KRAMER, Samuel Noah. Mesopotâmia, o Berço Da Civilização. Rio de Janeiro José Olympio, 1969.

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LIVROS DA COLEÇÃO BID

PUBLICADOS NO BRASIL PELA

n a BIBLIOTECA DA NATUREZA LIFE

OS MAMÍFEROS
AS AVES
O MAR
AS PLANTAS
O HOMEM PRÉ-HISTÓRICO
A TERRA
O UNIVERSO
A EVOLUÇÃO
OS PEIXES
OS RÉPTEIS
OS INSETOS
COMPORTAMENTO ANIMAL

n a BIBLIOTECA CIENTIFICA LIFE

O HOMEM E O ESPAÇO
A ENERGIA
A CÉLULA
A MATÉRIA
A MENTE
AS MATEMÁTICAS
O CORPO HUMANO
AS MÁQUINAS
O CIENTISTA
SOM E AUDIÇÃO
LUZ E VISÃO
OS PLANETAS

n a BIBLIOTECA DE HISTORIA UNIVERSAL

O ANTIGO EGITO
GRÉCIA CLÁSSICA
ROMA IMPERIAL
MESOPOTAMIA — O BERÇO DA CIVILIZAÇÃO
IDADE DA FÉ
BIZÃNCIO
RENASCENÇA
IDADE DAS EXPLORAÇÕES
OS BÃRBAROS NA EUROPA
A REFORMA
A ERA DOS REIS
AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA
BIBLIOTECA DE HISTORIA UNI^ ERSAL LIFE

MESOPOTAMIA
Oberçí:)dacivilização
por
SAMUEL NOAHKRAMER
e
Os redatores dos Livros TIME-LIFE

LI^RARIAJOSE OLYMPIO EDITORA-RIODE JANEIRO


o AUTOR; Samuel Noah Kramer é um a das maiores autoridades mundiais
em culturas da Mesopotamia e a eserita euneiforme que el as usaram» Reeebeu
o grau de doutor na Universidade da Pensilvâniá em 1929 e partieipou de
expedições arqueológieas ao Oriente Próximo em 1930-1931. Desde 1949 vem
exereendo o eargo de professor de Ássiríoíogia no Centro de Pesquisas Clark
da mesma Universidade e é curador da Coleção de Plaeas no museu» O
Professor Kramer é autor de muitos livros, entre os quais History Begins at
ÓMwer (A História Prineipia na Suméfia)* M e Sumeriam: Their Charmter,
History and Culture (Os Sumérios: Seu Caráter, História e Cultura) e Biblical
Paral le Is from Sumerian Lite roturé (Confrontos da Biblia corti a Literatura
Sumeriana). . "

O liDi ro R CONSULTIVO: Leonard Krieger, ex-professor de História na


Universidade de Vale, oeupa atualmente o eargo de professor na Universi­
dade de Chieago. O Dr. Krieger e autorde :,A Ideia Alem ã de Liberdade t
Política de Discrição, e eo-autor de História, obra eserita em eolaboração eom
John Iligham e 1'élix Gilbert.

A traduçaõ para a iíngua portuguesa c de G e n o iin o A m a d o

Cradie o f Civilizaron ® 1969 T IM E Inc.


Dríginal English language edition © 1967 by T I M E
Inc. A l l rights reserved.
Diroilos reservados para a lingua portuguesa'pela
1 IVRARIA JOSÉ OIA MPIO EDITORA S.A.. Rio de Janeiro.
República Federativa do Brasil.
ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO

1 ATERRAENTRERIOS
Ensaio Ilustrado: DESENTERRANIX) O PASSADO
10
17

2 AS PRIMEIRAS ODADES DO HOMEM


Ensaio Ilustrado: O POVO DA SUMÉRIA
30
41

3 A EXPANSÃO DO IMPÉRIO
Ensaio Ilustrado: OS GRANDES FEITOS DE UM MONARCA 63
50

4 O POVO ESEUZIANTE .
Ensaio Ilustrado: A VIDA IMUTÁVEL NOS PÂNTANOS
7s
87

5 FÉ, MITOS ERITOS


Ensaio Ilustrado: HISTÓRIAS DE DEUSES E HERÓIS
98
109

6 O HOMEMLETRADO
Ensaio Ilustrado: COMO COMEÇOU A ESCRITA
ii8
129

7 O BEID, O PRAITGO
Ensaio Ilustrado: O ESPLENDOR MACIÇO DE UMA
CIDADE
ns
147

8 A LUZ RADIANTE D\ MESOPOTÂiMlA i56


Ensaio Ilustrado: PILARES DA CIVILIZAÇÃO 163

APÊNDICE-
Oriente e Ocidente — CivilizaçõesEntrecruzadas 173
Cronologias 174
Como os Arqueólogos determinam a idade de lugares e achados 176
Registro das Ilustrações eagradecimentos 178
BIBLIOGRAFIA ' 179
ÍNDICE REMISSIVO 180
A história que se vai contar nas páginas a seguir
INTRODUÇÃO é a do tesouro sepulto em cidades de um longín­
quo passado.
O tesouro é real, como se verificará observando
as ilustrações: ouro, prata, peças de marfim priiiio-
rosamente esculpidas, jóias talhadas em cornalina,
serpentina e lazulita. E, no entanto, isso parece o que
menos importa. O valor excitante e inestimável dês-
se tesouro está acima de tais preciosidades. Reside
no conhecimento sem-par que êsses achados nos
trazem: cada fragmento desenterrado dos lugares
antigos desvenda urna parte da historia humana que
estava perdida, fala-nos de primordios, das primeiras
cidades que já foram construídas, dos primeiros ho­
mens civilizados que nelas viveram, dos seus pen­
samentos e feitos quando era jovem o mundo que
êle* tinhamde dominar.
Ks cidades velhíssimas de que veio o tesouro são
as da Suméria, de Babilônia e da Assíria. Jazem
agora como baixos e pardacentos montes de terra
no deserto do Iraque, a antiga região da Mesopo-
tâmia; cumpriu-se o que sobre elas profetizou Je­
remias (Jer. cap. 51, vers. 43): ‘"Suas cidades são
uma desolação, um êrmo agreste, uma terra sêca,
uma terra onde não vive um só homem e por onde
não passa nenhum filho de homem.” Parece incrí­
vel que alguém concebesse que tais coisas nelas ainda
subsistiam.
Mãs, houve quem o fizesse. Nos meados do sé­
culo XIX, exploradores imaginosos começaram a
esquadrinhar os montículos, uns após outros, e logo
^ trouxeram à luz palácios e templos sepultos. Ao sul, os resultados que daí advieram, deslocaram o foco
na antiga Suméria, os escavadores deram com as de interêsse. Enquanto os primeiros estudiosos se
estátuas de Gudea e outras obras notáveis da arte encantavam sobretudo com o nôvo conhecimento a
sumeriana. Ao norte, nas cidades da Assíria, encon­ respeito da Bíblia, agora se fazia evidente uma im­
traram colossais touros de alabastro com cabeças de portância adicional das escavações: a luz projetada
forma humana e uma profusão de retóvos descre­ sôbre os começos da história. Anteriormente a
vendo as campanhas guerreiras dos reis assírios. Em 3.000 anos a.C, nenhuma civilização existiu em
Nínive foi exumada a famosa biblioteca de Assurba- qualquer parte da terfa. Só então foi que ela se
nipal, escrita em pequenas placas de argila; com desenvolveu, primeiro na Mesopotâmia, um pouco
espanto e deleite o mundo leu as narrativas assírias, mais tarde no Egito.
desde muito perdidas, de guerras mencionadas na E éste nôvo critério — o conceito da Mesopotâ­
Bíblia, e a magnífica Epopéia de Gilgamesh, com mia como o Berço da Civilização, como a primeira
sua heróica busca da vida eterna e a sua história experiência do homem para engrandecer a sua vida
do Dilúvio, tão semelhante à versão bíblica. — que norteia a matéria dêste volume. Aqui, su­
As primeiras escavações, empreendidas com fina­ cedem-se bem de perto as primeiras conquistas do
lidade de encontrar objetos de efeito para opulentar homem: a invenção da escrita; o refinamento da
museus, eram realizadas, muitas vézes, sem método arte, como se vê na esteia comemorativa da vitória
e desatentamente. Só com a passagem do século é de Naran-Sín; a evolução do direito ao nível alcan­
que se introduziram ordem e planejamento, dando- çado no Código de Hamurãbi; as obras dos primei­
-se também a devida atenção às ruínas arquitetôni­ ros matemáticos, astrônomos, linguistas e, talvez
cas. Um pouco mais tarde, após a Primeira Guerra acima de tôdas estas, as dos poetas e escritores que
Mundial, patenteou-se aos escavadores a capital criaram a primeira civilização do mundo — a rica,
importância de uma cuidadosa observação estrati-, variada e profunda literatura dos sumérios.
gráfica. Nesses anos, em que também ocorreram as Para tudo isso não poderia haver guia mais de­
descobertas espetaculares dos túmulos reais, em Ur, votado e agradável do que o Dr. Kramer. Decano
começaram a merecer especial atenção certas minú­ dos sumeriologistas em todo o mundo e estudioso
cias que antes passavam despercebidas e que não que tem feito mais do que outro qualquer para a
tardaram a estender nosso conhecimento da antiga recuperação e divulgação da literatura sumeriana,
Mesopptâmia, por milênios de períodos até então o Dr. Kramer é também admirador entusiástico e
desconhecidos e de culturas insuspeitadas. fiel defensor da antiga civilização que êle aqui tão
A nova ênfase dada à investigação sistemática, e vividamente reconstitui.
THORKILD JACOBSEN
Professor de Assiriologia na Universidade de Harvard
A história que se vai contar nas páginas a seguir
INTRODUÇÃO é a do tesouro sepulto em cidades de um longín­
quo passado.
O tesouro é real, como.se verificará observando
as ilustrações: ouro, prata, peças de marfim primo­
rosamente esculpidas, jóias talhadas em comalina,
serpentina e lazulita. E, no entanto, isso parece o que
menos importa. O valor excitante e inestimável dês-
se tesouro está acima de tais preciosidades. Reside
no conhecimento sem-par que êsses achados nos
trazem: cada fragmento desenterrado dos lugares
antigos desvenda uma parte da história humana que
estava perdida, faia-nos de primórdios, das primeiras
cidades que já foram constmídas, dos primeiros ho­
mens civilizados que nelas viveram, dos seus pen­
samentos e feitos quando era jovem o mrmdo que
êle^ tinham de dominar.
Ks cidades velhíssimas de que veio o tesouro são
as da Suméria, de Babilônia e da Assíria. Jazem
agora como baixos e pardacentos montes de terra
no deserto do Iraque, a antiga região da Mesopo-
tâmia; cumpriu-se o que sobre elas profetizou Je­
remias (Jer. cap. 51, vers. 43): “Suas cidades são
uma desolação, um êrmo agreste, uma terra sêca,
uma terra onde não vive um só homem e por onde
não passa nenhum filho de homem.” Parece incrí­
vel que alguém concebesse que tais coisas nelas ainda
subsistiam.
Mas', houve quem o fizesse. Nos meados do sé­
culo XIX, exploradores imaginosos começaram a
esquadrinhar os montículos, uns após outros, e logo
trouxeram à luz jjalácios e templos sepultos. Ao sul, os resultados que daí advieram, deslocaram o foco
na antiga Suméria, os escavadores deram com as de interêsse. Enquanto os primeiros estudiosos se
estátuas de Gudea e outras obras notáveis da arte encantavam sobretudo com o novo conhecimento a
sumeriana. Ao norte, nas cidades da Assíria, encon­ respeito da Bíblia, agora se fazia evidente uma im­
traram colossais touros de alabastro com cabeças de portância adicional das escavações: a luz projetada
forma humana e uma profusão de relevos descre­ sôbre os começos da história. Anteriormente a
vendo as campanhas guerreiras dos reis assírios. Em 3.000 anos a.C., nenhuma civilização existiu em
Nínive foi exumada a famosa biblioteca de Assurba- qualquer parte da terra. Só então foi que ela se
nipal, escrita em pequenas placas de argila; com desenvolveu, primeiro na Mesopotâmia, um pouco
espanto e deleite o mundo leu as narrativas assírias, mais tarde no Egito.
desde muito perdidas, de guerras mencionadas na E êste nôvo critério — o conceito da Mesopotâ­
Bíblia, e a magnífica Epopéia de Gilgamesh, com mia como o Berço da Civilização, como a primeira
sua heróica busca da vida eterna e a sua história experiência do homem para engrandecer a sua vida
do Dilúvio, tão semelhante á versão bíblica. — que norteia a matéria dêste volume. Aqui, su­
As primeiras escavações, empreendidas com fina­ cedem-se bem de perto as primeiras conquistas do
lidade de encontrar objetos de efeito para opulentar homem: a invenção da escrita; o refinamento da
museus, eram realizadas, muitas vêzes, sem método arte, como se vê na esteia comemorativa da vitória
e desatentamente. Só com a passagem do século é de Naran-Sin; a evolução do direito ao nível alcan­
que se introduziram ordem e planejamento, dando- çado no Código de Hamurábi; as obras dos primei­
-se também a devida atenção às ruínas arquitetôni­ ros matemáticos, astrônomos, linguistas e, talvez
cas. Um pouco mais tarde, após a Primeira Guerra acima de tôdas estas, as dos poetas e escritores que
Mrmdial, patenteou-se aos escavadores a capital criaram a primeira civilização do mundo — a rica,
importância de uma cuidadosa observação estrati-, variada e profunda literatura dos sumérios.
gráfica. Nesses anos, em que também ocorreram as Para tudo isso não poderia haver guia mais de­
descobertas espetaculares dos túmulos reais, em Ur, votado e agradável do que o Dr. Kramer. Decano
começaram a merecer especial atenção certas minú­ dos sumeriologistas em todo o mrmdo e estudioso
cias que antes passavam despercebidas e que não que tem feito mais do que outro qualquer para a
tardaram a estender nosso conhecimento da antiga recuperação e divulgação da literatura sumeriana,
Mesopotâmia, por milênios de períodos até então o Dr. Kramer é também admirador entusiástico e
descoxüiecidos e de culturas insuspeitadas. fiel defensor da antiga civilização que êle aqui tão
A nova ênfase dada à investigação sistemática, e vividamente reconstitui.
THORKILD JACOBSEN
Professor de Assirioiogia na Universidade de Harvard
A não ser na parte dos pântanos e brejos, com
sua vegetação de caniços, onde o Tigre e o Eufra-
tes deságuam no golfo Pérsico, a Mesopotâmia —
a “Terra Entre os Rios” dos antigos historiadores
gregos e que corresponde, mais ou menos, ao Iraque
de hoje — consiste em sua maior parte numa de­
solada planície de aluvião. O clima, de um modo’'
geral, é quente e sêco. Não há minérios e quase não
há pedra ou madeira para construção; o solo, se
não recebe cuidados, é árido, improdutivo.
Mas, embora essa região pareça na atualidade
bem pouco atraente, nenhum outro lugar do planêta

1 é de maior significação para a história do progresso


humano. Nessa terra embalada pelos rios foi que o
homem primeiro se tomou civilizado. Aí, há cêrea
de 5.000 anos, o povo conhecido como os sumérios
criou a mais antiga das verdadeiras civilizações,

ATERRA ENTRE RIOS cujas raízes mergulham bem fundo nas trevas da
pré-história'. Foi a Mesopotâmia que viu erguerem-
-se os primeiros centros urbanos da humanidade,
com a sua vida opulenta, complexa e variada, em
que a lealdade política não era mais em relação à
tribo ou ao clã, mas em relação à comunidade como
um todo; onde os alterosos zigurates, ou templos-
-tôrres, se lançavam para o céu, fazendo o coração
do citadino palpitar de mêdo, maraviUiamento e
orgulho; onde a arte e a engenhosidade técnica, a
especialização industrial e a iniciativa comercial en­
contraram ambiente para crescer-e expandir-sè.
Coisa talvez mais importante: foi nas primeiras
cidades da Mesopotâmia que se inventou e se de­
senvolveu o primeiro sistema prático de escrita,
operando como que uma revolução nas comuni­
cações, com efeitos do maior alcance para o pro­
gresso econômico, intelectual e cultural do homem.
Idéias, técnicas e invenções criadas pelos sumérios
e cultivadas pelos povos posteriores da Mesopotâ­
mia — os babilônios, assírios e outros — foram
difundidas de leste a oeste, a ponto de imprimir
a sua marca em pràticamente tôdas as culturas da
antiguidade e mesmo nas dos nossos dias.
O papel fundamental da Mesopotâmia na saga
da civilização só se tomou conhecido em época re­
cente, embora já se soubesse desde muito que ah
floresceram grandes impérios. O VeUio Testamento
está cheio de referências a êles, e ainda no sé­
culo XII europeus emi viagem pelo Oriente Próximo
voltaram com relatos de cidades em minas ocultas
sob arredondados montes de entulho que se espa­
lhavam na planície entre o Tigre e o Eufrates. No
século XIX, quando uma paixão pelas antiguidades
dominou a Europa, escavadores começaram a pes­
ESTATUETA VOTIVA, desenterrada em Nippur, é uma das muitas que eram
deixadas nos templos da Mesopotâmia para orarem aos deuses quando
quisar aquêles misteriosos montículos, e dos seus
os adoradores estivessem ausentes. Data aproximadamente de 2.800 a.C. esforços resultou que fossem revelados os esplendo-
res da lendária Babilônia, de Nínive, Dur-Sharrukin restos humanos de servidores que, segundo parece,
e outras urbes antigas. ah foram sepultados vivos. Cêrca de 80 quilôme­
Mas êsses escavadores pioneiros e em geral inex­ tros ao norte, templos sumerianos sobre altaneiras
perientes, na maior parte franceses e inglêses, pro­ plataformas, que devem datar de 3000 anos a.C.,
curavam sobretudo relíquias de efeito; devotavam foram emergindo do solo, polegada a polegada,
bem pouca atenção a minúcias aparentemente insig­ quando os arqueólogos alemães esquadrinharam o
nificantes, mas que também ajudam a recompor a local da Erech bíblica. Encontraram-se entre as
tela do passado. Assim, o descobrimento da signifi­ ruínas centenas de placas de barro com inscrições
cação inigualável da Mesopotâmia na história hu­ em sinais pictográficos, precursores da escrita cunéi­
mana teve que esperar até que as escavações do forme. Ainda mais ao norte, no monte onde ou­
Oriente Próximo deixassem de ser runa busca aven- trera existiu Kish, a maior cidade da antiga Sumé-
turosa de tesouros e se tomassem uma disciplina. ria, uma equipe anglo-americana descobria cons­
O momento decisivo dessa mudança de rumo ocor­ truções monumentais, zigurates e cemitérios, e de
reu no comêço do século atual, quando arqueólogos um monte menor, ah perto, vieram placas de argila
profissionais principiaram a substituir os catadores que forneceram dados adicionais sobre o desenvol­
de relíquias, e trabalhos de escavação entusiásticos, vimento da escrita.
porém desordenados, cederam lugar a técnicas al­ Na Mesopotâmia central, a nordeste de Bagdá,
tamente apuradas. Por volta de 1920, a arqueologia uma expedição americana encontrava templos, pa­
no Oriente Próximo já repousava em sólida base lácios e residências particulares, em cidades de que
científica, e só então os escavadores começaram a ainda quase nada se conhecia, assim como escul­
exumação sistemática das aldeias mesopotâmicas turas criadas por volta de 2700 anos a.C., figuran­
assim como a das cidades, das choças como dos pa­ do entre as mais antigas obras dessa espécie já
lácios, dos utensílios e instrumentos.como das es­ descobertas na Mesopotâmia. A mais de 350 quilô­
culturas monumentais. metros a noroeste, na Síria e justamente na frontei­
Ao reconstituir a história e a cultura da Me­ ra com o Iraque, escavadores franceses começaram
sopotâmia, assim como a vida e o caráter do seu a desenterrar Mari, uma cidade devastada pelos
povo, os estudiosos têm sido imensamente ajudados conquistadores, há 37 séculos passados. Uma das
pela decifração de inscrições contidas em milhares suas mais imponentes ruínas era a do palácio real,
e milhares de placas de argila que foram desenter­ que ocupava cêrca de sete acres.
radas. Esses registros, escritos em afilados caracte­ Enquanto eram feitos êsses espantosos descobri­
res cuneiformes, aclaram quase todos os aspectos mentos, outros escavadores, retirando camada após
da existência antiga, desde as enfáticas proclama­ camada de terra em lugares de antiguidade ainda
ções dos reis até às contas de um merceeiro, de mais remota, estavam fazendo recuar o horizonte
obras literárias e religiosas às admoestações de um da pré-história mesopotâmica. E, bem longe da
pai ao filho rebelde. Mesopotâmia e das suas cidades sepultas, no Ins­
As duas décadas que se seguiram a 1920 e ao tituto Oriental da Universidade de Chicago, um vas­
amadurecimento da arqueologia na Mesopotâmia to esquema de esforços conjugados estava sendo
foram marcadas por descobrimentos importantes, pôsto em ação para analisar e traduzir cada pala­
uns após outros. Em Ur — a “Ur dos Caldeus” da vra e cada frase inscritas em milhares de placas
Bíblia — no sul da Mesopotâmia, o arqueólogo bri­ cuneiformes recolhidas em museus.
tânico Sir Leonard Woolley abria os chamados tú­ Os preciosos descobrimentos e os frutíferos es­
mulos reais do terceiro milênio antes de Cristo, com tudos dessas décadas fecrmdas, assim como das se­
achados espetaculares. Causou assombro ao mrmdo guintes, .tomaram cada vez mais evidente que a Me­
a sua riqueza portentosa em objetos de ouro, prata sopotâmia, acima de outra qualquer região da terra,
e lápis-lazúli, assim como provocaram arrepio os merece ser denominada o “Berço da Civilização”.
12
A civilização tardou um tanto a aparecer no ca­ 1948, porém não veio fácilmente. Ainda nesse tem­
minho do homem — isso foi por volta de 3000 po, muitas escavações na Mesopotâmia, patrocina­
anos a.C. Até o seu advento estende-se um longo das pelas juntas diretoras de universidades e mu­
prelúdio — os incontáveis séculos de gestação, seus, que pretendiam obter resultados marcantes
durante os quais o caçador solitário, e sem pouso para compensar o dinheiro gasto, continuavam con­
certo, de animais selvagens, e o colhedor de plantas centradas ao sul, nos fascinantes escombros das ci­
silvestres aprendeu a viver em aldeolas e vilarejos, dades soterradas sob montes de entulho, que os
a domesticar bichos e a cultivar a terra. Com plan­ árabes chamam de tells. Era coisa certa encontra­
tações e rebanhos para prover meios razoávelmen­ rem-se aí muitas preciosidades, como placas de ar­
te seguros de subsistência, e com vizinhos para par­ gila com inscrições e relíquias artísticas, enquanto
ticipar do trabalho, pela primeira vez o homem os montículos ao norte, de tamanho menor, apenas
podia desfrutar de lazeres para desenvolver idéias, prometiam magros proveitos em forma de artefatos
técnicas e artes rudimentares, e para inventar outras grosseiros e sem inscrição.
mais. Foram êsses avanços que fizeram civilizado o Braidwood teve, portanto, de criar a sua opor­
homem. Essa revolucionária transformação do nô­ tunidade. Tenaz, perseverante e persuasivo, conse­
made parasita no produtor sedentário deu-se por guiu, afinal, convencer aos dirigentes da Universi­
volta de dez mil anos passados. Quanto ao lugar dade de Chicago que o objetivo principal das esca­
onde isso ocorreu, os especialistas conjeturaram, vações no Oriente Próximo não era trazer peças para
de início, que devia ser a Mesopotâmia. Como era exibição em museus, mas ajudar ao esclarecimento
coisa estabelecida que ali se havia operado a “re­ de como se processou, passo a passo, o progresso
volução urbana” do homem, pareceu razoável pre­ cultural do homem através dos milênios. E um den­
sumir que ali também se realizara a sua “revolu­ tre os mais importantes e significativos dêsses pas­
ção econômica” e que em algum lugar dessa região sos era a transição da simples apanha à produção
tiveram origem a agricultura e a domesticação de de alimentos, e que a determinação do lugar e da
animais. época em que se dera êsse avanço havia de ser
O pioneiro na tentativa de chegar às fontes dêsse encontrada mais provàvelmente nos montículos sem
marco importantíssimo, porém obscuro, dos even­ atrativos do Curdistão que ao sul, nas espetaculares
tos humanos, foi Robert J. Braidwood, da Universi­ cidades soterradas.
dade de Chicago. O homem, raciocinou Braidwood, Para sua primeira grande escavação, Braidwood
pode realmente haver construído suas primeiras ci­ escolheu um local de três acres, chamado Jarmo,
dades no sul da Mesopotâmia, região pràticamente situado nos contrafortes setentrionais da serra de
sem chuvas, depois de ter aprendido a drenar e Zagros. Ali cavou durante várias temporadas. Logo
irrigar os seus pântanos e brejos cheios de caniços. de início deu com um monturo arqueológicamente
Mas, os primeiros povoados e aldeolas agrícola, promissor. Aprofundando cada vez mais a escava­
devem ter surgido ao norte, nos ondulados flancos ção no monte de entuUio, até chegar ao solo vir­
da serra de Zagros, na região agora geralmente co­ gem, Braidwood identificou 15 camadas superpos­
nhecida como o Curdistão, onde havia farta preci­ tas de ocupação humana. As 10 inferiores eram pré-
pitação pluviométrica, onde o trigo e a cevada eram -cerâmicas — isto é, seus habitantes parece terem
silvestres e onde abundavam os ancestrais bravios sido tão primitivos que desconheciam inteiramente
de bois, carneiros, porcos e cabras. Era nessa área, os vasos de argila cozida e suas utilidades no uso
virtualmente intocada pelos arqueólogos, que Braid­ doméstico. Mesmo assim, eram suficientemente
wood esperava descobrir vestígios dos primeiros adiantados para possuir casas de barro, cada uma
lavradores e criadores de rebanhos. com vários compartimentos, e para provê-las dé
O ensejo para Braidwood demonstrar a validade fomos de tijolos empilhados que se encaixavam
da sua teoria dos “flancos ondulados” surgiu em abaixo do nível do chão. Da sua habilidade em
13
trabalhar a pedra eram provas evidentes os objetos nível de ocupação. Nos seus remanescentes, encon­
encontrados, aqui e ali, nos aposentos, tais como trou Braidwood testemunhos de trabalho agrícola,
machados de sílex com polidos fios de corte, rodas como enxadas de pedra, pedras de amolar e lâmi­
de fusos (indicando certa noção de fiação), e ti­ nas de sílex para foice, além de muitos ossos de
gelas e copas de calcário finamente trabalhadas. Com animais domesticáveis. Não havia, porém, vestígios
ossos, de animais, faziam agulhas e perfuradores. de qualquer espécie de cereais ou qualquer traço
Adornavam o corpo com braceletes, colares, anéis identificável de habitação; o local parece ter sido
e brincos de pedra, osso ou barro, e modelavam fi­ usado como lugar de acampamento por algum povo
guras em argila não cozida ao fogo. seminômade, que pode ter praticado uma lavoura
Contudo, o importante para a história da agri­ rudimentar, com utilização de enxada, povo que se
cultura foi ter-se descoberto num montículo duas transferia de um ponto para outro quando o solo
espécies, em forma carbonizada, de trigo cultivado, começava a se exaurir. Karim Shahir dava a impres­
assim como de cevada resultante de plantio, e algu­ são de ser localidade muitos séculos mais velha que
mas variedades de favas e ervilhas. Também os Jarmo, e onde a agricultura ainda se achava real­
implementos de pedra incluíam utensílios como pi­ mente na infância.
lões e almofarizes para moer grão, além de lâminas As escavações cuidadosamente planejadas por
de sílex para foice. Ali, quase todos os ossos en­ Braidwood já haviam trazido à mostra dois locais
contrados de animais eram de domesticados, ou do­ de crucial importância para a história da agricul­
mesticáveis, cabra, carneiro, boi e cachorro. tura em seus primórdios. Q efêmero acampamento
Em suma, Braidwood descobriu em Jarmo a mais de Karim Shahir, com seus vestígios de lavoura
velha das comunidades agrícolas permanentes até incipiente, dava apoio à presunção de que a Meso-
então conhecidas — uma aldeola que datava de potâmia vira nascer a agricultura e, ao mesmo tem­
7000 anos a.C. e tão atrasada que só os seus ha­ po, fortalecia o ponto de vista, sustentado por Braid­
bitantes mais recentes sabiam como fazer cerâmi­ wood, de que o seu berço foram os flancos do Za-
ca, o que era conhecido nas mais primitivas po­ gros setentrional. E, de vez que Jarmo era o mais
voações anteriormente escavadas no Oriente Pró­ antigo dos povoamentos agrícolas já descobertos,
ximo. Entretanto, apesar de tal atraso, o traço pre­ parecia razoável crer-se que a Mesopotâmia também
dominante de sua economia era uma agricultura re­ testemunhara a transição do homem para uma eco­
lativamente adiantada. nomia de produção de alimentos e para a vida se­
Ainda que se tenha mostrado, assim, extraordi- dentária daí resultante.
nàriamente significativa, ao aclarar os dias primei­ Era essa a crença gerahnente aceita em 1951.
ros da atividade na lavoura, Jarmo não resolveu o Então, arqueólogos voltaram-se para algumas das
problema fundamental de o tempo e o lugar em terras nas vizinhanças da Mesopotâmia e fizeram
que teve origem a agricultura. Já que o cultivo da descobrimentos que ameaçaram não só invalidar a
terra se manteve em grau mais avançado durante hipótese dos “flancos ondulados”, de Braidwood,
tôda a existência da aldeia — que deve ter durado quanto à origem da agricultura, como também sola­
rms 400 anos —, Braidwood necessitava de uma par a posição da Mesopotâmia como a pátria pro­
povoação mais antiga que Jarmo para encontrar vável da revolução econômica (embora ressalvada,
vestígios de estádios incipientes e mais rudimenta­ naturahnente, como berço da cidade). De escava­
res da agricultura. Uma localidade das redondezas, ções na região da antiga Palestina, na Síria, na
Karim Shahir, apresentava na superfície indicações Anatólia Turca e no Irã, resultaram indicações de
de ser mais primitiva, e Braidwood realizou ali a que o início da agricultura, assim como o da vida
escavação seguinte. comimal baseada na lavoura, pode ter realmente
Ao contrário de Jarmo, com muitas camadas ocorrido' nessas áreas e mais cedo que na Meso­
superpostas, Karim Shahir revelou ter tido um só potâmia.

14
Um dado impressionante veio de Jerico' a céle­ Como ocorreu essa transformação do caçador
bre cidade bíblica que teve sua localização descober­ parasitário no produtor agrícola... e por quê?
ta num monte de terra à extremidade setentrional do Psicologicamente, parece curioso e anômalo um ca­
mar Morto, na Palestina, uma região separada da çador erradio deixar os hábitos ancestrais de mobi­
Mesopotâmia pelo vasto deserto da Síria. Ao invés lidade sem peias para se prender á terra e ao lar,
de se encarapitar num “flanco ondulado”. Jerico trocando aquilo tudo pelos caldos de campónio.
jaz mergulhada num vale quase a 300 metros abai­ Entretanto, segundo tóda a probabilidade, não foi
xo do nível do mar, um dos lugares mais secos do o mais confiante, auto-suficiente e bem ajustado en­
mrmdo. Mas flui ali perto um manancial cujas águas tre os nômades que se deixou seduzir pela dúbia
tomam o terreno circrmdante um verde oásis. promessa da vida sedentária. Foi antes o insatisfeito,
Entre 1952 e 1958 os arqueólogos, retirando o fraco e o desdenhado, que se afastou de seus
camada após camada do monte de Jerico', puse­ companheiros mais bem sucedidos e dominadores
ram á mostra uma invulgar cidade de fase pré-ce- para fazer as primeiras tentativas, desajeitadas e va­
râmica, que cobria dez acres e era circrmdada por cilantes, de se instalar num ponto qualquer e extrair
sólida muralha de pedra não britada. Embora não do solo o meio de subsistência. Sem dúvida, as mu­
tenha sido possível identificar entre as ruínas ne­ lheres também contribuíram para fazer do homem
nhum indício de cereal ou de animais domestica­ um ser sedentário. Muitas dentre elas devem ter
dos, a presença de mós, almofarizes e pilões sugeria percebido as vantagens de criar os filhos num lar
uma agricultura incipiente, mas bastante eficaz para fixo, e algumas das mais desembaraçadas no falar
nutrir uma população de dois mil ou mais habi­ e mais persistentes devem ter influenciado bastante
tantes. seus maridos para permanecerem num pouso, ao
Se a cidade surpreendia pela grande extensão, menos por algum tempo. Outro fator deve ter sido
ainda maior espanto causava pelos sinais de sua uma escassez de caça e plantas silvestres comestí­
antiguidade. Pois, de acordo com testes a carbono veis, em regiões onde antes abundavam.
14 (que medem o grau de deterioração do carbono De qualquer modo, a agricultura, uma vez en­
radioativo em remanescentes orgânicos tais como cetada, passou a transformar os fracos em fortes, os
carvão vegetal e ossos), a maior parte da cidade apáticos em produtores cheios de iniciativa, os pou­
provavelmente devia datar do comêço do Oitavo cos em muitos. Com o gradual desenvolvimento e
Milênio a.C., ou até mais cedo. Assim, Jerico, em apuro das técnicas de lavrar, houve no curso dos mi­
seu vale profundo, evidentemente operou a mudan­ lênios uma enorme proliferação de povoados, aldeias
ça da mera cata de alimentos pára a sua produção, e cidades, por todo' o mundo antigo, e especialmente
e adotou a vida sedentária bem anteriormente a 7 na Mesopotâmia setentrional.
mil anos a.C., quando Jarmo surgiu como um vila­ Entre os lavradores de Jarmo, de há nove mil
rejo nas colinas da Mesopotâmia setentrional. anos passados, e o povo que a seguir desempenhou
Mas, tenha ou não tenha a Mesopotâmia de re­ papel significativo na marcha da Mesopotâmia para
nunciar à sua pretensão de ser o berço da agricul­ a civilização, estende-se um hiato de vários séculos
tura e o lugar onde se processou a revolução econô­ obscuros. Mas, dos meados do Sexto Milênio em
mica, não resta dúvida que foi ali que as lavouras diante, tomam-se menos embaçadas as sucessivas
se desenvolveram em base sólida para a civiliza­ etapas dessa longa progressão empreendida pela
ção e para o erguimento das cidades. Logo que a agricultura, assim como principiam a emergir cul­
agricultura se espraiou das terras altas em redor turas já realmente bem definidas. Como a escrita
de Jarmo para a parte superior da planície entre ainda estava longe de nascer, cada uma delas fala
o Tigre e o Eufrates, ali encontrou, na aluvião de­ de si através de sua cerâmica própria e outros ma­
positada pelos rios, um solo excepcionalmente pro­ teriais remanescentes.
pício ao seu futuro crescimento. A mais velha dessas culturas, que data aproxima­
15
damente de 5.800 a.C., é chamada Hassuna, de nas. Por exemplo, obsidianas para instrumentos e
acordo com o nome do montículo, nas vizinhanças outros apetrechos vieram das adjacências do lago
da moderna Mossul, onde foi primeiramente divisa* Van, na Turquia oriental, sua fonte mais próxima;
da, em 1940, pelos arqueólogos do Departamento antimônio e malaquita para pintura de olhos, assim
Geral de Antiguidades do Iraque. Hassuna parece como pedras semipreciosas para colares e pingentes,
ter sido habitada inicialmente por seminômades que eram importados do Irã, e conchas para adômo tra­
combinavam uma forma primitiva de lavoura com a zidas da região do gôlfo Pérsico.
simples coleta de alimentos, armazenavam seus ce­ Por volta de 5000 anos antes de Cristo, o povo
reais em toscos vasos de cerâmica, parecidos com de Hassrma desapareceu de cena e surgiu uma nova
os utilizados pelos últimos ocupantes de Jarmo, e cultura que iria prevalecer no quadro da Mesopo­
viviam em abrigos temporários de que não resta o tâmia setentrional durante o milênio seguinte. Seus
menor vestígio. Mas, depois de várias gerações, o primeiros sinais foram desenterrados em Tell Halaf,
povo hassuniano, ao que parece influenciado por ao nordeste da Síria, e o seu advento marcou uma
métodos agrícolas mais eficientes, abandonou a sua aceleração no passo do progresso. Vigorosa, inven­
vida nômade para se fixar em aldeias, morando em tiva, essa cultura halafiana lançou-se a variadas
casas de adòbe, retangulares e bem construídas, com formas de adiantamento e espalhou sua influência
seis a sete compartimentos distribuídos em tômo de desde os contrafortes do Zagros setentrional até o
um pátio interno, impressionantemente similares às Mediterrâneo.
habitações dos hodiemos camponeses iraquianos. Fomentada pelos diligentes lavradores de Halaf,
O cereal era estocado em amplas tulhas de barro a agricultura prosperou. Passou a ter cultivo bem
enterradas no chão, e algumas dessas casas antigas mais ampla variedade de cereais, enquanto rebanhos
já dispunham de um tipo de fomos abobadados para de gado bovino e caprino podiam ser vistos pastan­
cozer o pão. . . do nos campos ao redor dos vilarejos, alguns dos
Com a melhoria das habitações veio o progres­ quais já agora exibi im melhoramentos urbanos,
so da cerâmica; ainda grosseira, principiou a apre­ como por exemplo ruas calçadas de pedra. Havia
sentar superfícies polidas e pinturas singelas. Nos também indícios de que estava em gestação uma ou­
últimos tempos de Hassuna surgiu uma bem aperfei­ tra mudança, e tão importante que viria a mostrar-se
çoada cerâmica policrômica, ao lado daqueles produ­ mais tarde quase tão dinâmica e de tão longo alcan­
tos que ainda permaneciam mdimentares. Pela beleza ce como a transição para a vida sedentária da la­
e complexidade da decoração — que incluía plantas, voura. Implementos e adornos de cobre, encontrados
animais e figuras humanas —, tal cerâmica jamais aqui e ali entre os apetrechos nos locais halafianos,
veio a ser igualada na antiga Mesopotâmia. Geral­ ammciavam que ia chegando ao fim a Idade da
mente conhecida como “louça de Samarra”, porque Pedra no Oriente Próximo, e alvorecia a Idade dos
foi primeiramente encontrada jazendo sob as ruínas Metais.
da cidade dêsse nome, ao norte de Bagdá, e capital No entanto, por ironia da sorte, o progresso e
do Califado dos Abássidas no século IX da era cris­ a prosperidade sem precedentes que a revolução
tã, tal cerâmica tanto pode indicar a migração de econômica havia carreado às proliférantes aldeias
algum povo altamente habilitado, vindo de além setentrionais também trouxeram, na sua vaga, novos
dos montes Zagros, como um apuro da técnica e grupos de oprimidos e desalentados, de resmrm-
do senso estético local. guentos e insatisfeitos. Esses descontentes nada ti­
Possivelmente incentivado por sobras de ce­ nham a perder e tudo a ganhar quando se afas­
real, que permitiam a troca, principiou a expan­ taram de seus vizinhos e emigraram para as terras
dir-se o comércio com regiões distantes do mrmdo pantanosas da Mesopotâmia meridional, nem de lon­
pré-histórico, e a prova disso está nos artefatos es­ ge imaginando que no curso do tempo seus descen­
palhados nos escombros das habitações hassunia- dentes a transformariam no Berço da Civilização.
16
0 MONTE que se destaca em silhueta, sobre ôs remanescentes da cidade de Nippur, é o principal sitio arqueológico da Mesopotamia.

DESENTERRANDO 0 PASSADO
Antes que os arqueólogos começassem a escavar na Mesopotámia, quase nada
se conhecia sôbre' o^ impérios que ali floresceram há 4.500 anos passados. A
Biblia e as obras ^ s historiadores gregos e romanos fizeram breves referências
aos babilônios e ®sírios, mas a informação era vaga e contraditória. De um
povo ainda mais Jmtigo, os sumérios, não se sabia absolutamente nada — nem
mesmo o fato de/<jue houvera existido.
A principal^rrazáo pela qual os povos da Mesopotámia ficaram esquecidos
por um tão lo ^ o tempo é que êles, ao contrário dos egípcios e outros cons­
trutores de im|ÿ'ios, não tinham feito edificações com pedra durável, mas com
adôbe. A chura, as inundações anuais e os movimentos da areia foram pouco
a pouco apinhando os tijolos de barro, sepultando torres e palácios, para só
deixar entullps informes. Por milhares de anos ninguém teve conhecimento dos
segredos queÊontinham êsses montes de entulho, mas, em meados do século XIX,
arqueólogos ^franceses, alemães e inglêses principiaram a explorá-los. Dentro de
poucos anoS. as pás revelaram alguns fatos marcantes: os mesopotâmios eram
o primeiro ^ o v o sôbre a terra a viver em cidades, a estudar os astros, a usar
o arco e vápulos de rodas, a escrever poesia épica e a compilar um código de
leis. H oje,J pesquisa do passado continua em lugares como Nippur (acima),
a capital rcDiosa da Suméria. Pela análise científica de edifícios em ruínas, cacos
de cerâmicáf e placas de argila, os arqueólogos estão compondo um quadro cada
vez mais completo da primeira civilização que o mundo conheceu.
Fotografias dêNJeorg Gers ter

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, o monte de entulho da antiga cidade deNippur levantase no deserto venidopelo vento. A estrutura no topo,
um baluarte da civilização

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construída por arqueólogos americarws, coroa um zigurate, ou templo-tôrre, Nos tempos antigos Nippur ficava à margem do Eufrates.
19
UMEXERCITO
DEESCAVADORES
PROFISSIONAIS
Uma equipe moderna de arqueologia
é dividida em grupos de trabalho, cada
qual com suas tarefas determinadas.
Tendo sob o seu comando cêrca de
110 homens, número um pouco in­
ferior à média do pessoal geralmente
empregado em tais serviços na Meso-
potâmia, a expedição em Nippur é
liderada por quatro arqueólogos pro­
fissionais. Um deles deve ter suficien­
tes conhecimentos de arquitetura para
poder interpretar as ruínas. O arqui­
teto em Nippur é também o chefe do
acampamento, James E. Knudstad, da
Universidade de Chicago, que se vê
isolado no primeiro plano. Atrás, da
direita para a esquerda, estão um agri­
mensor que faz o levantamento do ter­
reno; um fotógrafo, que documenta
todos os principais achados; um epí-
grafo, que traduz inscrições cuneifor-
mes; e um representante do Departa­
mento Iraquiano de Antiguidades, que
toma assentamentos sobre a marcha
dos serviços.
Por trás do representante do Iraque
vê-se o capataz dos trabalhadores;
atrás dêle estão os escavadores espe­
cializados e os homens que transpor­
tam a areia em carrêtas. O pessoal de
funções auxiliares — cozinheiro, co­
peiros, motoristas, vigias — encon­
tram-se em torno do veículo à direita.
Além do veículo, aparecem os cavado­
res com picaretas pesadas e, à esquer­
da destes, os homens que usam as pás.
Ao fundo estão os trabalhadores que
retirama areia emsacos de pano.
20
APROFUNDANDO UMA TRINCHEIRA, trabalhadores retiram a areia de uma escavação nas cercanias de Nippur e a depositan em vagonetes
PONDO A DESCOBERTO
E CATAEOGANDO
AS ESTRATIFICAÇÕES DA HISTÓRIA

o objetivo fundamental da arqueologia é estabelecer a cronologia


de um lugar. Para isso, os escavadores determinam onde começa
e acaba cada uma das camadas estruturais que representam um
período histórico, e então assinalam êsses níveis. O problema é
especiahnente difícil na Mesopotâmia. porque o elemento básico
das construções, tijolo apenas cozido ao sol, às vêzes mal se dis­
tingue da terra em que está sepultado. Para poder observar as
diferenças, os arqueólogos recorrem a vários expedientes, desde o
de umedecer o chão c averiguar a variação da còr até o de estudar
amostras e notar diferenciações em granulação e porosidade.
Depois que uma camada é definida, os escavadores procuram
determinar a sua idade pela análise dos indícios nela encontrados.
Uma inscrição que tenha data, ou um sêlo ou plaqueta de argila
contendo o nome de um rei, pode indicar a que período o nível
corresponde. Uma vez estabelecida a época de um objeto, os ar­
queólogos podem geralmente presumir que outros objetos em tal
camada foram feitos naquele tempo — e assim ficam aptos a ter
um vislumbre da vida numa certa era.
MARCANDO CAMADAS, um urqueólogo etiqueta
muro escavado que passara por muitas reconstruções.

PONDO X MOSTRA UM
Ca l ç a m e n t o , um trabalhador retira entulho e escombros. Por essa maneira os arqueólogos revelam o plano de uma cidade.
para ver uma descoberta, escavadores observam o poço. Quando retirava entulho, um trabalhador encontrou aplaca mostrada à direita.
PRESERVANDO
UM ACHADO

Placas de argila com inscrições constituem os ar­


tefatos mais informativos que os arqueólogos
podem descobrir na Mesopotâmia; quando apa­
rece um déles, é tratado mui cuidadosamente. A
maioria das placas é de barro não cozido ao fogo,
e, se estiveram sepultas em solo úmido, ficam
moles como queijo; têm de ser cautelosamente
removidas do entulho circrmdante e as suas ins­
crições preservadas por meio de fogo. Cada placa
é posta num recipiente cheio de massa protetora
de areia e cozida num forno. Quando esfria e
endurece, a limpeza é feita por assopros de areia.
Finalmente, extrai-se em látex o molde da ins­
crição; muitas reproduções em gêsso podem ser
tiradas dêste molde e remetidas para estudo a ar­ PLACA, l trabalhador afrouxa com uma
queólogos e instituições de quase todo o mundo. faca o entulho endurecido e o > 'ira com um pincel comum.

UM MOLDE DE LÁTEX é tirado da placa já limpa e cozida, que contém parte de uma cópia, feita há cêrca de uns 3.000 anos.
CERAMICA: ABC”
DAARQUEOLOGIA
Jarras para água, recipientes para
guardar mantimentos, vasos para be­
ber e pratos figuram entre os achados
mais abundantes nas escavações ar­
queológicas; são poucos, porém, os
encontrados intactos. Nas fotos à di­
reita, um especialista limpa com ras­
padeira os cacos de um jarro sumeria-
no, põe cola, e finalmente completa
a restauração.
Se a peça de cerâmica revela per­
tencer a um tipo conhecido, pode ser
usada para se determinar a época de
outros objetos encontrados ao seu re­
dor. Se fôr possível identificá-la, como
vinda de outro país, sua presença na
Mesopotâmia indicará contato entre
duas civilizações. Analisando acurada­
mente a contextura ou a vitrificação da
cerâmica, o perito pode dizer a que
temperatura o vaso foi cozido e se foi
torneado numa roda, o que, por sua
vez, dá idéia do nível tecnológico al­
cançado pelos seus fabricantes.
Em alguns casos, a cerâmica tam­
bém preserva o modêlo de outras pe­
ças que podem ter-se deteriorado no
curso dos séculos; como a argila é fácil
de ser trabalhada, oleiros imitavam
com frequência motivos que tinham
sido usados originalmente em tecidos,
couro e vime. Na verdade, tanta coisa
pode ser deduzida de simples tigelas e
jarros que a cerâmica tem sido chama­
da “o alfabeto” da arqueologia.
26
4"

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uma câmara tinindofotos como a quese vê àdireita, é erguidanumpapagaio depapel sobre Erech.

4 1

Nos últimos anos a ciência tem contribuído muito


NOVAS TÉCNICAS para a arqueologia. Vistas aéreas, como a de Erech
à direita, tomada por uma câmara sob controle de
rádio, dotada de lentes “olhos de peixe” e ajustada
num papagaio de papel, permitem aos arqueólogos
ter uma visão panorâmica de toda a cidade, (A
fotografia mostra o montículo do zigurate, ao cen­
tro, e a cidade parcialmente escavada ao seu redor.)
A câmara também pode localizar variações no solo
ou no crescimento de plantas, as quais servem para
indicar um túmulo ou muralha sepultos. Outra téc­
nica, resultante da ciência nuclear, revela a idade
de substâncias orgânicas pelo seu conteúdo de car­
bono (Vide Apêndice), enquanto detectores de
minas e instrumentos medidores de eco localizam
estruturas e artefatos soterrados.
28
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Não foram acolhidos por uma terra com ma­
nanciais de leite e de mel os lavradores que, ao
comêço do Quinto Milênio antes de Cristo, abando­
naram suas aldeias na Mesopotâmia setentrional e
emigraram para o sul, em busca de um lar nôvo
e mais feliz.
Na parte da planície entre o Tigre e o Eufrates
que seria inicialmente conhecida como Suméria e de­
pois como Babilónia — a região que se estende da
atual Bagdá ao gôlfo Pérsico —, os colonos pionei­
ros encontraram o solo de tal modo estorricado
que se tomava duro como pedra durante o longo
verão, eme Imente abrasador. Tôda a vegetação cres-
tava-se sob o sol causticante e, dia após dia, sem
parar, um tórrido vento, vindo do noroeste, erguia
nuvens sufocantes de poeira fina, que entrava por
todos os poros não protegidos do corpo.
AS PRIMEIRAS CIDADES E, depois, vinha o inverno, com os tempestuo­
sos ventos do sul, tomando o céu bmmoso e provo­
DO HOMEM cando, vez por outra, tremendos aguaceiros que
transformavam a planície num lodaçal escorregadio.
Na breve e refrescante primavera que se seguia,
verdejavam os campos com o renascer da sua vege­
tação rasteira. Mas a primavera era também a es­
tação em que as chuvas e os degelos nas montanhas
de Zagros e outras serranias do norte avolumavam
de tal maneira as águas do Tigre e do Eufrates
que, de quaudo em quaudo, os rios extravasavam
do leito e submergiam a plauície em exteusões a se
perder de vista. Sem dúvida, mais de um imigraute
despreveuido perdeu todos os seus perteuces e tal­
vez mesmo a própria vida uessas iuuudações im­
previsíveis e catastróficas.
Todavia, por mais desolada e depressiva que
a região possa ter parecido aos fatigados caminheiros
em busca de um habitat, possuía ela um atrativo
que a tudo se sobrepunha. E que, estendidos por
tôdas as ribeiras meridionais do sinuoso Eufrates e
dominando tôda a planície, havia diques naturais
erguidos no curso dos milênios pelo rio quando
transbordava, como era frequente. Esses diques, com
seus declives suaves de limo grosso e sedimentos,
prestavam-se fácilmente à drenagem, plantio e cul­
tivo, e, assim, tomavam-se ideais para a agricultura
mdimentar praticada por êsses lavradores primiti­
vos. De sua vez, não muito longe dos diques, havia
numerosos pântanos e brejos cobertos de caniços,
onde peixes e aves aquáticas abundavam na maior
parte do ano, e que na primavera forneciam exce­
lente forragem para rebanhos de carneiros e cabras.
IMAGEM DE UM GOVERNANTE, csta cabeça de bronze ou é de Sargão, o
Não é, pois, de surpreender tenha sido nas barrancas
Grande, que fundou a dinastia acádica, ou do seu neto, Naram-Sin; fo i
essa a primeira dinastia que uniu as cidades-estados da Suméria e da
prorpissoras do Eufrates e nas terras pantanosas das
Mesopotamia setentrional em uma verdadeira nação. adjacências que os viandantes resolveram instalar-se;
31
ah descarregaram seus vasos de argila, seus instru­
mentos de pedra e as preciosas sementes que ha­
viam trazido do norte.
Esses primeiros habitantes da Mesopotâmia
meridional são conhecidos como ubaidianos, de
Tell al-Ubaid, um montículo de entulho perto de
Ur, a cidade em ruínas onde os seus despojos foram
descobertos há cêrca de meio século. A única e
tênue camada de artefatos primitivos ali desencavada
levou os arqueólogos a concluir, de início, que o
período da ocupação ubaidiana fora bem curto e
que aquela gente era constituída por broncos habi­
tantes de brejos, incapazes de construir para seu
abrigo algo melhor do que casebres de taipa.
Descobertas mais recentes em ruínas ubaidianas
demonstraram o êrro de tal suposição. Reconhece-se TIJOLOS DE VÁRIOS TIPOS foram usados pelos construtores meso-

presentemente que os primeiros povoadores daquela potãmicos em épocas diferentes. O mais comum era de forma
retangular (logo acima), feito de barro com proteção de palha.
região eram lavradores capazes e de iniciativa, que
Os babilônios também faziam tijolos quadrados, muitas vezes
prosperaram e se multiplicaram no decurso de sé­ com inscrições .aos deuses (no alto, à esquerda), e os sumérios
culos. Pela planície entre o Tigre e o Eufrates foram empregavam tijolos em formato de pão (no alto, à direita).
disseminando aldeias e pequenas cidades, construí­
das de adôbe, já que havia escassez de pedra. Entre
os seus feitos notáveis contam-se grandes e com­
plexos templos também de adobe. Por volta de qua­
tro mil anos antes de Cristo, os ubaidianos toma­
ram-se uma importante força civilizadora, não só
na Mesopotâmia meridional, como também, num
certo grau, por todo o Oriente Próximo; vestígios
da sua cultura têm sido encontrados desde o Medi­
terrâneo até regiões além dos montes Zagros e tão
ao norte quanto o mar Cáspio.
Além disso, os ubaidianos são na história da
humanidade o primeiro povo sôbre cuja identidade
étnica e conquistas culturais temos provas linguís­
ticas. Para sermos exatos, não sabemos com q\ie
nome êles se chamavam, pois ao seu tempo a es­
crita ainda era desconhecida, mas documentos em
argila do último período sumeriano dei am claro
que êles não eram sumérios. Por exemplo, os nomes
pelos quais as inscrições se referem ao Tigre e ao
Eufrates — Idiglat e Buranun — não são palavras
sumcrianas e, portanto, é geralmente admitido que
DESENHOS LEMBRANDO ESPINHAS DE ARENQUE c aractcrizavam as
tenham origem ubaidiana. Provàvelmente foram paredes construídas com tijolos sumerianos em form a de pão.
também os ubaidianos que deram nomes como As fileiras horizontais são alternadas com tijolos colocados em
Eridu, Ur, Lagash, Nippur e Kish, a algumas das ângulo e cimentadas com barro ou com asfalto natural.

