KRAMER, Samuel Noah. Mesopotâmia, o Berço Da Civilização. Rio de Janeiro José Olympio, 1969.
KRAMER, Samuel Noah. Mesopotâmia, o Berço Da Civilização. Rio de Janeiro José Olympio, 1969.
KRAMER, Samuel Noah. Mesopotâmia, o Berço Da Civilização. Rio de Janeiro José Olympio, 1969.
OS MAMÍFEROS
AS AVES
O MAR
AS PLANTAS
O HOMEM PRÉ-HISTÓRICO
A TERRA
O UNIVERSO
A EVOLUÇÃO
OS PEIXES
OS RÉPTEIS
OS INSETOS
COMPORTAMENTO ANIMAL
O HOMEM E O ESPAÇO
A ENERGIA
A CÉLULA
A MATÉRIA
A MENTE
AS MATEMÁTICAS
O CORPO HUMANO
AS MÁQUINAS
O CIENTISTA
SOM E AUDIÇÃO
LUZ E VISÃO
OS PLANETAS
O ANTIGO EGITO
GRÉCIA CLÁSSICA
ROMA IMPERIAL
MESOPOTAMIA — O BERÇO DA CIVILIZAÇÃO
IDADE DA FÉ
BIZÃNCIO
RENASCENÇA
IDADE DAS EXPLORAÇÕES
OS BÃRBAROS NA EUROPA
A REFORMA
A ERA DOS REIS
AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA
BIBLIOTECA DE HISTORIA UNI^ ERSAL LIFE
MESOPOTAMIA
Oberçí:)dacivilização
por
SAMUEL NOAHKRAMER
e
Os redatores dos Livros TIME-LIFE
INTRODUÇÃO
1 ATERRAENTRERIOS
Ensaio Ilustrado: DESENTERRANIX) O PASSADO
10
17
3 A EXPANSÃO DO IMPÉRIO
Ensaio Ilustrado: OS GRANDES FEITOS DE UM MONARCA 63
50
4 O POVO ESEUZIANTE .
Ensaio Ilustrado: A VIDA IMUTÁVEL NOS PÂNTANOS
7s
87
6 O HOMEMLETRADO
Ensaio Ilustrado: COMO COMEÇOU A ESCRITA
ii8
129
7 O BEID, O PRAITGO
Ensaio Ilustrado: O ESPLENDOR MACIÇO DE UMA
CIDADE
ns
147
APÊNDICE-
Oriente e Ocidente — CivilizaçõesEntrecruzadas 173
Cronologias 174
Como os Arqueólogos determinam a idade de lugares e achados 176
Registro das Ilustrações eagradecimentos 178
BIBLIOGRAFIA ' 179
ÍNDICE REMISSIVO 180
A história que se vai contar nas páginas a seguir
INTRODUÇÃO é a do tesouro sepulto em cidades de um longín
quo passado.
O tesouro é real, como se verificará observando
as ilustrações: ouro, prata, peças de marfim priiiio-
rosamente esculpidas, jóias talhadas em cornalina,
serpentina e lazulita. E, no entanto, isso parece o que
menos importa. O valor excitante e inestimável dês-
se tesouro está acima de tais preciosidades. Reside
no conhecimento sem-par que êsses achados nos
trazem: cada fragmento desenterrado dos lugares
antigos desvenda urna parte da historia humana que
estava perdida, fala-nos de primordios, das primeiras
cidades que já foram construídas, dos primeiros ho
mens civilizados que nelas viveram, dos seus pen
samentos e feitos quando era jovem o mundo que
êle* tinhamde dominar.
Ks cidades velhíssimas de que veio o tesouro são
as da Suméria, de Babilônia e da Assíria. Jazem
agora como baixos e pardacentos montes de terra
no deserto do Iraque, a antiga região da Mesopo-
tâmia; cumpriu-se o que sobre elas profetizou Je
remias (Jer. cap. 51, vers. 43): ‘"Suas cidades são
uma desolação, um êrmo agreste, uma terra sêca,
uma terra onde não vive um só homem e por onde
não passa nenhum filho de homem.” Parece incrí
vel que alguém concebesse que tais coisas nelas ainda
subsistiam.
Mãs, houve quem o fizesse. Nos meados do sé
culo XIX, exploradores imaginosos começaram a
esquadrinhar os montículos, uns após outros, e logo
^ trouxeram à luz palácios e templos sepultos. Ao sul, os resultados que daí advieram, deslocaram o foco
na antiga Suméria, os escavadores deram com as de interêsse. Enquanto os primeiros estudiosos se
estátuas de Gudea e outras obras notáveis da arte encantavam sobretudo com o nôvo conhecimento a
sumeriana. Ao norte, nas cidades da Assíria, encon respeito da Bíblia, agora se fazia evidente uma im
traram colossais touros de alabastro com cabeças de portância adicional das escavações: a luz projetada
forma humana e uma profusão de retóvos descre sôbre os começos da história. Anteriormente a
vendo as campanhas guerreiras dos reis assírios. Em 3.000 anos a.C, nenhuma civilização existiu em
Nínive foi exumada a famosa biblioteca de Assurba- qualquer parte da terfa. Só então foi que ela se
nipal, escrita em pequenas placas de argila; com desenvolveu, primeiro na Mesopotâmia, um pouco
espanto e deleite o mundo leu as narrativas assírias, mais tarde no Egito.
desde muito perdidas, de guerras mencionadas na E éste nôvo critério — o conceito da Mesopotâ
Bíblia, e a magnífica Epopéia de Gilgamesh, com mia como o Berço da Civilização, como a primeira
sua heróica busca da vida eterna e a sua história experiência do homem para engrandecer a sua vida
do Dilúvio, tão semelhante à versão bíblica. — que norteia a matéria dêste volume. Aqui, su
As primeiras escavações, empreendidas com fina cedem-se bem de perto as primeiras conquistas do
lidade de encontrar objetos de efeito para opulentar homem: a invenção da escrita; o refinamento da
museus, eram realizadas, muitas vézes, sem método arte, como se vê na esteia comemorativa da vitória
e desatentamente. Só com a passagem do século é de Naran-Sín; a evolução do direito ao nível alcan
que se introduziram ordem e planejamento, dando- çado no Código de Hamurãbi; as obras dos primei
-se também a devida atenção às ruínas arquitetôni ros matemáticos, astrônomos, linguistas e, talvez
cas. Um pouco mais tarde, após a Primeira Guerra acima de tôdas estas, as dos poetas e escritores que
Mundial, patenteou-se aos escavadores a capital criaram a primeira civilização do mundo — a rica,
importância de uma cuidadosa observação estrati-, variada e profunda literatura dos sumérios.
gráfica. Nesses anos, em que também ocorreram as Para tudo isso não poderia haver guia mais de
descobertas espetaculares dos túmulos reais, em Ur, votado e agradável do que o Dr. Kramer. Decano
começaram a merecer especial atenção certas minú dos sumeriologistas em todo o mundo e estudioso
cias que antes passavam despercebidas e que não que tem feito mais do que outro qualquer para a
tardaram a estender nosso conhecimento da antiga recuperação e divulgação da literatura sumeriana,
Mesopptâmia, por milênios de períodos até então o Dr. Kramer é também admirador entusiástico e
desconhecidos e de culturas insuspeitadas. fiel defensor da antiga civilização que êle aqui tão
A nova ênfase dada à investigação sistemática, e vividamente reconstitui.
THORKILD JACOBSEN
Professor de Assiriologia na Universidade de Harvard
A história que se vai contar nas páginas a seguir
INTRODUÇÃO é a do tesouro sepulto em cidades de um longín
quo passado.
O tesouro é real, como.se verificará observando
as ilustrações: ouro, prata, peças de marfim primo
rosamente esculpidas, jóias talhadas em comalina,
serpentina e lazulita. E, no entanto, isso parece o que
menos importa. O valor excitante e inestimável dês-
se tesouro está acima de tais preciosidades. Reside
no conhecimento sem-par que êsses achados nos
trazem: cada fragmento desenterrado dos lugares
antigos desvenda uma parte da história humana que
estava perdida, faia-nos de primórdios, das primeiras
cidades que já foram constmídas, dos primeiros ho
mens civilizados que nelas viveram, dos seus pen
samentos e feitos quando era jovem o mrmdo que
êle^ tinham de dominar.
Ks cidades velhíssimas de que veio o tesouro são
as da Suméria, de Babilônia e da Assíria. Jazem
agora como baixos e pardacentos montes de terra
no deserto do Iraque, a antiga região da Mesopo-
tâmia; cumpriu-se o que sobre elas profetizou Je
remias (Jer. cap. 51, vers. 43): “Suas cidades são
uma desolação, um êrmo agreste, uma terra sêca,
uma terra onde não vive um só homem e por onde
não passa nenhum filho de homem.” Parece incrí
vel que alguém concebesse que tais coisas nelas ainda
subsistiam.
Mas', houve quem o fizesse. Nos meados do sé
culo XIX, exploradores imaginosos começaram a
esquadrinhar os montículos, uns após outros, e logo
trouxeram à luz jjalácios e templos sepultos. Ao sul, os resultados que daí advieram, deslocaram o foco
na antiga Suméria, os escavadores deram com as de interêsse. Enquanto os primeiros estudiosos se
estátuas de Gudea e outras obras notáveis da arte encantavam sobretudo com o novo conhecimento a
sumeriana. Ao norte, nas cidades da Assíria, encon respeito da Bíblia, agora se fazia evidente uma im
traram colossais touros de alabastro com cabeças de portância adicional das escavações: a luz projetada
forma humana e uma profusão de relevos descre sôbre os começos da história. Anteriormente a
vendo as campanhas guerreiras dos reis assírios. Em 3.000 anos a.C., nenhuma civilização existiu em
Nínive foi exumada a famosa biblioteca de Assurba- qualquer parte da terra. Só então foi que ela se
nipal, escrita em pequenas placas de argila; com desenvolveu, primeiro na Mesopotâmia, um pouco
espanto e deleite o mundo leu as narrativas assírias, mais tarde no Egito.
desde muito perdidas, de guerras mencionadas na E êste nôvo critério — o conceito da Mesopotâ
Bíblia, e a magnífica Epopéia de Gilgamesh, com mia como o Berço da Civilização, como a primeira
sua heróica busca da vida eterna e a sua história experiência do homem para engrandecer a sua vida
do Dilúvio, tão semelhante á versão bíblica. — que norteia a matéria dêste volume. Aqui, su
As primeiras escavações, empreendidas com fina cedem-se bem de perto as primeiras conquistas do
lidade de encontrar objetos de efeito para opulentar homem: a invenção da escrita; o refinamento da
museus, eram realizadas, muitas vêzes, sem método arte, como se vê na esteia comemorativa da vitória
e desatentamente. Só com a passagem do século é de Naran-Sin; a evolução do direito ao nível alcan
que se introduziram ordem e planejamento, dando- çado no Código de Hamurábi; as obras dos primei
-se também a devida atenção às ruínas arquitetôni ros matemáticos, astrônomos, linguistas e, talvez
cas. Um pouco mais tarde, após a Primeira Guerra acima de tôdas estas, as dos poetas e escritores que
Mrmdial, patenteou-se aos escavadores a capital criaram a primeira civilização do mundo — a rica,
importância de uma cuidadosa observação estrati-, variada e profunda literatura dos sumérios.
gráfica. Nesses anos, em que também ocorreram as Para tudo isso não poderia haver guia mais de
descobertas espetaculares dos túmulos reais, em Ur, votado e agradável do que o Dr. Kramer. Decano
começaram a merecer especial atenção certas minú dos sumeriologistas em todo o mrmdo e estudioso
cias que antes passavam despercebidas e que não que tem feito mais do que outro qualquer para a
tardaram a estender nosso conhecimento da antiga recuperação e divulgação da literatura sumeriana,
Mesopotâmia, por milênios de períodos até então o Dr. Kramer é também admirador entusiástico e
descoxüiecidos e de culturas insuspeitadas. fiel defensor da antiga civilização que êle aqui tão
A nova ênfase dada à investigação sistemática, e vividamente reconstitui.
THORKILD JACOBSEN
Professor de Assirioiogia na Universidade de Harvard
A não ser na parte dos pântanos e brejos, com
sua vegetação de caniços, onde o Tigre e o Eufra-
tes deságuam no golfo Pérsico, a Mesopotâmia —
a “Terra Entre os Rios” dos antigos historiadores
gregos e que corresponde, mais ou menos, ao Iraque
de hoje — consiste em sua maior parte numa de
solada planície de aluvião. O clima, de um modo’'
geral, é quente e sêco. Não há minérios e quase não
há pedra ou madeira para construção; o solo, se
não recebe cuidados, é árido, improdutivo.
Mas, embora essa região pareça na atualidade
bem pouco atraente, nenhum outro lugar do planêta
ATERRA ENTRE RIOS cujas raízes mergulham bem fundo nas trevas da
pré-história'. Foi a Mesopotâmia que viu erguerem-
-se os primeiros centros urbanos da humanidade,
com a sua vida opulenta, complexa e variada, em
que a lealdade política não era mais em relação à
tribo ou ao clã, mas em relação à comunidade como
um todo; onde os alterosos zigurates, ou templos-
-tôrres, se lançavam para o céu, fazendo o coração
do citadino palpitar de mêdo, maraviUiamento e
orgulho; onde a arte e a engenhosidade técnica, a
especialização industrial e a iniciativa comercial en
contraram ambiente para crescer-e expandir-sè.
Coisa talvez mais importante: foi nas primeiras
cidades da Mesopotâmia que se inventou e se de
senvolveu o primeiro sistema prático de escrita,
operando como que uma revolução nas comuni
cações, com efeitos do maior alcance para o pro
gresso econômico, intelectual e cultural do homem.
Idéias, técnicas e invenções criadas pelos sumérios
e cultivadas pelos povos posteriores da Mesopotâ
mia — os babilônios, assírios e outros — foram
difundidas de leste a oeste, a ponto de imprimir
a sua marca em pràticamente tôdas as culturas da
antiguidade e mesmo nas dos nossos dias.
O papel fundamental da Mesopotâmia na saga
da civilização só se tomou conhecido em época re
cente, embora já se soubesse desde muito que ah
floresceram grandes impérios. O VeUio Testamento
está cheio de referências a êles, e ainda no sé
culo XII europeus emi viagem pelo Oriente Próximo
voltaram com relatos de cidades em minas ocultas
sob arredondados montes de entulho que se espa
lhavam na planície entre o Tigre e o Eufrates. No
século XIX, quando uma paixão pelas antiguidades
dominou a Europa, escavadores começaram a pes
ESTATUETA VOTIVA, desenterrada em Nippur, é uma das muitas que eram
deixadas nos templos da Mesopotâmia para orarem aos deuses quando
quisar aquêles misteriosos montículos, e dos seus
os adoradores estivessem ausentes. Data aproximadamente de 2.800 a.C. esforços resultou que fossem revelados os esplendo-
res da lendária Babilônia, de Nínive, Dur-Sharrukin restos humanos de servidores que, segundo parece,
e outras urbes antigas. ah foram sepultados vivos. Cêrca de 80 quilôme
Mas êsses escavadores pioneiros e em geral inex tros ao norte, templos sumerianos sobre altaneiras
perientes, na maior parte franceses e inglêses, pro plataformas, que devem datar de 3000 anos a.C.,
curavam sobretudo relíquias de efeito; devotavam foram emergindo do solo, polegada a polegada,
bem pouca atenção a minúcias aparentemente insig quando os arqueólogos alemães esquadrinharam o
nificantes, mas que também ajudam a recompor a local da Erech bíblica. Encontraram-se entre as
tela do passado. Assim, o descobrimento da signifi ruínas centenas de placas de barro com inscrições
cação inigualável da Mesopotâmia na história hu em sinais pictográficos, precursores da escrita cunéi
mana teve que esperar até que as escavações do forme. Ainda mais ao norte, no monte onde ou
Oriente Próximo deixassem de ser runa busca aven- trera existiu Kish, a maior cidade da antiga Sumé-
turosa de tesouros e se tomassem uma disciplina. ria, uma equipe anglo-americana descobria cons
O momento decisivo dessa mudança de rumo ocor truções monumentais, zigurates e cemitérios, e de
reu no comêço do século atual, quando arqueólogos um monte menor, ah perto, vieram placas de argila
profissionais principiaram a substituir os catadores que forneceram dados adicionais sobre o desenvol
de relíquias, e trabalhos de escavação entusiásticos, vimento da escrita.
porém desordenados, cederam lugar a técnicas al Na Mesopotâmia central, a nordeste de Bagdá,
tamente apuradas. Por volta de 1920, a arqueologia uma expedição americana encontrava templos, pa
no Oriente Próximo já repousava em sólida base lácios e residências particulares, em cidades de que
científica, e só então os escavadores começaram a ainda quase nada se conhecia, assim como escul
exumação sistemática das aldeias mesopotâmicas turas criadas por volta de 2700 anos a.C., figuran
assim como a das cidades, das choças como dos pa do entre as mais antigas obras dessa espécie já
lácios, dos utensílios e instrumentos.como das es descobertas na Mesopotâmia. A mais de 350 quilô
culturas monumentais. metros a noroeste, na Síria e justamente na frontei
Ao reconstituir a história e a cultura da Me ra com o Iraque, escavadores franceses começaram
sopotâmia, assim como a vida e o caráter do seu a desenterrar Mari, uma cidade devastada pelos
povo, os estudiosos têm sido imensamente ajudados conquistadores, há 37 séculos passados. Uma das
pela decifração de inscrições contidas em milhares suas mais imponentes ruínas era a do palácio real,
e milhares de placas de argila que foram desenter que ocupava cêrca de sete acres.
radas. Esses registros, escritos em afilados caracte Enquanto eram feitos êsses espantosos descobri
res cuneiformes, aclaram quase todos os aspectos mentos, outros escavadores, retirando camada após
da existência antiga, desde as enfáticas proclama camada de terra em lugares de antiguidade ainda
ções dos reis até às contas de um merceeiro, de mais remota, estavam fazendo recuar o horizonte
obras literárias e religiosas às admoestações de um da pré-história mesopotâmica. E, bem longe da
pai ao filho rebelde. Mesopotâmia e das suas cidades sepultas, no Ins
As duas décadas que se seguiram a 1920 e ao tituto Oriental da Universidade de Chicago, um vas
amadurecimento da arqueologia na Mesopotâmia to esquema de esforços conjugados estava sendo
foram marcadas por descobrimentos importantes, pôsto em ação para analisar e traduzir cada pala
uns após outros. Em Ur — a “Ur dos Caldeus” da vra e cada frase inscritas em milhares de placas
Bíblia — no sul da Mesopotâmia, o arqueólogo bri cuneiformes recolhidas em museus.
tânico Sir Leonard Woolley abria os chamados tú Os preciosos descobrimentos e os frutíferos es
mulos reais do terceiro milênio antes de Cristo, com tudos dessas décadas fecrmdas, assim como das se
achados espetaculares. Causou assombro ao mrmdo guintes, .tomaram cada vez mais evidente que a Me
a sua riqueza portentosa em objetos de ouro, prata sopotâmia, acima de outra qualquer região da terra,
e lápis-lazúli, assim como provocaram arrepio os merece ser denominada o “Berço da Civilização”.
12
A civilização tardou um tanto a aparecer no ca 1948, porém não veio fácilmente. Ainda nesse tem
minho do homem — isso foi por volta de 3000 po, muitas escavações na Mesopotâmia, patrocina
anos a.C. Até o seu advento estende-se um longo das pelas juntas diretoras de universidades e mu
prelúdio — os incontáveis séculos de gestação, seus, que pretendiam obter resultados marcantes
durante os quais o caçador solitário, e sem pouso para compensar o dinheiro gasto, continuavam con
certo, de animais selvagens, e o colhedor de plantas centradas ao sul, nos fascinantes escombros das ci
silvestres aprendeu a viver em aldeolas e vilarejos, dades soterradas sob montes de entulho, que os
a domesticar bichos e a cultivar a terra. Com plan árabes chamam de tells. Era coisa certa encontra
tações e rebanhos para prover meios razoávelmen rem-se aí muitas preciosidades, como placas de ar
te seguros de subsistência, e com vizinhos para par gila com inscrições e relíquias artísticas, enquanto
ticipar do trabalho, pela primeira vez o homem os montículos ao norte, de tamanho menor, apenas
podia desfrutar de lazeres para desenvolver idéias, prometiam magros proveitos em forma de artefatos
técnicas e artes rudimentares, e para inventar outras grosseiros e sem inscrição.
mais. Foram êsses avanços que fizeram civilizado o Braidwood teve, portanto, de criar a sua opor
homem. Essa revolucionária transformação do nô tunidade. Tenaz, perseverante e persuasivo, conse
made parasita no produtor sedentário deu-se por guiu, afinal, convencer aos dirigentes da Universi
volta de dez mil anos passados. Quanto ao lugar dade de Chicago que o objetivo principal das esca
onde isso ocorreu, os especialistas conjeturaram, vações no Oriente Próximo não era trazer peças para
de início, que devia ser a Mesopotâmia. Como era exibição em museus, mas ajudar ao esclarecimento
coisa estabelecida que ali se havia operado a “re de como se processou, passo a passo, o progresso
volução urbana” do homem, pareceu razoável pre cultural do homem através dos milênios. E um den
sumir que ali também se realizara a sua “revolu tre os mais importantes e significativos dêsses pas
ção econômica” e que em algum lugar dessa região sos era a transição da simples apanha à produção
tiveram origem a agricultura e a domesticação de de alimentos, e que a determinação do lugar e da
animais. época em que se dera êsse avanço havia de ser
O pioneiro na tentativa de chegar às fontes dêsse encontrada mais provàvelmente nos montículos sem
marco importantíssimo, porém obscuro, dos even atrativos do Curdistão que ao sul, nas espetaculares
tos humanos, foi Robert J. Braidwood, da Universi cidades soterradas.
dade de Chicago. O homem, raciocinou Braidwood, Para sua primeira grande escavação, Braidwood
pode realmente haver construído suas primeiras ci escolheu um local de três acres, chamado Jarmo,
dades no sul da Mesopotâmia, região pràticamente situado nos contrafortes setentrionais da serra de
sem chuvas, depois de ter aprendido a drenar e Zagros. Ali cavou durante várias temporadas. Logo
irrigar os seus pântanos e brejos cheios de caniços. de início deu com um monturo arqueológicamente
Mas, os primeiros povoados e aldeolas agrícola, promissor. Aprofundando cada vez mais a escava
devem ter surgido ao norte, nos ondulados flancos ção no monte de entuUio, até chegar ao solo vir
da serra de Zagros, na região agora geralmente co gem, Braidwood identificou 15 camadas superpos
nhecida como o Curdistão, onde havia farta preci tas de ocupação humana. As 10 inferiores eram pré-
pitação pluviométrica, onde o trigo e a cevada eram -cerâmicas — isto é, seus habitantes parece terem
silvestres e onde abundavam os ancestrais bravios sido tão primitivos que desconheciam inteiramente
de bois, carneiros, porcos e cabras. Era nessa área, os vasos de argila cozida e suas utilidades no uso
virtualmente intocada pelos arqueólogos, que Braid doméstico. Mesmo assim, eram suficientemente
wood esperava descobrir vestígios dos primeiros adiantados para possuir casas de barro, cada uma
lavradores e criadores de rebanhos. com vários compartimentos, e para provê-las dé
O ensejo para Braidwood demonstrar a validade fomos de tijolos empilhados que se encaixavam
da sua teoria dos “flancos ondulados” surgiu em abaixo do nível do chão. Da sua habilidade em
13
trabalhar a pedra eram provas evidentes os objetos nível de ocupação. Nos seus remanescentes, encon
encontrados, aqui e ali, nos aposentos, tais como trou Braidwood testemunhos de trabalho agrícola,
machados de sílex com polidos fios de corte, rodas como enxadas de pedra, pedras de amolar e lâmi
de fusos (indicando certa noção de fiação), e ti nas de sílex para foice, além de muitos ossos de
gelas e copas de calcário finamente trabalhadas. Com animais domesticáveis. Não havia, porém, vestígios
ossos, de animais, faziam agulhas e perfuradores. de qualquer espécie de cereais ou qualquer traço
Adornavam o corpo com braceletes, colares, anéis identificável de habitação; o local parece ter sido
e brincos de pedra, osso ou barro, e modelavam fi usado como lugar de acampamento por algum povo
guras em argila não cozida ao fogo. seminômade, que pode ter praticado uma lavoura
Contudo, o importante para a história da agri rudimentar, com utilização de enxada, povo que se
cultura foi ter-se descoberto num montículo duas transferia de um ponto para outro quando o solo
espécies, em forma carbonizada, de trigo cultivado, começava a se exaurir. Karim Shahir dava a impres
assim como de cevada resultante de plantio, e algu são de ser localidade muitos séculos mais velha que
mas variedades de favas e ervilhas. Também os Jarmo, e onde a agricultura ainda se achava real
implementos de pedra incluíam utensílios como pi mente na infância.
lões e almofarizes para moer grão, além de lâminas As escavações cuidadosamente planejadas por
de sílex para foice. Ali, quase todos os ossos en Braidwood já haviam trazido à mostra dois locais
contrados de animais eram de domesticados, ou do de crucial importância para a história da agricul
mesticáveis, cabra, carneiro, boi e cachorro. tura em seus primórdios. Q efêmero acampamento
Em suma, Braidwood descobriu em Jarmo a mais de Karim Shahir, com seus vestígios de lavoura
velha das comunidades agrícolas permanentes até incipiente, dava apoio à presunção de que a Meso-
então conhecidas — uma aldeola que datava de potâmia vira nascer a agricultura e, ao mesmo tem
7000 anos a.C. e tão atrasada que só os seus ha po, fortalecia o ponto de vista, sustentado por Braid
bitantes mais recentes sabiam como fazer cerâmi wood, de que o seu berço foram os flancos do Za-
ca, o que era conhecido nas mais primitivas po gros setentrional. E, de vez que Jarmo era o mais
voações anteriormente escavadas no Oriente Pró antigo dos povoamentos agrícolas já descobertos,
ximo. Entretanto, apesar de tal atraso, o traço pre parecia razoável crer-se que a Mesopotâmia também
dominante de sua economia era uma agricultura re testemunhara a transição do homem para uma eco
lativamente adiantada. nomia de produção de alimentos e para a vida se
Ainda que se tenha mostrado, assim, extraordi- dentária daí resultante.
nàriamente significativa, ao aclarar os dias primei Era essa a crença gerahnente aceita em 1951.
ros da atividade na lavoura, Jarmo não resolveu o Então, arqueólogos voltaram-se para algumas das
problema fundamental de o tempo e o lugar em terras nas vizinhanças da Mesopotâmia e fizeram
que teve origem a agricultura. Já que o cultivo da descobrimentos que ameaçaram não só invalidar a
terra se manteve em grau mais avançado durante hipótese dos “flancos ondulados”, de Braidwood,
tôda a existência da aldeia — que deve ter durado quanto à origem da agricultura, como também sola
rms 400 anos —, Braidwood necessitava de uma par a posição da Mesopotâmia como a pátria pro
povoação mais antiga que Jarmo para encontrar vável da revolução econômica (embora ressalvada,
vestígios de estádios incipientes e mais rudimenta naturahnente, como berço da cidade). De escava
res da agricultura. Uma localidade das redondezas, ções na região da antiga Palestina, na Síria, na
Karim Shahir, apresentava na superfície indicações Anatólia Turca e no Irã, resultaram indicações de
de ser mais primitiva, e Braidwood realizou ali a que o início da agricultura, assim como o da vida
escavação seguinte. comimal baseada na lavoura, pode ter realmente
Ao contrário de Jarmo, com muitas camadas ocorrido' nessas áreas e mais cedo que na Meso
superpostas, Karim Shahir revelou ter tido um só potâmia.
14
Um dado impressionante veio de Jerico' a céle Como ocorreu essa transformação do caçador
bre cidade bíblica que teve sua localização descober parasitário no produtor agrícola... e por quê?
ta num monte de terra à extremidade setentrional do Psicologicamente, parece curioso e anômalo um ca
mar Morto, na Palestina, uma região separada da çador erradio deixar os hábitos ancestrais de mobi
Mesopotâmia pelo vasto deserto da Síria. Ao invés lidade sem peias para se prender á terra e ao lar,
de se encarapitar num “flanco ondulado”. Jerico trocando aquilo tudo pelos caldos de campónio.
jaz mergulhada num vale quase a 300 metros abai Entretanto, segundo tóda a probabilidade, não foi
xo do nível do mar, um dos lugares mais secos do o mais confiante, auto-suficiente e bem ajustado en
mrmdo. Mas flui ali perto um manancial cujas águas tre os nômades que se deixou seduzir pela dúbia
tomam o terreno circrmdante um verde oásis. promessa da vida sedentária. Foi antes o insatisfeito,
Entre 1952 e 1958 os arqueólogos, retirando o fraco e o desdenhado, que se afastou de seus
camada após camada do monte de Jerico', puse companheiros mais bem sucedidos e dominadores
ram á mostra uma invulgar cidade de fase pré-ce- para fazer as primeiras tentativas, desajeitadas e va
râmica, que cobria dez acres e era circrmdada por cilantes, de se instalar num ponto qualquer e extrair
sólida muralha de pedra não britada. Embora não do solo o meio de subsistência. Sem dúvida, as mu
tenha sido possível identificar entre as ruínas ne lheres também contribuíram para fazer do homem
nhum indício de cereal ou de animais domestica um ser sedentário. Muitas dentre elas devem ter
dos, a presença de mós, almofarizes e pilões sugeria percebido as vantagens de criar os filhos num lar
uma agricultura incipiente, mas bastante eficaz para fixo, e algumas das mais desembaraçadas no falar
nutrir uma população de dois mil ou mais habi e mais persistentes devem ter influenciado bastante
tantes. seus maridos para permanecerem num pouso, ao
Se a cidade surpreendia pela grande extensão, menos por algum tempo. Outro fator deve ter sido
ainda maior espanto causava pelos sinais de sua uma escassez de caça e plantas silvestres comestí
antiguidade. Pois, de acordo com testes a carbono veis, em regiões onde antes abundavam.
14 (que medem o grau de deterioração do carbono De qualquer modo, a agricultura, uma vez en
radioativo em remanescentes orgânicos tais como cetada, passou a transformar os fracos em fortes, os
carvão vegetal e ossos), a maior parte da cidade apáticos em produtores cheios de iniciativa, os pou
provavelmente devia datar do comêço do Oitavo cos em muitos. Com o gradual desenvolvimento e
Milênio a.C., ou até mais cedo. Assim, Jerico, em apuro das técnicas de lavrar, houve no curso dos mi
seu vale profundo, evidentemente operou a mudan lênios uma enorme proliferação de povoados, aldeias
ça da mera cata de alimentos pára a sua produção, e cidades, por todo' o mundo antigo, e especialmente
e adotou a vida sedentária bem anteriormente a 7 na Mesopotâmia setentrional.
mil anos a.C., quando Jarmo surgiu como um vila Entre os lavradores de Jarmo, de há nove mil
rejo nas colinas da Mesopotâmia setentrional. anos passados, e o povo que a seguir desempenhou
Mas, tenha ou não tenha a Mesopotâmia de re papel significativo na marcha da Mesopotâmia para
nunciar à sua pretensão de ser o berço da agricul a civilização, estende-se um hiato de vários séculos
tura e o lugar onde se processou a revolução econô obscuros. Mas, dos meados do Sexto Milênio em
mica, não resta dúvida que foi ali que as lavouras diante, tomam-se menos embaçadas as sucessivas
se desenvolveram em base sólida para a civiliza etapas dessa longa progressão empreendida pela
ção e para o erguimento das cidades. Logo que a agricultura, assim como principiam a emergir cul
agricultura se espraiou das terras altas em redor turas já realmente bem definidas. Como a escrita
de Jarmo para a parte superior da planície entre ainda estava longe de nascer, cada uma delas fala
o Tigre e o Eufrates, ali encontrou, na aluvião de de si através de sua cerâmica própria e outros ma
positada pelos rios, um solo excepcionalmente pro teriais remanescentes.
pício ao seu futuro crescimento. A mais velha dessas culturas, que data aproxima
15
damente de 5.800 a.C., é chamada Hassuna, de nas. Por exemplo, obsidianas para instrumentos e
acordo com o nome do montículo, nas vizinhanças outros apetrechos vieram das adjacências do lago
da moderna Mossul, onde foi primeiramente divisa* Van, na Turquia oriental, sua fonte mais próxima;
da, em 1940, pelos arqueólogos do Departamento antimônio e malaquita para pintura de olhos, assim
Geral de Antiguidades do Iraque. Hassuna parece como pedras semipreciosas para colares e pingentes,
ter sido habitada inicialmente por seminômades que eram importados do Irã, e conchas para adômo tra
combinavam uma forma primitiva de lavoura com a zidas da região do gôlfo Pérsico.
simples coleta de alimentos, armazenavam seus ce Por volta de 5000 anos antes de Cristo, o povo
reais em toscos vasos de cerâmica, parecidos com de Hassrma desapareceu de cena e surgiu uma nova
os utilizados pelos últimos ocupantes de Jarmo, e cultura que iria prevalecer no quadro da Mesopo
viviam em abrigos temporários de que não resta o tâmia setentrional durante o milênio seguinte. Seus
menor vestígio. Mas, depois de várias gerações, o primeiros sinais foram desenterrados em Tell Halaf,
povo hassuniano, ao que parece influenciado por ao nordeste da Síria, e o seu advento marcou uma
métodos agrícolas mais eficientes, abandonou a sua aceleração no passo do progresso. Vigorosa, inven
vida nômade para se fixar em aldeias, morando em tiva, essa cultura halafiana lançou-se a variadas
casas de adòbe, retangulares e bem construídas, com formas de adiantamento e espalhou sua influência
seis a sete compartimentos distribuídos em tômo de desde os contrafortes do Zagros setentrional até o
um pátio interno, impressionantemente similares às Mediterrâneo.
habitações dos hodiemos camponeses iraquianos. Fomentada pelos diligentes lavradores de Halaf,
O cereal era estocado em amplas tulhas de barro a agricultura prosperou. Passou a ter cultivo bem
enterradas no chão, e algumas dessas casas antigas mais ampla variedade de cereais, enquanto rebanhos
já dispunham de um tipo de fomos abobadados para de gado bovino e caprino podiam ser vistos pastan
cozer o pão. . . do nos campos ao redor dos vilarejos, alguns dos
Com a melhoria das habitações veio o progres quais já agora exibi im melhoramentos urbanos,
so da cerâmica; ainda grosseira, principiou a apre como por exemplo ruas calçadas de pedra. Havia
sentar superfícies polidas e pinturas singelas. Nos também indícios de que estava em gestação uma ou
últimos tempos de Hassuna surgiu uma bem aperfei tra mudança, e tão importante que viria a mostrar-se
çoada cerâmica policrômica, ao lado daqueles produ mais tarde quase tão dinâmica e de tão longo alcan
tos que ainda permaneciam mdimentares. Pela beleza ce como a transição para a vida sedentária da la
e complexidade da decoração — que incluía plantas, voura. Implementos e adornos de cobre, encontrados
animais e figuras humanas —, tal cerâmica jamais aqui e ali entre os apetrechos nos locais halafianos,
veio a ser igualada na antiga Mesopotâmia. Geral ammciavam que ia chegando ao fim a Idade da
mente conhecida como “louça de Samarra”, porque Pedra no Oriente Próximo, e alvorecia a Idade dos
foi primeiramente encontrada jazendo sob as ruínas Metais.
da cidade dêsse nome, ao norte de Bagdá, e capital No entanto, por ironia da sorte, o progresso e
do Califado dos Abássidas no século IX da era cris a prosperidade sem precedentes que a revolução
tã, tal cerâmica tanto pode indicar a migração de econômica havia carreado às proliférantes aldeias
algum povo altamente habilitado, vindo de além setentrionais também trouxeram, na sua vaga, novos
dos montes Zagros, como um apuro da técnica e grupos de oprimidos e desalentados, de resmrm-
do senso estético local. guentos e insatisfeitos. Esses descontentes nada ti
Possivelmente incentivado por sobras de ce nham a perder e tudo a ganhar quando se afas
real, que permitiam a troca, principiou a expan taram de seus vizinhos e emigraram para as terras
dir-se o comércio com regiões distantes do mrmdo pantanosas da Mesopotâmia meridional, nem de lon
pré-histórico, e a prova disso está nos artefatos es ge imaginando que no curso do tempo seus descen
palhados nos escombros das habitações hassunia- dentes a transformariam no Berço da Civilização.
