1001 Fantasmas (Nova Edição)
1001 Fantasmas (Nova Edição)
1001 Fantasmas (Nova Edição)
personagens homônimos, e a Guto, Lia e Priscila Nemeth, por suas ótimas sugestões;
finalmente, a Fernando Bonassi, companheiro querido das aventuras literárias, pela
grande amizade.
Mistérios da Imaginação
Sempre adorei ler. Mas quando li as histórias de Edgar Allan Poe, aprendi o
que é ler sem parar.
Eu tinha treze ou catorze anos quando isso aconteceu. Lembro que era
verão e eu havia encontrado um livro com o título: Contos de imaginação e
mistério. Comecei a ler enquanto tomava sol deitada na grama. De repente, foi
como se eu tivesse sido hipnotizada. Não conseguia me separar daquelas
histórias de suspense. Eram vários contos de assombração, com castelos
tenebrosos, vielas fatais, pêndulos mortais, gatos de arrepiar. Assim que
terminava um conto, imediatamente começava a ler o próximo, morta de
curiosidade, aprisionada numa espécie de encantamento lançado por aquele
escritor de nome tão misterioso quanto suas histórias. Por m, adormeci com
a cabeça apoiada no livro. Até hoje sou capaz de recordar trechos dos sonhos
alucinantes que tive naquele dia, nos quais os ambientes dos contos se
misturavam e eu os atravessava como se estivesse num labirinto in nito.
Como a curiosidade sempre foi meu maior defeito, ou talvez qualidade,
quei louca para descobrir mais coisas sobre Edgar Allan Poe. Imaginava que,
para escrever aquelas histórias absolutamente alucinadas, ele deveria ser um
sujeito esquisito e sinistro.
Bem, certos aspectos de sua personalidade até combinavam um pouco com
essa gura que eu havia criado em minha mente: Poe na verdade tinha um
temperamento diferente, era um homem tímido, de difícil trato, que nasceu
em Boston, cidade dos Estados Unidos, no ano de 1809. Seus pais morreram
quando ele tinha apenas dois anos, e ele foi criado por um tio. Em 1836, Poe se
casou, muito apaixonado, com uma prima chamada Lenora. Seu casamento
foi feliz, talvez a melhor época de sua vida, porém Lenora morreu jovem,
deixando-o completamente desolado.
Fiquei sabendo também que Poe publicava seus contos em jornais e fazia
muito sucesso entre os leitores. Após sua morte prematura, suas histórias
foram traduzidas para o francês por Baudelaire, outro grande escritor.
Atualmente Poe é considerado um dos maiores autores de literatura
fantástica.
Embora sua vida tenha sido muito tumultuada, quando Poe se colocava
diante de uma página em branco sua atitude era outra. Ele pensava
cuidadosamente no efeito que queria provocar em seus leitores. Inventava
fórmulas e frases especiais para que as pessoas não abandonassem a leitura
que haviam iniciado. Talvez porque pensasse que o leitor de jornal é mais
apressado do que o leitor de um livro, decretou uma lei pessoal: “Quero que
todos leiam minhas histórias de uma sentada só”. Ele acreditava que o leitor,
se interrompesse a leitura, seria invadido pelas distrações da vida cotidiana e
perderia a conexão da “viagem” ao mundo dos enigmas e segredos ao qual ele
tentava conduzi-lo, reduzindo o impacto das histórias.
Poe foi também um dos primeiros autores modernos a escrever sobre a arte
de compor uma história. Ele não acreditava que um escritor pudesse trabalhar
movido apenas pela inspiração e a rmava que gostava de construir suas
histórias como se trabalhasse com uma fórmula matemática.
Estudou cuidadosamente a obra milenar Mil e uma noites, tentando entender
quais eram os truques de Sherazade, personagem que sobreviveu à ira de um
sultão enlouquecido seduzindo-o por meio de histórias. Aos poucos, Poe foi
descobrindo como utilizar o suspense, como interromper a narrativa na hora
certa, de modo que o leitor desejasse saber seu desfecho e permanecesse
enredado na leitura.
Pois bem, 1001 Fantasmas é minha homenagem ao meu autor predileto.
Uma história que funciona como um quebra-cabeça e começa com um jovem
herói numa situação de perigo, encaixa um mistério no outro construindo a
trama e revela uma surpresa no nal.
Confesso que usei todos os truques que conheço para agarrar sua atenção.
Espero que, mesmo sendo uma pessoa superocupada ou alguém que
simplesmente prefere ver televisão, você dê uma variada e leia esta história
(quase) sem parar.
Heloisa Prieto
P. S. Muitos contos de Poe foram adaptados para o cinema e a televisão. Se você já viu
filmes como O corvo, O pêndulo, O gato preto, vale a pena conferir o texto
original, pois todas essas histórias vieram deste livro absolutamente inesquecível:
Contos de imaginação e mistério.
São Paulo, 26 de junho de 2001
Pessoal,
Esta é a primeira vez que escrevo para a 1001 Fantasmas e não sei bem
como começar. Quer dizer, o que aconteceu comigo é o tipo de história que
a gente esconde dos outros porque está na cara que vai ser chamado de
louco se disser a verdade para alguém.
Bem, eu sou um garoto como muitos por aí. Filho único. Tenho um
quarto só para mim. Nós moramos numa casa antiga na rua Caconde,
cidade de São Paulo.
