem
torcerem o rosto, sempre levados do exemplo e vozes do sargento-mor,
apertaram tanto que ganharam a primeira trincheira, e isto a tempo que os
índios do inimigo, que eram em multidão grande, como neles se não per-
dia tiro e a gente portuguesa os ia entrando, viraram as costas a tempo que
o capitão-mor já chegava à praia, e o sargento-mor gritava: Vitória, que
fogem! Contudo, os franceses, pelejando galhardamente ainda que com
pouca fortuna, entretinham o ímpeto de uma e de outra parte, até que de
todo vendo desamparada a sua ilharga dos seus *salvagens, e ocupada dos
portugueses, que derramados destramente lhe faziam o ofício, e que os seus
índios ocupavam o lugar da retirada, tomando a carga começaram juntos
de tropel de caminhar para se valer dos navios, porém foram dar com o
capitão-mor, que, como dito é, vinha saindo do mato e arremetendo quase
só, porque os seus, ou porque ele se adiantasse, ou porque eles marchassem
menos, chegaram descompostos, mas mui *valerosos e honrados, e como
tais, ainda que o capitão-mor esteve em perigo, logo foi socorrido de uns e
de outros. E nesta *envolta foi morto Monsieur de Pisiau, lugar-tenente-
general, fidalgo católico, e de tantas partes, que sempre será chorado dos
seus. Era primo com irmão da princesa de Condé, o qual vendo caído seu
76 Diogo de Campos Moreno

companheiro Monsieur Du Prat, e tudo em rota com mais pressa do que a


barafunda dava lugar, se retirou e escapou a nado com a espada na boca.
Todos os demais fidalgos franceses elegeram antes morrer pelejando junto
do seu general, e assim quanto mais em francês o sargento-mor do Estado
lhes gritava que se rendessem, tanto mais se defendiam. Pelo que, em me-
nos de uma hora que durou a força da batalha, ficou todo o campo coalha-
do de mortos franceses e índios. Monsieur de La Ravardière, vendo do mar
o que *parava, mandou na fúria do conflito aos navios mais ligeiros que se
*presentassem à fortaleza para *divertir o dano, que já doutro modo reme-
diar não podiam. Mas o capitão Manuel de Brito Freire, que com o alferes
Diogo da Costa, com quase trinta soldados marinheiros e doentes, fizeram
tão bem seu ofício com a *artilheria, que desviaram de si este perigo, dando
a entender diferente força da que havia, de modo que no mar, e na terra, e
no monte, e na praia, tudo eram bombardadas, cutiladas e arcabuzadas,
com tanto fervor qual no Estado do Brasil jamais foi visto, nem que tanto
se aventurasse como este dia, no qual, para mais espantosa tragédia dos
franceses, mandou o sargento-mor do Estado dar fogo a todas as canoas
que estavam *varadas em terra, que eram 46, com todo seu *maçame e
remos, em que havia algumas de 75 palmos de comprido, que vogavam 25
remos por banda, o que se fez por tirar o pensamento aos fugidos de se
salvarem nelas, e por quebrar o ânimo aos aliados dos franceses, que nisto
perdiam seu regalo e remédio, e mostrar aos do mar sua armada feita cin-
zas, e aos da terra, que todavia se fortificavam na montanha, que não ti-
nham que esperar socorro, pois as canoas ardiam. O capitão-mor Jerônimo
de Albuquerque, tanto que viu o bom sucesso da rota em que, como está
dito, pelejou como quem era, foi-se ao forte a descansar do trabalho passa-
do, deixando que a seu alvedrio cada qual despojasse, saqueasse tudo o que
achasse de mantimentos, e munições, e armas, de que estava o campo co-
berto. Mas o sargento-mor do Estado, que trazia outro pensamento, tinha
sempre junta e firme uma tropa de sessenta soldados, e todos os oficiais
consigo, sem consentir que se desviassem um ponto, até ver o inimigo de
todo roto e a montanha desocupada, e assim cada momento provia com
esquadras de *refresco, para que sem parar lhes tivesse a escaramuça em
*teso aos capitães franceses, a saber, a Monsieur de la Fos Benart, que,
como está dito, guardava o monte, e ali se defendia *valerosamente, e a
Jornada do Maranhão 77

Monsieur de Canonville, que se havia *ajuntado com ele tanto que viu a
rota, e era de temer que, se o negócio se esfriava, que se podia mudar a
fortuna, e mais, se os do mar entendiam que a sua gente estava fortificada.
Pelo que o sargento-mor do Estado, buscando seu companheiro o capitão-
mor, lhe foi dito como estava na cerca em sua casa, e assim se foi a o buscar,
deixando com a gente o capitão Frias, e chegando aonde estava Jerônimo
de Albuquerque, lhe disse: “Meu Senhor, não temos feito nada, se nos não
tornamos a *ajuntar, e vamos desfazer a cerca da montanha, donde os ini-
migos que fugiram estão recolhidos, e bem sabeis, senhor, que se falta qual-
quer de nós do campo, que ametade dos soldados hão de desaparecer.” O
capitão-mor com muita vontade tornou a tomar as suas armas e, levando seu
filho consigo, se tornaram à praia, donde repartidos, sem que houvesse ín-
dios que levar de ajuda, porque todos andavam encarniçados em quebrar
cabeças e despir os mortos, e foi o capitão-mor por uma banda, e o sargento-
mor ficou na da praia, e pelo mato cerrado chegando-se bem à cerca, houve
uma contenda muito desigual, porque os portugueses, a coronha rasa desco-
bertos, queriam às mãos desfazer tudo, e se metiam nas bocas dos mosquetes
inimigos, tanto que com o fogo lhes queimavam o *fato e os derrubavam,
como fizeram a um sobrinho do sargento-mor do Estado, chamado Luís de
Guevara, que de duas arcabuzadas caiu em terra morto, *pegado nos paus da
cerca, e Antônio Grisante, moço nobre, que à porfia se arremessou da banda
de dentro, também ficou morto de mil feridas. Logo feriram a Antônio de
Albuquerque, filho do capitão-mor, e ao seu alferes Cristóvão Vaz, e outros
soldados, e, nesta pressa e bateria mais atrevida do que dizer-se pode, deram
uma mosquetada ao Turçou, língua-mor dos índios que estavam na cerca, os
quais tanto que o viram ferido, e alguns deles mortos, não havendo quem os
exortasse a estar firmes, e havendo a pólvora faltado já [a]os franceses, e
Monsieur de La Fos Benart tendo uma arcabuzada em um braço, começa-
ram os índios, ao seu modo, de bater as palmas, e, dando através com o
canto contrário da cerca, se lançaram fugindo pela montanha abaixo, levan-
do trás si as árvores que como se fora algum caudal de rio, porque eram mais
de 600 homens. Os franceses, havendo feito seu dever, como mui bons sol-
dados se misturaram com os índios de Tatuaçu, que era o principal daquela
tropa, e com o Caranguejo Branco, outro principal da Ilha, e assim se salva-
ram pela espessura do mato. O sargento-mor tanto que viu arrebentar aque-
78 Diogo de Campos Moreno

la gente pôs joelho no chão, e disse aos companheiros: “Demos graças Deus,
que nos há dado inteira vitória.” E logo recolhendo a gente, não quis consen-
tir que mais se desmandassem pelo bosque, antes mandando tocar a recolher
se veio marchando para o forte Santa Maria, já quase noite, havendo-se reco-
lhido todos os mortos portugueses, e feridos. O capitão-mor já tinha feito
outro tanto, sentindo, porém, das feridas do filho. Sepultaram-se aquela noi-
te e ao outro dia os mortos, que em todos foram onze, e tratou-se de acudir
aos feridos, que eram muitos, e no quartel, a Deus louvores! não havia cirur-
gião, nem *mezinha alguma mais que um pobre moço que, inda que soubes-
se atar uma ferida, não tinha cousa que lhe pôr mais que azeite comum, ou
de *copaíva, e panos d’água com *ensalmo, que para tão terríveis feridas,
como alguns tinham, era cousa lastimosa. E porque é bem saberem-se os
nomes dos que, honradamente servindo a Deus e a Sua Majestade, morre-
ram nesta batalha e foram feridos, os mortos são os seguintes:
Luís de Guevara, natural de Tangere, filho de Gonçalo de Guevara,
cavaleiro da Ordem de Cristo.
Antônio Grisante, homem nobre, natural de Braga.
Francisco de Beça, castelhano.
João da Mata, natural do Brasil.
Pedro Álvares, de Viana.
Amaro do Couto, natural de Lisboa.
Bartolomeu Ramires, natural das Ilhas.
Manuel de Loureiro, natural de Abrantes.
Mateus Gonçalves, natural de Mondego.
Domingos Correia, natural da Ilha Graciosa, mestre de um *ca-
ravelão da Jornada.
Os feridos na batalha:
O capitão Antônio de Albuquerque.
O seu alferes Cristóvão Vaz.
O alferes Estêvão de Campos, sobrinho do sargento-mor do Es-
tado.
Pedro Bastardo.
Domingos Martins.
Jornada do Maranhão 79

Encenso Fernandes.
João de Oliveira.
O sargento Rodovalho, que se assinalou muito.
Francisco Pais.
João de Mendiola, castelhano.
Manuel Lopes.
Gonçalo de Sousa.
Bartolomeu Carrasco.
Francisco de Velasco, castelhano.
Brás Mendes.
Jorge da Costa.
Roque de Mesquita.
Melchior Rangel.
Do inimigo se contaram mortos no campo cento e quinze fran-
ceses, entre os quais os fidalgos e principais de nome são os seguintes:
Mons. de Pisiaus, do Delfinado, tenente-general desta empresa.
Mons. de Lonjeville, de Paris.
Mons. de Chavanne, primo-irmão de Monsenhor de La Ravar-
dière, natural de Chavanne.
Mons. de São Gil, de Normandia.
Mons. Hautnouesa, normando.
Mons. de Rochefarte, normando.
Mons. de La Hey, normando.
Mons. de La Benuviera, normando.
Mons. de S. Vicente, normando.
Mons. de Batalla, normando.
Mons. de La Praeriá, normando.
Mons. de Magnihi, borgonhão.
Mons. de Fossé, picardo.
Mons. Vanet, astrólogo de La Franqua.
Mons. de La Roche, Limosine Conte.
Mons. de Sablon, primo de Mons. de La Roche Depuis, nor-
mando.
80 Diogo de Campos Moreno

O sargento La Verdura.
O sargento Bixot, da companhia de Monsenhor du Prat.
Mons. de Sauvensi, bolonhês.
Mons. d’Ambreville, borgonhão.
Mons. de La Ruelle, secretário do Condestável.
Mons. de La Crux, de Paris de França.
Mons. Magrot.
Mons. de Basserua, de Paris.
Mons. de Chateau, de Paris.
Mons. de Bachiler, de Paris.
Seu irmão Le Bachiler, de Paris.
Vicente Grande, mestre de navios.
Mons. Bridu, natural de Dieppe, famoso.
Um língua dos índos chamado o Mingão.
Mons. Gatignat, de Paris.
Mons. Des Marais, de Ruão.
Afora estas pessoas particulares que aqui morreram, dizem que,
com os afogados e perdidos, chegaram a 150. Mas os que se contaram no
campo, como dito é, foram 115, afora os presos, que foram nove.
Aquela noite, depois da batalha, não consentiram que da for-
taleza saíssem soldados fora, tanto por dar aos inimigos ponte de prata,
como porque na verdade a gente estava tal, e havia tanto em que entender
com feridos e mortos, e com vivos mortos de fome, e juntamente tendo a
armada à vista, na qual os presos diziam que havia mais de 200 soldados, e
que estava grande socorro de índios para vir ao outro dia, os quais vinham
da terra firme de Comat. Também os índios da Ilha, que como está dito
fugiram aos primeiros encontros, e assim os da montanha, era de crer que
não deviam de estar mui longe, e que, vendo as canoas dos amigos, que se
poderiam animar e refazer com elas, e mais se tinham em sua companhia
alguns franceses, os quais, avisando a Monsieur de La Ravardière, pode-
riam fazer que outra vez se tentasse a fortuna, e mais quando os ditos fran-
ceses tinham as suas forças do mar inteiras, e os portugueses nenhum batel
para seu serviço, que tudo estava *varado e tiradas as tábuas, e *rombas,
Jornada do Maranhão 81

por que das embarcações que haviam ficado, se não valesse ninguém até
que o tempo mostrasse melhor rosto. Todavia aquela noite houve grande
vigia, e guardas *dobles, a causa de que em toda ela sempre se sentiu rumor
de gente, assim nos matos vizinhos como na baixa-mar da praia, na qual
se fuzilava às vezes por sinal dos que pediam favor aos navios. Nesta noite
se veio a render à fortaleza um índio, principal dos da Ilha, que declarou
o grande medo que havia em todos os fugidos e escapados da batalha, e a
grande tristeza que havia pelos mortos e perda de armas e canoas. Tudo isto
mais se certificou em sendo de dia, porque em toda a armada não havia
bandeira alguma *arvorada, e a capitânia tinha abatida e *desarvorada a sua
real e a do *masto grande, nem se tocou trombeta nem caixa na alvorada,
nem se disparou arma de fogo, tudo pela morte do tenente-geral de Pisiau,
e pelos demais parente e amigos do senhor de La Ravardière, o qual aquele
dia nem o outro falou a ninguém, encerrado em seu camarote, como ho-
mem pouco costumado a ser vencido. Estas cousas, ainda que se viam e
entendiam no forte Santa Maria, não eram tão solenizadas exteriormente,
porque todavia se viam com o porto tomado como dantes, e sabiam de
raiz quais eram as forças do inimigo, e quão poderosas em gente, navios e
*artilheria, e o pouco poder que de presente havia para acabar de consumir
tudo isto. Somente entre os índios havia ao seu modo *bailos e cantos toda
a noite, e as mulheres, apregoando pelo quartel, andavam cantando das
proezas de seus maridos e publicando os nomes dos homens de guerra que
haviam tomado nos contrários, quebrando-lhes as cabeças: cerimônia no-
tável e de muita graça, pelo fervor com que as mulheres índias de aquelas
partes dão à execução este rito.
Estando, pois, uns e outros desta sorte, apareceram pelas 7 horas
da manhã do dia 20 de novembro 16 canoas grandes, que, uma trás da outra,
em largo giro vinham chegando-se à terra e à armada, as quais traziam de
socorro da terra firme de Comat 600 para 700 índios *tupinambás, e vinham
a assentar quartel da banda do rio Mum, para que os portugueses perdes-
sem a esperança de remédio de nenhuma parte. Tanto que apareceram as
canoas, logo o sargento-mor do Estado lançou fora cem arcabuzeiros com o
capitão Manuel de Sousa de Eça, os quais marchando à vista da armada pela
baixa-mar foram a pôr-se adonde as canoas apontavam, e os índios amigos ao
longo do mato foram sempre reconhecendo o bosque, até ao mesmo posto
donde aguardavam o que faziam as canoas, os quais, tomando terra da outra
82 Diogo de Campos Moreno

banda do rio, foram advertidos dos índios que lá andavam (buscando em


que salvar-se), e assim, tanto que tiveram notícia do estrago passado e viram
que já os portugueses da outra parte do rio esperavam pela baixa-mar para
se verem com eles, não lhes parecendo bem *provar-se com gente que antes
de eles chegar[em] já os buscava, embarcando depressa os escapados que à
boamente levar puderam, se tornaram na volta de suas terras sem falarem à
armada, nem ao principal da Ilha que nela estava com o General Ravardière,
chamado o Brasil, nem lhes darem a obediência, ainda que da capitânia lhes
tiraram uma peça, e os foi chamar uma lancha. Com este sucesso, se recolhe-
ram os portugueses, vindo de caminho às cercas do inimigo, queimando-as e
desbaratando-as de todo, e desmanchando as trincheiras da praia, mandando
juntamente dar sepultura a todos os mortos, franceses e *tupinambás, em que
todos os escravos e gente de serviço gastaram todo o dia. E assim acabaram de
saquear-se os quartéis, em que houve muita farinha, e legumes, e muitas redes
de dormir, e grande cópia de armas, arcabuzes, mosquetes, pistolas, *peitos,
*rodelas, *morriões, e *celadas, infinitos arcos, e frechas, *paveses, e *rodelas
dos índios, alguma pólvora em *cabaços, morrão, *pelouros. Também este
dia se tomou uma índia moça, a qual havia vindo à guerra com seu marido, o
qual, a tempo de fugir, a deixou, esquecendo-se dos amores. Mas ela teve tan-
ta astúcia que disse aos que a acharam que era tapuia, escrava de um principal
da Ilha, para que assim a cativassem e a não matassem, como sucedeu, que
sendo levada por escrava de uns *tabajarés que a tomaram, passada a fúria,
disse quem era, e foi restituída a seu marido daí a poucos dias.
Passadas estas cousas, a 21 do dito mandou o inimigo um índio
dos que lá tinha da primeira canoa, quando foram de paz à Ilha, e lhe deu
uma carta em francês cerrada, para que desse aos seus portugueses, a qual
traduzida dizia assim:
“Senhor d’Albuquerque, eu te mando esta para saber a ver-
dade da guerra que fazes e queres fazer aos meus, porque até aqui
não quis *praticar-te nada de aquilo que toca à nossa arte, porque
tu quebras todas as leis praticadas em todas as guerras, assim cristãs
como *turquescas, ou seja em crueldade, ou seja na liberdade das
*seguridades que os homens tomam uns com os outros para seus
parlamentos. E tu, retendo os trombetas que te mandam pessoas
livres, pelo meio de todos os inimigos, fazes que em ti vejamos e
Jornada do Maranhão 83

pratiquemos leis novas em nossos ofícios. Pelo que tu nunca terás


honra jamais para com pessoas de merecimento, nem farás mais
que abocanhar a carne cristã. Mas a justiça divina te castigará como
tu mereces, e me dará graça que tu e os teus proveis à cortesia fran-
cesa, caindo nas minhas mãos, a qual eu te prometo em vingança
de tuas crueldades, que eu poderei executar sobre ti e sobre os teus
que cá tenho no forte São Luís, sendo 12 *salvagens, a que faço
melhor tratamento que posso. Portanto, não te ensoberbeças ha-
vendo espantado uns poucos de *salvagens, os quais te deixaram
nas mãos alguns 80 homens dos meus franceses, governados pelo
meu tenente, mancebo e bravo capitão, e experimentado na guerra
se jamais o houve, que foi morto na primeira ocasião em que aqui
se achou. Também havia outro bravo e experimentado na guerra,
chamado Mons. du Prat, o qual me veio achar depois da *defensa
que fez fazer aos franceses e *salvagens, de que não tirassem em
modo algum do mundo enquanto durava o parlamento, e esta
foi a causa que tu a tão bom preço os tomaste[s] contra toda lei
de guerra, violando todo o que nela se pratica. O Senhor du Prat
virou o rosto à larma, e vendo a desordem, se pôs a resistir, e ven-
do o atrevimento dos teus e sua audácia, acompanhou os seus,
pelejando até que te viu senhor do campo, e depois se salvou, e
está com saúde, donde me assistirá bravamente a tomar razão de
teus cruéis efeitos. Tu tens somente a honra de ficar com a praça, a
qual eu espero haver bem cedo, porque ainda me ficou assaz gente
de bem para executar meu desenho, sem ter necessidade daqueles
que mandei ao Pará, os quais espero cada dia, e outros muitos de
França. E assim esperarei também tua resposta sobre o que acima
te digo, a qual me podes mandar sobre minha fé e palavra, que eu
nunca jamais quebrei, nem o farei, porque tenho 25 anos de go-
vernador de gente. Pelo que, se te mostrares cristão, faze boa guerra
aos meus, e manda-me o meu trombeta, se não queres que à tua
vista te faça enforcar em 54 horas todos os teus, assim portugueses
como *salvagens. Este teu mortal inimigo.
RAVARDIÈRE.
“Diante do forte São Simão, a 21 de novembro de 1614.”
84 Diogo de Campos Moreno

Lida e declarada esta carta pelo capitão e sargento-mor do Esta-


do, pareceu que respondesse a ela, mostrando aos franceses a pouca razão e
prática de guerra que tinham, e assim lhe se escreveu a seguinte, em nome
do capitão-mor, e por ele assinada:
“Senhor Ravardière: el-Rei católico de Espanha nosso se-
nhor me mandou a este rio Maranhão com o capitão e sargen-
to-mor de todo este Estado do Brasil, Diogo de Campos, meu
colega, e muitos homens nobres, fidalgos e cavaleiros de diversas
gerações de Portugal, de que realmente eu tenho muita honra,
e tanto me fio de sua companhia que tenho dous filhos comigo
nesta empresa, na qual nunca me persuadi que tinha parte o
cristianíssimo rei de França, nem os franceses nobres que se me
nomeiam. Pois é de crer que, sendo meu rei imperador deste
novo mundo há mais de cento e doze anos, que não dará parte
dele a outro príncipe, e se lha der, que lha não tornará a tirar.
Pelo que, sobre o título de nossa vinda não há que disputar que
se os reis o hão de averiguar, mal faz quem faz a guerra, e se as
armas, escusadas são palavras.
“Por averiguar dúvidas e saber quem estava nessa Ilha,
mandei os dias passados os meus índios com a paz à mesma
Ilha, e tomaram-mos os franceses; dela vieram outros a buscar-
me com engano: dissimulei e mandei-os livres; depois disto,
vieram os franceses de Itapari a esta coroa de areia que me jaz
defronte, e puseram bandeira branca de paz, a que logo acu-
di com um barco em que ia um filho meu, e um capitão da
Casa Rangel para ver sua fala: vieram com armas cobertas os
franceses, e tanto que entenderam poder danar aos meus, lhes
tiraram cruelmente muitos golpes de arcabuz e mosquete. Eis
aqui, Senhor Ravardière, quem por três vezes rompeu e violou
a lei das gentes e do primor da guerra, e quem se fez incapaz
de fidelidade. Passadas estas cousas, vieram os franceses a to-
mar dous pobres cascos de navios desarmados a meus pobres
marinheiros, os quais estavam à boa-fé no mar d’el-Rei nosso
senhor, sem fazerem mal a pessoa, e foi interpresa a horas e
termos pouco valentes: enfim, ficamos lastimados de tanta ou-
Jornada do Maranhão 85

sadia e má vizinhança. Passado isto, Senhor Ravardière, vieram


os franceses em número grande, com todas as forças do Esta-
do dos índios destas comarcas, enganados para nos comerem
e tirarem a vida à fome, e sede, e ao cutelo; e andando-nos
*apercebendo para nossa defesa, mandaram um trombeta não
sei de quem, o qual queria que dentro em quatro horas nos
rendêssemos; e enquanto falava com meu companheiro Diogo
de Campos, a gente francesa desembarcava, e os *salvagens se
chegavam, os franceses astuciosamente se fortificavam, sendo
assim que cada crime destes é intolerável. Pelo que, seguin-
do-se o efeito pela nossa parte, começando, a Deus graças, o
trombeta ficou salvo, e a vosso serviço, e vos dou palavra de
o mandar quando for tempo, por minha cortesia e vossa boa
*tenção, não pelo merecimento da causa, que já vai declarado
para diante dos que da nossa arte mais entenderem. Do sangue
que se derramou de franceses e portugueses, Deus é testemu-
nha que não tenho eu a culpa, a quem a tiver ele dará a pena.
Portanto, se os meus que lá estão enforcardes, mal fareis aos
vossos que cá tenho, que são nove com o trombeta, e um vosso
tambor, mas il serà comme vous plairà.
“Todos os mortos franceses fiz enterrar como pude, não
como merecem, e se deles algum é necessário, ou os ossos, po-
dem livremente vir por eles, sem nenhum interesse. A muitos
salvei a vida, mas os *salvagens que vêm comigo, confesso que
são mais cruéis que os vossos, não para comerem carne hu-
mana, e assim é fábula que faltou perna nem braço a nenhum
francês, e isto sobre minha honra. Antes, a um soldado meu
*valeroso de casaca *grisante, que morreu pelejando dentro já
na cerca, os vossos tapuias, ou *salvagens, lhe cortaram um
braço, e sem ele foi à terra. Nem me maravilhei disso, porque
sou velho, e há muitos anos que ando nestas cousas. E por der-
radeiro, sei que será o que Deus quiser. Dada no forte de Santa
Maria no rio Maranhão, a 21 de novembro de 1614.
JERÔNIMO D’ALBUQUERQUE.
86 Diogo de Campos Moreno

“Andava fora à caça, portanto não mandei a resposta


mais cedo. As cartas dos meus, vi: falam verdade, mas pode al-
guém enganar-se com elas. Torno-as a mandar, para que se ve-
jam mais d’espaço.”
Esta carta se mandou pôr em um pau na praia, com uma bandeira
branca, porque o índio que trouxe a outra não quis tornar com a resposta.
Mas eles, sem perder ponto, ao outro dia mandaram a que se segue. E há-se
de advertir que as cartas de que falam atrás foram as que os soldados por-
tugueses escreviam ao Reino nos navios que os franceses tomaram, em que
cada um conforme seu talento contava da Jornada, e significava as neces-
sidades do estado presente, nas quais, e na tomada dos navios, o inimigo
havia feito juízo certo das forças portuguesas, e para que soubessem que
não ignorava nada do que convinha, mandava as cartas originais. Mas os
capitães portugueses, não dando delas a entender nada a pessoa alguma,
por não lastimar e escandalizar aos que com simplicidade as haviam escri-
to, as tornaram ao inimigo, dizendo que falavam verdade, mas que podia
alguém enganar-se com elas. E tornando à carta do Ravardière, dizia deste
modo:
“Senhor d’Albuquerque. Tendo visto pela tua a boa guerra
que tens feito aos meus franceses, que eu governo, e assim estou
mui alegre, e crê de mim um natural que jamais ficará vão de
cortesia, e que assim tudo te pagarei em dobro, quando Deus
me der ocasião. Peço-te que me mandes os nomes dos meus a
quem tu salvaste a vida, e não creias que se te dará por isso um
só *enojo, e assim me avisa quando me dás tua palavra e tua fé,
para que eu mande um fidalgo dos meus a ver o corpo do meu
lugar-tenente-general, homem de casa ilustre, e se tu mo queres
mandar buscar por alguém, eu te dou minha fé e minha honra
que pode vir e tornar seguramente. E assim, se algum dos teus
padres quiser vir, eu lhe farei que veja os nossos, e responderei de
viva voz a todos os pontos da tua carta à pessoa que mandares,
ou quem lá for sobre tua palavra, na qual me fio tanto como tu
te podes fiar da minha, pois que ta dou como cristão verdadeiro
e servidor fiel do meu rei, e teu amigo. Manda-me dizer se me
dás a palavra para ir lá o Capitão Malharte, que tu já viste em
Jornada do Maranhão 87

Paranambuco. E assim te rogo que me faças escrever em francês


ou em espanhol pelos teus, que tu tens, que sabem de tudo.
Dada em 22 de novembro 1614.
RAVARDIÈRE.”
A esta carta cortês, cheia de rogos, se dispuseram com parecer de
todos a lhe mandar o trombeta livremente, para que mais se desenganasse
do ânimo e das forças dos portugueses. E com o dito trombeta foi a carta
seguinte:
“Mi Señor de La Ravardière, más obliga a los cavalleros
portugueses un término cortés que la fuerza de las armas, e así
doy mi palabra que, de nuestra querella en fuera, que a todo lo
que fuere de gusto y servicio de Monsieur de La Ravardière de
lo hazer muy a punto. Luego que recibí este segundo mensaje,
imbiè dos capitanes con dos franceses y el trompeta a buscar el
cuerpo de Monsieur de Pisiaus: y mal aya la fortuna y descon-
fianza que de mi se tuvo, que si ellos no pelearan tan valerosa-
mente, y dar se quisieran a mi persona, que se lo rogaba tiniendo
el ímpetu de los míos sobre mis armas, todos hoy fueran vivos, o
a lomenos si el mismo día de la batalla yo tuviera aviso, como se
acostumbra en las ocasiones, para enterrar los muertos, pudiera
estar hecho lo que a la amistad y lealtad de los tales hombres se
deve, y por vida de mis hijos, que yo los sepultara muy de otra
manera. Pero, como cosa sin noticia, los hize enterrar como a los
míos, a quien todo el bosque es muy honrada y dichosa sepultu-
ra, e así en lo de los muertos tengo hecho la debida diligencia.
“El trompeta dirá como quedamos, yo diré que mejor le
tratáramos, si estuviéramos en nuestra patria; pero, como somos
hombres que un puño de harina y un pedazo de culebra, cuando
la hay, nos sustenta, quien a esto no se acomoda, siempre rehu-
sará nuestra compañía.
“Con los demás prisioneros hago cierto diligencia conve-
niente a quien há de dar cuenta a su rey, hecha que sea, se tratará
de dar gusto a todos. Entretanto si pareciere conveniente puede
88 Diogo de Campos Moreno

venir a tierra un personaje francés, de los de más principales,


para que vaya un caballero portugués de los míos a tratar de
los más puntos en vox viva, como se me promete, advirtiendo
que está la fe de Monsieur de La Ravardière y de Hieronymo
d’Albuquerque de permedio, e que no habrá quien haga mácula
en ella. Fecha en el fuerte Santa María en el río Marañon a 22
de noviembre 1614.
HIERONYMO D’ALBUQUERQUE.

“Los hombres de los franceses, a quien salvé la vida por


Dios, que a todos la salva, son:
“Nué de la Motte. Martin Bartier.
Antonio Lanclure. Critien Marixal.
Jean Pagier. Abraham (le funditor).
Pierre Laleman. Un tambor garçon.”
A esta carta, que com pressa foi sem assinar, mandou o francês o
trombeta logo com a que se segue:
“Meu Senhor d’Albuquerque. A clemência de aquele
grande capitão d’Albuquerque, vice-rei da Majestade D. Ma-
nuel nas Índias Orientais, aparece em vós na cortesia que fazeis
aos soldados franceses meus, e a sepultura que haveis dado aos
meus mortos, entre os quais tenho um que amei em vida como
a um irmão, porque era *brabo e de boa casa. Eu louvo a Deus,
contudo, esperando que, se tornamos às mãos, tomara minha
justa causa e minhas cousas nas suas. Para responder à vossa car-
ta, como vier assinada, a mandarei comunicar ao resto dos meus
capitães, e lida se vos dará a resposta, fiando-me inteiramente na
vossa fé e palavra, tanto que vier o vosso sinal posto assim como
vós vedes na minha: eu vo-la mando, e não digo por ora cousa,
senão que honrarei a casa e nome dos d’Albuquerque. Feita ante
o forte de Santa Maria a 23 de novembro 1614 no Maranhão.