16
0 MONTE que se destaca em silhueta, sobre ôs remanescentes da cidade de Nippur, é o principal sitio arqueológico da Mesopotamia.
DESENTERRANDO 0 PASSADO
Antes que os arqueólogos começassem a escavar na Mesopotámia, quase nada
se conhecia sôbre' o^ impérios que ali floresceram há 4.500 anos passados. A
Biblia e as obras ^ s historiadores gregos e romanos fizeram breves referências
aos babilônios e ®sírios, mas a informação era vaga e contraditória. De um
povo ainda mais Jmtigo, os sumérios, não se sabia absolutamente nada — nem
mesmo o fato de/<jue houvera existido.
A principal^rrazáo pela qual os povos da Mesopotámia ficaram esquecidos
por um tão lo ^ o tempo é que êles, ao contrário dos egípcios e outros cons
trutores de im|ÿ'ios, não tinham feito edificações com pedra durável, mas com
adôbe. A chura, as inundações anuais e os movimentos da areia foram pouco
a pouco apinhando os tijolos de barro, sepultando torres e palácios, para só
deixar entullps informes. Por milhares de anos ninguém teve conhecimento dos
segredos queÊontinham êsses montes de entulho, mas, em meados do século XIX,
arqueólogos ^franceses, alemães e inglêses principiaram a explorá-los. Dentro de
poucos anoS. as pás revelaram alguns fatos marcantes: os mesopotâmios eram
o primeiro ^ o v o sôbre a terra a viver em cidades, a estudar os astros, a usar
o arco e vápulos de rodas, a escrever poesia épica e a compilar um código de
leis. H oje,J pesquisa do passado continua em lugares como Nippur (acima),
a capital rcDiosa da Suméria. Pela análise científica de edifícios em ruínas, cacos
de cerâmicáf e placas de argila, os arqueólogos estão compondo um quadro cada
vez mais completo da primeira civilização que o mundo conheceu.
Fotografias dêNJeorg Gers ter
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, o monte de entulho da antiga cidade deNippur levantase no deserto venidopelo vento. A estrutura no topo,
um baluarte da civilização
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construída por arqueólogos americarws, coroa um zigurate, ou templo-tôrre, Nos tempos antigos Nippur ficava à margem do Eufrates.
19
UMEXERCITO
DEESCAVADORES
PROFISSIONAIS
Uma equipe moderna de arqueologia
é dividida em grupos de trabalho, cada
qual com suas tarefas determinadas.
Tendo sob o seu comando cêrca de
110 homens, número um pouco in
ferior à média do pessoal geralmente
empregado em tais serviços na Meso-
potâmia, a expedição em Nippur é
liderada por quatro arqueólogos pro
fissionais. Um deles deve ter suficien
tes conhecimentos de arquitetura para
poder interpretar as ruínas. O arqui
teto em Nippur é também o chefe do
acampamento, James E. Knudstad, da
Universidade de Chicago, que se vê
isolado no primeiro plano. Atrás, da
direita para a esquerda, estão um agri
mensor que faz o levantamento do ter
reno; um fotógrafo, que documenta
todos os principais achados; um epí-
grafo, que traduz inscrições cuneifor-
mes; e um representante do Departa
mento Iraquiano de Antiguidades, que
toma assentamentos sobre a marcha
dos serviços.
Por trás do representante do Iraque
vê-se o capataz dos trabalhadores;
atrás dêle estão os escavadores espe
cializados e os homens que transpor
tam a areia em carrêtas. O pessoal de
funções auxiliares — cozinheiro, co
peiros, motoristas, vigias — encon
tram-se em torno do veículo à direita.
Além do veículo, aparecem os cavado
res com picaretas pesadas e, à esquer
da destes, os homens que usam as pás.
Ao fundo estão os trabalhadores que
retirama areia emsacos de pano.
20
APROFUNDANDO UMA TRINCHEIRA, trabalhadores retiram a areia de uma escavação nas cercanias de Nippur e a depositan em vagonetes
PONDO A DESCOBERTO
E CATAEOGANDO
AS ESTRATIFICAÇÕES DA HISTÓRIA
PONDO X MOSTRA UM
Ca l ç a m e n t o , um trabalhador retira entulho e escombros. Por essa maneira os arqueólogos revelam o plano de uma cidade.
para ver uma descoberta, escavadores observam o poço. Quando retirava entulho, um trabalhador encontrou aplaca mostrada à direita.
PRESERVANDO
UM ACHADO
UM MOLDE DE LÁTEX é tirado da placa já limpa e cozida, que contém parte de uma cópia, feita há cêrca de uns 3.000 anos.
CERAMICA: ABC”
DAARQUEOLOGIA
Jarras para água, recipientes para
guardar mantimentos, vasos para be
ber e pratos figuram entre os achados
mais abundantes nas escavações ar
queológicas; são poucos, porém, os
encontrados intactos. Nas fotos à di
reita, um especialista limpa com ras
padeira os cacos de um jarro sumeria-
no, põe cola, e finalmente completa
a restauração.
Se a peça de cerâmica revela per
tencer a um tipo conhecido, pode ser
usada para se determinar a época de
outros objetos encontrados ao seu re
dor. Se fôr possível identificá-la, como
vinda de outro país, sua presença na
Mesopotâmia indicará contato entre
duas civilizações. Analisando acurada
mente a contextura ou a vitrificação da
cerâmica, o perito pode dizer a que
temperatura o vaso foi cozido e se foi
torneado numa roda, o que, por sua
vez, dá idéia do nível tecnológico al
cançado pelos seus fabricantes.
Em alguns casos, a cerâmica tam
bém preserva o modêlo de outras pe
ças que podem ter-se deteriorado no
curso dos séculos; como a argila é fácil
de ser trabalhada, oleiros imitavam
com frequência motivos que tinham
sido usados originalmente em tecidos,
couro e vime. Na verdade, tanta coisa
pode ser deduzida de simples tigelas e
jarros que a cerâmica tem sido chama
da “o alfabeto” da arqueologia.
26
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uma câmara tinindofotos como a quese vê àdireita, é erguidanumpapagaio depapel sobre Erech.
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Não foram acolhidos por uma terra com ma
nanciais de leite e de mel os lavradores que, ao
comêço do Quinto Milênio antes de Cristo, abando
naram suas aldeias na Mesopotâmia setentrional e
emigraram para o sul, em busca de um lar nôvo
e mais feliz.
Na parte da planície entre o Tigre e o Eufrates
que seria inicialmente conhecida como Suméria e de
pois como Babilónia — a região que se estende da
atual Bagdá ao gôlfo Pérsico —, os colonos pionei
ros encontraram o solo de tal modo estorricado
que se tomava duro como pedra durante o longo
verão, eme Imente abrasador. Tôda a vegetação cres-
tava-se sob o sol causticante e, dia após dia, sem
parar, um tórrido vento, vindo do noroeste, erguia
nuvens sufocantes de poeira fina, que entrava por
todos os poros não protegidos do corpo.
AS PRIMEIRAS CIDADES E, depois, vinha o inverno, com os tempestuo
sos ventos do sul, tomando o céu bmmoso e provo
DO HOMEM cando, vez por outra, tremendos aguaceiros que
transformavam a planície num lodaçal escorregadio.
Na breve e refrescante primavera que se seguia,
verdejavam os campos com o renascer da sua vege
tação rasteira. Mas a primavera era também a es
tação em que as chuvas e os degelos nas montanhas
de Zagros e outras serranias do norte avolumavam
de tal maneira as águas do Tigre e do Eufrates
que, de quaudo em quaudo, os rios extravasavam
do leito e submergiam a plauície em exteusões a se
perder de vista. Sem dúvida, mais de um imigraute
despreveuido perdeu todos os seus perteuces e tal
vez mesmo a própria vida uessas iuuudações im
previsíveis e catastróficas.
Todavia, por mais desolada e depressiva que
a região possa ter parecido aos fatigados caminheiros
em busca de um habitat, possuía ela um atrativo
que a tudo se sobrepunha. E que, estendidos por
tôdas as ribeiras meridionais do sinuoso Eufrates e
dominando tôda a planície, havia diques naturais
erguidos no curso dos milênios pelo rio quando
transbordava, como era frequente. Esses diques, com
seus declives suaves de limo grosso e sedimentos,
prestavam-se fácilmente à drenagem, plantio e cul
tivo, e, assim, tomavam-se ideais para a agricultura
mdimentar praticada por êsses lavradores primiti
vos. De sua vez, não muito longe dos diques, havia
numerosos pântanos e brejos cobertos de caniços,
onde peixes e aves aquáticas abundavam na maior
parte do ano, e que na primavera forneciam exce
lente forragem para rebanhos de carneiros e cabras.
IMAGEM DE UM GOVERNANTE, csta cabeça de bronze ou é de Sargão, o
Não é, pois, de surpreender tenha sido nas barrancas
Grande, que fundou a dinastia acádica, ou do seu neto, Naram-Sin; fo i
essa a primeira dinastia que uniu as cidades-estados da Suméria e da
prorpissoras do Eufrates e nas terras pantanosas das
Mesopotamia setentrional em uma verdadeira nação. adjacências que os viandantes resolveram instalar-se;
31
ah descarregaram seus vasos de argila, seus instru
mentos de pedra e as preciosas sementes que ha
viam trazido do norte.
Esses primeiros habitantes da Mesopotâmia
meridional são conhecidos como ubaidianos, de
Tell al-Ubaid, um montículo de entulho perto de
Ur, a cidade em ruínas onde os seus despojos foram
descobertos há cêrca de meio século. A única e
tênue camada de artefatos primitivos ali desencavada
levou os arqueólogos a concluir, de início, que o
período da ocupação ubaidiana fora bem curto e
que aquela gente era constituída por broncos habi
tantes de brejos, incapazes de construir para seu
abrigo algo melhor do que casebres de taipa.
Descobertas mais recentes em ruínas ubaidianas
demonstraram o êrro de tal suposição. Reconhece-se TIJOLOS DE VÁRIOS TIPOS foram usados pelos construtores meso-
presentemente que os primeiros povoadores daquela potãmicos em épocas diferentes. O mais comum era de forma
retangular (logo acima), feito de barro com proteção de palha.
região eram lavradores capazes e de iniciativa, que
Os babilônios também faziam tijolos quadrados, muitas vezes
prosperaram e se multiplicaram no decurso de sé com inscrições .aos deuses (no alto, à esquerda), e os sumérios
culos. Pela planície entre o Tigre e o Eufrates foram empregavam tijolos em formato de pão (no alto, à direita).
disseminando aldeias e pequenas cidades, construí
das de adôbe, já que havia escassez de pedra. Entre
os seus feitos notáveis contam-se grandes e com
plexos templos também de adobe. Por volta de qua
tro mil anos antes de Cristo, os ubaidianos toma
ram-se uma importante força civilizadora, não só
na Mesopotâmia meridional, como também, num
certo grau, por todo o Oriente Próximo; vestígios
da sua cultura têm sido encontrados desde o Medi
terrâneo até regiões além dos montes Zagros e tão
ao norte quanto o mar Cáspio.
Além disso, os ubaidianos são na história da
humanidade o primeiro povo sôbre cuja identidade
étnica e conquistas culturais temos provas linguís
ticas. Para sermos exatos, não sabemos com q\ie
nome êles se chamavam, pois ao seu tempo a es
crita ainda era desconhecida, mas documentos em
argila do último período sumeriano dei am claro
que êles não eram sumérios. Por exemplo, os nomes
pelos quais as inscrições se referem ao Tigre e ao
Eufrates — Idiglat e Buranun — não são palavras
sumcrianas e, portanto, é geralmente admitido que
DESENHOS LEMBRANDO ESPINHAS DE ARENQUE c aractcrizavam as
tenham origem ubaidiana. Provàvelmente foram paredes construídas com tijolos sumerianos em form a de pão.
também os ubaidianos que deram nomes como As fileiras horizontais são alternadas com tijolos colocados em
Eridu, Ur, Lagash, Nippur e Kish, a algumas das ângulo e cimentadas com barro ou com asfalto natural.
32
UMA MORADIA EM ESTILO DE FORTALEZA, na Mesopotâmia seten
trional, mostrada aqui sem o teto para revelar seus comparti
mentos internos, era protegida dos intrusos por altos muros.
33
numa pequena comunidade local em que o apêgo pois, de admirar ter sido ali que, mais tarde, se
ao lugar se tornava o maior incentivo de todas as inventou e se aperfeiçoou a escrita.
atividades mais importantes. Essa transferência da Com a prosperidade e a expansão das primeiras
lealdade, que da família passava para o grupo, foi comunidades da Mesopotâmia meridional, torna
um ajustamento social que veio permitir — o que ram-se cada vez mais extensos e mais numerosos
de outro modo seria impossível — o nascimento da os seus campos e as suas lavouras, como também
cidade. aumentaram seus canais de irrigação e seus reser
Outro fator que fortaleceu a unidade da aldeia vatórios, de importância fundamental na economia
foi o templo com os ofícios religiosos. Seja porque já agrícola; sem êles a terra voltaria rapidamente a
a trouxeram consigo ou seja que a tenham criado se apresentar como um deserto árido nessa região
pouco depois da sua vinda, os imigrantes do norte virtuahnente sem chuvas. Mas irrigação, sobretudo
cultuavam com firmeza a fé numa divindade especial, em seus graus mais adiantados, só poderia ser rea
protetora do lugar em que se estabeleciam, e com lizada com eficácia como um empreendimento comu
a construção das suas primeiras casas também eri nitário, não como uma tarefa individual. Canais e
giam um lar para a sua deidade. Por exemplo, sob reserv^^atórios de tamanho considerável tinham de
as ruínas de Eridu, uma das cidades mais venerá ser criados, com limpeza em intervalos regulares
veis da Suméria, os arqueólogos descobriram e e trabalhos constantes de conservação. Além disso,
desenterraram um templo de adôbe construído sob o aproveitamento da água devia ser regulado eqüíta-
solo virgem pelos primitivos habitantes ubaidianos. tivamente, os limites cuidadosamente marcados e
Era um pequeno santuário de forma retangular com autenticados, os litígios apreciados e resolvidos.
cinco metros de comprido, e seus aprestos con Todos êsses fatores levaram á gradativa im
sistiam tão-sòmente num altar rústico e uma mesa plantação de outro elemento que iria facilitar o cres
de oferendas. Mas, quando as aldeias cresceram cimento urbano — uma administração leiga, que se
graças à agricultura e se expandiram em cidades, as iniciou com reduzido pessoal permanente, mas que
capelinhas humildes foram-se transformando cm es por fim evoluiu para uma numerosa burocracia,
truturas esmeradas, cada qual sobre umh altaneira com todos os benefícios e males que ela costuma
plataforma de adôbe, o protótipo do futuro zigurate, acarretar. Surpreendentemente, nas primitivas al
ou templo-tôrre. Cada templo servia a tóda uma deias e pequenas cidades mesopotâmicas o govêmo
comunidade, não a uma só família ou um só clã, e era democrático; os membros dos órgãos dirigentes
assim inspirava e fortalecia o senso de solidariedade, eram designados não por um só indivíduo todo-
numa comunhão de esforços, e um orgulhoso amor -poderoso, como seria de supor, mas por uma assem
ao lugar. bléia constituída pelos cidadãos livres da comu
O templo não era apenas um inanimado edi nidade.
fício de tijolos e argamassa, era um lugar sacro . Enquanto os povoamentos permaneceram ao
para ser cuidado e servido dia a dia, ano após ano. nível de aldeias e os conflitos por motivo de terras
Preces e hinos tinham que ser compostos, forma ou irrigação envolveram somente indivíduos e fa
lizados e recitados; ritos e rituais tinham de ser mílias, a administração leiga desempenhou papel
cumpridos, cerimônias do culto tinham de ser cele secundário na vida comunal. Funcionários que mo
bradas. E daí resultou um clero especializado, ini- tivassem desagrado ou desconfiança podiam ser des
ciando-se, decerto, com a escolha de um ou dois tituídos fácilmente pela assembléia dos cidadãos, que
indivíduos apreciados por seu saber e podêres es se reunia quando necessário. Mas, quando as al
pirituais, c proliferando em número e funções atra deias se transformaram em cidadezinhas e estas em
vés dos séculos. Pouco a pouco, o templo, com a grandes cidades, cada qual empenhada em contro
casta sacerdotal, foi-se tomando, naturalmente, o lar tanto quanto possível as ricas terras irrigadas das
centro intelectual de tôda a comunidade. Não é. circunvizinhanças, atritos e cofitendas tomaram-se
34
cada vez mais freqüentes e violentos, com resulta lúdios durante os quais tôda a Suméria foi forçada
dos muitas vêzes desastrosos para o perdedor. O a se submeter a estrangeiros; mas, iogo que cessava
que havia principiado como pequenas rivalidades a dominação de fora, as cidades retomavam a sua
econômicas degenerou em amargas lutas políticas rivalidade acesa. Essa quase ininterrupta e exaus
pelo poder, por prestigio e território, e as mais tiva discórdia interna foi um dos principais fatores
agressivas dentre essas cidades primeiras fizeram para a definitiva desintegração da Suméria ao co-
apêlo à guerra para alcançar os seus objetivos am mêço do século décimo-oitavo antes de Cristo,
biciosos. quando ganhou ascendência na Mesopotâmia o povo
Sem poder arcar com tais ameaças militares, conhecido na história como os babilônios.
as assembléias deliberativas de cunho democrático, • A primeira cidade que conseguiu estabelecer
que haviam subsistido desde os tempos da aldeia, controle sôbre a totalidade da Suméria foi indubita'-
compreenderam a necessidade de escolher um dos veImente Kish, cujas ruínas jazem a cêrca de 90
seus cidadãos mais capazes e destemidos para guiá- quilômetros ao sul da moderna Bagdá. Kish parece
-las à vitória sôbre o inimigo. E assim nasceu a ins ter alcançado a hegemonia sob o govêmo de um
tituição da realeza. De início, a designação de um monarca chamado Etana, que provávelmente reinou
“grande homem” — pois este é o sentido literal ao comêço do Terceiro Milênio antes de Cristo.
de lugai o vocábulo sumeriano para rei — foi de Baseia-se tal suposição na Lista dos Reis Suméria -
caráter temporário e a sua autoridade limitada; ven nos, impressionante documento escrito quase mil
cida a crise militar, renunciava êle aos seus podêres anos após os dias de Etana, dando o nome da
e tomava á vida civil, honrado e estimado pelos maioria dos govemarftes sumerianos a partir do
seus serviços. Mas, quando um conflito foi dando advento da realeza. A lista descreve Etana como
lugar a outro, a função de rei perdeu a sua índole aquêle que “estabilizou todas as terras” e isso pode
transitória e tornou-se hereditária, dinástica e des significar que, sob o seu mando, Kish não só domi
pótica. nou as outras cidades da Suméria mas também
Após a instituição da realeza por volta de 3000 ampliou o seu poder a ponto de incluir iguahnente
anos a.C., a história da Suméria é em grande parte algumas das terras nas vizinhanças daquela região.
uma narração de lutas armadas, nas quais os go •Não decorreu muito tempo desde o reinado de
vernantes das cidades-estados, uma dúzia delas mais Etana quando Kish começou a encontrar uma rival
ou menos, tendo como laço de união a linguagem em supremacia na cidade de Erech, a rms cento e
e a cultura comum, rivalizavam no empenho de cinqüenta quilômetros para o sudeste. O fundador
obter o domínio de tôda a região. Nos séculos que se da primeira dinastia de Erech, Meskiaggasher, pa
seguiram, a planície entre o Tigre e o Eufrates tor rece ter sido ainda mais poderoso que Etana, por
nou-se teatro de batalhas constantes, uma ampla que a Lista dos Reis conta que êle “invadiu o mar,
cena através da qual se desenrolava o espetáculo galgou as montanhas”, significando talvez que a
de antigos exércitos sob o comando de reis-guerrei- um só tempo pode ter levado o seu domínio a uma
ros com seus nomes exóticos. Algumas das cidades região que se estendia do Mediterrâneo até os mon
envolvidas nessa peleja nos são familiares graças á tes Zagros, a leste da Suméria.
Bíblia — o Velho Testamento menciona Erech e a Outros reis que sucederam a Meskiaggasher no
“Ur dos Caldeus”, que a tradição dá como o berço trono da primitiva Erech foram também governan
do patriarca Abraão —, porém muitas das outras tes memoráveis. Vários déles deixaram tão profun
têm nomes que soam tão estranhos aos ouvidos das impressões nos súditos que éstes os deifiçaram
modernos como os dos reis que assaltaram os seus após a morte. Um entre êles, chamado Dumuzi,
muros. tomou-se um importante deus da fertilidade no
Interrompendo a competição quase incessante panteón da Mesopotâmia e o seu culto veio ainda
das cidades pela supremacia houve diversos inter influenciar posteriormente outras religiões do an
35
tigo Oriente Próximo. Os judeus, por exemplo, co- sível manter a sua civilização por mais de um milê
nheceram-no como Tamuz; ainda no século VI antes nio de conquistas e discórdias internas que se alter
de Cristo as mulheres de Jerusalém pranteavam a navam.
sua morte e a sua descida lendária à região dos mor O salvador da Suméria foi Lugalannemundu,
tos, evento que veio a ser identificado como o de um rei da cidade de Adab, cujos feitos são recor
clínio anual da vegetação. Um dos meses do calen dados no antigo documento que o descreve como
dário hebraico ainda hoje é chamado de Tamuz, aquêle que “obrigou tôdas as terras estrangeiras a
o nome semítico de Dumuzi. Uie pagarem pesado tributo”. Lugalannemundu der-
•Contudo, o mais famoso dos primitivos reis de mbou a dominação elamita e reconciliou as cida-
Erech foi Gilgamesh, que se supõe ter reinado em des-estados, porém não parou aí. Derrotando uma
alguma fase do século XXVll antes de Cristo. De confederação de treze reis que virtuahnente con
zenas de mitos e legendas vieram mais tarde a sur trolavam entre êles todo o antigo Oriente Próximo,
gir em tômo do nome e das proezas desse rei ilus fêz a sua influência projetar-se muito além dos limi
tre, e no curso do tempo tomou-se êle não só um tes da Suméria. Contudo, nem mesmo as vitórias mi
semideus da Mesopotâmia e o seu supremo herói litares e os esforços patrióticos dêsse homem dinâ
popular, mas também uma das figuras épicas domi mico implantaram paz e união duradoura na Su
nantes de todo o mundo antigo. Através dos sé méria. Após a sua morte voltaram as dissensões
culos, narrativas das suas pelejas com animais internas, produzidas pela rivalidade crônica entre
ferozes e adversários super-humanos, como do seu as cidades-estados, e nos duzentos anos seguintes a
empenho em descobrir o segrêdo da imortalidade, Suméria assistiu a um outro ciclo de incessante luta
foram escritas e reescritas em sumeriano, acádico, pela supremacia.
hitita e outras línguas do antigo Oriente Próximo; • Durante êste período de conturbação, Lagash,
e pode ter sido êle o protótipo para o herói grego uma cidade-estado a cêrca de sessenta quilômetros
Héraclès. ao nordeste de Erech, tomou-se o preponderante po
Ainda que Gilgamesh tenha sido celebrado na der militar e político na dividida Suméria. A as
história e na legenda, não foram descobertos regis censão e a queda das cidades nos tempos anterio
tros de sua época que aclarassem os acontecimentos res só são conhecidas através de documentos escri
da sua vida e do seu reinado. Todavia, documentos tos muitos séculos após a ocorrência dos aconte
posteriores indicam que o seu tempo foi de agitação cimentos. A história de Lagash, entretanto, chegou
política, durante a qual os governantes das cidades até nós por meio de documentos da época, devido
de Kish, Ur e Erech travaram renhida peleja trí aos seus arquivistas, os primeiros historiógrafos da
plice pela hegemonia na Suméria. A vitória nessas humanidade.
hostilidades intestinas coube a Gilgamesh, de Erech. O governante cujas conquistas militares ergue
Mas, foi um vão triunfo, pois as sangrentas guerras ram Lagash ao pináculo do poder, por volta de
civis de tal modo debilitaram a Suméria que ela 2450 a.C, foi Eannatum, o terceiro rei da primeira
se tornou vassala dos reis elamitas, tradicionais ini dinastia da cidade. Ao comêço da sua carreira de
migos que habitavam o que é hoje o sudoeste do agressão, Eannatum atacou com êxito a cidade vizi
Reino do Irã. nha de Umma, com a qual Lagash havia batalhado
A despeito de vários esforços em que se em repetidamente por direitos de irrigação. Para co
penharam algumas das cidades sumerianas para memorar a derrota de Umma, ergueu êle, como
arrebatar aos elamitas o controle do país, só mais demarcação de limites entre as duas cidades, um
ou menos um século após Gilgamesh foi que a monumento de pedra chamado “A Esteia dos Abu
Suméria se livrou do jugo. Essa recuperação é bem tres”, do qual ainda existem alguns fragmentos
o testemunho da extraordinária resistência dos su grandes; naquele marco o rei ordenou que se ins
mários; sem essa qualidade não lhes teria sido pos crevessem os têrmos de paz que puseram fim à
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guerra — o mais antigo dos tratados diplomáticos
PARA IRRIGAR OS CAMPOS dús suüs planícies ressequidas, os mesopo- de que a história dá noticia. Encorajado pelo seu
tâmios usavam aparelhos como os que são mostrados em ação no triunfo sobre Umma, Eannatum cuidou então de
desenho acima — longas varas com contrapéso para retirar do rio subjugar outras cidades-estados sumerianas, entre as
baldes de 'agua e derramá-los em reservatórios mais elevados. Os quais Erech, Ur e Kish, de modo que, por um
reservatórios alimentavam intrincadas fedes de canais como o visto
breve período pelo menos, Lagash pôde impor suse-
abaixo num desenho extraído de um mapa de campos e sulcos de
irrigação perto de Nippur, mapa que data de 1300 a.C. O canal- rania sôbre toda a Suméria. Contudo, os inimigos
-tronco descreve uma curva em form a de U ao redor do campo real, de Eannatum não lhe deram tréguas. O orgulhoso
que está na parte interior do desenho, e é marginado pelas terras “Subjugador das Terras Inimigas” finahnente foi
pertencentes aos templos ou concedidas às aldeias da redondeza morto em batalha, e daí em diante deteriorou-se
(marcadas pelos círculos) e aos cidadãos de Nippur.
rápidamente o poderio de Lagash.
Ainda que ansiosa por aproveitar a fraqueza
de Lagash, a vizinha Umma só veio a encontrar
ocasião propícia para destruir a sua rival odiada
algumas gerações depois, quando ao trono da ou
tra ascendeu um reformador idealista, amante da
paz, que se chamou Urukagina. Lugalzaggesi, o
combativo e ambicioso governante de Umma, valeu-
-se dêsse momento para atacar Lagash e saquear e
incendiar os seus tempíos. Embora a cidade tenha
sido em grande parte arruinada, salvou-se um pre
cioso documento do infortunado Urukagina; é um
tocante registro das reformas sociais que protegeram
os cidadãos de Lagash contra injustiças da buro
cracia — assentamento em que pela primeira vez
se exprime na história escrita do homem a idéia
de liberdade individual.
O triunfo de Lugalzaggesi sôbre Lagash foi
apenas o primeiro numa série de campanhas mili
tares vitoriosas. Não tardou êle a tomar-se senhor
de muitas cidades importantes na Suméria, inclu
sive Nippur, o principal centro religioso; transferiu
o rei sua capital de Umma para Erech e vanglo-
riou-se, numa de suas inscrições, de ter controle
sôbre todo o território “desde o Mar inferior (o
gôlfo Pérsico) até o Mar Superior (o Mediterrâ
neo)”. Mas, então, chegou a sua vez de amargar
as ignomínias da derrota e Lugalzaggesi terminou
seus dias prêso por uma coleira à porta de Nippur,
servindo de alvo ao escárnio e aos vitupérios de
todos que passavam.
O seu vencedor foi o poderoso Sargão, cha
mado o Grande, uma das figuras preeminentes do
mundo antigo. Soberbo chefe militar, organizador
e administrador, êsse homem extraordinário foi o
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GUTIANOS
"V
DESERTO
DA
SÍRIA
ACAD °
* Kísh
CIDADES AGRUPADAS, construidas
ao longo do Tigre e do Eufra- Níppur • ELAMITAS
tes, assinalavam os reinos da So- ,lsm
GOLFO
SUMERIA E ACAD PÉRSICO
Terceiro M ilênio a.C.
primeiro a reunir a Suméria e a metade setentrio Sua arrancada inicial foi um ataque de sut-
nal da Mesopotâmia numa nação única, sob uma prêsa a Erech, capital de Lugalzaggesi, daí resul
autoridade suprema, e o império que êle consti tando a captura do governante e o seu encarcera
tuiu na Ásia Ocidental iria durar perto de duzentos mento em Nippur. Eliminada assim a maior fòrça
anos. política da Suméria, Sargão consolidou o seu domí
Sargão nasceu por volta do ano 2350 a.C.; era nio sòbre a Mesopotâmia meridional, ao lançar
filho de semitas, o povo que começou a se infiltrar triunfantemente suas falanges de lanceiros e arquei
na Mesopotâmia, pelo oeste, nos pré-históricos tem ros, assim como seus carros de guerra puxados por
pos ubaidiahos e que já constituía uma apreciável burros, contra as cidades favoritas de Lugalzaggesi,
parte da população. Pouco se sabe quanto ao co- isto é, Ur, Um ma e Lagash (que já se refizera
mêço da sua vida. Segundo uma lenda posterior, da destruição infligida por Lugalzaggesi).
parecida com a de Moisés, sua mãe confiou a A seguir, Sargão subjugou os turbulentos ela
criança à própria sorte ao lançá-la no Eufrates den mitas, além da fronteira oriental da Suméria, e che
tro de uma cesta com tampo de breu. O destino foi fiou vitoriosas expedições militares na Mesopotâmia
benéfico; um lavrador, que tirava água para irrigar setentrional. Depois, marchou na direção do oeste,
o seu campo, recolheu a cesta e criou o menino estendendo suas conquistas até às serranias de
como se fôra seu filho. Amanus e Taurus, perto do litoral mediterrâneo
Quando chegou à idade viril, Sargão tomou-se da Síria e da Turquia. Os exércitos de Sargão podem
o áulico incumbido de servir bebida a Ur-Zababa, mesmo ter levado o seu poder a terras tão distan
o rei sumeriano de Kish; não se sabe, porém, como tes como o Egito, a Etiópia e a índia.