32
UMA MORADIA EM ESTILO DE FORTALEZA, na Mesopotâmia seten­
trional, mostrada aqui sem o teto para revelar seus comparti­
mentos internos, era protegida dos intrusos por altos muros.

aldeias e vilas que depois se transformaram em


grandes e imponentes cidades da Suméria. Coisa
ainda mais importante, foi provavelmente da língua
dêsse povo laborioso e afortunado que os sumérios
tomaram de empréstimo certos vocábulos cultural­
mente significativos como lavrador, pastor, arado,
metalurgista, tecelão e carpinteiro.
Mas os êxitos e as realizações causam inveja
entre os povos, assim como entre os indivíduos, e
não tardou muito a aparecerem rivais desafiando a
situação dos ubaidianos como únicos ocupantes da
Mesopotâmia meridional. Pelo fim do Quinto Milê­
nio antes de Cristo, algumas das hordas de nômades
semitas que habitavam o deserto da Síria e a penín­
sula da Arábia, a oeste, começaram a infiltrar-se nas
povoações ubaidianas, ora como conquistadores com
propósitos dc pilhagem e ora como pacíficos imi­ As cidades que surgiram na Suméria, há mais
grantes em busca de melhor sorte. O resultante de 5.000 anos passados, foram a culminação de um
cruzamento dos dois povos e das duas culturas fêz longo processo de desenvolvimento cultural que co­
surgir uma era nova e ainda mais fecrmda, durante meçou nas aldeolas dos mais antigos colonos ubai­
a qual pode-se dizer que foram lançados os alicer­ dianos. Quando os primeiros imigrantes se estabele­
ces da primeira civilização autêntica do mrmdo. ceram nos declives dos diques naturais formados
Os construtores dessa civilização, os sumérios, pelo Eufrates, a semente que lançaram não tardou
só chegaram à cena por volta de 3.500 anos antes a produzir rica e variada messe. Houve, sem dúvida,
de Cristo, vindos provàvelmente da Ásia Central, dias difíceis, com os rios extravasando das suas mar­
através do Irã. Com o advento dêsse terceiro grupo gens tão violentamente que alagavam e submergiam
importante, operou-se no sul da Mesopotâmia uma tudo ao seu alcance. Mas, cm geral, a enchente era
fusão étnica e cultural que iria daí por diante in­ moderada e suave, podendo as águas serem levadas
fluenciar profundamente o curso da humanidade. a pequenos canais e primitivos reservatórios que até
Nos séculos que sc seguiram, a Suméria — como a os inais antigos ubaidianos já tinham aprendido a
região veio a ser denominada — chegou a alturas construir.
antes inatingidas de riqueza material e poder político Com fartura de alimentos e segurança razoável,
e viu erguerem-se as primeiras cidades do mrmdo. as famílias tomaram-se maiores. Mais filhos para
Foi nessas cidades sumerianas, ao fim do Quarto ajudar no campo, maior a área que podia ser cul­
e ao comêço do Terceiro Milênio a.C. que o homem tivada, e uma aldeola, constituída originahnente de
antigo realizou as suas mais importantes criações na alguns frágeis casebres de taipa, se transformava
arte e na arquitetura, em organização social, em graduahnente numa vila de casas de adôbe, cada ha­
pensamento e culto religioso, e — com o invento bitação com vários compartimentos. O que se ini­
da escrita — em educação e comunicação. ciara como um núcleo de família desenvolvera-se

33
numa pequena comunidade local em que o apêgo pois, de admirar ter sido ali que, mais tarde, se
ao lugar se tornava o maior incentivo de todas as inventou e se aperfeiçoou a escrita.
atividades mais importantes. Essa transferência da Com a prosperidade e a expansão das primeiras
lealdade, que da família passava para o grupo, foi comunidades da Mesopotâmia meridional, torna­
um ajustamento social que veio permitir — o que ram-se cada vez mais extensos e mais numerosos
de outro modo seria impossível — o nascimento da os seus campos e as suas lavouras, como também
cidade. aumentaram seus canais de irrigação e seus reser­
Outro fator que fortaleceu a unidade da aldeia vatórios, de importância fundamental na economia
foi o templo com os ofícios religiosos. Seja porque já agrícola; sem êles a terra voltaria rapidamente a
a trouxeram consigo ou seja que a tenham criado se apresentar como um deserto árido nessa região
pouco depois da sua vinda, os imigrantes do norte virtuahnente sem chuvas. Mas irrigação, sobretudo
cultuavam com firmeza a fé numa divindade especial, em seus graus mais adiantados, só poderia ser rea­
protetora do lugar em que se estabeleciam, e com lizada com eficácia como um empreendimento comu­
a construção das suas primeiras casas também eri­ nitário, não como uma tarefa individual. Canais e
giam um lar para a sua deidade. Por exemplo, sob reserv^^atórios de tamanho considerável tinham de
as ruínas de Eridu, uma das cidades mais venerá­ ser criados, com limpeza em intervalos regulares
veis da Suméria, os arqueólogos descobriram e e trabalhos constantes de conservação. Além disso,
desenterraram um templo de adôbe construído sob o aproveitamento da água devia ser regulado eqüíta-
solo virgem pelos primitivos habitantes ubaidianos. tivamente, os limites cuidadosamente marcados e
Era um pequeno santuário de forma retangular com autenticados, os litígios apreciados e resolvidos.
cinco metros de comprido, e seus aprestos con­ Todos êsses fatores levaram á gradativa im­
sistiam tão-sòmente num altar rústico e uma mesa plantação de outro elemento que iria facilitar o cres­
de oferendas. Mas, quando as aldeias cresceram cimento urbano — uma administração leiga, que se
graças à agricultura e se expandiram em cidades, as iniciou com reduzido pessoal permanente, mas que
capelinhas humildes foram-se transformando cm es­ por fim evoluiu para uma numerosa burocracia,
truturas esmeradas, cada qual sobre umh altaneira com todos os benefícios e males que ela costuma
plataforma de adôbe, o protótipo do futuro zigurate, acarretar. Surpreendentemente, nas primitivas al­
ou templo-tôrre. Cada templo servia a tóda uma deias e pequenas cidades mesopotâmicas o govêmo
comunidade, não a uma só família ou um só clã, e era democrático; os membros dos órgãos dirigentes
assim inspirava e fortalecia o senso de solidariedade, eram designados não por um só indivíduo todo-
numa comunhão de esforços, e um orgulhoso amor -poderoso, como seria de supor, mas por uma assem­
ao lugar. bléia constituída pelos cidadãos livres da comu­
O templo não era apenas um inanimado edi­ nidade.
fício de tijolos e argamassa, era um lugar sacro . Enquanto os povoamentos permaneceram ao
para ser cuidado e servido dia a dia, ano após ano. nível de aldeias e os conflitos por motivo de terras
Preces e hinos tinham que ser compostos, forma­ ou irrigação envolveram somente indivíduos e fa­
lizados e recitados; ritos e rituais tinham de ser mílias, a administração leiga desempenhou papel
cumpridos, cerimônias do culto tinham de ser cele­ secundário na vida comunal. Funcionários que mo­
bradas. E daí resultou um clero especializado, ini- tivassem desagrado ou desconfiança podiam ser des­
ciando-se, decerto, com a escolha de um ou dois tituídos fácilmente pela assembléia dos cidadãos, que
indivíduos apreciados por seu saber e podêres es­ se reunia quando necessário. Mas, quando as al­
pirituais, c proliferando em número e funções atra­ deias se transformaram em cidadezinhas e estas em
vés dos séculos. Pouco a pouco, o templo, com a grandes cidades, cada qual empenhada em contro­
casta sacerdotal, foi-se tomando, naturalmente, o lar tanto quanto possível as ricas terras irrigadas das
centro intelectual de tôda a comunidade. Não é. circunvizinhanças, atritos e cofitendas tomaram-se

34
cada vez mais freqüentes e violentos, com resulta­ lúdios durante os quais tôda a Suméria foi forçada
dos muitas vêzes desastrosos para o perdedor. O a se submeter a estrangeiros; mas, iogo que cessava
que havia principiado como pequenas rivalidades a dominação de fora, as cidades retomavam a sua
econômicas degenerou em amargas lutas políticas rivalidade acesa. Essa quase ininterrupta e exaus­
pelo poder, por prestigio e território, e as mais tiva discórdia interna foi um dos principais fatores
agressivas dentre essas cidades primeiras fizeram para a definitiva desintegração da Suméria ao co-
apêlo à guerra para alcançar os seus objetivos am­ mêço do século décimo-oitavo antes de Cristo,
biciosos. quando ganhou ascendência na Mesopotâmia o povo
Sem poder arcar com tais ameaças militares, conhecido na história como os babilônios.
as assembléias deliberativas de cunho democrático, • A primeira cidade que conseguiu estabelecer
que haviam subsistido desde os tempos da aldeia, controle sôbre a totalidade da Suméria foi indubita'-
compreenderam a necessidade de escolher um dos veImente Kish, cujas ruínas jazem a cêrca de 90
seus cidadãos mais capazes e destemidos para guiá- quilômetros ao sul da moderna Bagdá. Kish parece
-las à vitória sôbre o inimigo. E assim nasceu a ins­ ter alcançado a hegemonia sob o govêmo de um
tituição da realeza. De início, a designação de um monarca chamado Etana, que provávelmente reinou
“grande homem” — pois este é o sentido literal ao comêço do Terceiro Milênio antes de Cristo.
de lugai o vocábulo sumeriano para rei — foi de Baseia-se tal suposição na Lista dos Reis Suméria -
caráter temporário e a sua autoridade limitada; ven­ nos, impressionante documento escrito quase mil
cida a crise militar, renunciava êle aos seus podêres anos após os dias de Etana, dando o nome da
e tomava á vida civil, honrado e estimado pelos maioria dos govemarftes sumerianos a partir do
seus serviços. Mas, quando um conflito foi dando advento da realeza. A lista descreve Etana como
lugar a outro, a função de rei perdeu a sua índole aquêle que “estabilizou todas as terras” e isso pode
transitória e tornou-se hereditária, dinástica e des­ significar que, sob o seu mando, Kish não só domi­
pótica. nou as outras cidades da Suméria mas também
Após a instituição da realeza por volta de 3000 ampliou o seu poder a ponto de incluir iguahnente
anos a.C., a história da Suméria é em grande parte algumas das terras nas vizinhanças daquela região.
uma narração de lutas armadas, nas quais os go­ •Não decorreu muito tempo desde o reinado de
vernantes das cidades-estados, uma dúzia delas mais Etana quando Kish começou a encontrar uma rival
ou menos, tendo como laço de união a linguagem em supremacia na cidade de Erech, a rms cento e
e a cultura comum, rivalizavam no empenho de cinqüenta quilômetros para o sudeste. O fundador
obter o domínio de tôda a região. Nos séculos que se da primeira dinastia de Erech, Meskiaggasher, pa­
seguiram, a planície entre o Tigre e o Eufrates tor­ rece ter sido ainda mais poderoso que Etana, por­
nou-se teatro de batalhas constantes, uma ampla que a Lista dos Reis conta que êle “invadiu o mar,
cena através da qual se desenrolava o espetáculo galgou as montanhas”, significando talvez que a
de antigos exércitos sob o comando de reis-guerrei- um só tempo pode ter levado o seu domínio a uma
ros com seus nomes exóticos. Algumas das cidades região que se estendia do Mediterrâneo até os mon­
envolvidas nessa peleja nos são familiares graças á tes Zagros, a leste da Suméria.
Bíblia — o Velho Testamento menciona Erech e a Outros reis que sucederam a Meskiaggasher no
“Ur dos Caldeus”, que a tradição dá como o berço trono da primitiva Erech foram também governan­
do patriarca Abraão —, porém muitas das outras tes memoráveis. Vários déles deixaram tão profun­
têm nomes que soam tão estranhos aos ouvidos das impressões nos súditos que éstes os deifiçaram
modernos como os dos reis que assaltaram os seus após a morte. Um entre êles, chamado Dumuzi,
muros. tomou-se um importante deus da fertilidade no
Interrompendo a competição quase incessante panteón da Mesopotâmia e o seu culto veio ainda
das cidades pela supremacia houve diversos inter­ influenciar posteriormente outras religiões do an­
35
tigo Oriente Próximo. Os judeus, por exemplo, co- sível manter a sua civilização por mais de um milê­
nheceram-no como Tamuz; ainda no século VI antes nio de conquistas e discórdias internas que se alter­
de Cristo as mulheres de Jerusalém pranteavam a navam.
sua morte e a sua descida lendária à região dos mor­ O salvador da Suméria foi Lugalannemundu,
tos, evento que veio a ser identificado como o de­ um rei da cidade de Adab, cujos feitos são recor­
clínio anual da vegetação. Um dos meses do calen­ dados no antigo documento que o descreve como
dário hebraico ainda hoje é chamado de Tamuz, aquêle que “obrigou tôdas as terras estrangeiras a
o nome semítico de Dumuzi. Uie pagarem pesado tributo”. Lugalannemundu der-
•Contudo, o mais famoso dos primitivos reis de mbou a dominação elamita e reconciliou as cida-
Erech foi Gilgamesh, que se supõe ter reinado em des-estados, porém não parou aí. Derrotando uma
alguma fase do século XXVll antes de Cristo. De­ confederação de treze reis que virtuahnente con­
zenas de mitos e legendas vieram mais tarde a sur­ trolavam entre êles todo o antigo Oriente Próximo,
gir em tômo do nome e das proezas desse rei ilus­ fêz a sua influência projetar-se muito além dos limi­
tre, e no curso do tempo tomou-se êle não só um tes da Suméria. Contudo, nem mesmo as vitórias mi­
semideus da Mesopotâmia e o seu supremo herói litares e os esforços patrióticos dêsse homem dinâ­
popular, mas também uma das figuras épicas domi­ mico implantaram paz e união duradoura na Su­
nantes de todo o mundo antigo. Através dos sé­ méria. Após a sua morte voltaram as dissensões
culos, narrativas das suas pelejas com animais internas, produzidas pela rivalidade crônica entre
ferozes e adversários super-humanos, como do seu as cidades-estados, e nos duzentos anos seguintes a
empenho em descobrir o segrêdo da imortalidade, Suméria assistiu a um outro ciclo de incessante luta
foram escritas e reescritas em sumeriano, acádico, pela supremacia.
hitita e outras línguas do antigo Oriente Próximo; • Durante êste período de conturbação, Lagash,
e pode ter sido êle o protótipo para o herói grego uma cidade-estado a cêrca de sessenta quilômetros
Héraclès. ao nordeste de Erech, tomou-se o preponderante po­
Ainda que Gilgamesh tenha sido celebrado na der militar e político na dividida Suméria. A as­
história e na legenda, não foram descobertos regis­ censão e a queda das cidades nos tempos anterio­
tros de sua época que aclarassem os acontecimentos res só são conhecidas através de documentos escri­
da sua vida e do seu reinado. Todavia, documentos tos muitos séculos após a ocorrência dos aconte­
posteriores indicam que o seu tempo foi de agitação cimentos. A história de Lagash, entretanto, chegou
política, durante a qual os governantes das cidades até nós por meio de documentos da época, devido
de Kish, Ur e Erech travaram renhida peleja trí­ aos seus arquivistas, os primeiros historiógrafos da
plice pela hegemonia na Suméria. A vitória nessas humanidade.
hostilidades intestinas coube a Gilgamesh, de Erech. O governante cujas conquistas militares ergue­
Mas, foi um vão triunfo, pois as sangrentas guerras ram Lagash ao pináculo do poder, por volta de
civis de tal modo debilitaram a Suméria que ela 2450 a.C, foi Eannatum, o terceiro rei da primeira
se tornou vassala dos reis elamitas, tradicionais ini­ dinastia da cidade. Ao comêço da sua carreira de
migos que habitavam o que é hoje o sudoeste do agressão, Eannatum atacou com êxito a cidade vizi­
Reino do Irã. nha de Umma, com a qual Lagash havia batalhado
A despeito de vários esforços em que se em­ repetidamente por direitos de irrigação. Para co­
penharam algumas das cidades sumerianas para memorar a derrota de Umma, ergueu êle, como
arrebatar aos elamitas o controle do país, só mais demarcação de limites entre as duas cidades, um
ou menos um século após Gilgamesh foi que a monumento de pedra chamado “A Esteia dos Abu­
Suméria se livrou do jugo. Essa recuperação é bem tres”, do qual ainda existem alguns fragmentos
o testemunho da extraordinária resistência dos su­ grandes; naquele marco o rei ordenou que se ins­
mários; sem essa qualidade não lhes teria sido pos­ crevessem os têrmos de paz que puseram fim à

36
guerra — o mais antigo dos tratados diplomáticos
PARA IRRIGAR OS CAMPOS dús suüs planícies ressequidas, os mesopo- de que a história dá noticia. Encorajado pelo seu
tâmios usavam aparelhos como os que são mostrados em ação no triunfo sobre Umma, Eannatum cuidou então de
desenho acima — longas varas com contrapéso para retirar do rio subjugar outras cidades-estados sumerianas, entre as
baldes de 'agua e derramá-los em reservatórios mais elevados. Os quais Erech, Ur e Kish, de modo que, por um
reservatórios alimentavam intrincadas fedes de canais como o visto
breve período pelo menos, Lagash pôde impor suse-
abaixo num desenho extraído de um mapa de campos e sulcos de
irrigação perto de Nippur, mapa que data de 1300 a.C. O canal- rania sôbre toda a Suméria. Contudo, os inimigos
-tronco descreve uma curva em form a de U ao redor do campo real, de Eannatum não lhe deram tréguas. O orgulhoso
que está na parte interior do desenho, e é marginado pelas terras “Subjugador das Terras Inimigas” finahnente foi
pertencentes aos templos ou concedidas às aldeias da redondeza morto em batalha, e daí em diante deteriorou-se
(marcadas pelos círculos) e aos cidadãos de Nippur.
rápidamente o poderio de Lagash.
Ainda que ansiosa por aproveitar a fraqueza
de Lagash, a vizinha Umma só veio a encontrar
ocasião propícia para destruir a sua rival odiada
algumas gerações depois, quando ao trono da ou­
tra ascendeu um reformador idealista, amante da
paz, que se chamou Urukagina. Lugalzaggesi, o
combativo e ambicioso governante de Umma, valeu-
-se dêsse momento para atacar Lagash e saquear e
incendiar os seus tempíos. Embora a cidade tenha
sido em grande parte arruinada, salvou-se um pre­
cioso documento do infortunado Urukagina; é um
tocante registro das reformas sociais que protegeram
os cidadãos de Lagash contra injustiças da buro­
cracia — assentamento em que pela primeira vez
se exprime na história escrita do homem a idéia
de liberdade individual.
O triunfo de Lugalzaggesi sôbre Lagash foi
apenas o primeiro numa série de campanhas mili­
tares vitoriosas. Não tardou êle a tomar-se senhor
de muitas cidades importantes na Suméria, inclu­
sive Nippur, o principal centro religioso; transferiu
o rei sua capital de Umma para Erech e vanglo-
riou-se, numa de suas inscrições, de ter controle
sôbre todo o território “desde o Mar inferior (o
gôlfo Pérsico) até o Mar Superior (o Mediterrâ­
neo)”. Mas, então, chegou a sua vez de amargar
as ignomínias da derrota e Lugalzaggesi terminou
seus dias prêso por uma coleira à porta de Nippur,
servindo de alvo ao escárnio e aos vitupérios de
todos que passavam.
O seu vencedor foi o poderoso Sargão, cha­
mado o Grande, uma das figuras preeminentes do
mundo antigo. Soberbo chefe militar, organizador
e administrador, êsse homem extraordinário foi o
37
GUTIANOS
"V
DESERTO
DA
SÍRIA
ACAD °
* Kísh
CIDADES AGRUPADAS, construidas
ao longo do Tigre e do Eufra- Níppur • ELAMITAS
tes, assinalavam os reinos da So- ,lsm

méria e de Acad. No fim do Shuruppok* JJmma


39 milênio a.C. muitas de tais SUMÉRIA
cidades foram avassaladas pelos MESOPOTAMIA
bárbaros amoritas, gutianos e
elamitas. Agade, a capital de
\ ACAD
Acad, fo i tão completamente de­
molida pelos invasores gutianos, SUMÉRIA
por volta, de 2200 a.C., que as GÔLFO
ruínas ainda não apareceram P É R S IC O DESERTO DA ARÁBIA

GOLFO
SUMERIA E ACAD PÉRSICO
Terceiro M ilênio a.C.

primeiro a reunir a Suméria e a metade setentrio­ Sua arrancada inicial foi um ataque de sut-
nal da Mesopotâmia numa nação única, sob uma prêsa a Erech, capital de Lugalzaggesi, daí resul­
autoridade suprema, e o império que êle consti­ tando a captura do governante e o seu encarcera­
tuiu na Ásia Ocidental iria durar perto de duzentos mento em Nippur. Eliminada assim a maior fòrça
anos. política da Suméria, Sargão consolidou o seu domí­
Sargão nasceu por volta do ano 2350 a.C.; era nio sòbre a Mesopotâmia meridional, ao lançar
filho de semitas, o povo que começou a se infiltrar triunfantemente suas falanges de lanceiros e arquei­
na Mesopotâmia, pelo oeste, nos pré-históricos tem­ ros, assim como seus carros de guerra puxados por
pos ubaidiahos e que já constituía uma apreciável burros, contra as cidades favoritas de Lugalzaggesi,
parte da população. Pouco se sabe quanto ao co- isto é, Ur, Um ma e Lagash (que já se refizera
mêço da sua vida. Segundo uma lenda posterior, da destruição infligida por Lugalzaggesi).
parecida com a de Moisés, sua mãe confiou a A seguir, Sargão subjugou os turbulentos ela­
criança à própria sorte ao lançá-la no Eufrates den­ mitas, além da fronteira oriental da Suméria, e che­
tro de uma cesta com tampo de breu. O destino foi fiou vitoriosas expedições militares na Mesopotâmia
benéfico; um lavrador, que tirava água para irrigar setentrional. Depois, marchou na direção do oeste,
o seu campo, recolheu a cesta e criou o menino estendendo suas conquistas até às serranias de
como se fôra seu filho. Amanus e Taurus, perto do litoral mediterrâneo
Quando chegou à idade viril, Sargão tomou-se da Síria e da Turquia. Os exércitos de Sargão podem
o áulico incumbido de servir bebida a Ur-Zababa, mesmo ter levado o seu poder a terras tão distan­
o rei sumeriano de Kish; não se sabe, porém, como tes como o Egito, a Etiópia e a índia.
êle ascendeu da sua humilde condição àquele alto Para controlar todo o seu vasto reino, Sargão
pôsto. Também não se conhece a maneira pela guarneceu os estratégicos pontos avançados com tro­
qual conseguiu depor Ur-Zababa e lhe arrebatar o pas semitas, e também, por tôda parte, nomeou ho­
trono. Todavia, assim que assumiu o poder, não mens da sua raça para os altos postos administrati­
perdeu tempo em lançar-se no caminho das suas vos. Em algum lugar ao longo do Eufrates, nessa
extraordinárias conquistas, e muitos dos seus pas­ parte do centro-sul da Mesopotâmia então conhecida
sos podem ser seguidos pelas cópias, que subsisti­ como Acad, construiu êle sua nova capital, dando-
ram, de inscrições feitas ao seu tempo. -Ihe o nome de Agade; embora não se conheça pre­
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cisamente sua localização, diz-se que a cidade foi governantes, o Príncipe Gudea, é talvez a figura
uma das mais magnificentes do mundo antigo, com mais conhecida da antiga Suméria; muitas estátuas
os seus templos e o palácio real exibindo o esplen­ suas foram desenterradas em meio ãs ruínas da ci­
dor de tesouros oriundos de tôdas as partes do im­ dade e a maioria delas agora se encontra em museus.
pério. Da terra de Acad veio o nome acádico, dado Algumas das estátuas contêm inscrições com relatos
ao idioma semítico que se tomou de uso comum na sôbre grandiosas construções e restaurações de tem­
Mesopotâmia, do tempo de Sargão em diante. Acá­ plos lagashitas, e outras inscrições da mesma época
dico é também o têrmo pelo qual os modernos es­ nos contam como Gudea prodigalizou nesses edifí­
tudiosos designam o período da história mesopotâ- cios uma riqueza de ouro, prata e pedras semipre­
mica dominado por Sargão e outros da sua linha­ ciosas.
gem. Finalmente, após um século mais ou menos da
Como sucede tantas vêzes com poderosos con­ brutal dominação gutiana, um libertador da Sumé­
quistadores, após a morte de Sargão o seu impé­ ria, com o nome de Utuhegal, levantou-se em Erech,
rio se desintegrou. Seus dois filhos, tendo de en­ a cidade que em tempos anteriores havia produzido
frentar revoltas generalizadas dentro e fora da Su- o heróico Gilgamesh e outros grandes reis. Utuhegal
méria, concentraram todos os esforços na tentativa batalhou contra “a serpente e escorpião da monta­
de preservar pelo menos uma parte da herança. nha. . . que arrastara a realeza da Suméria para
Verdade é que o neto de Sargão, Naram-Sin, pro­ terra estrangeira”, aniquilou os gutianos e libertou
vou ser, por algum tempo, urrç/digno sucessor do o seu povo dêsses opressores. Mas, apesar de bravo,
grande rei-guerreiro. Suas conquistas estenderam-se heróico, Utuhegal nao era evidentemente perspicaz
também por todo o Oriente Próximo, e o seu mo­ na escolha dos subordinados. E depois de reinar
numento (agora no Louvre, em Paris) comemorando apenas sete anos como chefe supremo da Suméria
a vitória sôbre as belicosas tribos nômades dos mon­ foi deposto por Ur-Nammu, um general ambicioso
tes Zagros, sintetiza, na eloquência da pedra, as suas a quem, por infeliz idéia, nomeara governador de Ur.
proezas militares. Ali, a figura de Naram-Sin, ar­ A linhagem de reis que Ur-Nammu iniciou em
mado de arco e seguido pelo seu exército, é vista Ur, por volta de 2100 a.C., foi a terceira na história
pisoteando impiedosamente os corpos dos inimigos da cidade e a última dinastia da Mesopotâmia que
tombados, enquanto adejam no céu os símbolos de pode ser classificada como sumeriana. Durante o sé­
suas divindades protetoras. culo em que estêve sob o mando de Ur-Nammu e
Mas, nem mesmo os deuses tutelares de Naram- seus descendentes, a Suméria recuperou parte da sua
-Sin puderam obstar a catástrofe que abateu a Su- glória antiga. Foram reconquistadas porções conside­
méria e seus governantes semíticos lá pelo ano ráveis do império que se tinham perdido desde o
2200 a.C. O terrível golpe consistiu numa invasão tempo de Sargão e seus herdeiros; a agricultura e o
por hordas de gutianos, temíveis bárbaros que se comércio, que em grande parte se haviam estag­
despejaram das terras montanhosas ao nordeste e nado sob o jugo dos bárbaros gutianos, desfrutaram
varreram da face da terra a magnífica cidade de de impressionante prosperidade, e em todos os ra­
Agade. A chegada dos gutianos não só pôs trágico mos artísticos ocorreu um súbito e esplêndido re­
fim ã dinastia fundada por Sargão como também nascimento.
prenunciou o colapso que em breve sofreria o gran­ Ur-Nammu, o usurpador, revelou-se um rei forte
de império sôbre o qual aquêles reis exerceram o e capaz, assim como um enérgico edificador em
seu mando. tôda a Suméria, especialmente em Ur. Ali ainda
Dentre tôdas as cidades sumerianas, só Lagash permanecem de pé, como duradouro monumento ã
parece ter florescido nos penosos dias que se segui­ sua memória, os remanescentes do zigurate que êle
ram, e isso porque os seus governantes se dispuse­ dedicou a Nanna, o deus-lua. Em sua base, essa
ram a colaborar com os odiados gutianos. Um desses gigantesca estrutura de tijolos cobre uma área de
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70 metros por 46 metros; originalmente, suas pla­ submeteu os governadores de outras cidades, por
taformas em três planos encimados pelo santuário, meio de força ou de ameaças. Daí resultou que
sobranceavam a cidade numa altura de 25 metros. durante algum tempo a Suméria foi governada por
Ur-Nammu também se notabilizou como o primeiro dois reis em rivalidade: Ibbi-Sin em Ur e Ishbi-Erra
legislador conhecido na história. O seu código de em Isin.
leis, do qual algumas partes foram encontradas em A reaparição da doença crônica da Suméria —
inscrições cuneiformes, precedeu o celebrado Có­ a amarga discórdia interna —, juntando-se á pres­
digo de Hamurábi, da Babilônia, por mais de três são cada vez maior dos inimigos externos, debilitou
séculos, e as leis de Moisés por mais de um milê­ o país. Por volta do ano 2000 a.C. os elamitas
nio. atacaram e destmíram Ur, levando o seu rei para
Ur-Nammu parece ter encontrado a morte no um cativeiro de que jamais retornou. Embora a
campo de batalha, combatendo os gutianos que, a cidade de Isin tenha conservado certo prestígio por
despeito da derrota sofrida antes, continuavam seus algum tempo, a queda da poderosa Ur assinalou o
ataques à Suméria. Então, ascendeu ao trono o fi­ fim da Suméria como uma potência. Pouco depois,
lho de Ur-Nammu, Shulgi, que nos 48 anos do seu os amoritas semíticos expulsaram do país os elami­
reinado se revelou um dos mais ilustres e bem do­ tas, escolheram Babilônia para a sua capital e fi­
tados governantes da antiga Mesopotâmia. Os poe­ zeram desaparecer os sumerianos como entidade
tas sumerianos do seu tempo o celebraram em hinos étnica.
da mais esmerada composição; e, ao que parece, A catástrofe que desabou sôbre a sua terra e
não exageraram indevidamente ao retratá-lo como suas cidades causou profunda impressão aos poetas
uma rara combinação de sábio, guerreiro, construtor dos últimos dias sumerianos. Uma de suas lamen­
de templos, diplomata e generoso patrono das ar­ tações pode servir de melancólico epitáfio ao povo
tes — um doador de tôdas as coisas boas à sua que, mais de dez séculos antes, fòra o primeiro a
terra e ao seu povo. transpor o limiar da civilização e cujas brilhantes
Foi durante o longo reinado de Shulgi e o dos criações enriqueceram muitas das grandes culturas
seus sucessores que os sumérios voltaram a contro­ posteriores. O poeta deplora o dia /
lar um império quase tão vasto quanto o de Sar- Em que “lei e ordem ” deixaram de
gão. Mas estava para descer a cortina sôbre a Su­ existir. . .
méria e seus grandes séculos. Quando Ibbi-Sin, o Em que cidades foram destruidas, casas
quinto e o último rei da dinastia de Ur-Nammu, derrubadas. . .
subiu ao trono de Ur, teve de repelir ataques de Em que os rios [da Suméria] fluíam com
vulto em duas frentes: a leste, investiam os velhos águas amargas. . .
adversários da Suméria, os elamitas, e, a oeste, os Em que a mãe já não velava pelos f i ­
novos inimigos que se haviam levantado nos de­ lhos. ..
sertos da Síria e da Arábia, os nômades semíticos Em que a realeza forá banida do pais. . .
conhecidos como os amoritas. Em que sôbre as margens do Tigre e do
Sofrendo êsses golpes, a Suméria e o seu im­ Eufrates brotavam plantas enfermiças. . .
pério começaram a se desintegrar. Os generais de Em que ninguém seguia pelas grandes es­
ibbi-Sin e seus governantes de províncias, farejando tradas, ninguém procurava os caminhos. . .
no ar a perdição, abandonaram sua lealdade ao mo­ Em que cidades bem erguidas e aldeias se
narca e cada qual passou a agir por sua conta. A reduziram a ruinas.
figura principal nessa traição foi um dos generais em Em que o projiiso povo de cabelos negros
quem o rei depositava a maior confiança, Ishbi-Erra, fo i submetido á clava. . .
que não só conseguiu tomar-se o senhor de Isin, Se a sorte ditada [pelos deuses] é imutável,
cidade a rms 130 quilômetros de Ur, mas também quem poderia transformá-la?
40
HOMENS DE TODOS OS CAMINHOS DA VIDA, no Püdrão de Ur, No painel superior, os sume ríanos ein guerra; no inferior, um prestito da córte.

o POVO DA SUMERIA
Uma das chaves mais valiosas que a arqueologia tem para decifrar a vida na
antiga Suméria é um objeto de madeira finamente trabalhado e conhecido como
o Padrão de Ur (acima). Encontrado num túmulo na cidade de Ur, contando
mais de 4.500 anos, seus painéis, com a extensão de 40 centímetros, são mar-
chetados de conchas e lazulita, com panoramas de figuras representativas de
todas as classes da sociedade. Uma das faces mostra soldados em batalha e levando
prisioneiros para o rei (fileira de cima, ao centrofi a outra face apresenta o
rei presidindo a um banquete, enquanto súditos lhe trazem dádivas de animais,
produtos agrícolas e artigos manufaturados, base da riqueza sumeriana.
41
UMA TERRA
DE AGRICULTORES
Segundo uma antiga lenda sumeriana, a prosperi­
dade chegou à Mesopotâmia quando os deuses “fi­
zeram a ovelha dar à luz um cordeiro. . . [e] o
trigo brotar nas leiras”. De fato, os sumérios, em
sua grande maioria, eram lavradores e produziram
a riqueza que tornou possível a civilização. O mais
velho manual de agricultura em todo o mundo é
um documento sumeriano que ensina como cultivar
a cevada, o alimento básico da Mesopotâmia. Havia
criadores de porcos, jumentos e cabras, como tam­
bém de bois e carneiros, os últimos apresentados
aqui em partes componentes do Padrão de Ur. Os
bois eram usados como animais de tração e curtido
o seu couro. Os carneiros, que forneciam lã para
a florescente indústria têxtil, eram tão importantes
que os sumérios tinham duzentos vocábulos diferen­
tes para denominar os vários tipos dêsse animal.
42
portadores de carga pesada, cada qual constituindo umdetalhe doPadrão. A esquerda, umhomemcarrega umfardo quepode conter lã, enquanto
ODESENVOLVIMENTO
DO COMERCIO
Com as riquezas provenientes da sua agricultura,
estabeleceu-se ativo comércio entre as cidades da
Suméria e seus vizinhos. Caravanas dirigidas por
mercadores levavam muitas cargas de cevada e te­
cidos para a Ásia Menor e o Irã, retomando com
madeira, pedra e metais. Artífices sumerianos trans­
formavam essas matérias-primas em instrumentos,
armas ejóias, que depois eramtambémexportados.

outroguia umcarneiro não castrado. Umterceiro traz uma estufadasaca de cereal ou outra mercadoria, enquanto o homemà direita levafieiras depeixe.
c

<

o rei de UR, vestido comumasaia depele de carneiro e trazendo à mão tima copa, ouve umharpista e umcantor da corte (página oposta).
o LUXO E O PODERIO D A CORTE
Para regulamentar o comércio e a agricultura, cada ministrava justiça e preservava o bem estabelecido
estado sumcriano instituiu um governo forte, exer­ sistema de canais para irrigar as terras produtivas.
cido por uma classe de burocratas e chefiado por De início, os reis eram eleitos. Mas, com o tempo,
um rei. Ainda que o rei vivesse faustosamente, com a função tomou-se hereditária e foi envolvida por
numerosos dignitários e servidores a assisti-lo, suas tal atmosfera de legenda que os sumérios pretendiam
responsabilidades eram múltiplas. Construía templos. fôssem os seus monarcas designados pelo céu.

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em linha de batalha, umafila de infantes (alto) portam espadas curtas. Os soldados usamcapacetes de cobre epesados mantos deproteçãoguarne I
SOLDADOS DO REI
Praticar a guerra figurava entre as incumbências
mais importantes de um monarca sumeriano. Quan­
do surgia litígio sôbre terras e uso de águas entre
cidades-estados que se confinavam, os governantes
mobilizavam grandes exércitos para a defesa. Uma
classe especializada de soldados profissionais foi
constituída e meticulosamente adestrada ná ciência
militar; fileiras de infantes com armadura atacavam
em formação disciplinada (esquerda) e carros de
combate aniquilavam as linhas inimigas. Tão eficien­
tes eram êsses guerreiros de profissão que suas con­
quistas se estenderam por toda a Mesopotâmia e
contribuíram para que se alastrasse mais além a
cultura altamente desenvolvida dos povos sumérios.

por discos de metal. No desfile mostrado abaixo, umcarro de combate comrodas de madeira cavilhadas e blindado temapu^á-lo quatrojumentos.
Com a destruição de Ur, aproximadamente no
ano 2000 a.C., foi chegando ao fim um milênio e
meio de dominação sumeriana na Mesopotámia.
Como poder político a Suméria logo se eclipsou, po­
rém subsistiu a sua opulenta herança cultural. Foi
ela aproveitada pelas novas dinastias reais fundadas
por estrangeiros e sob o seu mando a Terra Entre
os Rios iria atingir alturas ainda mais gloriosas do
que as dos tempos sumerianos.
Nos 15 séculos seguintes, êsses governantes
consolidariam as cidades-estados da Mesopotámia
em novos reinos sediados em novas e esplêndidas
capitais; dois dêsses reinos — Babilônia no centro-
-sul da região e Assíria ao norte — tomar-se-iam
poderosos impérios. Cada qual, por seu turno, te­
ria fases de poder, seguidas por épocas de decadên­
cia e submissão ao outro, para conhecer depois
A EXPANSAO brilhante renascimento. Até sua derrocada final, um
e outro espraiariam a sua influência, tanto cultural­
DO IMPERIO mente como pela força das armas, por vastos rin­
cões do antigo Oriente Próximo.
Por algumas centenas de anos após a termina­
ção da idade sumeriana, muitos dos governantes
que modelaram a história mesopotâmica foram
amoritas ou descendentes de amoritas, gente semí­
tica dos desertos da Assíria e da Arábia. As in­
cursões dêsses nômades vindos do oeste, juntan-
do-se aos ataques dos elamitas vindos de onde hoje
é o Irã, fizeram a Suméria cambalear ao fim do
Terceiro Milênio a.C., porém não fora esta a pri­
meira vez em que os amoritas apareceram na re­
gião. Rústicos e bárbaros homens de tribo que
viviam principahnente de criar bois e pastorear car­
neiros^ já haviam êles, por um certo número de
anos, lançado oUios invejosos na direção da civili­
zada Mesopotámia, e durante êsse período foram-se
infiltrando ali como trabalhadores pacíficos nos cam­
pos ou nos diversos ofícios urbanos e como merce­
nários dos exércitos sumerianos.
Por fim, com o enfraquecimento da Suméria que
se seguiu á destruição de Ur pelos elamitas, aquê-
les nômades do deserto viram a oportunidade de
trocar suas tendas e suas magras pastagens pelas ci­
dades e pelas fecimdas terras, próprias para a agri­
cultura, da planície entre o Tigre e o Eufrates.
Transpondo as muralhas das fortalezas construídas
para detê-los, derramaram-se na Mesopotámia em
ondas de conquista e ocuparam os centros sumeria­
nos, uns após outros. Não tardou muito a que êsses
nômades amoritas se tomassem inteiramente urba­
nizados, adotando dos predecessores muito de sua
U m a deid a d e com figura integrante de relevo no palácio do religião, literatura, direito e arte. Conservaram, po-
rei assírio Assurnasírpal 11, emprega uma pinha para raspar a seiva ^ rém, SCU idioma s e m i t l C O para a fala e OS documcn-
uma palmeira sagrada, usada para ungir os reis assírios. tos, ficando a língua sumeriana relegada ás escolas
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e aos templos, onde continuou estudada, falada e astúcia e coragem; sabia quando era tempo de es­
escrita até o tempo de Cristo. perar, de ceder e curvar-se, e quando era hora de
Um dos centros sumerianos conquistados pelos golpear.
invasores foi Babilônia, então cidade sem importân­ De fato, Hamurábi conteve-se por mais de um
cia, a uns 75 quilômetros ao sul da moderna Bagdá, quarto de século. Gastou êsses anos no fortaleci­
e ali um xeique chamado Sumuabum fundou uma mento da sua posição, sobretudo por meio de alian­
dinastia amorita no ano 1850 a.C. Sob Hamurábi, ças políticas ou militares que não hesitava em rom­
o 6? rei da linhagem de Sumuabum e um dos mais per quando isso convinha ao seu desejo de domi­
celebrados monarcas do antigo Oriente Próximo, nação. Por fim, sentiu-se bastante poderoso para
Babilônia conquistou suserania sôbre tôda a Meso- lançar uma série de ataques maciços contra seus
potâmia e emprestou seu nome ao país antes co­ principais competidores. No trigésimo-primeiro ano
nhecido como Suméria. de reinado, assaltou de surprêsa e tomou a cidade
Quando Hamurábi subiu ao trono babilónico de Larsa, saindo da batalha como o senhor da Meso­
em 1750 a.C., a Mesopotâmia ainda estava frag­ potâmia meridional e central.
mentada numa série de cidades-estados rivais que Três anos depois, tomou sob o seu controle a
recuperaram a autonomia um pouco antes da der­ Mesopotâmia ocidental ao esmagar Mari — com a
rocada de Ur e do seu império. Muitas das cidades qual anteriormente se aliara —, deixando-a em ruí­
eram agora governadas realmente por amoritas, nas. Recentemente, arqueólogos franceses fizeram
compatriotas de Hamurábi. Mas dos seus laços de escavações no local de Mari, e nos escombros do
sangue não resultou uma paz duradoura e a região seu amplo palácio real desenterraram arquivos que
continuou a ser dilacerada por lutas internas, com continham mais de 20.000 placas de argila, incluin­
o centro do poder passando de uma cidade para do-se entre elas centenas de cartas oficiais que da­
outra. Assim, Hamurábi herdou um Estado que tinha tam do reinado de Hamurábi. O conteúdo dessas
ao seu derredor rivais ambiciosos e agressivos. Os cartas revela muito dêsse agitado período da his­
mais proeminentes dentre eles eram Larsa, que do­ tória mesopotâmica; êsses documentos também con­
minava as cidades ao sul, Mari ao noroeste da Síria, firmam o importante papel desempenhado não só
Eshnurma ao norte, e Assur — a cidade da qual a por Hamurábi como por outras figuras destacadas.
Assíria derivou o seu nome — situada a ims 300 No comêço, os estudiosos pensaram que êsse
quilômetros a noroeste de Babilônia, sôbre as mar­ rei babilónico fôra o monarca predominante do seu
gens do Tigre. tempo, opinião fundada principalmente no seu fa­
O nôvo rei da Babilônia não se contentou em moso Código de Leis, que se acreditava ser o mais
manter uma incômoda coexistência com seus peri­ veUio do mundo antes de se descobrirem os seus
gosos vizinhos. Impelido pelo desejo de amalgamar precursores sumerianos. Grande foi a surprêsa dos
uma terra profundamente dividida num estado imo investigadores modernos quando leram nos registros
que — como o seu precursor, a Suméria — deve­ de Mari que os contemporâneos de Hamurábi nem
ria representar papel predominante no mimdo an­ sempre o consideraram assim. Uma das cartas sa­
tigo, Hamurábi tratou de vencer e destruir os seus lienta que, antes da sua vitória sôbre Larsa — o
rivais, um a um. No comêço do seu reinado só se seu primeiro passo significativo na marcha para o
impunha a um território com menos de 80 quilôme­ império —, Hamurábi era tido apenas como um
tros de raio; quando morreu, 42 anos depois, a entre vários outros reis do Oriente Próximo com
sua cidade era a capital de um reino que se estendia poder igual: “Não há rei que seja poderoso por si
do golfo Pérsico para além da fronteira da moderna só. Dez ou quinze reis acompanham Hamurábi, o
Turquia, e dos montes Zagros, no leste, ao rio homem de Babilônia, número semelhante segue
Khabur, na Síria. Tudo isso Hamurábi realizou por Rirh-Sin de Larsa, outros tantos seguem Ibalpiel de
uma notável combinação de senso de estadista, de Eshnunna. . . e vinte acompanham Yarimlim de
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Yamkhad (um estado sírio na região de Alepo).” Hamurábi — embora tenha unido e ilustrado o
Ainda que os seus contemporâneos possam não se país — trouxe bem pouca alteração ao fundamen­
ter impressionado com a estatura de Hamurábi ao tal estilo de vida na Mesopotâmia. Já que Babi­
comêço de suas conquistas, já não havia como ne­ lônia controlava agora todas as rotas de comércio
gar o seu poderio depois que êle colocou sob o seu que atravessavam a região, assim como as ricas ter­
mando a Mesopotâmia do sul, do centro e do oeste. ras de lavoura no sul, não há dúvida de que au­
Agora, chegara o tempo em que iria completar o mentou a prosperidade material — pelo menos den­
seu domínio sobre tôda a região. Isso êle realizou tro da própria Babilônia — porém no sentido cul­
ao aniquilar Eshnunna, cidade a uns 100 quilô­ tural quase não houve qualquer rompimento com
metros ao norte de Babilônia, que, em aliança com o passado. Na maior parte, os deuses dos dias sume-
Assiir, a principal cidade da Assíria, tinha sob sua rianos — embora recebessem nomes semíticos —
dominação grande parte da Mesopotâmia setentrio­ continuaram a ser adorados de aco'rdo com tradi­
nal. Com a captura e o saque de Eshnunna também ções consagradas pelo tempo. (Marduk, o deus de
adquiriu contro‘le, nominal pelo menos, sóbre a Babilônia, substituiu realmente a divindade sume-
Assíria. riana Enlil como a figura principal do panteón,
Hamurábi encontrou-se então no apogeu da mas é provável que isso tenha ocorrido após o rei­
sua carreira, senhor de um domínio unificado que nado de Hamurábi). Na literatura, os velhos mitos
virtualmente incluía tôda a Mesopotâmia e suas adja­ e lendas persistiram com apenas ligeiras variações,
cências. No prólogo ao seu Código — cuja cópia e a arte e a arquitetura do período não apresentam
mais conhecida, gravada numa esteia, ou seja, numa grandes mudanças Ou inovações.
coluna de pedra, se encontra preservada no Louvre, A realeza, cujos alicerces eram “tão firmes
de Paris — êle proclamava que Babilônia era agora como os do céu e da terra”, não sobreviveu por
“soberana do mundo” e que os alicerces da sua muito tempo ao seu arquiteto. Hamurábi morreu
realeza eram “tão firmes como os do céu e da terra”. por volta de 1708 a.C., tendo gozado só durante
Segundo êsse mesmo prólogo, os deuses é que o ha­ uns poucos anos os frutos do seu êxito, e quase
viam instruído “a fazer a justiça presente na terra, imediatamente o império começou a se desintegrar.
a destruir o mal e os maus a fim de que os fortes Revoltas acenderam-se por tôda a parte. Apesar de
não pudessem oprimir os fracos, a erguer-se como ter o filho de Hamurábi desenvolvido ingentes es­
o deus-sol. . . para iluminar a terra”. forços para manter una a sua herança, a Babilônia
Sobreviveu até hoje considerável soma de in­ meridional e as províncias do sul foram logo perdidas
formes sôbre a maneira de Hamurábi dirigir o im­ e o reino se reduziu a um pequeno território em tor­
pério. Juntando-se ao seu minucioso Código Legal, no da capital. Outros descendentes de Hamurábi con­
existem muitas cartas suas aos babilônios nomeados tinuaram a reinar em Babilônia por mais de um sé­
seus funcionários nas províncias conquistadas. A culo, porém a maioria dêsses governantes se dedi­
correspondência revela que êsse homem extraordi­ cou tão-só aos assuntos internos, sem cuidar de con­
nário foi não só um formidável guerreiro e um quistas além das fronteiras.
astuto diplomata mas também um diligente e meti­ Então, por volta de 1600 a.C., a dinastia do
culoso administrador, smceramente interessado no grande Hamurábi chegou a um fim inglório. Cau­
bem-estar dos súditos. Suas cartas mostram que de­ sou-lhe a queda uma breve mas destruidora inva­
votou muita atenção pessoal a assrmtos de impor­ são dos hititas, um povo da Anatólia (Ásia Menor)
tância secundária, como o pagamento de rendas e que, vários séculos antes, se tomara uma grande
pequenas demandas judiciais, enquanto cuidava de potência no Oriente Próximo. -Os hititas assaltaram
arrecadar os impostos e de manter os sistemas de de surprêsa Babilônia, saquearam-na, e depois se
irrigação, de crucial importância para Babilônia. retiraram para a sua terra. Com as últim *s forças
De um modo geral, entretanto, o reinado de exauridas nesse desastre, o país tornara-se fácil
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AS CULTURAS PRiNOPÁis do ûfitigo Orien­
te Próximo estão catalogadas num qua­
dro cronológico para mostrar os séculos
em que floresceram. As barras doura­
das representam as culturas da própria
Mesopotâmia: sumeriana e acádica, ba­
bilónica e assíria, originarias da região,
e cassita e caldéia, que foram trazidas
pelos invasores. Todas essas civilizações
influenciaram de maneira marcante as
culturas dos povos vizinhos (em cinzento).

