Jeziane Sentença

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Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais

PJe - Processo Judicial Eletrônico

15/02/2024

Número: 5011159-58.2023.8.13.0114
Classe: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 2ª Vara Cível da Comarca de Ibirité
Última distribuição : 03/08/2023
Valor da causa: R$ 42.776,76
Assuntos: Cartão de Crédito
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Advogados
BANCO BRADESCO S.A. (AUTOR)
ANDRE NIETO MOYA (ADVOGADO)
JEZIANE TENENTE ROCHA CERQUEIRA (RÉU/RÉ)
CHRISTIAN FERNANDES PENIDO (ADVOGADO)
CRISTIANE CARLA FERNANDES PENIDO (ADVOGADO)

Documentos
Id. Data da Assinatura Documento Tipo
10166249234 09/02/2024 21:27 Sentença Sentença
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Justiça de Primeira Instância

Comarca de Ibirité / 2ª Vara Cível da Comarca de Ibirité

Rua Otacílio Negrão de Lima, 8, São Geraldo, Ibirité - MG - CEP: 00000-000

PROCESSO Nº: 5011159-58.2023.8.13.0114

CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

ASSUNTO: [Cartão de Crédito]

AUTOR: BANCO BRADESCO S.A.

RÉU/RÉ: JEZIANE TENENTE ROCHA CERQUEIRA

Vistos, etc.

Em respeito ao disposto no inciso I do art. 489, CPC, passo ao breve relato dos fatos processuais
relevantes.

Banco Bradesco S.A ajuizou ação de cobrança em desfavor de Jeziane Tenente Rocha Cerqueira.
Afirmou que “o demandado utilizou-se do(s) cartão(ões) de crédito(s)/compra(s), pelo(s) qual(is)
comprometeu-se a, mensalmente a saldar as respectivas faturas nas datas de sua escolha: seja pela
integralidade, seja pelo pagamento parcelado, o que melhor lhe conviesse”. Registrou que “não obstante
às operações efetivadas pelo demandado e devidamente autorizadas pelo demandante, nos termos do
regulamento do produto, deixou àquele de quitar as faturas nos respectivos vencimentos”. Salientou que
somados e atualizados, os lançamentos das faturas indicam como devida a importância citada (o(s)
qual(is) totaliza(m) a importância atualizada de R$ 42.776,76.

Despacho positivo autorizou a citação do requerido.

A requerida inaugurou pretensão resistida. Alegou inépcia da inicial, posto que “as faturas anexadas
referem-se a um cartão de crédito VISA GOLD de nº: 4532 XXXX XXXX 9420” e “as faturas anexadas

Número do documento: 24020921270919100010162317403


https://pje.tjmg.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24020921270919100010162317403
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aos autos sequer detalham as compras/utilizações efetuadas pela requerida e principalmente não informa
quando se deu o início da mora”. No mérito, registrou que o Banco “sequer colaciona aos autos o
demonstrativo de débitos e tampouco o suposto contrato que estipula a cobrança de tais encargos”.

Em réplica, o Banco autor respectivamente: (a) impugnou o pedido de gratuidade judiciária formulado;
(b) defendeu que “o vínculo entre o cartão de crédito e a pessoa que o solicitou, diante de sua
informalidade, é suprido pelo desbloqueio deste e uso, conforme se percebe ter ocorrido, com uma
simples análise das faturas também já acostadas, pelo autor”; (c) frisou que “é possível verificar nas
faturas, todas as informações necessárias para se auferir a origem do débito, valendo ressaltar, que é da
própria natureza do contrato de cartão de crédito, por exemplo, a alteração da taxa de juros durante o
decorrer do tempo, de modo que, por óbvio, não há possibilidade da taxa de juros ser fixada em contrato,
sendo certo afirmar que referida taxa é prévia e expressamente informada na fatura mensal, daí porque a
ausência de contrato escrito, assinado pela Ré”; (d) alinhavou que “é evidente que a Ré, firmou o pacto
com o Autor, utilizou o cartão de crédito da maneira que melhor lhe conveio, e mesmo ciente dos
encargos que suportaria em caso de atraso/ausência dos pagamentos das faturas (já que todas as taxas
estão especificadas com clareza nas faturas encaminhadas à Ré), não cumpriu com o pagamento das
faturas”; (e) acrescentou que “a própria parte ré realizava pagamentos parciais das faturas, através de
boletos, expondo, mais uma vez, a má-fé em suas alegações e seu total conhecimento sobre o nesta
cobrado”;

Em especificação de provas, ambas as partes almejaram o julgamento da lide.