êle ascendeu da sua humilde condição àquele alto Para controlar todo o seu vasto reino, Sargão
pôsto. Também não se conhece a maneira pela guarneceu os estratégicos pontos avançados com tro
qual conseguiu depor Ur-Zababa e lhe arrebatar o pas semitas, e também, por tôda parte, nomeou ho
trono. Todavia, assim que assumiu o poder, não mens da sua raça para os altos postos administrati
perdeu tempo em lançar-se no caminho das suas vos. Em algum lugar ao longo do Eufrates, nessa
extraordinárias conquistas, e muitos dos seus pas parte do centro-sul da Mesopotâmia então conhecida
sos podem ser seguidos pelas cópias, que subsisti como Acad, construiu êle sua nova capital, dando-
ram, de inscrições feitas ao seu tempo. -Ihe o nome de Agade; embora não se conheça pre
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cisamente sua localização, diz-se que a cidade foi governantes, o Príncipe Gudea, é talvez a figura
uma das mais magnificentes do mundo antigo, com mais conhecida da antiga Suméria; muitas estátuas
os seus templos e o palácio real exibindo o esplen suas foram desenterradas em meio ãs ruínas da ci
dor de tesouros oriundos de tôdas as partes do im dade e a maioria delas agora se encontra em museus.
pério. Da terra de Acad veio o nome acádico, dado Algumas das estátuas contêm inscrições com relatos
ao idioma semítico que se tomou de uso comum na sôbre grandiosas construções e restaurações de tem
Mesopotâmia, do tempo de Sargão em diante. Acá plos lagashitas, e outras inscrições da mesma época
dico é também o têrmo pelo qual os modernos es nos contam como Gudea prodigalizou nesses edifí
tudiosos designam o período da história mesopotâ- cios uma riqueza de ouro, prata e pedras semipre
mica dominado por Sargão e outros da sua linha ciosas.
gem. Finalmente, após um século mais ou menos da
Como sucede tantas vêzes com poderosos con brutal dominação gutiana, um libertador da Sumé
quistadores, após a morte de Sargão o seu impé ria, com o nome de Utuhegal, levantou-se em Erech,
rio se desintegrou. Seus dois filhos, tendo de en a cidade que em tempos anteriores havia produzido
frentar revoltas generalizadas dentro e fora da Su- o heróico Gilgamesh e outros grandes reis. Utuhegal
méria, concentraram todos os esforços na tentativa batalhou contra “a serpente e escorpião da monta
de preservar pelo menos uma parte da herança. nha. . . que arrastara a realeza da Suméria para
Verdade é que o neto de Sargão, Naram-Sin, pro terra estrangeira”, aniquilou os gutianos e libertou
vou ser, por algum tempo, urrç/digno sucessor do o seu povo dêsses opressores. Mas, apesar de bravo,
grande rei-guerreiro. Suas conquistas estenderam-se heróico, Utuhegal nao era evidentemente perspicaz
também por todo o Oriente Próximo, e o seu mo na escolha dos subordinados. E depois de reinar
numento (agora no Louvre, em Paris) comemorando apenas sete anos como chefe supremo da Suméria
a vitória sôbre as belicosas tribos nômades dos mon foi deposto por Ur-Nammu, um general ambicioso
tes Zagros, sintetiza, na eloquência da pedra, as suas a quem, por infeliz idéia, nomeara governador de Ur.
proezas militares. Ali, a figura de Naram-Sin, ar A linhagem de reis que Ur-Nammu iniciou em
mado de arco e seguido pelo seu exército, é vista Ur, por volta de 2100 a.C., foi a terceira na história
pisoteando impiedosamente os corpos dos inimigos da cidade e a última dinastia da Mesopotâmia que
tombados, enquanto adejam no céu os símbolos de pode ser classificada como sumeriana. Durante o sé
suas divindades protetoras. culo em que estêve sob o mando de Ur-Nammu e
Mas, nem mesmo os deuses tutelares de Naram- seus descendentes, a Suméria recuperou parte da sua
-Sin puderam obstar a catástrofe que abateu a Su- glória antiga. Foram reconquistadas porções conside
méria e seus governantes semíticos lá pelo ano ráveis do império que se tinham perdido desde o
2200 a.C. O terrível golpe consistiu numa invasão tempo de Sargão e seus herdeiros; a agricultura e o
por hordas de gutianos, temíveis bárbaros que se comércio, que em grande parte se haviam estag
despejaram das terras montanhosas ao nordeste e nado sob o jugo dos bárbaros gutianos, desfrutaram
varreram da face da terra a magnífica cidade de de impressionante prosperidade, e em todos os ra
Agade. A chegada dos gutianos não só pôs trágico mos artísticos ocorreu um súbito e esplêndido re
fim ã dinastia fundada por Sargão como também nascimento.
prenunciou o colapso que em breve sofreria o gran Ur-Nammu, o usurpador, revelou-se um rei forte
de império sôbre o qual aquêles reis exerceram o e capaz, assim como um enérgico edificador em
seu mando. tôda a Suméria, especialmente em Ur. Ali ainda
Dentre tôdas as cidades sumerianas, só Lagash permanecem de pé, como duradouro monumento ã
parece ter florescido nos penosos dias que se segui sua memória, os remanescentes do zigurate que êle
ram, e isso porque os seus governantes se dispuse dedicou a Nanna, o deus-lua. Em sua base, essa
ram a colaborar com os odiados gutianos. Um desses gigantesca estrutura de tijolos cobre uma área de
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70 metros por 46 metros; originalmente, suas pla submeteu os governadores de outras cidades, por
taformas em três planos encimados pelo santuário, meio de força ou de ameaças. Daí resultou que
sobranceavam a cidade numa altura de 25 metros. durante algum tempo a Suméria foi governada por
Ur-Nammu também se notabilizou como o primeiro dois reis em rivalidade: Ibbi-Sin em Ur e Ishbi-Erra
legislador conhecido na história. O seu código de em Isin.
leis, do qual algumas partes foram encontradas em A reaparição da doença crônica da Suméria —
inscrições cuneiformes, precedeu o celebrado Có a amarga discórdia interna —, juntando-se á pres
digo de Hamurábi, da Babilônia, por mais de três são cada vez maior dos inimigos externos, debilitou
séculos, e as leis de Moisés por mais de um milê o país. Por volta do ano 2000 a.C. os elamitas
nio. atacaram e destmíram Ur, levando o seu rei para
Ur-Nammu parece ter encontrado a morte no um cativeiro de que jamais retornou. Embora a
campo de batalha, combatendo os gutianos que, a cidade de Isin tenha conservado certo prestígio por
despeito da derrota sofrida antes, continuavam seus algum tempo, a queda da poderosa Ur assinalou o
ataques à Suméria. Então, ascendeu ao trono o fi fim da Suméria como uma potência. Pouco depois,
lho de Ur-Nammu, Shulgi, que nos 48 anos do seu os amoritas semíticos expulsaram do país os elami
reinado se revelou um dos mais ilustres e bem do tas, escolheram Babilônia para a sua capital e fi
tados governantes da antiga Mesopotâmia. Os poe zeram desaparecer os sumerianos como entidade
tas sumerianos do seu tempo o celebraram em hinos étnica.
da mais esmerada composição; e, ao que parece, A catástrofe que desabou sôbre a sua terra e
não exageraram indevidamente ao retratá-lo como suas cidades causou profunda impressão aos poetas
uma rara combinação de sábio, guerreiro, construtor dos últimos dias sumerianos. Uma de suas lamen
de templos, diplomata e generoso patrono das ar tações pode servir de melancólico epitáfio ao povo
tes — um doador de tôdas as coisas boas à sua que, mais de dez séculos antes, fòra o primeiro a
terra e ao seu povo. transpor o limiar da civilização e cujas brilhantes
Foi durante o longo reinado de Shulgi e o dos criações enriqueceram muitas das grandes culturas
seus sucessores que os sumérios voltaram a contro posteriores. O poeta deplora o dia /
lar um império quase tão vasto quanto o de Sar- Em que “lei e ordem ” deixaram de
gão. Mas estava para descer a cortina sôbre a Su existir. . .
méria e seus grandes séculos. Quando Ibbi-Sin, o Em que cidades foram destruidas, casas
quinto e o último rei da dinastia de Ur-Nammu, derrubadas. . .
subiu ao trono de Ur, teve de repelir ataques de Em que os rios [da Suméria] fluíam com
vulto em duas frentes: a leste, investiam os velhos águas amargas. . .
adversários da Suméria, os elamitas, e, a oeste, os Em que a mãe já não velava pelos f i
novos inimigos que se haviam levantado nos de lhos. ..
sertos da Síria e da Arábia, os nômades semíticos Em que a realeza forá banida do pais. . .
conhecidos como os amoritas. Em que sôbre as margens do Tigre e do
Sofrendo êsses golpes, a Suméria e o seu im Eufrates brotavam plantas enfermiças. . .
pério começaram a se desintegrar. Os generais de Em que ninguém seguia pelas grandes es
ibbi-Sin e seus governantes de províncias, farejando tradas, ninguém procurava os caminhos. . .
no ar a perdição, abandonaram sua lealdade ao mo Em que cidades bem erguidas e aldeias se
narca e cada qual passou a agir por sua conta. A reduziram a ruinas.
figura principal nessa traição foi um dos generais em Em que o projiiso povo de cabelos negros
quem o rei depositava a maior confiança, Ishbi-Erra, fo i submetido á clava. . .
que não só conseguiu tomar-se o senhor de Isin, Se a sorte ditada [pelos deuses] é imutável,
cidade a rms 130 quilômetros de Ur, mas também quem poderia transformá-la?
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HOMENS DE TODOS OS CAMINHOS DA VIDA, no Püdrão de Ur, No painel superior, os sume ríanos ein guerra; no inferior, um prestito da córte.
o POVO DA SUMERIA
Uma das chaves mais valiosas que a arqueologia tem para decifrar a vida na
antiga Suméria é um objeto de madeira finamente trabalhado e conhecido como
o Padrão de Ur (acima). Encontrado num túmulo na cidade de Ur, contando
mais de 4.500 anos, seus painéis, com a extensão de 40 centímetros, são mar-
chetados de conchas e lazulita, com panoramas de figuras representativas de
todas as classes da sociedade. Uma das faces mostra soldados em batalha e levando
prisioneiros para o rei (fileira de cima, ao centrofi a outra face apresenta o
rei presidindo a um banquete, enquanto súditos lhe trazem dádivas de animais,
produtos agrícolas e artigos manufaturados, base da riqueza sumeriana.
41
UMA TERRA
DE AGRICULTORES
Segundo uma antiga lenda sumeriana, a prosperi
dade chegou à Mesopotâmia quando os deuses “fi
zeram a ovelha dar à luz um cordeiro. . . [e] o
trigo brotar nas leiras”. De fato, os sumérios, em
sua grande maioria, eram lavradores e produziram
a riqueza que tornou possível a civilização. O mais
velho manual de agricultura em todo o mundo é
um documento sumeriano que ensina como cultivar
a cevada, o alimento básico da Mesopotâmia. Havia
criadores de porcos, jumentos e cabras, como tam
bém de bois e carneiros, os últimos apresentados
aqui em partes componentes do Padrão de Ur. Os
bois eram usados como animais de tração e curtido
o seu couro. Os carneiros, que forneciam lã para
a florescente indústria têxtil, eram tão importantes
que os sumérios tinham duzentos vocábulos diferen
tes para denominar os vários tipos dêsse animal.
42
portadores de carga pesada, cada qual constituindo umdetalhe doPadrão. A esquerda, umhomemcarrega umfardo quepode conter lã, enquanto
ODESENVOLVIMENTO
DO COMERCIO
Com as riquezas provenientes da sua agricultura,
estabeleceu-se ativo comércio entre as cidades da
Suméria e seus vizinhos. Caravanas dirigidas por
mercadores levavam muitas cargas de cevada e te
cidos para a Ásia Menor e o Irã, retomando com
madeira, pedra e metais. Artífices sumerianos trans
formavam essas matérias-primas em instrumentos,
armas ejóias, que depois eramtambémexportados.
outroguia umcarneiro não castrado. Umterceiro traz uma estufadasaca de cereal ou outra mercadoria, enquanto o homemà direita levafieiras depeixe.
c
<
o rei de UR, vestido comumasaia depele de carneiro e trazendo à mão tima copa, ouve umharpista e umcantor da corte (página oposta).
o LUXO E O PODERIO D A CORTE
Para regulamentar o comércio e a agricultura, cada ministrava justiça e preservava o bem estabelecido
estado sumcriano instituiu um governo forte, exer sistema de canais para irrigar as terras produtivas.
cido por uma classe de burocratas e chefiado por De início, os reis eram eleitos. Mas, com o tempo,
um rei. Ainda que o rei vivesse faustosamente, com a função tomou-se hereditária e foi envolvida por
numerosos dignitários e servidores a assisti-lo, suas tal atmosfera de legenda que os sumérios pretendiam
responsabilidades eram múltiplas. Construía templos. fôssem os seus monarcas designados pelo céu.
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em linha de batalha, umafila de infantes (alto) portam espadas curtas. Os soldados usamcapacetes de cobre epesados mantos deproteçãoguarne I
SOLDADOS DO REI
Praticar a guerra figurava entre as incumbências
mais importantes de um monarca sumeriano. Quan
do surgia litígio sôbre terras e uso de águas entre
cidades-estados que se confinavam, os governantes
mobilizavam grandes exércitos para a defesa. Uma
classe especializada de soldados profissionais foi
constituída e meticulosamente adestrada ná ciência
militar; fileiras de infantes com armadura atacavam
em formação disciplinada (esquerda) e carros de
combate aniquilavam as linhas inimigas. Tão eficien
tes eram êsses guerreiros de profissão que suas con
quistas se estenderam por toda a Mesopotâmia e
contribuíram para que se alastrasse mais além a
cultura altamente desenvolvida dos povos sumérios.
por discos de metal. No desfile mostrado abaixo, umcarro de combate comrodas de madeira cavilhadas e blindado temapu^á-lo quatrojumentos.
Com a destruição de Ur, aproximadamente no
ano 2000 a.C., foi chegando ao fim um milênio e
meio de dominação sumeriana na Mesopotámia.
Como poder político a Suméria logo se eclipsou, po
rém subsistiu a sua opulenta herança cultural. Foi
ela aproveitada pelas novas dinastias reais fundadas
por estrangeiros e sob o seu mando a Terra Entre
os Rios iria atingir alturas ainda mais gloriosas do
que as dos tempos sumerianos.
Nos 15 séculos seguintes, êsses governantes
consolidariam as cidades-estados da Mesopotámia
em novos reinos sediados em novas e esplêndidas
capitais; dois dêsses reinos — Babilônia no centro-
-sul da região e Assíria ao norte — tomar-se-iam
poderosos impérios. Cada qual, por seu turno, te
ria fases de poder, seguidas por épocas de decadên
cia e submissão ao outro, para conhecer depois
A EXPANSAO brilhante renascimento. Até sua derrocada final, um
e outro espraiariam a sua influência, tanto cultural
DO IMPERIO mente como pela força das armas, por vastos rin
cões do antigo Oriente Próximo.
Por algumas centenas de anos após a termina
ção da idade sumeriana, muitos dos governantes
que modelaram a história mesopotâmica foram
amoritas ou descendentes de amoritas, gente semí
tica dos desertos da Assíria e da Arábia. As in
cursões dêsses nômades vindos do oeste, juntan-
do-se aos ataques dos elamitas vindos de onde hoje
é o Irã, fizeram a Suméria cambalear ao fim do
Terceiro Milênio a.C., porém não fora esta a pri
meira vez em que os amoritas apareceram na re
gião. Rústicos e bárbaros homens de tribo que
viviam principahnente de criar bois e pastorear car
neiros^ já haviam êles, por um certo número de
anos, lançado oUios invejosos na direção da civili
zada Mesopotámia, e durante êsse período foram-se
infiltrando ali como trabalhadores pacíficos nos cam
pos ou nos diversos ofícios urbanos e como merce
nários dos exércitos sumerianos.
Por fim, com o enfraquecimento da Suméria que
se seguiu á destruição de Ur pelos elamitas, aquê-
les nômades do deserto viram a oportunidade de
trocar suas tendas e suas magras pastagens pelas ci
dades e pelas fecimdas terras, próprias para a agri
cultura, da planície entre o Tigre e o Eufrates.
Transpondo as muralhas das fortalezas construídas
para detê-los, derramaram-se na Mesopotámia em
ondas de conquista e ocuparam os centros sumeria
nos, uns após outros. Não tardou muito a que êsses
nômades amoritas se tomassem inteiramente urba
nizados, adotando dos predecessores muito de sua
U m a deid a d e com figura integrante de relevo no palácio do religião, literatura, direito e arte. Conservaram, po-
rei assírio Assurnasírpal 11, emprega uma pinha para raspar a seiva ^ rém, SCU idioma s e m i t l C O para a fala e OS documcn-
uma palmeira sagrada, usada para ungir os reis assírios. tos, ficando a língua sumeriana relegada ás escolas
51
e aos templos, onde continuou estudada, falada e astúcia e coragem; sabia quando era tempo de es
escrita até o tempo de Cristo. perar, de ceder e curvar-se, e quando era hora de
Um dos centros sumerianos conquistados pelos golpear.
invasores foi Babilônia, então cidade sem importân De fato, Hamurábi conteve-se por mais de um
cia, a uns 75 quilômetros ao sul da moderna Bagdá, quarto de século. Gastou êsses anos no fortaleci
e ali um xeique chamado Sumuabum fundou uma mento da sua posição, sobretudo por meio de alian
dinastia amorita no ano 1850 a.C. Sob Hamurábi, ças políticas ou militares que não hesitava em rom
o 6? rei da linhagem de Sumuabum e um dos mais per quando isso convinha ao seu desejo de domi
celebrados monarcas do antigo Oriente Próximo, nação. Por fim, sentiu-se bastante poderoso para
Babilônia conquistou suserania sôbre tôda a Meso- lançar uma série de ataques maciços contra seus
potâmia e emprestou seu nome ao país antes co principais competidores. No trigésimo-primeiro ano
nhecido como Suméria. de reinado, assaltou de surprêsa e tomou a cidade
Quando Hamurábi subiu ao trono babilónico de Larsa, saindo da batalha como o senhor da Meso
em 1750 a.C., a Mesopotâmia ainda estava frag potâmia meridional e central.
mentada numa série de cidades-estados rivais que Três anos depois, tomou sob o seu controle a
recuperaram a autonomia um pouco antes da der Mesopotâmia ocidental ao esmagar Mari — com a
rocada de Ur e do seu império. Muitas das cidades qual anteriormente se aliara —, deixando-a em ruí
eram agora governadas realmente por amoritas, nas. Recentemente, arqueólogos franceses fizeram
compatriotas de Hamurábi. Mas dos seus laços de escavações no local de Mari, e nos escombros do
sangue não resultou uma paz duradoura e a região seu amplo palácio real desenterraram arquivos que
continuou a ser dilacerada por lutas internas, com continham mais de 20.000 placas de argila, incluin
o centro do poder passando de uma cidade para do-se entre elas centenas de cartas oficiais que da
outra. Assim, Hamurábi herdou um Estado que tinha tam do reinado de Hamurábi. O conteúdo dessas
ao seu derredor rivais ambiciosos e agressivos. Os cartas revela muito dêsse agitado período da his
mais proeminentes dentre eles eram Larsa, que do tória mesopotâmica; êsses documentos também con
minava as cidades ao sul, Mari ao noroeste da Síria, firmam o importante papel desempenhado não só
Eshnurma ao norte, e Assur — a cidade da qual a por Hamurábi como por outras figuras destacadas.
Assíria derivou o seu nome — situada a ims 300 No comêço, os estudiosos pensaram que êsse
quilômetros a noroeste de Babilônia, sôbre as mar rei babilónico fôra o monarca predominante do seu
gens do Tigre. tempo, opinião fundada principalmente no seu fa
O nôvo rei da Babilônia não se contentou em moso Código de Leis, que se acreditava ser o mais
manter uma incômoda coexistência com seus peri veUio do mundo antes de se descobrirem os seus
gosos vizinhos. Impelido pelo desejo de amalgamar precursores sumerianos. Grande foi a surprêsa dos
uma terra profundamente dividida num estado imo investigadores modernos quando leram nos registros
que — como o seu precursor, a Suméria — deve de Mari que os contemporâneos de Hamurábi nem
ria representar papel predominante no mimdo an sempre o consideraram assim. Uma das cartas sa
tigo, Hamurábi tratou de vencer e destruir os seus lienta que, antes da sua vitória sôbre Larsa — o
rivais, um a um. No comêço do seu reinado só se seu primeiro passo significativo na marcha para o
impunha a um território com menos de 80 quilôme império —, Hamurábi era tido apenas como um
tros de raio; quando morreu, 42 anos depois, a entre vários outros reis do Oriente Próximo com
sua cidade era a capital de um reino que se estendia poder igual: “Não há rei que seja poderoso por si
do golfo Pérsico para além da fronteira da moderna só. Dez ou quinze reis acompanham Hamurábi, o
Turquia, e dos montes Zagros, no leste, ao rio homem de Babilônia, número semelhante segue
Khabur, na Síria. Tudo isso Hamurábi realizou por Rirh-Sin de Larsa, outros tantos seguem Ibalpiel de
uma notável combinação de senso de estadista, de Eshnunna. . . e vinte acompanham Yarimlim de
52
Yamkhad (um estado sírio na região de Alepo).” Hamurábi — embora tenha unido e ilustrado o
Ainda que os seus contemporâneos possam não se país — trouxe bem pouca alteração ao fundamen
ter impressionado com a estatura de Hamurábi ao tal estilo de vida na Mesopotâmia. Já que Babi
comêço de suas conquistas, já não havia como ne lônia controlava agora todas as rotas de comércio
gar o seu poderio depois que êle colocou sob o seu que atravessavam a região, assim como as ricas ter
mando a Mesopotâmia do sul, do centro e do oeste. ras de lavoura no sul, não há dúvida de que au
Agora, chegara o tempo em que iria completar o mentou a prosperidade material — pelo menos den
seu domínio sobre tôda a região. Isso êle realizou tro da própria Babilônia — porém no sentido cul
ao aniquilar Eshnunna, cidade a uns 100 quilô tural quase não houve qualquer rompimento com
metros ao norte de Babilônia, que, em aliança com o passado. Na maior parte, os deuses dos dias sume-
Assiir, a principal cidade da Assíria, tinha sob sua rianos — embora recebessem nomes semíticos —
dominação grande parte da Mesopotâmia setentrio continuaram a ser adorados de aco'rdo com tradi
nal. Com a captura e o saque de Eshnunna também ções consagradas pelo tempo. (Marduk, o deus de
adquiriu contro‘le, nominal pelo menos, sóbre a Babilônia, substituiu realmente a divindade sume-
Assíria. riana Enlil como a figura principal do panteón,
Hamurábi encontrou-se então no apogeu da mas é provável que isso tenha ocorrido após o rei
sua carreira, senhor de um domínio unificado que nado de Hamurábi). Na literatura, os velhos mitos
virtualmente incluía tôda a Mesopotâmia e suas adja e lendas persistiram com apenas ligeiras variações,
cências. No prólogo ao seu Código — cuja cópia e a arte e a arquitetura do período não apresentam
mais conhecida, gravada numa esteia, ou seja, numa grandes mudanças Ou inovações.
coluna de pedra, se encontra preservada no Louvre, A realeza, cujos alicerces eram “tão firmes
de Paris — êle proclamava que Babilônia era agora como os do céu e da terra”, não sobreviveu por
“soberana do mundo” e que os alicerces da sua muito tempo ao seu arquiteto. Hamurábi morreu
realeza eram “tão firmes como os do céu e da terra”. por volta de 1708 a.C., tendo gozado só durante
Segundo êsse mesmo prólogo, os deuses é que o ha uns poucos anos os frutos do seu êxito, e quase
viam instruído “a fazer a justiça presente na terra, imediatamente o império começou a se desintegrar.
a destruir o mal e os maus a fim de que os fortes Revoltas acenderam-se por tôda a parte. Apesar de
não pudessem oprimir os fracos, a erguer-se como ter o filho de Hamurábi desenvolvido ingentes es
o deus-sol. . . para iluminar a terra”. forços para manter una a sua herança, a Babilônia
Sobreviveu até hoje considerável soma de in meridional e as províncias do sul foram logo perdidas
formes sôbre a maneira de Hamurábi dirigir o im e o reino se reduziu a um pequeno território em tor
pério. Juntando-se ao seu minucioso Código Legal, no da capital. Outros descendentes de Hamurábi con
existem muitas cartas suas aos babilônios nomeados tinuaram a reinar em Babilônia por mais de um sé
seus funcionários nas províncias conquistadas. A culo, porém a maioria dêsses governantes se dedi
correspondência revela que êsse homem extraordi cou tão-só aos assuntos internos, sem cuidar de con
nário foi não só um formidável guerreiro e um quistas além das fronteiras.
astuto diplomata mas também um diligente e meti Então, por volta de 1600 a.C., a dinastia do
culoso administrador, smceramente interessado no grande Hamurábi chegou a um fim inglório. Cau
bem-estar dos súditos. Suas cartas mostram que de sou-lhe a queda uma breve mas destruidora inva
votou muita atenção pessoal a assrmtos de impor são dos hititas, um povo da Anatólia (Ásia Menor)
tância secundária, como o pagamento de rendas e que, vários séculos antes, se tomara uma grande
pequenas demandas judiciais, enquanto cuidava de potência no Oriente Próximo. -Os hititas assaltaram
arrecadar os impostos e de manter os sistemas de de surprêsa Babilônia, saquearam-na, e depois se
irrigação, de crucial importância para Babilônia. retiraram para a sua terra. Com as últim *s forças
De um modo geral, entretanto, o reinado de exauridas nesse desastre, o país tornara-se fácil
53
AS CULTURAS PRiNOPÁis do ûfitigo Orien
te Próximo estão catalogadas num qua
dro cronológico para mostrar os séculos
em que floresceram. As barras doura
das representam as culturas da própria
Mesopotâmia: sumeriana e acádica, ba
bilónica e assíria, originarias da região,
e cassita e caldéia, que foram trazidas
pelos invasores. Todas essas civilizações
influenciaram de maneira marcante as
culturas dos povos vizinhos (em cinzento).
prêsa para quem quisesse conquistá-lo — e con Algumas gerações após a implantação do seu
quistadores logo apareceram. Foram os cassitas, in domínio os cassitas se tomaram' inteiramente babiló
vasores não semíticos vindos dos montes Zagros, a nicos em literatura, religião e nos principais hábitos
leste, e durante mais de quatro séculos Babilônia de vida, e trocaram sua língua nativa pelo idioma
ficou sob a sua dominação. semítico do povo que haviam subjugado. Sob o seu
A ocupação cassita de Babilônia coincidiu com govêmo, a ordem e a prosperidade voltaram ao país.
uma época em que a estrutura política de todo o Construíram-se novas cidades; os templos de
Oriente Próximo sofreu grandes transformações. Nas Nippur, Ur e outras cidades antigas, que ficaram cm
terras adjacentes à Mesopotâmia haviam surgido abandono desde a invasão desastrosa dos hititas,
novas e vigorosas nações, e ainda outras estavam foram restaurados e embelezados; vieram a ser re
em formação. Também ao longo da costa oriental cuperadas as províncias da Mesopotâmia meridional
do Mediterrâneo cresciam de importância as cida que o filho de Hamurábi havia perdido. Por um
des que povos semíticos tinham fundado. Assim, certo tempo os reis cassitas, recordando que nos
nos tempos do domínio cassita em Babilônia, o dias de Hamurábi a Mesopotâmia setentrional fòra
Oriente Próximo foi-se tomando uma região cada vassala de Babilônia, também se proclamaram com
vez mais complexa; quando a área se fêz mais assen direito de domínio sobre a Assíria.
tada, a história da Mesopotâmia passou a ter laços * Curiosamente, os modernos estudiosos sabem
cada vez mais estreitos com a dessas outras terras. disso não por documentos encontrados na Mesopo-
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tâmia, mas por cartas do século XIV a.C. desco da região do lago Van, na montanhosa Armênia,
bertas no distante Egito. Parte de um arquivo de que aos poucos se foi instalando em toda a Meso
correspondência diplomática, essas cartas foram potâmia setentrional e na Síria. O poder militar dos
desenterradas em 1887, em Tell el-Amama, lugar hurrianos provinha principalmente do uso de carros
onde se situava a capital egipcia no reinado de Aque- de combate com tração de cavalos, animais cuja
náton, o faraó herético que tentou substituir os nu introdução no oeste da Ásia pode ter sido realizada
merosos deuses do país por uma única deidade uni através das planícies da Rússia meridional. No ano
versal. Entre as missivas escritas ao faraó em carac 1500 a.C., aproximadamente, os hurrianos estabe
teres cuneiformes e em acádico, então a lingua leceram um preponderante estado uno, conhecido
franca do mundo antigo, havia duas cartas de Assu- como Mitanni, e a Assíria tornou-se um dos seus
mballit, um rei assírio. Tratavam elas principahnente vassalos. O poderio de Mitanni durou apenas um
de assunto sem maior importância, uma simples século, mais ou menos; começou a vacilar quando
troca de presentes entre os dois monarcas. Mas ha o império hitita se ergueu e espraiou o seu mando
via também uma carta de Bumaburiash, o rei cassita muito além das fronteiras da Anatólia. Isso ofere
de Babilónia, que foi contemporâneo de Assum- ceu â Assíria o ensejo de recobrar sua independên
ballit. Indignado com a petulância do governante cia, o que conseguiu por volta de 1350 a.C., sob
assírio ao enviar emissários ao faraó, Bumaburiash o govêmo de Assuruballit, o mesmo que trocara
solicitava que êles fossem mandados de volta com as presentes com Aquenáton, do Egito.
mãos vazias, pois Babilônia considerava a Assíria Para o fim do seu reinado, Assuruballit dei
sua vassala. xou bem claro que a Babilônia dos cassitas teria
Os assírios viam as coisas de maneira dife de considerar a Assíria em pé de igualdade e não
rente. No meado do século XIV a.C. — o tempo como estado vassalo. Já então dispunha o rei de
em que Bumaburiash apresentou sua queixa ao considerável influência e por meio de hábil ma
trono egípcio —, acabavam êles de se recuperar nobra política logrou colocar no trono do outro
de uma adversidade que durara cêrca de 400 anos estado o seu neto Kurigalzu, que era de sangue
e não queriam admitir uma condição de subserviên meio-assírio e meio-babilônio; mas não previu o
cia perante Babilônia. Eles próprios já tinham des que disso ia resultar. Assim que se instalou como
frutado outrora posições de supremacia, e alimenta rei, Kurigalzu tomou-se um autêntico patriota de
vam a esperança de um retorno ao antigo poderio. Babilônia e obstinado protetor de seus interêsses.
O primeiro período em que a Assíria aparece Para aumentar suas defesas, fundou uma importan
como uma potência ocorreu pouco antes do reinado te cidade fortificada, com o nome de Dur-Kurigalzu,
de Hamurábi, quando Shamshi-Adad, um brilhante a moderna Acarcuf, perto de Bagdá. Os remanes
chefe amorita, guiou os seus exércitos à dominação centes do gigantesco zigurate da cidade, que atingia
sôbre a maior parte da Mesopotâmia setentrional. uma altura de cêrca de 56 metros, ainda sobran-
Mas, com a morte dêsse rei-guerreiro, a autoridade ceiam a planície em derredor; alguns, dos primeiros
da Assíria declinou e, para sobreviver, o seu povo europeus que por ali viajaram cometeram o êrro
ficou sob a dependência da aliança com a cidade de de supor que êles fossem as ruínas da Tôrre de
Eshnunna. Quando Eshnunna tombou diante de Babel, e assim indicaram Acarcuf como o local
Hamurábi, também os assírios tiveram de aceitar o da antiga Babilônia.
jugo babilónico. Como os interêsses políticos de Babilônia con-
Depois que Hamurábi morreu e o seu im flitavam com os do seu vizinho, de independência
pério se esboroou, a Assíria conheceu tempos de recente e faminto de poder, não tardou muito a
maior provação ainda. Durante dois séculos e meio que Kurigalzu se envolvesse em guerra contra a
viveu à sombra terrível dos hurrianos — os horitas Assíria,* agora governada por um seu parente san
do Velho Testamento —, um povo cruel e belicoso guíneo, o filho de Assumballit. A luta não chegou
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a um desfecho conclusivo e os dois reinos traça Oriente Próximo. Mas a sua escalada ao poder não
ram por tratado as suas fronteiras, mas desde então foi sem tropeços. Interrompendo-a, houve diversos
a balança do poder parece ter pendido para o lado períodos em que a sua sorte desandou e a estréia
da Assíria. Um monarca assírio, Tukulti-Ninurta, assíria pareceu em perigo de eclipse total.
chegou mesmo a colocar Babilônia sob sua suse- O monarca que representou papel predomi
rania, capturando o rei cassita e jactando-se numa nante na condução da Assíria à sua nova era de
inscrição de que “sobre o seu pescoço real calquei proeminência foi Tiglath-Pileser 1. Ao começar o
os meus pés como sobre um escabélo”. seu govêrno, êsse rei venceu uma horda anatoliana
Entretanto, não foram os assírios que fizeram que ameaçava a cidade de Nínive, ao norte de
tombar, finalmente, a dinastia cassita, que tanto per Assur, assim como as estradas vitais do comércio
durara em Babilônia. O golpe de morte veio do assírio com a Ásia Menor, principal fonte do ferro
leste. Em 1170 a.C., aproximadamente, após sé já então em uso na maior parte do antigo mimdo
culos de não-agressão, os velhos inimigos da Me- civilizado. Posteriormente, para garantir as frontei
sopotámia meridional, os elamitas do Irã, invadiram ras do norte e do leste, subjugou as tribos agressi
Babilônia, derrubaram o último rei cassita e sa vas em tômo e além do lago Van, na Armênia,
quearam as suas cidades. Entre os despojos de guer temíveis montanheses das serranias de Zagros. No
ra que levaram de volta ao Elam havia tesouros oeste, marchou com o seu exército através da Sí
de caráter nacional, tais como o Código de Hamu- ria, até a costa do Mediterrâneo, onde exigiu tri
rábi e — suprema humilhação — a estátua de buto das ricas cidades fenícias de Biblos, Sidon e
Marduk, a divindade principal de Babilônia? Arvad. Também no oeste, Tiglath-Pileser fez re
Com a espantosa capacidade de recuperação cuarem para além do Eufrates as tribos de nôma
que desde os primeiros tempos sumerianos havia ca des semíticos conhecidos como os arameus, que por
racterizado os mesopotámios, os babilônios não tar algum tempo se haviam introduzido no território
daram a se refazer dêsse desastre e, sob urna nova mesopotâmico. Por fim, atacou ao sul e capturou
dinastia indígena, recobraram parte do seu prestigio Babilônia, numa vitória efêmera, pois não logrou
e poder. Um dos governantes, Nebuchadrezzar I, consolidá-la com um contrôle substancial da terra
expulsou as guarnições deixadas pelos elamitas, ata e do seu povo.
cou o próprio Elam e trouxe de volta a estátua de Os êxitos de Tiglath- Pileser no campo de ba
Marduk para o seu templo em Babilônia. Perto de talha se igualaram aos benefícios que êle propiciou
1100 a.C., outro rei babilônio aventurou-se mesmo ao país. Suas conquistas proporcionaram à Assíria
a invadir a Assíria, penetrando até cérea de 35 qui uma prosperidade sem precedente, capacitando-o a
lómetros de Assur, a capital, para só então ser batido empreender programas de reabilitação em larga es
o seu exército. cala. Restaurou os ziguraíes e o principal templo de
Mas a balança do poder já agora havia pendido Assur, sua capital; instalou no templo uma biblio
decisivamente em favor dos assírios. Nos começos teca de obras literárias e reconstruiu o seu teto com
do século XI a.C., Babilônia ingressou numa era cedro obtido como tributo das cidades no litoral da
de decadência política da qual só 400 anos depois Síria e do Líbano. Em Nínive, criou novos parques
viria a se recuperar plenamente. Por outro lado, atraentes, e para irrigá-los desviou as águas de um
favorecida pela sorte, a Assíria foi tendo espetacular tributário do Tigre que ficava bem perto. Idênticas
ascensão. De índole mais belicosa do que os babilô obras de embelezamento foram realizadas noutros
nios — que se dedicavam com maior empenho às templos assírios e também muitas reformas agrícolas
realizações culturais do que às façanhas guerreiras foram promovidas no curso do seu reinado, de modo
—, os assírios lançaram-se por êsse tempo a uma que Tiglath-Pileser teve motivos para se gabar de
política implacável de conquista que os levou fi- haver servido bem ao povo e “em pacíficas habita
nahnente a se tomarem senhores de quase todo o ções ... fêz a sua gente morar”.
