A Justica Constitucional No Sistema Bras
A Justica Constitucional No Sistema Bras
A Justica Constitucional No Sistema Bras
DE JUSTIÇA MULTIPORTAS1
Leandro Fernandez3
Doutor em Direito (UFBA, Salvador/BA, Brasil)
1
Este ensaio é resultado do grupo de pesquisa “Transformações nas teorias sobre o processo e o direito
processual”, vinculado à Universidade Federal da Bahia, cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de
Pesquisa do CNPq respectivamente no endereço dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7958378616800053.
O grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e
Processo Contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).
2
Advogado. Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Livre-Docente pela USP. Doutor em Direito
pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFBA. Membro da Associação Internacional de Direito Processual,
do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da
Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. E-mail: [email protected]. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/3021268770189132. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9870-7191.
3
Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. Doutor e Mestre em Direito pela
Universidade Federal da Bahia. Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo.
E-mail: [email protected]. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2473885608074815. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-4179-6116.
146 Doutrina Nacional
INTRODUÇÃO
A
ideia de justiça constitucional costuma ser associada quase
automaticamente à solução jurisdicional e judiciária de problemas
constitucionais.
4
A ideia de um tribunal multiportas foi proposta inicialmente – embora não com essa denominação –
por Frank Sander, em conhecida palestra proferida na Pound Conference, em 1976, posteriormente
convertida em artigo (SANDER, F. Varieties of dispute processing. Hearings Before the Subcommittee
on Courts, Civil Liberties, and the Administration of Justice of the Committee on the Judiciary, House
of Representatives, Ninety-fifth Congress, Second Session on S. 957. Washington: US Government
Printing Office, 1978). No Brasil, essa ideia foi difundida com a denominação de justiça multiportas,
em grande medida em razão do título de obra coletiva de referência sobre o tema, coordenada por
Hermes Zaneti Jr. e Trícia Cabral, cuja primeira edição foi publicada em 2016 (CABRAL, T. N. X.;
ZANETI JR., H. (coord.). Grandes temas do CPC – Justiça multiportas: mediação, conciliação, arbitragem
e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016).
5
SILVA, P. C. e. A nova face da justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias. Lisboa:
Coimbra, 2009. p. 35.
6
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 71.
7
TARUFFO, M. Un’alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti. Revista do Curso de
Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI. Centro de Pesquisa e Pós-Graduação (CPEPG), Conselho
de Pesquisa e Pós-Graduação (CONPESQ), Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, n. 7,
Jacarezinho, p. 263, 2007.
8
LESSA NETO, J. L. O novo CPC adotou o modelo multiportas!!! E agora?!. Revista de Processo,
São Paulo: RT, n. 244, p. 429-430, 2015.
9
WATANABE, K. Cultura da sentença e cultura da pacificação. Acesso à ordem jurídica justa: conceito
atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
p. 65-73.
10
ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 472-499.
11
Sobre o tema, MAZZOLA, M. Sanções premiais no processo civil: previsão legal, estipulação convencional
e proposta de sistematização (standards) para sua fixação judicial. São Paulo: JusPodivm, 2022.
p. 208-211.
12
A reflexão sobre quem deve ser identificado como o “guardião da Constituição” é um dos temas
clássicos do direito constitucional. É amplamente conhecido o debate sobre o tema entre Carl Schmitt,
que reconhecia no Presidente do Reich essa função (SCHMITT, C. O guardião da Constituição. Tradução:
Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 193-194), e Hans Kelsen, que afirmava que
14
DIDIER JR., F.; FERNANDEZ, L. Justiça multiportas como um ever-expanding system: um ensaio sobre
a abertura como característica do sistema de justiça no Brasil. In: MENDES, G. et al. (org.). Ensaios sobre
direito constitucional, processo civil e direito civil: uma homenagem ao Professor José Manoel de Arruda
Alvim. Curitiba: Editora de Direito Contemporâneo, 2023. p. 149-162.
15
DIDIER JR., F.; FERNANDEZ, L. O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-
-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Poder Judiciário do Estado do
Rio Grande do Norte, v. 3, p. 13-41, 2023.
16
DIDIER JR., F.; FERNANDEZ, L. O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-
-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Poder Judiciário do Estado
do Rio Grande do Norte, cit.
