Senta Que Nem Moça Um Guia Descomplicado - Marcela MC Gowan
Senta Que Nem Moça Um Guia Descomplicado - Marcela MC Gowan
Senta Que Nem Moça Um Guia Descomplicado - Marcela MC Gowan
1. Sexualidade feminina:
de onde viemos e para onde estamos indo
2. Autoimagem e sexualidade:
o que você vê no espelho ?
3. Virgindade:
como perder algo que não existe?
4. Anatomia do prazer:
o que nunca te ensinaram sobre o seu corpo
5. Ciclo de resposta sexual:
como funciona o nosso corpo, do desejo ao
orgasmo
6. Desejo:
ajustando a engrenagem que move a
sexualidade
7. Orgasmo:
o caminho não pavimentado para “chegar lá”
8. Masturbação:
o prazer está em suas mãos
9. Prevenção:
sexo é bom, mas sexo seguro é ainda melhor
10. Fantasias sexuais:
convidando a imaginação para entrar no jogo
11. Pornografia:
o que perdemos com a educação pela indústria
pornográfica
12. É o fim da monogamia?
entendendo novas formas de se relacionar
13. Falar é preciso:
o que sexo e diálogo podem fazer pelo seu
prazer
Considerações:
finais Sexualidade uma jornada sem fim
Para as mulheres que vieram antes de
nós,
quebrando barreiras, ardendo em
fogueiras
e abrindo caminhos para nossa liberdade!
Para início de conversa...
Sexo biológico
Quando usamos essa expressão, estamos falando basicamente de características
físicas, com as quais nascemos, incluindo cromossomos, hormônios, a presença
ou não de um pênis e/ou vagina. Por esse critério, os seres humanos podem ser
classificados em macho, fêmea e intersexual.
Gênero
Já o gênero é uma construção social, ou seja, um conjunto de características e
expectativas colocadas nas pessoas com base em seu sexo biológico,
determinando como a pessoa deve aparentar fisicamente, se comportar, se
expressar, se vestir etc. Por exemplo, quando nasce um bebê, se o médico, com
base no sexo biológico da criança, anuncia ser uma menina, imediatamente uma
série de expectativas já são colocadas sobre ela. Espera-se que tenha cabelos
longos, use saia, não jogue bola, entre outras coisas.
Nossa sociedade é construída com base no que chamamos de um sistema
binário de gênero, no qual as possibilidades são apenas duas: homem e mulher.
Atualmente, no entanto, sabemos que as possibilidades não se esgotam aí.
Identidade de gênero
Consiste em como uma pessoa se identifica em relação aos gêneros construídos
socialmente. Por esse critério, uma pessoa pode ser classificada como cisgênero,
transgênero, não binário, entre outras.
Cisgênero (ou simplesmente cis) se refere a pessoas cujo gênero com o qual
se identifica é o mesmo que o designado em seu nascimento. Ao nascer, uma
pessoa é designada homem ou mulher de acordo com seu sexo. Se, ao longo da
vida, ela se entender/se identificar com mesmo gênero atribuído ao momento do
nascimento, então ela é cisgênera.
Transgênero (ou simplesmente trans) é o termo utilizado para se referir a
uma pessoa que não se identifica com o gênero ao qual foi designado em seu
nascimento. Como mencionado acima, uma pessoa que nasce com um pênis é
considerada homem e uma pessoa que nasce com uma vagina, mulher. Contudo,
algumas pessoas percebem que se identificam mais com o outro gênero,
passando então a viver da forma que faz com que se sintam melhores consigo
mesmas. Dessa forma, podemos utilizar a expressão “mulher trans” para se
referir a alguém que foi designado homem, mas se entende como uma figura
feminina. Já a expressão “homem trans” é indicado para tratar uma pessoa que
foi designada mulher, mas se identifica com o gênero masculino.
Não binário, por definição, é o termo que se refere à pessoa que não se
identifica nem com o gênero masculino nem com o gênero feminino.
Há ainda pessoas que não se identificam com nenhum gênero (agênero),
pessoas de gênero fluído, que passeiam entre os gêneros, e muitas outras
possibilidades.
Eu sei que tudo isso é novo e muitas vezes surgem dúvidas e inseguranças
sobre como devemos nos referir a essas pessoas. A minha orientação, nessas
situações, é: sempre busque utilizar o pronome que condiz com o gênero com o
qual a pessoa se identifica. Sendo assim, para um homem trans, por exemplo,
você irá usar ele/dele. Se tiver alguma dúvida em relação a isso, pergunte como
a pessoa prefere ser tratada.
Orientação sexual
Orientação, não opção. Afinal, não é algo que a pessoa escolhe. A orientação se
refere ao desejo da pessoa, para quem ele é direcionado, por quem a pessoa se
sente afetiva e sexualmente atraída. Aqui, as pessoas podem ser heterossexuais,
homossexuais (lésbicas e gays), bissexuais, pansexuais e assexuais. Tenho como
objetivo, neste livro e em todo meu trabalho, colaborar para derrubar a
heteronormatividade compulsória.
Vale ressaltar, ainda, que identidade de gênero e orientação sexual são
coisas distintas. O primeiro tem a ver com como alguém se identifica e o
segundo diz respeito a por quem esse alguém se atrai. Portanto, um homem
trans que se envolver com mulheres é um homem trans heterossexual.
Agora vamos a sigla LGBTTQIAP+:
Lésbicas: mulheres que se sentem atraídas afetiva e sexualmente por outras mulheres.
Gays: homens que se sentem atraídos afetiva e sexualmente por outros homens.
Bissexuais: pessoas que se sentem atraídas afetiva e sexualmente por mais de um gênero.
não quer dizer atração apenas por homens e mulheres, pois contempla as dive
possibilidades de gênero.
Transgêneros: pessoas que se identificam com um gênero diferente do que foi designado
seu nascimento.
Travesti: pessoa que foi designada homem no seu nascimento, mas se entende como
figura feminina. Durante muito tempo, o termo foi utilizado de forma pejorativa, no entan
conceito vem sendo ressignificado e ganhou peso político. Por isso, há pessoas que afir
com muito orgulho que são travestis. A diferença, portanto, entre uma mulher trans e
travesti está na identificação pessoal de cada uma.
Queer: termo guarda-chuva usado por pessoas que não seguem o padrão cis heteronorm
imposto pela sociedade. Portanto, ele serve para qualquer pessoa LGBTTQIAP+. Atualm
ele é mais usado por pessoas que não se sentem contempladas nas siglas já existentes.
Intersexuais: pessoas que nascem com uma anatomia reprodutiva ou sexual que
corresponde às definições típicas de mulher ou homem. Antigamente eram chamado
hermafrodita, mas esse é um termo pejorativo que não se usa mais.
Assexuais: pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, independentement
gênero. Isso não significa que não há, em hipótese alguma, a possibilidade de essa atr
surgir, seja ela apenas afetiva, apenas sexual ou ambas.
Pansexuais: pessoas que sentem atração por todos os gêneros.
Mais (+): engloba todas as inúmeras outras possibilidades de identidade de gêne
orientações que o amor permite.
Por fim, vamos firmar alguns acordos e esclarecer alguns pontos em relação aos
conceitos que apresentei e que são muito importantes para a sua experiência de
leitura.
Gênero
Busquei, ao longo de todo o livro, ser inclusiva e cuidadosa com os termos e
conceitos, pois entendo a importância de sua compreensão e consideração.
Reconheço e reforço que existem muitas possibilidades de ser mulher,
abrangendo aspectos que vão muito além da genitália. Infelizmente, por
questões didáticas, não é possível abordar todas elas em um único livro.
Portanto, alguns recortes foram necessários. Muitos dos estudos aqui citados
contemplam apenas mulheres cis e alguns capítulos abordam especificamente
corpos com vulvas. Isso, de maneira alguma, tem a intenção de negar a
existência de mulheres com pênis ou mesmo de homens com vulva, bem como
todas as outras possibilidades de gênero.
ORIENTAÇÃO SEXUAL
A norma sexual que coloca como correta apenas a relação entre homem e
mulher não se verifica na prática, nem faz sentido. Há muitas formas de se
relacionar. A relação sexual, aliás, não se restringe apenas ao ato com
penetração. Falaremos disso de forma aprofundada mais para frente, mas já
deixo aqui lembrete de que, enquanto estivermos falando de relacionamentos e
relações sexuais, estamos abordando toda a gama de possibilidades existentes.
ETARISMO
Há, erroneamente, a ideia de que apenas mulheres jovens exercem de forma
saudável a sua sexualidade. Muitas mulheres mais velhas deixam, inclusive, de
fazer sexo por conta dessa imposição sociocultural. A missão desse livro é
quebrar barreiras para que toda e qualquer mulher se sinta acolhida, desejável e,
claro, desejante. Só pontuarei idade quando for, de fato, importante para o
contexto do que está sendo compartilhado.
DIVERSIDADE DE CORPOS
De uns anos para cá, estamos vendo fotos e ilustrações de corpos de mulheres
ganharem as redes sociais num movimento de empoderamento muito
necessário. Mas você já percebeu como ainda há um padrão? Por exemplo, as
vulvas retratadas são sempre brancas, sem pelos e com lábios miúdos. Neste
livro, tentamos ser diferentes, cuidando para que as ilustrações representem, de
fato, a diversidade de mulheres e vulvas que há por aí. Aproveito para convidar
você a fazer o exercício de desconstrução aí do outro lado também. Sempre que
pensar em mulheres e seus corpos, se esforce para que diversidade seja palavra
de ordem.
Em resumo, eu desejo, acima de tudo, que você se sinta contemplada e acolhida
— independentemente de idade, identidade de gênero, raça, orientação sexual.
Nossas vivências não as mesmas, nem nossos corpos, por isso espero também
que este livro seja apenas o primeiro passo de uma jornada muito mais ampla,
abrindo novas discussões, questionamentos e estudos. Vamos juntas!
G
ostaria de iniciar este livro contando brevemente o que me trouxe até
aqui.
Durante os anos de minha formação como médica e da
especialização em ginecologia, fui contemplada com pouquíssima
informação sobre sexualidade feminina. Nos atendimentos que presenciava,
ficava claro que o tema era evitado: quando a paciente apresentava alguma
dúvida ou questionamento, o tópico era rapidamente mudado. Percebendo
essa lacuna, busquei aprender sobre o assunto. Por três anos, estudei
Sexualidade Humana e Terapia Sexual na Universidade de São Paulo, o que
abriu um novo universo que eu até então desconhecia e me instrumentalizou
com informações para realizar diagnósticos e tratamentos de questões
sexuais.
No entanto, ao iniciar minha prática clínica, rapidamente percebi que o
problema era bem maior do que eu imaginava. Muitas e muitas mulheres
apareciam com queixas sexuais, a maioria delas sem qualquer alteração
biológica. Mas, mesmo sem diagnóstico, a insatisfação com a própria vida
sexual era algo frequente. Ao buscar os motivos disso, ficou claro que elas
eram muito desconectadas do seu corpo e da sua sexualidade. A
socialização das mulheres nos privou de informações sobre nosso corpo,
nos limitou a sermos desejáveis, e não desejantes, e nos desautorizou a
sentir prazer.
Somos educadas para ser obedientes, boazinhas, passivas, ter bons
modos e controlar nossas próprias vontades. Ouvimos frases como “isso
não é coisa de menina”, “tira a mão daí” e até “SENTA QUE NEM MOÇA” desde
sempre. Sexo não é para nós, ele só existe para o outro; é algo que devemos
guardar para um dia “dar” para alguém, no caso, um homem. Uma mulher
que deseja algo mais é tachada como uma mulher que “não presta” e “não
se valoriza”. Essas mensagens são armazenadas em nosso inconsciente a
vida toda e ecoam em nossos pensamentos mesmo depois de adultas. Basta
querer algo mais que nos vem a ideia, de forma consciente ou inconsciente,
de que isso não é certo.
Minha proposta com este livro é colaborar para gerarmos uma mudança
nessa realidade. Mas, para entender para onde vamos, é necessário saber de
onde viemos, por isso, para começar essa jornada, quero propor que a gente
olhe um pouquinho para trás. Vamos juntas?
De deusas a bibelôs
O QUE É O PATRIARCADO?
Patriarcado é uma sociedade, um sistema social, no qual os homens detêm e
mantêm o poder. Isto é, eles predominam nas funções de liderança e têm uma
autoridade moral que os torna socialmente considerados superiores ao restante da
sociedade. Por causa do patriarcado, por exemplo, os homens são maioria nos
cargos de liderança e nas representações políticas, têm os salários mais altos que
os das mulheres e são respeitados por sua autoridade masculina, entre outros
privilégios.
Sexo frágil
A CAÇA ÀS BRUXAS
A caça às bruxas é um acontecimento histórico que surgiu no final Idade Média e
durou mais de quatro séculos, de 1450 a cerca de 1750, e se passou
principalmente na Europa. Em uma tentativa de se manterem no poder, as Igrejas
Católica e Protestante, com amparo jurídico do Estado, estabeleceram uma
Cruzada e instauraram os “tribunais da Inquisição”. Nesse período, estima-se que
aproximadamente 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas.
Dessas, mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças e moças que haviam
“herdado esse mal”.
O movimento feminista
Mística feminina
Nos Estados Unidos, o término da Segunda Guerra e o retorno dos homens
dos campos de batalha, traumatizados pela violência e pela barbárie,
provocaram uma busca pelo conforto do lar, ou seja, uma casa no subúrbio,
vários filhos e uma esposa dedicada a ele. Para que isso fosse possível, era
necessário mover as estruturas novamente depois de períodos marcados
pela emancipação feminina — seja com a conquista do voto feminino nos
anos 1920 ou com o trabalho remunerado durante a guerra. Desse modo,
foram necessários esforços para instalar a crença de que as mulheres só
conseguiam se sentir realizadas se dedicando a cuidar da casa, do marido e
dos filhos.
Os homens voltaram a ocupar o mercado de trabalho e a identidade
feminina era novamente atrelada aos afazeres domésticos, à educação dos
filhos e à realização sexual com o marido. Milhares de mulheres foram
demitidas e tantas outras abandonaram seus postos de trabalho nas fábricas,
nas lojas e na mídia impressa. Mesmo que pudessem exercer uma profissão
ou buscar mais qualificações acadêmicas, a maioria das jovens preferia se
casar e se dedicar à vida doméstica. As mulheres que escolheram seguir
uma carreira, ainda que tivessem constituído família, eram vistas como
masculinizadas porque “queriam ser homens”.
Essa visão de mundo era reforçada o tempo todo na mídia, em revistas
femininas, pelos cientistas sociais e educadores. Todos compactuavam com
a ideia de que as mulheres só deveriam se interessar por assuntos que
tivessem alguma relação com seu lar e sua família, ficando de fora qualquer
outro, como política, economia e artes.
Segundo Betty Friedan, autora do livro A mística feminina, essa pressão
acabou resultando em uma crise de identidade em muitas mulheres que
sentiam não pertencer à realidade em que viviam, com relatos de
sentimentos de vazio e tristeza. O livro foi um marco histórico, pois
desmistificou o papel das mulheres na sociedade da época e contribuiu para
que elas revivessem a luta por seus direitos, estimulando a segunda onda do
feminismo.
Revolução sexual
A segunda onda do feminismo trouxe discussões pautadas na teoria de que
nosso sexo biológico e nossas funções reprodutivas foram determinantes na
exploração feminina, com a luta por direitos reprodutivos e discussões
acerca da sexualidade.
Essa época ficou marcada também pela revolução sexual, uma forma de
pensar sobre a liberdade sexual que desafiou a moral tradicional. Um dos
grandes gatilhos dessa fase foi a pílula anticoncepcional. Com ela, as
mulheres tinham acesso fácil e seguro à contracepção, garantindo mais
autonomia para desvincular sexo de reprodução e permitindo que
desfrutassem do prazer sem os riscos de uma gestação indesejada.
Sexualidade e racismo
(com a colaboração de Caroline Figueiredo,
escritora e criadora de conteúdo)
Precisamos agora levantar uma questão importantíssima: quase toda a história que
contei até aqui faz referência a corpos brancos. Sabemos que a realidade de
mulheres negras foi — e é — ainda mais opressora. Durante um bom tempo, o
movimento feminista não teve uma abordagem interseccional e racial, ou seja, não
levou em conta a dupla discriminação sofrida pelas mulheres negras, de gênero e
de raça. Com raras exceções, as manifestações eram lideradas por mulheres
brancas de classe média alta que não pautavam as especificidades das mulheres
negras. Um exemplo relevante dessa situação foi a atuação das sufragistas:
enquanto mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto, as mulheres negras
batalhavam para poder existir.
A pressão exercida sobre o corpo e a sexualidade feminina têm proporções e
variações diferentes de acordo com as interseccionalidades de cada mulher. Assim,
variações sociais e culturais fazem com que mulheres negras sofram efeitos
específicos do machismo. Enquanto a mulher branca tem seu corpo assexuado, a
mulher negra passa pelo que chamamos de hipersexualização do corpo, sendo
vista como objeto sexual sempre à disposição.
Essa perspectiva foi muito difundida a partir do período escravagista, em que as
mulheres escravizadas eram usadas para satisfazer as necessidades sexuais dos
senhores. Atualmente observamos, com tristeza, que desde muito nova a criança
negra tem seu corpo sexualizado. Os indicadores de violência sexual e exploração
sexual infantil comprovam essa informação: segundo dados do Disque Denúncia
nacional, crianças negras são as maiores vítimas de exploração sexual no Brasil,
representando 57,5% dos casos denunciados.
E não para por aí. Uma pesquisa americana realizada pelo The Georgetown Law
Center on Poverty and Inequality mostrou que adultos veem meninas negras como
menos inocentes do que meninas brancas da mesma idade. A percepção recai
sobre todos os estágios da infância, começando aos cinco anos e se acentuando
dos 10 aos 14 anos. Na leitura de Rebecca Epstein, uma das autoras do estudo, os
dados demonstram que, pelo discernimento dos entrevistados, “as meninas negras
precisam de menos proteção, menos acolhimento e são mais independentes e
sabem mais sobre sexo do que as meninas brancas”. É um entendimento muito
preocupante, porque, além de fazer com que as crianças negras recebam menos
cuidados, faz com que seus corpos sejam alvos fáceis de violência física e sexual.
Há uma roda de opressão, desigualdade e violência que se retroalimenta: no Brasil,
por exemplo, dados do governo federal mostram que a maior parte das
adolescentes grávidas é negra, possui baixo poder aquisitivo e tem baixa
escolaridade.
Quando o assunto é o corpo e a sexualidade das mulheres negras, há um grande
paradoxo: por um lado, há uma invisibilidade do corpo negro feminino, pois na
mídia, em filmes e em revistas prevalece o estereótipo de mulheres brancas como
desejável. Mamilos, axilas e genitais negros, por exemplo, não são considerados
atraentes, havendo, inclusive, uma infinidade de produtos para clarear essas áreas.
Por outro lado, há uma fetichização de corpos negros e a ideia de que a mulher
negra tem um “sabor” exótico, pecaminoso e mais apimentado, bom para ser
experimentado, mas não para relações monogâmicas ou para o casamento. Quem
nunca ouviu falar que a mulher negra tem a “cor do pecado”?
É comum ouvir de uma mulher negra que ela nunca foi assumida em seu
relacionamento ou que isso aconteceu pouquíssimas vezes em sua vida. Esse
lugar de sexualidade na vida das mulheres negras nem sempre — ou quase nunca
— vai se aliar ao lado afetivo. O que acontece na vida dessas mulheres é uma
desumanização, pois são vistas apenas como um corpo que tem o objetivo de
proporcionar prazer. Como uma pessoa que serve apenas para sexo poderia ser
digna de amor? Pois é... Para piorar a situação, a desumanização do corpo negro
feminino impacta não apenas as relações amorosas, mexendo diretamente com o
psicológico de meninas e mulheres negras que, assim, ficam mais frágeis e ainda
mais propícias a passar por abusos psicológicos e sexuais.