RAVARDIÈRE.”
Jornada do Maranhão 89

Mandou-se-lhe logo a carta assinada, e por estar indisposto o


capitão-mor, respondeu o sargento-mor do Estado com duas regras, que
continham esperar-se o assento que tomavam os senhores franceses, com a
qual resposta se levantaram todos os navios de defronte do forte e se foram
à entrada da *barra de Jaguarapim, ou das Guajavás, donde estiveram dous
dias e meio, tratando do que lhes convinha. Entretanto, o sargento-mor do
Estado tirou sua informação autêntica dos prisioneiros, sendo perguntado
cada um por si, e achou que de presente os inimigos tinham 11 navios de
alto bordo, em que entrava a nau Regenta, de quatrocentas toneladas, e
quatro fortes na Ilha, com muito boa *artilheria de bronze e ferro *coa-
do, e que tinham muitas munições de guerra, e comida, e que dos índios
da outra costa esperavam socorro com cópia de canoas, que sem dúvida
viriam com os franceses que lá andavam da banda do Pará e de Caieté, e
que se deviam de achar inda com 300 homens de mar e guerra. Disseram
também outras cousas acerca da viagem até o Maranhão, e dos capuchos,
que chegavam a 20 frades, os quais começavam na Ilha um convento e *se-
minário de importância. De modo que, com esta notícia, e com a miséria
presente de fome e falta de tudo, e que a vitória em modo algum por si só
não dava remédio, e com a dúvida que tinham de os barcos de aviso have-
rem passado a Paranambuco, em que de presente, depois do favor divino,
estava o bom sucesso, sem haver remédio de se mandar outro, nem por
mar nem por terra, nem a Sua Majestade, a quem tanto convinha dar-se
conta, como o tinha mandado o governador, todos estavam esperando se
Deus lhes administrava algum bom meio, como já milagrosamente se ha-
via começado a mostrar, e bem sabiam todos que, se houvera embarcações
depois do sucesso, com que os portugueses puderam comunicar-se com os
índios da Ilha, a despeito das guardas e diligências francesas, que sempre
dos índios se *persumia alguma novidade em favor dos portugueses. Mas
estava tudo tão cerrado com a ronda das lanchas, e assistência dos navios, e
persuasão das línguas, e finalmente com a força dos *presídios, que não era
possível nenhum honesto meio que do mar dependesse. E bem sabia que o
espanto dos índios era tal que os que fugiram pela banda do Tapucuru rio,
com a desordem e medo, se afogaram mais de duzentos ao passar do rio
a uma Ilha, entre os quais se afogou Caracantim de Caieté, principal dos
longos-cabelos, que havia vindo a se oferecer, ele e a sua nação, assim cha-
90 Diogo de Campos Moreno

mados a vir contra os portugueses, e como a cousa foi tão açodada, os seus
não vieram, e ele ficou afogado. E outros houve que não pararam menos
que pelo rio Meari dentro mais de 200 léguas, tendo os franceses, e a Ilha,
e tudo por perdido, e com eles foram três franceses, porque já à sua sombra
se haviam escapado da batalha. Mas tudo isto com o mar cerrado, tanto
que nem se podia tomar um caranguejo, nem uma *jangada podia tomar
um peixe, era confusão e miséria grande, pelo que faltava o gosto que de
razão se devia a tamanha vitória.
Passados dous dias e meio, tornaram os navios a surgir defronte
de Santa Maria, e mandaram a terra o trombeta com a carta que se segue:
“Senhor d’Albuquerque. Tenho considerado os pontos
principais da vossa carta, e, conforme aos discursos que vós ten-
des feito ao meu trombeta, parece que tudo não atende mais que
à paz. Por esta banda de cá, como os nossos reis têm pela parte
dela com muito estreita *liança, e como me falaram em Suas
Majestades, logo me resolvi com meus capitães que não é possí-
vel terdes socorro por mar. Todavia, vos quero ouvir sobre o que
me quereis propor acerca do de cima, e isto tanto de palavras
como por escrito, por aquelas pessoas que me mandardes, sejam
quem forem: eu vos dou minha fé e minha honra em penhor,
que podem vir seguramente e tornar quando quiserem. E se for
servido o Senhor Diogo de Campos de vir, eu serei contentíssi-
mo, porque fala francês, e nós havemos feito a guerra um contra
o outro servindo nossos reis, quando ele andava com o Príncipe
de Parma, segundo me disseram. Eu lhe beijo as mãos com vossa
licença, e o mesmo faço a ambos. Vosso servidor.

RAVARDIÈRE.

“Peço-vos que sempre me escrevais em francês, ou bem


espanhol, porque não podemos às vezes achar depressa o senti-
do de vossas cartas. Feita diante do forte Santa Maria, a 25 de
novembro 1614.”
A esta carta se respondeu a que se segue, para dar conclusão aos
parlamentos:
Jornada do Maranhão 91

“Monsieur de La Ravardière. Yo soy contento de os enviar


al capitán Diego de Campos, mi compañero, y outro capitán de
infantería, para tratar los puntos a que por hora no respondo,
confiando que se los hará la cortesía en tales casos acostumbra-
da; mas para que guardemos el estilo de la guerra supuesto que
de nuestra fe y palabra mucho me fío, conviene que vengan a
tierra de vuestra parte un Cavallero de S. Juan, que tenéis, y el
capitán Mallarte, que debe conocerme, y con estos se tratará lo
que conviene. El capitán de Campos y yo os besamos las manos
muchas veces. Cuanto a la seguridad, de mi parte siempre la
daré, y doy, con los términos debidos. Dada en el fuerte Santa
María, en 25 de noviembre 1614.
HIERONYMO D’ALBUQUERQUE.”

Logo que tiveram esta carta, ao outro dia, que foram 26 do


dito, mandaram a terra ao cavaleiro de Razilli, da Ordem de São João,
e ao Capitão Mateu Malharte, mui acompanhados até a língua d’água,
donde em terra foram recebidos com a devida cerimônia e cortesia, sem
entrarem no forte, antes fazendo-se uma tenda perto do mar no campo,
foram ali servidos e festejados como o tempo deu lugar. O capitão e o
sargento-mor do Estado, Diogo de Campos, tanto que os deixou em po-
der do capitão-mor, tomando licença se foi a bordo da capitânia, levando
consigo ao capitão Gregório Fragoso de Albuquerque. Foi, em chegando,
mui bem recebido de Monsieur de La Ravardière e Monsieur du Prat, e
de muitos fidalgos que com eles estavam, com mostras de grande gosto,
sem se tratar de cousa alguma do passado, mas que das damas e saraus de
França. Quando foi tempo, se apartaram o Senhor de La Ravardière com
o Senhor do Prado a tratar do por que se haviam juntado, e antes de se
discursar muito avante disse o Senhor de La Ravardière “que estava mui
sentido dos seus em sua *absência, porem a bandeira branca de paz na
coroa, para falarem, e depois fazerem mau trato, que juraria por vida
de Sua Majestade que, se vivos foram, que os houvera de enforcar; mas
que bem castigados estavam, pois eram mortos nas batalhas às mãos dos
portugueses, de sorte que nenhuma culpa era bem que se lhe imputasse a
ele, da tal desordem”. “Uma sempre trás outra, respondeu o de Campos,
92 Diogo de Campos Moreno

e assim não há tampouco que maravilhar da tomada do trombeta, nem


do assalto súbito, porque bem alto e claro era o dia.” “Passemos avante,
disse o Senhor do Prado, e tratemos do que convém. Estamos todos tão
desejosos de vos servir por vosso valor que já agora fazemos tudo o que à
honra e vida de todos for mais conveniente. E parecendo-nos que, como
gente apertada e que carece do mar, podeis desejar a paz, vede a forma, e
o como vos parecer pedi-la, que Monsieur de La Ravardière está de âni-
mo de vos fazer todo o favor.” O do Estado fez a todos um comedimento
grande, e disse: “Em verdade, Senhor du Prat, que a minha vinda cá não
foi nem é mais do que por vos ver e conhecer a todos, pela afeição antiga
que tenho a esta nação. E assim, no que toca à paz nem à guerra, não posso
dizer palavra, que, se a Monsieur de La Ravardière, e vós, meus senhores,
tendes entendido que está bem falar nela, assim como fizestes a guerra sem
nos *amoestardes, assim pedi a paz, sem nos meter em mais que em ver
se está bem aceitar as condições que propuserdes, advertindo que somos
gente que não podemos nadar tanto mar como há daqui a Espanha. Pelo
que, ainda que hoje tendes a *barra, nós temos a terra que pisamos, a qual
sempre será de nossos corpos até que Sua Majestade el-Rei de Espanha,
nosso Senhor, *cujo tudo é, outra cousa ordene. Além disto, na guerra
melhor às vezes que na paz se acham os remédios.” A isto se riu muito o
Senhor de La Ravardière, e abraçou o sargento-mor, dizendo: “Vamos a
comer, companheiro.” E com isto se chegaram à mesa, donde não faltou de
comer, e música naval bem concertada, mostrando na autoridade e no tra-
to um vestígio honrado, em que se enxergava despesa mais que ordinária.
Nisto se praticou um pouco, e de como Sua Majestade d’el-Rei Católico
de Espanha nosso Senhor pagava bem e grandiosamente aos que o serviam,
maravilhando-se que até o tambor dos portugueses tivesse de praça dez
cruzados cada mês. Em discursos familiares e de gosto foi passando parte
do dia, até que, ao tempo do despedir-se, tornou o Senhor du Prat a dizer:
“Ora sus, sobre nossos negócios, como ficamos?” “Como mandar o Senhor
de La Ravardière, respondeu o sargento-mor, e assim pode, sendo servido,
mandar um papel amanhã com o capitão Malharte, para que os nossos ca-
pitães saibam o que passa, e vejam o que lhes parece que todos o façamos.”
Com isto, despedindo-se com mil modos de cortesias e sinais de amor,
ao desamarrar do batel toda a armada disparou a *artilheria, com grande
Jornada do Maranhão 93

ruído de trombetas e vozes a seu modo. Neste mesmo tempo, embarcados


em terra os capitães com semelhante estrondo que fez o forte, se foram
cada qual aos seus, e Jerônimo de Albuquerque, *ajuntando os capitães,
com a vinda do sargento-mor, se propôs a todos que havia passado, para
que estivessem advertidos para ao outro dia verem os capítulos ou artigos
que os franceses pediam, e se antes de se assentarem, ou firmarem pa-
zes, se tinham eles autoridade para as fazer como gente real, ou se como
piratas banidos de França? Eram *quiçais homens com quem Deus e as
gentes tinham roto o gênero de tréguas, que com os tais mandava Sua
Majestade que se não usasse clemência, e que assim era bem que todos
com muito tento se houvessem nesta matéria. Acabado o dia, ao outro,
que foram 27, veio à terra o capitão Mateu Malharte, e trouxe escrito os
capítulos que se seguem, em francês, da mão e letra de Monsieur de La
Ravardière, e disse “que, sendo conformes ao que convinha a todos, que
o Senhor de La Ravardière os viria firmar, e selar a terra, e ver e servir
a todos, como bom e leal amigo; e que entretanto os ditos capítulos ou
artigos se traduzissem na língua castelhana, para que uma e outra nação
se entendessem de todo claramente”, e diziam assim:
“Artigos acordados entre los Señores Daniel de La Tou-
che Señor de La Ravardière, Lugar Teniente General en el Bra-
sil por el Cristianísimo Rey de Francia y de Navarra, Agente
de Misire Nicolás de Harley Señor de Sansi, del Consejo de
Estado del dicho Señor Rey, e del Consejo Privado, Barón de
Molè y Grosbuès, y por Misire Francisco de Razilli, Señor de
las Haumellas, y del dicho Lugar de Razilli, entre ambos Lugar
Tenientes Generales por el Rey Cristianísimo en las tierras del
Brasil con cincoenta leguas de costas con todos los meridia-
nos en islas inclusos; y Hieronymo de Albuquerque Capitán-
Mayor por la Majestad Católica del Rey D. Filipe d’España de
la Jornada del Marañón, e ansi del Capitán y Sargento Mayor
de todo el Estado del Brasil, Diego de Campos Moreno, Co-
lega y colateral del dicho Capitán Mayor por la Majestad del
dicho Señor en esta Tierra.
“Item. Primeramente la paz se acordó entre ellos dichos
Señores dende el día oy hasta el fin de diciembre de mil y seis-
94 Diogo de Campos Moreno

cientos e quince; durante el cual tiempo cesarán entre ellos to-


dos los atos de inimistades, que fueron y han durado dende 26
de octubre hasta el día oy por falta de saber las intenciones los
unos de los otros, y de no se entender, donde se siguió gran
pérdida de la sangre cristiana de ambas partes, y grande disgusto
entre los dichos Señores.
“Item. Se acuerda entre ellos dichos Señores, que enviarán
a Sus Majestades Cristianísimas y Católicas dos hidalgos, cada
uno para saber sus voluntades tocante a quien debe de quedar
en estas tierras del Marañón; a saber dos caballeros, uno francés,
otro portugués, irán a Francia, y otros dos caballeros de la mis-
ma suerte irán à España.
“Item. Durante el tiempo que los dichos caballeros tarda-
ran en bolver de Europa y traer de Sus Majestades a este lugar el
acuerdo y orden de lo que se debe seguir, se advierte que ningún
francés ni portugués no pasará à la Isla del Marañón, ni salvajes
de los indios, ni a la tierra firme de leste, ni de una parte a otras
sin pasaportes de los Señores nombrados arriba.
“Item. Los Señores d’Albuquerque y de Campos prometen
al Señor de La Ravardière de no tratar alguna cosa con los salva-
jes de la Isla, ni de Tapitaperá, ni Comat, la cual no sea tratada
por las lenguas del Señor de La Ravardière, ni los consentirán
poner los pies en tierra a menos de diez leguas de sus fortalezas,
ni de sus puertos, sin la permisión del dicho Señor.
“Item. Que tanto que las nuevas vinieren de Sus Majes-
tades para aquellos que deben quedar-se en la tierra, la nación
destinada a se partir se aprestará dentro de tres meses para dejar
al otro la tierra, y los salvajes, que quieran quedar-se dentro de
la tierra, y haciéndose todo con buena orden, amistad, y inteli-
gencia, siguiendo la intención de las alianzas de Sus Majestades,
a las cuales los suso dichos se remeten enteramente por todo
aquello que pertence a esta Colonia del Marañón.
Jornada do Maranhão 95

“Item. Se acuerda que los prisioneros tomados tanto de


una parte como de otra queden libres, así los cristianos como
salvajes, los cuales se bolverán sin ninguna rançón; y si algunos
de ellos por algún tiempo quieren quedarse en la parte que se
hallan, les será permitido con licencia de los suso dichos.
“Item. Todos los actos de inimistades pasadas hasta el día
de oy quedarán olvidados, y extintos, sin que los unos ni los
otros puedan ser buscados por ninguna vía que sea, quedando
cada uno de ellos libre en el estado en que son.
“Item. De aquí en delante los dichos Señores y sus gentes
vivirán en paz y buena amistad, y concordia los unos con los
otros, dándose poder por sus personas, y de sus criados solamen-
te para poder ir y venir a los fuertes de la Isla y tierra firme todas
las veces y cuando bien les pareciere.
“Item. Ninguno accidente en controversia de lo que arriba
está asentado por estos Señores será capaz de hacer romper este
dicho Tratado de Paz, a causa de las grandes alianzas que hoy te-
nemos, entre nuestros Reyes, y por el perjuizio que puede venir
a Sus Majestades alterándose tales amistades y concordia; y si
sucediere algún caso entre los cristianos y salvajes de una y otra
parte, la otra nación ofendida hará su queja a su General para
se le dar remedio, el cual promete sobre su fe y honra de le dar
satisfacción como el caso pediere.
“Item. En consideración de lo que queda dicho, y por
testimonio de la buena inteligencia que dende esta hora ha-
bemos como cristianos y caballeros de honra, el Señor de La
Ravardière promete debajo de su fe de dejar la mar libre a los
Señores d’Albuquerque y de Campos, y llevar sus navíos para
la Isla, tanto aquellos que están delante el fuerte Santa María
como aquellos que están en la entrada de esta baya, a fin que
los dichos Señores d’Albuquerque y de Campos puedan hacer
venir todas suertes de vituallas para ellos y sus gentes tantas
cuantas les pareciere con toda seguridad, e y se sucediere que
les venga socorro de gente de guerra, o que nos venga a no-
96 Diogo de Campos Moreno

sotros durando el tiempo de nuestra paz, los dichos Señores


nombrados se obligan sobre sus honras y fe, de que cada uno
tendrá su gente en paz así como está acordado, sin alteración
alguna durante el dicho tiempo de la paz, y para esto se obli-
gan de hacer guardar en todo y por todo, y delante todo el
mundo; y cuanto a otras cosas de menos sustancia los dichos
Señores no las especifican, porque se confian en sus palavras
verbales, en las cuales no faltarán yamás como gente de honra,
y para seguridad de todo lo arriba declarado, mandaron hazer
esta, que todos tres los suso dichos Señores de La Ravardière,
y d’Albuquerque, y de Campos firmaron e sellaron con el sello
de sus armas. Hecha en la armada de los portugueses en el río
Marañón, em 27 de noviembre de 1614. – Ravardière, Hie-
ronymo d’Albuquerque Marañón, o Capitão Diego de Campos
Moreno.”
Mostraram-se os capítulos referidos, antes de se firmar, aos ca-
pitães portugueses, e fez-se um auto, em que todos assinaram, em como
era bem e serviço de Sua Majestade, visto não poderem continuar a guer-
ra por mar, faltando os meios necessários à conquista por água, em que
tão superiores eram os inimigos; e quanto importava terem o mar livre
para avisar a Sua Majestade sem dilatar tempo, na perda do qual estava
a de todos, e assim ficarem capazes dos socorros do Brasil entrarem se-
guros, dos quais tinham tão fraco conceito, que nunca passariam de ser
barcos da costa com só alguma farinha, e que esses conforme as promes-
sas do governador de os mandar cada mês, que já tardavam havia cinco
meses; e que realmente as pazes que com tanta instância dissimulada o
inimigo *pertendia, devia ser para despedir a nau grande, a qual devia de
lhes fazer grande despesa; e que, se para isto eram, que isto mesmo pare-
cia ser o que mais à ocasião presente convinha, porquanto a nau havia de
levar a maior e melhor parte de suas forças, e que nas que ficavam já não
se podia presumir dança; e que assim também as mortes de tanta gente
principal em uma só ocasião de guerra, se em França se soubesse, que de
força havia de esfriar os ânimos aos que quisessem vir buscar a vida; e que
Sua Majestade poderia mandar com mais cômodo o que fosse servido,
pois o tempo se limitava pondo-se tudo em suas reais mãos; e que assim,
Jornada do Maranhão 97

sem dúvida, por estas e outras muitas e mui urgentes necessidades, era
bom que as tréguas se *acordassem, e assim se formou um escrito, para,
em virtude dele, ao outro dia vir a terra o senhor de La Ravardière, para
mostrar os poderes e patentes que dizia ter do seu rei de França, e assim
também as missões dos padres capuchos, que tinham de Sua Santidade,
ou do seu general, as quais ofereciam mostrar aos padres portugueses, e
para os obrigar que também se lhe mostrariam as ordens de Sua Majesta-
de católica d’Espanha nosso Senhor.
Com isto se tornou o capitão Mateu Malharte a bordo, e, na
madrugada de aquela noite, houve fogos de alegria e cargas de mosque-
teria, que duraram muito, em que pareceu que se solenizava a passada
vitória.
Aos 28 do dito, segundo estava *acordado, veio a terra o senhor
de La Ravardière, e o senhor du Prat, e o senhor de Petresi, bem vestidos
todos e acompanhados, e em sua companhia traziam ao padre comissário
frei Arcângelo de Pembré, com dous religiosos da sua Ordem dos Capu-
chos, tão venerados e de tais mostras que realmente pareciam santos, e
como tais foram recebidos dos religiosos portugueses, entre os quais sobre
a bênção houve cerimônias, e entre os capitães cortesias, em que foram até
chegar a Infantaria, que, bem concertada e armada, estava desde muito
fora do forte em duas alas que chegavam até o lugar do alojamento que
estava feito aos senhores franceses de palmas e ramos, e assentos do campo.
As bandeiras, por se não abaterem, estavam pelos baluartes *arvoradas. E
entrando o senhor de La Ravardière da porta do forte para dentro, se lhe
fizeram com muita lealdade as honras militares que a tais cargos se costu-
mam, até entrar no lugar que lhes estava prevenido, em que sempre ele e
os demais trataram com admiração do muito que havia trabalhado a gente
na fortificação. E havendo descansado e comido, com mais música que
manjares, porque os não havia, trataram de assinar os acordos, e assim se
mostraram as patentes e se deram os traslados autênticos uns aos outros,
para mais firmeza do que à boa fé se faziam, pois sempre a vontade e honra
dos reis e seu melhor entendimento ficava reservado, e eles todos sujeitos à
ordem que se lhes desse.
A provisão que se leu primeiro era do Cristianíssimo Rei de
França, do teor seguinte:
98 Diogo de Campos Moreno

“Luís, pela graça de Deus, Rei de França e de Navarra, a


todos aqueles que as presentes letras virem, saúde. Fazemos saber
que, pelo aviso que nos deu o nosso cristianíssimo e bem-amado
primo, o Senhor Dampuille, Almirante de França e de Bretanha,
das muitas costas e partes situadas além da linha equinocial, que
ainda não são habitadas de cristãos alguns, nem de povos civi-
lizados ou doutrinados, e que todavia são bem temperadas e de
muita fertilidade, as quais se poderão povoar em pouco tempo,
e trazer os naturais delas a receber o cristianismo e bons cos-
tumes, usando com eles toda a brandura ordinária em nosso
tratamento, assim como o usamos com nossos sujeitos, e assim
havendo também ouvido a advertência sobre isto a nós feita por
nosso caríssimo e bem-amado Daniel de La Touche, Senhor de
La Ravardière, o qual tendo por prática expressa e navegação al-
cançado o conhecimento das ditas carreiras navegadas por ele, e
juntamente pela digna relação a nós feita por nosso dito primo,
de seus merecimentos, e *coraje, virtude, suficiência, experiên-
cia, inteireza, e *predominação em o efeito das armas do mar, e
boa diligência, além das provas singulares já por ele feitas de sua
fidelidade e devação; e além disto, vista a comissão do nosso dito
primo, segundo o poder que tem no dito cargo, e depois de ter
sabido nossa intenção e vontade sobre este caso, e que o tinha
feito seu vice-almirante nas costas e terras que pudesse habitar,
confirmando nós a dita nomeação, havemos de nosso abundan-
te e pleno poder, força e autoridade real, dado ao dito Senhor de
La Ravardière todo o poder e permissão de poder armar e prover
tal número de navios de tal grandeza, e em tais de nossos portos,
e tantas vezes quantas bem lhe parecer debaixo da licença parti-
cular de nosso dito primo, e os poder fornecer de todas as sortes
de pessoas de guerra, de mar, e de mecânica, e outras cousas ne-
cessárias ao dito descobrimento e estabelecimento de colônias,
como também de *artilheria, pólvora, armas e munições de co-
mida, provisão, e cousas necessárias, fazendo seu caminho além
da dita Linha, em tais partes quais achará a seu cômodo, e que
julgará expedientes para o acrescimento da cristandade e bem
Jornada do Maranhão 99

do nosso serviço, e assim fará naquelas que não são ainda des-
cobertas uma diligente *reconhecença de todas as suas avenidas,
ou *barras, e praticará todos os lugares e entradas donde houver
alguns habitantes, buscando, por todos os modos de brandura
e bom tratamento, de os reduzir e chegar ao conhecimento de
Deus debaixo da nossa autoridade, e não querendo, lhes poderá
fazer toda instância por todas as vias de armas e de hospedagem,
para tudo reger e governar, conforme as *Ordenanças de nossos
reinos, ou outros menos diferentes, que servir possam para o
cômodo das pessoas, e das cousas, e lugares, e essas poderão fazer
e publicar em nosso nome, e de nosso dito primo, e guardar,
observar, e sustentar diligentemente, e assim punir, e castigar os
*contravenientes, ou lhes fazer perdão, como melhor lhe parecer
bom e necessário, e para recompensar aqueles que lhe haverão
dado ajuda, ou que se haverão *ajuntado com ele para efeito
desta empresa, acrescentando-lhes a vontade de perseverar, e dar
exemplo aos outros de o seguir, e de *segundarem. Pelo que,
damos, e havemos desde a presente dado, ao dito Senhor de La
Ravardière todo o poder para lhes dar e repartir todas as cos-
tas que poderá conquistar 50 léguas de uma e de outra parte,
de seu primeiro forte e morada, e tanto avante nas ditas terras
quanto puder reduzir debaixo de nossa obediência, em que fará
as repartições, dons e benfeitorias, que poderão gozar, e goza-
rão, eles e seus descendentes, para sempre em todos os direitos
e propriedades, a saber, aos fidalgos e gente de merecimento as
dará em senhoria e feudo, e em todos os títulos e dignidades a
condição e cargo conveniente à nossa honra e serviço, conforme
suas obrigações, para a *defensa das ditas terras debaixo de nossa
autoridade e aos trabalhadores em tal obrigação *anais, que ele
os avisará; como tornando assim das ditas viagens por ele serão
*partidos todos os ganhos e proveitos por aqueles que o haverão,
assistindo a cada um segundo seu dever, qualidade e merecimen-
tos, e nas *avenças já ditas se reservaram: primeiramente nossos
direitos e os do nosso dito primo, e os outros devidos e costuma-
dos; e reconhecendo além disto que no efeito *suso dito poderão
100 Diogo de Campos Moreno

ocorrer diversas ocasiões de passar cartas, convenções, artigos,


acordos, títulos e provisões, nós havemos válidas e confirmadas,
validamos e confirmamos todas as que serão feitas e passadas
debaixo do sinal e selo do dito Senhor de La Ravardière, e dos
de agora, considerando e provendo os diversos e não esperados
acontecimentos, que podem acontecer em mar e em terra na
expedição do tal desenho, nós lhe damos todo o poder de se
*ajuntar, ou meter com outros, seja por companhia, comissão,
ou por *tenência com igual poder que aquele por nós a ele ou-
torgado, ou da parte dele, que quererá igualmente dar, ordenar,
e dispor em todas as cousas *suso ditas, e suas circunstâncias e
dependências, tudo aquilo fazendo que nós faríamos, ou fazer
poderíamos, se presente em pessoa nós estivéssemos, e como
nosso lugar-tenente-general em *absência de nosso dito primo
em todas as ditas costas da distância de 50 léguas de uma e outra
parte do seu primeiro assento, tanto avante nas terras quanto
habitar possam, como o havemos nesta hora feito, ordenado e
estabelecido, fazemos, ordenamos e estabelecemos por esta pre-
sente, seja que o caso requeira mandamento mais especial e par-
ticular, ratificando e aprovando desde a presente tudo o que pelo
nosso lugar-tenente *suso dito, ou seus ditos lugar-tenentes, ou
acompanhados, será feito, tratado e negociado para esta boa e
santa execução, com obrigação de bem e devidamente observar
por ele, e fazer observar pelos seus nossos editos e *ordenanças;
e se alguns quiserem por impedimento atravessando-se no efeito
desta presente, nós retemos e reservamos, e havemos retido e re-
servado, toda esta jurisdição e o conhecimento dela para o nosso
Conselho de Estado privativamente; e a todos os outros nossos
juízes e oficiais fazemos toda a interdição e *defensa, como da
mesma maneira a todos os nossos sujeitos desta hora em diante;
mandamos que, sem a vista e sabedoria, e vontade do dito se-
nhor, e dos seus, não possam fazer alguma viagem, tráfego, ou
comércio, negociação na quantidade de terras que por ele serão
escolhidas e povoadas, sob pena de confiscação de navios e mer-
cadorias dos que contravierem depois da publicação de nossa
Jornada do Maranhão 101

dita *defensa feita: e assim damos e mandamos a todos os nossos


lugar-tenentes, mestres, guardas nos portos e obras, e a todas
outras nossas justiças e oficiais, e sujeitos, a quem pertencer,
que ao dito Senhor de La Ravardière (do qual temos tomado o
juramento para isto devido e costumado), façam, sofram, e dei-
xem na dita qualidade de nosso dito lugar-tenente-general em
*absência do nosso dito primo o Senhor Dampuille, deixando-o
gozar e usar plenariamente e aprazivelmente do pleno e inteiro
efeito destas ditas presentes, dando-lhe nisto todo o favor e aju-
da, cessando e fazendo cessar todos os rumos e rumores e impe-
dimentos ao contrário, porque tal é nosso gosto; e porque das
presentes poderá ter necessidade em muitos e diversos lugares,
queremos que ao vidimus desta, feita por um de nossos amados
oficiais, conselheiros e secretários, ou por notário público, lhe
seja dada toda a fé como ao presente original. Dada em Paris ao
primeiro dia de outubro, ano de graça de 1610, e de nosso reino
o primeiro, assim firmado. LUÍS.”
E sobre outra parte, pelo Rei, a Rainha Regente, sua mãe, pre-
sente de Lomênia; e selada em cera amarela do seu selo grande, dobrada
a ponta. Traduzido de francês, e assinado Ravardière, e o Secretário Beau-
vallon. Esta provisão do Cristianíssimo Rei de França, e outra do Senhor
Dampuille Charles de Momeransi do mesmo teor, com todas as forças que
em seu cargo passar podia a um seu tenente-general, que por escusar leitu-
ra aqui se não *presenta, deu e *presentou o Senhor de La Ravardière aos
capitães portugueses. E o reverendo padre capucho Frei Arcângelo de Pem-
broc, comissário na dita Província do Brasil, apresentou a sua patente aos
padres portugueses Frei Cosme de São Damião e Frei Manuel da Piedade
acerca da comissão que tinha do reverendíssimo padre geral da dita ordem,
Frei Honorato Parisino, na qual com todos seus poderes fazia comissário
da Província do Brasil ao dito Frei Arcângelo; a qual patente foi trasladada
de latim bem e fielmente pelos ditos padres portugueses, os quais, no pé
do traslado, dizem assim:
“Os abaixo assinados certificamos e damos fé, pelo caráter
de nossas ordens, que o acima escrito é o traslado ad litteram de
uma patente escrita em pergaminho com selo ao pé, a qual pelo
102 Diogo de Campos Moreno

reverendo Padre Frei Arcângelo de Pembroc nos foi apresentada.


