Jornada Maranhao
Jornada Maranhao
Jornada Maranhao
SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................
dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro
Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a
Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de
Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
Edições do Edições do
Senado Federal
Senado Federal
Volume 161
Volume 161
EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL
Poucas vezes na História do Brasil a conquista ou ocupação de
......................
SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................
dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro
Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a
Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de
Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
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Poucas vezes na História do Brasil a conquista ou ocupação de
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Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
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...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................
dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro
Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a
Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de
Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
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Senado Federal
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Volume 161
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Desenho de Jerônimo de Albuquerque Maranhão
(*Olinda, Pernambuco 1548 — Rio Grande do Norte, 1618),
militar e sertanista brasileiro.
Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614
......................
SENADO
FEDERAL
......................
Mesa Diretora
Biênio 2011/2012
Suplentes de Secretário
Conselho Editorial
Conselheiros
Jornada do
Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614
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SENADO
FEDERAL
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Brasília – 2011
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 161
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico
e cultural e de importância relevante para a compreensão da história política,
econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.
ISBN: 978-85-7018-379-8
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sumário
As meias de seda
por José Sarney
pág. 11
À conquista do Maranhão
por Josué Montello
pág. 17
Prefação
pág. 23
Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade feita o ano de 1614
pág. 27
Análise filológico-estilística
por Antônio Martins de Araújo
pág. 125
ÍNDICE ONOMÁSTICO
pág. 165
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sobre a presente edição
SEBASTIÃO MOREIRA DUARTE
JOSÉ SARNEY
obrigava a não tê-lo como obra de sua autoria, sem mérito outro senão o
de um oficial responsável, reconhecedor das leis de guerra e zeloso de seu
ofício. Ele se preparou para uma grande guerra, longa e difícil. A Jornada
tornou-se milagrosa porque os franceses não sabiam lutar e não tinham
vindo ao Brasil para lutar, e sim para civilizá-lo, servir aos interesses da
religião e da conquista.
As cartas que aqui são transcritas de Jerônimo de Albuquerque
e de La Ravardière mostram o estado de espírito dos invasores. No prin-
cípio a perplexidade, depois as mesuras e a magnanimidade. A morte de
um dos grandes amigos do comandante quebrou-lhe o ânimo.
A partir desse momento somente deseja a paz. Essa confissão
explica para nós como um exército tão numeroso, tão pleno de recursos,
foi derrotado por soldados maltrapilhos que não tinham sequer um
enfermeiro, nem comida, nem ataduras, nem meios, e muito menos
conhecimento do terreno. Por isso, as ordens de Jerônimo de Albuquer-
que, o grande conhecedor dos índios, dos artifícios e das fraquezas dos
nossos primeiros habitantes, se chocam com as de Diogo de Campos,
soldado que lutara em Flandres com o príncipe de Parma e que onde
chegava desejava construir fortes, ordenar companhias e esquadras, se-
gundo as regras mais apuradas da ciência e disciplina militares, con-
trastando com o velho Albuquerque, decidido, arrojado e vaidoso, com
uma imagem própria e legendária de conquistador de terras, como bem
observa João Lisboa.
Essa divergência de temperamento e de formação é bem evidencia-
da no diálogo entre o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque e o sargento-mor
Diogo de Campos, sobre como conduzir a guerra. Um confiava na audácia
e no arrojo; o outro, em seus conhecimentos científicos. É por isso que o autor
da Jornada diz ao velho guerreiro que esta luta “não era jornada de sertão,
senão de S. Majestade”. Era uma alusão bem clara aos métodos de Jerônimo
Jornada do Maranhão 15
com “música concertada”. Sua primeira missiva é assinada como “este teu
mortal inimigo”. Já Albuquerque, que nada falava de francês, dirá: “il sera
comme vous plaira”.
As últimas cartas, entretanto, têm um tom diferente: “Eu lhe
beijo às mãos com vossa licença, e o mesmo faço a vós ambos, vosso servi-
dor, Ravardière”.
(Albuquerque) “El capitán de Campos y yo os besamos las
manos muchas vezes. Hieronymo de Albuquerque.”
É este livro que está agora editado.
Napoleão dizia que a guerra era assim mesmo:
“De manhã vai bem, de tarde vai mal; de tarde vai bem, de
manhã vai mal...”
La Ravardière, vencido, sabendo da morte de De Pisiaux, seu
amigo e companheiro de sonho desta nova França, ficará trancado no cama-
rote de sua nau capitânia, fundeada ao largo da baía. A ninguém falará nes-
se dia, seu rosto não aparece. É somente tristeza, “pela morte do tenente-geral
De Pisiaux e pelos demais parentes e amigos do Senhor de La Ravardière,
aquele dia, nem o outro, falou a ninguém, encerrado em seu camarote, como
homem pouco acostumado a ser vencido...”.
Do outro lado, o vencedor, Diogo de Campos, dizia a Jerôni-
mo de Albuquerque:
“Cuido, Senhor, que ganhei as meias, e que não somente não
terá V. Mercê índios de paz, mas que terá franceses de guerra”.
E entre lágrimas pelos amigos mortos e cantos de alegria
pela vitória, na batalha de Guaxenduba morreu o sonho daqueles fi-
dalgos de construir nesta terra outra grande terra. Deles guardamos o
nome da cidade, a tradição e os gestos. Mas ficamos portugueses para
a eternidade, na disputa destas mágicas “meias de seda”.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
À conquista do Maranhão
JOSUÉ MONTELLO
da Gama à Índia – bastou ao gênio de Camões para tema dos dez cantos
de Os Lusíadas, certamente a mais bela epopeia de língua portuguesa,
em todos os tempos.
De tal modo as aventuras portuguesas nos espantam, quer nas
histórias trágico-marítimas, quer nas Décadas, de João de Barros e Diogo de
Couto, que somos inclinados a crer, lendo a famosa Peregrinação, de Fernão
Mendes Pinto, que há, ali, menos ficção que realidade.
Com efeito, ao lermos os feitos realmente históricos nas pági-
nas dos cronistas e epistológrafos, a realidade nos parece tão estarrecente
quanto a ficção, não havendo assim razão para a interferência da fanta-
sia romanesca em muito do que narrou Fernão Mendes Pinto.
Atentemos agora para o fato de que o livro genial de Cervan-
tes, Dom Quixote, foi publicado em Lisboa, na fase em que Espanha e
Portugal se achavam unidos, sob a mesma coroa espanhola. Que é o herói
de Cervantes? Um leitor de novelas pastoris e de novelas de cavalaria,
inclinado a aceitar como verdadeiros todos os feitos absurdos contidos
nesses dous tipos de novela. Lembre-se mais a circunstância de que o
homem ocidental estava rodeado de fatos tão surpreendentes que não
haveria exagero em aceitar como verdadeiros os arroubos de imaginação
dos novelistas. A realidade era realmente fantástica. Por que a fantasia
não seria também real, impondo-se à credulidade humana?
Alcântara Machado, em Vida e morte do bandeirante, conta-
nos que, rebuscando os papéis cartorários dos desbravadores que fizeram a
nossa conquista leste-oeste e norte-sul, encontraram alusão a um volume de
Fernão Mendes Pinto, provavelmente as Peregrinações. No inventário de
Pero de Araújo, a carência de papel adequado levou o escrivão a valer-se
de uma folha em que figurava a cópia manuscrita de algumas estrofes ca-
monianas, precisamente aquelas em que os portugueses se preparam para a
conquista do cabo Tormentório.
O fantástico da literatura andava a harmonizar-se com o fan-
tástico da história verdadeira, como se não houvesse fronteiras exatas
entre realidade e fantasia, nesses tempos assombrosos.
Jornada do Maranhão 19
Prefação
(DA ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE
LISBOA PARA A EDIÇÃO ORIGINAL)
mesmas palavras a maior parte dele. O mesmo Berredo confessa este plagiato
em as seguintes expressões tiradas do § 217: “Porque tive a felicidade de que a
universal vivente biblioteca das nossas idades, dom Francisco Xavier de Mene-
ses, 3º conde da Ericeira, me comunicasse generosamente um manuscrito, sem
nome de autor, porém do mesmo tempo desta expedição, que, conferido com as
minhas memórias, acho que é certíssimo diário dos sucessos dela, me pareceu
fazê-lo público à insaciável ambição dos estudiosos, procurando contudo na
restrição formal das suas notícias inclinar a benevolência dos mais severos ins-
petores dos preceitos da História, na rigorosa crítica das reflexões modernas”.
Julgamos bastante esta passagem a acreditar este opúsculo, visto ser
ele o mais antigo, ou para melhor dizer o único monumento donde é tirado
tudo o que atualmente se sabe a respeito daquela jornada de Jerônimo de Al-
buquerque.
Em quanto ao autor que a escreveu: não temos dúvida em afirmar
que foi Diogo de Campos Moreno, capitão e sargento-mor do Estado do Brasil,
o qual acompanhou Jerônimo de Albuquerque naquela Conquista, não só em o
seu posto de sargento-mor do Estado, mas como seu adjunto e colateral, expres-
sões de que se serve o governador Gaspar de Sousa em a patente que lhe passou
em Olinda aos 30 de julho de 1614.
Os motivos, que nos movem a esta persuasão, são bem fáceis de veri-
ficar pela leitura da mesma obra. Mostra-se pelo contexto dela que o seu autor
presenciou os fatos que refere tão miudamente, e que tinha uma instrução sufi-
ciente da ciência naval e arquitetura militar; além disso, conta por duas vezes,
e com muita miudeza, fatos em que ele se achou só dentre os portugueses, ou
com um único companheiro, sendo o primeiro a entrevista que teve com Mr.
de La Ravardière, e que vem à p. 78 e 79; e o segundo a outra entrevista com
o mesmo governador, e que vem à p. 99 e seguintes, em ambas as quais relata
com tanta miudeza as palavras que disse, e lhe responderam, e até os risos e
gestos dos franceses na sua presença, que só uma testemunha ocular seria capaz
de fazer aquela narração tão circunstanciada.
Outro motivo que nos induz a esta crença é que a história é escrita
com tal arte que toda a glória daquele sucesso se atribui não a Jerônimo de
Albuquerque, mas sim ao mesmo Diogo de Campos Moreno, sem que por isso
o autor diga uma única palavra em seu elogio, como era de esperar: pelo con-
Jornada do Maranhão 25
trário, ele se contentou de fazer falar os fatos, sem passar pelo desdouro de se
gabar a si mesmo.
Em quanto às razões que fizeram com que Diogo de Campos não
assinasse seu nome, ficarão conhecidas quando, depois de lida a sua obra, se
vir a liberdade com que é escrita, e as expressões com que se explica a respeito
de alguns indivíduos, principalmente do capitão-mor da expedição, Jerônimo
de Albuquerque, do qual, apesar de tudo, ele sempre se ficou dando por amigo,
como diz expressamente à p. 48.
Finalmente, deve-se notar que este Diogo de Campos foi quem trou-
xe a Lisboa o ajuste de suspensão de armas entre os dous comandantes, franceses
e portugueses, e que com sua saída do Maranhão para Portugal se dá fim àque-
la história, que acompanha seu autor até o apresentar diante do arcebispo vice-
rei de Portugal em 5 de março de 1615, época em que pouco mais ou menos
este opúsculo teria sido escrito, não sendo assim para admirar que o conde da
Ericeira viesse a ficar de posse dele.
O manuscrito foi comunicado à Academia pelo seu correspondente
Joaquim José da Costa e Sá, pessoa tão conhecida pelos seus muitos trabalhos
filológicos. A sua arrebatada morte privou a Academia de que ele acabasse
uma erudita prefação a este livro, o qual ele se propunha dedicar ao Príncipe
Regente Nosso Senhor, magnânimo e augusto protetor de todas as empresas
acadêmicas.
Jornada do Maranhão
por ordem de Sua Majestade
feita o ano de 1614
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
ao trazer dali cem léguas, donde estava enfermo e consumido, e tal fim
houve esta segunda empresa do Maranhão.
Já neste tempo governava o Estado do Brasil Dom Diogo de
Meneses, cujo zelo e cristandade parecia assegurar as maiores empresas
dele, tendo entre outras muitas cousas de substância alcançado, praticado,
e quase assentado, a forma mais fácil, mais breve e menos custosa de aquela
Conquista desdenhada, e quase de todos já avorrecida, e dando com sua
costumada prudência e verdade conta da importância da costa de leste-
oeste, e de seus portos até o Maranhão, e mostrando que não só estava em
perigo de *cossários se valerem dela, mas de outros tiranos, que possuin-
do-a podiam intentar grandes cousas contra o Peru, e todo novo mundo
da América, ao melhor do qual ficavam de *balravento, juntando a isto a
relação de certos franceses que em um *patacho se tomaram na boca da
baía, os quais descobriram muito do que sabiam, finalmente deferindo S.
Majestade aos avisos do dito governador, lhe mandou que, com particular
cuidado e diligência, se tornasse a informar das cousas daquela Conquista,
e do modo melhor em que podiam fazer-se.
Em virtude desta carta de S. Majestade, logo o governador no
ano de 611 mandou ao sargento-mor Diogo de Campos ao Rio Grande,
para que como parte mais próxima ao Jaguaribe de novo se informasse do
que convinha ao cumprimento da ordem do dito senhor.
Tinha o dito Diogo de Campos um parente seu, o qual de mui-
to pequeno havia mandado com Pero Coelho de Sousa, para que, ser-
vindo naquela entrada, aprendesse a língua dos índios e seus costumes,
dando-se com eles e fazendo-se seu mui familiar e parente ou compadre,
como eles dizem. Sucedeu isto tanto à medida do desejo, que, havendo-
se Pero Coelho de Sousa retirado em descrédito dos índios e os padres da
Companhia com pouca dita, só o moço chamado Martim Soares Moreno
sustentou o crédito e amizade destas gentes do Jaguaribe. Pela qual opinião
o dito governador Dom Diogo de Meneses o fez tenente da fortaleza do
Rio Grande, donde o achou servindo Lourenço Peixoto Sirne, quando foi
ser capitão de aquela capitania, fazendo que em seu tempo o dito Mar-
tim Soares fosse, como foi, três vezes ao Jaguaribe, cada vez confirmando
mais a paz e amizade com Jacauná, principal de aquelas gentes, o qual lhe
chamava filho: de que sucedeu que, chegando o dito sargento-maior ao
Jornada do Maranhão 33
Rio Grande, fez uma mui conveniente e nova relação das cousas daquela
Conquista, de modo assim gizada narração de seus fundamentos, que foi
assinada por todos os capitães de aquelas capitanias do norte até do de
Paranambuco, assegurando ser convenientíssimo fazer-se a Conquista, e
irem-se assegurando e povoando primeiro alguns portos de aquela costa
com pequenos *presídios.
Com estes pareceres, se resolveu o dito governador não só de
avisar a S. Majestade como fez cumprimento da ordem que tinha, mas de
dar, como deu, princípio à obra no dito ano. E assim despachou ao dito
Martim Soares, fazendo-o capitão do Ceará, e dando-lhe só dous soldados,
a fim que os índios não o tivessem por hóspede pesado, e vissem como não
ia a lhes fazer guerra, mas antes a se fiar nas suas amizades e forças: e que
assim tratasse de fazer fortaleza e igreja para se batizarem e doutrinarem os
ditos índios, para o que lhe deu capelão, ornamentos e um sino, e outras
cousas necessárias, com que se partiu e chegou a salvamento ao Ceará,
donde fundou igreja a N. Senhora do Amparo, e fez um forte capaz de du-
zentos homens soldados, e moradores, e nele com amizade e fé de Jacauná,
o qual fez vir a alojar-se meia légua do forte com a sua aldeia. Sucedendo,
para confirmação deste bom princípio, que tomou o dito Martim Soares
um navio holandês com ajuda dos índios, indo ele nu entre eles, e tingido
de jimpapo, que faz a carne como negro de Guiné, matando em terra e no
dito navio 42 homens, ficando senhores da nau e do que tinha em si de
mantimentos, armas, e *artilheria, e munições, e com este sucesso aumen-
tando-se o crédito da dita povoação, fizeram fugir do porto de Mucuripe
outra nau, matando-lhe alguns homens do batel, o que foi causa de que a
15 ou 16 léguas daqui fosse dar à costa, onde dizem que se perdeu, além
da gente, muito marfim e ouro da Costa da Mina, que com doença não
havia quem mareasse as velas. Tudo isto aconteceu já no cabo do governo
do dito Dom Diogo, e estando ele na Bahia de Todos os Santos, confiando
que de Paranambuco se teria cuidado do que à nova colônia importasse.
Mas sucedeu que se descuidaram tanto do dito Martim Soares que quase
se viu desacreditado e perdido com os índios, que, soberbos das presas al-
cançadas e não vendo que se fazia conta de aqueles brancos, e não faltando
um mau cristão que de secreto avisava aos bárbaros que os matassem, que
sem ordem se havia ido ali para os cativarem, estiveram mui em risco de
34 Diogo de Campos Moreno
perder as vidas e o bom princípio que com justa quietação se havia dado, e
sucedera dano, se o dito Martim Soares, já mui prático da língua e modos
de proceder dos índios, não se valera de sua indústria, até que lhe chegou
socorro.
Neste tempo, sendo S. Majestade já informada das cousas do
Maranhão, e da importância delas, e do modo em que o Governador Dom
Diogo de Meneses lhe tinha dado princípio, e havendo criado novo go-
vernador do dito Estado a Gaspar de Sousa, fidalgo de tantas partes, e
tão grande soldado, que para ele parece que guardava o Céu este encan-
tamento, e que dele se podiam esperar todos os bons sucessos, mandou
que, conformando-se com o que mais conveniente lhe parecesse para a
dita Conquista, assistisse sua pessoa em Paranambuco, e tratasse de eleger
pessoas em cargo, quais para a tal jornada bem lhe parecesse. Porque de tal
sorte lha encarregava, que, para a fazer, lhe dava todo o poder necessário
em assistência de dinheiro, como em efeito lhe deu, e *parou todas as
prevenções e cartas necessárias como se verá adiante, e assim, tanto que o
dito Gaspar de Sousa entregou a Paranambuco, não só tratou de socorrer,
como fez a Martim Soares em um momento, mas para a Conquista elegeu
logo capitão, nomeando no dito cargo a Jerônimo de Albuquerque por
ser experimentado nas cousas do sertão e dos índios, como por ser grande
*truxamante ou língua entre eles, e com nome de seu benfeitor e parente
ser muito aceito e conhecido em toda aquela costa, nas quais qualidades
parece que consistiu o maior peso da expedição, que sem índios era im-
possível fazer-se antes, o número deles quanto maior fosse, mais parece
que assegurava a jornada, e assim se tinha o dito governador persuadido
nesta consideração que, com só este homem abalar-se, se abalaria todo o
gentio de todas as partes, sem despesa da fazenda de S. Majestade, sem
algum trabalho. Contudo, não quis o Albuquerque partir-se sem muitos
homens brancos e tanto resgate quanto pôde tirar da fazenda de S. Majes-
tade, dizendo que além de sua fama e das dádivas se haviam de abalar todos
os índios de Jaguaribe, de Buapava e os tapuias do Parameri, chamados
*teremembés. E em efeito, vindo a contentar-se com o que lhe deram, que
não foi pouco, se partiu, e chegou ao Ceará o ano de 613, donde levou
consigo ao capitão Martim Soares, que com facilidade se lhe ofereceu para
reconhecer tudo o que faltava da costa até o Maranhão, e que entraria no
Jornada do Maranhão 35
mesmo rio, e com toda a brevidade possível tornaria a dar aviso se pudesse,
e que entretanto seria bom povoar-se o Camuri, que era um rio naquelas
partes de muito nome e muito próximo à grande serra de Buapava e dos
*teremembés, com os quais era mui necessário assentar pazes.
Partido Martim Soares, o dito Jerônimo de Albuquerque se foi
ao Camuri, e não achando cômodo para povoar, por ser toda a terra míse-
ra, seca e sem água para beber, se tornou atrás cousa de oito léguas à baía
das Tartarugas, chamada Peruquaquará, e ali assentou uma povoação, na
qual fundou um altar a N. Senhora do Rosário, e tratou com os índios da
Buapava que o seu principal, chamado o Diabo Grande, o viesse ver e ouvir
sua fala. Mas o índio, dando suas escusas, mandou um filho seu, oferecen-
do ao diante, quando ele tornasse, fazer o que lhe mandassem em nome
de S. Majestade, de quem era amigo, e dos brancos. Com isto se acabaram
os tratos e obras daquele ano e da despesa nele feita, que realmente, como
dizia o mesmo governador, já parece que pedia maior satisfação de obras.
