ANDERY - Modo Causal de Seleção Por Consequências e Explicação Do Comportamento
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PUCSP
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1. A ordem é meramente alfabética
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mica” (isto quer dizer, sem uma direção determinada); além disso, a variação “deve ser
pequena em relação à extensão da mudança evolucionária” (p.12), o que sugere um longo
processo para que ‘grandes’ mudanças possam ser identificadas.
Ao comentar seu embasamento no modelo darwinista, Skinner (1981/1987) salienta
que o surgimento deste modelo causal ocorreu tardiamente e que, ainda hoje, ele é de difí-
cil aceitação:
Como um modo causal, seleção por conseqüências foi descoberto muito tarde na história da
ciência – na verdade há menos de um século e meio – e ainda não é plenamente reconhecido
e entendido. (pp. 56, 57)
Assim como para Darwin, para Skinner os processos de variação e seleção são os
processos básicos na determinação do comportamento. Porém, diferentemente de Dar-
win, o objeto de estudo central de Skinner (o que ele pretendia explicar) era o comporta-
mento humano.
Podemos dizer, então, que para Skinner o comportamento não é imutável. Assim,
trata-se de explicar como ele se transforma: como se originam, como se alteram e se man-
têm comportamentos, especialmente o comportamento humano? A resposta de Skinner
para estas questões é que o comportamento humano é produto, concomitantemente, de
três níveis de variação e seleção.
... o comportamento humano é o produto conjunto (1) das contingências de sobrevivência
responsáveis pela seleção natural das espécies e (2) das contingências de reforçamento respon-
sáveis pelos repertórios adquiridos por seus membros, incluindo (3) as contingências especiais
mantidas por um ambiente social que evoluiu. (Skinner, 1981/1987, p. 55)
Podemos dizer, então, que para Skinner o comportamento humano é “o produto de
três tipos de seleção”: “a seleção natural ... o condicionamento operante... a evolução de
contingências de reforçamento social que chamamos de cultura....” (Skinner, 1989, p.27)
Ainda, segundo Skinner (1989), a cada um desses “tipos de seleção” corresponde
um produto específico: “a seleção natural nos dá o organismo, o condicionamento ope-
rante nos dá a pessoa e ... a evolução de culturas nos dá o self.” (p.28)
qui, está ligado ao que comumente chamamos de ‘sensação’. Com a seleção desta variação,
os organismos, ainda bastante simples, poderiam “afastar-se de estímulos prejudiciais e
aproximar-se de materiais úteis” (p.66). Estaríamos, então, diante de organismos que
‘sentem partes do mundo a seu redor’ e se movimentam, condições das próximas varia-
ções e seleções que culminariam com a possibilidade de movimento com direção específi-
ca (tropismos) e de movimentos específicos com direções específicas (reflexos): “A atribu-
ição de diferentes órgãos para sentir [to sensing] e movimentar-se teria levado à evolução de
estruturas de conexão e, finalmente, a tropismos e reflexos” (p.66). A presença de tropis-
mos e reflexos incondicionados no repertório de uma dada espécie deve ter sido, por sua
vez, condição para o surgimento e seleção de seqüências comportamentais, os chamados
padrões fixos de ação e/ou padrões de comportamento liberado e/ou reações em cadeia;
um exemplo disto é o tecer a teia das aranhas.
A segunda pergunta que estamos supondo que Skinner tinha quando escreveu o
artigo aqui citado (qual a origem dos processos que possibilitam mudanças comportamen-
tais?) é que deve ter conduzido sua busca dos processos que culminaram com a possibili-
dade do comportamento operante para as mais diferentes espécies. Skinner começa sua
abordagem da evolução desses processos reconhecendo a necessidade de explicá-los (o
que quer dizer, traçar sua história) e traça um percurso que vai desde a imitação filogenéti-
ca até o condicionamento operante. Segundo Skinner (1984/1987),
A evolução dos processos por meio dos quais o comportamento muda também precisa ser
explicada. Um exemplo inicial deve ter sido a imitação ... Imitação filogenética poderia ser
definida como se comportar como um outro organismo está se comportando, sem nenhuma
outra razão ambiental.... Uma vez que a imitação tenha evoluído, estavam dadas as contin-
gências de seleção nas quais a modelação poderia evoluir. (p.68)
A imitação e modelação filogenéticas são vistas como os primeiros processos com-
portamentais que possibilitaram mudanças no comportamento do indivíduo durante sua
vida. O processo de imitação descreve o comportamento do imitador. Já o processo cha-
mado por Skinner de modelação descreve o comportamento do ‘modelo’, ou seja, daquele
que é imitado; por meio desse processo os organismos passam a se comportar de formas
tão especiais que facilitam a imitação. O exemplo que Skinner (1984/1987) oferece para
ilustrar isto é o de pássaros que voam com freqüência diante de seus filhotes de maneiras
“particularmente claras” (p.68). O que talvez surpreenda é que Skinner supõe a possibili-
dade, neste momento da evolução, de um controle exclusivamente filogenético para estes
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lação ao seu repertório de respostas. Com este segundo nível, o processo de individualiza-
ção iniciado com o condicionamento respondente atinge graus ilimitados: o estabeleci-
mento de repertórios comportamentais totalmente únicos associados ao controle também
único de determinadas partes do ambiente constrói indivíduos singulares. É importante
destacar que com este segundo nível de variação e seleção os indivíduos tornam-se prepa-
rados para enfrentar um ambiente em mudança, um ambiente novo.