17
SANDER, F. Varieties of dispute processing. Hearings Before the Subcommittee on Courts, Civil Liberties,
and the Administration of Justice of the Committee on the Judiciary, House of Representatives,
Ninety-fifth Congress, Second Session on S. 957. Washington: US Government Printing Office, 1978.
18
STF, SE 5.206-AgRg, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 12.12.2001, publicado em 30.04.2004.
19
STF, RE 556.520, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Dias Toffoli, J. 08.04.2021, publicado
em 14.06.2021; STF, RE 627.106, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 08.04.2021, publicado em 14.06.2021.
20
STF, RE 253.885, 1ª T., Relª Min. Ellen Gracie, J. 04.06.2002, publicado em 21.06.2002.
21
STF, RHD 22, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Celso de Mello, J. 19.09.1991, publicado
em 01.09.1995.
22
STF, RE 631.240, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 03.09.2014, publicado em 01.11.2014.
23
STF, ADIn 3.392, 3.423, 3.431, 3.432 e 3.520, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 29.05.2020, publicado
em 18.06.2020.
24
SARMENTO, D. (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da
supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
25
Sobre a consensualidade e o direito público no Brasil, há diversas e importantes manifestações:
ALMEIDA, N. S. M.; MELO, L. C. F. de. A consensualidade como elemento do processo administrativo
federal brasileiro. Interesse Público, n. 75, 2012; AMARAL, P. O. Arbitragem e Administração Pública:
aspectos processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum,
2012; AVELINO, M. T. A regulação dos negócios jurídicos processuais pela Fazenda Nacional. Civil
26
Apenas para ilustrar essa afirmação, vide editorial de autoria de Fredie Didier Jr., no ano de 2013 –
antes, portanto, do atual CPC –, em que se noticia a celebração de acordo em processo de controle
concentrado de constitucionalidade de ato normativo, com o objetivo de estabelecer uma espécie de
“efetivação negociada do juízo de inconstitucionalidade”, com um requerimento conjunto relativo
à modulação dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade (DIDIER JR., F. Editorial 172 – Acordo
em processo de controle concentrado de constitucionalidade. Modulação de efeitos do juízo de
inconstitucionalidade. Exemplo de requerimento formulado conjuntamente pelas partes. Disponível
em: https://frediedidier.com.br/editorial-172/). Trata-se de somente um exemplo; há, por certo,
muitos outros, a revelar que a autocomposição, embora pouco frequente, nunca foi inexistente em
processos constitucionais.
27
Ilustrativamente, KELSEN, H. La garantía jurisdicional de la Constitución (la justicia constitucional).
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001. p. 10; CANOTILHO, J. J. G. Direito
constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 892.
28
II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, Enunciado nº 88: “As técnicas de
autocomposição são compatíveis com o exercício da jurisdição constitucional, inclusive na fase pré-
-processual, podendo ser aplicadas em ações de competência da Suprema Corte”.
29
O primeiro processo submetido ao Centro de Mediação e Conciliação contou com a mediação realizada
pela Ministra aposentada Ellen Gracie Northfleet.
30
VEIGA, G. Mediação nas Cortes superiores: da teoria à prática. Livro eletrônico. Londrina: Thoth, 2023.
p. 65.
31
DIDIER JR., F.; FERNANDEZ, L. O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-
-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Poder Judiciário do Estado do
Rio Grande do Norte, v. 3, p. 13-41, 2023.
32
VEIGA, G. Mediação nas Cortes superiores: da teoria à prática, cit., p. 66.
33
STF, ADPF 165, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 01.03.2018, publicado em 01.04.2020.
4.3 EXEMPLOS
A casuística da autocomposição para a solução de problemas
constitucionais é extensa34. Neste tópico, são destacados apenas alguns temas e
casos de maior interesse ao objeto deste ensaio.
34
Expressivo número de exemplos é apresentado em LEAL, S. T. Conciliações no STF ressignificam
justiça constitucional. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/conversa-constitu-
cional/303181/conciliacoes-no-stf-ressignificam-justica-constitucional.
35
TJBA, ADIn 0303489-40.2012.8.05.0000, Pleno, J. 12.02.2014, publicado em 20.02.2014.
b) Federalismo cooperativo
A autocomposição em processos constitucionais também tem sido
estimulada como um instrumento para a concretização da ideia de federalismo
cooperativo38.