Mas faltando Martim Soares, de quem não havia mais novas que as que ha-
via mandado do Pará, dizendo que tratara amizades com os *teremembés, e
que passava ao Maranhão, e vendo que o Diabo Grande havia refusado vir
a seu chamado, e que os mantimentos faltavam e a gente padecia falta de
todas as cousas, determinou de deixar nas Tartarugas 40 soldados com um
seu sobrinho, e partir-se por terra ao Ceará com o resto da gente, mandan-
do os barcos, que, costeando a costa como melhor pudessem, se tornarem a
Paranambuco, para donde ele também logo caminhava, não lhe parecendo
necessário para nenhuma cousa destas ordem do governador. E assim foi
este o fim da primeira Jornada de Jerônimo de Albuquerque o ano de 612,
chegando a Paranambuco a salvamento.
Neste tempo mandou S. Majestade ao sargento-mor daquele Es-
tado, Diogo de Campos, que logo se embarcasse em Lisboa, donde com
licença do dito senhor havia ido a levar sua casa, e que se fosse a servir na
Jornada do Maranhão, porque, quando de lá viesse, lhe mandaria fazer as
*mercês e honras que por aquele e os demais seus serviços merecesse. A isto
replicou por três vezes com instância o dito sargento-mor, escusando-se de
tornar ao Brasil, donde estava já despedido com licença do dito senhor.
Mas, estando nestas dúvidas, sucedeu que chegou aviso à corte de como
os holandeses armavam para o Brasil, pelo que o secretário Fernão de Ma-
36 Diogo de Campos Moreno
se em parte que houvesse terra para cultivar, por ver se poderia forrar-se à
custa e trabalhos dos mantimentos, que com tanta dificuldade se achavam,
quando convinha: pelas quais razões, e por uma natural confiança que
tinha em dar bom fim à empresa, mandou a Jerônimo de Albuquerque
logo se partisse a abalar os índios, para que, conforme a quantidade deles,
se aprestasse o necessário; mandou juntamente que ao dito se lhe passas-
sem novas provisões e regimento, e ao sargento-mor do Estado do Brasil,
Diogo de Campos, nomeou por colega e colateral do dito Jerônimo de
Albuquerque a igual voto nas cousas, para que nem se escusasse da ida
donde S. Majestade o mandava por estar nomeado o outro, nem, já que
fosse, houvesse diferenças nas resoluções das ordens, que, como haviam de
ser por votos, sempre a publicação delas de necessidade havia de ser em
nome do capitão da Conquista, que a ninguém se ficava subordinado mais
que ao governador; e ao sargento-mor do Estado, por seu cargo, tampouco
de outra pessoa naquelas partes, que do governador-geral, podia tomar a
ordem. Assim, que foi mui conveniente a traça para S. Majestade ficar mais
bem servido, como depois se mostrou nos efeitos.
Tendo isto assentado, mandou que se embarcassem 2.200 al-
queires de *farinha da terra em cinco barcos ou *caravelões da costa, com
ferramentas e cousas necessárias, parecendo-lhe que, para o que se havia de
fazer, que bastava este apresto, porque cada dia esperava ir provendo como
necessário fosse; de modo que Jerônimo de Albuquerque partiu para as
fronteiras dos índios da Prajuá a 22 de junho, e Diogo de Campos come-
çou de entender com as embarcações e assentos dos soldados, advertindo
do que mais conveniente lhe parecia para o tempo e as necessidades da
Jornada, a qual com menos de seis mil alqueires de farinha não era justo
intentar-se, pela falta de pilotos que havia para levar socorros, dos quais
não se podia ter confiança, até que dos mesmos navios tornassem alguns
a *balravento, cousa que até aquele tempo se tinha por infinita. Fundava-
se que a junta havia de ser de mais de mil almas, entre os quais o mesmo
governador fazia conta de 300 homens de mar e guerra, e de 500 frecheiros
índios, fora suas mulheres e criaturas, e os do Pará e Buapava, que o de
Albuquerque assegurava que se abalariam com ele para a jornada. E tudo
isto mal podia em cinco *caravelões fazer-se, e com a dita farinha, que
não chegava a 3 [mil] alqueires, sem outro provimento de comida, vinho,
Jornada do Maranhão 39
azeite, nem carne, nem *mezinhas, nem *físico, nem *barbeiro, nem cou-
sa alguma das que S. Majestade manda se deem a uma nau que parte do
porto, quanto mais a uma conquista tão perigosa nestas cousas. Ainda que
o dito sargento-mor se mostrava solícito, não era mui agradável ao pouco
que se podia a respeito do dinheiro, que faltava, e da gente, que não havia,
e dos avisos do Albuquerque, tão vários que se não podia sobre eles fundar
mais que dúvidas. O governador com sua prudência a tudo satisfazia, man-
dando *ministros por todas as partes *ajuntar farinha, pedindo dinheiro
emprestado para a leva da gente, tomando mais embarcações, mas de tal
modo que nem custosas nem defendidas fossem de seus donos, e estas
tais, como eram navios *mancos, pequenos e velhos, não autorizavam nem
asseguravam a Jornada, antes no meio destas prevenções todos entendiam
de fora que a Jornada se deixasse. O governador tudo isto fazia com o
olho em Jerônimo de Albuquerque, que umas vezes avisava que havia de
marchar por terra, e logo tornava, que não podia ser senão por mar, e isto
assim como com ele o praticavam os índios, que uns queriam e outros não
queriam embarcar-se. Os padres da Companhia diziam que por terra era
impossível fazer-se cousa boa por a larga distância até o Ceará, e caminho
sem gota de água, nem folha verde em muitas partes, de modo que quan-
do mais as cousas se mostravam tíbias, e que como digo nem mesmo o
governador parecia fiar-se nelas, então largando a casa de Paranambuco se
veio ao Recife, desejando de uma ou de outra sorte lançar fora o que junto
tinha, prometendo ser mui contínuo e pronto cada mês em mandar os so-
corros necessários. Alexandre de Moura e quase todos os práticos daquele
governo tinham contudo o negócio por duvidoso, e não se contentavam
dos fundamentos, nem da notícia, nem do cabedal daquela cousa, a qual
estando assim chegou aviso de Portugal, do capitão Martim Soares More-
no ser vivo e estar em seus trabalhos *arribado por Índias, e que havia visto
o Maranhão, e suas terras, e a grandeza e bondade delas, e que achava que
tinha muitos franceses, e fortalezas, e infinitos índios à sua *devação, pelo
que julgava serem necessárias para aquela Conquista grandes forças e ex-
cessivos gastos, e que para mais assim se informar do que passava naquelas
partes mandava o piloto Sebastião Martins e alguns soldados dos que com
ele se acharam, dos quais se poderia tomar mais larga informação, até que
Sua Majestade mandasse o que fosse servido. Esta gente, e aviso chegou a
40 Diogo de Campos Moreno
assento de que se fortificassem nesta *barra, e dessem logo aviso a Sua Ma-
jestade e a ele governador do que convinha a seu real serviço.
Já as ordens chegavam a este termo, e a cadeia e os fortes estavam
cheios de presos para embarcar, e os voluntários abicados às embarcações
pediam que comer; mas a comida e cousas mais necessárias não se acha-
vam, pelo que o sargento-mor do Estado não cessava de fazer lembran-
ças, advertindo que Manuel Mascarenhas Homem e Feliciano Coelho de
Carvalho, quando foram conquistar e povoar o Rio Grande 60 léguas de
Paranambuco, que o governador dom Francisco de Sousa, antes de tratar
na expedição, fizera o provimento da Jornada com 12$ cruzados em di-
nheiro da nau da Índia que foi ter à Bahia de Todos os Santos, e deu todos
os direitos dos escravos de Angola, e pôs um cruzado de tributo sobre cada
caixa de açúcar que se carregava naquele porto, e mandou que se tomasse
todo o dinheiro que estava recolhido dos defuntos e absentes, afora os so-
bejos dos dízimos, e afora o que gastaram muitos particulares por servir a
Sua Majestade, em que houve homem que só de sua *fazenda gastou dez
mil cruzados naquela jornada; e que além disso Alexandre de Moura estava
naquele tempo no Recife assistindo a mandar ao dito Rio Grande todos os
navios de provimento, vinhos, azeites, comidas, assim como chegavam do
Reino, e que Sua Majestade também mandou em duas grandes *urcas, pela
grande diligência e zelo do conde meirinho-mor, que governava a fazenda
do dito senhor em Portugal, nove peças de alcance de bronze e muitas de
ferro *coado, com tantas munições, armas e comida, que hoje parece cousa
incrível. Também veio ordem ao dito Manuel Mascarenhas para nomear,
e dar cargos e ordenados, quais lhe bem parecesse, como em efeito deu. E
com tudo isto dizem que a Jornada esteve tão arriscada a se alargar da mão
que tiveram feito assento disso, se Feliciano Coelho de Carvalho não che-
gara com o socorro da gente de Prajuá; sendo que os índios eram em mui
diferente número que os do Maranhão; e os franceses, que com eles anda-
vam, não chegavam a 60 homens sem cheiro de nobreza nem ordem de rei;
o que tudo é tão diferente na Jornada que se trata, que só de Paranambuco
a Perejá há 300 léguas, sem remédio, nem de tornarem tão cedo os navios
que lá forem, e que é cousa mui assegurada serem as forças dos franceses
mui grandes, pois só uma nau, de que havia notícia, além da que avisava
Martim Soares, era de 400 toneladas e levava 300 homens, muitos frades e
42 Diogo de Campos Moreno
povoadores, o que tudo assegurava haver daquela banda alguma grande co-
lônia, contra a qual achava serem necessárias mui diferentes forças das que
ao presente Sua Senhoria tinha, nem *ajuntar podia sem outros particula-
res favores e ordem de Sua Majestade, de quem era necessário aguardar-se
aviso, pois o que estava aparelhado só servia para engrossar as colônias da
costa e lançar as balizas mais avante, o que a *boamente faria se pudesse,
sem aventurar o todo da Jornada, a qual se esta vez se desacreditava ou
perdia, que para sempre o encantamento do Maranhão ficava mais cerrado
e mais espantoso aos olhos de todos pelas perdas já apontadas.
Bem via o governador que isto era falar a propósito, ainda que
não mostrava agradar-se de dificuldades, e mais quando as achava geral-
mente naqueles que aconselhar o podiam na matéria; e para mais ajuda
chegou, estando nestas dúvidas, uma carta de Sua Majestade, em que man-
dava que, sobre toda outra cousa, se lhe carregasse o pau-brasil às despesas
do dinheiro dos dízimos, e que não houvesse nada que isto *estorvasse, sob
pena de se haver pela fazenda e bens de quem causasse o contrário. Aqui
acabou o governador de se desgostar da Jornada, e sem dúvida a deixara,
se não estivera tanto cabedal metido. Contudo, tomando novo parecer,
mandou fazer outro assento, que visto ter feito despesa de mais de 16$
cruzados e estar quase *prestes tudo o que a terra podia a *boamente dar
de si, e Jerônimo de Albuquerque ser já parado ao Rio Grande com 300
índios flecheiros, conforme avisava em 29 de julho dito, com muita gente
branca, com todos os quais fazia e tinha feito despesa de dinheiro, armas e
mantimentos, e que parte dos índios já marchavam por terra, sem embargo
do que diziam os padres da Companhia, mandou que logo se partissem
dous *caravelões da costa, dos cinco que estavam destinados, com 1.200
alqueires de farinha, os quais, com a gente que levar pudessem, se fosse
logo ao Rio Grande para assistir a Jerônimo de Albuquerque, o qual en-
tendia que, sem dúvida, marcharia por terra neste modo de empenhar as
cousas. Fundava o governador um grande atalho ao que se lhe *presentava
de dificuldades, esperando que Deus o desempenhasse, pois a Jornada era
tanto de seu serviço, e contudo não parava de aviar ao sargento-mor, que
sempre apertava por farinha para seis meses pelo menos, pois dos socor-
ros não havia que ter confiança, como fica dito, nem nas partes donde
chegassem se havia de presumir que haviam de achar mais favor que o
Jornada do Maranhão 43
nia da Prajuá, e na *derrota encontram este dia o *caravelão que vinha das
Tartarugas, de levar a Manuel de Sousa e o já dito socorro, o qual, como
parece, tinha na viagem posto desde 8 de junho até 24 de agosto, em que se
mostra a dificuldade com que daquelas partes se torna para *balravento.
Em 25 do dito, com bom tempo terral, partiu a armada na volta
do porto dos Búzios, e na *derrota se tomou o sol em seis graus, e se des-
pediu o *caravelão do almoxarife para que fosse, como foi, a dar aviso no
Rio Grande da vinda da armada; a qual este dia, por chegar ainda com sol
ao porto dos Búzios, passou a surgir na Ponta Negra, que dista 82 léguas
ao sul da fortaleza.
Ao outro dia, que foram 26 de agosto, veio por terra o capitão-
mor Jerônimo de Albuquerque a ver-se com o sargento-mor do Estado:
assentaram que na maré da tarde a caravela e todos os *caravelões fossem a
entrar no Rio Grande para ali se *estibarem os navios e se embarcarem to-
dos, o que se pôs em execução, indo neles o dito sargento-mor para apres-
tar *toas e batéis, e ao outro dia meter na mesma maré os navios redondos,
como em efeito entraram a 27 do dito na maré da tarde, com vento sueste
rijo, que naquela *barra é mui *ponteiro, mas os navios entraram bem.
Logo aos 28 de agosto fizeram resenha da gente dos índios, para
ver os que faltavam ao número de 500 frecheiros, quantidade que o de
Albuquerque assegurava levar do Rio Grande, para que, com os de Ceará e
Buapava, com quem tinha grandes *lianças, pudesse meter na Jornada até
mil índios de guerra; e assim se tomou mostra, e pareceram os principais
que se seguem:
2 Somam, na lista acima, 234, e 224 aqui, conforme a edição de 1812. (N. do E.)
46 Diogo de Campos Moreno
davam boa razão de si, pelo risco que corriam em se separar uns de outros,
pois a armada ficava sem gente, e a terra era incapaz de lhes dar água nem
comida em tão largos dias como haviam de passar até se juntarem no Ceará,
donde, se sobreviesse qualquer pequeno acidente, ficavam sem poder dar aos
*presídios nem um pequeno socorro, quanto mais fazer a Conquista donde
os mandavam. Com estas razões e outras, o dito sargento-mor e o mesmo
Jerônimo de Albuquerque tomaram a gente branca e índios, e de sorte os
acomodaram que ao outro dia só a pessoa e gente do capitão-mor estava em
terra; mas, vendo roto o seu desenho, se embarcaram também e se fizeram à
vela, quarta-feira, 3 de setembro, às 11 horas do dia. Porém a capitânia que
seguia o *caravelão do Machado meteu tanto de *ló por *sujigar o recife que
deu em seco na coroa da areia que está defronte da fortaleza, e assim naquele
dia tornaram todos a surgir em seus postos. À quinta-feira ao amanhecer
houve junta sobre a saída, com todos os mestres e pilotos da armada, porque
a maré era mui matinal de água viva, e lua nova, e vento muito, a *barra
ruim, de sorte que ao outro dia lhes parecia mais conveniente a saída, porque
o terral e a maré vinha em maior conjunção, e que, para se forrar a demora
daqueles dous dias, podiam, sem tomar terra, chegar ao Ceará em dous dias
e duas noites, ou à baía do Iguapecasi. Com este assento se deram ordens
necessárias e à sexta-feira, 5 de setembro de 1614, às 6 horas da manhã, com
vento fresco, partiu a armada pela *barra fora do Rio Grande, e fora seguin-
do três horas ao nordeste para dobrar os *baixos de São Roque, levando a
terra *sujigada a quatro léguas, e assim naquele *compaz governaram outra
hora pelo norte, e logo guinando ao nornoroeste, e pelo noroeste seguindo
a *derrota, desviados da terra as léguas ditas não viram *baixos, nem pedras,
nem escarcéus de mar, nem cousa de que guardar se devessem. Antes, com
esta navegação tirou esta Jornada o medo que os *caravelões da costa publica-
vam daqueles *baixos, fazendo que nas cartas se desse de resguardo 25 léguas,
fazendo a serventia daquela costa por um canal que fica a uma légua de terra,
pelo qual precisamente queriam que houvesse de ser o caminho cedo3, como
dito é, o de fora, bom para quaisquer navios. Também aquela noite foi o ca-
3 Caminho cedo é como registra a edição original (p. 22, antepenúltima linha), embora
possa prevalecer a sugestão de que a passagem melhor se entenderia substituindo-se
cedo por certo. (N. do E.)
Jornada do Maranhão 47
dizem ser ali de ordinário até os meses de janeiro, fevereiro e março, que os
ventos cursam por cima da terra, e tem aquela paragem mais bonança.
Sendo, tal como dito é, esta enseada das Tartarugas *esparcelada,
perigosa e de pouco abrigo, pareceu bem que a armada e toda gente dela e
do *presídio se parasse ao porto do Camuri, oito léguas mais adiante, para
ali se tomar assento nas cousas da viagem e no socorro dos índios *tabajares
da Buapava, com quem o capitão-mor assegurava ter feito grandes amiza-
des, e porque também os índios *teremembés do Pará ou Ototói ficavam
mais perto, com os quais já Martim Soares havia tido falas, e parecia nisto
para o que se oferecesse deixar asseguradas todas aquelas gentes, e aquela
costa toda amiga para bem de se caminhar por terra, quando importasse.
Finalmente para em tudo sair com o prumo na mão conforme ao Regimen-
to do governador e as forças daquela armada. E assim para este efeito trata-
ram de mandar reconhecer de novo o Camuri por terra, para se passarem a
ele. Mas como as secas de aquele ano foram mui grandes, achou-se que não
havia água para beber nem folha verde com que se cobrirem, e que a *barra
era mui perigosa, e que na entrada tinha umas ruínas de pedra e cal, com
que em algum tempo houvesse sido povoada de gente de Europa, as quais
cousas denotavam não ser aquele posto de cobiça, se bem é verdade que
ali entravam algumas embarcações pequenas a resgatar o pau *cutiará, de
que os índios davam notícia haver ali muito. Com estas novas, foi forçoso
aguardarem em Jeruguaguará tomando mostra a toda a gente portuguesa,
e acabando de repartir aqueles soldados e as suas companhias até o número
de 60 a cada uma, como o mandava o governador, pagando-se a todo o seu
tempo atrasado em *fazendas, pelos preços do contrato, que foram tais, e
em tais cousas, que apenas houve com que os pobres se vestirem. Entretan-
to, mandou o capitão-mor à serra de Buapava dous índios para avisarem
ao Diabo Grande da sua chegada com os portugueses, para que descesse a
vê-los e a dar o socorro que tinha prometido para a Jornada do Maranhão.
Desta embaixada se riram os do *presídio, que de raiz conheciam a natureza
do índio Diabo, e contaram que, havendo-os convidado em dias passados
a uma guerra com certos tapuias seus inimigos, que foram dos4 soldados
daquele forte a dar-lhe ajuda, com a qual teve vitória; e comeu, e trouxe
à sua terra quantidade de cativos. E como se viu em casa, por pagar a boa
companhia, quis também comer os soldados, e sem dúvida o fizera, se sua
mulher, chamada Itabu, os não avisara, dizendo-lhes que fossem, porque
seu marido tratava de os matar fingindo certo agravo de um deles, mas que
ela não queria que tal passasse. De modo que, com esta paga, se retiraram
ao *presídio a salvamento em que não fizeram pouco. Em 3 de outubro
foi lua nova à sexta-feira, muito *ventosa de vento *loeste na *crescença do
sol, como fica dito. De noite houve terral do sussudoeste, que durava até
às 7 e 8 do dia. Ao quinto da lua, se mostrou o tempo nubloso, e o vento
foi mais sobre a terra, com alguns chuveiros, e o mar andou mais brando
nesta *quebrança das águas.
Sábado, dia do beato P. S. Francisco, 4 de outubro, houve missa
solene de canto de órgão e *frautas naqueles desertos de Jeruguaguará,
com suma devoção e grande alegria, em que comungou muita gente. Este
mesmo dia à tarde chegaram dous índios da Buapava com embaixada do
Diabo Grande, o qual por eles se desculpava dizendo ser impossível de
presente vir ouvir a fala do de Albuquerque, nem dar-lhe gente para a
Jornada, por falta de saúde, que todos os seus e ele tinham tal, que haviam
queimado as casas e aldeias, e viviam no campo até se passar a contagião
de aquele mal que os afligia. Isto diziam os índios, os quais também tra-
ziam uma carta de um de dous soldados que o capitão Manuel de Sousa
mandara à dita serra, para que avisassem da vinda da armada: e eles pediam
nela *barbeiro e *mezinhas para se curarem, que também o mal os tinha
apalpado. Com esta nova, verdadeira ou fingida que fosse, ficou desenga-
nado o capitão-mor, e bem enganados os que se viam metidos entre tais
ajudas e palavras de negros, para darem fim a uma Jornada tão arriscada e
de tanta importância. Deixemos o que tinha custado de dinheiro e resga-
tes este pensamento, e tratemos como ao domingo, dia de Nossa Senhora
do Rosário, se celebrou sua festa com missa solene e pregação, que foi a
primeira que fez, que se pregou nesta costa, e a primeira que fez dos seus
estudos o P. Fr. Manuel da Piedade, filho de aquela província. Na tarde
deste dia houve *alardo geral, esquadrão e escaramuça, por honra da fes-
ta daquela Senhora Nossa, no qual se acharam 220 soldados efetivos das
companhias, e da gente do mar 60, de que se fez outra, de sorte que, com
os enfermos, chegou o número dos portugueses a 300, e com os índios não
Jornada do Maranhão 53
degredos e de verem se mais avante podiam melhorar sua sorte, que todo
outro trabalho lhes parecia glória.