Maranhão, em 28 de dezembro 1614.”
Juntamente *presentaram os ditos padres outra em francês, que,
traduzida bem e fielmente pelo sargento-mor do Estado, dizia assim:
“Luís, por graça de Deus, Rei de França e de Navarra, a
todos os lugar-tenentes-generais, governadores de nossas pro-
víncias e cidades, tesoureiros gerais de França, mestres de nos-
sos portos, oficiais de nossos tratos e foros, *bailios, ouvidores,
justiças, juízes, ou seus lugar-tenentes, capitães e governadores,
e condutores de nossa gente de guerra, presidentes de câmaras,
e conselheiros, guardas de portos, pontes, praias, passagens e
distritos, e outros nossos oficiais de justiça, sujeitos à nossa ju-
risdição, a quem pertença e a quem estas presentes serão mostra-
das, saúde. Mandamos de presente à Nova França doze padres
capuchos, para nela instituírem a Santa Religião Cristã Católica
e Apostólica Romana: e assim queremos e mandamos que os
ditos capuchinhos levem um baú de livros, dous baús de cálices,
casulas, e paramentos, e cousas de móveis da Igreja; e assim mais
outro baú de livros, e cousas de *refresco para sua embarcação;
e mais uma grande caixa de estamenhas, e de lenço para se ves-
tirem os religiosos; e mais uma caixa de papel e de candeias de
cera, e de *bugias para serviço da missa; mais outra caixa de cou-
sas de *refresco, e outras necessárias; três caixas de arcabuzes e
mosquetes; e uma pipa de *banduleiras, digo uma caixa, e assim
uma caixa de espelhos, e uma caixa para o capitão que os leva a
cargo, dentro da qual vão seus *vestidos; e outra caixa para o seu
tenente, do mesmo modo; mais outra caixa para o seu alferes, na
qual vão seus *vestidos; quatro ou cinco caixas para os soldados,
em que vai o seu *fato; três caixas para os índios, e oito *almudes
de vinagre. E assim vos mando, que os deixeis livres e franca-
mente passar cada um em vossas jurisdições, sem lhes dardes
opressão nem impedimento, antes lhes dareis toda ajuda e favor,
e assistência, que necessária lhes for, que tal é nossa vontade; e
requeremos a todos os reis, príncipes, *respúblicas, potentados
Jornada do Maranhão 103

por donde passarem os ditos doze padres capuchinhos, ou em


terras, e parte de nossa obediência, que todos lhes façam favor
e lhes deem ajuda, e lhes deem todo o tratamento que nós farí-
amos a seus sujeitos, se para isto fôssemos requeridos. Dada em
Paris, o primeiro de fevereiro, o ano de graça 1614, e de nosso
Reino o ano 4. Assinada Luís, por el-Rei, a Rainha Regente, sua
Mãe, presente Brubarte, Secretário.”
Vistas estas provisões, com a mesma lhaneza os dous capitães
portugueses mostraram também as que de S. Majestade Católica tinham,
e do seu governador, em seu real nome, e antes Jerônimo de Albuquerque
quis que viessem do dito senhor a carta seguinte, para que se desenganas-
sem do cabedal e das *veras com que se tomava e havia de tomar aquela
empresa, de que somente eles representavam a vanguarda:
“Gaspar de Sousa, Governador do Estado do Brasil: Ami-
go, eu el-Rei vos envio muito saudar. Vi o que me enviastes
representar em vossos apontamentos, sobre as despesas e cousas
necessárias para o bom prosseguimento da conquista do Ma-
ranhão, que vos tenho encarregada. Hei por bem que façais a
despesa da dita conquista do dinheiro mais *propínquo que
houver nesse Estado, que pertença à minha Fazenda, começan-
do pelo que sobejar da renda dos dízimos dele, depois de pagar
as ordinárias e ordenados, fazendo um feitor e escrivão para esta
matéria, para que em livro separado se faça de tudo receita e
despesa.
“E que sendo forçado para esta ocasião valerdes-vos de al-
gum dinheiro, o possais haver por empréstimo de pessoas parti-
culares, que o queiram fazer por me servir, ou do das imposições
que os moradores puseram sobre si para o efeito de suas fortifi-
cações e igrejas, procurando primeiro havê-lo dos particulares,
e da imposição, consignando-lhes a uns e outros os pagamen-
tos em cousa certa e precisa, sem que possa haver dúvida em o
haverem, o que particularmente ficará à vossa conta, e vos hei
nisso por encarregada a consciência; e tereis advertência que os
104 Diogo de Campos Moreno

empréstimos que se fizerem hão de ser voluntários, e sem haver


neles constrangimento algum.
“E quanto ao que apontamos, que, por esta Jornada ser
de tanta importância, e eu vo-la mandar encarregar a pessoa de
confiança, como deve ser, e da mesma maneira os mais capitães,
*ministros, e oficiais adjuntos, lhes devia mandar limitar orde-
nado para haverem de vencer necessariamente, não os havendo
tais que eles só por me servir o fizessem, hei por bem de vos
*cometer tudo isto, com declaração que [a]os capitães e mais
oficiais de milícia não dareis mais que o que eu tiver ordenado
para os mais desse Estado, e que o mesmo façais nos oficiais em
que nele houverem exemplos, e que logo em fazendo a tal nome-
ação e declaração de ordenados me deis de tudo conta.
“E assim houve por bem de mandar passar provisão na
forma que lembrastes, a qual com esta se vos enviará; porque
mando signifiqueis que me haverei por bem servido de todos os
que forem na dita Jornada para lhes fazer as *mercês e honras
que conforme a seus serviços e qualidades merecerem.
“E ao Sargento-Mor Diogo de Campos Moreno tenho
mandado ordenar que se embarque para ir servir seu cargo na
mesma Jornada com os ordenados que tinha, e que acabada ela
lhe mandarei fazer as *mercês que merecer por esse e os mais
serviços que me tiver feito. Escrita em Lisboa, a 8 de novembro
de 1612. Rei. O Conde Almirante Presidente. Para Gaspar de
Sousa, governador do Estado do Brasil. Por el-Rei. A Gaspar de
Sousa, do seu Conselho, seu gentil-homem da *boca, governa-
dor e capitão-geral do Estado do Brasil. Segunda via.”
Depois desta carta se lhe mostrou a patente do dito Capitão
Jerônimo de Albuquerque, do teor seguinte:
“Gaspar de Sousa, do Conselho de Sua Majestade, seu
gentil-homem da *boca, governador e capitão-geral do Estado
do Brasil, etc. Faço saber aos que esta virem que o dito senhor
me manda, por sua instrução e carta de 9 de outubro de 612,
que está registrada nos livros da Fazenda desta Capitania de Pa-
ranambuco, pelas cousas de seu serviço que nela representa, trate
Jornada do Maranhão 105

com muita diligência, em chegando a este dito Estado, da Con-


quista e terras do rio Maranhão, para o que me *comete poder
eleger a pessoa que a mim pareça, a qual na dita Conquista faça
o ofício de capitão dela, e a tenha a seu cargo. E considerando a
disposição das cousas, e como não convinha deixar de perder o
tempo sem trabalho logo da dita Conquista, na conformidade
que me Sua Majestade manda, passei provisão em 29 de maio
do ano passado de 1613 a Jerônimo d’Albuquerque, fidalgo da
Casa do dito Senhor, para ser capitão da dita conquista e desco-
brimento, com que até agora desde o dito tempo foi continuan-
do e levando gente ao rio Camusi e Jaguaribe, fazendo pazes com
o gentio da serra de Buapava, e tudo o mais que da minha parte
lhe foi encarregado para melhor disposição e efeito da Jornada.
E porque ora vai o dito Jerônimo d’Albuquerque com a gente e
prevenções possíveis, conforme ao tempo e estado presente das
cousas, para com o favor divino prosseguir a dita conquista com
todo o calor, em forma que se consiga até se pôr sobre o dito
rio Maranhão, segundo leva por meu regimento, me pareceu
lhe devia mandar nova provisão, como em efeito mandei passar
a presente, pela qual em nome de S. Majestade, e em virtude
do poder que para isso me concede, como acima se declara, hei
por bem e seu serviço que o dito Jerônimo d’Albuquerque, pela
confiança que dele tenho, e ser experimentado nas guerras deste
Estado, e a satisfação que tem de sua pessoa os índios dele, que é
de grande importância para o bom efeito que se pretende, sirva
de capitão da conquista e de seu descobrimento das ditas terras
e rio Maranhão, usando de todos os poderes que ao dito cargo
são concedidos, e assim dos que se declaram no dito regimento
que lhe mandei dar, não excedendo cousa alguma deles. E man-
do a todas as pessoas de qualquer qualidade e condição, cargo e
preeminência, que sejam, oficiais, soldados, e *ministros, assim
da Guerra, da Fazenda da dita conquista, que durante ela co-
nheçam e hajam o dito Jerônimo d’Albuquerque por seu capitão
na maneira sobredita, e lhe obedeçam e guardem suas ordens
e mandados com a observância devida, por assim cumprir ao
106 Diogo de Campos Moreno

serviço de S. Majestade, com o qual cargo haverá o dito capitão


de seu ordenado em cada um ano duzentos mil réis, a meta-
de em dinheiro, a metade em *fazendas pagas no Almoxarifado
da dita conquista, os quais começara a vencer do primeiro de
maio próximo passado. E me fará outrossim o dito Jerônimo
d’Albuquerque preito e *menagem em nome de S. Majestade,
segundo uso deste Reino de Portugal, pela Capitania e descobri-
mento da dita conquista e terras dela, de que ora o encarrego,
de que se fará assento nas costas desta, a qual se registrará nos
livros da Fazenda desta Capitania, e da dita conquista. Dada
nesta vila de Olinda, Capitania de Paranambuco, em 17 de ju-
nho. Francisco Fragoso, meu secretário, a fez em 1614 anos. O
governador Gaspar de Sousa.”
A provisão do capitão e sargento-mor do Estado dizia des-
ta sorte:
“Eu, el-Rei, faço saber aos que este alvará virem que, por
eu ter mandado tratar da conquista das terras e rio Maranhão
no Estado do Brasil, e confiar de Diogo de Campos, a sargento-
mor dele, que ora serve, e está neste Reino, aonde veio por minha
licença, que me servirá na dita conquista, como se deve esperar
da muita experiência que tem de aquelas partes, e pelas de sua
pessoa, hei por bem e me praz que torne a elas a me servir na
dita conquista do Maranhão no dito cargo de sargento-mor, e que
nela somente use e execute todas as prerrogativas e preeminências
do dito cargo, e enquanto durar a dita conquista, e depois de
acabada, enquanto eu não mandar o contrário, tenha e haja de
ordenado com o dito cargo trezentos mil réis em cada um ano,
entrando nessa *contia o que até agora tinha com o mesmo cargo,
e os começará a vencer no dia que partir desta cidade de Lisboa
em diante, o que justificará no Brasil, pelos oficiais e pessoas do
navio em que for ele, e serão pagos no mesmo Estado do Bra-
sil por virtude deste somente, sem para isso ser necessário outra
provisão minha, ou carta, e nas por que até agora se lhe pagava o
ordenado que lhe estava taxado, e em seus registros se porão ver-
Jornada do Maranhão 107

bas, de como por elas não há de haver pagamento algum, de que


se fará declaração nas costas deste. Notifico-o assim, etc. Manuel
do Rego a fez em Lisboa, a 19 de dezembro de 1615. O secretário
Antônio Viles de Simas a fez escrever. Rei.”
“Gaspar de Sousa, do Conselho de S. Majestade, seu gen-
til-homem da *boca, governador e capitão-geral deste Estado do
Brasil, que por especial ordem e mandado do dito senhor, mando
fazer a Jornada e conquista do Maranhão, etc. Faço saber que S.
Majestade manda ora a Diogo de Campos Moreno, sargento-mor
do dito Estado, para que na dita Conquista faça e execute o dito
ofício com todas as preeminências dele. E pela confiança que te-
nho da pessoa do dito Diogo de Campos Moreno, e sua suficiência
e partes, e assim por alguns respeitos que a isso me movem, enten-
dendo ficar S. Majestade melhor servido, hei por bem que, exer-
citando ele o dito ofício de sargento-mor na forma sobredita, vá
juntamente por adjunto e colateral de Jerônimo d’Albuquerque,
capitão, que é, da dita conquista, com igual voto nas cousas, com
declaração que as ordens e resoluções se publicarão em nome do
dito Jerônimo de Albuquerque, como capitão que é da dita con-
quista. E estando encontrados nos pareceres, se porão os negócios
em conselho, seguindo-se os mais votos, e estando iguais, se segui-
rá a parte onde o dito Jerônimo d’Albuquerque acostar. Notifico-o
assim ao dito capitão, oficiais e soldados da dita Conquista, e lhes
mando que guardem esta minha provisão, como se nela contém,
e ao dito Diogo de Campos dei juramento, que bem e verdadeira-
mente servirá o dito cargo, fazendo e aconselhando sem respeitos
tudo o que entender ser mais serviço de S. Majestade e bem da
dita conquista. Dada em Olinda, sob meu sinal e selo de minhas
armas, em 30 de julho. Francisco Fragoso, meu secretário, a fez de
1614. – O Governador Gaspar de Sousa.
“Fica registrada no Livro dos Registros desta conquista a
folhas 45, por mim Luís Moniz, escrivão da Fazenda de S. Ma-
jestade e da dita conquista. – Luís Moniz.”
Da vista destes papéis, entendeu o senhor de La Ravardière as
*veras com que S. Majestade tomava as cousas no Maranhão, e como o
108 Diogo de Campos Moreno

dito senhor premiava as pessoas que nela o serviam, e como estava funda-
do o dinheiro da despesa em parte que não podia faltar; e falando muito
nestas cousas, se foi para as suas embarcações, sendo de todo o *presídio
acompanhado até os batéis, que ao despedir foram festejados com salvas
militares.
Ao outro dia, que foram 29, com toda a sua armada se fez à
vela, salvando primeiro a capitânia, e logo todos os demais navios, ao for-
te Santa Maria, do qual também lhes fizeram a devida resposta. E assim
se desocupou o mar e a terra, e os franceses se recolheram na Ilha e nos
seus fortes, e os portugueses entenderam em fazer a sua igreja e casas do
alojamento, e os índios fora do forte, tomando *sítio conveniente, se alar-
garam fazendo suas aldeias e roçando para mantimento, e começaram uns
e outros a sair buscar de comer. E finalmente as gentes até então oprimidas
louvaram a Deus de misericórdia com procissão solene, todos com armas
na mão, que bem pudesse a devoção militar parecer em toda a parte! O
altar na nova igreja de N. Senhora d’Ajuda se guarneceu de um frontal e
casula, que mandou aos padres portugueses o padre frei Arcângelo, certifi-
cando ser lavrado o dito ornamento pelas mãos da duquesa de Guise. Era
todo *broslado e lavrado de seda de cores sobre branco, fazendo cruzes de
Hierusalém, contrapostas todas de frutas, e rosas e ramos, obra bem vistosa
e curiosa, e mais de estimar por vir donde vinha. Juntamente mandou o
dito padre com o ornamento três retábulos pequenos de excelente ilumi-
nação, guarnecidos de cetim carmesim, tudo *broslado, *descarchado de
ouro fino, portas e pavimento.
Dali a dous dias, mandou o senhor de La Ravardière ao capitão
Mateu Malharte, com o seu cirurgião e *mezinhas para curar os feridos,
que se perdiam à falta de remédio. E assim mais mandou avisar aos capitães
portugueses que era tempo de se embarcar a pessoa que havia de ir à Fran-
ça, porque se partia a nau Regente, e assim os que se haviam de ir a Portugal
que se fizessem *prestes. Também mandou advertir que todos os índios
da ilha andavam desejosos de fugir à terra firme, porque havia passado a
palavra entre eles que os concertos dos brancos eram para os cativarem a
todos e partirem entre si para os venderem, como havia feito Pero Coelho
na serra de Buapava, quando teve a guerra com o Mel Redondo e fez a paz
com os franceses que ali se acharam; e que, para aquietar esta novela, pedia
Jornada do Maranhão 109

ao sargento-mor do Estado que passasse à outra banda e levasse ao padre


frei Manuel consigo, para falar aos índios, e para que vissem que os acordos
eram firmes e por outros respeitos de maior consider[aç]ão feitos.
Neste tempo com toda a diligência estavam acabando de apre-
sentar um *caravelão os portugueses, para mandar a Paranambuco com três
avisos ao governador Gaspar de Sousa, para que com as novas da vitória
recuperasse a falta de gosto que havia de ter de não saber da gente e da Jorna-
da, e para que mandasse com melhor aviso e ânimo o conveniente socorro.
Elegeu-se para esta ida o capitão Manuel de Sousa de Eça, para que como
testemunha de vista desse conta do que passava. Também o capitão Francis-
co de Frias, havendo acabado com a obrigação do forte, que desenhado e em
*defensa deixava, se embarcou para dar conta ao governador destes e de ou-
tros particulares, que todos realmente se podiam fiar de sua pessoa. Enfim,
sendo *prestes tudo o que convinha à partida desta embarcação, o sargen-
to-mor do Estado e o padre frei Manuel Tavares se partiram para a ilha, e
o ajudante Simão Nunes Correia, e entraram nela a 3 de dezembro pela
banda do forte de Itampari, que está leste-oeste com o forte Santa Maria.
Nesta parte estava o língua-mor dos índios, francês por nome Hibacon,
pelo qual foram agasalhados os hóspedes aquela noite, que com parte do
dia se gastou em fazer o padre frei Manuel da Piedade falar aos índios
em seus aju[n]tamentos, e assim foram até o forte São Luís, que são nove
léguas deste posto, sempre por aldeias de índios tão povoadas que a cada
passo havia milhares deles de aquela costa *tupinambás, e em cada aldeia
assistia um francês nobre com quatro, e seis soldados, como por salva-
guarda dos índios, ou seus *encomendários, e estes tinham obrigação
de se *ajuntarem, havendo rebate, com todos os principais e frecheiros
da sua aldeia, e eles com suas armas no forte São Luís, ou donde se lhes
assinalava a praça d’armas. Passadas estas aldeias, navegaram por um braço
de água salgada em uma *chalupa até chegarem ao dito forte de São Luís,
donde foram recebidos dos senhores franceses, com toda a demonstração
de alegria e honra que foi possível fazer-se, estando toda a gente, até fora da
ponte levadiça do dito forte, com as armas na mão, até à porta da casa do
senhor de La Ravardière, donde com aparato estava aderaçado o aposento
do sargento-mor do Estado, ao qual, por mostrar [a]o senhor de La Ravar-
dière que não ficava atrás nos modos de cortesia, mandou que, em nome
110 Diogo de Campos Moreno

de S. Majestade d’el-Rei Católico de Espanha, cuja pessoa em aquele ato


o dito Diogo de Campos representava, e como a tal se recebia e honrava
naquele forte, que nele desse a ordem e o nome, porque se não havia de
dar outro. Sobre isto houve mais escusas juntas, e corteses. Porém, delas
passando a porfias, foi forçoso obedecer [a]o sargento-mor, por ser cousa
mandada em nome do seu rei e senhor, e dedicada em sua *absência a seu
real culto, e assim deu por nome dom Filipe. Com isto se foram ao aposen-
to do senhor de La Ravardière, donde não faltaram globos, livros e planis-
férios, quadrantes e muitas armas, com que parecia estar naquele deserto
gente de valor e de ciência. Ao outro dia se foi o dito capitão sargento-mor
a ver o novo convento dos capuchos, e nele ao reverendo padre Arcângelo
e seus companheiros, o qual, depois de dizer missa, lhe mostrou o *sítio
do seu mosteiro, o refeitório e celas, e uma fonte de água viva que tinham
descoberto, a qual antes de sua vinda não tinha aquele *sítio.
E assim mais lhe mostraram o *seminário dos moços franceses e
índios da terra, donde se aprendiam as línguas uns dos outros, para o qual
disseram que o cardeal de La Joyeuse tinha oferecido uma grande cópia de
dinheiro, e a Rainha Regente uma grande ajuda. Assim mais lhe mostraram
ao dito sargento-mor grande cópia de ornamentos, cálices e cousas de igreja,
das quais o segurou o dito padre Arcângelo que tinha mais de 20$ cruzados
ali, e em Paris em cofres, que estavam para vir, quando se ordenasse a volta
destas cousas. Tratou o dito padre largamente da grande diligência que ele e
os mais religiosos fizeram para que os franceses não fossem fazer guerra aos
portugueses à outra parte, e que ele em pessoa estivera em Itampari três dias,
para *estorvar a Jornada; mas que não podendo mais se tornara para o seu
convento tão desconsolado que logo dissera aos seus religiosos: “A nossa gente
virá, ao que entendo, com a cabeça rota, pois *cometem a quem os não busca,
e não tomam meu conselho.” Pelo que, depois do sucesso, ficou tão descon-
solado com a morte de tantos nobres, em particular a de Monsieur de Pisiaus,
católico, e de grande casa, e grandes esperanças, que realmente não via já a
hora em que deixar tal terra, donde todos vieram enganados de estar debaixo
da mão de um herege, que ainda que era bom companheiro, e governava
com quietação, que todavia era malsoante; e como tal, estava ordenado que
Ravardière se fosse à França, e em seu lugar ficasse o dito defunto de Pisiaus,
porém que já Deus mostrava haver-se servido de outra cousa. Pelo que, e pelas
Jornada do Maranhão 111

cousas que tinha visto, se partiria sem falta com o senhor do Prado a dar con-
ta à Rainha Regente, que particularmente lhe tinha mandado que o fizesse,
e dado prendas da *devação que tinha àquele hábito, e de como de outrem
não fiaria o crédito de aquelas matérias. E assim determinava levar todos os
seus frades, dos quais deixaria somente dous para remédio daqueles católicos,
que ali ficavam, e de mais de 20 almas de índios, que haviam feito cristãos.
Porém, que seria com tal condição que, vindo ordem para se os franceses re-
tirarem, que os padres portugueses tomassem a cargo o favorecê-los, tendo-os
*conventualmente consigo até lhos mandarem à França, porque, a isto não
ser, que os não deixaria, porque no tocante a outros proveitos, mas que os das
almas, ele não havia visto entre os seus cousa de substância, mais que anda-
rem todos embaraçados em trabalhos e esperanças, as quais mal se lograriam
havendo de haver guerra. Nisto entrou o senhor de La Ravardière, com o
qual, mudando-se a prática, se foram para o forte, donde, acabada a comida,
vieram muitos principais da Ilha *tupinambás, vestidos de roupas francesas
azuis de pano fino coalhado de flamas de veludo folha morta *brosladas de
*troçais de seda, e nos vazios cruzes do mesmo veludo, como as de *montesa,
e entre eles vinham dous índios vestidos à francesa, de calções e casacas curtas
de veludo carmesim, guarnecidas de *passamanes de ouro fino, e gibões de
tela d’ouro fino *leonada e suas espadas douradas, e *dargas com talabartes de
veludo carmesim lavrado de ouro, sapatos, meias de seda e ligas com ouro, e
tudo o demais nesta conformidade, até chapéus de castor com muitas plumas
brancas, e *bandas de Paris de *resplandor de prata lavradas, e cruzes de ouro
fino ao pescoço como homens do hábito de São Luís. Traziam consigo suas
mulheres moças, francesas brancas vestidas de damas com tais cotas, *vestidos
e adereços, que tudo era seda, guarnições e ouro, em que se manifestava a
*tenção com que estas despesas ditas eram feitas. E assim, depois de fazerem
seus comedimentos, disse o senhor de La Ravardière ao sargento-mor: “Estes
dous índios, e outro que faleceu, *tupinambás, são desta Ilha, os quais Mon-
sieur de Razilli, meu companheiro, levou à França, e os apresentou a Suas Ma-
jestades da Rainha Regente, d’el-Rei Luís, meu senhor, os quais lhe fizeram
tantas mercês e honras que vos não saberei dizer o número delas. Somente
digo que custaram mais de 10$ cruzados os favores, *vestidos, batismos, casa-
mentos, até os fazerem cavaleiros, dando-lhes hábitos da nova Ordem de São
Luís, que agora instituiu este rei. Os demais índios das roupas azuis são prin-
112 Diogo de Campos Moreno

cipais desta Ilha, a saber, o Brasil e o Xapiaçu, homens que, para índios, acho
de grande entendimento. E assim eles, como os demais, vos vêm ver como a
homens que nos feitos lhes haveis parecido serpentes, e assim ainda hoje se
não asseguram e temem por vós.” “Esse temor é mui de atrás, respondeu o
do Estado; porque têm já tantas vezes fugido de nossas armas, que hoje não
podem buscar mais desengano, que na Buapava ontem, e na Praíva, e no Rio
Grande, donde os levava sua ignorância e a malícia dos que os *acaudilhavam,
dos quais todos têm seu castigo, como o Mingão, que havendo quatorze vezes
escapado das mãos dos portugueses veio a morrer na batalha de Guaxinduba.
Porém, agora somos e seremos seus amigos, se forem bons e fizerem o que de-
vem, porque o tempo de cativar e vender índios é já passado, e Sua Majestade
el-Rei Católico nosso Senhor, em tempo, e a instância do Governador-Geral
dom Diogo de Meneses, passou uma lei o ano de 610, que nenhum índio
do Brasil fosse cativo. Antes mandou que os usurpados fossem postos em sua
liberdade, e levados a suas terras à despesa de sua Real Fazenda. E isto se fez
por amor da desordem que sucedeu com estes de que tratamos na Buapava.”
Acabada esta prática, que os línguas declaravam aos índios, se foram a ver
o *sítio da Ilha, e o porto, *artilheria, e navios, e a aldeia dos pedras-verdes,
índios, assim chamados, que haviam feito vir de várias partes povoar ao longo
do dito forte São Luís, para ajuda de sustentarem os soldados do *presídio, e
assistirem à *defensa, quando importasse.
Ao outro dia, levou o senhor de La Ravardière ao sargento-mor
e seus companheiros a ver a nau Regente, que estava no porto de Guarapari
à vista do forte São Luís, e debaixo de outro forte, em que havia quatro
peças grossas de ferro *coado. Na nau estava ordenado grande recebimento
e demonstrações navais de *artilheria, e bandeiras ricas de seda, que certi-
ficou o francês haverem custado mais de quinhentos cruzados, afora o *es-
tendarte real que dera a rainha regente, que de pinturas e ouro tinha muito
custo. Depois que estiveram na nau, se foram a ver a terra e conhecenças
da entrada da grande *barra de Araçaju, e viram a terra de Tapuitapera e de
Comat, da outra banda de loeste, e assim as ilhas que jazem sobre o porto
de São Luís, fortes em *sítio e povoadas de mato, mas sem água. Todas
estas cousas, com permissão do senhor de La Ravardière, o sargento-mor
notava e desenhava em o seu livro de memória.
Jornada do Maranhão 113

Pelo que La Ravardière disse: “Vejo-vos tão curioso que me pa-


rece, para vos livrar de trabalho, que vos hei de dar o desenho que fiz de
tudo isto até o Pará, em que me aventurei e trabalhei muito, e se não fora
a vinda do vosso sobrinho Martim Soares, que me inquietou, e fez acudir
a este forte, cuidando serdes já todos vindos, certo tivera feito grandes des-
cobertas. Mas espero que Monsieur de La Blanjartiera, que deixei em meu
lugar, me trará grandes novas e mostras de cousas estranhas, de que à vossa
vinda de Espanha vos mostrarei tudo. Com este fidalgo ficarão 40 soldados
franceses para melhor se seguirem nossos bons intentos. O sargento-mor lhe
deu graças do desenho que lhe prometia, e assim tratando de diversas cousas
se tornaram ao forte São Luís, donde assentaram que o dito sargento-mor se
fosse ao outro dia com o reverendo Padre Frei Manuel, e que viesse logo o ca-
pitão que havia de ir a França, e para a viagem de Portugal. Assentaram que
os soldados franceses dariam por resgate a caravela que haviam tomado na
guerra passada aos portugueses, como fica contado, visto que para a viagem
era o melhor navio que os franceses tinham, e os portugueses, nem pior nem
melhor, não possuíam cousa em que aventurar-se pudessem. E assim se deu
pela caravela algum resgate de cousas do armazém, e o demais, que se pagaria
em Portugal ao capitão Malharte, que em nome de todos estava elegido para
ir com o sargento-mor. E prometeu o senhor de La Ravardière de mandar
consertar e aparelhar a caravela de novo, e dar duas peças de *artilheria e o
mantimento necessário, e assim toda a gente do mar portugueses, que ti-
nham em sua companhia tomados em vários navios, e por vários *cossários,
que ali os haviam trazido e os haviam deixado cativos. Com este assento, e
com muitos feijões e milho e favas para plantarem e comerem os do forte de
Santa Maria, se partiu o sargento-mor do Estado e, em chegando ao forte, se
aviou o Capitão Gregório Fragoso d’Albuquerque, e se veio ao forte de São
Luís, donde partiu na nau Regente em companhia de Monsieur du Prat a 13
de dezembro 1614, levando além dos avisos e ordens de palavras a carta para
o senhor embaixador de Espanha em França, que se segue, e assim mais o
Regimento que se verá adiante:
Carta ao embaixador de Espanha em França
“Su Majestad d’El Rey Católico, nuestro Señor, enten-
diendo ser cosa muy conveniente a su servicio me envió el año
pasado de 613 por orden del gobernador general de estas pro-
114 Diogo de Campos Moreno

vincias Gaspar de Sousa, a que le descubriese, poblase y con-


quistase e esta costa del Brasil, que llamamos de Leste-Oeste,
teniendose por cierto que en ella se fortificaban para dañar al
Perú algunos cossarios de las naciones del Norte. Partiendo yo
pues con pequeña asistencia de las cosas necesarias, solo hice
y reparé algunos presidios en la dicha costa, haciendo paz con
aquellos salvajes. Este año de 614 abiendoseme dado alguna
más asistencia, y dandoseme por colega al Capitán y Sargento
Mayor de todo este Estado Diego de Campos, soldado viejo
de Flandres, que S. Majestad para esta Conquista envió desde
España, venimos a nos alojar en el río Marañón, que divide el
Perú del Brasil por la parte del norte, y porque tuviemos nuevas
que avia franceses, nos fortificamos, y tratamos de ocupar por
Su Majestad Católica en sus tierras, lo que nos pareció a su servi-
cio conveniente. Pero fuimos de subito cercados de sus grandes
naus, patachos, y lanchas franceses, con tanto aparato de guerra,
que casi perdimos la esperanza de poder ser socorridos, y más
que siendo de súbito acometidos nuestros navios *mancos, que
sin gente ni artilleria estaban vazios para volverse, nos toma-
ron tres, de que quedamos lastimados y más imposibilitados de
ningun socorro. Pero los señores franceses, juntando las fuerzas
del Estado de los indios de una isla que tienen ocupada en este
río con cuatro o cinco fortalezas, vinieron en 19 de noviembre
pasado con más de 2.200 indios flecheros en 50 canoas, que son
como bergantines, y con más de 400 soldados y caballeros de
Francia en siete embarcaciones de alto bordo, con artilleria de
bronce y de hierro colado para batirnos nuestro fuerte, en que,
como digo, estavamos en tierra de S. Majestad, y con su orden y
banderas menos de 200 soldados portugueses, y mucho menos
de 200 indios de guerra nuestros amigos. Pero como era fuerça
acudir a lo que tanto convenia, guarneciendo el fuerte, como se
pudo, salimos en campaña, y los dimos la batalla, en que Dios
se sirvió mirar por nuestra justicia, de que le damos infinitas
gracias, quedando señores del campo y del sitio, y de todas las
embarcaciones de remo que fueron cuarenta y seis, a que di-
Jornada do Maranhão 115

mos fuego. Murió Monsieur de Pisiaus y otros muchos nobles


y soldados, en número de más de 115. De los nuestros tambi-
én murieron algunos, pero como de la buena guerra sucede la
buena paz, viniendo los franceses con orden de Monsieur de La
Ravardière a pedir sus muertos para darles sepultura, lo que ya
por nosotros estaba hecho, tras este trato se consiguió que supi-
mos que Su Majestad Cristianísima d’El Rey de Francia sin dar
parte a V. S. y Monsieur de Momeransi Almirante desse Reino,
había enbiado a hacer esta Conquista o Colonia, dicen que a
persuasión de Monsieur de Razilli, vecino de Loudun y Chinun,
y del Señor de Sansi Nicolás de Harley, del Consejo d’Estado
de ese Reino, de quien el dicho Ravardière se nombra factor o
compañero, y como de ambas partes tuvimos precisa necesidad,
de que los tratos fuesen adelante, pareció que se diese aviso a
Sus Majestades, habiendo, hasta su real respuesta, suspensión de
armas, que durará hasta el mês de diciembre de 615, ordenando
que un caballero portugués y un francés vaya a Francia, otro tal
à España, y así fue elegido para ese Reino y para el servicio de
V. S. mi sobrino el capitán Gregório Fragoso de Albuquerque, y
para España mi compañero el Capitán y Sargento Mayor Diego
de Campos, que con Su Majestade sabrá en España tratar lo que
conviniere. Suplico a V. S. que en este lugar oiga a mi sobrino,
pues son materias tan importantes al servicio de Su Majestad, y
de V. S., y de todos tan desamparadas, y en lo que se ofereciere,
V. S. se sirva mandarlo encaminar para que todos acertemos,
porque es hombre dessas partes, y tiene poca práctica de esas;
mas él y todos nosotros tenemos mucha confianza que V. S. nos
hará la merced que merecemos, para que con respuesta breve
seamos favorecidos. Los franceses llevan los papeles y acuerdos
de una vía, el capitán de Campos lleva la outra a Portugal y a
España, donde V. S. será más largamente advertido, que esta so-
lamente sirve de aviso. Dios guarde V. S. del río Marañon, en el
fuerte Santa Maria de los portugueses, a 13 de diciembre 1614.
HIERONYMO D’ALBUQUERQUE.”
116 Diogo de Campos Moreno