prêsa para quem quisesse conquistá-lo — e con­ Algumas gerações após a implantação do seu
quistadores logo apareceram. Foram os cassitas, in­ domínio os cassitas se tomaram' inteiramente babiló­
vasores não semíticos vindos dos montes Zagros, a nicos em literatura, religião e nos principais hábitos
leste, e durante mais de quatro séculos Babilônia de vida, e trocaram sua língua nativa pelo idioma
ficou sob a sua dominação. semítico do povo que haviam subjugado. Sob o seu
A ocupação cassita de Babilônia coincidiu com govêmo, a ordem e a prosperidade voltaram ao país.
uma época em que a estrutura política de todo o Construíram-se novas cidades; os templos de
Oriente Próximo sofreu grandes transformações. Nas Nippur, Ur e outras cidades antigas, que ficaram cm
terras adjacentes à Mesopotâmia haviam surgido abandono desde a invasão desastrosa dos hititas,
novas e vigorosas nações, e ainda outras estavam foram restaurados e embelezados; vieram a ser re­
em formação. Também ao longo da costa oriental cuperadas as províncias da Mesopotâmia meridional
do Mediterrâneo cresciam de importância as cida­ que o filho de Hamurábi havia perdido. Por um
des que povos semíticos tinham fundado. Assim, certo tempo os reis cassitas, recordando que nos
nos tempos do domínio cassita em Babilônia, o dias de Hamurábi a Mesopotâmia setentrional fòra
Oriente Próximo foi-se tomando uma região cada vassala de Babilônia, também se proclamaram com
vez mais complexa; quando a área se fêz mais assen­ direito de domínio sobre a Assíria.
tada, a história da Mesopotâmia passou a ter laços * Curiosamente, os modernos estudiosos sabem
cada vez mais estreitos com a dessas outras terras. disso não por documentos encontrados na Mesopo-

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tâmia, mas por cartas do século XIV a.C. desco­ da região do lago Van, na montanhosa Armênia,
bertas no distante Egito. Parte de um arquivo de que aos poucos se foi instalando em toda a Meso­
correspondência diplomática, essas cartas foram potâmia setentrional e na Síria. O poder militar dos
desenterradas em 1887, em Tell el-Amama, lugar hurrianos provinha principalmente do uso de carros
onde se situava a capital egipcia no reinado de Aque- de combate com tração de cavalos, animais cuja
náton, o faraó herético que tentou substituir os nu­ introdução no oeste da Ásia pode ter sido realizada
merosos deuses do país por uma única deidade uni­ através das planícies da Rússia meridional. No ano
versal. Entre as missivas escritas ao faraó em carac­ 1500 a.C., aproximadamente, os hurrianos estabe­
teres cuneiformes e em acádico, então a lingua leceram um preponderante estado uno, conhecido
franca do mundo antigo, havia duas cartas de Assu- como Mitanni, e a Assíria tornou-se um dos seus
mballit, um rei assírio. Tratavam elas principahnente vassalos. O poderio de Mitanni durou apenas um
de assunto sem maior importância, uma simples século, mais ou menos; começou a vacilar quando
troca de presentes entre os dois monarcas. Mas ha­ o império hitita se ergueu e espraiou o seu mando
via também uma carta de Bumaburiash, o rei cassita muito além das fronteiras da Anatólia. Isso ofere­
de Babilónia, que foi contemporâneo de Assum- ceu â Assíria o ensejo de recobrar sua independên­
ballit. Indignado com a petulância do governante cia, o que conseguiu por volta de 1350 a.C., sob
assírio ao enviar emissários ao faraó, Bumaburiash o govêmo de Assuruballit, o mesmo que trocara
solicitava que êles fossem mandados de volta com as presentes com Aquenáton, do Egito.
mãos vazias, pois Babilônia considerava a Assíria Para o fim do seu reinado, Assuruballit dei­
sua vassala. xou bem claro que a Babilônia dos cassitas teria
Os assírios viam as coisas de maneira dife­ de considerar a Assíria em pé de igualdade e não
rente. No meado do século XIV a.C. — o tempo como estado vassalo. Já então dispunha o rei de
em que Bumaburiash apresentou sua queixa ao considerável influência e por meio de hábil ma­
trono egípcio —, acabavam êles de se recuperar nobra política logrou colocar no trono do outro
de uma adversidade que durara cêrca de 400 anos estado o seu neto Kurigalzu, que era de sangue
e não queriam admitir uma condição de subserviên­ meio-assírio e meio-babilônio; mas não previu o
cia perante Babilônia. Eles próprios já tinham des­ que disso ia resultar. Assim que se instalou como
frutado outrora posições de supremacia, e alimenta­ rei, Kurigalzu tomou-se um autêntico patriota de
vam a esperança de um retorno ao antigo poderio. Babilônia e obstinado protetor de seus interêsses.
O primeiro período em que a Assíria aparece Para aumentar suas defesas, fundou uma importan­
como uma potência ocorreu pouco antes do reinado te cidade fortificada, com o nome de Dur-Kurigalzu,
de Hamurábi, quando Shamshi-Adad, um brilhante a moderna Acarcuf, perto de Bagdá. Os remanes­
chefe amorita, guiou os seus exércitos à dominação centes do gigantesco zigurate da cidade, que atingia
sôbre a maior parte da Mesopotâmia setentrional. uma altura de cêrca de 56 metros, ainda sobran-
Mas, com a morte dêsse rei-guerreiro, a autoridade ceiam a planície em derredor; alguns, dos primeiros
da Assíria declinou e, para sobreviver, o seu povo europeus que por ali viajaram cometeram o êrro
ficou sob a dependência da aliança com a cidade de de supor que êles fossem as ruínas da Tôrre de
Eshnunna. Quando Eshnunna tombou diante de Babel, e assim indicaram Acarcuf como o local
Hamurábi, também os assírios tiveram de aceitar o da antiga Babilônia.
jugo babilónico. Como os interêsses políticos de Babilônia con-
Depois que Hamurábi morreu e o seu im­ flitavam com os do seu vizinho, de independência
pério se esboroou, a Assíria conheceu tempos de recente e faminto de poder, não tardou muito a
maior provação ainda. Durante dois séculos e meio que Kurigalzu se envolvesse em guerra contra a
viveu à sombra terrível dos hurrianos — os horitas Assíria,* agora governada por um seu parente san­
do Velho Testamento —, um povo cruel e belicoso guíneo, o filho de Assumballit. A luta não chegou
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a um desfecho conclusivo e os dois reinos traça­ Oriente Próximo. Mas a sua escalada ao poder não
ram por tratado as suas fronteiras, mas desde então foi sem tropeços. Interrompendo-a, houve diversos
a balança do poder parece ter pendido para o lado períodos em que a sua sorte desandou e a estréia
da Assíria. Um monarca assírio, Tukulti-Ninurta, assíria pareceu em perigo de eclipse total.
chegou mesmo a colocar Babilônia sob sua suse- O monarca que representou papel predomi­
rania, capturando o rei cassita e jactando-se numa nante na condução da Assíria à sua nova era de
inscrição de que “sobre o seu pescoço real calquei proeminência foi Tiglath-Pileser 1. Ao começar o
os meus pés como sobre um escabélo”. seu govêrno, êsse rei venceu uma horda anatoliana
Entretanto, não foram os assírios que fizeram que ameaçava a cidade de Nínive, ao norte de
tombar, finalmente, a dinastia cassita, que tanto per­ Assur, assim como as estradas vitais do comércio
durara em Babilônia. O golpe de morte veio do assírio com a Ásia Menor, principal fonte do ferro
leste. Em 1170 a.C., aproximadamente, após sé­ já então em uso na maior parte do antigo mimdo
culos de não-agressão, os velhos inimigos da Me- civilizado. Posteriormente, para garantir as frontei­
sopotámia meridional, os elamitas do Irã, invadiram ras do norte e do leste, subjugou as tribos agressi­
Babilônia, derrubaram o último rei cassita e sa­ vas em tômo e além do lago Van, na Armênia,
quearam as suas cidades. Entre os despojos de guer­ temíveis montanheses das serranias de Zagros. No
ra que levaram de volta ao Elam havia tesouros oeste, marchou com o seu exército através da Sí­
de caráter nacional, tais como o Código de Hamu- ria, até a costa do Mediterrâneo, onde exigiu tri­
rábi e — suprema humilhação — a estátua de buto das ricas cidades fenícias de Biblos, Sidon e
Marduk, a divindade principal de Babilônia? Arvad. Também no oeste, Tiglath-Pileser fez re­
Com a espantosa capacidade de recuperação cuarem para além do Eufrates as tribos de nôma­
que desde os primeiros tempos sumerianos havia ca­ des semíticos conhecidos como os arameus, que por
racterizado os mesopotámios, os babilônios não tar­ algum tempo se haviam introduzido no território
daram a se refazer dêsse desastre e, sob urna nova mesopotâmico. Por fim, atacou ao sul e capturou
dinastia indígena, recobraram parte do seu prestigio Babilônia, numa vitória efêmera, pois não logrou
e poder. Um dos governantes, Nebuchadrezzar I, consolidá-la com um contrôle substancial da terra
expulsou as guarnições deixadas pelos elamitas, ata­ e do seu povo.
cou o próprio Elam e trouxe de volta a estátua de Os êxitos de Tiglath- Pileser no campo de ba­
Marduk para o seu templo em Babilônia. Perto de talha se igualaram aos benefícios que êle propiciou
1100 a.C., outro rei babilônio aventurou-se mesmo ao país. Suas conquistas proporcionaram à Assíria
a invadir a Assíria, penetrando até cérea de 35 qui­ uma prosperidade sem precedente, capacitando-o a
lómetros de Assur, a capital, para só então ser batido empreender programas de reabilitação em larga es­
o seu exército. cala. Restaurou os ziguraíes e o principal templo de
Mas a balança do poder já agora havia pendido Assur, sua capital; instalou no templo uma biblio­
decisivamente em favor dos assírios. Nos começos teca de obras literárias e reconstruiu o seu teto com
do século XI a.C., Babilônia ingressou numa era cedro obtido como tributo das cidades no litoral da
de decadência política da qual só 400 anos depois Síria e do Líbano. Em Nínive, criou novos parques
viria a se recuperar plenamente. Por outro lado, atraentes, e para irrigá-los desviou as águas de um
favorecida pela sorte, a Assíria foi tendo espetacular tributário do Tigre que ficava bem perto. Idênticas
ascensão. De índole mais belicosa do que os babilô­ obras de embelezamento foram realizadas noutros
nios — que se dedicavam com maior empenho às templos assírios e também muitas reformas agrícolas
realizações culturais do que às façanhas guerreiras foram promovidas no curso do seu reinado, de modo
—, os assírios lançaram-se por êsse tempo a uma que Tiglath-Pileser teve motivos para se gabar de
política implacável de conquista que os levou fi- haver servido bem ao povo e “em pacíficas habita­
nahnente a se tomarem senhores de quase todo o ções ... fêz a sua gente morar”.
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Paradoxalmente, êsse mesmo restaurador de ao longo do Tigre, com apenas 160 quilômetros
templos e cidades foi quem iniciou a política de comprimento por 80 de largura. Os arameus
de cmeldade e carnificina que tomaria mais tarde também se derramaram pela região de Babilônia.
os reis assírios temidos em todo o mundo antigo. Uma de suas tribos, a caldu, estabeleceu-se nas vi­
Não há guerra que não seja cruel, mas a partir de zinhanças do gôlfo Pérsico; dela é que veio o nome
Tiglath-Pileser os assírios praticaram o terror e a Caldéia, freqüentemente usado pelos antigos escri­
tortura com uma implacabilidade que é talvez sem tores gregos e hebreus para designar Babilônia.
par em tôda a história dos povos instruídos e civi­ O fenomenal soerguimento da Assíria que, após
lizados. Muito da sua ferocidade e amor à guerra 150 anos de adversidade, iria constituir-se numa das
tinha origem na posição geográfica da Assíria; era mais pujantes potências militares do mundo antigo,
ela cercada de inimigos que constantemente amea­ iniciou-se ao fim do século X a.C. Sob o reinado
çavam a sua existência, mas uma boa parte da in­ de Adadnrrari II, o país livrou-se das pressões que
clinação da Assíria para o mero uso da fôrça física o confinavam; em seguida, Adadnirari expulsou os
e da brutalidade também era motivada sem dúvida povos dos montes Zagros, abatendo-os “aos mon­
por um sentimento de inferioridade cultural em re­ tões”; depois, arrebatou considerável território da
lação à vizinha Babilônia, da qual havia adotado Babilônia setentrional. O seu filho, Tukulti-Ninur-
a escrita, a literatura e muitas das idéias e práticas ta II, também se apossou de terras e por ocasião
religiosas, econômicas e legais. da sua morte a Assíria, antes um estado melanco'-
« As inscrições que comemoraram os triunfos licamente encolhido ao longo do Tigre, já se tor­
militares de Tiglath-Pileser estabeleceram o modêlo nara um reino que ‘abrangia grande parte da Meso-
seguido e aprimorado por todos os governantes as­ potâmia setentrional.
sírios que vieram depois. Nelas são abundantes os O primeiro governante verdadeiramente no­
registros da sanguinolenta política assíria de terror. tável da nova Assíria soerguida foi o fiUio de Tu-
Um exemplo típico nessas -inscrições de Tiglath-Pi­ kulti-Ninurta II, Assurnasirpal II. Herdou êle, com
leser é a narração de suas vitórias sôbre os anató- a realeza, os melhores soldados do Oriente Próxi­
lios e os aliados destes, que punham em perigo a mo, adestrados e endurecidos por anos de árduas
região ao norte de Nínive: “Contra seus 20.000 campanhas e organizados em corpos de rápidos
guerreiros e 5 reis eu batalhei... e os venci. . . Fiz carros de combate com tração equina, de cavala­
que o sangue déles se derramasse nos vales e nas ria, arqueiros e lanceiros. Além dessas unidades,
planícies. Cortei-lhes as cabeças e empilhei-as como havia engenheiros que punham em ação aríetes com
montões de trigo diante das suas cidades... e as ponta de ferro e outras armas de sítio.
suas cidades, eu as incendiei, as demoli, as Como Tiglath-Pileser I havia feito quase dois
arrasei...” séculos antes, Assurnasirpal II conduziu as tropas
Mas submissão obtida à custa de terror não da Assíria muito além dos limites da Mesopotâmia,
gera lealdade. Tiglath-Pileser não foi um bom co­ indo até às costas do Mediterrâneo. Lavou êle as
lonizador; contentando-se em governar unicamente armas no mar, para simbolizar dêsse modo o seu
pelo medo, não logrou consolidar o seu reino com domínio sôbre as cidades fenícias; retornando ao
a montagem de uma sólida administração nos ter­ seu país através da Síria, marchou com uma gran­
ritórios conquistados. Depois da sua morte, aproxi­ de soma de tributos — ouro. prata, estanho, cobre,
madamente no ano 1080 a.C., o povo oprimido se marfim, madeiras raras e animais exóticos. Entre­
ergueu em revolta, esfacelando-se rápidamente o seu tanto, na sua maioria as campanhas de Assurnasir­
extenso domínio. Pressionados, a oeste, pelas tribos pal tiveram mais o caráter de incursões com pro­
nômades dos arameus e hostilizados, a leste, pelos pósito de pilhagem; no fim das contas, bem pouco
montanheses de Zagros, os assírios foram sendo gra­ território nóvo foi adquirido. Mas o rei conseguiu
dativamente espremidos numa exígua faixa de terra fazer da Assíria um nome que infundia pavor aos
57
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Babilónia B obilõnia •

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PÉRSICO 0 ORIENTE PRÓXIMO EM DESUNIÃO PÉRSICO
yfr Século XV a.C.
o IMPÉRIO BABILÓNICO 1 1Império Hitíta
MAR (— 1 Reino de Hamurábí século XVIII a.C. % í 1 Reino de Mitanni
MAR
VERMELHO 0 Milhas 300 VERMELHO
I ' [ Babilônia Cassíta
[__I Império Egípcio

PODER EFÊMERO, O ímpério babüónico chegou ao apogeu no reinado do ESTADOS HOSTIS lutaram para controlar a Mesopotâmia nos séculos que se
seu fundador, Hamurábi. Entrou em decadência após a morte desse rei, seguiram ao declínio de Babilônia. Uma aliança entre o Egito e Mitanni
porém sua capital. Babilônia, continuou a ser um grande centro cultural. deteve ao sul os hititas, mas os invasores cassitas dominaram Babilônia.

povos vizinhos. A sua fria e objetiva descrição de e terraços arejados. Segundo a própria descrição de
atrocidades compõe um quadro sinistro: “Construí Assumasrrpal, confirmada pelas escavações arqueo­
uma tôrre de sustentação encostada à porta da sua lógicas, deve ter sido realmente um edifício sun­
cidade e esfolei todos os maiorais. .. E revesti a tuoso.
tôrre com suas peles; alguns, eu emparedei dentro “Um palácio de cedro, cipreste, zimbro, buxo,
da tôrre, a outros empalei em estacas sobre a tôr­ amoreira, pistaceira e tamargueira, para minha mo­
re.. . e cortei os membros dos seus oficiais...” rada real e para o meu deleite senhorial, eu então
E novamente: “Muitos dos prisioneiros eu queimei ergui nesse lugar. Modelei em pedra branca e em
com fogo. . . A alguns cortei a cabeça e os dedos, alabastro bichos das montanhas e dos mares e os
a outros cortei o nariz, as orelhas... e de muitos levantei nos portões do palácio, que eu construí
arranquei os olhos. . . Aos mancebos e às môças, de maneira adequada, fazendo-o glorioso. . . Re­
lancei na fogueira...” vesti os portões com folhas de cedro, cipreste, zim­
vE, mesmo assim, êsse déspota impiedoso não bro e amoreira; e prata, ouro, estanho, bronze e
foi só um destruidor, mas também um criador, es­ ferro, o espólio arrancado por minha mão das ter­
pecialmente em relação à sua própria terra. A rms ras que pus sob o meu jugo, eu trouxe em grandes
35 quilômetros da moderna Mossul, construiu uma quantidades e ali coloquei.”
nova e magnifícente capital, Calah (a atual Nim- Desencavada em Calah, uma inscrição com mi­
md), acomodou ali parte das populações que cap­ nuciosa narrativa do imenso festim oferecido pelo
turara e levou a cabo grandes projetos de irrigação rei para celebrar o acabamento da sua capital, in­
na zona rural circundante. Em Calah, o governan­ dica que êle era tão pródigo em seus entretenimen­
te residia num palácio com área de seis acres, um tos como era impiedoso na guerra. Durante dez dias,
labirinto, ricamente decorado, de salões para atos 69.574 convivas da sua nova capital e de todos
de cerimônia, aposentos reais, depósitos de víveres os recantos do seu reino banquetearam-se, com o
58
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EGITO
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IMPÉRIO NEOBABILÔNICO
PFReino de Assurbanipal — Século VII a C. ij^ Ê in o d e N e b u c h a d r e z z a r — S é c u io V I a C.
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k BEucosA ASSÍRIA, quc üfites integrava o reino de Mitanni, construiu o 0 Ú LTIMO ORANDE PODER na Mcsopotâmia, o império de Nebuchadrezzar 1!.
seu próprio império por meio de conquistas. Seu rei mais poderoso, Assur- ergueu-se em Babilônia após a derrocada do império assirio ao fim do
banipal, governou uma área que se estendia do Egito ao golfo Pérsico. século VJI a.C. Durou até 539 a.C., quando caiu em mãos dos persas.

consumo de 2.200 bois e 16.000 carneiros, além Contudo, nem de todos os lugares Salmana­
de aves grandes e pequenas, gazelas, peixe, ovos e sar 111 saiu vitorioso. Por exemplo, falhou na ten­
abundância de vinho e cerveja. A inscrição encer- tativa de conquistar a cidade-estado aramaica de
ra-se com uma nota em curiosa discrepância com o Damasco, na Síria, e nunca obteve mais do que
que se poderia esperar de um monarca sanguinário autoridade nominal sôbre Babilônia. Uma rebelião
e rapace; Assumasirpal rejubila-se por haver rega­ da córte que redrmdou em guerra civil marcou o
lado os habitantes de Calah e “o povo feliz de fim do seu reinado e o comêço de uns 75 anos de
todas as terras”, e por tê-los mandado de volta ao decadência assíria. Atormentada por agitação in­
seus lares “em paz e alegria”. terna, implacáveis pressões de estados agressores
O filho de Assumasirpal, Salmanasar 111, es­ e algumas derrotas sérias, a Assíria perdeu, gra­
palhou o terror inspirado pelo nome da Assíria ain­ dativamente, contrôle sôbre a maioria dos territó­
da mais amplamente do que o pai havia feito. As­ rios que tinha avassalado.
cendendo ao trono em 858 a.C., gastou virtual­ Mas nos meados do século Vlll a.C., sob o
mente nos campos de batalha todos os seus 35 anos govêmo de Tiglath-Pileser 111 — chamado Pul no
de reinado. Suas campanhas militares, muitas das VeUio Testamento —, o rolo compressor dos assí­
quais foram expedições de pilhagem como as de rios voltou a mover-se com força e fúria redo­
Assumasirpal, estenderam-se das montanhas da Ar­ bradas — e continuou em movimento por mais de
mênia ao gôlfo Pérsico e das serranias de Zagros, cem anos. Antes que viesse a parar, esmagou prà-
a oeste, até a Cilicia, na Ásia Menor. Na Palestina, ticamente todos os povos do Oriente Próximo e
onde os hebreus fundaram o reino de Israel por criou o maior império que o mundo conhecera até
volta do ano 1000 a.C., o rei Jeú prostrou-se dian­ então.
te de Salmanasar 111 e os tributos israelitas se O arcabouço do império estabelecido por Ti­
juntaram aos extorquidos dos príncipes fenícios. glath-Pileser 111 iria prevalecer com poucas mo-
59
dificações até o eclipse final da Assíria. Sob o seu moderno Irã penetrações mais profundas do que a
govêmo, as guerras deixavam de ser campanhas de qualquer outro rei assírio anterior, proclamou
destinadas principalmente a se apoderar de tanto sua suserania sôbre novas e amplas áreas da Ásia
butim quanto possível e visavam a conquistas dura­ Menor, consolidou a posição do seu reino na maior
douras. O rei recobrou o controle sobre todos os parte da Síria ao conquistar a cidade de Damasco,
territórios perdidos, os quais, na sua maioria — e fortaleceu a sua autoridade ao longo da costa do
assim como muitas das novas térras adquiridas — Mediterrâneo oriental. Uma das suas expedições
se tomaram províncias assírias. Governava cada mediterrâneas se estendeu até Gaza, perto da fron­
província uma forte e eficiente administração cons­ teira egípcia. Mais próximo de sua própria terra,
tituída de funcionários assírios diretamente respon­ Tiglath-Pileser III depôs um xeique caldeu que
sáveis perante o rei e com tais encargos como os usurpara o trono de Babilônia, e com isso tomou-se
de garantir a lei e a ordem, construir obras públi­ o primeiro monarca assírio a impor efetivamente a
cas e arrecadar impostos. As revoltas, que viríam sua autoridade sóbre aquela região desde que, mais
a ser freqüentes nos últimos dias do império e que de 400 anos antes, Tukulti-Ninurta havia captura­
acabaram por destruí-lo, eram debeladas duramen­ do um dos reis cassitas e calcado os pés sobre D
te; quando uma cidade ou um distrito dava sinais seu pescoço real.
de que poderia rebelar-se, a sua população inteira Até Gaza ser ameaçada, as relações do Egito
era muitas vêzes deportada para zona bem distante com a Assíria tinham sido em geral amistosas. Mas
e o lugar preenchido por outro povo conquistado. defrontando-se com o espectro das armas assírias
O sistema de mensageiros com estações de reve­ ãs suas portas — inôomodando-se também com a
zamento permitia a Tiglath-Pileser III ficar em interferência crescente dos assírios no comércio
constante comunicação com tôdas as partes do rei­ egípcio com as ricas cidades da Fenícia — o país
no. Os seus representantes nas cortes das nações dos faraós começou a ter reservas quanto às suas
satélites mantinham sempre o olhar vigilante sôbre relações com o outro império. Para contraba­
tôdas as matérias relacionadas com os interêsses da lançar a ameaça, tanto militar quanto econômi­
Assíria, entre as quais se incluía um fluxo contínuo ca, o Egito começou a incitar levantes entre os
de tributos. vassalos da Assíria na Palestina e na Síria, indo até
Também sob Tiglath-Pileser III teve início a ao ponto de emprestar-Uies grandes contingentes de
reorganização do exército assírio, que se transfor­ tropas. Ao mesmo tempo, os assírios estavam tendo
mou na mais formidável máquina militar do seu dificuldades co/n o povo de Urartu, uma nação po­
tempo. Antes, o exército era convocado pelo pe­ derosa, ainda que relativamente jovem, da Armênia,
ríodo de uma campanha ou numa emergência na­ que durante anos estivera suscitando inquietação
cional, e, como se compunha principalmente de nas províncias submetidas.
camponeses da própria Assíria, era limitado em Assim, quando um rei chamado Sargão —
número. Agora, quando a Assíria começou a ex- nome que, 16 séculos antes, fòra tomado famoso
pandir-se, o exército tomou-se uma grande fôrça por Sargão de Acad — assumiu o govêmo da As­
permanente, cujo cerne continuava sendo assírio, síria, em 721 a.C., encontrou um império em cha­
mas cujas fileiras eram engrossadas por mercená­ mas de revolta. Aumentando os seus problemas,
rios estrangeiros, contingentes de tropas dos esta­ sucedeu que, ao comêço do seu reinado, outro chefe
dos vassalos e soldados cujo recmtamento se fazia caldeu, com apoio dos elamitas, assenhoreou-se de
em províncias anexadas. Babilônia e repudiou o controle assírio. Como os
Montado no seu carro de combate, à frente do seus predecessores, Sargão II fêz consideráveis acrés­
seu exército recém-organizado, Tiglath-Pileser III cimos ao império assírio, porém gastou tanto tempo
superou todos os seus predecessores na ampliação enr debelar revoluções, bater os exércitos dos seus
do poderio assírio. Além de fazer na região do instigadores e reconquistar territórios perdidos, in-
60
clusive Babilônia, como em realizar novas e exten­ elefantes.. . todo o gênero de preciosos tesouros,
sas conquistas. e suas filhas, seu harém, e cantores masculinos é
Quase no fim do seu reinado, Sargão II re­ femininos...”
solveu transferir a sua capital para um nôvo sítio Foi mais do que selvagem a maneira pela qual
chamado Dur-Sharrukin (a moderna Khorsabad), Senaqueribe se vingou de Babilônia. Os anteriores
perto de Nínive. Em dez anos ergueu ali uma gran­ governantes assírios, com a compreensão de quanto
de cidade cujo palácio rivalizava em fausto com deviam culturalmente a Babilônia, trataram a ci­
o de Assumasirpal em Calah. Montando guarda aos dade com deferência; Senaqueribe, porém, a des­
seus portões havia enormes figuras de pedra com truiu por completo: “Com [os cadáveres de seus
corpo de touro e cabeça humana, e adornavam os habitantes] eu enchi as praças da cidade. . . A ci­
seus muros relevos de alabastro e de pedra calcá­ dade e as casas, dos alicerces ao teto, eu destruí,
ria que se estendiam por mais de dois quilômetros. devastei, incendiei. A muralha e os muros exterio­
Todavia, Sargão não desfrutou por muito tempo de res, os templos e os deuses, os templos-tôrres de
sua nova capital; pouco depois de havê-la comple­ tijolos e de terra, todos quantos lá existiam, eu ar­
tado foi morto em batalha. rasei. . . Cavei canais [do rio Eufrates] que cor­
A morte de Sargão 11 foi o sinal para uma taram a cidade pelo meio, e inundei o lugar. . .
nova onda de rebeliões em diversas partes do im­ Para que nos dias vindouros não se possa identi­
pério. Foram especialmente graves as verificadas ficar o local daquela cidade, é [seus] templos e
na Palestina e na Fenícia, onde muitas das cidades deuses, eu a dissolvi em água. . . aniquilei-a, trans­
vassalas entraram em nova e perigosa aliança com formei-a num campo”?
o Egito, e também em Babilônia, mais uma vez do­ Mas os deuses cujos templos Senaqueribe de­
minada por um caldeu turbulento. moliu também sabiam ser vingativos; a punição que
Ainda que o fiUio e sucessor de Sargão, o decretaram contra êle foi assassínio. Oito anos após
famoso Senaqueribe, se tenha notabilizado por fa­ haver destruído Babilônia o rei foi trucidado bru-
zer de Nínive uma das mais esplêndidas capitais tahnente pelos próprios filhos.
da antiguidade, éle veio a ser mais recordado na Contudo, não foi um dos assassinos de Sena­
história pela maneira com que lidou com os in- queribe quem o sucedeu no govêmo. Após um
surretos da Palestina e da Babilônia. Os seus pró­ breve período de luta dinástica, outro fiUio seu,
prios anais, um tanto parecidos com a narrativa Esarhaddom, apoderou-se do trono e no seu curto
bíblica do acontecimento no Segundo Livro dos reinado de onze anos revelou-se um dos mais no­
Reis, contam cómo o seu exército irrompeu furio­ táveis dentre todos os monarcas assírios. Além de
samente na Palestina, capturando 46 cidades forti­ reconstruir Babilônia, que durante uma década per­
ficadas e arrebatando 200.150 pessoas como prêsa manecera em ruínas, Esarhaddom conseguiu, pela
de guerra. Jerusalém, capital de Judá (a parte me­ fôrça das armas e com diplomacia, não só neu­
ridional do Reino de Israel) e um dos principais tralizar os principais inimigos nas fronteiras da
focos de rebelião, foi assediada, sendo Ezequias, o Assíria mas também propiciar um período de paz
seu rei, obrigado a submeter-se. Os assírios poupa­ à maioria das terras sob o seu domínio. Com o im­
ram a cidade, mas por isso Ezequias pagou um pre­ pério em relativa tranquilidade e com a segurança
ço espantoso. Nas palavras de Senaqueribe: “Ao seu das fronteiras, ficou êle ehi condições de levar o
antigo tributo anual acrescentei nôvo tributo de poderio- e o terror da Assíria a outro continente,
presentes devidos à minha majestade. . . Ele man­ e em 671 a.C. lançou-se à invasão do Egito.
dou [um comboio] acompanhar-me a Nínive, minha Esarhaddom gastou menos de um mês para
cidade real, com 30 talentos de ouro, 800 talentos bater o Egito, outrora a mais soberba das nações,
de prata, jóias, antimónio. .. sofás de marfim, pol­ com uma civilização quase tão veUia quanto a da
tronas marchetadas de marfim, couro e prêsas de Mesopotâmia. Mas o Egito se debilitara com a
61
idade; embora ainda com bastante influência po­ dades. O gigante assírio estava morto, liquidado, e
lítica para atiçar revoltas entre os vassalos da As­ não houve quem por isso derramasse uma lágrima.
síria e para auxiliá-los com tropas, careceu de foi­ Nos 75 anos seguintes uma estirpe de reis
ças para deter o avanço do exército de Esarhaddom. caldeus no trono de Babilônia manteve tôda a Me-
Mênfis, a capital do Egito setentrional, caiu após sopotâmia sob o seu domínio. Babilônia desfrutou
um sítio que durou apenas dia e meio, e então, então um brilhante renascimento, um surto de poder
durante 16 anos, o Egito se reduziu a uma simples e de glória que fêz lembrar a época de Hamurábi,
província da Assíria, como outra qualquer. mais de 1000 anos antes. O monarca de maior re-
A Assíria chegara ao apogeu do seu prestígio lêvo do que foi denominado império neobabilônico
e Esarhaddom pôde bem vangloriar-se: “Eu sou foi Nebuchadrezzar II. No restabelecimento do con­
poderoso, eu sou todo-poderoso. .. Não tenho igual trole mesopotâmico sôbre os territórios ocidentais
entre todos os reis.” O império que legou ao seu perdidos no colapso da Assíria — Palestina, Síria
sucessor, Assurbanipal, era imenso, estendendo-se e as ricas cidades mercantis do litoral fenício —
desde o vale do Nilo, no Egito, até perto do Cáu- deu êle mostras de quase tanta ferocidade quanto
caso, na Armênia, uma distância superior a 1.600 a de qualquer chefe guerreiro assírio. Foi êle quem
quilômetros. Para enriquecer as cidades, os palácios arrasou Jerusalém em 586 a.C., incendiou o tem­
e os templos no coração do império, ao longo do plo de Salomão e mandou os judeus para o exílio
Tigre, chegava uma torrente contínua de tributos de Babilônia, mas foi também Nebuchadrezzar
extorquidos das províncias distantes e dos reis sa­ quem embelezou Babilônia e fêz dela o centro cos­
télites — ouro e marfim do Egito, ferro da Ásia mopolita e cultural da sua época. Dominando a
Menor para armas, prata extraída nos montes Ama- cidade renovada erguia-se a fabulosa Tôrre de
nus, a noroeste da Síria, lápis-lazúli e outras pedras Babel, um zigurate colossal cuja altura atingia a
preciosas do Irã, madeira de lei cortada nas flores­ quase cem metros; os portões da cidade, os palá­
tas do Líbano, plantas e animais raros vindos de cios e os templos reluziam com ladrilhos de côr
todos os recantos do império para opulentar os jar­ vermelha, creme, azul e amarela; os “jardins sus­
dins botânicos e zoológicos do rei. Sob todos os as­ pensos” construídos por Nebuchadrezzar II cau­
pectos, a Assíria, ao tempo de Assurbanipal, foi saram tanta admiração que foram incluídos entre as
realmente a mais poderosa nação do mrmdo. maravilhas do mundo antigo.
Mas ia expirando a fase propícia aos reis guer­ O renascimento de Babilônia foi tão curto
reiros que haviam vencido e aterrorizado quase to'- quanto esplêndido. Os sucessores de Nebuchadrez­
das as terras e todos os povos do Oriente Próximo. zar II mostraram-se fracos e vacilantes. Nabonidus,
Suas conquistas espraiaram-se tanto que agora se último rei de Babilônia, incorreu na cólera de mui­
tinham tomado extensas demais; era impossível para tos dos seus compatriotas ao tentar substituir por
a Assíria defender suas numerosas fronteiras e ao outra divindade o supremo deus Marduk, e a dis­
mesmo tempo debelar rebeliões nas províncias. Ten­ córdia religiosa que êle suscitou serviu para abrir
do comêço no reinado de Assurbanipal, o ódio pela caminho ao conquistador que tinha reputação de
cmeldade e rapacidade assírias irrompeu numa respeitar as tradições daqueles a quem submetia.
série de revoltas maciças em tôdas as partes do Esse conquistador foi Ciro, rei dos persas, um povo
império — e depois dêle não houve rei com força que se tomara o poder predominante do Irã pelos
bastante para sufocá-las. Quando, para os fins do meados do século VI a.C. Brilhante guerreiro e
século VII a.C, os medos do planalto iraniano — estadista invulgar, Ciro já havia constituído um enor­
povo jovem e de que até então pouco se ouvira falar me reino que ia da índia à Lídia, no litoral egeu da
— juntaram forças com os caldeus de Babilônia, Ásia Menor. No outono de 539 a.C. tomou Babi­
em pouco tempo lograram abater a Assíria e de­ lônia quase sem luta, e o Berço da Civilização, agora
vastar Nínive, Assur e muitas outras de suas ci­ debilitado, tomou-se parte do império persa.
62
VESTIDOPARACAÇA, com umu túnica floreada, barba e cabelos bem frisados, Assitrbanipal persegue sua prêsa.

GRANDES FEITOS DE UM MONARCA


Incitados por sonhos dé conquista e esperança de butim, os reis-guerreiros da
Assíria criaram uma das nações mais poderosas da antiguidade. No século VII a.C.
o Rei Assurbanipal teve sob o seu mando um império que se estendia do Egito
ao Irã. Como a maioria dos governantes assírios, era êle um homem de ação;
conduzia suas tropas ao campo de batalha e em tempos de paz ostentava o seu
valor na caça aos leões. Assurbanipal era também sacerdote e um letrado. Edifi­
cou templos, reuniu uma imensa biblioteca e, com o auxílio de escribas, compôs
numerosas citações de si mesmo. Estas, jimtamente com esculturas em baixo-re-
lêvo muito bem trabalhadas e que foram desencavadas das ruínas do seu palácio
em Nínive, fornecem uma vibrante e presunçosa crônica de suas muitas proezas.
63
EU SOU ASSURBANIPAL, REI DO UNIVERSO, REI DA ASSÍRIA, A QUEM ASSUR, O REI
DOS DEUSES, E ISHTAR, A DAMA DA BATALHA, DITARAM UM DESTINO HERÓICO...

O DEUS NERGAL INDUZIU-ME A PRATICAR TÔ DA ESPÉCIE DE CAÇADA NOS CAMPOS,


E PARA O MEU PRAZER . . . FUI INDO ADIANTE ... NO CAMPO, LEÕES SELVAGENS,
FEROZES CRIATURAS VINDAS DA MONTANHA, ERGUERAM-SE CONTRA MIM.

^\um dos relevos de Ninive, espectado­


res sobem excitadamente a uma colina
arborizada, de onde se descortinava o
campo de caçada real. Embora o rei
frequentemente perseguisse animais sel­
vagens nas campinas próximas da cida­
de, é bem provável que para o esporte
dêsse dia tenha havido bichos especial­
mente aprisionados. Mais tarde, leões
enjaulados seriam soltos num campo fe ­
chado, onde o rei lutaria' contra eles
com setas ou espadas. No cimo da co­
lina vê-se um sólido monumento em
forma de arco, mostrando num baixo-
-relêvo Assurbanipal em seu carro de
combate a matar um leão.
E scolhendo suas armas, Assurbanipal ex-
erijtienta um arco tirado da coleção em­
pilhada a seus pés por um serviçal ajoe­
lhado. Servidores da córte, postados atrás
do rei, portam arcos de reserva, lanças
e um eScudo. Além de tudo isso, o rei
traz uma adaga e uma comprida espada
deferro, cufiada na bainha, à esquerda.

Ansioso pela caça, um mastim gigan­


tesco retesa a correia que o prende e que
é segura por um dignitário armado. Como
os outros relevos de caçada no palácio de
Assurbanipal, êste mostra as formas vi­
gorosas, o senso naturalista do detalhe e
a execução precisa que caracterizam as
grandes obras-primas da arte dos assírios.
65
OS FILHOTES DE LEAOERAMINCONTÁVEIS... CRESCIAMFEROZES AODEVORAR
REBANHOS, MANADAS E GENTE. . .
NOMEUDESPORTOEU SEGUREI... PELAS ORELHAS UMLEÃOBRAVIODACAMPINA.
COMAAJUDADE ASSURE ISHTAR. . . ATRAVESSEI-LHE OCORPOCOMAMINHALANÇA.
66
JNJr» primeiro plano da ação, Assitrbunipul enfia a sua lança pela goela de
um leão em atitude de ataque. Montando animal vm pêlo — os assírios
usavam mantas de tecido em vez de selas —, o rei iraz um cavalo de re­
serva para usar se a sua primeira montaria jô r estropiada. Desde os albores
da história os leões haviam constituído permanente ameaça nas terras ala­
gadiças da Mcsopbtâmia. Uni monarca assírio, que reinou uns quatrocentos
anos antes de Assurbanipal, jactava-se de haver matado mais dc mil déles.

67
SOBRE OS LEOES QUE MATEI, FIZ REPOUSAR
OARCO TEMIVEL DADEUSA 1SHTAR.
ofereci-os como um sacrifício e sobre ÊLES
derramei uma LIBAÇaOde vinho.

OS GRANDES DEUSES EMSEUCONSELHO ..


FIZERAM-ME ASCENDER .40 SACERDOCIO .
OQUE FOI DOMEUDESEJO. AS OFERENDAS QUE EUTROUXE
LHES DERAMPRAZER. OS SANTUÁRIOS DOS
GRANDES DEUSES, MEUS SENHORES, EURESTAUREI.

68
F inda a caçada e morto por meio de setas
o último leão (esquerda), o rei Assurbanipal,
visto abaixo, pôs seus trajes de cerimônia e
o seu toucado para render graças aos deuses.
No seu ofício de sacerdote, êle é mostrado
entornando vinho sobre quatro leões mortos,
enquanto dois serviçais (à extrema esquerda)
trazemo corpo de umquinto.
Outros aios portam as armas e o cavalo do
rei, movem abanos para refrescá-lo e exe­
cutam música sagrada numa harpa. Incenso é
queimado numa alta coluna próxima ao altar
onde estão depositados os sacrifícios. Os rituais
que sucediam à caçada sugerem que tinha ela
uma significação religiosa, com o rei personi­
ficando a virtude, a vencer asfôrças do mal.

69
DESDE AMINHAJUVENTUDE, OS GRANDES DEUSES QUE HABITAMOCEUE A TERRA
CONCEDERAM-ME AS SUAS GRAÇAS. CRIARAM-ME COMOVERDADEIROS PAIS, INSTRUlRAM-ME
SOBRE OS SEUS PROPÓSITOS ELEVADOS. ENSINARAM-ME APROCURAR OS COMBATES,
ADAR SINAL PARAAS ESCARAMUÇAS E AFORMARALINHADE BATALHA. . . FIZERAM
MINHAS ARMAS PODEROSAS CONTRAMEUS INIMIGOS, OS QUE ESTIVERAMCONTRAMIM
DESDE OS MEUS TEMPOS DE JOVEMAODE ADULTO.

70
Para os exércitos de caçadores que acompanhavam Assurbanipal, a luta com
os leões era um prelUdio para outro gênero de conflito ainda mais árduo —
a batalha contra homens; as lições de disciplina e valor aprendidas durante a
caçada eram indispensável adestramentopara aguerra.
Dignitários armados como os vistos aqui, que cercavam o campo de caça
para evitar a fuga dos leões, formavam o núcleo da infantaria pesada assíria.
Outros exercícios com as armas e as táticas da época — os assírios figuram
entre os primeiros a dispor sua infantaria em linhas hem estabelecidas de bata­
lha— ajudavama transformá-los numa das mais eficientesforças dê combate.

71
f

(J/w dos maiores conflitos na Assíria


teve origem numa luta de família entre
Assurbanipal e o seu irmão Shamashs-
kumukin, que governava a vizinha Ba­
bilônia. A despeito de ser nominalmente
vassalo de Assurbanipal, Shamashsku-
mukin estabeleceu uma aliança subver­
siva com os árabes do deserto e com
a nação elamita no Irã. Em 651 a.C.
êle se revoltou. Enfurecido, Assurbani­
pal assaltou e destruiu Babilônia, tratan­
do em seguida de 'submeter os aliados
de seu irmão. Nestes baixos-relevos
vêem-se os seus exércitos destroçando os
árabes, cujos soldados escassamente ves­
tidos, embora montados em camelos (di­
reita), não podiam resistir aos infantes
assírios, comas suas armaduraspesadas.

72
PARAAS MINHAS NOVE CAMPANHAS REUNI
MEUS EXÉRCITOS; CONTRAUAITE, REI DA
ARÁBIA, TOMEI OCAMINHO CERTO. VIOLANDO
OJURAMENTOQUE ME HAVIAFEITOE
ESQUECENDOOBEMQUE ME DEVIA,
SACUDIUOJUGODAMINHA SOBERANIA...
MATEI GRANDENÚMERODOS SEUS
GUERREIROS, INFLIGI-LHE UMADERROTA
INCOMENSURÁVEL. TODOOPOVODAARÁBIA
QUE SEREVOLTARACOMÊLE EULIQUIDEI
COMAESPADA.

73
COMO ODESENCADEARDE UM
TERRÍVEL FURACÃO, AVASSALEI
POR INTEIROOELAM, CORTEI
A CABEÇADE TEUMAN, O SEUREI
FANFARRÃO, QUE PLANEJARAO
MAL. NÃO TÊMCONTAOS SEUS
GUERREIROS QUE EUMATEI, E OS
QUE APANHEI VIVOS COMAS
MINHAS MÃOS. . .
HAMANU, A CIDADE REAL DO
ELAM, EU CERQUEI, EU
CAPTUREI... EUADESTRUÍ,
EUADEVASTEI, EUA INCENDIEI.

0-5 maiores êxitos de Assurbanipal foram contra os


elamitas, cujas cidades não tinham meios para resis­
tir às bem desenvolvidas táticas de sítio. Nesta cena,
três atacantes escalam fortificações com uma escada,
enquanto outros, protegendo-se com seus escudos, ten*
tam, com picaretas de ferro, romper os muros da ci­
dade, construídos de adobe. Embora aparentemente
com inferioridade numérica de um para três, os as­
sírios ficaram ilesos; no entanto, os elamitas caíam
para se afogar numrio que corria ao lado do muro.
75
a

EU SOUASSURBANIPAL, OGRANDE REI, OPODEROSOREI, REI DOUNIVERSO, REI


DAASSÍRIA, REI DAS QUATROREGIÕES DOMUNDO, REI DOS REIS. PRÍNCIPE
INIGUALADO, QUE AO COMANDODE ASSUR. . . EXERCE OGOVÊRNODOMAR
SUPERIORAO INFERIOR, E PÔS SUBMISSOS A SEUS PÉS TODOS OS PRÍNCIPES.
76
(Celebrando suas vitórias, Assutbanipal reclina-se num
leito, no jardim de seu palácio de Ntnive, e bebe
uma tisela de vinho em companhia de sua rainha,
Assursharrat, sentada a seus pés. Serviçais agitam
abanos para refrescar o casal e oferecem bandejas
de guloseimas. A esquerda, perto de um músico que
tange as cordas de uma harpa, um horrendo troféu
de guerra pende dos galhos de uma árvore estilizada
— a cabeça de Teuman, o vencido rei dos elamitas.

