Corrêa (Org.) (2018) Livro
Corrêa (Org.) (2018) Livro
Corrêa (Org.) (2018) Livro
Sicuro Corrêa
Organização
2ª edição revisada
Aquisição da Linguagem e Problemas
do Desenvolvimento Linguístico
Reitor
Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J.
Vice-Reitor
Pe. Álvaro Mendonça Pimentel, S.J.
Decanos
Prof. Júlio Cesar Valladão Diniz (CTCH)
Prof. Luiz Roberto A. Cunha (CCS)
Prof. Luiz Alencar Reis da Silva Mello (CTC)
Prof. Hilton Augusto Koch (CCBS)
Aquisição da Linguagem e Problemas
do Desenvolvimento Linguístico
Conselho Editorial
Augusto Sampaio, Danilo Marcondes, Felipe Gomberg, Hilton Augusto Koch, José
Ricardo Bergmann, Júlio Diniz, Luiz Alencar Reis da Silva Mello, Luiz Roberto Cunha,
Miguel Pereira e Sergio Bruni.
Revisão de Texto
Tomás Batista e Sandro Gomes dos Santos
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou trans-
mitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou
arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
CDD: 401.9
7 Colaboradores
9 Apresentação da 2ª edição
Letícia Maria Sicuro Corrêa
17 Apresentação da 1ª edição
Letícia Maria Sicuro Corrêa
87 Capítulo 2
Explorando a escuta, o olhar e o processamento sintático:
metodologia experimental para o estudo da aquisição da
língua materna em fase inicial
Maria Cristina Name e Letícia Maria Sicuro Corrêa
143 Capítulo 4
Tudo tinha um nome e de cada nome nascia um novo
pensamento: vínculos entre aprendizagem de palavras e
organização conceptual no início da aquisição da linguagem
Sandra R. Waxman
189 Capítulo 5
O modelo emergentista de coalizão da aprendizagem de
palavras: uma nova maneira de se pensar na Psicologia do
Desenvolvimento
Kathy Hirsh-Pasek, Roberta Michnick Golinkoff, Elizabeth
A. Hennon, Mandy J. Maguire e Jennifer Sootsman
227 Parte III - Problemas do desenvolvimento linguístico
229 Capítulo 6
O funcionamento de classes naturais de segmentos na
aquisição da fonologia e nos desvios fonológicos
Carmen Lúcia Barreto Matzenauer
265 Capítulo 7
Hipóteses psicolinguísticas sobre a natureza do Déficit
Específico da Linguagem (DEL)
Celia Jakubowicz
Colaboradores
Anne Christophe
Laboratoire de Sciences Cognitives et Psycholinguistique EHESC-
-CNRS (LSCP)
Letícia Maria Sicuro Corrêa
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)/La-
boratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem da PUC-Rio
(LAPAL)
Roberta Michnick Golinkoff
University of Delaware
Ariel Gout
Laboratoire de Sciences Cognitives et Psycholinguistique EHESC-
CNRS (LSCP)
Elizabeth A. Hennon
University of North Carolina
Kathy Hirsh-Pasek
Temple University
Celia Jakubowicz
Laboratoire de Psychologie Expérimentale, Université René Descartes
– Paris V(CNRS)
Mandy J. Maguire
University of Louisville
Carmen Lúcia Barreto Matzenauer
Universidade Católica de Pelotas (UCPel)/Centro de Estudos em Aqui-
sição e Aprendizagem da Linguagem da PUC-RS (CEAAL)
Maria Cristina Name
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)/Laboratório de Psicolin-
guística e Aquisição da Linguagem da PUC-Rio (LAPAL)
Jennifer Sootsman
University of Delaware
Sandra R. Waxman
Northwestern University
Apresentação da 2ª edição
Nota
1
Na primeira edição, a sigla DEL foi apresentada como Déficit / Distúrbio Es-
pecífico da Linguagem ou Especificamente Linguístico, equivalente a SLI (Specific
Language Impairment) – termo convencionalmente utilizado na literatura inter-
nacional para um conjunto de sintomas na linguagem, sem etiologia conhecida,
diagnosticado predominantemente por exclusão. Nesta edição, apresentamos
DEL como Distúrbio (exceto no título do capítulo de Celia Jakubowitz), dado
ser este o termo que tem sido mais amplamente utilizado no Brasil (equiva-
lente a Perturbação, em Portugal) e nos parecer mais adequado, uma vez que
não há necessariamente ausência de conhecimento linguístico no DEL e sim
um desempenho linguístico, em certa medida, comprometido. Observa-se que
o CID10 (Código Internacional de Doenças) faz uso do termo Transtornos es-
pecíficos do desenvolvimento da fala e da linguagem, embora suas descrições
não correspondam precisamente ao que a literatura científica denomina SLI/
DEL. Observa-se, ainda, que houve recentemente um consenso no sentido de
tornar os critérios de exclusão para o diagnóstico de distúrbios da linguagem
menos estritos, o que acarretou a substituição de SLI por DLD (Developmental
Language Disorder) na denominação da síndrome, com implicações na área
clínica. O termo SLI continua, não obstante, em vigor na literatura científica.
Manteremos, assim, seu equivalente DEL ao longo do texto. Alertamos, de
todo modo, para a possibilidade de o termo Transtorno ou Distúrbio do Desen-
volvimento da Linguagem (TDL ou DDL) passar a designar (ou incluir) o que
hoje é denominado DEL.
Apresentação da 2ª edição 15
Referências bibliográficas
Notas
1
A sigla DEL, que pode ser entendida como Déficit / Distúrbio Específico da
Linguagem ou Especificamente Linguístico, equivale a SLI (Specific Language
Impairment) – termo que nomeia o conjunto de sintomas tradicionalmente ca-
racterizado como Disfasia do Desenvolvimento e pode incluir o desenvolvimen-
to linguístico defasado.
2
Os Institutos de Inverno em Língua e Cognição I e II foram realizados por
iniciativa do LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Lingua-
gem) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-Rio e do GT
(Grupo de Trabalho em Psicolinguística da ANPOLL – Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística, gestão 1998-2002), com
apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico) e da FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro).
3
Massachussets Institute of Technology – centro de irradiação da teoria linguís-
tica gerativista, a partir do pensamento de Noam Chomsky.
4
Programa de pesquisa que tomou forma na década de 1990 e redireciona a
construção da teoria linguística no âmbito do Gerativismo (vertente chomskya-
na), ao passar a levar explicitamente em conta as relações que se estabelecem
entre o sistema cognitivo da língua e os demais sistemas cognitivos necessários
ao desempenho linguístico. Ver referências no capítulo citado, assim como no
cap.2 da Parte 3.
5
Ver Nota 1.
Parte I
Preliminares formativos
Capítulo 1
Conciliando processamento linguístico e teoria de língua no
estudo da aquisição da linguagem*
1. Introdução
3.3. Em síntese
4. Para concluir
Notas
9
Gramáticas gerativas são um tipo particular de gramática formal. Gramáti-
cas formais são concebidas como estruturas abstratas que descrevem, de forma
precisa, uma língua(gem) formal – conjunto de sequências de elementos de um
dado alfabeto. Uma gramática gerativa consiste de um sistema de regras (mais
caracteristicamente, regras de reescritura) formalizadas de forma explícita,
o qual gera todas as sentenças de uma lingua(gem) e somente elas. Diferen-
tes tipos de gramáticas gerativas podem ser concebidos como gramáticas de
língua(gen)s formais (cf. Chomsky, 1956; 1959a). Partindo do pressuposto de
que línguas naturais compartilham propriedades de língua(gen)s formais pas-
síveis de serem descritas por gramáticas gerativas, a Linguística Gerativista
busca caracterizar as propriedades do tipo de gramática gerativa empirica-
mente adequado a um modelo formal de línguas naturais (Cf. Chomsky, 1957;
1965).
