Prometeu
Prometeu
Prometeu
Rodrigo Pontes
Minha imortalidade é uma dádiva que deve ser protegida a qualquer custo. Por isso
eu me isolei do mundo, mas também por isso agora envio esse pedido de ajuda.
Vocês podem me chamar de Prometeu e, apesar do que diziam, eu sei que fui o
primeiro ser humano a ser curado do envelhecimento. Eu tive que fugir, mas agora
preciso que alguém venha me ajudar. Quando fugi, dirigi por centenas de
quilômetros, subi a serra até onde o carro conseguia ir. Ser imortal me permitiu
maratonar por trilhas esquecidas em indas e vindas trazendo todo o equipamento
até essa caverna esquecida no meio da Chapada que tornou-se meu lar. Vivo aqui,
há décadas, com a mesma aparência de quando tinha vinte e cinco anos. Mas
agora alguém me persegue e eu tenho que sair logo daqui. Tenho medo. Eu não
envelheço, mas posso morrer assassinado como qualquer um. Tenho medo de não
conseguir fugir de quem me persegue e, caso essa catástrofe aconteça, preciso
dizer ao mundo como é ser imortal. Sei que outros me invejam e querem ter um
pequeno lampejo que seja de como é ser eu. Vou enviar minha mensagem ao
mundo antes que o mundo me esqueça.
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Novo lembrete. Data. Quando voltar para casa. Recado. Pesquisar jornais
científicos mais abertos à publicação de estudos independentes. Fim do lembrete.
Abrir diário de pesquisa. Assunto. Cura do envelhecimento. Início da nota. Mudança
de planos no prosseguimento da pesquisa. Ter pedido demissão não deve ser um
problema se eu voltar com evidências incontestáveis. O chefe de departamento já
estava rindo de mim no comitê, era óbvio que não ia aprovar minha licença. Quão
burros eles tem que ser para arriscar não fazerem parte da redescoberta da cura do
envelhecimento por causa de uma mísera licença? Acharam que eu estava blefando
quando disse que pediria demissão se não recebesse a licença. Mais uma vez, se
enganaram sobre mim. Eu prefiro assim, para ser honesto. Sem amarras, sem
gente no meu pé. Quando voltar com o Prometeu, as universidades vão brigar para
me ter. Isso se eu não for direto para alguma empresa privada. Hmmm… pode ser
uma boa, hein? Pagam bem mais. Bom, de qualquer modo, essa viagem é um
caminho sem volta. Ou encontro o homem imortal ou eu tô completamente fudido.
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Foi a pior tempestade de todas as décadas que vivi aqui. Ao meio-dia, anoiteceu.
Nuvens pretas cobriram o céu de horizonte a horizonte. O vento vinha cada vez
mais forte, causava estragos na horta e balançava o poste de madeira que eu fiz
para o painel solar principal. Logo começou a chover. Não houve garoa, de um
segundo para o outro, a água começou a entornar em gotas grossas. O vento era
tão forte que eu podia ver as gotas de chuva serem jogadas de um lado para o outro
em ondas aéreas. Eu observava a horta de longe com a dor resignada de perder
tudo. Eu já estava encharcado com os respingos que o vento trazia para dentro da
caverna quando o chão começou a alagar. Corri para mover tudo que estava no
chão para uma mesa de pedra que havia montado no fundo da caverna justamente
para essas ocasiões. Não era a primeira vez que a caverna alagava uns dedos. Mas
aquela tempestade prometia mais que isso. O estrondo de um trovão inundou a
caverna junto com a luz de seu raio. Minha preocupação foi imediatamente para o
painel solar. Ele seguia inteiro mas, com algum azar, o próximo raio poderia vir nele.