O Regimento que juntamente se deu ao dito Gregório Fragoso


foi o seguinte:
Cousas que, por serviço de Sua Majestade, há de advertir o
Capitão Gregório Fragoso d’Albuquerque, em Reino de França ao
senhor embaixador de Espanha
“Primeiramente continuará a casa do dito senhor embai-
xador sempre servindo e acompanhando a S. Senhoria, até com
efeito ser respondido, e fará todas as diligências que pelo dito
senhor lhe forem mandadas sobre os negócios desta conquista.
“Advertirá a S. S. que o Maranhão e suas terras, e assim
as de Tapuitapera, Comat e Pará e todas as demais de *aquestas
costas são à parte do norte do Peru e do Brasil, as quais provín-
cias hoje não são desertas, mas desocupadas de portugueses ou
castelhanos, por infortúnios notáveis, e perdas de navios e gen-
tes, como as crônicas estão cheias; porque neste Maranhão estão
os fundamentos dos primeiros portugueses que aqui povoaram,
a saber: os filhos de João de Barros, e os Melos, e outros, a que,
pelos trabalhos de Portugal, se não pôde dar socorro; e que não
são despovoadas, pois o Brasil tem mais de 30$ portugueses, e
tantas cidades e vilas como se sabe, e o Peru, o que é notório,
sendo o Império do Novo Mundo de Sua Majestade; de modo
que, se por não ter moradores uma terra, se há de tomar a seu
dono, Silves no Algarve, Algisiras, junto a Gibraltar, estão sem
moradores no coração de Espanha, e aqui nesta parte, que o é
do Peru, se forma uma nova França, ou está já formada, com
20 capuchos, de que é comissário o Padre Frei Arcângelo de
Pembroc da dita ordem, do qual S. S. pode saber muitas cousas;
e que estavam 800 franceses metidos nesta colônia, com mulhe-
res, e custo incrível, e com pouco proveito até agora, segundo
dizem; que o senhor de La Ravardière tem dado terras e índios
a fidalgos e soldados seus, os quais vivem fazendo *fazendas, e
as possuem como suas na terra d’el-Rei de Espanha, cousas que
denotam mais fundamento do que se pode dizer neste negócio.
Jornada do Maranhão 117

“Que temos entendido que, se não foram as *lianças de


Espanha e França, estiveram já nesta colônia mais de dous mil
homens franceses.
“Que na cidade de Paris em carros triunfais foram le-
vados os índios *tupinambás, e os apadrinhou o Senhor de
Guise, e Sua Majestade d’el-Rei de França lhes deu mulheres
francesas, e muitos *vestidos e dádivas, com que os tornou a
mandar ao Maranhão por seus vassalos, sendo d’el-Rei nosso
senhor, e além destes e outros muitos *liados que tem, trazem
línguas francesas em todas estas províncias, com que nos têm
feito e fazem muito dano.
“Que o Cardeal de La Joyeuse tinha oferecido para esta co-
lônia a despesa de um *seminário, como o dirá o Padre Arcângelo,
e assim a Rainha Cristianíssima Regente uma grande ajuda; que
tudo, com capa de religião cristã, vem a ser em dano do serviço
de Deus e destas províncias, nas quais dizem que têm descoberto
minas de *lápis-lazúli e nova pescaria de pérolas, e têm achado
pedraria de valor, sobre que há preitos entre eles, e que cada dia de
novas madeiras e tintas dos índios tratam de tirar a substância com
que levar avante estes princípios, acolhendo aqui da mesma manei-
ra aos *cossários, que, de roubar as terras do Brasil e da Mina, vêm
aqui desgarrados a buscar mantimento e remédio a suas viagens.
“Que resgatam, por machados e fouces, e outras cousas de
pouca substância, muitos escravos dos mesmos índios, que uns a
outros se comem, e se cativam, e com eles se vão engrossando em
modo de fazer *fazendas; e que tratam de mandar ao mar de An-
gola a tomar os navios que vêm com escravos ao Brasil e às Índias,
para meter nesta colônia, e fazerem sem despesa mais que a agência
dos *cossários um riquíssimo reino; e que achamos aqui seus cati-
vos, com ferros nos pés, muitos portugueses nossos de três anos de
escravos, que como tais lhes roçavam e plantavam, e serviam no
campo, os quais para sempre estavam condenados a esta vida, cousa
que nem em Barbaria se usa. E isto porque não dessem notícia do
que haviam visto nesta colônia, na qual têm metido tanto cabedal,
que seguramente entendemos e sabemos que pedem favor à Ingla-
118 Diogo de Campos Moreno

terra oferecendo-lhe o feudo e *menagem, e em caso que de França


lhe falte assistência, porquanto o senhor de La Ravardière, além de
ser da religião, é cunhado do Conde de Mongomeri, que tem em
Inglaterra mil parentes e cunhados, homens de *substância, pode-
rosos e ricos. Também por sua natural inclinação de conquistar e
povoar cousas estranhas e novos descobrimentos, é de arrecear que
não viverá quieto, se a força o não obriga, ou benefícios. Pelo que,
parecendo a Sua Senhoria que os pobres franceses católicos e me-
cânicos, que aqui estavam casados com suas mulheres e filhos, que
de França trouxeram, e alguns solteiros, e dos nobres acomodados
na terra, que fiquem os que quiserem possuindo o que têm, como
vassalos d’El Rei Católico nosso Senhor, e aos que não tiverem ter-
ras, que possam dar-se-lhes, sem embargo da proibição feita, que
trata dos estrangeiros, estes tais sempre serão de grandíssimo efeito,
porque como tão práticos em todas as cousas de aquela conquista
e nas execuções dos desenhos de seus maiores e juntamente *liados
e vindos com os índios, de que não temos ainda hoje notícia algu-
ma, ficaram entre nós outros fazendo um efeito maravilhoso, e os
índios, que dependem de suas linguagens e promessas, não terão
alteração alguma; e por este meio, mais breve e mais quietamente,
e com menos despesas, seremos senhores do que a Sua Majestade
tanto importa, e lançaremos os holandeses do Cabo do Norte, nesta
costa, donde se fortificam na boca do rio das Amazonas, sem que
de Espanha seja necessária buscarem-se e mandarem-se homens a
grande custa, ignorantes do que estes sabem, e nisto não há dúvida
ser mui conveniente tomar-se um bom assento.
“Há-se de notar e entender, além destas cousas, com grande
diligência e todo o segredo, o que tratam e maquinam os senhores
de Sansi e de Razilli, e se juntam gente e se tornam a mandar a sua
nau Regente, que é de 400 toneladas e leva 300 e 400 homens, e é
sua, e dedicada a esta colônia; porque, se assim for, convém qual-
quer cousa, por pequena que seja, que se souber disto, avisar a Es-
panha para prevenir Sua Majestade, o que convém, e que nos não
tomem *desapercebidos, donde com altares e mosteiros de capu-
Jornada do Maranhão 119

chos, e clérigos, curas d’almas, se vai continuando com a obrigação


do Santo Evangelho, pregando-se em todo este barbarismo.
“Isto que aqui se adverte ao senhor embaixador é o mes-
mo que em Espanha se há de tratar pelo capitão e sargento-mor
deste Estado com Sua Majestade, que Deus muitos anos guarde,
e sempre engrandeça. A 13 de dezembro 1614.”
Neste mesmo dia foi com o dito Gregório Fragoso, para a Ilha,
Matias de Albuquerque, filho segundo do Capitão Jerônimo de Albuquer-
que, para assistir com os franceses, enquanto no forte Santa Maria dos portu-
gueses assistia Mons. de Lastre, cirurgião-maior dos franceses, que curava os
feridos portugueses, nos quais fez notáveis curas sem algum interesse, porque
ainda que quisessem não tinham com que pagar tais benefícios, mais que
acudirem todos a Deus, a quem se devem as graças, pois (dedit salutem ex
inimicis nostris, et de manu omnium qui oderunt nos).
A 16 do dito dezembro partiu a nau Regente para França, com
Mons. du Prat, e o P. Arcângelo com dezessete religiosos da sua ordem, fican-
do na colônia dous somente, e um clérigo de missa. Também se embarcou
Mons. de Canonville e outros até número de cem pessoas, em que entrou
Gregório Fragoso, que ia com Mons. du Prat, como está dito. Ao largar a
vela, a nau Regente salvou ao forte São Luís, do qual, fazendo-se a devida
resposta, arrebentou uma peça grande de ferro *coado inglesa, e matou cin-
co homens nobres, e o Condestabre, e estropiou dous. Toda esta gente era
da obrigação do senhor de La Ravardière, o qual mostrou sentir tanto esta
desgraça, como a passada da rota que lhe deram.
Partida a nau Regente, logo se pôs com diligência mão no conser-
to da caravela, e em se prevenir algum mantimento de farinha e água para
o sargento-mor, a quem seu companheiro Jerônimo de Albuquerque dava
uma notável pressa a que se partisse, ou por se ver sem quem lhe pudesse ir à
mão, ou porque esperasse desta ida mais remédio que de todas as dos outros,
de que tinha pouco conceito. Finalmente sendo já todas as cousas reduzidas
ao estado melhor que o tempo dava lugar, e feitos todos os assentos e papéis
necessários em como Jerônimo de Albuquerque ficava quieto de posse de sua
fortaleza acabada sobre o Maranhão, com religiosos, igreja, casas de vivenda,
roças, plantas, dous barcos e dous batéis, que um dos barcos se havia compra-
do aos franceses por haver na fortaleza mais serviço, e assim redes para pescar,
120 Diogo de Campos Moreno

e mais de 40 *jangadas feitas para as pescarias e mantimentos dos índios, veio


o Capitão Malharte, ao qual se deram pela caravela 500 cruzados, a saber, em
cousas de resgate cento e trinta mil réis, e em um escrito a pagar em Lisboa
o resto, com o mais que custou o mantimento para a viagem, de que se fez
assento ser tudo por conta da Fazenda de Sua Majestade, pois a caravela não se
tomava para mais que para seu serviço. E assim, feitas estas cousas, se despediu
o sargento-mor do Estado dos soldados e seu companheiro, e com a bênção
dos reverendos padres capuchos partiu do forte Santa Maria à terça-feira, de-
pois da derradeira oitava do Natal, e se veio por um mar reconhecendo os
*baixos e *barras, até o forte de São Luís pela *barra grande de Aracaju.
Depois de embarcado o sargento-mor na caravela, se deteve dous
dias a respeito das vasilhas para água, que se não achava ordem de as acomo-
dar, e porque nesta parte havia mais cômodo de mantimentos que no forte
dos portugueses. Neste tempo houve ordem de se tratarem algumas cousas do
serviço de Sua Majestade com alguns daqueles particulares, os quais deram ao
dito sargento-mor as mostras de todas as cousas que achado tinham naquelas
partes. E o senhor de La Ravardière lhe deu um traslado da relação que manda-
va à França de seus sucessos com os índios, a qual traduzida diz desta sorte:
Sumário
Do que fiz nestas terras do Brasil
“Primeiramente tenho assegurado os povos dos gentios,
tanto da Ilha como da terra firme, *ajuntando-os e unindo uns
com outros debaixo da obediência do meu Rei, *estorvando-os
que não fujam de medo dos portugueses, e reduzindo-os a tal
obediência dos franceses qual desejar se pode. Porque além de que
já não comem carne humana em todas estas comarcas até 200 lé-
guas de aqui, donde fenece a dos *tupinambás, e nenhum princi-
pal destes não empreenderão guerra contra outros seus contrários,
chamados tapuias, sem primeiro lhes pedirem licença, para o que
lhes mandam seus agentes ou vêm eles mesmos a pedir-me a dita
licença, e de próximos oito dias antes que chegassem os portugue-
ses aqui vieram três principais do Pará e de Cajeté a me pedirem
licença para irem fazer guerra a uma nação a 400 léguas de aqui,
chamada Camarapi, sobre um rio chamado Pacajari.
Jornada do Maranhão 121

“Logo que a nau Regente foi partida, que foi em 8 de dezem-


bro de 1612, no mês seguinte mandei ao Meari, rio aqui vizinho,
quarenta franceses buscar aos *tabajarés, nação de índios inimigos,
que estavam 200 léguas de aqui sem haver deles alguma notícia.
Nesta primeira viagem deixaram os meus dous índios nossos es-
cravos da dita nação, os quais, ficando no mato com mantimento
para os irem a buscar, porém feita diligência, se tornaram sem
achar nada. E isto tenho advertido em outras memórias minhas,
que esta nação havia sido muito maltratada dos outros nossos *tu-
pinambás. E finalmente, depois de sete ou oito meses, havendo
feito muita mais diligência com quatro viagens que ali fizeram os
franceses, deram com esta gente e disseram logo que havia duas
castas deles, desta mesma nação *tabajarés, que viviam em guerra
e comiam uns a outros cruelmente; e como se *ajuntaram a mim,
vivem hoje nesta Ilha em paz e todos juntos com os *tupinambás
naturais, que antes de uns e outros eram inimigos.
“Depois, tendo aviso que havia outra nação dos *tabajarés
mesmos em um rio, que a sua *barra é de aqui cem léguas, mandei
ao meu Lugar-Tenente General Monsieur de Pisiaus com 35 fran-
ceses, os quais acharam a dita nação mais de 200 léguas pelo rio
acima, a qual se chama Vuarpi, e deixando alguns franceses para os
trazerem, vieram até às terras de Comat e serão desta parte em en-
trando as chuvas, porque já os principais estão comigo; e desta mes-
ma tenho aviso de outra nação tapuia, chamados Igarã Vvanvá, que
estavam nas terras defronte de Pacuripanã, os quais não desejam
mais que chegar-se a nós outros pela notícia que têm de alguns es-
cravos nossos de sua nação, aos quais lhes mandamos livres para que
entendessem que queríamos paz com todos os naturais; e sobre este
aviso mandei com outros escravos alguns franceses com um língua
por nome o Mingão, o qual os fez vir até às terras de Pacuripanã, e
estão hoje de paz e mistura com os *tupinambás, e fazem roças de
mantimentos, em toda a paz e amizade com aqueles com os quais
pouco antes havia tal guerra, que se comiam uns aos outros.
“Depois disto feito, mandei Monsieur du Prat a um rio
chamado Guajabug, a 200 léguas de aqui, com 30 franceses e
122 Diogo de Campos Moreno

alguns escravos de uma nação de tapuias que fica sobre este rio.
A qual gente, havendo navegado com imaginação certa de os
achar, ou perto ou longe, tanta diligência fizeram até que os nos-
sos línguas os descobriram, e lhe deram a entender como os que-
reríamos por amigos perto de nós outros, e assim os obrigaram
a trabalhar em fazer canoas para se virem, e nas que tinham se
embarcaram logo três ou quatro aldeias; e se vieram a esta Ilha,
e depois deles os demais com o dito Senhor du Prat, o qual os
trouxe aqui, com que me achei bem embaraçado pelos acomodar
e sustentar juntos, que nunca quiseram dividir-se pelas aldeias
dos outros, de medo que os não comessem, como tinham de
costume. *Entonces me resolvi de largar uma aldeia que tinha
de minha gente a uma légua daqui, e os mandei aposentar nela,
fazendo sair os meus; e lhes dei todas as roças de mandioca para
seu sustento, e eles me prometeram fazer-me outras, e ainda que
já por este ano é tarde, será ao outro, com o favor de Deus, se a
terra nos fica como espero. Demais disto, tenho mandado vinte
e cinco franceses com um de meus escravos, principal de sua na-
ção, a buscar uma de tapuias 250 léguas dentro do rio Pará, que
são em tanta quantidade que me oferecem cem canoas grandes,
como os principais me têm prometido, aos quais eu falei em
Parijop sobre a terra dos pacajases, quando fui às Amazonas:
aguardo por esta gente no mês de maio, se não tiverem algum
estorvo, esperando recado meu, pois hão de saber que estão já
aqui os portugueses, os quais, se tardarem mais um ou dous
anos, já tinha dado ordem para que se *ajuntarem aqui conosco
mais de dez outras nações, que entre elas há uma sobre um rio
da nossa baía, que é maior nação que toda a dos *tupinambás.
“Não digo o número das viagens e caminhos que tenho feito
e mandado fazer em estas terras e rios pelos meus, nem digo da
minha viagem que quis fazer às Almazonas, porque ficou imperfei-
to pela vinda, a esta terra, de Martim Soares Moreno, português,
que veio a descobrir estas terras e baías do Maranhão no mês de
agosto de 613 de parte de Jerônimo d’Albuquerque, que em ela
está presente, como parece em nossos artigos de paz. Demais disto,
Jornada do Maranhão 123

tenho mandado fazer quatro fortes sobre as principais partes e por-


tos desta Ilha, donde em todos tenho *artilheria, principalmente
em este de São Luís, donde tenho muita quantidade. Não ponho
aqui minhas penas e trabalhos, e perdas, que tenho corrido indo e
vindo 300 léguas desta costa dentro em uma canoa, atravessando
as *barras e baías, e dobrando as pontas de todas elas no tempo das
brigas, nem falo em três cruéis e compridas enfermidades que me
causaram estes trabalhos, porque quem quiser considerar tudo isto,
e julgar com igualdade, rogará a Deus que o gratifique e nos susten-
te em paz dentro do nosso mundo ártico. Feito no forte de São Luís
no Maranhão, a 29 de dezembro 1614.
LA RAVARDIÈRE.”

Além destas informações e papéis, viu o dito sargento-mor as ter-


ras da Ilha e roças de algodão de que os franceses tiram algum proveito, e o
tabaco, ou erva-santa, do qual fazem quantidade com tão boa têmpera que
vale uma libra em França um escudo de ouro. Também viu a canafístula do
rio Meari, da qual levam a França quantidade em reserva, e seca. Também
viu as pérolas que Mons. de Pisiaus trouxe do rio Zoaurpi, que são maiores
que grãos, e da feição de cabacinhas algumas, em que viu uma mui grossa.
Também trouxe Mons. de Pisiaus desta sua jornada enxofre mineral, o qual
asseguram que se não acha senão donde há mina de ouro ou prata, e para isto
fizeram vir de França na nau Regente um capucho, grande mineiro, chamado
Frei Ivo, o qual adoeceu, de sorte, na Ilha do Maranhão, que não pôde ir às
minas, antes, por não perder a vida, se tornou a França.
O Cavaleiro de Razilli, da Ordem de São João, e seu irmão Mon-
sieur de Lone, e o senhor de La Blanjartière, e outros fidalgos, aprendem e
falam a língua dos índios, obrigados de esperanças, que ninguém declara,
e todos as confessam, e assim vão lançando mão de todas as miudezas que
achar podem, fazendo caso da tinta vermelha do *urucu, e da outra mais
fina chamada *carajuru, e do pau-amarelo chamado *tatajuba, e de todas
as madeiras que de diversas cores acham para se poder fazer obra ou tinta.
Também no rio Meari têm descoberto salitre, com que já hoje refinam sua
pólvora, e isto de minas e terra salitrosa, que o dá em grande abundância.
Têm da mesma maneira descoberto marinhas naturais de sal mui perfeito,
124 Diogo de Campos Moreno

em quantidade que podem carregar quantos navios quiserem, o qual está


40 léguas do forte São Luís, da outra banda da terra firme de *loeste.
Têm estas terras muita *almécega, de que se valem muito, e mui
fino incenso, do qual há uma espécie de árvore, que dão tanto, que breiam
com ele os navios e canoas. Tem infinito óleo de *copaíva em toda esta
costa, de que os franceses tiram a quintessência para suas *mezinhas, e fica
como água. Também nestas partes dizem que a temporadas acham muito
*âmbar gris, e o ano de 1610 achou um francês, soldado de La Ravardière,
por nome Mons. de Bault, na terra dos pacajares da banda do Pará, duas
pedras, uma como um ovo de pomba, outra menor, pela qual dizem que
dá el-Rei de Inglaterra vinte mil libras sterlings. Uns dizem ser *balais, ou-
tros lhe dão diferentes nomes.
As aves e animais silvestres desta terra são inumeráveis e estranhos,
de que se toma grande abundância para sustento das gentes. E assim, no mar
e nos rios, são infinitas as sortes e quantidades de peixes, os quais se tomam
às mãos muitas vezes, e às pancadas, e de peixes-bois, cuja carne é como de
vaca, da mesma cor, sabor e cheiro, e é tão abundante este *sítio, que só de
um rio tinham os franceses tirado 250. E com estas e outras cousas que viu e
entendeu, o dito Diogo de Campos se partiu do forte São Luís a 4 de janeiro
de 1615, trazendo consigo ao Capitão Mateu Malharte, francês, com o qual,
para refém e testemunho do que dito fica, se apresentou diante do senhor
arcebispo vice-rei de Portugal em 5 de março do dito ano, sendo o primeiro
português que, do Maranhão, em *direitura veio a Lisboa, de tantos quantos
intentaram aquela empresa, de que a Deus sejam dados eternos louvores.
FINIS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Jornada do Maranhão,
Atribuída a Diogo de Campos Moreno,
capitão e sargento-mor do Estado do Brasil

ANÁLISE FILOLÓGICO-ESTILÍSTICA

ANTÔNIO MARTINS DE ARAÚJO


da Academia Brasileira de Filologia
e da Academia Maranhense de Letras

A 1. O EVENTO

CONTECIMENTO maior do ano da graça de 1984 na vida cul-


tural do Estado do Maranhão, por iniciativa do Consórcio de Alumínio
do Maranhão – Alumar, e graças à paixão do publicista Joaquim Campelo
Marques pelas cousas de nossa terra, os maranhenses, a partir dali, passa-
mos a ter ao alcance da mão o texto atualizado do primeiro documento
vernáculo sobre o nascimento político do rincão natal – a Jornada do Ma-
ranhão por ordem de S. Majestade feita o ano de 1614.
De há muito afeito aos segredos e sortilégios da comunicação
de massa, seu editor preferiu propiciar aos leitores da antiga raridade bi-
bliográfica uma leitura moderna, a manter-se fiel aos ditames e rigores da
ciência ecdótica. Se, por um lado, nos foge a oportunidade de defrontar-
mos um ç inicial em çapato, para marcar-lhe a pronúncia africada ts1 que

1 TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa, p. 26. Lisboa, Sá da Costa, 1982.


Trad. de Celso Cunha e Claire de Oliveira. Ts. (escrito ç e c diante de e e i) çapato,
paaço, cinta, cen).
126 Diogo de Campos Moreno

já vinha desde o medievo, por outro lado abriu caminho para um maior
número de leitores navegarem por “entre tantos parcéis e alfaques ainda
não conhecidos” (p. 52) do texto quase quatro vezes centenário.

2. O AUTOR

Sobre quem foi esse deslembrado Diogo de Campos Moreno,


autor de dupla proeza – braço direito do de Albuquerque e cronista da
santa guerra nossa –, nada nos informa o diligente abade Diogo Barbosa
Machado, em sua merecidamente famosa Biblioteca lusitana, cujos quatro
alentados volumes na primeira edição (de 1741) saíram da oficina de An-
tônio Isidoro da Fonseca. O acadêmico José Sarney, cujas lides políticas
não lhe arrefecem o animus scribendi, no-lo disse na exegese que enrique-
ceu e ilustrou a obra como perfeição, junto à de outro não menos ilustre
conterrâneo, o acadêmico Josué Montello, que tão brilhantemente, na sua,
mostrou a falsa linha do horizonte, em que a realidade finge encontrar-se
com a ficção.
O sabedor Bernardo Pereira de Berredo, nos seus Anais históricos
do Estado do Maranhão,2 com a sensibilidade e argúcia do historiador que
foi, mostra-nos como esse Diogo de Campos Moreno soube chamar para si
as glórias da jornada contra os franceses de Ravardière quando, escolhendo
o foco narrativo externo, de simples observador, deixou que os fatos falas-
sem por si mesmos em seu favor.

3. A OBRA

O frontispício da edição lusitana de 1812 da Jornada do Mara-


nhão dizia visar ao fornecimento “de notícias para a história e geografia das
nações ultramarinas”.

2 Obra pela primeira vez impressa em 1749. Lisboa, na Oficina de Francisco Luiz
Ameno; a 2ª ed., com prefácio de Gonçalves Dias, é do Maranhão: tipografia Ma-
ranhense, 1849; a 3ª ed., promovida pelo Governo do Estado do Amazonas, foi
impressa em Florença, na Tipografia Barbèra, 1905; a 4ª e última edição integra a
coleção Documentos Maranhenses, da Alumar: Rio de Janeiro, impressa por Tipo
Editor Ltda., 1988. Com notas introdutórias de José Sarney e Josué Montello. Ber-
nardo Pereira de Berredo governou o Maranhão no período de 1726 a 1729. Seus
Anais abrangem desde o descobrimento do Maranhão até o ano de 1718.
Jornada do Maranhão 127

Saída dos prelos da Academia Real das Ciências, em Lisboa,


hoje é uma raridade. Raridade, também, tornou-se sua 1ª edição brasileira,
inserida por Cândido Mendes de Almeida, em 1874, no 2º volume de suas
Memórias para a história do extinto Estado do Maranhão. Esgotada também
já se encontra a 2ª edição brasileira da obra, com a qual, em 1984, a Alu-
mar, dando prosseguimento ao que o pesquisador Jomar Morais já vinha
fazendo através do SIOGE, iniciou sua reedição de obras fundamentais
sobre nosso Estado, que se haviam tornado raridades. Basta este fato para
fazer-se necessária e urgente nova reedição da Jornada do Maranhão, não
só pela importância do documento, mas também para que, à vista de uma
bela edição crítica bem cuidada, possa a obra ser fecundada pelos filólogos,
estilicistas e gramáticos, pelos afiliados à linguística românica, com seu
espanhol antigo e miscigenado; pelos tupinólogos, com sua imensa cópia
de nomes próprios e comuns; pelos sociólogos e historiadores da cultura,
com os usos e costumes de antanho; pelos historiadores de nossos meios de
transporte e pelos estrategistas navais, com a parafernália bélica seiscentista
e suas escaramuças; enfim, pelos artistas e criadores, com todo o rol de
sugestões que, provida, lhes oferta.
Quanto à poesia, ressumbra da escolha vocabular do cronista, ao
fixar as ideias de espaço e tempo, como só à época.
De tempo: (...) até que no quarto antealva, indo todos com o
prumo da mão, muito vento, e grande escuro, se acabaram em três braças
(...) (p. 45).
Ou de espaço: Está diante do forte Santa Maria um oiteiro emi-
nente à distância de um tiro de falcão (...) (p. 70).

4. A DEFESA DA LÍNGUA

Estrategista de mão cheia e conhecedor da língua de seus coevos,


admirável é a preocupação com que esse Diogo escritor vai vertendo para
seu idioma as cartas francesas de La Ravardière. É a preocupação confessa-
da de quem, sob a dominação espanhola, pensava com Antônio Ferreira:
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua e, já onde for,
senhora vá de si soberba e altiva,
128 Diogo de Campos Moreno

a fim de que sobrevivessem, como sobreviveram para a posteridade, suas


palavras e suas conquistas. A defesa da língua que já vinha de tradição me-
dieval, com Dom Duarte,3 e da tradição quinhentista, com Fernão de Oli-
veira e João de Barros,4 para Diogo era, também, e da melhor, a própria
defesa das terras da coroa lusa (ele o sabia) sob o indesejado e temporário
domínio estrangeiro.
O leitor da Jornada que saiba ler nas entrelinhas haverá de des-
cobrir que, consciente ou inconscientemente, o Senhor de La Ravardière
já dera a guerra como perdida, quando, vencendo seu orgulho de efême-
ro dominador e de falante de uma língua considerada das mais cultas da
Europa, conquanto rogasse a Jerônimo de Albuquerque lhe escrevesse em
francês, de boa mente admitia poder ler seu opositor também em espanhol
(p. 87). Dada a semelhança, maior à época, entre essas duas línguas ibéri-
cas, depreende-se a falácia da petição. Quanto a Diogo, esmera-se, pondo
em linguagem a onomástica peregrina. Mudava Pratt em Prado, Dieppe
em Dieppa, Flandes em Frandes, Bitencourt em Betancor, submetendo-os
à índole de nosso idioma.

5. O LÉXICO

Para a leitura integral do texto (leitura aqui entendida como


apreensão global de seu sentido) é de mister o acesso aos vocabulários da
época, posto que os dicionários e manuais de que geralmente dispõe o
leitor comum costumam escoimar de seus verbetes os termos antiquados.
Para alcançar-se o exato sentido de termos como almécega, anime, avença,
atalado, atoar, bailio, ensalmo, sosso, suso, e outros que tais, faz-se necessária
consulta aos tesouros lexicais maiores – como, por exemplo, o de Rafael
Bluteau –, dos quais se fará menção no lugar adequado deste trabalho.