A família da minha mãe é do interior e a gente quase nunca vê os
parentes. Acho que foi por isso que todo mundo acreditou quando o tio
Ademar apareceu e disse que era um parente do meu avô.
Primeiro ele telefonou para os meus pais e disse que estava só de
passagem. Minha mãe o convidou para tomar um cafezinho. Ele tinha um
jeito calmo. Disse que era aposentado e tinha vindo conhecer a cidade.
Mamãe gosta de tudo o que tenha a ver com o vovô. Ele morreu no ano
passado. Ela sente saudade. Acho que foi por isso que ela logo convidou o
tal tio para jantar.
Quando meu pai chegou em casa gostou muito do convidado. E querem
saber de uma coisa? Eu também estava achando o sujeito legal. Quer dizer,
ele inspirava confiança. Eu tinha certeza de que ele era do bem.
E então, quando as coisas ficaram ruins para o meu lado, senti um medo
estúpido. Porque eu não estava esperando.
O tio foi ficando aqui em casa. Ele ajudava a empregada, anotava todos os
recados, resolvia muita coisa que tinha a ver com a casa. E quando meus
pais saíam, ele ficava comigo vendo televisão. A gente comia pipoca, ele me
deixava ir dormir bem tarde, como é que eu ia adivinhar o que o cara ia me
aprontar?
Um dia, no meio do jantar, ele disse assim para os meus pais:
— Por que vocês dois não fazem uma viagem? Como se fosse uma
segunda lua de mel? Se vocês quiserem, eu fico aqui cuidando do Vitinho.
Eu dei um grande sorriso e meus pais concordaram na hora. Há muito
tempo eles não conseguiam tirar férias. Mas mamãe teve outra ideia. Ela é
bióloga. Estava louca para estudar umas espécies de peixes encontradas no
litoral de Santa Catarina. Disse que preferia viajar para uma ilha da região.
Assim dava para pesquisar, se divertir e descansar.
— Você não fica chateado, meu filho? Tudo bem se você ficar em São
Paulo? — ela perguntou preocupada.
— Tudo bem. Eu posso passear com o tio Ademar — respondi.
Eu tinha caído na armadilha. Feito um rato abobalhado. E demorou um
pouco para eu perceber a encrenca em que estava metido.
Dois dias depois de meus pais terem viajado, o tio Ademar dispensou a
Cleide, nossa empregada. Assim que ficamos sozinhos, a coisa começou a
mudar. Primeiro foi o jeito dele comigo. De alegre e animado que era, virou
um sujeito caladão.
O primeiro café da manhã que tomamos só nós dois foi superesquisito. A
cara dele tinha mudado completamente. Não perguntou o que eu queria
comer, me deu um copo de leite frio e um pão velho com manteiga e não
me fez companhia. Eu me senti mal e perguntei:
— Tio Ademar, está acontecendo alguma coisa? O senhor está bravo
comigo?
Ele estava de costas quando eu fiz a pergunta. De repente, virou-se para
mim e sorriu. Foi muito estranho. Aquele sorriso parecia uma máscara
igual à do Curinga do Batman! Era horrível. E ele respondeu:
— O que é isso, Vitinho? Não é nada, não... Só estou com uma leve dor
de cabeça. Por que você não assiste um pouco de televisão?
Então as coisas mudaram. Eu passava o tempo todo na sala brincando
sozinho ou vendo televisão. Ele vivia no quarto dos meus pais falando ao
telefone. Fiquei cada vez mais cismado. Chegou uma hora em que não me
aguentei de curiosidade e me escondi atrás da porta para escutar as
conversas dele. Isso foi pior. Ele dizia assim:
— Agora a casa já está nas minhas mãos. Só falta dar um jeito no
menino. Acho que ele vai servir direitinho para o que estamos planejando.
Ninguém desconfiou de nada. Estão todos acreditando que eu sou mesmo o
tal tio Ademar. Foi bom ter feito a pesquisa da família antes de iniciar o
trabalho...
Só não desmaiei porque fiquei paralisado de medo. Eu sempre me achei
um cara esperto. Adulto pensa que é fácil enganar criança, só que é muito
mais fácil enganar adulto. Mas desta vez eu tinha levado um susto daqueles!
Eu garanto a vocês que não tem coisa pior do que estar sozinho nas mãos
de um adulto do mal. Quem será que é esse cara? Por que ele apareceu na
minha casa? O que ele tanto quer da minha família? O que eles querem fazer
comigo? Por que será que eu sirvo direitinho para os planos deles? E afinal,
com quem será que o sujeito estava falando?
Espero que vocês possam me ajudar. Não tenho mais ninguém com
quem conversar. Se eu contar isso tudo a um adulto, ele certamente vai
dizer que é bobagem, porque o Ademar é muito educado. Quem iria
acreditar na minha palavra contra a dele? Por favor, façam alguma coisa ou
me digam o que devo fazer.
VÍTOR ALIGUERI FILHO
Belém, 29 de junho de 2001
Estou muito feliz por você ter nos descoberto. Pouca gente é capaz de
seguinte:
Como você pode ver, esse antigo anúncio era um pouquinho mais
Para você entender bem o espírito da coisa, vou lhe contar a história de
minha amiga secreta. Por causa dessa amiga que eu respondi ao anúncio
logo ao assunto.
bola de gude da minha rua. Sempre fui um menino magro, pequeno, mas
uma partida, olhei bem para o jeito deles e achei que tinha chance de
ganhar.
moleque que parecia ser o chefe. Fizemos uma roda e começamos a jogar.
com quinze anos, ainda sou pequeno... O jeito era correr para valer. E foi
o que fiz.