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Paradoxalmente, êsse mesmo restaurador de ao longo do Tigre, com apenas 160 quilômetros
templos e cidades foi quem iniciou a política de comprimento por 80 de largura. Os arameus
de cmeldade e carnificina que tomaria mais tarde também se derramaram pela região de Babilônia.
os reis assírios temidos em todo o mundo antigo. Uma de suas tribos, a caldu, estabeleceu-se nas vi
Não há guerra que não seja cruel, mas a partir de zinhanças do gôlfo Pérsico; dela é que veio o nome
Tiglath-Pileser os assírios praticaram o terror e a Caldéia, freqüentemente usado pelos antigos escri
tortura com uma implacabilidade que é talvez sem tores gregos e hebreus para designar Babilônia.
par em tôda a história dos povos instruídos e civi O fenomenal soerguimento da Assíria que, após
lizados. Muito da sua ferocidade e amor à guerra 150 anos de adversidade, iria constituir-se numa das
tinha origem na posição geográfica da Assíria; era mais pujantes potências militares do mundo antigo,
ela cercada de inimigos que constantemente amea iniciou-se ao fim do século X a.C. Sob o reinado
çavam a sua existência, mas uma boa parte da in de Adadnrrari II, o país livrou-se das pressões que
clinação da Assíria para o mero uso da fôrça física o confinavam; em seguida, Adadnirari expulsou os
e da brutalidade também era motivada sem dúvida povos dos montes Zagros, abatendo-os “aos mon
por um sentimento de inferioridade cultural em re tões”; depois, arrebatou considerável território da
lação à vizinha Babilônia, da qual havia adotado Babilônia setentrional. O seu filho, Tukulti-Ninur-
a escrita, a literatura e muitas das idéias e práticas ta II, também se apossou de terras e por ocasião
religiosas, econômicas e legais. da sua morte a Assíria, antes um estado melanco'-
« As inscrições que comemoraram os triunfos licamente encolhido ao longo do Tigre, já se tor
militares de Tiglath-Pileser estabeleceram o modêlo nara um reino que ‘abrangia grande parte da Meso-
seguido e aprimorado por todos os governantes as potâmia setentrional.
sírios que vieram depois. Nelas são abundantes os O primeiro governante verdadeiramente no
registros da sanguinolenta política assíria de terror. tável da nova Assíria soerguida foi o fiUio de Tu-
Um exemplo típico nessas -inscrições de Tiglath-Pi kulti-Ninurta II, Assurnasirpal II. Herdou êle, com
leser é a narração de suas vitórias sôbre os anató- a realeza, os melhores soldados do Oriente Próxi
lios e os aliados destes, que punham em perigo a mo, adestrados e endurecidos por anos de árduas
região ao norte de Nínive: “Contra seus 20.000 campanhas e organizados em corpos de rápidos
guerreiros e 5 reis eu batalhei... e os venci. . . Fiz carros de combate com tração equina, de cavala
que o sangue déles se derramasse nos vales e nas ria, arqueiros e lanceiros. Além dessas unidades,
planícies. Cortei-lhes as cabeças e empilhei-as como havia engenheiros que punham em ação aríetes com
montões de trigo diante das suas cidades... e as ponta de ferro e outras armas de sítio.
suas cidades, eu as incendiei, as demoli, as Como Tiglath-Pileser I havia feito quase dois
arrasei...” séculos antes, Assurnasirpal II conduziu as tropas
Mas submissão obtida à custa de terror não da Assíria muito além dos limites da Mesopotâmia,
gera lealdade. Tiglath-Pileser não foi um bom co indo até às costas do Mediterrâneo. Lavou êle as
lonizador; contentando-se em governar unicamente armas no mar, para simbolizar dêsse modo o seu
pelo medo, não logrou consolidar o seu reino com domínio sôbre as cidades fenícias; retornando ao
a montagem de uma sólida administração nos ter seu país através da Síria, marchou com uma gran
ritórios conquistados. Depois da sua morte, aproxi de soma de tributos — ouro. prata, estanho, cobre,
madamente no ano 1080 a.C., o povo oprimido se marfim, madeiras raras e animais exóticos. Entre
ergueu em revolta, esfacelando-se rápidamente o seu tanto, na sua maioria as campanhas de Assurnasir
extenso domínio. Pressionados, a oeste, pelas tribos pal tiveram mais o caráter de incursões com pro
nômades dos arameus e hostilizados, a leste, pelos pósito de pilhagem; no fim das contas, bem pouco
montanheses de Zagros, os assírios foram sendo gra território nóvo foi adquirido. Mas o rei conseguiu
dativamente espremidos numa exígua faixa de terra fazer da Assíria um nome que infundia pavor aos
57
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Babilónia B obilõnia •
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PÉRSICO 0 ORIENTE PRÓXIMO EM DESUNIÃO PÉRSICO
yfr Século XV a.C.
o IMPÉRIO BABILÓNICO 1 1Império Hitíta
MAR (— 1 Reino de Hamurábí século XVIII a.C. % í 1 Reino de Mitanni
MAR
VERMELHO 0 Milhas 300 VERMELHO
I ' [ Babilônia Cassíta
[__I Império Egípcio
PODER EFÊMERO, O ímpério babüónico chegou ao apogeu no reinado do ESTADOS HOSTIS lutaram para controlar a Mesopotâmia nos séculos que se
seu fundador, Hamurábi. Entrou em decadência após a morte desse rei, seguiram ao declínio de Babilônia. Uma aliança entre o Egito e Mitanni
porém sua capital. Babilônia, continuou a ser um grande centro cultural. deteve ao sul os hititas, mas os invasores cassitas dominaram Babilônia.
povos vizinhos. A sua fria e objetiva descrição de e terraços arejados. Segundo a própria descrição de
atrocidades compõe um quadro sinistro: “Construí Assumasrrpal, confirmada pelas escavações arqueo
uma tôrre de sustentação encostada à porta da sua lógicas, deve ter sido realmente um edifício sun
cidade e esfolei todos os maiorais. .. E revesti a tuoso.
tôrre com suas peles; alguns, eu emparedei dentro “Um palácio de cedro, cipreste, zimbro, buxo,
da tôrre, a outros empalei em estacas sobre a tôr amoreira, pistaceira e tamargueira, para minha mo
re.. . e cortei os membros dos seus oficiais...” rada real e para o meu deleite senhorial, eu então
E novamente: “Muitos dos prisioneiros eu queimei ergui nesse lugar. Modelei em pedra branca e em
com fogo. . . A alguns cortei a cabeça e os dedos, alabastro bichos das montanhas e dos mares e os
a outros cortei o nariz, as orelhas... e de muitos levantei nos portões do palácio, que eu construí
arranquei os olhos. . . Aos mancebos e às môças, de maneira adequada, fazendo-o glorioso. . . Re
lancei na fogueira...” vesti os portões com folhas de cedro, cipreste, zim
vE, mesmo assim, êsse déspota impiedoso não bro e amoreira; e prata, ouro, estanho, bronze e
foi só um destruidor, mas também um criador, es ferro, o espólio arrancado por minha mão das ter
pecialmente em relação à sua própria terra. A rms ras que pus sob o meu jugo, eu trouxe em grandes
35 quilômetros da moderna Mossul, construiu uma quantidades e ali coloquei.”
nova e magnifícente capital, Calah (a atual Nim- Desencavada em Calah, uma inscrição com mi
md), acomodou ali parte das populações que cap nuciosa narrativa do imenso festim oferecido pelo
turara e levou a cabo grandes projetos de irrigação rei para celebrar o acabamento da sua capital, in
na zona rural circundante. Em Calah, o governan dica que êle era tão pródigo em seus entretenimen
te residia num palácio com área de seis acres, um tos como era impiedoso na guerra. Durante dez dias,
labirinto, ricamente decorado, de salões para atos 69.574 convivas da sua nova capital e de todos
de cerimônia, aposentos reais, depósitos de víveres os recantos do seu reino banquetearam-se, com o
58
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EGITO
o IMPÉRIO ASSÍRIO EGITO
IMPÉRIO NEOBABILÔNICO
PFReino de Assurbanipal — Século VII a C. ij^ Ê in o d e N e b u c h a d r e z z a r — S é c u io V I a C.
\ MAR •f»-
VERMELHO VERMELHO /-»w-ii, tz-w- v
Teba? O Milhaa_TQP
k BEucosA ASSÍRIA, quc üfites integrava o reino de Mitanni, construiu o 0 Ú LTIMO ORANDE PODER na Mcsopotâmia, o império de Nebuchadrezzar 1!.
seu próprio império por meio de conquistas. Seu rei mais poderoso, Assur- ergueu-se em Babilônia após a derrocada do império assirio ao fim do
banipal, governou uma área que se estendia do Egito ao golfo Pérsico. século VJI a.C. Durou até 539 a.C., quando caiu em mãos dos persas.
consumo de 2.200 bois e 16.000 carneiros, além Contudo, nem de todos os lugares Salmana
de aves grandes e pequenas, gazelas, peixe, ovos e sar 111 saiu vitorioso. Por exemplo, falhou na ten
abundância de vinho e cerveja. A inscrição encer- tativa de conquistar a cidade-estado aramaica de
ra-se com uma nota em curiosa discrepância com o Damasco, na Síria, e nunca obteve mais do que
que se poderia esperar de um monarca sanguinário autoridade nominal sôbre Babilônia. Uma rebelião
e rapace; Assumasirpal rejubila-se por haver rega da córte que redrmdou em guerra civil marcou o
lado os habitantes de Calah e “o povo feliz de fim do seu reinado e o comêço de uns 75 anos de
todas as terras”, e por tê-los mandado de volta ao decadência assíria. Atormentada por agitação in
seus lares “em paz e alegria”. terna, implacáveis pressões de estados agressores
O filho de Assumasirpal, Salmanasar 111, es e algumas derrotas sérias, a Assíria perdeu, gra
palhou o terror inspirado pelo nome da Assíria ain dativamente, contrôle sôbre a maioria dos territó
da mais amplamente do que o pai havia feito. As rios que tinha avassalado.
cendendo ao trono em 858 a.C., gastou virtual Mas nos meados do século Vlll a.C., sob o
mente nos campos de batalha todos os seus 35 anos govêmo de Tiglath-Pileser 111 — chamado Pul no
de reinado. Suas campanhas militares, muitas das VeUio Testamento —, o rolo compressor dos assí
quais foram expedições de pilhagem como as de rios voltou a mover-se com força e fúria redo
Assumasirpal, estenderam-se das montanhas da Ar bradas — e continuou em movimento por mais de
mênia ao gôlfo Pérsico e das serranias de Zagros, cem anos. Antes que viesse a parar, esmagou prà-
a oeste, até a Cilicia, na Ásia Menor. Na Palestina, ticamente todos os povos do Oriente Próximo e
onde os hebreus fundaram o reino de Israel por criou o maior império que o mundo conhecera até
volta do ano 1000 a.C., o rei Jeú prostrou-se dian então.
te de Salmanasar 111 e os tributos israelitas se O arcabouço do império estabelecido por Ti
juntaram aos extorquidos dos príncipes fenícios. glath-Pileser 111 iria prevalecer com poucas mo-
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dificações até o eclipse final da Assíria. Sob o seu moderno Irã penetrações mais profundas do que a
govêmo, as guerras deixavam de ser campanhas de qualquer outro rei assírio anterior, proclamou
destinadas principalmente a se apoderar de tanto sua suserania sôbre novas e amplas áreas da Ásia
butim quanto possível e visavam a conquistas dura Menor, consolidou a posição do seu reino na maior
douras. O rei recobrou o controle sobre todos os parte da Síria ao conquistar a cidade de Damasco,
territórios perdidos, os quais, na sua maioria — e fortaleceu a sua autoridade ao longo da costa do
assim como muitas das novas térras adquiridas — Mediterrâneo oriental. Uma das suas expedições
se tomaram províncias assírias. Governava cada mediterrâneas se estendeu até Gaza, perto da fron
província uma forte e eficiente administração cons teira egípcia. Mais próximo de sua própria terra,
tituída de funcionários assírios diretamente respon Tiglath-Pileser III depôs um xeique caldeu que
sáveis perante o rei e com tais encargos como os usurpara o trono de Babilônia, e com isso tomou-se
de garantir a lei e a ordem, construir obras públi o primeiro monarca assírio a impor efetivamente a
cas e arrecadar impostos. As revoltas, que viríam sua autoridade sóbre aquela região desde que, mais
a ser freqüentes nos últimos dias do império e que de 400 anos antes, Tukulti-Ninurta havia captura
acabaram por destruí-lo, eram debeladas duramen do um dos reis cassitas e calcado os pés sobre D
te; quando uma cidade ou um distrito dava sinais seu pescoço real.
de que poderia rebelar-se, a sua população inteira Até Gaza ser ameaçada, as relações do Egito
era muitas vêzes deportada para zona bem distante com a Assíria tinham sido em geral amistosas. Mas
e o lugar preenchido por outro povo conquistado. defrontando-se com o espectro das armas assírias
O sistema de mensageiros com estações de reve ãs suas portas — inôomodando-se também com a
zamento permitia a Tiglath-Pileser III ficar em interferência crescente dos assírios no comércio
constante comunicação com tôdas as partes do rei egípcio com as ricas cidades da Fenícia — o país
no. Os seus representantes nas cortes das nações dos faraós começou a ter reservas quanto às suas
satélites mantinham sempre o olhar vigilante sôbre relações com o outro império. Para contraba
tôdas as matérias relacionadas com os interêsses da lançar a ameaça, tanto militar quanto econômi
Assíria, entre as quais se incluía um fluxo contínuo ca, o Egito começou a incitar levantes entre os
de tributos. vassalos da Assíria na Palestina e na Síria, indo até
Também sob Tiglath-Pileser III teve início a ao ponto de emprestar-Uies grandes contingentes de
reorganização do exército assírio, que se transfor tropas. Ao mesmo tempo, os assírios estavam tendo
mou na mais formidável máquina militar do seu dificuldades co/n o povo de Urartu, uma nação po
tempo. Antes, o exército era convocado pelo pe derosa, ainda que relativamente jovem, da Armênia,
ríodo de uma campanha ou numa emergência na que durante anos estivera suscitando inquietação
cional, e, como se compunha principalmente de nas províncias submetidas.
camponeses da própria Assíria, era limitado em Assim, quando um rei chamado Sargão —
número. Agora, quando a Assíria começou a ex- nome que, 16 séculos antes, fòra tomado famoso
pandir-se, o exército tomou-se uma grande fôrça por Sargão de Acad — assumiu o govêmo da As
permanente, cujo cerne continuava sendo assírio, síria, em 721 a.C., encontrou um império em cha
mas cujas fileiras eram engrossadas por mercená mas de revolta. Aumentando os seus problemas,
rios estrangeiros, contingentes de tropas dos esta sucedeu que, ao comêço do seu reinado, outro chefe
dos vassalos e soldados cujo recmtamento se fazia caldeu, com apoio dos elamitas, assenhoreou-se de
em províncias anexadas. Babilônia e repudiou o controle assírio. Como os
Montado no seu carro de combate, à frente do seus predecessores, Sargão II fêz consideráveis acrés
seu exército recém-organizado, Tiglath-Pileser III cimos ao império assírio, porém gastou tanto tempo
superou todos os seus predecessores na ampliação enr debelar revoluções, bater os exércitos dos seus
do poderio assírio. Além de fazer na região do instigadores e reconquistar territórios perdidos, in-
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clusive Babilônia, como em realizar novas e exten elefantes.. . todo o gênero de preciosos tesouros,
sas conquistas. e suas filhas, seu harém, e cantores masculinos é
Quase no fim do seu reinado, Sargão II re femininos...”
solveu transferir a sua capital para um nôvo sítio Foi mais do que selvagem a maneira pela qual
chamado Dur-Sharrukin (a moderna Khorsabad), Senaqueribe se vingou de Babilônia. Os anteriores
perto de Nínive. Em dez anos ergueu ali uma gran governantes assírios, com a compreensão de quanto
de cidade cujo palácio rivalizava em fausto com deviam culturalmente a Babilônia, trataram a ci
o de Assumasirpal em Calah. Montando guarda aos dade com deferência; Senaqueribe, porém, a des
seus portões havia enormes figuras de pedra com truiu por completo: “Com [os cadáveres de seus
corpo de touro e cabeça humana, e adornavam os habitantes] eu enchi as praças da cidade. . . A ci
seus muros relevos de alabastro e de pedra calcá dade e as casas, dos alicerces ao teto, eu destruí,
ria que se estendiam por mais de dois quilômetros. devastei, incendiei. A muralha e os muros exterio
Todavia, Sargão não desfrutou por muito tempo de res, os templos e os deuses, os templos-tôrres de
sua nova capital; pouco depois de havê-la comple tijolos e de terra, todos quantos lá existiam, eu ar
tado foi morto em batalha. rasei. . . Cavei canais [do rio Eufrates] que cor
A morte de Sargão 11 foi o sinal para uma taram a cidade pelo meio, e inundei o lugar. . .
nova onda de rebeliões em diversas partes do im Para que nos dias vindouros não se possa identi
pério. Foram especialmente graves as verificadas ficar o local daquela cidade, é [seus] templos e
na Palestina e na Fenícia, onde muitas das cidades deuses, eu a dissolvi em água. . . aniquilei-a, trans
vassalas entraram em nova e perigosa aliança com formei-a num campo”?
o Egito, e também em Babilônia, mais uma vez do Mas os deuses cujos templos Senaqueribe de
minada por um caldeu turbulento. moliu também sabiam ser vingativos; a punição que
Ainda que o fiUio e sucessor de Sargão, o decretaram contra êle foi assassínio. Oito anos após
famoso Senaqueribe, se tenha notabilizado por fa haver destruído Babilônia o rei foi trucidado bru-
zer de Nínive uma das mais esplêndidas capitais tahnente pelos próprios filhos.
da antiguidade, éle veio a ser mais recordado na Contudo, não foi um dos assassinos de Sena
história pela maneira com que lidou com os in- queribe quem o sucedeu no govêmo. Após um
surretos da Palestina e da Babilônia. Os seus pró breve período de luta dinástica, outro fiUio seu,
prios anais, um tanto parecidos com a narrativa Esarhaddom, apoderou-se do trono e no seu curto
bíblica do acontecimento no Segundo Livro dos reinado de onze anos revelou-se um dos mais no
Reis, contam cómo o seu exército irrompeu furio táveis dentre todos os monarcas assírios. Além de
samente na Palestina, capturando 46 cidades forti reconstruir Babilônia, que durante uma década per
ficadas e arrebatando 200.150 pessoas como prêsa manecera em ruínas, Esarhaddom conseguiu, pela
de guerra. Jerusalém, capital de Judá (a parte me fôrça das armas e com diplomacia, não só neu
ridional do Reino de Israel) e um dos principais tralizar os principais inimigos nas fronteiras da
focos de rebelião, foi assediada, sendo Ezequias, o Assíria mas também propiciar um período de paz
seu rei, obrigado a submeter-se. Os assírios poupa à maioria das terras sob o seu domínio. Com o im
ram a cidade, mas por isso Ezequias pagou um pre pério em relativa tranquilidade e com a segurança
ço espantoso. Nas palavras de Senaqueribe: “Ao seu das fronteiras, ficou êle ehi condições de levar o
antigo tributo anual acrescentei nôvo tributo de poderio- e o terror da Assíria a outro continente,
presentes devidos à minha majestade. . . Ele man e em 671 a.C. lançou-se à invasão do Egito.
dou [um comboio] acompanhar-me a Nínive, minha Esarhaddom gastou menos de um mês para
cidade real, com 30 talentos de ouro, 800 talentos bater o Egito, outrora a mais soberba das nações,
de prata, jóias, antimónio. .. sofás de marfim, pol com uma civilização quase tão veUia quanto a da
tronas marchetadas de marfim, couro e prêsas de Mesopotâmia. Mas o Egito se debilitara com a
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idade; embora ainda com bastante influência po dades. O gigante assírio estava morto, liquidado, e
lítica para atiçar revoltas entre os vassalos da As não houve quem por isso derramasse uma lágrima.
síria e para auxiliá-los com tropas, careceu de foi Nos 75 anos seguintes uma estirpe de reis
ças para deter o avanço do exército de Esarhaddom. caldeus no trono de Babilônia manteve tôda a Me-
Mênfis, a capital do Egito setentrional, caiu após sopotâmia sob o seu domínio. Babilônia desfrutou
um sítio que durou apenas dia e meio, e então, então um brilhante renascimento, um surto de poder
durante 16 anos, o Egito se reduziu a uma simples e de glória que fêz lembrar a época de Hamurábi,
província da Assíria, como outra qualquer. mais de 1000 anos antes. O monarca de maior re-
A Assíria chegara ao apogeu do seu prestígio lêvo do que foi denominado império neobabilônico
e Esarhaddom pôde bem vangloriar-se: “Eu sou foi Nebuchadrezzar II. No restabelecimento do con
poderoso, eu sou todo-poderoso. .. Não tenho igual trole mesopotâmico sôbre os territórios ocidentais
entre todos os reis.” O império que legou ao seu perdidos no colapso da Assíria — Palestina, Síria
sucessor, Assurbanipal, era imenso, estendendo-se e as ricas cidades mercantis do litoral fenício —
desde o vale do Nilo, no Egito, até perto do Cáu- deu êle mostras de quase tanta ferocidade quanto
caso, na Armênia, uma distância superior a 1.600 a de qualquer chefe guerreiro assírio. Foi êle quem
quilômetros. Para enriquecer as cidades, os palácios arrasou Jerusalém em 586 a.C., incendiou o tem
e os templos no coração do império, ao longo do plo de Salomão e mandou os judeus para o exílio
Tigre, chegava uma torrente contínua de tributos de Babilônia, mas foi também Nebuchadrezzar
extorquidos das províncias distantes e dos reis sa quem embelezou Babilônia e fêz dela o centro cos
télites — ouro e marfim do Egito, ferro da Ásia mopolita e cultural da sua época. Dominando a
Menor para armas, prata extraída nos montes Ama- cidade renovada erguia-se a fabulosa Tôrre de
nus, a noroeste da Síria, lápis-lazúli e outras pedras Babel, um zigurate colossal cuja altura atingia a
preciosas do Irã, madeira de lei cortada nas flores quase cem metros; os portões da cidade, os palá
tas do Líbano, plantas e animais raros vindos de cios e os templos reluziam com ladrilhos de côr
todos os recantos do império para opulentar os jar vermelha, creme, azul e amarela; os “jardins sus
dins botânicos e zoológicos do rei. Sob todos os as pensos” construídos por Nebuchadrezzar II cau
pectos, a Assíria, ao tempo de Assurbanipal, foi saram tanta admiração que foram incluídos entre as
realmente a mais poderosa nação do mrmdo. maravilhas do mundo antigo.
Mas ia expirando a fase propícia aos reis guer O renascimento de Babilônia foi tão curto
reiros que haviam vencido e aterrorizado quase to'- quanto esplêndido. Os sucessores de Nebuchadrez
das as terras e todos os povos do Oriente Próximo. zar II mostraram-se fracos e vacilantes. Nabonidus,
Suas conquistas espraiaram-se tanto que agora se último rei de Babilônia, incorreu na cólera de mui
tinham tomado extensas demais; era impossível para tos dos seus compatriotas ao tentar substituir por
a Assíria defender suas numerosas fronteiras e ao outra divindade o supremo deus Marduk, e a dis
mesmo tempo debelar rebeliões nas províncias. Ten córdia religiosa que êle suscitou serviu para abrir
do comêço no reinado de Assurbanipal, o ódio pela caminho ao conquistador que tinha reputação de
cmeldade e rapacidade assírias irrompeu numa respeitar as tradições daqueles a quem submetia.
série de revoltas maciças em tôdas as partes do Esse conquistador foi Ciro, rei dos persas, um povo
império — e depois dêle não houve rei com força que se tomara o poder predominante do Irã pelos
bastante para sufocá-las. Quando, para os fins do meados do século VI a.C. Brilhante guerreiro e
século VII a.C, os medos do planalto iraniano — estadista invulgar, Ciro já havia constituído um enor
povo jovem e de que até então pouco se ouvira falar me reino que ia da índia à Lídia, no litoral egeu da
— juntaram forças com os caldeus de Babilônia, Ásia Menor. No outono de 539 a.C. tomou Babi
em pouco tempo lograram abater a Assíria e de lônia quase sem luta, e o Berço da Civilização, agora
vastar Nínive, Assur e muitas outras de suas ci debilitado, tomou-se parte do império persa.
62
VESTIDOPARACAÇA, com umu túnica floreada, barba e cabelos bem frisados, Assitrbanipal persegue sua prêsa.
67
SOBRE OS LEOES QUE MATEI, FIZ REPOUSAR
OARCO TEMIVEL DADEUSA 1SHTAR.
ofereci-os como um sacrifício e sobre ÊLES
derramei uma LIBAÇaOde vinho.
68
F inda a caçada e morto por meio de setas
o último leão (esquerda), o rei Assurbanipal,
visto abaixo, pôs seus trajes de cerimônia e
o seu toucado para render graças aos deuses.
No seu ofício de sacerdote, êle é mostrado
entornando vinho sobre quatro leões mortos,
enquanto dois serviçais (à extrema esquerda)
trazemo corpo de umquinto.
Outros aios portam as armas e o cavalo do
rei, movem abanos para refrescá-lo e exe
cutam música sagrada numa harpa. Incenso é
queimado numa alta coluna próxima ao altar
onde estão depositados os sacrifícios. Os rituais
que sucediam à caçada sugerem que tinha ela
uma significação religiosa, com o rei personi
ficando a virtude, a vencer asfôrças do mal.
69
DESDE AMINHAJUVENTUDE, OS GRANDES DEUSES QUE HABITAMOCEUE A TERRA
CONCEDERAM-ME AS SUAS GRAÇAS. CRIARAM-ME COMOVERDADEIROS PAIS, INSTRUlRAM-ME
SOBRE OS SEUS PROPÓSITOS ELEVADOS. ENSINARAM-ME APROCURAR OS COMBATES,
ADAR SINAL PARAAS ESCARAMUÇAS E AFORMARALINHADE BATALHA. . . FIZERAM
MINHAS ARMAS PODEROSAS CONTRAMEUS INIMIGOS, OS QUE ESTIVERAMCONTRAMIM
DESDE OS MEUS TEMPOS DE JOVEMAODE ADULTO.
70
Para os exércitos de caçadores que acompanhavam Assurbanipal, a luta com
os leões era um prelUdio para outro gênero de conflito ainda mais árduo —
a batalha contra homens; as lições de disciplina e valor aprendidas durante a
caçada eram indispensável adestramentopara aguerra.
Dignitários armados como os vistos aqui, que cercavam o campo de caça
para evitar a fuga dos leões, formavam o núcleo da infantaria pesada assíria.
Outros exercícios com as armas e as táticas da época — os assírios figuram
entre os primeiros a dispor sua infantaria em linhas hem estabelecidas de bata
lha— ajudavama transformá-los numa das mais eficientesforças dê combate.
71
f
72
PARAAS MINHAS NOVE CAMPANHAS REUNI
MEUS EXÉRCITOS; CONTRAUAITE, REI DA
ARÁBIA, TOMEI OCAMINHO CERTO. VIOLANDO
OJURAMENTOQUE ME HAVIAFEITOE
ESQUECENDOOBEMQUE ME DEVIA,
SACUDIUOJUGODAMINHA SOBERANIA...
MATEI GRANDENÚMERODOS SEUS
GUERREIROS, INFLIGI-LHE UMADERROTA
INCOMENSURÁVEL. TODOOPOVODAARÁBIA
QUE SEREVOLTARACOMÊLE EULIQUIDEI
COMAESPADA.
73
COMO ODESENCADEARDE UM
TERRÍVEL FURACÃO, AVASSALEI
POR INTEIROOELAM, CORTEI
A CABEÇADE TEUMAN, O SEUREI
FANFARRÃO, QUE PLANEJARAO
MAL. NÃO TÊMCONTAOS SEUS
GUERREIROS QUE EUMATEI, E OS
QUE APANHEI VIVOS COMAS
MINHAS MÃOS. . .
HAMANU, A CIDADE REAL DO
ELAM, EU CERQUEI, EU
CAPTUREI... EUADESTRUÍ,
EUADEVASTEI, EUA INCENDIEI.
77
“Olhai para isto ainda hoje: a muralha ex
terior, com a cornija que a adorna, esplende com o
brilho do cobre; e a muralha interior, não tem
igual. . . Galgai a muralha de Uruk (Erech); ca
minhai ao longo dos muros, digo eu; vêde a pla
taforma em sua base e examinai a construção; não
é de tijolo cozido ao fogo e sólida?”
Essas linhas que convidam à admiração de tais
muralhas, são de uma narrativa épica sôbre Gilga-
mesh, o rei que levou Erech à hegemonia sôbre tôda
a Suméria, por volta do século XXVII a.C. Suas
4
palavras expressam eloquentemente o patriótico or
gulho com que os antigos mesopotâmios contem
plavam sua cidade.
Muitas dessas cidades eram, de fato, magni-
ficentes, com grandes edifícios públicos, parques de
efeito panorâmico, e ruas que obedeciam a um de
0 POVO ESFUZIANTE senho- quadriculado. Por exemplo, Agade, construí
da por Sargão, o Grande, no século XXIV a.C.,
e cuja localização ainda não foi descoberta, gozou
fama de ser esplendorosa; segundo uma inscrição
da época, “as moradias de Agade estão repletas
de ouro, suas casas reluzentes são cheias de pra
t a . . . seus muros erguem-se para o céu como uma
montanha...”. Também imponentes eram outras
capitais assírias, planejadas com esmêro, como Ca-
lah e Dur-Sharrukm. E Babilônia, quando recons
truída por Nebuchadrezzar II, maravilhou todo o
mundo antigo.
Essas grandes metrópoles, porém, constituíam
exceção. Na sua maior parte, as cidades mesopo-
tâmicas resultaram de aldeias e vilas pré-históricas
que se foram expandindo, e, portanto, não tiveram
as vantagens de um planejamento urbano. Mas se
nos seus elementos materiais a cidade mesopotâ-
mica passou por transformações e melhoramentos
no curso dos séculos, muitos dos seus aspectos me
nos tangíveis se mantiveram refratários à ação do
tempo; os moldes da vida social, política, religiosa
e econômica, que surgiram nas primeiras comuni
dades urbanas do mundo, as dos sumérios, caracte
rizaram, de um Tnodo geral, todas as cidades me-
sopotâmicas das fases posteriores.
Por trás das muralhas de defesa que circrm-
davam uma típica cidade mesopotâmica, a maioria
das ruas não passava de vielas estreitas, tortuosas,
sem pavimentação e sem trato. Não havia serviço
municipal de esgoto nem sistema de coletar o lixo;
das casas de adobe, espremidas umas contra as
outras, todo o refugo era descuidosamente lança
do á rua e lá se acumulava até se levantar acima
RETRATOS ESTILIZADOS, estos estatuetos de homens barbados, um sacerdote
das soleiras. Aqui ou ali, a residência mais espaçosa
de barba feita e uma mulher vestida de túnica, refletem as modas e os
costumes da gente citadina da Mesopotâmia. Os olhos são rasgados, de
de jalgum homem abastado sobressaía das habita
acordo com a tradição das estatuetas, e suas mãos seguram copas. ções vizinhas, mas na generalidade as moradias, de
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grossas paredes, se compunham de vários aposen Para dar consolo e conforto espiritual, havia
tos sem janelas e com portas baixas, dispostos em o templo altaneiro e o seu ainda mais alto zigurate,
tômo de um pátio aberto. Assim, grandes trechos a tôrre-santuário que se lançava para o céu. Ah,
de tôdas as cidades mesopotâmicas eram de aparên as imagens dos grandes deuses tinham a seu ser
cia triste e sem atrativos. viço, para abrigá-las, para vesti-las e lhes oferecer
Contudo, o que faz uma cidade é o povo, mais alimentos, sacerdotes instruídos, familiarizados com
do que as casas ou as ruas, e os mesopotâmios acha as necessidades e exigências dos seus hóspedes ce
vam a sua vida urbana bem divertida, excitante, lestiais.
ás vêzes até inspiradora. De acordo com a crença partilhada igualmente
Havia em cada cidade algumas ruas largas, pelos sumérios, babilônios e assírios, o bem-estar da
onde os cidadãos e suas famílias passeavam despreo- comunidade dependia inteiramente do favor dos
cupadamente, encontravam amigos e conhecidos, deuses. Importava acima de tudo conservar as boas
apreciavam e comentavam o movimento, sentindo- graças da deidade protetora, a padroeira do lugar,
-se, via de regra, em íntima comunhão com seus a qual — em teoria, embora não na prática —
semelhantes. Existia, além disso, o animado bazar, era dona não só da cidade e dos seus habitantes
o qual, segundo Sir Leonard Woolley, que escavou como também das lavouras, dos pomares e vilas
a área de um déles, em Ur, deve ter sido bem pouco adjacentes.
diferente dos bazares ainda vistos nas cidades atuais A incumbência de gerir essa propriedade ce
do Oriente Próximo — um labirinto de passagens leste era confiada a um mortal, um rei presumida-
estreitas, com toldos de proteção contra o sol caus- mente aprovado ‘pelo deus para servir como seu
ticante, e barracas alinhadas. Ah, o morador da representante terreno. Nas primeiras cidades sume-
cidade podia escolher suas provisões cotidianas rianas o rei era eleito por uma assembléia bicamé
dentre uma grande variedade de víveres, nos quais ral de cidadãos livres — uma câmara alta de anciãos
se incluíam cebolas, feijão e pepinos, assim como e uma câmara baixa de homens em idade de portar
tâmaras, maçãs e outras frutas, queijos e especiarias, armas. O rei só exercia a sua função durante uma
peixe sêco, carne de carneiro, de porco e de pato. emergência, em geral uma guerra, e dependia do
Ali, também, podería êle encontrar, entre os vasos consentimento da assembléia em todos os assrmtos
de cerâmica, os tecidos e outros produtos locais, de maior importância. Mas a partir aproximada
artigos de luxo importados, como pentes de marfim mente de 2800 a.C. a realeza ganhou caráter mais
vindos da índia e contas de comalina trazidas do duradouro e acabou por se tomar hereditária. Ape
Irã. Os achados de Woolley em Ur indicam, tam sar disso, persistiu o sistema democrático de um
bém, que nas vizinhanças do bazar podiam existir conseUio para consulta e aprovação estabelecido nos
restaurantes onde os compradores se detinham para primeiros tempos da Suméria, e que influenciou o
comer um prato de peixe frito ou de carne gre govêmo de todos os outros monarcas posteriores
lhada. da Mesopotâmia.