Vieram-me os autos conclusos.

Relatados, decido.

Passo ao exame da preliminar de impugnação a assistência judiciária gratuita.

Incumbia à parte impugnante/autora o ônus de comprovar a situação de suficiência econômica da


requerida, ou a existência concreta de sinais de riqueza, mormente tendo em vista a presunção de
veracidade da declaração de hipossuficiência acostada ainda com a exordial. Colhe-se:

A presença da declaração de pobreza, firmada nos termos do artigo 4º da Lei nº. 1060/50, constitui em
favor do requerente presunção juris tantum de veracidade, tornando-a suficiente para apreciação do
pedido de assistência judiciária. (TJMG, processo nº 1.0024.08.228161-9/001(1), publicado no DJ de
19/01/2009, relatora Cláudia Maia)

A requerida é professora e domicilia-se em bairro humilde de Sarzedo, MG, além do quê não possui
veículo registrado em seu nome, conforme consulta RENAJUD oficiosa realizada pelo Juízo, razão pela
qual não ostenta qualquer sinal relevante de riqueza.

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Nesse compasso, refuto a impugnação à gratuidade judiciária, haja vista que a requerida não logrou êxito,
no momento oportuno, em comprovar a existência de sinais de riqueza em relação ao patrimônio da parte
autora, presumidamente hipossuficiente.

Refuto a preliminar de inépcia, posto que sua argumentação se confunde com a vexata quaestio.

Passo ao exame do mérito.

A parte autora afirmou que seu crédito decorre de fornecimento e uso de cartão (plástico) pela parte
requerida, com o subsequente inadimplemento das faturas emitidas.

A respeito da matéria, lecione-se que dentre os serviços de intermediação monetária prestados pela
instituição financeira, várias modalidades de mútuo podem ser objeto de contratação, seja sob a forma de
financiamento, consignação ou, mesmo, crédito rotativo.

A depender da modalidade da contratação, altera-se, sobremaneira, o spread, isto é, o risco do credor


bancário quanto a inadimplência do devedor. Essa, aliás, sempre foi a defesa bancária ao justificar a
prática de taxas de juros flutuantes a depender de condições contratuais e temporais.

Assim, quanto maior o spread, maior deve ser a remuneração da financeira, sob a forma de juros
remuneratórios do capital que é empregado na operação.

Desse modo, operações há em que o spread é significativamente reduzido, seja pela constituição de pacto
adjeto de garantia real (financiamento de veículos e imóveis, e.g), seja pela constituição de pacto adjetos
de garantia fidejussória (a figura do “garantidor solidário” do sócio nas Cédulas de Crédito emitidas por
pessoas jurídicas, como meio de afastar a necessidade de prévia desconsideração da personalidade
jurídica para se afetar o patrimônio do empreendedor pessoa natural, e.g), seja, mesmo, pela garantia de
renda do mutuário (na hipótese consignada, já que servidores públicos e aposentados são “estáveis” e,
portanto, correm risco inferior de suportarem elevadas flutuações em suas possibilidades financeiras).
Lado outro, operações há em que a financeira simplesmente não possui nenhuma garantia de recebimento
de seu crédito, como ocorre nos créditos rotativos em geral e, sobremaneira, no cartão de crédito, em que
o consumidor, já assoberbado por compromissos financeiros daquele determinado mês, precisa de prazo
para cumprir suas obrigações.

Note-se que em todas as modalidades de negócio jurídico há, em epítome, contrato de mútuo, isto é,
transferência de bem móvel fungível/numerário. O que difere são os pactos acessórios de garantia e,
mormente, o risco na recuperação de crédito.

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O contrato de mútuo feneratício é conceituado como sendo negócio jurídico real translativo de
propriedade, comutativo e, na espécie, oneroso. Uma vez concluído o ajuste, a obrigação unilateral do
devedor consiste em restituir a quantia monetária antecipada antes da conclusão do pacto, em favor do
credor, acrescida dos encargos moratórios cuja lei permite a cobrança.

A contratação de cartão de crédito difere-se, na essência, da contratação de empréstimo pessoal, ainda que
ambas as hipóteses sejam sub espécies de mútuo feneratício.