Dei uma carreira e fui derrubando tudo o que estava na minha frente,
até que tropecei numa velhinha. Fomos os dois para o chão. Nessa hora eu
me esqueci dos moleques. Parei para ajudá-la a ficar de pé, abaixei para
apanhar a sombrinha dela e, então, vi que estava cercado por quase todos
os lados. Eu disse quase, não foi? Passei feito um jato por debaixo das
danar!” Mas bem nesse momento, vindo sei lá de onde, um táxi parou na
comigo?
Concordei, é claro.
O táxi então nos levou para um parque maravilhoso que eu nunca tinha
visto antes. Quando eu quis saber o seu nome, ela não me disse nada. Só
automóvel.
carro foi ficando escuro, eu não conseguia mais vê-la. Eu já estava meio
Antes de sair olhei para minha amiga mais uma vez. Ela estava
queria ter um último dia de aniversário. Mas eu sempre estarei ao seu lado.
meus pais. Só que quanto mais eu falava da menina, do quanto ela havia
eles ficavam.
Não acreditei no que ela disse. Aquele parque não era um lugar
diverti. Minha amiga era do bem, uma garota normal. Sem a ajuda dela,
são maus? Hoje sei que não. Naquele momento, eu tive a sensação de que
ela era uma garota de outro lugar, de um mundo meio misterioso, desses
garota. Perguntei para meus amigos sobre essa história de fantasma do táxi.
— Ah, minha mãe fala muito dessa garota, minha avó também contava
uns casos. Só que na história da vovó ela estava num coche puxado por
Até que chegou o dia do meu aniversário. Ganhei vários presentes, mas
estava ainda mais linda e parecia ter crescido um pouco, assim como eu.
Depois disso, comecei a vê-la sempre que estava em perigo. Como no
dia em que caí do cavalo e quebrei o braço. Na véspera minha amiga tinha
aparecido em meus sonhos e pedido para eu não sair de casa pela manhã.
Agora presto muita atenção nos conselhos que ela me dá. Isso porque ela
sempre aparece. Não só nos meus sonhos, mas também quando estou
Acho que ela virou uma espécie de amiga invisível, uma protetora.
Assim como uma fada das histórias infantis, que os adultos dizem que é
Manuel M. Pessoa
São Paulo, 2 de julho de 2001
Manuel,
Um abraço,
VÍTOR A.
Salvador, 1o de julho de 2001
Caro Vítor,
Com carinho,
Mabel Alencar
São Paulo, 4 de julho de 2001
Mabel,
Um abraço,
VÍTOR
Salvador, 6 de julho de 2001
Não tenha medo! Você está sob grande proteção! O velho Guimarães é
mesmo forte, bom e generoso. Você deve estar se perguntando como é que eu
posso saber disso. Mais tarde eu explico. A história é comprida. Agora,
preciso dizer outra coisa:
Prepare-se!
Logo terá mais companhia. Esse tal Ademar só trabalha em parceria. A
companheira dele é uma mulher muito esquisita. Ela é ruiva, tem um pescoço
estranho e até parece gente boa no começo. Não se deixe enganar! A mulher é
uma víbora! Cuidado com ela! Faça de tudo para escapar do olhar dela. Essa
dona, infelizmente, tem poderes.
Escreva logo. Qualquer problema, feche os olhos, lembre-se de seu
Guimarães e peça-lhe proteção!
De sua amiga,
Mabel
São Paulo, 8 de julho de 2001
Mabel,
Novamente você tinha toda a razão. Ela está aqui. A tal da comparsa, a
ruiva do mal.
Ontem, quando desci a escada para tomar o café da manhã, ouvi a voz de
uma mulher conversando com o impostor. Andei bem devagarzinho para
não deixar que eles percebessem que eu estava espiando. Só que, quando
me aproximei, percebi que eles conversavam em outra língua. Um idioma
que eu não conheço. Uma espécie de fala muito antiga. Mesmo assim,
fiquei observando escondido na curva da escada.
A mulher tem cabelos avermelhados, com um rosto bem bonito até, e no
começo não me deu medo. Só que ela tirou da bolsa um baralho todo
desenhado com cobras e caveiras. Gelei. Ela desandou a falar tanto que
nem parecia mais respirar. Os olhos se escureceram e ficaram horríveis,
avermelhados também. Caramba! Ainda falta muito tempo para os meus
pais voltarem! A mulher foi ficando empolgada, começou a falar cada vez
mais alto e o espelho da sala partiu bem ao meio, o piano tocou sozinho, as
gavetas da cristaleira se abriram, os talheres voaram pela casa e depois
caíram no chão. Não aguentei ficar ali. Voltei correndo para o quarto e me
escondi debaixo da cama.
Eu estava paralisado de pavor. Nesse momento o Guimarães apareceu de
novo.
— Meu filho, não tenha medo, não — ele foi dizendo. — Eles não
querem saber de você, o negócio é comigo. Aliás, você me desculpe, mas
tenho a impressão de que eles querem usar você de isca para me apanhar.