Cada cidade possuía, ainda, a sua atraente Administrando a propriedade do deus, o rei ti
praça pública, que se abria em meio aos confusos nha muitos deveres, seculares e religiosos, que êle
blocos de casas. Ali havia muitos entretenimentos cumpria com o auxílio de uma vasta burocracia de
e diversões — partidas de luta corporal, jogos de conselheiros, intendentes, inspetores, escribas e ou
azar, recitativos por narradores profissionais de his tros funcionários. O primeiro e maior dever do rei
tórias, e outras atrações — para tentar a deter-se era defender a cidade e suas terras contra os ataques
no caminho o jovem que ia à escola. Para o adulto, inimigos e ampliar o seu território, sua dominação
de índole irrequieta e propenso ao prazer, havia a e influência. Isso, é claro, queria dizer guerra e
ruidosa tavema, onde podia gozar a antiga versão de , tudo que ela acarreta: manter sólidas as muralhas
“vinho, mulheres e canções”. da cidade, recmtar e organizar tropas, exercer o
80
comando nas batalhas e usar de habilidade em ne
gociações diplomáticas.
Outros encargos do rei eram de natureza mais
construtiva e fecunda. Como chefe tradicional do
clero, uma das suas obrigações mais sagradas con
sistia na edificação e reparação dos templos da
cidade. Como supervisor das obras públicas, cabia-
-Ihe manter e expandir os canais de irrigação que
rendilhavam as terras de lavoura e melhorar a rêde
dos grandes canais navegáveis que davam escoamen
to ao tráfico da cidade e das suas povoações saté
lites. Ouase todos os monarcas da Mesopotâmia que
deixaram registros escritos gabaram-se de suas ati
vidades na construção de templos, na abertura de
novos canais e na reparação e alargamento dos an
tigos. Os reis também se ufanavam de manter em
AS MORADIAS MESOPOTÂMICAS, como a casa da cidade de Ur, hà
bom estado de uso tôdas as estradas e caminhos que
4000 anos passados, mostrada no desenho acima, davam intema-
mente para um pátio aberto, muito ao estilo das residências atuais
cortavam o seu território. Por exemplo, Shulgi, um
do Oriente Médio. Degraus levavam da rua ao pavimento térreo, dos reis de Ur, no século XXI a.C, descreve a si
que era destinado a várias funções domésticas e contava com uma mesmo como um “lépido, ligeiro viajante pelas es
sala de recepção para visitantes (possivelmente em disposição como tradas da terra” e congratula-se por haver construí
a que é mostrada no plano abaixo). Uma escada levava ao segun
do uma série de pousadas pitorescas onde os via
do andar, sob um teto em declive, de madeira, colmo e barro.
jores podiam passar uma noite reparadora.
No plano da ética e da moral, incumbia ao so
berano promover e garantir a lei e a justiça no seu
reino, a fim de que os pobres e os fracos não fôssem
oprimidos, as viúvas e os órfãos não padecessem
maus tratos e o cidadão comum não sofresse às mãos
de funcionários arrogantes e corruptos. Para dar ao
povo conhecimento dos seus direitos e prevenir assim
decisões injustas, os reis promulgavam regulamentos,
editos e códigos de leis.
Todavia, a paixão dos mesopotâmios por lei
e justiça não vinha únicamente de ideais elevados.
Resultava também do seu temperamento individua
lista, propenso à competição, e do grande apreço
que atribuíam à propriedade privada. Já em
2500 a.C., logo depois de inventada a escrita, alguns
mesopotâmios haviam começado a inscrever suas
transações — verdadeiros contratos e escrituras re
ferentes a venda de casas, terras e mesmo escravos
— em placas de argila. Esses documentos consig
navam, em forma duradoura a que se podia repor
tar com facilidade em qualquer tempo, negociações
firmadas entre pessoas. Já que estabeleciam prece-
81
dentes para ações futuras, daí nasceu, como conse casa venha a ruir e causar a morte do seu dono, o
quência inevitável, uma das maiores contribuições construtor será condenado a morrer”.
dos mesopotâmios à civilização — um sistema Mas, não obstante essas indicações em sentido
lógico de leis escritas. inverso, o código de Hamurábi, como os sumeria
O mais antigo código que se conhece, o pro nos que o antecederam e os assírios que surgiram
tótipo de todos que vieram depois — sumerianos, depois, retrata em' geral uma sociedade estável e
babilónicos e assírios — é o de Ur-Nammu, que bem organizada, na qual a lei e a ordem desempe
reinou sôbre a cidade sumeriana de Ur por volta nham papel predominante, uma sociedade em que
de 2100 a.C. Entretanto, mais preservado e mais até o indivíduo de mais baixa condição não deixa
amplo é o código baixado por Hamurábi, de Babi de ter certo amparo legal.
lônia. Embora tenha surgido três séculos após o de A estrutura dessa sociedade compunha-se de
Ur-Nammu, suas quase 300 leis, redigidas tersa três classes distintas: uma aristocracia, a grande
mente, oferecem de maneira indireta um retrato massa dos cidadãos comuns e uma minoria de es
revelador da antiga sociedade mesopotâmica e es cravos. A aristocracia era constituída por certo nú
pelham um estilo de vida que sofreu poucas modi mero de famílias ricas e poderosas, da qual saíam
ficações de caráter substancial no curso de dois ou os mais importantes sacerdotes do templo e em cujo
três milênios. seio o rei ia buscar os seus conselheiros, embaixa
O código de Hamurábi é primordialmente uma dores, generais e outros funcionários de alto nível.
coleção de leis minuciosas que definem tôda a sorte A riqueza e a influência dessas famílias aristocrá
de crimes e contravenções e especificam as diversas ticas resultavam principalmente de suas grandes pro
e terríveis penalidades correspondentes. Ao que pa priedades rurais, algumas com centenas de acres
rece, a sociedade mesopotâmica tinha o seu quinhão aráveis. Embora o deus — e consequentemente a
de assassinos, gatunos e concussionários, assim como sua casa, o seu templo — fôsse em teoria o único
dç adúlteros e de construtores inescrupulosos. Por possuidor de todas as terras da cidade, o certo é
exemplo, uma lei dispõe que “se a esposa de um que só uma porção dessas terras, ficava reservada
homem é apanhada na cama com outro homem, os ao templo, para a manutenção do seu pessoal. O
dois serão amarrados e lançados na água. Se o ma resto pertencia ao palácio ou a cidadãos, e foi por
rido da mulher quer poupá-la, o rei também poderá meio de compra aos indivíduos menos abastados que
poupar o seu súdito”. Outra lei estabeleée que “se os grandes senhores adquiriram muitas de suas pro
um construtor faz uma casa para um homem, po priedades.
rém não dá solidez à obra, resultando daí que a No extremo oposto da escala social ficavam
82
os TOUCADOS femininos; tomo OS
que se vêem nestas estatuetas sume-
rumas, revelam impressionante varie
dade. A s duas cabeças à extrema
esquerda mostram um turbante de
linho pregueado que esconde todo o
cabelo, salvo uma pequena faixa
no rosto. O estilo apresentado em
seguida permitia às mulheres deixa
rem o cabelo escorrer solto para trás,
com apenas uma fita em torno da
cabeça. A cabeleira da terceira mu
lher é coroada por um toucado alto,
que por sua vez é coberto com um
xale; a última usa um capacete e ca
chos que descem até os ombros^
os escravos. Nas cidades sumerianas, a maior parte críbas e 20 a 25 artífices de várias categorias. Muit
déles pertencia ao templo, ao palácio e às proprie tos outros trabalhadores especializados eram depen
dades opulentas. Contudo, nos tempos de Babilônia dentes do palácio ou labutavam nas propriedades
e da Assíria não era incomum que vários escravos da aristocracia, e provávehnente eram pagos da
se incluíssem no pessoal de uma casa de classe mé mesma forma como os empregados do templo. Além
dia. Nem o número de escravos era constituído so disso, havia os artesãos que trabalhavam por conta
mente por prisioneiros de guerra; premido por dí própria, vendendo seus artigos no bazar com o pa
vida ou pela fome, um cidadão livre podia vender gamento feito em espécie ou num pêso-padrão, de
os seus filhos, ou a si mesmo e toda a família, como prata.
cativos. Mas na Mesopotâmia a vida de um es Embora a prosperidade de uma cidade me-
cravo de bom procedimento não era de ininterrupta sopotâmica dependesse dos esforços combinados e
provação: tinha êle condição legal para tomar parte habilidades dos seus obreiros, havia duas ocupações
em negócios, fazer empréstimos e comprar a sua que eram especialmente vitais para a manutenção
liberdade. da vida urbana. Uma era a do agricultor, cultivando
Entre os dois extremos sociais — os aristocrá os cereais que forneciam o alimento básico para o
ticos senhores de terras e os escravos — situavam-se rei, o cidadão livre e também o escravo. A outra
os cidadãos comuns, que constituíam o grosso e a era a do negociante, o mercador que fazia viagens
espinha dorsal da sociedade. Eram os elementos freqüentes por tôda parte, a trocar os produtos em
produtivos da cidade — os arquitetos, escribas e excesso na cidade por artigos que não podiam ser
comerciantes, fazendeiros, criadores de gado e pes obtidos localmente.
cadores, os carpinteiros, os oleiros e ceramistas, os Desde os tempos pré-históricos, quando a Me
que fabricavam artefatos de couro, os que fundiam sopotâmia era pontilhada de aldeias e vilarejos agrí
e moldavam metais. Muitos dêsses artífices de apti colas, o lavrador vinha sendo a viga mestra da
dões ou ocupações especializadas serviam ao “pro economia da região. Mas com o surgimento de
prietário” mais rico da cidade, o templo, e como cidades populosas na Suméria, Babilônia e Assíria —
retribuição pelo seu trabalho ou lhes eram conce algumas contando mais de cem mil bocas para ali
didos pequenos lotes de terra cultivável ou recebiam mentar — o papel do agricultor ainda se tomou
rações de alimentos e de lã para as vestes. Segundo mais importante.
os assentamentos de um templo sumeriano, contava O trigo crescia nos campos que circundavam
êle entre seus empregados 100 pescadores, 90 pas a cidade, porém o cereal mais extensamente culti
tores, 123 marinheiros, pilotos e remadores, 25 es- vado era a cevada, que germinava mais rápidamente
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leras com 20 metros de comprimento e dotadas de ve-
lame (acima) carregavam madeira do Líbano para outros
pontos do Mediterrâneo. Barcos a remo em form a de
no solo um tanto alcalino e salino da Mesopotámia. banheira (abaixo), construídos de caniços com revesti
mento de couro^ eram usados no rio para o transporte
Seus grãos podiam ser batidos até se tomarem par dos cereais e de tecidos, de uma cidade para outra.
tículas grosseiras e cozinhados numa espécie de
mingau, ou podiam ser moídos e transformados em
farinha, sendo então cozidos em forma de pão cha
to, não levedado, o mesmo que ainda se come em
todo o Oriente Próximo. A cevada era também o
elemento básico para a cerveja rica em proteína
que os antigos mesopotâmios saboreavam.
Já no Terceiro Milênio a.C., ou talvez mesmo
antes, o lavrador mesopotâmico já havia aprendido
a obedecer a um calendário agrícola, obtendo com
isso ótimos resultados. Um dos mais notáveis do
cumentos que chegaram até nós é um almanaque do
agricultor, do século XVIII a.C., contendo instru
ções explícitas para uma boa colheita. O almanaque
principia com recomendações sobre o tempo, maio
ou junho provávehnente, em que o campo do la treitas pesando [não mais do que] dois terços de
vrador seria immdado, como fase preparatória ao libra cada uma”. Também se descreve minuciosa-
uso do arado, e descreve tudo de importante a fazer mente o modo correto de semear e o agricultor é
até o cereal ser colhido, joeirado e limpo. Ao ume- advertido: “...vigie o homem que coloca as se
decer o terreno para ser lavrado, por exemplo, o mentes de cevada. Faça que êle ponha o grão uni
agricultor é instruído: " . . . fique de olhar atento formemente com dois dedos de profundidade. . . Se
ás aberturas dos diques, taludes e regos [para que] a semente da cevada não cair da maneira devida,
a água não suba demais quando o campo fôr ala o seu quinhão será prejudicado”. Finalmente, ao
gado. . . Deixe que os bois com ferradura nas patas lavrador é recomendado não “deixar que a cevada
calquem o terreno para você; depois que as ervas penda sóbre si mesma” e sim a “coUiê-la quando
daninhas tenham sido arrancadas [por êles e] o estiver [plenamente] levantada”.
campo estiver aplainado, lavre-o com enxadas es Se a esfera de ação do agricultor se circims-
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crevia aos seus campos e aos celeiros da sua cidade, Para aumentar êsse amplo painel da vida cita
a do mercador-viajante era pràticamente sem li dina na Mesopotâmia há numerosos detalhes forne
mites. Era quem mantinha as cidades da Mesopo- cidos pelas jjlaquetas desenterradas com inscrições
tâmiá não só em contato umas com as outras mas cuneiformes, pelas ruínas dos edifícios e pelos frag
também com muitas regiões distantes do mundo an mentos de utensílios. Por exemplo, as escavações
tigo. A êle também se deve a criação do bazar, que têm mostrado que, enquanto um membro qualquer
contribuiu imensamente para os prazeres da vida da classe obreira residia em humilde casa de adôbe,
urbana. com um só pavimento, um agricultor, comerciante,
Provàvelmente até mesmo as aldeias primitivas escriba ou artífice, morava confortãvelmente, graças
da região tiveram seus pequenos negociantes, que ã prosperidade obtida com seus serviços. Remanes
trocavam os produtos de uma propriedade pelos de centes de habitações que pertenciam a cidadãos
outra na vizinhança. Contudo, o comércio a longa sumerianos de certa abastança próximo a Ur e da
distância era essencial para as cidades mesopotâ- tando do século XX a.C. refletem um padrão de
micas, pois se produziam cereais em excesso e con vida surpreendentemente elevado e mostram que tais
tavam com rebanhos de carneiros que forneciam moradias se equiparavam, exceto em alguns porme
uma superabundância de lã, não tinham bastante nores, ãs dos assírios e babilônios bem posteriores,
madeira, pedra e metal para construção ou para os nas mesmas condições econômicas.
requintes reclamados pelos templos, palácios, pro Tais residências consistiam numa estrutura de
priedades de gente rica e até pelos cidadãos em dois pavimentos feita.de tijolos secados ao sol ou
geral. cozidos em forno, cuidadosamente caiada por dentro
Assim, foram aparecendo os mercadores ou e por fora, e bem protegida contra o chamejante sol
sados e cheios de iniciativa. No curso dos séculos, mesopotâmico por paredes que às vêzes chegavam
êsses negociantes argutos e aventurosos aprenderam a ter dois metros de espessura. Um pequeno vestí
a guiar suas caravanas de muares pelo desolado de bulo de entrada conduzia a um pátio pavimentado de
serto da Síria até a costa do Mediterrâneo, ou pe tijolos com um bueiro central para o escoamento da
los desfiladeiros dos montes Zagros até o Irã, ou água na chuvosa estação do inverno. Abriam-se
tão ao norte como o lago Van, na Armênia. Dobra para o pátio as portas dos compartimentos no an
vam o golfo Pérsico, para chegar à India distante, dar térreo. O número dêles podia variar de casa
ou atravessavam a mar da Arábia para traficar com para casa, mas em geral comportava uma sala,
a Somália e a Etiópia, na África. Em troca dos onde os visitantes eram recebidos e festejados, e
cereais, da lã e dos tecidos, que constituíam as suas onde poderiam mesmo passar a noite; um lavató
cargas, traziam na volta ouro, prata, cobre e chum rio; a cozinha com seus fogões e utensílios de ce
bo, as madeiras de que havia maior necessidade, râmica, pedra e cobre; um quarto de criados e uma-
como cedro e cipreste, e artigos de luxo, que in oíicina de trabalho que provávehnente servia tam
cluíam marfim, pérolas e conchas, assim como cor- bém como depósito. No rés-do-chão podia existir
nalina, malaquita, lápis-lazúli e outras pedras semi uma pequena capela onde eram reverenciados os
preciosas. Juntamente com êsses artigos exóticos deuses do dono da casa, e sob algumas residências
os negociantes também retornavam com encantado havia mausoléus para o sepultamento dos membros
ras histórias de povos estrangeiros, com seus idio da família.
mas esquisitos, seus costumes singulares, seus mis Um lanço de degraus levava ao segundo pavi
teriosos ritos e crenças. De fato, mais do que os mento, onde uma galeria de madeira, com cêrca
instruídos sacerdotes e escribas, foram êsses merca de um metro de largura, e apoiada em caibros,
dores itinerantes que alargaram o horizonte dos seus corria ao longo do pátio, conduzindo aos aposentos
compatriotas e ajudaram a fazer da cidade mesopo- ' privados da família. Provàvelmente uma escada de
tâmica uma palpitante e requintada metrópole. mão dava acesso ao teto em declive, sôbre o qual
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a família ia às vêzes dormir nas claras noites do dens e instruções; demandas legais demasiadamente
verão. A casa era simples mas confortàveImente sérias para ficarem a cargo de qualquer autoridade
guarnecida, com leitos e canapés, cadeiras e mesas, menor eram levadas à atenção e decisão do governan
e havia arcas de madeira ou vime para guardar as te; se a sêca havia assolado um distrito de pastagens,
roupas. Tapêtes cobriam o chão e coloridas col- cabia ao rei providenciar para que os rebanhos fos
gaduras decoravam as paredes. sem para outra zona; se uma tribo nômade invadira
Como era de se esperar, os reis viviam de uma área cultivada, incumbia ao soberano despachar
maneira bem mais faustosa, e a prova disso é for tropas a fim de prevenir outras incursões. Até maté
necida por Mari, a cidade da Mesopotâmia oci rias triviais, como a fuga de uma esposa de cidadão
dental que Hamurábi destruiu no século XVIII a.C. privado, eram levadas ao conhecimento do rei, e sua
O palácio de Mari, um conjunto colossal, de quase ajuda era pedida para que a mulher voltasse ao lar.
sete acres, abrangendo pátios abertos e cêrca de Como o rei personificava na terra o deus tu
300 salas — algumas das quais belamente decora telar da cidade, entre as suas incumbências habituais
das com pinturas murais — está extraordinàriamente se incluíam diversas atividades religiosas. Estas po-
bem preservado e é tido como um exemplo mar deriam ser a visita ao templo da divindade para in-
cante de moradia e centro de ação administrativa formá-la sôbre o bem-estar da região, a oferenda
de um governante mesopotâmico. Os milhares de de sacrifícios para assegurar a continuação da pro
documentos cuneiformes que compõem os seus ar teção celestial, ou oficiar em certos rituais, como
quivos, combinados com os restos arquitetônicos, o da purificação do local destinado a um nôvo
habilitam os estudiosos a reconstituírem muitos as templo.
pectos da vida palaciana e apresentam um quadro Entretanto, nem todas as horas do dia eram
da corte em sua conduta cotidiana, que passou por empregadas pelo rei em assimtos sérios. Sabe-se, por
bem poucas variações no curso dos séculos. exemplo, que uma das refeições cotidianas no pa
Os antigos mesopotâmios começavam o dia lácio de Mari era um banquete real de que parti
bem cedo, logo após o alvorecer, para aproveitar cipavam visitantes ilustres e os membros da nobreza
o relativo frescor das horas matinais; e parece que a quem o rei desejava honrar de maneira especial.
tais horas foram as escolhidas pelo rei de Mari Havia também diversões da côrte, com música,
para dar suas audiências públicas. danças e recitativos. Escravas eram cuidadosamente
No seu trono sobre um estrado, tendo ao re adestradas no uso de instrumentos como harpas, li
dor os ministros e membros da guarda, o rei recebia ras e flautas de caniço, e poetas e menestréis diver
solenemente embaixadores de outras cortes. Além de tiam o rei com representações de suas obras.
mensagens diplomáticas referentes a tratados comer Desde o brilhantismo de suas cortes reais a*é
ciais, pedidos de ajuda militar e outros assuntos à vida bem regulada do conjimto social, as cidades
dessa ordem, os emissários costumavam trazer pre que surgiram e se desenvolveram na Terra Entre os
sentes de seus monarcas; os arquivos de Mari re Rios prestaram, sem dúvida, relevante contribuição
velam que um rei da Síria setentrional enviou ao so ao progresso humano. Sem a ordem e a segurança
berano daquela cidade uma dádiva de vinho fino estabelecidas dentro de suas muralhas não teriam
e prometeu mais. “Se não tiverdes bom vinho. . . florescido os complexos elementos que compõem
para beber — escreveu êle — mandai-me um aviso uma civilização — a escrita, um sistema legal, um
e eu vos mandarei vinho bom”. alto nível de organização política, a especialização
Naturalmente, o rei reservava boa parte da das artes e ofícios.
audiência diária ás questões do seu próprio reino. O entrelaçamento dêsses fatores, que pela pri
Informes dos funcionários que administravam as meira vez foi realizado na antiga Mesopotâmia, pro
diversas localidades integrantes do estado tinham de duziu o molde de existência urbana que sobrevive
ser ouvidos, examinadas as matérias, ditadas as or até hoje.
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0 AMANHECER NUMA LAGUNA DOS P A N T ^^ os encontra um homem impulsionando a remo sua esguia canoa, tal qual seus ancestrais primitivos.
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uma antiga fachada, reproduzida numa gravura sume ria na,
mostra o teto arqueado e os topes de coluna com formato de
plumas de uma típica habitação construída de caniços.
UMLEGADO DURADOURO
DE ARQUITETURA
DE CANIÇOS
Numa terra desprovida de árvores e sem pedreiras,
as tribos do pântano constroem as suas casas com
o único material disponível, os frágeis caniços. As
edificações assim feitas — com estrutura em forma
de túnel e teto arqueado — são remanescentes de
um dos mais velhos estilos arquitetônicos que a his
tória registra: as cabanas de caniços dos antigos
mesopotâmios (acima).
Êsses construtores primitivos empregaram as
primeiras colunas conhecidas, arcos e tetos aboba
dados. Os modernos habitantes do pântano usam os
mesmos elementos quase de igual maneira. Cons
troem um arcabouço com a fixação no solo de dois
feixes de caniços bem atados para constituírem co
lunas, depois encurvando-os e prendendo-os no alto
para formarem arcos (esquerda). Traves são colo
cadas e toda a estrutura é coberta compalha.
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A LUTA COTIDIANA
PEIA SUBSISTENCIA
No desolado ambiente — onde os tem
porais do inverno dificultam o trans
porte e onde as inundações da prima
vera muitas vezes alagam aldeias in
teiras — a simples sobrevivência é
uma batalha de sol a soí. As tarefas
que asseguram a vida dessas aldeias
são elas próprias remanescências de
umpassado remoto.
O arroz, aíi introduzido por volta
de 1000 anos a.C., constitui o alimen
to básico. É plantado em covas rasas,
colhido a mão, e transportado para as
aldeias em canoas de fundo chato. Às
vêzes as enchentes, que ajudam a ir
rigar as sêcas terras de plantio fora
dos pântanos, alagam completamente
os arrozais e destroem a colheita de
uma estação.
As canoas constituem o único meio
de transporte nos pântanos. A madei
ra para construí-las tem de ser impor
tada do Iraque setentrional, assim
como betume, uma substância asfálti-
ca usada para calafetar as tábuas do
casco. Anualmente raspa-se a velha
camada de betume e aplica-se uma
outra para permitir que os barcos flu
tuem. Para trocá-las por madeira e
betume, os habitantes do pântano te
cemesteiras comâ palha dos caniços
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fazendo farinha, mulheres moem srão de arroz num almofariz de pedra. A farinha de arro: • será cozida emfornos de barro.
■ EMPURRANDO A REMO UMA CANOA DE CANIÇO,
^ 1 proa e popa altas e encurtadas, um barqueiro sume-
rían o transporta um passageiro nesta impressão de
um selo gravado em argila há mais de cinco mil anos.
Apesar de tão inóspitos, os pântanos têm sido um Em algumas partes da antiga Mesopotâmia a palavra
perene refúgio para caçadores e pescadores. Patos e que significava pescador tomou-se sinônimo de “fu
garças criam-se aos milhares nos caniçais, onde, du gitivo”. Durante o império assírio uma rebelião con
rante séculos, os homens os têm apanhado para sua tra a autoridade levada a efeito pelas tribos do pân
nutrição. Carpas e enguias, farpeadas ou colhidas tano de tal modo se espalhou que o Rei Senaqueribe
em rêdes nas lagoas, alimentaram os primitivos me- organizou uma expedição punitiva, embarcando as
sopotâmios; atualmente os habitantes do pântano suas tropas em canoas da região. Nesse tempo as
pescam êstes mesmos peixes com longas varas de embarcações eram feitas de caniços revestidos de
bambu cuja extremidade é provida de cinco pontas breu mas, para facilitar a sua penetração nos ca
de metal em forma de garfo (abaixo). niçais, foram construídas com o mesmo feitio es
No passado, os pântanos também ofereciam treito e as mesmas proas em forma de crescente
outra espécie de refúgio para foragidos da justiça. (esquerda) que têm os atuais barcos de madeira.
ao fim do dia, o sol no poente delineia símbolos da rida que levam os moradores dos pântanos: feixes de caniços cortados, aproa alta de SÉ
canoa, um bezerro. Projetos do governo iraquiano para drenar os pântanos e transformá-los em terra de lavourapoderão ocasionar muitas mudanças.
A religião da antiga Mesopotâmia é a mais
veUia dentre as que nos oferecem documentos escri
tos. Baseada nas crenças sumerianas, propiciava
orientação espiritual e ética aos negócios humanos,
propunha uma explicação aceitável para os trans
cendentes mistérios da vida e da morte, e deixou
um legado de fantasiosa mitologia que influenciou
poderosamente as religiões posteriores.
Os babilônios e os assírios, que sucederam aos
suinérios, adotaram a maioria dos seus deuses e das
suas práticas religiosas. Isso não quer dizer que os
sacerdotes e poetas da última fase copiaram servil
mente os protótipos sumerianos. Mas, de um modo
geral, não puderam fugir à influência alastradora da
herança deixada pelos antecessores.
Esse corpo complexo de preceitos e narrativas
enfrentava resolutamente as questões fundamentais
FE, MITOS E RITOS que têm sempre inquietado a humanidade: Que so
mos nós? Onde estamos? Como chegamos aqui? As
respostas mesopotâmicas eram diretas e ricas de sen
tido, embora inteiramente erradas á luz da ciência
moderna. A Terra, que êles supunham ser um disco
achatado, era circundada por um vasto espaço vazio
que se incluía na abóbada do firmamento, formando
um universo a que davam o nome de An-ki, “céu-ter-
ra”. O espaço entre o céu e a Terra era preenchido
pela matéria que chamavam de Hl. Ao redor de tôda
a Terra e do céu — ao alto, ao fundo e nos lados
— agitava-se o mar, infinito e sem repouso, sus
tentando miraculosamente o universo. A onipresen
ça das águas convenceu os mesopotâmios de que elas
eram primevas e eternas — a origem de tôdas as
coisas. Das águas foi que surgiu o universo, isto
é, o arco celeste e o disco terreno. A atmosfera
que se expandia entre êles, separando o “Pai Céu”
da “Mãe Terra”, também produziu as estréias bri
lhantes, o Sol e a Lua, assim montando o cenário
para a criação do homem e o advento da civili
zação.
Era natural que os sábios e pensadores antigos
concebessem em têrmos humanos a criação do uni
verso e a organização da sua vida. Toda a socie
dade humana, como êles a conheciam, tôda a ação
dos homens, era dirigida por pessoas. Também o
universo — imaginavam êles — devia, pois, ser go
vernado por entes antropomórficos, semelhantes aos
homens, que em geral não eram perceptíveis aos
humildes mortais. Os sêres dominadores que go
vernavam o universo deviam ter maior poder
e maiores dons do que as suas cópias humanas na
'-V BODE DE OURO, encontrado num túmulo sumeríano de ür, símbolíza-
Terra, e deviam viver etemamente, pois a alterna
fc. fertilidade. A cabeça e as pernas do animal, assim como a árvore flo- tiva, inadmissível, seria a de uma total confusão à
rV á, eram feitas de madeira revestida de ouro; o seu pêlo é de conchas, sua morte. Invisíveis, onipotentes e imortais, eram
«u chifres e olhos manufaturados em lápis-lazúlí. deuses, dingir na língua sumeriana. As divindades
99
0 DEUS-SOL UTU, urna das principais divindades sume ria- A MÃE-TERRA, Ninhursag, era a fonte de toda a vida-
nos, ilumina o mundo com raios que brotam de suas Dela nasceram as plantas; para salientar êste seu papel,
espáduas. Era também considerado como deus da justiça. usava uma coroa de folhas e trazia na mão um ramo.
deviam ser muitas para presidir aos inumeráveis da mãe-terra. Eram os quatro as deidades supre
componentes físicos e espirituais do mundo, e os mas, que planejaram e criaram os componentes do
mesopotâmios não tiveram dificuldade em satisfa universo, colocando-os sob os cuidados desse ou
zer a essa necessidade com a criação de novos deu daquele rebento da sua progénie, os deuses admi
ses quando tal se fazia preciso. Os documentos que nistrativos. A criação não fôra difícil nem.labo-
subsistiram mostram que, por volta do ano 2500 riosa, pois as divindades, uma vez decidido por
antes de Cristo, a lista dos deuses sumerianos, o elas o que deviam fazer, tiveram apenas de enun
panteón, abrangia centenas de divindades, cada uma ciar o seu plano de ação e logo a coisa estava feita.
com o seu nome especial e sua esfera própria de Essa idéia transformou-se numa convicção que foi
ação. partilhada por todo o Oriente Próximo como um
Apesar da sua amplitude e complexidade, o estabelecido artigo de fé: a Palavra de Deus —
panteón criado pelos sábios imaginosos em geral ou de vários deuses — tem por si mesma o poder
agia suave e harmoniosa mente. Os deuses eram si de criar do nada todas as coisas.
tuados em ordem hierárquica, de acordo com a sua Até o mais poderoso e mais sábio dos deuses
importância, influência e poder. Os principais eram se assemelhava ao homem em suas atividades ter
os que controlavam os quatro maiores reinos do renas. Banqueteavam-se, casavam, tinham filhos e
universo: An, deus do céu, Enlil, o deus do ar, ‘ eram — dependendo da ocasião — bem-humora
Enki, o deus da água, e Ninhursag, a grande deusa dos, zangados, alegres, melancólicos, desprendidos.
100
SENHOR DA ÁGUA E DA SABEDORIA, Ettki fo z torrentcs nas DEUSA DO AMOR E DA GUERRA, Inanna aparece de pé ao
cerem dos seus ombros. Era um deus que dava inteli lado da sua insígnia, pilares de portão com flâmula. Ela
gência aos governantes e propiciava perícia e habilidade. estava sempre presente onde quer que a vida fôsse gerada.
invejosos, nobres, mesquinhos, cruéis ou caridosos. contrar uma nova vida nos infernos, sem perda
Em geral, eram a favor da honestidade e da decên de sua qualidade divina.
cia, contra mentiras e maldades; mas, a julgar pelo Nos tempos mais recuados, ao comêço do
que os mitos contam, estavam muito longe de ser Quarto Milênio a.C, quando a cidade de Erech
sem mácula e pecado. era a dominadora da região, a principal divindade
Os deuses faziam viagens quando necessário; sumeriana parece ter sido o deus-céu An. Sua pre
o deus-Sol tinha uma carruagem, mas às vezes an eminência causa uma certa surprêsa; já que o mar
dava a pé. O deus-tempestade ia ao seu destino desempenha papel tão vital nos mitos da criação
montado numa nuvem, enquanto o deus-Lua tinha seria de se esperar que a lista das divindades fôsse
um barco à sua disposição. Os mesopotâmios não encabeçada por Nammu, a deusa do mar primevo,
se preocupavam muito com tais detaUies realísticos “a mãe que deu à luz o céu e a terra”. Mas a hie
nem sentiam muita necessidade de resolver os pa rarquia divina, assim como a cena política da Me
radoxos inerentes à sua fé politeísta. Provàvelmen- sopotamia em que se pautava, reconhecia a supe
te nunca lhes ocorreu pôr em dúvida a natureza rioridade masculina, e An se tomou, assim, o mo
inconsistente de suas deidades, que poderiam adoe narca reinante. Com o declínio de Erech, porém,
cer gravemente, que tinham de comer, dormir e deve ter perdido muito do seu prestígio e deixou
encontrar moradias, que batalhavam, aniquilavam de representar qualquer papel de significação nos
inimigos e às vêzes até faleciam — mas para en mitos ou nos hinos. Muitos dos seus podêres e
101
prerrogativas foram transferidos para o deus-ar Enlil é dado como o autor do me, isto é, um
Enlil, a deidade guardiã de Nippur, cidade que se conjrmto de “leis universais” governando tôda a
tomara o centro político e religioso da Mesopotâ- existência. A criação dêsses amplos conceitos revela
mia meridional. bem a originalidade dos mesopotâmios, pois foram
Durante um milênio, a partir de 2500 a.C., êles os primeiros a formular uma noção de tal modo
Enlil continuou como chefe supremo do panteón especulativa.
sumeriano e, até certo ponto, também do babilónico Para os mesopotâmios, o me era uma resposta
e do assírio. Enlil é uma palavra composta da lín aos seus anseios de segurança num mundo contur
gua sumeriana que significa “Senhor Ar”; foi éle bado. Necessitavam crer que o universo e todos os
a força motora para efetuar-se a separação do Pai seus componentes, uma vez criados, continuariam
Céu da Mãe Terra, a qual não tardaria a gerar a a operar de modo ordenado e eficaz, sem perigo
prole de Enlil. Este é, portanto, descrito como o de desintegração ou deterioração. O me, engenhado
“pai dos deuses”, o “rei do universo”, o “rei de por Enlil, governava a todos e a tudo no universo;
tôdas as regiões”. Enlil féz germinar a “semente da aos mortais era um conforto saber que o céu azul,
terra”, fe*z nascer “tudo que era necessário”, inven a terra fecrmda, o lúgubre inferno, o mar bravio,
tou a picareta-enxada e deu-a ao homem para fa tudo funcionava em obediência à determinação dos
cilitar seus trabalhos agrícolas e trazer-Uie, em con deuses.
sequência, prosperidade e fartura. Os deuses em Havia mais de cem mes, um para cada aspecto
penhavam-se em conquistar as graças de Enlil. Se do mundo e da civilização. Havia mes especiais
gundo um mito, o poderoso deus-água, Enki de para divindades e homens, terras e cidades, palá
Eridu, após haver construído sua esplendente “Casa cios e templos, amor e lei, verdade e mentira, paz
do Mar”, viajou até o templo de Enlil, em Nippur, e guerra, música e arte, culto e ritual, assim como
a fim de obter a sua bênção. Outro mito fala do para todos os ofícios e profissões. Enlil outorgou
deus-Lua Nanna, a divindade tutelar da afamadíssi- êsses mes para guiar os deuses, emmciando seus
ma Ur, que desejava garantir o bem-estar da sua direitos, deveres e privilégios, limites e contróles,
cidade. Seguiu êle para Nippur num barco cheio de autoridade e restrições.
presentes e os ofertou a . Enlil, para alcançar suas O me tem papel destacado em alguns dos mi
generosas mercês. Não é de admirar que os poetas tos mais importantes sôbre os deuses. Apesar disso,
hajam decantado Enlil em versos tão enaltecedo- essas histórias bem elaboradas tiveram influência
res como éstes; rnínima — ou nenhuma — nas práticas religiosas.