10
O trecho que se segue, deixa explícita essa distinção: “(…) A gramática de
uma língua particular (…) tem de ser suplementada por uma gramática uni-
versal que acomode o aspecto criativo do uso da língua e expresse as regulari-
dades bem estabelecidas que, sendo universais, são omitidas da gramática em
si. Assim sendo, é apropriado que uma gramática discuta apenas, em detalhe,
as exceções e irregularidades. Apenas quando suplementada por uma gramá-
tica universal é que a gramática de uma língua provê um tratamento completo
da competência do falante-ouvinte.” (Chomsky, 1965, p.6, tradução e grifos
nossos).
11
Como antecessores do pensamento de Chomsky podem ser citados: os gra-
máticos racionais do século XVII (Arnauld /Lancelot), 1660/1992), Humbol-
dt, no século XIX (cf. von Humboldt, 1836 apud Losonsky,1999), assim como
Wundt, nos primórdios da psicologia cognitiva experimental (segunda metade
do século XIX, início do XX) (cf. Blumenthal, 1970).
12
Gramática Universal (GU): teoria das propriedades da forma das gramáticas
das línguas naturais e/ou dos princípios que regem sua constituição, concebida
como um modelo formal do estado inicial da aquisição da linguagem, entendi-
do como decorrente de um programa biológico específico da espécie humana
que garante a criação/aquisição de língua naturais. Na década de 1980, enten-
dia-se que este estado inicial, GU, incluía princípios universais e parâmetros
de variação. No contexto do Programa Minimalista, o conceito de GU está
em discussão e, se tomado como exclusivo ao que é específico da faculdade
de linguagem em sentido restrito (aparentemente Merge ilimitado (ver Nota
18)), deixa de coincidir com o de estado inicial, como o conjunto de princípios,
parâmetros ou restrições à forma das gramáticas da línguas humanas, ainda
que tal conceito de estado inicial seja crucial para explicar a aquisição da lin-
guagem (ver Boeckx et al., 2009; Laka, 2009; Chomsky, 2013).
13
A perspectiva racionalista assumida por Chomsky, ao introduzir a Linguís-
tica gerativista no âmbito do estudo da cognição humana, remete ao que é
conhecido como Racionalismo Continental (em contraste com o Empirismo
Britânico), desenvolvido a partir do pensamento de Descartes (1596 - 1650), o
qual remonta a Platão (cerca de 428 -. 347 AC), e é recuperado por von Hum-
boldt (1767 - 1835). De acordo com essa corrente epistemológica, o conheci-
mento pressupõe “ideias inatas”, a partir das quais a experiência vivenciada
sensorialmente seria interpretada. Chomsky (1965) mantém que, além dos
mecanismos responsáveis por qualquer tipo de aprendizagem numa concep-
ção empirista (tais como mecanismos de processamento de dados, de natureza
possivelmente estocástica, princípios associativos, indutivos, taxionômicos,
Capítulo 1 - Conciliando processamento linguístico e teoria de língua no estudo da aquisição da linguagem 67
discussão desse argumento sob perspectiva antagônica, ver Pullum & Scholz,
(2002). Para uma relativização desse argumento, ver 3.2 e 3.3. neste capítulo.
17
Para os principais marcos do desenvolvimento dessa pesquisa, ver Chomsky,
1970; 1973; 1975; 1977; 1980. Para um histórico dessas alterações com refe-
rências ao português, ver Lobato (1988).
18
O conceito de estrutura argumental visa a expressar, num modelo formal de
gramática, a estreita relação entre sintaxe e semântica lexical. Esse conceito
remonta ao de regra de subcategorização introduzido no chamado modelo
padrão da teoria gerativista (Chomsky, 1965), com vistas a explicitar os di-
ferentes contextos sintáticos em que elementos de uma dada categoria lexical
ocorrem, em decorrência das exigências impostas por seu significado. A neces-
sidade de um modelo de língua expressar o modo como informação lexical é
mapeada na sintaxe, já enfatizada em Fillmore (1968), foi uma das motivações
para a proposta de um formalismo alternativo ao do modelo padrão e suas
extensões (Bresnan, 1978). Em momentos posteriores da teoria chomskyana
(Chomsky, 1981), a representação lexical dos elementos de categorias lexicais
(Nome, Verbo, Adjetivo e Preposição) passa a incorporar informação relativa
às suas exigências semânticas, caracterizadas formalmente como argumentos
(entendidos como variáveis independentes, de cujo valor depende o valor de
uma função). O tipo de relação semântica que se estabelece entre argumentos
e um núcleo lexical constitui informação necessária para que os papéis temáti-
cos (agente, experenciador, tema, locativo, etc) dos sintagmas correspondentes
àqueles sejam explicitados na interface sintaxe-semântica. Para o tratamento
formal de estruturas argumentais ver Grimshaw (1990); Marantz (1984), as-
sim como Bresnan (1982); Jackendoff (1983). Para o uso desse conceito em
processamento, ver Boland & Tannehaus, (1991). Para aquisição de estrutura
argumenal, ver Pinker (1989).
19
Para uma introdução à concepção de P&P, ver Raposo (1992); Haegeman
(1994); Mioto, Figueiredo & Lopes (1999).
20
O conceito de Língua I apresenta-se como uma evolução do conceito de
competência Linguística. Ainda que entendido originalmente como língua
internalizada (Chomsky, 1986), mantendo, dessa forma, a dualidade do con-
ceito de competência Linguística apontada em 2.1. (cf. Chomsky, 1986, pp.25-
26), esse conceito evoluiu no início dos anos 1990, com o desenvolvimento da
proposta minimalista, passando a ser apresentado como língua interna. O
adjetivo interna, diferentemente do particípio internalizada, é mais adequado
para incorporar os dois componentes que constituem a língua – o que é adqui-
rido mediante experiência, e o que estaria disponível no estado inicial. Essa
alternação pode ser constatada, acompanhando-se a cronologia dos capítulos
de Chomsky (1995).
21
A ideia de elementos do léxico decomponíveis em traços remonta ao conceito
de traços distintivos do fonema (cf. Jakobson, Fant & Halle (1951)), incorpo-
ra a ideia de decomposição semântica do significado lexical (Katz & Fodor,
1963/1977) e se generaliza para propriedades que, ainda que possam ter con-
teúdo ou motivação semântica, desempenham um papel na sintaxe – os cha-
mados traços formais, como os traços categoriais (N e V), os traços de gênero,
número, pessoa (chamados traços phi), e o traço estritamente formal de caso
(Chomsky, 1995). Mais recentemente, outro traço estritamente formal foi con-
cebido (o traço EPP -- sigla oriunda do termo Extended Projection Principle,
de momentos anteriores da teoria Linguística). Este traço introduz no modelo
informação parametrizada relativa à disponibilidade de uma posição de Es-
Capítulo 1 - Conciliando processamento linguístico e teoria de língua no estudo da aquisição da linguagem 69
& Krumhansl, 1993). Há ainda evidências de que esse tipo de percepção não é
exclusiva da espécie humana (cf. Ramus, 2000).
40
O termo refere-se ao conjunto de sequências ou de combinações de sons da
fala que são legítimos em uma dada língua ou à probabilidade de uma dada
sequência ou combinação de sons ocorrer numa língua em particular.
41
Essa afirmativa deve ser entendida como uma simplificação, com vistas a fa-
cilitar uma aproximação entre o discurso da teoria linguística e os resultados
da pesquisa psicolinguística . No processamento da fala, informação prove-
niente do que é caracterizado como a interface fonética de um modelo de lín-
gua corresponde a uma representação do sinal acústico da fala mantida numa
memória ecóica (memória com tempo de retenção muito limitado, que mantém
a representação de propriedades fonéticas do sinal acústico). Essa representa-
ção ecóica, processada em nível fonológico, daria origem a uma representa-
ção “literal”, ou seja, de natureza lexical, possivelmente na extensão de uma
unidade prosódica-sintagmática, a ser submetida a um processador sintático.