O corpo negro feminino se desenvolve com o estigma da promiscuidade, que
desumaniza, rouba momentos preciosos e empurra mulheres negras para uma
realidade que é “premeditada” para elas. Quando você é resumida apenas ao sexo
e ao corpo, sua mente tende a aceitar que você não pode ser mais do que isso. No
Brasil, um país em que o desemprego bate recordes e as negras são a maioria das
mulheres desempregadas, podemos traçar um paralelo diante dos fatos. A
sociedade que acredita que mulheres negras servem apenas para o sexo é a
mesma que não proporciona emprego, educação, capacitação e dignidade.
Para meninas e mulheres negras, a sexualidade não será um lugar negado, como é
para meninas e mulheres brancas. Ao contrário, será uma imposição, que vai
impactar não só o âmbito sexual, mas em todos os âmbitos de sua vida.
Espero que você tenha conseguido enumerar ao menos uma coisa na sua lista.
Eu sei que esse exercício não é fácil e talvez você esteja tendo dificuldade em
identificar aspectos positivos em si mesma, mas é importante que o faça para
podermos pensar sobre ele no fim deste capítulo. Antes de pedir para você ser
gentil consigo mesma, quero mostrar o que toda essa gentileza pode trazer de
benefícios ao seu dia a dia, de uma maneira simples. E, por isso, eu preciso que
você comece a praticar.
Pense novamente na lista de coisas negativas que abriu este capítulo. Por
que será que somos capazes de elencar sem pensar, sem sequer olhar no
espelho, tudo o que nos aborrece quando o assunto é o nosso corpo? O que nos
impede de olhar e gostar do que vemos? Por que nunca estamos satisfeitas com
nossa aparência? Por que sempre há algo para mudar? E o que tanta insatisfação
pode causar na nossa vida?
Sei que provavelmente você já está cansada desse assunto. Deve estar
exausta de ouvir falar de imagem corporal, autoestima, padrão de beleza, body
positive e tantas outras expressões que estão em alta. Consigo até imaginar você
aí, do outro lado deste livro, com a frase na ponta da língua: “precisamos amar
nossos corpos”. Assim, como se isso fosse algo muito simples de colocar em
prática…
Juro que sei exatamente como você se sente. Sou mulher também, e
nenhuma de nós escapa disso. E concordo que é muito fácil sair por aí pregando
o amor ao corpo, à imagem que vemos no espelho, às nossas marquinhas de
expressão e aos detalhes fora do padrão, como se fosse algo simples. Mas
pregar isso é uma coisa… E é exatamente sobre isso que quero conversar com
você.
Afinal, por que é tão difícil amarmos a imagem que vemos refletida no
espelho?
A boa notícia — que você já sabe — é que você não está sozinha nessa. E, se
por um lado isso é bom, por outro não deixa de ser triste, não é? Poderíamos
dizer que, para ser mulher hoje, a insatisfação com o corpo é quase um pré-
requisito. Já vem no pacote. Se você perguntar à sua avó, à sua mãe, às suas
tias, às amigas da sua avó, às amigas da sua mãe, às suas amigas, às mulheres
que você nunca viu na vida, independentemente da idade, do lugar onde moram,
da classe social a que pertencem, do nível de escolaridade que possuem, da sua
nacionalidade, se há algo de que não gostam em si mesmas, todas elas
conseguirão mencionar ao menos uma coisa.
Por que isso acontece? Em poucas palavras: porque o mundo em que
vivemos foi construído para ser assim. Lembra do patriarcado, a ordem global
da qual falei no capítulo anterior? Na lógica dessa sociedade, tudo, tudo mesmo,
funciona pela ótica masculinizada. Nosso modo de pensar o mundo, de
compreender as coisas, de interagir com as pessoas e de entender o sexo é
filtrado e decidido pelos homens. Se todas as mulheres, de diferentes partes do
mundo e realidades e com diferentes formações, têm a insatisfação com o
próprio corpo como característica em comum, isso significa que, sim, o mundo
em que vivemos é regido por esse sistema — e nós sofremos com todos os seus
malefícios.
Em um contexto patriarcal e capitalista, infelizmente, para a sociedade é
interessante que as mulheres tenham sempre algo a mudar no próprio corpo, já
que a insatisfação faz com que gastemos mais tempo e energia em busca de
padrões, além de dinheiro com procedimentos estéticos, cosméticos, academia,
roupas etc. E aí, com o tempo, os modelos vão mudando para que a gente nunca
pare de buscar algo para melhorar. É por isso que chamamos de “ideal de
beleza”. Porque, por natureza, já é inatingível.
Só o outro é bonito
Para a manutenção das mulheres nessa “roda de rato” atrás do ideal de beleza, é
necessário que haja um padrão definido, algo a ser seguido e buscado. E não é
de hoje que esses padrões existem. Ao longo da história, eles foram sofrendo
alterações, e o que era considerado belo, em geral, se relacionava àquilo que
simbolizava poder em cada época.
PRÉ-HISTÓRIA
A fertilidade era fortemente celebrada nesse período. As esculturas encontradas,
portanto, apresentavam corpos femininos voluptuosos, com seios fartos, quadris
largos e barriga proeminente.
ANTIGUIDADE
Para os gregos antigos a beleza não estava no corpo feminino. A beleza era
qualidade do corpo masculino. Nas artes, o corpo feminino belo era
representado próximo ao padrão masculino, com poucas curvas, braços e pernas
fortes, o rosto sereno ou mesmo inexpressivo.
IDADE MÉDIA
Amplamente influenciada por valores religiosos, na Idade Média a beleza passa
a ser entendida como consequência de pureza, obediência e devoção. Na arte, a
representação de nudez que cultuava o corpo sai de cena, dando lugar ao recato.
O corpo das mulheres era considerado, acima de tudo, um elemento de tentação.
A beleza, nessa época, passa a ser intimamente conectada ao divino e às
virtudes morais. As vestimentas, então, eram volumosas e tinham a intenção de
esconder o corpo.
RENASCIMENTO
Os valores humanistas ganham força novamente e a sociedade volta a valorizar
o corpo feminino, tendo como modelo de beleza mulheres mais curvilíneas, de
ancas largas e seios generosos. O excesso de peso era típico dos abastados e
nobres, da classe dominante, já que o seu modo de vida era abastecido dos
melhores alimentos da época e se afastava de qualquer atividade física
desgastante. Assim, estar acima do peso era associado ao poder, fosse financeiro
ou político. Mulheres magras eram vistas como pessoas sem saúde e sem graça,
desprovidas de beleza.
SÉCULO XVIII
Com o passar do tempo, os corpos magros começaram a ser cada vez mais
valorizados, e qualquer sacrifício era válido para alcançá-los. Esse período foi
altamente marcado pelo uso de espartilhos, que eram importantes “aliados” das
mulheres na conquista do ideal de corpo que foi se estabelecendo: cintura fina e
marcada, quadris largos e seios proeminentes. As saias volumosas também eram
utilizadas com esse objetivo.
ANOS 1920
A Revolução Industrial, que colaborou para os avanços na luta de emancipação
das mulheres, trouxe mudanças profundas nos padrões de beleza e no vestuário.
O ideal contemplava corpos mais magros e, como consequência da busca por
direitos e igualdade de gênero, visuais andróginos, com poucas curvas e cabelos
curtos. Muitas mulheres usavam achatadores para comprimir busto e quadril,
deixando o corpo retilíneo, sem curva alguma.
ANOS 1950
Após os tempos difíceis vividos durante a Segunda Guerra Mundial (1940-
1945), a abundância e a fartura eram o desejo da população, e isso se estendeu
também ao corpo das mulheres. Essa época foi marcada pelas pin-ups e pela
figura de Marilyn Monroe, com o retorno de curvas, cinturas finas, quadris
largos e seios fartos, acentuados pelos sutiãs com enchimento.
ANOS 1980
Nesse período, a era fitness começou a imperar. Houve um expressivo aumento
no número de academias e treinos de ginástica em casa, com a chegada do
videocassete. As mulheres dessa época desejavam braços e pernas bem
definidos e um corpo magro e atlético.
ANOS 1990
O mercado da moda ganhou muita força nessa década, e as supermodelos
passaram a ser as principais referências de beleza. Desse modo, a magreza e a
altura passaram a ser atributos cada vez mais desejados pelas mulheres.
Em qualquer das situações, há uma indústria que sai ganhando. Vivemos, então,
em um mundo no qual a beleza, o corpo e, consequentemente, a imagem
corporal da mulher são altamente rentáveis. Quanto mais insatisfeita e mais
longe de conseguir sentir e proporcionar prazer a si mesma a mulher estiver,
mais rentável ela será para diversos setores da indústria.
E aqui podemos adicionar outras camadas de complexidade à questão. Além
do corpo magro, há o fato de que corpos brancos — isto é, de fenótipos
europeus — são considerados mais belos do que corpos pretos, pardos,
amarelos, indígenas. E não para por aí. O olhar da beleza exclui também
pessoas com deficiência (PcDs). Falamos sobre isso no capítulo 1, mas repito:
se, no Brasil, segundo levantamento do Instituto Brasiliero de Geografia (IBGE),
temos mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (o
equivalente a quase 25% da população), por que não vemos PcDs como
modelos de propagandas, ancorando jornais, estrelando novelas, figurando nas
capas de revista? Poderíamos, ainda, falar de performance de gênero e de como
mulheres que não performam conforme o esperado e exigido do feminino
sofrem e são estigmatizadas.
Em suma, há inúmeras intersecções que precisam ser consideradas se
quisermos entender o problema para além da ponta do iceberg — o que nos faz
compreender por que é tão difícil, ainda que já tenhamos evoluído nesse
sentido, aceitar os mais variados corpos nas mais variadas situações.
Apenas 4% das mulheres em todo o mundo se consideram bonitas. (um aumento em rel
aos 2% de 2004).
Apenas 11% das garotas no mundo se sentem confortáveis em se descreverem como “bonit
72% das garotas sentem uma imensa pressão para serem bonitas.
80% das mulheres concordam que toda mulher tem algo bonito em si; entretanto, elas
enxergam sua própria beleza.
Mais da metade das mulheres no mundo (54%) concorda que, no que se refere à aparê
elas mesmas são as que mais se criticam.
Alcançar um padrão de beleza parece ser, então, uma busca interminável para as
mulheres de todo o mundo, das mais diferentes idades. Mas o que isso significa,
de fato, em nossas vidas? E como esse padrão é reforçado?
Para criar um padrão de beleza, é preciso muito trabalho, tanto por parte da
indústria da moda quanto da indústria da propaganda. Mas a cereja do bolo é a
responsabilidade da mídia. Na prática, funciona assim: se a mídia compra a
ideia produzida pelas indústrias da moda e da propaganda, forma-se um padrão,
e a partir daí é muito difícil, quase impossível, fugir do que foi estipulado.
Há uma função bem executada pela mídia — e aqui estamos falando de
todos os meios possíveis, desde o jornal impresso e o rádio até a internet e seus
desdobramentos —, que é manter a roda girando. Em outras palavras, se há
lucro sendo gerado, há ideias sendo veiculadas e confirmadas pela mídia. E vale
dizer: a mídia, por estar inserida no sistema patriarcal vigente, acaba, muitas
vezes, por reproduzir e perpetuar esses ideais. Aliás, para garantir que as
mulheres se sintam inseguras e insatisfeitas — e, portanto, sejam submissas e
rentáveis —, o patriarcado se vale da mídia como ferramenta para assegurar que
seu esquema de pressão e opressão continue operando a pleno vapor.
Voltando ao ideal do corpo magérrimo. O culto à magreza e à juventude
consolidou-se na década de 1990, mas continua imensamente poderoso porque
segue interessante para a indústria da moda, para a indústria farmacêutica e para
a indústria da cirurgia plástica e dos tratamentos estéticos.
Em pleno 2021, a questão que vem ganhando proporções gigantescas está
diretamente relacionada à evolução das mídias digitais, que, em geral, pioram a
situação, distorcendo ainda mais a relação das mulheres com sua autoimagem.
Ou seja, o surgimento das redes sociais não só acelerou um processo que já
estava em curso, como também o agravou. Se antes as empresas abusavam da
maquiagem para vender uma imagem magra, hoje o Photoshop faz isso de
forma fácil, rápida e indolor.
Essas estratégias acionam em nós atitudes de comparação, e aí a insatisfação
com a nossa imagem cresce vertiginosamente. As fotos megaproduzidas e
retocadas, a vida perfeita e sem defeitos, os exercícios físicos sempre em dia, a
alimentação ultrassaudável começam a fazer com que a mulher que recebe esse
tipo de conteúdo passe a querer reproduzir um comportamento com o intuito de
alcançar não só o “corpo perfeito”, mas também a “vida perfeita”.
Nesse momento, nossa imagem começa a se tornar cada vez mais negativa
quando nos miramos no espelho. E aí corremos o risco de nos enquadrar nos
96% das mulheres que não se consideram bonitas, como aponta a pesquisa
realizada pela Dove. Contraditoriamente, somos capazes de encontrar beleza em
outra mulher — mas jamais vemos a nossa própria beleza com a mesma
facilidade. Viramos reféns de uma vida instagramável que, na maior parte do
tempo, não corresponde à realidade.
E como se não bastassem os desafios todos que temos de enfrentar, surgem
os filtros do Instagram. Aqueles que nos deixam com a pele perfeita, o nariz
afinado, as bochechas rosadas e a boca carnuda. Com aquele filtro, naquele
clique, parecemos um pouco mais com aquela mulher impecável vendida pela
mídia e reforçada pelas redes sociais. O perigo mora exatamente em acharmos
que só somos bonitas, atraentes e desejáveis se estivermos usando máscaras
digitais.
Como eu disse, é quase impossível fugir dessa lógica, infelizmente. Porém,
é possível minimizar os efeitos dela em nossa vida com dicas simples —
veiculadas hoje, inclusive, por diversas empresas em suas redes sociais.
Portanto, se o uso das redes tem feito com que você se sinta mal com a sua
própria vida e com a realidade a seu redor, chegou a hora de tomar algumas
medidas que podem ajudar a enxergar com mais amor a vida que você leva e o
corpo que você possui.
1. Pare de seguir perfis de pessoas que levam você a ver defeitos em tudo na sua vida, sej
seu corpo, na casa onde você mora, nas pessoas com as quais convive, nas viagens que
faz.
2. Escolha seguir perfis que se preocupam em apresentar um conteúdo de qualidade, que
conhecimento, e não apenas em apresentar um lifestyle sem defeitos. Aprender com o ou
sempre bom, mas é importante lembrar que não existe a “vida perfeita”.
3. Siga pessoas que compartilham dos mesmos valores que você ou que tenham alcan
objetivos que você deseja conquistar. Porém, mais uma vez, cuidado com contas que ex
uma vida idealizada demais e sem nenhum deslize. As pessoas que estão nos perfis das r
sociais são humanas, por isso desconfie das que se mostram impecáveis.
4. Lembre-se de que as pessoas que cultuam em seus perfis uma vida maravilhosa, expondo
corpo insuperável e uma alimentação sem nenhum descuido, em geral vivem disso. Ou seja
trabalho delas. Elas ganham dinheiro assim. Por isso, se esse não é o seu trabalho, não
sentido que você se compare a elas.
5. Cuidado com as fake news e com os filtros das redes sociais. Nem tudo é verdade; porta
quanto mais você checar as fontes daquilo que vê, clica e compartilha, mais bem inform
estará e poderá tomar decisões mais adequadas para a sua vida.
6. Controle o tempo dedicado às redes sociais. Sua vida fora da internet também é interessan
muitas vezes, melhor do que aquilo que é postado.
É isso: saber escolher o que você segue é quase uma medida preventiva de
saúde mental. Se você é o que você consome, consuma algo que a deixe feliz
com a vida que tem e com o corpo que habita. É claro que você pode, sim,
querer melhorar e mudar, mas o caminho não precisa ser cheio de depreciações,
restrições, comparação e sofrimento.
O espelho e o sexo
Embora possa parecer óbvio, a relação entre uma coisa e outra nem sempre é
feita, mas existe. Você já parou para pensar que a insatisfação com o nosso
corpo tem um impacto gigantesco na hora do sexo?
Eu sei que abordar o sexo ainda é um tabu. Sexo e prazer, então, nem se
fala. Agora, imagine o grande tabu que é falar de sexo, prazer e corpo? É um
assunto quase proibido, não é mesmo? Principalmente se o prazer e o corpo
forem das mulheres; aí, além de tabu, é uma obscenidade sem tamanho. Mas é
exatamente sobre isso que eu quero falar e, por isso, peço que você reflita um
pouco sobre a história que vou contar.
Com o que vimos até aqui, é fácil perceber que a busca pelo ideal de beleza não
passa apenas pelo corpo perfeito, mas também por uma mensagem silenciosa
que exclui todas as pessoas que estão fora do padrão. Ao excluí-las, estamos
dizendo, entre tantas outras coisas, que não estão autorizadas a sentir prazer e a
gozar, do sexo e da vida. E, mais uma vez, o principal responsável por
transmitir esse código, muitas vezes nem tão cifrado assim, é a mídia. Por isso,
pode acreditar quando digo que ela tem superpoderes e nem sempre os utiliza
em benefício das mulheres.
Basta puxar na memória nossas referências de imagens sensuais, nos filmes,
nas revistas, nas publicidades, em que há uma predominância esmagadora de
corpos magros, com maquiagem e cabelos intactos. E é assim que vamos
condicionando nosso olhar a relacionar padrão estético com o direito ao prazer.
Resumindo, só essa mulher da foto é capaz e merecedora de viver sua
sexualidade de maneira prazerosa, logo, se eu não me pareço com ela, isso não
se aplica a mim.
E isso vale para todas as mulheres, pois a insatisfação com o corpo e a
imagem pessoal não é apenas uma questão pessoal que mexe única e
exclusivamente com você. Todas nós somos afetadas.
Uma pesquisa realizada pela Reuters Health, com mais de 200 universitárias
de Nova York, comprovou que um terço das mulheres, independentemente da
idade ou do biotipo, se preocupa com o corpo durante o sexo. E ainda mostrou
que essas mulheres estão mais propensas a evitar relações sexuais ou
demonstram uma atitude menos positiva com relação ao prazer do que aquelas
que afirmaram não se preocupar com o corpo durante esse momento.
Para completar, esse mesmo estudo concluiu que as mulheres relacionam a
imagem corporal durante o sexo ao modo como se veem como parceiras.
Aquelas que não demonstraram preocupação com o corpo durante o sexo se
consideram boas parceiras e aptas a dialogar sobre desejos sexuais e prazer
feminino, enquanto as mulheres que se preocupavam com o corpo afirmaram ter
relações com menos frequência e não se sentir à vontade para expressar o que
desejam. Não é difícil imaginar que uma pessoa preocupada com seu corpo, em
esconder celulites, disfarçar a barriguinha durante o sexo, não relaxa nem curte
o processo, e assim fica muito difícil ter prazer ou orgasmos.
É mesmo assustadora a influência que o nosso corpo exerce na hora do
sexo, não é mesmo? Esse é o ponto crucial sobre o qual eu quero levar você a
refletir no momento em que se olha no espelho e aponta uma série de defeitos.
Eu peço a você que seja mais gentil consigo mesma. Muitas vezes, não nos
damos conta do que a nossa própria insatisfação pode gerar na nossa vida. Isso
não quer dizer que você não pode querer mudar algo. Só quero fazê-la entender
que seu corpo é a sua casa, o meio pelo qual você se relaciona com o mundo, e,
por isso, as mudanças que você pretende fazer em si mesma têm de trazer um
sentimento positivo, não o contrário.
Há uma saída!