3 CARVALHO, J. C. Herculano de. Estudos lingüísticos, 3º v., p. 200. Coimbra, Atlân-


tica, 1969: “...a língua portuguesa sofria, numa corte profundamente bilíngüe, séria
concorrência da parte do espanhol”.
4 EDUARTE, Dom, apud CARDOSO, Wilton & CUNHA, Celso. Estilística e gra-
mática histórica, p. 142. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978: (...) “nom ponha
palavras latinadas, nem doutra linguagem, mas todo seja em nosso linguagem escri-
to” (...).
Jornada do Maranhão 129

Eis que me voltam aos ouvidos vozes que muitas vezes escutei
quando me entendi por gente em terras de Viana, berço de meu pai, e
nas andanças juvenis por terras de Guimarães, onde nasceu minha mãe:
adonde, arribar, avoar, bailo, banduleira, contia, corage, crescença, devação,
entonces, frauta, ganhado, homenage, liança, mezinha, persumir, pertender,
presentar, quebrança, reconhecença, resplandor, sujigar, tenência, tenção, tro-
çal, e quantas mais.
Nos glossários regionais, muitos desses arcaísmos estão contem-
plados. Só para exemplificar, tenência e sujigar comparecem nas três edi-
ções de A linguagem popular do Maranhão, de nosso saudoso Domingos
Vieira Filho.5

6. ALGUNS CASOS DE FONÉTICA SINTÁTICA

Sousa da Silveira, mestre de alguns dos meus mestres, mostrou


à saciedade como a fonética sintática é responsável pela modificação de
muitas palavras, em virtude da contigüidade com outras.6
Soa-nos, assim, esdrúxulo este trecho da Jornada por força da
preferência da próclise à ênclise, como se usaria hoje, de que resulta o hiato
inusitado (...) “como estava na cerca em sua casa, e assim e foi a o buscar
(...)” (p. 76).
Combinação antiquada é a que se fazia quando a preposição re-
gia um infinitivo e se combinava com a forma lo do pronome objeto direto
do mesmo infinitivo”,7 encontrável várias vezes na Jornada, como aqui: (...)

5 Domingos Vieira Filho (São Luís, 25 set.1924 – 11.3.1981). Professor universitário,


folclorista, historiador. Pertenceu à Academia Maranhense de Letras. Entre outros
cargos públicos, exerceu os de diretor do Departamento de Cultura do Estado e de
presidente da Fundação Cultural do Maranhão. A linguagem popular do Maranhão,
sempre em edições do autor, e com data de São Luís, apareceu em: 1953, 1ª ed.;
1958, 2ª ed.; e 1979, 3ª ed.
6 SILVEIRA, Sousa da. Fonética Sintática, p. 13. Rio de Janeiro, Simões, 1952. “Fonéti-
ca Sintática: o estudo das modificações fonéticas que sofrem as palavras por influência
de outras com que, na frase, estão em contato ou formam unidade fonética.”
7 Op. cit., p. 69
130 Diogo de Campos Moreno

“tanto porfiaram, que, pelos contentar, ficaram ali as mulheres e alguns dos
seus índios” (p. 46).
Reputo fenômeno de crase, salvo melhor juízo (la+arma), como
ocorreu em alarma e alarme, o termo larma deste trecho da obra: O Senhor
du Prat virou o rosto à larma, e vendo a desordem, se pôs a resistir (...) (p. 83).
A preposição até, por se juntar procliticamente ao advérbio ago-
ra, faz este perder a vogal inicial (aférese) nas três ocasiões em que ambos se
juntam no texto, como aqui: (...) entrando nessa contia o que atégora tinha
com o mesmo cargo (...) (p. 107). Aqui um caso de queda da vogal final
(apócope) que acabou por fundir os dous termos: dando por nome Virgem
de Guadalupe e gritando Sant’Iago, cerrou com as trincheiras da praia (...)
(p. 74).
Fenômeno fonético contrário, no termo ametade – registrado,
pelo menos, nos léxicos mais antigos do vernáculo, em que o artigo se
aglutinou ao nome: (...) senhor, que, se falta qualquer de nós do campo, que
ametade dos soldados hão de desaparecer (p. 76).

7. A MORFOSSINTAXE

Sabendo-se que, dos diversos níveis da gramática, é a sintaxe o


mais conservador de todos, há muitos torneios medievais da Jornada ainda
encontráveis nas obras literárias clássicas dos coetâneos: frei Luís de Sousa,
Rodrigo Lobo, Dom Francisco Manuel de Melo, e Vieira e Bernardes.
Falo de casos como o da concordância do particípio com o ob-
jeto direto, acompanhado dos auxiliares haver e ter, como em: (...) cousas
necessárias para o bom prosseguimento da Conquista do Maranhão, que vos
tenho encarregada (...) (p. 103-4). Ou do agente da passiva regido da prepo-
sição de, como em: (...) passando avante foram no caminho salteados dos Ta-
puias da serra (...). Ou do uso do verbo ser por estar, como em: Sou contente
de as perder – disse o do Estado (...) (p. 69). Ou da colocação do pronome
átono objetivo antes da palavra anterior ao verbo (apossínclise) como em:
(...) por vos não darem mais desgosto do que tendes (...) (p. 67). Ou do verbo
haver empregado com os mais diversos significados, como em: hajam o
dito Jerônimo d’Albuquerque seu capitão na maneira sobredita (...) (p.106).
Ou ainda do verbo assistir por morar como em: (...) em cada aldeia assistia
um francês nobre com quatro, e seis soldados (...) (p. 110). Ou no caso de
Jornada do Maranhão 131

particípios regulares hoje substituíveis por suas variantes irregulares como


em: em nome de todos estava elegido (...) (p. 114).
Flexão estranha para nós hoje a de pouco neste passo: (...) nem
o mantimento era mais que uma pouca de farinha de guerra seca (...) (p. 57);
ou a do adjetivo só, neste outro, em que pese à correção da concordância
nominal: se lhe armou de feição, que sós dous, que se lançaram ao mar escapa-
ram (p. 64); ou deste outro, em que o substantivo cabaça, com o sentido
que hoje tem, ainda era masculino: (...) alguma pólvora em cabaços, morrão,
pelouros (...) (p. 82). Quanto à hoje inusitada flexão de montês no seguinte
passo: (...) cruzes do mesmo veludo, como as de montesa (...) (p. 112), Morais
(2ª ed.) dá-nos conta, sob suspeição, de que assim se encontra flexiona-
da no Canto X do Naufrágio de Sepúlveda, de Jerônimo de Corte Real, e
na Vida do arcebispo, de frei Luís de Sousa. Meus ouvidos juvenis muito
ouviram em Guimarães a palavra amor com o sentido de causa, como na
seguinte frase: e isto se fez por amor da desordem que sucedeu com estes (...)
(p. 113).
Do período caudaloso, desdobrado à força da partícula que, tão
ao gosto da prosa barroca, eis pequeno trecho extraído de um período de
22 linhas:
(...) pelo que era de parecer que se fortificassem logo, e jun-
tamente que mandassem reconhecer a Ilha e sítios a ela vizinhos, e
que dali avisassem ao governador de como estava no Perejá a sal-
vamento, para que soubesse com tempo donde havia de mandar os
socorros (...) (p. 54).
Não se peça a um capitão de campo, e preposto de um maioral,
as louçanias sintáticas de um Vieira nem a transparência semântica de um
Bernardes. Os períodos barrocos de nosso bravo herói-escritor nem sempre
brilham pela perfeição. Tal como está na edição de 1812, veja-se este passo
em que um e aditivo liga uma oração subordinada reduzida de infinitivo a
uma distante reduzida de gerúndio, desrespeitando a regra de que não se
devem somar quantidades heterogêneas e desestruturando qualquer racio-
cínio lógico:
“(...) e contaram [os do presídio] que, havendo convidado
em dias passados a uma guerra com certos tapuias seus inimigos,
132 Diogo de Campos Moreno

que foram dos soldados daquele forte, e dar-lhes ajuda, com a qual
teve vitória; e comeu, e trouxe à sua terra quantidade de cativos”
(p. 49).
Por outro lado, se nosso Gonçalves Dias, fazendo estilo na cé-
lebre maldição do velho guerreiro do I-Juca Pirama, por estarem eles dis-
tante um do outro, não só flexionou o verbo auxiliar modal possam, mas
também serem, verbo principal dessa oração (com que aquele forma uma
locução verbal), por que nosso Diogo (ou o copista) não poderia esquecer
que ficou lá atrás um que integrante, e repeti-lo adiante, com se segue neste
passo? Ei-lo:
“(...) sucedeu que, enquanto se reconhecia, e o capitão Fran-
cisco de Frias e os demais buscavam sítio para a fortificação con-
veniente, que o alferes Pestana, da bandeira de Martim Calado,
esquecido da ordem que se havia dado a todos, de não saírem a
terra as bandeiras senão já de dia, ele, com a sua às costas [...] foi o
primeiro que saltou em terra” (p. 52).
Assim como sentiu ele necessidade de repetir o que integrante,
sentiu também a de apontar para o sujeito – o alferes Pereira – através do
sujeito pleonástico (ou pleonasmo do sujeito) ele, para não restar a me-
nor dúvida sobre de quem se tratava. Cousas do barroquismo seiscentista.
Nem se lhe pode condenar como cacofônica a locução verbal havia dado,
visto que, no Brasil daquela época, não se sabia o que vinha a ser o vocá-
bulo resultante da ligadura dessas duas palavras, casos em que se usava a
palavra fanchono.
Com essas breves anotações, fiquemos por aqui no tocante à
morfossintaxe do texto.

8. ORTOGRAFIA E PONTUAÇÃO

Quando foi escrita a Jornada, não se pode dizer que a língua


portuguesa dispusesse de um ortografia uniforme e homogênea como a
de que hoje dispomos. Nos meados do século XVI, as Gramáticas inaugu-
rais de Fernão de Oliveira (1536) e João de Barros (1539) dedicaram uns
modestos parágrafos a esse assunto. Embora a de Barros tenha seguido em
muitos pontos a Gramática castelhana de Elio Antônio de Nebrija (1492),
Jornada do Maranhão 133

no tocante à sua prática ortográfica, tem ele algo de original. Através de


vírgulas sotopostas ao e, e acento agudo sobreposto ao o, o humanista João
de Barros, primeiro donatário da capitania do Maranhão (até o Rio Gran-
de do Norte), ensaiou assinalar assim o timbre aberto dessas vogais.
Nosso primeiro ortógrafo propriamente dito foi Pero de Maga-
lhães Gandavo. Suas Regras que ensinam a maneira de escrever a ortografia
da língua portuguesa (1574) esmeram-se em fazer a descrição fisiológica
da produção das consoantes, a fim de ajudar os tabeliães (que não sabiam
latim) a redigirem com correção seus documentos, mas quase nada nos diz
sobre pontuação.
É à Ortografia da língua portuguesa, do licenciado Duarte Nu-
nes de Leão (1576), com olhos sempre voltados para a etimologia, que
vamos dever duas dezenas de regras para o uso das consoantes, e outra
dúzia de regras para o dos sinais de pontuação. Os parágrafos das narrações
seiscentistas costumavam ser muito longos, porque os escribas da época
respeitavam as regras do uso da vírgula ( , ), do coma ( : ) e do cólon ( . )
– apresentadas nesses tratados ortográficos. O sinal de coma, diferente dos
atuais empregos, seguia a regra: “quanto está dito tanto, que dá sentido;
mas fica ainda mais para dizer, para perfeição e acabamento da sentença”
(p. 74-75). Sentença, aí, significava conjunto de períodos, e correspondia
ao atual parágrafo. Na maioria dos casos, a função principal do coma estava
muito próxima à do atual ponto-e-vírgula.
A edição da Jornada feita por Joaquim José da Costa reproduziu
a antiga pontuação do texto, que se baseava no ritmo respiratório da lei-
tura em voz alta, e não nas regras sintáticas, como hoje se faz comumente.
Por isso, essa função de ‘cortadura’ exercida pelo coma é hoje exercida pelo
ponto de período ou, como muitos preferem, ponto-período. Creio que,
com a intenção de evitá-lo, o curador da presente edição, Sebastião Mo-
reira Duarte, tomou a iniciativa de trocar todas as aspas duplas iniciais de
linhas seguidas (assinaladoras dos diálogos diretos) por apenas um traço de
diálogo ou travessão inicial, abrindo períodos novos; bem como, sem pre-
tensão de fazer uma edição crítica, mas com o objetivo de torná-los mais
palatáveis aos leitores contemporâneos, sempre que possível pulverizou es-
ses períodos imensos em períodos bem menores.
134 Diogo de Campos Moreno

Foi tão fidedigna a pontuação da leitura da Jornada feita por


Joaquim José da Costa em 1812 que, a nosso ver, parece o mesmo haver
acontecido em relação à ortografia do texto original. Até para resguardar-
se da possibilidade de cometer algum erro na grafia de antropônimos e
topônimos de origem tupi, com que não estava familiarizado, parece ter
ele preferido transcrevê-los com todos seus anacronismos ortográficos, tais
como se apresentaram no manuscrito original, sem impor-lhes nenhuma
emendatio. Só para termos uma ideia do problema, citemos um exemplo
devidamente contextualizado:
“(...) foram navegando enquanto durava a maré por uma
grande baía toda cercada de ilhas com barras ao mar grande, a
que os franceses chamavam grandança, na qual, em descabeçando a
maré, logo minguando o mar 19 palmos de água, se acharam os na-
vios grandes em seco (...)” – 1812:37 (p. 56 da presente edição).
A citação longa é necessária ao desenvolvimento do que aqui
diremos. Ortografamos o texto. Entre outras providências, tiramos-lhe os
agás desnecessários, trocamos agoa por água, e z por s; acentuamos e pon-
tuamos modernamente, mas deixamos aquele c cedilhado de grandança.
Ora, tudo leva a crer que ele é do autor da Jornada, ou de seu copista.
Quem o usou pela primeira vez ouviu aos franceses grande anse (enseada
grande), juntou as duas palavras num só termo, procedendo à elisão do
e final do adj. fem. grande; e centralizou, abaixando-o, o e final átono
do substantivo anse (do lat. ansa). Resultado: por analogia com o sufixo
vernáculo – ança, formador de substantivos (compare-se: festa/festança,
comilão/comilança), pespegou um c cedilhado (em lugar do s etimológico)
que vem atravessando os séculos em todas as edições do texto.
Para ser fiel à fonologia da época, o presente editor da Jornada
ajustou as palavras antigas à roupagem ortográfica atual, tomando como
norma mantê-las tais como se ‘ouviram’ no princípio do século XVII. Por
isso, se tem de considerar que essas atualizações são meras ficções lexicais,
não podendo figurar de maneira alguma em nenhum dicionário da língua
como lexias formais existentes nalgum século de nossa história.
Foi o processo encontrado pelo editor para atingir um públi-
co maior, sem sacrificar a verdade completa do português falado naquele
tempo, e sem utilizar as cansativas nótulas de rodapé de uma edição rigo-
Jornada do Maranhão 135

rosamente crítica, com índices de antropônimos e topônimos em lugar


apropriado, acompanhados por sua caracterização. Ou seja, não tendo a
intenção de preparar uma edição diplomática, ou de dirigir seu esforço ao
deleite de especialistas, Sebastião Moreira Duarte, com vista ao pragma-
tismo, fez opção pela acolhida do grande público. Terá valido o sacrifício,
sobretudo se levarmos em conta a preciosidade histórico-informativo do
documento a que pretende dar maior divulgação.

9. RECURSOS ESTILÍSTICOS

Nem cabia a um capitão e sargento-mor fazer estilo, mas Diogo


era também senhor desses segredos.
Entre os vários pleonasmos, o do adjunto adnominal indicativo
de posse, após o possessivo de 3ª pessoa como em: (...) houve cartas suas
deles em latim (p. 34) – era comum aos clássicos todos.
É capaz de elipses curiosas, como a da conjunção nas orações
comparativas, em frases onde atualmente o termo ocultável é a preposição,
deste modo: (...) havendo-se feito ao mar mais do necessário (...) (p. 44).
Ou, mais comum, o da preposição que deveria reger adjuntos adverbiais,
como em: Dada em Paris, o primeiro de fevereiro (...) (p. 103), encontrável
também no título da obra. A zeugma lhe ocorre com elegância e economia
para a mensagem: (...) nem o perderão até nos consumirem, ou nós a eles
(...) (p. 66) – em que o objeto direto preposicionado da segunda oração se
destaca antes da pausa.
Um traço do estilo bíblico lhe é muito familiar. Costuma des-
dobrar em polissíndeto os elementos de uma enumeração, para evidenciar-
lhe os membros: (...) de modo que no mar, e na terra, e no monte, e na
praia tudo eram bombardadas (...) (p. 75).
A enálage – emprego, aqui, de um tempo verbal por outro –,
tão ao gosto de Camões, reponta de vez em quando pela obra: (...) juraria
por vida de S(ua) Majestade que se vivos foram [=fossem], que os houvera
[=haveria) de enforcar (...) (p. 91).
A inversão do termo determinante em relação ao determinado
– a anástrofe –, de longo curso na prosa seiscentista, nele é recorrente: (...)
nesta pressa e bateria mais atrevida do que dizer-se pode, deram uma mos-
quetada no Turcou (...) (p. 77).
136 Diogo de Campos Moreno

Para fechar com chave de ouro seu relato, Diogo não abdica de
um hipérbato, inversão violenta muito própria da colocação das palavras
em latim literário, língua obrigatória nos estudos humanísticos de todo
aquele que se prezasse então: (...) o primeiro português que, do Maranhão,
em direitura veio a Lisboa, de tantos quantos intentaram aquela empresa
(...) (p. 126).
Por não desejar exaustivo este exemplário, fico nesta pequena
amostragem de seus recursos e ponho-lhe um ponto final.

10. PARA LER A JORNADA

Quase simultâneas ao lançamento da Jornada, em São Luís, fiz


publicar, na edição de 26 de agosto de 1984, do jornal O Estado do Mara-
nhão, daquela cidade, umas notas sobre a morfossintaxe e o estilo da obra,
bem como, na medida em que me permitissem as poucas horas de ócio,
prometi elaborar um glossário útil à elucidação de seu léxico, no que ele
tinha de curioso, antiquado, novidadeiro (para a época), ou, por antigo
simplesmente, no que ele tem de obscuro para o leitor atual.
Aqui as reproduzo ampliadas, e apresento o prometido glossário
com as fontes de que me vali para fazê-lo.
Se se pudesse comparar uma língua com algo familiar a meus
conterrâneos, lembraria as diversas camadas geológicas que se sobrepõem
na Ponta do Jaguarema. Um idioma é constituído também de várias sin-
cronias que se superpõem como num corte sedimentar de rocha. Assim,
procurei ater-me aos léxicos mais próximos dessa obra do início dos seis-
centos, escrita por alguém que trazia, como a seguir se verá, leituras qui-
nhentistas como lastro cultural.
À medida que releio a Jornada, cresce-me essa convicção em face
das variantes mórficas de palavras já então em via de abandono pelos falan-
tes dos centros culturais mais desenvolvidos, como: absência, aqueste, de-
fensa, entonces, estendarte, garita, persumir, pertender, respública, troçal,
vareda, valeroso e quantas mais.
Pesquisador dominical, de entre preparo de aulas universitárias
e pesquisas ortográficas, à época, antecipo meu pedido de desculpas aos es-
pecialistas que porventura me lerem, por não ser completa nem conclusiva
esta coleta, em virtude de só ter eu podido recorrer às fontes ao alcance da
Jornada do Maranhão 137

mão. Por ser pequena a contribuição pessoal, advirto, este trabalho não é
original, nem pioneiro, mas sim de simples divulgação. Conquanto seja eu
o primeiro a sabê-lo, não desejo dilatar por mais tempo a leitura da Jornada
por parte dos que me são caros; daí eu liberar de logo para publicação este
trabalho como está, ou como diria nosso Diogo, “como dito é”.
A fim de despojar os verbetes de pormenores e dados cansativos,
começarei por relacionar as obras que acredito serem fundamentais ao tra-
balho. Previno, todavia, a bem da verdade, que, em face de ainda estar-se
processando a pesquisa, poderei aí incluir obras de consulta de que possa
vir a prescindir, bem como poderei lançar mão de outras que, por lapso,
haja esquecido, caso em que as citarei no próprio verbete. De qualquer
modo, se se der a primeira hipótese, o elenco valerá como sugestão para os
pesquisadores de obras escritas no início de nossa história.
Os dous vocabulários quinhentistas bilíngues de Jerônimo Car-
doso – o Latino-Lusitânico (LALU) e o Lusitânico-Latino (LULA) –, os
seiscentistas bilíngues, todos de autoria de jesuítas, o atribuído a João Ro-
drigues e aos Irmãos da Ordem em Nagasaqui (Japonês-Português), o de
Bento Pereira, de Évora, o mais extenso e mais reeditado de todos estes
(Latim-Português e Português-Latim) e o de Antão de Proença, de Am-
balacata, na província de Malabar, Índia (Tamul-Português); bem como
os dous trilíngues – o quinhentista dos jesuítas de Amacusa, no Japão, e
o seiscentista de Amaro de Roboredo, de Lisboa – servirão para abonar as
variantes ortográficas da época e, mais raramente, o sentido de uma que
outra palavra.
Se, por um lado, os vocabulários bilíngues e trilíngues quinhen-
tistas e seiscentistas lusitânicos poucos subsídios nos oferecem além da or-
tografia e dos semas principais dos nossos vocábulos, ali e então, por outro
lado, conforme pessoalmente me esclareceu Toru Maruyama, pesquisador
e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Nagóia, no Japão, em
virtude de terem os termos do idioma japonês escritos em caracteres româ-
nicos (‘roma-ji’), esses léxicos são dos raros e valiosíssimos documentos que
atestam a pronúncia japonesa daquela época naquele grande país.
Via de regra, só recorro a outros léxicos quando a grande, e hoje
rara, enciclopédia setecentista da língua portuguesa do padre teatino Dom
Rafael Bluteau não mencionar o vocábulo, ou for lacunosa a conceituação
138 Diogo de Campos Moreno

deste. Faço-o em virtude de ser, nas suas mais de seis mil páginas, o primei-
ro léxico vivo, de nossa língua, com definição dos termos, abonação com
passos de mais de 250 autores, tradução dos termos para o latim abonados
por autoridades, e, ao final de cada verbete, uma cópia de adágios com a
palavra estudada, para mostrar-lhes a vivência na boca do povo tal como,
embora doutro modo, já fizera o Padre Bento Pereira no século anterior, e,
mantendo a tradição, faria século e meio depois no seu Tesuoro, o doutor
Frei Domingos Vieira. O Vocabulário do Padre Bluteau, enfim, é o arqué-
tipo direto ou indireto de todos os grandes dicionários de nosso idioma
até hoje.
Supondo viável publicação dos verbetes, à medida que os ia
preparando, no mesmo jornal de grande circulação em que publiquei as
notas iniciais sobre a Jornada com vista ao grande público não especiali-
zado, modernizei a ortografia das definições dos verbetes, especialmente
as oriundas do Vocabulário de Bluteau, desde a palavra abarbado até
jangada.
Não sendo possível esse tipo de divulgação, interrompido o
trabalho e, quando a ele retornei, não me dei conta de que assim havia
procedido quando o interrompi. Assim, passei a transcrever literalmente
essas definições desde o termo lamarão até o fim do glossário. Daí resultou
procedimento diverso de transcrição nas duas metades do trabalho. Como
a uniformização em favor do segundo procedimento, tecnicamente acon-
selhável, retardaria a presente publicação em pelo menos um mês, decidi
liberar o texto ao preço dessa divergência.
Àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de travar con-
tato com a ortografia daquela época, fique o consolo de poder cotejar a
ortografia atual das definições bluteaunianas com a original setecentista,
e observar quanto se despojaram nesses quase três séculos as normas orto-
gráficas da língua escrita.

11. BIBLIOGRAFIA DE APOIO

Amac – Dictionarium Latino-Lusítanicum ac Japonicum. Amacusa [Japão], Collegio Japo-


nico Societatis Jesu, 1595.
Apost. – VIANA, A. R., Gonçalves. Apostilas aos dicionários portugueses. 2 v. Lisboa, Clás-
sica, 1906.
Jornada do Maranhão 139

Blut. – BLUTEAU, Padre Dom Rafael. Vocabulário português e latino... Coimbra...1712-


1728. 10 v. (2 do Suplemento).
Brun. – BRUNSWICH, H. Dicionário da antiga linguagem portuguesa. Lisboa, Lusitana,
1910.
Canc. – PAXECO, Elza & MACHADO, José Pedro. Cancioneiro da Biblioteca Nacional/
Antigo Colocci-Brancuti. 8º vol. (Glossário). Lisboa, Revista de Portugal, 1964.
Cor. – COROMINAS, Joan & PASCUAL, José A. Diccionario crítico etimológico castella-
no e hispánico. 6 v. Madrid, Gredos, 1980-1991.
Cunha – CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário histórico das palavras portuguesas de
origem tupi. São Paulo, Melhoramentos, 1978.
Dalg. – DALGADO, Monsenhor Rodolfo. Glossário luso-asiático. 2 v. Coimbra, Impren-
sa da Universidade, 1919-1921.
Dozy – DOZY R. & ENGELMANN. Glossaire des mots espagnols et portugais derivés de
l’arabe. 2ª ed. Leyde & Paris, Brill & Maisonneuve, 1869.
Etim. – CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua
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Freire – FREIRE, Francisco José. (Cândido Lusitano) Reflexões sobre a língua portuguesa.
Lisboa, Soc. Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1842. 3 partes.
Garc. – GARCIA, Rodolfo. Glossário das palavras e frases da língua tupi contidas na Histoi-
re de la mission des pères capucins en Isle de Maragnan et terres circonvoisines, do
Padre Claude d’Abbeville. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1926.
Infl. – MACHADO, José Pedro. “Influência arábica no português”, 2 v. Lisboa, Revista
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Leão – LEÃO, Duarte Nunes de. Ortografia e origem da língua portuguesa. Intr., notas e
leit. de Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa, Impr. Nacional, 1983.
Lor. – LORENZO, Ramón. La traducción gallega da la Crónica general y de la Crónica
de Castilla. vol. 1: Introducción, texto anotado e índice onomástico; vol. 2: Glossário.
Orense, 1975-1977.
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sermonem. Ulissipone, Ex officini Ioannis Alvari. MDLXII (1562).
Mach. – MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Lisboa,
Livro Horizonte, 1977, 5 v.
140 Diogo de Campos Moreno

Mart. – MARTIUS. Dr. Carl Fred. Phil. de. Glossaria linguarum brasiliensium/Glossários
de diversas línguas e dialetos, que falam os índios do Brasil. Erlangen, Druck von Junge
& Sohn. 1863.
Mic. – VASCONCELOS, Carolina Michaelis de. “Cancioneiro da Ajuda”. In: Revista
Lusitana, v. XXIII, 1920, nº 1-4, p. 1-95.
Mor. – SILVA, Antônio de Morais. Dicionário da língua portuguesa/recopilado/dos Vocabu-
lários impressos até agora e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescen-
tado. Lisboa, Lacerdina, 1813. 2 v.
Nasc. – NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Ja-
neiro, Edições do Autor, 1932 (Nomes Comuns) e 1952 (Nomes Próprios).
Nang. – [RODRIGUES, Padre José et alii]. Vocabulário da língua de Iapam/com a decla-
ração em português. Nangasaqui [sic], Colégio de Iapam da Companhia de I0esus,
1603.
Nun. – NUNES, J. J. Digressões lexicológicas. Lisboa, Clássica, 1928.
Per. – PEREYRA, Padre Dom Benedicto [ou Bento]. Prosodia in vocabularium bilingue,
latinum, et lusitanicum digesta, etc. 10ª ed. Eborae, Typographia Academiae, MDC-
CXLI (1741). Contendo o Tesouro da língua portuguesa; e mais a 1ª e 2ª partes: Das
frases portuguesas, a que correspondem as mais puras latinas... e Dos principais adágios
portugueses, com seu latim proverbial correspondente.
Proe. – PROENÇAS, Padre Antão de. Vocabulário tamúlico com a signficaçam portuguesa.
Malabar [Índia], Ignacio Archamoni, 1679.
Rob. – ROBOREDO, Amaro de. Compendium Calepini, vel Potius Thesauri linguae Lati-
nae cum interpretatione Lusitanica & Hispanica. Lisboa, Pedro Craesbeck, 1623.
Sub. – CORTESÃO, A. A. Subsídios para um dicionário completo da língua portuguesa.
Coimbra, França Amado, 1900-1901. 2t.
Tes. – VIEIRA, Dr. Frei Domingos. Grande diccionario portuguez. Porto, Chardron &
Morais, 1871-1874. 5 v.
Vasc. – VASCONCELOS, José Leite de. “Observações ao Elucidário do Padre Santa Rosa
de Viterbo”. In: Revista Lusitana. Tomos XXVI, p. 111-46, e XXVII, p. 243-77.
Vit. – VITERBO, Frei Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das palavras, termos e frases,
etc. Ed. Crítica por Mário Fiúza, Porto-Lisboa, Civilização, 1965-1966. 2 v.