Pode-se, assim, entender o processamento linguístico, do ponto de vista do ou-
vinte, em termos de representações sucessivas do estímulo linguístico, cada vez
mais abstratas (fonética, fonológica, lexical, sintática e semântica), em relação
às propriedades físicas do som que materializa a fala percebida.
42
Ver Name & Corrêa neste volume para caracterização da técnica.
43
Por precedência na interface fonética entenda-se precedência na representa-
ção de natureza lexical decorrente do processamento da informação veiculada
nessa interface. (cf. Nota 39).
44
Essa hipótese é apresentada em termos de c-comando assimétrico (Ver Nota
24).
45
Essa ordenação pode ter motivação na cognição não linguística, embora a
proposta de Kayne (1994) seja apresentada em termos estritamente formais.
Essa ordem universal não deve, entretanto, ser tomada como equivalente a
uma ordem canônica SVO, pois isso faria prever aprendizagem mais rápida
de línguas desse tipo, o que não se verifica, embora essa ordem seja assumi-
da como default em línguas que admitem variação de ordem (Slobin, 1966;
Platzack, 1996). De fato, ordenação linear é uma imposição das interfaces.
Assim sendo, é possível que a estrutura da qual uma derivação parta possa ser
entendida em termos tridimensionais ou da forma mais compatível com uma
possível linguagem do pensamento anterior a qualquer língua adquirida.
46
De acordo com a teoria corrente, a ordem canônica SVO em línguas em
que o verbo é flexionado necessariamente advém de uma derivação que requer
movimento sintático do sujeito da posição de Especificador do verbo, onde é
gerado, para a posição de Especificador do núcleo funcional correspondente a
Pessoa/Número e/ou Tempo.
47
É possível que a computação dessa operação não precise ser realizada no
processamento linguístico, uma vez que a ordem canônica da língua seja iden-
tificada pela criança, ou seja, uma vez que os parâmetros pertinentes a esta
(possivelmente caracterizados em função de um traço EPP (Ver Nota 20)) es-
tejam fixados (Corrêa, 2005).
48
Ver Nota 25.
49
A discussão em torno da disponibilidade de categorias funcionais no estado
inicial da aquisição da linguagem diz respeito à possibilidade de os recursos
representacionais pertinentes ao que se apresenta como categorias funcionais
no modelo de língua estarem imediatamente disponíveis para a criança ao
entrar em contato com a língua. Diante do fato de categorias funcionais serem
Capítulo 1 - Conciliando processamento linguístico e teoria de língua no estudo da aquisição da linguagem 73
57
Ainda que os dados comportamentais disponíveis permitam rejeitar a Hi-
pótese Maturacional e sejam compatíveis com a Hipótese Continuísta, essas
hipóteses não são propriamente testáveis com base nesse tipo de dados. Consi-
derando-se que essas hipóteses dizem respeito ao estado de maturação/desen-
volvimento neurológico nos primeiros estados do desenvolvimento linguístico
(cf. Nota 46), a ausência de evidências comportamentais para a disponibilida-
de de categorias funcionais não seria indicativa de que GU seria submetida a
um cronograma maturacional próprio nem permitiria rejeitar-se a Hipótese
Continuísta, dado que diferentes fatores, pertinentes ao desenvolvimento dos
sistemas que atuam no processamento, poderiam explicar essa ausência. Dian-
te dessa observação e da sobreposição dos sentidos de estado inicial presente
na discussão em torno de categorias funcionais (Ver Nota 46), considera-se
que muito da polêmica em torno desse tópico advém de dificuldades metodoló-
gicas e conceituais no tratamento de questões pertinentes ao desenvolvimento
linguístico.
58
O argumento mantém-se, não obstante, intacto, com relação a procedimen-
tos de aprendizagem independentes de domínio, que se baseiam exclusivamen-
te em informação de natureza probabilística, como em abordagens conexio-
nistas.
59
Ver também Mehler et al. 2000.
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Capítulo 1 - Conciliando processamento linguístico e teoria de língua no estudo da aquisição da linguagem 81
1. Introdução
e vêem a face da criança, mas não vêem a tela para a qual a crian-
ça está olhando. Em ambos os tipos de mensuração, a média dos
tempos coletados pelos observadores é a medida tomada. O grau
de semelhança entre as medidas é, não obstante, relatado como
sendo bastante alto.
Tanto na Escuta Preferencial, quanto na Fixação Preferencial
do Olhar, há uma considerável perda de sujeitos experimentais,
ou seja, de crianças que não chegam ao fim da tarefa. Essa perda,
em torno de 15% a 50% para a Fixação Preferencial do Olhar,
é maior com as crianças mais novas. Essa dificuldade vem, no
entanto, sendo minimizada com o uso de objetos em suporte ro-
tativo de madeira, por meio do qual podem permanecer ou sair
do campo visual da criança, e com o qual a tarefa pode ser con-
duzida de forma interativa. Essa técnica tem sido referida como
de Fixação Preferencial do Olhar Intermodal e Interativa, e en-
contra-se ilustrada em Hirsh-Pasek et al. (neste volume).
Versão normal (NOR):
Um dia, uma formiga andava no galho de uma árvore quando
uma folha caiu em seu pezinho. A formiga pediu ao passarinho
que tirasse aquela folha de sua pata. O passarinho tirou, mas
seu bico machucou o pé da formiga. Que dor! Com o susto, a
formiga caiu do galho, mas o passarinho voou e pegou sua ami-
ga. A formiga adorou voar nas asas de seu amigo e até esqueceu
sua dor.
Versão modificada (MOD):
['OX] dia, ['a4e] formiga andava n['One] galho de ['a4e] árvore
Capítulo 2 - Explorando a escuta, o olhar e o processamento sintático 105
4. Para finalizar
Notas
*
Os experimentos do LAPAL a que o presente Capítulo remete se integram
a projetos da segunda autora, financiados pelo CNPq e pela FAPERJ de
2000 a 2017, e à tese de doutorado da primeira autora, a qual teve apoio da
CAPES, e a teses mais recentes também vinculadas aos projetos da segunda
autora, na PUC-Rio. Nesta 2a edição, incluem-se experimentos de disserta-
ções orientadas pela primeira autora na UFJF.
1
Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem, PUC-Rio.
2
O primeiro estudo usando essa técnica na investigação das habilidades de be-
bês relativas à linguagem é de Eimas et al. (1971), cujo resultado sugere que
Capítulo 2 - Explorando a escuta, o olhar e o processamento sintático 109
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Capítulo 2 - Explorando a escuta, o olhar e o processamento sintático 113
Ariel Gout
Anne Christophe
1. Introdução
[Le livre] [racontait l’histoire] [d’un chat grincheux] [qui avait mordu]
[un facteur]. (chagrin)
O livro contava a história de um gato irritado que mordeu um carteiro.
[Le livre] [racontait l’histoire] [d’un chat drogué] [qui dormait tout le
temps]. (*chad...)
O livro contava a história de um gato drogado que dormia o dia inteiro.
130 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
rie de medidas para identificar as pistas que eles podem ter usado.
Como esperado com base na literatura, observamos um alonga-
mento significativo em final de frase: a vogal de “cha” em “chat
grincheux” foi 40% mais longa quando ocorreu em final de frase
fonológica do que quando ocorreu só em final de palavra.
Esse experimento demonstra, assim, que as fronteiras das fra-
ses fonológicas são exploradas on-line para restringir o acesso
lexical em sujeitos adultos (pelo menos em francês). Gostaría-
mos de ressaltar que a informação relativa a fronteiras de frases
fonológicas é computada rápido o suficiente para permitir que
adultos tomem uma decisão on-line sobre que candidatos lexicais
são válidos: a saber, candidatos que transpõem as fronteiras entre
frases fonológicas não são ativados. Isso, por sua vez, sugere que
as frases fonológicas estão disponíveis desde muito cedo para o
processamento perceptual.
Exemplo 4:
Notas
*
Tradução: Renata Bottino; revisão técnica: Letícia Maria Sicuro Corrêa; revi-
são final: Erica Rodrigues e Marina Augusto.