77
“Olhai para isto ainda hoje: a muralha ex­
terior, com a cornija que a adorna, esplende com o
brilho do cobre; e a muralha interior, não tem
igual. . . Galgai a muralha de Uruk (Erech); ca­
minhai ao longo dos muros, digo eu; vêde a pla­
taforma em sua base e examinai a construção; não
é de tijolo cozido ao fogo e sólida?”
Essas linhas que convidam à admiração de tais
muralhas, são de uma narrativa épica sôbre Gilga-
mesh, o rei que levou Erech à hegemonia sôbre tôda
a Suméria, por volta do século XXVII a.C. Suas

4
palavras expressam eloquentemente o patriótico or­
gulho com que os antigos mesopotâmios contem­
plavam sua cidade.
Muitas dessas cidades eram, de fato, magni-
ficentes, com grandes edifícios públicos, parques de
efeito panorâmico, e ruas que obedeciam a um de­
0 POVO ESFUZIANTE senho- quadriculado. Por exemplo, Agade, construí­
da por Sargão, o Grande, no século XXIV a.C.,
e cuja localização ainda não foi descoberta, gozou
fama de ser esplendorosa; segundo uma inscrição
da época, “as moradias de Agade estão repletas
de ouro, suas casas reluzentes são cheias de pra­
t a . . . seus muros erguem-se para o céu como uma
montanha...”. Também imponentes eram outras
capitais assírias, planejadas com esmêro, como Ca-
lah e Dur-Sharrukm. E Babilônia, quando recons­
truída por Nebuchadrezzar II, maravilhou todo o
mundo antigo.
Essas grandes metrópoles, porém, constituíam
exceção. Na sua maior parte, as cidades mesopo-
tâmicas resultaram de aldeias e vilas pré-históricas
que se foram expandindo, e, portanto, não tiveram
as vantagens de um planejamento urbano. Mas se
nos seus elementos materiais a cidade mesopotâ-
mica passou por transformações e melhoramentos
no curso dos séculos, muitos dos seus aspectos me­
nos tangíveis se mantiveram refratários à ação do
tempo; os moldes da vida social, política, religiosa
e econômica, que surgiram nas primeiras comuni­
dades urbanas do mundo, as dos sumérios, caracte­
rizaram, de um Tnodo geral, todas as cidades me-
sopotâmicas das fases posteriores.
Por trás das muralhas de defesa que circrm-
davam uma típica cidade mesopotâmica, a maioria
das ruas não passava de vielas estreitas, tortuosas,
sem pavimentação e sem trato. Não havia serviço
municipal de esgoto nem sistema de coletar o lixo;
das casas de adobe, espremidas umas contra as
outras, todo o refugo era descuidosamente lança
do á rua e lá se acumulava até se levantar acima
RETRATOS ESTILIZADOS, estos estatuetos de homens barbados, um sacerdote
das soleiras. Aqui ou ali, a residência mais espaçosa
de barba feita e uma mulher vestida de túnica, refletem as modas e os
costumes da gente citadina da Mesopotâmia. Os olhos são rasgados, de
de jalgum homem abastado sobressaía das habita­
acordo com a tradição das estatuetas, e suas mãos seguram copas. ções vizinhas, mas na generalidade as moradias, de
79
grossas paredes, se compunham de vários aposen­ Para dar consolo e conforto espiritual, havia
tos sem janelas e com portas baixas, dispostos em o templo altaneiro e o seu ainda mais alto zigurate,
tômo de um pátio aberto. Assim, grandes trechos a tôrre-santuário que se lançava para o céu. Ah,
de tôdas as cidades mesopotâmicas eram de aparên­ as imagens dos grandes deuses tinham a seu ser­
cia triste e sem atrativos. viço, para abrigá-las, para vesti-las e lhes oferecer
Contudo, o que faz uma cidade é o povo, mais alimentos, sacerdotes instruídos, familiarizados com
do que as casas ou as ruas, e os mesopotâmios acha­ as necessidades e exigências dos seus hóspedes ce­
vam a sua vida urbana bem divertida, excitante, lestiais.
ás vêzes até inspiradora. De acordo com a crença partilhada igualmente
Havia em cada cidade algumas ruas largas, pelos sumérios, babilônios e assírios, o bem-estar da
onde os cidadãos e suas famílias passeavam despreo- comunidade dependia inteiramente do favor dos
cupadamente, encontravam amigos e conhecidos, deuses. Importava acima de tudo conservar as boas
apreciavam e comentavam o movimento, sentindo- graças da deidade protetora, a padroeira do lugar,
-se, via de regra, em íntima comunhão com seus a qual — em teoria, embora não na prática —
semelhantes. Existia, além disso, o animado bazar, era dona não só da cidade e dos seus habitantes
o qual, segundo Sir Leonard Woolley, que escavou como também das lavouras, dos pomares e vilas
a área de um déles, em Ur, deve ter sido bem pouco adjacentes.
diferente dos bazares ainda vistos nas cidades atuais A incumbência de gerir essa propriedade ce­
do Oriente Próximo — um labirinto de passagens leste era confiada a um mortal, um rei presumida-
estreitas, com toldos de proteção contra o sol caus- mente aprovado ‘pelo deus para servir como seu
ticante, e barracas alinhadas. Ah, o morador da representante terreno. Nas primeiras cidades sume-
cidade podia escolher suas provisões cotidianas rianas o rei era eleito por uma assembléia bicamé­
dentre uma grande variedade de víveres, nos quais ral de cidadãos livres — uma câmara alta de anciãos
se incluíam cebolas, feijão e pepinos, assim como e uma câmara baixa de homens em idade de portar
tâmaras, maçãs e outras frutas, queijos e especiarias, armas. O rei só exercia a sua função durante uma
peixe sêco, carne de carneiro, de porco e de pato. emergência, em geral uma guerra, e dependia do
Ali, também, podería êle encontrar, entre os vasos consentimento da assembléia em todos os assrmtos
de cerâmica, os tecidos e outros produtos locais, de maior importância. Mas a partir aproximada­
artigos de luxo importados, como pentes de marfim mente de 2800 a.C. a realeza ganhou caráter mais
vindos da índia e contas de comalina trazidas do duradouro e acabou por se tomar hereditária. Ape­
Irã. Os achados de Woolley em Ur indicam, tam­ sar disso, persistiu o sistema democrático de um
bém, que nas vizinhanças do bazar podiam existir conseUio para consulta e aprovação estabelecido nos
restaurantes onde os compradores se detinham para primeiros tempos da Suméria, e que influenciou o
comer um prato de peixe frito ou de carne gre­ govêmo de todos os outros monarcas posteriores
lhada. da Mesopotâmia.
Cada cidade possuía, ainda, a sua atraente Administrando a propriedade do deus, o rei ti­
praça pública, que se abria em meio aos confusos nha muitos deveres, seculares e religiosos, que êle
blocos de casas. Ali havia muitos entretenimentos cumpria com o auxílio de uma vasta burocracia de
e diversões — partidas de luta corporal, jogos de conselheiros, intendentes, inspetores, escribas e ou­
azar, recitativos por narradores profissionais de his­ tros funcionários. O primeiro e maior dever do rei
tórias, e outras atrações — para tentar a deter-se era defender a cidade e suas terras contra os ataques
no caminho o jovem que ia à escola. Para o adulto, inimigos e ampliar o seu território, sua dominação
de índole irrequieta e propenso ao prazer, havia a e influência. Isso, é claro, queria dizer guerra e
ruidosa tavema, onde podia gozar a antiga versão de , tudo que ela acarreta: manter sólidas as muralhas
“vinho, mulheres e canções”. da cidade, recmtar e organizar tropas, exercer o

80
comando nas batalhas e usar de habilidade em ne­
gociações diplomáticas.
Outros encargos do rei eram de natureza mais
construtiva e fecunda. Como chefe tradicional do
clero, uma das suas obrigações mais sagradas con­
sistia na edificação e reparação dos templos da
cidade. Como supervisor das obras públicas, cabia-
-Ihe manter e expandir os canais de irrigação que
rendilhavam as terras de lavoura e melhorar a rêde
dos grandes canais navegáveis que davam escoamen­
to ao tráfico da cidade e das suas povoações saté­
lites. Ouase todos os monarcas da Mesopotâmia que
deixaram registros escritos gabaram-se de suas ati­
vidades na construção de templos, na abertura de
novos canais e na reparação e alargamento dos an­
tigos. Os reis também se ufanavam de manter em
AS MORADIAS MESOPOTÂMICAS, como a casa da cidade de Ur, hà
bom estado de uso tôdas as estradas e caminhos que
4000 anos passados, mostrada no desenho acima, davam intema-
mente para um pátio aberto, muito ao estilo das residências atuais
cortavam o seu território. Por exemplo, Shulgi, um
do Oriente Médio. Degraus levavam da rua ao pavimento térreo, dos reis de Ur, no século XXI a.C, descreve a si
que era destinado a várias funções domésticas e contava com uma mesmo como um “lépido, ligeiro viajante pelas es­
sala de recepção para visitantes (possivelmente em disposição como tradas da terra” e congratula-se por haver construí­
a que é mostrada no plano abaixo). Uma escada levava ao segun­
do uma série de pousadas pitorescas onde os via­
do andar, sob um teto em declive, de madeira, colmo e barro.
jores podiam passar uma noite reparadora.
No plano da ética e da moral, incumbia ao so­
berano promover e garantir a lei e a justiça no seu
reino, a fim de que os pobres e os fracos não fôssem
oprimidos, as viúvas e os órfãos não padecessem
maus tratos e o cidadão comum não sofresse às mãos
de funcionários arrogantes e corruptos. Para dar ao
povo conhecimento dos seus direitos e prevenir assim
decisões injustas, os reis promulgavam regulamentos,
editos e códigos de leis.
Todavia, a paixão dos mesopotâmios por lei
e justiça não vinha únicamente de ideais elevados.
Resultava também do seu temperamento individua­
lista, propenso à competição, e do grande apreço
que atribuíam à propriedade privada. Já em
2500 a.C., logo depois de inventada a escrita, alguns
mesopotâmios haviam começado a inscrever suas
transações — verdadeiros contratos e escrituras re­
ferentes a venda de casas, terras e mesmo escravos
— em placas de argila. Esses documentos consig­
navam, em forma duradoura a que se podia repor­
tar com facilidade em qualquer tempo, negociações
firmadas entre pessoas. Já que estabeleciam prece-
81
dentes para ações futuras, daí nasceu, como conse­ casa venha a ruir e causar a morte do seu dono, o
quência inevitável, uma das maiores contribuições construtor será condenado a morrer”.
dos mesopotâmios à civilização — um sistema Mas, não obstante essas indicações em sentido
lógico de leis escritas. inverso, o código de Hamurábi, como os sumeria­
O mais antigo código que se conhece, o pro­ nos que o antecederam e os assírios que surgiram
tótipo de todos que vieram depois — sumerianos, depois, retrata em' geral uma sociedade estável e
babilónicos e assírios — é o de Ur-Nammu, que bem organizada, na qual a lei e a ordem desempe­
reinou sôbre a cidade sumeriana de Ur por volta nham papel predominante, uma sociedade em que
de 2100 a.C. Entretanto, mais preservado e mais até o indivíduo de mais baixa condição não deixa
amplo é o código baixado por Hamurábi, de Babi­ de ter certo amparo legal.
lônia. Embora tenha surgido três séculos após o de A estrutura dessa sociedade compunha-se de
Ur-Nammu, suas quase 300 leis, redigidas tersa­ três classes distintas: uma aristocracia, a grande
mente, oferecem de maneira indireta um retrato massa dos cidadãos comuns e uma minoria de es­
revelador da antiga sociedade mesopotâmica e es­ cravos. A aristocracia era constituída por certo nú­
pelham um estilo de vida que sofreu poucas modi­ mero de famílias ricas e poderosas, da qual saíam
ficações de caráter substancial no curso de dois ou os mais importantes sacerdotes do templo e em cujo
três milênios. seio o rei ia buscar os seus conselheiros, embaixa­
O código de Hamurábi é primordialmente uma dores, generais e outros funcionários de alto nível.
coleção de leis minuciosas que definem tôda a sorte A riqueza e a influência dessas famílias aristocrá­
de crimes e contravenções e especificam as diversas ticas resultavam principalmente de suas grandes pro­
e terríveis penalidades correspondentes. Ao que pa­ priedades rurais, algumas com centenas de acres
rece, a sociedade mesopotâmica tinha o seu quinhão aráveis. Embora o deus — e consequentemente a
de assassinos, gatunos e concussionários, assim como sua casa, o seu templo — fôsse em teoria o único
dç adúlteros e de construtores inescrupulosos. Por possuidor de todas as terras da cidade, o certo é
exemplo, uma lei dispõe que “se a esposa de um que só uma porção dessas terras, ficava reservada
homem é apanhada na cama com outro homem, os ao templo, para a manutenção do seu pessoal. O
dois serão amarrados e lançados na água. Se o ma­ resto pertencia ao palácio ou a cidadãos, e foi por
rido da mulher quer poupá-la, o rei também poderá meio de compra aos indivíduos menos abastados que
poupar o seu súdito”. Outra lei estabeleée que “se os grandes senhores adquiriram muitas de suas pro­
um construtor faz uma casa para um homem, po­ priedades.
rém não dá solidez à obra, resultando daí que a No extremo oposto da escala social ficavam

82
os TOUCADOS femininos; tomo OS
que se vêem nestas estatuetas sume-
rumas, revelam impressionante varie­
dade. A s duas cabeças à extrema
esquerda mostram um turbante de
linho pregueado que esconde todo o
cabelo, salvo uma pequena faixa
no rosto. O estilo apresentado em
seguida permitia às mulheres deixa­
rem o cabelo escorrer solto para trás,
com apenas uma fita em torno da
cabeça. A cabeleira da terceira mu­
lher é coroada por um toucado alto,
que por sua vez é coberto com um
xale; a última usa um capacete e ca­
chos que descem até os ombros^

os escravos. Nas cidades sumerianas, a maior parte críbas e 20 a 25 artífices de várias categorias. Muit
déles pertencia ao templo, ao palácio e às proprie­ tos outros trabalhadores especializados eram depen­
dades opulentas. Contudo, nos tempos de Babilônia dentes do palácio ou labutavam nas propriedades
e da Assíria não era incomum que vários escravos da aristocracia, e provávehnente eram pagos da
se incluíssem no pessoal de uma casa de classe mé­ mesma forma como os empregados do templo. Além
dia. Nem o número de escravos era constituído so­ disso, havia os artesãos que trabalhavam por conta
mente por prisioneiros de guerra; premido por dí­ própria, vendendo seus artigos no bazar com o pa­
vida ou pela fome, um cidadão livre podia vender gamento feito em espécie ou num pêso-padrão, de
os seus filhos, ou a si mesmo e toda a família, como prata.
cativos. Mas na Mesopotâmia a vida de um es­ Embora a prosperidade de uma cidade me-
cravo de bom procedimento não era de ininterrupta sopotâmica dependesse dos esforços combinados e
provação: tinha êle condição legal para tomar parte habilidades dos seus obreiros, havia duas ocupações
em negócios, fazer empréstimos e comprar a sua que eram especialmente vitais para a manutenção
liberdade. da vida urbana. Uma era a do agricultor, cultivando
Entre os dois extremos sociais — os aristocrá­ os cereais que forneciam o alimento básico para o
ticos senhores de terras e os escravos — situavam-se rei, o cidadão livre e também o escravo. A outra
os cidadãos comuns, que constituíam o grosso e a era a do negociante, o mercador que fazia viagens
espinha dorsal da sociedade. Eram os elementos freqüentes por tôda parte, a trocar os produtos em
produtivos da cidade — os arquitetos, escribas e excesso na cidade por artigos que não podiam ser
comerciantes, fazendeiros, criadores de gado e pes­ obtidos localmente.
cadores, os carpinteiros, os oleiros e ceramistas, os Desde os tempos pré-históricos, quando a Me­
que fabricavam artefatos de couro, os que fundiam sopotâmia era pontilhada de aldeias e vilarejos agrí­
e moldavam metais. Muitos dêsses artífices de apti­ colas, o lavrador vinha sendo a viga mestra da
dões ou ocupações especializadas serviam ao “pro­ economia da região. Mas com o surgimento de
prietário” mais rico da cidade, o templo, e como cidades populosas na Suméria, Babilônia e Assíria —
retribuição pelo seu trabalho ou lhes eram conce­ algumas contando mais de cem mil bocas para ali­
didos pequenos lotes de terra cultivável ou recebiam mentar — o papel do agricultor ainda se tomou
rações de alimentos e de lã para as vestes. Segundo mais importante.
os assentamentos de um templo sumeriano, contava O trigo crescia nos campos que circundavam
êle entre seus empregados 100 pescadores, 90 pas­ a cidade, porém o cereal mais extensamente culti­
tores, 123 marinheiros, pilotos e remadores, 25 es- vado era a cevada, que germinava mais rápidamente
83
leras com 20 metros de comprimento e dotadas de ve-
lame (acima) carregavam madeira do Líbano para outros
pontos do Mediterrâneo. Barcos a remo em form a de
no solo um tanto alcalino e salino da Mesopotámia. banheira (abaixo), construídos de caniços com revesti­
mento de couro^ eram usados no rio para o transporte
Seus grãos podiam ser batidos até se tomarem par­ dos cereais e de tecidos, de uma cidade para outra.
tículas grosseiras e cozinhados numa espécie de
mingau, ou podiam ser moídos e transformados em
farinha, sendo então cozidos em forma de pão cha­
to, não levedado, o mesmo que ainda se come em
todo o Oriente Próximo. A cevada era também o
elemento básico para a cerveja rica em proteína
que os antigos mesopotâmios saboreavam.
Já no Terceiro Milênio a.C., ou talvez mesmo
antes, o lavrador mesopotâmico já havia aprendido
a obedecer a um calendário agrícola, obtendo com
isso ótimos resultados. Um dos mais notáveis do­
cumentos que chegaram até nós é um almanaque do
agricultor, do século XVIII a.C., contendo instru­
ções explícitas para uma boa colheita. O almanaque
principia com recomendações sobre o tempo, maio
ou junho provávehnente, em que o campo do la­ treitas pesando [não mais do que] dois terços de
vrador seria immdado, como fase preparatória ao libra cada uma”. Também se descreve minuciosa-
uso do arado, e descreve tudo de importante a fazer mente o modo correto de semear e o agricultor é
até o cereal ser colhido, joeirado e limpo. Ao ume- advertido: “...vigie o homem que coloca as se­
decer o terreno para ser lavrado, por exemplo, o mentes de cevada. Faça que êle ponha o grão uni­
agricultor é instruído: " . . . fique de olhar atento formemente com dois dedos de profundidade. . . Se
ás aberturas dos diques, taludes e regos [para que] a semente da cevada não cair da maneira devida,
a água não suba demais quando o campo fôr ala­ o seu quinhão será prejudicado”. Finalmente, ao
gado. . . Deixe que os bois com ferradura nas patas lavrador é recomendado não “deixar que a cevada
calquem o terreno para você; depois que as ervas penda sóbre si mesma” e sim a “coUiê-la quando
daninhas tenham sido arrancadas [por êles e] o estiver [plenamente] levantada”.
campo estiver aplainado, lavre-o com enxadas es­ Se a esfera de ação do agricultor se circims-
84
crevia aos seus campos e aos celeiros da sua cidade, Para aumentar êsse amplo painel da vida cita­
a do mercador-viajante era pràticamente sem li­ dina na Mesopotâmia há numerosos detalhes forne­
mites. Era quem mantinha as cidades da Mesopo- cidos pelas jjlaquetas desenterradas com inscrições
tâmiá não só em contato umas com as outras mas cuneiformes, pelas ruínas dos edifícios e pelos frag­
também com muitas regiões distantes do mundo an­ mentos de utensílios. Por exemplo, as escavações
tigo. A êle também se deve a criação do bazar, que têm mostrado que, enquanto um membro qualquer
contribuiu imensamente para os prazeres da vida da classe obreira residia em humilde casa de adôbe,
urbana. com um só pavimento, um agricultor, comerciante,
Provàvelmente até mesmo as aldeias primitivas escriba ou artífice, morava confortãvelmente, graças
da região tiveram seus pequenos negociantes, que ã prosperidade obtida com seus serviços. Remanes­
trocavam os produtos de uma propriedade pelos de centes de habitações que pertenciam a cidadãos
outra na vizinhança. Contudo, o comércio a longa sumerianos de certa abastança próximo a Ur e da­
distância era essencial para as cidades mesopotâ- tando do século XX a.C. refletem um padrão de
micas, pois se produziam cereais em excesso e con­ vida surpreendentemente elevado e mostram que tais
tavam com rebanhos de carneiros que forneciam moradias se equiparavam, exceto em alguns porme­
uma superabundância de lã, não tinham bastante nores, ãs dos assírios e babilônios bem posteriores,
madeira, pedra e metal para construção ou para os nas mesmas condições econômicas.
requintes reclamados pelos templos, palácios, pro­ Tais residências consistiam numa estrutura de
priedades de gente rica e até pelos cidadãos em dois pavimentos feita.de tijolos secados ao sol ou
geral. cozidos em forno, cuidadosamente caiada por dentro
Assim, foram aparecendo os mercadores ou­ e por fora, e bem protegida contra o chamejante sol
sados e cheios de iniciativa. No curso dos séculos, mesopotâmico por paredes que às vêzes chegavam
êsses negociantes argutos e aventurosos aprenderam a ter dois metros de espessura. Um pequeno vestí­
a guiar suas caravanas de muares pelo desolado de­ bulo de entrada conduzia a um pátio pavimentado de
serto da Síria até a costa do Mediterrâneo, ou pe­ tijolos com um bueiro central para o escoamento da
los desfiladeiros dos montes Zagros até o Irã, ou água na chuvosa estação do inverno. Abriam-se
tão ao norte como o lago Van, na Armênia. Dobra­ para o pátio as portas dos compartimentos no an­
vam o golfo Pérsico, para chegar à India distante, dar térreo. O número dêles podia variar de casa
ou atravessavam a mar da Arábia para traficar com para casa, mas em geral comportava uma sala,
a Somália e a Etiópia, na África. Em troca dos onde os visitantes eram recebidos e festejados, e
cereais, da lã e dos tecidos, que constituíam as suas onde poderiam mesmo passar a noite; um lavató­
cargas, traziam na volta ouro, prata, cobre e chum­ rio; a cozinha com seus fogões e utensílios de ce­
bo, as madeiras de que havia maior necessidade, râmica, pedra e cobre; um quarto de criados e uma-
como cedro e cipreste, e artigos de luxo, que in­ oíicina de trabalho que provávehnente servia tam­
cluíam marfim, pérolas e conchas, assim como cor- bém como depósito. No rés-do-chão podia existir
nalina, malaquita, lápis-lazúli e outras pedras semi­ uma pequena capela onde eram reverenciados os
preciosas. Juntamente com êsses artigos exóticos deuses do dono da casa, e sob algumas residências
os negociantes também retornavam com encantado­ havia mausoléus para o sepultamento dos membros
ras histórias de povos estrangeiros, com seus idio­ da família.
mas esquisitos, seus costumes singulares, seus mis­ Um lanço de degraus levava ao segundo pavi­
teriosos ritos e crenças. De fato, mais do que os mento, onde uma galeria de madeira, com cêrca
instruídos sacerdotes e escribas, foram êsses merca­ de um metro de largura, e apoiada em caibros,
dores itinerantes que alargaram o horizonte dos seus corria ao longo do pátio, conduzindo aos aposentos
compatriotas e ajudaram a fazer da cidade mesopo- ' privados da família. Provàvelmente uma escada de
tâmica uma palpitante e requintada metrópole. mão dava acesso ao teto em declive, sôbre o qual
85
a família ia às vêzes dormir nas claras noites do dens e instruções; demandas legais demasiadamente
verão. A casa era simples mas confortàveImente sérias para ficarem a cargo de qualquer autoridade
guarnecida, com leitos e canapés, cadeiras e mesas, menor eram levadas à atenção e decisão do governan­
e havia arcas de madeira ou vime para guardar as te; se a sêca havia assolado um distrito de pastagens,
roupas. Tapêtes cobriam o chão e coloridas col- cabia ao rei providenciar para que os rebanhos fos­
gaduras decoravam as paredes. sem para outra zona; se uma tribo nômade invadira
Como era de se esperar, os reis viviam de uma área cultivada, incumbia ao soberano despachar
maneira bem mais faustosa, e a prova disso é for­ tropas a fim de prevenir outras incursões. Até maté­
necida por Mari, a cidade da Mesopotâmia oci­ rias triviais, como a fuga de uma esposa de cidadão
dental que Hamurábi destruiu no século XVIII a.C. privado, eram levadas ao conhecimento do rei, e sua
O palácio de Mari, um conjunto colossal, de quase ajuda era pedida para que a mulher voltasse ao lar.
sete acres, abrangendo pátios abertos e cêrca de Como o rei personificava na terra o deus tu­
300 salas — algumas das quais belamente decora­ telar da cidade, entre as suas incumbências habituais
das com pinturas murais — está extraordinàriamente se incluíam diversas atividades religiosas. Estas po-
bem preservado e é tido como um exemplo mar­ deriam ser a visita ao templo da divindade para in-
cante de moradia e centro de ação administrativa formá-la sôbre o bem-estar da região, a oferenda
de um governante mesopotâmico. Os milhares de de sacrifícios para assegurar a continuação da pro­
documentos cuneiformes que compõem os seus ar­ teção celestial, ou oficiar em certos rituais, como
quivos, combinados com os restos arquitetônicos, o da purificação do local destinado a um nôvo
habilitam os estudiosos a reconstituírem muitos as­ templo.
pectos da vida palaciana e apresentam um quadro Entretanto, nem todas as horas do dia eram
da corte em sua conduta cotidiana, que passou por empregadas pelo rei em assimtos sérios. Sabe-se, por
bem poucas variações no curso dos séculos. exemplo, que uma das refeições cotidianas no pa­
Os antigos mesopotâmios começavam o dia lácio de Mari era um banquete real de que parti­
bem cedo, logo após o alvorecer, para aproveitar cipavam visitantes ilustres e os membros da nobreza
o relativo frescor das horas matinais; e parece que a quem o rei desejava honrar de maneira especial.
tais horas foram as escolhidas pelo rei de Mari Havia também diversões da côrte, com música,
para dar suas audiências públicas. danças e recitativos. Escravas eram cuidadosamente
No seu trono sobre um estrado, tendo ao re­ adestradas no uso de instrumentos como harpas, li­
dor os ministros e membros da guarda, o rei recebia ras e flautas de caniço, e poetas e menestréis diver­
solenemente embaixadores de outras cortes. Além de tiam o rei com representações de suas obras.
mensagens diplomáticas referentes a tratados comer­ Desde o brilhantismo de suas cortes reais a*é
ciais, pedidos de ajuda militar e outros assuntos à vida bem regulada do conjimto social, as cidades
dessa ordem, os emissários costumavam trazer pre­ que surgiram e se desenvolveram na Terra Entre os
sentes de seus monarcas; os arquivos de Mari re­ Rios prestaram, sem dúvida, relevante contribuição
velam que um rei da Síria setentrional enviou ao so­ ao progresso humano. Sem a ordem e a segurança
berano daquela cidade uma dádiva de vinho fino estabelecidas dentro de suas muralhas não teriam
e prometeu mais. “Se não tiverdes bom vinho. . . florescido os complexos elementos que compõem
para beber — escreveu êle — mandai-me um aviso uma civilização — a escrita, um sistema legal, um
e eu vos mandarei vinho bom”. alto nível de organização política, a especialização
Naturalmente, o rei reservava boa parte da das artes e ofícios.
audiência diária ás questões do seu próprio reino. O entrelaçamento dêsses fatores, que pela pri­
Informes dos funcionários que administravam as meira vez foi realizado na antiga Mesopotâmia, pro­
diversas localidades integrantes do estado tinham de duziu o molde de existência urbana que sobrevive
ser ouvidos, examinadas as matérias, ditadas as or­ até hoje.

86
0 AMANHECER NUMA LAGUNA DOS P A N T ^^ os encontra um homem impulsionando a remo sua esguia canoa, tal qual seus ancestrais primitivos.

AVIDA IMUTÁVEL NOS PANTANOS


Desde os primeiros albores da civilização, a vida quase não sofreu modificações
para o povo que vive nas vastidões pantanosas da Mesopotâmia meridional, onde
se reúnem as águas do Tigre e do Eufrates. Aqui, numa paisagem aparentemente
sem fim de brejos, moitas de caniços e estreitas lagoas, o tempo vai passando
virtualmente despercebido, sem ser marcado pelos relógios ou calendários. Os
habitantes do pântano guardam apenas a lembrança de algumas poucas gerações,
mas seu sistema de vida é ainda o que se estabeleceu há 60 séculos passados,
nos dias em que as primeiras tribos nômades se fixaram nesta zona alagadiça.
Como os seus remotos predecessores, os homens dos pântanos colhem peixe
nas lagoas, cozem pão ázimo em fomos primitivos, criam búfalos aquáticos e
constroem cabanas arqueadas, de caniços compridos. Há, decerto, algumas dife­
renças. Os habitantes de hoje, que se consideram de descendência árabe, adoram
Alá e não os deuses da antiga Suméria, e importam tecidos e algumas armas de
fogo para caçar nas redondezas. Mas, de um modo geral, a sua existência coti­
diana é o eco de um tempo em que ainda não existiam as cidades nem a escrita.
87
r , 1
as "atividades da manha "começam quando dois homens deixam a sua aldeia para apanhar caniços, enquanto umpar de búfalos se espoja.

De acordo com um mito babilónico, o mundo começou quando


UMMUNDO o deus Marduk construiu uma plataforma de caniços e de terra
sobre a superfície de um universo primitivo onde “todas as terras
SÒBRE AAGUA eram mar”. Quase do mesmo jeito, as tribos atuais do pântano
constroem aldeias sobre ilhas artificiais formadas de caniços e de
lodo. Cada habitação repousa sobre sua própria ilhota, que tam­
bém serve de terreiro para os búfalos aquáticos da família. Êstes
animais, primeiramente domesticados pelos sumérios por volta de
4000 a.C., são essenciais para a economia do pântano, forne­
cendo leite e carne para a alimentação, assimcomo estéreo.
88
iUNADA DE BÚFALOS, em tôrno de um celeiro construído com os caniços do pântano, de uma impressão em argila extraída de um sêlo sumeriano.

89
90
uma antiga fachada, reproduzida numa gravura sume ria na,
mostra o teto arqueado e os topes de coluna com formato de
plumas de uma típica habitação construída de caniços.

UMLEGADO DURADOURO
DE ARQUITETURA
DE CANIÇOS
Numa terra desprovida de árvores e sem pedreiras,
as tribos do pântano constroem as suas casas com
o único material disponível, os frágeis caniços. As
edificações assim feitas — com estrutura em forma
de túnel e teto arqueado — são remanescentes de
um dos mais velhos estilos arquitetônicos que a his­
tória registra: as cabanas de caniços dos antigos
mesopotâmios (acima).
Êsses construtores primitivos empregaram as
primeiras colunas conhecidas, arcos e tetos aboba­
dados. Os modernos habitantes do pântano usam os
mesmos elementos quase de igual maneira. Cons­
troem um arcabouço com a fixação no solo de dois
feixes de caniços bem atados para constituírem co­
lunas, depois encurvando-os e prendendo-os no alto
para formarem arcos (esquerda). Traves são colo­
cadas e toda a estrutura é coberta compalha.

um moderno arcabouço de colunas arqueadas e de caibros é


erguido por dois homens. Como as colunas, as travessas e as
esteiras de cobertura são pré-fabricadas. Uma casa inteira pode
ser construída empoucas horas, apenas com trabalho manual

91
A LUTA COTIDIANA
PEIA SUBSISTENCIA
No desolado ambiente — onde os tem­
porais do inverno dificultam o trans­
porte e onde as inundações da prima­
vera muitas vezes alagam aldeias in­
teiras — a simples sobrevivência é
uma batalha de sol a soí. As tarefas
que asseguram a vida dessas aldeias
são elas próprias remanescências de
umpassado remoto.
O arroz, aíi introduzido por volta
de 1000 anos a.C., constitui o alimen­
to básico. É plantado em covas rasas,
colhido a mão, e transportado para as
aldeias em canoas de fundo chato. Às
vêzes as enchentes, que ajudam a ir­
rigar as sêcas terras de plantio fora
dos pântanos, alagam completamente
os arrozais e destroem a colheita de
uma estação.
As canoas constituem o único meio
de transporte nos pântanos. A madei­
ra para construí-las tem de ser impor­
tada do Iraque setentrional, assim
como betume, uma substância asfálti-
ca usada para calafetar as tábuas do
casco. Anualmente raspa-se a velha
camada de betume e aplica-se uma
outra para permitir que os barcos flu­
tuem. Para trocá-las por madeira e
betume, os habitantes do pântano te­
cemesteiras comâ palha dos caniços

joeirando a r r o z duas mulheres derramam


cestas de grão batido em frente a uma cabana
de caniços. A palha é lançada fora quando os
grãos caem numapilha.

92
fazendo farinha, mulheres moem srão de arroz num almofariz de pedra. A farinha de arro: • será cozida emfornos de barro.
■ EMPURRANDO A REMO UMA CANOA DE CANIÇO,
^ 1 proa e popa altas e encurtadas, um barqueiro sume-
rían o transporta um passageiro nesta impressão de
um selo gravado em argila há mais de cinco mil anos.

moradores do pântano man­


p e s c a n d o c o m arpões,
têm-se de pê em suas canoas graciosamente recurvas
e mergulham as hastes com pontas de metal nos ca-
niçais à margem de uma lagoa, procurando enguias.
UM REFUGIO MILENAR ENTRE OS CANIÇOS

Apesar de tão inóspitos, os pântanos têm sido um Em algumas partes da antiga Mesopotâmia a palavra
perene refúgio para caçadores e pescadores. Patos e que significava pescador tomou-se sinônimo de “fu­
garças criam-se aos milhares nos caniçais, onde, du­ gitivo”. Durante o império assírio uma rebelião con­
rante séculos, os homens os têm apanhado para sua tra a autoridade levada a efeito pelas tribos do pân­
nutrição. Carpas e enguias, farpeadas ou colhidas tano de tal modo se espalhou que o Rei Senaqueribe
em rêdes nas lagoas, alimentaram os primitivos me- organizou uma expedição punitiva, embarcando as
sopotâmios; atualmente os habitantes do pântano suas tropas em canoas da região. Nesse tempo as
pescam êstes mesmos peixes com longas varas de embarcações eram feitas de caniços revestidos de
bambu cuja extremidade é provida de cinco pontas breu mas, para facilitar a sua penetração nos ca­
de metal em forma de garfo (abaixo). niçais, foram construídas com o mesmo feitio es­
No passado, os pântanos também ofereciam treito e as mesmas proas em forma de crescente
outra espécie de refúgio para foragidos da justiça. (esquerda) que têm os atuais barcos de madeira.
ao fim do dia, o sol no poente delineia símbolos da rida que levam os moradores dos pântanos: feixes de caniços cortados, aproa alta de SÉ
canoa, um bezerro. Projetos do governo iraquiano para drenar os pântanos e transformá-los em terra de lavourapoderão ocasionar muitas mudanças.
A religião da antiga Mesopotâmia é a mais
veUia dentre as que nos oferecem documentos escri­
tos. Baseada nas crenças sumerianas, propiciava
orientação espiritual e ética aos negócios humanos,
propunha uma explicação aceitável para os trans­
cendentes mistérios da vida e da morte, e deixou
um legado de fantasiosa mitologia que influenciou
poderosamente as religiões posteriores.
Os babilônios e os assírios, que sucederam aos
suinérios, adotaram a maioria dos seus deuses e das
suas práticas religiosas. Isso não quer dizer que os
sacerdotes e poetas da última fase copiaram servil­
mente os protótipos sumerianos. Mas, de um modo
geral, não puderam fugir à influência alastradora da
herança deixada pelos antecessores.
Esse corpo complexo de preceitos e narrativas
enfrentava resolutamente as questões fundamentais
FE, MITOS E RITOS que têm sempre inquietado a humanidade: Que so­
mos nós? Onde estamos? Como chegamos aqui? As
respostas mesopotâmicas eram diretas e ricas de sen­
tido, embora inteiramente erradas á luz da ciência
moderna. A Terra, que êles supunham ser um disco
achatado, era circundada por um vasto espaço vazio
que se incluía na abóbada do firmamento, formando
um universo a que davam o nome de An-ki, “céu-ter-
ra”. O espaço entre o céu e a Terra era preenchido
pela matéria que chamavam de Hl. Ao redor de tôda
a Terra e do céu — ao alto, ao fundo e nos lados
— agitava-se o mar, infinito e sem repouso, sus­
tentando miraculosamente o universo. A onipresen­
ça das águas convenceu os mesopotâmios de que elas
eram primevas e eternas — a origem de tôdas as
coisas. Das águas foi que surgiu o universo, isto
é, o arco celeste e o disco terreno. A atmosfera
que se expandia entre êles, separando o “Pai Céu”
da “Mãe Terra”, também produziu as estréias bri­
lhantes, o Sol e a Lua, assim montando o cenário
para a criação do homem e o advento da civili­
zação.
Era natural que os sábios e pensadores antigos
concebessem em têrmos humanos a criação do uni­
verso e a organização da sua vida. Toda a socie­
dade humana, como êles a conheciam, tôda a ação
dos homens, era dirigida por pessoas. Também o
universo — imaginavam êles — devia, pois, ser go­
vernado por entes antropomórficos, semelhantes aos
homens, que em geral não eram perceptíveis aos
humildes mortais. Os sêres dominadores que go­
vernavam o universo deviam ter maior poder
e maiores dons do que as suas cópias humanas na
'-V BODE DE OURO, encontrado num túmulo sumeríano de ür, símbolíza-
Terra, e deviam viver etemamente, pois a alterna­
fc. fertilidade. A cabeça e as pernas do animal, assim como a árvore flo- tiva, inadmissível, seria a de uma total confusão à
rV á, eram feitas de madeira revestida de ouro; o seu pêlo é de conchas, sua morte. Invisíveis, onipotentes e imortais, eram
«u chifres e olhos manufaturados em lápis-lazúlí. deuses, dingir na língua sumeriana. As divindades
99
0 DEUS-SOL UTU, urna das principais divindades sume ria- A MÃE-TERRA, Ninhursag, era a fonte de toda a vida-
nos, ilumina o mundo com raios que brotam de suas Dela nasceram as plantas; para salientar êste seu papel,
espáduas. Era também considerado como deus da justiça. usava uma coroa de folhas e trazia na mão um ramo.

deviam ser muitas para presidir aos inumeráveis da mãe-terra. Eram os quatro as deidades supre­
componentes físicos e espirituais do mundo, e os mas, que planejaram e criaram os componentes do
mesopotâmios não tiveram dificuldade em satisfa­ universo, colocando-os sob os cuidados desse ou
zer a essa necessidade com a criação de novos deu­ daquele rebento da sua progénie, os deuses admi­
ses quando tal se fazia preciso. Os documentos que nistrativos. A criação não fôra difícil nem.labo-
subsistiram mostram que, por volta do ano 2500 riosa, pois as divindades, uma vez decidido por
antes de Cristo, a lista dos deuses sumerianos, o elas o que deviam fazer, tiveram apenas de enun­
panteón, abrangia centenas de divindades, cada uma ciar o seu plano de ação e logo a coisa estava feita.
com o seu nome especial e sua esfera própria de Essa idéia transformou-se numa convicção que foi
ação. partilhada por todo o Oriente Próximo como um
Apesar da sua amplitude e complexidade, o estabelecido artigo de fé: a Palavra de Deus —
panteón criado pelos sábios imaginosos em geral ou de vários deuses — tem por si mesma o poder
agia suave e harmoniosa mente. Os deuses eram si­ de criar do nada todas as coisas.
tuados em ordem hierárquica, de acordo com a sua Até o mais poderoso e mais sábio dos deuses
importância, influência e poder. Os principais eram se assemelhava ao homem em suas atividades ter­
os que controlavam os quatro maiores reinos do renas. Banqueteavam-se, casavam, tinham filhos e
universo: An, deus do céu, Enlil, o deus do ar, ‘ eram — dependendo da ocasião — bem-humora­
Enki, o deus da água, e Ninhursag, a grande deusa dos, zangados, alegres, melancólicos, desprendidos.
100
SENHOR DA ÁGUA E DA SABEDORIA, Ettki fo z torrentcs nas­ DEUSA DO AMOR E DA GUERRA, Inanna aparece de pé ao
cerem dos seus ombros. Era um deus que dava inteli­ lado da sua insígnia, pilares de portão com flâmula. Ela
gência aos governantes e propiciava perícia e habilidade. estava sempre presente onde quer que a vida fôsse gerada.

invejosos, nobres, mesquinhos, cruéis ou caridosos. contrar uma nova vida nos infernos, sem perda
Em geral, eram a favor da honestidade e da decên­ de sua qualidade divina.
cia, contra mentiras e maldades; mas, a julgar pelo Nos tempos mais recuados, ao comêço do
que os mitos contam, estavam muito longe de ser Quarto Milênio a.C, quando a cidade de Erech
sem mácula e pecado. era a dominadora da região, a principal divindade
Os deuses faziam viagens quando necessário; sumeriana parece ter sido o deus-céu An. Sua pre­
o deus-Sol tinha uma carruagem, mas às vezes an­ eminência causa uma certa surprêsa; já que o mar
dava a pé. O deus-tempestade ia ao seu destino desempenha papel tão vital nos mitos da criação
montado numa nuvem, enquanto o deus-Lua tinha seria de se esperar que a lista das divindades fôsse
um barco à sua disposição. Os mesopotâmios não encabeçada por Nammu, a deusa do mar primevo,
se preocupavam muito com tais detaUies realísticos “a mãe que deu à luz o céu e a terra”. Mas a hie­
nem sentiam muita necessidade de resolver os pa­ rarquia divina, assim como a cena política da Me­
radoxos inerentes à sua fé politeísta. Provàvelmen- sopotamia em que se pautava, reconhecia a supe­
te nunca lhes ocorreu pôr em dúvida a natureza rioridade masculina, e An se tomou, assim, o mo­
inconsistente de suas deidades, que poderiam adoe­ narca reinante. Com o declínio de Erech, porém,
cer gravemente, que tinham de comer, dormir e deve ter perdido muito do seu prestígio e deixou
encontrar moradias, que batalhavam, aniquilavam de representar qualquer papel de significação nos
inimigos e às vêzes até faleciam — mas para en­ mitos ou nos hinos. Muitos dos seus podêres e
101
prerrogativas foram transferidos para o deus-ar Enlil é dado como o autor do me, isto é, um
Enlil, a deidade guardiã de Nippur, cidade que se conjrmto de “leis universais” governando tôda a
tomara o centro político e religioso da Mesopotâ- existência. A criação dêsses amplos conceitos revela
mia meridional. bem a originalidade dos mesopotâmios, pois foram
Durante um milênio, a partir de 2500 a.C., êles os primeiros a formular uma noção de tal modo
Enlil continuou como chefe supremo do panteón especulativa.
sumeriano e, até certo ponto, também do babilónico Para os mesopotâmios, o me era uma resposta
e do assírio. Enlil é uma palavra composta da lín­ aos seus anseios de segurança num mundo contur­
gua sumeriana que significa “Senhor Ar”; foi éle bado. Necessitavam crer que o universo e todos os
a força motora para efetuar-se a separação do Pai seus componentes, uma vez criados, continuariam
Céu da Mãe Terra, a qual não tardaria a gerar a a operar de modo ordenado e eficaz, sem perigo
prole de Enlil. Este é, portanto, descrito como o de desintegração ou deterioração. O me, engenhado
“pai dos deuses”, o “rei do universo”, o “rei de por Enlil, governava a todos e a tudo no universo;
tôdas as regiões”. Enlil féz germinar a “semente da aos mortais era um conforto saber que o céu azul,
terra”, fe*z nascer “tudo que era necessário”, inven­ a terra fecrmda, o lúgubre inferno, o mar bravio,
tou a picareta-enxada e deu-a ao homem para fa­ tudo funcionava em obediência à determinação dos
cilitar seus trabalhos agrícolas e trazer-Uie, em con­ deuses.
sequência, prosperidade e fartura. Os deuses em­ Havia mais de cem mes, um para cada aspecto
penhavam-se em conquistar as graças de Enlil. Se­ do mundo e da civilização. Havia mes especiais
gundo um mito, o poderoso deus-água, Enki de para divindades e homens, terras e cidades, palá­
Eridu, após haver construído sua esplendente “Casa cios e templos, amor e lei, verdade e mentira, paz
do Mar”, viajou até o templo de Enlil, em Nippur, e guerra, música e arte, culto e ritual, assim como
a fim de obter a sua bênção. Outro mito fala do para todos os ofícios e profissões. Enlil outorgou
deus-Lua Nanna, a divindade tutelar da afamadíssi- êsses mes para guiar os deuses, emmciando seus
ma Ur, que desejava garantir o bem-estar da sua direitos, deveres e privilégios, limites e contróles,
cidade. Seguiu êle para Nippur num barco cheio de autoridade e restrições.
presentes e os ofertou a . Enlil, para alcançar suas O me tem papel destacado em alguns dos mi­
generosas mercês. Não é de admirar que os poetas tos mais importantes sôbre os deuses. Apesar disso,
hajam decantado Enlil em versos tão enaltecedo- essas histórias bem elaboradas tiveram influência
res como éstes; rnínima — ou nenhuma — nas práticas religiosas.
Exceto em alguns casos, os mitos são de sentido
‘'Enlil, cujas ordens têm grande alcance, literário. Foram imaginados para dar prazer ou
cuja palavra é sublime e sagrada, inspiração, assim como para explicar eventos cós­
cujos pronunciamentos são imutáveis micos e crenças religiosas. São, em geral, agradá­
Enlil que traça os destinos no futuro distante, veis contos de deuses em amor, em guerra, em seus
cujo olhar sobranceiro perscruta os campos, trabalhos de criação.
cujos alcandorados raios sondam o coração da Segundo certo mito, foi a desobediência a um
[terra. . . me que levou EnliJ á perdição; embora onipotente,
não soube domar a violência do seu próprio instinto
Quando o pai Enlil se instala solenemente sob sexual.
o dossel sagrado, o sublime dossel, Um dia, após a criação do homem, quando
quando exerce o sumo comando e realeza, sòmente os deuses viviam na cidade de Nippur,
os deuses terrenos se curvam diante d êle, Enlil passeava ao longo de um canal e espiou uma
os deuses celestiais o reverenciam com humil- jovem deusa, a bela Ninfil, que tomava banho na­
[dade... quelas águas. Assaltou-lhe tal desejo que decidiu

102
possuí-la jmediatamente. Quando Ninfil resistiu às sem dúvida de todo o mundo civilizado. Isso, ela
suas propostas amorosas, alegando que era ainda só poderia conseguir se se apossasse dos divinos
muito jovem, Enlil agarrou-a, conduziu-a para bor­ mes. Resolveu arrebatá-los de Enki, custasse o que
do de um barco e a violou. Esse ato imoral infrin­ custasse.
giu exatamente o me que o próprio Enlil havia es­ No seu “Barco do Céu”, em companhia do aio
tabelecido para o funcionamento do universo em Ninshubur, seguiu para o templo de Enki, o Abzu,
boa ordem. Diante disso, os outros deuses baniram onde foi acolhida calorosamente e convidada a um
o seu chefe para o inferno. A desventurada Ninfil, lauto banquete de bôlo de cevada e vinho de tâ­
que iria dar à luz o deus-Lua Nanna, como re­ mara. Enki, o anfitrião, foi além da sua hóspede
sultado da união, acompanhou Enlil ao mrmdo das no gôzo do festim. Meio embriagado, começou a
profundezas. lhe dar os mes, uns poucos de cada vez. Aceitando
Foi uma sorte para o homem e a civilização com a máxima satisfação as dádivas inestimáveis
que, com a descida de Enlil ao submrmdo, os mes — possivelmente inscritas em placas ou figuradas
tenham sido confiados a Enki, o deus da água (sua de alguma forma simbólica —, Inanna os apanhou,
mãe era Nammu, a deusa-mar) e da sabedoria, levou-os para o seu barco e partiu mais que de­
que os manteve bem guardados no Abzu, o santuário pressa para Erech, antes que o bêbado Enki se
nas profundezas do oceano. desse conta do que havia feito.
Foi Enki que levou a cabo a organização do Quando afinal curtiu a embriaguez, Enki per­
universo nos seus aspectos práticos. Começou por cebeu que os mes haviam sumido. Com acabrunha-
determinar vários graus de prosperidade ás diver­ mento e desespêro ouviu o seu aio Isimud dizer-lhe
sas terras que compunham o mundo antigo, inclu­ os presentes que dera a Inanna. Cheio de remorso
sive a Suméria e possivelmente o Egito. Em se­ por não ter sabido guardar o que lhe fora confia­
guida, propiciou as coisas necessárias para fazer do, Enki jurou que recuperaria os mes. Ordenou
a terra produtiva e prover as necessidades do ho­ a Isimud e a um sortido grupo de monstros ma­
mem: despejou água pura no Tigre e no Eufra- rinhos que partissem a tôda pressa para os sete
tes, dotou de peixes e de caniços os pântanos e pontos de parada entre Eridu e Erech. Isimud re­
brejos, fêz chover, empilhou os cereais nos cam­ cebeu insiruções para aprisionar o barco e seu car­
pos cultivados, construiu cocheiras e redis para regamento, mas deixando Inanna voltar livremen­
ovelhas. Para que não fo'sse em vão todo êsse fe­ te para sua cidade. Todas as tentativas de recupera­
cundo labor, nomeou deidades especiais para zelar ção, entretanto, foram frustradas pelo bravo e fiel
por suas inovações e fazer que elas fossem usadas conselheiro da Inanna, Ninshubur’, e a deusa e sua
de maneira correta, presumivelmente de acordo com embarcação chegaram tranquilamente a Erech. Ali,
os mes divinos. o povo feliz, a quem a deusa protegia, assistiu ao
Apesar de sábio, Enki não foi capaz de res­ desembarque dos preciosos mes que iriam fazer de
peitar os mes que lhe foram confiados e que eram Erech a cidade predominante entre tôdas as demais
tão preciosos para sua cidade, Eridu; o que o per­ das terras da Suméria.
deu foi mais a bebida do que a paixão. Quem pro­ Enki também teve seus problemas com outra
vocou a sua queda foi sua filha Inanna, protótipo deusa, Ninhursag, que era talvez a originária “Mãe
da Afrodite grega e da Vénus romana. Inanna — o Terra”. Desta vez não foi bebida, mas comida,
nome quer dizer “rainha do céu” — era adorada que o meteu em dificuldades, porque provou de
em tôda a Mesopotâmia como a deusa do amor, certo alimento — o que lembra a história do “Pa­
da procriação e da fertilidade. Mas era também raíso” no Livro do Gênesis. A cena dêste mito é
e especialmente a divindade tutelar de Erech desde Dihnun. Em Dihnun, segundo os poetas, ninguém
os primeiros tempos e estava decidida a fazer da ficava doente e ninguém envelhecia. Mas em Dil-
sua cidade o grande centro cultural da Suméria e mun havia falta de água fresca, até que o deus-Sol
103
Utu, por ordem de Enki, fêz a água brotar e, assim, um barco gigantesco para escapar ao tempestuoso
florescer tôda a espécie de vegetação. dilúvio, salvando a própria vida e “a semente da
Neste éden, Ninhursag fêz crescer oito plan­ humanidade”. Ziusudra seguiu fielmente os conse­
tas especiais, isso após uma série extremamente lhos do deus e livrou-se da catástrofe, ou na versão
complicada de acontecimentos que determinaram a do poeta:
concepção de sucessivas gerações de deusas, tudo
sob o comando de Enki. Enki foi tentado pelas Depois que, durante sete dias [e] sete noites,
plantas e ordenou ao seu aio Isimud que as ar­ O dilúvio se estendeu sobré a terra
rancasse e as trouxesse para êle. Quando Ninhursag \E\ o grande barco foi sacudido pelos vendavais
veio a saber que as plantas foram comidas, ficou [sòbre as grandes águas,
furiosa e pronunciou uma maldição em que preco­ Utu [o deus-sol] apareceu, espalhando luz
nizava a morte de Enki, e em seguida abandonou [sòbre o céu e a terra. . .
o concilio dos deuses.
Como resultado dessa praga Enki sofreu uma Após uma interrupção no texto, encontramos
doença que atingiu oito dos seus órgãos vitais. A Ziusudra prostemando-se diante de An e Enki,
morte aproximava-se, as outras divindades chora­ duas das deidades principais do panteón, as quais
vam, mas sem a presença de Ninhursag nada po- se agradaram tanto da sua humildade temente e
deria ser feito para salvá-lo. Por sorte, assistia á devota que lhe deram “vida como um deus” e “so­
cena uma raposa ladina e ela, não se sabe como, pro eterno”, levando-o a uma espécie de Paraíso,
conseguiu convencer Ninhursag a retomar ã reu­ o Dilmun, “o lugar onde o sol se levanta”.
nião. Num desfecho feliz da história, a deusa salvou Mitos como ésses devem ter dado aos meso-
a vida do moribundo Enki ao criar oito deidades potâmios o consolo de que bem necessitavam, dada
que curaram seus oito órgãos enfermos. a sua concepção um tanto sóbria e modesta do
Um outro mito sumeriano tem muito maior destino do homem no mundo, em contraste com
interêsse e atração para o homem do Ocidente. E as funções gloriosas que atribuíam aos seus deuses.
a história do Dilúvio, reproduzida mais tarde em O homem, estavam êles certos, fora feito de argila,
racontes acádicos e, naturahnente, na versão bíbli­ ou, como alguns disseram, de argila e do sangue
ca. Embora a versão sumeriana tenha sido recons­ de uma divindade trucidada, e fôra criado para
tituída por meio de fragmentos que formavam um só propósito: servir aos deuses, fomecendo-lhes
apenas um têrço de uma placa de argila, a sua nar­ alimento e abrigo, a fim de que êles escapassem
ração pode ser completada com a ajuda da versão aos labores da vida cotidiana. Fatalistas e resigna­
acádica, na forma seguinte: dos, os sumérios acreditavam que o homem.era
Algum tempo depois de haverem sido criados impotente em face da inescrutável cólera divina e
o homem, as plantas e os animais, e de ter sido que a sua vida era cercada de incertezas e entregue
implantada a realeza em cinco cidades principais, à insegurança. Além disso, a morte não era nada
os deuses decidiram lançar o dilúvio e destruir a de se desejar, pois, falecido o homem, o seu espírito
humanidade. (Perdeu-se a passagem sobre o mo­ descia ao lúgubre e desolado mundo das profun­
tivo que determinou êsse terrível julgamento, mas dezas.
possivelmente se relaciona com desobediência por Um dúbio e sutil problema de ordem moral,
parte do homem.) Mas — continua a lenda — que tem dado tanta inquietação aos teólogos do
algumas das divindades se desgostaram com o rigor Ocidente, jamais perturbou, de forma alguma, os
extremo do castigo. Uma delas, Enki, revelou-o a pensadores sumerianos — a delicada questão do
Ziusudra (cujo nome em acádico é Utnapishtim), livre arbítrio. Convencidos de que foram criados
um mortal que se fizera notar pela sua humilde • para escravos e servidores dos deuses, aceitavam
obediência e devoção, e o aconselhou a construir com docilidade e resignação as decisões divinas.
104
UM “ÔLHO-ÍDOLO”, encontrado num templo da Síria, parece
representar uma divindade que tudo vê. O deus deve ter tido
muitos devotos, pois foram achados milhares dessas figuras.