Eles sabem como é forte a ligação que eu tenho com as crianças e os
jovens... E sabem também que posso ser visto por vocês. Parece que já está
na hora de você conhecer toda a verdade. Mas só posso contar os segredos
hoje à noite. Agora preciso colocar um ponto-final na folia desses dois
bandidos.
Em pouco tempo eu ouvi a porta bater e olhei pelo vidro da janela. O
casal infernal tinha saído. Que alívio! Não sei o que seu Guimarães fez para
expulsar os dois bandidos aqui de casa. Eu juro que fiquei morto de
curiosidade. Será que ele conhece algum truque “repele-parasita”? (Estou
brincando, mas é que, na minha situação, se eu não brincar um pouco fico
doidinho da silva.) E por enquanto é só. Por favor me dê mais explicações.
O que é que está acontecendo? Não aguento mais!
VÍTOR
Salvador, 10 de julho de 2001
É melhor você se acalmar porque isso não é nada. Já que está tão confuso
eu vou lhe contar um pouco mais da minha própria história e das coisas que
eu aprendi quando entrei para a Sociedade. Prepare-se. Leve esta carta para
um lugar bem tranquilo e leia com tempo e atenção. A história de hoje é bem
comprida.
Bem, como a sede brasileira da Sociedade era aqui mesmo em Salvador e,
além de escrever, sou uma garota muito curiosa, resolvi fazer uma visita ao
endereço na rua do Tororó. Cheguei lá e toquei a campainha. Estava com um
pouco de medo enquanto esperava aparecer alguém. Mas quem atendeu foi
uma senhora muito parecida com minha tia-avó. O nome dela era dona
Adélia. Ela me fez entrar e me inspirou muita confiança. A casa ficava abaixo
do nível da rua, e pela janela eu podia ver as pernas das pessoas caminhando.
Era estranho. Tudo parecia nos conformes e, ao mesmo tempo, tive uma
sensação tranquila, diferente, naquele lugar. Gostei muito dos móveis, todos
eles bem antigos, da coleção de miniaturas de louça que ficava guardada na
cristaleira e das toalhinhas de renda que enfeitavam as prateleiras e mesinhas.
Dona Adélia me ofereceu bolo de fubá com uma xícara de cafezinho, depois
tirou um álbum de recortes de uma caixa muito antiga e disse assim:
— Quando eu era bem menina gostei de um menino lindo que morava na
fazenda ao lado da do meu pai. Um dia, esse menino foi brincar na
cachoeira, levou um tombo, bateu a cabeça e morreu. Eu fiquei inconsolável.
Ele tinha sido meu primeiro amigo de verdade.
“Alguns meses depois, eu estava brincando perto de uma árvore quando
um menino danado atirou uma pedra na colmeia que estava em cima do
galho. Eu não tive tempo de fugir. Fui atacada por tantas abelhas que meu
braço ficou inteirinho inchado, meu rosto irreconhecível e passei mal
durante dois dias. Eu delirei muitas horas de tanta febre. Foi quando vi meu
amigo bem à minha frente. Ele estava lindo e disse com muita calma: ‘Você
não está à beira da morte. Não tenha medo, ainda tem muito o que fazer.
Depois de curada, vá até a biblioteca do seu pai. Procure um livro com o
título 1001 Fantasmas, e abra na página 100’.
“Dito e feito. Assim que me curei corri até a biblioteca e procurei o tal
livro. Não foi difícil encontrá-lo. O livro estava escrito em francês e o autor
se chamava Alexandre Dumas. Você já deve ter ouvido falar. Foi ele que
escreveu Os três mosqueteiros. Pois então, na página 100 do livro encontrei uma
folha muito antiga de papel. Nela estava escrito o seguinte:
“Quando eu estava com a boca na botija, lendo tudo aquilo, meu bisavô
apareceu. Pensei que ia levar a maior bronca, mas ele me tratou com carinho:
‘Adélia, querida, um dia eu sabia que você seria minha aliada. Agora já está
quase pronta para ingressar na Sociedade. Antes disso, precisa ler um pouco
sobre nossa origem. Veja esta carta secreta’, ele me disse enquanto me
entregava algumas folhas de papel muito, mas muito amareladas pelo tempo.
Eu as segurei com todo o cuidado. Ele começou a explicar: ‘Leia este material
com muita atenção. Quando terminar, você será um novo membro de nossa
Sociedade’.
“A carta datava de 18 de setembro de 1831. Era mesmo muito antiga e estava
escrita em francês. Mas, minha querida Mabel, naquele tempo o francês era
ensinado nas escolas e eu era uma ótima aluna. Li a carta num minutinho.
Agora, como eu já havia sonhado com a sua vinda, preparei uma tradução
para você. Quando estiver sozinha, faça como eu fiz, leia a carta com toda a
atenção. Ela será sua porta de entrada para um novo mundo. O mundo das
coisas invisíveis, o mundo daqueles que conhecem de perto os mais
profundos segredos do universo da mente...”
Meu querido Vítor, eu nunca voltei para casa tão depressa quanto naquele
dia. Foi sebo nas canelas. Depois fiquei meio arrependida porque mal me
despedi da dona Adélia. Mas eu estava louquinha para ler a carta que ela havia
me dado. O papel era antigo, escrito à mão em tinta nanquim. Eu me
tranquei no quarto e li. Quando terminei a leitura, entendi por que eu
precisava lê-la para entrar de verdade para a Sociedade. Mas não adianta ficar
falando da carta. É preciso que você mesmo a veja. É por isso que eu a estou
enviando. Quando terminar de ler esta minha carta, abra com cuidado a
outra que coloquei bem dobradinha dentro do mesmo envelope.