Domingo, 12 de outubro, às 6 horas da manhã, sendo tudo a
ponto, deram fogo aos quartéis de Jeruguaguará, e a armada se fez a vela
com terral de sueste, e assim foram correndo a ribeira com boa ordem, até
que, com a *crescença do dia, entrando a viração do leste com fúria e gran-
des mares, foi necessário navegar com *balselhos correndo em popa com
muito trabalho e grande perigo, indo sempre a gente dos *caravelões por
debaixo do mar. Sobre a tarde *abonançou o vento algum tanto, e assim,
com a lua da noite e boa vigia, se foi fazendo o caminho pelos perigosos
*parcéis do Pará e Ototói, e ao amanhecer se achou a armada toda junta,
cousa que parecia impossível por ser tão diferentes gêneros de embarcações
tão carregadas e tão cativas. Enfim aclarou o dia, chegou a armada bem à
terra a qual não foi conhecida de nenhum piloto. Sebastião Martins afir-
mava estar três léguas de Perejá. Pelo que, chegando-se à terra mais do que
convinha, se o vento não fora todo bonança àquelas horas, custara caro o
desengano em que dali a pouco confessou que entrava, porque o Perejá
ainda lhe demorava a leste mais de 16 léguas. Pelo que, fazendo força de
vela para de dia se alcançar a *barra, contudo não foi possível, e assim che-
gou a armada com uma hora de noite a querer embocar, e a tempo que a
maré descia para baixo, sem haver donde de noite pudessem aventurar a
surgir navios tão carregados, e entre tantos *parcéis e *alfaques ainda não
conhecidos, donde até às nuvens o mar andava. De modo que, metido
o negócio nestas dúvidas, fundados no luar e na água morta, e vento em
popa, com o qual contrastavam a maré que descia, foram com milagroso
ou bárbaro atrevimento entrando para dentro com faróis e fuzilando uns
aos outros. E, mais que tudo, foi notável que houve navios que iam tocan-
do e dando grandes pancadas nos bancos ao entrar da *barra, e por não
atemorizarem os que vinham de trás, calavam e paravam sem se ouvir uma
palavra de rumor que turbasse a viagem. E assim, com o prumo na mão,
foram todos surgir a salvamento às 10 horas da noite, dentro do rio Perejá,
três léguas por ele acima da banda de leste, donde, em um pensamento,
saltando em terra o capitão-mor e o sargento-mor do Estado, com a maior
parte de gente fazendo *fronte de armas, até que se reconhecesse e assegu-
rasse o campo, sucedeu que, enquanto se reconhecia, e o capitão Francisco
Jornada do Maranhão 55
5 A edição original anota (p. 36, 15ª linha) não, em vez de nau. Eventual hesitação
em, neste ponto, substituir uma palavra por outra parece superada, se verificarmos
que o mesmo lapso ocorre adiante, à p. 66 (p. 43, 13ª linha do original impresso),
aí, porém, não havendo dúvida quanto à emenda. (N. do E.)
58 Diogo de Campos Moreno
dano pudesse fazer, e que haviam achado defronte da Ilha um sítio bom e
eminente com um rio de água doce pelo pé, e terras belíssimas para toda a
sorte de mantimento, e tudo tão bem assombrado, e o caminho até lá tão
escuso e fácil por entre as ilhas, que tinham por grande erro deixarem se-
melhante parte. Com este aviso, não somente o capitão-mor se fez com os
demais, mas sem se lembrar do que estava assentado, mandou subitamente
que se embarcassem todos, e que quem quisesse ficar ali que ficasse. Com
isto, pararam as cousas do Perejá, disse-se missa, embarcou-se a gente, e
ao outro dia, que foram 22, se fez a armada à vela, com uma pressa tão fa-
tal, que realmente ninguém da terra naquilo parece que concorria, porque
cada qual dos adjuntos do capitão-mor antes da imaginação já lhe gabavam
os feitos, e assim, ao tempo de darem à vela, disse o de Albuquerque ao
sargento-mor do Estado: “Apostemos umas meias de seda, que antes de
sábado tenho índios do Maranhão em minha companhia”. “Sou contente
de as perder, disse o do Estado, a troco de que todos tenhamos esse gosto.
Porém, se as ganhar lembro que mas há de dar V. M.” Com isto partiram,
e foram surgir àquela noite a uma ilha, passando por entre outras infini-
tas, que, por serem tantas e o dia ser das Onze Mil Virgens, a todo aquele
posto se pôs este nome. Ao outro dia, seguindo os pilotos que nos dous
*caravelões mais ligeiros caminhavam diante, foram navegando, enquanto
durava a maré, por uma grande baía toda cercada de ilhas com *barras ao
mar grande, a que os franceses chamavam Grandança, na qual, em desca-
beçando a maré, logo minguando o mar 19 palmos de água, se acharam
os navios grandes em seco, de modo que, calçados e vestidos, os homens
se saíram a passear na areia, que quase ficou enxuta, e andaram de uns em
outros navios, que parecia encantamento, sendo de quilha e não tendo es-
coras, estarem direitos sem caírem à banda, dando fim a tais desordens, as
quais, para quem as entendia sem lhes poder dar remédio, eram *tóssigo,
que consumia a vida e o gosto. Tornou a maré, nadaram os navios, a noite
entrou escura, tanto que com infinito trabalho e perigo entraram pelo ca-
nal de Mumuná, dando de novo em seco no *lamarão o navio do sargento-
mor do Estado. Mas como subia a maré, logo chegou donde estavam os
*caravelões, que sem esperar haviam seguido seu caminho, por gozar da
água doce daquela Ilha, donde alojados em terra estavam como em Toledo,
sem cuidar que no mundo podia haver inimigos. Deu-se a isto súbito re-
Jornada do Maranhão 59
quão fora do sentido estava quem em tal tempo falava de se meter a dentro
dos perigos que ainda não sabiam, pois naquele lugar, se houvesse inimi-
gos, como cuidava que havia, nem ali haviam de ser senhores de tomar um
caranguejo; pelo que deixasse ao Frias fazer seu ofício, e que todos ajudas-
sem sua traça, que assim convinha. Finalmente, depois que bem viram e
reconheceram tudo, dando parte ao Frias do que estava assentado, logo
traçou destramente um *sexágono perfeito, capaz de alojar em si toda
aquela gente e se defender com mui pouca, acomodando-se com o terreno.
E assim, aos 28 do dito se disse missa, e nela os padres capuchos lançaram
sorte ao nome da fortaleza, e saiu o Nascimento de Nossa Senhora, e assim
se chamou o forte Santa Maria, o qual este dia se começou com todos os
soldados, cada companhia seu lanço. E na descarga dos navios andava a
gente do mar e de serviço quando viram vir correndo à ribeira uma canoa
grande com muitos índios, a qual chegada à terra foram recebidos de Jerôni-
mo de Albuquerque e de todos, com alegria. Porém eles, mostrando mui
pouca, estavam com tanta turbação que ao principal lhe tremiam quantos
ossos tinha descompostamente, e não de frio. Deram-lhes dádivas, *vestidos
e cousas de resgate, mas como receio de ser esta vinda movida de outra causa
mais que de sua vontade. Nas perguntas também variavam: houve deles que
disseram que na ilha havia muitos franceses; outros disseram que já eram
idos, e que não havia ninguém, pelo que eles haviam vindo a saber que gen-
te era esta que havia chegado, para serem seus compadres. Enfim, o capitão-
mor, levado de suas imaginações e crédito que se persuadia ter com todos os
índios do Brasil, em lugar de reter a estes até saber pontualmente a verdade,
os largou, pedindo-lhes que o viessem ver amiúde e que dissessem a seus
parentes de sua vinda; e mandou que com eles fossem dos nossos cinco, para
fazerem suas falas aos da ilha; e em lugar destes fez que lhe ficassem dous da
canoa, filhos de um principal da Ilha, chamado Birampitanguá, moços de
boa feição: o mais velho se chamava Ipecutingá, o outro, Guiraitapavá; dos
nossos que foram, o principal se chamava Mucurapirá, índio velho e de im-
portância. Nesta obra dos índios não se quis meter ninguém, por que o
capitão-mor não tomasse achaque, a dizer que lhe *estorvavam as pazes
que ele tanto assegurava, em falando com um índio do Maranhão. Partida
a canoa, logo se assentaram as 3 peças de *artilheria em uma esplanada, que
para isto fizeram com seus cestões, enquanto os baluartes e cortinas da obra
62 Diogo de Campos Moreno
haver pazes. Isto dizia uma e muitas vezes o Capitão Simão Nunes Correia,
que fazia o ofício de ajudante de sargento-mor de aquela Conquista, ho-
mem de experiência em aquelas guerras do Brasil e nas de Buapava, com-
panheiro de Pero Coelho de Sousa. Mas com todas estas cousas, práticas, e
discursos, em público e secreto, o capitão-mor sempre esperava pela paz
que lhe haviam de trazer os índios que havia mandado à Ilha, e quase des-
gostava de ver fazer as obras da fortificação, em que o sargento-mor do
Estado trazia metido todo o cabedal. Mas tudo ao de Albuquerque parecia
desnecessário, em comparação do que estimava palavra dos índios, em que
não consentia que se pusessem dúvidas, e assim de contínuo estava olhan-
do com grande bondade se vinham canoas de paz. Porém, o índio preso,
que já via ser-lhe necessário agradar a seus amos revelando segredos, não já
que ninguém com força o constrangesse, porque o capitão-mor estava de
permeio, que era seu pai e seu parente de todos, como ele dizia, enfim
disse que na ilha havia muitos franceses, e muitos fortes, e muita *artilheria
de ferro e de bronze, e muitos navios, em particular uma nau5 muito gran-
de, a qual sabia de certo que estava para vir contra aqueles navios, e que
partiria, sem dúvida, em dando lugar o tempo; e que disto dava por sinal
que duas embarcações pequenas apareceriam no outro dia ao longo da ilha,
e que tinham os ditos franceses tomado todos os principais portos e ocu-
pados com gente de guerra, e que todas as canoas dos índios daquelas co-
marcas estavam debaixo de sua potência, de feição que nenhuma se bulia
sem particular ordem do seu major, e que os índios que haviam ido de paz
com a primeira canoa, que todos estavam em ferros, e que haviam sido
apertados com cordéis para dizerem o que *parava entre os portugueses.
Ouvidas estas novas, logo trataram de mandar aviso a Paranambuco por
duas vias, começando de arrecear que antes de muito nem por mar nem
por terra seria possível fazer-se, e assim se aprestaram Bastião Martins com
o seu *caravelão, e o Machado com o seu, por serem os mais ligeiros e me-
lhor velejados; em um se embarcou o almoxarife Francisco Mendes Roma,
e em outro o capitão Martim Calado, mui enfermo, para darem conta a S.
Senhoria de tudo o que passava, e solicitarem e trazerem o conveniente
6 Aqui não hesitamos em corrigir por nau o não que está no original de 1812 (p. 43,
13ª linha). (N. do E.)
64 Diogo de Campos Moreno
7 Mum registra a edição original, embora seja Muni ou, de forma mais atualizada,
Munim o nome do rio maranhense. (N. do E.)
66 Diogo de Campos Moreno
nossos barcos, quando vierem; pois, sem dúvida não hão de vir a outra
parte senão ali, porque não sabem outra. E se ali houver 20 soldados em
um reduto, podem fazer a paz com os *teremembés, que nós não fizemos;
e por ela poderemos ter sujeitos aos nossos índios e os da Ilha seus inimi-
gos em tremores; e se nos vier socorro de gente, pode meter-se no reduto
com os outros, e descarregarem ali o mantimento, e tornarem a despedir
as embarcações, e a nós darem-nos aviso por terra, ou com um soldado de
noite em uma *jangada: e nisto, Senhor, cuidai, porque por ora não temos
melhor remédio, nem que mais nos assegure, salvo o de Deus, porque, se
perdemos o socorro, assim como os navios, pouco val o que fica, pois com
a morte não damos boa conta do que nos mandaram.” Enfim ficaram em
que se mandaria reconhecer o rio mais vizinho ao Jaguarapim, ou Ilha das
Guajavás, para ver se por dentro havia algum canal que se comunicasse
com os outros do Perejá.
Enquanto as cabeças andavam dando por estes conselhos, os de-
mais também discursavam, e quase que resolviam. E assim se chegou um
certo ao sargento-mor do Estado, e disse: “Senhor, isso está de modo que
não temos outro remédio mais que o do mato, e para que não venha tempo
que nem desse valer nos possamos, há neste quartel quem trata de dar fogo à
pólvora. E sei que, se deixa de o fazer, é porque está toda junta, e temem-se
que falte para a viagem; porque neste achaque enterrada a *artilheria fundam
o poder sair daqui. São mais de 70 homens os conjurados, mas por vos não
darem mais desgosto do que tendes, dissimulam, até ver a resolução que se
toma no remédio destas cousas.” Confessa o dito sargento-mor que nunca
em sua vida teve tal aperto de sentimento, pois gritar sobre o homem, que
lhe falava em segredo, não podia; matá-lo de qualquer modo era a ruína de
tudo; a respeito dos confederados, descobri-lo, pior, pois não havia a quem,
pois a matéria não era para todos; e assim, resolvendo-se com o rosto mais
alegre que pôde, respondeu: “Quando esta pólvora se houver de voar, há
de ser metendo-a debaixo dos pés dos inimigos, e nos nossos depois, se as
mãos nos faltarem. V. M. agradeça aos amigos o seu bom zelo, que eu não
quero saber quem são, e os assegure que antes de muito tempo terão em que
empregar-se, sem aventurar tanto como é a honra. E se acaso isso se me avisa
para que ponha na pólvora mais cuidado, eu vos asseguro que quem *avoar,
que há de *avoar antes dela, e amanhã, sendo Deus servido, mandaremos
Jornada do Maranhão 69
do forte um tiro de *falcão por detrás dos mangues: deu-se aviso, e com
o novo dia começaram de se mostrar tantas bandeiras e tanto número de
gente, que a uma grande cidade pudera dar cuidado, e mais, que começa-
ram de saltar em terra com tantas trombetas, caixas, buzinas, e rumor, que
não houve mais que fazer que acudir os do forte Santa Maria, cada qual
à sua *estância. E o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, com até 80
soldados, por ver como desembarcavam, se foi na volta do inimigo, mas
dizem que alguns dos que levava consigo, vendo tanta gente, o persuadi-
ram que sem mais tardar se retirasse. Já quando ele vinha, o sargento-mor
do Estado lançava fora outro socorro, entendendo que se travaria alguma
escaramuça, e tinha ordenado o que convinha. Chegando à fortaleza o
capitão-mor, o sargento-mor do Estado, por ver como se alojava o inimi-
go, se foi com doze arcabuzeiros adonde já a vanguarda do inimigo tomava
posto, que dizem que a guiava o Sr. du Prat. E entretanto desembarcava
de batalha Monsieur de Pisiau, lugar-tenente-general de aquela empresa,
o qual vendo tão adiante seu companheiro parecendo-lhe que ele só havia
de levar a honra daquela Jornada, dizem que com demasiada louçania se
lançou à água, e a seu exemplo muitos dos seus, que foi causa de haver fras-
cos e bandoleiras molhados, e os índios das canoas, vendo saltar na água os
franceses, em um momento cobriram tudo. E eles vinham cobertos de *pa-
veses e *rodelas tintas de mil cores, e empenados a seu modo, que parecia
estar ali todo o Inferno. Neste tempo, com alguns arcabuzeiros que se che-
garam mais, começou o sargento-mor de travar a escaramuça a ver como
se punham, e havendo caído dous franceses e um soldado dos portugueses,
parou a obra, e o sargento-mor se veio ao forte, a ver o que determinava
seu colega, o qual achou com um óculo de longa vista olhando por uma
bombardeira o que os inimigos faziam, ao qual disse: “Senhor, não há já
que ver por óculos, que nem o trabalho hão de diminuir, nem hão de fazer
os inimigos menos.” “Pois que havemos de fazer, senhor capitão?”, respon-
deu o de Albuquerque. “Valer-nos de Deus, e de nossos punhos”, disse o
sargento-mor, “que já aqui não há outro remédio. O inimigo se fortifica, e
viu que nos retiramos, e entende que queremos aguardar o *sítio, e assim
trata de se alojar primeiro e desembarcar suas cousas. Se agora sem dilação
formos com toda esta gente por duas partes, sem dúvida os desbaratare-
mos, e nos dará Deus, hoje, um dia muito formoso. Pelo que V. M., com
Jornada do Maranhão 71
ametade desta gente branca e índios, sem se deter vá pela montanha, e eu,
com os demais, irei pela praia: e tanto que V. M. chegar aos inimigos, faça
sinal tocando arma os tambores, que até ali hão de ir com muito silêncio,
e investindo eu por esta banda, farei o mesmo, e Deus nos há de ajudar a
todos. Não replicou palavra o capitão-mor, antes movendo-se logo man-
dou dar em pé aos soldados um bocado de *biscouto e uma vez de vinho.
E com isto saíram todos marchando para fora da cerca, sem tocar caixas e
sem bandeiras.
Está diante do forte Santa Maria um oiteiro eminente à distân-
cia de um tiro de *falcão, imediato ao mar pela parte do norte, o qual tem
um rio de água doce pelo pé, que pela banda do sul participa de água que
bebem os portugueses. Neste *sítio desembarcou o inimigo de preamar,
como está dito, lançando em terra ao pé do monte, de 50 canoas, mais de
dous mil índios frecheiros da Ilha e de Tapitaperá, e com eles 200 soldados
franceses em duas tropas, como está dito, nos quais entravam muitos fidal-
gos de casas conhecidas de França, e dos mais bravos soldados dela, com
peitos e *rodelas d’aço, *morriões e *celadas, e muitos e bons mosquetes,
alguns de nova invenção, que, sendo curtos, tiravam 500 passos aos índios,
além de suas costumadas *rodelas e espadas, arcos e frechas. Traziam cada
qual seu feixe de varas atadas a modo de faxina, com que os que vinham
destinados a este efeito, em um momento, como eram tantos, fizeram uma
cerca no alto do monte, a qual se guarneceu de mosqueteiros à ordem de
Mr. de La Fos Benart, com mais quatrocentos índios *topinambós, com o
*língua Turçou, aos quais deu ordem Mr. de Pisiau que, ainda que sentis-
sem tocar armas e revolver-se tudo, que não largassem o posto, antes mais
cada vez o fortificassem cerrando-se nele. Logo mais abaixo desta coroa ou
cerca fizeram outra, ajudando-se do *sítio e do mato, a qual, como *bar-
bacã da outra, lhe dava resguardo, por ser levantada duas braças do terreno
da praia. Esta *barbacã com soldados franceses e índios se deu a cargo de
Mr. de Canonville, soldado velho e de muito nome, assegurando o monte
nesta forma: atalharam todo o espaço de terra que havia entre a maré e o
monte com sete trincheiras de pedra em *sosso, altas e grossas, que faziam
rosto ao forte Santa Maria, e a estas se retiraram os franceses quando a
escaramuça do sargento-mor, porque estavam guarnecidas da sua melhor
gente, até donde batia o mar com suas sentinelas; e as canoas todas estavam
72 Diogo de Campos Moreno
Monsieur de Canonville, que se havia *ajuntado com ele tanto que viu a
rota, e era de temer que, se o negócio se esfriava, que se podia mudar a
fortuna, e mais, se os do mar entendiam que a sua gente estava fortificada.
