Criminologia e Justiça Restaurativa - Aula 6
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Restaurativa
A Justiça Restaurativa consiste em um paradigma não punitivo, baseado em valores, que tem como principal objetivo a
reparação dos danos oriundos do delito causados às partes envolvidas – vítima, ofensor e comunidade – e, quando
possível, a reconstrução das relações rompidas.
Apresenta-se como uma alternativa ao modelo retributivo, tendo em vista a necessidade por mudanças mais profundas
e concretas diante das ineficiências do sistema penal.
A implementação da Justiça Restaurativa representa a oportunidade de uma Justiça Criminal mais democrática, que
opera uma real transformação, abrindo caminho para a nova forma de promoção dos direitos humanos e da cidadania,
da inclusão e da paz social com dignidade.
As barreiras e preconceitos jurídicos impedem uma maior aplicação e evolução da Justiça Restaurativa, sendo ainda
necessário mudar a ideia de que o paradigma adversarial é aquele que legalmente trará a paz social.
A sociedade acredita que a imposição de castigo e dor faz parte do conceito de justiça, e que o diálogo e a
compreensão estão afastados deste modelo. Além disso, existe a ideia distorcida de que crime é apenas uma violação
às leis do Estado.
É preciso “trocar as lentes” pelas quais enxergamos o crime e a justiça, conforme afirma Zehr (2008). A Justiça
Restaurativa propõe essa troca, alterando o foco do processo penal que é a culpa e a punição para o ato danoso, suas
consequências e soluções.
OBJETIVOS
Segundo Bitencourt (2004), a prisão é um sistema social onde predominam as seguintes características:
Fonte da Imagem:
I) o cárcere é muito rígido, fazendo com que o preso fique ligado ao comportamento e aos usos sociais nele
predominantes;
Fonte da Imagem:
II) o preso sofre grande influência do sistema social interno desde o momento em que entra na instituição.
A prisão é uma instituição antiliberal, desigual, atípica, que perverte, corrompe, deforma, humilha e endurece, sendo
uma “filial do inferno”, bastante lesiva à dignidade humana, considerada uma fábrica de reincidência e incentivadora do
crime.
Apesar de ser constatada essa decadência da pena privativa de liberdade, ela ainda é considerada a resposta penal
básica ao delito.
A prisão, para muitos, é uma exclusão do convívio social, onde a privação de liberdade é identificada como a forma
mais eficaz e legítima de punir, não interessando a realidade em que se encontra o ambiente carcerário.
Não há preocupação e há tolerância, tanto do Estado como da sociedade, sobre as questões carcerárias:
Do Estado, porque se omite ao agir contra os dispositivos da Lei de Execução Penal (1984), da Constituição
Federal (1988) e de importantes tratados internacionais;
Da sociedade, pois a indiferença da população também é considerada fator importante para a gravidade da
crise.
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Grande parte da sociedade, atingida pelo elevado índice de criminalidade, é seduzida por discursos políticos exclusivos,
cujo pensamento expõe ideais em tom de "defesa da sociedade" a qualquer preço.
Esta situação acarreta ideias sobre a implantação da pena de morte no país, ou outras espécies de penas como a
perpétua, levando a um retrocesso aos tempos de aplicação dos esquartejamentos e mutilações como legítimo
castigo para os criminosos.
A gestão pública não tem conseguido enfrentar, com eficácia, o problema carcerário, dada a sua dificuldade em
implantar as determinações da Lei de Execução Penal (1984) e outras legislações sobre a questão.
Muitas vezes, é o próprio Estado quem acaba não cumprindo a Lei de Execução Penal, criando pessoas incapazes de
inclusão social e retroalimentando o retorno do preso ao mundo do crime, segundo Lemos (2007).
Quando há tentativa de melhorar a atual situação, são desenvolvidas apenas soluções temporárias para o problema:
não há uma política prisional engajada com a melhoria das condições deficientes dos estabelecimentos
prisionais, e nem preocupada com a ressocialização do recluso;
as informações e os dados colhidos pelo Estado não traduzem realmente o que acontece nas prisões, seja
por serem insuficientes, seja por não apresentar corretamente a realidade.
Mais grave ainda é a omissão dos órgãos responsáveis de realizar a vistoria dos estabelecimentos prisionais —
especificados no art. 61, incisos I a VII, da Lei de Execuções Penais. Apesar de ser em considerável número, raramente
são realizadas inspeções rotineiras com o objetivo de verificar as irregularidades, que persistem sem providências.