Iniciei este diálogo com uma lista de coisas negativas que podem, facilmente,
ser enumeradas por qualquer mulher em qualquer parte do mundo, e tanto eu
quanto você já sabemos que essa tarefa é bem fácil de ser realizada. Mas qual o
outro lado disso? Como fazer para sermos gentis com a nossa própria imagem
sem cairmos na falsa ilusão de carregarmos ou positividade demais ou
comodismo disfarçado de positividade?
Quantas vezes você já ouviu de alguém que precisa amar a imagem que vê
no espelho? Ou que você precisa se amar do jeito que é e, mais do que isso, ser
grata por tudo o que você tem? Imagino que se, assim como eu, você é mulher e
vive no planeta Terra, já tenha perdido as contas de quantas vezes escutou esses
mantras de positividade. Do mesmo modo, sendo deste planeta, certamente você
já quis silenciar o mundo porque não sentiu vontade de amar, naquele
determinado momento, a sua própria imagem ou a vida que levava — eu
também!
2. Mude a sua relação com a comida: procure comer com base naquilo que você sente
sensação que a comida traz, na ideia da alimentação que nutre e proporciona saúde. Alime
não são inimigos nem algo a ser temido. Ao adotar um comportamento mais neutro, o
permanece na sua saúde e no seu bem-estar.
3. Mude a sua relação com a atividade física:
a. escolha uma atividade que você realmente goste — isso fará com que você sinta
vontade de praticá-la;
b. tente não julgar a qualidade dos seus exercícios com base na quantidade de
calorias que você queima durante a execução;
c. foque na sensação que o exercício traz — se você se sente bem ao fazê-lo, com
certeza é um bom exercício;
d. escute o seu corpo — isso inclui respeitar os dias em que você não quer fazer
nada.
Espero que a neutralidade corporal seja algo que mude (para melhor) a sua
relação com o seu corpo e que, a partir disso, você possa ser mais gentil consigo
mesma de um modo verdadeiro, inclusive nos dias em que isso é difícil. Pense
em si mesma como pensaria na sua melhor amiga: não diga coisas que
machucam, não ofenda, não cobre demais. Seja gentil.
Quando deixamos de gastar tanta energia com preocupações estéticas, sobra
tempo (e dinheiro) para investir em nossos sonhos, planos, aprendizados.
Termino essa conversa, portanto, desejando que aquela lista que começamos no
início deste capítulo possa ser o ponto de partida para você enxergar a força que
tem simplesmente por ser quem você é. Uma microrrevolução acontece toda
vez que uma de nós se sente confortável na própria pele. Pode apostar.
E, agora, que tal retomar a lista do início deste capítulo, mas com um
pensamento mais gentil sobre si mesma?
Malu
tem 16 anos e chega ao meu escritório
muitíssimo apreensiva. Percebo, de imediato,
que não quer ser acompanhada pela mãe
durante a consulta. Então sugiro
delicadamente que, num primeiro momento, a
paciente esteja sozinha e depois a mãe seja
autorizada a entrar. Digo que é importante que
Malu se sinta segura, acolhida e tenha a
privacidade respeitada. Uma vez que já
estamos a sós na sala de exame, ela começa
a fazer perguntas sobre virgindade. No
começo, diz que são dúvidas de uma amiga.
Em seguida, quando já está mais confortável,
conta que são indagações próprias. Diz que
se masturba com certa frequência e tem medo
de que a prática, de alguma forma, tenha
rompido seu hímen. Tem um namorado e,
como disse a ele que é virgem, está receosa
de que, se não sangrar na primeira relação,
ele pense que ela estava mentindo.
…
…
Nós todas já estivemos na pele de Malu. Se você, que me lê agora, já iniciou a
vida sexual, sabe que a primeira transa é cercada de meias verdades, mitos e,
claro, muito medo. A falta de informação e os tabus que permeiam o assunto
fazem com que tratemos o sexo como algo privado. Privado não porque só diz
respeito aos envolvidos, o que é verdade, mas também porque é visto como
sujo, errado, feio. Há uma aura de pecado que ronda o sexo. E, claro, para as
mulheres a situação é ainda mais complicada.
Iniciar a vida sexual significa perder a virgindade. Os termos que marcam
esse ritual de passagem, inclusive, enraízam ainda mais o patriarcado operante:
a jovem será deflorada, entregará sua virgindade, abrirá mão de algo para
sempre. É como se tivéssemos uma moeda de troca e, uma vez que a ofertamos
a alguém, perdêssemos um pouco do nosso valor.
Tenho uma lembrança fortíssima relacionada à minha primeira vez. Depois
da relação em si, fui acompanhada durante muito tempo pelo temor de que
descobrissem que eu não era mais virgem. O que minha família ia pensar? O
que as pessoas iam achar se elas descobrissem que eu já tinha vivenciado minha
primeira experiência sexual? O mais controverso dessa história é que deixei de
ser virgem com uma pessoa pela qual nutria um sentimento imenso. Estava
apaixonada, cheia de tesão e preenchida de desejo. Mesmo assim, depois do
sexo me senti vazia, culpada e amedrontada.
Diariamente, recebo em minhas redes sociais mensagens de adolescentes
pedindo que eu fale mais sobre o assunto. Angustiadas, procuram sanar suas
dúvidas mais profundas a respeito de virgindade. Querem saber se deixarão de
ser virgens usando absorvente interno ou coletor. Se vão engravidar na primeira
vez. Se sentirão dor. Se haverá sangue. Querem entender se sexo anal e oral
tiram a virgindade. Não sabem se, ao transar com uma mulher, estarão perdendo
a virgindade. Pedem conselhos sobre o que fazer na hora da relação e ficam
preocupadas porque não sabem como terão certeza de que a tal virgindade se
foi.
São dúvidas que, para mulheres adultas, podem soar um tanto ingênuas;
porém, se fizermos o exercício de voltar lá atrás, para as recordações das nossas
primeiras experiências sexuais, veremos que, na verdade, tínhamos ainda menos
informações a respeito de sexua
lidade do que as adolescentes têm hoje. Atualmente, as meninas têm mais
munição. Mas, apesar disso, acredite, em pleno século XXI, ainda precisamos
falar o óbvio. Não só porque o tema tem peso considerável na vida de muitas
adolescentes, mas também porque, mesmo hoje, o assunto tem consequências
socioculturais limitantes para a população feminina.
Antes de mais nada: a virgindade é uma ideia. Uma fantasia inventada para
garantir a manutenção do sistema patriarcal. Sim, ele de novo. Explico: “ser
virgem” como ideal é uma ferramenta de controle sobre o corpo das mulheres.
No livro História da virgindade, a feminista Yvonne Knibiehler relata como
antropólogos destacam a dimensão social do conceito. Antigamente, para
garantir a autenticidade de seus descendentes, um homem precisava desposar
uma virgem. Assim, saberia que os filhos seriam seus. Eis a primeira razão de
ser do casamento.
Ao “deflorar” uma mulher, o homem tinha a certeza de que perpetuava sua
linhagem e de que poderia, tranquilamente, transmitir de pai para filho sua
herança biológica, seu nome, seus bens e poderes. No Brasil, por exemplo, até
meados do século XIX, era comum que, na manhã seguinte ao casamento, fosse
estendido na janela do casal um lençol sujo de sangue. A mancha comprovava a
pureza da mulher até a noite de núpcias.
Tudo o que discutimos até aqui se baseia em aspectos culturais, sociais,
religiosos e políticos. Quando a sociedade nos faz acreditar que a virgindade
está relacionada à pureza da alma e do corpo, está tentando fazer com que
deixemos de nos preocupar com as questões relacionadas ao nosso próprio
prazer.
Mesmo hoje, essa fantasia da “boa moça”, antes veiculada pela preocupação
com a virgindade, ainda existe, embora tenha ganhado outras roupagens. Ser
virgem e alcançar e manter o status de “boa moça” ainda é tão reforçado como
ideal, que nós, mulheres, passamos a pensar que:
1. É nosso dever preservar a nossa virgindade para a pessoa certa, pois não podemos entr
algo tão valioso para qualquer um.
2. Somos responsáveis por dar prazer aos parceiros, temos dificuldade de chegar ao orgasm
não pensamos em sexo.
3. A vagina é suja e tem cheiro forte, e isso deve ser combatido — basta vermos a quantidad
sabonetes íntimos disponíveis no mercado.
4. Ter muitos parceiros pode acabar com a nossa reputação; ou seja, não podemos sair p
transando sempre que quisermos, pois podemos acabar sozinhas.
Você percebe o que está em jogo? Para que os sistemas de opressão continuem
operando, certas convenções devem ser mantidas, mesmo que repaginadas. É
por esse motivo que a virgindade ainda é uma pauta recorrente no mundo em
que vivemos.
Está no dicionário
virgindade
vir.gin.da.de
substantivo feminino
1 Estado ou condição de quem é virgem.
2 Condição do que está mantido intacto.
3 FIG Postura que revela castidade.
4 FIG Estado de quem se encontra sem atividade sexual.
Fonte: Michaelis — Dicionário brasileiro da língua portuguesa
***
Bem, agora que vimos isso, para seguirmos essa conversa vamos considerar que
sexo é tudo o que gera prazer sexual e pode ocorrer, com consentimento, entre
uma, duas ou mais pessoas, independentemente do gênero de cada uma delas,
certo?
Quando ampliamos a nossa percepção sobre o que é sexo, a ideia de deixar
de ser virgem somente quando há penetração de um pênis em uma vagina passa
a ser uma inverdade. Por isso é possível, sim, caso você não tenha uma
orientação sexual heteronormativa, ter a sua primeira relação sexual com uma
pessoa que tem o mesmo sexo que você. Essa percepção é muito importante,
pois liberta as pessoas, de forma que elas possam escolher os seus parceiros ou
as suas parceiras desde a primeira relação e não se obriguem a ter uma primeira
vez heterossexual, se essa não for a sua vontade.
ANULAR
É o que se observa com maior frequência. Possui apenas uma abertura central
em formato de anel, que é por onde sai o sangue menstrual. Seu tamanho
possibilita a penetração vaginal normalmente, podendo ou não haver alterações
de formato, dependendo da resistência e da elasticidade do tecido.
SEPTADO
MICROPERFURADO
CRIBIFORME
LABIAL
Difere dos outros tipos de hímen por apresentar uma abertura fina, comprida e
menos arrendondada.
IMPERFURADO
Condição rara em que o hímen não apresenta nenhum tipo de abertura, ou seja,
recobre totalmente a entrada da vagina. Por não possibilitar a saída de sangue
ou secreções, ele acaba se tornando um problema, principalmente na fase da
menarca (primeira menstruação). Geralmente, é necessário realizar uma
pequena cirurgia para a abertura de um orifício.
COMPLACENTE
Possui apenas um orifício central, porém sua membrana é muito resistente e
elástica. Assim, dificilmente se modifica durante o ato sexual. Por ser flexível,
ele se adapta à penetração; ou seja, quando o pênis, dedos ou objetos são
introduzidos, ele se estica e depois retorna ao seu formato original. Pode,
inclusive, nunca se "romper".
Como deu para perceber, a resistência de um hímen pode variar, e muito.
Alguns são mais flexíveis e chegam a permanecer intactos mesmo após um
parto normal. Já outros são mais delicados e podem se modificar com pequenas
ações corriqueiras, como atividades físicas ou quedas. Basicamente, se você
tiver um hímen elástico, você nunca sangrará na primeira vez que transar — e
talvez nem nas próximas. É anatomicamente impossível. E adivinhe só? No
Brasil, esse é justamente o caso de duas em cada dez mulheres.
Desconstruindo mitos
Já deu para perceber que o assunto é rodeado por fabulações, né? Por isso, antes
de terminar este capítulo, quero elencar os mitos e as dúvidas mais frequentes a
respeito da virgindade. Dessa forma, sairemos dessa conversa um pouco mais
informadas e um bocado mais empoderadas para passar a palavra a outras de
nós. Vamos lá?
…
…
Talvez essa história soe familiar para você. Quem sabe uma amiga já tenha
passado por algo parecido, ou quem sabe tenha sido você mesma a
protagonizar esse enredo. A verdade é que situações assim são mais comuns
do que gostaríamos, porque não somos educadas para conhecer nosso
corpo. Muitas de nós passam uma vida sem se observar, e não é raro que
nossos parceiros ou parceiras tenham mais intimidade com nossa região
genital do que nós mesmas. Acontece que, ao nos distanciarmos do
autoconhecimento, tomamos distância também de uma vida sexual
prazerosa e saudável.
Para começar, façamos uma reflexão rápida: se você pensar, agora, na
sua vulva, na sua vagina, que tipo de comentário vem à sua cabeça? Quais
sensações surgem em você?
Não ficarei surpresa se muitas das leitoras listarem sentimentos como
repulsa, nojo, culpa, medo. Desde muito pequenas, nos acostumamos a
ouvir frases de efeito que interferem profundamente em quem nos
tornamos. “Senta que nem moça”, “tira a mão daí” ou “você não pode
porque é menina” são apenas algumas das sentenças que norteiam nossas
primeiras descobertas corporais. Se ainda na infância — enquanto
estávamos desvendando o mundo e tateando, de forma lúdica, o que nosso
corpo era capaz de fazer — fomos podadas por falas enraizadas no sexismo,
a partir dali recebemos o aviso taxativo de que o prazer que sentíamos ao
tocar ou olhar nossas partes íntimas não era algo permitido. Foi uma
condenação. Ensinaram às meninas que fomos que nossas partes íntimas
são intocáveis, proibidas, sujas. Acostumamo-nos, então, depois de adultas,
a não as olhar, não as tocar e não falar sobre elas.
Podemos fazer outro exercício reflexivo. Quando você precisa se referir
às suas partes íntimas, como as denomina? Você sabe como se chama cada
componente do seu aparelho sexual e reprodutor? Se sabe, consegue
nomeá-los sem vergonha?
Vamos estabelecer um combinado: sairemos deste capítulo com o
devido conhecimento do nome das coisas. E, se possível, depois deste
capítulo, nos permitiremos reconhecer e experimentar, com menos tabus,
medos ou moralismos, nossos genitais.
***
Agora, sim, aos genitais. O que você entende como seu genital? O que
já ouviu falar sobre ele? Você sabe como ele se parece?
Pepeca, florzinha, perereca, aranha, fruto proibido são alguns dos
apelidos escolhidos para silenciar, oprimir e até ridicularizar nosso genital.
O mais próximo que chegamos de um termo técnico provavelmente seja
“vagina”, pronunciada de maneira breve em alguma aula da escola e usada
como referência a tudo que se encontra no meio das pernas. O foco,
geralmente, recai sobre os órgãos internos, com ênfase, claro, na função
reprodutiva.
Lembra que falei sobre a história do patriarcado como estrutura-base da
sociedade em que vivemos? Pois bem, com a medicina não seria diferente.
Por anos dominada pelos homens, a ciência médica avaliava a anatomia
feminina também por uma ótica machista. E isso se reflete, inclusive, na
nomeação de cada parte do nosso corpo. A palavra “vagina”, por exemplo,
vem do latim e significa “bainha”, uma capa para proteger um objeto —
neste caso, proteger a “espada”, em analogia ao pênis. Um passo além:
historicamente, quando se estudava o corpo feminino, era sempre
comparando com o corpo masculino, como se esse fosse a grande referência
de normalidade. O que é que os homens têm que as mulheres não têm?
Cabe lembrar que Aristóteles chegou a dizer que a mulher era um homem
mutilado.
Não posso deixar de falar, também, do esquecimento do clitóris.
Durante anos, houve um completo desconhecimento de sua existência. Por
muito tempo, não apareceu em livros nem manuais médicos. E ele não
estava sozinho. Pouco se falava dos lábios, do hímen, do períneo e —
pasme! — até mesmo da vulva. E nem precisamos retroceder tanto assim no
tempo. Ainda hoje, muita gente acha que vagina é todo o genital feminino.
Se essa informação a deixou confusa, respire e venha comigo destrinchar a
anatomia do prazer. Ao final do capítulo, deixo uma lição de casa, porque
quero que você faça amizade com seu corpo. Quero que você entenda, não
só na teoria mas na prática, o que ele é capaz de fazer por você. Então, já
fique preparada: escolha um lugar confortável e esteja munida de um
espelho, porque, se queremos conhecer nossa anatomia, temos de encará-la.
Elementos do órgão genital feminino
MONTE PÚBICO
Quando você se olhar no espelho, vai perceber uma região mais fofinha,
geralmente coberta de pelos pubianos, que também é conhecida como
monte de Vênus. Essa região é formada por tecido adiposo, ou seja, rico em
gordura, e recobre o osso púbico. Aliás, uma das suas principais funções é
protegê-lo (se você apertar suavemente, consegue sentir o osso por baixo do
tecido). Existem muitas variações no formato e no tamanho dessa região,
pois algumas pessoas acumulam mais gordura do que outras; inclusive, caso
você ganhe ou perca peso rapidamente, vai perceber que essa região ficará
diferente. Variações hormonais também são capazes de provocar alterações
nela. Puberdade, gestação e menopausa são algumas das fases que podem
fazer você notar diferença física no seu monte púbico.
Vale lembrar que é uma região com muitas terminações nervosas, o que
faz dela uma área muito sensível. Isso quer dizer que as possibilidades de
prazer são infinitas. Não tenha medo de explorá-la!
PELOS PUBIANOS
Com a chegada da puberdade, os pelos começam a crescer no monte
púbico. Com o tempo, os fios vão se tornando mais grossos e escuros e se
espalham pela virilha, pelos lábios e ao redor do ânus. Suas funções
principais são proteger e manter o calor da região genital, diminuindo o
atrito da pele com as roupas ou durante o ato sexual e impedindo a entrada
de algum patógeno na região. Então, sim, é verdade que eles têm uma
função de proteção.
No entanto, frequentemente recebo o seguinte questionamento: depilar
ou não a área genital? Acho que a questão aqui não é nem sobre se podemos
ou não nos depilar — é óbvio que podemos, se a gente quiser —, mas o
porquê de estarmos nos depilando.
A obsessão por uma pele livre de pelos — para as mulheres,
logicamente — surgiu com força na década de 1920, impulsionada (é
claro!) pela indústria da beleza e reforçada aos quatro ventos pela mídia e
pela pornografia. Hoje, quantas de nós colecionam histórias de transas
canceladas porque a depilação não estava em dia ou idas à praia postergadas
porque o biquíni não dava conta de tapar a depilação por fazer?
Historicamente, os pelos são um dos marcadores de gênero. Se do lado
masculino a presença deles denota virilidade, do lado das mulheres a pele
lisinha é lida como performance de feminilidade. Já repararam como pelos
são vistos como algo “nojento” somente em corpos femininos? Isso sem
falar na fetichização que há por trás desse marcador. Ao depilarmos
totalmente nossas partes íntimas, por exemplo, deixamos nossa vulva
parecida com a de crianças e adolescentes. O que está por trás dessa
tentativa de infantilização de mulheres adultas? A ideia de submissão,
controle? Sem dúvida, vale uns minutos de reflexão!
Do ponto de vista médico, não há um consenso sobre depilação. Há
ginecologistas que defendem que a remoção total de pelos deixa a vagina
mais exposta e, por isso, mais suscetível a bactérias e inflamações, e há
aqueles que acreditam que os malefícios devem ser observados caso a caso,
já que os hábitos modernos de higiene e o uso de roupas substituem um
pouco a função de proteção. Na prática, existem mulheres que, ao se
depilarem, acabam apresentando infecções recorrentes, lesões na pele e
foliculites, enquanto outras não apresentam qualquer reação. Por isso, no
fim das contas, a depilação não deve jamais partir de uma imposição, mas
sim de uma avaliação extremamente pessoal que você deve fazer a respeito
de seu corpo e de suas crenças.
É um questionamento — e um posicionamento — pessoal. Desde que,
claro, você sempre leve em conta a sua saúde (física e mental) e observe se
arrancar os pelos não está causando infecções indesejadas, como a
foliculite, ou, ainda, funcionando como mais uma pequena prisão no seu dia
a dia.