Agora chegou a sua vez. É preciso que você leia a mesma carta que dona
Adélia me deu há dois anos, com a mesma tradução que me foi feita pelo
punho dela. Cuide bem desse documento. Ele é mágico. Quando você
terminar de ler será, como eu, um verdadeiro membro da 1001 Fantasmas.
Boa sorte, meu querido amigo. Não fique atordoado. Sei que estou muito
cheia de novidades e que emendei um assunto no outro. Mas acho que você
sabe muito bem o que estou tentando dizer. Receba este material com a
mente aberta. Lembre-se de sua infância, de como era bom enxergar todos os
mundos que nos rodeiam. Como era bom ter amigos invisíveis, como era
bom ouvir vozes protetoras. Não tenha medo, não fique confuso. Leia tudo
com cuidado e paciência. Essas palavras que lhe envio o ajudarão a
compreender melhor os mistérios que você deve enfrentar agora.
Escreva assim que puder.
Um beijo de sua amiga,
Mabel
Paris, 18 de setembro de 1831
1001 Fantasmas
durante a vida, hoje posso dizer que tenho muitos irmãos. Ter muitos
para ser uma mulher admirada. Ela tinha um salão em que todos os
de ser filha dele. Tenho a pele negra como a de meu pai e os mesmos
dizer que me diverti muito. Hoje sei que trouxe o sonho e a aventura à
velho, apenas alguns amigos restaram. Estes, para mim, são o que há
de mais precioso.
invisível.
Quero que você o leia um dia. Fiz com que meus personagens
inventadas por papai aos seus próprios filhos, criando uma espécie de
sem querer, entrei numa ruela escura. Assim que atinei o lugar em
Era como se a ruela me levasse a outro lugar que não o ponto de onde
que senti uma espécie de arrepio. Prestei atenção. E sabem o que a voz
dizia?
mais uma porta se abria. Pensei que tudo não passava de um mero
sonho. Que naquela pequena casa só havia pobres gatos abandonados.
jovem, branca, quase transparente, com olhos tão claros que pareciam
empoeirado.
mim.
descansava no berço?
carruagem.
ar. Esse foi o encargo que seu pai me atribuiu. Sabe, às vezes eu o
encontro no outro mundo. Ele parece feliz. Mas se preocupa com
Eu a atraí até aqui porque preciso de sua ajuda. Quero que vá até
vivenciar um conto de fadas ou, para ser mais precisa, era como se eu
sonhar.
pessoas mágicas.
bem e contou com nossa ajuda quando salvou seu príncipe por
que ouvem.
Querida Anne Marie, seu pai nos respeitava tanto que dedicou
carinho; nosso desejo é que você seja nossa presidenta. Sabemos que
nesta vida.
Querida Mabel,
VÍTOR
Salvador, 14 de julho de 2001
Caro Vítor,
Um beijo,
Mabel
São Paulo, 15 de julho de 2001
Caro Vítor,
Toshiro
São Paulo, 16 de julho de 2001
Toshiro,
Eu achei melhor lhe escrever; como você já sabe, está complicado demais
usar o telefone. O impostor está controlando isso. Agora a mulher ruiva
amiga dele não sai mais daqui. O clima está horrível. Eles conversam
naquela língua estranha dia e noite. Mudaram toda a decoração da sala. O
negócio aqui está superesquisito. E, para piorar ainda mais a situação, seu
Guimarães sumiu! Ele estava conversando comigo sentado ao lado da
minha cama e contava umas histórias superengraçadas da gente do sertão.
Eu fui ficando tão tranquilo com o olhar dele, que é tão bondoso, com
aquele jeito carinhoso que ele tem de falar que me esqueci de que precisava
falar muito baixinho para eles não perceberem que eu não estava sozinho.
Comecei a falar em voz alta com seu Guimarães e a rir para valer também.
Estava me sentindo muito feliz.
Bem, na melhor parte da nossa conversa, o tal do impostor e a ruiva
abriram a porta e ele perguntou:
— Vítor, com quem é que você está conversando? Que folia é essa, hem?
Eu percebi na mesma hora que eles não conseguiam ver seu Guimarães.
— Não é nada, não. Acho que me deu bobeira. Estava só treinando umas
piadas novas que eu li numa revista e depois quero contar na escola.
— Engraçado — disse a ruiva com uma cara de desconfiança —, parecia
que você estava falando com alguém. Você está enxergando mais alguém?
Não estava falando com um fantasma, não, estava?
Eu gelei. Mas fiz cara de quem não estava nem aí e, fingindo que estava
ofendido, respondi:
— Puxa! Assim não dá! Vocês não me levam para lugar nenhum, eu não
tenho ninguém para conversar, nenhum amigo, nem nada. Só dá para ficar
falando sozinho, né!