Era demasiado esperar que os deuses, espe­


cialmente os grandes deuses, ouvissem e — talvez,
— ajudassem os homens comuns. Enlil, Enki e seus
pares estavam muito distantes, alheados e inaces­
síveis, para dar atenção a simples mortais e aos
seus problemas. O homem precisava buscar ajuda
num nível mais baixo de divindades. E daí nasceu
a idéia de um deus pessoal, um guardião celeste
que velava por um homem e sua família. Era a êsse
“pai”, seu criador, que o homem dirigia as suas
preces e súplicas. Se uma pequena ajuda lhe viesse,
seria pela intercessão dessa deidade pessoal.
Mesmo com tal auxílio, os homens só podiam
contar com uma certeza a da morte e descida
ao submundo. A concepção que tinham os mesopo-
tâmios da sua derradeira morada era confusa e con­
traditória.
Em geral, o submundo era concebido como
um vasto espaço cósmico embaixo da terra, cor­
respondendo mais ou menos ao céu, o amplo es­
paço cósmico acima da terra. As almas dos mor­
tos desciam às profundezas dêsse mundo, prova'-
vehnente partindo dos seus lugares de repouso na
mesmo as inexplicáveis e aparentemente injustifi­ terra, embora possa ter havido lugares de acesso
cadas. Nem discutiam o capricho e a excentricidade nas cidades mais importantes da região. Para chegar
dos deuses trazendo ao mundo malvadez e torpeza, ao submimdo, as almas tinham que atravessar um
penúria e calamidade, pois deviam ser esperadas. rio, de barco. De um palácio com sete portões tran­
Havia mes que determinavam tais defeitos huma­ cados, governavam êsse reino sombrio Nergal e
nos como “falsidade”, “discórdia”, “mêdo” “la­ Ereshkigal, que eram auxiliados por uma profusão
mentação”, “coração perturbado”, como também de deidades, inclusive sete Anurtnaki, que agiam
originavam as angústias cruéis de “inundações” e como juizes, e deuses “mortos” dos céus. Além
“destruição de cidades”. Um sumério que, como disso, havia tropas de “demônios”, chamados galla,
o Jó da Bíblia, fôsse sobrecarregado de desgraças que serviam como policiais. O grupo inteiro, exceto
imerecidas, era ensinado a não discutir a sua sorte os galla, tinha de ser provido de todos os acessórios
e a nãò se queixar diante do infortúnio insondável, da vida mortal — comida, utensílios, roupa, e assim
mas a admitir que êle era, inevitavelmente, uma por diante.
alma depravada, pois, como um sábio enunciou Mesmo na morte havia uma ordem rigorosa
com melancolia, “nenhuma criança sem pecado de precedência. As almas dos reis e dos altos fun­
nasceu de sua mãe”. cionários ocupavam os lugares melhores. Qualquer
105
defunto ilustre tinha, ao chegar, de oferecer sa­ No templo de todas as cidades principais da
crifícios aos seus nobres predecessores. A conduta Mesopotâmia havia sacrifícios diáriamente propicia­
no submundo, como em tôda parte, obedecia a dos aos deuses. Eram oferecidos vegetais e car­
certas regras, que foram impostas por Gilgamesh, nes, libações de água, cerveja e vinho; queimavam-
o grande herói imortalizado nos mitos, que se tor­ -se especiarias aromáticas e incenso perfumado. Tais
nou um deus depois da morte. O submundo perma­ cerimônias eram realizadas por sacerdotes e, de um
necia em lúgubre escuridão enquanto era dia na modo geral, delas bem pouco ou nada participavam
Terra; mas o Sol, quando se punha na Terra, ia os cidadãos comuns. O público leigo pode ter re­
para o lugar dos mortos, e de igual modo a Lua presentado papel mais saliente em muitos festivais
fazia essa viagem ao fim de cada mês lunar. periódicos e várias festas mensais em que os rituais
Os defuntos, quando chegavam ao submundo, tinham muito maior dramaticidade e imponência. O
eram julgados pelo deus-Sol Utu, e, se a sentença mais importante era o festival do Ano Novo, cele­
era favorável, suas almas podiam presumivelmente brado na primavera. Eram vários dias de cerimônias,
esperar uma existência satisfatória. Não obstante tendo o seu apogeu no “Casamento Sagrado”, no
êsse raio de esperança, os mesopotâmios acredita­ Dia do Ano Nôvo, entre o rei, que assumia o papel
vam que a vida no submundo era, na melhor das de Dumuzi (chamado Tamuz na Bíblia), um antigo
hipóteses, um reflexo merencório da que se conhe­ governante de Erech, e uma alta sacerdotisa que
cera na Terra. Tinham êles poucos motivos para representava o papel de Inanna. Esse ritual era a
esperar uma segunda vida venturosa, ainda mesmo reprodução de uma cerimônia que, segundo a legen­
tendo sido impecáveis. da, fôra primeiramênte cumprida por Dumuzi quan­
do desposou Inanna, a deidade padroeira da ci­
Dada a posição subserviente do homem dian­ dade de Erech.
te dos deuses, era de vital importância que êle os As núpcias sagradas tiveram um duplo objetivo:
reverenciasse, em certas ocasiões especiais, com a assegurar a fertilidade do solo e — pelo menos o
participação em cerimônias religiosas. Esses ritos rei assim esperava — garantir a sua longa vida
eram oficiados por sacerdotes especializados, nos como esposo de uma deusa. O romance inspirou
templos sacros. numerosas canções e narrativas que, embora dife­
No curso dos séculos êsses templos foram evo rentes uma das outras, giravam em tômo dêste tema
luindo de pequenos e simples santuários aos vas­ e rito central: o sagrado matrimônio do rei mortal
tos conjimtos de edifícios encontrados nas maiores com a deusa, que começava com um ardente anseio
cidades da Mesopotâmia. Esses templos reunidos para findar inevitàvelmente em amarga frustração
exigiam, pela sua complexidade, pessoal numeroso, e desastre.
encabeçado por um administrador e um chefe es­ De acôrdo com o mito mesopotâmico, a união
piritual, ou sumo sacerdote; às vêzes havia também de Dumuzi e Inanna terminou em sombria e pun­
uma alta sacerdotisa. Na ordem hierárquica, vinha gente tragédia para o rei. Por ironia da sorte, foi
em seguida uma variedade de sacerdotes, cada qual o casamento divino, por meio do qual pretendia
com deveres específicos. Um grupo, logo abaixo êle conquistar a imortalidade, que originou a sua
das mais altas categorias, oficiava as cerimônias de queda, e foi a própria deusa Inanna, cujo amor tão
rotina; outros sacerdotes pronunciavam fórmulas ansiosamente buscou e obteve, quem o levou à per­
mágicas e interpretavam augúrios; ainda outros apla­ dição. Dumuzi, ao que parece, não contava com a
cavam os deuses com música, ou tinham a seu car­ ambição e o orgulho da sua esposa divina. Tudo
go os ritos de sacrifício. Além disso, havia nume­ isso era contado pelos bardos numa narrativa um
rosos funcionários seculares, operários e serviçais tanto cruel cujo enrêdo se desenrolava assim:
que ajudavam no trato dos assuntos agrícolas e ne­ , Depois do seu casamento com Dumuzi, Inanna,
gócios do templo. embora já fosse Rainha do Céu, aspirou tomar-se

106
também a senhora do submundo. Ali, entretanto, dia de cada ano sua sobrevivência aos perigos pas­
ela foi condenada à morte pela invejosa Ereshkigal, sados.
Rainha do Submundo. Embora deusa, Inanna te­ O festival do Ano Novo na cidade de Babiló­
ria permanecido morta para sempre se não tivesse nia, durante o Primeiro Milênio a.C, incluía, além
intervindo o bondoso Enki, que logrou ressuscitá-la do casamento sagrado, vários aspectos de uma
aspergindo-a com “o alimento de vida” e a “água obscura festividade sumeriana conhecida como
de vida”. Mas não estavam findos os perigos de Aldtu. Mas a êsses foi aduzido um certo número de
Inanna. Pois, de acordo com o me do submundo, ritos simbólicos e mágicos inteira mente ignorados
ninguém — nem mesmo uma divindade — po­ nos tempos anteriores. Um déles era o recitativo do
deria voltar ao mundo dos vivos sem fornecer um Enuma-Elish, a epopéia da criação, que adaptou o
substituto. A ressurgida Inanna, que recebeu per­ mito sumeriano em alguns dos seus temas. Na ver­
missão para deixar o reino dos mortos, foi escoltada são babilónica do Enuma-Elish, o herói é Marduk,
por um grupo de galla, os pequenos demónios que o deus nacional de Babilônia. Quando os assírios
habitavam as regiões mais profundas; os galla tinham tomaram o poder atribuíram êsse papel a Assur, o
ordens de fazer Inanna retornar ao submundo caso deus nacional.
ela não encontrasse quem a substituísse. Para sermos exatos, muito do que sabemos so­
Inanna e a sua comitiva demoníaca vagaram bre o festival do Ano Nóvo na última fase de Babi­
de cidade em cidade à procura de uma deidade lônia vem de um compêndio sacerdotal do sé­
que os galla pudessem levar para fazer as vezes da culo 111 a.C., e alguns dos seus detalhes talvez não
outra. Os deuses das duas primeiras cidades a que tenham existido anteriormente.. De um modo geral,
Inanna chegou vestiram trajes de humilhação e pros- entretanto, pode ser considerado como razoàvelmen-
temaram-se diante dela. Embora os galla desejas­ te digno de crédito o seguinte relato dos ritos, rituais
sem ardentemente arrebatar essas criaturas espavo­ e cerimónias do Ano Novô:
ridas, Inanna não permitiu que eles o fizessem. Mas, O festival babilónico durava onze dias, come­
quando Inanna e seu diabólico séquito chegaram çando no primeiro de Nisan, o mês do equinócio
à própria cidade da deusa, Erech, ela aí encontrou da primavera. A parte melhor dos quatro primeiros
Dumuzi sentado num alto trono, com trajes fausto­ dias era devotada principahnente a preces promm-
sos, bem feliz da vida por estar livre da sua agres­ ciadas pelo sumo sacerdote; ao cântico do Enuma-
siva e dominadora esposa, junto da qual sempre -Elish, a epopéia glorificando Marduk como a divin­
estivera em posição secundária. Enfurecida por essa dade suprema do panteón; e á preparação de dois
traição, Inanna disse aos demónios que o levassem. bonecos vestidos de vermelho, segurando uma ser­
Dumuzi implorou o socorro do deus-SoI Utu, o juiz pente e um escorpião, os quais simbolizavam as
justo, que era irmão de Inanna e, portanto, seu forças do mal. No sexto dia, os bonecos eram de­
cunhado. Utu apiedou-se déle e transformou-o numa capitados e em seguida atirados numa fogueira.
serpente, mas sem resultado. Os galla o apanharam, Segundo a epopéia, no princípio só existia o
torturaram-no até ã morte e o conduziram ao sub­ caos aquoso. Abzu, as águas doces, e Tiamat, o
mundo, onde êle deveria ficar para sempre como mar, reuniram suas forças para a criação do univer­
substituto de Inanna. Todavia, sua amorável e de­ so e dos deuses. Mas, então, Abzu conspirou contra
votada irmã, a deusa Geshtinanna, concordou em to­ as divindades e o onisciente Enki o destruiu. A en­
mar o seu lugar na metade do ano. colerizada Tiamat continuou a guerra contra os
A repetição anual da cerimónia do Casamento deuses, nenhum dos quais foi bastante forte para
Sagrado parece ter correspondido a uma necessidade dominá-la, até que Marduk, filho de Enki, se ofere­
profunda que sentiam os mesopotâmios de renovar ceu para enfrentar o combate. Marduk, “de estatura
a sua esperança no futuro, tal qual o homem mo­ soberba, com oUiar fulgurante e garbo viril -.. um
derno que celebra com festas e regozijo no último líder nato”, pediu em troca ser o chefe dos deuses.
107
Reunidas em conselho, as divindades aceita­ seu sacerdote, participava de um ritual que tinha
ram os têrmos de Marduk e concederam-lhe tal como nota dominante o sacrifício de um touro.
poder que sua palavra se fazia lei. Depois de furiosa Não se sabe muito do prosseguimento do fes­
luta, Marduk venceu Tiamat, e usou metade do tival nos dias restantes. No sexto e no sétimo, as
seu corpo para fazer o céu. Em seguida, colocou em efígies dos deuses cultuados nas cidades mais im­
posição as estréias e a Lua, e fêz o homem surgir portantes de Babilônia eram trazidas à capital pelas
do sangue de um deus que ficara do lado de Tiamat. estradas ou pelos canais. No oitavo dia, o rei “to­
Em agradecimento à proeza de Marduk, a assem­ mava Marduk pela mão” e apresentava-o cerimo­
bléia dos deuses construiu para êle um santuário niosamente às divindades visitantes; então, a sobe­
majestoso e ofereceu-lhe uma grande festa, em que rania de Marduk era solenemente proclamada pelos
foram proclamados os 50 nomes de Marduk. De­ sacerdotes que atendiam às deidades reunidas. Ha­
pois, contentes com a sua obra, os deuses entre­ via uma procissão de alegres côres, encabeçada
garam o mundo ao homem, a fim de que pudessem por Marduk numa suntuosa carruagem ornada de
folgar. jóias. Guiado pelo rei, que tinha a segui-lo as dei­
O festival babilónico do Ano Novo continuava dades visitantes, o cortejo espetacular partia de Esa­
com outros rituais no quinto dia após as preces de gila, seguindo o Caminho Sacro impressionante­
rotina e os sacrifícios; havia uma cerimônia de pu­ mente decorado, transpunha o Portão Ishtar e, fora
rificação durante a qual o templo era aspergido da cidade, ia ao s&ritvÁno-Akitu, à beira do Eufra-
com água sagrada e santificado com óleo sacro. tes. O grupo demorava-se ah provavelmente três
Decapitava-se então um carneiro, cujo corpo ensan­ dias inteiros e, depois, retornava ao templo Esagila
guentado era comprimido contra as paredes do em Babilónia, onde finalmente se realizava o grande
templo, provàvelmentê para absorver qualquer im­ acontecimento do festival — “a decretação da sorte”
pureza que ainda restasse. O carneiro morto era do monarca, simbolizando o seu reino, no ano a
então arrastado para fora e atirado ao rio como iniciar-se.
um animal expiatório. Um dourado “pálio-celeste” E interessante ressaltar a coincidência de al­
era então erguido como preparativo para a chegada guns pontos entre as crenças dos povos mesopotâmi-
de Nabu, filho de Marduk, vindo da vizinha cos e as dos hebreus que, sendo seus vizinhos, na­
Borsippa. turalmente foram influenciados pela tradição regio­
Pela primeira vez durante o festival o rei apa­ nal. Destacamos, entre outros pontos de contato, a
recia no Esagila, o vasto templo conjugado, e cum­ analogia de Utnapishtim e Noé, do pobre inomi­
pria um ritual humilhante, ideado para fazê-lo com­ nado e. Jó, a gula de Enkil e o episódio da Serpente,
preender que não passava de mero serviçal dos e entre o Éden e o Dilum. Também na mitologia
deuses, e responsável perante êles pelo bem-estar grega encontramos a réplica de Gilgamesh em
do povo. O rito começava quando o sumo sacer­ Héraclès.
dote removia a insígnia real do soberano, assim A religião desempenhava, sem dúvida, papel
como o cetro e a espada, colocando-os ante a ima­ central na vida mesopotâmica. Era a fonte e a ins­
gem de Marduk. O sumo sacerdote puxava então as piração de templos soberbos, de esculturas impres­
orelhas do rei e forçava-o a curvar-se diante do sionantes, de esteias e placas decorativas, de incrus­
deus e a recitar uma confissão negativa, salientando tações pitorescas, de selos cilíndricos trabalhados de
o fato de que não fizera nenhum mal a Babilônia forma atraente. Seus ritos e rituais causavam tanta
e ao seu povo. Nesse ponto, o sumo sacerdote resti­ impressão que foram imitados na maior parte do
tuía ao monarca a insígnia real e então o esbofe­ mimdo antigo por vários milênios. Acima de tudo,
teava. Se os olhos do rei se enchiam de lágrimas, nesse veUio tempo em que as poderosas forças da
isso era um sinal de que Marduk estava satisfeito natureza pareciam totahnente inexplicáveis aos te-
com êle. Na tarde do mesmo dia, o rei, inabalado .merosos humanos, a sua religião deu perspectiva e
pelo seu vexame e humilhação diante do deus e do ordem à vida do povo na Mesopotâmia.
108
HISTORIAS DE
DEUSES E HERÓIS

Na intrincada mitologia dos po^os


mesopotâmios, uma série de deuses e
semideuses go^vernava o céu, a terra e o
sombrio mundo dos mortos, mas
incorriam eles nas paixões efraquezas
dos homens comuns. Entre essas figuras
incluíase o celebrado Gilgamesh, o rei
^ semímortal de Erech, retratado à
esquerda sustentando umfilhote de leão
como um símbolo do seu poder; realizou
* ele moitas proezas audaciosas, porém
jamais atingiu a sua meta de
imortalidade terrena. Conquistou,
entretanto um lugar imorredouro na
história, assim como dois ostros heróis
da lege-nda mesopotâmica (páginas
122-123) —os protótipos das figuras
bíblicas de Noé e Jó.

J09
A CRIAÇÃO DO UNIVERSO

Segundo a legenda sumeriana, o universo emergiu do mar prime^vo


efoi dividido em céu e terra por Enlil, deus do ar e das
tempestades. Aquí, o pote~nte E^lil é visto separando os céus,
o domínio do seu pai An, da terra, reino da sua mãe, a deusa
Ki, que se ergue para ele. Os sumerianos supunham que
um grande teto abobadado (embaixo) continha o céu, as
^ estrelas, a Lua e o Sol, que de cima iluminava as
cidades; acreditaram também que embaixo da terra se
agitada em torvelinho o lúgubre submundo, a morada
amedrontadora dos demonios e o reino dos mortos.
o NASCIM ENTO DO HOMEM E DOS ANIMAIS

Os Anunnaki, os filhos divinos de An, o deus-céu, estavam famintos e sem

roupas, e, diz o mito, “não conheciam o alimento do pão nem o uso do

vestuário, comiam plantas com suas bocas'como carneiros, bebiam água

no poço Para servi-los, Enlil e a deusa-água Enki (cujas fisionomias são

vistas entre as árvores abaixo) criaram bois, carneiros, plantas,

a canga e o arado. Mas os Anunnaki não tinham as habilitações

devidas para o uso dessas dádivas; a fim de que tosasse o

carneiro e cultivasse os campos para êsses deuses é que

fòi feito de barro e recebeu o sopro divino o homem

que se vê ajoelhado ao fundo.


Os deuses da
Suméria, tal qual os mortais,
sofriam as vicissitudes da sorte. Um dos
racontos mais divulgados da mitologia sumeriana
é o refere-nte à deusa do amor, Inanna, e sua
árvore “huluppu”. Inanna, “a moça sempre
risonha, sempre alegre”, havia encontrado nas
' margens do E'ufrates a árvore preciosa, e a plantara
e fizera c^resce^r .em seu jardi-m na cidade de Erech,
com a intenção de cortá-la para a co-nfecção de um
leito e um trono para ela. Mas, apesar de ter a árvore
ficado bem grande, os se^s galhos não tinham
folhas, “porque a serpente sem encanto” se.enroscara
em tôrno da sua base, o fatídico pássaro Imdugud
vi-via na sua copa, e no tronco Lilith, “a filha da
desolação”, havia construído a sua casa. Inanna ê
vista diante da sua árvore, os braços erguidos,
gritando por socorro. Ate-nde-ndo ao seu apêlo, o
herói Gilgamesh vestiu a sua armadura, matou
a serpente, expulsou Lilith e o pássaro, arrancos a
árvore e “deu-a à sagrada I~nannapara o trono dela”.
Desafiar os deuses da Suméria era perigoso, mesmo
para o^tra divindade. Inanna quase perdei a vida
quando descei ao submundo, penetrando inde^vidamente
no reino da sua irmã Ereshkigal, a deusa da tre^a,
da sombra e da morte. Usando vestes magnificantes
AS ARRISCADAS AVENTURAS
DE UMAANTIGA DEUSA DOAMOR
ejóias preciosas, Inannafoi admitida na “terra de o~nde não se
volta”, e então lhe arrancaram todos os se^s atavios ao
atravessar os sete portões do palácio da sua irmã. Despida e
mortificada, conduziram-na perante Ereshkigal e setejuízes
severos, vistos à direita, quando “lançam sobre ela os [seus]
olhos, o olhar da morte”, enquanto I~nannaprocura cobrir
a sua nudez. O olhar maligno não tardos a produzir
efeito e o corpo da deusafoi pe~nd^rado a uma estaca.
Mas Inanna, que havia pressentido o perigo, "
recomendara ao seu fâmulo Ninshubur que, se ela não
voltasse dentro de três dias, fosse pedir aj^da aos
deuses; as súplicas de Ninshubur persuadiram o
deus Enki a trazer Inanna de volta à região
dos vivos. Para permanecer na terra,
porém, teve ela de e-nco-ntrar que-m a
substituísse no mundo das
sombras. Sua escolha recaia
no próprio marido —a que-m
surpreendera celebrando
prematuramente a
sua perdição —
e os deuses o
despacharam para
as profundezas
da região
dos mortos.
o herói Gilgamesh, rei de Erech, era forte e belo,
mas oprimia o povo da sua cidade e ^^não deixava
nenhuma virgem para o seu amado Quando o
povo pediu às divindades que o ajudassem, os
deuses criaram Enkidu, o homem de vigor inaudito e
ondulante cabeleira, que errava pelos, campos e
A ESTRANHA ODISSEIA florestas em convívio com os animais selvagens.

DE UM REI PODEROSO Atraído a Erech por um cortesão, Enkidu encontrou-se


com Gilgamesh e com êle lutou longa e furiosamente
(acima, à esquerda). Gilgamesh venceu, porém a
sua cólera passou logo e os dois se fizeram amigos
rápidamente. Juntos, saíram êles pelo mundo em
busca de grandes aventuras. Como sua primeira
proeza, mataram Humumba, o guardião que
vomitava fogo da longínqua floresta de cedros (acima).

114
Continuando a sua odisséia, Gilgamesh e Enkidu liquidaram o “Touro do Céu ”
(acima), uma fera enviada para vingar a deusa Ishtar, cujas seduções
Gilgamesh havia desdenhado. Mas decidiram os deuses que Enkidu devia
morrer por ter matado o animal. Gilgamesh pranteou ruidosamente o amigo e
vagou pelo deserto, lamentando: CQuando eu morrer, não ficarei como
Enkidu? ”. Embora fosse em parte divino, temia ter de partilhar a sorte dos
homens — a não ser que encontrasse a chave para a imortalidade. E ã .sua
procura viajou para as praias distantes onde vivia Utnapishtim, único ser humano
que desfrutava de vida eterna. Passou pelo Povo Escorpião que guardava a porta
onde o Sol se ergue (no alto, ã direita), e velejou pelo mar. Afinal, chegou
aonde estava Utnapishtim e éste lhe disse que para viver perenemente devia ele
ir buscar no fundo do mar a planta da juventude, que era perfumada mas
cheia de espinhos. Gilgamesh assim fez,''porém ao voltar para sua terra
teve um momento de descuido e uma serpente engoliu a planta preciosa^
(embaixo, à direita). Fora em vão a sua busca da imortalidade.
OS ANCESTRAIS MESOPÜTAMICOS
DE NOÉ E (JÓ

Hou^ve um tempo em que Enlil, o mais poderoso


dos deuses, se desgostos da hu-manidade e decidia
mandar uma inundação da qual ne-nhu-m vivente
pudesse escapar. Mas a sentença 'parecei
de-masiadame-nte rigorosa a Ea, um outro deus, que
num sonho deu aviso a Utnapishtim, o mortal da
sua predileção. O pre^venido Utnapishtim construiu um
barco para seu uso (esquerda) e de~ntro dele
colocou a sua família e “a semente de todas
as criaturas vi~vas. . . a bicharada dos campos,
e todos os artesãosO barco resistiu à
tempestade, que se desencadeou por seis
dias e seis noites. No sétimo dia,
quando as águas baixavam, Utnapishtim
desembarcou e fez saírem seus passageiros,
homens e animais. Então, grato
por ter sido salvo, apresentou
uma ofere-nda aos 'desses,
que censuraram E^lil
pela sua decisão
impiedosa. Enlil,
num ato de
expiação,
conferiu o do-m
da imortalidade a
Utnapishtim e sua decotada
esposa. Entre os mitos da Suméria
jigura a história do homem de nome
desconhecido, rico, judicioso e afortu-nado
com a família e os amigos, que um dia se
encontrou sozinho e e-nfermo por moti^vos que
ele não era capaz de co-mpree-nder. Cercado de
torturadores, êle é visto aqui ao fu~ndo do quadro,
numa suplica ao seu deus tutelar, que o observa do
alto. O homem lastima a sua sorte, exclamando:
“Minha palavra honrada transfor-mo^-se em mentira...
Uma doença maligna cobre o meu corpo. . . Deus
meu. . . por quanto tempo me abandonarás, me
deixarás sem proteção?” A história dêste Jó sumeriano
tem um desfecho feliz, porque o deus lhe ou^viu as
preces e jêz que as provações terminassem tão
abruptamente como haviam co-meçado. Mas as
questões fundamentais do sofrimento humano
e da justiça divina —for-^^ladas pelo sumério
e ainda com maior pungência pelo seu desce-nde-nte
bíblico —ainda nos desafiam.
A despeito do interêsse pela civilização clássica
que floresceu entre os estudiosos durante a Renas­
cença e na época dos enciclopedistas, era muito limi­
tado até o século XIX o conhecimento que o homem
ocidental tinha do mundo antigo. Foi só então que
se encontrou a chave para a escrita hieroglífica, des­
vendando o passado do Egito, mas finalmente veio
também a ser decifrado o velho enigma da escrita
cunéiforme — um feito notável dos sábios, que
revelou idiomas, culturas e povos desaparecidos e
acrescentou cêrea de dois mil anos de história hu­

6 mana ás magras fontes da Grécia e da Bíblia, as


únicas com que se contava até então.
Quem primeiro contribuiu para decifrar-se o
“código” cunéiforme foi um jovem oficial britânico,
Henry Creswicke Rawlinson, que em 1835 foi no­
meado adido militar junto ao governador do Curdis-
0 HOMEM LETRADO tão, uma província da Pérsia. Rawlinson, então com
25 anos, era não somente um soldado mas também
um homem de erudição clássica e um estudioso de
línguas, inclusive o persa. Logo que chegou ao
Oriente Próximo, teve a sua curiosidade despertada
pelas estranhas marcas em forma de cunha que viu
gravadas em pedra numa montanha de Ecbátana.
Algum tempo depois, Rawlinson foi atraído por
uma inscrição ainda mais fascinante em caracteres
desconhecidos — uma vasta mensagem esculpida na
chamada “Rocha de Behistun”, nos montes Zagros,
a noroeste do Irã. A rocha fora tida como sagrada
pelos antigos; êles a conheciam como Bagistana,
“lugar dos deuses”. O grande bloco de pedra er­
guia-se quase perpendicularmente a ims 550 metros
acima da pequena cidade de Behistun, no antigo ca­
minho das caravanas entre Babilônia e Ecbátana.
Bem alto na sua face lisa, num ponto aparentemente
inacessível, a mais de cem metros acima da planí­
cie, estava esculpida a grandiosa figura de um ho­
mem, com a mão segurando o arco, um dos pés cal­
cando o pescoço de um rival derrotado, enquanto
outros chefes vencidos eram vistos ah perto. Nin­
guém sabia quem era o conquistador, nem o que
significava o seu monumento.
Mas, para Rawlinson, o aspecto mais desafia­
dor do penhasco era a sua gigantesca mensagem
escrita, com 20 metros de comprimento por mais
de 7 de altura. Durante séculos, os caracteres em
forma de cunha haviam desafiado os esforços dos
que tentavam penetrar o seu mistério; alguns lin-
güistas decidiram, afinal, que os sinais eram tão
desconcertantemente complexos que jamais seriam
decifrados.
UM PROTETOR DAS LETRAS, Gudca, vcí dc Lúgosh, preservou a cultura su-
Rawlinson não foi o primeiro a sondar o se-
meriana sob ocupação dos bárbaros nos fins do Terceiro Milênio a.C.
A figura de pedra do príncipe, chamada frequentemente de f ‘o escriba
grêdo ,da escrita cimeiforme. Em 1765, Carsten
sentado'\ é cheia de incisões com símbolos cunéiformes. Niebuhr, matemático integrante de uma expedição
119
pesquisador raciocinou que, pelas suas posições-
-chaves, êles deviam ser escritos na língua de maior
importância, ou seja, o Antigo Persa. Também per­
cebeu pela posição e repetição de um signo que êste
devia corresponder a “rei”. Além disso, viu confir­
mado o que antes havia deduzido, isto é, que outro
sinal oblíquo repetido era simplesmente um divisor,
agrupando caracteres em palavras, e que a escrita
seguia da esquerda para a direita. Pelo método das
tentativas começou a decifrar os símbolos separados
o TRADUTOR DA ESCRITA CUNEIFORME, Henry
e conseguiu identificar dez dos sinais cunéiformes e
C. Rawlinson, forneceu a chave para a his­
tória da Mesopotámia ao decifrar, no sé­ três nomes de reis, inclusive o de Dario.
culo X IX , inscrições na Rocha de Behistun. Grotefend havia aberto inspiradamente o ca­
minho para a decifração do chamado cunéiforme
Classe 1 (Antigo Persa), mas não foi favorecido pe­
los textos com que tinha de lidar; eram êles curtos
demais para permitir qualquer interpretação verda­
dinamarquesa, visitara as ruínas da antiga cidade deira mesmo daquela escrita relativamente simples,
de Persépolis, onde, por volta de 500 anos a.C., o para não falar dos sistemas elamita e acádico,
rei persa Dario havia construído o seu grande pa­ muito mais complexos. O que fazia falta evidente­
lácio, mais tarde destruido por Alexandre, o Gran­ mente era um texto mais considerável pela extensão
de. Niebuhr preparou cuidadosamente copias fiéis e pelo conteúdo.
de várias inscrições curtas encontradas nos monu­
mentos em escombros. Identificou êle três tipos di­ Cérea de três décadas mais tarde, Rawlinson
ferentes de escrita gravados juntos nas pedras; tor­ defrontou-se com o mesmo problema ao encetar os
naram-se êles conhecidos como Antigo Persa, Ela- seus estudos. A resposta lógica era a Rocha de
mita e Acádico (também chamado Assírio ou Ba­ Behistun; suas inscrições estendiam-se por centenas
bilónico ). de linhas e o texto parecia repetido nos três sistemas,
A primeira percepção importante do signifi­ lado a lado. Isto significava que, se uma das classes
cado dessas estranhas marcas foi obtida, segundo se fôsse desvendada, ela forneceria a chave para as
conta, como resultado de urna aposta numa taverna. outras duas. Rawlinson iria descobrir essa chave, ao
Em 1802, Georg Friedrich Grotefend, de 27 anos, copiar e verter as marcas na face da rocha “inaces­
linguista e professor de Grego numa academia ale­ sível”.
mã, apostou algumas bebidas com os companheiros Entre 1835 e 1847, no intervalo dos seus deve­
como êle seria capaz de decifrar os símbolos em res militares, conseguiu êle copiar as inscrições na
forma de cunha. Com a confiança da juventude, penedia, muitas vêzes arriscando a vida. uma vez
Grotefend pôs-se a estudar as inscrições copiadas quase a perdendo. A rocha era difícil de escalar,
por Niebuhr. Os textos incluíam todos os três tipos pelo simples fato de ser uma superfície totalmente
de cunéiforme; presumia-se, e mais tarde, veio a ser vertical. Em torno das inscrições ela se tomara ainda
provado, que as inscrições eram trilingues, isto é, mais perigosa pelo trabalho dos homens que haviam
o mesmo texto fora escrito nos três tipos diferentes entalhado a mensagem. Primeiro, êles haviam alisa­
de cunéiforme. do a face do penhasco, enchendo-lhe as frestas,
Grotefend concentrou-se nas seções superiores buracos e pontos acidentados; então, depois de gra­
das inscrições de Persépolis. Essas partes dos textos varem os caracteres, revestiram a área completada
apresentavam um número menor de símbolos e o com alguma espécie de substância dura, parecendo
120
verniz, que protegia o calcário poroso. Segundo sua própria língua; Eíamita, falado pela gente mon­
parece, os artífices antigos que fizeram as inscrições tanhesa que êle havia conquistado na Pérsia oci­
tinham rasgado trilhas de emergência e erguido dental; e Acádico, o idioma semítico dos babilónios
grandes andaimes para trabalhar a pedra, mas desde e assírios. A mensagem, agora com o seu mistério
muito que esses haviam desaparecido. desvendado após mais de 2000 anos, inclui êste co­
Escalar o formidável penhasco era para o atlé­ mando:
tico Rawlinson mais um desafio do que uma impos­
sibilidade. Galgando um socalco da rocha, logrou Diz Dario, o Rei:
copiar as inscrições mais baixas, sem equipamento O tu, que doravante
especial. Depois, teve de se manter suspenso por Contemplares esta inscrição
uma corda enquanto ia trabalhando; também usou Ou estas esculturas,
uma escada, equilibrando-a sobre exíguas saliências Não as destruas
da rocha e agüentando-se aventurosamente no seu [Mas] desde agora
tope enquanto fazia transcrição dos símbolos. proteje-as por todo o tempo
A cópia da escrita acádica foi a que apresen­ em que estiveres com saúde e vigor.
tou maior dificuldade. Estava tão fora de alcance
na face vertical do penhasco que nem mesmo Não obstante o êxito de Rawlinson na decifra­
Rawlinson conseguiu vencer o obstáculo. Para ter ção da escrita persa, muitos obstáculos ainda tive­
a obra feita, empregou êle afinal um rapazola curdo, ram de ser transpostos até. que se pudesse com­
que foi galgando, polegada a polegada, a superfície preender os sistemas elamita e acádico, mais difíceis.
lisa, às vêzes agarrando-se a ela com os dedos e a O Antigo Persa revelara-se relativamente simples,
ponta dos pés, outras vêzes apoiando-se em cordas consistindo apenas em cerca de 40 símbolos, que
ligadas a cunhas de madeira que o jovem havia en­ representavam os sons do alfabeto persa. Mas o
fiado em fendas acima das inscrições. Enquanto Elamita tinha mais de 100 símbolos e a escrita acá­
Rawlinson, embaixo, dava as suas instruções, o ra­ dica abrangia várias centenas. Ao contrário do An­
pazola tirava impressões da escrita. tigo Persa, o Acádico não era alfabético; ou mais
Guando as cópias e impressões se acumularam, exatamente, cada signo correspondia a uma ou mais
Rawlinson tratou metodicamente de traduzi-las, co­ palavras inteiras ou sílabas. Tomando a matéria
meçando pelo Antigo Persa. Quando êle deu início ainda mais complicada, muitos caracteres cunéifor­
à sua tarefa monumental, ignorava completamente mes nesse último sistema podiam corresponder a
os prévios achados de Grotefend. Trabalhando in­ dois ou mais sons ou valores.
dependentemente do professor alemão, Rawlinson A despeito dessas dificuldades, um gmpo de
chegou virtualmente às mesmas conclusões e acabou emditos, em laboriosa pesquisa, conseguiu solucio-,
indo bem mais longe. nar tanto o enigma elamita como o acádico; em
A mensagem na Rocha de Behistun era, como 1857 todas as três línguas da inscrição de Behistun
êle suspeitara, a proclamação de um grande con­ já tinham sido decifradas e agora já se podiam 1er
quistador. Havia sido talhada na pedra, uns 500 alguns dos segredos das civilizações antigas.
anos antes de Cristo, por ordem do próprio Rei Essa possibilidade recém-descoberta de com-
Dario. Tendo debelado levantes no seu reino, o preender-se línguas mortas desde longo tempo pro­
vitorioso monarca utilizou a rocha sagrada para se duziu um resultado imediato e surpreendente: o pri­
ufanar da sua grandeza, das suas campanhas triun­ meiro vislumbre de um povo e de uma civilização
fantes e da extensão do seu império. Para que o seu de tal antiguidade que já se havia perdido toda e
valor não passasse inapreciado por qualquer dos qualquer memória da sua existência. Até à efetiva
súditos, Dario fêz que o texto fôsse repetido nos decifração dos textos acreditava-se que a escrita
três idiomas do seu vasto reino: o Antigo Persa, cunéiforme fôsse de origem semítica; até onde os
12]
primeiros pesquisadores e arqueólogos conheciam tamentos administrativos de gado, cereais e outros
por meio de suas limitadas fontes gregas e hebraicas, bens. Mais tarde, os pictógrafos vieram a correspon­
só os povos semitas, relacionados ao povo bíblico, der não só aos objetos desenhados mas também a
tinham vivido na região do Tigre e do Eufrates. certos fonemas. E quando a escrita pictográfica se
Mas, em 1850, um perspicaz clérigo protestante da transformou na cuneiforme foram assentados os ali­
Irlanda, Edward Hincks, começou a pôr em dúvida cerces de uma sociedade civilizada que se esteia na
aquela suposição, sustentando que alguns dos si­ linguagem escrita. Objetos votivos, tais como está­
nais pareciam ter característicos não semitas. Con­ tuas, vasos, pedras sagradas e marcos, eram inscritos
tou êíe com o apoio de Rawlinson. Este salientou com o nome do doador, a sua categoria e os seus
que, entre os milhares de placas desencavadas em feitos — os primeiros rudimentos da história escrita.
Nínive, muitas das estudadas por êle eram bilingües Por volta de 2500 a.C. começam a aparecer contra­
e nestas o texto em acádico, idioma semítico, nada tos de compra e venda de terras e outras transações
mais era realmente do que tradução de uma língua entre pessoas privadas — os primeiros documentos
não-semítica inscrita ao lado. legais que se conhecem. Alguns dos escritos dêsse
Em 1869 Jules Oppert, um linguista que vivia período inicial têm semelhança com as cartilhas es­
em Paris, anunciou que apreendera o nome do povo colares, consistindo em compridas listas de palavras
que havia falado essa estranha língua não-semítica; e nomes sumerianos; sem dúvida, eram utilizados
traduziu êle uma inscrição que o identificava como para ensinar alrmos, e assim constituem testemunhos
o povo que habitara um lugar, chamado Suméria. da primeira educação formal.
Tal povo precedera os acádicos na Mesopotâmia e Por volta de 2300 a.C. os acádios semíticos,
havia criado o sistema cuneiforme de escrita, apro­ chefiados por Sargão, o Grande, conquistaram a
veitado posteriormente pelos conquistadores semitas. maior parte da Suméria e daí por diante começaram
Foi assim que os sumérios como povo se torna­ a multiplicar-se os documentos cunéiformes escritos
ram primeiramente conhecidos no mundo, mas, não em acádico. No século XXI a.C., contudo, o estado
obstante as deduções de Oppert, muitos estudiosos sumeriano se reergueu sob a dinastia de Cr. A es­
se recusavam a crer na sua existência. Só em 1877, crita e a literatura floresceram, e as escolas sume-
quando principiaram as escavações em grande es­ rianas tomaram-se importantes centros de ensino.
cala na Mesopotâmia meridional, ficou provado que As escavações têm trazido à luz dezenas de milha­
Oppert estava certo. Vieram à luz, depois de lon­ res de documentos que datam dessa época, incluin­
gamente sepultados, os despojos da Suméria, ou do-se entre êles o mais antigo código que se co­
seja, esteias, estátuas, placas e milhares de cones nhece, o do rei sumeriano Ur-Nammu.
de argila, plaquetas e fragmentos com inscrições na Com a ascensão dos impérios babilónico e
língua sumeriana. Çoze anos após o início das esca­ assírio, durante o Segundo Milênio a.C., prosseguiu
vações em Nippur, centro cultural da Suméria, já a torrente de anotações, inventários e registros le­
haviam sido encontrados cêrca de trinta mil placas gais. Muitos dêsses documentos eram escritos em
e fragmentos. acádico, já que durante alguns séculos o sumeriano
Os registros sumerianos alcançam provàvel- havia quase desaparecido como idioma vivo. As
mente o verdadeiro princípio da escrita. Mais de mil escolas continuaram a crescer e expandir-se. Os alu­
plaquetas de argila encontradas na Mesopotâmia têm nos e os professores agora eram acádios, porém a
inscrições no sistema pictográfico, precursor da es­ maior parte do currículo era devotado ao estudo do
crita cuneiforme, datando de aproximadamente 3100 sumeriano; na realidade, quase tôda a literatura
a.C. Os primeiros pictógrafos eram, na verdade, sumeriana chegou até nós através de cópias feitas
desenhos de objetos, muitas vêzes acompanhados de pelos estudiosos acádios.
símbolos que representavam números; os numerais .Pelo século XV a.C. o fluxo de documentos
e as somas tornam evidente que se tratava de assen- crmeiformes partia não só da Mesopotâmia como
122
também da Síria, da Palestina e até mesmo do gados para auxiliar a administração de grandes pro­
distante Egito. Muitos foram escritos cm acádico, priedades, enquanto ainda outros trabalhavam por
pois êste era então a língua internacional do mrmdo conta própria, instalando-se às portas da cidade,
antigo. Mas por êsse tempo outros povos, como como os escribas fazem ainda atualmente no Iraque,
os hititas e os hurrianos, haviam adotado — e em à espera de clientes iletrados que necessitassem re­
alguns pontos aperfeiçoado — a escrita crmeiforme correr a um secretário. Além disso, muitos ascen­
para inscrições em seus próprios idiomas. Em diam dos seus esforços de copista à posição de dou­
Ugarit, uma cidade na Palestina dos cananeus, sur­ tores e adivinhos.
giu um crmeiforme alfabético de 30 símbolos, pre­ Antes que pudesse iniciar o exercício da sua
nunciando o aparecimento das escritas alfabéticas profissão um escriba tinha de enfrentar longo período
agora usadas em todo o Ocidente. de educação e treinamento na edubba, a escola me-
Um dos maiores descobrimentos no campo sopotâmica. Dentro de suas paredes floresciam o
das inscrições cunéiformes foi o da biblioteca (Pri­ erudito e o teólogo, o lingüista e o poeta, pois a
meiro Milênio a.C.) de Assurbanipal em Nínive, edubba era o centro da sociedade na Mesopotâmia.
capital da Assíria, desenterrada na década de 1850 Os achados arqueológicos fornecem boa dose
por uma equipe de arqueólogos britânicos. Suas de conhecimentos sôbre essas escolas — muito mais,
placas e seus fragmentos, em número superior a por exemplo, do que se sabe sôbre as escolas he­
25.000, são inscritos com textos bilingües, em sume- braicas e gregas de época bem posterior. Tais conhe­
riano e acádico, contendo obras literárias e religio­ cimentos vêm sobretudo de placas e registros desen-
sas, fórmulas mágicas, e cartas, assim como escritos cavados na própria edubba. compêndios dos mestres,
sôbre astronomia, medicina e lexicografia. A biblio­ exercícios dos alunos, e engraçadas crônicas sôbre
teca foi fundada no século VII a.C. pelo rei assí­ a vida escolar.
rio Assurbanipal, que fêz os seus escribas copia­ O escriba em formação frequentava a escola
rem e coligirem placas com inscrições provenientes desde o início da juventude até já homem feito, dia
de todas as partes do reino; constitui ela até hoje após dia, mês após mês, ano após ano. Tinha êle
a mais importante coleção de material crmeiforme apenas seis dias de folga mensalmente, três dias san­
já encontrada em bloco. Além de propiciar ines­ tos e três dias livres; os outros, na escola, eram —
timável ajuda à decifração e tradução das línguas como observou um escriba já formado — “dias real­
sumeriana e acádica, estimulou a procura de relí­ mente compridos”. O ensino era monótono, a disci­
quias que, segundo crêem os arqueólogos, ainda plina severa. Outro ex-aluno escreveu sôbre um só.
estão para ser achadas. Embora meio milhão ou mais dia em que foi esbordoado nove vêzes, isso por
de documentos cunéiformes já tenham sido desen- faltas que iam de falar sem permissão a vadiar na
cavados no século passado, mesmo êsse total parece rua. A sua narração dos castigos termina com uma
representar somente uma pequena fração dos que nota que não é lá muito exultante:
ainda permanecem sepultos.
Com a crescente importância da escrita cunéi­ O tal que ensinava sumeriana disse:
forme no mundo antigo, o escriba transformou-se “Por que você não fala sumeriana? ” [Ele]
num proííssionarexercitado. Uma parábola babiló­ [me esbordoou.
nica em favor dos escribas assim diz: “A escrita é Meu mestre disse:
a mãe da eloqüência e o pai dos artistas”. Muitos “Sua mão [ao escrever] ê desajeitada ”.
dos escribas trabalhavam no templo e no palácio, [Ele] me esbordoou.
não só como secretários, guarda-livros e contadores, Eu jcomecei a] odiar a arte de escriba. . .
mas também como arquivistas e amanuenses, e até
como “escritores-residentes”, que compunham hinos Os estudantes devem ter sido apoquentados
ou epopéias sob encomenda. Outros eram empre­ pelos muitos mestres e monitores que os fiscaliza­
123
vam, à espera de algum descuido ou alguma arte meriano e acádico. Principiando com os mais ele­
que justificasse o uso da vara. Contudo, entre dis- mentares exercícios silábicos, o neófito passava a
ciplinadores severíssimos havia também mestres que escrever, 1er e, quando mais adiantado, a decorar
eram profundamente respeitados e mesmo queridos. centenas de símbolos cunéiformes e milhares de pa­
Um aluno já formado escreveu êste elogio ao seu lavras e frases sumerianas e acádicas. Estas eram
professor: classificadas em “listas de palavras”, que se toma­
ram padronizadas através dos séculos; tais listas têm
Ele guiou minha mão na argila, mostrou- sido encontradas virtualmente em todos os locais
-me como proceder corretamente, abriu importantes da Mesopotâmia, e mesmo em lugares
minha boca com palavras, deu bom con­ remotos da Anatólia, do Irã e da Palestina.
selho, atraiu [meus] olhos para as regras Algumas dessas cartilhas ocupavam-se do mun­
que guiam o homem realizador. do natural, dando o nome de centenas de animais
selvagens ou domésticos, pássaros e peixes, árvo­
res e plantas, pedras e estréias, assim como partes
Outros jovens eram menos propensos a apren­
do corpo humano e de animais. Outras, eram car­
der, e um pai queixou-se amargamente de seu filho:
tilhas geográficas, contendo o nome de países, cida­
des, vilas, rios e canais, e outras ainda eram ma­
"Onde vai? ” nuais técnicos que especificavam inumeráveis arte­
“Não vou a lugar nenhum?\ fatos de madeira, caniço, barro, lã, pele, couro, me­
“Se você não vai a parte alguma, por que tal e pedra; só os objetos de madeira eram enume­
[vadiar rados às centenas, desde toros não trabalhados até
à toa? Vá à escola. . . Não fique rodando artigos de confecção acabada como barcos e carrua­
ociosamente na gens. Sem dúvida, esses “compêndios” altamente
praça pública nem filanando no bulevar esquemáticos eram completados por lições explica­
. . . Não fiique espiando tudo ao redor. Seja tivas que nunca foram escritas e que, assim, ficaram
[humilde e perdidas paja a posteridade.
mostre-se temeroso diante do seu monitor. A matemática também desempenhava impor­
[Quando você se mostrar tante papel no currículo da antiguidade. Para se tor­
aterrorizado, o seu monitor gostará de nar um secretário, contador ou administrador com­
[você ”. petente, um escriba precisava ter conhecimento de
notações aritméticas e do seu uso prático. Os meso-
A grande hiaioria dos estudantes frequentava potâmios costumavam usar um sistema sexagésimal
assiduamente a escola até o dia da formatura, e, — sua base era 60, enquanto a do nosso é 10 — e
apesar dos exercícios enfadonhos e duros castigos, utilizava, a exemplo do que acontece em nosso pró­
tinha razão para ser grata. A edubba e sua facul­ prio sistema decimal, uma notação de lugar, de
dade lhes haviam dado, ao fim de contas, a situação modo que a posição de um algarismo num número
de profissionais altamente acatados, cujos serviços indicava o seu valor. O aluno tinha de copiar e
eram muito disputados pelos seus concidadãos; eram memorizar muitas e muitas tábuas matemáticas em
peritos aptos a gerir uma propriedade, servir de árbi­ estudos tão avançados como o cálculo de recíprocos,
tro entre partes litigantes, supervisionar lavouras, quadrados e raízes quadradas, cubos e raízes
formular variadas reivindicações e cumprir muitos cúbicas. Para explicar as operações requeridas
outros encargos essenciais. para os cálculos, os mestres armavam proble­
O estudo da linguagem constituía a matéria mas exemplificativos, inclusive alguns que incluíam
mais importante. Os discípulos tinham que se fa­ a medição de terrenos de forma irregular, o núme­
miliarizar com toda a complicação dos idiomas su- ro de tijolos necessários ao levantamento de uma
124
UM PROFESSOR NAO MUITO CORRETO

Como esta sisuda figura encontrada em Eagash,


os mestres-escribas das escolas sumerianas eram ge­
ralmente modelos de correção. Mas um texto escrito
em 2000 a.C. revela que até os professores mais
Íntegros vez por outra sucumbiam à lisonja.
O raconto narra as atribulações de um estudan­
te retardado, que frequentemente era punido com
bordoadas por sua indolência, desleixo nas roupas e
falta de jeito em grafar os caracteres. (“Meu pro­
fessor não anda satisfeito comigo”, lamentava-se.)
Mas o que faltava ao aluno em aplicação nos estu­
dos sobrava em diplomacia. Sugeriu ao pai que
convidasse o diretor da escola para jantar em sua
casa. O pai aquiesceu e regalou o mestre com es­
plêndido banquete, presenteou-o com uma túnica
nova e lhe passou algum dinheiro para os gastos. O
mestre, conquistado por êsses favores, voltou-se para
o estudante e proclamou: “Você tem cumprido bem
seus deveres escolares; você é um homem instruído.”

parede e a quantidade de terra para a construção de numerosos códigos, escritos igualmente em sumeria-
uma rampa. no e acádico, assim como também de coleções de
No tempo em que reinava Hamurábi, cerca de demandas judiciais e precedentes; o estudante uti­
1750 a.C., um aluno na última fase dos estudos já lizava ainda formulários relativos às variadas espé­
sabia utilizar noções elementares da álgebra e da cies de documentos legais que eram de uso geral
geometria. Sabia valer-se na prática do que se tor­ e contava igualmente com listas especiais de tôdas
nou conhecido para nós como teorema de Pitágoras, as palavras, frases e expressões que pudesse vir a
embora não fósse capaz de demonstrá-lo teorica­ empregar durante a sua carreira.
mente. Tinha também uma noção bem precisa da A medicina também era ensinada com um con­
quantidade constante que chamamos de pi, a rela­ siderável grau de minúcias nas escolas mesopotâmi-
ção entre a circunferência de um círculo e o seu cas. Manuais descreviam diagnósticos e prognósticos
diâmetro. Para fazer calendários, aprendera a utili­ para tôda espécie de enfermidade e davam detalhes
zar observações astronômicas, tais como o nasci­ dos seus sintomas e síndromes. Havia compêndios
mento e o ocaso de Vénus e os eclipses periódicos que indicavam tratamentos e remédios, classificados
do Sol e da Lua. de acordo com a parte do corpo que estivesse doen­
No fim do Primeiro Milênio a.C. um estu- te. Drogas eram receitadas e ministradas em poções,
dapte adiantado possuía bastante conhecimento de pomadas, cataplasmas e clisteres.
teoria matemática para calcular o movimento dos Os doutores podiam praticar a cirurgia, mas
planêtas e, assim, estava apto a assessorar o rei no isso acarretava certos riscos, pelo menos no tempo
acêrto do calendário. Os antigos mesopotâmios de Hamurábi. O seu código dispunha:
adotaram um ano lunar, constituído por 12 meses
lunares, e de três em três ou de quatro em quatro
anos era geralmente intercalado um mês extra para Se um cirurgião. . . abriu uma infecção
manter a sincronização do calendário com o ano ocular com um instrumento de bronze, e
solar. salvou assim o òlho do homem, receberá
Desde que a lei escrita passou a desempenhar dez sidos. Se um cirurgião. . . abriu uma
um papel predominante na vida mesopotâmica, boa infecção ocular com um instrumento de
parte do currículo escolar foi dedicado aos estudos bronze e assim arruinou o olho do ho­
legais. O aluno aprendia por meio de cópias de mem, terá êle a sua mão decepada.