Pelo que o sargento-mor do Estado, buscando seu companheiro o capitão-
mor, lhe foi dito como estava na cerca em sua casa, e assim se foi a o buscar,
deixando com a gente o capitão Frias, e chegando aonde estava Jerônimo
de Albuquerque, lhe disse: “Meu Senhor, não temos feito nada, se nos não
tornamos a *ajuntar, e vamos desfazer a cerca da montanha, donde os ini-
migos que fugiram estão recolhidos, e bem sabeis, senhor, que se falta qual-
quer de nós do campo, que ametade dos soldados hão de desaparecer.” O
capitão-mor com muita vontade tornou a tomar as suas armas e, levando seu
filho consigo, se tornaram à praia, donde repartidos, sem que houvesse ín-
dios que levar de ajuda, porque todos andavam encarniçados em quebrar
cabeças e despir os mortos, e foi o capitão-mor por uma banda, e o sargento-
mor ficou na da praia, e pelo mato cerrado chegando-se bem à cerca, houve
uma contenda muito desigual, porque os portugueses, a coronha rasa desco-
bertos, queriam às mãos desfazer tudo, e se metiam nas bocas dos mosquetes
inimigos, tanto que com o fogo lhes queimavam o *fato e os derrubavam,
como fizeram a um sobrinho do sargento-mor do Estado, chamado Luís de
Guevara, que de duas arcabuzadas caiu em terra morto, *pegado nos paus da
cerca, e Antônio Grisante, moço nobre, que à porfia se arremessou da banda
de dentro, também ficou morto de mil feridas. Logo feriram a Antônio de
Albuquerque, filho do capitão-mor, e ao seu alferes Cristóvão Vaz, e outros
soldados, e, nesta pressa e bateria mais atrevida do que dizer-se pode, deram
uma mosquetada ao Turçou, língua-mor dos índios que estavam na cerca, os
quais tanto que o viram ferido, e alguns deles mortos, não havendo quem os
exortasse a estar firmes, e havendo a pólvora faltado já [a]os franceses, e
Monsieur de La Fos Benart tendo uma arcabuzada em um braço, começa-
ram os índios, ao seu modo, de bater as palmas, e, dando através com o
canto contrário da cerca, se lançaram fugindo pela montanha abaixo, levan-
do trás si as árvores que como se fora algum caudal de rio, porque eram mais
de 600 homens. Os franceses, havendo feito seu dever, como mui bons sol-
dados se misturaram com os índios de Tatuaçu, que era o principal daquela
tropa, e com o Caranguejo Branco, outro principal da Ilha, e assim se salva-
ram pela espessura do mato. O sargento-mor tanto que viu arrebentar aque-
78 Diogo de Campos Moreno
la gente pôs joelho no chão, e disse aos companheiros: “Demos graças Deus,
que nos há dado inteira vitória.” E logo recolhendo a gente, não quis consen-
tir que mais se desmandassem pelo bosque, antes mandando tocar a recolher
se veio marchando para o forte Santa Maria, já quase noite, havendo-se reco-
lhido todos os mortos portugueses, e feridos. O capitão-mor já tinha feito
outro tanto, sentindo, porém, das feridas do filho. Sepultaram-se aquela noi-
te e ao outro dia os mortos, que em todos foram onze, e tratou-se de acudir
aos feridos, que eram muitos, e no quartel, a Deus louvores! não havia cirur-
gião, nem *mezinha alguma mais que um pobre moço que, inda que soubes-
se atar uma ferida, não tinha cousa que lhe pôr mais que azeite comum, ou
de *copaíva, e panos d’água com *ensalmo, que para tão terríveis feridas,
como alguns tinham, era cousa lastimosa. E porque é bem saberem-se os
nomes dos que, honradamente servindo a Deus e a Sua Majestade, morre-
ram nesta batalha e foram feridos, os mortos são os seguintes:
Luís de Guevara, natural de Tangere, filho de Gonçalo de Guevara,
cavaleiro da Ordem de Cristo.
Antônio Grisante, homem nobre, natural de Braga.
Francisco de Beça, castelhano.
João da Mata, natural do Brasil.
Pedro Álvares, de Viana.
Amaro do Couto, natural de Lisboa.
Bartolomeu Ramires, natural das Ilhas.
Manuel de Loureiro, natural de Abrantes.
Mateus Gonçalves, natural de Mondego.
Domingos Correia, natural da Ilha Graciosa, mestre de um *ca-
ravelão da Jornada.
Os feridos na batalha:
O capitão Antônio de Albuquerque.
O seu alferes Cristóvão Vaz.
O alferes Estêvão de Campos, sobrinho do sargento-mor do Es-
tado.
Pedro Bastardo.
Domingos Martins.
Jornada do Maranhão 79
Encenso Fernandes.
João de Oliveira.
O sargento Rodovalho, que se assinalou muito.
Francisco Pais.
João de Mendiola, castelhano.
Manuel Lopes.
Gonçalo de Sousa.
Bartolomeu Carrasco.
Francisco de Velasco, castelhano.
Brás Mendes.
Jorge da Costa.
Roque de Mesquita.
Melchior Rangel.
Do inimigo se contaram mortos no campo cento e quinze fran-
ceses, entre os quais os fidalgos e principais de nome são os seguintes:
Mons. de Pisiaus, do Delfinado, tenente-general desta empresa.
Mons. de Lonjeville, de Paris.
Mons. de Chavanne, primo-irmão de Monsenhor de La Ravar-
dière, natural de Chavanne.
Mons. de São Gil, de Normandia.
Mons. Hautnouesa, normando.
Mons. de Rochefarte, normando.
Mons. de La Hey, normando.
Mons. de La Benuviera, normando.
Mons. de S. Vicente, normando.
Mons. de Batalla, normando.
Mons. de La Praeriá, normando.
Mons. de Magnihi, borgonhão.
Mons. de Fossé, picardo.
Mons. Vanet, astrólogo de La Franqua.
Mons. de La Roche, Limosine Conte.
Mons. de Sablon, primo de Mons. de La Roche Depuis, nor-
mando.
80 Diogo de Campos Moreno
O sargento La Verdura.
O sargento Bixot, da companhia de Monsenhor du Prat.
Mons. de Sauvensi, bolonhês.
Mons. d’Ambreville, borgonhão.
Mons. de La Ruelle, secretário do Condestável.
Mons. de La Crux, de Paris de França.
Mons. Magrot.
Mons. de Basserua, de Paris.
Mons. de Chateau, de Paris.
Mons. de Bachiler, de Paris.
Seu irmão Le Bachiler, de Paris.
Vicente Grande, mestre de navios.
Mons. Bridu, natural de Dieppe, famoso.
Um língua dos índos chamado o Mingão.
Mons. Gatignat, de Paris.
Mons. Des Marais, de Ruão.
Afora estas pessoas particulares que aqui morreram, dizem que,
com os afogados e perdidos, chegaram a 150. Mas os que se contaram no
campo, como dito é, foram 115, afora os presos, que foram nove.
Aquela noite, depois da batalha, não consentiram que da for-
taleza saíssem soldados fora, tanto por dar aos inimigos ponte de prata,
como porque na verdade a gente estava tal, e havia tanto em que entender
com feridos e mortos, e com vivos mortos de fome, e juntamente tendo a
armada à vista, na qual os presos diziam que havia mais de 200 soldados, e
que estava grande socorro de índios para vir ao outro dia, os quais vinham
da terra firme de Comat. Também os índios da Ilha, que como está dito
fugiram aos primeiros encontros, e assim os da montanha, era de crer que
não deviam de estar mui longe, e que, vendo as canoas dos amigos, que se
poderiam animar e refazer com elas, e mais se tinham em sua companhia
alguns franceses, os quais, avisando a Monsieur de La Ravardière, pode-
riam fazer que outra vez se tentasse a fortuna, e mais quando os ditos fran-
ceses tinham as suas forças do mar inteiras, e os portugueses nenhum batel
para seu serviço, que tudo estava *varado e tiradas as tábuas, e *rombas,
Jornada do Maranhão 81
por que das embarcações que haviam ficado, se não valesse ninguém até
que o tempo mostrasse melhor rosto. Todavia aquela noite houve grande
vigia, e guardas *dobles, a causa de que em toda ela sempre se sentiu rumor
de gente, assim nos matos vizinhos como na baixa-mar da praia, na qual
se fuzilava às vezes por sinal dos que pediam favor aos navios. Nesta noite
se veio a render à fortaleza um índio, principal dos da Ilha, que declarou
o grande medo que havia em todos os fugidos e escapados da batalha, e a
grande tristeza que havia pelos mortos e perda de armas e canoas. Tudo isto
mais se certificou em sendo de dia, porque em toda a armada não havia
bandeira alguma *arvorada, e a capitânia tinha abatida e *desarvorada a sua
real e a do *masto grande, nem se tocou trombeta nem caixa na alvorada,
nem se disparou arma de fogo, tudo pela morte do tenente-geral de Pisiau,
e pelos demais parente e amigos do senhor de La Ravardière, o qual aquele
dia nem o outro falou a ninguém, encerrado em seu camarote, como ho-
mem pouco costumado a ser vencido. Estas cousas, ainda que se viam e
entendiam no forte Santa Maria, não eram tão solenizadas exteriormente,
porque todavia se viam com o porto tomado como dantes, e sabiam de
raiz quais eram as forças do inimigo, e quão poderosas em gente, navios e
*artilheria, e o pouco poder que de presente havia para acabar de consumir
tudo isto. Somente entre os índios havia ao seu modo *bailos e cantos toda
a noite, e as mulheres, apregoando pelo quartel, andavam cantando das
proezas de seus maridos e publicando os nomes dos homens de guerra que
haviam tomado nos contrários, quebrando-lhes as cabeças: cerimônia no-
tável e de muita graça, pelo fervor com que as mulheres índias de aquelas
partes dão à execução este rito.
Estando, pois, uns e outros desta sorte, apareceram pelas 7 horas
da manhã do dia 20 de novembro 16 canoas grandes, que, uma trás da outra,
em largo giro vinham chegando-se à terra e à armada, as quais traziam de
socorro da terra firme de Comat 600 para 700 índios *tupinambás, e vinham
a assentar quartel da banda do rio Mum, para que os portugueses perdes-
sem a esperança de remédio de nenhuma parte. Tanto que apareceram as
canoas, logo o sargento-mor do Estado lançou fora cem arcabuzeiros com o
capitão Manuel de Sousa de Eça, os quais marchando à vista da armada pela
baixa-mar foram a pôr-se adonde as canoas apontavam, e os índios amigos ao
longo do mato foram sempre reconhecendo o bosque, até ao mesmo posto
donde aguardavam o que faziam as canoas, os quais, tomando terra da outra
82 Diogo de Campos Moreno
RAVARDIÈRE.”
Jornada do Maranhão 89
mados a vir contra os portugueses, e como a cousa foi tão açodada, os seus
não vieram, e ele ficou afogado. E outros houve que não pararam menos
que pelo rio Meari dentro mais de 200 léguas, tendo os franceses, e a Ilha,
e tudo por perdido, e com eles foram três franceses, porque já à sua sombra
se haviam escapado da batalha. Mas tudo isto com o mar cerrado, tanto
que nem se podia tomar um caranguejo, nem uma *jangada podia tomar
um peixe, era confusão e miséria grande, pelo que faltava o gosto que de
razão se devia a tamanha vitória.
Passados dous dias e meio, tornaram os navios a surgir defronte
de Santa Maria, e mandaram a terra o trombeta com a carta que se segue:
“Senhor d’Albuquerque. Tenho considerado os pontos
principais da vossa carta, e, conforme aos discursos que vós ten-
des feito ao meu trombeta, parece que tudo não atende mais que
à paz. Por esta banda de cá, como os nossos reis têm pela parte
dela com muito estreita *liança, e como me falaram em Suas
Majestades, logo me resolvi com meus capitães que não é possí-
vel terdes socorro por mar. Todavia, vos quero ouvir sobre o que
me quereis propor acerca do de cima, e isto tanto de palavras
como por escrito, por aquelas pessoas que me mandardes, sejam
quem forem: eu vos dou minha fé e minha honra em penhor,
que podem vir seguramente e tornar quando quiserem. E se for
servido o Senhor Diogo de Campos de vir, eu serei contentíssi-
mo, porque fala francês, e nós havemos feito a guerra um contra
o outro servindo nossos reis, quando ele andava com o Príncipe
de Parma, segundo me disseram. Eu lhe beijo as mãos com vossa
licença, e o mesmo faço a ambos. Vosso servidor.
RAVARDIÈRE.
sem dúvida, por estas e outras muitas e mui urgentes necessidades, era
bom que as tréguas se *acordassem, e assim se formou um escrito, para,
em virtude dele, ao outro dia vir a terra o senhor de La Ravardière, para
mostrar os poderes e patentes que dizia ter do seu rei de França, e assim
também as missões dos padres capuchos, que tinham de Sua Santidade,
ou do seu general, as quais ofereciam mostrar aos padres portugueses, e
para os obrigar que também se lhe mostrariam as ordens de Sua Majesta-
de católica d’Espanha nosso Senhor.
Com isto se tornou o capitão Mateu Malharte a bordo, e, na
madrugada de aquela noite, houve fogos de alegria e cargas de mosque-
teria, que duraram muito, em que pareceu que se solenizava a passada
vitória.
Aos 28 do dito, segundo estava *acordado, veio a terra o senhor
de La Ravardière, e o senhor du Prat, e o senhor de Petresi, bem vestidos
todos e acompanhados, e em sua companhia traziam ao padre comissário
frei Arcângelo de Pembré, com dous religiosos da sua Ordem dos Capu-
chos, tão venerados e de tais mostras que realmente pareciam santos, e
como tais foram recebidos dos religiosos portugueses, entre os quais sobre
a bênção houve cerimônias, e entre os capitães cortesias, em que foram até
chegar a Infantaria, que, bem concertada e armada, estava desde muito
fora do forte em duas alas que chegavam até o lugar do alojamento que
estava feito aos senhores franceses de palmas e ramos, e assentos do campo.
As bandeiras, por se não abaterem, estavam pelos baluartes *arvoradas. E
entrando o senhor de La Ravardière da porta do forte para dentro, se lhe
fizeram com muita lealdade as honras militares que a tais cargos se costu-
mam, até entrar no lugar que lhes estava prevenido, em que sempre ele e
os demais trataram com admiração do muito que havia trabalhado a gente
na fortificação. E havendo descansado e comido, com mais música que
manjares, porque os não havia, trataram de assinar os acordos, e assim se
mostraram as patentes e se deram os traslados autênticos uns aos outros,
para mais firmeza do que à boa fé se faziam, pois sempre a vontade e honra
dos reis e seu melhor entendimento ficava reservado, e eles todos sujeitos à
ordem que se lhes desse.
A provisão que se leu primeiro era do Cristianíssimo Rei de
França, do teor seguinte:
98 Diogo de Campos Moreno
do nosso serviço, e assim fará naquelas que não são ainda des-
cobertas uma diligente *reconhecença de todas as suas avenidas,
ou *barras, e praticará todos os lugares e entradas donde houver
alguns habitantes, buscando, por todos os modos de brandura
e bom tratamento, de os reduzir e chegar ao conhecimento de
Deus debaixo da nossa autoridade, e não querendo, lhes poderá
fazer toda instância por todas as vias de armas e de hospedagem,
para tudo reger e governar, conforme as *Ordenanças de nossos
reinos, ou outros menos diferentes, que servir possam para o
cômodo das pessoas, e das cousas, e lugares, e essas poderão fazer
e publicar em nosso nome, e de nosso dito primo, e guardar,
observar, e sustentar diligentemente, e assim punir, e castigar os
*contravenientes, ou lhes fazer perdão, como melhor lhe parecer
bom e necessário, e para recompensar aqueles que lhe haverão
dado ajuda, ou que se haverão *ajuntado com ele para efeito
desta empresa, acrescentando-lhes a vontade de perseverar, e dar
exemplo aos outros de o seguir, e de *segundarem. Pelo que,
damos, e havemos desde a presente dado, ao dito Senhor de La
Ravardière todo o poder para lhes dar e repartir todas as cos-
tas que poderá conquistar 50 léguas de uma e de outra parte,
de seu primeiro forte e morada, e tanto avante nas ditas terras
quanto puder reduzir debaixo de nossa obediência, em que fará
as repartições, dons e benfeitorias, que poderão gozar, e goza-
rão, eles e seus descendentes, para sempre em todos os direitos
e propriedades, a saber, aos fidalgos e gente de merecimento as
dará em senhoria e feudo, e em todos os títulos e dignidades a
condição e cargo conveniente à nossa honra e serviço, conforme
suas obrigações, para a *defensa das ditas terras debaixo de nossa
autoridade e aos trabalhadores em tal obrigação *anais, que ele
os avisará; como tornando assim das ditas viagens por ele serão
*partidos todos os ganhos e proveitos por aqueles que o haverão,
assistindo a cada um segundo seu dever, qualidade e merecimen-
tos, e nas *avenças já ditas se reservaram: primeiramente nossos
direitos e os do nosso dito primo, e os outros devidos e costuma-
dos; e reconhecendo além disto que no efeito *suso dito poderão
100 Diogo de Campos Moreno
dito senhor premiava as pessoas que nela o serviam, e como estava funda-
do o dinheiro da despesa em parte que não podia faltar; e falando muito
nestas cousas, se foi para as suas embarcações, sendo de todo o *presídio
acompanhado até os batéis, que ao despedir foram festejados com salvas
militares.
Ao outro dia, que foram 29, com toda a sua armada se fez à
vela, salvando primeiro a capitânia, e logo todos os demais navios, ao for-
te Santa Maria, do qual também lhes fizeram a devida resposta. E assim
se desocupou o mar e a terra, e os franceses se recolheram na Ilha e nos
seus fortes, e os portugueses entenderam em fazer a sua igreja e casas do
alojamento, e os índios fora do forte, tomando *sítio conveniente, se alar-
garam fazendo suas aldeias e roçando para mantimento, e começaram uns
e outros a sair buscar de comer. E finalmente as gentes até então oprimidas
louvaram a Deus de misericórdia com procissão solene, todos com armas
na mão, que bem pudesse a devoção militar parecer em toda a parte! O
altar na nova igreja de N. Senhora d’Ajuda se guarneceu de um frontal e
casula, que mandou aos padres portugueses o padre frei Arcângelo, certifi-
cando ser lavrado o dito ornamento pelas mãos da duquesa de Guise. Era
todo *broslado e lavrado de seda de cores sobre branco, fazendo cruzes de
Hierusalém, contrapostas todas de frutas, e rosas e ramos, obra bem vistosa
e curiosa, e mais de estimar por vir donde vinha. Juntamente mandou o
dito padre com o ornamento três retábulos pequenos de excelente ilumi-
nação, guarnecidos de cetim carmesim, tudo *broslado, *descarchado de
ouro fino, portas e pavimento.
Dali a dous dias, mandou o senhor de La Ravardière ao capitão
Mateu Malharte, com o seu cirurgião e *mezinhas para curar os feridos,
que se perdiam à falta de remédio. E assim mais mandou avisar aos capitães
portugueses que era tempo de se embarcar a pessoa que havia de ir à Fran-
ça, porque se partia a nau Regente, e assim os que se haviam de ir a Portugal
que se fizessem *prestes. Também mandou advertir que todos os índios
da ilha andavam desejosos de fugir à terra firme, porque havia passado a
palavra entre eles que os concertos dos brancos eram para os cativarem a
todos e partirem entre si para os venderem, como havia feito Pero Coelho
na serra de Buapava, quando teve a guerra com o Mel Redondo e fez a paz
com os franceses que ali se acharam; e que, para aquietar esta novela, pedia
Jornada do Maranhão 109
cousas que tinha visto, se partiria sem falta com o senhor do Prado a dar con-
ta à Rainha Regente, que particularmente lhe tinha mandado que o fizesse,
e dado prendas da *devação que tinha àquele hábito, e de como de outrem
não fiaria o crédito de aquelas matérias. E assim determinava levar todos os
seus frades, dos quais deixaria somente dous para remédio daqueles católicos,
que ali ficavam, e de mais de 20 almas de índios, que haviam feito cristãos.