LÁBIOS EXTERNOS
Descendo o monte púbico estão os lábios externos, que também são
formados por tecido que armazena gordura (tecido adiposo), funcionando
como uma “almofada” de proteção, e podem variar de tamanho. Eles
seguem abraçando os lábios internos e a entrada da uretra e da vagina,
podendo descer até o períneo. Do lado de fora, esses lábios são recobertos
por pele pigmentada, ou seja, podem variar de cor de pessoa para pessoa, e
são ricos em glândulas e pelos. Já a parte interna, se você abrir com os
dedos, vai ver que é mais macia e sem pelos. Por possuírem muita
vascularização, os lábios externos incham e se tornam mais sensíveis
durante a excitação.
LÁBIOS INTERNOS
São popularmente conhecidos como pequenos lábios, mas prefiro não me
referir a eles dessa forma, e explico o motivo: com muita frequência, os
lábios internos são mais proeminentes do que os externos — e isso é
completamente normal. Acontece que, ao utilizar a expressão “pequenos
lábios”, fica subentendido que há algo de errado com mulheres que
apresentam essa região mais protuberante. É por isso que vamos chamá-los
do que eles de fato são: lábios internos.
Os lábios internos são formados de tecido fino, com muitas terminações
nervosas — o que torna essa região extremamente sensível —, muitos vasos
sanguíneos, além de tecido erétil. Eles costumam ficar inchados durante a
menstruação e a excitação. Se você tocar essa região, vai perceber que ela é
úmida e parece com a região de dentro da nossa boca. Esse tipo de tecido é
chamado mucosa e possui glândulas que fabricam um muco o qual ajuda a
proteger a região de ressecamentos.
A cor dos lábios internos pode variar dependendo do tom da pele da
mulher e das mudanças hormonais. Durante a gestação, por exemplo, eles
costumam aumentar e escurecer. Lembrete: todas essas variações são
normais. Normalíssimas. Prometo. Mas, claro, se você notar algo estranho,
não hesite em procurar ajuda médica.
CLITÓRIS
Uma das partes mais maravilhosas da anatomia feminina! Ele, o clitóris. É
um órgão cuja única função é o prazer sexual. Ele conta com cerca de oito
mil terminações nervosas, sendo uma das regiões com mais sensibilidade no
corpo humano. Sua origem embriológica é a mesma do pênis, pois, quando
estamos na barriga de nossas mães, até mais ou menos 12 semanas de
gestação, independentemente do sexo, as genitálias dos fetos são idênticas,
são uma estrutura chamada tubérculo genital, que vai, em algum momento,
se desenvolver e se diferenciar em órgão genital dito masculino ou
feminino. Como se originam da mesma estrutura, pênis e clitóris têm
tecidos, formatos e funções parecidos. Ambos são, por exemplo, órgãos
eréteis. Sim, você entendeu bem: se você tem um clitóris, você também
pode ter ereções quando está excitada!
Vale ressaltar que o que conseguimos ver no topo da nossa vulva é
apenas uma parte desse órgão maravilhoso, o qual pode chegar a medir até
dez centímetros. Algumas de suas partes principais são:
Glande: é a única parte visível do clitóris, o famoso “botão do prazer”. É
uma zona extremamente sensível, com milhares de terminações nervosas
concentradas em um pequeno espaço, além de vasos sanguíneos e tecido
erétil. Pode ter tamanhos variados e aumenta durante a excitação. Pode ser
parcial ou completamente coberta por um capuz de pele.
Prepúcio: é uma dobra de pele que se forma pela união dos lábios internos
e recobre a glande do clitóris, agindo como um capuz protetor. Se você o
puxar suavemente para trás, verá toda a glande do clitóris exposta.
Corpo, crus e bulbo: essas partes do clitóris não são visíveis, ficam
escondidas na vulva, e é por isso que dizemos que o clitóris é muito maior
do que a glande e pode chegar a dez centímetros. Também é uma região
cheia de tecidos eréteis. Quando ficamos excitadas, essas partes se enchem
de sangue, aumentando de tamanho e levando o tecido do clitóris para mais
perto do canal vaginal, ampliando a sensibilidade.
Com tanto potencial para o prazer, esse é, sem dúvida, um órgão que
merece todo o nosso carinho e dedicação.
Vestíbulo vulvar
Se você afastar seus lábios internos, essa é a região que ele recobre. O
vestíbulo vulvar engloba:
Meato uretral: é o orifício por onde sai a urina. Fica abaixo do clitóris e
acima da entrada da vagina. É o local onde a uretra se conecta com a parte
externa.
Introito vaginal: é assim que chamamos a entrada da vagina; também faz
parte da vulva e fica localizado entre o meato uretral e o períneo. Então, se
você avaliar bem, vai ver que temos dois orifícios diferentes, um por onde
sai a urina e outro por onde sai a menstruação.
Glândulas de Skene e Bartholin: esses nomes difíceis se referem a dois
pares de glândulas localizadas na nossa vulva. As glândulas de Skene estão
localizadas ao redor da uretra e as glândulas de Bartholin, próximas à
entrada da vagina. As duas têm um papel importante na lubrificação da
vulva, produzindo fluidos transparentes que mantêm essa região úmida e
protegida. Durante a excitação, há um aumento nessa produção, nos
deixando “molhadas” e preparadas para o sexo. Acredita-se, inclusive, que
as glândulas de Skene são as responsáveis pela produção da chamada
“ejaculação feminina”.
Hímen: Como no capítulo anterior, é uma pequena e fina membrana
localizada na entrada da vagina. Sua forma, tamanho e resistência variam de
pessoa para pessoa.
E a vagina?
Útero e ovários
Cérebro
Ué? O cérebro na anatomia do prazer? Sim, eu tive que o incluir nesta lista,
afinal de contas não há dúvida de que o cérebro é o órgão sexual mais
importante do ser humano. É ele que controla e regula toda a nossa conduta
sexual. O cérebro armazena todos os nossos aprendizados, baseados em
vivências sociais e pessoais, para determinar fatores que funcionam como
estimulantes ou inibidores da nossa sexualidade; ou seja, diferentemente de
outros animais, nós humanos não respondemos somente a questões
biológicas e impulsos hormonais, mas interpretamos situações e decidimos
se aquilo é ou não excitante para nós com base em nossas experiências.
Além disso, ocorrem, em nosso cérebro, a produção e a regulação de
substâncias químicas chamadas neurotransmissores, que atuam estimulando
ou inibindo o desejo sexual. Um exemplo é a dopamina, que aumenta não
somente o desejo sexual, mas também a nossa busca ativa por qualquer
fonte de prazer. Do lado oposto, por assim dizer, temos a prolactina, que age
inibindo o impulso sexual, reduzindo o orgasmo e a testosterona no corpo.
Sabe uma situação em que a prolactina está aumentada? Na amamentação,
por isso é comum sentir menos desejo sexual nessa fase.
***
…
…
Agora que você já é uma expert na sua anatomia, é o momento de entender
como se desenvolve nossa resposta sexual. Os mamíferos, em geral, fazem sexo
apenas com finalidade reprodutiva, respeitando épocas específicas e deixando o
componente biológico falar mais alto. Se você tem algum animal de estimação
já ouviu falar disso, o que chamamos popularmente de “cio”. Para nós,
humanos, a história é diferente. Como vimos anteriormente, temos em nosso
corpo um órgão exclusivo para o prazer — além de muitas outras regiões com
potencial para essa sensação —, e é justamente esse elemento sensorial que
diferencia nossa sexualidade da de outros mamíferos: não fazemos sexo apenas
para procriar, fazemos sexo por prazer.
EXCITAÇÃO
Ainda conforme esse modelo, a excitação seria a segunda etapa do nosso ciclo,
quando nossa mente e nosso corpo reagem a estímulos positivos com uma série
de alterações, como, por exemplo, aumento da frequência cardíaca e
respiratória, espasmos involuntários de músculos, rubor da pele, aumento no
tamanho do clitóris e dos lábios internos, lubrificação e dilatação do canal
vaginal. Sabe quando você está no meio de um beijo intenso e sente o coração
disparando e a calcinha ficando molhada? Isso é o seu cérebro reagindo a um
estímulo positivo e liberando diversos hormônios que fazem você se sentir
excitada.
ORGASMO
Se os estímulos continuarem e a excitação for aumentando até chegar em sua
tensão máxima, há a possibilidade de atingir nossa próxima fase, um pico
culminante de prazer também conhecido como orgasmo. Muitas alterações
físicas acontecem nessa fase — os sentidos ficam anestesiados, ocorrem
contrações involuntárias na região genital (sabe aquela sensação de que a vagina
está latejando?) e os hormônios e neurotransmissores liberados no corpo
promovem sensação de bem-estar e relaxamento. Não se preocupe, esse
fenômeno chamado orgasmo tem um capítulo só para si neste livro, o 7.
RESOLUÇÃO
A última fase do nosso ciclo acontece após o orgasmo, e é quando o corpo volta
para um estado de repouso, as frequências cardíaca e respiratória se
normalizam, os músculos relaxam, clitóris e lábios desincham, toda a tensão
gerada pela excitação se dissipa e é comum que algumas pessoas sintam sono.
Sabe quando a pessoa vira pro lado e dorme depois de transar? É a resolução
entrando em cena. Em geral, mulheres não têm essa fase tão intensa e,
diferentemente dos homens, conseguem emendar um novo ciclo logo após um
orgasmo.
***
Durante muitos anos, o modelo linear de resposta sexual era o único conhecido
e aceito. Em 2001, a psiquiatra canadense Rosemary Basson, ao estudar a
sexualidade feminina, percebeu que esse modelo não se enquadrava muito bem
para grande parte das mulheres, sobretudo aquelas que se encontravam em
relações mais longas, e propôs um novo formato para esse ciclo de resposta
sexual, chamado modelo circular.
Alguns pontos observados em seus estudos a motivaram a sugerir essa
mudança. O primeiro deles foi a percepção de que, para algumas pessoas, o
desejo espontâneo desaparecia após um tempo de relacionamento e se
transformava no que ela chamou de desejo responsivo. Calma, eu explico: o
modelo de quatro etapas que vimos antes apresenta o desejo como algo que
acontece espontaneamente (aqueles pensamentos sobre sexo ou vontade de
fazer sexo que surgem do nada). Como num começo de relacionamento, quando
mal conseguimos ver um filme sem transar. Rosemary defende que esse padrão
existe apenas em alguns momentos — no início de relação, quando casais
reatam depois de um término, quando mudam a rotina (em férias, por exemplo),
ou até mesmo em algumas fases da vida ou do ciclo quando nossos hormônios
estão a mil, por exemplo, na ovulação.
Basson observou que, depois de um tempo em um relacionamento, muitas
mulheres, e até mesmo alguns homens, percebem uma queda nesse chamado
desejo espontâneo e passam a apresentar um desejo mais responsivo. Isso
significa que, muitas vezes, encontram-se em um estado de neutralidade sexual,
quando não estão necessariamente pensando ou desejando sexo, mas, se
receberem os estímulos corretos, a excitação aparece e traz com ela um desejo
responsivo. É mais ou menos assim: você e seu parceiro ou sua parceira já estão
há alguns anos juntos e agora conseguem ver um, dois ou até dez filmes sem
transar; na verdade, você nem pensa muito em sexo, e às vezes chega a ter
preguiça. Porém, se rolar aquela massagem que você gosta, ou quem sabe uns
beijos demorados, ou ainda aqueles amassos no sofá, a vontade aparece, vocês
transam e é tudo ótimo.
Percebe a diferença? O desejo já não vem espontaneamente como no
começo — ele aparece depois que a pessoa aceita os estímulos positivos que a
deixam excitada. Sendo assim, seria um modelo circular, em que uma etapa
reforça a outra.
Outra mudança importante proposta nesse novo ciclo é a retirada do foco no
genital e a valorização da satisfação sexual e da intimidade emocional. Isso
porque a psiquiatra defende que nem sempre o que motiva o sexo é apenas o
desejo de contato das partes íntimas — pode até ser, mas, muitas vezes, é sobre
uma busca por intimidade, uma necessidade de conexão, ou, quem sabe, até um
alívio de tensão. Sendo assim, o orgasmo não necessariamente seria o único
desfecho positivo possível, nem mesmo o principal objetivo de todas as relações
sexuais, sendo possível obter prazer e sair satisfeita de uma relação ainda que
sem atingi-lo.
Essas informações parecem técnicas demais, eu sei. Mas elas estão aqui
porque acredito que uma das principais fontes do empoderamento é o
autoconhecimento e que, por esse caminho, somos capazes de melhorar muitos
aspectos da nossa vida. E nós merecemos isso.
É claro que, na prática, essas fases todas se sobrepõem, e não é tão simples
identificar cada uma; no entanto, conhecê-las nos traz mais clareza sobre o que
acontece em nosso corpo e nos ajuda a melhorar nossa vida sexual, a saber
identificar quando algo nos incomoda e a reconhecer as alterações naturais. Um
exemplo disso é o caso clínico do início deste capítulo. Raquel sentia que estava
“quebrada”, que precisava de conserto pelo simples fato de não apresentar mais
desejo espontâneo. Não foi preciso mais do que uma breve explicação para
tranquilizá-la de que isso era normal e, inclusive, uma das maiores queixas
ouvidas no consultório. Ela não era diferente ou errada, só não tinha as
informações corretas e infelizmente, em vez de tirar o melhor proveito do seu
desejo responsivo, passou anos se culpando e sofrendo por não se sentir mais
como no início do namoro.
É evidente o quanto questões sexuais impactam a vida das pessoas, tanto
positiva quanto negativamente. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
reconhece a sexualidade como um dos pilares da qualidade de vida de qualquer
ser humano. Nossa saúde sexual está diretamente ligada ao nosso bem-estar
físico, psíquico e sociocultural — variantes que se retroalimentam. Se há
alguma dificuldade na saúde física, mental ou emocional, o bom funcionamento
da sexualidade também é prejudicado, e vice-versa.
Podemos exemplificar isso com a depressão, doença que costuma causar
danos às fases do ciclo de resposta sexual, atrapalhando principalmente o
desejo, mas também embaralhando a excitação e até a capacidade de orgasmo.
Por outro lado, se a vida sexual é saudável, seus benefícios podem até se
espalhar para o campo psíquico, contribuindo para a melhora em alguns dos
sintomas depressivos, como a insônia.
***
…
…
Essa é provavelmente a queixa mais frequente que presenciei em anos
atendendo em consultório — e até mesmo em conversas informais com outras
mulheres. Segundo especialistas, a queixa de diminuição ou perda do desejo
sexual acomete cerca de quatro em cada dez mulheres. Ocorre com mulheres de
todas as idades, mas costuma se intensificar com o passar dos anos, com a
proximidade da menopausa ou nos casos de relacionamentos longos. E, assim
como a maior parte das queixas sexuais, costuma vir acompanhada de muita
angústia e acaba trazendo obstáculos para os relacionamentos.
Como vimos no capítulo anterior, o desejo sexual pode ser compreendido
como o interesse ou o apetite por sexo. Vimos também que o ciclo de resposta
sexual circular, proposto por Rosemary Basson e aceito atualmente, pontua a
diferença entre desejo espontâneo (vontade de fazer sexo independente de
estímulo prévio) e desejo responsivo (vontade despertada a partir de estímulos
excitantes).
A ausência ou diminuição do desejo espontâneo ao longo do tempo é algo
natural, sobretudo quando se trata de relacionamentos mais duradouros.
Portanto, se você se identificou com o relato da Tereza e compara sua falta de
desejo atual com a vontade de transar em qualquer canto da casa do início da
relação, é importante que conheça uma das principais responsáveis por isso: a
química da paixão.
QUÍMICA DA PAIXÃO
Quando nos apaixonamos, nosso cérebro passa por algumas alterações, liberando
hormônios e neurotransmissores que nos deixam, digamos, embebidos de tesão. Há um
aumento temporário na liberação de ocitocina, dopamina e testosterona, o que nos
deixa mais motivadas, mais propensas a formar vínculos, mais impulsivas e com mais
tesão. A dopamina, inclusive, é um hormônio que age nos mecanismos de recompensa
no nosso cérebro, os mesmo que são ativados quando comemos algo saboroso ou com
o consumo de substâncias viciantes, como algumas drogas.
Em resumo, ficamos basicamente viciados na pessoa com quem estamos nos
envolvendo, supermotivadas e com o desejo nas alturas, mas, em alguns meses (em
média 12-18 meses), os hormônios e neurotransmissores se estabilizam e,
consequentemente, aquele fogo todo diminui.
Além do fator químico, há outro ponto que devemos considerar nessa equação:
o fenômeno de habituação. A lógica é a seguinte: sempre que somos expostas a
um estímulo novo, ele provoca reações intensas em nosso organismo, mas, se
formos expostas ao mesmo estímulo repetida vezes, o nosso corpo se habitua a
ele e as sensações vão ficando bem menos intensas. E isso funciona com os
mais diferentes estímulos. Tente se lembrar, por exemplo, de uma música da
qual você gosta muito. Aposto que, na primeira vez que você a ouviu, teve
sensações fortíssimas, mas, depois de ouvi-la centenas de outras vezes, mesmo
ainda gostando muito, as sensações provavelmente se abrandaram. Com o
estímulo sexual, acontece exatamente igual. Quando acabamos de conhecer
alguém, o fator novidade deixa tudo mais intenso, mas aos poucos isso tende a
diminuir.
Portanto, se já sabemos que isso acontece naturalmente, insistir na
manutenção do desejo espontâneo e/ou ficar lamentando e desejando recuperar
aquele fogo do início da relação só vai nos causar frustração. É importante
entendermos esses conceitos para então trabalharmos com a realidade. A ideia
aqui é focar no nosso desejo de forma ampla, seja ele espontâneo ou responsivo,
para compreender como ele se desenvolve — o que o prejudica, o que o
estimula e o que podemos fazer para mantê-lo sempre por perto.
Como funciona nosso desejo?
É claro que isso é apenas uma amostra e não um indicativo de que o seu desejo
precise necessariamente estar dentro dessas categorias. No entanto, fica
evidente como a socialização marca presença nas respostas. O romantismo, por
exemplo, é algo muito disseminado, seja em contos de fada, novelas ou
produções para adultos. As mulheres são educadas para associar sexo a
sentimento, amor e relacionamentos fixos, e, como mostra o estudo, isso acaba
refletindo inclusive naquilo que nos excita.
Sei que já desafiei você antes, mas insisto que você aproveite esse momento
para refletir sobre o que desperta seu desejo. Para ajudá-la eu gostaria de sugerir
um exercício. Pegue uma caneta e um papel, tente se recordar de experiências
sexuais positivas que você já teve e escreva sobre elas com o máximo de
detalhes possível. Tente lembrar o local, como estava seu humor, como era(m)
a(s) parceira(s) ou parceiro(s), quais práticas sexuais aconteciam, o que ajudou
você a relaxar, o que colaborou para que você ficasse excitada. Essa atividade
pode ajudá-la bastante a ter mais clareza do que aciona seu acelerador e você
pode passar a usar essas informações a favor do seu prazer.
Tão importante quanto saber o que nos excita é entender o que faz com que a
gente pise no freio, inibindo nosso desejo.
Na maioria das vezes em que atendi mulheres com queixas de alterações no
desejo sexual, elas já me solicitavam logo de cara exames para dosagem
hormonal, pois há sempre uma esperança de que o quadro seja justificável com
alguma disfunção biológica, passível de ser revertida com uma simples pílula.
Mas não é tão simples assim. É claro que existem casos em que alterações
hormonais ou outras comorbidades afetam o desejo, mas, na maioria das vezes,
há outros fatores associados. E esse é um dos motivos para o fato de, até hoje,
não existir um “viagra feminino”. A indústria farmacêutica já busca há algum
tempo uma pílula capaz de aumentar o desejo sexual feminino, e, embora
alguns medicamentos tenham demonstrado uma melhora, ainda nenhum deles
apresentou um resultado superexpressivo.