Exceto em alguns casos, os mitos são de sentido
‘'Enlil, cujas ordens têm grande alcance, literário. Foram imaginados para dar prazer ou
cuja palavra é sublime e sagrada, inspiração, assim como para explicar eventos cós
cujos pronunciamentos são imutáveis micos e crenças religiosas. São, em geral, agradá
Enlil que traça os destinos no futuro distante, veis contos de deuses em amor, em guerra, em seus
cujo olhar sobranceiro perscruta os campos, trabalhos de criação.
cujos alcandorados raios sondam o coração da Segundo certo mito, foi a desobediência a um
[terra. . . me que levou EnliJ á perdição; embora onipotente,
não soube domar a violência do seu próprio instinto
Quando o pai Enlil se instala solenemente sob sexual.
o dossel sagrado, o sublime dossel, Um dia, após a criação do homem, quando
quando exerce o sumo comando e realeza, sòmente os deuses viviam na cidade de Nippur,
os deuses terrenos se curvam diante d êle, Enlil passeava ao longo de um canal e espiou uma
os deuses celestiais o reverenciam com humil- jovem deusa, a bela Ninfil, que tomava banho na
[dade... quelas águas. Assaltou-lhe tal desejo que decidiu
102
possuí-la jmediatamente. Quando Ninfil resistiu às sem dúvida de todo o mundo civilizado. Isso, ela
suas propostas amorosas, alegando que era ainda só poderia conseguir se se apossasse dos divinos
muito jovem, Enlil agarrou-a, conduziu-a para bor mes. Resolveu arrebatá-los de Enki, custasse o que
do de um barco e a violou. Esse ato imoral infrin custasse.
giu exatamente o me que o próprio Enlil havia es No seu “Barco do Céu”, em companhia do aio
tabelecido para o funcionamento do universo em Ninshubur, seguiu para o templo de Enki, o Abzu,
boa ordem. Diante disso, os outros deuses baniram onde foi acolhida calorosamente e convidada a um
o seu chefe para o inferno. A desventurada Ninfil, lauto banquete de bôlo de cevada e vinho de tâ
que iria dar à luz o deus-Lua Nanna, como re mara. Enki, o anfitrião, foi além da sua hóspede
sultado da união, acompanhou Enlil ao mrmdo das no gôzo do festim. Meio embriagado, começou a
profundezas. lhe dar os mes, uns poucos de cada vez. Aceitando
Foi uma sorte para o homem e a civilização com a máxima satisfação as dádivas inestimáveis
que, com a descida de Enlil ao submrmdo, os mes — possivelmente inscritas em placas ou figuradas
tenham sido confiados a Enki, o deus da água (sua de alguma forma simbólica —, Inanna os apanhou,
mãe era Nammu, a deusa-mar) e da sabedoria, levou-os para o seu barco e partiu mais que de
que os manteve bem guardados no Abzu, o santuário pressa para Erech, antes que o bêbado Enki se
nas profundezas do oceano. desse conta do que havia feito.
Foi Enki que levou a cabo a organização do Quando afinal curtiu a embriaguez, Enki per
universo nos seus aspectos práticos. Começou por cebeu que os mes haviam sumido. Com acabrunha-
determinar vários graus de prosperidade ás diver mento e desespêro ouviu o seu aio Isimud dizer-lhe
sas terras que compunham o mundo antigo, inclu os presentes que dera a Inanna. Cheio de remorso
sive a Suméria e possivelmente o Egito. Em se por não ter sabido guardar o que lhe fora confia
guida, propiciou as coisas necessárias para fazer do, Enki jurou que recuperaria os mes. Ordenou
a terra produtiva e prover as necessidades do ho a Isimud e a um sortido grupo de monstros ma
mem: despejou água pura no Tigre e no Eufra- rinhos que partissem a tôda pressa para os sete
tes, dotou de peixes e de caniços os pântanos e pontos de parada entre Eridu e Erech. Isimud re
brejos, fêz chover, empilhou os cereais nos cam cebeu insiruções para aprisionar o barco e seu car
pos cultivados, construiu cocheiras e redis para regamento, mas deixando Inanna voltar livremen
ovelhas. Para que não fo'sse em vão todo êsse fe te para sua cidade. Todas as tentativas de recupera
cundo labor, nomeou deidades especiais para zelar ção, entretanto, foram frustradas pelo bravo e fiel
por suas inovações e fazer que elas fossem usadas conselheiro da Inanna, Ninshubur’, e a deusa e sua
de maneira correta, presumivelmente de acordo com embarcação chegaram tranquilamente a Erech. Ali,
os mes divinos. o povo feliz, a quem a deusa protegia, assistiu ao
Apesar de sábio, Enki não foi capaz de res desembarque dos preciosos mes que iriam fazer de
peitar os mes que lhe foram confiados e que eram Erech a cidade predominante entre tôdas as demais
tão preciosos para sua cidade, Eridu; o que o per das terras da Suméria.
deu foi mais a bebida do que a paixão. Quem pro Enki também teve seus problemas com outra
vocou a sua queda foi sua filha Inanna, protótipo deusa, Ninhursag, que era talvez a originária “Mãe
da Afrodite grega e da Vénus romana. Inanna — o Terra”. Desta vez não foi bebida, mas comida,
nome quer dizer “rainha do céu” — era adorada que o meteu em dificuldades, porque provou de
em tôda a Mesopotâmia como a deusa do amor, certo alimento — o que lembra a história do “Pa
da procriação e da fertilidade. Mas era também raíso” no Livro do Gênesis. A cena dêste mito é
e especialmente a divindade tutelar de Erech desde Dihnun. Em Dihnun, segundo os poetas, ninguém
os primeiros tempos e estava decidida a fazer da ficava doente e ninguém envelhecia. Mas em Dil-
sua cidade o grande centro cultural da Suméria e mun havia falta de água fresca, até que o deus-Sol
103
Utu, por ordem de Enki, fêz a água brotar e, assim, um barco gigantesco para escapar ao tempestuoso
florescer tôda a espécie de vegetação. dilúvio, salvando a própria vida e “a semente da
Neste éden, Ninhursag fêz crescer oito plan humanidade”. Ziusudra seguiu fielmente os conse
tas especiais, isso após uma série extremamente lhos do deus e livrou-se da catástrofe, ou na versão
complicada de acontecimentos que determinaram a do poeta:
concepção de sucessivas gerações de deusas, tudo
sob o comando de Enki. Enki foi tentado pelas Depois que, durante sete dias [e] sete noites,
plantas e ordenou ao seu aio Isimud que as ar O dilúvio se estendeu sobré a terra
rancasse e as trouxesse para êle. Quando Ninhursag \E\ o grande barco foi sacudido pelos vendavais
veio a saber que as plantas foram comidas, ficou [sòbre as grandes águas,
furiosa e pronunciou uma maldição em que preco Utu [o deus-sol] apareceu, espalhando luz
nizava a morte de Enki, e em seguida abandonou [sòbre o céu e a terra. . .
o concilio dos deuses.
Como resultado dessa praga Enki sofreu uma Após uma interrupção no texto, encontramos
doença que atingiu oito dos seus órgãos vitais. A Ziusudra prostemando-se diante de An e Enki,
morte aproximava-se, as outras divindades chora duas das deidades principais do panteón, as quais
vam, mas sem a presença de Ninhursag nada po- se agradaram tanto da sua humildade temente e
deria ser feito para salvá-lo. Por sorte, assistia á devota que lhe deram “vida como um deus” e “so
cena uma raposa ladina e ela, não se sabe como, pro eterno”, levando-o a uma espécie de Paraíso,
conseguiu convencer Ninhursag a retomar ã reu o Dilmun, “o lugar onde o sol se levanta”.
nião. Num desfecho feliz da história, a deusa salvou Mitos como ésses devem ter dado aos meso-
a vida do moribundo Enki ao criar oito deidades potâmios o consolo de que bem necessitavam, dada
que curaram seus oito órgãos enfermos. a sua concepção um tanto sóbria e modesta do
Um outro mito sumeriano tem muito maior destino do homem no mundo, em contraste com
interêsse e atração para o homem do Ocidente. E as funções gloriosas que atribuíam aos seus deuses.
a história do Dilúvio, reproduzida mais tarde em O homem, estavam êles certos, fora feito de argila,
racontes acádicos e, naturahnente, na versão bíbli ou, como alguns disseram, de argila e do sangue
ca. Embora a versão sumeriana tenha sido recons de uma divindade trucidada, e fôra criado para
tituída por meio de fragmentos que formavam um só propósito: servir aos deuses, fomecendo-lhes
apenas um têrço de uma placa de argila, a sua nar alimento e abrigo, a fim de que êles escapassem
ração pode ser completada com a ajuda da versão aos labores da vida cotidiana. Fatalistas e resigna
acádica, na forma seguinte: dos, os sumérios acreditavam que o homem.era
Algum tempo depois de haverem sido criados impotente em face da inescrutável cólera divina e
o homem, as plantas e os animais, e de ter sido que a sua vida era cercada de incertezas e entregue
implantada a realeza em cinco cidades principais, à insegurança. Além disso, a morte não era nada
os deuses decidiram lançar o dilúvio e destruir a de se desejar, pois, falecido o homem, o seu espírito
humanidade. (Perdeu-se a passagem sobre o mo descia ao lúgubre e desolado mundo das profun
tivo que determinou êsse terrível julgamento, mas dezas.
possivelmente se relaciona com desobediência por Um dúbio e sutil problema de ordem moral,
parte do homem.) Mas — continua a lenda — que tem dado tanta inquietação aos teólogos do
algumas das divindades se desgostaram com o rigor Ocidente, jamais perturbou, de forma alguma, os
extremo do castigo. Uma delas, Enki, revelou-o a pensadores sumerianos — a delicada questão do
Ziusudra (cujo nome em acádico é Utnapishtim), livre arbítrio. Convencidos de que foram criados
um mortal que se fizera notar pela sua humilde • para escravos e servidores dos deuses, aceitavam
obediência e devoção, e o aconselhou a construir com docilidade e resignação as decisões divinas.
104
UM “ÔLHO-ÍDOLO”, encontrado num templo da Síria, parece
representar uma divindade que tudo vê. O deus deve ter tido
muitos devotos, pois foram achados milhares dessas figuras.
106
também a senhora do submundo. Ali, entretanto, dia de cada ano sua sobrevivência aos perigos pas
ela foi condenada à morte pela invejosa Ereshkigal, sados.
Rainha do Submundo. Embora deusa, Inanna te O festival do Ano Novo na cidade de Babiló
ria permanecido morta para sempre se não tivesse nia, durante o Primeiro Milênio a.C, incluía, além
intervindo o bondoso Enki, que logrou ressuscitá-la do casamento sagrado, vários aspectos de uma
aspergindo-a com “o alimento de vida” e a “água obscura festividade sumeriana conhecida como
de vida”. Mas não estavam findos os perigos de Aldtu. Mas a êsses foi aduzido um certo número de
Inanna. Pois, de acordo com o me do submundo, ritos simbólicos e mágicos inteira mente ignorados
ninguém — nem mesmo uma divindade — po nos tempos anteriores. Um déles era o recitativo do
deria voltar ao mundo dos vivos sem fornecer um Enuma-Elish, a epopéia da criação, que adaptou o
substituto. A ressurgida Inanna, que recebeu per mito sumeriano em alguns dos seus temas. Na ver
missão para deixar o reino dos mortos, foi escoltada são babilónica do Enuma-Elish, o herói é Marduk,
por um grupo de galla, os pequenos demónios que o deus nacional de Babilônia. Quando os assírios
habitavam as regiões mais profundas; os galla tinham tomaram o poder atribuíram êsse papel a Assur, o
ordens de fazer Inanna retornar ao submundo caso deus nacional.
ela não encontrasse quem a substituísse. Para sermos exatos, muito do que sabemos so
Inanna e a sua comitiva demoníaca vagaram bre o festival do Ano Nóvo na última fase de Babi
de cidade em cidade à procura de uma deidade lônia vem de um compêndio sacerdotal do sé
que os galla pudessem levar para fazer as vezes da culo 111 a.C., e alguns dos seus detalhes talvez não
outra. Os deuses das duas primeiras cidades a que tenham existido anteriormente.. De um modo geral,
Inanna chegou vestiram trajes de humilhação e pros- entretanto, pode ser considerado como razoàvelmen-
temaram-se diante dela. Embora os galla desejas te digno de crédito o seguinte relato dos ritos, rituais
sem ardentemente arrebatar essas criaturas espavo e cerimónias do Ano Novô:
ridas, Inanna não permitiu que eles o fizessem. Mas, O festival babilónico durava onze dias, come
quando Inanna e seu diabólico séquito chegaram çando no primeiro de Nisan, o mês do equinócio
à própria cidade da deusa, Erech, ela aí encontrou da primavera. A parte melhor dos quatro primeiros
Dumuzi sentado num alto trono, com trajes fausto dias era devotada principahnente a preces promm-
sos, bem feliz da vida por estar livre da sua agres ciadas pelo sumo sacerdote; ao cântico do Enuma-
siva e dominadora esposa, junto da qual sempre -Elish, a epopéia glorificando Marduk como a divin
estivera em posição secundária. Enfurecida por essa dade suprema do panteón; e á preparação de dois
traição, Inanna disse aos demónios que o levassem. bonecos vestidos de vermelho, segurando uma ser
Dumuzi implorou o socorro do deus-SoI Utu, o juiz pente e um escorpião, os quais simbolizavam as
justo, que era irmão de Inanna e, portanto, seu forças do mal. No sexto dia, os bonecos eram de
cunhado. Utu apiedou-se déle e transformou-o numa capitados e em seguida atirados numa fogueira.
serpente, mas sem resultado. Os galla o apanharam, Segundo a epopéia, no princípio só existia o
torturaram-no até ã morte e o conduziram ao sub caos aquoso. Abzu, as águas doces, e Tiamat, o
mundo, onde êle deveria ficar para sempre como mar, reuniram suas forças para a criação do univer
substituto de Inanna. Todavia, sua amorável e de so e dos deuses. Mas, então, Abzu conspirou contra
votada irmã, a deusa Geshtinanna, concordou em to as divindades e o onisciente Enki o destruiu. A en
mar o seu lugar na metade do ano. colerizada Tiamat continuou a guerra contra os
A repetição anual da cerimónia do Casamento deuses, nenhum dos quais foi bastante forte para
Sagrado parece ter correspondido a uma necessidade dominá-la, até que Marduk, filho de Enki, se ofere
profunda que sentiam os mesopotâmios de renovar ceu para enfrentar o combate. Marduk, “de estatura
a sua esperança no futuro, tal qual o homem mo soberba, com oUiar fulgurante e garbo viril -.. um
derno que celebra com festas e regozijo no último líder nato”, pediu em troca ser o chefe dos deuses.
107
Reunidas em conselho, as divindades aceita seu sacerdote, participava de um ritual que tinha
ram os têrmos de Marduk e concederam-lhe tal como nota dominante o sacrifício de um touro.
poder que sua palavra se fazia lei. Depois de furiosa Não se sabe muito do prosseguimento do fes
luta, Marduk venceu Tiamat, e usou metade do tival nos dias restantes. No sexto e no sétimo, as
seu corpo para fazer o céu. Em seguida, colocou em efígies dos deuses cultuados nas cidades mais im
posição as estréias e a Lua, e fêz o homem surgir portantes de Babilônia eram trazidas à capital pelas
do sangue de um deus que ficara do lado de Tiamat. estradas ou pelos canais. No oitavo dia, o rei “to
Em agradecimento à proeza de Marduk, a assem mava Marduk pela mão” e apresentava-o cerimo
bléia dos deuses construiu para êle um santuário niosamente às divindades visitantes; então, a sobe
majestoso e ofereceu-lhe uma grande festa, em que rania de Marduk era solenemente proclamada pelos
foram proclamados os 50 nomes de Marduk. De sacerdotes que atendiam às deidades reunidas. Ha
pois, contentes com a sua obra, os deuses entre via uma procissão de alegres côres, encabeçada
garam o mundo ao homem, a fim de que pudessem por Marduk numa suntuosa carruagem ornada de
folgar. jóias. Guiado pelo rei, que tinha a segui-lo as dei
O festival babilónico do Ano Novo continuava dades visitantes, o cortejo espetacular partia de Esa
com outros rituais no quinto dia após as preces de gila, seguindo o Caminho Sacro impressionante
rotina e os sacrifícios; havia uma cerimônia de pu mente decorado, transpunha o Portão Ishtar e, fora
rificação durante a qual o templo era aspergido da cidade, ia ao s&ritvÁno-Akitu, à beira do Eufra-
com água sagrada e santificado com óleo sacro. tes. O grupo demorava-se ah provavelmente três
Decapitava-se então um carneiro, cujo corpo ensan dias inteiros e, depois, retornava ao templo Esagila
guentado era comprimido contra as paredes do em Babilónia, onde finalmente se realizava o grande
templo, provàvelmentê para absorver qualquer im acontecimento do festival — “a decretação da sorte”
pureza que ainda restasse. O carneiro morto era do monarca, simbolizando o seu reino, no ano a
então arrastado para fora e atirado ao rio como iniciar-se.
um animal expiatório. Um dourado “pálio-celeste” E interessante ressaltar a coincidência de al
era então erguido como preparativo para a chegada guns pontos entre as crenças dos povos mesopotâmi-
de Nabu, filho de Marduk, vindo da vizinha cos e as dos hebreus que, sendo seus vizinhos, na
Borsippa. turalmente foram influenciados pela tradição regio
Pela primeira vez durante o festival o rei apa nal. Destacamos, entre outros pontos de contato, a
recia no Esagila, o vasto templo conjugado, e cum analogia de Utnapishtim e Noé, do pobre inomi
pria um ritual humilhante, ideado para fazê-lo com nado e. Jó, a gula de Enkil e o episódio da Serpente,
preender que não passava de mero serviçal dos e entre o Éden e o Dilum. Também na mitologia
deuses, e responsável perante êles pelo bem-estar grega encontramos a réplica de Gilgamesh em
do povo. O rito começava quando o sumo sacer Héraclès.
dote removia a insígnia real do soberano, assim A religião desempenhava, sem dúvida, papel
como o cetro e a espada, colocando-os ante a ima central na vida mesopotâmica. Era a fonte e a ins
gem de Marduk. O sumo sacerdote puxava então as piração de templos soberbos, de esculturas impres
orelhas do rei e forçava-o a curvar-se diante do sionantes, de esteias e placas decorativas, de incrus
deus e a recitar uma confissão negativa, salientando tações pitorescas, de selos cilíndricos trabalhados de
o fato de que não fizera nenhum mal a Babilônia forma atraente. Seus ritos e rituais causavam tanta
e ao seu povo. Nesse ponto, o sumo sacerdote resti impressão que foram imitados na maior parte do
tuía ao monarca a insígnia real e então o esbofe mimdo antigo por vários milênios. Acima de tudo,
teava. Se os olhos do rei se enchiam de lágrimas, nesse veUio tempo em que as poderosas forças da
isso era um sinal de que Marduk estava satisfeito natureza pareciam totahnente inexplicáveis aos te-
com êle. Na tarde do mesmo dia, o rei, inabalado .merosos humanos, a sua religião deu perspectiva e
pelo seu vexame e humilhação diante do deus e do ordem à vida do povo na Mesopotâmia.
108
HISTORIAS DE
DEUSES E HERÓIS
J09
A CRIAÇÃO DO UNIVERSO
114
Continuando a sua odisséia, Gilgamesh e Enkidu liquidaram o “Touro do Céu ”
(acima), uma fera enviada para vingar a deusa Ishtar, cujas seduções
Gilgamesh havia desdenhado. Mas decidiram os deuses que Enkidu devia
morrer por ter matado o animal. Gilgamesh pranteou ruidosamente o amigo e
vagou pelo deserto, lamentando: CQuando eu morrer, não ficarei como
Enkidu? ”. Embora fosse em parte divino, temia ter de partilhar a sorte dos
homens — a não ser que encontrasse a chave para a imortalidade. E ã .sua
procura viajou para as praias distantes onde vivia Utnapishtim, único ser humano
que desfrutava de vida eterna. Passou pelo Povo Escorpião que guardava a porta
onde o Sol se ergue (no alto, ã direita), e velejou pelo mar. Afinal, chegou
aonde estava Utnapishtim e éste lhe disse que para viver perenemente devia ele
ir buscar no fundo do mar a planta da juventude, que era perfumada mas
cheia de espinhos. Gilgamesh assim fez,''porém ao voltar para sua terra
teve um momento de descuido e uma serpente engoliu a planta preciosa^
(embaixo, à direita). Fora em vão a sua busca da imortalidade.
OS ANCESTRAIS MESOPÜTAMICOS
DE NOÉ E (JÓ
parede e a quantidade de terra para a construção de numerosos códigos, escritos igualmente em sumeria-
uma rampa. no e acádico, assim como também de coleções de
No tempo em que reinava Hamurábi, cerca de demandas judiciais e precedentes; o estudante uti
1750 a.C., um aluno na última fase dos estudos já lizava ainda formulários relativos às variadas espé
sabia utilizar noções elementares da álgebra e da cies de documentos legais que eram de uso geral
geometria. Sabia valer-se na prática do que se tor e contava igualmente com listas especiais de tôdas
nou conhecido para nós como teorema de Pitágoras, as palavras, frases e expressões que pudesse vir a
embora não fósse capaz de demonstrá-lo teorica empregar durante a sua carreira.
mente. Tinha também uma noção bem precisa da A medicina também era ensinada com um con
quantidade constante que chamamos de pi, a rela siderável grau de minúcias nas escolas mesopotâmi-
ção entre a circunferência de um círculo e o seu cas. Manuais descreviam diagnósticos e prognósticos
diâmetro. Para fazer calendários, aprendera a utili para tôda espécie de enfermidade e davam detalhes
zar observações astronômicas, tais como o nasci dos seus sintomas e síndromes. Havia compêndios
mento e o ocaso de Vénus e os eclipses periódicos que indicavam tratamentos e remédios, classificados
do Sol e da Lua. de acordo com a parte do corpo que estivesse doen
No fim do Primeiro Milênio a.C. um estu- te. Drogas eram receitadas e ministradas em poções,
dapte adiantado possuía bastante conhecimento de pomadas, cataplasmas e clisteres.
teoria matemática para calcular o movimento dos Os doutores podiam praticar a cirurgia, mas
planêtas e, assim, estava apto a assessorar o rei no isso acarretava certos riscos, pelo menos no tempo
acêrto do calendário. Os antigos mesopotâmios de Hamurábi. O seu código dispunha:
adotaram um ano lunar, constituído por 12 meses
lunares, e de três em três ou de quatro em quatro
anos era geralmente intercalado um mês extra para Se um cirurgião. . . abriu uma infecção
manter a sincronização do calendário com o ano ocular com um instrumento de bronze, e
solar. salvou assim o òlho do homem, receberá
Desde que a lei escrita passou a desempenhar dez sidos. Se um cirurgião. . . abriu uma
um papel predominante na vida mesopotâmica, boa infecção ocular com um instrumento de
parte do currículo escolar foi dedicado aos estudos bronze e assim arruinou o olho do ho
legais. O aluno aprendia por meio de cópias de mem, terá êle a sua mão decepada.
125
Além dos clínicos e cirurgiões profissionais, um reinado: invocações aos deuses, batalhas ganhas
havia outra classe de médicos na antiga Mesopotâ- e novas construções levantadas. Esses anais têm
mia. Era a dos • sacerdotes-exorcistas, cujo trata fornecido as principais fontes para as fases histó
mento se baseava mais em magia do que em meios ricas no antigo Oriente Próximo.
racionais. Eles também cursavam escolas, e a na Enquanto a história era sensivelmente descura
tureza das curas que procuravam fazer é sugerida da no currículo escolar, o estudo da literatura re
pelos títulos dc muitos manuais, como “Queima cebia dos escribas carinhosa atenção. Através dos
dura”, “Maus Espíritos”, “To‘da Espécie de Male séculos, os poetas, especialmente, compuseram um
fício”, “Afastamento de Maldição” e “Enxaquecas”. grande e variado conjunto de obras literárias. Os
Repletos de fórmulas mágicas e rituais de purifica deuses eram glorificados em mitos e hinos; os heróis
ção, esses livros destinavam-se a aliviar os que so eram exaltados em epopéias leigas; e os reis eram
fressem dos terrores causados pela magia negra e o louvados, ou êles próprios se louvavam, em rapsó
endemoninhamento. dias como êste excerto de um obelisco negro em
Um estudo predileto nas escolas da Mesopotâ- honra do Rei Salmanasar III, no seu monumental
mia era o da adivinhação, a arte de ler a vontade palácio de Nínive:
dos deuses e predizer o futuro pela interpretação
dos augúrios. Qualquer ocorrência podia ser enten Eu sou Salmanasar, Rei de multidões de
dida como um presságio, bom ou mau. Por exem [homens.
plo, se formigas de asas negras fossem vistas numa Principe e herói de Assur, o Rei poderoso,
povoação, isto significava que haveria chuvas e en Rei de todas as quatro zonas do Sol
chentes. Outro augúrio inscrito numa placa de argila E de multidões de homens.
anunciava: “Se um boi tem lágrimas nos olhos, O que marchou pelo mundo todo.
algum mal acontecerá ao dono dêsse boi”.
A idade de ouro da literatura sumeriana findou
Eram em grande número os manuais de au
com a destruição de Ur no século XXI a.C. Mas
gúrios que podiam ser consultados. Um déles tra
até mesmo esse amargo acontecimento foi literária
tava de “mensagens dos deuses”, reveladas nas en mente inspirador: fêz nascer uma “lamentação”,
tranhas de animais sacrificados; supunha-se que o
melancólica forma de poesia que se tomou parte
fígado era particularmente significativo, e os profes
permanente da literatura mesopotâmica e foi mais
sores usavam modelos dêsse órgão especialmente
tarde adotada pelos hebreus. A obra apresentada
preparados para esclarecimento e instrução. a seguir, dirigida ã deusa Ningal, esposa do deus-
Uma das técnicas divinatórias mais populares -Lua Nanna, divindade tutelar de Ur, é típica dêsse
nos tempos assírios era a astrologia — a arte de estilo:
interpretar os movimentos e as posições dos corpos
celestes, e também fenômenos como trovoada, gra O Rainha, como o teu coração ainda te
nizo e tremor de terra. Por fim, a astrologia era [sustém,
usada para a enunciação de horóscopos individuais; como podes continuar vivai. . .
os mesopotâmios acreditavam, como ainda muita Depois que tua cidade foi destruida,
gente crê hoje em dia, que a sorte de uma pessoa como podes agora existir?. . .
pode ser prevista pela posição dos planêtas no dia A tua cidade, que foi transformada em
do seu nascimento. [minas
Um assunto negligenciado nas escolas mesopo- — não és mais a sua dona.
tâmicas era a história; a instrução nessa matéria li A tua casa virtuosa, posta abaixo pela
mitava-se, realmente, a longas relações de reis, di [picareta
nastias e datas. O mais importante dos escritos his — nela tu deixaste de morar.
tóricos que sobreviveu é constituído pelos chamados Teu povo, que foi levado ã matança,
anais do rei, registros dos acontecimentos durante — não és mais a sua rainha.
126
A maior parte da literatura mesopotâmica tinha
forma poética, e era cantada ou recitada com o
acompanhamento de instrumentos musicais como a A SABEDORIA DA MESOPOTAMIA
harpa, a lira, o tambor e o pandeiro. Muitos poemas Os sumérios e os babilônios resumiam seus
foram escritos, alguns, ao que parece, para decla- eoneeitos pragmátieos sôbre a vida em provér
mação durante os “matrimônios sagrados” entre o bios como os que são reproduzidos abaixo. Os
rei mesopotâmico e as noivas mortais que represen ditos revelam algumas observações — embora
tavam a deusa do amor. Um dos mais belos dêsses nem sempre lisonjeiras — sôbre os prazeres e
as ironias do easamento, as riquezas e a natureza
poemas, composto há uns 4000 anos passados, des humana em geral.
creve o amor de uma noiva ritual do Rei Shu-Sin.
Nas suas imagens, o poema tem extraordinária se Numa cidade em que não há cães de guarda,
A raposa é o vigia.
melhança com o Cântico de Salomão no Velho Tes
tamento: Quem tem muita prata pode ser feliz;
Quem possui muita cevada pode ser alegre;
Esposo, deixa-me acarinhar-te, mas quem nada tem pode dormir.
Minhas carícias refinadas são mais doces Adula a um moço''e êle te dará alguma coisa;
[do que o mel; Atira migalhas a um cão e êle abanará o rabo.
No quarto de dormir, ó dulçoroso. Os que são pobres são os que se calam na
Deixa-me desfrutar de tua aprazível beleza. [Suméría.
Leão, deixa-me acariciar-te.
A escrita é a mãe da eloquência
Minhas carícias refinadas são mais doces
e o pai dos artistas.
[do que o mel;
Esposo, tiveste de mim o teu prazer; Dá atenção às palavras da tua mãe
como se fossem as palavras de uma divindade.
Diz a minha mãe, que te dará guloseimas,
A meu pai, que te dará presentes. Uma palavra gentil agrada a todos.
O teu espirito, eu sei como alegrá-lo; A amizade dura um dia. a realeza para
[sempre.
Esposo meu, dorme em nossa casa até o
[amanhecer; Para o prazer do homem há o casamento;
Teu coração, eu sei como alegrá-lo; para pensar melhor, há o divórcio.
Leão, dorme em nossa casa até o nascer Conceber é agradável; a prenhez é incômoda.
[do dia.
A esposa é o futuro do homem;
Tu, porque tu me amas;
o filho é o refugio do homem;
Dá-me, eu te suplico, das tuas caricias, afilha é a salvação do homem;
Meu deus e senhor, meu protetor, a nora é-o demônio do homem.
Meu Shu-Sin, tu que alegras o coração de
Se tomas a terra de um inimigo,
[Enlil, o inimigo virá tomar a tua terra.
Dá-me, eu suplico, das tuas caricias. . .
<
Quem constrói como um senhor, vive como
Os poetas nada sabiam de rima e de métrica; [um escravo;
seus recursos estilísticos prediletos eram repetição quem constrói como um escravo, vive como
e paralelismo, côro e refrão, imagem e metáfora. [ um senhor.
Sua poesia épica, tal como a dos gregos, é farta
Sê gentil para teu inimigo como para um
de longos discursos, de repetições e fórmulas que se [velho forno.
reproduzem.
Além de poesia, os mesopotâmios tinham a de
leitá-los máximas e provérbios (ex.: “Em boca áber-
127
ta é que entra môsca”; “O forte vive à custa do seu turosa dos dois à mágica floresta de cedros guar
próprio ganho, o fraco do que ganham os filhos”), dada por monstros; o temerário desafio de Gilga
assim como a chamada “literatura edificante”. Um mesh à deusa do amor; a luta dos dois homens com
exemplo da última é o “Poema do Justo Sofredor”, o “Touro do Céu” enviado à terra para puni-los por
que gira em tomo de um homem aparentemente sua indiscrição; a morte de Enkidu e a lida de
abandonado pelos deuses, como o Jó da Bíblia. Esse Gilgamesh em busca da vida etema; a visita do
homem, a quem não é dado um nome, especula príncipe a Utnapishtim, o herói da grande imm-
sobre as fraquezas humanas e os caprichos da sorte: dação e protótipo de Noé — aventura que terminou
malograda, por ter Gilgamesh recebido a lição de
Quem nasceu ontem, morreu hoje. que a imortalidade não podería ser atingida pelos
Em apenas um instante, o homem é homens.
[lançado às trevas, Quase todos os episódios da epopéia foram ex
subitamente esmagado. traídos de contos anteriores da Suméria, inclusive
Num momento êle cantará com alegria a história de Utnapishtim, que reproduz um déles.
