Neurociência Da Linguagem: Aula 3
Neurociência Da Linguagem: Aula 3
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NEUROCIÊNCIA DA
LINGUAGEM
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e aprendizagem de línguas, nos departamentos de Linguística e Letras, na busca
por aprimorar técnicas e metodologias educacionais e fomentar seus estudos.
Por outro lado, autoras como Mirian Lemle, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro que conduz pesquisas acerca da teoria chomskiana e
realiza experimentos no Departamento de Linguística da UFRJ, defendem o estudo
da Linguagem não somente por abordagens sociológicas, mas principalmente
biológicas.
Diante disto e entendendo o potencial biológico que tem a linguagem,
discutimos nesta aula os fundamentos biológicos da linguagem, num primeiro
momento abordando sua historicidade e buscando entender como se deu seu
processo, desde os primeiros estudos, até as pesquisas que estão sendo
realizadas nestes primeiros anos do século XXI.
Entendendo a comunicação como uma das funções da linguagem, fazemos
uma reflexão sobre os aspectos biológicos da comunicação humana e buscamos
compreender como ela é entendida a partir de sua base biológica, traçando um
paralelo entre as sentenças da língua e os mecanismos que são processados para
que elas se realizem.
Seguimos nosso estudo abordando a neurofisiologia da linguagem, seção
em que iremos compreender a estrutura, o funcionamento e desenvolvimento das
áreas do sistema nervoso central, alcançando entendimentos sobre as atividades
biológicas que envolvem a capacidade humana de receber e produzir a linguagem
verbal. Ainda, compreenderemos como o cérebro humano está organizado e como
essa organização incide nas funções da linguagem, fazendo um estudo anatômico
da linguagem.
CONTEXTUALIZANDO
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exterior, outros atribuem o desenvolvimento a questões cognitivas baseadas na
construção virtual de estruturas mentais, como bem defendeu Piaget e ainda
defendem hoje seus seguidores. Há ainda aqueles que pensam a linguagem a partir
do inatismo, crendo ser a linguagem algo nascido com o homem, como o linguista
Noam Chomsky.
Todos eles compreendiam – uns mais, outros menos – que há a necessidade
de uma base biológica que sustente o desenvolvimento da linguagem, mas todos
hão de convir que sem essas estruturas biológicas os seres humanos não
conseguiriam adquirir o meio mais importante para sua própria comunicação, a
linguagem.
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O primeiro a encontrar um ponto na anatomia humana onde supostamente
a linguagem estaria alojada foi o cientista, médico, anatomista e antropólogo
francês Pierre Paul Broca. Situado na região do lobo frontal do cérebro humano, o
centro da linguagem foi descoberto quando Broca estudava pacientes com afasia,
ou seja, incapacidade total ou parcial de articular a fala. Assim, Broca descobriu
que seus pacientes que apresentavam problemas com a fala normalmente tinham
uma lesão especificamente naquele ponto. Descobriu também que há no cérebro
estruturas distintas para a compreensão e a produção da linguagem, apresentando
certa dominância hemisférica esquerda nos processos da linguagem.
Outro cientista que teve grande repercussão em seus estudos sobre a
linguagem foi o norte-americano Noam Chomsky. Para ele, a linguagem era uma
faculdade de tipo vertical, dentro de uma mente organizada por módulos. Segundo
Lemle (1998), ao postular sua teoria, Chomsky revolucionou a linguística de sua
época, já que retirar a linguagem da esfera da cultura e realoca-la na esfera da
psicologia, que naquele momento estava incrustada na biologia, mexeria com muita
coisa, seja com a epistemologia genética de Piaget, seja com questões básicas da
filosofia:
Chomsky criticou, com sua teoria, dois grandes pensamentos que eram
divulgados em sua época, os de Skinner e Piaget. O primeiro dizia que a linguagem
era adquirida a partir de situações externas, e o segundo postulava que a
linguagem fazia parte de uma estrutura mental virtual autoconstrutivista.
Num primeiro momento, Chomsky se contrapôs à ideia skinneriana da
linguagem. Por volta do fim da década de 1950, o teórico postulou duras críticas à
teoria de Skinner, introduzindo a ideia de que a língua não é fruto do meio e sim da
mente humana, um fator biológico inato (Chomsky, 1998).
Para Chomsky, a linguagem faz parte do instinto humano, podendo ser
comparada à produção da teia pela aranha, que mesmo sem ter conhecimento de
geografia plana, possui todas as condições fisiológicas e anatômicas para
desenvolver sua arte geométrica (Pinker, 2002). Esse instinto é observável em
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outros animais, sendo que, para Chomsky, a aquisição da linguagem não se difere,
sendo também um instinto.