Porém, que seria com tal condição que, vindo ordem para se os franceses re-
tirarem, que os padres portugueses tomassem a cargo o favorecê-los, tendo-os
*conventualmente consigo até lhos mandarem à França, porque, a isto não
ser, que os não deixaria, porque no tocante a outros proveitos, mas que os das
almas, ele não havia visto entre os seus cousa de substância, mais que anda-
rem todos embaraçados em trabalhos e esperanças, as quais mal se lograriam
havendo de haver guerra. Nisto entrou o senhor de La Ravardière, com o
qual, mudando-se a prática, se foram para o forte, donde, acabada a comida,
vieram muitos principais da Ilha *tupinambás, vestidos de roupas francesas
azuis de pano fino coalhado de flamas de veludo folha morta *brosladas de
*troçais de seda, e nos vazios cruzes do mesmo veludo, como as de *montesa,
e entre eles vinham dous índios vestidos à francesa, de calções e casacas curtas
de veludo carmesim, guarnecidas de *passamanes de ouro fino, e gibões de
tela d’ouro fino *leonada e suas espadas douradas, e *dargas com talabartes de
veludo carmesim lavrado de ouro, sapatos, meias de seda e ligas com ouro, e
tudo o demais nesta conformidade, até chapéus de castor com muitas plumas
brancas, e *bandas de Paris de *resplandor de prata lavradas, e cruzes de ouro
fino ao pescoço como homens do hábito de São Luís. Traziam consigo suas
mulheres moças, francesas brancas vestidas de damas com tais cotas, *vestidos
e adereços, que tudo era seda, guarnições e ouro, em que se manifestava a
*tenção com que estas despesas ditas eram feitas. E assim, depois de fazerem
seus comedimentos, disse o senhor de La Ravardière ao sargento-mor: “Estes
dous índios, e outro que faleceu, *tupinambás, são desta Ilha, os quais Mon-
sieur de Razilli, meu companheiro, levou à França, e os apresentou a Suas Ma-
jestades da Rainha Regente, d’el-Rei Luís, meu senhor, os quais lhe fizeram
tantas mercês e honras que vos não saberei dizer o número delas. Somente
digo que custaram mais de 10$ cruzados os favores, *vestidos, batismos, casa-
mentos, até os fazerem cavaleiros, dando-lhes hábitos da nova Ordem de São
Luís, que agora instituiu este rei. Os demais índios das roupas azuis são prin-
112 Diogo de Campos Moreno
cipais desta Ilha, a saber, o Brasil e o Xapiaçu, homens que, para índios, acho
de grande entendimento. E assim eles, como os demais, vos vêm ver como a
homens que nos feitos lhes haveis parecido serpentes, e assim ainda hoje se
não asseguram e temem por vós.” “Esse temor é mui de atrás, respondeu o
do Estado; porque têm já tantas vezes fugido de nossas armas, que hoje não
podem buscar mais desengano, que na Buapava ontem, e na Praíva, e no Rio
Grande, donde os levava sua ignorância e a malícia dos que os *acaudilhavam,
dos quais todos têm seu castigo, como o Mingão, que havendo quatorze vezes
escapado das mãos dos portugueses veio a morrer na batalha de Guaxinduba.
Porém, agora somos e seremos seus amigos, se forem bons e fizerem o que de-
vem, porque o tempo de cativar e vender índios é já passado, e Sua Majestade
el-Rei Católico nosso Senhor, em tempo, e a instância do Governador-Geral
dom Diogo de Meneses, passou uma lei o ano de 610, que nenhum índio
do Brasil fosse cativo. Antes mandou que os usurpados fossem postos em sua
liberdade, e levados a suas terras à despesa de sua Real Fazenda. E isto se fez
por amor da desordem que sucedeu com estes de que tratamos na Buapava.”
Acabada esta prática, que os línguas declaravam aos índios, se foram a ver
o *sítio da Ilha, e o porto, *artilheria, e navios, e a aldeia dos pedras-verdes,
índios, assim chamados, que haviam feito vir de várias partes povoar ao longo
do dito forte São Luís, para ajuda de sustentarem os soldados do *presídio, e
assistirem à *defensa, quando importasse.
Ao outro dia, levou o senhor de La Ravardière ao sargento-mor
e seus companheiros a ver a nau Regente, que estava no porto de Guarapari
à vista do forte São Luís, e debaixo de outro forte, em que havia quatro
peças grossas de ferro *coado. Na nau estava ordenado grande recebimento
e demonstrações navais de *artilheria, e bandeiras ricas de seda, que certi-
ficou o francês haverem custado mais de quinhentos cruzados, afora o *es-
tendarte real que dera a rainha regente, que de pinturas e ouro tinha muito
custo. Depois que estiveram na nau, se foram a ver a terra e conhecenças
da entrada da grande *barra de Araçaju, e viram a terra de Tapuitapera e de
Comat, da outra banda de loeste, e assim as ilhas que jazem sobre o porto
de São Luís, fortes em *sítio e povoadas de mato, mas sem água. Todas
estas cousas, com permissão do senhor de La Ravardière, o sargento-mor
notava e desenhava em o seu livro de memória.
Jornada do Maranhão 113
alguns escravos de uma nação de tapuias que fica sobre este rio.
A qual gente, havendo navegado com imaginação certa de os
achar, ou perto ou longe, tanta diligência fizeram até que os nos-
sos línguas os descobriram, e lhe deram a entender como os que-
reríamos por amigos perto de nós outros, e assim os obrigaram
a trabalhar em fazer canoas para se virem, e nas que tinham se
embarcaram logo três ou quatro aldeias; e se vieram a esta Ilha,
e depois deles os demais com o dito Senhor du Prat, o qual os
trouxe aqui, com que me achei bem embaraçado pelos acomodar
e sustentar juntos, que nunca quiseram dividir-se pelas aldeias
dos outros, de medo que os não comessem, como tinham de
costume. *Entonces me resolvi de largar uma aldeia que tinha
de minha gente a uma légua daqui, e os mandei aposentar nela,
fazendo sair os meus; e lhes dei todas as roças de mandioca para
seu sustento, e eles me prometeram fazer-me outras, e ainda que
já por este ano é tarde, será ao outro, com o favor de Deus, se a
terra nos fica como espero. Demais disto, tenho mandado vinte
e cinco franceses com um de meus escravos, principal de sua na-
ção, a buscar uma de tapuias 250 léguas dentro do rio Pará, que
são em tanta quantidade que me oferecem cem canoas grandes,
como os principais me têm prometido, aos quais eu falei em
Parijop sobre a terra dos pacajases, quando fui às Amazonas:
aguardo por esta gente no mês de maio, se não tiverem algum
estorvo, esperando recado meu, pois hão de saber que estão já
aqui os portugueses, os quais, se tardarem mais um ou dous
anos, já tinha dado ordem para que se *ajuntarem aqui conosco
mais de dez outras nações, que entre elas há uma sobre um rio
da nossa baía, que é maior nação que toda a dos *tupinambás.
“Não digo o número das viagens e caminhos que tenho feito
e mandado fazer em estas terras e rios pelos meus, nem digo da
minha viagem que quis fazer às Almazonas, porque ficou imperfei-
to pela vinda, a esta terra, de Martim Soares Moreno, português,
que veio a descobrir estas terras e baías do Maranhão no mês de
agosto de 613 de parte de Jerônimo d’Albuquerque, que em ela
está presente, como parece em nossos artigos de paz. Demais disto,
Jornada do Maranhão 123
ANÁLISE FILOLÓGICO-ESTILÍSTICA
A 1. O EVENTO
já vinha desde o medievo, por outro lado abriu caminho para um maior
número de leitores navegarem por “entre tantos parcéis e alfaques ainda
não conhecidos” (p. 52) do texto quase quatro vezes centenário.
2. O AUTOR
3. A OBRA
2 Obra pela primeira vez impressa em 1749. Lisboa, na Oficina de Francisco Luiz
Ameno; a 2ª ed., com prefácio de Gonçalves Dias, é do Maranhão: tipografia Ma-
ranhense, 1849; a 3ª ed., promovida pelo Governo do Estado do Amazonas, foi
impressa em Florença, na Tipografia Barbèra, 1905; a 4ª e última edição integra a
coleção Documentos Maranhenses, da Alumar: Rio de Janeiro, impressa por Tipo
Editor Ltda., 1988. Com notas introdutórias de José Sarney e Josué Montello. Ber-
nardo Pereira de Berredo governou o Maranhão no período de 1726 a 1729. Seus
Anais abrangem desde o descobrimento do Maranhão até o ano de 1718.
Jornada do Maranhão 127
4. A DEFESA DA LÍNGUA
5. O LÉXICO
Eis que me voltam aos ouvidos vozes que muitas vezes escutei
quando me entendi por gente em terras de Viana, berço de meu pai, e
nas andanças juvenis por terras de Guimarães, onde nasceu minha mãe:
adonde, arribar, avoar, bailo, banduleira, contia, corage, crescença, devação,
entonces, frauta, ganhado, homenage, liança, mezinha, persumir, pertender,
presentar, quebrança, reconhecença, resplandor, sujigar, tenência, tenção, tro-
çal, e quantas mais.
Nos glossários regionais, muitos desses arcaísmos estão contem-
plados. Só para exemplificar, tenência e sujigar comparecem nas três edi-
ções de A linguagem popular do Maranhão, de nosso saudoso Domingos
Vieira Filho.5
“tanto porfiaram, que, pelos contentar, ficaram ali as mulheres e alguns dos
seus índios” (p. 46).
Reputo fenômeno de crase, salvo melhor juízo (la+arma), como
ocorreu em alarma e alarme, o termo larma deste trecho da obra: O Senhor
du Prat virou o rosto à larma, e vendo a desordem, se pôs a resistir (...) (p. 83).
A preposição até, por se juntar procliticamente ao advérbio ago-
ra, faz este perder a vogal inicial (aférese) nas três ocasiões em que ambos se
juntam no texto, como aqui: (...) entrando nessa contia o que atégora tinha
com o mesmo cargo (...) (p. 107). Aqui um caso de queda da vogal final
(apócope) que acabou por fundir os dous termos: dando por nome Virgem
de Guadalupe e gritando Sant’Iago, cerrou com as trincheiras da praia (...)
(p. 74).
Fenômeno fonético contrário, no termo ametade – registrado,
pelo menos, nos léxicos mais antigos do vernáculo, em que o artigo se
aglutinou ao nome: (...) senhor, que, se falta qualquer de nós do campo, que
ametade dos soldados hão de desaparecer (p. 76).
7. A MORFOSSINTAXE
que foram dos soldados daquele forte, e dar-lhes ajuda, com a qual
teve vitória; e comeu, e trouxe à sua terra quantidade de cativos”
(p. 49).
Por outro lado, se nosso Gonçalves Dias, fazendo estilo na cé-
lebre maldição do velho guerreiro do I-Juca Pirama, por estarem eles dis-
tante um do outro, não só flexionou o verbo auxiliar modal possam, mas
também serem, verbo principal dessa oração (com que aquele forma uma
locução verbal), por que nosso Diogo (ou o copista) não poderia esquecer
que ficou lá atrás um que integrante, e repeti-lo adiante, com se segue neste
passo? Ei-lo:
“(...) sucedeu que, enquanto se reconhecia, e o capitão Fran-
cisco de Frias e os demais buscavam sítio para a fortificação con-
veniente, que o alferes Pestana, da bandeira de Martim Calado,
esquecido da ordem que se havia dado a todos, de não saírem a
terra as bandeiras senão já de dia, ele, com a sua às costas [...] foi o
primeiro que saltou em terra” (p. 52).
Assim como sentiu ele necessidade de repetir o que integrante,
sentiu também a de apontar para o sujeito – o alferes Pereira – através do
sujeito pleonástico (ou pleonasmo do sujeito) ele, para não restar a me-
nor dúvida sobre de quem se tratava. Cousas do barroquismo seiscentista.
Nem se lhe pode condenar como cacofônica a locução verbal havia dado,
visto que, no Brasil daquela época, não se sabia o que vinha a ser o vocá-
bulo resultante da ligadura dessas duas palavras, casos em que se usava a
palavra fanchono.
Com essas breves anotações, fiquemos por aqui no tocante à
morfossintaxe do texto.
8. ORTOGRAFIA E PONTUAÇÃO
9. RECURSOS ESTILÍSTICOS
Para fechar com chave de ouro seu relato, Diogo não abdica de
um hipérbato, inversão violenta muito própria da colocação das palavras
em latim literário, língua obrigatória nos estudos humanísticos de todo
aquele que se prezasse então: (...) o primeiro português que, do Maranhão,
em direitura veio a Lisboa, de tantos quantos intentaram aquela empresa
(...) (p. 126).
Por não desejar exaustivo este exemplário, fico nesta pequena
amostragem de seus recursos e ponho-lhe um ponto final.
mão. Por ser pequena a contribuição pessoal, advirto, este trabalho não é
original, nem pioneiro, mas sim de simples divulgação. Conquanto seja eu
o primeiro a sabê-lo, não desejo dilatar por mais tempo a leitura da Jornada
por parte dos que me são caros; daí eu liberar de logo para publicação este
trabalho como está, ou como diria nosso Diogo, “como dito é”.
A fim de despojar os verbetes de pormenores e dados cansativos,
começarei por relacionar as obras que acredito serem fundamentais ao tra-
balho. Previno, todavia, a bem da verdade, que, em face de ainda estar-se
processando a pesquisa, poderei aí incluir obras de consulta de que possa
vir a prescindir, bem como poderei lançar mão de outras que, por lapso,
haja esquecido, caso em que as citarei no próprio verbete. De qualquer
modo, se se der a primeira hipótese, o elenco valerá como sugestão para os
pesquisadores de obras escritas no início de nossa história.
Os dous vocabulários quinhentistas bilíngues de Jerônimo Car-
doso – o Latino-Lusitânico (LALU) e o Lusitânico-Latino (LULA) –, os
seiscentistas bilíngues, todos de autoria de jesuítas, o atribuído a João Ro-
drigues e aos Irmãos da Ordem em Nagasaqui (Japonês-Português), o de
Bento Pereira, de Évora, o mais extenso e mais reeditado de todos estes
(Latim-Português e Português-Latim) e o de Antão de Proença, de Am-
balacata, na província de Malabar, Índia (Tamul-Português); bem como
os dous trilíngues – o quinhentista dos jesuítas de Amacusa, no Japão, e
o seiscentista de Amaro de Roboredo, de Lisboa – servirão para abonar as
variantes ortográficas da época e, mais raramente, o sentido de uma que
outra palavra.
Se, por um lado, os vocabulários bilíngues e trilíngues quinhen-
tistas e seiscentistas lusitânicos poucos subsídios nos oferecem além da or-
tografia e dos semas principais dos nossos vocábulos, ali e então, por outro
lado, conforme pessoalmente me esclareceu Toru Maruyama, pesquisador
e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Nagóia, no Japão, em
virtude de terem os termos do idioma japonês escritos em caracteres româ-
nicos (‘roma-ji’), esses léxicos são dos raros e valiosíssimos documentos que
atestam a pronúncia japonesa daquela época naquele grande país.
Via de regra, só recorro a outros léxicos quando a grande, e hoje
rara, enciclopédia setecentista da língua portuguesa do padre teatino Dom
Rafael Bluteau não mencionar o vocábulo, ou for lacunosa a conceituação
138 Diogo de Campos Moreno
deste. Faço-o em virtude de ser, nas suas mais de seis mil páginas, o primei-
ro léxico vivo, de nossa língua, com definição dos termos, abonação com
passos de mais de 250 autores, tradução dos termos para o latim abonados
por autoridades, e, ao final de cada verbete, uma cópia de adágios com a
palavra estudada, para mostrar-lhes a vivência na boca do povo tal como,
embora doutro modo, já fizera o Padre Bento Pereira no século anterior, e,
mantendo a tradição, faria século e meio depois no seu Tesuoro, o doutor
Frei Domingos Vieira. O Vocabulário do Padre Bluteau, enfim, é o arqué-
tipo direto ou indireto de todos os grandes dicionários de nosso idioma
até hoje.
Supondo viável publicação dos verbetes, à medida que os ia
preparando, no mesmo jornal de grande circulação em que publiquei as
notas iniciais sobre a Jornada com vista ao grande público não especiali-
zado, modernizei a ortografia das definições dos verbetes, especialmente
as oriundas do Vocabulário de Bluteau, desde a palavra abarbado até
jangada.
Não sendo possível esse tipo de divulgação, interrompido o
trabalho e, quando a ele retornei, não me dei conta de que assim havia
procedido quando o interrompi. Assim, passei a transcrever literalmente
essas definições desde o termo lamarão até o fim do glossário. Daí resultou
procedimento diverso de transcrição nas duas metades do trabalho. Como
a uniformização em favor do segundo procedimento, tecnicamente acon-
selhável, retardaria a presente publicação em pelo menos um mês, decidi
liberar o texto ao preço dessa divergência.
Àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de travar con-
tato com a ortografia daquela época, fique o consolo de poder cotejar a
ortografia atual das definições bluteaunianas com a original setecentista,
e observar quanto se despojaram nesses quase três séculos as normas orto-
gráficas da língua escrita.
Mart. – MARTIUS. Dr. Carl Fred. Phil. de. Glossaria linguarum brasiliensium/Glossários
de diversas línguas e dialetos, que falam os índios do Brasil. Erlangen, Druck von Junge
& Sohn. 1863.
Mic. – VASCONCELOS, Carolina Michaelis de. “Cancioneiro da Ajuda”. In: Revista
Lusitana, v. XXIII, 1920, nº 1-4, p. 1-95.
Mor. – SILVA, Antônio de Morais. Dicionário da língua portuguesa/recopilado/dos Vocabu-
lários impressos até agora e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescen-
tado. Lisboa, Lacerdina, 1813. 2 v.
Nasc. – NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Ja-
neiro, Edições do Autor, 1932 (Nomes Comuns) e 1952 (Nomes Próprios).
Nang. – [RODRIGUES, Padre José et alii]. Vocabulário da língua de Iapam/com a decla-
ração em português. Nangasaqui [sic], Colégio de Iapam da Companhia de I0esus,
1603.
Nun. – NUNES, J. J. Digressões lexicológicas. Lisboa, Clássica, 1928.
Per. – PEREYRA, Padre Dom Benedicto [ou Bento]. Prosodia in vocabularium bilingue,
latinum, et lusitanicum digesta, etc. 10ª ed. Eborae, Typographia Academiae, MDC-
CXLI (1741). Contendo o Tesouro da língua portuguesa; e mais a 1ª e 2ª partes: Das
frases portuguesas, a que correspondem as mais puras latinas... e Dos principais adágios
portugueses, com seu latim proverbial correspondente.
Proe. – PROENÇAS, Padre Antão de. Vocabulário tamúlico com a signficaçam portuguesa.
Malabar [Índia], Ignacio Archamoni, 1679.
Rob. – ROBOREDO, Amaro de. Compendium Calepini, vel Potius Thesauri linguae Lati-
nae cum interpretatione Lusitanica & Hispanica. Lisboa, Pedro Craesbeck, 1623.
Sub. – CORTESÃO, A. A. Subsídios para um dicionário completo da língua portuguesa.
Coimbra, França Amado, 1900-1901. 2t.
Tes. – VIEIRA, Dr. Frei Domingos. Grande diccionario portuguez. Porto, Chardron &
Morais, 1871-1874. 5 v.
Vasc. – VASCONCELOS, José Leite de. “Observações ao Elucidário do Padre Santa Rosa
de Viterbo”. In: Revista Lusitana. Tomos XXVI, p. 111-46, e XXVII, p. 243-77.
Vit. – VITERBO, Frei Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das palavras, termos e frases,
etc. Ed. Crítica por Mário Fiúza, Porto-Lisboa, Civilização, 1965-1966. 2 v.
12. GLOSSÁRIO
ABARBADO p.a. Já neste tempo a gente estava abarbada com a primeira trincheira, p. 75.
Blut: “Abarbar. Chegar uma cousa a ficar igual com outra, e estar com ela como
barba a barba”. Eis uma digressão: abarbar (pref. a + barb(a) + ar) remete ao verbete
Jornada do Maranhão 141
barba do Lalu, onde barba tem o sentido de queixo: “Mentum, 1 – A barba sem ca-
belo”. E ainda, pêlos pubianos, no cap. intitulado Vitia membri: “Pubes, is, sive pecten,
inis. – Barba inferior”.
ABONANÇAR v. Sobre a tarde abonançou o vento algum tanto, p. 54, Blut.: “Fazer-se o
tempo bonança.”
ABSÊNCIA s. ...faziam corrilhos e se descompunham em absência dos superiores, p. 55. Lati-
nismo, por absentia. Mor. Registra remetendo para o vernáculo ausência.
ACAUDILHAR v. ...donde os levava sua ignorância e a malícia dos que os acaudilhavam, p.
112. – ou ACAUDELAR: Mor. “capitanear, comandar alguma tropa”.
ACORDADO p.a. ...segundo estava acordado, veio a terra o senhor de la Ravardière, p. 97.
Mor.: “Resolvido, determinado por acordo, ou acórdão.”
ACORDAR v. ...era bom que as tréguas se acordassem, p. 97. Blut.: “Resolver, e determinar
de comum consentimento, em uma junta de ministros reais, como na Relação, na
Câmara, etc.”
AJUNTAR v. ...mandando ministros por todas as partes ajuntar farinha, p. 39. Blut.: “Acu-
mular. Ajuntar prata, ouro, tesouros, como os avarentos fazem.”
ALARDO s. Na tarde deste dia houve alardo geral, p. 52; ou ALARDE: Blut.: “Resenha da
gente de guerra.” Revista que se passa à tropa.
ALFAQUE s. ...entre tantos parcéis e alfaques ainda não conhecidos, p. 54. Blut.: “Na Déca-
da 4, p. 293, diz João de Barros que os navegantes deram esse nome a umas ilhas de
areias, que levadas das correntes se mudam de um lugar para outro”. Dozy: “banc de
sable, basfond”, e não dá a etimologia, mas Infl. registra: do ár. al-fakk, “mandíbulas,
fauce”.
