2017 FelipeMarineli VCorr
2017 FelipeMarineli VCorr
2017 FelipeMarineli VCorr
FELIPE MARINELI
Versão corrigida
São Paulo
2017
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA
Felipe Marineli
Versão corrigida
De acordo: _________________________________
Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa
São Paulo
2017
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Marineli, Felipe
M338p O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre
econômico brasileiro (1968-73) / Felipe Marineli ;
orientador Alexandre de Freitas Barbosa. - São
Paulo, 2017.
297 f.
Banca examinadora
Title: The thought of Antônio Delfim Netto and the Brazilian economic miracle (1968-73)
Our study aims to systematically and critically analyze Antônio Delfim Netto’s thought, an
Economist, Professor and public figure, and interweave his thought and political action with
the political and economic context in Brazil in the 1960's. This investigation starts by the
analysis of essential elements that made the Brazilian industrialization possible in its different
phases, from the 19th century to the 1960's, as well as some of the most important exponents
of the ideological debate regarding the Brazilian development between the 1930's and the
1960's. We then examine Delfim Netto's thought in its internal logic, aiming to retrieve the
fundamental elements of his intellectual production up to the 1980's. This exam reveals that the
main categories of Delfim Netto's intellectual production are development and planning, which
are vital to his interpretation of underdevelopment. He conceives that underdevelopment arises
from insufficiencies in the field of capital accumulation, which leads to his key view that the
Brazilian society would have to carry out a conscious effort to maximize the profit rates and
direct more resources to the production process through the tax system, and political coercion
when necessary. Planning has the role of foreseeing and overcoming the most important
obstacles in the economy before they become a blocking factor to the development, whilst
politics is an intervening variable that gives meaning to Delfim Netto’s mathematical models.
Considering the historical processes and Delfim Netto’s theoretical constructions, we analyze
his ascension to determining political institutions during the Brazilian military dictatorship
(1964-85), when he had the unique opportunity of putting his interpretations into practice. The
suspension of the political arena, which was accomplished through the Institutional Act n. 5
(AI-5), delivered the possibility of direct negotiation, without mediation, between the planners
and the actors that were considered relevant to the Brazilian development. During Delfim
Netto’s office as a minister for the Economy and Finance (1967-74), the Brazilian economy
grew along with declining inflation and external balance through income redistribution from
the poorer to the richer, credit expansion to the qualified working force for the consumption of
durable goods, and massive inflow of external funds. This process was thereafter named
Brazilian “economic miracle” (1968-73). Fast economic growth, prohibition of the public
debate, repression, and political consent among the political leaders converged remarkably.
Delfim Netto’s economic thought provided substance to this national program.
Apresentação........................................................................................................................... 15
Introdução ............................................................................................................................... 17
Capítulo 1 – A industrialização brasileira como processo (1889-1964) ................................. 21
1.1 – Século XIX: continuidade e ruptura ................................................................ 21
1.2 – 1889-1930: a economia agroexportadora e os surtos industriais..................... 25
1.3 – 1930-1955: a industrialização substitutiva de importações ou restringida ...... 29
1.4 – 1956-1964: o Plano de Metas, a transição para um novo padrão de acumulação
e a industrialização pesada ou intensiva ............................................................................... 34
1.5 – O Estado brasileiro: centralização política, modernização institucional e os
caminhos do desenvolvimento ............................................................................................. 41
1.6 – Síntese do processo.......................................................................................... 50
Capítulo 2 – A nova realidade econômica brasileira e seus intelectuais ................................. 53
2.1 – O panorama do pensamento econômico brasileiro de 1930 a 1960 ................ 54
2.2 – A Controvérsia do Planejamento na economia brasileira ................................ 62
2.2.1 – Roberto Simonsen desenvolvimentista: industrialização e planejamento 62
2.2.2 – Eugênio Gudin e o “liberalismo brasileiro” ............................................. 68