A construção de soluções consensuais de problemas jurídicos
constitucionais já foi realizada, por exemplo, em relação a temas como a
demarcação de divisas entre Estados da Federação (ACO 34739), a compensação
de ICMS (ADPF 984 e ADIn 7.19140) e a gestão compartilhada do arquipélago
de Fernando de Noronha (ACO 3.56841).
36
Sobre o tema, CABRAL, A. do P. Despolarização do processo e zonas de interesse: sobre a migração
entre polos da demanda. Revista Forense, v. 404, a. 105, p. 03-42, jul./ago. 2009.
37
Com a possibilidade, por exemplo, de celebração de atos de cooperação judiciária para o
acompanhamento da reestruturação por juízos do primeiro grau de jurisdição. Vale recordar que
a consensualidade é uma das características essenciais dos processos estruturais (DIDIER JR., F.;
ZANETI JR., H.; OLIVEIRA, R. A. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao
processo civil brasileiro. Revista de Processo, v. 303, p. 45-81, 2020). Sobre a questão da competência para
execução da sequência de decisões em processos estruturais de competência originária do Supremo
Tribunal Federal, mas sem alusão à cooperação judiciária, vide FACHIN, M. G.; SCHINEMANN,
C. C. B. Decisões estruturantes na jurisdição constitucional brasileira: critérios processuais da tutela
jurisdicional de direitos prestacionais. Revista Estudos Institucionais, Rio de Janeiro/RJ, v. 4, n. 1, p. 229-
231, 2018.
38
Sobre o tema, BRAGA, P. S. Autonomia federativa dos Judiciários Estaduais e sua participação da
formação da vontade judiciária central. O federalismo e o Judiciário brasileiro. Civil Procedure Review,
v. 13, 2022, p. 69-102.
39
STF, decisão monocrática, ACO 347, Rel. Min. Luiz Fux, J. 13.11.2012, publicado em 19.11.2012.
40
STF, ADPF 984 e ADIn 7.191, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 15.12.2022, publicado em 19.12.2022.
41
STF, ACO 3.568-Ref, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 17.03.2023, publicado em 22.03.2023.
42
STF, ADPF 165, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 01.03.2018, publicado em 01.04.2020.
43
Disponível em: https://www.mpes.mp.br/Arquivos/Modelos/Paginas/NoticiaSemFotoCom
Destaque.aspx?pagina=1235&idMenu=689.
sem dúvida, de boa prática, com impressionante potencial, que merece ser
replicada em outras esferas.
44
Sobre o tema, com ampla análise das repercussões da teoria das capacidades institucionais em âmbito
processual, CABRAL, A. do P. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização, delegação e coordenação
de competências no Processo Civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 312-333.
45
SUNSTEIN, C.; VERMEULE, A. Interpretive theory in its infancy: a reply to Posner. Michigan Law
Review, v. 101:972, p. 949, 2003. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/mlr/vol101/
iss4/4/.
46
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy.
Chicago: University of Chicago Press, 1994. p. 6.
47
SUNSTEIN, C.; VERMEULE, A. Interpretive theory in its infancy: a reply to Posner. Michigan Law
Review, cit., p. 914.
48
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 22.
49
KOMESAR, N. Law’s limits: the rule of law and the supply and demand of rights. Cambridge:
Cambridge University Press, 2001. p. 51.
50
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 7.
não existe, encontrar aquela que pode ser considerada a segunda melhor opção51
possível corresponderá à identificação do centro decisório mais adequado para
análise do caso.
É importante perceber que realizar uma verdadeira análise institucional
comparada não é uma missão singela. Ela exige que se disponha de amplos
subsídios de informações a respeito das reais condições de exercício de
competências pelas instituições comparadas52 e que o sujeito que se propõe a
fazer a comparação selecione parâmetros que realmente possam interferir na
qualidade da tutela dos direitos53. E neste último ponto reside um dos maiores
desafios da aplicação da teoria, conquanto nem sempre destacado nos estudos
sobre o tema: não somente as instituições são falíveis, como também o sujeito
que as compara. A utilização, na análise institucional comparada, de critérios
irrelevantes para o tipo de situação sob exame gerará resultados distorcidos. A
escolha da metodologia é, afinal, condicionante da resposta.