Mas, afinal, quais são esses fatores que normalmente influenciam
negativamente nosso desejo?
1. Baixa autoestima — não é à toa que dediquei um capítulo inteiro só para esse tema, p
percepção da nossa autoimagem influência muito na qualidade da vida sexual. Muitas e m
mulheres referem que incômodos com seus corpos diminuem sua libido. Como eu p
desejar o outro se não me desejo?
2. Crenças limitantes e tabus — ausência de educação sexual, mensagens negativas s
sexo, crenças religiosas, moralismo... tudo isso interfere, pois funcionam como gat
negativos na hora do sexo. Como uma mulher vai desejar ou desfrutar de algo que lh
ensinado como errado? Como uma mulher pode ser honesta sobre seus desejos se tem m
de ser julgada?
3. Fatores psicológicos — traumas sexuais, transtornos de ansiedade, depressão e de estr
também podem contribuir negativamente. Em situações de estresse, por exemplo, nosso c
tende a interpretar a maior parte dos estímulos como algo negativo. Além disso, ele faz com
nos sintamos em constante em estado de alerta, prontas para fugir a qualquer momento
isso nos incentiva a poupar energia para funções essenciais do nosso corpo.
4. Fatores relacionais — conflitos nas relações, invalidação pelo(a) parceiro(a), falta
segurança no relacionamento, medo de não ter seus desejos legitimados, medo de não
aceita na cama, seja fisicamente ou em atitudes, muitas vezes acionam o freio de m
mulheres.
5. Fatores biológicos — alterações hormonais normais (menopausa, gravidez, pós-pa
alterações hormonais patológicas (doenças de tireoide, ovários e outras glândulas produt
de hormônio), efeitos colaterais de medicamentos (como anticoncepcionais, ansiolítico
antidepressivos) e doenças crônicas podem inibir diversas fases da sexualidade, incluin
desejo.
6. Insatisfação sexual — um script sexual insatisfatório é outro fator de influência nega
Lembra do sistema de recompensa do cérebro que mencionei anteriormente? Aqui ele se
presente novamente, pois, se o sexo não for algo prazeroso, não haverá liberação
substâncias que promovem relaxamento. Sendo assim, o cérebro entende que essa é
atividade na qual não vale a pena se engajar, uma vez que há um grande investiment
tempo e energia, mas pouco retorno.
Além dos mencionados aqui, existem diversos outros fatores que acionam os
freios, como: cansaço, falta de privacidade, medo de engravidar ou contrair uma
infecção sexualmente transmissível (IST), entre outros. Trata-se de algo
completamente pessoal. Algumas pessoas, por exemplo, simplesmente não
conseguem transar quando estão estressadas, outras sentem que o sexo é um
recurso que traz alívio para momentos assim. Só você é capaz de identificar o
que inibe seu desejo. E, assim como fizemos previamente no exercício de
descoberta do que a excita, sugiro fortemente o exercício de olhar para situações
do passado e presente, anotando o que fez e faz você perde o interesse.
Organizando a engrenagem
Mantenha a individualidade
No início das relações, é comum que casais queiram viver uma verdadeira
simbiose, em que fazem tudo juntos, querem criar interesses em comum e
almejam suprir todas as necessidades um do outro. Embora essa dinâmica faça
sentido por um tempo, a longo prazo ela pode ser uma receita catastrófica para a
manutenção desejo do casal. É importante que cada um assegure sua
individualidade, que haja interesses distintos e que mantenham círculos de
amizades e contextos pessoais que não necessariamente incluem o outro. O
desejo se alimenta do mistério, da saudade, da descoberta de novas coisas um
no outro.
Procure ajuda
Se você sente que não consegue resolver essa questão sozinha, procure ajuda.
Muitas vezes, vários fatores se sobrepõem na composição de um quadro. No
caso de uma mulher que está em fase de pós-parto, por exemplo, os fatores
hormonais e emocionais se misturam. Há ainda questões específicas que
demandam ajuda profissional, como traumas, dificuldades conjugais e cenários
de problemas de saúde física e/ou mental.
Por fim, lembre-se sempre de que sua sexualidade é exclusivamente sobre você,
portanto uma baixa no desejo só deve ser considerada um problema se isso
causar um incômodo pessoal. Você não precisa se adaptar às expectativas
sexuais dos outros.
Joana
se relacionou a vida inteira com homens.
Achava que era frígida e, muitas vezes, fingia
orgasmos para não decepcionar seus
companheiros. Agora, está namorando uma
mulher e não quer mais recorrer à encenação.
Chega ao meu consultório querendo descobrir
se há algo de errado com seu ciclo de
resposta sexual e entender como pode atingir
o ápice do prazer com mais frequência.
…
…
Todas nós ou já fingimos orgasmo, que nem Joana, ou conhecemos alguém que
já fingiu. Segundo pesquisa feita pela Archives of Sexual Behavior, três em cada
quatro mulheres heterossexuais já fingiram orgasmo, e isso acontece a cada três
vezes que fazem sexo. A pesquisa foi realizada com 463 mulheres britânicas
com idade média de 38 anos. O que percebo em meus atendimentos é que isso
ocorre principalmente, mas não exclusivamente, com mulheres jovens. Mesmo
assim, vale dizer: as jovens de hoje têm mais informações e se dedicam ao
autoconhecimento corporal muito mais cedo do que a maioria das mulheres
adultas. E isso é uma boa notícia. Significa dizer que estamos caminhando,
mesmo que a pequenos (mas revolucionários) passos.
A verdade é que você pode estar casada, solteira ou divorciada, pode ser
mãe de muitos filhos ou de nenhum, estar ou não em um relacionamento, ter
iniciado sua vida sexual recentemente ou já ter anos de prática, pode estar no
começo dos vinte anos ou com mais de sessenta, e muito provavelmente já
experimentou ou experimenta dificuldades com o orgasmo.
Alguns contextos podem agir diretamente na capacidade orgásmica de uma
mulher. São, na maioria das vezes, questões socioculturais opressoras — como
padrão estético — ou até dogmas religiosos que consideram a atividade sexual
pecaminosa. Mas acontece que o clímax — esse grande evento misterioso e
fabuloso que habita nosso corpo — tem uma função muito especial: o prazer.
Muitas e muitas definições já foram propostas para explicar o que seria, afinal
de contas, o orgasmo. Em termos médicos, ele seria “um pico transitório de
prazer sexual intenso acompanhado de contrações rítmicas e involuntárias da
musculatura do aparelho genital”. No entanto, fica claro que essa é uma
definição muito restrita, né? O gozo costuma ser uma experiência única para
cada mulher, e podemos encontrar muitas descrições interessantes por aí:
Mas qual seria a razão por trás desse número tão alto?
Já aprendemos no capítulo 4, sobre anatomia, que essa não parece ser uma
questão biológica ou mesmo fisiológica, já que pessoas com vulva apresentam
um órgão exclusivo para o prazer — o clitóris! —, além de terem a
possibilidade de alcançar orgasmos múltiplos. É fato que existem algumas
doenças crônicas, como diabetes, e medicações, como alguns antidepressivos e
ansiolíticos, que podem levar à dificuldade de gozar. Mas em geral, para a
maior parte das mulheres, as causas estão muito mais relacionadas a aspectos
culturais, sociais, emocionais e psicológicos. Aqui, quero falar um pouquinho
mais sobre alguns exemplos.
Falta de informação: nossa educação sexual é praticamente inexistente e,
quando acontece, em casa ou na escola, tem foco nas questões patológicas ou
reprodutivas. Ensinam meninas a terem medo de doenças e alertam sobre o
risco de engravidar precocemente, mas nada é dito sobre o prazer. Até mesmo
nossa anatomia é ensinada sob essa ótica. Nomes como vulva e clitóris
tampouco são citados. E, na ausência dessa educação sexual, muitas das vezes,
as informações são buscadas na pornografia, que traz referências machistas,
falocêntricas e muito limitadas e distantes do que é um sexo real.
Tabus: nossa criação é permeada de valores morais — e, por vezes, até
religiosos — que nos desconectam do nosso corpo e da nossa sexualidade.
Somos ensinadas a nos portar de maneira recatada e nos fazem acreditar que
sexo é pecado ou marcador de imoralidade. Dizem que nossa virgindade é algo
a ser preservado para um dia ser “dado” a outra pessoa e que, se a “perdermos”
antes da hora, seremos vistas socialmente como mulheres sem valor. Com tantas
crenças negativas, como podemos nos tornar adultas que tenham visões
positivas sobre sexo?
Autoestima: no capítulo 2 deste livro, falamos exatamente sobre como a
percepção que temos de nós mesmas interfere em nossa sexualidade. Se você
tem uma relação ruim com seu corpo, dificilmente terá uma relação positiva
com sua sexualidade. Assim, fica difícil relaxar e gozar quando sua cabeça está
preocupada com sua aparência.
Relacionamento: muitas vezes, as dificuldades compreendidas como “sexuais”
são, na verdade, problemas de relacionamento. Questões atuais e traumas
passados, desconfiança, dificuldade de entrega, pouco diálogo, pouco afeto e até
abusos físicos ou psicológicos podem facilmente interferir no prazer.
Desconhecimento do corpo: não somos estimuladas a nos conhecer, nos tocar
e descobrir como e onde sentimos prazer. Muitas de nós têm dificuldade de
atingir o orgasmo simplesmente por desconhecer as próprias zonas erógenas.
Agora ficou mais claro o porquê de essa ser uma questão complexa? Todos
os pontos que mencionei merecem reflexão e atenção. O autoconhecimento é
uma das ferramentas mais importantes — tanto física quanto emocional e
psicologicamente — para começar a encontrar respostas. Entender suas crenças,
seus medos, seus gatilhos e suas inseguranças (e tratá-los) é um passo essencial.
Informação é poder! Por isso, a seguir, vamos entender um pouquinho mais
sobre esse universo imenso do orgasmo, quebrando os principais mitos acerca
do tema.
Mito ou verdade?
1. É possível ter prazer sem ter orgasmos: uma relação sexual pode ser extremamente praze
e desencadear muitas sensações agradáveis e de realização, mesmo quando não termina
orgasmo.
2. É possível ter orgasmos sem prazer: existem orgasmos em situações não sexuais — c
durante o sono ou ao realizar atividades físicas — e, em alguns casos, até mesmo em situa
desagradáveis, como nas ocorrências de abuso sexual. Isso acontece porque, às vezes, ap
a estimulação física é suficiente para provocar uma resposta fisiológica involuntária de orga
mesmo em situações em que não há excitação nem desejo físico ou psicológico. Se voc
passou por algo parecido, uma situação de orgasmo indesejado, não se culpe! Nosso c
recebe estímulos voluntários e involuntários de muitos tipos, e, por vezes, há reações sobr
quais não temos controle. Isso não significa que você gostou da situação.
Por fim, outro termo muito utilizado quando falamos de sexo é “gozar”. Em
geral, ele é associado à ejaculação. Nesse caso, gozar e ter um orgasmo seriam
coisas diferentes, uma vez que é possível ter orgasmos sem ejacular e vice-
versa. Outro sentido para a palavra, que é o que utilizamos neste livro, faz
referência a desfrutar, curtir, se deleitar com situações. Nesse caso, gozar pode
ser usado quando nos referimos a orgasmos positivos.
Teste sozinha: chegar a um orgasmo em uma relação com outra pessoa é, geralmente,
complicado do que sozinha. O mesmo se aplica a orgasmos múltiplos; por isso, a me
maneira de descobrir é se masturbando. Assim, você conhece melhor as suas possibilidade
prazer e descobre regiões de maior ou menor sensibilidade sem a tensão de e
compartilhando o momento íntimo com outra pessoa. Experimente primeiro sozinha e de
acompanhada.
Não faça disso uma obrigação: como já dito, não se sabe se orgasmos múltiplos são
possibilidade para todas, e, mesmo entre as pessoas que experimentam essa sens
prazerosa, ter orgasmos múltiplos é algo raro e desafiador e nunca deveria ser colocado c
meta nas relações — ou pode acabar gerando muitas frustrações. Portanto, sem metas,
Apenas curta o processo e crie condições para se divertir e explorar toda a potência do
corpo e prazer.
TODA RELAÇÃO TEM QUE SER ORGÁSTICA
MITO
É claro que orgasmo é bom, mas ele não precisa ser o único objetivo de uma
relação sexual. Muitas vezes, o sexo pode ser extremamente prazeroso sem
necessariamente acabar em orgasmo. Intimidade, conexão com a parceira ou o
parceiro — ou com mais de uma ou um — e troca de afetos podem ser outros
ganhos muito positivos de uma relação sexual. É preciso tomar cuidado com a
ditadura do orgasmo!
Antes de 1960, os orgasmos femininos não eram considerados importantes para que as
mulheres se sentissem satisfeitas sexualmente. Após a primeira revolução sexual, esse
e outros pontos de vista foram contestados, e nasceu uma nova perspectiva, em que o
orgasmo ganhou protagonismo na transa. Ele passou de ignorado para algo
completamente aclamado. Até aí tudo bem, já que o clímax realmente merece destaque.
O problema é que, a partir disso, muitas mulheres começaram a se sentir cobradas para
terem orgasmos intensos, frequentes e, de preferência, múltiplos.
É óbvio que não pretendemos voltar ao discurso antiquado de que o orgasmo não é
importante. Ele é, sim! Mas também não podemos endossar o discurso de que, para ser
uma mulher realizada, livre, empoderada e sexualmente plena, você precisa,
necessariamente, ter orgasmos. O sexo é como uma dança, uma brincadeira em que o
foco devem ser as sensações e o prazer. O orgasmo pode ou não ser uma
consequência dessa entrega — e isso independe de gênero, orientação sexual ou sexo
biológico. Uma relação deve ser sempre prazerosa, mas não necessariamente precisa
ter como linha de chegada o orgasmo.
Uma opção é a variante da posição papai e mamãe em que a pessoa que irá
penetrar deve ficar por cima se debruçando contra o seu corpo, encostando o
máximo possível. Em vez de realizar movimentos de entra e sai como é feito
habitualmente, vocês devem alinhar bem as virilhas e a outra pessoa deve
deslizar o corpo horizontalmente, num movimento de esfrega-esfrega. Vocês
devem inclinar o quadril na direção um do outro para que o púbis do(a)
parceiro(a) esfregue constantemente no seu clitóris. Suas pernas devem
permanecer retas e juntas ou entrelaçadas nas dele(a), com os tornozelos
apoiados na panturrilha. Exige um pouco de prática, mas o resultado vale a
pena. Também é possível inverter a posição, com você por cima deslizando o
corpo na horizontal.
1. RELAXE!
Lembra que falamos sobre o prazer ser dependente do contexto? Antes da masturbação
ou do sexo, o ideal é criar um clima de relaxamento, compondo contextos que a deixem
tranquila e permitam que você vivencie o prazer. Iluminação, cheiros, música e atenção
plena à respiração podem ser caminhos para que você permita que seu corpo libere a
tensão.
Quando estamos relaxadas, diminuímos a atividade da região responsável pela nossa
racionalização e tomada de decisão, o neocórtex do cérebro, e aumentamos a conexão
com a região do nosso cérebro responsável pelo processamento de emoções,
sensações e sentimentos, a porção límbica. Tudo que precisamos quando se fala de
orgasmo é sentir mais e pensar menos!
3. SAIA DO GENITAL
Nosso corpo é inteiramente erógeno e pode nos proporcionar sensações prazerosas.
Muitas vezes começamos o sexo ou a masturbação já na ansiedade para tocar o
genital, mas experimente despertar seu corpo como um todo para receber o prazer.
Variando a velocidade e a intensidade do toque, explore sensorialmente com a ponta
dos dedos seu rosto, seu pescoço, seus seios, sua barriga, o interior das coxas etc.
Uma boa dica é começar os estímulos com uma intensidade mais leve nas suas regiões
menos sensíveis e, aos poucos, evoluir para uma intensidade mais forte nas suas
regiões mais sensíveis. Use também a lógica “de fora pra dentro”, se aproximando aos
poucos do genital, aumentando a carga e a tensão sexual, favorecendo o orgasmo.
4. MASTURBE-SE
É na masturbação que conhecemos melhor nossas possibilidades de prazer e
descobrimos regiões de maior ou menor sensibilidade. Isso nos torna mais conscientes
dos nossos limites e do que favorece ou prejudica nossas sensações prazerosas.
Assim, quando chegar a hora de compartilhar nossa sexualidade com outra pessoa,
estaremos mais confiantes e seguras do que funciona.
6. PERMITA-SE
Você pode ler e consumir todo tipo de informação sobre orgasmos e sexualidade; a
ciência pode ajudar, técnicas também, mas uma das chaves para conseguir orgasmos
incríveis é a permissão para o prazer. E isso só depende de você.
Você merece todo o prazer que seu corpo pode sentir, da maneira e na
quantidade que seu corpo desejar. O seu prazer pertence a você, para manter
para si ou para dividir, para explorar ou não, para abraçar ou evitar, quando
você quiser. Você é quem escolhe. Como e quando. Onde e com quem. Leve o
lembrete amigável de que o percurso é muito mais importante — e gostoso! —
do que o destino final. Não há estrada pavimentada para o orgasmo, e isso é o
que há de mais maravilhoso nessa jornada. Cada uma de nós faz sua própria
trajetória, cria seus próprios caminhos, desbrava seus próprios territórios. Não
parece um convite e tanto para aventuras incríveis?
!
Inês,
que tem 68 anos, chega ao meu consultório
decidida. Ficou viúva faz mais de um ano e
não pretende se relacionar com um parceiro
ou uma parceira tão cedo. Quer, agora,
descobrir sozinha como se satisfazer. Tem
muitas dúvidas sobre masturbação, sex toys e
outras possibilidades eróticas. Pergunta se é
possível, nessa idade, recomeçar uma vida
sexual prazerosa.
…
…
Autoamor, brincar de DJ, siririca: seja qual for o termo usado, a masturbação
feminina sempre foi um grande tabu. Segundo dados da pesquisa Mosaico
2.0 (2017), cerca de 40% das mulheres não se masturbam e uma em cada
cinco relata nunca ter experimentado a prática — enquanto 82,7% dos
homens declaram se masturbar. Não é difícil perceber que, socialmente, o
tema é tratado de forma extremamente diferente entre os gêneros.
Como já conversamos aqui, a história da sexualidade feminina no
Ocidente foi pautada na culpa, na vergonha e no controle dos nossos corpos
— ideias muito reforçadas pela cultura judaico-cristã, em que qualquer
prática que não levasse à procriação era objeto de punição. O corpo é
pecaminoso e o prazer, estigmatizado. A partir do início do século XVIII, a
masturbação foi elevada à condição de prejudicial, geradora de doenças
físicas e mentais. Nessa época, dr. Tissot, um influente médico e físico
suíço, fez uma declaração firme sobre o tema: “Esse hábito funesto faz
morrer mais jovens do que todas as doenças juntas”.
Diversos textos da época aterrorizavam as pessoas com os “malefícios”
da masturbação. Olheiras, fraqueza, dor de cabeça, perda da beleza e da
vitalidade, problemas de crescimento, infertilidade, dificuldades digestivas
eram alguns dos efeitos vinculados a essa prática. Várias “técnicas
curativas” para quem praticasse a masturbação — envolvendo amarração
das mãos, colocação de uma gaiola para cobrir a genitália, uso de cinto de
castidade, aplicação de ácido no clitóris e até extirpação do clitóris —
chegaram a ser preconizadas na Europa.
No início do século XX, surgiram algumas mudanças na ciência. A
Psicanálise apontava a masturbação como algo natural, embora sugerisse
que esta era uma forma “infantil” ou “imatura” de prazer para as mulheres.
Segundo Sigmund Freud, a mulher só atingiria a maturidade sexual após
transferir a atividade da masturbação clitoriana para a atividade
verdadeiramente feminina do coito (leia-se: sexo com penetração).