Por volta da década de 1970, sua teoria foi novamente posta à prova, e em
uma reunião científica histórica, realizada na Abadia de Royaumont no ano de
1975, Chomsky a defendeu em detrimento da teoria postulada por Piaget, propondo
a Gramática Gerativista, que postulava que a mente era organizada em módulos a
partir de conceitos inatos. Com essa teoria, Chomsky pretendia analisar aspectos
da mente da criança, buscando compreender como esta era capaz de adquirir,
desenvolver e colocar em uso sua língua materna. Essa teoria era uma maneira
biolinguística de abordar a capacidade da linguagem humana.
Desde então essas teorias convivem e são discutidas diuturnamente pelos
profissionais e estudiosos da linguagem, mas se há de convir que a teoria que mais
se aproxima dos aspectos biológicos da linguagem é a teoria chomskiana.
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Na história da civilização humana, uma palavra escrita ou falada tem poder
tão grande que basta utilizá-la para o mundo mudar, para produzir uma
guerra, para anunciar boas novas, para proclamar a tão desejada
independência. E é a partir dessa complexidade que, ao longo dos anos,
estudiosos interessados buscam conhecer, aprimorar ou reafirmar teorias
que estudam a linguagem. (Sena; Gomes, 2015, p. 555).
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A linguagem é compreendida por Chomsky como sintaxe, ou seja, um
conjunto de regras que será gerado na criança, independentemente da influência
ou qualquer regra que venha do seu exterior.
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desses dados, por si só, não explica por que nossa mente tem os conhecimentos
de gramática que tem.
Ou seja, com tão poucos dados externos, da língua, para Chomsky é
praticamente impossível que a criança obtenha uma potência gramatical tão
grande quanto a que tem se a potência gramatical não lhe fosse inata.
Na reunião que estamos analisando neste texto, Chomsky apresentou
vários exemplos para confirmar sua tese, alguns dos quais apresentamos com o
intuito de que se esclareçam suas ideias.
Tomemos como exemplo a formação de uma frase negativa a partir de uma
afirmativa, como em “o gato está debaixo da cama” e “o gato não está debaixo da
cama”. Observando essas frases, podemos deduzir que para formar uma frase
negativa basta inserir a palavra não depois do primeiro nome que aparecer, mas
ao testar a fórmula com outra frase – “o gato que está enciumado está debaixo da
cama” e “o gato não que está enciumado está embaixo da cama” –, há aí uma
falha na organização da frase. A regra de colocação do não para negar uma frase
não pode tomar as palavras como unidades simplesmente enfileiradas. A frase
certa seria: “o gato que está enciumado não está embaixo da cama”. Deve-se
inserir o não, portanto, após o primeiro sintagma (unidade léxica composta por
mais de um elemento lexical) nominal. Ou seja: a regra requer menção a uma
estrutura sintática e não a uma fileira de palavras (Lemle, 1998)
Diante disto e considerando-se a lógica de que se a gramática fosse
somente aprendida somente por estímulos externos o normal seria que a criança
interpretasse as frases como uma sequência de palavras – o que não acontece –
, afirma Chomsky (1998, s/n):
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de vida há uma facilidade muito maior no aprendizado de qualquer tipo de língua,
seja ela baseada em organizações fônicas ou gestuais, como é o caso da Libras.
Da mesma forma que, em meados das décadas de 1950 e 1970, Chomsky
defendeu sua pesquisa sobre a linguagem humana, ainda hoje vários
pesquisadores no Brasil e no mundo buscam explicar como a linguagem se
desenvolve no ser humano.
Ainda pra Lemle, outro estudo em curso tem o intuito capturar os efeitos
neurofisiológicos dos encaixes de palavras dentro de palavras. Para entender
como esse encaixe se processa no cérebro, apresenta-se numa tela de
computador primeiro a palavra globo e logo depois a palavra globalizar. Como a
palavra globo está contida em globalizar, globalizar vai ser lida muito mais
rapidamente do que se a palavra dada antes fosse glória ou lobo. Diz ainda Lemle
(Em busca..., 2005):
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geneticamente alicerçado, não poderíamos criar, pelas vias da cultura, um
mecanismo como as línguas humanas, que nos permite relacionar pensamentos
com cadeias de sons da fala” (Em busca..., 2005).
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Quanto aos processos de adaptação do homem ao meio, a neurofisiologia
se encarrega de estudar a plasticidade neural que é inerente ao ser humano e que
é definida como a capacidade que o sistema nervoso tem de se transformar em
resposta às exigências do ambiente em que se encontra. Para Farias (2015), esse
é um fenômeno que depende de mudanças microestruturais morfológicas e
fisiológicas que devem acontecer nos próprios neurônios. O termo também pode
ser definido em relação às sinapses, sendo denominado plasticidade sináptica.
Quando as sinapses sofrem esse fenômeno plástico, elas podem se fortalecer,
ganhando robustez e sendo reforçadas pelo fenômeno de potenciação, ou podem
se desfazer pelos fenômenos da retração e da movimentação dendrítica. Se não
houvesse a plasticidade neural, não poderíamos aprender nada, e assim não nos
adaptaríamos ao ambiente em que vivemos.