1
NT: de agora em diante, o termo bootstrapping será mantido em inglês.
2
Exemplos equivalentes em português seriam “por”/“porto”; “mar”/”marca”.
3
Uma sílaba forte é aquela que contém uma vogal plena, e uma sílaba fraca é
aquela que contém uma vogal reduzida.
138 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
4
NR: os termos palavra de conteúdo ou palavra com conteúdo semântico cos-
tumam ser usados em oposição a palavras funcionais. As primeiras são palavras
de classe aberta, ou seja, classes passíveis de expansão como nomes (substanti-
vos), adjetivos e verbos. As segundas, ainda que não totalmente desprovidas de
conteúdo semântico, são palavras de classe fechada, tais como determinantes,
conjunções e preposições, e têm relevância na estruturação sintática de senten-
ças.Para uma caracterização linguística desses termos ver cap. 1, nota 21.
5
Resultados recentes sugerem que bebês de Quebec são capazes de segmentar
palavras dissílabas do francês de Quebec aos sete meses e meio (Polka, Sundara
& Blue, 2002). Esse contraste entre os resultados do francês de Quebec e do
francês padrão pode ser atribuído à diferença na fonologia dessas duas varian-
tes do francês (em particular, ao fato de o francês de Quebec possuir vogais
reduzidas, como o inglês e diferentemente do francês padrão).
Referências bibliográficas
Sandra R. Waxman**
Aquela palavra viva despertou minh’alma,
deu-lhe luz, esperança, alegria e libertou-
a!...Tudo tinha um nome e de cada nome
nascia um novo pensamento.
(Keller, 1904, p.22)1
Por volta dos dois anos e meio a três anos, crianças já demons-
tram habilidade de lidar com o fato de diferentes tipos de pala-
vras salientarem aspectos semânticos distintos. Brown (1957) foi
o primeiro a registrar que crianças são sensíveis a essa caracterís-
tica fundamental da linguagem. Mais recentemente, vários pes-
quisadores demonstraram que as expectativas de crianças quanto
à extensão de uma nova palavra são guiadas por sua forma gra-
matical (ver Hall & Lavin, 2004, ou Waxman, 1998, para uma
revisão de evidências recentes). Crianças estendem nomes contá-
veis a indivíduos e a categorias de objetos (Waxman & Markow,
1995; Waxman, 1999b); estendem sistematicamente os adjetivos
a propriedades de objetos (Waxman & Markow, 1998; Kliba-
noff & Waxman, 2000; Waxman & Klibanoff, 2000; Mintz &
Gleitman, 2002); e restringem a extensão de nomes próprios aos
indivíduos nomeados (Hall, 1991; Hall, 1999; Jaswal & Mark-
man, 2001). Além do mais, já existem evidências entre diferentes
línguas que sugerem que a vinculação entre nomes e categorias
de objetos pode ser universal. Isso foi verificado em crianças na
idade pré-escolar em um amplo espectro de línguas, dentre elas
Capítulo 4 - Tudo tinha um nome e de cada nome nascia um novo pensamento 151
Adjetivo Este aqui é Este aqui Olha o Este Olha o que eu tenho
X-oso! é X-oso! que eu aqui aqui!
tenho é X-
aqui! oso!
Palavra “um coelho!” “um coelho!” “um coelho!” “um coelho!” Silêncio
Tom curva senoidal curva senoidal curva senoidal curva senoidal Silêncio
3.3. Resumo
Conjunto
de animais
Cavalo Prato Cavalo Cavalo
roxos: vs. vs.
Urso e leão roxos Elefante e Cenoura laranja roxo roxo roxo azul
cachorro roxos
Instância 1 Instância 2
Conjunto
de animais
Cavalo Cadeira
roxos: Elefante e vs.
Urso e leão roxos Cenoura laranja azul roxa
cachorro roxos
COR TEXTURA
Desvio Desvio
Média Média
padrão padrão
NOME .65* .21 .65* .12
ADJETIVO .47 .15 .51 .17
NENHUMA PALAVRA .52 .13 .55 .10
Nota. *p<.05 versus chance em 50%
4.7. Resumo
5. Discussão e implicações
6. Conclusões
Notas
*
Tradução: Marina Slate; Revisão Técnica: Letícia Maria Sicuro Corrêa; revi-
são final: Erica Rodrigues e Marina Augusto. Tradução autorizada do artigo
original: WAXMAN, S. Everything had a name, and each name gave birth
Capítulo 4 - Tudo tinha um nome e de cada nome nascia um novo pensamento 179
Referências bibliográficas
Kathy Hirsh-Pasek
Roberta Michnick Golinkoff
Elizabeth A. Hennon
Mandy J. Maguire
Jennifer Sootsman
Primeira Camada
Segunda Camada
Nome novo
Convencionalidade Escopo Categorial
- categoria sem
Devem-se usar os As palavras nomeação
nomes socialmente nomeiam
Nomes novos
estabelecidos das categorias
nomeiam categorias
coisas. taxionômicas.
sem nomeação.
Notas
*
Tradução: Diana Kayser; revisão técnica: Letícia Maria Sicuro Corrêa; Revisão
Final: Paulo Henriques Britto. A preparação deste artigo foi possível graças
aos recursos obtidos pelas duas primeiras autoras junto ao National Science
Foundation (NSF#9601306; NSF#991-0842) e, pela primeira autora, junto ao
Institute of Child Health and Human Development (#HD254 55-07). Corres-
pondência deve ser enviada para [email protected]; ou Roberta@
udel.edu.
1
NT: As citações, em inglês, foram traduzidas (a indicação de página remete
ao original).
2
NR: este princípio, em inglês novel name-novel category, é referido pelos auto-
res como N3C, no qual N3 remete aos três Ns iniciais dos três primeiros termos
da expressão e C remete a category.
3
NR: a palavra usada pela autora, “toma”, equivale a uma pseudopalavra –
uma palavra possível na língua, mas inexistente.
4
Nota da revisora: o termo referência foi mantido do original, embora se con-
sidere que este se aplique a expressões referenciais (sintagmas nominais ou,
em terminologia mais recente, sintagmas determinantes) e não a palavras, que
denotariam classes semanticamente definidas. Na literatura em aquisição da
linguagem oriunda da Psicologia do desenvolvimento, esse tipo de distinção
não costuma ser observado.
5
NR: optou-se, neste momento, por traduzir o termo original refer por remeter,
dado que este último é neutro com relação à distinção entre referência e deno-
tação (ver nota anterior).
Referências bibliográficas
1. Introdução
(1)
e i i
____ C1
o u u
(1) A regra deve ter a seguinte leitura: os segmentos /e, o/ tornam-se, respectiva-
mente, [i, u] quando precedem uma sílaba que contenha as vogais [i] ou [u].