Felizmente, a ruiva e o comparsa engoliram minha desculpa. Saíram
batendo a porta, mas quando eu me virei para seu Guimarães, ele estava
começando a sumir no ar. Antes de desaparecer totalmente, ele me disse:
— Vítor, meu menino, sinto que estou ficando fraco. Acho que
subestimei o poder desses dois, precisamos ter mais cuidado. Não sei
direito que magia é essa que eles estão usando para me fazer desaparecer,
só sei que está funcionando. Preciso desaparecer por um tempo para me
recarregar e buscar ajuda. Agora, vou precisar que confie em mim e resista
ao próprio medo. Você não deve temer nada, pois sua força é imensa. Você
ainda não a sente porque é muito inexperiente, mas esses dois não podem
fazer nada contra você, a menos que você deixe que eles façam. Mas eu
tenho certeza de que isso não irá acontecer. Espere por mim e continue em
contato com o pessoal da Sociedade. Apenas eles podem ajudá-lo agora.
Adeus, meu grande amigo.
Naquela noite, pela primeira vez na vida, eu chorei para valer. Seu
Guimarães tinha sido afetado e estava sofrendo, eu podia sentir. Eu pensei
que ele era o meu protetor invencível, mas não é bem assim. Ele foi atingido
e não consigo mais vê-lo.
Por favor, venha me visitar. Eu vou dizer ao impostor que você é um
amigo que veio me ajudar a estudar para uma matéria em que fiquei de
recuperação. Sei lá, falo algo desse gênero. O que não deixa de ser verdade,
pois você vem me ensinar mais coisas sobre fantasmas, não é?
Eu estou esperando por você, preciso de sua ajuda, urgente!
VÍTOR
P. S. Esqueci de falar, mas fiquei bem mais calmo depois que recebi sua
carta. Valeu!
São Paulo, 16 de julho de 2001
Caro Vítor,
Um abraço,
James J.
Nova Orleans, 15 de julho de 2001
Ontem recebi um telegrama urgente da diretoria. Pediram para eu mandar esta carta
via sedex para que chegasse o mais rápido possível. Parece que você está enfrentando um
supervilão. Daqueles que a gente só vê mesmo em filme de terror de sexta-feira à noite.
Mas primeiro preciso me apresentar: meu nome é Eriq de la Molle. Sou negro,
estadunidense e moro em Nova Orleans, a cidade mais mágica e musical dos Estados
Unidos. Sei que você está morto de medo, por isso vou primeiro conversar um
pouquinho para acalmá-lo, depois você dá uma olhada no arquivo sobre seu amigo
Guimarães. Minha avó sempre me diz que o lugar mais calmo do mundo é o centro de
um furacão. Quer dizer, dê um tempo, leia minha carta, quem sabe ficamos amigos? Eu
adoraria ter um amigo no Brasil. Por puro interesse, mesmo, é que eu adoraria conhecer
sua terra.
Bem, português, como você pode ver, eu falo e escrevo bem. Como é que aprendi? Eu
tenho sete irmãos e minha mãe é viúva. Ela é dona de um restaurante de frutos do mar.
Quem sempre cuidou de nós foi minha bisavó Clarice. Aliás foi com ela que aprendi a
falar francês. Aqui em Nova Orleans todo mundo fala um pouquinho de francês. Há
dois anos uma família brasileira mudou para a casa da esquina. Eles são os Sampaio.
Tocam em uma banda de música num bar no French Quarter. Eu vivo lá. Conheci o
Rafael, o filho mais velho, na escola e desde então fiquei íntimo da casa. Foi fácil
aprender a falar português porque eu já conhecia francês. Depois comecei a ler os livros
que eles têm...
Mas não foi só por isso que a diretoria me mandou escrever para você. É que eles
querem que eu relate minha história para você ficar mais tranquilo.
Um dia eu estava andando numa rua estreitinha, no bairro francês de Nova
Orleans. Ele é cheio de lojinhas de cartomantes, videntes, gente que lê o futuro nas
cartas etc. Eu estava com um pouco de dinheiro no bolso porque tinha ajudado minha
mãe no restaurante e os fregueses haviam me dado gorjetas. Olhei para uma janelinha
iluminada e toda colorida de anúncios. Fiquei com vontade de saber meu futuro. Eu
queria saber se ia passar de ano.
Pensei que ia encontrar uma velhinha fantasiada de cigana, mas apareceu um cara
todo fortão e barbudo, que não parecia ser vidente de nada. Ele me serviu uma xícara de
chá-preto, mandou que eu bebesse o líquido e depois lhe entregasse a xícara de volta.
Obedeci. Enquanto eu bebia, o cara perguntou:
— O que você quer saber?
— Se vou passar na prova de inglês — respondi.
— Não vai, não — ele disse.
— Como é que o senhor sabe? — eu perguntei.
— Se tivesse estudado, você não tinha dúvida, seu moleque.
Achei que o cara era esperto. É verdade, eu não tinha estudado nada. Dei uma
risadinha. Estava gostando dele. Mas quando eu lhe devolvi a xícara, o cara ficou
sério. Sua boca foi se abrindo devagarzinho.
— Você é um menino especial, Eriq. Desculpe se fiz umas brincadeiras. Você será um
grande músico. Conhecido internacionalmente. Suas canções serão mágicas.
Estava gostando daquilo. Eu adoro música. Já inventei umas canções. Os Sampaio
aprovaram. Disseram que tenho talento. Comecei a viajar nessa história de ser
músico...
— Mas atenção, garoto. Você terá que enfrentar um grande perigo num futuro
próximo — falou o homem, interrompendo minhas divagações.
Depois de dizer isso o cara parou de falar. Ele me entregou um trevinho-de-quatro-
folhas feito de prata e disse que era para eu guardar. Então me mandou embora. Nem
cobrou nada. Foi desse jeito mesmo. Sem mais nem menos.