2.3 – Caio Prado Júnior e o pecado original da industrialização .............................. 75
2.4 – Celso Furtado: entre utopia e realidade ........................................................... 81
2.4.1 – Desenvolvimento e subdesenvolvimento ................................................. 84
2.5 – Roberto Campos: entre o estruturalismo e o “entreguismo” ........................... 90
2.5.1 – Desajustamentos da economia brasileira .................................................. 95
2.5.2 – Adeus ao estruturalismo ........................................................................... 97
2.6 – Breve síntese do debate ................................................................................. 101
Capítulo 3 – Delfim Netto antes do milagre econômico: o acadêmico (1958-65)................ 105
3.1 – A ciência econômica: objeto e método .......................................................... 111
3.2 – Desenvolvimento, subdesenvolvimento e planejamento ............................... 116
3.2.1 – A mecânica do desenvolvimento ............................................................ 120
3.2.2 – A criação de modelos para uma “teoria do (sub)desenvolvimento” ...... 124
3.3 – Os obstáculos ao desenvolvimento e o caso brasileiro .................................. 136
3.3.1 – O déficit no balanço de pagamentos ....................................................... 136
3.3.2 – A inflação ............................................................................................... 141
3.3.3 – A agricultura ........................................................................................... 161
3.4 – Síntese dos posicionamentos de Delfim Netto .............................................. 186
Capítulo 4 – A economia política da ditadura militar, 1964-74 ............................................ 191
4.1. – O sorbonismo, a linha dura e a escolha de Delfim Netto ............................. 195
4.2 – O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), 1964-1967 ............. 210
4.3 – Delfim Netto: da academia ao poder (1967-74) ............................................ 217
4.3.1 – O Ministério da Fazenda e a declaração de intenções ............................ 217
4.3.2 – A defesa da política econômica .............................................................. 225
4.3.3 – O projeto político nacional segundo Delfim Netto................................. 237
4.3.4 – A crise política e a repressão: a imposição do desenvolvimento ........... 242
4.4 – O milagre econômico brasileiro (1968-73) ................................................... 250
4.5 – O criador e a criatura: Delfim defende seu projeto ....................................... 267
Considerações Finais ............................................................................................................ 275
Referências Bibliográficas ................................................................................................... 281
Apêndice – Obras completas de Delfim Netto até 1990........................................................ 289
15
Apresentação
1
Oliveira, 2011, p.38. Trecho de entrevista sobre o economista Rômulo Almeida no projeto Cátedras do
Desenvolvimento do IPEA, em que o autor estava presente, em resposta à indagação sobre a importância de se
estudar a produção intelectual de Antônio Delfim Netto. Como se trata de uma entrevista, essa afirmação deve ser
relativizada. Ainda assim, reflete uma postura da esquerda intelectual sobre o pensador costumeiramente
designado, sem maior aprofundamento, como o criador da teoria do bolo.
17
Introdução
2
Cf. Freyre, 2002, “Prefácio à primeira edição”, p.6-12. Em 1933, Gilberto Freyre menciona certa interpretação
corrente que atribuía a apatia da população brasileira à miscigenação racial. Isso não apenas é revelador da força
da ideia como proposição interpretativa geral, mas também testemunha as condições de vida da população pobre.
18
e aniquila projetos alternativos. Daí em diante, os únicos que teriam espaço no debate público
de ideias seriam aqueles que estivessem em acordo com as premissas da ditadura militar e suas
bases sociais, que superaram a coalizão desenvolvimentista que até então havia logrado
hegemonia relativa.
Essas foram as bases para o surgimento de um novo ator político, com um tipo inédito
de atividade prática e teórica: o tecnocrata. A forma de ser desse novo tipo de gestor estaria
amarrada aos meios adequados a azeitar a máquina de acumulação de capital, à qual caberia a
tarefa de levar adiante o processo de desenvolvimento no Brasil. As “utopias” de um
capitalismo com bases democráticas foram, assim, suplantadas por modelos econômicos
destinados a orientar as políticas estatais no sentido da maximização das taxas de lucro e, com
isso, a um processo automático de desenvolvimento, buscando engatar a economia no caminho
supostamente percorrido pelas economias centrais do capitalismo. Para o tecnocrata, essa era a
forma de superação do subdesenvolvimento brasileiro.
Antônio Delfim Netto pode ser descrito como o tipo-ideal do tecnocrata brasileiro.