Eu não podia correr o risco de perder a energia. Corri para fora com a ferramenta
para desmontar o painel do poste e o trazer para dentro. Por algum motivo, não tive
forças para subir no poste. Minhas pernas cederam. Estava cansado. O vento era
muito forte. Não conseguia enxergar direito com a chuva. Ao tentar subir pela
terceira vez, escorreguei e caí deitado no chão que era pura lama. Antes que
pudesse me recuperar um raio caiu bem no poste. Uma explosão bateu no meu
corpo caído, nos meus ouvidos, nos meus olhos. Eu sabia o que tinha acontecido,
mas não conseguia enxergar nada. Meus olhos só me transmitiam a escuridão.
Também não ouvia mais o vento ou a chuva, apenas um zunido estático. Arrastei-
me de volta à caverna. Protegido da chuva, fiquei de pé pois a água já estava na
canela. Tateando a parede, cheguei à mesa de pedra no fundo. Me encolhi lá,
cansado. Sem ouvir ou ver nada, lá, entre minhas tralhas, me senti protegido, longe
do perigo da tempestade e adormeci.
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Abrir diário de pesquisa. Assunto. Cura do envelhecimento. Início da nota. Nada de
muito relevante aconteceu nessas últimas semanas sem novas notas. Teve só a
preparação da viagem e começar a dirigir. Já estou quase chegando. A estrada está
abandonada, mas transitável. Não sabia que ninguém mais morava nessa região.
Não vejo uma cidade desde que subi a serra. Não à toa o homem conseguiu
permanecer décadas sem ser encontrado. Fico me perguntando de onde veio esse
velho que acabou o encontrando, aliás. Estou ouvindo a mensagem repetidamente
nessas últimas horas antes de chegar no ponto indicado pela triangulação. Estou
ansioso para o encontro. Não tenho informação nenhuma sobre sua aparência, mas
imagino que não vá encontrar nenhum outro homem com uma aparência de vinte e
cinco anos morando em uma caverna por aqui.
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Algumas horas depois acordei de frio. Estava de noite, mas minha visão parecia
estar voltando. Encontrei uma roupa quase seca, vesti, entrei no saco de dormir e
fiquei lá encolhido até adormecer novamente. Acordei só no dia seguinte, com a luz
do sol. Meu olhos demoraram um pouco para se adaptar à claridade, mas fiquei feliz
de notar que havia recuperado a visão. A audição também, apesar de um baixo
zunido ainda se fazer presente. Ouço ele até agora, mas acostumei. Saí da caverna
para verificar o estrago. A horta estava dizimada. Não fosse a pequena cerca, nem
parecia já ter havido algo plantado lá. Era só lama. Mas meu coração despencou ao
olhar para o painel solar. Estava no chão, amassado, queimado, imprestável. Assim
como o poste, que agora era só carvão. Provavelmente passou a noite queimando
em uma fogueira iniciada pelo raio. Toda essa destruição ainda não foi o pior que a
tempestade trouxe. Eu tenho dois painéis auxiliares. São menores, então precisaria
racionar energia, manter o mínimo apenas, como extração de água, refrigeração de
comida e aquecimento no inverno, mas nada que não pudesse lidar. Tinha como me
alimentar até que a horta voltasse a dar sustento também. Pode ter parecido, mas
não foi essa a emergência que me levou a enviar essa mensagem. Algo mais grave
se passa. Eu não pensei nisso na hora, mas acredito que o fogo chamou a atenção
de alguém. Alguém que agora ronda a minha casa e, soturnamente, me persegue.
Eu o vi, de relance, naquele mesmo dia. É um velho horrendo.
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Biografia
Meu nome é Rodrigo Pontes e sou autor iniciante de ficção especulativa. Meu
primeiro romance é uma ficção científica contemporânea chamado “As
neurofiandeiras de Val”. Também escrevo contos que se alternam entre realismo,
realismo mágico, fantasia e ficção científica.
Você pode ler meus outros contos através da minha página no site Confabulistas,
onde você também encontrará links para a compra do meu livro em formato digital e
físico. Eu não mantenho redes sociais, mas pelo Confabulistas você pode
acompanhar novidades de minha criação literária.
www.confabulistas.com.br/rodrigo-pontes