125
Além dos clínicos e cirurgiões profissionais, um reinado: invocações aos deuses, batalhas ganhas
havia outra classe de médicos na antiga Mesopotâ- e novas construções levantadas. Esses anais têm
mia. Era a dos • sacerdotes-exorcistas, cujo trata­ fornecido as principais fontes para as fases histó­
mento se baseava mais em magia do que em meios ricas no antigo Oriente Próximo.
racionais. Eles também cursavam escolas, e a na­ Enquanto a história era sensivelmente descura­
tureza das curas que procuravam fazer é sugerida da no currículo escolar, o estudo da literatura re­
pelos títulos dc muitos manuais, como “Queima­ cebia dos escribas carinhosa atenção. Através dos
dura”, “Maus Espíritos”, “To‘da Espécie de Male­ séculos, os poetas, especialmente, compuseram um
fício”, “Afastamento de Maldição” e “Enxaquecas”. grande e variado conjunto de obras literárias. Os
Repletos de fórmulas mágicas e rituais de purifica­ deuses eram glorificados em mitos e hinos; os heróis
ção, esses livros destinavam-se a aliviar os que so­ eram exaltados em epopéias leigas; e os reis eram
fressem dos terrores causados pela magia negra e o louvados, ou êles próprios se louvavam, em rapsó­
endemoninhamento. dias como êste excerto de um obelisco negro em
Um estudo predileto nas escolas da Mesopotâ- honra do Rei Salmanasar III, no seu monumental
mia era o da adivinhação, a arte de ler a vontade palácio de Nínive:
dos deuses e predizer o futuro pela interpretação
dos augúrios. Qualquer ocorrência podia ser enten­ Eu sou Salmanasar, Rei de multidões de
dida como um presságio, bom ou mau. Por exem­ [homens.
plo, se formigas de asas negras fossem vistas numa Principe e herói de Assur, o Rei poderoso,
povoação, isto significava que haveria chuvas e en­ Rei de todas as quatro zonas do Sol
chentes. Outro augúrio inscrito numa placa de argila E de multidões de homens.
anunciava: “Se um boi tem lágrimas nos olhos, O que marchou pelo mundo todo.
algum mal acontecerá ao dono dêsse boi”.
A idade de ouro da literatura sumeriana findou
Eram em grande número os manuais de au­
com a destruição de Ur no século XXI a.C. Mas
gúrios que podiam ser consultados. Um déles tra­
até mesmo esse amargo acontecimento foi literária­
tava de “mensagens dos deuses”, reveladas nas en­ mente inspirador: fêz nascer uma “lamentação”,
tranhas de animais sacrificados; supunha-se que o
melancólica forma de poesia que se tomou parte
fígado era particularmente significativo, e os profes­
permanente da literatura mesopotâmica e foi mais
sores usavam modelos dêsse órgão especialmente
tarde adotada pelos hebreus. A obra apresentada
preparados para esclarecimento e instrução. a seguir, dirigida ã deusa Ningal, esposa do deus-
Uma das técnicas divinatórias mais populares -Lua Nanna, divindade tutelar de Ur, é típica dêsse
nos tempos assírios era a astrologia — a arte de estilo:
interpretar os movimentos e as posições dos corpos
celestes, e também fenômenos como trovoada, gra­ O Rainha, como o teu coração ainda te
nizo e tremor de terra. Por fim, a astrologia era [sustém,
usada para a enunciação de horóscopos individuais; como podes continuar vivai. . .
os mesopotâmios acreditavam, como ainda muita Depois que tua cidade foi destruida,
gente crê hoje em dia, que a sorte de uma pessoa como podes agora existir?. . .
pode ser prevista pela posição dos planêtas no dia A tua cidade, que foi transformada em
do seu nascimento. [minas
Um assunto negligenciado nas escolas mesopo- — não és mais a sua dona.
tâmicas era a história; a instrução nessa matéria li­ A tua casa virtuosa, posta abaixo pela
mitava-se, realmente, a longas relações de reis, di­ [picareta
nastias e datas. O mais importante dos escritos his­ — nela tu deixaste de morar.
tóricos que sobreviveu é constituído pelos chamados Teu povo, que foi levado ã matança,
anais do rei, registros dos acontecimentos durante — não és mais a sua rainha.
126
A maior parte da literatura mesopotâmica tinha
forma poética, e era cantada ou recitada com o
acompanhamento de instrumentos musicais como a A SABEDORIA DA MESOPOTAMIA
harpa, a lira, o tambor e o pandeiro. Muitos poemas Os sumérios e os babilônios resumiam seus
foram escritos, alguns, ao que parece, para decla- eoneeitos pragmátieos sôbre a vida em provér­
mação durante os “matrimônios sagrados” entre o bios como os que são reproduzidos abaixo. Os
rei mesopotâmico e as noivas mortais que represen­ ditos revelam algumas observações — embora
tavam a deusa do amor. Um dos mais belos dêsses nem sempre lisonjeiras — sôbre os prazeres e
as ironias do easamento, as riquezas e a natureza
poemas, composto há uns 4000 anos passados, des­ humana em geral.
creve o amor de uma noiva ritual do Rei Shu-Sin.
Nas suas imagens, o poema tem extraordinária se­ Numa cidade em que não há cães de guarda,
A raposa é o vigia.
melhança com o Cântico de Salomão no Velho Tes­
tamento: Quem tem muita prata pode ser feliz;
Quem possui muita cevada pode ser alegre;
Esposo, deixa-me acarinhar-te, mas quem nada tem pode dormir.
Minhas carícias refinadas são mais doces Adula a um moço''e êle te dará alguma coisa;
[do que o mel; Atira migalhas a um cão e êle abanará o rabo.
No quarto de dormir, ó dulçoroso. Os que são pobres são os que se calam na
Deixa-me desfrutar de tua aprazível beleza. [Suméría.
Leão, deixa-me acariciar-te.
A escrita é a mãe da eloquência
Minhas carícias refinadas são mais doces
e o pai dos artistas.
[do que o mel;
Esposo, tiveste de mim o teu prazer; Dá atenção às palavras da tua mãe
como se fossem as palavras de uma divindade.
Diz a minha mãe, que te dará guloseimas,
A meu pai, que te dará presentes. Uma palavra gentil agrada a todos.
O teu espirito, eu sei como alegrá-lo; A amizade dura um dia. a realeza para
[sempre.
Esposo meu, dorme em nossa casa até o
[amanhecer; Para o prazer do homem há o casamento;
Teu coração, eu sei como alegrá-lo; para pensar melhor, há o divórcio.
Leão, dorme em nossa casa até o nascer Conceber é agradável; a prenhez é incômoda.
[do dia.
A esposa é o futuro do homem;
Tu, porque tu me amas;
o filho é o refugio do homem;
Dá-me, eu te suplico, das tuas caricias, afilha é a salvação do homem;
Meu deus e senhor, meu protetor, a nora é-o demônio do homem.
Meu Shu-Sin, tu que alegras o coração de
Se tomas a terra de um inimigo,
[Enlil, o inimigo virá tomar a tua terra.
Dá-me, eu suplico, das tuas caricias. . .
<
Quem constrói como um senhor, vive como
Os poetas nada sabiam de rima e de métrica; [um escravo;
seus recursos estilísticos prediletos eram repetição quem constrói como um escravo, vive como
e paralelismo, côro e refrão, imagem e metáfora. [ um senhor.
Sua poesia épica, tal como a dos gregos, é farta
Sê gentil para teu inimigo como para um
de longos discursos, de repetições e fórmulas que se [velho forno.
reproduzem.
Além de poesia, os mesopotâmios tinham a de­
leitá-los máximas e provérbios (ex.: “Em boca áber-
127
ta é que entra môsca”; “O forte vive à custa do seu turosa dos dois à mágica floresta de cedros guar­
próprio ganho, o fraco do que ganham os filhos”), dada por monstros; o temerário desafio de Gilga­
assim como a chamada “literatura edificante”. Um mesh à deusa do amor; a luta dos dois homens com
exemplo da última é o “Poema do Justo Sofredor”, o “Touro do Céu” enviado à terra para puni-los por
que gira em tomo de um homem aparentemente sua indiscrição; a morte de Enkidu e a lida de
abandonado pelos deuses, como o Jó da Bíblia. Esse Gilgamesh em busca da vida etema; a visita do
homem, a quem não é dado um nome, especula príncipe a Utnapishtim, o herói da grande imm-
sobre as fraquezas humanas e os caprichos da sorte: dação e protótipo de Noé — aventura que terminou
malograda, por ter Gilgamesh recebido a lição de
Quem nasceu ontem, morreu hoje. que a imortalidade não podería ser atingida pelos
Em apenas um instante, o homem é homens.
[lançado às trevas, Quase todos os episódios da epopéia foram ex­
subitamente esmagado. traídos de contos anteriores da Suméria, inclusive
Num momento êle cantará com alegria a história de Utnapishtim, que reproduz um déles.
E noutro momento estará chorando — Contudo, os acádicos não copiaram servihnente as
[pela morte de alguém. lendas sumerianas, mas as modificaram e amalga­
Da manhã ao cair da noite a disposição maram num drama poderoso e rigorosamente urdido
[dos homens pode mudar; — coisa que, segundo parece, os bardos da Suméria
Quando estão famintos, assemelham-se aos não sabiam fazer. Serve de amostra ao estilo da
[cadáveres, epopéia o excerto apresentado a seguir, em que um
Quando estão fartos, querem rivalizar com estalajadeiro no caminho percorrido por Gilgamesh
[seus deuses, o desencoraja na sua busca da vida etema — vã
Quando as coisas vão bem, falam em subir procura que freqüentemente reaparece como um
[ao céu, tema da literatura mesopotâmica:
E quando em dificuldades, gritam que vão
[descer ao Inferno ”. Gilgamesh, aonde queres chegar nas tuas
Desde a época de Hamurábi, ou mesmo antes, [andanças?
muitas obras literárias foram escritas em acádico; A vida, que estás procurando, nunca a
mas a forma e o conteúdo, os temas e motivos, o [encontrarás.
estilo, até o nome dos protagonistas e personagens, Pois, quando criaram o homem, os deuses
eram os dos tempos sumerianos. Sendo acádica, a [decidiram
Epopéia de Gilgamesh, a maior contribuição da Me- que a morte seria o seu quinhão, e
sopotâmia à literatura do mundo, é um marcante [detiveram a vida em suas próprias mãos.
exemplo dêsse aperfeiçoamento das letras sumeria- Gilgamesh, enche o teu estômago,
nas. O poema, com cêrca de 3.500 linhas, conta a Faze alegres o dia e a noite,
vida de Gilgamesh, um antigo governante de Erech, Que os teus dias sejam risonhos.
desde a sua mocidade arrogante como um tirano Dança e toca música noite e dia,
opressor até a expiação do seu retomo como viajor E veste roupas limpas.
frustrado que vagara por terra e por mar (vide Lava tua cabeça e banha-te.
págs. 115-123). E uma grandiosa e comovente nar­ Olha para o filho que está segurando a
rativa, inspirada nos temas universais da lealdade, [tua mão,
da coragem e do perene anseio humano de alcançar E deixa que tua esposa êncontre prazer
a imortalidade. [nos teus braços.
A epopéia canta a profunda amizade que unia Só dessas coisas é que os homens devem
Gilgamesh e o selvagem Enkidu: a expedição aven- [cogitar.
128
COMO COMEÇOU
A ESCRITA

Nenhuma outra realização contribuiu tan­


to como a invenção da escrita para dar à
vida dos homens o fulgor da civilização.
Essa grande conquista, cujos primeiros pas­
sos foram dados há mais de 5.000 anos,
tornou possível preservarem-se pensamentos
e experiências e transmitir às novas gera­
ções um saber obtido com esforço — dois
processos essenciais para a manutenção de
uma sociedade complexa. As primeiras pa­
lavras escritas foram pictógrafos usados pe­
los sumérios para assentar inventários. Com
o correr do tempo, os escribas transforma­
ramêsses toscos símbolos numa escrita com­
plexa, capaz de exprimir idéias abstratas.
Tão desenvolvida se tomou essa escrita,
empregando mais de 700 sinais diferen­
tes, que a sua aprendizagem requeria anos
de estudo, e os escribas passaram a ser
profissionais especializados e respeitados.

mostrados num baixo-relêvo


escribas assírios,
de um palácio em Ninirud, fazem inventários
de bens adquiridos como butim, que são con­ 129
tadospor umfuncionário (á esquerda).
c
'f■.

. -'
. ..

O SIGNO CORRESPONDENTE A VACAfoi de ini­ ^ -m

cio o desenho estilizado de uma cabeça de n :.. ' ■


yaca, como se vê na placa reproduzida aci­
ma. Logo depois os escribas perceberam ■ ■ *
que poderiam escr^^er mais fácilmente pon­ ■ J
do a placa deitada e traçando cada sinal £
■ ' ■
de viés (direita). Mais tarde o signo foi es­
crito simplesmente de lado com cinco mar­ ■■
cas emforma de cunha (acima, à direita).
AS MARCAS NAS PLACAS eram feitas inicial­
mente de ranhuras com um estiléíe pontia­
gudo (mais perto à direita). Depois, passa­
ram a ser formadas enterrando-se um esti­
lete triangular na argila úmida (centro). A f i ­
nai, o estilete tornou-se rombudo e as suas
marcas adquiriram mais nitidamente a fo r­
ma de cunha como se vê na extrema direita.

A sÉEUE DE MARCAS possíveis usando-se um


estilête com ponta em forma de cunha é
mostrada num desenhç em feitio de estréia.
Mas na prática os escribas verificaram que
sem mudar o jeito de segurar o estilête só
poderiam fazer a metade dessas marcas —
as impressões longas e curtas, à extrema
esquerda — mudando, então, de sistema.

DANDO FORMA AOS SÍMBOLOS ESCRITOS

A escrita desenvolveu-se na Mesopotâ- cais, começando no canto superior à di­


mia pela necessidade prática de manter reita de cada placa. Já no Terceiro Milê­
assentamentos. Os mais antigos exem­ nio a.C. os escribas sumerianps come­
plos que se conhecem do sumeriano es­ çaram a modificar esta técnica para es­
crito, que datam mais cu menos de 3100 crever mais rápidamente e de modo mais
a.C., são marcas em pequenas placas de legível. Deitando as placas e escrevendo
argila que eram presas como etiquêtas em fileiras horizontais, evitavam borrar
de embarque às sacas de cereal e outros o texto com as mãos — um acidente
produtos agrícolas. Nas etiquêtas havia aborrecido, fácil de suceder ao escre­
a gravação de desenhos simplificados co­ ver-se em colunas verticais; resultava daí
nhecidos como pictógrafos, que registra­ que os pictógrafos apareciam de forma
vam a quantidade e o tipo do material enviesada e eram lidos da esquerda para
contido nas sacas. Os homens ricos da a direita, de cima para baixo. O estilête
Suméria que possuíam grandes celeiros pontiagudo, que deixava riscos impreci­
de cereal e rebanhos de animais usavam, sos na argila úmida, foi substituído por
para anotar os seus pertçnces, placas outro estilête de extremidade triangular,
maiores, em que se inscreviam colunas que era fincado na argila em vez de ris­
de pictógrafos. cá-la, deixando uma série de impressões
Considerações de ordem prática tam­ nítidas em forma de cunha.
bém determinaram os instrumentos e de­ Com essas inovações, os pictógrafos
ram forma aos símbolos da escrita. As mudaram de feitio; não mais desenhando
placas eram feitas de argila, a matéria- objetos, transformaram-se em símbolos
-prima mais abundante na Mesopotâmia. abstratos, uma espécie de taquigrafia pri­
Um estilête de caniço, aparado de ma­ mitiva. Daí resultou o sistema de escrita
neira a ter a ponta bem aguda, era usa­ conhecido como cuneiforme (a palavra
do para fazer as finas linhas em curva latina para “em forma de cunha”), que
dos primeiros pictógrafos. Eram eles cui­ caracterizou a cultura da Mesopotâmia
dadosamente gravados em colunas verti­ nos 2500 anos que se seguiram.

131
PRIMEIROS PICTOGRAFOS ICTOGRAFOS DAULTIMAFASE
—3100 ac. --2800 A.C.

DOPICTOGRAFO
ÀESCRITA
A primitiva escrita pictográfica sofria de
várias limitações. Se bem que simples
pictógrafos eram capazes de representar
objetos — o desenho de uma cabeça sig­
nificava meramente “cabeça”, — não
podiam êles exprimir palavras mais abs­
tratas, como o verbo “pensar”. Em con­
sequência, os escribas principiaram a usar
pictógrafos como ideogramas, símbolos
semelhantes aos modernos caracteres
chineses que correspondem a diversos vo­
cábulos cujos significados se relacionam.
Por exemplo, o sinal significando “bôca”
(direita), também era empregado para o
verbo “falar”. De vez em quando, essa
prática dava lugar a ambiguidades como
sucedia com o símbolo correspondente
a “pé”, que significava ao mesmo tempo
“ficar de pé” e “ir”.
O passo decisivo no desenvolvimento
do sistema cuneiforme ocorreu quando
os escribas passaram a usar símbolos
fonéticamente, para indicar tanto sons
como idéias. A palavra sumeriana que
queria dizer “stía”, pronunciada ti, era
na fala igual à palavra “vida”. Assim,
os escribas usavam o mesmo sinal, o de­
senho de uma seta, tanto para escrever
um vocábulo quanto o outro. Dando-se
a cada som um símbolo fonético, foi pos­
sível a representação de qualquer pala­
vra da linguagem. (Usando-se o mesmo
método em inglês, a palavra “estação”
— season — seria representada com de­
senhos do mar — sea — e do sol —
swu) O uso de símbolos fonéticos deu
tal flexibilidade à escrita que posterior­
mente os acádios, babilônios e assírios
foram capazes de adaptar o sistema
cuneiforme a inscrições feitas nas suas
próprias línguas, bem diferentes.
132
OSINAL PARA “ESTRELA” eVO-
htiu, no correr dos séculos,
de um mero desenho (na ex­
tremidade esquerda) para um
símbolo mais abstrato (direi­
ta). O mesmo símbolo tam­
bém serve para as palavras
”céu”e “deus”tanto na lín­
gua suméria como na assíria.

símbolo de um som: as li­


nhas onduladas tia extremida­
de esquerda representam a
palavra sumeriana “a”, que
queria dizer "água*’. O mes­
mo símbolo, que adquiriu
maior estilização, era em­
pregado para escr^^er “em”,
uma outra significação da
mesmapalavra, emsumério.

símbolos compostos empres­


tavam flexibilidade à escrita,
dando novos sentidos aos pic-
tógrafos básicos. As linhas
extras no pictógrafo corres­
pondente a “cabeça” (fileira
de cima, na extremidade es­
querda) produziam o símbolo
para ”bôca” (fileira do meio).
Combinando o símbolo de
bôca e o sinal para “água”,
daí resultava o ideograma
com a significação de “be­
ber” (fileira de baixo). Todos
os três símbolos evoluíram de
maneira igual. Começaram
como pictógrafos (extremi­
dade esquerda), que em se­
guidaforam traçados lateral­
mente e mais tarde inscritos
com talhes em forma de
cunha. Em sua última estili­
zação, nos tempos assírios,
muitos talhes eramfeitos tan­
to horizontal como vertical­
mente, para maior clareza.

133
MON^^.^NH.A
CIDADE DE B^^BILÔNM
ASSÍRIA
RIO AMARGO
MOITA DE CANIÇOS
Um mapa babilónico, dando uma idéia do
mundo altamente estilizada, foi traçado por
volta de 600 a.C., no sistema cuneiforme.

POR ORDEM DE NANNA, SEU


SENHOR. O PODEROSO. ..REI
DE UR, REI DOS QUA^TRO
C^N^^OS, FAZ OFERENDA DE
CINCO MINAS
Uma pedra correspondente a mais de dois
quilosfoi dedicada ao deusNanna.

ACIMA DO TERR.AÇO DE
SHAGARAKII-SHURLASH, FUMO
, , DE KUDUR-ENLIL, EU LANCEI
SEUS ALICERCES E LEVANTEI
FIRJ^EJ^ENTE S^A ESTRUTURA
^ DE TUOLO
, ^
Umcilindro celebra a reconstrução de um
t ^ •*’Í templo je atizadapor umrei deBabilónia.
».J,' »''I

r-í;
■{'f
m
:y í'

VOTO f DEUSA ISH^AR


Figura votiva, esculpida em pedra ha 46
séculos, com inscrições feitas por Jdi-Na-
rum, escriba-chefe do Templo deIshtar.
Um assentamento comercial, inscrito numa
placa de argila no Terceiro Milênio a.C.,
arrola diversas quantidades cie alimentos.

, PULVERIZE PERAS E AS
1 RAÍZES DE CAPIM DO ^AMPO
*1 PONHA O PÓ NA CERVEJA E
5 FAÇA O HOMEM BEBER
Um texto de medicina, mostrado em repro­
dução um pouco maior do que o tamanho
original, descreve como aviar receitas de
farmácia complantas e ervas daSuméria.

OS DIVERSOS USOS
DAESCRITA
CUNEIFORME
À medida que a escrita se tomava cada
vez mais versátil, o seu papel foi cres­
cendo na cultura da Mesopotâmia. Não
mais limitada a fazer assentamentos de
coisas ' concretas, passou a ser usada na
criação de tôda uma literatura consti­
tuída por documentos religiosos, técni­
cos e históricos, compreendendo milhões
de placas, seis das quais são mostradas
aqui parcialmente traduzidas. Aos primi­
tivos assentamentos de bens agrícolas fo­
ram acrescentados tábuas astronômicas,
códigos legais, textos de medicina e crô­
nicas literárias. Entraram em uso novos
materiais. Palavras foram cinzeladas em ■■r
pedra, pintadas em cerâmica e gravadas
empainéis revestidos de cêra. ,
A escrita começou a se integrar no
cerimonial e a adquirar mesmo atributos
mágicos. Uma placa endereçada a um
dos deuses mesopotâmicos era posta nos
alicerces dos templos e palácios, e mui­
tas pessoas usavam amuletos com gra­
vações destinadas a afastar os maus es­
píritos. Os babilônios e, os assírios devo­
tavam às palavras um tão amedrontado
respeito , que chegavam a acreditar ser
a sua sorte traçada por elas; a morte vi­
nha, sentiam êles, quando um escriba ■WX‘.
divino lançava o seu nome num Livro do
Destino, onde tudo era anotado.
DARIO. OGRANDE

PALAVRAS DEUMREI
A mais famosa — e a mais terrível —
de tôdas as inscrições cuneiformes é urna
proclamação talhada a cerca de 115 me­
tros acima do solo, na face de uma mon­
tanha em Behistun, no Irã. Feita por or­
dem de Darío, o Grande, rei ,da Pérsia,
há cérea de 2.500 anos, descreve os
triunfos militares com os quais o gover­
nante assegurou o seu trono. O baixo-re-
lêvo contíguo à mensagem mostra o mo­
narca persa, em tamanho natural, rece­
bendo como prisioneiros dez rivais der­
rotados.
A fama de Behistun repousa no fato
de que as suas 1.306 linhas de escrita
desgastada pelo tempo forneceram aos
estudiosos do século XIX a chave para
decifrar o sistema cuneiforme. Para tor­
nar suas palavras inteligíveis em todo o
império, Dario fêz a inscrição ser gra­
vada em três idiomas: o Antigo Persa,
sua própria língua, o Acádico e o Ela-
mita. Os estudiosos conseguiram apreen­
der o sentido da parte escrita em persa
e em seguida, comparando os três textos,
decifrar o acádico e o elamita. Tal éxito
desvendou o segrédo do “código" de mi­
lhares de placas cuneiformes desenterra­
das das areias ardentes da Mesopotâmia.
'4 ^ .
A Mesopotâmia, sobretudo na sua parte meri­
dional, não se faz notar pela riqueza dos recursos
naturais. Água e lòdo constituem suas principais
vantagens. Entretanto, apesar disto, ou talvez por
causa disto, os antigos mesopotâmios inventaram os
instrumentos e as técnicas fundamentais que servem
de esteio à civilização moderna. E, assim fazendo,
êles não só proveram às suas necessidades imediatas
de alimento, vestuário e abrigo, mas também cria­
ram um nôvo estilo de vida, tomando-se menos pre­
mente a luta para subsistir. Com maiores lazeres

7
para dedicar a fins mais elevados, puderam atender
a outros anseios no sentido do belo e do sacro.
Tendo como ponto de partida o$ primeiros rabiscos
hesitantes de temas decorativos, chegaram à criação
de primorosas obras de arte e arquitetura monu­
mental, que se incluem entre as primeiras e maiores
o BELO, realizações estéticas da humanidade.
A inspiração para o homem desenvolver o seu
O PRÁTICO senso estético foi sempre, de um modo geral, religio­
sa, e onde isto pode ser mais fácihnente verificado
é na forma que foi assumindo o templo na Mesopo­
tâmia. Os templos e santuários desse país são os
precursores da sinagoga, da igreja, da catedral e
da mesquita. E ali nasceu a idéia de que o homem
tem o dever sagrado de construir um lar para o
seu deus. Tão logo se fixou e aprendeu a construir
uma casa para si próprio, o mesopotâmio tratou
de erguer uma semelhante para a sua divindade.
O primeiro desses santuários primitivos deve
ter sido mais ou menos como o que foi desenterrado
nas escavações em Eridu. Jazendo sob 17 cama­
das de civilização posterior e somente algumas ca­
madas acima dos primeiros indícios de habitação
humana, há uma primeira estrutura evidentemente
erguida para fim religioso. Deve datar de algum
tempo entre 5000 a.C. e 4000 a.C., e contém um
só compartimento, medindo cêrca de 4 m por 5.
No centro há uma mesa de oferendas e numa das
paredes um nicho para os objetos do culto. O san­
tuário não tem cobertura e o vão de entrada é am­
plo, convidando o devoto a entrar à vontade e mo­
ver-se livremente. Qualquer que tenha sido o ritual
praticado ali, provàvelmente não contava com sa­
cerdotes oficiais; o homem comunicava-se direta­
mente com o seu deus.
Seiscentos quilômetros ao norte de Eridu, em
Tepe Gawra, os arqueólogos desenterraram várias
outras estruturas religiosas cuja planta é idêntica à
do santuário em Eridu. Ao que parece, o templo
JMA PLACA DECORATIVA, desenterrada em Ur, terti embutidas figuras mi­ mesopptâmico já se padronizara em certas feições,
tológicas, feitas de conchas com o fundo de lazulita. Mostram, a partir
como o nicho e a mesa de oferendas. Um dos prin­
do alto, o legendário herói Gilgamesh lutando com dois touros, vários
animais carregando alimentos e tocando música, e um homem, tendo cipais achados em Tepe Gawra, o templo que foi
o corpo em form a de escorpião, seguido de uma gazela. desencavado quase completamente intacto, apresen-
139
ta uma outra dessas funções características. O tem­ Noutra velha cidade mesopotâmica, Erech, a
plo, chamado de Templo do Norte, é disposto na morada do deus tomara-se desde os tempos primei­
forma incomum de U e data de cêrca de 3500 anos ros um edifício impressionante. Erech é renomada
a.C. Embora ainda muito modesto em tamanho, pre­ pelos seus grandes templos. Dois dentre êles, da­
nuncia os templos maiores que estavam para surgir tando do ano 3200 a.C. mais ou menos, estão situa­
na Mesopotâmia. As paredes internas e externas dos formando ângulos retos um em relação ao ou­
contavam, em intervalos regulares, com pilastras de tro, e provavelmente foram dedicados ao deus An
tijolos. Sem dúvida, elas eram destinadas a fortalecer e à deusa Inanna. Entre os dois templos existe um
as paredes, mas também objetivavam claramente algo pátio cujos muros pardacentos de argila são deco­
acima de mera utilidade. Os pilares dotavam as rados com um mosaico em ziguezague, colorido.
paredes de saliências e reentrâncias, dando-lhes con­ As pequenas unidades que o compunham eram co­
textura de superfície e um senso de forma — os nes de argila pintados de prêto, branco e vermelho,
primórdios da monumentalidade arquitetônica. e embutidos nos muros, de modo que só ficavam
Não obstante essa estilização de feitio, o Tem­ aparecendo as suas bases redondas. Num dos lados
plo do Norte era ainda sem teto e consistia essen­ o pátio erguia-se para um terraço, culminando numa
cialmente numa só peça; a destinação do templo era fileira de coirmãs maciças decoradas com os mes­
ainda singela — como também era simples a ma­ mos mosaicos cônicos.
neira do homem comunicar-se com o seu deus. Ou­ Algum tempo mais tarde êsse conjunto de tem­
tro assim não foi descoberto em nenhuma parte. plos foi atuUiado,‘com o pátio e tudo o mais, e por
Em Eridu há um segundo templo, em nível que é cima veio a construir-se um segundo grupo de três
mil anos mais recente do que aquêle onde, no mes­ templos. Dois déles, provàvelmente dedicados à
mo local, foi encontrado o primeiro santuário deusa Inanna, também estavam dispostos em ângulos
pequenino. Como em Tape Gawra, as suas paredes retos um para o outro; o terceiro, apartado dêsses,
têm pilares marcando vãos e reentrâncias, mas ao era um templo devotado a An e é gerahnente conhe­
contrário de Tape Gawra o seu interior tem divi­ cido como o Templo Branco, por causa das suas
sões: um longo e estreito salão ladeado por uma paredes caiadas. O Templo Branco está plantado
série de pequenas câmaras. O templo tomara-se sôbre um montículo artificial com pouco mais de 13
mais complexo. Já não era simplesmente um san­ metros de altura — sem dúvida os escombros de
tuário, porém adquirira as funções adicionais de de­ alguma estrutura anterior que os construtores não se
pósito e centro administrativo; os compartimentos deram ao trabalho de retirar. Todavia, é um dos
pequenos eram despensas e gabinetes. primeiros anúncios do zigurate, a tôrre maciça com
Quando a comunidade começou a ter ativida­ escadaria lateral que mais tarde se tomou uma ca­
des mais complexas, o templo expandiu-se para racterística dominante da paisagem mesopotâmica.
acolhê-las, porque era êle o centro da vida comrmal A disposição do templo, com um salão central e
— vida não só religiosa mas também econômica e peças laterais, é a que já se tomara preponderante
política. Para o mesopotâmio, tal solução era perfei­ em tóda a Mesopotâmia.
tamente lógica. O homem existia tão-só para servir Mas dentro dessa norma havia muitas varian­
ao deus e, portanto, tôdas as suas atividades eram tes. Por exemplo, perto de Tell Uqair, antiga cidade
devidamente reguladas no lar da divindade. Além não muito distante da moderna Bagdá, há um tem­
de ter planta mais esmerada, êste templo em Eridu plo que se adorna com um friso pintado de figuras
é também significativo pela sua localização. Repousa humanas e de animais. Em Eshnunna, perto do rio
sôbre uma plataforma que se alcança galgando-se Diyala, vários templos têm capelas a que se chega
uma série de degraus — o primeiro exemplo de através de um vestíbulo e antecâmara, enquanto
um santuário edificado em nível superior ao das outros têm paredes tão espêssas que os arqueólo­
casas circrmdantes. gos pensam terem elas sustentado alguma espécie
140
de abóbada cilíndrica. E dos destroços de um pe­ internos e moradias para o pessoal do templo, tanto
queno templo em Ur, Sir Leonard Woolley extraiu os sacerdotes como os serviçais.
e recompôs os fragmentos e as peças de várias Nos últimos dois mil anos da história antiga da
colunas cobertas de mosaico, assim como também Mesopotâmia, o templo em si mesmo era menos
alguns baixos-relevos em cobre e estátuas de touros impressionante do que o zigurate de que êle fazia
do mesmo metal. parte. Materiahnente, o zigurate — uma tôrre de
As ruínas deste miúdo templo proporcionaram tijolos em degraus com pequeno santuário no cume
também outra descoberta importante: uma pequena — tem afinidades com a pirâmide. Espiritualmente,
placa de calcário, com inscrição um tanto rústica em são pólos opostos. A pirâmide é um túmulo em
que havia êste breve registro: “A-arme-pad-da, rei forma de labirinto onde não entra a luz do dia; o
de Ur, o filho de Mes-armLpad-da, rei de Ur, edi- zigurate é uma escadaria banhada de sol para se
ficou a moradia da sua Nin-Kharsag (Ninhursag, a chegar ao deus, ligando a terra e o céu. Como tan­
deusa-mãe sumeriana). A plaqueta corrfirma a exis­ tas e tantas criações humanas, surgiu por acaso.
tência de um rei, Mes-armi-pad-da, cujo nome apa­ Quando novos templos foram sendo construídos
rece nas listas dos monarcas elaboradas por escri- sôbre os escombros dos velhos, e as plataformas das
bas de época posterior, mas que alguns eruditos edificações sucessivas iam ficando cada vez mais
persistiam em considerar mero produto da imagina­ altas, a alguns dos mais imaginosos sacerdotes sume-
ção sumeriana. E como as listas dos reis são escri­ rianos deve ter causado funda impressão a seme­
tas em ordem cronológica, a placa fornece uma indi­ lhança com degraus, e a idéia lhes pareceu fasci­
cação quanto á idade não só do santuário como dos nante. Qualquer que tenha sido a razão, no curso
objetos encontrados no lugar. Também comprova dos séculos se tornou intencional o escalonamento
que a edificação de templos se tomara, nos meados das plataformas. Cada terraço que se sobrepunha
do Terceiro Milênio, mais uma prerrogativa dos a outro era de menor altura e tamanho que o ante­
reis do que o empreendimento conjunto de uma rior, e ligado a êste por uma escadaria monumen­
comunidade. tal. As torres, na sua culminância, chegavam a
Um dos melhores relatos sôbre a construção quase cem metros de altura. A plataforma básica
de um templo real está em dois grandes cilindros era freqüentemente um vasto platô artificial, com
de argila achados em Lagash, a uns quarenta qui­ mais de cem metros laterais e altitude equivalente a
lômetros ao norte de Ur. Referem-se a um templo cinco vêzes a altura de um homem. Na sua forma,
edificado por Gudea, rei de Lagash, por volta de o zigurate podia ser quadrado ou retangular, redon­
2100 a.C, para o deus Ningirsu. Gudea purificou do ou oval, e apresentava de um a sete planos.
a sua cidade com preces e sacrifícios antes e depois Para determinar épocas, os arqueólogos desen­
de construído o templo, e quando êste ficou pronto terraram os remanescentes de mais de 30 zigurates,
o guarneceu com um grupo de deidades menores — espalhados por tóda a Mesopotâmia. O mais famoso,
à semelhança de quem recmta o pessoal para uma sob o ponto de vista histórico, é o Etemenanki, em
propriedade. Entre elas, havia os equivalentes sobre­ Babilônia, o qual segundo alguns eruditos, pode ter
naturais de um porteiro, um mordomo, dois armei- sido a bíblica “Tôrre de Babel”. Hoje, nada resta
ros,-um mensageiro, um camarista, um cocheiro, um do Etemenanki, a não ser os seus alicerces. Mas
pastor de cabras, dois músicos, quatro fiscais de Herôdoto, o historiador grego que visitou a cidade
cereal e peixe, um guarda campestre e um inten­ de Babilônia e viu o zigurate no século V a.C. o
dente. E pena que bem poucos vestígios dêsse tem­ descreve como uma esplêndida construção de sete
plo tenham sido encontrados, mas provàvelmente níveis, ou planos, cada qual apresentando no seu
se assemelhava ao Ekishnugat, descoberto em Ur. revestimento uma cór diferente de tijolos cozidos ao
Este, datando do mesmo período, inclui um zigurate fogo,. No cimo havia um santuário de tijolos esmal­
e numerosas capelas, juntamente com celeiros, pátios tados de azul, sendo o interior guarnecido por um
141
amplo e confortável leito e uma mesa de ouro para deuses tiveram de partilhar a acrópole com o palá­
uso do deus quando baixasse à terra. cio real, e dêste se tornaram verdadeiras dependên­
Há bem maior conhecimento a respeito de ou­ cias. Mesmo o célebre Nebuchadrezzar 11 de Babi­
tro zigurate, muito mais completo, que foi desen- lónia, apesar de todo o seu respeito pelas divindades,
cavado em Ur por Leonard Woolley. O zigurate fêz do grande templo devotado a Marduk uma parte
de Ur data aproximadamente do século XXI a.C, integrante do palácio, ao ligar os dois por um sun­
e foi construído durante o reinado de dois monarcas tuoso Caminho de Procissão.
sumerianos,.Ur-Nammu e Shulgi. E uma sólida tórre Os palácios reais, que estavam para se trans­
em três planos, feita de adôbe, mas com a fachada formar em vastos conjuntos de legendária grandeza
de tijolo cozido ao fogo encaixado em betume — e luxo, tiveram origem bem modesta. Os dois mais
asfalto natural encontrado em camadas à flor da antigos desenterrados até agora são os de Eridu e
terra em diversas zonas da M“ °P°‘âmia. O plano Kish. Ambos datam aproximadamente de 2700 a.C.
inferior do zigurate tem quase 17 metros de altura e assemelham-se ás outras construções do mesmo
e cobre uma área de 50 por 70 metros; os dois período, embora com maior número de compar­
planos superiores são correspondentemente meno­ timentos. Mas a partir de 2000 a.C. o palácio co­
res em tamanho, oferecendo uma faixa de passeio meçou a adquirir uma feição arquitetônica distinta.
em cada nível. De três lados, os muros do zigurate Em Eshnunna o palácio dos governadores continha
erguem-se a prumo para a plataforma de cima. No uma sala do trono e os primórdios de um caminho
quarto, lanços de escada ligam os planos superpos­ processional — o trajeto para a sala do trono esten-
tos e, ao que se presume, levavam ao templo no dia-se por uma pi$ta pavimentada de tijolos que
cume — templo do qual nada resta. De tempos cortava diagonal mente um pátio aberto. O palácio
em tempos, através -dos séculos, êste zigurate caiu de Eshnunna também continha um pequeno san­
em ruínas e foi reparado por um ou outro gover­ tuário, provàvelmente uma espécie de capela real
nante devoto da Assíria ou de Babilônia. Seu último para as devoções privadas do governante.
protetor real foi Nabonidus, um monarca que go­ Ao tempo do grande Hamurábi, por volta de
vernou Babilônia no século VI a.C. e que transfor­ 1800 a.C., a residência real já se tornara imponente
mou a antiga relíquia sumeriana numa imponente e grandiosa. Um dos palácios mais amplos e sun­
torre de sete planos. tuosos de tôda a Mesopotâmia pertenceu a um con­
Com a ascensão dos assírios, construtores de temporâneo de Hamurábi, um rei chamado Zimrilim,
impérios, os templos perderam parte da siia signifi­ cuja capitai era a cidade de Mari, na região corres­
cação e tornaram-se simples anexos dos palácios. pondente à Síria atual. Esse palácio tinha um imen­
Os deuses não eram mais a única fôrça a reger a so pátio interno, pavimentado de alabastro. Outro
vida mesopotâmica; a sorte dos homens era agora pequeno pátio, com os muros cobertos de pinturas
também determinada pelo rei e seu exército de con­ afrêsco de deuses, deusas e batalhas, servia como
quista. Os santuários, em verdade, tomaram-se maio­ separação entre a sala do trono e diversos templos
res e mais numerosos, e os zigurates continuaram e santuários. Além disso, havia, literalmente, cente­
altaneiros como antes. Mas o templo, como centro nas de salas e apartamentos, para o rei e sua famí­
administrativo, ia sendo substituído pelo palácio — lia, para os dignitários da corte, guardas, fâmulos e
e êste, com tal mudança, passou a constituir-se no visitantes hospedados.
principal objeto de interêsse arquitetônico. Apesar de tão grandioso, o palácio de Zim-
Por exemplo, em Assur, a antiga capital da rilrm não podia se comnarar com os dos últimos
Assíria, o templo permanecera sem rival na sua reis da Assíria e de Babilónia. O palácio de Sar-
acrópole, como o centro inconteste da vida citadina. gão II, em Dur-Sharrukin, o do seu fiUio Sena-
Mas quando Calah substituiu Assur como capital do queribe e o do seu bisneto Assurbanipal, em Nínive,
império assírio, em 879 a.C., os templos de vários eram enormes cidadelas. Montados sobre as muralhas ,

142
0 TEMPLO DE MARDUK, O santuário monumental em Ba­
bilônia^ media 200 metros no lado mais comprido; seus
três pátios eram circundados por câmaras do templo,
incluindo-se capelas para M ardixk e outros deuses (sem
teto, no alto). As reentrâncias nos muros, que atenua­
vam a insipidez de uma superficie lisa, seguiam o es­
tilo usado nas edificações das cidades mesopotâmicas.

da cidadjí em maciças plataformas de terra, forma­ giosa. Têm-se como relacionadas com o templo e
vam êles", juntamente com seus templos e zigurates, os ritos de adoração as primeiras estátuas e grava­
um conjunto de edifícios reais bem condignos dos ções na pedra, que pertencem ao fim do Quarto
soberanos-guerreiros que os construíram. Entre os Milênio a.C.
elementos mais impressionantes dêsses palácios-for­ Dentre as obras iniciais nesse campo, uma das
talezas destacam-se as estátuas colossais de touros mais importantes é um grupo de figuras em relêvo
alados com cabeça de homem, que montavam guar­ inteiro, chamadas “estátuas em oração”, que foram
da aos portais, e os relevos esculpidos que cobriam descobertas em Tell Asmar.
as paredes interiores. As figuras de touro eram Essas estatuetas serviam a um curioso propó­
muitas vêzes talhadas em blocos inteiros de alabas­ sito. Acreditavam os mesopotâmios que se impu­
tro, com 3 a 5 metros de altura. Os relevos, também nham preces constantes aos deuses, para se alcançar
esculpidos na pedra, constituíam narrações pictó­ vida próspera e longa. Mas tal devoção nem sempre
ricas, com abundância de minúcias ás vêzes enfa­ se coadunava com os afazeres habituais. Para con­
donhas, das proezas militares do fei — to”das termi­ tornar êsse encargo oneroso, alguns sacerdotes enge­
nando invariavelmente em desgraça para seus ini­ nhosos tiveram a idéia de criar um substituto para
migos. o devoto, uma estátua de pedra que podia ser
No tempo de Sargão tais estátuas e relevos deixada ante o altar permanentemente em atitude
representavam uma das maiores realizações artísticas de prece.
Ma Mesopotâmia, e, como a arquitetura, a sua prin- As primitivas “estátuas em oração” de Tell
vcipal função era a de impressionar os homens co- Asmar, embora toscas na fatura, são extraordiná­
Miuns com o poderio e a glória do rei. Mas a escul­ rias obras de arte. A intensidade do seu olhar, fixo
tura também partiu de origem essencialmente reli- e hipnótico, e a humildade das suas 'mãos cruzada
143
ao peito, exprimem profunda convicção religiosa. meio ás ruínas de um templo em Erech. É provável
Ao mesmo tempo, a postura contrita e a firmeza que tenha sido destinado a algum uso de cerimonial.
dos lábios cerrados como que expressam um apêlo Tem quase um metro de altura e é composto por
à clemência divina. As estátuas são ao mesmo tem­ três fileiras de figuras que, em conjunto, ilustram
po reverenciadoras e altivas. um dos festivais religiosos da cidade. Na faixa in­
E espantoso que em região tão desprovida de ferior vêem-se bichos e cereais; na faixa do meio
pedra tenha podido florescer um estilo escultural aparecem homens portando presentes; e por fim, no
de tanta proficiência técnica e tanta ousadia. Até alto, vem a cena de uma deusa a receber oferendas
as mais antigas dessas estátuas votivas são modela­ dos adoradores. Embora tôdas as figuras no vaso
das, consciente ou inconscientemente, de acordo se integrem num só conjunto de arte, cada qual tem
com uma convenção artística. Os olhos são muito uma feição própria, algo que a distingue e indi­
exagerados em tamanho, porém jamais grotescos. vidualiza.
Os corpos são alongados e certas feições — barba, No correr do tempo, a escultura em relêvo.
músculos, dobras das vestes — foram tratadas como como as outras manifestações de arte, foi-se iden­
abstrações geométricas. Posteriormente, os detalhes tificando com as ações da realeza. Em algum tempo
do corpo humano adquiriram aspecto mais realís­ do século XXIV a.C. Naram-Sin, neto de Sargão,
tico. Já então muitas dessas figuras tinham incrusta­ encomendou uma placa esculpida, uma esteia, para
ções de ouro ou pintura a lhes acentuar os traços; comemorar uma grande vitória. A esteia de Naram-
algumas eram moldadas em bronze ou cobre, em -Sin retrata uma batalha nas montanhas e sua com­
vez de esculpidas em pedra. A última fase de gran­ posição é fora do comum. Ao invés de fazer a des­
de florescimento para as esculturas em relevo in­ crição numa série de faixas horizontais, o escultor
teiro ocorreu em Lagash, durante o reinado de dispôs suas figuras diagonalmente num lado da mon­
Gudea, por volta de 2100 a.C. Embora nesse tempo tanha, com o rei no cimo. E uma composição muito
Lagash estivesse quase cercada por forças hostis mais unificada e mais dinâmica: tudo converge
do leste, nenhum sinal da insegurança criada pelo para o rei.
perigo transparece na arte da cidade. Reahnente, Durante o domínio dos grandes reis assírios os
os escultores de Lagash continuaram produzindo artistas esforçaram-se ao extremo para representar
estátuas do rei, que se fazem notar principahnente na pedra as proezas dos seus governantes — no
pelo seu tom de tranquilidade. campo de bataUia, no palácio e nas caçadas. Esses
Depois de Lagash declinou a escultura em re­ relevos da última fase são de fatura magistral e
levo inteiro, porém o mesmo não sucedeu com o estão repletos de fascinantes detaUies. Pode-se ver
baixo-relêvo. Reahnente, alguns dos mais esmerados exatamente como era um carro de combate e de
foram feitos para os poderosos reis assírios, nos que se constituía a armadura de um soldado. Mas
dias finais de grandeza que a civilização mesopotâ- o escultor já não exprime suas próprias idéias ao
mica viveu, antes de sua decadência. Mas a essas tratar os temas; segue uma convenção artística —
últimas criações, apesar de todo o seu primor, fal­ seus reis, soldados e fâmulos são estereótipos. Só os
tam certas qualidades que se encontram nas obras animais são retratados com alguma liberdade — um
anteriores. Os primeiros baixos-relevos, como as leão ferido sucumbe em agonia, ou uma égua mos­
primeiras estátuas, têm inspiração mais vigorosa. tra carinhoso cuidado pelo seu potro. E como se os
Algims foram esculpidos com tal exuberância que acontecimentos humanos obedecessem a tal forma­
as figuras parecem saltar do plano de fundo, en­ lismo que já não podiam ser apresentados como
quanto noutras a impressão de vida resulta do traço: ocorrências espontâneas.
são como águas-fortes esboçadas requintadamente. Nas artes menores não havia tanto apêgo â
Dentre êsses relevos primitivos um dos me­ convenção e a fantasia na criação era mais sôlta.
lhores está num vaso de alabastro descoberto em Duas dessas artes menores são especiahnente signi-
144
íícativas pelo apuro de suas peças e bem revelado­ padeiros, cervejeiros e tecelões. Seus tijolos e ladri­
ras da vida mesopotâmica. Uma é a arte da incrus­ lhos eram tão bem executados que muitos resisti­
tação, na qual pedacinhos de conchas e pedra colo­ ram a mais de 5.000 anos. Foram os mesopotâmios
rida são encravados em betume, uma técnica em­ os que primeiro empregaram processos metalúrgicos
pregada principalmente no adorno de objetos feitos extremamente delicados.
para o lar ou para uso pessoal — pequenas caixas, Sob alguns aspectos, eram surpreendentemente
tabuleiros de jôgo, instrumentos musicais. A outra adiantados os métodos de trabalho na Mesopotâ­
era a da gravação de selos cilíndricos em pedra. mia. Os agricultores, por exemplo, utilizavam um
Essas obras miúdas, em que se inscrevia o símbolo arado-semeadeira, que não só revolvia o solo como
individual ou a assinatura do seu dono, circulavam também lançava as sementes nos sulcos por meio
por todo o mundo antigo como uma espécie de de um dispositivo em forma de funil. Muito mais
marca identificadora aposta* a documentos e outras simples, porém muito mais versátil, era a picareta
coisas de va*or. O sêlo cilíndrico estêve em uso mesopotâmica, uma espécie de enxada de cabo curto.
contínuo por mais de três mil anos e é encontrado Ao invés do arado, que só tinha serventia durante
em todos os locais de escavações arqueológicas. quatro meses, a picareta prestava serviço o ano
Constitui, assim, um registro dos hábitos e atividades inteiro. Cavava canais e construía reprêsas para ir­
tanto de reis como de pessoas comrms, ao mesmo rigar as terras de plantio e as pastagens; drenava o
tempo em que assinala a evolução da arte e da terreno inrmdado e preparava-o para a aradura; fazia
técnica. casas com paredes de adôbe e currais para o gado,
Os selos das épocas mais remotas continham consertava as ruas e erguia os muros da cidade.
figuras e cenas simples — criaturas míticas, reis e Os antigos sumérios tinham tal estima pela picareta
heróis, pastores protegendo os seus rebanhos. Tais que a consideravam um presente do céu. Os deuses
cenas foram, pouco a pouco, sendo substituídas por a ofertaram, como diz um poema épico, “para ser
desenhos estilizados que compunham, repetindo-se, manejada pelo povo de cabeça negra”.
uma espécie de “brocado” esculpido. Os gravadores Num dos seus empregos mais úteis, a picare­
da Mesopotâmia meridional tinham como um dos ta servia para o trato das lavouras que forneciam
seus assuntos prediletos a cena em que um homem ao mesopotâmio não só a base da sua alimentação
(presumivelmente o dono do sêlo) é apresentado a cotidiana mas também toda uma série de subprodu­
um deus por outro deus, êste provavelmente o seu tos. Da cevada, o cereal de maior colheita, sendo
“anjo da guarda”. Ao norte, na Assíria, os artífices preferido ao trigo, fazia êle a farinha para um pão
utilizavam na fatura dos selos um vasto repertório sem fermento ou extraía o malte para cerveja —
de temas e estilos; alguns têm motivos heráldicos, bebida que os poetas sumerianos decantavam cómo
outros mostram cenas de animais em luta, outros doadora de “alegria ao coração” e “felicidade ao
ainda ilustram episódios vividos pelas divindades. fígado”. A semente do sésamo, espremida, forne­
Todas as artes, altamente desenvolvidas, dos cia óleo para cozinhar, e com as fibras do linho, car-
mesopotâmios, desde a gravação de selos à escultura dadas, tecidas e tingidas, fazia-se excelente pano.
e à arquitetura, repousam nos amplos alicerces dos Os animais que criava forneciam ao agricultor
que exerceram com mestria os ofícios práticos. Esses mesopotâmico a matéria-prima que êle transformava
povos da antiguidade puderam criar muitas coisas hàbihnente em alguns dos seus artefatos mais úteis.
de grande beleza porque antes aprenderam a fabri­ Curtia as peles, embebendo-as numa solução de alu-
cação de coisas mais modestas, porém de grande me e noz-de-galha e esfregando-as em seguida com
utilidade. Inventaram instrumentos e técnicas que gorduras e óleos para tomá-las macias. Aproveitava
fizeram do seu país o primeiro no mundo a desfru­ o couro para fazer calçados e sandálias, arreios e
tar a segurança de uma vida baseada na agricultura selas, sacas e odres. O pêlo dos caprinos era lar­
em larga escala. Tomaram-se competentes como gamente empregado no fabrico de tapêtes e a lã de
145
carneiro constituía a base de uma indústria têxtil descobriram por acaso o processo de fabricar esmal­
que veio a ser uma fonte de riqueza no comércio tes e vidro. Já em 2500 a.C. os mesopotâmios ha­
com o exterior. A lã era às vêzes fiada e tecida em viam aprendido a fazer vidro, e por volta de
teares, outras vêzes transformada em feltro. 1700 a.C. um artesão de iniciativa deitou por es­
Os mesopotâmios também adquiriram boa crito as fórmulas, talvez para seu próprio arquivo,
soma de conhecimentos empíricos sobre a química talvez para a posteridade. Se agiu com essa última
dos metais, sobretudo o cobre e o bronze. Real­ intenção, logrou êxito acima do que poderia sonhar,
mente, o trabalhador em metal figurava entre os pois nos meados do século atual dois fabricantes
artesãos principais da Suméria. Da Ásia Menor era de vidro na Inglaterra utilizaram uma das suas recei­
importado o minério de cobre, e do Cáucaso o mi­ tas para fazer dois pequenos vasos, agora no Museu
nério de estanho. De início obtinham o bronze fun­ Britânico.
dido diretamente da mistura dos dois minérios, mas A Mesopotâmia contava ainda com outros ar­
posteriormente conseguiram um produto mais puro, tífices habilidosos. Carpinteiros, cujos instrumentos
derretendo primeiro, separadamente, o cobre e o incluíam martelos, formões, serras e puas, fabri­
estanho, para fazer depois a sua liga. Para fundir cavam desde mobílias até embarcações. Havia
e moldar, usavam um forno especial, cadinhos de também os que aproveitavam os resistentes cani­
metal ou louça de barro, e um fole de couro. O ços do pântano para fazer cestas e recipientes de
metal derretido era moldado em fôrmas chatas e tôda espécie, como também céreas e choupanas.
abertas ou em outras de três dimensões e fechadas. Mas o artesão cujo produto foi de mais longo
Certas moldagens com riqueza de detalhes eram alcance para a sua própria civilização e para as
também feitas por um método complicado, o da posteriores era o homem que manipulava a argila
“cêra perdida”, em que a matriz original era mo­ úmida — o material humilde e frágil, mas de tanta
delada em cêra, depois revestida de argila; derre- utilização na vida antiga. Um dêsses artífices da
tia-se então a cêra que, ao escorrer, deixava o seu argila era o oleiro, que já em época bem remota
desenho na superfície interior de argila. O artífice havia aprendido a construir e aquecer o seu for­
também tomava mais resistentes os metais por meio no, como também a polir os utensílios de cerâmica
da têmpera e usava solda e rebites para juntar as e a decorá-los com desenhos coloridos; por volta
peças. de 3500 a.C. já começara a usar o tomo e ia ajus­
Era de natureza parecida a obra do artífice tando o seu trabalho ao sistema da produção em
que trabalhava o ouro, a prata e as pedras semi­ massa. Enquanto isso, o seu colega, o fabricante
preciosas. Sabia êle como forjar o metal em mol­ de tijolos, fornecia a matéria-prima para a arquite­
des — às vêzes moldes de três e de quatro peças. tura monumental com o acondicionamento de lama
Empregava ainda outras técnicas de moldagem: em fôrmas de madeira e cozèndo-a ao sol ou em
sabia como fazer fios de ouro e prata para fili­ fornos especialmente construídos para êsse fim; por
granas e como cunhar peças chatas com desenhos volta de 3000 a.C., já modelava êsses tijolos cozidos
na superfície. Chegou mesmo a dominar a arte de em formato de cunha, empregando-os para o revesti­
reduzir metal a lâminas tão finas como papel, trans­ mento de cisternas e para construir as primeiras
formando-as depois em objetos de três dimensões arcadas, ainda rústicas. Entretanto, foi outro artífice
com emprêgo de martelo sôbre machos de madeira. da argila o que mais beneficiou a humanidade. Ris­
Em grande parte de sua obra, tinha êle um com­ cando símbolos em placas úmidas, preservou os re­
panheiro, o lapidário, homem que fazia contas, bra­ gistros, leis e histórias que fizeram tão duradoura a
celetes e brincos, utilizando pérolas e pedras pre­ sua própria civilização — e ajudou a transmitir mui­
ciosas. to dessa civilização não só aos vizinhos da Mesopo­
Foram provàvelmente êsses lapidários que, fa- * tâmia mas também a gerações bem distantes no es­
zendo experiências com areia, quartzo, soda e cal. paço e no tempo.
146
UMA CABEÇA DE LEAO URRANDOfü z parte de UTÍ1fríso babUófiico, de tijolo vitrificado.