Paralelamente a toda essa construção histórica e social da masturbação,
temos a narrativa do prazer feminino ignorada e silenciada durante milhares
de anos. Essa somatória colabora para que, ainda
nos dias de hoje, a masturbação feminina seja uma prática que evitamos
fazer e até mesmo falar sobre, permeada de dúvidas e mitos. Captamos
desde muito cedo a mensagem, ouvimos muitos “tira a mão daí” e, como
consequência, passamos a nos sentir sujas por tocarmos nossas próprias
vulvas. Crescemos distantes de nossos corpos, desconectadas e sem nos
considerarmos dignas de prazer. Pare e pense por um minuto: qual foi a sua
relação com a masturbação? Quantas vezes conversaram com você sobre
essa prática? Você foi ensinada sobre ela? Encorajada a realizá-la? Muitas
mulheres passam a vida toda sem se tocar. Outras até descobrem os prazeres
da masturbação, mas eles, em geral, vêm carregados de sentimentos
culpabilizadores.
Shere Hite, sexóloga americana, percebeu, em seus estudos, que a
maioria das mulheres gostava fisicamente da masturbação, mas não gostava
dela psicologicamente, corroborando a ideia de que eram os códigos morais
que serviam como barreira para a prática, e não o ato em si. Quase todas as
mulheres da amostra de Hite tinham sido ensinadas, na infância, a não se
masturbarem.
Na atualidade, felizmente, os estudos de sexualidade não só normalizam
a masturbação como também a incentivam. Hoje sabemos que o
conhecimento do corpo e de suas sensações pode ter influência direta no
desejo sexual, na capacidade de excitação e na obtenção de prazer. A
masturbação é, inclusive, sugerida como parte do tratamento de algumas
disfunções sexuais femininas. Mesmo assim, o tabu está tão enraizado que
discursos como “não me sinto bem fazendo isso”, “não acho certo” e até
“não vejo graça na masturbação” são comuns.
Ninguém é obrigado a nada, menos ainda a gostar de sexo ou de
masturbação, mas antes de desistir, eu gostaria que você entendesse as
vantagens de se mastubar!
ESPECIALISTA EM VOCÊ
A masturbação é uma excelente ferramenta de autoconhecimento para você
descobrir zonas de sensibilidade e prazer, bem como fortalecer a sua relação
com o próprio corpo e com a sua sexualidade. Quando pulamos essa etapa
de descoberta e exploração individual, acabamos terceirizando nosso prazer,
esperando que outra pessoa saiba o que fazer para nos agradar. Mas esse é
um grande equívoco. Se nem você sabe o que funciona, como esperar que o
outro saiba? Seja você a grande especialista desse corpinho que habita.
QUÍMICA DO PRAZER
A masturbação promove a liberação de dois hormônios que têm relação
com o prazer: a endorfina e a dopamina. A primeira é uma espécie de
analgésico natural, promove relaxamento e sensação de bem-estar, alivia
tensões e dores e melhora o sono.
Já a dopamina é uma moderadora do prazer, que age sempre que alguma
atividade promove uma recompensa prazerosa. Quando liberada, nosso
cérebro cria um registro de que aquela atividade é positiva e aumenta nosso
interesse e nosso desejo em realizá-la novamente. Sendo assim, a excitação
e o prazer obtidos na masturbação aumentam o desejo sexual.
Permissão
Depois de tudo o que vimos até aqui, fica mais fácil compreender o porquê
de a masturbação ser associada a sentimentos de culpa, vergonha e, às
vezes, até nojo.
Por isso, o primeiro passo para essa jornada de autocuidado é se
permitir. Deixar fora do quarto (ou banheiro) os tabus e compreender que
seu corpo é uma plataforma sensorial, repleta de possibilidades, e que não
há nada de errado em explorá-la na sua individualidade. Muito pelo
contrário: você e seu corpo merecem!
Se pensamentos ou sentimentos negativos vierem, acolha, respire fundo
e tente se lembrar de que eles foram criados e perpetuados por uma
sociedade machista. É importante olhar para quais foram as fontes
geradoras de culpa em nossa vida (educação rigorosa, religião, crenças
familiares) para trabalhar a desassociação desse sentimento com o prazer e,
finalmente, desfrutar dele de maneira positiva. Só você tem a autonomia e o
poder para autorizar seu corpo a viver toda a potência de prazer a que você
tem direito!
Crie um clima
Lubrificação
Posição
DE JOELHOS
Ajoelhada na cama ou no chão, com os joelhos bem afastados, pressione o
corpo contra alguma superfície abaixo de você — pode ser um travesseiro,
um sex toy ou sua própria mão. Faça movimentos com o quadril para a
frente e para trás ou circulares. Essa posição aumenta o fluxo de sangue na
pelve, favorecendo o orgasmo.
BARRIGA PARA BAIXO
Deitada de barriga para baixo, com o bumbum levemente empinado,
pressione o osso pélvico e o clitóris contra sua mão ou um sex toy abaixo de
você e faça movimentos suaves com o corpo para a frente e para trás. O
peso do seu corpo garante uma fricção extra.
SENTADA
Escolha uma cadeira sem braços, sente-se com as pernas abertas e os pés
presos atrás das pernas dianteiras da cadeira, inclinando o corpo levemente
para trás. Essa posição permite acesso total à região deliciosa que você tem
no meio das pernas, para ser explorada como desejar.
EM PÉ
Uma ótima opção para testar no banho. Com o corpo inclinado contra uma
parede, afaste os joelhos permitindo acesso à sua vulva e aproveite para
explorar com dedos e vibradores.
Antecipação e insinuação
Começar uma masturbação direto pelo estímulo genital pode até funcionar
para algumas pessoas; porém, quanto mais lentamente a excitação for
construída, maiores as chances e a intensidade do prazer. É o que
chamamos de antecipação, a ideia de não ir direto ao ponto, mas aproveitar
todo o potencial do nosso corpo e investir em toques indiretos.
Aproveite para conhecer e explorar, fugindo das regiões mais óbvias
como mamas e vulva. Vá acordando as terminações nervosas por meio de
toques diversos em outros locais. Aos poucos, vá se aproximando das
regiões mais sensíveis e tocando-as ocasionalmente.
Um exemplo é estimular a parte interna das coxas, o monte púbico, mas
“ignorar” propositalmente a região de clitóris e lábios por um tempo. Outra
opção é realizar movimentos circulares próximos da entrada da vagina,
ocasionalmente entrando um pouco nela, insinuando uma penetração, mas
apenas rápida e superficial. Essas provocações causam uma sensação de
antecipação, de expectativa por esse toque mais direto, levando ao aumento
da excitação e da tensão sexual.
Pressão e velocidade
Dedos ou brinquedos?
Tipos de toque
SANDUÍCHE DE CLITÓRIS
Consiste em posicionar os dedos “abraçando” os lábios externos de maneira
que o clitóris fique preso no meio, exercendo uma média pressão e
movimentando-os para um lado e para o outro, para cima e para baixo.
Dessa maneira, o clitóris é estimulado indiretamente. É uma excelente
opção para iniciar os estímulos de maneira mais indireta, para recomeçar
estímulos após o primeiro orgasmo ou para quem tem muita sensibilidade
ao toque direto no clítóris.
DE LADINHO
Posicione um dedo na lateral da glande do clitóris e faça movimentos de
sobe e desce por toda a extensão dos lábios internos, tanto à direita quanto à
esquerda, levemente ou de maneira mais intensa. É possível que você
descubra que um dos lados é mais sensível do que o outro e leva mais
rapidamente ao orgasmo.
TAPINHAS
MOVIMENTO CIRCULAR
O favorito de grande parte das mulheres. Utilizando o dedo indicador e o
dedo médio, realize movimentos circulares, que podem ser mais amplos,
abrangendo os lábios, ou mais localizados no capuz (prepúcio) do clitóris.
A pressão pode variar com toques bem sutis, aumentando a excitação,
toques moderados, que mobilizam a pele do prepúcio clitoriano, e toques
mais intensos. O ideal é que a pressão seja progressiva até um ponto em que
esteja sendo prazerosa. O mesmo vale para a velocidade, que deve iniciar
lenta e aumentar aos poucos.
INFINITO
Um pouco mais elaborado que o movimento circular. Para realizá-lo, utilize
o dedo indicador, o médio ou os dois, fazendo um movimento em formato
de oito; ou seja, você vai fazer dois círculos, um ao redor da glande do
clitóris e outro tocando os lábios internos, próximo à entrada do canal
vaginal. Esse movimento requer um pouco de prática, mas, por estimular
uma região maior da vulva e do clitóris, costuma ser extremamente
prazeroso.
Essas são apenas algumas opções iniciais de movimentos para que você
encontre o que mais lhe proporciona prazer. Pode ser um dos movimentos
acima, uma combinação deles ou, ainda, um movimento novo que você
acabe descobrindo no processo. Aproveite!
• Étroque
transmitida por quase todas as formas de sexo, isto é, qualquer prática que
fluido sexual, como penetração anal, penetração vaginal, sexo oral e
contato entre vulvas.
Pode ser assintomática ou apresentar sintomas como ardência ao urinar, dor
• durante o sexo, presença de secreção vaginal, peniana ou anal anormal, dor
nos testículos, dor no baixo-ventre e sangramento nos intervalos do período
menstrual.
Tem cura. O tratamento é feito com antibióticos. Quando não tratada, pode se
• agravar, gerando infecções pélvicas e até causando infertilidade.
GONORREIA
SÍFILIS
• Infecção bacteriana por Treponema pallidum.
• OdaBrasil, assim como muitos países, vem apresentando um aumento de casos
doença. Segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde,
houve, entre 2010 e 2018, um aumento de 4.157% (sim, o número está
correto) nos casos de sífilis no país.
A transmissão se dá por sexo com penetração vaginal e anal, contato entre
• vulvas e sexo oral.
Os sintomas geralmente começam com uma ferida chamada “cancro duro”,
• que não dói, não coça, não arde e não tem pus, e surge no local que foi porta
de entrada da bactéria, como pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus ou boca.
A lesão tem muitas bactérias altamente contagiosas e dura cerca de três a
oito semanas. Se não tratada, pode evoluir para o que chamamos de sífilis
secundária. A doença se espalha e surgem lesões de pele em todo o corpo,
podendo ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça e ínguas. Esse quadro pode
durar até dois anos, com os sintomas indo e voltando. É importante lembrar
que muitas pessoas podem não apresentar ou não perceber nenhum sintoma,
pois a doença pode ficar latente e reaparecer depois de muitos anos em sua
forma mais grave, a sífilis terciária, com lesões na pele, nos ossos, no coração
e no sistema nervoso.
Tem cura. O tratamento depende da fase em que a infecção se encontra. Se
• não tratada, pode evoluir para quadros graves, até mesmo com acometimento
do sistema nervoso.
TRICOMONÍASE
• Apênis-vagina
transmissão ocorre pelo contato de genitais com fluidos sexuais, contato
e contato entre vulvas.
HPV
HIV
HEPATITE B
• Infecção pelo vírus hbv.
• É uma ist menos frequente, pois existe vacina para sua prevenção.
• Ainfectados,
transmissão se dá por contato com fluidos genitais, urina ou
ou seja, todas as formas de sexo apresentam risco.
sangue
• Omanifesta
vírus ataca o fígado, mas a infecção geralmente não tem sintomas, ou se
na forma de cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre e dor
abdominal.
Em 95% dos casos, ocorre cura espontânea e o próprio corpo é capaz de
• combater o vírus. Apenas 5% evoluem para lesões graves no fígado. Existe
tratamento eficaz para as formas crônicas, mas a vacinação continua sendo a
maneira mais efetiva de prevenção.
***
Com o que vimos até aqui, fica mais fácil entender um pouquinho melhor por
que Mariana, a paciente do começo deste capítulo, foi infectada mesmo sem
nunca ter sido penetrada por um pênis, certo? É importantíssimo sabermos que
relações sexuais entre pessoas com vulva também podem ser canais de
transmissão de infecções. E que, sim, também devemos tomar os cuidados
necessários nesses casos.
Bem, agora que já conhecemos brevemente as principais ISTs, vamos
entender como podemos nos prevenir no sexo. Como combinamos neste livro,
sempre que falarmos de sexo estaremos abordando as mais diversas práticas,
que podem ou não estar presentes em uma relação, independentemente de
identidade de gênero e/ou orientação sexual. Pensando assim, acredito que a
melhor maneira de pensarmos em prevenção é entendendo quais partes do
corpo estarão em contato e quais são os cuidados disponíveis.
Métodos de barreira
Embora menos popular, o preservativo interno pode ser uma ótima opção na
prevenção de gravidez e de ISTs, além de contar com outros pontos positivos,
como, por exemplo, o fato de que, diferentemente do externo, pode ser
colocado até oito horas antes da relação. Geralmente, é feito de poliuretano ou
nitrilo, tornando-o seguro para pessoas alérgicas ao látex, e pode ser usado
com qualquer tipo de lubrificante. Além disso, não precisa de ereção para ser
inserido e pessoas com pênis costumam referir que a sensibilidade é melhor
do que com o uso dos externos.
A maioria dos modelos disponíveis possui um anel flexível em cada uma
das duas extremidades, ou seja, um anel interno, para segurar o preservativo
dentro da vagina, e um anel externo, para impedir que o preservativo seja
empurrado para dentro da vagina. É preciso um pouco de prática para colocar
corretamente nas primeiras vezes, mas nada que você não seja capaz de
aprender.
VULVA-BOCA/ ÂNUS-BOCA
A proteção mais viável é uma película conhecida como dental dam, uma folha
de látex que pode ser usada como uma barreira no sexo oral. Infelizmente,
esse é um produto difícil de encontrar, mas existe uma alternativa: cortar um
preservativo externo e criar uma barreira entre a língua e a vulva ou o ânus.
VULVA-VULVA
Falar de proteção no sexo entre duas pessoas com vulva ainda é um desafio, já
que não há no mercado dispositivos de proteção específicos. No sexo entre
pessoas com vulva, a transmissão de HIV e hepatite B tem baixa incidência,
mas outras ISTs ocorrem com frequência, principalmente sífilis, herpes e HPV.
É importante pontuar que a menstruação aumenta a chance de infecções
devido ao contato com sangue.
Nesse caso, não há uma proteção de barreira realmente eficaz entre as
mucosas. É possível tentar, como no item anterior, o uso de dental dam ou de
uma camisinha comum cortada e utilizada como uma barreira entre vulvas,
mas é pouco eficaz devido ao movimento dos corpos. Existem algumas
calcinhas de látex que também seriam indicadas para esse contato entre
vulvas, mas não se sabe ainda o quanto exatamente protegem, além de serem
produtos muito difíceis de encontrar. O ideal é estar sempre atenta à presença
de lesões, verrugas ou corrimentos e realizar a testagem regular para ISTs.
DEDO-VULVA/ DEDO-ÂNUS
O risco de contaminação por meio de uma interação dedo-vulva ou dedo-ânus
existe se houver cortes ou machucados que possibilitem o contato entre o
sangue, havendo, assim, a probabilidade de transmissão de HIV e hepatite B ou
C. Lavar as mãos antes e depois de inserir o dedo, evitar a penetração de
dedos com machucados e usar luvas descartáveis são opções de segurança
extra.
Vibradores e bullets
O uso de brinquedos eróticos é sempre um artifício delicioso para incrementar
o sexo, mas também é uma prática que merece cuidados. Quando for
compartilhar seu sex toy com alguém, por exemplo, o ideal é que o brinquedo
esteja revestido por um preservativo e que este seja trocado a cada pessoa que
for utilizar.
Exames de rotina
Como vimos, para muitas práticas sexuais não existem métodos de barreira
eficientes. Para ser bem sincera, os métodos disponíveis mais eficazes ainda
são pensados exclusivamente para pessoas com pênis e suas possibilidades de
penetração. Por isso, alguns outros cuidados são necessários, como a
observação do próprio corpo em busca de algum sinal ou sintoma e a procura
por ajuda médica caso algo seja identificado.
No entanto, como já conversamos, a maior parte das infecções é
assintomática. Isso quer dizer que nem sempre vamos conseguir perceber
apenas observando nosso corpo. E é por esse motivo que consultas regulares à
sua médica ou ao seu médico e alguns exames rotineiros de rastreamento são
imprescindíveis.
Existem exames de sangue para pesquisa de HIV, sífilis e hepatites e alguns
testes que avaliam secreções para investigar clamídia e gonorreia. Além, claro,
do exame preventivo, chamado de papanicolau, que é coletado em pessoas
com útero para investigar alterações celulares que o HPV pode causar. Esses
exames devem, inclusive, ser realizados mesmo por mulheres que se
relacionam com outras mulheres, independentemente de existir ou não
penetração nas relações. Quais exames você vai precisar fazer e com que
frequência deve realizá-los são fatores a serem decididos junto com o
profissional de saúde que a acompanha.
Vacinação
HPV
Atualmente, existem duas vacinas aprovadas para proteger contra os
principais tipos de HPV. A bivalente protege da infecção pelos subtipos 16 e
18, que podem causar câncer de colo de útero. Já a quadrivalente, além desses
dois, protege também contra os subtipos 6 e 11, principais causadores de
verrugas genitais.
A vacinação pode ser realizada em qualquer idade, mas é especialmente
indicada para meninas e meninos jovens a partir de nove anos, antes de
iniciarem sua vida sexual. A vacina não trata infecções atuais, porém pode ser
tomada mesmo por pessoas que fazem tratamento ou já tiveram infecção pelo
HPV, pois pode proteger contra outros tipos de vírus HPV, além de prevenir a
formação de novas verrugas genitais e diminuir o risco de câncer.
Hepatite B
No Brasil, desde 2016 a vacinação contra a hepatite B está indicada para todas
as idades. Atualmente, ela costuma ser aplicada ainda na maternidade. Confira
se você já foi vacinada e, caso não tenha sido, converse com um profissional
para receber a imunização. A vacinação é a principal medida de prevenção
contra a hepatite B, sendo extremamente eficaz e segura.
Hepatite A
É importante mencionar que a hepatite A não entrou em nossa lista por não ser
considerada uma IST. Sua principal forma de transmissão é oral-fecal,
geralmente por alimentos ou água contaminada. Porém, é possível se
contaminar por meio de práticas como o anilingus, ou beijo grego. A vacina é
a melhor forma de profilaxia.
PrEP e PEP
Contracepção
Sabemos que nem toda relação sexual tem como objetivo final uma gravidez,
não é mesmo? Os métodos de contracepção existem justamente para reduzir o
risco de uma gestação não planejada. Embora eles tenham sido criados há
muitos anos e, desde então, venham se modernizando, ainda existe bastante
desinformação sobre o assunto. Vejo, por exemplo, que muitas mulheres
fazem a escolha dos seus contraceptivos com base na opinião de amigas ou de
profissionais da saúde, mas sem entender ou sequer conhecer o método.
Acredito que conhecimento e autonomia nas decisões sobre o nosso corpo são
extremamente essenciais, e, por isso, a seguir há uma breve introdução aos
métodos disponíveis para orientar você na escolha.
Antes, vale lembrar que cada organismo é único e pode reagir de maneira
diferente a cada método. Depois deste capítulo, munida de informações, o
ideal é que você tenha esse papo com a sua ou o seu profissional de saúde para
tomar a decisão final sobre o método contraceptivo ideal para você, ok?
Minipílulas
São as pílulas que contêm apenas um hormônio, a progestina, que nada mais é do
que uma progesterona sintética. Elas agem modificando o muco cervical, deixando-
o mais espesso e, portanto, dificultando a locomoção dos espermatozoides. Além
disso, alteram o endométrio (camada interna do útero) e, em alguns casos,
bloqueiam a ovulação. Costumam ser uma opção para quem tem contraindicação
ao uso de estrogênio.