A desconsideração desses aspectos concretos pode levar a um uso
meramente retórico da teoria das capacidades institucionais – ou, na crítica
de Arguelhes e Leal, a empregos banais, redundantes ou absurdos desse
argumento54.
Os fatores apreciados com maior frequência na análise das capacidades
institucionais – e que devem ter sua relevância considerada em maior ou
menor extensão de acordo com as circunstâncias concretas do caso – são
os seguintes: a possibilidade real de participação dos potenciais afetados
pela decisão55, considerando os custos e benefícios relativos à intervenção; a
experiência ou tradição na apreciação de determinado tema; a especialização
51
SUNSTEIN, C.; VERMEULE, A. Interpretation and institutions. Michigan Law Review, v. 101:885,
p. 914, 2003. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/mlr/vol101/iss4/2/.
52
ARGUELHES, D. W.; LEAL, F. Dois problemas de operacionalização do argumento de “capacidades
institucionais”. Revista Estudos Institucionais, v. 2, n. 1, p. 202, 2016.
53
ARGUELHES, D. W.; LEAL, F. O argumento das “capacidades institucionais” entre a banalidade, a
redundância e o absurdo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da
Bahia, Salvador, n. 23, p. 327, 2011.2.
54
ARGUELHES, D. W.; LEAL, F. O argumento das “capacidades institucionais” entre a banalidade, a
redundância e o absurdo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da
Bahia, cit., p. 301-341.
55
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 7.
(da instituição e dos seus integrantes) em relação a certa matéria, dado que
interfere na interpretação do ordenamento jurídico, uma vez que atores
especializados tendem a prestigiar interpretações teleológicas em detrimento
de soluções excessivamente literais56; a estrutura, considerando corpo técnico
e recursos financeiros; o grau de independência da instituição, levando em
conta as garantias jurídicas asseguradas aos seus integrantes, sua efetiva
observância e como o custo que as limitações dela decorrentes pode afetar a
tomada de decisões57; o processo decisório (o que abrange elementos como a
maior ou menor dilação probatória e a duração do processo); a maior ou menor
permeabilidade à influência de grupos com atuação em determinado setor58; os
“efeitos dinâmicos”59 das decisões, assim consideradas as repercussões sobre
o comportamento dos sujeitos diretamente envolvidos, sobre todo o setor
relacionado à matéria e sobre a sociedade de forma geral, se for o caso.
Como se nota, o exame das capacidades institucionais exige a comparação
entre duas ou mais instituições em relação a elementos concretos que, em
determinado momento histórico, sejam relevantes para assegurar maior
aptidão para regular ou decidir sobre certa matéria. A comparação apenas
abstrata desses fatores pode ser proveitosa para a identificação de relações
tendenciais de preferência para a abordagem de um tema (o que, admita-se,
não é desprezível, por evidenciar preocupação com a existência de condições
minimamente adequadas para enfrentamento da questão), mas não consiste
em autêntica análise institucional comparada.
56
SUNSTEIN, C.; VERMEULE, A. Interpretation and institutions. Michigan Law Review, cit., p. 888.
57
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 149.
58
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 54.
59
SUNSTEIN, C.; VERMEULE, A. Interpretation and institutions. Michigan Law Review, cit., p. 886.
60
JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na
adaptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 57-166.
61
JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na
adaptação da intensidade do controle, cit., p. 58.
62
BINENBOJM, G. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitu-
cionalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 305-306.
63
JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na
adaptação da intensidade do controle, cit., p. 85.
64
KOMESAR, N. Imperfect alternatives: choosing institutions in law, economics, and public policy, cit.,
p. 3; BADIN, A. S. Controle judicial das políticas públicas: contribuição ao estudo do tema da judicialização
da política pela abordagem da análise institucional comparada de Neil K. Komesar. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 94-95.
65
Jordão aponta a existência de “atividades que na Itália foram denominadas ‘discricionariedade
técnica’ e ‘avaliações técnicas complexas’, aquelas em que a circunstância fática que autoriza ou
determina o agir administrativo foi descrita pela norma em termos equívocos, ambíguos, imprecisos –
não totalmente objetivos. Isto significa que a ‘tecnicidade’ de uma questão, em si, não é particularmente
relevante para a determinação da intensidade do controle judicial sobre ela incidente. Aquilo que é
realmente relevante é a opinabilidade técnica, ou – na expressão adotada aqui – a complexidade técnica”
(grifos no original) (JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência
estrangeira na adaptação da intensidade do controle, cit., p. 124-125).