E noutro momento estará chorando — Contudo, os acádicos não copiaram servihnente as
[pela morte de alguém. lendas sumerianas, mas as modificaram e amalga
Da manhã ao cair da noite a disposição maram num drama poderoso e rigorosamente urdido
[dos homens pode mudar; — coisa que, segundo parece, os bardos da Suméria
Quando estão famintos, assemelham-se aos não sabiam fazer. Serve de amostra ao estilo da
[cadáveres, epopéia o excerto apresentado a seguir, em que um
Quando estão fartos, querem rivalizar com estalajadeiro no caminho percorrido por Gilgamesh
[seus deuses, o desencoraja na sua busca da vida etema — vã
Quando as coisas vão bem, falam em subir procura que freqüentemente reaparece como um
[ao céu, tema da literatura mesopotâmica:
E quando em dificuldades, gritam que vão
[descer ao Inferno ”. Gilgamesh, aonde queres chegar nas tuas
Desde a época de Hamurábi, ou mesmo antes, [andanças?
muitas obras literárias foram escritas em acádico; A vida, que estás procurando, nunca a
mas a forma e o conteúdo, os temas e motivos, o [encontrarás.
estilo, até o nome dos protagonistas e personagens, Pois, quando criaram o homem, os deuses
eram os dos tempos sumerianos. Sendo acádica, a [decidiram
Epopéia de Gilgamesh, a maior contribuição da Me- que a morte seria o seu quinhão, e
sopotâmia à literatura do mundo, é um marcante [detiveram a vida em suas próprias mãos.
exemplo dêsse aperfeiçoamento das letras sumeria- Gilgamesh, enche o teu estômago,
nas. O poema, com cêrca de 3.500 linhas, conta a Faze alegres o dia e a noite,
vida de Gilgamesh, um antigo governante de Erech, Que os teus dias sejam risonhos.
desde a sua mocidade arrogante como um tirano Dança e toca música noite e dia,
opressor até a expiação do seu retomo como viajor E veste roupas limpas.
frustrado que vagara por terra e por mar (vide Lava tua cabeça e banha-te.
págs. 115-123). E uma grandiosa e comovente nar Olha para o filho que está segurando a
rativa, inspirada nos temas universais da lealdade, [tua mão,
da coragem e do perene anseio humano de alcançar E deixa que tua esposa êncontre prazer
a imortalidade. [nos teus braços.
A epopéia canta a profunda amizade que unia Só dessas coisas é que os homens devem
Gilgamesh e o selvagem Enkidu: a expedição aven- [cogitar.
128
COMO COMEÇOU
A ESCRITA
. -'
. ..
131
PRIMEIROS PICTOGRAFOS ICTOGRAFOS DAULTIMAFASE
—3100 ac. --2800 A.C.
DOPICTOGRAFO
ÀESCRITA
A primitiva escrita pictográfica sofria de
várias limitações. Se bem que simples
pictógrafos eram capazes de representar
objetos — o desenho de uma cabeça sig
nificava meramente “cabeça”, — não
podiam êles exprimir palavras mais abs
tratas, como o verbo “pensar”. Em con
sequência, os escribas principiaram a usar
pictógrafos como ideogramas, símbolos
semelhantes aos modernos caracteres
chineses que correspondem a diversos vo
cábulos cujos significados se relacionam.
Por exemplo, o sinal significando “bôca”
(direita), também era empregado para o
verbo “falar”. De vez em quando, essa
prática dava lugar a ambiguidades como
sucedia com o símbolo correspondente
a “pé”, que significava ao mesmo tempo
“ficar de pé” e “ir”.
O passo decisivo no desenvolvimento
do sistema cuneiforme ocorreu quando
os escribas passaram a usar símbolos
fonéticamente, para indicar tanto sons
como idéias. A palavra sumeriana que
queria dizer “stía”, pronunciada ti, era
na fala igual à palavra “vida”. Assim,
os escribas usavam o mesmo sinal, o de
senho de uma seta, tanto para escrever
um vocábulo quanto o outro. Dando-se
a cada som um símbolo fonético, foi pos
sível a representação de qualquer pala
vra da linguagem. (Usando-se o mesmo
método em inglês, a palavra “estação”
— season — seria representada com de
senhos do mar — sea — e do sol —
swu) O uso de símbolos fonéticos deu
tal flexibilidade à escrita que posterior
mente os acádios, babilônios e assírios
foram capazes de adaptar o sistema
cuneiforme a inscrições feitas nas suas
próprias línguas, bem diferentes.
132
OSINAL PARA “ESTRELA” eVO-
htiu, no correr dos séculos,
de um mero desenho (na ex
tremidade esquerda) para um
símbolo mais abstrato (direi
ta). O mesmo símbolo tam
bém serve para as palavras
”céu”e “deus”tanto na lín
gua suméria como na assíria.
133
MON^^.^NH.A
CIDADE DE B^^BILÔNM
ASSÍRIA
RIO AMARGO
MOITA DE CANIÇOS
Um mapa babilónico, dando uma idéia do
mundo altamente estilizada, foi traçado por
volta de 600 a.C., no sistema cuneiforme.
ACIMA DO TERR.AÇO DE
SHAGARAKII-SHURLASH, FUMO
, , DE KUDUR-ENLIL, EU LANCEI
SEUS ALICERCES E LEVANTEI
FIRJ^EJ^ENTE S^A ESTRUTURA
^ DE TUOLO
, ^
Umcilindro celebra a reconstrução de um
t ^ •*’Í templo je atizadapor umrei deBabilónia.
».J,' »''I
r-í;
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, PULVERIZE PERAS E AS
1 RAÍZES DE CAPIM DO ^AMPO
*1 PONHA O PÓ NA CERVEJA E
5 FAÇA O HOMEM BEBER
Um texto de medicina, mostrado em repro
dução um pouco maior do que o tamanho
original, descreve como aviar receitas de
farmácia complantas e ervas daSuméria.
OS DIVERSOS USOS
DAESCRITA
CUNEIFORME
À medida que a escrita se tomava cada
vez mais versátil, o seu papel foi cres
cendo na cultura da Mesopotâmia. Não
mais limitada a fazer assentamentos de
coisas ' concretas, passou a ser usada na
criação de tôda uma literatura consti
tuída por documentos religiosos, técni
cos e históricos, compreendendo milhões
de placas, seis das quais são mostradas
aqui parcialmente traduzidas. Aos primi
tivos assentamentos de bens agrícolas fo
ram acrescentados tábuas astronômicas,
códigos legais, textos de medicina e crô
nicas literárias. Entraram em uso novos
materiais. Palavras foram cinzeladas em ■■r
pedra, pintadas em cerâmica e gravadas
empainéis revestidos de cêra. ,
A escrita começou a se integrar no
cerimonial e a adquirar mesmo atributos
mágicos. Uma placa endereçada a um
dos deuses mesopotâmicos era posta nos
alicerces dos templos e palácios, e mui
tas pessoas usavam amuletos com gra
vações destinadas a afastar os maus es
píritos. Os babilônios e, os assírios devo
tavam às palavras um tão amedrontado
respeito , que chegavam a acreditar ser
a sua sorte traçada por elas; a morte vi
nha, sentiam êles, quando um escriba ■WX‘.
divino lançava o seu nome num Livro do
Destino, onde tudo era anotado.
DARIO. OGRANDE
PALAVRAS DEUMREI
A mais famosa — e a mais terrível —
de tôdas as inscrições cuneiformes é urna
proclamação talhada a cerca de 115 me
tros acima do solo, na face de uma mon
tanha em Behistun, no Irã. Feita por or
dem de Darío, o Grande, rei ,da Pérsia,
há cérea de 2.500 anos, descreve os
triunfos militares com os quais o gover
nante assegurou o seu trono. O baixo-re-
lêvo contíguo à mensagem mostra o mo
narca persa, em tamanho natural, rece
bendo como prisioneiros dez rivais der
rotados.
A fama de Behistun repousa no fato
de que as suas 1.306 linhas de escrita
desgastada pelo tempo forneceram aos
estudiosos do século XIX a chave para
decifrar o sistema cuneiforme. Para tor
nar suas palavras inteligíveis em todo o
império, Dario fêz a inscrição ser gra
vada em três idiomas: o Antigo Persa,
sua própria língua, o Acádico e o Ela-
mita. Os estudiosos conseguiram apreen
der o sentido da parte escrita em persa
e em seguida, comparando os três textos,
decifrar o acádico e o elamita. Tal éxito
desvendou o segrédo do “código" de mi
lhares de placas cuneiformes desenterra
das das areias ardentes da Mesopotâmia.
'4 ^ .
A Mesopotâmia, sobretudo na sua parte meri
dional, não se faz notar pela riqueza dos recursos
naturais. Água e lòdo constituem suas principais
vantagens. Entretanto, apesar disto, ou talvez por
causa disto, os antigos mesopotâmios inventaram os
instrumentos e as técnicas fundamentais que servem
de esteio à civilização moderna. E, assim fazendo,
êles não só proveram às suas necessidades imediatas
de alimento, vestuário e abrigo, mas também cria
ram um nôvo estilo de vida, tomando-se menos pre
mente a luta para subsistir. Com maiores lazeres
7
para dedicar a fins mais elevados, puderam atender
a outros anseios no sentido do belo e do sacro.
Tendo como ponto de partida o$ primeiros rabiscos
hesitantes de temas decorativos, chegaram à criação
de primorosas obras de arte e arquitetura monu
mental, que se incluem entre as primeiras e maiores
o BELO, realizações estéticas da humanidade.
A inspiração para o homem desenvolver o seu
O PRÁTICO senso estético foi sempre, de um modo geral, religio
sa, e onde isto pode ser mais fácihnente verificado
é na forma que foi assumindo o templo na Mesopo
tâmia. Os templos e santuários desse país são os
precursores da sinagoga, da igreja, da catedral e
da mesquita. E ali nasceu a idéia de que o homem
tem o dever sagrado de construir um lar para o
seu deus. Tão logo se fixou e aprendeu a construir
uma casa para si próprio, o mesopotâmio tratou
de erguer uma semelhante para a sua divindade.
O primeiro desses santuários primitivos deve
ter sido mais ou menos como o que foi desenterrado
nas escavações em Eridu. Jazendo sob 17 cama
das de civilização posterior e somente algumas ca
madas acima dos primeiros indícios de habitação
humana, há uma primeira estrutura evidentemente
erguida para fim religioso. Deve datar de algum
tempo entre 5000 a.C. e 4000 a.C., e contém um
só compartimento, medindo cêrca de 4 m por 5.
No centro há uma mesa de oferendas e numa das
paredes um nicho para os objetos do culto. O san
tuário não tem cobertura e o vão de entrada é am
plo, convidando o devoto a entrar à vontade e mo
ver-se livremente. Qualquer que tenha sido o ritual
praticado ali, provàvelmente não contava com sa
cerdotes oficiais; o homem comunicava-se direta
mente com o seu deus.
Seiscentos quilômetros ao norte de Eridu, em
Tepe Gawra, os arqueólogos desenterraram várias
outras estruturas religiosas cuja planta é idêntica à
do santuário em Eridu. Ao que parece, o templo
JMA PLACA DECORATIVA, desenterrada em Ur, terti embutidas figuras mi mesopptâmico já se padronizara em certas feições,
tológicas, feitas de conchas com o fundo de lazulita. Mostram, a partir
como o nicho e a mesa de oferendas. Um dos prin
do alto, o legendário herói Gilgamesh lutando com dois touros, vários
animais carregando alimentos e tocando música, e um homem, tendo cipais achados em Tepe Gawra, o templo que foi
o corpo em form a de escorpião, seguido de uma gazela. desencavado quase completamente intacto, apresen-
139
ta uma outra dessas funções características. O tem Noutra velha cidade mesopotâmica, Erech, a
plo, chamado de Templo do Norte, é disposto na morada do deus tomara-se desde os tempos primei
forma incomum de U e data de cêrca de 3500 anos ros um edifício impressionante. Erech é renomada
a.C. Embora ainda muito modesto em tamanho, pre pelos seus grandes templos. Dois dentre êles, da
nuncia os templos maiores que estavam para surgir tando do ano 3200 a.C. mais ou menos, estão situa
na Mesopotâmia. As paredes internas e externas dos formando ângulos retos um em relação ao ou
contavam, em intervalos regulares, com pilastras de tro, e provavelmente foram dedicados ao deus An
tijolos. Sem dúvida, elas eram destinadas a fortalecer e à deusa Inanna. Entre os dois templos existe um
as paredes, mas também objetivavam claramente algo pátio cujos muros pardacentos de argila são deco
acima de mera utilidade. Os pilares dotavam as rados com um mosaico em ziguezague, colorido.
paredes de saliências e reentrâncias, dando-lhes con As pequenas unidades que o compunham eram co
textura de superfície e um senso de forma — os nes de argila pintados de prêto, branco e vermelho,
primórdios da monumentalidade arquitetônica. e embutidos nos muros, de modo que só ficavam
Não obstante essa estilização de feitio, o Tem aparecendo as suas bases redondas. Num dos lados
plo do Norte era ainda sem teto e consistia essen o pátio erguia-se para um terraço, culminando numa
cialmente numa só peça; a destinação do templo era fileira de coirmãs maciças decoradas com os mes
ainda singela — como também era simples a ma mos mosaicos cônicos.
neira do homem comunicar-se com o seu deus. Ou Algum tempo mais tarde êsse conjunto de tem
tro assim não foi descoberto em nenhuma parte. plos foi atuUiado,‘com o pátio e tudo o mais, e por
Em Eridu há um segundo templo, em nível que é cima veio a construir-se um segundo grupo de três
mil anos mais recente do que aquêle onde, no mes templos. Dois déles, provàvelmente dedicados à
mo local, foi encontrado o primeiro santuário deusa Inanna, também estavam dispostos em ângulos
pequenino. Como em Tape Gawra, as suas paredes retos um para o outro; o terceiro, apartado dêsses,
têm pilares marcando vãos e reentrâncias, mas ao era um templo devotado a An e é gerahnente conhe
contrário de Tape Gawra o seu interior tem divi cido como o Templo Branco, por causa das suas
sões: um longo e estreito salão ladeado por uma paredes caiadas. O Templo Branco está plantado
série de pequenas câmaras. O templo tomara-se sôbre um montículo artificial com pouco mais de 13
mais complexo. Já não era simplesmente um san metros de altura — sem dúvida os escombros de
tuário, porém adquirira as funções adicionais de de alguma estrutura anterior que os construtores não se
pósito e centro administrativo; os compartimentos deram ao trabalho de retirar. Todavia, é um dos
pequenos eram despensas e gabinetes. primeiros anúncios do zigurate, a tôrre maciça com
Quando a comunidade começou a ter ativida escadaria lateral que mais tarde se tomou uma ca
des mais complexas, o templo expandiu-se para racterística dominante da paisagem mesopotâmica.
acolhê-las, porque era êle o centro da vida comrmal A disposição do templo, com um salão central e
— vida não só religiosa mas também econômica e peças laterais, é a que já se tomara preponderante
política. Para o mesopotâmio, tal solução era perfei em tóda a Mesopotâmia.
tamente lógica. O homem existia tão-só para servir Mas dentro dessa norma havia muitas varian
ao deus e, portanto, tôdas as suas atividades eram tes. Por exemplo, perto de Tell Uqair, antiga cidade
devidamente reguladas no lar da divindade. Além não muito distante da moderna Bagdá, há um tem
de ter planta mais esmerada, êste templo em Eridu plo que se adorna com um friso pintado de figuras
é também significativo pela sua localização. Repousa humanas e de animais. Em Eshnunna, perto do rio
sôbre uma plataforma que se alcança galgando-se Diyala, vários templos têm capelas a que se chega
uma série de degraus — o primeiro exemplo de através de um vestíbulo e antecâmara, enquanto
um santuário edificado em nível superior ao das outros têm paredes tão espêssas que os arqueólo
casas circrmdantes. gos pensam terem elas sustentado alguma espécie
140
de abóbada cilíndrica. E dos destroços de um pe internos e moradias para o pessoal do templo, tanto
queno templo em Ur, Sir Leonard Woolley extraiu os sacerdotes como os serviçais.
e recompôs os fragmentos e as peças de várias Nos últimos dois mil anos da história antiga da
colunas cobertas de mosaico, assim como também Mesopotâmia, o templo em si mesmo era menos
alguns baixos-relevos em cobre e estátuas de touros impressionante do que o zigurate de que êle fazia
do mesmo metal. parte. Materiahnente, o zigurate — uma tôrre de
As ruínas deste miúdo templo proporcionaram tijolos em degraus com pequeno santuário no cume
também outra descoberta importante: uma pequena — tem afinidades com a pirâmide. Espiritualmente,
placa de calcário, com inscrição um tanto rústica em são pólos opostos. A pirâmide é um túmulo em
que havia êste breve registro: “A-arme-pad-da, rei forma de labirinto onde não entra a luz do dia; o
de Ur, o filho de Mes-armLpad-da, rei de Ur, edi- zigurate é uma escadaria banhada de sol para se
ficou a moradia da sua Nin-Kharsag (Ninhursag, a chegar ao deus, ligando a terra e o céu. Como tan
deusa-mãe sumeriana). A plaqueta corrfirma a exis tas e tantas criações humanas, surgiu por acaso.
tência de um rei, Mes-armi-pad-da, cujo nome apa Quando novos templos foram sendo construídos
rece nas listas dos monarcas elaboradas por escri- sôbre os escombros dos velhos, e as plataformas das
bas de época posterior, mas que alguns eruditos edificações sucessivas iam ficando cada vez mais
persistiam em considerar mero produto da imagina altas, a alguns dos mais imaginosos sacerdotes sume-
ção sumeriana. E como as listas dos reis são escri rianos deve ter causado funda impressão a seme
tas em ordem cronológica, a placa fornece uma indi lhança com degraus, e a idéia lhes pareceu fasci
cação quanto á idade não só do santuário como dos nante. Qualquer que tenha sido a razão, no curso
objetos encontrados no lugar. Também comprova dos séculos se tornou intencional o escalonamento
que a edificação de templos se tomara, nos meados das plataformas. Cada terraço que se sobrepunha
do Terceiro Milênio, mais uma prerrogativa dos a outro era de menor altura e tamanho que o ante
reis do que o empreendimento conjunto de uma rior, e ligado a êste por uma escadaria monumen
comunidade. tal. As torres, na sua culminância, chegavam a
Um dos melhores relatos sôbre a construção quase cem metros de altura. A plataforma básica
de um templo real está em dois grandes cilindros era freqüentemente um vasto platô artificial, com
de argila achados em Lagash, a uns quarenta qui mais de cem metros laterais e altitude equivalente a
lômetros ao norte de Ur. Referem-se a um templo cinco vêzes a altura de um homem. Na sua forma,
edificado por Gudea, rei de Lagash, por volta de o zigurate podia ser quadrado ou retangular, redon
2100 a.C, para o deus Ningirsu. Gudea purificou do ou oval, e apresentava de um a sete planos.
a sua cidade com preces e sacrifícios antes e depois Para determinar épocas, os arqueólogos desen
de construído o templo, e quando êste ficou pronto terraram os remanescentes de mais de 30 zigurates,
o guarneceu com um grupo de deidades menores — espalhados por tóda a Mesopotâmia. O mais famoso,
à semelhança de quem recmta o pessoal para uma sob o ponto de vista histórico, é o Etemenanki, em
propriedade. Entre elas, havia os equivalentes sobre Babilônia, o qual segundo alguns eruditos, pode ter
naturais de um porteiro, um mordomo, dois armei- sido a bíblica “Tôrre de Babel”. Hoje, nada resta
ros,-um mensageiro, um camarista, um cocheiro, um do Etemenanki, a não ser os seus alicerces. Mas
pastor de cabras, dois músicos, quatro fiscais de Herôdoto, o historiador grego que visitou a cidade
cereal e peixe, um guarda campestre e um inten de Babilônia e viu o zigurate no século V a.C. o
dente. E pena que bem poucos vestígios dêsse tem descreve como uma esplêndida construção de sete
plo tenham sido encontrados, mas provàvelmente níveis, ou planos, cada qual apresentando no seu
se assemelhava ao Ekishnugat, descoberto em Ur. revestimento uma cór diferente de tijolos cozidos ao
Este, datando do mesmo período, inclui um zigurate fogo,. No cimo havia um santuário de tijolos esmal
e numerosas capelas, juntamente com celeiros, pátios tados de azul, sendo o interior guarnecido por um
141
amplo e confortável leito e uma mesa de ouro para deuses tiveram de partilhar a acrópole com o palá
uso do deus quando baixasse à terra. cio real, e dêste se tornaram verdadeiras dependên
Há bem maior conhecimento a respeito de ou cias. Mesmo o célebre Nebuchadrezzar 11 de Babi
tro zigurate, muito mais completo, que foi desen- lónia, apesar de todo o seu respeito pelas divindades,
cavado em Ur por Leonard Woolley. O zigurate fêz do grande templo devotado a Marduk uma parte
de Ur data aproximadamente do século XXI a.C, integrante do palácio, ao ligar os dois por um sun
e foi construído durante o reinado de dois monarcas tuoso Caminho de Procissão.
sumerianos,.Ur-Nammu e Shulgi. E uma sólida tórre Os palácios reais, que estavam para se trans
em três planos, feita de adôbe, mas com a fachada formar em vastos conjuntos de legendária grandeza
de tijolo cozido ao fogo encaixado em betume — e luxo, tiveram origem bem modesta. Os dois mais
asfalto natural encontrado em camadas à flor da antigos desenterrados até agora são os de Eridu e
terra em diversas zonas da M“ °P°‘âmia. O plano Kish. Ambos datam aproximadamente de 2700 a.C.
inferior do zigurate tem quase 17 metros de altura e assemelham-se ás outras construções do mesmo
e cobre uma área de 50 por 70 metros; os dois período, embora com maior número de compar
planos superiores são correspondentemente meno timentos. Mas a partir de 2000 a.C. o palácio co
res em tamanho, oferecendo uma faixa de passeio meçou a adquirir uma feição arquitetônica distinta.
em cada nível. De três lados, os muros do zigurate Em Eshnunna o palácio dos governadores continha
erguem-se a prumo para a plataforma de cima. No uma sala do trono e os primórdios de um caminho
quarto, lanços de escada ligam os planos superpos processional — o trajeto para a sala do trono esten-
tos e, ao que se presume, levavam ao templo no dia-se por uma pi$ta pavimentada de tijolos que
cume — templo do qual nada resta. De tempos cortava diagonal mente um pátio aberto. O palácio
em tempos, através -dos séculos, êste zigurate caiu de Eshnunna também continha um pequeno san
em ruínas e foi reparado por um ou outro gover tuário, provàvelmente uma espécie de capela real
nante devoto da Assíria ou de Babilônia. Seu último para as devoções privadas do governante.
protetor real foi Nabonidus, um monarca que go Ao tempo do grande Hamurábi, por volta de
vernou Babilônia no século VI a.C. e que transfor 1800 a.C., a residência real já se tornara imponente
mou a antiga relíquia sumeriana numa imponente e grandiosa. Um dos palácios mais amplos e sun
torre de sete planos. tuosos de tôda a Mesopotâmia pertenceu a um con
Com a ascensão dos assírios, construtores de temporâneo de Hamurábi, um rei chamado Zimrilim,
impérios, os templos perderam parte da siia signifi cuja capitai era a cidade de Mari, na região corres
cação e tornaram-se simples anexos dos palácios. pondente à Síria atual. Esse palácio tinha um imen
Os deuses não eram mais a única fôrça a reger a so pátio interno, pavimentado de alabastro. Outro
vida mesopotâmica; a sorte dos homens era agora pequeno pátio, com os muros cobertos de pinturas
também determinada pelo rei e seu exército de con afrêsco de deuses, deusas e batalhas, servia como
quista. Os santuários, em verdade, tomaram-se maio separação entre a sala do trono e diversos templos
res e mais numerosos, e os zigurates continuaram e santuários. Além disso, havia, literalmente, cente
altaneiros como antes. Mas o templo, como centro nas de salas e apartamentos, para o rei e sua famí
administrativo, ia sendo substituído pelo palácio — lia, para os dignitários da corte, guardas, fâmulos e
e êste, com tal mudança, passou a constituir-se no visitantes hospedados.
principal objeto de interêsse arquitetônico. Apesar de tão grandioso, o palácio de Zim-
Por exemplo, em Assur, a antiga capital da rilrm não podia se comnarar com os dos últimos
Assíria, o templo permanecera sem rival na sua reis da Assíria e de Babilónia. O palácio de Sar-
acrópole, como o centro inconteste da vida citadina. gão II, em Dur-Sharrukin, o do seu fiUio Sena-
Mas quando Calah substituiu Assur como capital do queribe e o do seu bisneto Assurbanipal, em Nínive,
império assírio, em 879 a.C., os templos de vários eram enormes cidadelas. Montados sobre as muralhas ,
142
0 TEMPLO DE MARDUK, O santuário monumental em Ba
bilônia^ media 200 metros no lado mais comprido; seus
três pátios eram circundados por câmaras do templo,
incluindo-se capelas para M ardixk e outros deuses (sem
teto, no alto). As reentrâncias nos muros, que atenua
vam a insipidez de uma superficie lisa, seguiam o es
tilo usado nas edificações das cidades mesopotâmicas.
da cidadjí em maciças plataformas de terra, forma giosa. Têm-se como relacionadas com o templo e
vam êles", juntamente com seus templos e zigurates, os ritos de adoração as primeiras estátuas e grava
um conjunto de edifícios reais bem condignos dos ções na pedra, que pertencem ao fim do Quarto
soberanos-guerreiros que os construíram. Entre os Milênio a.C.
elementos mais impressionantes dêsses palácios-for Dentre as obras iniciais nesse campo, uma das
talezas destacam-se as estátuas colossais de touros mais importantes é um grupo de figuras em relêvo
alados com cabeça de homem, que montavam guar inteiro, chamadas “estátuas em oração”, que foram
da aos portais, e os relevos esculpidos que cobriam descobertas em Tell Asmar.
as paredes interiores. As figuras de touro eram Essas estatuetas serviam a um curioso propó
muitas vêzes talhadas em blocos inteiros de alabas sito. Acreditavam os mesopotâmios que se impu
tro, com 3 a 5 metros de altura. Os relevos, também nham preces constantes aos deuses, para se alcançar
esculpidos na pedra, constituíam narrações pictó vida próspera e longa. Mas tal devoção nem sempre
ricas, com abundância de minúcias ás vêzes enfa se coadunava com os afazeres habituais. Para con
donhas, das proezas militares do fei — to”das termi tornar êsse encargo oneroso, alguns sacerdotes enge
nando invariavelmente em desgraça para seus ini nhosos tiveram a idéia de criar um substituto para
migos. o devoto, uma estátua de pedra que podia ser
No tempo de Sargão tais estátuas e relevos deixada ante o altar permanentemente em atitude
representavam uma das maiores realizações artísticas de prece.
Ma Mesopotâmia, e, como a arquitetura, a sua prin- As primitivas “estátuas em oração” de Tell
vcipal função era a de impressionar os homens co- Asmar, embora toscas na fatura, são extraordiná
Miuns com o poderio e a glória do rei. Mas a escul rias obras de arte. A intensidade do seu olhar, fixo
tura também partiu de origem essencialmente reli- e hipnótico, e a humildade das suas 'mãos cruzada
143
ao peito, exprimem profunda convicção religiosa. meio ás ruínas de um templo em Erech. É provável
Ao mesmo tempo, a postura contrita e a firmeza que tenha sido destinado a algum uso de cerimonial.
dos lábios cerrados como que expressam um apêlo Tem quase um metro de altura e é composto por
à clemência divina. As estátuas são ao mesmo tem três fileiras de figuras que, em conjunto, ilustram
po reverenciadoras e altivas. um dos festivais religiosos da cidade. Na faixa in
E espantoso que em região tão desprovida de ferior vêem-se bichos e cereais; na faixa do meio
pedra tenha podido florescer um estilo escultural aparecem homens portando presentes; e por fim, no
de tanta proficiência técnica e tanta ousadia. Até alto, vem a cena de uma deusa a receber oferendas
as mais antigas dessas estátuas votivas são modela dos adoradores. Embora tôdas as figuras no vaso
das, consciente ou inconscientemente, de acordo se integrem num só conjunto de arte, cada qual tem
com uma convenção artística. Os olhos são muito uma feição própria, algo que a distingue e indi
exagerados em tamanho, porém jamais grotescos. vidualiza.
Os corpos são alongados e certas feições — barba, No correr do tempo, a escultura em relêvo.
músculos, dobras das vestes — foram tratadas como como as outras manifestações de arte, foi-se iden
abstrações geométricas. Posteriormente, os detalhes tificando com as ações da realeza. Em algum tempo
do corpo humano adquiriram aspecto mais realís do século XXIV a.C. Naram-Sin, neto de Sargão,
tico. Já então muitas dessas figuras tinham incrusta encomendou uma placa esculpida, uma esteia, para
ções de ouro ou pintura a lhes acentuar os traços; comemorar uma grande vitória. A esteia de Naram-
algumas eram moldadas em bronze ou cobre, em -Sin retrata uma batalha nas montanhas e sua com
vez de esculpidas em pedra. A última fase de gran posição é fora do comum. Ao invés de fazer a des
de florescimento para as esculturas em relevo in crição numa série de faixas horizontais, o escultor
teiro ocorreu em Lagash, durante o reinado de dispôs suas figuras diagonalmente num lado da mon
Gudea, por volta de 2100 a.C. Embora nesse tempo tanha, com o rei no cimo. E uma composição muito
Lagash estivesse quase cercada por forças hostis mais unificada e mais dinâmica: tudo converge
do leste, nenhum sinal da insegurança criada pelo para o rei.
perigo transparece na arte da cidade. Reahnente, Durante o domínio dos grandes reis assírios os
os escultores de Lagash continuaram produzindo artistas esforçaram-se ao extremo para representar
estátuas do rei, que se fazem notar principahnente na pedra as proezas dos seus governantes — no
pelo seu tom de tranquilidade. campo de bataUia, no palácio e nas caçadas. Esses
Depois de Lagash declinou a escultura em re relevos da última fase são de fatura magistral e
levo inteiro, porém o mesmo não sucedeu com o estão repletos de fascinantes detaUies. Pode-se ver
baixo-relêvo. Reahnente, alguns dos mais esmerados exatamente como era um carro de combate e de
foram feitos para os poderosos reis assírios, nos que se constituía a armadura de um soldado. Mas
dias finais de grandeza que a civilização mesopotâ- o escultor já não exprime suas próprias idéias ao
mica viveu, antes de sua decadência. Mas a essas tratar os temas; segue uma convenção artística —
últimas criações, apesar de todo o seu primor, fal seus reis, soldados e fâmulos são estereótipos. Só os
tam certas qualidades que se encontram nas obras animais são retratados com alguma liberdade — um
anteriores. Os primeiros baixos-relevos, como as leão ferido sucumbe em agonia, ou uma égua mos
primeiras estátuas, têm inspiração mais vigorosa. tra carinhoso cuidado pelo seu potro. E como se os
Algims foram esculpidos com tal exuberância que acontecimentos humanos obedecessem a tal forma
as figuras parecem saltar do plano de fundo, en lismo que já não podiam ser apresentados como
quanto noutras a impressão de vida resulta do traço: ocorrências espontâneas.
são como águas-fortes esboçadas requintadamente. Nas artes menores não havia tanto apêgo â
Dentre êsses relevos primitivos um dos me convenção e a fantasia na criação era mais sôlta.
lhores está num vaso de alabastro descoberto em Duas dessas artes menores são especiahnente signi-
144
íícativas pelo apuro de suas peças e bem revelado padeiros, cervejeiros e tecelões. Seus tijolos e ladri
ras da vida mesopotâmica. Uma é a arte da incrus lhos eram tão bem executados que muitos resisti
tação, na qual pedacinhos de conchas e pedra colo ram a mais de 5.000 anos. Foram os mesopotâmios
rida são encravados em betume, uma técnica em os que primeiro empregaram processos metalúrgicos
pregada principalmente no adorno de objetos feitos extremamente delicados.
para o lar ou para uso pessoal — pequenas caixas, Sob alguns aspectos, eram surpreendentemente
tabuleiros de jôgo, instrumentos musicais. A outra adiantados os métodos de trabalho na Mesopotâ
era a da gravação de selos cilíndricos em pedra. mia. Os agricultores, por exemplo, utilizavam um
Essas obras miúdas, em que se inscrevia o símbolo arado-semeadeira, que não só revolvia o solo como
individual ou a assinatura do seu dono, circulavam também lançava as sementes nos sulcos por meio
por todo o mundo antigo como uma espécie de de um dispositivo em forma de funil. Muito mais
marca identificadora aposta* a documentos e outras simples, porém muito mais versátil, era a picareta
coisas de va*or. O sêlo cilíndrico estêve em uso mesopotâmica, uma espécie de enxada de cabo curto.
contínuo por mais de três mil anos e é encontrado Ao invés do arado, que só tinha serventia durante
em todos os locais de escavações arqueológicas. quatro meses, a picareta prestava serviço o ano
Constitui, assim, um registro dos hábitos e atividades inteiro. Cavava canais e construía reprêsas para ir
tanto de reis como de pessoas comrms, ao mesmo rigar as terras de plantio e as pastagens; drenava o
tempo em que assinala a evolução da arte e da terreno inrmdado e preparava-o para a aradura; fazia
técnica. casas com paredes de adôbe e currais para o gado,
Os selos das épocas mais remotas continham consertava as ruas e erguia os muros da cidade.
figuras e cenas simples — criaturas míticas, reis e Os antigos sumérios tinham tal estima pela picareta
heróis, pastores protegendo os seus rebanhos. Tais que a consideravam um presente do céu. Os deuses
cenas foram, pouco a pouco, sendo substituídas por a ofertaram, como diz um poema épico, “para ser
desenhos estilizados que compunham, repetindo-se, manejada pelo povo de cabeça negra”.