12. GLOSSÁRIO

ABARBADO p.a. Já neste tempo a gente estava abarbada com a primeira trincheira, p. 75.
Blut: “Abarbar. Chegar uma cousa a ficar igual com outra, e estar com ela como
barba a barba”. Eis uma digressão: abarbar (pref. a + barb(a) + ar) remete ao verbete
Jornada do Maranhão 141

barba do Lalu, onde barba tem o sentido de queixo: “Mentum, 1 – A barba sem ca-
belo”. E ainda, pêlos pubianos, no cap. intitulado Vitia membri: “Pubes, is, sive pecten,
inis. – Barba inferior”.
ABONANÇAR v. Sobre a tarde abonançou o vento algum tanto, p. 54, Blut.: “Fazer-se o
tempo bonança.”
ABSÊNCIA s. ...faziam corrilhos e se descompunham em absência dos superiores, p. 55. Lati-
nismo, por absentia. Mor. Registra remetendo para o vernáculo ausência.
ACAUDILHAR v. ...donde os levava sua ignorância e a malícia dos que os acaudilhavam, p.
112. – ou ACAUDELAR: Mor. “capitanear, comandar alguma tropa”.
ACORDADO p.a. ...segundo estava acordado, veio a terra o senhor de la Ravardière, p. 97.
Mor.: “Resolvido, determinado por acordo, ou acórdão.”
ACORDAR v. ...era bom que as tréguas se acordassem, p. 97. Blut.: “Resolver, e determinar
de comum consentimento, em uma junta de ministros reais, como na Relação, na
Câmara, etc.”
AJUNTAR v. ...mandando ministros por todas as partes ajuntar farinha, p. 39. Blut.: “Acu-
mular. Ajuntar prata, ouro, tesouros, como os avarentos fazem.”
ALARDO s. Na tarde deste dia houve alardo geral, p. 52; ou ALARDE: Blut.: “Resenha da
gente de guerra.” Revista que se passa à tropa.
ALFAQUE s. ...entre tantos parcéis e alfaques ainda não conhecidos, p. 54. Blut.: “Na Déca-
da 4, p. 293, diz João de Barros que os navegantes deram esse nome a umas ilhas de
areias, que levadas das correntes se mudam de um lugar para outro”. Dozy: “banc de
sable, basfond”, e não dá a etimologia, mas Infl. registra: do ár. al-fakk, “mandíbulas,
fauce”.
ALMÉCEGA s. ...outras gomas aromáticas de diversas árvores, e muita almécega, p. 50.
Blut.: “Almécega. É uma casta de goma ou resina que destila em lágrimas luzidas
e transparente, da planta a que os latinos chamam de lentiscus, e nós aroeira. O
melhor vem da ilha de Chio. Ajuda o cozimento, e apertando as fibras do estômago,
suspende o vômito. Também se aplica exteriormente, em óleos, ungüentos, empras-
tos”. Mach.: “Do árabe almaçtakâ (que, por sua vez, provém do grego mastiche,
‘goma boa para mascar’)”.
ALMUDE s. ...oito almudes de vinagre, p.102-103. Blut.: “Medida de vinho, que contém
doze canadas”. Canada: (id.). Medidas, de cousas líquidas, como vinho, azeite, e
contém quatro quartilhos”.. Quartilho. Vit.: “um quarto de vinho são oito canadas:
pois que [diz o Censual da Sé de Lamego] seis quartos de vinho são quatro almu-
des, que constam de 48 canadas; em 48 há seis vezes oito: logo o quarto de vinho
é a oitava parte dos quatro almudes, que são as ditas oito canadas”. Dozy: “nom de
mesure: de al-moudd”.
142 Diogo de Campos Moreno

ALVA s. ...que a investissem no quarto d’alva encamisados, p. 69. Blut.: “Deriva-se do lat.
albus, alvo, porque ao apontar do dia, no [h]orizonte, o céu se faz alvo.” Quarto está
como a primeira das quatro partes do dia: cada uma das seis horas. Aqui o diciona-
rista apenas se aproxima do étimo real: alba.
ÂMBAR GRIS, s. e adj. ...nestas partes dizem que a temporadas acham muito âmbar gris,
p. 124. Blut.: “Espécie de betume brando pardo, e leve, ou viscosidade marinha,
formada da natureza para as delícias do olfato, a qual subindo da água, se endurece
ao ar, e pelas ondas é lançada às praias. [...] Há três castas de âmbar. Âmbar virgem,
vulgarmente âmbar gris: este é branco, ou cinzento, mais duro e melhor que os
outros”. Dozy: “Âmbar, alambar, pg. alambre, fr. Ambre, it. Ambra, de al-‘anbar qui
était à l’origine de nom d’un poisson, de la semence duquel on tirait l’ambre gris.”
AMOESTAR v. ...assim como fizestes a guerra sem nos amoestardes, assim pedi a paz, p. 92.
Blut.: “Admoestar ou Amoestar. Repreender com brandura. Vid. Repreender, ou
advertir a alguém algum mal moral, ou político, para o evitar, ou algum bem para
o fazer.”
ANAL adj. ...e aos trabalhadores em tal obrigação anais, que ele os avisará, p. 99. Blut.:
“Cousa, que se dá no espaço de um ano, ou que todos os anos se repete. Um anal de
missas é a instituição de uma missa para todos os dias de um ano”.
ANGUSTURA s. ...fazendo-se a armada à vela pelas angusturas ou interrompeduras de
aquelas ilhas tão estreitas, p. 59. Tes.: ‘s. f. ant. (para a etim. vd. angusto). Estreiteza
de lugar, aperto de tempo. _ ‘...com esta angustura começaram de fugir’. Azurara
(Crônica da Conquista de Guiné, cap. 65 = Recolhido de Morais)”.
ANIME s. ...e também se achou muito anime, e outras gomas aromáticas de diversas árvores,
p. 50. Blut.: “é o nome de uma goma cheirosa, de que há duas castas. Uma que se
parece com mirra, que alguns imaginam ser o Minca de Galeno, ou a Aminca, de
Dioscórides. Nasce a outra nas Índias de Castela, e nas Índias Orientais, e se parece
com incenso, com esta diferença, que a segunda tem os grãos mais pequenos, nem é
tão amarela, nem tão transparente, como a primeira. Destila de uma planta que dá
folhas, como ameixeira, e frutas da feição de bolotas. Serve esta goma ou resina para
perfumes, e contra as dores de cabeça procedidas de frialdade”. Étimo obscuro.
ANTEALVA s. ...até que no quarto da antealva, indo todos com o prumo na mão, muito
vento, e grande escuro, se acharam em três braças, p. 47. Blut.: “Alva. Deriva do latim
albus, alvo, porque ao apontar do dia, no horizonte, o céu se faz alvo (vd. Alva).
APERCEBER v. ...e andando-nos apercebendo para nossa defesa, p. 85. Blut.: “Aperceber-
se. Prestar. Preparar [...] ‘Mandou aperceber um caravelão’. Jacinto Freire, lib. 2, nº
23”.
AQUESTA pron. ...e todas as demais de aquestas costas são à parte do norte do Peru, p. 116.
Vit.: “Aqueste, este.” Barros e Camões o empregaram. Não confundir com aquesta,
com tônica de timbre aberto, que significava caso, acontecimento.
Jornada do Maranhão 143

ARQUEBUZEIRO s. ...Melchior Rangel com 60 arquebuzeiros e 30 frecheiros índios, p. 69.


J. P. M.: “Do fr. arquebuse, este do neerlandês hakebus, notar que o voc. neerlandês
é composto de hake, ‘gancho’ (para fixar o canhão da arma) e bus ‘caixa, canudo’”.
Batisti e Alessio informam no seu Dizionario etimologico italiano haver surgido o
objeto e o termo na 1ª metade do séc. XVII, mas Fernão de Oliveira já nos fala dele
em sua Gramática pioneira, que é de 1536.
ARRÁTEL s. ...tão pouca pólvora, que não chegou a dous arráteis, p. 37. Blut.: “Arrátel.
[...] entre os árabes é um peso de duas libras [...] entre os portugueses pesa o arrátel
dezesseis onças.” Vit. ‘o arratel mourisco tinha 32 onças”. Inf..: “Do ár. Ar-raTL”.
ARRIBADO p. a. ...e assim, à quinta-feira, se tornaram arribados ao forte São Luís, p. 64.
Arribar. – Blut.: “Tomar porto, desviado do caminho, antes de chegar ao fim da
carreira. Arribar o navio por força da tormenta, ou do vento”.
ARTILHERIA s. ...três peças de artilheria de ferro coado, duas de 13 quintais, uma de treze
(...), p. 43. Do fr. artilherie. Engenhos de guerra. Antes dessa variante anterior à atual
e vernácula, houve ainda esta, datada do séc. XV: “ e a elRey soomente ficou cuidado
e sua artelharia e armas”. Gomes Eanes de Zurara, Crônica da tomada de Ceuta por
el-Rei dom João I, cap. 29, p. 89.
ARVORADO p.a. As bandeiras, por não se abaterem, estavam pelos baluartes arvoradas, p.
97. Blut.: “Val o mesmo que levantar, e por direito tomada a metáfora da árvore,
quando se planta [...] Arvorar no muro o estandarte [...] . Arvorou na porta do seu
palácio as armas delRei. [...] Viam-se as insígnias reais arvoradas em cima dos pavi-
lhões.”
ATALADO [sic] p.a. ...os demais, fazendo que vinham de paz, quando se viram atal[h]ados
p. 65. Salvo melhor juízo e comprovação, creio erro de leitura do ms. por atalhados
na acepção de: Blut.: “Confuso, perplexo, embaraçado, sem saber o que há de dizer,
ou responder”. Tes.: “Como neste passo de Vieira: ‘Viu-se perplexo e atalhado São
Pedro, porque não sabia qual fosse a tenção de seu mestre.’”
ATOAR v. ...chegaram à Ilha dita de Santa Ana, contra as correntes dos mares atoando-se
pelas árvores na terra, p. 59. Blut.: “levar à toa, trazer à toa”. [...] toa: “Ir o barco à
toa é quando sem leme, nem vela, anda o barco, ou outra embarcação, segundo a
água o leva.”
AVENÇA s. ...cada um segundo seu dever, qualidade e merecimentos, e nas avenças já ditas se
reservaram, p. 100. Blut.: 1. “Pacto ou convenção de algum preço certo, em lugar de
lucros incertos.” 2. “Concerto, ou assento entre partes.” 3. “União, concórdias.”
AVOAR v. ....quem avoar, que há de avoar antes dela, p. 68. Blut.: “É pouco usado. No
discurso familiar dizemos avoou, por fugiu, desapareceu”. Mas Vit.: “vb. tr. (Do lat.
avoláre, fugir voando: retirar-se precipitadamente, desaparece”. A variante auoar é
do século XIII.
144 Diogo de Campos Moreno

BAILIO s. ...oficiais de nossos tratos, e foros, bailios, ouvidores, justiças, juízes, p. 102. (Balio,
Balîo ou Bailio) Blut.: “o Juiz, ou Conservador, o Veedor, a quem os homens nobres
de uma província cometiam o cuidado de suas fazendas, ou direitos contra os que
lhos queriam usurpar”.
BAILO s. Somente entre os índios havia ao seu modo bailos e cantos toda a noite, p. 81.
Bluteau só registra baile como sinônimo de dança. Mas essa forma é já registrada
no Lula, o 1º dicionário bilíngüe do português em três verbetes: Bailo, Bailo vilão
e Bailo rústico. Registra-o também no seu não menos pioneiro Lalu no verbete
“Saltatio onis = Ho bailo”. Morais também dá-nos conta de sua existência. A forma
é, todavia, quatrocentista. Amac registra no verbete: Saltatorius, a, um, “Lus. Cousa
que pertence à dança ou bailo. Jap. Vodori, I; maini ataru coto”.
BAIXO s. ...não viam baixos, nem pedras, nem escarcéus de mar, p. 46. Blut.: “Baxos de
Barbaria. Bancos de area na costa de Africa”. [...] Pode-se navegar por ele, sem perigo
de Bayxos. Fr. João dos Santos. Etiópia Oriental, 1ª parte, fl. 140, col. 2. Para que
as naus, que vinham, por seu esteiro, desse resguardo ao Baixo. Jacinto Freire, livro
1, nº 37”.
BALAIS . s. ...uns dizem ser balais [a pedra], outros lhe dão diferentes nomes, p. 124. Blut.:
“Balax ou Balais. [...] é uma das espécies do rubi. É maior que o rubi oriental, e é de
cor-de-rosa encarnada. Os lapidários lhe chamam Ballatius, ii. Querem alguns que
balais seja espécie de berilo.
BALRAVENTO s. ...aquele mar navegável para balravento ao longo da costa, p. 50. Blut.:
“vid Barlavento. ‘Força, e manha os de Luso exercitaram, / Procurando ganhar o
Balravento’. Málaca conquistada, livro 4, oit. 56”. Barlavento. (Termo náutico). “A
parte donde o vento assopra. Deitar a barlavento / ou tomar o barlavento”.
BALSELHO s. ...foi necessário navegar com balselhos correndo em popa com muito trabalho,
p. 54. Tes.: “Em linguagem náutica, pano cassado por causa do demasiado vento, ou
para navegar pouco. Também se escreve bolselho. Recolhido em Morais”. Suponho
ser recolhido de edição posterior à 2ª, que não a registra.
BANDA s. ...até chapéus de castor com muitas plumas brancas, e bandas de Paris, p. 111.
Blut.: “Pedaço de seda mais comprido, que largo, com que as mulheres cobrem os
ombros, e que os homens antigamente traziam atado à cintura.”
BANDULEIRA [sic] s. ...uma pipa de banduleiras, digo uma caixa, p. 102. Blut.: “Ban-
doleira. Correia larga com uma mola, em que se traz pendurada a cravina (= arma
de fogo)”.
BARBACÃ s. Logo mais abaixo desta coroa ou cerca fizeram outra [...] a qual, como barbacã
da outra, lhe dava resguardo, p. 71. Blut.: “Antigamente as barbacãs eram muralhas
baixas, perto do fosso, que estava diante do muro, e por isso lhe chamavam Ante-
mural.”
Jornada do Maranhão 145

BARBEIRO s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 39. ...e eles pediam nela bar-
beiro e mezinhas para se curarem, p. 52. Blut.: “Barbeiro, que sangra. Os práticos lhe
chamam, barbeiro Phlebotomano. Por falta de palavra própria latina, será necessário
usar do grego, Phelebotomus, i Masc. vid. Sangrar.”
BARLAVENTO s. ...em nenhum modo convinha largarem o posto de Perejá, por ser barra de
barlavento das outras, p. 55. – vd. Balravento.
BARRA s. ...mandar ganhar a barra primeira do Maranhão chamada Perejá, p. 40. Blut.:
“[...] é uma entrada de porto, que por nenhuma outra parte se pode entrar, nem sair
dele, senão por ela. Ou: Barra é uma entrada de porto em que entre duas terras corre
a enchente e vazante. A barra de Goa é uma das melhores do mundo, mas não se
pode entrar, nem sair sem maré”.
BASTIMENTO s. ...e outras munições de guerra e bastimentos de que estavam providos, p.
67. Blut.: “Todo o gênero de munições, e petrechos de guerra para abastecer uma
praça”.
BISCOUTO s. ...mandou dar em pé aos soldados um bocado de biscouto, p. 71. Blut.: “Pão
do mar, chamam-lhe assim do Bis, duas vezes, e de coctus, cozido, como quem dis-
sera, pão duas vezes cozido. Para as pequenas viagens se coze duas vezes o Biscouto, e
quatro vezes para as grandes”. Segundo Cunha, chegou-nos talvez através do fr. ant.
bescuit.
BOAMENTE adv. ...lançar as balizas mais avante, o que a boamente faria se pudesse, p.
42. Blut.: “De boamente. Com boa vontade”. Per.: nas Frases portuguesas (p. 1.095)
registra-o: “Boamente – Libenter Ultrò.”
BOCA s. Gaspar de Sousa, do seu Conselho seu gentil-homem da boca, governador e capitão-
geral do Estado do Brasil, etc., p. 104. Será expressão remanescente do feudalismo?
Tes.: “Um vassalo deve a boca e a mão a seu senhor, isto é, com voto de sujeição põe as
suas mãos nas do seu senhor.” Não será, pois, o mesmo que gentil-homem da câmera,
a quem estavam afetos até os cuidados de vestir o rei.
BRABO s. ...tenho um que amei em vida como a um irmão, porque era brabo e de boa
casa, p. 88. Até onde me levou a experiência de 32 anos de Maranhão, esta varian-
te popular denota zanga, irritação, revolta, ferocidade, como quando se diz: – Ele
ficou brabo comigo (= zangado). Na abonação acima, está com o sentido de audaz,
valente, intimorato, como quando se canta no hino “Brava gente brasileira...” Os
diversos sentidos de brabo podem ser colhidos em CABRAL, Tomé. Novo dicionário
de termos e expressões populares. Fortaleza, Univ. Federal do Ceará, 1982.
BROSLADO p. a. Era todo broslado [o ornamento do altar] e lavrado de seda de cores, p.
108. Blut.: ‘bordado’. Etim. di-lo vocábulo quinhentista: “Broslar vb. ant. bordar,
guarnecer, ornar. XVI. De uma forma germânica como: *bruzdón ‘abafar’, aparenta-
da como a. al. gaprortón//broslado XVI.”
146 Diogo de Campos Moreno

BUGIA s. ...e mais uma caixa de papel e de candeias de cera, e de bugias para serviço da
missa, p. 102. Mor.: “castiçal pequeno. § vela de cera fina, que se acende nas bugias”.
(Metonímia: continente pelo conteúdo.)
CABAÇO s. ...alguma pólvora em cabaços, morrão, pelouros, p. 82. Blut.: “vaso de casca
de abóbora de carneiro seco, e sem miolo, em que os rústicos costumam guardar as
sementes”.
CANASTRA s. ... 20 canastras de sardinhas, p. 43. Blut.: “no princípio se faziam canastras
de canas delgadas e grossas. [...] Mulher que anda com uma canastra”. Mor.: “Espécie
de caixa tecida de varetas, e aparas de um pau flexível com tampa do mesmo chata. §
Destas algumas são encouradas de pele de cabelo ‘canastras encouradas’”.
CARAJURU s. ...tinta vermelha do urucu, e da outra mais fina chamada carajuru, p. 124.
Cunha: “Var.: cariuru, carajuru, carujurú, cajirú, crajuru (Tupi *karai’ru). Planta da
família das bignoniáceas, cujas folhas submetidas à fermentação produzem matéria
corante de tonalidade vermelha.”
CARAVELÃO s. ...que logo se partissem dous caravelões, p. 42. Blut.: “Caravela grande.
(Mandou aperceber um caravelão. Jacinto Freire, p. 91.)”
CARNECERIA s. executar em ti e nos teus todas as sortes de carnecerias, p. 74. Blut.: “Car-
niceria, ou carneçaria. [...] Carnagem. Matança.”
CATIVO adj. ...que não podia deixar de perder, preso com tão desguarnecidas e cativas em-
barcações, p. 45. Com o sentido antigo (e hoje desusado) de “insignificante, de pouca
consideração”. Caldas Aulete (1925, 2º tomo): “Prendes-te com cousa tão cativa?”
Do lat. Captivus, -a, -um, tirado do v. capere, tomar.
CELADA s. ...mosquetes, pistolas, peitos, rodelas, morriões, e celadas, p. 82. Blut.: “Espécie
de capacete, ou elmo, assim chamado do latim celatus, porque nas celadas man-
davam os cavaleiros gravar as cabeças, e figuras dos animais que venciam”. A ed.
Alhambra (1984) e a de Cândido Mendes (1874) reproduzem a leitura de Joaquim
José da Costa e Sá (1812), que lança colladas, em lugar de celadas em contexto igual
(p. 44, linha 26), onde o creio incorreto. O erudito maranhense talvez lhe atribua o
étimo latino de collum (= pescoço e ombros), para dar-lhe o significado de pescocei-
ra, peça protetora do pescoço, o que acredito constituir-se lapso conjectural. Collada
era o nome de uma das duas famosas espadas de Cid, o Campeador (a outra era
Tiçõ) e, no espanhol, se generalizou em colada, com um l só, tal como, no português,
a Durandal de Roldão (ou Rolando, o da Canção) se generalizou em durindanda.
A propósito, consulte-se Lor., 1º v. (índice onomástico, e remissões) e o Diccionario
de la lengua castellana etc. (ou de Autoridades, como é mais conhecido ) de la Real
Academia Española (Madrid, Francisco del Hierro, 1726), que a conceitua (“Vale en
lenguage vulgár espáda”) e a abona com exemplos tomados a Cervantes e Quevedo.
CHALUPA s. ...navegaram por um braço de água salgada em uma chalupa, p. 109. Blut.:
“E uma pequena embarcação, destinada para o serviço, e comunicação dos navios
Jornada do Maranhão 147

maiores.” Evaristo Leoni, em Gênio da língua portuguesa (Lisboa, Panorama, 1858)


reg. xalupa (1º v., p. 66).
COADO p. ...nove peças de alcance de bronze, e muitas de ferro coado, p. 41. Blut.: “Coado.
Derretido. Ferro coado (Ferrum fustle, ou fusum)”.
COLEBRINA s. ...e assim, alcançando duas colebrinas, p. 36. Variante de colubrina. Blut.:
“É um gênero de peça de artilharia, inventada, para tirar ao longe na campanha, e
principalmente nas praças marítimas: chama-se colubrina de coluber, que em latim
significa cobra, porque esta espécie de canhão é muito comprida, a imitação de co-
bra, quando se estende.”
COMETER v. A nossa gente virá [...] com a cabeça rota, pois cometem a quem os não busca,
p. 110. Blut.: remete para acometer com este sentido: “arrojar-se com ímpeto contra
alguém. Acometer o inimigo. [...] Acometem o inimigo, em suas tendas”. A forma
prostética é do século XVI, com o sentido acima.
COMPAZ s. ...naquele compaz governaram outra hora pelo norte, p. 46. Não encontrei
abonação para essa variante de compasso. Em Mor. encontro sentido análogo: “Ir,
ou navegar pelo rumo, e perto doutro navio”. É forma mais próxima do seu provável
arquétipo francês compas. Amac. Registra-o com um só s, à espanhola: “Circinus: 1.
Lus Compaso. Iap. Bunmanaxi”.
CONTIA s. ...entrando nessa contia o que atégora tinha com o mesmo cargo, p. 106. Blut.:
“Segundo o autor do Teatro genealógico da Casa de Sousa, cuntia (ou seg. a ortografia
do dito autor), contia é palavra antiga portuguesa, que queria dizer certa porção que
a generosidade dos reis despendia com os cavaleiros, que os serviam em palácio, ou
na campanha de mais, ou menos valor, segundo a calidade do cavaleiro, que quando
menos precisamente devia ser nobre, e como tal o honrava el-Rei com o título de
vassalo, participado só então aos ilustres e que como tais sacrificavam generosamente
em seu rei a vida e fazenda. E era de tanta estimação a contia, que logo, que a algum
fidalgo lhe nascia algum filho, lhe mandava el-Rei com a carta de contia pedir alvís-
saras, que ele satisfazia com o obséquio de a pendurar no peito da criança no berço,
para primeira insígnia de nobreza.”
CONTRAVENIENTE s. ...e assim punir, e castigar os contravenientes, p.99. Blut. só re-
gistra o verbo contravir: “às leis, ordens. [...] Para que nenhum homem contravenha
a isto”. Mor.: “O que infringe a lei.” Deriva-se por conversão do particípio presente
de contravir.
CONTRAVENTO s. ...já se vinha chegando com toas, por ser contravento, p. 64. Blut.:
“Contra a força do vento. [...] ‘Os pássaros, que não tinham força para contravento
voarem’. Arte da caça, p. 114”. Id. Amac.: Contravento, is Lus. Contraporse. lap.
Tatezzuqímucõ.
148 Diogo de Campos Moreno

CONVENTUALMENTE adv. ...que os padres portugueses tomassem a cargo o favorecê-los,


tendo-os conventualmente consigo, p. 111. (= De maneira conventual, ou com conven-
tualidade). “Blut.: Conventualidade. Morada firme, em algum convento.”
COPAÍVA s. ...não tinha cousa que lhe pôr mais que azeite comum, ou de copaíva, p. 78.
Têm infinito óleo de copaíva em toda esta costa, p. 124. Blut.: “Copaíba. Planta, assim
chamada, dos índios do Brasil [...] Produz esta árvore o bálsamo, ou óleo de duas
maneiras, um pelo ardor do Sol, que é o óleo branco, outro pelo golpe, que lhe dão
no tronco ou nos ramos, e este é mais cheiroso e denegrido.” (Em cerca de duas
longas colunas seguem-se as receitas curativas.)
CORAJE s. ...por teu coraje de haver ousado vir dentro aos limites franceses, p. 73. Blut.:
“Coragem. Corâgem ou coraje. Ânimo. Valor. Aqui cessou um Mavorte, e da vi-
seira o fumo da coraje ardendo exala. Ulisséia, de Gabriel Pereira, cant. 1, oit. 34.
Observe-se que ainda era masculino o termo à época da Jornada.
CORRILHO s. ...começaram os soldados em corrilhos, com palavras atrevidas, a dizer..., p.
57. Blut.: “Ajuntamento de gente. Conventículo. “Uns em corrilhos divididos falam
referindo às grandezas pervenidas.” Templo da memória, livro 4, Est. 22.
COSSÁRIO s. E aqui, como escala de tantos cossários, importa terem freio, p. 48. Blut.:
“falando em correria de piratas ou se deriva de Corsário, dos Corsos, ou gente da Ilha
Córsiga, que foram os grandes piratas [...]”. Mor.: Cossáira e Cossáiro. Ulisséia, fl. 41.
O mesmo que cossáro e corsário. Nun. diz ser essa assimilação comum em Portugal:
“O nome Alpiarsa da vila estremenha é pronunciado de Alpiassa pelo povo, em vir-
tude da mesma lei que de adverso, corsairo, dorso, verso, etc. fez avesso, cossairo, dosso,
vesso, etc. (p. 166-167).
CRESCENÇA s. ...com a crescença do dia, entrando a viração do leste, p. 54. Blut.: “Cres-
cença [sic]. O que cresce de alguma cousa. O que fica de mais do número, ou da
medida.”
CUJO pron. ...Sua Majestade el rei de Espanha, nosso Senhor, cujo tudo é, p. 92. Aqui está
usado com o sentido atual, mas numa função sintática que lhe é estranha nos nossos
dias. Escutemos ao filólogo SEQUEIRA, F. J. Martins. Aspectos do português arcai-
co, Lisboa, União Gráfica, 1943, p. 156: “Além da sintaxe atual, o vocábulo tinha
no português antigo funções predicativas, quer intervindo como pronome relativo,
quer entrando como pronome interrogativo.” Exemplifica com Dom Dinis, o rei-
poeta, e com Camões, o poeta-rei, respectivamente. “Assi que por vosso sou,/cujo
semp’ eu já serei (Canc. Vat., nº 150, p. 62) e “Cuja será [uma carta)? Não sei certo
cuja é”. (Filodemo).
CUTIARÁ adj. ...ali entravam algumas embarcações pequenas a resgatar o pau-cutiará, p.
51. A menos que se trata de outra madeira, Cunha não registra essa variante em
seu D.H.P.P.T., a saber: Cuatiara s. f. Var. 6 cotiara, cutara, 8 cuatiára. Cp. Ibiracu-
atiara [Tupikua’tiara ~Vocabulário da língua brasílica II 78: Pintada cousa, adiectivo
Jornada do Maranhão 149

= Ycoatiaripigra. Ibidem: Pintura, substantivo = Coatiara, 1 Ycoatiara.] § Madeira


rajada. Ibiracuatiara. Terá por base o verbo tupi: “coatiár – juntar, escrever, Malen,
Schreiber”. Mart. p. 42.
DARGA s. ...espadas douradas, e dargas com talabartes de veludo carmesim, p. 111. Mor.
Dá-nos conta de que assim aparece a variante de adarga nos tomos dos Inéditos
da história portuguesa editados pela Real Academia das Ciências. Blut.: “Espécie de
escudo [...] em África e Espanha os ginetes que pelejam com lança e adarga, com a
adarga se cobrem as costas. É escudo de couro, e leve; consta de braçadeiras e muitos
debruns, tem miras, cavas, golpe, por onde se mete o dedo polegar, para segurar, e
correia, por onde se pendura.”
DEFENSA s. ...conforme suas obrigações, para a defensa das ditas terras debaixo de nossa
autoridade, p. 99. Blut.: “A ação de defender, e proteger.//Tomar a defensa, ou pro-
teção de alguém.//No passo acima da Jornada e noutros trata-se de “defender-se com
armas”, um pouco diversa de defesa. É o que nos mostra Freire, às p. 61-62 da 2ª
parte: “Defensa e defesa confundem muitos, segundo ao vulgo. Defensa é para a ação
de defender alguma cousa com armas, ou com palavras. [...] Defesa é mais próprio
nos casos em que se alega justiça.”
DERROTA s. ...seguindo a derrota desviados da terra as léguas ditas, p. 46. Blut.: “Entre nós
[...] é a viagem que os navios fazem por mar, e chama-se derrota por estar sinalada
no roteiro, ou mais geralmente, é o caminho, que se faz, por mar, ou por terra, ou
por qualquer outra parte.”
DESARVORADO p. a. ...capitânia tinha abatida e desarvorada a sua real, p. 81. Blut.:
“Abater, ou derrubar o que está arvorado. Desarvorar uma cruz. [...] Desarvorar uma
nau dos mastos.”
DESAPERCEBIDO p. a. ...e que nos não tomem desapercebidos, p. 119. Blut.: “Desprovi-
do de alguma cousa. [...] Desapercebido de tudo. [...] Desapercebido para tão grande
jornada [...] de pólvora, e desfeitos de armas. Lucena, Vida de Xavier, 530”.
DESCARCHADO p.a. ...todo broslado, descarchado de ouro fino, p. 108. Mor.: “Escarxa-
do. adj. O escarxado nos veludos de três altos é lavor como aneizinhos; usa-se como
subst. Dom Francisco Manuel sem ver pontas escarchadas [sic] salvo as dos arremes-
sões; crespos, frisados.”
DESCOSTUMADO p.a. como gente descostumada destes transes navais, vinham lastimosos,
p. 47. Blut. Registra descostumar remetendo para desacostumar. Mor.: “p. pass. de
Descostumar. Insólito, desusado”.
DEVAÇÃO s. ...achava que tinha muitos franceses, e fortalezas, e infinitos índios à sua
devação, p. 39. Blut., no verbete dovoçam, ou Devação, após apontar a etimologia e
o antigo sentido, diz: “sujeitar-se a obediência, sacrificar-se à vontade, consagrar-se
por voto, que estas são as verdadeiras obrigações da verdadeira devoção do cristão
150 Diogo de Campos Moreno

a Deus, e aos Santos da Igreja”. Freire, à p. 65 da 2ª parte, aponta-o como variante