Economista paulista, de família imigrante e professor da Universidade de São Paulo, ele
encontraria seu lugar nesse novo contexto histórico. Ascendeu às instâncias determinantes da
vida política nacional através da ditadura militar, que, se acaso lhe proporcionou a liberdade de
ditar os rumos da economia brasileira, só o fez com base no reconhecimento da capacidade de
ele carregar em si os desígnios da cúpula política, à qual teve acesso privilegiado. Isso lhe
permitiu, inclusive, fazer parte da própria construção do projeto nacional hegemônico na
ditadura militar, tornando-se um sujeito constitutivo do desenrolar da história brasileira.
Nossa pesquisa busca compreender a forma como Delfim Netto se inseriu no debate
público da época a partir do exame rigoroso de sua produção intelectual entre as décadas de
1950 e 1980. Essa produção foi a base da incorporação de Delfim Netto aos círculos de poder
e, simultaneamente, de sua atuação prática. Assim, nossa proposta é compreender a lógica
interna de sua produção intelectual e, com isso, desvendar a chave para compreender sua ação
política.
Apelidado de czar da economia, Delfim Netto foi o grande regente por trás do processo
conhecido como milagre econômico brasileiro (1968-73). Nesse período, a economia brasileira
cresceu, em média, 11,1% ao ano, o que foi acompanhado pela queda no processo inflacionário
e pelo equilíbrio nas contas externas. Por representar também o período mais repressivo de toda
a ditadura, esses anos receberam igualmente a qualificação de anos de chumbo. Simbolizam
ainda um momento de calmaria relativa dentro das Forças Armadas, que parecem ter se
reencontrado em torno de determinantes e inimigos comuns. Assim, crescimento econômico
19
acelerado, interdição do debate público, repressão e consenso político nas cúpulas de poder
convergiram de forma marcante. Uma das nossas grandes questões, por isso, é verificar se esses
elementos arrolados estão inscritos no DNA do milagre.
O capítulo 1 trata das bases históricas do desenvolvimento brasileiro e é dividido em
seis seções. Na seção 1.1, fazemos um breve panorama das condições estruturais que deitaram
as bases para um novo tipo inserção externa do Brasil. Na seção 1.2, traçamos os fundamentos
econômicos que possibilitaram o início de um processo de industrialização. Na seção 1.3,
discutimos a primeira fase da industrialização brasileira, a industrialização substitutiva de
importações ou restringida. Na seção 1.4, analisamos as causas da necessidade de superação
dessa fase como condição essencial para que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
pudesse dar um salto. Na seção 1.5, reconstruímos historicamente os elementos que marcaram
a materialidade do Estado brasileiro e as respostas aos desafios que demandavam soluções
novas. Na seção 1.6, fazemos uma síntese desse processo, buscando construir uma narrativa
como base para os capítulos posteriores.
O capítulo 2, que analisa o debate ideológico entre as décadas de 1930 e 1960, também
se divide em seis seções. A seção 2.1 traça um panorama do campo intelectual em que se
travaram os debates. A seção 2.2 analisa o pensamento de dois atores que influenciaram
sobremaneira o debate posterior sobre o desenvolvimento: Roberto Simonsen e Eugênio Gudin.
As seções 2.3 e 2.4 analisam, respectivamente, o pensamento de Caio Prado Jr. e de Celso
Furtado, com sua visão ímpar a respeito do desenvolvimento brasileiro. A seção 2.5 faz uma
leitura de Roberto Campos antes e depois de sua mudança de posicionamentos para o “pós-
estruturalismo”. A seção 2.6, por fim, realiza uma breve síntese do debate.
Nesses dois capítulos, não procuramos fazer uma exposição extensa de todas as
interpretações disponíveis para se discutir a industrialização brasileira e o debate de ideias até
a década de 1960, mas antes construímos uma narrativa que se ancora em um amplo arsenal de
autores com interpretações estabelecidas relativas ao desenvolvimento brasileiro em diferentes
áreas do conhecimento.
O capítulo 3 representa a primeira contribuição concreta dessa pesquisa. Nele
analisamos o pensamento de Delfim Netto como acadêmico, isto é, da década de 1950 ao ano
de 1965, antes de iniciar sua carreira como homem público em instâncias políticas
determinantes. A análise se divide em quatro seções: a seção 3.1 reserva espaço às reflexões
meta-teóricas de Delfim; a seção 3.2 discute o desenvolvimento econômico e o planejamento
como categorias da produção intelectual do autor; a seção 3.3 analisa a interpretação de Delfim
relativamente ao Brasil; e a seção 3.4 sintetiza seus posicionamentos.