ESPLENDOR MACIÇO DE UMA CIDADE


Em certo dia de março de 1899, o arqueólogo alemão Robert Koldewey começou
a escavar um grupo de montes de terra às margens do rio Eufrates, uns 75
quilômetros ao sul de Bagdá. Trabalhando por mais de uma década, desenterrou
as ruínas, que datam de 2.500 anos, da. Babilônia do rei Nebuchadrezzar, a mais
imponente cidade do mrmdo antigo.
Nos dias do seu apogeu, a opulência e o poderio de Babilônia eram ini-
gualados na Mesopotâmia. Impressionavam de tal modo os seus esplendores
arquitetônicos — templos soberbos, torres altaneiras e muralhas decoradas com
tijolo esmaltado (acima) — que o historiador grego Herôdoto escreveu no sé­
culo V a.C.: “Em magnificência, não há outra cidade que se lhe aproxime”.
Durante séculos, os escombros dessa magnificência jazeram ocultos sob o deserto,
porém hoje, baseando-se nos achados dos arqueólogos, estudiosos e artistas estão
habilitados a figurar tal como era antigamente a maior parte das edificações.
147
AS POSSANTES MURALHAS O primeiro descobrimento de Koldewey em Babilónia
foram os remanescentes de uma série de muralhas ma­
ciças — reconstituídas no quadro abaixo — que cer­
DEBABILÓNIA cavam a cidade interior de templos e palácios com­
pletada por Nebuchadrezzar, no século VI a.C.
Nos tempos antigos êsses muros, construídos atra-
vès dos tempos por sucessivos reis, constituíam a prin­ Eufrates, não só propiciando uma defesa contra exér­
cipal proteção de Babilônia contra ataques inimigos. citos invasores, mas também formando uma barragem
Dotados, a intervalos regulares, de tôrres de defesa, colossal para proteger a cidade das enchentes. Acima
eram tão largos no alto que, segundo Herôdoto, havia da cidade alçava-se a Torre de Babilônia, ou Babel,
“espaço para um carro de quatro cavalos dar a volta”. vendo-se em frente uma das mais antigas pontes de
A muralha ocidental {direita) erguia-se diretamente do alvenaria já construídas em qualquer parte do mundo.
UMPORTÃO
DOS DEUSES
A única estrutura que ainda se man­
tinha parcialmente de pé ao tempo das
escavações em Babilônia era um imen­
so portão suntuoso (esquerda), que
guardava a entrada principal da ci­
dade. Foi construído com tal solidez
que sobreviveu à destruição da cidade
pelos persas, no século VI a.C., e à
ação do tempo que, nos séculos sub-
seqüentes, arrasou a maior parte dos
muros circundantes.
O portão, dedicado à deusa Ishtar,
consistia em dois portais, um atrás do
outro, ambos flanqueados por torres
maciças. Edificado com tijolos cozidos
ao forno e cimentados de breu, era
revestido originalmente por uma ca­
mada de ladrilho esmaltado, dura
como rocha, e tinha a embelezá-lo fi­
guras vistosamente coloridas de touros
e dragões.
Dirigindo-se ao portão havia uma
larga avenida de igual imponência,
muitas vêzes usada para procissões em
honra do deus Marduk. Com uns 26
metros de largura, pavimentada com
,1 “t *i " lajes de pedra calcária e mármore
côr-de-rosa, tinha a ladeá-la duas mu­
ralhas decoradas com um esmaltado
friso de leões. A avenida servia tanto
a objetivos de defesa como a finali­
dades religiosas: orlada de fortifica­
ções, propiciava um estratégico beco
sem saída onde tropas inimigas, que
rompessem pelo Portão Ishtar, podiam
ser encurraladas e destruídas por uma
saraivada de setas partidas do alto.
151
Tal qual as muralhas maciças da cidade que os cercavam, os edifícios
UMA ARQUITETURA de Babilônia foram constmídos com a mesma solidez das fortalezas. Mas.
no seu caso, o pior inimigo era o calor opressivo do verão babilónico,
PARA DESAFIAR 0 SOL que às vêzes atingia os 50 graus. Para isolar essa quentura, a fachada
com omatos fronteira à sala do trono de Nebuchadrezzar {acima) tinha
três metros e meio de espessura e suas três entradas em forma de arco
davam para o norte, a fim de que a luz direta do sol raramente pene­
trasse no interior de paredes caiadas. Os muros externos das residências
particulares' {direita) eram virtuahnente sem janelas, embora pequenos
pátios deixassem uma claridade tênue penetrar nos aposentos interiores.
152
A SALA DO TRONO DE NEBUCHADREZZAR, revestida de
estuque cor de creme e frisos coloridos de tijolo
esmaltado, abria-se para o amplo pátio pavimentado.

UMA RESIdEncia DE NOBRE, apertada entre outras


casas, foi construída com fachada em forma de zigu-
rate que amenizava o seu exterior austero.
UMATORRE
PARARIVALIZAR
COMOCÉU
Só pelo seu tamanho a Torre de Babel
se tornou a maior maravilha arquite­
tônica do mundo antigo. Uma vasta
,pirâmide de muitos níveis, encimada
por um templo dedicado ao deus
Marduk, lançava-se a mais de cem
metros de altura sôbre o terreno ao
redor. A sua base, com mais de 100
metros de cada lado, assentava-se
num pátio com cêrca de 560 metros
quadrados; nos muros que fechavam
o recinto havia depósitos e aposen­
tos para sacerdotes.
A originária Torre de Babel, refe­
rida no Livro do Gênesis como o epí-
tome da vaidade humana, foi construí­
da centenas de anos antes do reinado
de Nebuchadrezzar. No decurso dos
séculos, foi destruída, reconstruída e
destruída novamente. A sua última
restauração, iniciada por Nabopolasar.
foi concluída pelo seu filho, o pró­
prio Nebuchadrezzar, que ordenou aos
arquitetos reais “erguerem a Tôrre a
uma altura em que ela pudesse rivali­
zar como céu”.
Mesmo depois que Babilônia foi
devastada pelos persas, a Tôrre con­
tinuou a fascinar a imaginação dos ho­
mens. Alexandre, o Grande, que
ocupou a cidade arruinada em
331 a.C., planejou reconstruí-la como
um monumento à sua conquista, mas
calculou que só para a retirada dos
escombros teriam de ser empregados
10.000 homens durante dois meses. A
tarefa era demasiadamente grande e
a gigantesca edificação foi se esbo­
roando e ruindo através dos tempos.
154
Civilização é uma palavra esplendorosa sob muitas
acepções, que para uns quer dizer grandes cidades
e progresso tecnológico, enquanto para outros sig­
nifica elevação morai, idéias éticas e primorosas
criações artísticas. Por qualquer dêsses critérios a
Mesopotâmia foi o berço da civilização, pois foi o
primeiro lugar da terra onde o homem criou e man­
teve — por mais de 3.000 anos — uma sociedade
urbana, letrada, tecnológicamente bem desenvolvida,
na qual todo o povo aceitava os mesmos valores e
tinha a mesma concepção sôbre a origem e a orde­
nação do mundo.

8 Por que isso teve de ser assim — por que a


Mesopotâmia, entre tódas as outras regiões, veio a
representar papel decisivo na ascensão do homem
que emergia do barbarismo — não é coisa para
se apreender com facilidade. Não era, certamente,
A LUZ RADIANTE uma terra de promissão para os começos da vida
civilizada. Quente, requeimada e varrida pelos ven­
tos, sem madeira, pedra ou minérios, não parecia
DA MESOPOTAMIA destinada a guiar e a influenciar o mundo. O que
transformo” a Mesopotâmia num paraíso fecundo e
fêz dela uma fôrça criadora foram os dons inte­
lectuais e a índole do seu povo. Observador, ponde­
rado e pragmático, tinha inclinação para apreender
o que era fundamental e explorar o que era possível.
Ao contrário de quase todos os outros povos antigos,
os mesopotâmios estabeleceram um sistema de vida
orientado por um senso de moderação e de equi­
líbrio. Material e espirituahnente — em religião e
em ética, em política e economia — adotavam um
meio-têrmo viável entre a razão e a fantasia, a
liberdade e a autoridade, o cognoscível e o transcen­
dental.
Coisa iguahnente importante — a Mesopotâmia
era uma sociedade “aberta”. Embora os seus habi­
tantes se considerassem um “povo eleito”, não eram
em nada provincianos. Davam-se conta de que ha­
via muitos outros povos no mrmdo e não se tran­
cavam evitando contatos com o exterior. Assim,
enquanto menosprezavam aquêles vizinhos que
eram seus inimigos, olhavam com simpatia para
outros povos, como o Egito no oeste e como a
gente do vale do Indo. no leste. A Mesopotâmia,
de fato, pode ter mesmo representado um importante
papel no erguimento dessas duas civilizações.
No caso do Egito, a influência mesopotâmica
patenteia-se no uso de selos cilíndricos e em certos
motivos da arte. E evidente na arquitetura egípcia,
notando-se que algumas de suas obras são construí­
das de tijolos com o tamanho e a forma peculiares
UM SÍMBOLO DURADOURO, a Totrê de Babel ató hoje representa a futili­
dade das àmbições humanas. Originàriamente um templo de partes
da primeira fase mesopotâmica e são ornamentadas
superpostas, em Babilônia, a torre é vista na ilustração fantasiosa de com pilastras de reforço semelhantes às da Suméria.
um manuscrito francês datando do principio do século XV. O Egito pode também ter adquirido do seu vizinho
157
oriental a idéia da escrita, embora os hieróglifos de racional, positiva, pragmática, do homem ocidental
um e os pictógrafos do outro sejam inteiramente tem similitude com a concepção mesopotâmica do
diversos. mrmdo. Transfigurados pelos hebreus monoteístas,
Mais ao leste, a cultura do vale do Indo, um transmudados pelos filósofos gregos, os conceitos
dos mais novos achados da arqueologia, parece que mesopotâmicos impregnaram a consciência ociden­
teve fortes laços comerciais com a Suméria — nu­ tal e são responsáveis, em não pequena parte, pela
merosos selos típicos do Indo foram encontrados nas agitada história de tensão vivida pelo homem do
ruínas mesopotâmicas. O povo do Indo habitava ocidente, entre razão e fé, esperança e desespéro,
uma área maior que a Mesopotâmia e o Egito com­ liberdade e autoritarismo, progresso e derrota.
binados, e floresceu mais ou menos entre 2.500 e O impacto da Mesopotâmia sobre os hebreus foi
1.500 a.C. A sua cultura era também urbana. tanto direto como indireto. Se, como pensam alguns
Passando da lavoura e criação de gado, êsse povo estudiosos, a narrativa bíblica contém um pouco
constituiu-se de artífices e artesãos, comerciantes e de verdade, e se o patriarca hebreu vivia em Ur no
administradores. Suas casas eram construídas com tempo de Hamurábi, nesse caso êle e sua família
tijolos de fino acabamento, cujas dimensões unifor­ podem ter assimilado a cultura sumeriana muito
mes atestam uma padronização de pesos e medidas. antes de os judeus se constituírem numa nação. Pa­
Fato mais importante: era um povo com linguagem rece claro que os ancestrais dos hebreus viveram
escrita, um sistema pictográfico que abrangia cêrca na Mesopotâmia desde tempos bem recuados.
de 400 caracteres. Como as duas culturas são simi­ Documentos cunéiformes, cujas datas vão desde
lares nesses aspectos e se conheciam, parece lógico 1700 a 1300 a.C.,- mencionam com freqUência um
supor que a cultura mais velha da Suméria influen­ povo chamado Habiru, nome com afinidade bem
ciou a mais jovem do Indo. próxima com a palavra bíblica “hebreus”. Segundo
Entre a índia e a Mesopotâmia situa-se outra tais textos, os hebreus eram erradios, nômades,
região cujo débito à cultura mesopotâmica é mais mesmo salteadores e proscrites, que vendiam seus
fácil de traçar. O Irã, ou Pérsia, limitava-se com a serviços como mercenários aos babilônios e assírios,
Mesopotâmia e naturalmente estava em íntimo con­ hititas e humanos. Já em 1500 a.C. êsses arqué­
tato com ela. De acôrdo com uma narrativa sume- tipos ancestrais do Judeu Errante encetavam a
riana, a cidade-estado iraniana de Aratta teve orga­ conquista da Palestina. Entraram em contato com
nização política e crenças religiosas quase idênticas os cananeus, um povo que assimilou muito da Meso­
às da Suméria. De igual modo, o antigo reino potâmia. Os cananeus tinham uma escrita ermeifor-
iraniano de Elam, a despeito de constantes e renhidas me, suas escolas adotavam o currículo mesopotâ-
lutas armadas com a Suméria, foi ainda assim pro­ mico e a sua cultura estava profundamente imbuída
fundamente influenciado por esta. A arte e a arqui­ das idéias e da fé criadas na “terra entre os rios”.
tetura dos elamitas, como também as suas leis, a O contato mais importante dos hebreus com a
sua literatura e religião, eram mesopotâmicas em cultura mesopotâmica principiou no ano 586 a.C.
muitos aspectos — uma das principais deidades do quando o rei Nebuchadrezzar destruiu Jerusalém e
Elam tinha mesmo um nome sumeriano. Os elamitas levou o seu povo para o cativeiro em Babilônia. A
também adotaram a escrita cunéiforme da Mesopo­ instrução e os grandes conhecimentos dos babilônios
tâmia, como ainda o seu sistema de educação e impregnaram a mente e o pensamento dos hebreus.
muito do seu currículo educacional. Quando, depois, os exilados voltaram â sua terra
Mas a influência da Mesopotâmia sobre os seus para formar o estado judaico, trouxeram consigo
contemporâneos no Egito, Irã e índia, embora tenha muitas das práticas litúrgicas, educacionais e legais
sido inspiradora, foi de pouca duração. Coisa curio­ da Mesopotâmia. Algumas delas foram introduzidas
sa, foi no Ocidente, e não na terra dos povos vizi­ no cristianismo e, por intermédio da tradição judai-
nhos, que mais se enraizou a sua semente. A visão co-cristã, penetraram na civilização ocidental.
158
UM ARQUÉTIPO DA RODA, mostrado num desenho esquemático
baseado em rodas de Susa, consistia em três peças de madeira
reunidas por hastes metálicas e orladas com tachas de cobre.

começaram a emergir do seu “tempo obscuro” é


que voltaram êles a receber estímulo e inspiração
dos seus vizinhos orientais. Durante êsse último pe­
ríodo os fenícios de Cananéia deram aos gregos o
alfabeto que posteriormente se tomou o de todo o
mundo ocidental. No curso dessa fase, também, os
filósofos gregos pré-socráticos na Anatólia descobri­
ram as obras dos astrólogos babilónicos e deram iní­
cio aos grandes estudos filosóficos de Atenas. Quan­
do, no século V a.C., a Grécia entrou em sua Idade
de Ouro, diversas das suas criações na arte, na arqui­
tetura, na filosofia e nas letras apresentaram vestí­
gios de origem mesopotâmica.
Avançando para o Ocidente, pelos canais do
helenismo, do judaísmo e do cristianismo, o legado
da Mesopotâmia à humanidade atingiu finalmente o
mundo moderno. Em tecnologia, êsse legado inclui
milagres prosaicos tais como o veículo de rodas e
o segundo povo que absorveu a cultura mesopo- o arado. Na ciência, incluiu as primeiras noções de
tâmica e a canalizou para o Ocidente foram os astronomia e o sistema numérico baseado em 60
gregos. Ao contrário dos hebreus, não tiveram êles — sistema ainda em uso atualmente, dividindo o
contato direto com a Mesopotâmia, mas, durante a círculo em graus e a hora em minutos e segundos.
idade micênica da Grécia, desde cêrca de 1600 a As observações astronômicas da Mesopotâmia per­
1100 a.C., mantiveram íntimos laços políticos e co­ mitiram que fôssem afinal descobertos os equinócios
merciais com os vizinhos da Mesopotâmia, os hititas das estações e a regularidade das fases da Lua; o
e os cananeus. Por tòdas as cidades litorâneas da complemento pseudocientífico da astronomia, a as­
Anatólia meridional e Canaã, Chipre e Creta, circu­ trologia, revelou através das suas interpretações do
lavam não só mercadorias mas também pensamentos “escrito no céu” as relações fixas das estréias. Foi a
e idéias — que indubitàvelmente mergulharam raízes Mesopotâmia que criou as designações peias quais
na terra grega. O fato de se haver descoberto, na até hoje são conhecidos os signos do zodíaco —
cidade grega de Tebas, ainda recentemente, um de­ Touro, Gêmeos, Leão, Escorpião e outros.
pósito secreto de selos babilónicos, não chegou a A Mesopotâmia também deu à civilização oci­
causar muita surprêsa aos arqueólogos e sem dúvida dental duas das suas mais importantes instituições
o futuro revelará no solo helénico muitos outros políticas — a cidade-estado e o conceito de uma
achados de tal espécie. realeza por direito divino. A cidade-estado espa­
Esse primeiro contato com o Oriente Próximo lhou-se por grande parte do mundo mediterrâneo
encerrou-se quando entrou em colapso a cultura e a realeza — a noção de que a autoridade real
micênica. E só no século VIII a.C., quando os gregos fôra concedida pelos deuses e só a êles o seu detentor
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devia prestar conta — infiltrou-se profundamente na quantas das leis modernas têm origem que remon­
sociedade ocidental. Não é só por mera coincidên­ tam à Mesopotâmia é assrmto que ainda não foi
cia que os monarcas britânicos de hoje são consa­ determinado, mas o historiador britânico H.W.F.
grados em cerimônias de coroação que lembram as Saggs, no seu livro A Grandeza Que Foi Babilônia,
da Mesopotâmia. Nem pode ser obra do acaso a observa que “é quase certo ter a lei sôbre hipotecas
semelhança entre as atividades que exercem habi- a sua fonte remota no antigo Oriente Próximo”.
tuahnente os chefes de Estado do nosso tempo e Da mesma forma, um opulento conjrmto de ri­
as que são registradas nos mais velhos arquivos dos tuais e de mitos mesopotâmicos, instituídos por um
reis mesopotâmicos. Por meio de burocratas alta­ notável grupo de teólogos que viveram 3.000 anos
mente eficazes, que empregavam bem desenvolvidos antes do nascimento de Cristo, influenciou profun­
sistemas de escrituração e contabilidade, os gover­ damente as religiões ocidentais, sobretudo o judaís­
nantes da Mesopotâmia administravam a constru­ mo e o cristianismo. A idéia mesopotâmica de que
ção e a conservação de estradas, a edificação de da água nasceram tôdas as coisas, por exemplo,
hospedarias para os viajantes, a navegação mercante infiltrou-se na narrativa do Gênesis sôbre a criação
dos mares, o arbitramento das disputas políticas e do mrmdo, e a noção bíblica de que o homem foi
a assinatura de tratados internacionais. feito de barro e recebeu o “sôpro de vida” brotou
Um dos mais preciosos legados políticos da Meso­ de raízes mesopotâmicas. Assim também o conceito
potâmia foi a lei escrita. Tendo origem numa tomada bíblico de que o homem foi criado primordiahnente
de consciência dos direitos individuais — e estimu­ para servir a Deus e o de que o poder criador da
lada por uma propensão à controvérsia e à deman­ divindade está no Seu Verbo. A idéia de que as
da — a lei mesopotâmica veio a ser idealizada, catástrofes são castigos celestes por más ações,
sendo concebida como obra de inspiração divi­ como a de que a dor e a adversidade devem ser
na para benefício de toda a sociedade. Palavras suportadas com paciência, também encontram ana­
provenientes de tradições legais babilónicas e sume- logia na Mesopotâmia. Até mesmo a região dos
rianas aparecem em todo o vasto e heterogêneo mortos, imaginada pelos mesopotâmios, a sua escura
corpo de comentários sôbre a lei hebraica conhecido e lúgubre “terra de onde não se volta”, tem a sua
como o Talmude babilónico. “Até hoje em dia — contrapartida no Sheol dos hebreus e no Hades dos
escreveu o finado E.A. Speiser, uma das maiores gregos.
autoridades nos sistemas legais do mundo antigo — Até na atualidade a liturgia judaica está repleta
o judeu ortodoxo usa um fermo sumeriano quando de contribuições babilónicas. O Kol Nidre, o canto
fala de divórcio. E quando lê a lição da Tora na judaico recitado nas vésperas do Dia da Inspiração,
sinagoga êle ainda roça o lugar pertinente ao per­ em penitência pela quebra dos votos, é semelhante
gaminho com a fímbria do seu xale de oração, sem às preces que figuravam nas cerimônias mesopo­
nem de longe imaginar que está assim reproduzindo tâmicas do Ano Nôvo. O mesmo quanto à solene
a cena na qual o antigo mesopotâmio imprimia a descrição do destino humano que é declamada no
orla da sua veste numa placa de argila, como teste­ próprio Dia da Inspiração. Durante o seu exílio em
munho da sua obediência aos comandos do texto Babilônia os hebreus também adquiriram a crença
legal.” nos demônios e sua exorcização, o que sem dúvida
Provávelmente não será exagero dizer-se que a lei explica diversas passagens do Nôvo Testamento
mesopotâmica irradiou a sua luz sôbre grande parte concernentes à expulsão dos espíritos malignos.
do mundo civilizado. A Grécia e Roma sofreram a Desde os dias do cativeiro em Babilônia, e daí
sua influência através de seus contatos com o Oriente em diante, o judaísmo apresenta um enxame de
Próximo e o Islã só adquiriu um código formal de místicos religiosos com visões apocalípticas sôbre
leis depois de haver conquistado a região que é o o futuro do homem. Por meio dêsses visionários,
Iraque, a terra da antiga Mesopotâmia. Exatamente diz o eminente orientalista VV. F. Albright, “elemen-
UM REI SERENO, modelado em cobre por um artista do Elam,
mostra a execução delicada e o realismo que os artífices ela-
mitas aprenderam com os seus vizinhos mesopotãmicos.

nos textos mesopotãmicos. Nem a Suméria, nem


Babilônia, nem a Assíria jamais chegaram à elevada
crença de que o “coração puro” e “mãos limpas”
tinham mais valor espiritual do que sacrifícios e
rituais esmerados. O vinculo de amor entre Deus
e o homem, embora não de todo alheio ao pensa­
mento religioso da Mesopotâmia, decerto é nêle de
significação muito menor do que no judaísmo e no
cristianismo. Todavia, os primitivos mesopotâmios
cultivaram o conceito de um deus pessoal e familiar
que teve o seu eco na Bíblia com o “deus de Abraão,
Isaac e Jacó” — e entre essa divindade protetora
e o seu devoto adorador há uma relação íntima, de
ternura e confiança, em alguns aspectos, compará­
vel, com a que existiu entre Jeová e os patriarcas.
A literatura da Mesopotâmia, assim como a sua
religião e o seu direito, contaminaram também todo
o mundo ocidental. Temas que figuram nos capítulos
iniciais do Gênesis — a Criação, o Paraíso, o Di­
lúvio, a rivalidade de Caim e Abel, e a Torre de
tos inumeráveis da fantasia pagã e até mitos inteiros Babel — todos têm antecedentes literários na Meso­
entraram na literatura do judaísmo e do cristianis­ potâmia. No Livro dos Salmos, muitos dentre êles
mo”. Por exemplo, o rito do batismo — diz êle *— lembram hinos do culto mesopotâmico, e o Livro
remonta às religiões da Mesopotâmia, como tam­ das Lamentações copia um dos motes literários mais
bém muitos dos elementos na história da vida de cultivados pelos escritores mesopotãmicos — na
Cristo. Entre êstes o Dr. Albright inclui a sua con­ Suméria erã comum se comporem lamentações for­
cepção por uma virgem, o seu nascimento relacio­ mais sôbre a destruição de uma cidade. Nas coleções
nado com os astros, e os temas da prisão, da morte, sumerianas de brocardos, máximas e adágios, há
descida aos infernos, o desaparecimento por três dias também antecedentes estilísticos para o Livro dos
e posterior ascensão aos céus. Provérbios. Mesmo ao Cântico dos Cânticos, de
A religião mesopotâmica era, sem dúvida, pagã Salomão, o livro diferente de quaisquer outros do
e politeísta, e portanto um profundo abismo espiri­ Velho Testamento pode ser atribuído um precedente
tual a separa do monoteísmo judaico e cristão. Além da Mesopotâmia, com os cantos de amor do culto
disso, tanto o Velho como o Nôvo Testamento se sumçriano.
impregnam de uma sensibilidade ética e de um A literatura grega mostra igualmente inumeráveis
fervor moral que não encontram correspondência indícios da influência mesopotâmica. A história
161
mesopotâmica do dilúvio, por exemplo, corresponde (um) instrumento de três cordas que desafoga o
na mitologia grega à história de Deucalião, que coração”, e mais uns dez outros instrumentos musi­
constrói um barco e nêle sobrevive a uma inundação cais não identificados. Os músicos cursavam escolas
que destrói o resto da humanidade. O tema do com­ de preparação e constituíam importante classe pro­
bate ao dragão nos mitos mesopotâmicos encontra fissional na Mesopotâmia, tomando-se alguns altos
equivalência em algumas ficções, como as de Jasão funcionários da córte. Entretanto nada se conhecia
e Héracles, os quais mataram diversos monstros. sôbre a música propriamente dita até há pouco
Pragas lançadas como punição pelos deuses também tempo, quando Arme Darffkom Kilner, da Univer­
figuram na mitologia da Grécia e na da Mesopo- sidade da Califórnia, uma cuneiformista, e Madame
tâmia. E há acentuada semelhança entre o inferno Duchesne-Guillemin, da Universidade de Liège, na
grego e o mesopotâmico, sendo ambos lugares tene­ Bélgica, uma musicóloga, se reuniram para inter­
brosos, separados do reino dos vivos por um rio pretar o contexto de uma inscrição cuneiforme que
sinistro que os mortos atravessavam de barca. Da por 70 anos havia desafiado os estudiosos.
mesma forma, a nênia grega, ou elegia para o A chave principal para o texto da inscrição era
morto, parece ter o seu prenúncio em duas compo­ uma série de números que pareciam referir-se às
sições sumerianas, recentemente traduzidas de uma cordas de um instrumento de nove cordas. Estabe­
inscrição no Museu Pushkin, de Moscou; nelas, um lecido este ponto, descobriu-se que os números eram
poeta mesopotâmico pranteia em linguagem hiper­ dispostos numa progressão que sugeria a afinação
bólica a morte do pai e da esposa. Até a forma da dêsse instrumento, e também se apurou que outras
epopéia grega, que conduziu à criação da Iliada e da notações indicavàm o que parecia serem os interva­
Odisséia, tem analogia com o estilo dos poemas los de uma escala rnusical. As inscrições nessa
épicos da Mesopotâmia. placa de argila, que provàvelmente data de 1500
Na área da literatura grega de cunho instrutivo a.C. mais ou menos, fazem a história da música e da
e edificante os estudiosos também descobriram últi­ teoria musical remontar há mais de um milênio antes
mamente uma série de equivalências mesopotâmicas. das primeiras notações musicais da Grécia quê se
Diversas fábulas de Esopo têm similitude com histó­ conhecem. E, de fato, o primeiro registro na história
rias anteriores da Suméria, e as instruções no alma­ de uma escala musical e de um sistema musical
naque do fazendeiro sumeriano, segundo uma versão coerente.
do século XVIII a.C, parecem-se singularmente com O muito que já se apurou da contribuição meso­
as de Trabalhos e Dias, um manual do lavrador com­ potâmica para a civilização em todos os aspectos
posto, cérea de mil anos depois, pelo poeta grego ainda constitui ínfima fração da sua totalidade; é
Hesíodo. Diversos diálogos sumerianos estão sendo como a parte visível de um iceberg. Não se toma
agora reconstituídos e decifrados, e também êstes fácil pesquisar idéias e técnicas, temas e motivos,
poderão revelar-se como precursores estilísticos de através dos tempos, a fim de se chegar ao seu local
obras-primas como os Diálogos, de Platão. de origem. Os fios de transmissão, tênues como os
Em outro plano, o da música e da teoria musical, de, uma teia de aranha, muitas vêzes escapam ao
a contribuição mesopotâmica é descobrimento ainda olhar e ao espírito que os procuram. Sem dúvida
bem recente. No entanto, já desde muitos anos os novas descobertas virão enriquecer o quadro e tra­
arqueólogos sabiam que a Mesopotâmia tivera ins­ rão certamente muitas surprêsas. Mas o futuro
trumentos musicais, particularmente harpas e liras. poderá tão-só confirmar o que já se patenteia —
Por exemplo. Sir Leonard WooIIey, nas suas esca­ isto é, que a Mesopotâmia, com sua conjugação
vações em Ur, desencavou os remanescentes de nove singularmente feliz de fatores geográficos e gênio
liras e duas harpas. E um hino dedicado ao rei humano, criou uma cultura sem precedente. A terra
Shuigi, de Ur, proclama que o governante sabia entre o Tigre e o Eufrates será sempre considerada
tocar a harpa “a doce lira de três cravelhas,. . . o Berço da Civilização.
162
OBRA-PRIMA SUMERIANA, esta elegante cabeça de mármore estabeleceu um padrão artístico válido até hoje.

PILARES DA CIVILIZAÇÃO
Da profundeza dos milênios, o Berço da Civilização ainda fala ao mundo. Essa
terra, que a irrigação tomou produtiva; permitiu pela primeira vez ao homem
superar o nível da mera subsistência, dando-lhe lazeres para pensar e recursos
para se desenvolver de forma criadora. Das idéias, instituições e técnicas que
ali floresceram é que vieram os principais instrumentos da civilização, posterior­
mente alterados em detalhes, porém não em conceitos básicos. Foi na Meso-
potâmia que se formaram os sistemas de comércio e uma classe de negociantes.
Foi lá também que se criou um sistema prático de escrita, empregado de início
para o assentamento dos negócios. Foram os sumérios que idearam o primeiro
veículo de rodas, o código de leis escritas, o legislativo bicameral e o govêmo
por cidadãos eleitos. E um poema sumeriano fêz a primeira alusão a uma idade
de ouro que ainda hoje inspira os sonhos do homem: “Um tempo em que não
havia serpente, não havia escorpião... Não havia mêdo, nem havia terror.”
163
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TEXTO DA «ÍB U A EM HEBRAICO. SÉCULO XV

PLACA COM ASSENTAMENTOS CONTÁBEIS EM


CUNEIFORME. 1980 AC.

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A PALAVRA ESCRITA SÍMBOLOS E NÚMEROS PERFURADOS PARA CÁLCULOS DE COMPUTADOR. 1967

Mais do que outra qualquer invenção humana,


foi a escrita que tornou possível a civilização.
Quando os pictógrafos cederam lugar ao cimei-
forme sumeriano (acima) e éste, por seu turno,
foi substituído pela escrita alfabética, o homem
conquistou, passo a passo, um poder crescente
de acumular e transmitir o que havia aprendido.
A sociedade ganhou uma história e tomou-se
viável a sistematização dos conhecimentos hu­
manos. Até o século XV a escrita permaneceu
como a arte de uma minoria. Durante a Idade
Média foi ela preservada sobretudo pelos monges
que traçavam primorosamente os manuscritos,
omando-os de iluminuras (à extrema direita).
Mas a partir de 1440 a invenção da imprensa
possibilitou que se divulgassem obras escritas.
Com a imprensa veio a alfabetização em massa '
e um grande surto de publicações; em 1900 já |
havia jornais com um milhão de exemplares |
diários. Na década de 1960, mesmo com 400.000
publicações novas surgindo anuahnente, uma nova
espécie de impressão (centro), legível aos olhos
eletrônicos dos computadores, está capacitando
o homem a registrar mais conhecimentos do que
poderiam sonhar os escribas da Suméria.

LETRAS A MÃO EM ESTILO MODERNO, TEXTO DA BÍBLIA EM FRANCÊS, 1961


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ftcnacoCfnt.hçcuitaluid huHc aductfuNi «dwUfttmítfmft McdWnfcbww
' IMituem dicinir cit muncfo I <<ffUef«iitífcfüfHtwntnfflilfDenu)
ittiiifQuain c*br.«il^m >»afB*6>etf«it*àçinif fWwHfintfexmu '
ttAfnimtmo t|u*m [q)v*<çr*tflmtt^mf! lanr n<i«feft#ta»h#teh«m Pwutta6>rt«
^aittrwuKit Apnri ln.*femjftnaitil jHiTifl ^ p*\«f «tu<4iii< %it# en\C‘» hOIhiT
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tlomamif et pnFciUâ «mvuUnlU''. dfiuftuti* I in a fatie tt»f tl llfciitt cimtitf Mntimtrf
•• fed tjtfccyi rvrOpHccal libcrtfl inflenlfittw [ mt& Am*'X:;itttnndnsii4tiO»iifeiofcim?
^olrinlíicrtâquf Iwnutiir tt pondu*«,r IDcafeni^^rt^^uifitfilW ih irtfuríH-tftíui :’(ft

A boihutn iànttnispoputa fuo utfttmiw df-


MW&imwMtjiXjf imrf. ntiridi ftnmilum
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-it*itufutnuflanc''.inmüTidoutdblit «]»i [«wâit fr fet m tlifeulio tnttttüintrf «ntflirhâ '
fi'^rcwnimda n radtua coiïtonnrtm «* “ tientiH faettt !en fiiii-Îtimmitos ctufnŒ
Itftftt fi Atl utdini diCm ubi lihotrtd fït|uttiab>*ttticfert Quuf centranfeonm
.z I— I ufucroranvnoTaffîimiuf ril cfonimur lemictum vunifumanemcl’ VpP
iy a P l T P r v ’A (I |1I ismftirt'^ diipU'tiifeulrae.' ilHtâ ficitf fpi
-N lM l PR .E S D IT E R l iN N A V M <c«mpicttv»mttr |W cemimium

ALIX SE PT EGLISES D'ASIE . ^fV O PH E I - pintei* pet&mwm to»tFitmtt»iiji

GRACE K l PAIX VOUS SOIENT DONNEES PAR


•U csr, H Cu\lr cr 11 vlcnr ", pAr les sept Esprits-
prscnms cicwcnt son ttpnc, ; a pvrjcsus CKrist,
le tPmoin fletôle, le ptxmla^c d'cmrc les mores,
le Prince des reis de Uterre. 11 nousAImc et nous
A lAVXS de nos péchés pv\r son SAT^ o i l Aturde 7

BroLIA MANUSCRITA EM LATIM, ITALIA 1478


MODÉLO DE CARRO. PRIMEIRA FASE SUMERlANA

CARROCOMPRIMITIVAS RODASRAIADAS, DECORAÇÃODELMVASOÜRLGO, 550 A.C,

ARODA
No Quarto Milênio a.C., algum hábil artífice da
Suméria construiu o primeiro veículo de rodas
que se conhece, provàvelmente bem parecido com '
o pequeno modelo acima, feito como uma ofe­
renda funerária. A roda sumeriana de madeira j
inteiriça, o maior invento mecânico dê tôdas as |
épocas, permaneceu durante séculos inalterada em j
sua essência. Cêrca de 1900 anos depois, rodas
com raios, mais leves, levavam à batalha os
carros de guerra egípcios ^^o alto, ao centro),
e na Idade Média rodas dianteiras, girando sôbre
eixos, fizeram manobráveis os carros (direita).
Veículos de rodas agora já se moviam mais de­
pressa, porém não eram bastante velozes e bara­
tos para satisfazer aos reclamos da Revolução
Industrial. A solução, que surgiu em 1804. foi
a locomotiva a vapor com rodas de ferro, que
transportava com rapidez cargas 15 vêzes maio­
res do que as dos carroções de tração animal.
Ficou assegurada, assim, a movimentação de pes­
soas e bens. Mas o êxito maior alcançado pela
roda veio no século XX. Então, com pneumáticos
de borracha, ela inaugurou a era do automóvel. I
CARRUAGEMMEDIEVAL. FRANÇA, SÉCULOXIII
DE COMBATE EGÍPCIO. SEGUNDO MILÊNIO A.C.

%-

' . ít.j

CARRINHODEBEBE,ESTADOSUNIDOS, FIMDOSÉCULOXIX MODELOFORD, 1908

LOCOMOTIVA, INGLATERRA, 1861


TOUCADODARAINHASHUDU-AD, SUMERIA, TERCEIROMILENIOA.C.

OCONCEITO
DAREALEZA
A princípio, os governantes sumerianos foram
cidadãos preeminentes, eleitos para guiar o seu
povo em tempo de crise. Mas logo êsses chefes
democráticos se transformaram em monarcas
hereditários que exerciam o mando com aprova­
ção divina, estabelecendo um modélo para os
séculos que se seguiriam. Alguns dos seus suces­
sores, como Alexandre, o Grande, da Grécia, e
Xapur II, da Pérsia, realmente se consideravam
deuses; outros, como o legendário Rei Artur, jul­
gavam ser apenas vigários do Senhor; Luís XIV,
da França, com a concepção do absolutismo,
via os reis “ocupando, por assim dizer, o lugar
de Deus”. Entretanto, até os monarcas “abso­
lutos” tinham de observar as leis consuetudinárias
do seu país. Elizabeth I, da Inglaterra, assim o
fêz, mui argutamente, e conquistou o amor do seu
povo; Carlos I não o fêz, e perdeu a cabeça. Com
a ascensão do regime democrático, declinaram
as monarquias que não puderam se adaptar; em
1945, a Europa contava apenas dez reis. E com
as democracias vieram, uma vez mais, os gover­
nantes escolhidos não por sua linhagem, mas pelo
mérito, eleitos para específicos deveres de lide­
rança, e por períodos variáveis mas limitados.

CABEÇADEUMREI PERSA(PRESUME-SE QUESEJAXAPURII), QUARTOSÉCULOA.C.


REI ARTUR, TAPEÇARIAFRANCESADOSÉCULOXIV RLI LUÍS XIV, DAFRANÇA. PINTADOPORHYACINTHE RIGAUD, 1701
HAMURABI RECEBENDO DE UM DEUS O SEU CODIGO. ESTELA.
SÉCULOXVmA.C.

A BALANÇA DA JUSTIÇA. AFRÈSCo DE LORENZETTI. 1338-1339


UMASOCIEDADEDELEIS
Uni lanço de diorito negro, desenterrado em
1901, é o primeiro grande monumento ao contí­
nuo esforço do homem em busca de justiça. Nêle
está inscrito o código do Rei Hamurábi, de Babi­
lônia {acima) — uma enumeração de crimes e
penas aplicáveis, as quais pediam, em essência,
olho por ólho, dente por dente. Cinco séculos
depois o Código Mosaico {direita) ainda adotava
essa doutrina cruel. Mas no século VI o Código
de Justiniano já tomava outro rumo, condicio­
nando a punição a um processo regular e esta­
belecendo que todo homem era inocente até se
provar o contrário. Em 1215, os nobres da Ingla­
terra forçaram o Rei João a assinar a Magna
Carta, que reconheceu certos direitos fundamen­
tais, como o de um julgamento imparcial. No
curso dos séculos a lei continuou a evoluir, adap­
tando-se aos novos reclamos da sociedade em
mutação, e foi progredindo desde o Código Na-
poleónico de 1804, que legalizou as reformas da
Revolução Francesa, até às decisões so^bre direi­
tos civis da Carta das Nações Unidas. A procura
da justiça ainda prossegue, tentando cumprir a
promessa feita por Hamurábi: “O oprimido...
lerá os escritos. . . e encontrará o seu direito”.

MOISESCOMASTABUASDALEI. QUADRODEREMBRANDT,
os ADVOGADOS. QUADKO DE HONORÉ DAUMIER, 1854-1856
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APENDICE
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D.C. ioo
200 foi
300

400

•X
dx

800 ’To2
O
O0Ü ’Tc32
ORIENTEEOCIDENTE— 1000
o
1100
CIVILIZAÇÕES Clh
ENTRECRUZADAS 1200
oo
1300
O gráfico à direita destina-se a mostrar
a duração da antiga civilização mesopo- 1400
tâmica e a relacioná-la com outras no oX­
conjunto de culturas “entrecruzadas” cujo w
estudo é feito em volumes desta série. 1500
O gráfico, examinado em confronto com a
cronologia do mundo, capacitará o leitor
a relacionar a antiga cultura da Mesopo- 1600
tâmia com relevantes períodos culturais
noutras regiões da terra.
Nas páginas a seguir há uma enumera­
ção, em ordem cronológica, de aconteci­ 1700
mentos notáveis que ocorreram no período
apreciado neste livro.

1800
C
Lh
c3

Pc^
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1000 'S
CRONOLOGIA: Acontecimentos significativos na antiga Mesopotamia
Ac. História
O
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O S H
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Agricultores do norte emigram p^-a o sul e se estabelecem na região que


4*01’ se estende de Babilónia ao gôíio Pérsico

5^

Nômades semitas da Síria e da península da Arábia invadem o território da


Mesopotámia meridional e mesclam-se com a população ubaitüma

Os sumérios estabelecem-se às margens do Eufrates, provavelmente depois


de emigrarem da Asia Central através do Ira

Assembléias democráticas ^ çedem lugar a moiwqmas de autoridade limitada,


que depois se tomam hereditárias

Kish toma-se a cidade predominante da Suméria no reinado dc Etana

Meskiaggasher funda a primeira dinastia sumeriana de Erech, rivalizando com

Gilgamesh, herói de legendas sumerianas, governa como rei de Erech

A breve dominação da Suméria pelos elamitas é liquidada pelo Rei


LugaJannemundu, de Adab, que une as cidades-estados sumerianas

As cidades-estados da Suméria lutam pela hegemonia num período de 200 anos

O Rei Eannatum ergue a cidade estado de Lagash ao auge do poder por meio
de conquistas militares
O Rei Lugalzaggessi, de Umma, pÕe abaixo a hegemonia de Lagash
Sargão, o Grande, dc Acad, vence Lugalzaggessi e assume o controle de Ufnma
Naram-Sin, neto de Sargão, estende o domínio acádico à Armênia e ao Irã

Gutianos do Irã conquistam a Suméria e destroem Agade


Lagash, sob o goVemo do Príncipe Gudea, prospera, não obstante a dominação
gunana
Utuhegal, rei de Erech. derruba os gutianos
Ur-Nammu funda a terceira dinastia sumeriana de Ur
Cultura
O povo de Knrim Shahir, pequena localidade campestre nos contrrfortes da
serra de Z agros, começa a cultivar trigo e cevada nativos e dom estica carneiros
e cães. iniciando a mudança d&ruma sociedade de mera coleta de alimentos
para a da sua produção
Em Jarmo. nos contrafortes de Zaj?ros, imia das mms anligas povoaçÕes de
caráter permanente que se conhecqn, os habitâtes constroem casas de carro
cru, plantam trigo e criam cabras, carneiros e porcos
A .cultura de Hassima introduz irrigação, cerâmica e moratüas de caráter
permanente
A cultura h^afima domina a Mesopot^nia por 1000 anos e desenvolve o 5000
comércio desde o gólfo Pérsico até o Meíhterrmeo

por 1000 Mios


Um pequeno templo em Eridu contém o primeiro exemplo de uma mesa de
oferenda e imi nicho para ciüto religioso

Selos cilínthicos são usados para mMcar a propriedade de documentos e vasos


O templo setentrion^ de Tepe Gawra é constnüdo com paredes externas providas
de pÜMes, iMiçMido o estilo pMa os templos posteriores
Um templo em Eridu, o niMs Mitigo precm^or do zigurate, é construido sôbre
uma pequena plat^orma
Os sumérios introduzem pictógrrfos, imia forma primitiva de escrita, para
possibilitar assentMnentos achninistrativos
^^u l^res começam a fazer estátuas coin três dimensões, como a cabeça de

O tradicional formato do zigurate surge no Templo BrMico, que inclm imia


escadaria de acesso
Mosaicos coloridc. __ __ .
como 0 Templo Pintado em Tell Uqair

Os primeiros contratos formais para vendas de terras são escritos em cunéiforme

“Estátuas em Prece”, de Eshnunna (Tell Asmar), indicam o uso de técnicas


expressionistas «para mostrar sentimento religioso
O / ‘Padrão, de Ur”, uma placa com incrustações comemorando guerra e paz,
estátuas religiosas e muitos artefatos de ouro e prata são sepultados nos túmulos
deUr

Sargão constrói Agade, a sua magnificente capital acádica

udca, príncipe
agníficas estátuias são teitas em sua honra
deus - lua Naima e também estatui
Os edamitas aiacatn c desiroem Ur

Os c o n ta s do deserto da Síria conquistam a Sumérja


O xeique ^ o rita Siunuabiun íimda a primeira dinastia em Babilônia

H ^ m áb i sobe ao trono de Babilônia


O Rei Zimriiim, de Mmí, na Síria, toma-se um dos principais adversários de
H^mábi
H ^ m áb i coloca sob seu controle â mmor parte da Mesopotàmia

O fim da (finastia de Hammábi é marcado por invasões de hititas \dndos


cia Tmqma
Aproveitmdo-se da destnüção infligida pelos hititas, cassitas dos montes
Zagros assiunem o contrôle de Babilônia nos quatro séciüos subseqüentes
A Assíria é conqmstada por hiunmos da Anatóiia

O Rei Kiuigalzu ascende ao trono babilónico

Nebuchadrezzar I expulsa de Babilônia os elamitas


O* babilônios invadem a Assíria, mas são batidos antes de atingirem Assur,
a capital

O Rei Tiglath-Rleser 1 conduz a Assíria a uma nova era de poderio, expande


a sua iniluência na Ásia Menor e cobra tributo às cidades do litoral
mediterrâneo
Após a morte de Ttglath-Piieser, tribos aramaicas e montanheses do Zagros
rebelam-se e abalam o império assírio

Adadnfrari II conduz a Assíria, após século e meio de declínio, a uma


posição de poderio
800
Salmanasar III ascende ao trono assírio como sucessor do seu pai, Assumasirpal
II, e conquista áreas ricas de ferro e madeira

Tiglath Pileser III chega ao tropo assírio e funda um grande império que se
estende do gôlfo Pérsico as fronteiras do Egito
Sargão II sobe ao trono da Assíria e domina um império em revolta
O filho de Sargão, Senaqueribe, destrói Babilônia
800 O Rei Assurbanipal assume o governo da Assíria, dirigindo um império que
se estende do Nilo ao Cáucaso
Caldeus e medas do Irã avassalam a Assíria, destruindo Nínive e Assur e
implantando o império neobabiiônico
Nebuchadrezzar II governa o império neobabiiônico
Nebuchadrezzar II arrasa Jerusalém e leva os judeus ao cativeiro de Babilônia
Ciro, o Grande, brilhante guerreiro persa, conquista Babilônia
arquitetura da Mesopotàmia declinam

Hamurábi lança o seu código de leis

Baixos-relevos de tijolo cozido aparecem como uma forma dominante de arte


no Templo Karaindasn, em Erech

O Rei Kurigalzu de Babilônia constrói a cidade-fortíficada de


Dur-Kurigalzu, dominada por um altaneiro zigurate

O ferro, introduzido originalmente pelos .hititas, é usado de mmeira considerável


na Assíria para instrumentos e armas

Assumasirpal II, da Assíria, neto de Adachiiraii, edfica uma nova e esplêndida


capital, Çalah (presentemente Nimrud), substitiúndo a velha capital, Assur
Bmxos-relevos da Assíria passam de temas religiosos à glorificação de reis

Es^haddon, filho de Senaqueribe, reconstrói Babilônia

S ^ ã o 11, da Assíria, começa a construção, que iria durar 10 anos, de uma


nova capital em Dur-Shamddn

O ídtimo rei de Babilônia, Nabonidus, reconstrói o zigurate de Ur-Nammu


O m t. i\ívci do solo
PRIMEIRA DINASTIA DE UR
2400-3000 a.C. H H m M H II COMO OS ARQUEOLOGOS
Níveis de edificações

1 A ESTRATIGRAFIA, o estudo das camadas de um lugar,


é a técnica arqueológica mais importante e a fundamental
para recompor o quadro da história. Ela expõe a sequência
dos sucessivos estabelecimentos humanos, construidos uns
sôbre outros, desde as mais velhas camadas, ao fundo, até
às mais recentes, no alto.
Por exemplo, desenterrando a cidade de Ur, na Me-
sopotâmia meridional, os arqueólogos cavaram um poço
com cêrca de vinte metros de profundidade, atingindo a
um solo imperturbado por atividade humana e expondo
acima dai uma seção (gráfico à esquerda) que represen­
tava uns 25 séculos de civilização. No mais baixo nível
de habitação êles encontraram vestígios de cabanas feitas
de caniço, moradias de um povo pré-histórico conhecido
como os ubaidianos. Acima dessa camada havia uma outra
de areia, com quase quatro metros de espessura, deposi­
tada por uma grande enchente do Tigre e do Eufrates,
catástrofe ao que parece recordada na história bíblica do
Dilúvio. Só alguns dos ubaidianos devem ter sobrevivido
JEMDET NASR-UBAIDIII à inundação, e posteriormente implantaram-se no lugar duas
Cjtizos com restos de forno outras culturas. JPor cima dos artefatos de todos êsses povos
para (ijotos e urna jazem as casas em escombros, os templos e túmulos dos
profusão de cacos de cerâmica
Cl. sumérios.
O poço cavado em Ur, como todo testemunho es-
tratigráfico, fornece aos estudiosos uma acurada sequência
Louça de Jemdet Nasr de acontecimentos. Contudo, para obter a idade certa do
3000-3200 a.C.
estrato, devem os arqueólogos estudar os achados ali feitos.
Dois métodos para isso são descritos na página em frente.
<A>K/C ’ Î, Î4
Artigos de Erech
3200-3800 a.C.

Cerâmica ubaidiana
3800-4500 a.C.

'v ^
■■

Areia depositada por inundação

Rebotalhos e remanescentes
de habitações rudimentares

UBAID 1
4500-4900 a.C.
Lôdo com cacos esparsos

Solo virgem:
argila compacta e caniços
do pântano

i
DETERMINAM A IDADE DE
LUGARES E ACHADOS

o CARBONO 14, com a verificação da sua idade, permite


aos estudiosos determinar a época de objetos perteneentes
a culturas que não deixaram registros escritos. Essa técnica
baseia-se no fato de que todos os organismos vivos, tanto
plantas como animais, absorvem radioatividade e a des­
prendem depois que morrem. A perda da radioatividade
nos organismos mortos obedece a um índice que está fixa­
do. Assim, os ossos de um animal pré-histórico, enquanto
este era vivo, continham um conhecido número de átomos
de carbono 14 radioativo, simbolizado pelos pontos negros
no esqueleto mais próximo, à direita. Mas, como revela o
esqueleto à extrema direita, metade desses átomos perdeu
sua radioatividade 5.600 anos após a morte do homem.
Pela contagem dos átomos restantes, os cientistas podem
estabelecer quando morreu o organismo. Na Mesopotâmia,
a técnica forneceu datas para as primeiras aldeias agrícolas,
e também para figuras tão importantes como Hamurábi,
o governante e legislador de Babilônia.