66
CABRAL, A. do P. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização, delegação e coordenação de
competências no Processo Civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 487.
67
JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na
adaptação da intensidade do controle, cit., p. 130.
68
ANDRADE, J. M. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve decidir. Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2023. p. 92-93.
69
ANDRADE, J. M. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve decidir, cit.,
p. 143-145.
70
JORDÃO, E. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na
adaptação da intensidade do controle, cit., p. 156.
71
ANDRADE, J. M. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve decidir, cit., p. 97.
72
Trata-se de estudo realizado por Eduardo Jordão, Vinícius Reis e Renato Cabral Júnior, de acordo
com o qual o Supremo Tribunal Federal, em quase 90% dos casos em que analisa o mérito de
questões constitucionais envolvendo agências reguladoras, adota postura deferente ao ente regulador
(JORDÃO, E. F.; REIS, V. C.; CABRAL JÚNIOR, R. T. O controle das agências reguladoras federais
no STF como instância recursal: um estudo empírico. Revista de Direito Econômico e Socioambiental,
Curitiba, v. 11, n. 1, p. 122-155, jan./abr. 2020).
73
STF, ADO 25, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 30.11.2016, publicado em 18.08.2017.
74
STF, ADPF 825, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Nunes Marques, J. 03.08.2021,
publicado em 26.11.2021.
75
STF, ADIn 6.148, Pleno, Relª Min. Cármen Lúcia, Rel. p/o Ac. Min. André Mendonça, J. 05.05.2022,
publicado em 15.09.2022.
76
STF, RE 1.083.955-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 28.05.2019, publicado em 07.06.2019.
77
ANDRADE, J. M. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve decidir, cit.,
p. 103-104.
5.4 EXEMPLOS
a) ADO 25
A ADO 25 é um dos mais ricos e interessantes casos na justiça
constitucional brasileira. A complexidade dos problemas jurídicos objeto da
ação (e das suas implicações econômicas, políticas e sociais) exigiu o emprego
coordenado de técnicas altamente sofisticadas. O caso envolveu: a) não decisão
pelo Supremo Tribunal Federal; b) utilização de um juízo de capacidades
institucionais; c) fixação de prazo para a edição de ato normativo; d) atribuição
provisória de competência a ente distinto daquele previsto na Constituição;
e) autocomposição em controle concentrado de constitucionalidade;
f) elaboração de lei pelo Congresso Nacional em conformidade com os termos
do acordo.
O art. 91 do ADCT, com redação atribuída pela Emenda Constitucional
nº 42/2003, prevê a edição de lei complementar para disciplinar o repasse aos
Estados de recursos destinados à compensação de perdas em decorrência de
desonerações relativas ao ICMS.
Em 2016, no julgamento da ADO 25, foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal a mora do Congresso Nacional quanto à edição da
mencionada lei. Diante da omissão legislativa, a Suprema Corte fixou prazo
para a elaboração do ato normativo, determinando ainda que, na hipótese
de persistência da omissão, a disciplina da matéria seria provisoriamente
realizada pelo Tribunal de Contas da União, considerando que, em um juízo
de capacidades institucionais, o órgão disporia das condições necessárias à
solução adequada do problema jurídico, por já desempenhar competências
semelhantes, previstas nos arts. 159, II, e 161, parágrafo único, da Constituição
Federal.
b) RE 1.083.955-AgRg
78
STF, RE 1.083.955-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 28.05.2019, publicado em 07.06.2019.
a) ADIn 223-MC
O julgamento da medida cautelar na ADIn 223, pelo Supremo Tribunal
Federal, representou interessante marco na interpretação do art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal79.
Na ação, questionava-se a validade da Medida Provisória nº 173/1990,
que vedava a concessão de liminares em mandado de segurança e “ações
ordinárias” (ações que tramitavam pelo então procedimento ordinário, hoje
denominado de “comum”) e cautelares que versassem sobre determinadas
outras medidas provisórias.