20
3
Cf. Rangel, 2012, p.307 e seguintes; Fernandes, 2008, p.263 e seguintes.
4
Fernandes, 2008, p.265.
5
Id., Ibid., p.264.
22
pela supremacia mundial entre a França e o Império Britânico que havia começado em 1652,
quando das Guerras Anglo-Holandesas, e sacramentou a nova ordem mundial britânica6.
O período da hegemonia mundial britânica representou mudanças importantes em
relação ao período anterior, marcado pela hegemonia das Províncias Unidas (particularmente
Amsterdã). O Império Britânico, ao contrário da potência predecessora, passou a deter uma
posição de comando em todas as regiões do mundo. Paralelamente, um novo grupo de nações
surgiu através de convulsões e sublevações revolucionárias e anti-imperialistas. Tais nações
passaram a compor um grupo de Estados independentes – como os Estados Unidos da América
–, baseados em novos tipos de nacionalismo, o que foi acompanhado de uma expansão dos
impérios coloniais ocidentais para o mundo não-ocidental: em 1914, os Estados ocidentais
reivindicavam 85% do território mundial. A maior parte dessa apropriação coube à Grã-
Bretanha7.
A hegemonia mundial britânica, então, adquiriu o caráter de um “imperialismo de livre-
comércio”8: assentou-se na acumulação em escala mundial com base no comércio e na extração
de tributos imperiais das colônias através de um domínio territorial inaudito. Esse capital era
investido no mundo inteiro e também formou a praça financeira mais poderosa do mundo, em
Londres, cidade que se tornou a “sede natural da haute finance”9.
A partir da nova ordem mundial erigida em torno do Império Britânico, no século XIX,
novos elementos tomaram forma na economia brasileira que não faziam parte da economia
colonial que vigorou por três séculos. O “padrão de desenvolvimento neocolonial”10, para
Florestan, ou a “dependência clássica”11, para Peter Evans, representou um novo tipo de
desenvolvimento no Brasil: o crescimento da renda per capita brasileira na segunda metade do
século XIX foi maior que o crescimento da renda per capita estadunidense no mesmo período.
As exportações aumentaram vertiginosamente, e, entre 1892 e 1912, quadruplicaram as
exportações que partiram do porto de Santos. O balanço de pagamentos era favorável.
Entretanto, seu leitmotiv permaneceu o mesmo: a exportação de commodities. Por isso, apesar
das diferenças, a prosperidade da economia brasileira ainda estava depositada no mercado
internacional de algumas commodities agrícolas12.
6
Arrighi, 1996.
7
Id., Ibid.
8
Id., Ibid., p.54, grifo do autor.
9
Arrighi, 1996, p.54, grifo do autor.
10
Fernandes, 2008, p.266.
11
Evans, 1979, p.57, tradução nossa.
12
Id., Ibid., p.57.
23
13
Cf. Evans, 1979.
14
Cf. Id., Ibid.
15
Fernandes, 2008, p.264.
16
Id., Ibid., p.265.
17
Id., Ibid., p.265.
24
18
Fernandes, 2008, p.265.
19
Id., Ibid., p.265.
20
Mello, 2009.
21
Id., Ibid.
25
22
Mello, 2009, p.45.
23
Cf. Id., Ibid.
24
Suzigan & Villela, 2001.
26
0 20 40 60 80 100
O gráfico 1 permite notar que, nos períodos de 1908-13 e 1919-29, são verificados
aumentos abruptos na importação de bens de capital que foram revertidos nos períodos
subsequentes e que estiveram atrelados a momentos favoráveis à exportação do café. O
crescimento industrial, portanto, deu-se a reboque do setor primário-exportador. Essa tendência
seria revertida apenas a partir da década de 1930, quando tem início o processo de
industrialização com substituição de importações, como veremos no tópico seguinte.
Até a década de 1930, quase 80% do valor exportado era representado pelos oito
principais produtos agrícola tradicionais (ver Gráfico 2). Nesse ínterim, as flutuações no preço
do café orientavam as tendências de longo prazo das relações de troca da economia e, portanto,
a evolução da capacidade para importar. As crises e os momentos de prosperidade do café se
traduziam em crises e prosperidades da própria economia, o que não significa que essa evolução
tenha tido efeitos econômicos positivos de longo prazo25.