Nas literaturas especializadas no assunto, segundo Bitencourt (2004) são constatadas as seguintes deficiências e
problemas mais marcantes do sistema penitenciário brasileiro (p.156-7):
I) superlotação carcerária;
IV) negação de acesso à assistência jurídica e de atendimento médico, dentário e psicológico aos reclusos;
V) ambiente propício à violência sexual e física, sendo esta ocorrida tanto entre os próprios detentos quanto entre
estes e o pessoal carcerário;
Todos esses problemas são realidades facilmente perceptíveis nos presídios das grandes cidades brasileiras, além:
Quanto aos problemas psicológicos, chama-se a atenção para a prisionalização. É o efeito mais importante que o
cárcere produz no recluso. É uma espécie de aculturação (glossário), de normas ou formas de vida que o interno se
adapta, pois não tem alternativa. Em geral, são estilos de vida opostos ao sistema de valores determinado na
sociedade, os quais tendem a dificultar o objetivo da ressocialização.
Com isso, o condenado acaba aprimorando cada vez mais sua carreira criminosa por meio do contato e das relações
com os outros internos, o que apresenta efeitos negativos para a tentativa de reinserção social no futuro.
É preocupante o sistema prisional e, principalmente, a execução da pena privativa de liberdade nas penitenciárias das
grandes cidades brasileiras, necessitando, com urgência, de alternativas e soluções para este problema.
Não é cabível acabar com todas as dificuldades surgidas no sistema prisional brasileiro com declarações de
comportamentos e condutas que devem ser seguidos pelos agentes envolvidos.
É preciso de uma conscientização sobre a importância de uma saída racional e efetiva da questão referente aos
presos, porque esta se refere também a nossa sociedade. (ROXIN, 1993)
A busca por soluções efetivas somente será possível quando o Estado, todos os Poderes e os entes políticos,
despertarem para o problema e a sociedade se envolver nessa situação.
Tolerar ou minimizar a questão, delegá-la ou reservá-la aos técnicos, ou, ainda, sustentar o
retorno ao retribucionismo puro e absoluto não resolverão de forma alguma a problemática.
(MACHADO, 2009)
ATENÇÃO
, Outro ponto importante diz respeito às constantes propostas de:
• reformas de presídios;
• construção de novas penitenciárias e;
• criação de mais vagas para os infratores da lei.
De acordo com Maia Neto (1998), não é a construção de mais presídios que solucionará o problema. A questão é usar
a prisão ou a pena privativa de liberdade de forma mais racional.
Muitos autores, segundo Machado (2009), afirmam que o Direito Penal deve fundamentar suas normas, principalmente,
por meio dos princípios da mínima intervenção e da dignidade humana.
A intervenção mínima determina certos comportamentos importantes para a justa aplicação do Direito. Para Machado
(2009):
de um lado, ao legislador cabe se abster de incriminar qualquer conduta, isto é, de retirar o caráter de ilícito
penal do fato (descriminalização);
de outro lado, ao intérprete das normas penais cabe a função de analisar se determinada situação pode ser
resolvida com a atuação de outras áreas da ciência jurídica, evitando o máximo possível a penalização, apenas
ocorrendo quando se mostrar como único e último recurso para a proteção do bem jurídico.
SAIBA MAIS
, A aplicação das penas alternativas é um grande avanço para diminuir o número de autores de infrações submetidos à pena
privativa de liberdade e, consequentemente, os efeitos nefastos que a prisão acarreta., , Entretanto, a sociedade ainda continua
acreditando que as alternativas à prisão são, na verdade, um estímulo à impunidade., , É a partir destas questões que são
necessários os debates sobre a eficácia das penas alternativas, fazendo a opinião pública perceber que estas alternativas
consistem em um modelo, substituindo a punição, pela reinserção social do apenado através de sua não exclusão da
comunidade, do seio familiar e das responsabilidades que lhe dizem respeito.
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JUSTIÇA RESTAURATIVA — NOÇÕES ESSENCIAIS
A Justiça Restaurativa é um conjunto de práticas em busca de uma teoria, segundo Sica (2007).
A proposta é promover, entre os reais protagonistas do conflito trazido para a área jurídica:
Há uma pluralidade de objetivos e aspirações na Justiça Restaurativa, no entanto, é fundamental lembrar que esta
Justiça se apoia no princípio da redefinição do crime.
É a reconstrução da noção de crime, a partir de suas dimensões complementares, como um ato que acarreta
consequências e danos às pessoas e às relações.