Em Nova Orleans acontecem coisas estranhas a toda hora. Fui andando para casa
morto de medo. Resolvi parar no parque para descansar. Havia um cara tocando
violão. Aqui tem um músico em cada praça. Nisso eu vi um senhor muito tranquilo
sentar-se no banco da frente. Ele sorriu para mim. Ficamos quietos ouvindo a música.
Daí apareceu um outro sujeito. Ele era tão nervoso que o rosto dele ficava se mexendo o
tempo todo. Ele piscava, suava (mas naquele dia fazia um frio tremendo) e batia o pé
no chão. Era bem magrinho e pálido. Seu cabelo estava todo ensebado. Ele sentou do
lado do senhor simpático. De repente, eu reparei, ele tirou uma faquinha do bolso e
murmurou alguma coisa para o meu amigo. Vi que era um assalto. Olhei ao meu
redor. O cantor não estava percebendo nada. Não tinha sequer um policial para pedir
ajuda. Aliás, não havia mais nenhum adulto. Só uma molecada andando de patins.
Comecei a suar frio também. Tinha que fazer alguma coisa. O senhor me olhou e fez
sinal com a mão para que eu fugisse. Mas isso eu não ia fazer. O cara cutucou meu
amigo outra vez. Ele enfiou a mão no bolso e deu para perceber que estava vazio. Acho
que ele tinha saído para passear sem carteira. “E agora?”, pensei. O assaltante vai ficar
louco da vida. Fechei os olhos e pedi assim: “Por favor, alguém me ajude, preciso salvar
esse homem!”.
Quando abri os olhos vi a coisa mais estranha do mundo. Atrás da pracinha tem
uma casa antiga que foi transformada em museu. Já não era mais hora de visitas. Mas
tudo foi tão rápido que é difícil descrever. Uma moça vestida com uma camisola branca
comprida atravessou a porta da casa. Atravessou mesmo. Como se seu corpo não fosse
de carne e osso. Ela era linda. Mas a cara estava muito brava. Ela veio andando bem
rápido na nossa direção. Depois cobriu os olhos do assaltante. O cara colocou as mãos
no rosto gritando e deixou cair a faca. Então, deu um salto e saiu correndo dali. E a
moça sumiu. Desintegrou no ar.
O senhor que tinha sido atacado se aproximou de mim e me deu um abraço dizendo:
— Agora você já sabe, meu filho. Você é diferente. Você pode ver fantasmas. Você
pode chamá-los. Muito obrigado. Por pouco eu não viro um fantasma também. E
ainda é cedo para isso. Tenho muito o que fazer. Tome isto — ele me entregou um
jornal — e vá para casa. Leia direitinho na página 77.
Naquele dia eu não corri para casa, voei mesmo. Nem jantei. Eu me tranquei no
quarto, abri o jornal e vi o seguinte:
Nem é preciso saber inglês para descobrir o que dizia o anúncio, não é? Entrei para a
Sociedade. Como você vê, é a mesma coisa com todo mundo, em todo lugar. Os caras
aparecem bem na hora em que a gente mais precisa deles. Aos poucos fui conhecendo
melhor a Sociedade. Desde que trabalho com a 1001, já descobri mais alguns segredos.
Agora, preste atenção:
Até os dezessete anos, mais ou menos, todo mundo ainda enxerga o mundo pelo olho
da mente. Qualquer jovem pode ver fantasmas. Depois, para a maioria das pessoas o
olho vai se fechando bem devagarzinho e só volta a abrir quando elas ficam bem
velhinhas. É por isso que os adultos não acreditam em fantasmas. Eles não conseguem
ver. E, além disso, também não acreditam em crianças, jovens ou velhos. Para adulto
só existe a tal da “verdade adulta”. E isso, meu caro Vítor, na maior parte das vezes, é
pura bobagem.
A diretoria quer que você faça como eu, feche os olhos e peça ajuda: o velho
Guimarães nunca falha.
Good luck,
Eriq de la Molle
São Paulo, 18 de julho de 2001
James,
VÍTOR
São Paulo, 19 de julho de 2001
Caro Vítor,
possível.
Sei que tinha o maior orgulho de mim. Lembro dele ao meu lado,
também. Fiquei muito triste no dia em que ele morreu, por isso
especial comigo:
— Maria Lumiana, eu sei que você tinha muito amor por seu avô.
Mas ele não iria gostar nem um pouco de ver você chorando tanto.
Aliás, ele me disse que queria que você ficasse com todos os livros
tudo o que ele me deixou. Dá para conhecer uma pessoa pelo que
menina da luz. É por isso que você pode me ver. Porque seus olhos
têm a luz da mente. Você tem poderes também. Mas hoje vou
disse:
Eu não tenho medo dessa dupla nefasta que está aí em sua casa.
amanhã!
Um superabraço,
Maria Lumiana
São Paulo, 20 de julho de 2001
James
São Paulo, 20 de julho de 2001
combinou que seria desse jeito. Você precisa ter a certeza de que
falei com minha mãe sobre o seu caso. Contei a ela que você ficou
com um tio doidão, que parecia bem normal no começo mas que
disse que você pode ficar aqui em casa até seus pais voltarem.
Até amanhã.
Fique frio.
Um beijão,
Maria L.