Naquele julgamento, a maioria do Supremo Tribunal Federal destacou
a existência de vários outros atos normativos que restringiam a possibilidade
de concessão de liminares, explicitando que, observados parâmetros de
razoabilidade, essas limitações não seriam incompatíveis com a garantia
constitucional. A Corte considerou, então, constitucionais tais restrições, o
que não impede, contudo, que o órgão julgador, no caso concreto que lhe seja
submetido, aprecie a constitucionalidade/razoabilidade da limitação80. A lei
que restringe não é inconstitucional em tese, mas pode revelar-se com esse vício
quando concretizada81.
79
STF, ADIn 223-MC, Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, Rel. p/o Ac. Min. Sepúlveda Pertence,
J. 05.04.1990, publicado em 29.06.1990.
80
Eis excerto do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, nesta ADIn: “Assim, creio que a solução estará no
manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso, nenhuma medida provisória pode subtrair ao
juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições
impostas ao seu poder cautelar, para, se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional,
conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em
que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional porque abusiva”.
81
É interessante observar que essa argumentação também foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal
ao analisar a constitucionalidade das medidas executivas atípicas (STF, ADIn 5.941, Pleno, Rel. Min.
Luiz Fux, J. 09.02.2023, publicado em 28.04.2023).
b) RHD 22
Em 1995, o Supremo Tribunal Federal proferiu mais uma importante
decisão para o desenvolvimento da interpretação a respeito do acesso ao Poder
Judiciário. No julgamento do RHD 22, a Corte decidiu que a configuração
do interesse de agir para o ajuizamento da ação de habeas data depende da
comprovação do anterior indeferimento do pedido de informação sobre dados
pessoais, ou da omissão em atendê-lo82.
Na visão do Supremo Tribunal Federal, diante da existência da garantia
constitucional de recebimento, dos órgãos públicos, das informações de
interesse particular do indivíduo, somente com a frustração de sua obtenção
pela via administrativa seria justificável a provocação do Poder Judiciário.
Essa orientação, adotada desde 1990 no Enunciado nº 283 da súmula da
jurisprudência predominante do Superior Tribunal, viria a ser prevista na Lei
nº 9.507/1997, que exige que a petição inicial de habeas data seja acompanhada de
comprovação da recusa ou da inércia do responsável pelo banco de dados para
a concessão de acesso, a retificação de informação ou o registro de anotação.
Anos depois, essa compreensão viria a influenciar decisões do próprio
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em relação a
outros temas, como será visto adiante.
c) RE 253.885
Em 2002, o julgamento do RE 253.885, pela Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal, representou importante avanço para a solução consensual de
conflitos envolvendo o Poder Público84. O caso referia-se à validade de sentença
homologatória de transação celebrada entre um Município e algumas de suas
servidoras públicas, sem a existência de legislação específica que autorizasse a
realização do negócio jurídico.
Naquele caso, a Primeira Turma decidiu que o princípio da
indisponibilidade do interesse público pode, em determinadas circunstâncias,
ter limitado o seu âmbito de proteção, quando se constate que a solução
82
STF, RHD 22, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Celso de Mello, J. 19.09.1991, publicado
em 01.09.1995.
83
Não cabe o habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra a) se não houve recusa de informações por parte da
autoridade administrativa.
84
STF, RE 253.885, 1ª T., Relª Min. Ellen Gracie, J. 04.06.2002, publicado em 21.06.2002.
d) SE 5.206-AgRg
A Lei nº 9.307/1996 disciplinou a arbitragem no Direito brasileiro,
passível de utilização para dirimir conflitos entre pessoas capazes relativos a
direitos patrimoniais disponíveis.
A arbitragem é técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes
buscam em uma terceira pessoa, de sua confiança, a solução “imparcial” (porque
não feita pelas partes diretamente) do litígio. É, portanto, heterocomposição.
Pode ser constituída por meio de um negócio jurídico denominado convenção
de arbitragem, que, na forma do art. 3º da Lei nº 9.307/1996, compreende tanto
a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral.
Em 2001, no julgamento da SE 5.206-AgRg, o Supremo Tribunal Federal,
em sede de controle incidental de constitucionalidade, reconheceu a constitu-
cionalidade da Lei nº 9.307/199685.