ALMÉCEGA s. ...outras gomas aromáticas de diversas árvores, e muita almécega, p. 50.
Blut.: “Almécega. É uma casta de goma ou resina que destila em lágrimas luzidas
e transparente, da planta a que os latinos chamam de lentiscus, e nós aroeira. O
melhor vem da ilha de Chio. Ajuda o cozimento, e apertando as fibras do estômago,
suspende o vômito. Também se aplica exteriormente, em óleos, ungüentos, empras-
tos”. Mach.: “Do árabe almaçtakâ (que, por sua vez, provém do grego mastiche,
‘goma boa para mascar’)”.
ALMUDE s. ...oito almudes de vinagre, p.102-103. Blut.: “Medida de vinho, que contém
doze canadas”. Canada: (id.). Medidas, de cousas líquidas, como vinho, azeite, e
contém quatro quartilhos”.. Quartilho. Vit.: “um quarto de vinho são oito canadas:
pois que [diz o Censual da Sé de Lamego] seis quartos de vinho são quatro almu-
des, que constam de 48 canadas; em 48 há seis vezes oito: logo o quarto de vinho
é a oitava parte dos quatro almudes, que são as ditas oito canadas”. Dozy: “nom de
mesure: de al-moudd”.
142 Diogo de Campos Moreno
ALVA s. ...que a investissem no quarto d’alva encamisados, p. 69. Blut.: “Deriva-se do lat.
albus, alvo, porque ao apontar do dia, no [h]orizonte, o céu se faz alvo.” Quarto está
como a primeira das quatro partes do dia: cada uma das seis horas. Aqui o diciona-
rista apenas se aproxima do étimo real: alba.
ÂMBAR GRIS, s. e adj. ...nestas partes dizem que a temporadas acham muito âmbar gris,
p. 124. Blut.: “Espécie de betume brando pardo, e leve, ou viscosidade marinha,
formada da natureza para as delícias do olfato, a qual subindo da água, se endurece
ao ar, e pelas ondas é lançada às praias. [...] Há três castas de âmbar. Âmbar virgem,
vulgarmente âmbar gris: este é branco, ou cinzento, mais duro e melhor que os
outros”. Dozy: “Âmbar, alambar, pg. alambre, fr. Ambre, it. Ambra, de al-‘anbar qui
était à l’origine de nom d’un poisson, de la semence duquel on tirait l’ambre gris.”
AMOESTAR v. ...assim como fizestes a guerra sem nos amoestardes, assim pedi a paz, p. 92.
Blut.: “Admoestar ou Amoestar. Repreender com brandura. Vid. Repreender, ou
advertir a alguém algum mal moral, ou político, para o evitar, ou algum bem para
o fazer.”
ANAL adj. ...e aos trabalhadores em tal obrigação anais, que ele os avisará, p. 99. Blut.:
“Cousa, que se dá no espaço de um ano, ou que todos os anos se repete. Um anal de
missas é a instituição de uma missa para todos os dias de um ano”.
ANGUSTURA s. ...fazendo-se a armada à vela pelas angusturas ou interrompeduras de
aquelas ilhas tão estreitas, p. 59. Tes.: ‘s. f. ant. (para a etim. vd. angusto). Estreiteza
de lugar, aperto de tempo. _ ‘...com esta angustura começaram de fugir’. Azurara
(Crônica da Conquista de Guiné, cap. 65 = Recolhido de Morais)”.
ANIME s. ...e também se achou muito anime, e outras gomas aromáticas de diversas árvores,
p. 50. Blut.: “é o nome de uma goma cheirosa, de que há duas castas. Uma que se
parece com mirra, que alguns imaginam ser o Minca de Galeno, ou a Aminca, de
Dioscórides. Nasce a outra nas Índias de Castela, e nas Índias Orientais, e se parece
com incenso, com esta diferença, que a segunda tem os grãos mais pequenos, nem é
tão amarela, nem tão transparente, como a primeira. Destila de uma planta que dá
folhas, como ameixeira, e frutas da feição de bolotas. Serve esta goma ou resina para
perfumes, e contra as dores de cabeça procedidas de frialdade”. Étimo obscuro.
ANTEALVA s. ...até que no quarto da antealva, indo todos com o prumo na mão, muito
vento, e grande escuro, se acharam em três braças, p. 47. Blut.: “Alva. Deriva do latim
albus, alvo, porque ao apontar do dia, no horizonte, o céu se faz alvo (vd. Alva).
APERCEBER v. ...e andando-nos apercebendo para nossa defesa, p. 85. Blut.: “Aperceber-
se. Prestar. Preparar [...] ‘Mandou aperceber um caravelão’. Jacinto Freire, lib. 2, nº
23”.
AQUESTA pron. ...e todas as demais de aquestas costas são à parte do norte do Peru, p. 116.
Vit.: “Aqueste, este.” Barros e Camões o empregaram. Não confundir com aquesta,
com tônica de timbre aberto, que significava caso, acontecimento.
Jornada do Maranhão 143
BAILIO s. ...oficiais de nossos tratos, e foros, bailios, ouvidores, justiças, juízes, p. 102. (Balio,
Balîo ou Bailio) Blut.: “o Juiz, ou Conservador, o Veedor, a quem os homens nobres
de uma província cometiam o cuidado de suas fazendas, ou direitos contra os que
lhos queriam usurpar”.
BAILO s. Somente entre os índios havia ao seu modo bailos e cantos toda a noite, p. 81.
Bluteau só registra baile como sinônimo de dança. Mas essa forma é já registrada
no Lula, o 1º dicionário bilíngüe do português em três verbetes: Bailo, Bailo vilão
e Bailo rústico. Registra-o também no seu não menos pioneiro Lalu no verbete
“Saltatio onis = Ho bailo”. Morais também dá-nos conta de sua existência. A forma
é, todavia, quatrocentista. Amac registra no verbete: Saltatorius, a, um, “Lus. Cousa
que pertence à dança ou bailo. Jap. Vodori, I; maini ataru coto”.
BAIXO s. ...não viam baixos, nem pedras, nem escarcéus de mar, p. 46. Blut.: “Baxos de
Barbaria. Bancos de area na costa de Africa”. [...] Pode-se navegar por ele, sem perigo
de Bayxos. Fr. João dos Santos. Etiópia Oriental, 1ª parte, fl. 140, col. 2. Para que
as naus, que vinham, por seu esteiro, desse resguardo ao Baixo. Jacinto Freire, livro
1, nº 37”.
BALAIS . s. ...uns dizem ser balais [a pedra], outros lhe dão diferentes nomes, p. 124. Blut.:
“Balax ou Balais. [...] é uma das espécies do rubi. É maior que o rubi oriental, e é de
cor-de-rosa encarnada. Os lapidários lhe chamam Ballatius, ii. Querem alguns que
balais seja espécie de berilo.
BALRAVENTO s. ...aquele mar navegável para balravento ao longo da costa, p. 50. Blut.:
“vid Barlavento. ‘Força, e manha os de Luso exercitaram, / Procurando ganhar o
Balravento’. Málaca conquistada, livro 4, oit. 56”. Barlavento. (Termo náutico). “A
parte donde o vento assopra. Deitar a barlavento / ou tomar o barlavento”.
BALSELHO s. ...foi necessário navegar com balselhos correndo em popa com muito trabalho,
p. 54. Tes.: “Em linguagem náutica, pano cassado por causa do demasiado vento, ou
para navegar pouco. Também se escreve bolselho. Recolhido em Morais”. Suponho
ser recolhido de edição posterior à 2ª, que não a registra.
BANDA s. ...até chapéus de castor com muitas plumas brancas, e bandas de Paris, p. 111.
Blut.: “Pedaço de seda mais comprido, que largo, com que as mulheres cobrem os
ombros, e que os homens antigamente traziam atado à cintura.”
BANDULEIRA [sic] s. ...uma pipa de banduleiras, digo uma caixa, p. 102. Blut.: “Ban-
doleira. Correia larga com uma mola, em que se traz pendurada a cravina (= arma
de fogo)”.
BARBACÃ s. Logo mais abaixo desta coroa ou cerca fizeram outra [...] a qual, como barbacã
da outra, lhe dava resguardo, p. 71. Blut.: “Antigamente as barbacãs eram muralhas
baixas, perto do fosso, que estava diante do muro, e por isso lhe chamavam Ante-
mural.”
Jornada do Maranhão 145
BARBEIRO s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 39. ...e eles pediam nela bar-
beiro e mezinhas para se curarem, p. 52. Blut.: “Barbeiro, que sangra. Os práticos lhe
chamam, barbeiro Phlebotomano. Por falta de palavra própria latina, será necessário
usar do grego, Phelebotomus, i Masc. vid. Sangrar.”
BARLAVENTO s. ...em nenhum modo convinha largarem o posto de Perejá, por ser barra de
barlavento das outras, p. 55. – vd. Balravento.
BARRA s. ...mandar ganhar a barra primeira do Maranhão chamada Perejá, p. 40. Blut.:
“[...] é uma entrada de porto, que por nenhuma outra parte se pode entrar, nem sair
dele, senão por ela. Ou: Barra é uma entrada de porto em que entre duas terras corre
a enchente e vazante. A barra de Goa é uma das melhores do mundo, mas não se
pode entrar, nem sair sem maré”.
BASTIMENTO s. ...e outras munições de guerra e bastimentos de que estavam providos, p.
67. Blut.: “Todo o gênero de munições, e petrechos de guerra para abastecer uma
praça”.
BISCOUTO s. ...mandou dar em pé aos soldados um bocado de biscouto, p. 71. Blut.: “Pão
do mar, chamam-lhe assim do Bis, duas vezes, e de coctus, cozido, como quem dis-
sera, pão duas vezes cozido. Para as pequenas viagens se coze duas vezes o Biscouto, e
quatro vezes para as grandes”. Segundo Cunha, chegou-nos talvez através do fr. ant.
bescuit.
BOAMENTE adv. ...lançar as balizas mais avante, o que a boamente faria se pudesse, p.
42. Blut.: “De boamente. Com boa vontade”. Per.: nas Frases portuguesas (p. 1.095)
registra-o: “Boamente – Libenter Ultrò.”
BOCA s. Gaspar de Sousa, do seu Conselho seu gentil-homem da boca, governador e capitão-
geral do Estado do Brasil, etc., p. 104. Será expressão remanescente do feudalismo?
Tes.: “Um vassalo deve a boca e a mão a seu senhor, isto é, com voto de sujeição põe as
suas mãos nas do seu senhor.” Não será, pois, o mesmo que gentil-homem da câmera,
a quem estavam afetos até os cuidados de vestir o rei.
BRABO s. ...tenho um que amei em vida como a um irmão, porque era brabo e de boa
casa, p. 88. Até onde me levou a experiência de 32 anos de Maranhão, esta varian-
te popular denota zanga, irritação, revolta, ferocidade, como quando se diz: – Ele
ficou brabo comigo (= zangado). Na abonação acima, está com o sentido de audaz,
valente, intimorato, como quando se canta no hino “Brava gente brasileira...” Os
diversos sentidos de brabo podem ser colhidos em CABRAL, Tomé. Novo dicionário
de termos e expressões populares. Fortaleza, Univ. Federal do Ceará, 1982.
BROSLADO p. a. Era todo broslado [o ornamento do altar] e lavrado de seda de cores, p.
108. Blut.: ‘bordado’. Etim. di-lo vocábulo quinhentista: “Broslar vb. ant. bordar,
guarnecer, ornar. XVI. De uma forma germânica como: *bruzdón ‘abafar’, aparenta-
da como a. al. gaprortón//broslado XVI.”
146 Diogo de Campos Moreno
BUGIA s. ...e mais uma caixa de papel e de candeias de cera, e de bugias para serviço da
missa, p. 102. Mor.: “castiçal pequeno. § vela de cera fina, que se acende nas bugias”.
(Metonímia: continente pelo conteúdo.)
CABAÇO s. ...alguma pólvora em cabaços, morrão, pelouros, p. 82. Blut.: “vaso de casca
de abóbora de carneiro seco, e sem miolo, em que os rústicos costumam guardar as
sementes”.
CANASTRA s. ... 20 canastras de sardinhas, p. 43. Blut.: “no princípio se faziam canastras
de canas delgadas e grossas. [...] Mulher que anda com uma canastra”. Mor.: “Espécie
de caixa tecida de varetas, e aparas de um pau flexível com tampa do mesmo chata. §
Destas algumas são encouradas de pele de cabelo ‘canastras encouradas’”.
CARAJURU s. ...tinta vermelha do urucu, e da outra mais fina chamada carajuru, p. 124.
Cunha: “Var.: cariuru, carajuru, carujurú, cajirú, crajuru (Tupi *karai’ru). Planta da
família das bignoniáceas, cujas folhas submetidas à fermentação produzem matéria
corante de tonalidade vermelha.”
CARAVELÃO s. ...que logo se partissem dous caravelões, p. 42. Blut.: “Caravela grande.
(Mandou aperceber um caravelão. Jacinto Freire, p. 91.)”
CARNECERIA s. executar em ti e nos teus todas as sortes de carnecerias, p. 74. Blut.: “Car-
niceria, ou carneçaria. [...] Carnagem. Matança.”
CATIVO adj. ...que não podia deixar de perder, preso com tão desguarnecidas e cativas em-
barcações, p. 45. Com o sentido antigo (e hoje desusado) de “insignificante, de pouca
consideração”. Caldas Aulete (1925, 2º tomo): “Prendes-te com cousa tão cativa?”
Do lat. Captivus, -a, -um, tirado do v. capere, tomar.
CELADA s. ...mosquetes, pistolas, peitos, rodelas, morriões, e celadas, p. 82. Blut.: “Espécie
de capacete, ou elmo, assim chamado do latim celatus, porque nas celadas man-
davam os cavaleiros gravar as cabeças, e figuras dos animais que venciam”. A ed.
Alhambra (1984) e a de Cândido Mendes (1874) reproduzem a leitura de Joaquim
José da Costa e Sá (1812), que lança colladas, em lugar de celadas em contexto igual
(p. 44, linha 26), onde o creio incorreto. O erudito maranhense talvez lhe atribua o
étimo latino de collum (= pescoço e ombros), para dar-lhe o significado de pescocei-
ra, peça protetora do pescoço, o que acredito constituir-se lapso conjectural. Collada
era o nome de uma das duas famosas espadas de Cid, o Campeador (a outra era
Tiçõ) e, no espanhol, se generalizou em colada, com um l só, tal como, no português,
a Durandal de Roldão (ou Rolando, o da Canção) se generalizou em durindanda.
A propósito, consulte-se Lor., 1º v. (índice onomástico, e remissões) e o Diccionario
de la lengua castellana etc. (ou de Autoridades, como é mais conhecido ) de la Real
Academia Española (Madrid, Francisco del Hierro, 1726), que a conceitua (“Vale en
lenguage vulgár espáda”) e a abona com exemplos tomados a Cervantes e Quevedo.
CHALUPA s. ...navegaram por um braço de água salgada em uma chalupa, p. 109. Blut.:
“E uma pequena embarcação, destinada para o serviço, e comunicação dos navios
Jornada do Maranhão 147
passaram todos à terra firme.” Barros, I, Décadas, fol. 21, col. 1. Mor.: registra-o e
define-o: “Escoser, v. at. Ferir, magoar: v.g. escoser o corpo com golpes.”
ESPALDA s. assegurar as espaldas para qualquer sucesso, p. 56. Blut.: “Espádua. Ombro”.
[...] ‘Nem como os esgrimadores, os quais têm as espaldas grossas, e as pernas delga-
das’. Vasconcelos, arte militar, 28”. Daí, espaldar (de cadeira).
ESPARCELADO p.a. Sendo[...] esta enseada das Tartarugas esparcelada, perigosa e de pouco
abrigo, p. 60. Blut.: “mar, donde há muitos parcéis, que são como bancos de pedra
debaixo da água”. Freire, na 2ª reflexão da 1ª parte, “sobre o uso de algumas vozes
antiquadas”, diz em meados do século VIII: “Este termo, pela falta que faz, devia
tornar a florescer, se bem que entre alguns ainda não é antiquado (p. 26)”.
ESTÂNCIA s. ...nomeando de novo embarcações e estâncias, p. 45. Blut.: embora defina im-
perfeitamente “estância de naus”, como “na enseada” não a aprofunda, nem a abona.
Mor.: “O lugar onde estão as naus no porto. ‘Em todo o circuito (da Ilha Sorocatá)
não há porto, nem estância (para o navio).’” Em latim, Blut. traduz por statio, onis.
ESTENDARTE s. ...haverem custado mais de quinhentos cruzados, afora o Estendarte Real,
p. 112-113. Blut.: não registra esta variante antiga, mas o atual “Estandarte. Ainda
que sinônimo de bandeira, para bem havia de ser nome próprio, e particular da ban-
deira imperial, ou real, porque a mesma dicção assi o pede.” É forma quatrocentista.
J. P. M.: “Do fr. ant. estandart” .. Século XV: “e em a maão seestra hum estendarte das
nossas armas em signal de seu laudilhamento”. Ord. I. título 54, § 4º, p. 321.
ESTIBAR v. ...e todos os caravelões fossem a entrar no Rio Grande para ali se estibarem os
navios, p. 44. Blut. não registra o verbo mas o deverbal: “Estiba. Fazer estiba do arroz,
que se recolhera. Década 8 de Couto fol. 244, col. 2.” Abona o verbo com o mes-
mo sentido: “Se ficarem por meu mandado e estibei dos perigos. Regim. dos contos.
Cap. 38, p. 29. Duarte Nunes de Leão, no cap. Reformação de algumas palavras
que a gente vulgar usa e escreve mal, de sua Ortografia e origem da língua portuguesa
(introd., notas e leit. de Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, Casa da Moeda,
1983), p. 164, corrige estiba e estibar para estima e estimar.
ESTORVAR . ...estorvando-os, que não fujam de medo dos portugueses, p. 120. Vit. não
registra o v. mas o deverbal: “Estorva. Embaraço, estorvo. ‘Nem sereis em nosso
damno, [sic] e estorva!”
FALCÃO s. Está diante do forte Santa Maria um oiteiro eminente à distância de um tiro de
falcão, p. 70. Blut.: “Peça de artilheria, que tem três polegadas de diâmetro, e [a]tira
com bala de libra e meia. [...] ‘Achou de noite furto um bartangim nosso com um
falcão e seis berços.’” Carros, Déc. 4, fol. 264.
FALCONETE s. ...puseram dous falconetes de bronze, p. 43. Gastou-se o dia de segunda e
terça-feira em acomodar os reparos de falconetes, p. 67. Blut.: “Peça de artilheria, mais
pequena que a peça, a que chama falcão. O . P. de Charles na sua Pirotecnia, para se
fazer melhor entender, lhe chama falcunculus.”
152 Diogo de Campos Moreno
FARINHA DE TERRA ... 2.200 alqueires de farinha da terra, p. 38. Como, para Blut.,
farinha era de “grãos de trigo moídos, e feitos pó”, e ainda “de cevada”, e “de favas”,
ao falar das “farinhas do Brasil”, ele remete o leitor para: “Vitinga. Certa farinha do
Brasil. Desta sorte lavram esta farinha, que sustentando geralmente todo o Estado do
Brasil, obram os índios de três castas, a que chamam,Vitinga, Vieçaco-atinga, Viatá;
e nós fresca, a que se come no mesmo dia: seca, a que dura seis meses; torrada, a que
passa de um ano”.
FATO s. ...cinco caixas para os soldados, em que vai o seu fato, p. 102. Blut.: “A roupa, ves-
tidos e móveis portáteis do nosso uso”.
FAZENDA s. ...houve homem que só de sua fazenda gastou dez mil cruzados, p. 41. Blut.:
“Riquezas, dinheiro, cabedais. [...] Bens de raiz, terra, quintas. [...] O Conselho da
Fazenda. Na Corte de Portugal é um tribunal, composto de três títulos, ou fidalgos
de grande satisfação, com nomes de vedores [= fiscais] da Fazenda, e outros tantos
desembargadores, que chamam conselheiros, que todos têm voto, e um procurador
da Fazenda, e quatro escrivães, onde se despacham todos os negócios tocantes à
Fazenda Real, e bens da Coroa, e conquistas, e os contratos, e arrendamentos, que
a ela pertencem.”
FEIÇÃO s. ...mas o navio de Gregório Fragoso deu em seco de feição, e a tais horas, p. 59. Sal-
vo melhor juízo, de frente, de proa, por extensão a feição do rosto. Não encontramos
abonação desse sentido em nenhum dos léxicos consultados.
FÍSICO s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 39. Vit.: “Assim chamavam ao mé-
dico, como por excelência, pois deve ser perfeito e consumado em o conhecimento
da natureza, começando a sua arte onde a física remata a sua.”