“preferida por Vieira, Brito, Frei Luís de Sousa, dom Francisco Manuel, e outros”.
DIREITURA s. ...sendo o primeiro português que, do Maranhão, em direitura veio a Lisboa,
p. 124. Blut.: “como quando se diz, vão as naus em direitura às Ilhas, ou a qualquer
porto de mar”. O mesmo que direção.
DIVERTIR v. ...que se presentassem à fortaleza para divertir o dano, p. 76. Com o sentido
de moderar, como em Mor.: “divertir a pena: moderá-la um pouco”.
DOBLE adj. ...aquela noite houve grande vigia, e guardas dobles, p. 81. Afigura-se-me
espanholismo por dobre, sinônimo de [em] duplas. Não me parece aqui haver o sig-
nificado de dobre na expressão espia dobre, seg. Blut.: “aquele que serve falsamente
ambas as partes, descobrindo a uns os segredos dos outros”.
EMPACHAR v. ...para mais não era vindo que para reconhecer e empachar os portugueses, p.
74. Blut.: “Embaraçar. [...] A força do vento os empachou no tomar das velas. Barros,
1ª Década, fol. 201, col. 2”.
ENCOMENDÁRIO s. ...e seis soldados, como por salvaguarda dos índios, ou seus encomen-
dários, p. 109. Variante de : “Encomendeiro, s.m. encomendeira f. Pessoa que toma
comissão de encomendas, e as executa”. Mor.
ENOJO s. ...não creias que sete dará por isso um só enojo p. 86. Mor.: “s.m. Enfadamento.
Camões, Filodemo, cena 2. § Aborrimento. [...] tirada a metáfora do nojo, ou luto,
sejam mais os cuidados e enojos que os prazeres. Arrais, 5, 13”.
ENSALMO s. ...e panos d’água com ensalmo, que para tão terríveis feridas, [...] era cousa
lastimosa, p. 78. Blut.: “oração supersticiosa para curar enfermidades, ou para outros
efeitos, que ordinário se compõem de alguns versos tirados dos Salmos e por isso lhe
chamam Ensalmo”. 18.12: empsalmos.
ENVOLTA s. ...e nesta envolta foi morto Monsieur de Pisiau, p. 75. Morf.: “Envólta: [...]
Confusão”.
ENTONCES adv. Entonces me resolvi de largar uma aldeia, p. 123. Blut.: “vd. Então”.
Mor.: ‘Então’. É palavra usada por Bernardim Ribeiro, na novela Menina e moça,
mas, Leão (p. 292) a inclui, já em 1606, no cap. XVII que trata “De alguns vocábu-
los antigos portugueses que se acham em escrituras e sua interpretação”.
ESCORTINAR v. ...com 12 soldados se vigiava e escortinava tudo, p. 62. Blut.: “Escortina-
do (Termo de fortificação) guarnecido com cortina, que nas obras de fortificação é
parte do reparo. [...] ‘Com fortes redutos bem escortinados’, Damião de Góis, 16”.
ESCOSER v. ...vindo às mãos fora de sua cerca, os escoseram de feição, que..., p. 37. Blut.:
não registra o verbo, mas o part. adj. abonando-o sem defini-lo: “Escosido: Pala-
vra antiquada. Mas, eles andavam tão escosidos das nossas armas, que de noite se
Jornada do Maranhão 151

passaram todos à terra firme.” Barros, I, Décadas, fol. 21, col. 1. Mor.: registra-o e
define-o: “Escoser, v. at. Ferir, magoar: v.g. escoser o corpo com golpes.”
ESPALDA s. assegurar as espaldas para qualquer sucesso, p. 56. Blut.: “Espádua. Ombro”.
[...] ‘Nem como os esgrimadores, os quais têm as espaldas grossas, e as pernas delga-
das’. Vasconcelos, arte militar, 28”. Daí, espaldar (de cadeira).
ESPARCELADO p.a. Sendo[...] esta enseada das Tartarugas esparcelada, perigosa e de pouco
abrigo, p. 60. Blut.: “mar, donde há muitos parcéis, que são como bancos de pedra
debaixo da água”. Freire, na 2ª reflexão da 1ª parte, “sobre o uso de algumas vozes
antiquadas”, diz em meados do século VIII: “Este termo, pela falta que faz, devia
tornar a florescer, se bem que entre alguns ainda não é antiquado (p. 26)”.
ESTÂNCIA s. ...nomeando de novo embarcações e estâncias, p. 45. Blut.: embora defina im-
perfeitamente “estância de naus”, como “na enseada” não a aprofunda, nem a abona.
Mor.: “O lugar onde estão as naus no porto. ‘Em todo o circuito (da Ilha Sorocatá)
não há porto, nem estância (para o navio).’” Em latim, Blut. traduz por statio, onis.
ESTENDARTE s. ...haverem custado mais de quinhentos cruzados, afora o Estendarte Real,
p. 112-113. Blut.: não registra esta variante antiga, mas o atual “Estandarte. Ainda
que sinônimo de bandeira, para bem havia de ser nome próprio, e particular da ban-
deira imperial, ou real, porque a mesma dicção assi o pede.” É forma quatrocentista.
J. P. M.: “Do fr. ant. estandart” .. Século XV: “e em a maão seestra hum estendarte das
nossas armas em signal de seu laudilhamento”. Ord. I. título 54, § 4º, p. 321.
ESTIBAR v. ...e todos os caravelões fossem a entrar no Rio Grande para ali se estibarem os
navios, p. 44. Blut. não registra o verbo mas o deverbal: “Estiba. Fazer estiba do arroz,
que se recolhera. Década 8 de Couto fol. 244, col. 2.” Abona o verbo com o mes-
mo sentido: “Se ficarem por meu mandado e estibei dos perigos. Regim. dos contos.
Cap. 38, p. 29. Duarte Nunes de Leão, no cap. Reformação de algumas palavras
que a gente vulgar usa e escreve mal, de sua Ortografia e origem da língua portuguesa
(introd., notas e leit. de Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, Casa da Moeda,
1983), p. 164, corrige estiba e estibar para estima e estimar.
ESTORVAR . ...estorvando-os, que não fujam de medo dos portugueses, p. 120. Vit. não
registra o v. mas o deverbal: “Estorva. Embaraço, estorvo. ‘Nem sereis em nosso
damno, [sic] e estorva!”
FALCÃO s. Está diante do forte Santa Maria um oiteiro eminente à distância de um tiro de
falcão, p. 70. Blut.: “Peça de artilheria, que tem três polegadas de diâmetro, e [a]tira
com bala de libra e meia. [...] ‘Achou de noite furto um bartangim nosso com um
falcão e seis berços.’” Carros, Déc. 4, fol. 264.
FALCONETE s. ...puseram dous falconetes de bronze, p. 43. Gastou-se o dia de segunda e
terça-feira em acomodar os reparos de falconetes, p. 67. Blut.: “Peça de artilheria, mais
pequena que a peça, a que chama falcão. O . P. de Charles na sua Pirotecnia, para se
fazer melhor entender, lhe chama falcunculus.”
152 Diogo de Campos Moreno

FARINHA DE TERRA ... 2.200 alqueires de farinha da terra, p. 38. Como, para Blut.,
farinha era de “grãos de trigo moídos, e feitos pó”, e ainda “de cevada”, e “de favas”,
ao falar das “farinhas do Brasil”, ele remete o leitor para: “Vitinga. Certa farinha do
Brasil. Desta sorte lavram esta farinha, que sustentando geralmente todo o Estado do
Brasil, obram os índios de três castas, a que chamam,Vitinga, Vieçaco-atinga, Viatá;
e nós fresca, a que se come no mesmo dia: seca, a que dura seis meses; torrada, a que
passa de um ano”.
FATO s. ...cinco caixas para os soldados, em que vai o seu fato, p. 102. Blut.: “A roupa, ves-
tidos e móveis portáteis do nosso uso”.
FAZENDA s. ...houve homem que só de sua fazenda gastou dez mil cruzados, p. 41. Blut.:
“Riquezas, dinheiro, cabedais. [...] Bens de raiz, terra, quintas. [...] O Conselho da
Fazenda. Na Corte de Portugal é um tribunal, composto de três títulos, ou fidalgos
de grande satisfação, com nomes de vedores [= fiscais] da Fazenda, e outros tantos
desembargadores, que chamam conselheiros, que todos têm voto, e um procurador
da Fazenda, e quatro escrivães, onde se despacham todos os negócios tocantes à
Fazenda Real, e bens da Coroa, e conquistas, e os contratos, e arrendamentos, que
a ela pertencem.”
FEIÇÃO s. ...mas o navio de Gregório Fragoso deu em seco de feição, e a tais horas, p. 59. Sal-
vo melhor juízo, de frente, de proa, por extensão a feição do rosto. Não encontramos
abonação desse sentido em nenhum dos léxicos consultados.
FÍSICO s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 39. Vit.: “Assim chamavam ao mé-
dico, como por excelência, pois deve ser perfeito e consumado em o conhecimento
da natureza, começando a sua arte onde a física remata a sua.”
FRAUTA s. ...houve missa solene de canto de órgão e frautas, p. 52. Blut.: “Instrumento mú-
sico com certo número de agulheiros, que com o sopro que lhe dá por alto, vaream
[= variam] o som ao mudar dos dedos.”
FRONTE s. ...com a mor parte de gente fazendo fronte de armas, p. 54. Gastou-se o dia em
[...] pôr a gente em terra com fronte de armas, p. 62. Mor.: “§ A parte dianteira que
entesta com outra; daqui, estar defronte de outro, ou com outro: defrontar, estar no
lado oposto, com rosto, fronteira, ou frontaria para a cousa que está no outro lado:
estar fronteiro.”
GANHADO p. a. ...faziam ganhado o Perejá, p. 40. Com o sentido de conquistado.
Deduzi por este passo anterior da Jornada do Maranhão, “...com a vinda de Sebastião
Martins, se acabou de deliberar o governador a fazer mais alguma despesa e mandar
ganhar a barra primeira do Maranhão, chamada Perejá”, p. 38. Abonação: Tes.: “E de
mi lhe sei dizer, não por parte da honra, porque a Deus mercês com vossa ajuda, eu
a tenho ganhado para poder ir contente para o Reino.”
GARITA s. ...e cada baluarte, duas garitas no alto da cerca para as sentinelas, p. 62. Blut.:
“Guarita ou guarida ou gurita [...] uma espécie de torrezinha, assentada sobre umas
Jornada do Maranhão 153

pedras, que saem incorporadas de dentro da muralha, nos ângulos do baluarte, e


meio da cortina. Serve para as vigias descobrirem os lugares distantes, sem estarem
sujeitos às inclemências do tempo”. J. P. M. informa-lhe o étimo: “Provavelmente
do it. garitta; a respeito deste voc. cfr. lat. mediev. garita (a. 1397, Statuti d’Ancona),
garida (genovese XV secolo), garida (veneziano XVI secolo, probabilemente dal pro-
venzale garida, difesa, protezione). Mor.: registra a variante quinhentista gorita. É o
mesmo que atalaia ou miradouro.
GRISANTE adj. ...a um soldado meu valeroso de casaca grisante, p. 85. Adj. formado de
gris e o suf. ante. Blut. (Supl.): “uma cor entre branco e negro. Os tintureiros da
França dão a esta cor vários graus, e chamam gris uma cor cinzenta”. Tes. registra
ainda as cognatas griséu e griseo.
INTERROMPEDURA s. ...fazendo-se a armada à vela pelas angusturas ou interrompedu-
ras de aquelas Ilhas tão estreitas, p. 59. Neologismo formado de interromper e o sufixo
ura, sinônimo de angustura, como se pode depreender do texto. Não encontrei abo-
nação outra, além desta.
JANGADA s. ...em uma jangada chegou o Machado, e foi por um canal muito mais estreito
que os até ali passados, p. 59. Dalg. “O seu verdadeiro étimo é o malaiala changãdam’
“Balsa, dous barcos ligados para passagem dos rios? Stoltz. Entre os vários signifi-
cados de jangada nas obras quinhentistas e seiscentistas (catamarão, cangalha – de
fogo, de madeira, e outros) parece-nos, em face do contexto, ser o seguinte: “leve
construção de traves e tábuas sobrepostas, levada à toa ou impelida à vara nos rios
ou no mar sem o marulho. Tem a vantagem de ser menos pesada que os barcos, de
oferecer grande superfície plana e de demandar menos água”.
ATENÇÃO: Daqui por diante, respeito a ortografia de Rafael Bluteau. Aprecie-se a
ortografia do século seguinte ao da Jornada.
LAMARÃO ...dando de novo em seco no lamarão o navio do sargento-mor, p. 58. Blut.:
“Lamarão vid. Lamaçal. Lugar baxo, cheyo de lama.”
LÁPIS LAZUR s. ...nas quais dizem que têm descoberto minas de lapislazur, p. 117. Blut.:
“Lapis Lazuli. [...] He uma pedra azul, pesada opaca, semeada de algumas palhinhas
de ouro, ou de cobre. A boa vem das Indias Orientais & da Persia. A que se cria em
alguns lugares da Europa declina a verde, e é grosseira. Usão della para fazer azul
ultramarino. Na Pharmacia he hum dos ingredientes da confeição de Alchermes.
Purga o humor melancolico, fortifica o coração.” Feito o desconto para a evolução
dos conceitos científicos da Medicina e da Farmácia, a primeira conceituação se
ajusta ao contexto abonador.
LEONADO adj. ...gibões de tela d’ouro fino leonada, p. 111. Blut.: “De cor que tira a
russo, como a do cabello do leão. [...] (Huã cota leonada traz vestida. Ulyss. de Gabr.
Per. Cant. I Oit. 54)’ Hoje se escreve ruço nesse sentido.
154 Diogo de Campos Moreno

LEVADA s. ...E os portugueses, vendo o sucesso da levada dos navios, p. 67. Mor.: Ҥ O ato de
levar: v.g. a levada dos gados para fora do Reino.” Orden. – L.T. 112 e 115 princ.
LIADO p.a. ... e além destes e outros muitos liados que têm, trazem línguas franceses, p.117.
Liado aqui está como variante de aliado. Blut. remete para a variante atual.
LIANÇA s. ...os da Ilha topinambás [...] sempre haviam de temer esta liança, p. 56. Freire
testemunha (p. 99, 2ª parte): “Liança e alliança. A pronunciação do primeiro modo
se acha nas Décadas de Barros e na Monarquia Lusitana em diversos logares.” Blut:
“União. Liança do sangue. Parentesco, ou affinidade, contrahida por casamento.”
LÍNGUA s. ...homem nobre, teólogo, e grande língua dos índios, p. 40; quatrocentos índios
Topinambás, com o língua Turçou, p. 71. Freire, p. 71. 3ª parte diz: “Faraute traz
Cardoso em seu Dicionário por língua, ou por intérprete.” Blut: “Tomar língua de
alguém para se informar de alguma cousa”, Fernão Mendes Pinto. (Barros, 1 Dec.,
11. 58, col. 1).
LÓ s. ...o caravelão do Machado meteu tanto de ló por sujigar o recife, p. 46. Blut.: “(Termo
nautico). He a parte do navio desde o masto até hum dos bordos; ou mais claramen-
te, he a metade do navio igualmente dividido por huma linha, que se considera de
popa a proa, deixando huma ametade a estibordo do masto grande, & outra ametade
de a bombordo. Meter de ló. He quasi o mesmo que ir pela bolina.”
LOESTE s. ...caminhou a armada ao noroeste quarta de loeste, p. 50. O mesmo que oeste.
Blut: “He o vento occidental, & algumas vezes quer dizer o ponto cardinal do horizon-
te, onde se põem [sic] o Sol”. — Note-se o pragmatismo da definição onde se põe a for-
ça eólica, antes do conceito de lugar. Blut., Per., Vit e Tes. não registram senão a variante
composta loessudueste: mas a variante loeste se encontra assim grafada nada menos que
nove vezes no Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil, etc., que é do século XV (Tei-
xeira, Luís. Ed. do INL preparada por Max Justo Guedes, Rio de Janeiro, 1968).
LOJAMENTO s. ,..aos 18 dias do dito, tornaram ao lojamento, p. 69. Variante de aloja-
mento, que é quatrocentista. De alojar. Século XV: ‘..que cavalgasse logo a pressa, e se
fosse para seu alojamento’: Condest., cap. 24, p. 55”.J.P.M.
MAÇAME s. ...todas as canoas [...] que eram quarenta e seis, com todo o seu maçame e remos,
p. 76. Blut.: “Termo nautico. He todo o encordoamento da nao, assim dos brandaes
como da sirgideira, brioens, apagasanaes estrinques, & toda a mais enxárcia.”
MALORA s. ...por evitar estas inevitáveis maloras, p. 74. Infortúnio, infelicidade. Com-
posto resultante da aglutinação de mala + hora, com apócope do a final do primeiro
termo (fenômeno de fonética sintática) Cor. registra no espanhol enhoramala (e não
enmalora) já verbetado no célebre Diccionario de Autoridades, a que nos referimos
antes, com abonações do Quixote e da Pícara Justina.
MANCO adj. ...também navios mancos e não mui capazes, p. 43. Mor.: “§ Embarcação
manca; por falta de remos, ou remeiros, e de velas, e outros apparelhos.” E. Mendes,
Jornada do Maranhão 155

c. 146, fim. Navios, embarcações, mancas de vela: que se atrázão por mal veleiras. B.
2.6.2 e 3-8-6- “derrabar-lhe algum navio manco”.
MASTO s. ...a capitânia tinha abatida e desarvorada a sua real e a do masto grande, p. 81.
Blut.: “masto, ou mastro. [...] Divide-se em três partes, huma, que propriamente
he masto, outra, que he o mastareo das gaveas, & outras que he o mastareo dos
joanetes. Todo o navio redondo ha de ter quatro mastos, a saber, masto grande,
masto de traquete, masto do gurupés, e masto da mezena”. Freire, 2ª parte, p. 102-
103: “Masto e não mastro, achamos nas edições mais corretas dos nossos melhores
autores, assim como masteação, e não mastreação; enitnastear, e não emmastrear. Hoje
pretendem alguns, que se diga mastro, mas para irem coerentes, porque não pronun-
ciam também mastraréo?” Poder-se-á responder que aqui ocorreu a dissimilação do
primeiro r, fenômeno comum à língua falada.
MENAGEM s. ...pedem favor a Inglaterra oferecendo-lhe o feudo e menagem, p. 118. Blut.:
“Vid. Homenagem. (Não deve de quebrar a menagem da camara para fora. Guia de
casados, p.165) (A vassalagem do Japão, nem é lá profissão solene, nem menagem
em vida. Lucena, Vida de Xavier, 474, col. 1) Freire.: Menagem e não homenagem,
disse D, Francisco Manuel na sua Carta de Guia de Casados, p. 165, e o Padre Lucena
na Vida de Santo Xavier, p. 475. Era então o usado: “depois deles homenagem teve
mais seguidores, e é a pronunciação que domina”: Aqui, a lição moderna da norma
linguística dominante.
MERCÊ s. ...todos os que forem na dita Jornada para lhes fazer as mercês, p. 104. Deriva-se
do latim merces, que na sua genuína significação quer dizer “paga do mercenário, ou
galardão, e recompensa, que se dá ao merecimento de alguém”. No passo acima, e à
p. 162, mercês é usado com o primeiro sentido.
MEZINHA s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 36. Blut: “Qualquer medica-
mento, bebido como xarope ou purga, ou applicado como emprasto.” Mezinha, no
primeiro sentido [...] (He melhor a mézinha pela boca, & tomará xarope rosado.
Recop. de Cirurg., pág. 224) Mezinha no segundo sentido [...] (As mezinhas que se
hão de applicar nas feridas dos nervos. Recop. De Cirurg., pág. 166.)
MINISTRO s. ...mandando ministros por todas as partes ajuntar farinha, p. 39. Aqui está
com o sentido genérico de ajudante, intermediário, assim Blut.: “Aquelle que ajuda
a alguem em algua cousa. [...] Pedia hum ministro, que o ajudasse, & não hum
adversario.”
MOMO s. ...todos fazendo os seus motins e momos se vinham chegando, p. 72. Aqui com
o sentido de disfarces, estratagemas, fingimento, assim Blut.:”...com razão se pode
chamar momos, toda a invenção, e afetação no gesto, e trato humano. Também po-
derá derivar momo do grego mommo que quer dizer máscara, porque tudo no invenc-
toneiro são disfarces & aparencias contrarias à realidade. Queixa-se o invencioneiro,
sem sentir mal algum, affecta admirações, e medos sem causa, & c.”
156 Diogo de Campos Moreno

MONTESA ...e nos vazios cruzes do mesmo veludo, como as de montesa, p. 111. Era comum
o feminino desse termo. Blut.: “Montêz. Cousa do monte. [...] Caça monteza. [...]
(onde há variedade de caça monteza, como porcos, veados, & c. Agiolog. Port. tom.
2, 296)”. Aqui tem o sentido de pelúcia, cousa felpuda.
MOR adj. ...na maior pobreza dava o mor provimento, [...] no tempo da mor fraqueza o
maior esforço, p. 40. Blut.: “Val o mesmo que mayor, cuja syncopa, porém entre estas
duas palavras tem o uso introduzido esta differença, que môr se poem por adjectivos
de certos substantivos, como Capitão môr, Mordomo môr; & a outro genero de
substantivos se applica o adjectivo mayor, v. g. o mayor trabalho, o mayor gosto, as
mayores riquezas”.
MORRIÃO s. ...dos mais bravos soldados dela, com peitos e rodelas d’aço, morriões e celadas,
p. 71. Blut.: “Arma, defensiva da cabeça, casco, ou elmo, sem viseira. Os italianos
dizem morione, & os franceses, morion.” [...] (Vid. “Capacete”.)
ORDENANÇA s. ...governar, conforme as Ordenanças de nossos reinos, p. 99. Blut.: “Mili-
cia da ordenança. Mudando-se com o tempo a ordem da Milicia antiga deste Reyno,
& ficando somente os officios mayores quasi só com os titulos honorarios, perten-
deo ElRey Dom Manoel melhorar, & assentar por lista a gente, que havia em todos
os lugares do Reyno; & ElRei Dom Sebastião trabalhou mais nesta materia, fazendo
hum largo, Regimento, que mandou guardar com grande observância, para adestrar
o povo na disciplina militar, & o ter prestes para quando fosse necessario servirse del-
le. Ordenou que os Alcaides móres, & Senhores dos lugares fossem Capitaens móres
delles, & que onde os não houvesse, fossem eleytos em Câmera pelas pessoas do
Governo; & do mesmo modo os Sargentos móres, os quaes depois com os votos da
governança elegessem os Capitães, & officiaes das companhias, que o Capitão môr
repartisse a gente do seu lugar, & termo em companhia de duzentos & cincoenta, &
que cada Domingo sahissem ao campo a se exercitar, conforme as armas, que cada
um trouxesse, havendo premios para os mais destros, & penas aos que faltassem, &
que os homens de cavallo fizessem cada mez resenha debayxo dos Capitães de cada
lugar, & que cada anno se fizessem dous alardos geraes, hum pelas oitavas da Pascoa,
& outro por dia de São Miguel, & que se ajuntasse toda a gente do termo na cabeça
da Capitania, onde pelo Capitão môr & Sargento môr fossem ordenados, & se exer-
citasse, assim a gente de cavallo, como de pé. E para bom governo da milicia tinha o
Capitão môr seu Regimento (ou Ordenança), que mandava executar pelos ministros
das companhias, em cada uma das quais havia seu meyrinho, escrivão, & recebedor.
Esta Ordem (ou Ordenação) se guardou em tempo delRei Dom Sebastião, até todo
o delRei Dom Felippe o Prudente, & depois se renovou algumas vezes. Nos lugares
maritimos, & no Reyno de Algarve está isto em mais observância. Man. Severim de
Faria, Not. de Portug., pág. 57. & c. Milicia, ou gente da ordenança.” A transcrição
foi longa, mas necessária a iluminar as relações da hierarquia militar não só na Jor-
nada, mas também em todos os relatos históricos da época da colonização do Estado
do Brasil. (Desfiz aqui as abreviaturas.)
Jornada do Maranhão 157

PARAR¹ v. ...haviam sido apertados com cordéis para dizerem o que parava entre os portu-
gueses, p. 63. Mor.: “§ Descontinuar: v. g. parárão as obras, a fábrica, o engenho, §
v.n. Cessar de mover-se, ou de correr ou de andar: v.g. parou a pedra, o cavallo, o rio:
parou o sangue (que corria), a chuva.” Afigura-se aqui o sentido de acontecer, ocorrer,
cuja abonação não encontrei em nenhum léxico.
PARAR² v. ...vendo do mar o que parava, mandou na fúria do conflito aos navios mais ligei-
ros, p. 76. Blut.: “Suspender os panos. Não ir mais adiante. Não continuar o próprio
movimento”. Cândido Mendes (1874) procedeu a uma emendatio neste ponto. Leu
se passava, em vez de parava como está dito em 1812.
PARCEL s . ...está trinta léguas do Rio Grande, donde se acabam os parcéis de São Roque,
p. 47. Blut.: “Banco de pedra debayxo da agua. [...] (Se achou no parcel de Sofala
com seis velas desaparelhadas de mastos. Barros, 1, Déc. 89, col. 2) (Não havia dia,
que não dessemos em seco nos bayxos dos parceis. Hist. de Fern. Mend. Pinto, 47,
col. 2)”
PARTIDO p. a. ...por ele serão partidos todos os ganhos e proveitos, p. 99. Aqui com o sen-
tido de repartir, dividir, distribuir. Blut.: “Partir igualmente os despojos . [...] (Parti
com Ticio minha herança. [...] Não partistes bem, estes tem o melhor cordeyro.
Partir os homens o seu dinheiro”.
PASSAMANES s. ...casacas curtas de veludo carmesim, guarnecidas de passamanes de ouro
fino, p. 111. Mor.: “fitas tecidas de fio de prata, ou oiro, de que os armadores úsão:
é mais raro que o galão”.
PATACHO s. ...mandou se tomasse mais uma caravela e um patacho francês, p. 43. Blut.:
“Pataxo. He navio de guerra, que de ordinario anda em companhia de outro mayor,
& serve de guardar a boca de um porto, ou de hum rio. Também sahe a descobrir o
mar, & a reconhecer embarcações, que demándão a costa”.
PAVÊS s. ...infinitos arcos, e frechas, paveses, e rodelas dos índios, p. 82. Blut.: “Pavêz. Arma
defensiva dos antigos. Era hum escudo largo, que cobria todo o corpo do soldado,
pela parte donde lhe podia vir algum dano. Nas eleyções militares levantávão os sol-
dados sobre huns pavezes os seus cabos, & os acclamávão Emperadores. [...] Como
o pavez era o mayor dos escudos, parece que he o a que Virgilo chama, scutum
longum”.
PEGADO p. a. ...Luís de Guevara, que de duas arcabuzadas caiu em terra morto pegado nos
paus da cerca, p. 77. Blut.: “Contiguo. Proximo. Visinho. Casas pegadas humas nas
outras. [...] Comprou humas terras pegadas à sua fazenda. [...] (Chegàrão a humas
casas pegadas na mesquita. Barros, 2 Déc., fol. 56, col. 3)”. Esse é o significado cor-
rente em minha terra, que não encontro registrado em nenhuma das três edições de
A linguagem popular do Maranhão, do saudoso antropólogo conterrâneo Domingos
Vieira Filho.
158 Diogo de Campos Moreno

PEITO s. ...e grande cópia de armas, arcabuzes, mosquetes, pistolas, peitos, p. 82. Blut.:
“Peyto d’armas, peyto d’arco, ou peyto forte. Armadura de ferro que cobre o peyto.
[...] Também era hua especie de peyto de armas que usávão os antigos.
PELOURO s. ...dos inimigos, aos quais ao pelouro haviam de tomar a comida e a água, se
faltasse, p. 57. Blut.: “Pelouro, ou Pilouro. Pequeno corpo metálico; & espherico,
com que se carrégão mosquetes, & outras armas de fogo”.
PERSUMIR v. ...sempre dos índios se persumia alguma novidade, p. 89. Julgar, suspeitar,
esperar. Se não for erro devido à analogia do próprio Diogo (pre: antes; per: através),
foi-o do leitor do ms., pois não encontro abonação dessa forma em lugar algum. (Do
lat. praesumere.)
PERTENDER v. ...as pazes que com tanta instância dissimulada o inimigo pertendia, p.
96. Desejava, queria, almejava. Blut. registra a variante dos cognatos pertendente e
pertendido, remetendo-os para as formas atuais. As variantes antigas sofreram metá-
tese.
PONTEIRO adj. ...com vento sueste rijo, que naquela barra é mui ponteiro, p. 44: “Adjec-
tivo. Val o mesmo que contrario & c. Ventos ponteiros, como são entre si o vento
norte & o vento sul. (A Capitânia, que com os ventos ponteiros vinha forçando as
ondas. Jac. Freire, livro 2, num. 40)”.
POSTILA s. ...pondo no Regimento da Jornada uma postila: que a Jornada fosse ao Pará, p.
43. Blut.: “antigamente érão notas, postas na margem dos livros de Direyto, ou outra
Sciencia, as quais notas érão interpretações, & às vezes addições, ou additamento do
que lhe faltava”. Aqui está com o sentido de acréscimo a outro documento. Mere-
cidamente famosas as obras citadas por Blut. com esse nome. Acrescente-se-lhes as,
não menos famosas, Postilas de grammatica geral,/applicada à língua Portugueza/pela/
analyse dos classicos, do nosso humanista Francisco Sotero dos Reis, de que mais de
uma edição fez a Tip. de Belarmino de Matos, em São Luís, na 2ª metade do século
XIX.
PRATICAR v... ...até qui não quis praticar-te nada de aquilo que toca à nossa arte, p. 82.
Blut.: “Conversar. Praticar com alguém. [...] Os dous discipulos praticávão na morte
do Senhor. Vieira, tom. 1, p. 640”.
PREDOMINAÇÃO s. ...coragem virtude, suficiência, experiência, inteireza, e predomi-
nação em o efeito das armas do mar, p. 98. Neologismo para a época, com o sentido
de ação de predominar, mostrar pujança e poderio, capacidade de subjugar. Não o vejo
verbetado nos léxicos antigos. O mesmo ocorre com interrompedura (vd.).
PRESENTAR v. ...mandou na fúria do conflito aos navios mais ligeiros que se presentassem
à fortaleza, p. 76. Variante de apresentar. Blut.: “Presentar huma pessoa a outra, ou
diante de outra. Presentou a Jacob os dous Irmãos” (Vieira, tom. 3, p. 87).
Jornada do Maranhão 159