85
STF, SE 5.206-AgRg, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 12.12.2001, publicado em 30.04.2004.
86
STF, ADIn 2.139-MC e ADIn 2.160-MC, Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, Rel. p/o Ac. Min. Marco
Aurélio, J. 13.05.2009, publicado em 23.10.2009.
87
Ficaram vencidos o Ministro Octavio Gallotti, que admitia a possibilidade de criação, pelo legislador,
de condições processuais para o ajuizamento de ações, desde que não obstruíssem desarrazoadamente
o acesso ao Judiciário, e o Ministro Cezar Peluso, que destacou que a utilização de meios adequados à
solução dos conflitos, distintos do Judiciário, era uma tendência mundial, bem como que o estímulo à
conciliação previsto na Lei nº 9.958/2000 não maculava a universalidade da jurisdição, uma vez que
apenas a tentativa de solução por autocomposição (não esse resultado em si) seria obrigatória.
f) RE 793.630
Pelo menos desde 2011, há decisões no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça no sentido da necessidade de apresentação de pedido administrativo
antes do ajuizamento de ação judicial para postular o pagamento do seguro
obrigatório (DPVAT)92. Essa diretriz também pode ser encontrada na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao menos desde 201493.
88
STF, ADIn 2.139, ADIn 2.160 e ADIn 2.237, Pleno, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 01.08.2018, publicado em
19.02.2019.
89
STF, RHD 22, Pleno, Red. p/o Ac. Min. Celso de Mello, J. 19.09.1991, publicado em 01.09.1995.
90
Exemplificativamente, STF, RE 823689, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 25.08.2014, publicação em 27.08.2014.
91
STF, RE 631.240, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 03.09.2014, publicado em 01.11.2014.
92
STJ, AgRg-REsp 936.574/SP, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 02.08.2011, publicado em
08.08.2011.
93
Ilustrativamente: RE 793.630, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 17.02.2014, publicado em 27.02.2014; RE
823.689, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 25.08.2014, publicado em 27.08.2014; RE 826.876, Rel. Min. Dias
Toffoli, J. 05.05.2015, publicado em 05.06.2015; ARE 1.055.613, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 22.06.2017,
publicado em 02.08.2017.
g) ADIn 3.392, ADIn 3.423, ADIn 3.431, ADIn 3.432 e ADIn 3.520
Ainda em 2004, a Emenda Constitucional nº 45 promoveu ampla reforma
da estrutura e do regime jurídico aplicável ao Poder Judiciário. Além de haver
consagrado a duração razoável do processo como um direito fundamental (art.
5º, LXXVIII) e mencionado os juizados especiais no âmbito da Justiça Federal
(art. 98, I), a EC 45/2004 estimulou a adoção de meios adequados de solução
dos conflitos coletivos de trabalho.
Em sua redação original, a Constituição de 1988 já previa que, diante
da frustração da negociação coletiva, as partes poderiam eleger árbitros, bem
como que, havendo recusa em relação à negociação e à arbitragem, seria
possível o ajuizamento do dissídio coletivo. A novidade introduzida em 2004
foi a exigência de comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo de
natureza econômica.
O tema foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento
conjunto das ADIns 3.392, 3.423, 3.431, 3.432 e 3.520.
Precisamente em razão da relevância do incentivo à negociação coletiva,
a maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu que a exigência de comum
acordo não consistia em obstáculo desarrazoado ao acesso ao Judiciário, que,
em caso de fracasso nas negociações, poderia ser provocado94. A inovação
levou o Supremo Tribunal Federal a visualizar o dissídio coletivo como uma
espécie de “arbitragem estatal”, dada a necessidade de concordância entre as
partes quanto à submissão do caso à Justiça do Trabalho95.
h) RE 631.240
No julgamento do RE 631.240, o Supremo Tribunal Federal entendeu
que é necessário o prévio requerimento administrativo antes de o segurado
recorrer à justiça para a concessão de benefício previdenciário. Sem esse prévio
requerimento, faltaria interesse de agir. Se o requerimento administrativo
94
STF, ADIn 3.392, 3.423, 3.431, 3.432 e 3.520, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 29.05.2020, publicado
em 18.06.2020.