((2)
2)
V V
– alto [ +alto ] ____ C1 [ +alto ]
–baixo
αpost
Capítulo 6 - O funcionamento de classes naturais de segmentos na aquisição da fonologia 231
(3)
(a) Consoantes (b) Vogais
± soante + soante
Raiz ± aproximante Raiz + aproximante
– vocóide + vocóide
LARÍNGEO LARÍNGEO
[nasal] [nasal]
CAVIDADE ORAL CAVIDADE ORAL
[sonoro] [sonoro]
[contínuo] [contínuo]
PONTO DE C PONTO DE C
VOCÁLICO
ABERTURA
PONTO DE V
[labial] [aberto]
[coronal] [labial]
[dorsal] [coronal]
[dorsal]
[anterior]
[–anterior]
(4)
(5)
(5a) (5b)
gelado [Ze’jadu] bola [‘bOla]
folha [‘foja] palhaço [pa’lasu]
agora [a’gOja] quero [‘kElu]
carro [‘kau] barriga [ba’liga]
(6)
(7)
coelho [‘kelu]
corta [‘kOta]
árvore [‘avi] ~ [‘a∫i]
vovô [vo’vo]
sol [‘sOw] ~ [‘tOw]
(8)
barata [pa’lata]
barriga [ba’liga] ~ [pa’iga]8
(9)
p b t d k g
f v s z ∫ Z
m n
l L
r R
(10)
p b t d - -
- - - - ∫ Z
m n J
l -
- -
(11)
p b t d - -
- - s z - -
m n J
- -
- -
(12)
(12a) (12b) (12c)
frigideira [sizi’deja] panela [pa’nEja] chapéu [sa’pEw]
fumar [su’ma] abelha [a’beja] chave [‘sazi]
vermelho [ze’meju] burro [‘buju] cachorro [ta’soju]
novela [no’zEja] chapéu [sa’pEw] colégio [to’jEzu]
(12d) (12e)
cavalo [ta’zau] estrela [i’teja]
casaco [ta’zaku] ovelha [o’zeja]
máquina [‘matina] barata [ba’jata]
garfo [‘dasu] garrafa [da’jasa]
(13)
p b t d - -
- - s z - -
m n J
- -
- -
(14)
p b - - k g
f v s z - -
m n J
l -
- R
A fonologia de E. não contém as plosivas coronais /t/ e /d/, bem
como as fricativas palatais /∫/ e /Z/. As líquidas /L/ e /r/ também
não integram o sistema de E.
Em (15) são apresentados alguns dados exemplificativos do
sistema de E.
(15)
(16)
p b - - k g
f v s z - -
m n J
l -
- R
(17) Obstruintes: X
r
[ – vocóide
– aproximante
– soante ]
LARÍNGEO
CAVIDADE ORAL
[+ sonoro ]
[– contínuo ]
PONTOS DE C
[labial ]
[coronal ]
[+ anterior ]
Capítulo 6 - O funcionamento de classes naturais de segmentos na aquisição da fonologia 247
r
[ – vocóide
– aproximante
– soante ]
[+ nasal ]
LARÍNGEO
CAVIDADE ORAL
[+ sonoro ]
[– contínuo ]
PONTOS DE C
[labial ]
[coronal ]
[+ anterior ]
[ ]
(19) Líquidas:
– vocóide
– aproximante
r – soante
[+ lateral ]
LARÍNGEO
CAVIDADE ORAL
[+ sonoro ]
[+ contínuo ]
PONTOS DE C
VOCÁLICO
[coronal ] ABERTURA
PONTO DE V
[+ anterior ]
248 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
(20)
a) Existência de um sistema fonológico, ou seja, de um con-
junto de segmentos com funcionamento organizado, ca-
racterizado por regularidades (em todos os sujeitos referi-
dos no presente trabalho).
b) Formação de classes naturais no funcionamento dos sis-
temas fonológicos, governadas especialmente pelos tra-
ços relacionados a modo de articulação, representados,
na geometria de traços proposta por Clements & Hume
(1995), especialmente pelos traços [±soante], [±aproxi-
mante] e [±vocóide], que em seu modelo teórico consti-
tuem, como unidade, a raiz dos segmentos; esse fato de-
termina que as grandes classes de consoantes em funcio-
namento no processo de aquisição da linguagem sejam
basicamente três: a classe das obstruintes, a classe das na-
sais e a classe das líquidas (em todos os sujeitos referidos
no presente trabalho).
c) Formação de duas classes, dentro da classe das obstruintes,
em função do traço de modo de articulação [±contínuo]
(em todos os sujeitos referidos no presente trabalho).
d) Estabilização fonológica precoce da classe das nasais (em
todos os sujeitos referidos no presente trabalho).
e) Estabilização fonológica precoce do traço de ponto [co-
ronal] na classe das obstruintes com o traço [+contínuo]
(em todos os sujeitos referidos no presente trabalho).
f) Estabilização fonológica precoce dos pontos [labial] e
[coronal] na classe das obstruintes com o traço [–contí-
nuo] – sistemas de Laísa (2:0) e de M. (10:0).
g) Estabilização fonológica precoce da líquida lateral [coro-
nal, +anterior] na classe das líquidas – sistemas de Laísa
(2:0), de Aline (2:1) e de E. (7:0).
h) Tendência ao emprego de glides em lugar de líquidas, es-
pecialmente do glide coronal [j] – sistemas de Laísa (2:0),
de Mariana (2:3) e de M. (10:0).
i) Estabilização fonológica tardia do traço [±anterior] na
classe das obstruintes com o traço [+contínuo] (em todos
os sujeitos referidos no presente trabalho).
252 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
(21)
a) Presença, em sistemas fonológicos de crianças com des-
vios, de segmentos considerados marcados com ausência
de segmentos da mesma classe considerados não-marca-
dos – caso de E. (7:0), em se tratando da classe das plo-
sivas, com a presença do ponto [dorsal] e a ausência do
ponto [coronal].
b) Número reduzido de segmentos consonantais em sis-
temas fonológicos de crianças com desvios – M. (10:0)
apresenta sistema menor do que o de Laísa (2:0).
c) Existência de pouca variação nas produções de crian-
ças com desvios fonológicos, em se comparando com as
crianças com desenvolvimento linguístico considerado
normal – sistemas de M. (10:0) e de E. (7:0). Em contra-
posição a esse resultado observado nos dados do presente
trabalho, é importante referir que Grunwell (1985, p. 94)
diz que uma das características das fonologias de crianças
com desordens linguísticas é a “extrema variabilidade”,
ao contrário da variação encontrada no padrão fonoló-
gico normal. Grunwell reconhece que, nos sistemas fono-
lógicos em desenvolvimento, tem de haver variabilidade
como precursora da mudança de um para outro estágio,
e em direção ao sistema-alvo; esse tipo de variabilidade
pode ser chamado de variabilidade progressiva. O que se
pode concluir, então, é ser a estaticidade uma característi-
ca de crianças com desvios fonológicos: ou essas crianças
têm sistemas estáticos, sem (ou com muito poucas) va-
riações, ou têm sistemas variáveis estáticos, com extrema
variabilidade, o que implica a falta de previsibilidade no
estabelecimento de padrões fonológicos.
[-vocóide]
Estado 0: [-aprox]
[±soante]
[-voz]
[+voz]/([+soante])
[-contínio]
[cor,-ant]
N = Nível de complexidade [lab]
C1
A1 B1
N=1 [-ant]()
N=2 [+voz](b,d)
N=3 C2
[dors]/(-voz)(k)
A2 B2 B3
N=4 [dors, +voz)(g)
C3
N=5 [+cont](voz)(f,v,s,z)
A3
N=6
B4
B7
B5 [+aprox](1)
N=7
[cor, -ant]/(+cont) B6
[-vocóide]
Estado 0: [-aprox]
[±soante]
[-voz]
[+voz]/([+soante])
[-contínio]
[cor,+ant]
N = Nível de complexidade [lab]
D1
A1
N=1 [-ant]()
B1
N=2
N=3 [+voz](b,d)
[dors]/(-voz)(k) C1
D2
A2 B2
[dors, +voz)(g) B3
N=4
D3
N=5 [+cont](voz)(f,v,s,z)
A3
N=6 B4
B5 [+aprox](1)
B6
C4
C3
N=7 [cor, +cont]/(-ant)(S,Z)
C2
N = 8 [+aprox, +cont, dors] (R)
[+aprox, -ant]()
[+aprox, +cont] (r)
N=9
260 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
Notas
*
O presente artigo apresenta análise que integra estudos relativos a uma pesqui-
sa apoiada pelo CNPq – Processo nº 523364/95-4.
1
Para mais detalhes sobre traços, ver Bisol (2001), Callou & Leite (1990),
Hyman (1975).
2
Para mais detalhes sobre classes naturais, ver Bisol (2001), Hyman (1975).
3
A representação da regra está sendo apresentada de acordo com o modelo de
Chomsky & Halle (1968).
4
Para mais detalhes sobre o funcionamento da harmonia vocálica no português,
ver Bisol (1981; 2001).
5
Para maiores detalhes sobre a geometria de traços, ver Clements & Hume
(1995), Bisol (2001).