A AN ALISE DA CERÂMICA tem ajudado os arqueólogos


a deduzir a história da Mesopotâmia. Em Ur, uma fábrica
de cerâmica esteve em contínuo funcionamento por mais
Je mil anos e o poço cavado no local atravessou um pátio
onde os oleiros jogavam fora louça defeituosa. Esses cacos,
largados ali através de sécutos, correspondem a três estilos
diferentes de cerâmica, mostrados no esboço â esquerda.
A espécie encontrada logo acima do nível da grande
inundação era de louça ubaidiana. Tal cerâmica era tornea­
da a mão e decorada com desenhos geométricos. Grandes
quantidades dela foram desenterradas abaixo do nível da
inundação, mas só um pouco acima desse nível; isso levou
os arqueólogos a concluírem que poucos dos primeiros ha­
bitantes do lugar sobreviveram à inundação, não podendo
resistir ao povo que a seguir ali se estabeleceu, povo repre­
sentado pelo nível seguinte de cerâmica. Esses invasores,
a gente de Erech, faziam uma louça que em geral era mais
simples na forma e modelada em rodas de oleiro. A cultura
de Erech, por sua vez, cedeu lugar ao povo de Jemdet
Nasr, cujas jarras bem cozidas ao fogo aparecem na camada
seguinte.
Relacionando êsses estilos com os de peças similares
encontradas noutros locais e cujas datas já eram conhecidas,
os arqueólogos apuraram que a cerâmica ubaidiana foi
feita aproximadamente entre 4500 e 3800 a.C., a de Erech
entre 3800 e 3200 e a de Jemdet Nasr entre 3200 e 3000.
Essas datas, naturalmente, não se aplicam só à cerâmica,
mas também a todos os outros artefatos naqueles níveis.
REGISTRO DAS ILUSTRAÇÕES
São apresentadas abaixo as indicações de fonte para a direita são separadas por ponto-e-virgula,
referentes às ilustrações em “O Berço da Civi­ as de alto a baixo por travessão. Os nomes dos
lização”. Estão incluídas notas descritivas sôbr' fotógrafos que acompanham as notas descritivas
tôdas as obras de arte. A s indicações que dizem aparecem entre parênteses. “Cerca de “ é abreviado
respeito às estampas em posição da esquerda

Estatuetas votivas do templo Abu, em Tell Asmar, gesso, concha lazúli, primeira fase do Quarto Milênio a.C., Museu do Louvre, Paris
pis-lazúli, começos do Terceiro Milénio a.C., Museu do Iraque, (Archives Photographiques, Paris) — placas feitas e inscritas por
iá (Dr. Georg Gerster, de Rapho Guillumette). 8-9 — Mapa por Abdul-Hadi A. Al-Fouadi, Universidade de Pensilvânia, Filadélfia (Lee
Leo e Diane Dillon (Ed Isaacs Studio Inc.). Boltin). 138-139 — Placas feitas e inscritas por Abdul-Hadi A. Al-Foua-
di. Universidade da Pensilvânia, Filadélfia (Lee Boltin). 140 — Placa
CAPÍTULO 1: 10 — Figura feminina de Nippur, alabastro verde e com o mapa do mundo babilónico, meado do Primeiro Milênio a.C.,
ouro, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., Museu do Iraque, Bagdá gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres — Peso
David Lees). 19-31 — Dr. Georg Gerster, de Rapho Guillumette. em forma de pato, pedra negra, fim do Terceiro Milêniò a.C., Museu
do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Munique) — cilindro neo-
CAPÍTULO 2: 32 — Cabeça de um rei acádico, fim do Terceiro Milênio babilônico, meado do Primeiro Milênio a.C., gentileza dos Curadores
a.C., Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotom-chiv, Munique). 34-35 do Museu Britânico, Londres — estátua masculina com inscrições, de
Desenhos por Shelly Sacks. 39 — Desenho por Donald e Ann Crews, Mari, brecha, começos do Terceiro Milênio a.C., Museu de Alepo,
do acordo com a Placa 21B no vol. 1 de Uma História da Tecno­ Síria (Hirmer Fotoarchiv, Munique). 141 — Placa de Contabilidade,
logia, Imprensa da Universidade do Oxford, gentileza do University primeira fase do Terceiro Milênio a.C., Museu do Iraque, Bagdá
Museum, Filadélfia. 40 — Mapa, de Rrfael D. Palacios. 43-51 — (Fr^ik Scherschel) — Placa com indicações farmacêuticas, fins do
“Padrão Real de Ur”, fachada e fimdo, e detalheS. concha, lápis- Terceiro Milênio a.C., gentileza do Museu da Universidade, Fi­
lazúli e pedra vermelha embutidas em madeira, começo do Terceiro ladélfia. 142-143 — Fotografias feitas pelo Professor Georgc C.
Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Britânico, Londres. Cameron.
CAPÍTULO 3: 52 — Gênio com cabeça de águia, do palácio do Rei CAPÍTULO 7: 144 — Painel na parte da frente de uma caixa sonora
Assumasirpal n, em Nimrud, friso de alabastro, comêço do Pri­ de hmpa, concha incrustada e esmalte, primeira fase do Terceiro
meiro Milênio a.C., Museu do Louvre, Pmis (Hirmer Fotom'chiv.
Milênio a.C., Museu da Universidade, Filadélfia (Lee Boltin). 151
Munique). 60-61 — Mapas, de autoria de Rrfael D. Palacios. 65-83 — — Dçsenho feito por Gamai El-Zoghby. 155 — Leão do Caminho
Cenas decorativas, tôdas, do palácio do Rei Assurb^iipal, em Ní-
da Procissão em Babilônia, tijolo vitrificado, meado do Primeiro
nive; frisos de alabastro, princípios do Primeiro Milênio a.C., gen­
Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fletcher Fund, 1931,
tileza dos Curadores do Museu Britmiico, Londres. 65-66 — Foto-
Nova Iorque (Lee Boltin). 156-163 — Pintura de Gamai El-Zoghby.
g r ^ a do Hirmer Fotoarchiv, Munique. 67 — Fo to g r^a, gentileza do
Museu Britânico, Londres — foto feito por Hirmer Fotom'chiv, Mu­ CAPÍTULO 8: 164 — “A Tôrre de Babel”, de O Livro das Horas do
nique. 70-71 — Fotografia, gentileza do Museu Britmiico, Lonches. Duque de Bedford, autoria de artista ignorado, manuscrito, 1425-1430,
72-73 — Fotografia do Hirmer Fotom'chiv; Munique — Foto por gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres (Heinz Zinram).
gentileza do Museu Britânico, Lonches. 74-75 — F o to g r^ a por 167 — Desenho de Donald e Ann Crews. 169 — Cabeça elamita,
gentileza do Museu Britânico, Loncfres. 78-83 — Fotos, por Hirmer cobre, fins do Segundo Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte,
Fotoarchiv, Munique.
Fundo Rogers, 1947, Nova Iorque. 171 — ‘A Dama de Warka”, fins
CAPÍTULO 4: 84 — Figuras votivas de Tell Asmar, pecha tendo conchas do Qumto Milênio a.C., mármore. Museu do Iraque, Bagdá (Frank
embutidas e olhos de lápis-lazúli, primeira fase do Terceiro Milênio Scherschel). 172-173 — Placa com inscrições, primeira fase do Se­
a.C., Instituto Oriental, Chicago, e Museu do Iraque, Bagdá (foto gundo Milênio a.C., .gentileza dos Curadores do Museu Britmiico,
por gentileza do Instituto Oriental, Universidade de Chicago). 87 — Londres; página do H aggad^, Europa Ocidental, ca. 1900 da era
Desenhos feitos por Gamai El-Zoghby, segundo Escavações em Ur, cristã. Museu Judaico, Nova Iorque (Arnold NewmiMi); detalhe de
por Sir Leonard Woolley. 88 — Em duas tomadas, cabeça de mulher uma cópia do Túmulo de Ra’mose, pintura mural, comêço do Segundo
usando turbante, pedra calcária, princípio do Terceiro Milênio a.C., Milênio a.C., Museu Metiopolitmio de Arte, Nova Iorque — título
Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Munique); duas to­ e páginas de abertura de L Apocalipse, gentileza de Joseph Foret,
madas de estatueta de mulher, pedra calcária, começos do Terceiro 1961 (Sabine Weiss, de Rapho Guillumette); página da Bíblia de
Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Britânico, Londres Urbino, vol. II, Attavante degh Attav^iti, m ^uscrito com iluminura,
(Hirmer Fotoarchiv, Munique). 89 — Detalhe de estatueta de mulher 1478, Biblioteca do Vaticano (William J. Sumits). 174-175 — Carro
usando um xale, gêsso, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., de quatro rodas, modêlo em terracota, fim do Quarto Milênio a.C.,
Museu de Damasco, Síria (Hirmer Fotoarchiv, Munique); duas to­ Museu dc Damasco, Síria (David Lees); vaso ático, terracota pin­
madas de estatueta de uma deusa, pedra branca, primeira fase do tada, ca. 550 a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fundo Walter C.
Segundo Milênio a.C., Museu de Alepo, Síria (Hirmer Fotoarchiv, Baker, 1916, Nova Iorque; ladrilho de cerâmica egípcio com desenhe
Munique). 90 — Desenho de Shelly Sacks, segundo esboço de William de carruagem, faiança azul decorada de prelo, meado do Segunde
A. Baker, Curador do Museu Náutico Hart, Instituto de Tecnologia de Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, oferta de J. Pierpon
Massachusetts. 93-103 — Fotos de Tor Eigeland. 95 — Impressão Morgan, 1917, Nova Iorque; “Modêlo T” do carro Ford, Museu Henr
de sinête, fim do Quarto Milênio a.C., gentileza do Instituto Oriental, Ford, Dearborn, Michigan (Bradley Smith) — carrinho de bebé d
Universidade de Chicago. 97 — Detalhe de relêvo em côcho de época vitoriana, vime (Bradley Smith) — cavaleiro e senhor feuda
pedra, primeira fase do em carruagem
Terceiro Milênio a.C., gentileza dosCurado­ de quatro rodas, França, século XIII, Biblioteca Bo­
res do Museu Britânico, Londres. 100 — Impressão de sinête, meados dleian, Oxford (Chanticleer Press) — “Large Bloomer”, F. Moore,
do Terceiro Milênio a.C., cortesia dos Curadores do Museu Bri­ pintura a óleo, 1861, gentileza do Museu de Ciência, Londres (Roge?
tânico, Londres. Wood). 176 — Toucado da Rainha Shudu-ad, ouro, lápis-lazúli e pedr.
vermelha, começos do Terceiro Milênio a.C., Museu da Universidade
CAPÍTULO 5: 104 — Figura religiosa da Suméria, ouro, prata, concha, Filadélfia (Lee Boltin); máscara de um rei aqueu de Micenas, ouro,
lazulita e calcário vermelho, meados do Terceiro Milênio a.C., genti­ ca. 1580 a.C., Museu Nacional, Atenas (Eliot Elisofon) — busto
leza do Museu da Universidade, Filadélfia (Lee Boltin). 106-107 — de um rei sassânida (possivelmente Xapur II), prata folheada, século
Gravuras em madeira de Nicholas Fasciano (Donald Miller). I l l — IV a.C., Museu Metropolitano de Arte, Fundo Fletcher, 1965. 177 — |
ídojo-ôlho, de Tell Brak, alabastro, fim do Quarto Milênio a.C , Rei Artur com Três Cardeais, da “Tapeçarias dos Nove Heróis”, pro­
gentileza dos Curadores do Museu Britânico, Londres, kl 5-124 — vavelmente por Nicolás Bataille, ca. 1385, Museu Metropolitano de |
Ilustrações de Leo e Diane Dillon. Arte, Coleção Cloisters, Fundo Munsey, 1932, oferta de John D.
Rockfeller; “Jovem Elizabeth”, Guillem Stretes, pintura a óleo (ca.
CAPÍTULO 6: 124 — Estátua sentada de Gudea, diorito, fim do Ter­ 1559), gentileza do Conde de Warwick (Dimitri Kessel) — “Luís
ceiro Milênio a.C., Museu Metropolitano de Arte, Harris Brisbane XIV, Rei de França”, Hyacinthe Rigaud, pintura a óleo, 1701, Museu
Dick Fund, 1959 (Norman Snyder). 126 — Major-General Sir Henry do Louvre, Paris (Eddy van der Veen). 178 — Detalhe do Código de
Creswicke Rawlinson, H. W. Philips, “mezzotinto” do retrato origi­ Hamurábi, esteia de diorito, começos do Segundo Milênio a.C., Museu
nal, 1850, gentileza de Thames and Hudson, Ltd., Londres. 131 — Es­ do Louvre, Paris (Cliché Musées Nationaux); detalhe de “Alegoria
tatueta de Dudu, o Escriba, primeira fase do Terceiro Milênio a.C., do Bom Govêmo”, Ambrogio Lorenzetti, afrêsco, 1338-1339, Palazzo
pedra cinzenta. Museu do Iraque, Bagdá (Hirmer Fotoarchiv, Mu­ Puibblico, Siena (Scala, Florença) — “Moisés”, Rembrandt van Rijn,
nique). 135 — Cenas do palácio do Rei Tiglath Pileser III em pintura a óleo, 1659, Museu Staatliches, Berlim (Mondadori, Milão),
Nimrud, relêvo de alabastro, meado do Primeiro Milênio a.C., genti­ 179 — “Três Advogados”, Honoré Daumier, pintura a óleo sôbre
leza dos Curadores do Museu Britânico, Londres. 136-137 — Ca­ madeira, 1854-1856, Coleção Philips, Washington (Henry Beville).
beça de touro, bronze com incrustação de conchas e olhos de lápis- 184-185 — Desenhos de Enid Kotschnig.
AGRADECIMENTOS
Pela ajuda que receberam no preparo dêste livro, os editores Instituto de Belas-Artes, Universidade de Nova Iorque; a Robert H.
são especialmente gratos a Thorkild Jacobsen, professor de Assírio- Dyson, Jr., curador-associado, e a Abdul-Hadi A. Al. Fooadi, Museu
logia. Universidade de Harvard. Os editores agradecem também a da Universidade, Universidade de Pensilvânia, Filadélfia; ao Depar­
Vaughn E. Crawford, curador. Departamento de Arte do Antigo tamento de Antiguidades da Ásia Ocidental, Museu Britânico, Lon­
Oriente Próximo, Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque; a dres; a André Parrot, conservador-chefe do Departamento de Anti­
Robert McC. Adams, diretor, Richard Haines, professor-assistente e guidades Orientais, Museu do Louvre, Paris; a Germaine Tureau,
arquiteto de campo, e a Ethel M. Schenk, do Instituto Oriental, Uni­ chefe da Seção Comercial do Serviço Fotográfico dos Musées Na­
versidade de Chicago; a George G. Cameron, professor de Culturas tionaux; a Hirmer Verlag, Munique; a Cario Pietrangeli, superinten­
do Oriente Próximo, chefe do Departamento de Línguas e Literaturas dente do Museu Capitolino, Roma; a Maristella Bodino, Companhia
do Oriente Próximo, Universidade de Michigan; a William A. Baker, de Publicidade Mondadori, Milão; a Madhal Haji Sirri, prefeito de
curador. Museu Náutico Hart, Instituto de Tecnologia de Massachu­ Bagdá, Iraque; a Adnan el Attiya, chefe da Seção de Imprensa, Mi­
setts; a Harry Bober, professor de Humanidades da Fundação Avalon, nistério de Informações, Bagdá, Iraque.

BIBEIOGRAFIA
Os volumes e artigos indicados a seguir foram seu interêsse e autoridade, e ainda por sua utili­
escolhidos, durante a preparação dêste livro, pelo dade aos que desejem informações adicionais.

HISTORIA GERAL PMTOt, André, As Artes da Humanidade, vol. I, Suméria: A Aurora


da Arte, vol. II; As Artes da Assíria. Tradução de Stuart Gilbert
Adams, Robert M., A Origem das Cidades, Scientific American, se­ e James Emmons, Golden Press, 1961.
tembro, 1960. Strommenger, Eva, 5000 Anos da Arte da Mesopotâmia. Tradução de
Beek, Martin K., Atlas daMesopotâmia, Thomas Nelson and Sons, Christina Haglund, Harry N. Abrams, 1964.
1962. Wooley, Leonard, A Arie do Oriente Médio, Crown Publishers, 1961.
Braidwood, Robert J., A Revolução Agrícola, Scientific AmericMi,
setembro, 1960. RELIGIÃO, FILOSOFIA E LITERATURA
■‘História Antiga de Cambridge”, Fascículos n.°® 1-59. Rev. ed. Vols.
I e II, Imprensa da Universidade de Cambridge. Albright, William Foxwell, Da Idade da Pedra ao Cristianismo, Dou­
Hannery, Kent V., A Ecologia da Primitiva Produção de Alimentos bleday Anchor Books, 1957.
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Frankfort, Henri, O Nascimento da Civilização no Oriente Próximo, prensa da Universidade de Chicago, 1946.
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Hole, Frank, Investigando as Origens da Civilização Mesopotâmica, Velho Testamento, Imprensa da Universidade de Chicago, 1949.
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Jacobsen, Thorkild, A Lista dos Reis Sumerianos, imprensa da Uni­ A História Começa na Suméria. Doubleday Anchor Books, 1959.
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Urbanização e Desenvolvimento Cultural no Oriente Próximo, Im­ Pritchm-d J ^ e s B., editor. Textos do Antigo Oriente Próximo Relacio­
prensa da Universidade de Chicago, 1960. nados com o Velho Testamento, Imprensa da Universidade de
Kramer, Samuel Noah: Princeton, 1955,
Os Sumérios, Scientific American, outubro de 1957.
Os Sumérios, Imprensa da Universidade de Chicago, 1963. ARQUEOLOGIA
Luckenbill, D.D., Antigos Registros da Assíria e Babilônia, 2 vols..
Imprensa da Universidade de Chicago, 1926.
Macqueen, James G., Babilonict, Frederick A. Praeger, 1965. Braidwood, Robert J., Arqueólogos e o que Pies Fazem, Franklin
Mallowan, M.E.L., A Mesopotâmia e o Irã Primitivos, McGraw­ Watts, 1960.
C^neron, George C., A História de Dano Gravada na Rocha Imu­
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A Vida Quotidiana em Babilônia e Assíria, G.P. Putnam’s Johns, Londres, Macmillan & Co., 1914.
Sons, 1965. Layard A., H. Nínive e Seus Remanescentes, 2 vols. G.P. Puta^n
A Grandeza que Foi Babilônia, Hawthorn Books, 1966. 1849
Woolley, Leonard:
Speiser, E. A., editor. Ao Alvorecer da Civilização, Imprensa da Uni­
versidade Rutgers^ 1964. Desenterrando o Passado, Penguin Books, 1963
Thesiger Wilfred, Os Arabes do Pântano, E.P. Dutton, 1964. Escavações em Ur, Bames & Noble, 1963
Escavações em Ur, vols. II e V, Imprensa da Universidade de
Oxford, 1939.
ARTE E ARQUITETURA
ESCRITA E TECNOLOGIA
Badawy, Alexander Arquitetura no Antigo Egito e Oriente Próximo.
Instituto de Tecnologia de Massachusetts, 1966.
Frankfort, Henri; Diringer, David, Escrita, Frederick A. Praeger, 1962.
A Arte e a Arquitetura do Antigo Oriente, 3a. ed.. Penguin Books, Forbes, R.J. Estudos na Tecnologia Antiga, 9 vols., Leiden, E.J. Brill,
1963. 1955-196$
Selos Cilíndricos, Gregg Press, 1965. Gelb, L.J., Um Estudo da Escrita, Imprensa da Universidade de
Giedion, S., O Eterno Presente: Os Começos da Arquitetura, Pantheon Chicago, 1952.
Books, 1964. Singer, Charles, edit. Uma História da Tecnologia, vol. 1: Dos Tem­
Lloyd, Seton, A Arte do Antigo Oriente Próximo, Frederick A. Prae­ pos Primitivos A Queda dos Impérios Antigos', Imprensa da
ger, 1961. Universidade de Oxford, 1965.
INDICE REMISSIVO 64, 159, 162; desbuição de, 63- 46-47; egípcio, 62; mercadores,
64, 78; Esagila, templo, 114; es­ 91, 171; estradas, 18, 90; Su­
cavações, 12, 149, 155-163; j^-- méria, 49; negociantes, 89, 90-
dins suspensos, 64, portão de 91: transporte por água (galeras
IshtM-, 114, 758-159; mapa 9, e barcos a remo), 90
60, 61; Festival do Ano Nôvo, Costumes, 84
113-114; Torre de Babel, 64, Criação do céu e da terra, 106-
MAPAS NESTE VOLUME 156-157, 162-163 107, 109, 168;Enuma-EIish,
Bagdá, 12, 18, 33, 37, 54, 57, 147, epopéia, 113-114; mito, 116-117
\55;m apa9 Culturas: gráfico cronológico, 56
Uma placa mostrando locais e cidades Batalhas, 86; em sorte, 43, 350, Cunéiforme, escrita, 12, 42, 57,
do Berço da Civilização 8- 152; da Assúia, 78-81; sume- 91, 92, 137, 166, 172; decifra­
Suméria e Acad 4. ría nas 43, 50-51 ção, 22)^125-128, 142; evolução,
Behistun, Rocha de, 125, 126-127, 128, 138-139, 141; difusão, 128-
O Império Babilónico 142-143
No 129; rocha de Behistun, 125,
O Oriente Próximo em Desunião Betuno, 98, 99, 150, 153 126-127,142-143; tipos, 124,
O Império Assírio °Í Biblas, 58; mapa 8, 61 126,127-129,140-141. Ver tam­
Império Neobabilônico Bois, 13, 15, 18, 44-45, 53, 117, bém Placas de argila
128, 136, 137, 144, 145 Curdistão, 13, 125
Borsippa, 114; mapa 40
Braichwood, Robert L, escava­
ções, 13-15 D
17, 19-20, 91, 92; to-atmnento de Brejos, 13, 33, 93. Ver tmnbém
P&itmios D^nasco, 61, 62; mapa 61
mtefatos, 27-29; uso de c ^ a -
A-anne-pad-da, rei, 149 Búfalo aquático, 93, 94, 95,102 Dmío, rei persa, 126,142; inscri­
ra volante 30-31
Abraão^ 166. 169 Bumaburiash, rei, 57 ções na Rocha de Behistun,
Arquitetura, 11, 145-151, 165; Ba­
Abzu, templo, 109; águas, 113 127-128,142-143
bilônia, 155-163; cidade, 85-86.
Acad, 38, 62; mapa 9; no Terceiro Desenvolvimento urbano, 11, 13,
Ver também Casas, Palácios, 15-17, 85. Ver também Cida­
Milênio a.C., mapa 40 Templos, Zigurates des e vilas
Aoádios: conquista da Suméria, Arroz, 98, 99
40-41, 128; cultura, gráfico 56; Cabras, 13,18, 33, 44, 104,153 Deserto da Arábia, mapa 9, 40
Artes, 144-154. Ver tmnbém
escolas, 128-129. Ver também Caça na Assíria, 65-73; pelos ára­ Deserto da Síria, 17, 53; mapa 9,
Frisos; Incrustação; Mosaicos; 40, 60; nômades do, 35
Línguas; acádico Cerâmica; Relevos; Escultura; bes do p^tm io, 101
Acarcuf, (antiga Dur-Kurigalzu) Calah (moderna Nimrud), 60-61, Deuses e deusas, 10, 11, 89, 132-
Selos; Ladrilho 133; da Assíria, 52, 53, 66, 70,
57 62, ^5, 151; mapa 9, 61
Artesanato e artesãos, 47, 89, 107, 72, 74, 83, 113; da Babilônia,
Adab, cidade-estado, rei de, 38; 744-154 Caldeia e caldeus, 59, 62, 63; con­
mapa 40 quista pela Assíria, 64; cultura, 34, 55, 58, 64, 94, 113-114, 159,
Artur, rei, 176, 777 162; como protetores de cida­
Adadnirari I, rei, 59 grcfico 56
Arvad, 58; mapa 61 de, 36, 86, 107, 108, 109; adivi­
Adivinhação, 132 C alend^o, 37, 131
Ascalon: mapa 61 nhação, 132; do Egito, 57; nm--
Agade, 40, 41, 85; mapa 40 Canais, 35, 36, 39, 48, 63. Ver
Assíria: reino de Assurbanipal, sé­ rativas épicas, 113-1*14; ôlho-
Agricultura, 13, 15, 17, 18; de­ culo VII a.C., mapa 61; con­ também Irrigação
senvolvimento de, 15-18; sume- Cananeus, 129, 166, 167 ídolo, 111; do lar, 36, 90, 153;
quistas de, 63, 64; crueldade Carbono 14, para averiguar datas. mitos, 107-110, 112-113, 116-
riana, 44, 47, 49 nas guerras, 59, 60, 64; cultura,
Akitu, festival, 113-114 17,30, 185 117 118-119, 122; panteón, 37,
gráfico 56; dominação dos cas- Carchemish, mapa 8, 61 55, 106, 110; pessoais, 111, 169;
Alabastro, 11, 62, 150, 151, 152 siías, 56-57, mapa 9; reino de
Albright, W. F., 169 Carneiro, 13, 33, 44, 53, 91, 114, relações com o homem, 110-111,
Assurbanipal, 64-71; reino de 117 145, 147; ritos e festivais em
Alexandre, o Grande, 126, 162, Assumasirpal II, 59, 60, 61; rei­
176 Carros, 57; assírios, 59-62, 66; sua veneração, 36, 92, 104, 112-
no de Esarhaddon, 63-64; reino egípcio, 174, 175; sumeriano, 40, 114, 145, 152; da Suméria (din-
Alimento, 13, 17, 35, 86, 89, 14Í de Sargão II, reino de Senaque- 50-51 gir), 10, 11, 31, 41, 55, 93, 106
145. Ver também Grãos e ce­ ribe, 61-62; reino de Salmana-
reais Casas, 13-15, 18, 19, 55. 85. 91; Dilmun, 109-110
sa^ III, 61; reino de Tiglath Pi- Babilônia, 160, j61, descrição Dingir, deus, 106
Amanas, montes, 40, 64; mapa 8 íeser I, 58-59; reino de Tukulti-
Amoritas, 53, 57; conquista da Su­ do interior, 91-92; Hassuna, 18; Diyala, rio, 141; mapa 9, ^0, 60
Ninurta, 58, 62; relações com árabes do pântano, 94, 96-97; Dumuzi, rei e deus, 37, 112-113
méria, 40, 42, 53-54; mapa 40 o Egito, 57, 62, 63; revoltas, 59,
An, deus, 106, 107, 110, 117, 147 Ur, 57, 184 Dur-Sharrukin (moderna Corsa-
63, 64, 101; ascensão ao poder, bad), 62, 85, 151; escavações,
An-ki, (universo) 105 57-58, 59 Cassitas, Babilônia sob sua domi­
Anatólia, 15, 56, 57, 130, 167; nação, 56-57; mapa 60; preten­ 12, 151; mapa 9, 61
Assur, cidade, 54, 55, 58, 64, 151; sões sôbre a Assíria, 56-57; con­ Dur-Kurigalzu (moderna Acar­
mapa 8 mapa 9, 60, 61, 132
Animais: em arte, 44-45, 65-73, quista de Babilônia, 56-57; cul­ cuf), 57
Assur, deus, 66, 70, 82, 113 tura, gráfico 56; queda, 58;
104, 144, 147, 152; domestica­ Assurbanipal, rei assírio, 64-71, 78,
dos, 13, 15, 11,33,44-45, 47, reis, 57 E
94, 137; produtos, 153-154 79, 82-83, 151; como caçador, Cáucaso, montes, 64, 154
Ammnaki, deuses, 111, 117 65-71; biblioteca, 129; como sa­ Cavalos, 57, 59, 65, 70-71 Eannatum, rei, 38-39
cerdote, 72-73; como guerreiro, Cerâmica, 12, 13, 15, 1 9 ,184-185;
Aquenáton, faraó, 57 Ecbátana, 119; mapa 61
7.8-81 tratamento arqueológico, 28-29,
.:^abes, 78, 79 Edubba (escola), 128-132
Árabes do pântano, 93-103; ca­ Assumasirpal II, rei, 53, 59-60 185; ceramistas, 28, 154; de Sa- Egito, 40, 109, 129; conquista pela
noas, 93, 94-95, 98, 99, 100- Assursharrat, rainha, 83 marra, 18 Assíria, 63; cultura, gráfico 56;
101, 102-103, alimento, 98, 99; Assuruballit, rei, 57
Chipre, 167; mapa 8, 61 hieróglifos, 125, 173; influência
Asü-ologia, 132, 167
aldeias em ilhotas, 94-95; Cidades-estados, 33, 37, 38, 49, 53, da Mesopotâmia, 165-166; mapa
cabanas de caniços, 34, 93, 94, Astronomia, 131, 167
54, 167 60, 61; reino de Aquenáton, 57;
96-97 Cidades e vilas, 11, 13, 15-17, 18, relações com a Assíria, 62, 63
Arameus, 58, 59, 61 B 19, 86-92; apuração da idade, EJam, 58, 166, 169; conquista, 80-
Argila, placas. Ver Placas de ar- 25, 184-185; govêmo, 36-37, 92. 81, 83; mapa 9, 61
gila Babilônia: mapa 9; conquistas, Ver também Desenvolvimento Elamitas, 53, 166; aliança contra
Armas, 47, 59, 60, 152 56-57, 58, 62, 63; cultura, grá­ Urbano. a Assíria, 78; conquistas, 38,
Armênia, 57, 58, 61, 62, 64, 91; fico 56; reino de Hamurábi, sé­ Cilicia, 61; mapa 61 40, 42, 58, 62; cultura, gráfico
mapa 9 culo 18 a.C., mapa 60: reino Ciro, rei persa, 64 56; reis, 81, 82, 169; escrita,
Arqueólogos: atividades em Nip­ de Nebuchadrezzar II, 64, mapa Classes sociais, 88-89, 91 126-127; mapa 40
pur, 22-25; em Ur, 184; datan­ 61; reino de Hamurábi, 54-55; Clima, 11, 13,91 Elburg, montes, mapa 9
do os artefatos, 25, 28, 30, 184- reino de Nabonidus, 64; reino Cobre, 18, 51,60, 91, 149, 151, Elizabeth I, rainha, 176, 177
185; determinando a idade de de Nebuchadrézzar, 54, 155-163; 154, 169 Embarcação, 90, 101, 111; canoas, m
um local habitado, 24; recons­ revoltas contra a Assíria, 63-64 Comércio, 18, 91, 171; assírio, 58, 93, 98, 99, 100, 101, 102-103 ll
trução de cultura e vida, 12, 13, Babilónia, 55, 85; captura, 56, 58, 62; babilónico, 55; caravana, Enki, deus. 106,107, 111, 117.
119; em mitos, 109-110, 112, Gólfo Pérsico, n , 18, 33, 39, 54, Jóias, 12, 15, 18, 47, 86; lapidá- Matemática, 130-132, 167
113 59, 61, 91; mapa 9, 40, 60, 61 rios, 154 Me, leis, 108-109, 113
Enkidu, 120-121, 134 Governo: cidades e vilas, 36-37; Judá, 63 Média, mapa 61
Enlil, deus, 55,106,111,117; mi­ de países, 49, 86, 92, 142, 168 Medicina, estudo e exercício da,
tos, 107-109, 110,122 Grãos e cereais, 13,18, 44, 46, 131-132,141
Erech (moderna Waika), 37, 39, 47, 89-90,91,128,137,152 K Mediterrâneo, mar, 37, 39, 58, 60,
107, 134, 184-185; deusa da ci­ Grécia: influência da Mesopotâ- Kaldu, tribo, 59 62, 90, 91; mapa 8, 60, 61
dade de, 109, 112, 113; escava­ mia na, 167, 168,169 Kmim Ihahir, escavações, 15; Mênfis, 63; mapa 60, 61
ções, 12, 30-31, 40; reis, 37; Grotefend, Georg F., 126, 127 mapa 9 Mercadores. Ver Comércio
templos, 147-152; muralhas, 7-9. Grudea, príncipe, 4 1 ,124, 149, Mes-anni-pad-da, rei, 149
Kmun, rio; mapa 9, 40
Ereshidgal, deusa, 111, 112, 119 151 Khabur, rio, 54; mapa 8, 60 Meskiaggashei, rei, 37
Eridu, 35; deus da cidade de, 108, Guerras, 37, 38, 41, 51, 59, 61. Khrfaje, mapa 9 Mesopotâmia, cidades, 86-92; ci-
109; escavações, 36, 145, 147, Ver também Exércitos; Bata­ Kj, deusa, 117 dades-estados, 33, 37, 38, 49, 53,
150; mapa 9, 40 lhas; Soldados Kish, 35, 37, 38, 40; escavações, 54, 167; como Beiço da Civili­
Esarhaddon, rei, 63-64 Gutianos, conquista da Suméria, zação, 12-13, 18, 64, 165, 170;
40, 41; mapa 40 12, 150, 152; reis, 37, 40; mapa
Escolas (edubba), 129-132; mes­ 9, 40 evolução da cultura rural pm-a
tres-escribas, 131 KolNidre, 168 a urbana, 13-15,17-18,19; le­
Escravos, 49, 87, 88, 89, 92 gado, 164-170; significação na
Escribas, 85-86, 89, 9 1 ,124, 135,
H Koldewey, Robert, escavações em
história, 11, 12; estados e con­
Babilônia, 755-163
136, 137, 149; educação, 129- Halaf, cultura, 18 Knudstad, James E., 22-23 quistas; mapa 8-9, 40, 60-61
131; como professores, 131. Ver Haíys, rio, mapa 60, 61 Kurigalzu, rei, 57 Metais, 18, 47, 91, 130; teaba-
também Cuneiforme; Placas de Hamanu, cidade, 81 Ihadores em, 154
argila Hamurábi, rei, 54-56, 150, 178, Mitmmi, Reino, 57; mapa 60
Escrita: acádica, 126, 127, 128, 185; administração do império, Mitos, 105, 113, 169-170; em
129, 132; como miceshal da im­ 55-56; código de, 42, 54, 55, arte, 70Õ. 115-123,144, 145,
prensa, 172, 173; assíria, 126; Ladrilhos, 147, 153 153; da criação, 113-114, 7/6-
58, 88, 128, 132; conquistas,
babilónica, 126; hieróglifos do Lagash, 35, 40, 41; escavações, 117; das inundações, 110,122;
54-55, 92; morte, 55, 57; im­
Egito, 125, 173; elamita, 126, 131, 149; mapa 9, 40; gover- de deuses e deusas, 107-110,
pério de, mapa 60
127, 142; hitita, 129; hunimia, nmites, 38-39, 4 1 ,124, 149; es­ 112-113; 7/8-119, 722; os mes
Hassuna, cultura, 18 *
129; hido, 166; Antigo Persa, cultura, 151 nos, 108, 109, 113
Hat tusas, mapa 60
126, 127, 142; predecessores do Lago Hammar, mapa 40 Morte e sobrevivência, 105-106,
Hebreus, 37, 61, 132; cultura,
alfabeto, 129, 135, 172; assen­ Lago Urmia, mapa 9, 60, 61 111-113, 141,168,170
gráfico 56; influência da Me-
tamento de bens, 135, 137, 142; sopotâmia nos, 166-167, 168 Lago Van, 18, 57; mapa 9, 60, 61 Mosaicos, 147,149
escribas, 85-86, 89, 91, 129-130, Heródoto, 149, 157 Lápis-lazúli, 41, 43, 64, 9 1 ,104, Mossul, 18, 60; mapa 9
135, 136, 137. Vertmnbém 105, 118,144, 145 Muralhas fortificadas, 85, 86, 92;
Hincks, Edward, 128
Cuneiforme; Línguas; Pictógra- Larsa, 54, 55; mapa 9, 40, 60 de Agade, 85; assúias, 151; de
Hititas, 129, 166; onXintSi, gráfico
fos, Placas de argila Lavradores, 33, 44-45, 89, 91; al- Babilônia, 149,156-157, 159; de
56; império, 58; mapa 60
Escultura, 14, 84, 149, 151-152, Hurrianos, 57-58, 166; cultura, mmiaque dos, 90, 170; imple­ Exech, 85; de Nippur, 25
acádica, 32, 33; assíria, 52, 65, mentos, 15, 153, 167 Muros e pm^des, de casa, 85-86,
gráfico 56 Lavoura. Ver Agricultura
83, 135, 151; babilónica, 151, 87, 9 1 ,1 6 0 ,161; de palácio,
155; estátua em forma de ôlho, Leis, 19, 111, 168; assírias, 88; 15 5 ,156-157, 160-161; de tem­
Jll; estátua em oração, 151; su- I código de Hamurabi, 42, 5*^, 55, plo, 147,156-157
meriana, 10, 11, 32, 41, #8-89, 58, 88, 128, 132, 77,?; código Música: influência da Mesopotâ­
104, 124, 128, 131, V71 Ibalpiel, rei, 55 de Ur-Nammu, ^2, 88, 128; có­ mia na, 170
Esequias, rei, 63 Ibbi-Sin, rei, 42 digos, 88, 171; documentos Músicos e instrumentos musicais,
Eshnunna, 54, 55, 57; conquis­ lemdet-Nass, 184-185; mapa9 cuneiformes, 128; responsabi­ 49, 92, 133, 153; harpas, 49,
ta, 55, 57; escavações, 149, 150; Imdugud, pássaro, 118 lidade do rei, 87, 88, 92; lega­ 72, 83, 92, 144, 145, 170; liras,
mapa 9, 40, 60 Império neobabilônico, 64; mapa do, 178-179; mês dos deuses, 92, 170
Estátuas. Ver Escultura 61. Ver também Babilônia; Cal- 108, 109, 113; estudo, 129; Tal-
Esteias, 114, 128; Código de déia e caldeus mude, 168 N
Hamurábi, 55, 5 8 ,178; de Na- Inanna, deusa, 107, 1C9, 118-119, Leões, 65, 66, 70-73. 7 5 ,115, 144,
132, 147; em mites, 109-110, 145, 152, 155, 159, 167 Nabenidus, rei, 64, 150
ram-Sin, 152; dos Abutres, 38 Nabopolassar, rei, 162
Estratigrafía, 184 112-113, 134 Líbano, 58, 64
Incrustação, 144, 145, 153 Lídia, 64; mapa 61 Nabu, deus, 114
Etana, rei, 37 Nammu, deusa, 107, 109
Instrumentos de trabalho, 12, 15, Lilith, 118
Eufrates, rio, 11, 21, 33, 40, 58, Nanna, deusa, 41, 108, 109, 140
18,34, 47, 153, 154 Línguas: acádico, 38, 41, 57, 110,
66, 109, 114, 118, 155, 157, 184; Naram-Sin, rei, 32, 33, 41, 152
mapa 9, 40, 60, 61 Inundações, 35, 98, 157, 169, 130, 131, 134, 142; hitita, 38;
184; mitos, 110, 122 antigo persa, 126-127; semíticas, Narrativas heróicas, 120-121, 132
Exércitos, 86, 92; assírio. 59-60, Nebuchedrazzar II, rei da Babi­
62, 75, 78-79, 81; infantaria, Irã (Pérsia), 15, 18,35,38, 62, 54, 56, 127, 128; estudo, 130;
91, 103, 125, 130; influência da sumeriano, 38, 54, 128, 129, lônia, 58, 64, 85; a cidade de
50-51, 75; sumeriano, 40, 4Í, 51. Babilônia como capital, 151;
Mesopotâmia na, 164 130, 131, 168; ubaidiano, 34-35.
Iraque, 11, 129 Ver também Escrita. 755-163; conquista de Jerusa­
Irrigação, 21, 39, 87, 171; assíria, Literatura, 129, 132-135; influên­ lém, 64, 166; reino, século VI
58, 60; babilónica, 55, 63; ára­ cia da Mesopotâmia, 169-170; a.C., mapa 61; sala do trono,
Fabricação de vidro, 64, 150, 154, bes do pântano, 98; sumeriana, provérbios, 133; edificante, 134, 160, 161
155, 159,160-161 36-37,38, 49 170 Nergal, deus, 66, 111
Fenícia, 58, 60,61,62, 63,64, Ishbi-Erra, rei, 42 Lugalannemundu, rei, 38 Niebuhr, Carsten, 125-126
167; mapa 61 Ishtar, deusa, 66, 70, 72, 121; por­ Luís XIV, rei, 176, 777 Nilo, rio, 64; mapa 9, 60, 61, 151
Ferro, 58,‘ 60, 64 ta na cidade de Babilônia, 114, Lullubi, tribo, 41 Nimrud (antiga Calah), 60, 135
Festivais e festas, 36, 112-114, 152 158-159 Ningal, deusa, 132-133
Frisos, 147, 150,160-161 Isimud, deus, 109, 110 M Ningirsu, deus, 149
Isin, 42; mapa 9, 40 Ninhursag, deusa, 106, 149; em
Israel, 61, 63 Madeira e obras de madeira, 11, mitos, 109-110
47,58, 60, 64, 90,91.98,104, Nínive, 58-59, 62; sob Assurbani-
130; padrão de Ur, 43 pal, 65; destruição, 64; escava­
Gado, 13, 15, 18, 44-45, 53,117, Mar Cáspio, mapa 9, 60, 61 ções, 12, 128, 151; mapa 9, 60,
128,144, 145 Jardins suspensos de Babilônia, 64 Mar Morto, 15; mapa 8 61; sob Senaqueribe, 63
Gaza, 62; mapa 61 Jerico, escavações, 15-17; mapa 8 Mar Vermelho, mapa 60, 61 Ninlil, deusa, 108-109
Geshtinanna, deusa, 113 Jerusalém, 37; destruição, 64, 166- Marduk, deus, 55, 58, 64, ,92, Ninshubur, deus, 109, 119
Gilgamesh, rei e herói, 38, 41, 167; mapa 61; cêreo dc, 63 113-114, 149, 150, 159. 160 Nippur, II, '35, 39, 40; deus da
J l l , 115, 118, i44, 145;Epo- Jeú, rei, 61 Mari, destruição de, 54, 92; esca­ cidade, 107, 108; Ekur (tem­
péiade, 38, 85, 120-121, 134 Jó, 111; protótipo sumeriano, 111, vações em, 12, 54, 92, 151; plo), 108; escavações, 20-21, 24,
Gírsu, mapa 40 115,123 mapa 8, 40 25, 26-27, \2^-,mapa 9, 40,61
Noé, protótipo sumeriano, 110, quetes de, 43, 60-61, 92; como realeza e crescimento de dinas­ Tukulti-Ninurta, rei, 58, 62
115,134 diplomatas, 42, 54, 55, 86, 88, tias, 37, 49, 53, 86, 176; mapa Tukulti-Ninurta II, rei, 59
Nômades, 13, 17, 18, 53, 92, 93; 92; em festivais, 112, 114-115; 9; povo da, 43-51, 128; escolas Tuttul, mapa 40
arametis, 58, 59, 61; semitas, 35, glorificação, 42, 65, 127, 132, (edubba), 128-132, guerra e dis­
42 142-143, 151, 152; monarcas he­ córdia interna, 37, 38, 41, 51

O
reditários e de origem divina,
37, 49, 53, 55, 92, 167-168, 176;
Sumuabum, 54
Susa, 152; mapa 9, 40, 61
u
como sacerdotes, 53, 65, 72-73, Uaite, rei, 79
Oppert, Jules, 128 92; responsabilidades, 49, 51, Ubaidianos, 34-35, 40, 184, 185
Oriente Próximo em desunião, sé­ 86-87, 92, estilo de vida, 49, 92, Ugæit (atual Ras Shamra), 129;
culo XV a.C., mapa 60 149-151, 161; lista de reis su- mapa 8
Ouro, 11, 12, 41, 60, 63, 85, 91, m eri^os, 37, 149 Tamuz. Ver Dumuzi
104, 150, 151, 154 Taurus, montes, 40; mapa 8 Umma, 38-39; reis, 39; mapa 40
Relevos, 52, 62, 65, 66, 83, 160, Ur, 35, 37, 38, 40, 41, 128, 132,
135, 142, 144, 151-152 Tebas, mapa 61
Tell el-Ammna; escavações, 56- 184-185; deus da cidade, 108;
Religião, 36, 37, 104-114; influên­ destruição, 34, 42, 53, 132; es­
67
cia da Mesopotamia, 168-169; cavações, 12, 86, 91, 145, 149,
ritos e festividades, 36, 112-114 Tell Asmar. Ver Eshnunna
Palácios, 19, 91; de Agade, 40; Tell-Brdí, 150; mapa 8 151, 170, 184-185; casas (plan­
^quitetura, 150-151; assírios, Rim-Sin, rei, 55 tas), 87; reis de, 42, 48, 49, 87,
Rocha de Behistun, 125, 126-127, Tell Haia 1, cultura, 18, mapa 9
53, 150; babilónicos, 64, 150, Tell el-Hariri. Vei Mari 140, 149, 170; mapa 9, 40; Pa­
156-Î57; de Calah, 60-61, 135, 142-143 drão de, 43, 46-47
Rodas, 167, 171, 174-175. Ver Tell Hmmal, mapa 9
151; de Dur-Shmrukin, 62, 151; Ur-Nammu, rei, 41-42, 88, 128,
tmnbém Carros Tell Hassuna, cultura, 18; mapa 9
de Hshnunna, 150; escavações, 150
Tell Ubaid: escavações, 34; mapa
12, 54; de Kish, 151; de Mari, Ur-Zababa, rei, 40
54, 64, 92, 151; de Nínive, 83, 9. Ver tmnbém U baídí^os
Tell Uqair, 147; mapa 9 Uratu, revolta, 62; mapa 61
132, 151; de Persépolis, 126 Urukagina, rei, 39
Palestine 15, 61, 64, 129, 130, Templos, 10, 86, 87, 88, 91; Abju,
Sacerdotes, 36, 86, 91, 112-114; 109; Agade, 40; m^quitetura, Utnapishtim, 110,121,122, 134
166; conquista assíria, 62, 63-64; reis como, 72- 73, 86, 92; deve­ Utu, deus, 106, 1G 9 ,112,113
escavações, 15-17; mapa 8, 61 145-151; As«*ur, 58, 150; assírios,
res no templo, 112 151; babilónicos, 63, 140, 150, Utuhegal, rei, 41
P&itmios e terras pantanosas, 11, Saggs, H.W.F., 168
13, 18,33,71,93, 109 151, 155, 7J6-157; Calah, 150;
Saís, mapa 61 como cento^os da vida comunal,
Peà*as semipreciosas, 18, 41, 63, Salm^asm* III, rei, 61, 132
91„ 104, 153 36, 147, 150; Erech, 36, 147,
S^nmra, c e r^ ic a , 18; mapa 9 152; Eridu, 145, 147; Eshnunna,
Peixe, 33, 47,109; árabes do p&i- Sm'des, mapa 61 Velho Testamento, 11, 37, 57, 61,
tano, 93, 70(9-101 149; Jerusalém, 64, 166; Cassita-
Sm'gao, o Gr^ide, rei, 32, 33, babilônico, 56; Lagash, 39, 41, 63,109, 110, 162,166,168, 169
Persépolis, 126 39-41, 62, 85, 128 Vasos e objetos de pech-a, 13-15,
Pérsia, 64, 125-126; cultura, gra- 141; Mari, 150; Nippur, 107-
S^'gäo n , rei, 62-63, 151 108; ritos, 36, ,12, 114, 145, 17,18, 34, 47, 130
fico 56. Ver também Ira. Smmo, 17,18; escavações, 13;
Pictógrafos, 12, 128, 135, 137,. 149; pessoal dos, 112, 149; su­
mapa 9 merianos. 34, 36, 39, 41, 42, 49;
138-139, 172; como ideogramas, Selos cilúuhicos, 24, 95, 100, 114, YV
138; uso de símbolos, 138-139, Tell Uqair, 147; Tepe G aw a;
153, 155, 165. 166, 167 145-147; Ur, 56, 149; teabalha-
Ver também Escrita cunéiforme Semitas, 35, 40, 41, 53, 56, 58, 128 Warka. Ver Erech
Placas de argila, 12, 13, 19. 87-88, dores, 89, 112. Ver também
Senaqueribe, rei, 63-64, 101, 151 Arquitetura; Deuses; Sacerdotes; Washukanni, mapa 60
91, 129, 133, 136-137, 141, 154; Shamashshumukin, rei, 78 Wooley, Sir Leonm-d, escavaçÕ.í
tratamento arqueológico de, 27; Religião
Shamshi-Adad, rei, 57 Templos-torres, 21, 36, 147. Ver de, 12, 86,149,151,170
Lagash, 149; Mari, 54; Nínive, Shajur II, rei, 176
128-129; Nippur, 128; sume- também Zigurates
Shudu-Ad, rainha, 176 Tepe Gawra, escavações, 145-147
rianas, 34, 128, 141^ 149, 172; Shu-Sin, rei, 133 Y
Ur, 42, 149; uso de estilete, Teumman, rei, 81-82
Shulgi, rei, 42, 87,150,170 Têxteis e tecelagem, 44, 90, 93,
137; escrita em, 137, 141, 154. Shuruppak, mapa 40 Yarimlin, rei, 55
Ver também Escrita cunéifor­ 153-154
Sídon, 58; mapa 61
me, Escribas Tiamat (o mar), 113-114
Sipper, mapa 40
Planície entre o Tigre e o Eu- Tiglath-Pileser I, rei, 58-69
Síria, 40, 54, 58, 60, 62, 64, 92, Tiglath-Pileser 111 (Pul), rèi, 61-
frates, 11, 17, 33, 34, 37, 53, 129, 151; escavações, 12, 15, 18;
128, 170 mapa 8, 61 62 Zagros, montes, 13, 15, 18, 33,3'^.
Poesia, 42, 92, 108, 132-134; nar­ Sistema numérico, 130, 167 Tigre, rio, 11, 33, 54, 58, 59, 64,
54,61,91, \25\m apa9, 40;
rações épicas, 38, 8 5 ,113-114, Soldados; assírios, 59-60, 74-79; 109, 113; mapa 9, 40, 60, 61
homens de tribo, 41, 56, 58,59
120-121, 134, 170; lamentações, sumerianos, 40, 43, 50-51. Ver Tijolos, 24, 34, 85, 91, 147, 149,
Zigurates (templos-tôrres), 11,12,,
42, 132, 169 também Batalhas 150; fabricantes de, 153, 154; 36, 86; arquitetura, 149-15 . .
Pontes, 157 Speisei, E.A., 168 esmaltados e vitrificados, 64, Assur, 58; assírios, 151: babiló­
Prata, 12, 41, 60, 63, 85, 89, 91, Suméria, 33-51; cidades-estados, 150, 155, 159, 160-161; de lôdo, nicos (Etemenanki), 149-15, '
154 33, 37, 38, 51; conquistas, 37, 13, 19, 34, 35, 36, Sty-81, 85, (tôrre de Babel), 64, 149,157- ,
41,42, 54, 128; cultura, 35, 91, 150 157, 162-163, 164-165
56, 124, 128-132; primitivos ha­ Tôrre de Babel, 64, 149-150, 156- Dur-Kurigalzu, 57; Erech, 31; Ni. ■
bitantes, 34-35, 184; fim da do­ 157, 162-163, 164, 165 pur,7P-2i;U r, 41-42, 149, 15, ■
Ras Shamra. VerUgarit minação, 42, 53; escavações, 19- Toucados femininos, 88-89, 176 Zímrilín, rei, 150
Reis e realeza, 32, 132, 167-168, 31; no Terceiro Milênio a.C., Touros, 62, 114,121, 134,144, Ziusudra, 110
176-177; sagração de, 53; ban- mapa 40; lista de reis, 37, 149; 145, 151, 158, 167 Zodíaco, signos do, 167

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