No empréstimo pessoal um numerário certo e pré-determinado e disponibilizado com antecedência ao


consumidor, que se obriga a restituição do montante mutuado, acrescido de encargos remuneratórios, em
parcelas fixas e sucessivas, via de regra mensais.

No contrato de cartão de crédito disponibiliza-se em prol do consumidor um determinado limite de crédito


que fica disponível para uso, ainda que não seja de imediato usado. O consumidor não recebe de imediato
o dinheiro, mas sim um plástico por meio do qual realiza transações financeiras à crédito/prazo com
lojistas, cujo pagamento é antecipado pelo Banco e cobrado, em seguida, via fatura mensal.

O ponto nevrálgico do feito em testilha, dito isso, é que a casa bancária alegou que seu crédito
decorreu de contratação de cartão de crédito mas nada comprovou de efetivo no particular.

É oportuno salientar que a consumidora negou ter firmado contrato de cartão de crédito, assim como
negou ter feito uso de plástico.

Não é viável compelir o consumidor a produção de prova negativa, denominada “prova diabólica”, no
sentido de que não contratou determinado serviço.

Competiria ao Banco fornecedor, assim, o ônus de efetivamente comprovar a contratação e fornecimento


do plástico.

Na espécie, todavia, a casa bancária se limitou a acostar faturas unilaterais e prints de telas sistêmicas.

Não há um único papel contendo assinatura física ou eletrônica da consumidora em proposta de


fornecimento de cartão de crédito.

Não há um único A.R, via postal ou notificação subscrita atestando a efetiva entrega do plástico (cartão
físico). Nesse sentido, colhe-se:

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO COMUM - AÇÃO DECLATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - CARTÃO DE
CRÉDITO E EMPRÉSTIMO PESSOAL - CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA - PRINTS DE TELA
DO SISTEMA INTERNO - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - DANO MORAL - QUANTUM
INDENIZATÓRIO. 1. Nas ações em que o autor nega a contratação de crédito bancário, o ônus de
provar a contratação é do réu, pois não é de se exigir do autor prova negativa do fato. 2. Os "prints" de
telas eletrônicas de sistema interno e faturas emitidas pelo fornecedor de serviços, desacompanhadas de
outros elementos de convicção, são documentos unilaterais e não são capazes, por si só, de comprovar a
contratação e a legitimidade do débito. 3. Anotação restritiva de crédito indevida, por si só, é ato ilícito
suficiente para configurar dano moral. 4. Para o arbitramento da reparação pecuniária por dano moral,
o juiz deve considerar circunstâncias fáticas e repercussão do ato ilícito, condições pessoais das partes,
razoabilidade e proporcionalidade. 5. A indenização arbitrada com adequação não comporta redução do
quantum. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.044447-3/001, Relator(a): Des.(a) José Flávio de Almeida
, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/05/2023, publicação da súmula em 05/05/2023)

É imprescindível salientar que as faturas acostadas na exordial constituem documento meramente


unilateral, inservível como meio de prova. Veja-se:

Os prints de tela do seu próprio sistema operacional e cópias das faturas, são provas unilaterais, e por si
só, não são capazes de comprovar a legalidade da cobrança da dívida. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.23.259569-4/001, Relator(a): Des.(a) Lúcio de Brito , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
01/02/2024, publicação da súmula em 08/02/2024)

Não tendo o Banco se desincumbido do ônus de comprovar a efetiva contratação do produto e


disponibilização do crédito em prol do consumidor, não há se falar em possibilidade de cobrança de
eventual dívida em juízo.

Ante todo exposto, extingo o feito com resolução de mérito, nos moldes do inciso I do art. 487,
CPC/15, para julgar improcedentes os pleitos inaugurais.

Condeno a parte autora no pagamento de custas e despesas processuais, além de honorários de


sucumbência que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado dado à causa, ex vi do disposto
no §2º do art. 85, CPC/15.

Revestindo-se a presente do caráter de definitividade, nada mais sendo solicitado, em respeito ao


princípio da inércia da jurisdição, cobradas as custas devidas pela autora, sob pena de expedição de
CNPDP, com as cautelas de estilo, sem que seja necessária nova conclusão, proceda a Secretaria a
remessa dos autos ao arquivo, com baixa na distribuição.

Publicar, registrar. Intimar.

Número do documento: 24020921270919100010162317403


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Ibirité, 09 de fevereiro de 2024.

André Luiz Pimenta Almeida

Juiz de Direito

BDD

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