95
“No contexto brasileiro, como já analisado acima, isso significa enfraquecer o poder normativo que
era dado à Justiça do Trabalho e expandir os meios alternativos de pacificação, como a mediação e
a arbitragem, mesmo que estatal.” (STF, ADIn 3.423, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 29.05.2020,
DJ 18.06.2020)
for negado, total ou parcialmente, bem como quando não for apreciado pelo
INSS no prazo de quarenta e cinco dias, poderá o segurado propor a ação
perante o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal não exige o esgotamento
administrativo da controvérsia, mas exige o prévio requerimento. O tribunal,
contudo, considerou não haver necessidade de formulação de requerimento
administrativo prévio para que o segurado ingresse judicialmente com pedidos
de revisão de benefícios, a não ser nos casos em que seja necessária a apreciação
de matéria de fato. Acrescentou ainda que a exigência de requerimento prévio
também não se aplica nos casos em que a posição do INSS seja notoriamente
contrária ao direito postulado96.
No mês seguinte, o Superior Tribunal de Justiça alinhou seu
posicionamento a respeito do tema à decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal (Recurso Especial Repetitivo nº 1.369.834/SP97).
i) RE 556.520 e RE 627.106
O Decreto-Lei nº 70/1966 prevê uma modalidade de execução
extrajudicial desenvolvida perante agente fiduciário (arts. 31 a 37).
A recepção dos dispositivos pela Constituição Federal de 1988 foi
reconhecida por ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal em sucessivas
decisões ao longo das décadas98, compreensão reafirmada, agora em sede de
repercussão geral, no julgamento conjunto do RE 556.52099 e do RE 627.106100.
Como destacado em tais decisões, os atos de execução, embora
processados fora do âmbito do Poder Judiciário, podem vir a sofrer controle
judicial, a partir de iniciativa do devedor, caso entenda haver alguma
irregularidade no procedimento.
96
STF, RE 631.240, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 03.09.2014, publicado em 01.11.2014.
97
STJ, REsp 1.369.834/SP, 1ª S., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 24.09.2014, publicado em 02.12.2014.
98
Vide, por exemplo, STF, RE 223.075, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, J. 23.06.1998, publicado em
06.11.1998, frequentemente citado em decisões posteriores.
99
STF, RE 556.520, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Dias Toffoli, J. 08.04.2021, publicado
em 14.06.2021.
100
STF, RE 627.106, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 08.04.2021, publicado em 14.06.2021.
CONCLUSÕES
As diretrizes da adequação e da consensualidade integram o regime
jurídico da solução de problemas jurídicos no Brasil, inclusive aqueles de
natureza constitucional.
A noção de justiça constitucional não pode ser limitada à função decisória
do Poder Judiciário em processos constitucionais. A autocomposição e o
diálogo institucional, com base em um exame de capacidades institucionais,
são, também, meios para a solução dos problemas jurídicos constitucionais.
Na atualidade, a função de guardião da Constituição, prevista no
art. 102, caput, não se confunde com a ideia de atribuição a um órgão de aptidão
exclusiva para a solução de problemas constitucionais, mas abrange o dever de
garantir a existência e a utilização dos meios adequados ao tratamento das
variadas modalidades de problemas dessa natureza.
O sistema brasileiro de justiça multiportas, construído de modo auto-
organizado, desenvolveu-se consideravelmente a partir de decisões do
Supremo Tribunal Federal, em exercício de sua jurisdição constitucional.
A ideia de justiça constitucional multiportas, apresentada neste ensaio,
merece, doravante, mais aprofundada reflexão doutrinária.
REFERÊNCIAS
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Malheiros, 2008.
ALMEIDA, N. S. M.; MELO, L. C. F. de. A consensualidade como elemento do processo
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AMARAL, P. O. Arbitragem e Administração Pública: aspectos processuais, medidas de
urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
ANDRADE, J. M. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve decidir.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2023.
ARGUELHES, D. W.; LEAL, F. Dois problemas de operacionalização do argumento de
“capacidades institucionais”. Revista Estudos Institucionais, v. 2, n. 1, 2016.
ARGUELHES, D. W.; LEAL, F. O argumento das “capacidades institucionais” entre a
banalidade, a redundância e o absurdo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal da Bahia, Salvador, n. 23, a. 2011.2.