6
Isso significa que, retomando-se o exemplo (acima referido) do fato de o seg-
mento [f] poder funcionar, em um processo, como parte de diferentes classes
naturais, seria mais provável, no processo de aquisição da linguagem, consti-
tuir classe com as obstruintes contínuas [f, v, s, z, ∫, Z], cuja base são os traços
[–soante, +contínuo], do que formar uma classe com as consoantes labiais [p,
b, f, v, m], cuja base é o traço [labial].
7
Para a explicitação da relação de traços distintivos com os parâmetros de
modo de articulação, ponto de articulação e sonoridade, ver o capítulo IV de
Yavas, Matzenauer-Hernandorena & Lamprecht (1991).
8
Na forma [pa’iga] para barriga, entende-se que há o emprego do glide coronal
[j] em lugar do r-forte e que, pela vizinhança com a vogal seguinte [i], há o seu
apagamento por decorrência de OCP. OCP (Obligatory Contour Principle ou
Princípio do Contorno Obrigatório) é um princípio que opera nos modelos fo-
Capítulo 6 - O funcionamento de classes naturais de segmentos na aquisição da fonologia 263
Referências bibliográficas
Celia Jakubowicz**
ficuldade, mas parecem ter boa compreensão. Para Gall, esse pro-
blema não pode de modo algum estar ligado a uma má-formação
dos órgãos vocais, nem a uma “apatia” relacional ou a um déficit
auditivo (Gall, 1835). Ainda que de modo pouco preciso em re-
lação aos padrões atuais, esta caracterização antecipa, de alguma
maneira, os critérios que fazem parte daquilo que se constitui,
atualmente, a definição por exclusão de DEL. Um número consi-
derável de estudos de casos de médicos ingleses, franceses e ale-
mães aparece após essa publicação, ao longo do século XIX. Os
autores destacam a extrema pobreza das produções verbais des-
sas crianças, que é acompanhada de uma inteligência não-verbal
normal e de uma compreensão, de modo geral, preservada (Bene-
dikt, 1865; Broadbent, 1872; Clarus, 1874; Bastian, 1880, den-
tre outros). Durante esse período, Väisse (1866) introduz o termo
afasia congênita e o aplica a essas crianças, enquanto a literatura
alemã utiliza sobretudo o termo áudio-mutismo (Coën, 1886)
para descrever um problema atingindo crianças com produções
extremamente limitadas e cuja causa é atribuída a um severo défi-
cit fonológico (Treitel, 1893; Gutzmann, 1894). Até o século XX,
as dificuldades de ordem gramatical não serão incluídas nessa
categoria clínica. Por exemplo, mesmo depois de ter estabelecido
um paralelo entre o agramatismo dos adultos afásicos e as dificul-
dades gramaticais de uma criança de onze anos, Fröschels (1918)
prefere empregar o termo Atraso do Desenvolvimento da Fala.
Alguns autores, como Coën (1886), sugerem que essa desordem,
posto que sua origem neurológica não é clara, estaria ligada a um
problema funcional; para Treitel (1893), os déficits de atenção e
de memória teriam um papel importante na desordem.
No começo do século XX, na França e na Inglaterra, o empre-
go do termo afasia congênita, para descrever tanto as disfunções
de produção quanto as de compreensão dessas crianças, torna-se
cada vez mais frequente. Town (1911, p. 167) dá ao termo a se-
guinte definição: “afasia congênita é uma incapacidade total ou
parcial de compreender e de utilizar a linguagem, qualquer que
seja a forma; esta incapacidade é independente de qualquer outra
capacidade mental, de uma má-formação ou de um comprome-
timento dos órgãos fonadores”. Quanto às bases dessas dificul-
dades, Ewing (1930) sugere que elas seriam compatíveis com um
desenvolvimento neurológico atrasado, e a hipótese do caráter
268 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
e que, ainda, outras são ambíguas? Numa revisão crítica das teo-
rias behavioristas, Chomsky (1959) demonstra que os conceitos
de associação e de generalização dos estímulos, ou de reforço
diferenciado, não podem fornecer uma resposta adequada a es-
sas questões. Assim, no que concerne à aquisição, esses conceitos
não podem explicar o fato de: (i) toda criança típica adquirir sua
língua materna em um tempo relativamente curto (em torno de
quatro anos de idade, ou mesmo antes disso), sem esforço apa-
rente e independentemente de qualquer aprendizagem explícita;
(ii) o conhecimento linguístico adquirido ser muito rico e funda-
mentalmente uniforme numa comunidade linguística, a despeito
de um input necessariamente parcial e individualmente variável;
e (iii) o mesmo se aplicar à criança surda ou cega de nascença,
desde que a informação linguística fornecida pelo ambiente seja
adaptada às modalidades sensoriais disponíveis para ela. Para
Chomsky, esses fatos sugerem que, assim como em outras capa-
cidades próprias à espécie, a criança é geneticamente equipada
de restrições especializadas acerca de relações linguísticas7 que a
levam a aceitar certas generalizações sobre a estrutura da língua
em aquisição e a descartar outras.
Essas ideias abrem caminho para uma nova abordagem no es-
tudo da aquisição normal e patológica da linguagem. A ques-
tão central passa a ser, então, como caracterizar o processo pelo
qual a criança chega a dominar a gramática de sua língua, e para
responder a esta questão o pesquisador utiliza os instrumentos
analíticos propostos pela teoria linguística. Dessa forma, no de-
correr da década de 1960, diversos autores adotam (e adaptam) o
formalismo dos modelos linguísticos então disponíveis – a Teoria
Padrão (Chomsky 1957; 1965) – para a formulação de gramáti-
cas que visam a caracterizar a competência sintática das crianças
adquirindo o inglês.8
Por exemplo, McNeill (1966) propõe que as primeiras combi-
nações de duas (ou três) palavras podem ser representadas por
uma gramática gerativa simples, conhecida na literatura com o
nome de gramática pivô. Essa gramática inclui duas categorias
gramaticais – P(ivô) e A(berta) – cujas combinações (P) + A e
A + A geram as expressões produzidas pela criança.9 Seguindo
Chomsky (1965), McNeill admite que a criança é geneticamen-
te restringida por: (i) um conjunto de universais ditos de “subs-
272 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
(3) a. Llueve.
b.*Rains.
c. It rains.
“Chove.”
2 tipos de
hipóteses
Déficit de
Déficit gramatical processamento
Seletivo Geral
Geral Geral • Déficit
• Hipótese de temporal-
Superfície auditivo
Ausência de
categorias
Categorias
funcionais Operações
• Tempo
• Concordância • Mover
•Complementizador • Checar traços
(9)
Wexler (1998) sustenta que esse estágio, que ele chama de “está-
gio do infinitivo opcional independente”, manifesta-se nas crianças
típicas adquirindo uma língua germânica (alemão, holandês, sue-
co). Por outro lado, levando-se em conta as propriedades da cate-
goria funcional Flexão nas línguas românicas (italiano, espanhol,
português, romeno), o autor afirma que esse estágio não se mani-
festa nessa família de línguas,21 exceção feita ao francês.22 Voltare-
mos a essa questão na seção 4. Além disso, quando no estágio do
infinitivo opcional independente as crianças produzem enunciados
com uma forma flexionada, Wexler observa que seus enunciados
são bem formados: isso quer dizer que as crianças não cometem
290 Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico
(18) a. *What did Mr. Brown find that the thief stole the jewels?
(por What does Mr. Brown find that the thief stole the jewels?)
“O que Mr. Brown acha que o ladrão roubou as jóias?”
b. *What Mr. Brown find that the thief stole?
“O que Mr. Brown acha que o ladrão roubou?”
plicar que Clahsen, Bartke & Göllner (1997) não encontram (ou
pouco encontram) erros nas marcas de tempo no verbo nas nove
crianças inglesas com DEL que eles estudaram, enquanto que a
maioria dos autores cujos trabalhos tratam de crianças angló-
fonas relatam que elas produzem muito frequentemente formas
verbais não flexionadas? Enfim, (iii) o que pensar da hipótese de
Hamann e seus colaboradores, segundo a qual o comprometi-
mento seletivo afeta a categoria funcional Complementizador em
alemão?