uma espécie de “brocado” esculpido. Os gravadores Num dos seus empregos mais úteis, a picare
da Mesopotâmia meridional tinham como um dos ta servia para o trato das lavouras que forneciam
seus assuntos prediletos a cena em que um homem ao mesopotâmio não só a base da sua alimentação
(presumivelmente o dono do sêlo) é apresentado a cotidiana mas também toda uma série de subprodu
um deus por outro deus, êste provavelmente o seu tos. Da cevada, o cereal de maior colheita, sendo
“anjo da guarda”. Ao norte, na Assíria, os artífices preferido ao trigo, fazia êle a farinha para um pão
utilizavam na fatura dos selos um vasto repertório sem fermento ou extraía o malte para cerveja —
de temas e estilos; alguns têm motivos heráldicos, bebida que os poetas sumerianos decantavam cómo
outros mostram cenas de animais em luta, outros doadora de “alegria ao coração” e “felicidade ao
ainda ilustram episódios vividos pelas divindades. fígado”. A semente do sésamo, espremida, forne
Todas as artes, altamente desenvolvidas, dos cia óleo para cozinhar, e com as fibras do linho, car-
mesopotâmios, desde a gravação de selos à escultura dadas, tecidas e tingidas, fazia-se excelente pano.
e à arquitetura, repousam nos amplos alicerces dos Os animais que criava forneciam ao agricultor
que exerceram com mestria os ofícios práticos. Esses mesopotâmico a matéria-prima que êle transformava
povos da antiguidade puderam criar muitas coisas hàbihnente em alguns dos seus artefatos mais úteis.
de grande beleza porque antes aprenderam a fabri Curtia as peles, embebendo-as numa solução de alu-
cação de coisas mais modestas, porém de grande me e noz-de-galha e esfregando-as em seguida com
utilidade. Inventaram instrumentos e técnicas que gorduras e óleos para tomá-las macias. Aproveitava
fizeram do seu país o primeiro no mundo a desfru o couro para fazer calçados e sandálias, arreios e
tar a segurança de uma vida baseada na agricultura selas, sacas e odres. O pêlo dos caprinos era lar
em larga escala. Tomaram-se competentes como gamente empregado no fabrico de tapêtes e a lã de
145
carneiro constituía a base de uma indústria têxtil descobriram por acaso o processo de fabricar esmal
que veio a ser uma fonte de riqueza no comércio tes e vidro. Já em 2500 a.C. os mesopotâmios ha
com o exterior. A lã era às vêzes fiada e tecida em viam aprendido a fazer vidro, e por volta de
teares, outras vêzes transformada em feltro. 1700 a.C. um artesão de iniciativa deitou por es
Os mesopotâmios também adquiriram boa crito as fórmulas, talvez para seu próprio arquivo,
soma de conhecimentos empíricos sobre a química talvez para a posteridade. Se agiu com essa última
dos metais, sobretudo o cobre e o bronze. Real intenção, logrou êxito acima do que poderia sonhar,
mente, o trabalhador em metal figurava entre os pois nos meados do século atual dois fabricantes
artesãos principais da Suméria. Da Ásia Menor era de vidro na Inglaterra utilizaram uma das suas recei
importado o minério de cobre, e do Cáucaso o mi tas para fazer dois pequenos vasos, agora no Museu
nério de estanho. De início obtinham o bronze fun Britânico.
dido diretamente da mistura dos dois minérios, mas A Mesopotâmia contava ainda com outros ar
posteriormente conseguiram um produto mais puro, tífices habilidosos. Carpinteiros, cujos instrumentos
derretendo primeiro, separadamente, o cobre e o incluíam martelos, formões, serras e puas, fabri
estanho, para fazer depois a sua liga. Para fundir cavam desde mobílias até embarcações. Havia
e moldar, usavam um forno especial, cadinhos de também os que aproveitavam os resistentes cani
metal ou louça de barro, e um fole de couro. O ços do pântano para fazer cestas e recipientes de
metal derretido era moldado em fôrmas chatas e tôda espécie, como também céreas e choupanas.
abertas ou em outras de três dimensões e fechadas. Mas o artesão cujo produto foi de mais longo
Certas moldagens com riqueza de detalhes eram alcance para a sua própria civilização e para as
também feitas por um método complicado, o da posteriores era o homem que manipulava a argila
“cêra perdida”, em que a matriz original era mo úmida — o material humilde e frágil, mas de tanta
delada em cêra, depois revestida de argila; derre- utilização na vida antiga. Um dêsses artífices da
tia-se então a cêra que, ao escorrer, deixava o seu argila era o oleiro, que já em época bem remota
desenho na superfície interior de argila. O artífice havia aprendido a construir e aquecer o seu for
também tomava mais resistentes os metais por meio no, como também a polir os utensílios de cerâmica
da têmpera e usava solda e rebites para juntar as e a decorá-los com desenhos coloridos; por volta
peças. de 3500 a.C. já começara a usar o tomo e ia ajus
Era de natureza parecida a obra do artífice tando o seu trabalho ao sistema da produção em
que trabalhava o ouro, a prata e as pedras semi massa. Enquanto isso, o seu colega, o fabricante
preciosas. Sabia êle como forjar o metal em mol de tijolos, fornecia a matéria-prima para a arquite
des — às vêzes moldes de três e de quatro peças. tura monumental com o acondicionamento de lama
Empregava ainda outras técnicas de moldagem: em fôrmas de madeira e cozèndo-a ao sol ou em
sabia como fazer fios de ouro e prata para fili fornos especialmente construídos para êsse fim; por
granas e como cunhar peças chatas com desenhos volta de 3000 a.C., já modelava êsses tijolos cozidos
na superfície. Chegou mesmo a dominar a arte de em formato de cunha, empregando-os para o revesti
reduzir metal a lâminas tão finas como papel, trans mento de cisternas e para construir as primeiras
formando-as depois em objetos de três dimensões arcadas, ainda rústicas. Entretanto, foi outro artífice
com emprêgo de martelo sôbre machos de madeira. da argila o que mais beneficiou a humanidade. Ris
Em grande parte de sua obra, tinha êle um com cando símbolos em placas úmidas, preservou os re
panheiro, o lapidário, homem que fazia contas, bra gistros, leis e histórias que fizeram tão duradoura a
celetes e brincos, utilizando pérolas e pedras pre sua própria civilização — e ajudou a transmitir mui
ciosas. to dessa civilização não só aos vizinhos da Mesopo
Foram provàvelmente êsses lapidários que, fa- * tâmia mas também a gerações bem distantes no es
zendo experiências com areia, quartzo, soda e cal. paço e no tempo.
146
UMA CABEÇA DE LEAO URRANDOfü z parte de UTÍ1fríso babUófiico, de tijolo vitrificado.
PILARES DA CIVILIZAÇÃO
Da profundeza dos milênios, o Berço da Civilização ainda fala ao mundo. Essa
terra, que a irrigação tomou produtiva; permitiu pela primeira vez ao homem
superar o nível da mera subsistência, dando-lhe lazeres para pensar e recursos
para se desenvolver de forma criadora. Das idéias, instituições e técnicas que
ali floresceram é que vieram os principais instrumentos da civilização, posterior
mente alterados em detalhes, porém não em conceitos básicos. Foi na Meso-
potâmia que se formaram os sistemas de comércio e uma classe de negociantes.
Foi lá também que se criou um sistema prático de escrita, empregado de início
para o assentamento dos negócios. Foram os sumérios que idearam o primeiro
veículo de rodas, o código de leis escritas, o legislativo bicameral e o govêmo
por cidadãos eleitos. E um poema sumeriano fêz a primeira alusão a uma idade
de ouro que ainda hoje inspira os sonhos do homem: “Um tempo em que não
havia serpente, não havia escorpião... Não havia mêdo, nem havia terror.”
163
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A PALAVRA ESCRITA SÍMBOLOS E NÚMEROS PERFURADOS PARA CÁLCULOS DE COMPUTADOR. 1967
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HltROGl IFOS EGÍPCIOS NOS COMEÇOS DO SEGUNDO MILÊNIO
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ARODA
No Quarto Milênio a.C., algum hábil artífice da
Suméria construiu o primeiro veículo de rodas
que se conhece, provàvelmente bem parecido com '
o pequeno modelo acima, feito como uma ofe
renda funerária. A roda sumeriana de madeira j
inteiriça, o maior invento mecânico dê tôdas as |
épocas, permaneceu durante séculos inalterada em j
sua essência. Cêrca de 1900 anos depois, rodas
com raios, mais leves, levavam à batalha os
carros de guerra egípcios ^^o alto, ao centro),
e na Idade Média rodas dianteiras, girando sôbre
eixos, fizeram manobráveis os carros (direita).
Veículos de rodas agora já se moviam mais de
pressa, porém não eram bastante velozes e bara
tos para satisfazer aos reclamos da Revolução
Industrial. A solução, que surgiu em 1804. foi
a locomotiva a vapor com rodas de ferro, que
transportava com rapidez cargas 15 vêzes maio
res do que as dos carroções de tração animal.
Ficou assegurada, assim, a movimentação de pes
soas e bens. Mas o êxito maior alcançado pela
roda veio no século XX. Então, com pneumáticos
de borracha, ela inaugurou a era do automóvel. I
CARRUAGEMMEDIEVAL. FRANÇA, SÉCULOXIII
DE COMBATE EGÍPCIO. SEGUNDO MILÊNIO A.C.
%-
' . ít.j
OCONCEITO
DAREALEZA
A princípio, os governantes sumerianos foram
cidadãos preeminentes, eleitos para guiar o seu
povo em tempo de crise. Mas logo êsses chefes
democráticos se transformaram em monarcas
hereditários que exerciam o mando com aprova
ção divina, estabelecendo um modélo para os
séculos que se seguiriam. Alguns dos seus suces
sores, como Alexandre, o Grande, da Grécia, e
Xapur II, da Pérsia, realmente se consideravam
deuses; outros, como o legendário Rei Artur, jul
gavam ser apenas vigários do Senhor; Luís XIV,
da França, com a concepção do absolutismo,
via os reis “ocupando, por assim dizer, o lugar
de Deus”. Entretanto, até os monarcas “abso
lutos” tinham de observar as leis consuetudinárias
do seu país. Elizabeth I, da Inglaterra, assim o
fêz, mui argutamente, e conquistou o amor do seu
povo; Carlos I não o fêz, e perdeu a cabeça. Com
a ascensão do regime democrático, declinaram
as monarquias que não puderam se adaptar; em
1945, a Europa contava apenas dez reis. E com
as democracias vieram, uma vez mais, os gover
nantes escolhidos não por sua linhagem, mas pelo
mérito, eleitos para específicos deveres de lide
rança, e por períodos variáveis mas limitados.
MOISESCOMASTABUASDALEI. QUADRODEREMBRANDT,
os ADVOGADOS. QUADKO DE HONORÉ DAUMIER, 1854-1856
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ORIENTEEOCIDENTE— 1000
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1100
CIVILIZAÇÕES Clh
ENTRECRUZADAS 1200
oo
1300
O gráfico à direita destina-se a mostrar
a duração da antiga civilização mesopo- 1400
tâmica e a relacioná-la com outras no oX
conjunto de culturas “entrecruzadas” cujo w
estudo é feito em volumes desta série. 1500
O gráfico, examinado em confronto com a
cronologia do mundo, capacitará o leitor
a relacionar a antiga cultura da Mesopo- 1600
tâmia com relevantes períodos culturais
noutras regiões da terra.
Nas páginas a seguir há uma enumera
ção, em ordem cronológica, de aconteci 1700
mentos notáveis que ocorreram no período
apreciado neste livro.
1800
C
Lh
c3
Pc^
ofi
1000 'S
CRONOLOGIA: Acontecimentos significativos na antiga Mesopotamia
Ac. História
O
> 0 "xi
O S H
OD 5
5^
O Rei Eannatum ergue a cidade estado de Lagash ao auge do poder por meio
de conquistas militares
O Rei Lugalzaggessi, de Umma, pÕe abaixo a hegemonia de Lagash
Sargão, o Grande, dc Acad, vence Lugalzaggessi e assume o controle de Ufnma
Naram-Sin, neto de Sargão, estende o domínio acádico à Armênia e ao Irã
udca, príncipe
agníficas estátuias são teitas em sua honra
deus - lua Naima e também estatui
Os edamitas aiacatn c desiroem Ur
Tiglath Pileser III chega ao tropo assírio e funda um grande império que se
estende do gôlfo Pérsico as fronteiras do Egito
Sargão II sobe ao trono da Assíria e domina um império em revolta
O filho de Sargão, Senaqueribe, destrói Babilônia
800 O Rei Assurbanipal assume o governo da Assíria, dirigindo um império que
se estende do Nilo ao Cáucaso
Caldeus e medas do Irã avassalam a Assíria, destruindo Nínive e Assur e
implantando o império neobabiiônico
Nebuchadrezzar II governa o império neobabiiônico
Nebuchadrezzar II arrasa Jerusalém e leva os judeus ao cativeiro de Babilônia
Ciro, o Grande, brilhante guerreiro persa, conquista Babilônia
arquitetura da Mesopotàmia declinam
Cerâmica ubaidiana
3800-4500 a.C.
'v ^
■■
Rebotalhos e remanescentes
de habitações rudimentares
UBAID 1
4500-4900 a.C.
Lôdo com cacos esparsos
Solo virgem:
argila compacta e caniços
do pântano
i
DETERMINAM A IDADE DE
LUGARES E ACHADOS
Estatuetas votivas do templo Abu, em Tell Asmar, gesso, concha lazúli, primeira fase do Quarto Milênio a.C., Museu do Louvre, Paris
pis-lazúli, começos do Terceiro Milénio a.C., Museu do Iraque, (Archives Photographiques, Paris) — placas feitas e inscritas por
iá (Dr. Georg Gerster, de Rapho Guillumette). 8-9 — Mapa por Abdul-Hadi A. Al-Fouadi, Universidade de Pensilvânia, Filadélfia (Lee
Leo e Diane Dillon (Ed Isaacs Studio Inc.). Boltin). 138-139 — Placas feitas e inscritas por Abdul-Hadi A. Al-Foua-
di. Universidade da Pensilvânia, Filadélfia (Lee Boltin). 140 — Placa
CAPÍTULO 1: 10 — Figura feminina de Nippur, alabastro verde e com o mapa do mundo babilónico, meado do Primeiro Milênio a.C.,
ouro, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., Museu do Iraque, Bagdá gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres — Peso
David Lees). 19-31 — Dr. Georg Gerster, de Rapho Guillumette. em forma de pato, pedra negra, fim do Terceiro Milêniò a.C., Museu
do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Munique) — cilindro neo-
CAPÍTULO 2: 32 — Cabeça de um rei acádico, fim do Terceiro Milênio babilônico, meado do Primeiro Milênio a.C., gentileza dos Curadores
a.C., Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotom-chiv, Munique). 34-35 do Museu Britânico, Londres — estátua masculina com inscrições, de
Desenhos por Shelly Sacks. 39 — Desenho por Donald e Ann Crews, Mari, brecha, começos do Terceiro Milênio a.C., Museu de Alepo,
do acordo com a Placa 21B no vol. 1 de Uma História da Tecno Síria (Hirmer Fotoarchiv, Munique). 141 — Placa de Contabilidade,
logia, Imprensa da Universidade do Oxford, gentileza do University primeira fase do Terceiro Milênio a.C., Museu do Iraque, Bagdá
Museum, Filadélfia. 40 — Mapa, de Rrfael D. Palacios. 43-51 — (Fr^ik Scherschel) — Placa com indicações farmacêuticas, fins do
“Padrão Real de Ur”, fachada e fimdo, e detalheS. concha, lápis- Terceiro Milênio a.C., gentileza do Museu da Universidade, Fi
lazúli e pedra vermelha embutidas em madeira, começo do Terceiro ladélfia. 142-143 — Fotografias feitas pelo Professor Georgc C.
Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Britânico, Londres. Cameron.
CAPÍTULO 3: 52 — Gênio com cabeça de águia, do palácio do Rei CAPÍTULO 7: 144 — Painel na parte da frente de uma caixa sonora
Assumasirpal n, em Nimrud, friso de alabastro, comêço do Pri de hmpa, concha incrustada e esmalte, primeira fase do Terceiro
meiro Milênio a.C., Museu do Louvre, Pmis (Hirmer Fotom'chiv.
Milênio a.C., Museu da Universidade, Filadélfia (Lee Boltin). 151
Munique). 60-61 — Mapas, de autoria de Rrfael D. Palacios. 65-83 — — Dçsenho feito por Gamai El-Zoghby. 155 — Leão do Caminho
Cenas decorativas, tôdas, do palácio do Rei Assurb^iipal, em Ní-
da Procissão em Babilônia, tijolo vitrificado, meado do Primeiro
nive; frisos de alabastro, princípios do Primeiro Milênio a.C., gen
Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fletcher Fund, 1931,
tileza dos Curadores do Museu Britmiico, Londres. 65-66 — Foto-
Nova Iorque (Lee Boltin). 156-163 — Pintura de Gamai El-Zoghby.
g r ^ a do Hirmer Fotoarchiv, Munique. 67 — Fo to g r^a, gentileza do
Museu Britânico, Londres — foto feito por Hirmer Fotom'chiv, Mu CAPÍTULO 8: 164 — “A Tôrre de Babel”, de O Livro das Horas do
nique. 70-71 — Fotografia, gentileza do Museu Britmiico, Lonches. Duque de Bedford, autoria de artista ignorado, manuscrito, 1425-1430,
72-73 — Fotografia do Hirmer Fotom'chiv; Munique — Foto por gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres (Heinz Zinram).
gentileza do Museu Britânico, Lonches. 74-75 — F o to g r^ a por 167 — Desenho de Donald e Ann Crews. 169 — Cabeça elamita,
gentileza do Museu Britânico, Loncfres. 78-83 — Fotos, por Hirmer cobre, fins do Segundo Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte,
Fotoarchiv, Munique.
Fundo Rogers, 1947, Nova Iorque. 171 — ‘A Dama de Warka”, fins
CAPÍTULO 4: 84 — Figuras votivas de Tell Asmar, pecha tendo conchas do Qumto Milênio a.C., mármore. Museu do Iraque, Bagdá (Frank
embutidas e olhos de lápis-lazúli, primeira fase do Terceiro Milênio Scherschel). 172-173 — Placa com inscrições, primeira fase do Se
a.C., Instituto Oriental, Chicago, e Museu do Iraque, Bagdá (foto gundo Milênio a.C., .gentileza dos Curadores do Museu Britmiico,
por gentileza do Instituto Oriental, Universidade de Chicago). 87 — Londres; página do H aggad^, Europa Ocidental, ca. 1900 da era
Desenhos feitos por Gamai El-Zoghby, segundo Escavações em Ur, cristã. Museu Judaico, Nova Iorque (Arnold NewmiMi); detalhe de
por Sir Leonard Woolley. 88 — Em duas tomadas, cabeça de mulher uma cópia do Túmulo de Ra’mose, pintura mural, comêço do Segundo
usando turbante, pedra calcária, princípio do Terceiro Milênio a.C., Milênio a.C., Museu Metiopolitmio de Arte, Nova Iorque — título
Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Munique); duas to e páginas de abertura de L Apocalipse, gentileza de Joseph Foret,
madas de estatueta de mulher, pedra calcária, começos do Terceiro 1961 (Sabine Weiss, de Rapho Guillumette); página da Bíblia de
Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Britânico, Londres Urbino, vol. II, Attavante degh Attav^iti, m ^uscrito com iluminura,
(Hirmer Fotoarchiv, Munique). 89 — Detalhe de estatueta de mulher 1478, Biblioteca do Vaticano (William J. Sumits). 174-175 — Carro
usando um xale, gêsso, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., de quatro rodas, modêlo em terracota, fim do Quarto Milênio a.C.,
Museu de Damasco, Síria (Hirmer Fotoarchiv, Munique); duas to Museu dc Damasco, Síria (David Lees); vaso ático, terracota pin
madas de estatueta de uma deusa, pedra branca, primeira fase do tada, ca. 550 a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fundo Walter C.
Segundo Milênio a.C., Museu de Alepo, Síria (Hirmer Fotoarchiv, Baker, 1916, Nova Iorque; ladrilho de cerâmica egípcio com desenhe
Munique). 90 — Desenho de Shelly Sacks, segundo esboço de William de carruagem, faiança azul decorada de prelo, meado do Segunde
A. Baker, Curador do Museu Náutico Hart, Instituto de Tecnologia de Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, oferta de J. Pierpon
Massachusetts. 93-103 — Fotos de Tor Eigeland. 95 — Impressão Morgan, 1917, Nova Iorque; “Modêlo T” do carro Ford, Museu Henr
de sinête, fim do Quarto Milênio a.C., gentileza do Instituto Oriental, Ford, Dearborn, Michigan (Bradley Smith) — carrinho de bebé d
Universidade de Chicago. 97 — Detalhe de relêvo em côcho de época vitoriana, vime (Bradley Smith) — cavaleiro e senhor feuda
pedra, primeira fase do em carruagem
Terceiro Milênio a.C., gentileza dosCurado de quatro rodas, França, século XIII, Biblioteca Bo
res do Museu Britânico, Londres. 100 — Impressão de sinête, meados dleian, Oxford (Chanticleer Press) — “Large Bloomer”, F. Moore,
do Terceiro Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Bri pintura a óleo, 1861, gentileza do Museu de Ciência, Londres (Roge?
tânico, Londres. Wood). 176 — Toucado da Rainha Shudu-ad, ouro, lápis-lazúli e pedr.
vermelha, começos do Terceiro Milênio a.C., Museu da Universidade
CAPÍTULO 5: 104 — Figura religiosa da Suméria, ouro, prata, concha, Filadélfia (Lee Boltin); máscara de um rei aqueu de Micenas, ouro,
lazulita e calcário vermelho, meados do Terceiro Milênio a.C., genti ca. 1580 a.C., Museu Nacional, Atenas (Eliot Elisofon) — busto
leza do Museu da Universidade, Filadélfia (Lee Boltin). 106-107 — de um rei sassânida (possivelmente Xapur II), prata folheada, século
Gravuras em madeira de Nicholas Fasciano (Donald Miller). I l l — IV a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fundo Fletcher, 1965. 177 — |
ídojo-ôlho, de Tell Brak, alabastro, fim do Quarto Milênio a.C , Rei Artur com Três Cardeais, da “Tapeçarias dos Nove Heróis”, pro
gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres, kl 5-124 — vavelmente por Nicolás Bataille, ca. 1385, Museu Metropolitano de |
Ilustrações de Leo e Diane Dillon. Arte, Coleção Cloisters, Fundo Munsey, 1932, oferta de John D.
Rockfeller; “Jovem Elizabeth”, Guillem Stretes, pintura a óleo (ca.
CAPÍTULO 6: 124 — Estátua sentada de Gudea, diorito, fim do Ter 1559), gentileza do Conde de Warwick (Dimitri Kessel) — “Luís
ceiro Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, Harris Brisbane XIV, Rei de França”, Hyacinthe Rigaud, pintura a óleo, 1701, Museu
Dick Fund, 1959 (Norman Snyder). 126 — Major-General Sir Henry do Louvre, Paris (Eddy van der Veen). 178 — Detalhe do Código de
Creswicke Rawlinson, H. W. Philips, “mezzotinto” do retrato origi Hamurábi, esteia de diorito, começos do Segundo Milênio a.C., Museu
nal, 1850, gentileza de Thames and Hudson, Ltd., Londres. 131 — Es do Louvre, Paris (Cliché Musées Nationaux); detalhe de “Alegoria
tatueta de Dudu, o Escriba, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., do Bom Govêmo”, Ambrogio Lorenzetti, afrêsco, 1338-1339, Palazzo
pedra cinzenta. Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Mu Puibblico, Siena (Scala, Florença) — “Moisés”, Rembrandt van Rijn,
nique). 135 — Cenas do palácio do Rei Tiglath Pileser III em pintura a óleo, 1659, Museu Staatliches, Berlim (Mondadori, Milão),
Nimrud, relêvo de alabastro, meado do Primeiro Milênio a.C., genti 179 — “Três Advogados”, Honoré Daumier, pintura a óleo sôbre
leza dos Curadores do Museu Britânico, Londres. 136-137 — Ca madeira, 1854-1856, Coleção Philips, Washington (Henry Beville).
beça de touro, bronze com incrustação de conchas e olhos de lápis- 184-185 — Desenhos de Enid Kotschnig.
AGRADECIMENTOS
Pela ajuda que receberam no preparo dêste livro, os editores Instituto de Belas-Artes, Universidade de Nova Iorque; a Robert H.
são especialmente gratos a Thorkild Jacobsen, professor de Assírio- Dyson, Jr., curador-associado, e a Abdul-Hadi A. Al. Fooadi, Museu
logia. Universidade de Harvard. Os editores agradecem também a da Universidade, Universidade de Pensilvânia, Filadélfia; ao Depar
Vaughn E. Crawford, curador. Departamento de Arte do Antigo tamento de Antiguidades da Ásia Ocidental, Museu Britânico, Lon
Oriente Próximo, Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque; a dres; a André Parrot, conservador-chefe do Departamento de Anti
Robert McC. Adams, diretor, Richard Haines, professor-assistente e guidades Orientais, Museu do Louvre, Paris; a Germaine Tureau,
arquiteto de campo, e a Ethel M. Schenk, do Instituto Oriental, Uni chefe da Seção Comercial do Serviço Fotográfico dos Musées Na
versidade de Chicago; a George G. Cameron, professor de Culturas tionaux; a Hirmer Verlag, Munique; a Cario Pietrangeli, superinten
do Oriente Próximo, chefe do Departamento de Línguas e Literaturas dente do Museu Capitolino, Roma; a Maristella Bodino, Companhia
do Oriente Próximo, Universidade de Michigan; a William A. Baker, de Publicidade Mondadori, Milão; a Madhal Haji Sirri, prefeito de
curador. Museu Náutico Hart, Instituto de Tecnologia de Massachu Bagdá, Iraque; a Adnan el Attiya, chefe da Seção de Imprensa, Mi
setts; a Harry Bober, professor de Humanidades da Fundação Avalon, nistério de Informações, Bagdá, Iraque.
BIBEIOGRAFIA
Os volumes e artigos indicados a seguir foram seu interêsse e autoridade, e ainda por sua utili
escolhidos, durante a preparação dêste livro, pelo dade aos que desejem informações adicionais.
O
reditários e de origem divina,
37, 49, 53, 55, 92, 167-168, 176;
Sumuabum, 54
Susa, 152; mapa 9, 40, 61
u
como sacerdotes, 53, 65, 72-73, Uaite, rei, 79
Oppert, Jules, 128 92; responsabilidades, 49, 51, Ubaidianos, 34-35, 40, 184, 185
Oriente Próximo em desunião, sé 86-87, 92, estilo de vida, 49, 92, Ugæit (atual Ras Shamra), 129;
culo XV a.C., mapa 60 149-151, 161; lista de reis su- mapa 8
Ouro, 11, 12, 41, 60, 63, 85, 91, m eri^os, 37, 149 Tamuz. Ver Dumuzi
104, 150, 151, 154 Taurus, montes, 40; mapa 8 Umma, 38-39; reis, 39; mapa 40
Relevos, 52, 62, 65, 66, 83, 160, Ur, 35, 37, 38, 40, 41, 128, 132,
135, 142, 144, 151-152 Tebas, mapa 61
Tell el-Ammna; escavações, 56- 184-185; deus da cidade, 108;
Religião, 36, 37, 104-114; influên destruição, 34, 42, 53, 132; es
67
cia da Mesopotamia, 168-169; cavações, 12, 86, 91, 145, 149,
ritos e festividades, 36, 112-114 Tell Asmar. Ver Eshnunna
Palácios, 19, 91; de Agade, 40; Tell-Brdí, 150; mapa 8 151, 170, 184-185; casas (plan
^quitetura, 150-151; assírios, Rim-Sin, rei, 55 tas), 87; reis de, 42, 48, 49, 87,
Rocha de Behistun, 125, 126-127, Tell Haia 1, cultura, 18, mapa 9
53, 150; babilónicos, 64, 150, Tell el-Hariri. Vei Mari 140, 149, 170; mapa 9, 40; Pa
156-Î57; de Calah, 60-61, 135, 142-143 drão de, 43, 46-47
Rodas, 167, 171, 174-175. Ver Tell Hmmal, mapa 9
151; de Dur-Shmrukin, 62, 151; Ur-Nammu, rei, 41-42, 88, 128,
tmnbém Carros Tell Hassuna, cultura, 18; mapa 9
de Hshnunna, 150; escavações, 150
Tell Ubaid: escavações, 34; mapa
12, 54; de Kish, 151; de Mari, Ur-Zababa, rei, 40
54, 64, 92, 151; de Nínive, 83, 9. Ver tmnbém U baídí^os
Tell Uqair, 147; mapa 9 Uratu, revolta, 62; mapa 61
132, 151; de Persépolis, 126 Urukagina, rei, 39
Palestine 15, 61, 64, 129, 130, Templos, 10, 86, 87, 88, 91; Abju,
Sacerdotes, 36, 86, 91, 112-114; 109; Agade, 40; m^quitetura, Utnapishtim, 110,121,122, 134
166; conquista assíria, 62, 63-64; reis como, 72- 73, 86, 92; deve Utu, deus, 106, 1G 9 ,112,113
escavações, 15-17; mapa 8, 61 145-151; As«*ur, 58, 150; assírios,
res no templo, 112 151; babilónicos, 63, 140, 150, Utuhegal, rei, 41
P&itmios e terras pantanosas, 11, Saggs, H.W.F., 168
13, 18,33,71,93, 109 151, 155, 7J6-157; Calah, 150;
Saís, mapa 61 como cento^os da vida comunal,
Peà*as semipreciosas, 18, 41, 63, Salm^asm* III, rei, 61, 132
91„ 104, 153 36, 147, 150; Erech, 36, 147,
S^nmra, c e r^ ic a , 18; mapa 9 152; Eridu, 145, 147; Eshnunna,
Peixe, 33, 47,109; árabes do p&i- Sm'des, mapa 61 Velho Testamento, 11, 37, 57, 61,
tano, 93, 70(9-101 149; Jerusalém, 64, 166; Cassita-
Sm'gao, o Gr^ide, rei, 32, 33, babilônico, 56; Lagash, 39, 41, 63,109, 110, 162,166,168, 169
Persépolis, 126 39-41, 62, 85, 128 Vasos e objetos de pech-a, 13-15,
Pérsia, 64, 125-126; cultura, gra- 141; Mari, 150; Nippur, 107-
S^'gäo n , rei, 62-63, 151 108; ritos, 36, ,12, 114, 145, 17,18, 34, 47, 130
fico 56. Ver também Ira. Smmo, 17,18; escavações, 13;
Pictógrafos, 12, 128, 135, 137,. 149; pessoal dos, 112, 149; su
mapa 9 merianos. 34, 36, 39, 41, 42, 49;
138-139, 172; como ideogramas, Selos cilúuhicos, 24, 95, 100, 114, YV
138; uso de símbolos, 138-139, Tell Uqair, 147; Tepe G aw a;
153, 155, 165. 166, 167 145-147; Ur, 56, 149; teabalha-
Ver também Escrita cunéiforme Semitas, 35, 40, 41, 53, 56, 58, 128 Warka. Ver Erech
Placas de argila, 12, 13, 19. 87-88, dores, 89, 112. Ver também
Senaqueribe, rei, 63-64, 101, 151 Arquitetura; Deuses; Sacerdotes; Washukanni, mapa 60
91, 129, 133, 136-137, 141, 154; Shamashshumukin, rei, 78 Wooley, Sir Leonm-d, escavaçÕ.í
tratamento arqueológico de, 27; Religião
Shamshi-Adad, rei, 57 Templos-torres, 21, 36, 147. Ver de, 12, 86,149,151,170
Lagash, 149; Mari, 54; Nínive, Shajur II, rei, 176
128-129; Nippur, 128; sume- também Zigurates
Shudu-Ad, rainha, 176 Tepe Gawra, escavações, 145-147
rianas, 34, 128, 141^ 149, 172; Shu-Sin, rei, 133 Y
Ur, 42, 149; uso de estilete, Teumman, rei, 81-82
Shulgi, rei, 42, 87,150,170 Têxteis e tecelagem, 44, 90, 93,
137; escrita em, 137, 141, 154. Shuruppak, mapa 40 Yarimlin, rei, 55
Ver também Escrita cunéifor 153-154
Sídon, 58; mapa 61
me, Escribas Tiamat (o mar), 113-114
Sipper, mapa 40
Planície entre o Tigre e o Eu- Tiglath-Pileser I, rei, 58-69
Síria, 40, 54, 58, 60, 62, 64, 92, Tiglath-Pileser 111 (Pul), rèi, 61-
frates, 11, 17, 33, 34, 37, 53, 129, 151; escavações, 12, 15, 18;
128, 170 mapa 8, 61 62 Zagros, montes, 13, 15, 18, 33,3'^.
Poesia, 42, 92, 108, 132-134; nar Sistema numérico, 130, 167 Tigre, rio, 11, 33, 54, 58, 59, 64,
54,61,91, \25\m apa9, 40;
rações épicas, 38, 8 5 ,113-114, Soldados; assírios, 59-60, 74-79; 109, 113; mapa 9, 40, 60, 61
homens de tribo, 41, 56, 58,59
120-121, 134, 170; lamentações, sumerianos, 40, 43, 50-51. Ver Tijolos, 24, 34, 85, 91, 147, 149,
Zigurates (templos-tôrres), 11,12,,
42, 132, 169 também Batalhas 150; fabricantes de, 153, 154; 36, 86; arquitetura, 149-15 . .
Pontes, 157 Speisei, E.A., 168 esmaltados e vitrificados, 64, Assur, 58; assírios, 151: babiló
Prata, 12, 41, 60, 63, 85, 89, 91, Suméria, 33-51; cidades-estados, 150, 155, 159, 160-161; de lôdo, nicos (Etemenanki), 149-15, '
154 33, 37, 38, 51; conquistas, 37, 13, 19, 34, 35, 36, Sty-81, 85, (tôrre de Babel), 64, 149,157- ,
41,42, 54, 128; cultura, 35, 91, 150 157, 162-163, 164-165
56, 124, 128-132; primitivos ha Tôrre de Babel, 64, 149-150, 156- Dur-Kurigalzu, 57; Erech, 31; Ni. ■
bitantes, 34-35, 184; fim da do 157, 162-163, 164, 165 pur,7P-2i;U r, 41-42, 149, 15, ■
Ras Shamra. VerUgarit minação, 42, 53; escavações, 19- Toucados femininos, 88-89, 176 Zímrilín, rei, 150
Reis e realeza, 32, 132, 167-168, 31; no Terceiro Milênio a.C., Touros, 62, 114,121, 134,144, Ziusudra, 110
176-177; sagração de, 53; ban- mapa 40; lista de reis, 37, 149; 145, 151, 158, 167 Zodíaco, signos do, 167