A preocupação é como lidar com o ponto relacional, ou seja, a elaboração de respostas ao crime que levem à mudança
da relação tradicional:
Embora a Justiça Restaurativa tenha origem nos movimentos pró-vítimas, não se deve esquecer e sobrepor os
interesses e direitos das vítimas aos do ofensor, e nem devem ser valorizados os sentimentos de vingança e retaliação.
Um dos pressupostos básicos da Justiça Restaurativa é a não retribuição, tão característica da Justiça Tradicional.
É importante estabelecermos uma distinção entre Justiça Tradicional (Retributiva) e Justiça Restaurativa.
O esquema de Scardaccione; Baldry; Scali (1998), citado por Sica (2007) nos oferece as raízes desses dois
paradigmas.
MODELO MODELO
TRADICIONAL RESTAURATIVO
Ofensa à vítima e/ ou à
CRIME Ofensa contra o Estado
comunidade
No Oriente, são identificadas práticas restaurativas desde os antigos povos. As respostas ao crime encontram-se
centradas mais na vergonha e no arrependimento do que no castigo.
No Japão, por exemplo, o processo penal é baseado em dois princípios: a conciliação e o compromisso, além de
reconhecer o perdão judicial.
Na Nova Zelândia e no Canadá são encontradas as origens de recentes movimentos de justiça restaurativa. Elas estão
fundamentadas na valorização do modelo de justiça de povos indígenas que habitam vários territórios nestes dois
países.
No Canadá, em 1974, surgiu o primeiro programa de mediação vítima — ofensor, baseado nos princípios de perdão e
reparação.
Na Nova Zelândia, a justiça restaurativa foi desenvolvida a partir da insatisfação com o tratamento oferecido aos
menores, autores de delitos, especialmente, os maoris. (glossário)
Há uma redefinição do papel da Justiça Penal, trazendo para o protagonismo a vítima e o ofensor e uma aproximação
destes participantes em relação ao processo decisório da situação.
É uma alternativa real para a comunidade, sem a burocracia estatal que envolve o processo jurídico.
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OBJETO, PERSPECTIVAS E PRINCÍPIOS
Na Justiça Restaurativa, vamos ter a inversão do objeto e do saber que se pretende construir a respeito dele, ou seja,
para esta Justiça não é o crime em si, a reação social e nem a pessoa do ofensor que são os objetivos da intervenção.
O enfoque está:
Na Justiça Restaurativa, o crime é um ato, uma ação que causa dano a uma pessoa ou à comunidade, reconhecido na
sua dimensão relacional e como um conflito interpessoal.
Utiliza a mediação como uma circunstância possível para ocupar o lugar da pena e atingir as finalidades político-
criminais propostas.
Nos Programas de mediação vítima–ofensor, há um objetivo comum para a vítima e o ofensor: recuperar o papel ativo
no sistema judicial.
De acordo com Scardacione; Baldry; Scali (1998) citados por Sica (2007), quanto ao autor os objetivos
podem ser:
Confronto direto com as consequências do crime e aquisição de um nível diferente de responsabilidade.
Quanto à vítima:
Reelaboração do evento traumático e contenção do medo de sofrer outro evento traumático.
A perspectiva da Justiça Restaurativa está mais orientada para a integração social. Segundo Sica (2007),
existem quatro orientações a partir desta perspectiva:
Subjetiva — os procedimentos informais permitem que as partes demonstrem seus sentimentos a partir da
avaliação do caso;
Contextual — o interesse está centrado nas particularidades da situação que levou ao fato;
Conflitiva — o crime é um fato social e deve ser compreendido e, não necessariamente reprovado, sendo
utilizada a sua compreensão para melhorar a organização da sociedade e renovar os mecanismos
institucionais;
Relacional — é pela comunicação que as partes vão se contrapor e buscar um equilíbrio entre a tolerância e
autonomia pessoal.
Quanto aos princípios, Sica (2007, p. 33), discrimina três, que julga serem básicos nestas questões:
• O crime é primariamente um conflito entre indivíduos, resultando em danos à vítima e/ou à comunidade e
ao próprio autor; secundariamente, é uma transgressão da lei;
• O objetivo central da justiça criminal deve ser reconciliar pessoas e reparar danos advindos do crime;
• O sistema de justiça criminal deve facilitar a ativa participação de vítimas, ofensores e suas
comunidades.