Com a emergência do segundo nível de seleção por conseqüências, tornou-se possí-
vel ainda, segundo Skinner (1984/1987), que o comportamento de outros membros da
mesma espécie se tornasse fonte de reforçamento e que surgissem novas relações entre os
indivíduos e o ambiente. Abre-se a possibilidade da imitação e da modelação operantes
(ambas, agora, sob controle das conseqüências para o comportamento do imitador e do
modelo, respectivamente) e da emergência do comportamento verbal.
Possivelmente a espécie humana tornou-se muito mais social, quando sua musculatura vocal
ficou sob controle operante. (Skinner, 1981/1987, p.53)
O comportamento verbal tem papel especial no desenvolvimento do ambiente soci-
al e contribui de maneira decisiva para o estabelecimento do terceiro nível de variação e
seleção do comportamento: a variação e seleção cultural.
O comportamento verbal aumentou enormemente a importância de um terceiro tipo de sele-
ção por conseqüências: a evolução de ambientes sociais – culturas. O processo possivelmente
começou no nível do indivíduo. Uma maneira melhor de fazer uma ferramenta, de produzir
um alimento, ou de ensinar uma criança é reforçada por sua conseqüência: a ferramenta, o
alimento ou um ajudante útil, respectivamente. Uma cultura evolui quando práticas que se
originaram desta maneira contribuem para o sucesso do grupo praticante na solução de seus
problemas. É o efeito sobre o grupo, não conseqüências reforçadoras para membros individu-
ais, que é responsável pela evolução da cultura. (Skinner, 1981/1987, p.54)
ponível para estudo apenas o produto da história filogenética, temos pouco ou nenhum
acesso aos processos de variação e seleção que construíram essa história; isto facilita em
muito o recurso ao que Skinner (1969) chama de “causas inventadas do comportamento”:
diante da premência de explicar o comportamento, podemos recorrer a um traço, um me-
canismo, uma estrutura, no lugar da história filogenética ainda não inferida, como explica-
ção do comportamento:
As contingências responsáveis por comportamento não aprendido agiram há muito tempo
atrás. A seleção natural de uma dada forma de comportamento, não importa quão plausível
sejam os argumentos a seu favor, continua sendo uma inferência.... Embora contingências
ontogenéticas sejam facilmente submetidas a uma análise experimental, contingências filoge-
néticas não o são. Quando um experimentador modela uma resposta complexa, tal como a
de [um rato] jogar uma bola de gude em um tubo, a origem do comportamento não gera
problemas.... Nenhuma história comparável pode ser invocada quando se observa uma ara-
nha fazendo uma teia. Não vimos as contingências filogenéticas operando. Tudo o que sabe-
mos é que aranhas de um certo tipo constróem mais ou menos o mesmo tipo de teia. Nossa
ignorância freqüentemente acrescenta um toque de mistério. Tendemos a ver comportamento
herdado com um tipo de assombro que não é inspirado por comportamento adquirido de
complexidade semelhante.
A distância temporal [remoteness] de contingências filogenéticas afeta nossos métodos
científicos, tanto experimental quanto conceitual. Até que identifiquemos as variáveis das
quais um evento é função tendemos a inventar causas. Comportamento aprendido já foi atri-
buído a “hábitos”, mas uma análise de contingências de reforçamento tornou o termo desne-
cessário. O “instinto” como uma causa hipotética do comportamento filogenético, teve uma
vida mais longa. Não mais dizemos que o nosso rato possui o hábito de jogar bolas de gude,
mas ainda é provável que digamos que a nossa aranha tem o instinto de construir teia....
Freqüentemente se diz que uma análise do comportamento em termos de contingências onto-
genéticas “deixa algo de fora” e isto é verdade. Ela deixa de fora hábitos, idéias, processos
cognitivos, necessidades, impulsos, traços e assim por diante. Mas ela não deixa de fora os
fatos sobre os quais estes conceitos são baseados. Ela busca uma formulação mais efetiva das
próprias contingências às quais aqueles que usam esses conceitos precisaram finalmente vol-
tar para explicar suas explicações.... À medida que a natureza e o modo de operação de
contingências filogenéticas forem melhor compreendidas, uma estratégia semelhante conduzirá
a vantagens comparáveis. (pp. 180-183)
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Referências bibliográficas
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Roteiro de Leitura
1. O que delimita a análise do comportamento como uma abordagem na psicologia?
2. A que se referem as expressões “behaviorismo radical” e “análise do comportamento”?
11. Segundo Skinner, o que é preciso considerar para se entender as características filoge-
néticas da espécie?
12. Quais as limitações, indicadas por Skinner, das relações organismo-ambiente a nível
filogenético?
13. Além de padrões fixos de comportamento, o que deve ter sido selecionado a nível filo-
genético?
14. Skinner sugere um conjunto de momentos que constituíram a origem dos padrões fi-
xos de comportamento. Descreva cada um deles e o que eles teriam permitido aos orga-
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26. Uma das implicações de assumir o modelo causal de seleção por conseqüências refere-
se à importância e ao significado da antiga distinção entre o inato e aprendido e à impor-
tância de identificar as histórias que constituíram o comportamento. Qual a importância
de tal identificação para os analistas do comportamento?
27. Uma segunda implicação de assumir este modelo causal refere-se à crítica às atribui-
ções causais mais difundidas. Compare as possibilidades de crítica aos conceitos tradicio-
nais que são geradas pelo conhecimento das contingências filogenéticas e pelo conheci-
mento das contingências ontogenéticas.
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28. Uma outra implicação de assumir o modelo causal de seleção por conseqüências é re-
conhecer a interação contínua entre os três níveis de determinação. Caracterize como o-
corre esta interação.
29. Qual o sentido em que podemos supor que há uma sobredeterminação de um nível de
seleção por conseqüências sobre o outro.