FRAUTA s. ...houve missa solene de canto de órgão e frautas, p. 52. Blut.: “Instrumento mú-
sico com certo número de agulheiros, que com o sopro que lhe dá por alto, vaream
[= variam] o som ao mudar dos dedos.”
FRONTE s. ...com a mor parte de gente fazendo fronte de armas, p. 54. Gastou-se o dia em
[...] pôr a gente em terra com fronte de armas, p. 62. Mor.: “§ A parte dianteira que
entesta com outra; daqui, estar defronte de outro, ou com outro: defrontar, estar no
lado oposto, com rosto, fronteira, ou frontaria para a cousa que está no outro lado:
estar fronteiro.”
GANHADO p. a. ...faziam ganhado o Perejá, p. 40. Com o sentido de conquistado.
Deduzi por este passo anterior da Jornada do Maranhão, “...com a vinda de Sebastião
Martins, se acabou de deliberar o governador a fazer mais alguma despesa e mandar
ganhar a barra primeira do Maranhão, chamada Perejá”, p. 38. Abonação: Tes.: “E de
mi lhe sei dizer, não por parte da honra, porque a Deus mercês com vossa ajuda, eu
a tenho ganhado para poder ir contente para o Reino.”
GARITA s. ...e cada baluarte, duas garitas no alto da cerca para as sentinelas, p. 62. Blut.:
“Guarita ou guarida ou gurita [...] uma espécie de torrezinha, assentada sobre umas
Jornada do Maranhão 153
LEVADA s. ...E os portugueses, vendo o sucesso da levada dos navios, p. 67. Mor.: Ҥ O ato de
levar: v.g. a levada dos gados para fora do Reino.” Orden. – L.T. 112 e 115 princ.
LIADO p.a. ... e além destes e outros muitos liados que têm, trazem línguas franceses, p.117.
Liado aqui está como variante de aliado. Blut. remete para a variante atual.
LIANÇA s. ...os da Ilha topinambás [...] sempre haviam de temer esta liança, p. 56. Freire
testemunha (p. 99, 2ª parte): “Liança e alliança. A pronunciação do primeiro modo
se acha nas Décadas de Barros e na Monarquia Lusitana em diversos logares.” Blut:
“União. Liança do sangue. Parentesco, ou affinidade, contrahida por casamento.”
LÍNGUA s. ...homem nobre, teólogo, e grande língua dos índios, p. 40; quatrocentos índios
Topinambás, com o língua Turçou, p. 71. Freire, p. 71. 3ª parte diz: “Faraute traz
Cardoso em seu Dicionário por língua, ou por intérprete.” Blut: “Tomar língua de
alguém para se informar de alguma cousa”, Fernão Mendes Pinto. (Barros, 1 Dec.,
11. 58, col. 1).
LÓ s. ...o caravelão do Machado meteu tanto de ló por sujigar o recife, p. 46. Blut.: “(Termo
nautico). He a parte do navio desde o masto até hum dos bordos; ou mais claramen-
te, he a metade do navio igualmente dividido por huma linha, que se considera de
popa a proa, deixando huma ametade a estibordo do masto grande, & outra ametade
de a bombordo. Meter de ló. He quasi o mesmo que ir pela bolina.”
LOESTE s. ...caminhou a armada ao noroeste quarta de loeste, p. 50. O mesmo que oeste.
Blut: “He o vento occidental, & algumas vezes quer dizer o ponto cardinal do horizon-
te, onde se põem [sic] o Sol”. — Note-se o pragmatismo da definição onde se põe a for-
ça eólica, antes do conceito de lugar. Blut., Per., Vit e Tes. não registram senão a variante
composta loessudueste: mas a variante loeste se encontra assim grafada nada menos que
nove vezes no Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil, etc., que é do século XV (Tei-
xeira, Luís. Ed. do INL preparada por Max Justo Guedes, Rio de Janeiro, 1968).
LOJAMENTO s. ,..aos 18 dias do dito, tornaram ao lojamento, p. 69. Variante de aloja-
mento, que é quatrocentista. De alojar. Século XV: ‘..que cavalgasse logo a pressa, e se
fosse para seu alojamento’: Condest., cap. 24, p. 55”.J.P.M.
MAÇAME s. ...todas as canoas [...] que eram quarenta e seis, com todo o seu maçame e remos,
p. 76. Blut.: “Termo nautico. He todo o encordoamento da nao, assim dos brandaes
como da sirgideira, brioens, apagasanaes estrinques, & toda a mais enxárcia.”
MALORA s. ...por evitar estas inevitáveis maloras, p. 74. Infortúnio, infelicidade. Com-
posto resultante da aglutinação de mala + hora, com apócope do a final do primeiro
termo (fenômeno de fonética sintática) Cor. registra no espanhol enhoramala (e não
enmalora) já verbetado no célebre Diccionario de Autoridades, a que nos referimos
antes, com abonações do Quixote e da Pícara Justina.
MANCO adj. ...também navios mancos e não mui capazes, p. 43. Mor.: “§ Embarcação
manca; por falta de remos, ou remeiros, e de velas, e outros apparelhos.” E. Mendes,
Jornada do Maranhão 155
c. 146, fim. Navios, embarcações, mancas de vela: que se atrázão por mal veleiras. B.
2.6.2 e 3-8-6- “derrabar-lhe algum navio manco”.
MASTO s. ...a capitânia tinha abatida e desarvorada a sua real e a do masto grande, p. 81.
Blut.: “masto, ou mastro. [...] Divide-se em três partes, huma, que propriamente
he masto, outra, que he o mastareo das gaveas, & outras que he o mastareo dos
joanetes. Todo o navio redondo ha de ter quatro mastos, a saber, masto grande,
masto de traquete, masto do gurupés, e masto da mezena”. Freire, 2ª parte, p. 102-
103: “Masto e não mastro, achamos nas edições mais corretas dos nossos melhores
autores, assim como masteação, e não mastreação; enitnastear, e não emmastrear. Hoje
pretendem alguns, que se diga mastro, mas para irem coerentes, porque não pronun-
ciam também mastraréo?” Poder-se-á responder que aqui ocorreu a dissimilação do
primeiro r, fenômeno comum à língua falada.
MENAGEM s. ...pedem favor a Inglaterra oferecendo-lhe o feudo e menagem, p. 118. Blut.:
“Vid. Homenagem. (Não deve de quebrar a menagem da camara para fora. Guia de
casados, p.165) (A vassalagem do Japão, nem é lá profissão solene, nem menagem
em vida. Lucena, Vida de Xavier, 474, col. 1) Freire.: Menagem e não homenagem,
disse D, Francisco Manuel na sua Carta de Guia de Casados, p. 165, e o Padre Lucena
na Vida de Santo Xavier, p. 475. Era então o usado: “depois deles homenagem teve
mais seguidores, e é a pronunciação que domina”: Aqui, a lição moderna da norma
linguística dominante.
MERCÊ s. ...todos os que forem na dita Jornada para lhes fazer as mercês, p. 104. Deriva-se
do latim merces, que na sua genuína significação quer dizer “paga do mercenário, ou
galardão, e recompensa, que se dá ao merecimento de alguém”. No passo acima, e à
p. 162, mercês é usado com o primeiro sentido.
MEZINHA s. ...nem mezinhas, nem físico, nem barbeiro, p. 36. Blut: “Qualquer medica-
mento, bebido como xarope ou purga, ou applicado como emprasto.” Mezinha, no
primeiro sentido [...] (He melhor a mézinha pela boca, & tomará xarope rosado.
Recop. de Cirurg., pág. 224) Mezinha no segundo sentido [...] (As mezinhas que se
hão de applicar nas feridas dos nervos. Recop. De Cirurg., pág. 166.)
MINISTRO s. ...mandando ministros por todas as partes ajuntar farinha, p. 39. Aqui está
com o sentido genérico de ajudante, intermediário, assim Blut.: “Aquelle que ajuda
a alguem em algua cousa. [...] Pedia hum ministro, que o ajudasse, & não hum
adversario.”
MOMO s. ...todos fazendo os seus motins e momos se vinham chegando, p. 72. Aqui com
o sentido de disfarces, estratagemas, fingimento, assim Blut.:”...com razão se pode
chamar momos, toda a invenção, e afetação no gesto, e trato humano. Também po-
derá derivar momo do grego mommo que quer dizer máscara, porque tudo no invenc-
toneiro são disfarces & aparencias contrarias à realidade. Queixa-se o invencioneiro,
sem sentir mal algum, affecta admirações, e medos sem causa, & c.”
156 Diogo de Campos Moreno
MONTESA ...e nos vazios cruzes do mesmo veludo, como as de montesa, p. 111. Era comum
o feminino desse termo. Blut.: “Montêz. Cousa do monte. [...] Caça monteza. [...]
(onde há variedade de caça monteza, como porcos, veados, & c. Agiolog. Port. tom.
2, 296)”. Aqui tem o sentido de pelúcia, cousa felpuda.
MOR adj. ...na maior pobreza dava o mor provimento, [...] no tempo da mor fraqueza o
maior esforço, p. 40. Blut.: “Val o mesmo que mayor, cuja syncopa, porém entre estas
duas palavras tem o uso introduzido esta differença, que môr se poem por adjectivos
de certos substantivos, como Capitão môr, Mordomo môr; & a outro genero de
substantivos se applica o adjectivo mayor, v. g. o mayor trabalho, o mayor gosto, as
mayores riquezas”.
MORRIÃO s. ...dos mais bravos soldados dela, com peitos e rodelas d’aço, morriões e celadas,
p. 71. Blut.: “Arma, defensiva da cabeça, casco, ou elmo, sem viseira. Os italianos
dizem morione, & os franceses, morion.” [...] (Vid. “Capacete”.)
ORDENANÇA s. ...governar, conforme as Ordenanças de nossos reinos, p. 99. Blut.: “Mili-
cia da ordenança. Mudando-se com o tempo a ordem da Milicia antiga deste Reyno,
& ficando somente os officios mayores quasi só com os titulos honorarios, perten-
deo ElRey Dom Manoel melhorar, & assentar por lista a gente, que havia em todos
os lugares do Reyno; & ElRei Dom Sebastião trabalhou mais nesta materia, fazendo
hum largo, Regimento, que mandou guardar com grande observância, para adestrar
o povo na disciplina militar, & o ter prestes para quando fosse necessario servirse del-
le. Ordenou que os Alcaides móres, & Senhores dos lugares fossem Capitaens móres
delles, & que onde os não houvesse, fossem eleytos em Câmera pelas pessoas do
Governo; & do mesmo modo os Sargentos móres, os quaes depois com os votos da
governança elegessem os Capitães, & officiaes das companhias, que o Capitão môr
repartisse a gente do seu lugar, & termo em companhia de duzentos & cincoenta, &
que cada Domingo sahissem ao campo a se exercitar, conforme as armas, que cada
um trouxesse, havendo premios para os mais destros, & penas aos que faltassem, &
que os homens de cavallo fizessem cada mez resenha debayxo dos Capitães de cada
lugar, & que cada anno se fizessem dous alardos geraes, hum pelas oitavas da Pascoa,
& outro por dia de São Miguel, & que se ajuntasse toda a gente do termo na cabeça
da Capitania, onde pelo Capitão môr & Sargento môr fossem ordenados, & se exer-
citasse, assim a gente de cavallo, como de pé. E para bom governo da milicia tinha o
Capitão môr seu Regimento (ou Ordenança), que mandava executar pelos ministros
das companhias, em cada uma das quais havia seu meyrinho, escrivão, & recebedor.
Esta Ordem (ou Ordenação) se guardou em tempo delRei Dom Sebastião, até todo
o delRei Dom Felippe o Prudente, & depois se renovou algumas vezes. Nos lugares
maritimos, & no Reyno de Algarve está isto em mais observância. Man. Severim de
Faria, Not. de Portug., pág. 57. & c. Milicia, ou gente da ordenança.” A transcrição
foi longa, mas necessária a iluminar as relações da hierarquia militar não só na Jor-
nada, mas também em todos os relatos históricos da época da colonização do Estado
do Brasil. (Desfiz aqui as abreviaturas.)
Jornada do Maranhão 157
PARAR¹ v. ...haviam sido apertados com cordéis para dizerem o que parava entre os portu-
gueses, p. 63. Mor.: “§ Descontinuar: v. g. parárão as obras, a fábrica, o engenho, §
v.n. Cessar de mover-se, ou de correr ou de andar: v.g. parou a pedra, o cavallo, o rio:
parou o sangue (que corria), a chuva.” Afigura-se aqui o sentido de acontecer, ocorrer,
cuja abonação não encontrei em nenhum léxico.
PARAR² v. ...vendo do mar o que parava, mandou na fúria do conflito aos navios mais ligei-
ros, p. 76. Blut.: “Suspender os panos. Não ir mais adiante. Não continuar o próprio
movimento”. Cândido Mendes (1874) procedeu a uma emendatio neste ponto. Leu
se passava, em vez de parava como está dito em 1812.
PARCEL s . ...está trinta léguas do Rio Grande, donde se acabam os parcéis de São Roque,
p. 47. Blut.: “Banco de pedra debayxo da agua. [...] (Se achou no parcel de Sofala
com seis velas desaparelhadas de mastos. Barros, 1, Déc. 89, col. 2) (Não havia dia,
que não dessemos em seco nos bayxos dos parceis. Hist. de Fern. Mend. Pinto, 47,
col. 2)”
PARTIDO p. a. ...por ele serão partidos todos os ganhos e proveitos, p. 99. Aqui com o sen-
tido de repartir, dividir, distribuir. Blut.: “Partir igualmente os despojos . [...] (Parti
com Ticio minha herança. [...] Não partistes bem, estes tem o melhor cordeyro.
Partir os homens o seu dinheiro”.
PASSAMANES s. ...casacas curtas de veludo carmesim, guarnecidas de passamanes de ouro
fino, p. 111. Mor.: “fitas tecidas de fio de prata, ou oiro, de que os armadores úsão:
é mais raro que o galão”.
PATACHO s. ...mandou se tomasse mais uma caravela e um patacho francês, p. 43. Blut.:
“Pataxo. He navio de guerra, que de ordinario anda em companhia de outro mayor,
& serve de guardar a boca de um porto, ou de hum rio. Também sahe a descobrir o
mar, & a reconhecer embarcações, que demándão a costa”.
PAVÊS s. ...infinitos arcos, e frechas, paveses, e rodelas dos índios, p. 82. Blut.: “Pavêz. Arma
defensiva dos antigos. Era hum escudo largo, que cobria todo o corpo do soldado,
pela parte donde lhe podia vir algum dano. Nas eleyções militares levantávão os sol-
dados sobre huns pavezes os seus cabos, & os acclamávão Emperadores. [...] Como
o pavez era o mayor dos escudos, parece que he o a que Virgilo chama, scutum
longum”.
PEGADO p. a. ...Luís de Guevara, que de duas arcabuzadas caiu em terra morto pegado nos
paus da cerca, p. 77. Blut.: “Contiguo. Proximo. Visinho. Casas pegadas humas nas
outras. [...] Comprou humas terras pegadas à sua fazenda. [...] (Chegàrão a humas
casas pegadas na mesquita. Barros, 2 Déc., fol. 56, col. 3)”. Esse é o significado cor-
rente em minha terra, que não encontro registrado em nenhuma das três edições de
A linguagem popular do Maranhão, do saudoso antropólogo conterrâneo Domingos
Vieira Filho.
158 Diogo de Campos Moreno
PEITO s. ...e grande cópia de armas, arcabuzes, mosquetes, pistolas, peitos, p. 82. Blut.:
“Peyto d’armas, peyto d’arco, ou peyto forte. Armadura de ferro que cobre o peyto.
[...] Também era hua especie de peyto de armas que usávão os antigos.
PELOURO s. ...dos inimigos, aos quais ao pelouro haviam de tomar a comida e a água, se
faltasse, p. 57. Blut.: “Pelouro, ou Pilouro. Pequeno corpo metálico; & espherico,
com que se carrégão mosquetes, & outras armas de fogo”.
PERSUMIR v. ...sempre dos índios se persumia alguma novidade, p. 89. Julgar, suspeitar,
esperar. Se não for erro devido à analogia do próprio Diogo (pre: antes; per: através),
foi-o do leitor do ms., pois não encontro abonação dessa forma em lugar algum. (Do
lat. praesumere.)
PERTENDER v. ...as pazes que com tanta instância dissimulada o inimigo pertendia, p.
96. Desejava, queria, almejava. Blut. registra a variante dos cognatos pertendente e
pertendido, remetendo-os para as formas atuais. As variantes antigas sofreram metá-
tese.
PONTEIRO adj. ...com vento sueste rijo, que naquela barra é mui ponteiro, p. 44: “Adjec-
tivo. Val o mesmo que contrario & c. Ventos ponteiros, como são entre si o vento
norte & o vento sul. (A Capitânia, que com os ventos ponteiros vinha forçando as
ondas. Jac. Freire, livro 2, num. 40)”.
POSTILA s. ...pondo no Regimento da Jornada uma postila: que a Jornada fosse ao Pará, p.
43. Blut.: “antigamente érão notas, postas na margem dos livros de Direyto, ou outra
Sciencia, as quais notas érão interpretações, & às vezes addições, ou additamento do
que lhe faltava”. Aqui está com o sentido de acréscimo a outro documento. Mere-
cidamente famosas as obras citadas por Blut. com esse nome. Acrescente-se-lhes as,
não menos famosas, Postilas de grammatica geral,/applicada à língua Portugueza/pela/
analyse dos classicos, do nosso humanista Francisco Sotero dos Reis, de que mais de
uma edição fez a Tip. de Belarmino de Matos, em São Luís, na 2ª metade do século
XIX.
PRATICAR v... ...até qui não quis praticar-te nada de aquilo que toca à nossa arte, p. 82.
Blut.: “Conversar. Praticar com alguém. [...] Os dous discipulos praticávão na morte
do Senhor. Vieira, tom. 1, p. 640”.
PREDOMINAÇÃO s. ...coragem virtude, suficiência, experiência, inteireza, e predomi-
nação em o efeito das armas do mar, p. 98. Neologismo para a época, com o sentido
de ação de predominar, mostrar pujança e poderio, capacidade de subjugar. Não o vejo
verbetado nos léxicos antigos. O mesmo ocorre com interrompedura (vd.).
PRESENTAR v. ...mandou na fúria do conflito aos navios mais ligeiros que se presentassem
à fortaleza, p. 76. Variante de apresentar. Blut.: “Presentar huma pessoa a outra, ou
diante de outra. Presentou a Jacob os dous Irmãos” (Vieira, tom. 3, p. 87).
Jornada do Maranhão 159
PRESÍDIO s. Neste presídio de N. Senhora do Amparo estava com dezesseis soldados portu-
gueses, p. 48. Blut.: “A Praça, ou Fortaleza presidiada”. Também pode significar, por
metonímia, a gente da guarnição que guarda e defende do inimigo.
PRESTES adj. ...logo vos hão de vir pôr cerco por mar, e por terra, porque tudo está prestes, p.
66. Blut.: “Preparado, Prompto. Somos prestes, temos tudo o que nos he necessario.
[...] Fazey com que tudo seja prestes para quando eu voltar. Exército prestes, posto
em ordem para marchar”.
PROPÍNQUO adj. Hei por bem que façais a despesa da dita Conquista do dinheiro mais
propínquo, p. 103. Blut.: “Chegado, vizinho que está perto, & c. (Estava esta capella
muyto propinqua ao rio Douro Mon. Lusitan. tom. 2 fol. 58 vers.)”.
PROVAR v. ...não lhes parecendo bem provar-se com gente, p. 82. Pôr à prova, defrontar-se,
enfrentar, encarar, como se diz vulgarmente hoje aqui no Sul.
QUARTAU s. ...com a maré veio uma das lanchas a reconhecer os quart[aus], p. 64. Blut.:
“peça pequena de artelharia, que faz uma quarta parte de canhão. Há canhão, meyo
canhão, & quarto de canhão. Pelo muro vão postas outras peças pequenas, como os
nossos falcões, & quatro quartos grandes, & dezoito trabucos. (Barros, Déc. 4, pág.
352)”. A edição de 1984 repete o erro de leitura de Joaquim José da Costa e Sá, na
de 1812: quartaus, pl. de quartau, e não quartões pl. de quartão (medida de vinho de
três canadas ou o quarto de um almude). Não me parece crível que em meio à refrega
os inimigos procurassem identificar meras medidas de vinho.
QUEBRANÇA s. ...e o mar andou mais brando nesta quebrança das águas, p. 52. Embate
das águas, quando rebentam na praia. Na edição de 1874 o erudito humanista ma-
ranhense propôs acertadamente o étimo anse (= enseada) como segundo elemento
do composto grandança – à p. 76 que se lhe assemelha. Etim. verbeta: quebr. ançoso
adj. “ant. quebradiço” XIV. Mor. Abona, elucidando o significado: “As embarcações
estávão de largo na praya, por causa da quebrança da água”. Por evitar o rolo d’agua.