São Paulo, 21 de julho de 2001
Querida Mabel,
Um beijo,
VÍTOR
Salvador, 23 de julho de 2001
Sei que quando você receber minha carta, tudo já terá acontecido. Tenho
certeza de que as coisas vão dar certo no final. Há algo que eu não esclareci
direito. A 1001 Fantasmas é uma sociedade de muita força. Nós nunca fomos
vencidos por ninguém. Isso porque todos os membros da nossa organização
são pessoas de ótimo coração e, quando se unem, formam uma espécie de
aliança que nunca ninguém conseguiu destruir.
Escreva assim que puder.
Um grande beijo,
Mabel
São Paulo, 25 de julho de 2001
Querida Mabel,
Um beijão,
VÍTOR
Salvador, 27 de julho de 2001
Um beijão,
Mabel
São Paulo, 30 de julho de 2001
Querida Bette,
Você tinha toda a razão!!! Sua intuição estava corretíssima. Ainda bem
que você me obrigou a voltar para casa e ver como estava nosso filho. Estou
muito preocupado com o Vitinho. Cheguei em casa e descobri nossos dois
aparelhos de telefone espatifados, escondidos num canto da garagem.
Como não posso telefonar para você, achei melhor enviar este e-mail
porque sei que hoje você irá se conectar e logo receberá minha mensagem.
Estou dando graças aos céus por você ter levado nosso computador para a
pesquisa.
Você nem imagina o que aconteceu enquanto estávamos ocupados aí na
ilha. O tal tio Ademar desapareceu. Parece que ele não era seu tio coisa
nenhuma. Vitinho me disse que ele era um grande impostor. Nem pense
em como me senti quando cheguei e encontrei a casa vazia, uma verdadeira
bagunça. Sorte que logo dei com um cartaz enorme que o Vitinho deixou
pregado na parede de entrada dizendo que ele estava na casa de uma amiga,
com endereço, telefone e tudo o mais.
Calcule só o meu desespero. Peguei o carro e voei para a tal casa, que fica
em Pinheiros. Cheguei lá e logo fui me acalmando porque vi que ele estava
com uma família sensacional, convidado por uma menina muito educada
com um nome estranho: Maria Lumiana.
Quando a mãe dela me levou até o quintal onde eles jogavam bola, vi que
o Vitinho estava com mais dois novos amigos: um garoto filho de japoneses
chamado Toshiro, e outro garoto que tem um pouco de sotaque porque
nasceu na Irlanda e se chama James. Foram eles que salvaram nosso filho
das mãos do impostor, que parece que estava em companhia de uma
mulher horrível, cujo nome ninguém soube me informar. E não é só isso!
Além de nosso filho ter sido abandonado, ter ficado sem dinheiro e sem
telefone, não havia nada em casa para ele comer. Os pais da Maria Lumiana
disseram que o Vitinho está comendo feito um boi e que, no começo,
quando ele chegou lá, parecia fraco, cansado e assustado.
Você já imaginou o susto que eu levei?
É verdade que tudo deu certo e o Vítor acabou sendo auxiliado por gente
muito boa, mas nem imagino como foi que ele conheceu essas pessoas. Os
pais da Maria Lumiana também não conseguiram me explicar muito bem.
Parece que os quatro se comunicavam através de cartas.
Fiquei tão cismado...
Você lembra como foi que nos conhecemos? Você lembra quando escrevi
pela primeira vez para a 1001 Fantasmas?
Pensei em seus conselhos e concluí que você tem razão. Precisamos
contar para o Vítor sobre a nossa participação na Sociedade. Você já
imaginou que ele pode se transformar em uma dessas crianças que têm
medo de fantasmas? O nosso filho? Um Aligueri? Não posso deixar que isso
aconteça. Eu gostaria tanto que ele seguisse a tradição da nossa família e
entrasse para a 1001 Fantasmas... O que você acha? Será que é muito cedo?
Será que ele ficaria assustado?
De qualquer modo, acho bom você voltar logo. Temos muito a decidir
daqui para a frente.
VÍTOR ALIGUERI
PRISCILA NEMETH
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em
2009.
Ale Kalko
Veridiana Scarpelli
Raul Loureiro
Maysa Monção
Cláudia Cantarin
Adriana Bairrada
2 estúdio grá co
Rafael Alt
978-65-5782-446-7
2a edição
Capa
Folha de rosto
Sumário
Mistérios da Imaginação
São Paulo, 26 de junho de 2001
Belém, 29 de junho de 2001
São Paulo, 2 de julho de 2001
Salvador, 1o de julho de 2001
São Paulo, 4 de julho de 2001
Salvador, 6 de julho de 2001
São Paulo, 8 de julho de 2001
Salvador, 10 de julho de 2001
Paris, 18 de setembro de 1831
São Paulo, 12 de julho de 2001
Salvador, 14 de julho de 2001
São Paulo, 15 de julho de 2001
São Paulo, 16 de julho de 2001
São Paulo, 16 de julho de 2001
Nova Orleans, 15 de julho de 2001
São Paulo, 18 de julho de 2001
São Paulo, 18 de julho de 2001
São Paulo, 19 de julho de 2001
São Paulo, 20 de julho de 2001
São Paulo, 20 de julho de 2001
São Paulo, 21 de julho de 2001
Salvador, 23 de julho de 2001
São Paulo, 25 de julho de 2001
Salvador, 27 de julho de 2001
São Paulo, 30 de julho de 2001
Sobre a autora
Créditos