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Para que ocorra a aceitação da Justiça Restaurativa é necessária a quebra do paradigma punitivo, tão arraigado em
nossa cultura e que, de certa forma, bloqueia a aceitação de um modelo alternativo.
O modelo do Direito Penal concentrado no castigo, em várias ocasiões, assume certas práticas irracionais. Neste
sentido, o modelo da Justiça Restaurativa seria uma possibilidade de um Direito Penal mais racional, sem a
exacerbação de certas práticas punitivas.
Um dos principais fatores que impedem a adoção do modelo alternativo é a barreira cultural imposta pelo sistema
judicial. Isso pode ser denunciado pelo fato de que mesmo nos países em que há uma previsão legal para a mediação
penal, os operadores do Direito, desta área, resistem a encaminhar os casos e retirá-los da esfera punitiva.
A Justiça Restaurativa não tem como objetivo principal reduzir a criminalidade, mas reduzir o impacto dos crimes
sobre os cidadãos. Este paradigma restaurativo vem sendo construído a partir das falhas do sistema vigente.
Segundo Sica (2007) ao longo da história conviveram três modelos de Justiça Penal:
• O punitivo – retributivo;
• O reabilitativo;
• O restaurativo.
A adoção de métodos restaurativos não é um retrocesso ou uma ameaça, mas uma integração do Direito Penal com
outras ciências, de forma a compreender a existência deste Direito não apenas como fundado no castigo.
A Justiça Penal tem fracassado na supressão ou diminuição do crime e, ainda segrega as pessoas, excluindo-as do
convívio comunitário.
No nosso cotidiano, percebemos que mesmo separados por interesses divergentes, os cidadãos unem-se a partir de
um interesse comum: o medo do crime e os apelos pela pena.
Esta união ao redor da punição proporciona um sentimento de solidariedade em relação à pena que se opõe à
solidariedade em relação às pessoas.
Há uma confusão entre colocar limites e repressão. Devemos lembrar que colocar limites faz parte do processo
educacional.
ATIVIDADE
Justiça Restaurativa deve ser usada em casos de violência doméstica.
Reportagem disponível em: //www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85293-justica-restaurativa-deve-ser-usada-para-resolver-
casos-de-violencia-domestica (glossário). Acesso em 24 out. 2017.
Resposta Correta
EXERCÍCIOS
Questão 1: Na Justiça Restaurativa a questão central, em vez de versar sobre o culpado, é sobre quem foi prejudicado
pela infração. Ao contrário da Justiça Tradicional, que se ocupa predominantemente com a violação da norma de
conduta em si, a Justiça Restaurativa ocupa -se das consequências e danos produzidos pela infração.
Estabelecendo um paralelo entre a Justiça Tradicional e a Justiça Restaurativa, podemos afirmar que:
I. Para a Justiça Tradicional o crime é o ato contra a sociedade; para a Justiça Restaurativa o crime é o ato que
traumatiza a vítima.
II. Para a Justiça Tradicional o monopólio estatal é da Justiça Criminal participativa; para a Justiça Restaurativa o
monopólio estatal é da Justiça Criminal.
III. Na Justiça Tradicional o processo decisório é compartilhado com as pessoas envolvidas; na Justiça Restaurativa o
processo decisório fica a cargo das autoridades.
IV. Na Justiça Tradicional a culpabilidade do individual está voltada para o passado; na Justiça Restaurativa a
responsabilidade é compartilhada coletivamente e voltada para o futuro.
V. Justiça Tradicional — uso dogmático do Direito Penal positivo; Justiça Restaurativa — uso crítico e alternativo do
Direito.
I e II
II, III e V
III e IV
I, IV e V
II e III
Justificativa
Glossário
ACULTURAÇÃO
É o conjunto das mudanças resultantes do contato, de dois ou mais grupos de indivíduos, representante de culturas diferentes,
quando postos em contato direto e contínuo. A aculturação é o resultado dos contatos, de natureza constante, que implicam
geralmente na transmissão de certos elementos da cultura de uma sociedade para a outra. Disponível em: https://goo.gl/2OOQ5y
(https://goo.gl/2OOQ5y). Acesso em 02 out.2017.
MAORIS
É o nome dado ao povo nativo da Nova Zelândia. O termo, na língua maori, significa “natural” ou “normal”. Acredita-se que os
maoris tenham vindo de ilhas remotas da Polinésia e chegado à Nova Zelândia por volta do século X. Disponível em:
https://goo.gl/MnReRf (https://goo.gl/MnReRf). Acesso em 24 out. 2017