Outro fundamento importante da Neurofisiologia é a autosustentação, a
qual se dá pela produção do liquor. É essa substância que sustenta e protege o
cérebro contra eventuais choques mecânicos. Além disso, também desempenha
um papel imunológico, pois serve como veículo para nutrientes e agentes de
defesa contra infecções. O liquor é produzido pelo plexo coroide e, após circular
pelo interior do cérebro, é absorvido pelo sistema de drenagem venoso. Cerca de
100-150 ml são produzidos diariamente. Durante séculos se acreditou que o
sistema ventricular era onde a alma estava alojada. O estudo do sistema
ventricular e da neurofisiologia do liquor, tão importante para o sistema nervoso
central, prova que a absorção de impactos e a proteção são básicas para qualquer
processo, por mais complexo que ele seja (Farias, 2015).
O quarto fundamento é aquele que está atrelado à compreensão que o ser
humano tem do mundo ao seu redor, o que é viabilizado pelo pensamento.
Segundo Jolivet (1986), pensamento é a capacidade que tem o ser humano de
conhecer em que consistem as coisas e as relações que elas têm entre si.
Entendendo que o pensamento precede a linguagem, que é também
considerada uma forma de pensamento, a neurofisiologia da linguagem busca
compreender a estrutura, o funcionamento e o desenvolvimento da linguagem a
partir das áreas do sistema nervoso central, com base nas suas funções e
fundamentos.
Segundo Kapitaniuk (2010), essa área de estudo tem por finalidade
fundamentar hipóteses sobre as capacidades que estão biologicamente
envolvidas na recepção e produção da linguagem verbal, principalmente na fase
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de aquisição da linguagem e entre os afásicos. Constatações que surgiram
desses estudos comprovaram que o hemisfério esquerdo é especializado para
funções sequenciais e lógicas, como as linguísticas, e que o hemisfério direito
processa informações holísticas, como as empregadas para o reconhecimento de
faces, vozes conhecidas, imagens, entre outros.
A partir desses estudos, várias descobertas têm surgido ao longo dos anos,
ao tempo que novas tecnologias têm surgido e aprimorado as pesquisas na área
da neurofisiologia, como é o caso da tomografia por emissão de prótons e da
ressonância magnética, que auxiliam os pesquisadores dando-lhes condição de
acompanharem os processos da linguagem em imagens produzidas em tempo
real. Segundo Raichle (1999), é possível observar, por exemplo, regiões
específicas do cérebro sendo ativadas quando atividades de leitura são efetuadas,
bem como os neurônios e sua intrincada rede de células.
A tecnologia tem auxiliado de forma tão profícua o processo de evolução
da neurociência que, atualmente, a partir dos novos aparelhos, é possível
visualizar cada parte do cérebro vivo em ação, do maior circuito até a sinapse no
diminuto espaço entre neurônios. Com aparelhos, como os citados anteriormente,
é possível registrar a atividade elétrica de uma única molécula no cérebro (Eliot,
1999).
Saiba mais
MASCARELLO, L. J. Lingua(gem) sob duas perspectivas teóricas. Working
Papers em Linguística, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 61-71, jan./jun. 2009.
Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/workingpapers/article/view/1984-
8420.2009v10n1p61>. Acesso em: 13 nov. 2020.
Quando influenciado pelo meio ambiente, seja ele social ou linguístico, todo
ser humano pode desenvolver a linguagem. Isso se dá porque todos os seres
humanos possuem em seus cérebros sistemas anatomofuncionais que permitem
esse desenvolvimento. Desde o século XIX estuda-se como as patologias da fala
estavam ligadas a lesões cerebrais, e pesquisas já eram realizadas na busca de
entender como as partes do cérebro estavam ligadas aos processos da
linguagem. No entanto, foi a partir da década de 1960 que pesquisadores como
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os franceses Paul Broca e Armand Trousseau, o alemão Carl Wernicke, entre
outros, realizaram estudos mais aprofundados sobre a anatomia da linguagem.
Todavia, estudos mais detalhados da fisiologia da linguagem dentro do cérebro
humano surgiram somente quando foi possível estimular o córtex eletricamente
utilizando equipamentos computadorizados, como a tomografia e o radioisótopo
(Jakubovicz; Cupello, 1996).
Desses estudos, pôde-se caracterizar as principais áreas do cérebro
ligadas à linguagem e às fases por que o cérebro passa até que a linguagem seja
expressa:
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FINALIZANDO
LEITURA COMPLEMENTAR
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REFERÊNCIAS
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
ELIOT, L. What’s Going on in There? New York: The Penguin Press, 1999.
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<https://onlinelibrary. wiley.com/doi/abs/10.1111/1467-9922.00212>. Acesso em:
6 jun. 2018.
RAICHLE, M. E. Visualizing the Mind: The Scientific American Book of the Brain.
New York: The LyonsPress, 1999.
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