PRESÍDIO s. Neste presídio de N. Senhora do Amparo estava com dezesseis soldados portu-
gueses, p. 48. Blut.: “A Praça, ou Fortaleza presidiada”. Também pode significar, por
metonímia, a gente da guarnição que guarda e defende do inimigo.
PRESTES adj. ...logo vos hão de vir pôr cerco por mar, e por terra, porque tudo está prestes, p.
66. Blut.: “Preparado, Prompto. Somos prestes, temos tudo o que nos he necessario.
[...] Fazey com que tudo seja prestes para quando eu voltar. Exército prestes, posto
em ordem para marchar”.
PROPÍNQUO adj. Hei por bem que façais a despesa da dita Conquista do dinheiro mais
propínquo, p. 103. Blut.: “Chegado, vizinho que está perto, & c. (Estava esta capella
muyto propinqua ao rio Douro Mon. Lusitan. tom. 2 fol. 58 vers.)”.
PROVAR v. ...não lhes parecendo bem provar-se com gente, p. 82. Pôr à prova, defrontar-se,
enfrentar, encarar, como se diz vulgarmente hoje aqui no Sul.
QUARTAU s. ...com a maré veio uma das lanchas a reconhecer os quart[aus], p. 64. Blut.:
“peça pequena de artelharia, que faz uma quarta parte de canhão. Há canhão, meyo
canhão, & quarto de canhão. Pelo muro vão postas outras peças pequenas, como os
nossos falcões, & quatro quartos grandes, & dezoito trabucos. (Barros, Déc. 4, pág.
352)”. A edição de 1984 repete o erro de leitura de Joaquim José da Costa e Sá, na
de 1812: quartaus, pl. de quartau, e não quartões pl. de quartão (medida de vinho de
três canadas ou o quarto de um almude). Não me parece crível que em meio à refrega
os inimigos procurassem identificar meras medidas de vinho.
QUEBRANÇA s. ...e o mar andou mais brando nesta quebrança das águas, p. 52. Embate
das águas, quando rebentam na praia. Na edição de 1874 o erudito humanista ma-
ranhense propôs acertadamente o étimo anse (= enseada) como segundo elemento
do composto grandança – à p. 76 que se lhe assemelha. Etim. verbeta: quebr. ançoso
adj. “ant. quebradiço” XIV. Mor. Abona, elucidando o significado: “As embarcações
estávão de largo na praya, por causa da quebrança da água”. Por evitar o rolo d’agua.
Couto, 10-7-18 e 6-10-18.
QUIÇAIS, QUIÇAES. adj. ...gente de mar e guerra, quiçais diferente da dos portugueses
na prática naval, p. 56. Eram quiçais homens, com que Deus e as gentes tinham roto
o gênero de tréguas, p. 93. Advérbio de dúvida, igual a talvez, quem sabe. Leão reco-
menda a 1ª forma com ditongo /ay/em lugar de quiçá, como hoje se usa, no Cap. da
“Reformação de algumas palavras que a gente vulgar usa e escreve mal”, mas Freire,
mais de século após, contesta (p. 124, 2ª parte): “Quiçá e não quiçás ou quiçais,
como diziam os antigos”.
QUINTAL s. ...vinte quintais de pólvora, p. 43. Blut.: “Peso de quatro arrobas, que fazem
cento e vinte & oyto arrateis, porque cada arroba he de trinta & dous arrateis”.
RECONHECENÇA s. ...e assim fará naquelas [...] uma diligente reconhecença de todas
as suas avenidas, p. 99. Blut.: “Vid. Reconhecimento (Honrávãolhe os lugares, que
fazião seus por esta reconhecença. Mon. Lusit. tom. 5. 159, col. 2)” A respeito da gra-
160 Diogo de Campos Moreno

fia de honrávãolhe, com pronome enclítico sem hífen, é comum encontrar-se assim
grafado nos livros antigos, apesar de Leão (p. 182) já recomendá-lo na ligação dos
compostos lusos e latinos. Em lugar do hífen para ligar, através de uma assimilação,
o pronome átono unia-se encliticamente ao verbo. Proen.: “Fazer reverencia tocando
cõ atesta no chão, aplicasse particularmente a mouros” (p. 188). Outras vezes não
se dobra o s: “Hum castigo que dão a os rapazes cõ as mãos crusadas pegando nas
orelhas abaixandose, levantandose co o corpo direito tocando quasi as nadegas, as
pernas” (Id., ibid. p. 189).
REFRESCO s. ...mais outro baú de livros, e cousas de refresco para sua embarcação, p. 102.
Blut.: após dar-lhe o sema principal de refrigeração, subdivide em dous significados
específicos: “de mantimentos para exercitos, armadas, & e. [...] Mandar refresco ao
exercito); e – de soldados. Nova gente de guerra, que acode a um exercito cançado
[sic] No tempo da batalha, que durou muyto, os inimigos cançados se retirávão, &
acudião outros de refresco.”
REPONTA s. ...e eles para se embarcarem naquela reponta da maré, p. 69. Blut.: “Princípio
de maré enchente. [...] (Porque com a reponta da maré. Damião de Góis, fol. 68,
col. 3)”.
RESPLANDOR s. ...bandas de Paris de resplandor de prata lavradas, p. 111. Blut.: “Res-
plandôr, muyto clara, qual he o Sol, & outros astros celestes, que tem luz viva &
não reflexa.”
RESPÚBLICA s. ...e requeremos a todos os reis, príncipes, respúblicas, potentados, p. 103.
Alomorfe do atual república. Blut.: “Estado governado por magistrados, eleitos, &
confirmados pelo povo: ou mais amplamente, Estado governado por muytos. Di-
zia um antigo, que as respublicas, por serem governadas por muytas cabeças, estão
sujeytas a muytas enfermidades.” Mas, testemunha: “Tão grande foy nos antigos o
receio da tyrania que sempre procurárão fazer do seu Estado Republica”. E continua,
desconsolado, já nos idos de 1720: “Hoje rara he a republica verdadeyra, com gover-
no totalmente popular”. A história, às vezes, se repete, às vezes, involui...
RODELA s. ...cobertos de paveses e rodelas tintas de mil cores, p. 69. Blut.: “He hum escudo
redondo, que embraçado no braço esquerdo, cobre o peyto & serve de arma defen-
siva a quem peleja com espada”.
ROMBO adj. ...tudo estava varado, e tiradas as tábuas, e rombas, p 80. Adjetivação do
substantivo rombo, com a acepção de arrombadas (embarcações), que faziam água.
Blut.: “Rombo. (Termo de navio) (Tinha-se aberto hum rombo junto à quilha da
nao. Vieyra, tom. 5, pág. 319)”.
SALVAGENS s. ...tenho um número infinito de salvagens, p. 73-74. Eis a estranha visão
européia de Blut., em 1720, quanto ao termo: “Tem cara quasi de feyção de homem,
com o nariz chato, & revolto, cabeça grossa, peyto sem cabello, & as costas cubertas
de cabelo negro [os Quojas Morrou, nativos de Angola]. Tem este animal muyta
Jornada do Maranhão 161

força, & muyta agilidade. Sabe porse em pé, & quasi sempre anda direyto. Há sal-
vagem macho, & femea: esta tem peyto, & ventre a modo de mulher. Em Hollanda
trouxérão ao Príncipe Federico Henrique hua salvagem fêmea do tamanho de hua
rapariga de tres annos, ainda que gorda, & repleta, era muyto agil, bebia & comia
com aceyo, & dormia em cama com lençóis como gente”. Os sacerdotes que vieram
conhecer os nossos, como Anchieta e Vieira, amaram-nos e sofreram por eles. São
ainda hoje, e sempre, gente como a gente.
SALVAJES s. ...salvajes, que a todos fazem o mesmo p. 31. Vd. Salvagens.
SEGUNDAR v. ...dar exemplo aos outros de o seguir, e de segundarem, p. 99. Blut.: “Repetir.
Reiterar. Fazer segunda vez o mesmo. [...] (Não segundar na ordem da História estas
guerras. Mon. Lusitan. Tom. 1, fol. 183, col. 3)”.
SEGURIDADE s. ...ou seja em crueldade, ou seja na liberdade das seguridades, p. 82. Blut.:
“Segurança. [...] (E se lógrão com mayor seguridade. Cartas de D. Franc. Manuel,
300)”.
SEMINÁRIO s. ...mais lhe mostraram o seminário dos moços franceses, p. 110. Blut.: “A
casa, em que se crião, & se ensínão moços em bons costumes & virtudes para o
serviço de Deus, & da Igreja” também podia significar “viveyro de plantas, po-
mar”.
SEXÁGONO s. ...logo traçou destramente um sexágono perfeito, capaz de alojar em si toda
aquela gente, p. 61. Neologismo híbrido de latim (sex – seis e) e grego (gõnos – ângu-
lo), foi expulso pelo composto grego hexágono (gr. hexágono, neutro de hexágonos).
SÍTIO s. ...o qual, depois de dizer missa, lhe mostrou o sítio do seu mosteiro, p. 110. Blut.:
“Espaço de terra descuberto. O chão, em que se pode levantar edifício.”
SOCAIRO s. ...querendo-se antes estar-se ao socairo do forte Santa Maria, p. 72. Blut.: “Ao
socayro. Termo nautico, antiquado. Val o mesmo que ao longo. Ir ao socayro da
fortaleza, com barco, ou navio.[...] (Se abrigou com a armada de remo, ao socairo da
nao, & do galeão. Lemos, Cercos de Malaca, 15, vers.)”.
SOSSO adv. ...com sete trincheiras de pedras em sosso, altas e grossas, p. 71. Pedras em sosso
ou pedras em sossa, aliás a única forma acolhida por Mor.: “usamos desta palavra
adverbialmente; v. g. pedra em sossa, sem cal, nem outro liame. Mend. Pinto, c. 17 e
93”. Em Cândido Mendes (edição de 1874, p. 208), está sosso, mas há registro, em
nota, das duas flexões.
SUBSTÂNCIA s. ...Monsieur du Prat, grande soldado, e pessoa de substância da câmara do
Cristianíssimo Rei de França, p. 64. Ou de sustância, de força, de projeção: importan-
te, respeitável, substancial.
SUJIGADO p. a. ...para dobrar os baixos de São Roque levando a terra sujigada a quatro lé-
guas, p. 46. O mesmo que subjugado ou sujeitado. Mor. Registra o derivado sugigador
(= subjugador). Blut. Registra sogeição, sogeitar, sogeito e sojugado.
162 Diogo de Campos Moreno

SUJIGAR v. ...o caravelão do Machado meteu tanto de ló por sujigar o recife, p. 43 . Vd.
sujigado, que deriva do verbo acima.
SUSO s. ...no efeito suso dito poderão ocorrer diversas ocasiões, p. 100; dar, ordenar, e dispor
em todas as cousas suso ditas, p. 100. Leão, à p. 292, assinala asuso, ou melhor acima.
Vit., no verbete Jussãa, diz: “He o contrário de susãa. Carta de Jussãa, Carta de baixo:
Carta de Susãa, Carta de cima. Doc. de Tarouca de 128... Antigamente se disse juso,
abaixo: e suso, acima. Ainda hoje (1798) se diz juzante, a maré, que baixa; e montan-
te, a maré que sobe”.
TABAJAR adj. ...no socorro dos índios tabajares da Buapava, p. 51. Garc.: “Tabajares (fl.
158 v.) Indiens. – Tabajáras, de taba aldeia, Yára senhor; os senhores das aldeias, os
aldeões. Tobayára, que ocorre em outros autores, significa o que está na frente, fron-
teiro, estrangeiro, ádvena, inimigo”.
TABAJARÉ s. ...entrava o Maniocapuá com os tabajarés, p. 72. Vd. Tabajar.
TATAJUBA s. ...do pau amarelo chamado tatajuba, e de todas as madeiras, p. 124. Cunha:
“Var. tatajiba, tatajuba, tataiobá, tatagyba, tatajúba (T.tata’iua – VBL 1.34: Amoras
brancas de árvore = Tatagiba. Ib. 1. 126: Espinheiro o das amoras brancas = Tatagy-
ba). Planta da família das moráceas.”
TENÇÃO s. ...tudo era seda, guarnições e ouro, em que se manifestava a tenção com que estas
despesas ditas eram feitas, p. 111. Blut.: Vontade, intento, propósito de dizer, ou fazer
alguma cousa. // “Declaravos-hey a minha tenção.”
TENÊNCIA s. ...meter com outros, seja por companhia, comissão, ou por tenência com igual
poder, p. 100. Blut.: “o cargo, que se dá de algum presídio, fortaleza, ou cidade, a
quem a tenha, & mantenha com fidelidade. Ou officio & cargo de tenente. (Resti-
tuído à tenencia da cidade da Guarda. Mon. Lusit. Tom. 5, fl. 134).”
TEREMEMBÉ s. ...também porque os índios Teremembés do Pará ou Ototói ficavam mais
perto, p. 51. Garc.: (fl. 189) Indiens. – Tremembés, indígenas que habitavam o litoral
do Norte, desde a foz do rio Camocim até a Ilha do Maranhão, e que foram des-
truídos em 1679 pela expedição ao mando do mamaluco Vital Maciel Parente filho
natural de Bento Maciel Parente, o qual tinha o posto de capitão-mor. – Berredo,
nos Anais históricos, chama-os Taramambases: Baena, no Compêndio das eras, dá-lhes
o nome de Taramambezes: mas a designação seria em princípio Tirimembés (de que
C. d’Abbeville fez Tremembez) contração de tyriri-membé, água ou líquido que se
escôa molemente, designando o local embrejado, ou encharcado, como era o habitat
da tribo, conforme plausivelmente explica Sampaio.
TEREMEMBE s. ...os Tapuias do Parameri, chamados teremembes, p. 34. Vd. Teremembé.
TESO s. ...para que sem parar lhes tivesse a escaramuça em teso aos capitães franceses, p.
76. Blut.: “Hum lugar alto, no campo. Havia numa planície um teso de bastante
Jornada do Maranhão 163

grandeza. [...] Hua grande arvore, que estava em um teso. Barros, I Déc. fol. 36,
col. 1)”.
TIJIPAZ s. ...e os índios de fora, em seus tijipazes, ou cabanas, ao longo da água, p. 50.
Cunha: “Cabana de índios, choça; por extensão, toda e qualquer construção rudi-
mentar. Note-se quantas variantes derivadas do tupi: tei’iu’paua: 1. tugipar, tiyupar,
tajupar, tijupar, tujupar, togibar, tuiupar, tejupar, teiupar, tigibar; 2. teigupába, teigu-
paba; 3. tigepau, tegipau, tegipão, tejupá. (Id., ibid.).
TOA s. ...indo neles o dito Sargento-Mor para aprestar toas, p. 44. Blut.: Ignora o sentido
base. Mor.: “A còrda que o navio grande dá a alguma embarcação menor para esta o
rebocar, e trazer à sirga, quando não ha vento”. “Recolhíão a toa do cabrestante. F.
Mendes, c. 68. Albuq. 4. p.c. 6 Cast. 3.36”.
TOPINAMBÁ s. ...os da Ilha Topinambás [...] sempre haviam de temer esta liança, p. 56.
Vd. Tupinambá.
TOPINAMBÓ adj. ...Mr. de la Fos Benart, com mais quatrocentos índios Topinambós, p.
71. Vd. Tupinambá.
TÓSSIGO s. ...tais desordens, as quais, para quem as entendia sem lhes poder dar remédio,
eram tóssigo, que consumia a vida e o gosto. p. 58. Mor. e Tes. somente registram tossigòso
e tossegoso e silenciam aquele substantivo, que serve de base ao adjetivo que verbetam.
Cândido Mendes (1874) conjectura ser variante de tóxico, o que, além de semantica-
mente plausível, tem evolução fonética análoga na palavra sintaxe (/ks/>/s/).
TROÇAL s. ...vestidos de roupas francesas azuis [...] brosladas de troçais de seda, p. 111.
Metátese de torçal. Blut.: “Cordaozinho de seda. Seda torcida. [...] E da fermosa cor
Assyria tinto, E de Torçaes Attalicos lavrado. Camoens, Eleg. 1, Estanc. 14.”
TRUXAMANTE s. ...por ser grande truxamante ou língua entre eles, p. 34. O mesmo que
intérprete. Cândido Mendes de Almeida diz com acerto ser empréstimo do francês.
TUPINAMBÁ s. ...dentro do Maranhão, defronte da Ilha dos tupinambás, p. 55. Garc.:
“Topynambá (fl. 61 et passim) indiens et sauvagens. – Tupinambá. – Dos escriptores
antigos o que mais se approximou da graphia tupi desse nome, entre os estrangeiros,
foi C. d’Abbeville. Léry escreveu Toiioupinambaout; Hans Staden Tuppinambas, Y
d’Evreux Tapinambos, etc. – O vocábulo tem sido explicado diversamente. Burton,
na Introdução ao The Captivity of Hans Staden, faz derivar o nome de tupi-ana-
ma-aba “people related to tupis”, Sampaio de tupi-nã-mbá, descendentes do tupis.
Qualquer das duas interpretações é satisfactoria tanto etymologica como ethnogra-
ficamente”.
TURQUESCO adj. em todas as guerras, assim cristãs como turquescas, p. 82. Blut.: “Cousa
de turco. Turcicus, a, um”.
164 Diogo de Campos Moreno

UCO s. ...a resposta que deu foi meter a carta no uco do chapéu, p. 75. A menos que seja erro
de leitura da edição de 1812, não encontrei abonação para o termo. Por contexto,
pode significar oco, concavidade.
URCA s. ...s partiu em uma urca, p. 36. Mor.: “Embarcação de comboi nas armadas, espé-
cie de barco grande, e muito largo”.
URUCU s. ...fazendo caso da tinta vermelha do urucu, p. 124. Todos sabemos ao urucu
num guisado de galinha, num xarope, ou em outras utilidades. Mas leiamos Garc.:
“Ouroucu (fl. 226) arbre... il porte une fruit qui est remply de petits grains rouges,
dont les Indiens se servent pour la teinture. – Urucú, o vermelhão (Bixa orellana.
Linn.). – Batista Caetano explica de várias maneiras: mas considerando-se o destino
que davam ao vegetal, ou melhor ao seu fructo, parece-nos razoavel derivar o nome
de ub-rocú pinta pernas. Também diziam rucú com r brando.
VALEROSO adj. ...chegaram descompostos, mas mui valerosos e honrados, p. 75. Tes.: “Que
tem forças. – Esforçado, corajoso, animoso. “Aquele que hoje se vê tão valeroso...”
VALEROSAMENTE adv. ...e ali se defendia valerosamente, p. 76. Advérbio formado de
valerosa + mente Vd. Valeroso.
VARADO p.a. ...dar fogo a todas as canoas que estavam varadas em terra, p. 76. Mor.:
Varar v. at. Fazer encalhar: v.g. varar o navio em terra. B4.8.14. Couto. Freire, 2.
nº 56.
VAREDA s. ...guardando postos, fazendo emboscadas, batendo varedas, p. 64. Blut. e Tes.
registram esta variante, remetendo o leitor para vereda, caminho estreito, senda, e
não estrada real.
VENTOSO adj. ...foi lua nova à sexta-feira muito ventosa, p. 53. Mor.: “Cheio de vento:
folle ventoso”.
VESTIDO s. Proveu-se esta gente de vestidos, armas e munições, p. 48. Blut.: “O com que nos
cobrimos, para a honestidade, & para defender o corpo das injúrias do ar.” Os nossos
ingênuos índios mais desmentem que segue: “O pecado foi a causa, por que se intro-
duziram os vestidos: quem se glorea [sic] delles, do peccado se glorea.”
VERAS s. ...entendeu o Senhor de la Ravardière as veras com que S. Majestade tomava as
cousas do Maranhão, p. 108. Mor.: “Veras, s.f.pl. [...] Vede se são veras ou burlas; i.é,
cousas sérias, ou brincos. § Veras oppõe-se a ficção, hypocrisia, dissimulação”.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Índice onomástico

–A– BEÇA, Francisco de – 78


BEJIÚ (cacique) – 44, 45
ABRAHAM (le funditor) – 88
BENART, La Fos – 71, 76, 77
ALBUQUERQUE, Antônio – 45, 72,
77, 78 BENUVIERA, La (mons.) – 79
ALBUQUERQUE, Gregório Fragoso de BETANCOR, Martim Calado de – 45
– 40, 45, 47, 59, 73, 75, 91, 113, BIRAMPITANGUÁ (cacique) – 61
115, 116, 119 BIXOT (sargento) – 80
ALBUQUERQUE, Jerônimo de (tam- BLANJARTIÈRE, La (M.) – 113, 123
bém Hieronymo) – 34, 35, 36, 38, BOTELHO, Diogo – 29
39, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 52, BRASIL (cacique) – 82, 112
60, 61, 63, 64, 70, 73, 76, 77, 82, BRIDU (mons.) – 80
85, 86, 88, 90, 91, 93, 94, 95, 96, BRUBARTE – 103
103, 104, 105, 106, 107, 116, 119,
120, 123 –C–
ALBUQUERQUE, Matias de – 119 CALADO, Martim – 47, 55, 63
ALEXANDRE (cacique) – 44 CAMARÃO (cacique) – 43, 45, 48, 49
ÁLVARES, Pedro – 78 CAMPOS, Diogo de – Ver MORENO,
AMBREVILLE, d’ (mons.) – 80 Diogo de Campos
ANDRÉ (cacique) – 44 CAMPOS, Estêvão de – 56, 78
ARCÂNGELO (frei) Ver PEMBROC, CANONVILE, de (M.) – 71, 76, 119
Arcângelo de CARACANTIM DE CAIETÉ (cacique)
ARCO VERDE (cacique) – 44 – 89
CARANGUEJO BRANCO (cacique) –
–B– 77
CARRASCO, Bartolomeu – 79
BACHILER, DE (mons.) – 80
CARVALHO, Feliciano Coelho de – 41
BACHILER, LE (mons., irmão do ante-
CHATEAU, DE (mons.) – 80
rior) – 80
CHAVANNE (mons.) – 79
BARACHO – 47
COELHO, Pero – Ver SOUSA, Pero Co-
BARROS, João de – 29, 116 elho de
BARTIER, Martin – 88 CONDÉ (princesa de) – 75
BASSERUA (mons.) – 80 CORREIA, Domingos – 78
BASTARDO, Pedro – 78 CORREIA, Jorge – 37
BATALLA, De (mons.) – 99 CORREIA, Simão Nunes – 63, 109
BAULT (mons.) – 124 COSME DE SÃO DAMIÃO (frei) – 40,
BEAUVALLON – 101 101
166 Diogo de Campos Moreno

COSTA, Diogo da – 73, 76 GONÇALVES, Mateus – 78


COSTA, Jorge da – 79 GRANDE, Vicente – 80
COUTO, Amaro do – 78 GRISANTE, Antônio – 77, 78
CRUX, De La (mons.) – 80 GROSBUÉS de (barão) – 96
GUEVARA, Gonçalo de – 78
–D–
GUEVARA, Luís de – 77, 78
DAMIÃO, Cosme de São – Ver COSME GUIRAITAPAVÁ (cacique) – 61
DE SÃO DAMIÃO GUISE (duquesa de) – 108
DAMPUILLE (Sr.) – Ver MEMERAN- GUISE (Senhor de) – 117
SI, Dampuille Charles de
DEPUIS, La Roche (mons.) – 79 –H–
DIABO GRANDE (cacique) – 35, 51,
52, 53 HARLEY, Nicolás de – 93, 115
DIOGO (dom) – Ver MENESES, Diogo HAUMELLAS (senhor de) – Ver RA-
de ZILLI, Francisco de
DU PRAT (M., também DO PRADO) – HAUTENOUESA (mons.) – 79
64, 66, 70, 76, 83, 91, 92, 97, 111, HEY, La – 79
113, 119, 122 HIBACON – 109
HOMEM, Manuel Mascarenhas – 41
–E–
EÇA, Manuel de Sousa de – 36, 37, 45, –I–
72, 81, 109
IPECUTINGÁ (cacique) – 61
–F– ITABU (mulher índia) – 52
FERNANDES, Encenso – 79
FIGUEIRA (padre) – 31 –J–
FILIPE (de Espanha) – 93
JACAUNÁ (cacique) – 32, 33, 48, 49
FOSSÉ (mons.) – 79
JORGE (cacique) – 44
FRAGOSO, Francisco – 106, 107
FRAGOSO, Gregório – Ver ALBU- JOYEUSE, La (cardeal) – 110, 117
QUERQUE, Gregório Fragoso de
FRAGOSO (capitão) – Ver ALBU- –L–
QUERQUE, Gregório Fragoso de
LALEMAN, Pierre – 88
FRANCISCO, dom (chefe índio) – 44
LANCLURE, Antonio – 88
FREIRE, Manuel de Brito – 48, 76
FRIAS, Francisco de – 40, 54-55, 57, 60, LASTRE, DE – 119
61, 66, 69, 72, 77, 109 LONE, DE – 123
LONGEVILLE, DE (mons.) – 79
–G– LOPES, Manuel – 79
GAMA, Jorge da – 37 LOUREIRO, Manuel de – 78
GATIGNAT (mons.) – 80 LUÍS (rei) – 98, 101, 102, 103, 111
Jornada do Maranhão 167

–M– MONIS, Luís – 107


MORENO, Diogo [e Diego] de Campos
MACHADO, João – 46, 56-57, 59, 63 – 29, 30, 32, 33, 35, 36, 38, 43, 72,
MACURAPIRÁ (cacique) – 44 84, 85, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 104,
MADEIRA (capitão) – 72, 75 106, 107, 110, 113, 114, 115-116,
MAGNIHI (mons.) – 79 123, 124
MAGROT (mons.) – 80 MORENO, Martim Soares – 32, 33, 34,
MALHARTE, Mateu (ou Manarte, capi- 35, 37, 39, 40, 41, 51, 56, 113, 123
tão) – 72, 86, 91, 92, 93, 97, 108, MOTTE, Nué de La – 88
113, 120, 124 MOURA, Alexandre de – 39, 41
MANARTE, Mateu – Ver MALHARTE, MUCURAPIRÁ (cacique) – 44, 61
Mateu
MANDIOCAPUÁ (cacique) – 44, 72 –O–
MANUEL DA PIEDADE (frei) – 40,
OLIVEIRA, João de – 79
52, 66, 101, 109, 113
OLIVEIRA, Manuel Vaz de – 75
MARAIS, Des – 80
OTUIMIRI (piloto) – 30
MARAÑÓN, Hieronymo de Albuquer-
que – Ver ALBUQUERQUE, Jerô-
–P–
nimo de
MARIGUI, Marcos (cacique) – 44 PAGIER, Jean – 88
MARIXAL, Critien – 88 PAIS, Francisco – 79
MARTINS, Domingos – 78 PARISINO, Honorato – 101
MARTINS, Sebastião (também Bastião) PATACU (cacique) – 45
– 39, 40, 53, 54, 56, 63, 64 PAU-SECO (cacique) – 44
MASCARENHAS, Manuel – 41 PAVARES, Francisco de – 56
MATA, João da – 78 PEDRO SÃO PEROS (padre) – 31
MATOS, Fernão de – 35-36 PEMBRÉ, Arcângelo de – Ver PEM-
MEL REDONDO (cacique) – 30, 108 BROC, Arcângelo de
MELOS (os) – 116 PEMBROC, Arcângelo de (sacerdote) –
MENDES, Brás – 79 101, 102, 108, 110, 116, 117, 119
MENDIOLA, João de – 79 PESTANA (alferes) – 55
MENESES, Diogo de – 32, 33, 34, 112 PETRESI (senhor de) – 97
MESQUITA, Roque de – 79 PIEDADE, Manuel de (frei) – Ver MA-
MINAÇU (cacique) – 44 NUEL DA PIEDADE
MINGÃO (intérprete) – 80, 112, 122 PINTO (padre) – 31
MOLÈ Y GROSBUÈS (barão de) – 93 PISIAU [também PISIAUS] (monsieur
MOMERANSI, Dampuille Charles de – de) – 66, 70, 71, 75, 79, 81, 87, 110,
98, 101, 115 115, 121, 123
MONGOMERI (conde de) – 118 PRAERIÁ, de La (mons.) – 79
168 Diogo de Campos Moreno

–R– SOARES, Martim – Ver MORENO,


Martim Soares
RAMIRES, Bartolomeu – 78
SOUSA, Francisco de – 41
RANGEL(Casa) – 84
SOUSA, Gaspar de – 34, 36, 37, 103,
RANGEL, Melchior – 56, 69, 79
104, 106, 107, 109, 114
RASELLI – Ver RAZILLI, Francisco de
SOUSA, Gonçalo de – 79
RAVARDIÈRE, La (senhor de) – 72,
74, 76, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, SOUSA, Manuel de – 31, 44, 52
86, 87, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 95, SOUSA, Pero Coelho de – 29, 30, 31, 32,
96, 97, 98, 99, 100, 101, 107, 108, 63, 108
109, 110, 111, 112, 113, 115, 117,
118, 119, 120, 123, 124 –T–
RAZILLI, Francisco de – 66, 72, 91, 93, TAMBOR (cacique) – 45
111, 115, 118, 123 TATUAÇU (cacique) – 77
REGO, Manuel do – 107 TAVARES, Manuel – 109
ROCHA, Paulo da – 47 TEIXEIRA, Pedro – 56
ROCHE, La (mons.) – 79 TOUCHE, Daniel de La – Ver RAVAR-
ROCHEFARTE (mons.) – 79 DIÈRE, LA
RODOVALHO (sargento) – 79 TURÇOU (língua) – 71, 77
ROMA, Francisco Mendes – 63
RUELLE, LA (mons.)– 80 –V–
VANET (mons.) – 79
–S–
VAZ, Cristóvão – 77, 78
SABLON (mons.) – 79 VELASCO, Francisco de – 79
SANSI (senhor de) – 118 VERDURA, LA (sargento) – 80
SÃO GIL (mons.) – 79
–X–
SÃO VICENTE (mons.) – 79
SAUVENSI (mons.) – 80 XAPIAÇU (índio) – 112
SILVA, Manuel da – 56
–W–
SIMAS, Antônio Viles de – 107
SIRNE, Lourenço Peixoto – 32 WANCARDEN, Paulo – 30
Jornada do Maranhão 169

Jornada do Maranhão, de Diogo de Campos Moreno, foi composto em Garamond,


corpo 12/14, e impresso em papel vergê areia 85 g/m2, nas oficinas da
SEEP (Secretaria Especial de Editoração e Publicações), do Senado Federal,
em Brasília. Acabou-se de imprimir em julho de 2011, de
acordo com o programa editorial e projeto gráfico do
Conselho Editorial do Senado Federal.
EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL
Poucas vezes na História do Brasil a conquista ou ocupação de
......................

SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................

dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro

por ordem de sua majestade feita o ano de 1614


no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (vol. 94). Eles complementam esta
Criado na década de 1980, o INBI/SU
foi elaborado para apoiar as ações de con-
narrativa de grande importância por tratar de maneira muito particular
a luta entre franceses e portugueses.
Jornada do etnográfico, um volume pleno de curio-
sidades sobre os trópicos. É o primeiro

Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a

C opiador das cartas particulares


mentos que representam fontes primárias e auxiliam os pesquisadores
e interessados em nosso passado colonial a estabelecer a verdade dos
por ordem de sua majestade viagem, os contratempos da navegação,
a permanência dos franceses no Brasil,
do senhor Dom Manuel da Cruz (1739-
1762) bispo do Maranhão e de Mariana.
fatos e a grandeza das ações dos homens que fizeram a nossa História. feita o ano de 1614 até a volta a Paris de d’Abbeville. Livro
precioso e necessário para os que dese-
O volume conta ainda com duas introduções, de José Sarney e Josué
Esta obra de D. Manuel da Cruz cons- jam conhecer o Brasil colonial e obter
titui um monumento para quantos se Montello, assim como de uma análise filológico-estilística empreendida
informação sob o olhar estrangeiro das
interessarem pela história da Igreja de por Antônio Martins de Araújo. nossas terras e costumes. Este volume faz
Minas Gerais, em particular, e da Igreja parte da bibliografia fundamental sobre
no Brasil, em geral. Por meio de diversas Diogo de Campos relata o preparativo para as guerras, a con-
cepção logística, o recrutamento das tropas, o tipo de combates, além a História do Brasil.
cartas, somos apresentados a caminhos
pouco ou nada conhecidos do interior do das cartas entre os dois comandantes e até diálogos de tão viva descri-
Piauí, Maranhão, Bahia e, claro, Minas, ção que apresentam o comportamento da assistência com desagrado ou Diogo de Campos
consolidados já na primeira metade do

Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de

Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
Edições do Edições do
Senado Federal
Senado Federal
Volume 161
Volume 161

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