A minipílula deve ser tomada todos os dias de maneira contínua (sem pausa), e pode
haver ou não algum sangramento menstrual. Tem alta eficácia se usada corretamente —
o que inclui um horário rigoroso, já que, se passar de três horas do momento em que
deveria ser ingerida, perde sua proteção.
Entre os principais efeitos colaterais possíveis estão alterações no ciclo menstrual, com
sangramentos de escape, dor de cabeça, sensibilidade aumentada nas mamas e
alteração no peso. Efeitos graves são raros.
Anel vaginal
É um anel de silicone que contém hormônios combinados que serão absorvidos
pela parede da vagina. É o método combinado com menor dosagem de estrogênio,
o que pode diminuir os efeitos colaterais e os riscos decorrentes do uso.
Tem alta eficácia se usado corretamente. Deve ser inserido na vagina pelo período de
três semanas. Depois, você pode optar por uma pausa de uma semana ou emendar um
novo anel.
Os efeitos colaterais e os riscos são semelhantes aos das pílulas combinadas, pois o
anel também contém estrogênio e progestogênio em sua composição.
Adesivo anticoncepcional
É um adesivo composto de hormônios combinados. Quando é colado na pele,
esses hormônios penetram no corpo, chegando à corrente sanguínea, e agem
bloqueando a ovulação, causando também alterações no muco cervical e no
endométrio.
A maneira correta de uso é a aplicação do adesivo em local limpo e seco do corpo,
realizando a troca uma vez por semana por 21 dias. Na sequência, há uma pausa de sete
dias. Por apresentar altas doses de estrogênio, o ideal é que essa pausa seja respeitada,
a fim de diminuir os efeitos colaterais e os riscos, que são semelhantes aos das pílulas
combinadas. É preciso ficar atenta ao local em que é colado, porque, se o adesivo se
soltar, pode ocorrer falha no método.
Injeção anticoncepcional
Existem dois tipos de injeções contraceptivas: uma contém hormônios combinados
(estrogênio e progestina), enquanto a outra contém apenas um hormônio
(progestina). A primeira deve ser aplicada mensalmente; já a segunda deve ser
aplicada a cada três meses.
Elas têm alta eficácia e a vantagem de não necessitarem do compromisso diário da
ingestão da pílula. Porém, é importante lembrar que a injeção contraceptiva pode
apresentar efeitos colaterais e que, depois de aplicada, seu efeito dura de um a três
meses. Pode causar sangramento irregular, ou mesmo ausência de sangramento, além
de aumento de peso — principalmente a injeção de um só hormônio.
Implante subcutâneo
Trata-se de um pequeno bastão de plástico flexível inserido no braço que contém o
hormônio progestina, o qual é liberado de maneira constante, lenta e em pequenas
doses para todo o corpo. O hormônio impede a ovulação e deixa o muco cervical
mais espesso, dificultando a movimentação dos espermatozoides.
A inserção é feita por uma médica ou um médico, com anestesia local para aliviar a dor
do procedimento. O implante é colocado embaixo da pele, na parte interna do braço.
Depois disso você não precisa mais se preocupar, pois o implante libera hormônios por
até três anos. Portanto, é uma boa alternativa para mulheres que desejam um método
anticoncepcional confiável e de longa duração.
Outro ponto positivo é que o implante não contém estrogênio, o que diminui os riscos
relacionados a esse hormônio. Seu principal efeito colateral relatado é o sangramento
irregular. Algumas mulheres também relatam ganho de peso e dor nos seios.
Diafragma
É um disco flexível e abaulado, com borda flexível, feito de borracha de látex ou
silicone. Deve ser colocado no canal vaginal antes da relação sexual. O diafragma
recobre o colo do útero e funciona como uma barreira simples, impedindo que os
espermatozoides cheguem ao útero.
Antes de começar a usar esse método, uma médica ou um médico deve fazer uma
medição inicial para determinar o tamanho adequado do diafragma a ser introduzido, mas
depois disso você mesma poderá colocá-lo antes das relações sexuais. Tem uma boa
eficácia, a qual melhora ainda mais com o uso de espermicida, um gel que tem
propriedades químicas que paralisam os espermatozoides. Seu diferencial é que pode
tanto ser algo de última hora quanto planejado, já que o dispositivo pode ficar inserido por
até 24 horas. Após a relação, é importante deixá-lo por pelo menos seis horas dentro do
corpo. Sempre é bom lembrar que o diafragma não oferece proteção contra ISTs.
Esponja
A esponja é um pequeno disco de espuma de látex que contém espermicida e é
colocada no colo do útero para evitar a gravidez. Também pode ser deixada dentro
da vagina por até 24 horas. Antes de usar, deve ser mergulhada em água para a
liberação do espermicida. Uma vez dentro do corpo, precisa ser colocada o mais
fundo possível até cobrir o colo do útero, bloqueando, assim, o acesso dos
espermatozoides. Essa opção também não protege de ISTs.
Métodos comportamentais
Coito interrompido
Esse método consiste na retirada do pênis da vagina antes da ejaculação. O coito
interrompido exige muito autocontrole e confiança; por isso, é um método
anticoncepcional pouco confiável. A pré-ejaculação, ou “pré-gozo”, contém alguns
espermatozoides, e, portanto, mesmo com a retirada do pênis antes da ejaculação,
ainda há chance de gravidez. Por esse motivo, sua médica ou seu médico
provavelmente não recomendaria o coito interrompido como um método
anticoncepcional eficaz.
Tabelinha
É um método rítmico, ou seja, que usa a contagem de dias para prever a ovulação
com o objetivo de evitar o sexo em dias férteis. Além do dia da ovulação, deve-se
evitar relações três dias antes e três depois. Um dos problemas com a tabelinha é
que ela é baseada na teoria de que o ciclo menstrual sempre dura 28 dias, com a
ovulação ocorrendo no 14o dia. Acontece que muitas pessoas não têm ciclos de 28
dias. Além disso, os ciclos podem variar segundo alguns fatores, como o estresse,
por exemplo, o que diminui a eficácia do método.
DIU de cobre
O dispositivo intrauterino (DIU) é um pequeno dispositivo em forma de T que
contém um fio de cobre. Em vez de hormônios, o DIU de cobre gera uma resposta
inflamatória no corpo criando um ambiente desfavorável para o esperma. Caso um
espermatozoide consiga passar, o cobre impede que o óvulo fertilizado seja
implantado no revestimento do útero. É um método muito eficaz e deve ser
colocado por um profissional de saúde habilitado. Uma vez que esteja dentro do
útero, oferece proteção por cinco a dez anos, dependendo do modelo. Pode ser
colocado inclusive em mulheres que nunca tiveram filhos. Não há alterações
hormonais, então você continuará ovulando. Um ponto negativo é que algumas
pessoas que o utilizam apresentam um aumento no fluxo menstrual e nas cólicas,
mas isso costuma diminuir com o tempo.
Esterilização cirúrgica
Existem dois procedimentos cirúrgicos considerados métodos contraceptivos
permanentes: a laqueadura tubária e a vasectomia.
A laqueadura tubária é um procedimento cirúrgico que fecha, corta ou remove partes
das tubas uterinas. Todos os meses nossos ovários liberam óvulos, que se locomovem
pelas tubas por alguns dias até chegarem no útero. Nesse processo, se um
espermatozoide encontra o óvulo, ocorre a fecundação. A realização da laqueadura
bloqueia esse trajeto, impedindo que óvulo e espermatozoide se encontrem. De acordo
com a legislação brasileira, o procedimento pode ser realizado em mulheres com pelo
menos dois filhos vivos ou maiores de 25 anos — portanto, diferentemente do que diz o
senso comum, ela também pode ser realizada naquelas que não tiveram gestação. O
procedimento é, em geral, seguro, embora, como qualquer cirurgia, possa ter algumas
complicações. A principal vantagem é ser um método altamente eficaz que dura para
sempre.
usam o método corretamente e todas as vezes que fazem sexo (ou seja, usuários perfeito
usam o método corretamente, mas nem todas as vezes que fazem sexo;
usam o método todas as vezes que fazem sexo, mas nem sempre corretamente;
não usam o método corretamente nem todas as vezes que fazem sexo.
E, para finalizar essa conversa extensa mas essencial, vamos de mitos e
verdades sobre métodos contraceptivos?
Mito ou verdade?
Pílula engorda
Verdade parcial
Em geral, não engorda. O que pode acontecer é um aumento na retenção de
líquido, sobretudo no começo do uso, que leva ao aumento de alguns quilos na
balança. Outro fator é que a pílula aumenta no corpo uma proteína chamada
SHBG, que diminui a testosterona livre do corpo. Sabemos que a testosterona
age no ganho de massa magra e que essa, por sua vez, aumenta o
metabolismo, o que ajuda na perda de peso. Ou seja, pode existir, sim, alguma
influência indireta, mas é sempre bom avaliar caso a caso. Algo muito comum
de acontecer é a pílula nos acompanhar por muitos anos da nossa vida e,
durante esse tempo, nosso corpo mudar naturalmente devido a outros fatores,
como alimentação, idade, prática de exercício etc. Assim, é sempre bom ficar
de olho nesses fatores antes de culpar a pílula.
***
Por fim, espero que este capítulo tenha ajudado você a compreender um pouco
o universo da prevenção, tanto das ISTs quanto da gravidez indesejada. Sexo é
um evento delicioso, mas deve ser feito com responsabilidade. Não tenha
medo de conversar com parceiros(as) sobre o assunto. Não há nada de
vergonhoso ou chato nisso. Se proteger é seu direito e um ato de amor-próprio.
Não aceite pressão para nenhum tipo de sexo que a deixe desconfortável.
Escolha o melhor ou os melhores métodos que se adaptem ao seu estilo de
vida e às suas práticas sexuais e viva sua sexualidade com plenitude.
Sarah
chega ao meu consultório com a reclamação
de que não tem nenhuma fantasia sexual. Diz
que, recentemente, numa conversa de bar
com as amigas, ouviu-as descrever desejos
secretos, contar histórias excitantes sobre a
realização desse ou daquele fetiche. Sente
que há algo de errado, já que não tem
lembrança de, algum dia, ter deixado a
imaginação erótica correr solta dessa forma.
Seu pedido de ajuda é para entender se isso
significa baixa libido.
Fantasias sexuais. Basta colocar o assunto na mesa para que ele gere
diferentes tipos de reações — da excitação à ansiedade, da vergonha ao
medo. Apesar das opiniões todas, há um fato consumado: estimular os cinco
sentidos durante o sexo garante mais chances de prazer. Mas, se você
convida a imaginação para entrar no jogo, as coisas podem melhorar (e
muito!).
MÉNAGE
Quase 90% dos entrevistados relatam o desejo de se relacionar com mais de
uma pessoa ao mesmo tempo. É, de fato, uma fantasia muito comum, que,
em geral, envolve o(a) parceiro(a) e mais uma pessoa. Homens
heterossexuais revelaram preferir o sexo a três com uma segunda mulher,
enquanto mulheres héteros não demonstraram preferência por gênero.
Fantasiar com uma terceira pessoa no sexo não significa insatisfação
com o relacionamento. O que parece atrair as pessoas para essa dinâmica é
a ideia do “prazer em dobro” — e até mesmo a oportunidade de ver seu
parceiro ou parceira recebendo prazer de outra pessoa ou proporcionando
prazer a ela.
É possível interpretar um papel ou apenas imaginar uma terceira pessoa;
mas, caso deseje transformar a fantasia em realidade, alguns pontos
merecem atenção. Essa é uma prática que pode esbarrar em questões de
ciúmes e inseguranças, portanto jamais deve ser usada como uma tentativa
de “salvar” um relacionamento. O ideal é que seja realizada em um
momento de muita cumplicidade, em que todas as partes estejam se
sentindo desejadas e, claro, querendo realizar a fantasia. Participar de um
ménage apenas para agradar o outro abre espaço para mágoas e
ressentimentos que podem acabar com a relação.
Antes, é necessário muito diálogo sobre regras, o que pode ou não
acontecer, quais os limites e como pretendem agir antes, durante e depois
em relação à terceira pessoa envolvida.
SWING
Conhecido popularmente como troca de casais, é uma prática de sexo em
grupo em que casais interagem sexualmente entre si. Se vai rolar beijo na
boca, penetração, se todos vão se envolver ou apenas “trocar” de parceiro,
isso depende de casal para casal. É uma fantasia frequente, que pode ser
colocada em prática em clubes especializados ou em festinhas particulares
com amigos.
Quando realizado, o swing pode ser uma excelente opção para aumentar
o tesão e estreitar os laços dos casais, mas vale o conselho dado
anteriormente: estabelecer limites e conversas sobre o assunto é essencial.
CUCKHOLDING/CUCKQUEANING
Dentro desse universo, existe uma fantasia que ainda é tabu, mas vem
crescendo nos últimos tempos, liderando rankings de pesquisa sobre o tema
na internet. O chamado “cuckholding”, ou “cuckqueaning”, é popularmente
conhecido entre os praticantes como “fetiche do corno”. Nessas práticas, a
pessoa libera seu parceiro ou parceira para encontros sexuais desde que
possa assistir ou ouvir sobre o encontro depois. Diferentemente de uma
traição, aqui há consentimento entre todas as partes, e, assim como em
outras fantasias, os limites devem ser bem estabelecidos e acordados entre
todos os participantes, inclusive a terceira pessoa.
B – BONDAGE
Envolve a obtenção de prazer por meio da restrição física, usando cordas,
algemas, fitas ou outros objetos. No BDSM, é a fantasia mais comum, com
uma dinâmica de poder em que uma pessoa cede total controle do seu corpo
à outra.
D – DISCIPLINA E DOMINAÇÃO/SUBMISSÃO
É também uma dinâmica de controle, porém psicológico. Quem está no
comando tem o poder de mandar no disciplinado, definindo o que ele pode
dizer ou fazer. Caso as ordens e os comandos não sejam cumpridos, o
(in)disciplinado recebe uma punição.
A dominação é a obtenção de prazer por meio do poder e do controle
sobre outra pessoa. Esse controle pode ser também físico, além de
psicológico, podendo ou não envolver bondage e disciplina. Em nossa
cultura, as mulheres são privadas dos papéis de poder, tanto dentro quanto
fora do quarto, por isso estar no comando parece extremamente excitante
para muitas.
Já a submissão, o outro lado da dominação, tem a ver com permitir que
outra pessoa tenha controle sobre você, podendo ou não incluir castigos
físicos e humilhações. Essa costuma ser uma fantasia comum entre pessoas
com cargos altos, que exigem tomadas de decisões constantes. Tem a ver
também, muitas vezes, com a perda do controle, a entrega e a sensação de
“desligamento” da parte mais racional.
Algumas pessoas podem variar entre essas fantasias, dependendo dos
relacionamentos em que estiverem ou, ainda, das fases de sua vida. Isso
quer dizer, portanto, que é possível que alguém goste de dominar e de ser
dominado, a depender da situação.
SM – SADISMO E MASOQUISMO
Sadismo e masoquismo se referem, respectivamente, à obtenção de prazer
provocando ou recebendo dor. Isso pode se dar por meio de inúmeras
práticas, como tapas, mordidas, chicotadas, uso de grampos nos mamilos,
entre outras. A maioria das pessoas assume um desejo por dores fracas ou
moderadas.
MAS POR QUE ALGUMAS PESSOAS
SENTEM PRAZER NA DOR?
Estudos indicam que a dor, seja ela física ou psicológica, causa um efeito de
mindfulness, ou seja, foco no aqui e agora, fazendo com que seja possível se
concentrar nas sensações imediatas e permitindo a experimentação com mais
intensidade, inclusive do prazer sexual.
Todas essas opções de práticas podem se tornar realidade caso seja sua vontade,
porém alguns cuidados devem ser tomados: é imprescindível conversar sobre a
cena, o que os envolvidos ou as envolvidas desejam fazer e, principalmente, quais
serão os limites. É importante também determinar uma palavra de segurança, que
será usada caso desejem encerrar alguma ação. Evoluam gradativamente cada
prática, avaliando e reavaliando os limites a cada passo, e evitem o uso de álcool
ou outras substâncias que possam atrapalhar a tomada de decisões.
NOVIDADE/AVENTURA
Um mesmo estímulo, quando repetido diversas vezes, cria o que chamamos
de fenômeno de habituação, ou seja, nos acostumamos com o estímulo, que
passa, então, a provocar reações menos intensas. Isso acontece também no
sexo. Seguir o mesmo script sempre, a famosa “rotina”, pode impactar o
desejo sexual. Desse modo, a procura por novidades ou aventuras também é
uma fantasia comum.
Nessa categoria, estão inclusas posições sexuais diferentes e práticas
sexuais que não são habituais para a pessoa. Pode ser sexo oral, sexo anal
ou, quem sabe, um 69. O uso de sex toys também aparece como fantasia
frequente de quem deseja apimentar o sexo, assim como transar em lugares
inusitados. No quesito lugares públicos, ao que tudo indica, não é o lugar
em si que importa tanto — embora alguns sejam mais frequentes no
imaginário, como banheiro de avião, elevadores e praias —, mas o
afrodisíaco da adrenalina, o risco de ser pego no flagra no meio do ato.
Contudo, na prática, esbarramos em outro tipo de falta de consentimento: a
de quem “pega” a cena no flagra, pois as pessoas que podem vir a passar
pelo local em que a relação está ocorrendo não foram questionadas se
gostariam ou não de ser expostas a cenas de sexo. Assim, é melhor deixar
essa fantasia só para o âmbito da imaginação.
EXIBICIONISMO/VOYERISMO
O exibicionismo consiste no desejo de ser observado enquanto expõe partes
íntimas ou pratica algum ato sexual. Diferentemente do sexo em locais
públicos, em que o tesão está no risco de ser visto, aqui estamos falando de
pessoas que sabem que estão sendo observadas e se excitam com isso. No
outro polo está o voyerismo, o ato de observar pessoas em situações
sexuais. Essas duas práticas podem ser saudáveis e naturais, desde que
exista consentimento entre todas as partes.
ROMANCE
Ao contrário do que se imagina, fantasias nem sempre são ideias
mirabolantes ou que fogem das convenções sociais. Muitas incluem
romance, paixão e intimidade. A necessidade de pertencimento, o desejo de
criar vínculos e se conectar com outras pessoas é algo corriqueiro entre os
seres humanos. Por isso, fantasiar sobre se sentir amado e conectado com
alguém é mais comum do que pensamos.
Lugares românticos, como praias desertas, cenas envolvendo velas e
flores e, principalmente, muita intimidade, paixão, atração e conexão são
relatados nesse tipo de fantasia. E esses são apenas alguns exemplos, mas é
válido lembrar que cada um de nós tem suas próprias necessidades
emocionais e psicológicas, que podem, inclusive, variar em diferentes
momentos.
***
Se você tem uma fantasia que não está listada acima, isso não quer dizer
que você tenha algum problema. Nossa mente pode nos levar a muitos e
muitos lugares, e a imaginação não tem limite. Lembre-se: fantasias não são
ações, então está tudo bem pensar em coisas que habitualmente você não
faria.
Caso deseje tornar alguma fantasia realidade, há somente uma regra
básica: CONSENTIMENTO. Há uma segunda importantíssima também: mais
CONSENTIMENTO. Se todas as partes forem adultos capazes de decidir por
suas ações, conscientes e concordantes com tudo que vai acontecer, aí sim,
é só alegria. Para isso, é necessária muita conversa, e é justamente nesse
ponto que esbarramos em uma dúvida costumeira:
Se você terminar essa nossa conversa com uma sensação estranha de que
não tem nenhuma fantasia, tal qual a paciente do começo deste capítulo,
saiba que você foi moldada para isso: uma vida sexual todinha sem se sentir
desejante, apenas desejável. Que tal tirar um tempo para, pouco a pouco,
desconstruir essa ideia? Pode ser na masturbação ou em outro momento de
relaxamento. Autorize sua mente a viajar por lugares, situações, práticas e
possibilidades que estimulem seu desejo. Pode parecer difícil no começo,
mas, aos poucos, tudo flui. Leia contos eróticos, faça anotações. Entre em
contato com suas fantasias, sem julgamentos, sem censura, sem vergonha.