É bem possível que as diferenças indicadas nas questões (i) e
(ii) acima sejam principalmente devidas a fatores metodológi-
cos referentes à natureza dos dados observados e, sobretudo, ao
modo de codificá-los e contabilizá-los.25 No que concerne às di-
ferenças entre as observações de Clahsen e as de outros pesquisa-
dores sobre crianças com DEL adquirindo o inglês, não se pode
excluir que aqueles estudados por Clahsen sejam menos severa-
mente atingidos do que a maioria das crianças com DEL falantes
dessa língua. Enfim, Hamann e colaboradores talvez tenham pro-
posto que o comprometimento seletivo em alemão diz respeito à
categoria Complementizador, baseados nos fenômenos que eles
estudaram (a formação de orações interrogativas e das orações
subordinadas em particular) e nas propriedades dessa língua de
colocação de verbo em segunda posição (V2). Se a explicação
deles sobre os fatos se mostrar adequada,26 e se a ideia susten-
tada por Rice, Wexler e seus colaboradores, de que as crianças
com DEL não têm problemas com a operação de movimento
não for desmentida, então as dificuldades quanto às sentenças
interrogativas, observadas por van der Lely e seus colaborado-
res, resultariam de uma incapacidade eventual dessas crianças em
posicionar elementos linguísticos na periferia de uma sentença,
ou seja, resultariam da incapacidade delas de utilizar a categoria
funcional Complementizador.
Consideremos, enfim, as hipóteses segundo as quais o DEL re-
sultaria de um comprometimento de processamento linguístico.
DLT / 12 DEL / 11
S1 3:3 anos (0,1) 6:4 anos (0,9) 5:5 a 7:4 anos
S2 4:4 anos (0,1) 7:8 anos (0,9) 6:5 a 9:0 anos
S3 5:6 anos (0,1) 9:1 anos (1,3) 7:6 a 10:7 anos
5. Conclusão
No que diz respeito à caracterização do DEL e à interpretação
de sua natureza, as principais conclusões do estudo longitudinal
podem ser assim resumidas:
(i) em torno de cinco anos, idade em que o diagnóstico de DEL
é estabelecido na França,43 os morfemas gramaticais não são,
todos eles, afetados pelo DEL. Existe uma ordem de aquisição
dos morfemas considerados nesse estudo e essa ordem é a mesma
para as crianças típicas e para as crianças com DEL. Entretanto,
essas últimas apresentam um desenvolvimento linguístico mais
vagaroso que as primeiras e precisam de muito mais tempo para
adquirir certos morfemas que as crianças sem queixas de lingua-
gem dominam perfeitamente por volta dos quatro anos.
Capítulo 7 - Hipóteses psicolinguísticas sobre a natureza do Déficit Específico da Linguagem (DEL) 329
Notas
*
Tradução: Maria Cristina Name; revisão técnica: Letícia Maria Sicuro Corrêa;
revisão final: Erica Rodrigues e Marina Augusto. Revisão da 2ª edição: Letí-
cia M. Sicuro Corrêa.
**
Agradeço em especial a Catherine Durand (LPE) e Danilo Salamanca (LPE)
pelas leituras deste texto, ajudando-me a corrigir alguns aspectos e a esclare-
cer certas noções. Agradeço igualmente às equipes de terapia do Hospital Ro-
bert Debré e do Hospital Raymond Poincaré (Garches) pelo recrutamento das
crianças portadoras de DEL, a Sylvaine Hébert e às professoras da creche da
rua de Turenne (Paris 3e), onde nos foi possível testar as crianças sem queixas
de problemas de linguagem, às crianças que participaram de nossas pesquisas
e a seus pais, assim como aos estudantes que colaboraram na aplicação dos
testes apresentados na última seção deste artigo.
Capítulo 7 - Hipóteses psicolinguísticas sobre a natureza do Déficit Específico da Linguagem (DEL) 331
1
Ver Nota 1 da Apresentação da 2ª edição.
2
Nesta edição, mantivemos a referência temporal tal como no texto da edição
de 2006.
3
Esta breve revisão histórica se baseia em Leonard (1998). Remetemos o leitor
a esse texto e às referências nele indicadas para mais informações.
4
Ver Nota 1 da Apresentação da segunda edição.
5
Recentemente, o consórcio CATALISE, que reuniu psicólogos do desenvol-
vimento e terapeutas da fala, liderados por Dorothy Bishop, na Inglaterra
(Bishop et al. 2016) chegou ao consenso de que os critérios de exclusão para
o diagnóstico do SLI eram muito estritos, dificultando o encaminhamento de
crianças que não os satisfaziam plenamente para o atendimento terapêutico
(como por exemplo, crianças com cognição não verbal abaixo da média da
idade, ou em condições sociais adversas). A possibilidade de coexistência de
sintomas de outras síndromes (como o TDAH – Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade) também foi sinalizada. Diante disso, o grupo pro-
pôs a alteração do termo SLI para DLD (Developmental Language Disorder),
que passou a ser utilizado na área clínica, embora seu uso ainda não tenha
repercutido no âmbito da pesquisa de orientação (psico)linguística.
6
Por exemplo, o conhecimento linguístico que todo falante nativo de francês
possui lhe permite considerar que as frases em (i) são malformadas na sua
língua (i.e., restrições de forma); seu conhecimento linguístico lhe permite
também, entre outras coisas, reconhecer que a correferência entre o pronome
e o nome próprio (sublinhados nos exemplos) não é legítima em (iia), mas é
possível em (iib) e (iic) (restrição interpretativa):
21
Por exemplo, Guasti (1994) encontrou somente 5% de infinitivos indepen-
dentes num estudo longitudinal de interações espontâneas com crianças pe-
quenas italianas normais.
22
Note-se, no entanto, que Jakubowicz & Rigaut (2000) só encontraram um
percentual insignificante de infinitivo opcional independente nas produções
espontâneas de crianças francesas normais com idade de 2:0 a 2:7 anos.
NT: O original francês apresenta a tradução adaptada do inglês com o verbo
rentrer de modo a evitar o uso de uma expressão idiomática, visto que o exem-
plo é apenas destinado a mostrar a presença ou ausência de flexão no verbo.
A tradução do inglês para o português (ir a pé para casa, ir para casa a pé)
encontra problema semelhante, ou seja, envolve uma expressão mais complexa
do que um verbo flexionado (e o verbo caminhar não seria usado nesse contex-
to, particularmente na fala infantil). Assim sendo, optou-se por uma solução
semelhante à do original francês. O verbo chegar foi, no entanto, preferido a
voltar, mais próximo do francês rentrer, por parecer menos complexo do que
este último e por ser, talvez por isso, mais comum na fala da criança.
23
NR: Os traços formais não interpretáveis, no modelo formal de gramática as-
sumido, têm correlatos interpretáveis pareados com aqueles na computação
sintática, quando são eliminados ou valorados. Ou seja, servem apenas à com-
putação sintática.
24
Em inglês, o pronome interrogativo aparece obrigatoriamente no início da
oração, seja ela simples – por exemplo: “What did you see?” (“O que você
viu?”), “Where did you go?” (“Onde você foi ?”) – ou complexa – “Where
did you believe that John went?” (“Onde você acha que John foi?”).
25
Sem entrar em detalhes, vale dizer que, por exemplo, Rice, Ruff & Grimm
(1997) de um lado, e Hamann, Penner & Lindner (1998) de outro, utilizam
critérios diferentes quanto àquilo que conta como forma verbal flexionada em
alemão. Segundo nosso ponto de vista, os critérios dos autores mencionados
por último seriam mais adequados.
26
Nesse caso, diversos tipos de construções implicando a posição Complemen-
tizador em alemão, assim como em outras línguas (germânicas e românicas),
deveriam apresentar erros.