Couto, 10-7-18 e 6-10-18.
QUIÇAIS, QUIÇAES. adj. ...gente de mar e guerra, quiçais diferente da dos portugueses
na prática naval, p. 56. Eram quiçais homens, com que Deus e as gentes tinham roto
o gênero de tréguas, p. 93. Advérbio de dúvida, igual a talvez, quem sabe. Leão reco-
menda a 1ª forma com ditongo /ay/em lugar de quiçá, como hoje se usa, no Cap. da
“Reformação de algumas palavras que a gente vulgar usa e escreve mal”, mas Freire,
mais de século após, contesta (p. 124, 2ª parte): “Quiçá e não quiçás ou quiçais,
como diziam os antigos”.
QUINTAL s. ...vinte quintais de pólvora, p. 43. Blut.: “Peso de quatro arrobas, que fazem
cento e vinte & oyto arrateis, porque cada arroba he de trinta & dous arrateis”.
RECONHECENÇA s. ...e assim fará naquelas [...] uma diligente reconhecença de todas
as suas avenidas, p. 99. Blut.: “Vid. Reconhecimento (Honrávãolhe os lugares, que
fazião seus por esta reconhecença. Mon. Lusit. tom. 5. 159, col. 2)” A respeito da gra-
160 Diogo de Campos Moreno
fia de honrávãolhe, com pronome enclítico sem hífen, é comum encontrar-se assim
grafado nos livros antigos, apesar de Leão (p. 182) já recomendá-lo na ligação dos
compostos lusos e latinos. Em lugar do hífen para ligar, através de uma assimilação,
o pronome átono unia-se encliticamente ao verbo. Proen.: “Fazer reverencia tocando
cõ atesta no chão, aplicasse particularmente a mouros” (p. 188). Outras vezes não
se dobra o s: “Hum castigo que dão a os rapazes cõ as mãos crusadas pegando nas
orelhas abaixandose, levantandose co o corpo direito tocando quasi as nadegas, as
pernas” (Id., ibid. p. 189).
REFRESCO s. ...mais outro baú de livros, e cousas de refresco para sua embarcação, p. 102.
Blut.: após dar-lhe o sema principal de refrigeração, subdivide em dous significados
específicos: “de mantimentos para exercitos, armadas, & e. [...] Mandar refresco ao
exercito); e – de soldados. Nova gente de guerra, que acode a um exercito cançado
[sic] No tempo da batalha, que durou muyto, os inimigos cançados se retirávão, &
acudião outros de refresco.”
REPONTA s. ...e eles para se embarcarem naquela reponta da maré, p. 69. Blut.: “Princípio
de maré enchente. [...] (Porque com a reponta da maré. Damião de Góis, fol. 68,
col. 3)”.
RESPLANDOR s. ...bandas de Paris de resplandor de prata lavradas, p. 111. Blut.: “Res-
plandôr, muyto clara, qual he o Sol, & outros astros celestes, que tem luz viva &
não reflexa.”
RESPÚBLICA s. ...e requeremos a todos os reis, príncipes, respúblicas, potentados, p. 103.
Alomorfe do atual república. Blut.: “Estado governado por magistrados, eleitos, &
confirmados pelo povo: ou mais amplamente, Estado governado por muytos. Di-
zia um antigo, que as respublicas, por serem governadas por muytas cabeças, estão
sujeytas a muytas enfermidades.” Mas, testemunha: “Tão grande foy nos antigos o
receio da tyrania que sempre procurárão fazer do seu Estado Republica”. E continua,
desconsolado, já nos idos de 1720: “Hoje rara he a republica verdadeyra, com gover-
no totalmente popular”. A história, às vezes, se repete, às vezes, involui...
RODELA s. ...cobertos de paveses e rodelas tintas de mil cores, p. 69. Blut.: “He hum escudo
redondo, que embraçado no braço esquerdo, cobre o peyto & serve de arma defen-
siva a quem peleja com espada”.
ROMBO adj. ...tudo estava varado, e tiradas as tábuas, e rombas, p 80. Adjetivação do
substantivo rombo, com a acepção de arrombadas (embarcações), que faziam água.
Blut.: “Rombo. (Termo de navio) (Tinha-se aberto hum rombo junto à quilha da
nao. Vieyra, tom. 5, pág. 319)”.
SALVAGENS s. ...tenho um número infinito de salvagens, p. 73-74. Eis a estranha visão
européia de Blut., em 1720, quanto ao termo: “Tem cara quasi de feyção de homem,
com o nariz chato, & revolto, cabeça grossa, peyto sem cabello, & as costas cubertas
de cabelo negro [os Quojas Morrou, nativos de Angola]. Tem este animal muyta
Jornada do Maranhão 161
força, & muyta agilidade. Sabe porse em pé, & quasi sempre anda direyto. Há sal-
vagem macho, & femea: esta tem peyto, & ventre a modo de mulher. Em Hollanda
trouxérão ao Príncipe Federico Henrique hua salvagem fêmea do tamanho de hua
rapariga de tres annos, ainda que gorda, & repleta, era muyto agil, bebia & comia
com aceyo, & dormia em cama com lençóis como gente”. Os sacerdotes que vieram
conhecer os nossos, como Anchieta e Vieira, amaram-nos e sofreram por eles. São
ainda hoje, e sempre, gente como a gente.
SALVAJES s. ...salvajes, que a todos fazem o mesmo p. 31. Vd. Salvagens.
SEGUNDAR v. ...dar exemplo aos outros de o seguir, e de segundarem, p. 99. Blut.: “Repetir.
Reiterar. Fazer segunda vez o mesmo. [...] (Não segundar na ordem da História estas
guerras. Mon. Lusitan. Tom. 1, fol. 183, col. 3)”.
SEGURIDADE s. ...ou seja em crueldade, ou seja na liberdade das seguridades, p. 82. Blut.:
“Segurança. [...] (E se lógrão com mayor seguridade. Cartas de D. Franc. Manuel,
300)”.
SEMINÁRIO s. ...mais lhe mostraram o seminário dos moços franceses, p. 110. Blut.: “A
casa, em que se crião, & se ensínão moços em bons costumes & virtudes para o
serviço de Deus, & da Igreja” também podia significar “viveyro de plantas, po-
mar”.
SEXÁGONO s. ...logo traçou destramente um sexágono perfeito, capaz de alojar em si toda
aquela gente, p. 61. Neologismo híbrido de latim (sex – seis e) e grego (gõnos – ângu-
lo), foi expulso pelo composto grego hexágono (gr. hexágono, neutro de hexágonos).
SÍTIO s. ...o qual, depois de dizer missa, lhe mostrou o sítio do seu mosteiro, p. 110. Blut.:
“Espaço de terra descuberto. O chão, em que se pode levantar edifício.”
SOCAIRO s. ...querendo-se antes estar-se ao socairo do forte Santa Maria, p. 72. Blut.: “Ao
socayro. Termo nautico, antiquado. Val o mesmo que ao longo. Ir ao socayro da
fortaleza, com barco, ou navio.[...] (Se abrigou com a armada de remo, ao socairo da
nao, & do galeão. Lemos, Cercos de Malaca, 15, vers.)”.
SOSSO adv. ...com sete trincheiras de pedras em sosso, altas e grossas, p. 71. Pedras em sosso
ou pedras em sossa, aliás a única forma acolhida por Mor.: “usamos desta palavra
adverbialmente; v. g. pedra em sossa, sem cal, nem outro liame. Mend. Pinto, c. 17 e
93”. Em Cândido Mendes (edição de 1874, p. 208), está sosso, mas há registro, em
nota, das duas flexões.
SUBSTÂNCIA s. ...Monsieur du Prat, grande soldado, e pessoa de substância da câmara do
Cristianíssimo Rei de França, p. 64. Ou de sustância, de força, de projeção: importan-
te, respeitável, substancial.
SUJIGADO p. a. ...para dobrar os baixos de São Roque levando a terra sujigada a quatro lé-
guas, p. 46. O mesmo que subjugado ou sujeitado. Mor. Registra o derivado sugigador
(= subjugador). Blut. Registra sogeição, sogeitar, sogeito e sojugado.
162 Diogo de Campos Moreno
SUJIGAR v. ...o caravelão do Machado meteu tanto de ló por sujigar o recife, p. 43 . Vd.
sujigado, que deriva do verbo acima.
SUSO s. ...no efeito suso dito poderão ocorrer diversas ocasiões, p. 100; dar, ordenar, e dispor
em todas as cousas suso ditas, p. 100. Leão, à p. 292, assinala asuso, ou melhor acima.
Vit., no verbete Jussãa, diz: “He o contrário de susãa. Carta de Jussãa, Carta de baixo:
Carta de Susãa, Carta de cima. Doc. de Tarouca de 128... Antigamente se disse juso,
abaixo: e suso, acima. Ainda hoje (1798) se diz juzante, a maré, que baixa; e montan-
te, a maré que sobe”.
TABAJAR adj. ...no socorro dos índios tabajares da Buapava, p. 51. Garc.: “Tabajares (fl.
158 v.) Indiens. – Tabajáras, de taba aldeia, Yára senhor; os senhores das aldeias, os
aldeões. Tobayára, que ocorre em outros autores, significa o que está na frente, fron-
teiro, estrangeiro, ádvena, inimigo”.
TABAJARÉ s. ...entrava o Maniocapuá com os tabajarés, p. 72. Vd. Tabajar.
TATAJUBA s. ...do pau amarelo chamado tatajuba, e de todas as madeiras, p. 124. Cunha:
“Var. tatajiba, tatajuba, tataiobá, tatagyba, tatajúba (T.tata’iua – VBL 1.34: Amoras
brancas de árvore = Tatagiba. Ib. 1. 126: Espinheiro o das amoras brancas = Tatagy-
ba). Planta da família das moráceas.”
TENÇÃO s. ...tudo era seda, guarnições e ouro, em que se manifestava a tenção com que estas
despesas ditas eram feitas, p. 111. Blut.: Vontade, intento, propósito de dizer, ou fazer
alguma cousa. // “Declaravos-hey a minha tenção.”
TENÊNCIA s. ...meter com outros, seja por companhia, comissão, ou por tenência com igual
poder, p. 100. Blut.: “o cargo, que se dá de algum presídio, fortaleza, ou cidade, a
quem a tenha, & mantenha com fidelidade. Ou officio & cargo de tenente. (Resti-
tuído à tenencia da cidade da Guarda. Mon. Lusit. Tom. 5, fl. 134).”
TEREMEMBÉ s. ...também porque os índios Teremembés do Pará ou Ototói ficavam mais
perto, p. 51. Garc.: (fl. 189) Indiens. – Tremembés, indígenas que habitavam o litoral
do Norte, desde a foz do rio Camocim até a Ilha do Maranhão, e que foram des-
truídos em 1679 pela expedição ao mando do mamaluco Vital Maciel Parente filho
natural de Bento Maciel Parente, o qual tinha o posto de capitão-mor. – Berredo,
nos Anais históricos, chama-os Taramambases: Baena, no Compêndio das eras, dá-lhes
o nome de Taramambezes: mas a designação seria em princípio Tirimembés (de que
C. d’Abbeville fez Tremembez) contração de tyriri-membé, água ou líquido que se
escôa molemente, designando o local embrejado, ou encharcado, como era o habitat
da tribo, conforme plausivelmente explica Sampaio.
TEREMEMBE s. ...os Tapuias do Parameri, chamados teremembes, p. 34. Vd. Teremembé.
TESO s. ...para que sem parar lhes tivesse a escaramuça em teso aos capitães franceses, p.
76. Blut.: “Hum lugar alto, no campo. Havia numa planície um teso de bastante
Jornada do Maranhão 163
grandeza. [...] Hua grande arvore, que estava em um teso. Barros, I Déc. fol. 36,
col. 1)”.
TIJIPAZ s. ...e os índios de fora, em seus tijipazes, ou cabanas, ao longo da água, p. 50.
Cunha: “Cabana de índios, choça; por extensão, toda e qualquer construção rudi-
mentar. Note-se quantas variantes derivadas do tupi: tei’iu’paua: 1. tugipar, tiyupar,
tajupar, tijupar, tujupar, togibar, tuiupar, tejupar, teiupar, tigibar; 2. teigupába, teigu-
paba; 3. tigepau, tegipau, tegipão, tejupá. (Id., ibid.).
TOA s. ...indo neles o dito Sargento-Mor para aprestar toas, p. 44. Blut.: Ignora o sentido
base. Mor.: “A còrda que o navio grande dá a alguma embarcação menor para esta o
rebocar, e trazer à sirga, quando não ha vento”. “Recolhíão a toa do cabrestante. F.
Mendes, c. 68. Albuq. 4. p.c. 6 Cast. 3.36”.
TOPINAMBÁ s. ...os da Ilha Topinambás [...] sempre haviam de temer esta liança, p. 56.
Vd. Tupinambá.
TOPINAMBÓ adj. ...Mr. de la Fos Benart, com mais quatrocentos índios Topinambós, p.
71. Vd. Tupinambá.
TÓSSIGO s. ...tais desordens, as quais, para quem as entendia sem lhes poder dar remédio,
eram tóssigo, que consumia a vida e o gosto. p. 58. Mor. e Tes. somente registram tossigòso
e tossegoso e silenciam aquele substantivo, que serve de base ao adjetivo que verbetam.
Cândido Mendes (1874) conjectura ser variante de tóxico, o que, além de semantica-
mente plausível, tem evolução fonética análoga na palavra sintaxe (/ks/>/s/).
TROÇAL s. ...vestidos de roupas francesas azuis [...] brosladas de troçais de seda, p. 111.
Metátese de torçal. Blut.: “Cordaozinho de seda. Seda torcida. [...] E da fermosa cor
Assyria tinto, E de Torçaes Attalicos lavrado. Camoens, Eleg. 1, Estanc. 14.”
TRUXAMANTE s. ...por ser grande truxamante ou língua entre eles, p. 34. O mesmo que
intérprete. Cândido Mendes de Almeida diz com acerto ser empréstimo do francês.
TUPINAMBÁ s. ...dentro do Maranhão, defronte da Ilha dos tupinambás, p. 55. Garc.:
“Topynambá (fl. 61 et passim) indiens et sauvagens. – Tupinambá. – Dos escriptores
antigos o que mais se approximou da graphia tupi desse nome, entre os estrangeiros,
foi C. d’Abbeville. Léry escreveu Toiioupinambaout; Hans Staden Tuppinambas, Y
d’Evreux Tapinambos, etc. – O vocábulo tem sido explicado diversamente. Burton,
na Introdução ao The Captivity of Hans Staden, faz derivar o nome de tupi-ana-
ma-aba “people related to tupis”, Sampaio de tupi-nã-mbá, descendentes do tupis.
Qualquer das duas interpretações é satisfactoria tanto etymologica como ethnogra-
ficamente”.
TURQUESCO adj. em todas as guerras, assim cristãs como turquescas, p. 82. Blut.: “Cousa
de turco. Turcicus, a, um”.
164 Diogo de Campos Moreno
UCO s. ...a resposta que deu foi meter a carta no uco do chapéu, p. 75. A menos que seja erro
de leitura da edição de 1812, não encontrei abonação para o termo. Por contexto,
pode significar oco, concavidade.
URCA s. ...s partiu em uma urca, p. 36. Mor.: “Embarcação de comboi nas armadas, espé-
cie de barco grande, e muito largo”.
URUCU s. ...fazendo caso da tinta vermelha do urucu, p. 124. Todos sabemos ao urucu
num guisado de galinha, num xarope, ou em outras utilidades. Mas leiamos Garc.:
“Ouroucu (fl. 226) arbre... il porte une fruit qui est remply de petits grains rouges,
dont les Indiens se servent pour la teinture. – Urucú, o vermelhão (Bixa orellana.
Linn.). – Batista Caetano explica de várias maneiras: mas considerando-se o destino
que davam ao vegetal, ou melhor ao seu fructo, parece-nos razoavel derivar o nome
de ub-rocú pinta pernas. Também diziam rucú com r brando.
VALEROSO adj. ...chegaram descompostos, mas mui valerosos e honrados, p. 75. Tes.: “Que
tem forças. – Esforçado, corajoso, animoso. “Aquele que hoje se vê tão valeroso...”
VALEROSAMENTE adv. ...e ali se defendia valerosamente, p. 76. Advérbio formado de
valerosa + mente Vd. Valeroso.
VARADO p.a. ...dar fogo a todas as canoas que estavam varadas em terra, p. 76. Mor.:
Varar v. at. Fazer encalhar: v.g. varar o navio em terra. B4.8.14. Couto. Freire, 2.
nº 56.
VAREDA s. ...guardando postos, fazendo emboscadas, batendo varedas, p. 64. Blut. e Tes.
registram esta variante, remetendo o leitor para vereda, caminho estreito, senda, e
não estrada real.
VENTOSO adj. ...foi lua nova à sexta-feira muito ventosa, p. 53. Mor.: “Cheio de vento:
folle ventoso”.
VESTIDO s. Proveu-se esta gente de vestidos, armas e munições, p. 48. Blut.: “O com que nos
cobrimos, para a honestidade, & para defender o corpo das injúrias do ar.” Os nossos
ingênuos índios mais desmentem que segue: “O pecado foi a causa, por que se intro-
duziram os vestidos: quem se glorea [sic] delles, do peccado se glorea.”
VERAS s. ...entendeu o Senhor de la Ravardière as veras com que S. Majestade tomava as
cousas do Maranhão, p. 108. Mor.: “Veras, s.f.pl. [...] Vede se são veras ou burlas; i.é,
cousas sérias, ou brincos. § Veras oppõe-se a ficção, hypocrisia, dissimulação”.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Índice onomástico
SENADO
Cidades históricas. Inventário e pes- um território disputado teve um registro tão abundante, variado e fruto
FEDERAL
...................... História da missão dos padres
quisa. São Luís. Este volume faz parte dos de testemunhas que vivenciaram os fatos narrados. Este é o caso da capuchinhos na ilha do Maranhão e ter-
inventários dos centros históricos realiza- ras circunvizinhas. O autor Claude
fundação da cidade de São Luís, em 1612, e, especificamente, o relato ......................
dos pelo IPHAN a partir de metodologia SENADO d’Abbeville foi um dos capuchinhos que
de Diogo de Campos Moreno, “capitão e sargento-mor do Estado do
e pesquisa próprias registrando rua a rua, FEDERAL acompanharam os franceses na viagem
casa a casa, dos bens tombados da cidade
Brasil”, que serviu na campanha portuguesa para recuperar o território .... ......................
ao Maranhão, em 1612, viagem capi-
ocupado pelos franceses sob o comando de La Ravardière.
de São Luís, capital do Estado do Mara- taneada por Daniel de La Touche, Se-
nhão. É um pormenorizado registro, in- Dois outros livros publicados pela Editora do Senado nar- nhor de La Ravardière. Junto com Yves
cluindo fotos, sobre edificações públicas ram a aventura francesa no Maranhão. O primeiro é o livro de Claude d’Évreux, d’Abbeville deixou registro,
e privadas, seu uso anterior e atual, gaba- . . . . . . . . . entre outros temas, da fauna, flora, ge-
D’Abbeville, intitulado História da missão dos padres capuchinhos na ilha
rito, área do lote e de projeção e o estado do Maranhão e terras circunvizinhas (vol. 105). O segundo foi escrito ografia, astronomia, gastronomia, cos-
de conservação, além de conter mapas e tumes e hábitos dos nossos indígenas.
por Yves d’Evreux: Continuação das coisas mais memoráveis acontecidas
uma introdução histórico-urbanística. É, além do fator científico e registro
Jornada do Maranhão
servação, restauração, promoção e gestão estudo denso sobre a História do Esta-
do patrimônio urbano tombado. O livro narra o embate entre dois povos e acrescenta informa-
ções sobre Jerônimo de Albuquerque, comandante dos portugueses, e
apresenta ainda a relação tensa entre o cronista e seu chefe. São docu-
Maranhão do e uma parte importante do projeto
colonialista dos franceses no Brasil. O
livro parte dos empreendimentos para a
Diogo de Campos
riso. Designado a ser o segundo de Jerônimo de Albuquerque, Diogo Moreno
século XVIII. A transcrição, revisão e as
de Campos é também incumbido pelo rei e pelo governador-geral de
Moreno
notas dessas valiosas cartas, verdadeiros
documentos de nossa História, foram documentar com isenção a saga histórica dos portugueses na guerra de
competentemente realizadas por Aldo reconquista do território maranhense.
Luiz Leoni. Aldo Leoni, que se incumbiu
ainda de “esclarecer a gênese e tornar in-
teligível o conteúdo do manuscrito”.
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Volume 161
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