Lembre-se de que tudo é possível — de ideias mirabolantes a planos
simples. O importante, mesmo, é abrir as portas da imaginação.
Júlia,
35 anos, chega ao meu consultório muito
chateada. Tem um novo namorado, com quem
foi morar há pouco. Mas as transas têm sido
bastante desconfortáveis: ele só consegue ter
ereção após assistir pornografia. Isso não
ficava tão evidente antes de morarem juntos,
mas ele revelou que já agia assim. Júlia
começou a pensar que o problema só poderia
estar nela, no seu corpo, na forma como
transa e se expressa na cama. Assim, ela
acaba se comparando com as atrizes pornôs e
acredita que ele também. Sua autoestima está
péssima e, apesar de terem relações
regularmente, ela sofre com a falta de
conexão.
…
Quando pensamos em pornografia, muitas vezes associamos à ideia de
prazer, mesmo que apenas pelo senso comum pelo qual somos guiados. Em
geral, a pornografia traz, sim, prazer a quem a consome, porém isso ocorre
num primeiro momento, com uma satisfação rápida, que vai embora na
mesma velocidade com que veio. Muitas pessoas relatam essa experiência
se referindo ao sentimento de vazio que surge depois do orgasmo atingido
com o “auxílio” de um vídeo pornô.
E esse vazio é, na verdade, um indício dos problemas inerentes à
pornografia, de ambos os lados da tela — tanto no seu consumo quanto na
sua produção. Atrizes e atores, consumidoras e consumidores, mais cedo ou
mais tarde, todos são afetados negativamente. Só quem ganha com essa
indústria são aqueles que a dominam economicamente. Entre os problemas
decorrentes dela, é fácil identificar o comportamento obsessivo, a
estereotipação dos corpos, principalmente femininos, a perpetuação do
machismo, dificuldades sexuais, como disfunção erétil, por exemplo, entre
muitos outros que veremos ao longo deste capítulo.
Cada vez mais, a prática clínica e as pesquisas evidenciam os danos
causados pela pornografia. Desprovida de espaços seguros e saudáveis para
conversas sobre sexualidade — que normalmente não existem nem nas
escolas, nem nos lares —, a esmagadora maioria dos meninos, adolescentes
e homens recorre à (des)educação sexual proporcionada pelo pornô. A
pornografia é um desserviço à educação sexual — e esse é um ponto
indiscutível. O que os jovens aprendem, quando recorrem ao pornô como
fonte educativa primária, são construções sexistas, estereotipadas em
relação ao gênero e deturpadas quanto à sexualidade.
É importante esclarecer que, neste capítulo, tratamos basicamente da
pornografia heterossexual, porque ela é majoritária entre as produções.
Porém, nas palavras de Raisa Duarte da Silva Ribeiro, especialista no tema,
“a pornografia contempla diversas espécies, classificadas, por exemplo, em
hard core, soft core, heterossexual, gay, lésbica, bissexual, transexual, teen,
entre outras”, e “todas estas
modalidades de pornografia, apesar de conterem suas peculiaridades,
possuem traços comuns essenciais: todas elas estão compreendidas dentro
de um contexto de supremacia masculina”.
Antes de nos aprofundarmos no assunto, vamos contextualizar um
pouquinho a história dessa indústria.
Dos vocábulos gregos “pornos” (prostituta) e “graphô” (escrever,
gravar), a palavra pornografia originalmente significa “escritos sobre
prostitutas”. Depois, segundo o historiador Sarane Alexandrian, passou a
representar tudo aquilo que descrevia relações sexuais sem amor, e
atualmente sua definição é “qualquer coisa (arte, literatura etc.) que vise
explorar o sexo de maneira vulgar e obscena”, referindo-se ao “caráter
obsceno de uma publicação”, segundo o dicionário Michaelis.
Os seres humanos gostam de textos e imagens sobre sexo e nudez desde
a Antiguidade, por isso é difícil especificar quando e onde isso começou, já
que muitas culturas têm esses elementos muito presentes em sua história.
Imagens eróticas já eram muito comuns, por exemplo, na Grécia e na Roma
Antiga. A cultura indiana, mundialmente reconhecida por suas
representações de sexo, foi berço do Kama Sutra, publicado pela primeira
vez no século III e encontrado até hoje em diversas publicações e até mesmo
em produtos eróticos.
Mas essa folia toda não durou pra sempre. Essas representações
praticamente sumiram já no início da Idade Média, conhecida como Idade
das Trevas. Nesse período, como vimos anteriormente, o pensamento
cristão propagou com força a ideia da luxúria como um pecado capital, e a
Inquisição usou todos os recursos possíveis para punir aqueles que se
comportassem fora dos seus parâmetros.
Depois veio o Renascimento, quando a nudez voltou a aparecer nas
obras de arte. Passamos por um novo período de repressão, com a Reforma,
e então vieram o Iluminismo e o Marquês de Sade. Autor de 120 dias de
Sodoma e Os crimes de amor, que retratavam práticas sexuais brutais da
época, Sade é um ícone da pornografia. Ele acabou preso, acusado de
estuprar e açoitar uma mulher de 36 anos e participar de orgias com
flagelações.
A partir de meados do século XIX, mais especificamente nos anos 1970,
com o surgimento das máquinas fotográficas e das impressoras, a
pornografia como conhecemos hoje começou a tomar forma. As
publicações com fotografias de mulheres nuas e relatos eróticos
encontraram terreno fértil para se desenvolver, com revistas, livros e
livretos vendidos nas bancas e escondidos em casa.
Com a evolução da tecnologia, o cinema surgiu e também entrou no
jogo. De cenas de striptease feminino a sexo explícito, o leque de
produções pornográficas aumentava. E, claro, não preciso nem dizer que
tudo isso era destinado exclusivamente aos homens. As fitas de
videocassete eram o refúgio dos amantes da pornografia, que podiam
assistir aos filmes em casa, com privacidade. E foi exatamente com o
surgimento do vídeo que o pornô passou a ser produzido em larga escala.
Com a chegada da internet, nos anos 1990, mais especificamente a
banda larga, nos anos 2000, o acesso se tornou ainda mais fácil, pois as
pessoas já não precisavam ir até a locadora e passar pelo constrangimento
de alugar um filme pornô. Na década de 2010, com a popularização dos
smartphones, o acesso à pornografia foi potencializado, saindo do âmbito
privado (no computador de casa, por exemplo), e ela passou a poder ser
acessada de qualquer lugar e a qualquer momento (no ônibus, na aula, em
reuniões etc.).
Assim, gerações de espectadores aprenderam a se relacionar
sexualmente formados pelo que assistiam em produções pornográficas
extremamente irreais. Só no Brasil, segundo uma pesquisa realizada pelo
canal Sexy Hot, são mais de 22 milhões de consumidores.
Atualmente, a indústria pornográfica é uma das mais poderosas e
lucrativas do mundo. Segundo dados de 2020 do documentário Brain,
heart, world [Cérebro, coração, mundo], em todo o mundo sua
movimentação financeira é de 97 bilhões de dólares ao ano, com mais
tráfego em sites pornôs do que na Amazon, na Netflix e no Twitter juntos!
Gail Dines,
***
O amor romântico
ANARQUIA RELACIONAL
É uma maneira de viver em que há rejeição às hierarquias e respeito à
autonomia, à vivência das relações sem preocupação com modelos impostos.
É parecida com a RLI, mas pautada na ideia de aplicar os princípios da
anarquia a todas as relações.
AMOR LIVRE
Este modelo rejeita convenções e rótulos impostos por instituições como o
Estado ou a Igreja. Parte da liberdade individual e acredita no afeto sem
posse, controle ou nome.
Este capítulo tem como intenção apresentar uma breve introdução aos
questionamentos sobre monogamia e nossas possibilidades de amar. É um
tema que rende muitas discussões. Atualmente, há quem considere e estude a
não monogamia como um tema político que esbarra em questões de gênero,
raça e sexualidade. Ao final deste livro, nas referências, você encontrará
informações de mais materiais para se aprofundar no tema.
Rita
chega até mim para uma consulta rotineira. Já
é minha paciente há cinco anos. Durante
nossa sessão, conta que tem sentido vontade
de experimentar novas possibilidades na
cama, mas não consegue comunicar ao
parceiro, com quem é casada há mais de dez
anos. Relata não saber nem como começar a
conversa e diz que teme, também, que suas
ideias sejam rejeitadas ou ridicularizadas.
…
…
Nós sabemos bem que o caso de Rita não é isolado. Vimos, ao longo do livro,
que a sexualidade, principalmente a feminina, foi construída em cima de
inúmeros tabus muito consolidados na estrutura sociocultural. Falar de
sexualidade é sempre difícil, seja em conversas dentro de casa, nos círculos
sociais, nas escolas e até nos consultórios médicos. Por ser um assunto velado,
sobre o qual ouvimos e falamos muito pouco ao longo da nossa vida, não
aprendemos a refletir sobre ele, e menos ainda a torná-lo um tema de diálogo.
Por isso é tão comum vermos casais, trisais e afins que não sabem nem por onde
começar a desenvolver uma conversa transparente sobre sexo.
Não precisamos ir muito longe para notar como isso é real. Pare e pense um
pouco: você comunica o que quer com facilidade? Consegue apresentar suas
fantasias sem ficar nervosa ou sentir vergonha?
As mulheres raramente são incentivadas a expressar com assertividade
aquilo que querem. Em qualquer esfera de vida, somos induzidas a adotar uma
postura de passividade. Nem preciso dizer que, em se tratando de sexualidade,
isso se multiplica por mil, já que o assunto, sempre vetado para nós, é tratado
como algo que não nos pertence. O lugar da mulher na sociedade sempre foi o
de “desejada”, nunca o de “desejante”, portanto nunca tivemos a chance de
comunicar o que queremos, o que nos dá prazer, seja porque simplesmente não
sabemos efetivamente, já que sempre fomos privadas desse assunto, seja por
vergonha ou mesmo por medo de como isso seria interpretado; afinal, uma
mulher que fala sobre sexo provavelmente não cabe na caixinha de “boa moça”
em que a sociedade vive tentando mantê-la.
Diante disso, proponho que você tire o tempo da leitura deste capítulo para
pensar como está a sua comunicação sobre sexo. Você consegue dizer NÃO
quando se sente desconfortável, incomodada, invadida ou desrespeitada?
Consegue impor a sua posição com assertividade? Uma comunicação efetiva
não é aquela que serve apenas para avisar sobre desejos, mas também a que
serve para pontuar limites. E é também por isso que ela é tão importante.
CNV
A comunicação não violenta é uma abordagem de comunicação, criada pelo psicólogo
norte-americano Marshall Rosenberg, que tem como objetivo estimular a compaixão e a
empatia (por conta disso, também é chamada de comunicação empática).
Segundo Rosenberg, nossa sociedade está constantemente nos ensinando estratégias
violentas — sejam elas verbais ou físicas — e, quando estamos em um ambiente que
estimula a competitividade, a dominação e a agressividade, tendemos a nos comportar
violentamente. E o inverso também acontece, nós temos a propensão de agir com mais
empatia e generosidade em ambientes acolhedores.
Portanto, se estivermos dispostos a mudar nossa forma de comunicação, muito
provavelmente conseguiremos promover mudanças no nosso círculo familiar,
profissional e social. Para que a comunicação não violenta ocorra, Rosenberg explica
que os praticantes precisam se concentrar em quatro componentes:
1. OBSERVAÇÃO
Em primeiro lugar, é necessário observar o que realmente está acontecendo em
determinada situação. O segredo é fazer essa análise sem criar juízo de valor ou buscar
determinar o que é certo ou errado. Tente apenas compreender o que você gosta ou não
no que está acontecendo e no que o outro faz. Tente olhar para a situação como se
você fosse uma câmera e pudesse apenas gravar um vídeo daquilo que observa.
2. SENTIMENTO
Agora, depois de observar, tente entender qual sentimento a situação desperta em você.
Como aqueles fatos afetam as suas emoções? Busque dar nome ao que você sente,
por exemplo: mágoa, medo, felicidade, raiva etc. Além disso, é importante saber a
diferença entre o que se sente e o que se pensa ou interpreta.
3. NECESSIDADES
Após compreender qual sentimento foi despertado, é preciso reconhecer as
necessidades que estão relacionadas a ele. Rosenberg ressalta que, quando alguém
expressa suas necessidades, a possibilidade de que elas sejam atendidas é maior.
Então, pergunte-se: qual a minha necessidade frente a esse sentimento? Qual
necessidade não foi atendida e me deixou frustrada? As respostas que você vai
encontrar têm de ser nesse sentido: necessidade de apoio, necessidade de cooperação,
de atenção, de ser ouvida etc.
4. PEDIDO
Por fim, faça um pedido claro, específico, explicando como o outro pode contribuir para
atender às suas necessidades. Marshall sugere o uso da linguagem positiva, em forma
de afirmação, para fazer o pedido. Ele indica, ainda, que o pedido seja feito após deixar
claro o que você observou, como se sentiu e por que (necessidades) aquilo é importante
para você. Evitar frases abstratas, vagas ou ambíguas ajuda a não gerar confusão e a
não despertar outras reações no outro quando for atender, ou não, ao seu pedido.
Vamos aplicar os quatro componentes em um exemplo:
“Ontem, durante o jantar, você ficou no celular enquanto eu falava com você
(observação), e isso me fez sentir frustrada (sentimento) porque sua atenção é
importante pra mim e eu preciso dela (necessidade). Você pode evitar ficar no celular
quando estivermos conversando (pedido)?”.
Consentimento
CONSENTIMENTO
Consentimento sexual é a concordância, a permissão, o acordo em participar de alguma
atividade sexual. Para ser válido, deve ser:
Dado livremente: consentimento é uma escolha que você deve fazer sem pressão e sem
manipulação. Ceder não é querer, e convencimento não é consentimento.
Consciente: concordar sob qualquer influência que impeça a consciência, como esta
embriagada ou entorpecida por qualquer substância, não é consentimento.
Reversível: você pode mudar de ideia sobre algo que consentiu a qualquer momento
Qualquer hora é hora. Não há tempo certo para dizer “não”. Mesmo que já tenha
permitido antes, mesmo que já tenha começado a transar e, do nada, não queira mais
Independentemente do motivo ou do gatilho, essa é uma decisão que cabe somente a
você. É direito seu.
Específico: dizer "sim" para uma coisa não quer dizer que você concordou com todas as
outras. Você pode, por exemplo, ter concordado com a troca de beijos e carícias, mas
não querer penetração. Assim, é importante que o acordo seja constantemente
renovado.
Atual: o consentimento se restringe apenas ao ato sexual específico naquele momento
e não a quaisquer atos sexuais posteriores. Ou seja, ter vontade de transar uma vez não
significa que você vai querer transar outras vezes, mesmo que esteja em um
relacionamento.
Pleno: para que a concordância exista, não deve haver espaço para ambiguidade. Ela
deve ser expressada claramente, não se pode deduzir que houve consentimento porque
a resposta foi o silêncio, a dúvida, ou a ausência de um "não".
Entusiasmado: quando se trata de sexo, você só deve fazer aquilo você deseja, não o
que é cobrado ou o que você acha que é esperado de você.
Educação sexual
Não consigo imaginar um tema melhor para encerrar este capítulo. A educação
é um dos pontos-chave da comunicação, já que por meio dela, fornecemos
ferramentas para que as pessoas aprendam sobre seus corpos, seus desejos e
seus limites, e, assim, possam falar sobre eles.
Ainda há um enorme equívoco social acerca da educação sexual, e muitas
pessoas se colocam contra ela. Isso acontece especialmente devido a alguns
mitos que circulam sobre o assunto: de que o propósito seria ensinar sexo para
crianças, de que influenciaria diretamente na orientação sexual de crianças e
adolescentes e, por fim, de que incentivaria jovens a iniciar sua vida sexual
precocemente.
Antes de mais nada, algumas verdades precisam ser pontuadas:
EDUCAÇãO SEXUAL
Proposta para uma educação sexual efetiva e de
qualidade
Os profissionais envolvidos devem estar convencidos da importância da proposta,
habilitados, usar informações e materiais apropriados e seguir as orientações técn
internacionais sobre educação em sexualidade, uma vez que não se deve repassar s
comum ou opiniões pessoais dos educadores.
Os tópicos devem ser abordados respeitando o desenvolvimento biopsicossocial e a capacid
de absorção de informações de cada faixa etária, para que nenhuma criança ou adolesc
receba informações que não está apto a absorver. Por exemplo, uma criança de 4
certamente não está pronta para ouvir sobre infecções sexualmente transmissíveis, mas
ser ensinada sobre partes do corpo e saber que nenhuma criança ou adulto tem o direit
tocar suas partes íntimas, sendo orientada sobre quem pode ajudar caso isso aconteça.
A ideia não é falar sobre sexo, mas sobre sexualidade — um conceito muito mais amplo
envolve diversas questões como:
Anatomia: conhecer e saber nomear cada parte do corpo e como ele se transforma
nas diferentes fases (como na puberdade) e aprender como cuidar da saúde,
incluindo a saúde íntima.
Consentimento: olha ele aí. Temos a oportunidade de conscientizar, desde muito
cedo, sobre os limites do próprio corpo e os do corpo do outro. Ensinar a dizer “não”
quando deixa desconfortável e a respeitar o “não” alheio.
Reprodução: explicações sobre o ciclo reprodutivo, menstruação, métodos
contraceptivos e como prevenir uma gestação não desejada.
Infecções sexualmente transmissíveis: ensinar quais são, como ocorre o contágio
e como se prevenir.
Gênero: discussões sobre papéis de gênero são essenciais, e hoje são muito
engessados. Os famosos “coisa de menina” e “menino não chora” acabam reforçando
comportamentos machistas e promovendo desigualdades e ideais de masculinidade
tóxica, o que perpetua violências e impede um desenvolvimento pleno com base em
expectativas e desejos pessoais. Por exemplo, se uma menina quer jogar bola ou um
menino quer aprender a cozinhar. Essas convenções não cabem mais em nossa
sociedade, por isso deve-se estimular crianças e adolescentes a terem um olhar
crítico sobre elas.
Relacionamentos: sejam familiares, de amizade, afetivos ou sexuais. É importante
pontuar que famílias podem ser compostas de diferentes formas, e todas são
importantes e devem ser reconhecidas, valorizadas e ter seus direitos garantidos.
Explicar que relacionamentos são interações que podem ter como base a amizade e
o afeto, mas também podem envolver conflitos e desacordos, e por isso é importante
impor limites.
Diversidade: A diversidade sexual existe, e não falar sobre ela resulta em
desconforto, preconceito, discriminação e violência. Conhecer essa diversidade não
vai moldar a orientação sexual de ninguém! Se referências fossem capazes de
construir uma sexualidade, todo mundo seria hétero, já que tudo que existe nos
filmes, na mídia etc. são referências heterossexuais.
Promover conhecimento e discussão sobre gênero e orientação sexual não é uma
tentativa de incentivar decisões, mas uma garantia de autonomia para que elas sejam
feitas de acordo com sua orientação e sua identidade sexual, sem direcionamentos,
antecipações ou atrasos, além de minimizar preconceitos e violências que permeiam
nossa sociedade.
Violência sexual e violência de gênero: explicar o que é abuso/violência sexual e
violência de gênero, sejam praticados por pessoas adultas, jovens, adolescentes e
pessoas em posições de autoridade, quais são as formas de abuso, como se proteger
e como procurar ajuda se alguma coisa acontecer.
Muitos outros temas podem ser abordados, como imagem corporal e autoestima, tolerância,
respeito e solidariedade, habilidades de comunicação, recusa e negociação, além das diversas
maneiras de expressar a sexualidade. Na idade adequada, falar inclusive sobre atividade sexual
e prazer.