27
A esse propósito, observe-se que a pesquisa em aquisição normal e patológica
da linguagem, conduzida na perspectiva chomskyana, começou nos Estados
Unidos e continua sendo mais produtiva nesse país do que nos países euro-
peus de língua românica, sobretudo no que concerne à pesquisa em DEL.
28
Colaboraram nesse estudo: Dr. S. Frank, Dr. Ch.L. Gérard e V. Ansaldi (fo-
noaudióloga), no Hospital R. Debré; Dr. Ph. Lacert, A. Bardi, N. Laporte, D.
Potier e L. Rabine (fonoaudiólogas), no Hospital R. Poincaré. Os experimen-
tos foram conduzidos por C. Durand (assistente de pesquisa, CNRS, LPE), S.
De Jesus e A. Kerverrac (bacharelado em Psicologia Experimental, Universi-
dade Paris V), e V. Ansaldi (fonoaudióloga, Hospital R. Debré).
29
Entre as três S, essa criança não fez praticamente nenhum progresso. Na ter-
ceira sessão, com 8:4 anos, seu desempenho estava abaixo da média do grupo
de crianças N de três anos. Naquele momento, foi constatado que a criança
apresentava uma deficiência auditiva central.
Capítulo 7 - Hipóteses psicolinguísticas sobre a natureza do Déficit Específico da Linguagem (DEL) 335
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A primeira imagem de cada prancha tinha por objetivo apresentar à criança
o verbo esperado no contexto de um enunciado no futuro próximo – “le petit
bébé....va boire le biberon” (“o neném… vai beber a mamadeira”) – se ela
não utilizasse de maneira espontânea. Três tipos de verbos foram utilizados:
verbos com terminações foneticamente idênticas para o infinitivo e particípio
passado – i.e., “manger” (“comer”); infinitivo e particípio passado: /mange/
(NT.) –; verbos com mesma terminação para o presente e particípio passado
– i.e., “écrire” (“escrever”); presente e particípio passado: /ekri/ (NT) –; e
verbos com terminações distintas para o infinitivo, presente e particípio pas-
sado – i.e., “boire” (“beber”); infinitivo: /bwar/; presente: /bwa/; particípio
passado: /by/ (NT). Seis verbos de cada classe foram selecionados e contraba-
lançados ao longo dos testes.
31
NT: o passado em francês, correspondente ao pretérito perfeito do português,
compõe-se de um verbo auxiliar no presente e do particípio passado do verbo
principal, sendo chamado, por isso, de passado composto (passe composé).
O auxiliar pode ser “ter” (“avoir”) ou “ser/estar” (“être”), a escolha depen-
dendo do tipo de verbo (de maneira geral, “être”, se o verbo é intransitivo,
mas com exceções). Por exemplo, “eu comi uma maçã”, será “j’ai (avoir 3a. p.s.pres.)
mangé (manger part.pass.) une pomme”; “nasci no Rio” será “je suis (être 1a. p.s.pres.) né(e)
(naître part.pass.)
à Rio.”
32
Nessa figura e nas seguintes, as barras verticais indicam o desvio padrão em
relação à média, e os asteriscos indicam os limiares de significância (* = p<
.05; ** = p <.01).
33
Nesse experimento, utilizamos o mesmo suporte visual e a mesma tarefa
(completar enunciados usados) para o passado composto. Para a produção
induzida do mais-que-perfeito, o experimentador apresenta à criança um iní-
cio de frase no passado composto, como no exemplo abaixo:
(i) Experimentador: Quand la maman est revenue, elle a vu que le petit bébé...
“Quando a mamãe voltou, ela viu que o neném…”
(ii) Criança: ...avait bu le biberon.
“...tinha bebido a mamadeira.”
34
Note-se que, em italiano, assim como em francês, o mesmo item lexical – “es-
sere” = “être” (“ser/estar”); “habere” = “avoir” (“ter”) – tem a função sin-
tática de cópula ou de auxiliar em função do enunciado no qual se encontra.
35
A partir dos anos 1950, vários trabalhos linguísticos descreveram as caracte-
rísticas do francês falado, chamado por certos autores de “francês avançado”
em oposição ao francês escrito, geralmente aprendido na escola, chamado
por esses autores de “francês padrão” (ver, por exemplo, Zribi-Hertz, 1994).
36
Um clítico é um elemento morfologicamente fraco (não acentuado) que cons-
titui uma unidade prosódica com a palavra à qual se liga para constituir uma
palavra fonológica (uma palavra pronunciável).
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Os exemplos a seguir mostram que certos contextos que excluem os clíticos
são legítimos para os pronomes fortes e os sintagmas determinantes.
(ii) a. *Il et je nous viendrons ce soir. “Ele e eu nós viremos esta noite.”
Lui et moi nous viendrons ce soir. Son fils et le mien jouent aux échecs. “Seu
filho e o meu jogam xadrez.”
(iii) a. *Seulement il viendra ce soir. “Só ele virá esta noite.”
b. Seulement lui viendra ce soir.
c. Seulement mon fils joue aux échecs. “Só meu filho joga xadrez.”
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Para uma única criança D, a taxa de produção do clítico acusativo atinge
100% em S3. Para três outras crianças que o produzem em 80% dos casos,
em média, observam-se hesitações e retomadas, ausentes na criança típica.
39
Ver nota 11.
40
Os contrastes abaixo ilustram que os pronomes fortes (por exemplo, “lui”)
seguem, a esse propósito, o padrão nominal: eles possuem uma especificação
fixa [+animado] (Cardinaletti & Starke, 1999; Corver et Delfitto, 1993).
(i) a. *Depuis que j’ai acheté cet ordinateur, je ne peux pas m’empêcher de parler
de lui. [-animado]
“Depois que eu comprei este computador, não posso ficar sem falar dele.”
b. Depuis que j’ai acheté cet ordinateur, je ne peux pas m’empêcher d’en parler.
“Depois que eu comprei este computador, não posso ficar sem falar dele.”
(ii) a. Depuis que j’ai rencontré Pierre, je ne peux pas m’empêcher de parler de
lui. [+animado]
“Depois que eu reencontrei Pierre, não posso ficar sem falar dele.”
b. *Depuis que j’ai rencontré Pierre, je ne peux pas m’empêcher d’en parler.
“Depois que eu reencontrei Pierre, não posso ficar sem falar dele.”
No entanto, é necessário observar que os pronomes fortes podem receber uma
interpretação [-animado] em posição em que os clíticos são proibidos.
41
Essa ideia que apresentamos aqui de uma maneira voluntariamente simplista
foi desenvolvida por Marantz (1998; 1999). Por exemplo, no constituinte
sublinhado da frase “j’adore les chiens” – “(eu) adoro os cachorros.” –, “les”
é o sinal fonológico dos traços funcionais de definitude, gênero e número da
categoria Determinante. Na expressão “les chiens”, esses traços estão ligados
a traços de conteúdo descritivo, tais como [+A, -Humano] que fazem parte do
sentido do nome “chien”.
42
Ver Jakubowicz & Nash (no prelo) para uma explicação da homonímia entre
o artigo definido e o clítico acusativo nas línguas românicas.
43
Antes dessa idade, considera-se que uma criança com um déficit linguístico
manifesta um simples atraso de fala e de linguagem suscetível de se recuperar
graças a uma otimização das condições de estímulo. Essa situação é em parte
devida às dificuldades de se isolar uma entidade disfásica na ausência de uma
semiologia admitida por todos.
44
Ver, por exemplo, Gérard (1993) e referências citadas pelo autor.
45
NR: Para resultados de pesquisa recente sobre o DEL, de uma perspectiva lin-
guística, incluindo a publicação póstuma de artigo de Celia Jakubowicz, ver
Lingua – International Review of General Linguistics, Special Issue, Specific
Language Impairment, edited by Petra Schulz and Naama Friedmann, vol.
121, 3, Feb. 2011.
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Referências bibliográficas