25
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
27
O Gráfico 2 reitera não apenas a relação entre a evolução das exportações cafeeiras e os
surtos industriais, mas também aponta para as transformações estruturais a partir da década de
1930, quando a categoria “outros” aumenta continuamente em importância a despeito dos
produtos tradicionais, inclusive o café.
Até pelo menos o final da década de 1920, portanto durante toda a Primeira República,
a política econômica governamental foi vacilante e pouco propícia a um processo contínuo de
desenvolvimento industrial, não havendo um conjunto coordenado de medidas nesse sentido.
A defesa dos interesses da burguesia cafeeira e a implementação de políticas de contenção
frequentemente obstaram o desenvolvimento industrial no longo prazo. A política tarifária não
era protecionista, mas antes um instrumento de política monetária, já que o imposto de
importação era a maior fonte de receitas do governo federal. As tarifas incidiam
indiscriminadamente sobre bens de consumo, matérias-primas e bens de capital, fato que foi
atenuado, em alguns períodos, por meio da concessão de isenções para a importação de
matérias-primas e bens de capital. A política cambial, por outro lado, passou por fases em que
representou instrumento de defesa da produção interna, decorrentes das desvalorizações
cambiais originadas da escassez de divisas e da própria defesa dos interesses cafeeiros. Apesar
disso, a desvalorização cambial trazia o inconveniente, para a indústria, de que as matérias-
primas e bens de capital importados encareciam, o que representou proteção definitiva apenas
às indústrias de processamento de matérias-primas locais, como têxtil, vestuário e calçados,
bebidas, fumo e alimentos. Mais acentuadamente, a política monetária representou as maiores
limitações ao crescimento industrial. Isso se deveu às políticas de estabilização e de redução do
28
26
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
27
Cf. Id., Ibid.
28
Cf. Id., Ibid.
29
Id., Ibid., p.75.
29
30
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
31
Cf. Id., Ibid.
30
32
Cf. Furtado, 2006.
33
Gerschenkron, 2015, p.73.
34
Cf. Mello, 2009.
35
Mello, 2009, p.89; Tavares, 1998, p.131.
36
Cf. Mello, 2009; Tavares, 1998.
37
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
31
15,00
10,00
5,00
0,00
1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960
(5,00)
(10,00)
O Gráfico 3 revela que a evolução do PIB total do Brasil segue a evolução de seu PIB
industrial. Isso reforça a conclusão de que a indústria se torna o motor de crescimento da
economia quando tem início o processo de industrialização por substituição de importações.
O próprio processo de substituição de importações, por sua vez, conduzia à necessidade
de novas importações. Isso vale particularmente para as matérias-primas e bens de capital. Essas
necessidades esbarravam em uma limitada capacidade para importar particularmente durante a
Segunda Guerra Mundial, o que conduziu a novas substituições dentro do horizonte de
possibilidades.
32
Combustíveis e lubrificantes
Bens de consumo duráveis
Bens de capital
1929 7,5 11,2 46,2 8,4 26,7
1931 1,9 10,4 64,4 11,9 11,4
1937-38 6,2 7,1 53,2 9,8 23,7
1948 10,8 10,5 35,2 14,4 29,1
Fonte: Tavares, 1976.
38
Cf. Tavares, 1976.
33
dinâmicos da economia (nos períodos pré- e pós-1930) foi proporcionada pelas economias
externas que decorreram de um setor terciário mais desenvolvido e pela capacidade empresarial
disponível. Isso foi exacerbado pela ampla disponibilidade de fatores, particularmente terras
para a expansão da fronteira agrícola e mão-de-obra abundante de imigrantes para que houvesse
suficiente concorrência no mercado de trabalho sem pressão no sentido do aumento dos custos
da força de trabalho39.
A evolução no número de ocupados na indústria e na agricultura (Quadro 2) fornece um
panorama da industrialização restringida, baseado na expansão da fronteira agrícola e do nível
de emprego urbano.
Quadro 2 - Brasil, Pessoal ocupado por setor de atividade.
Agropecuária e indústria (1920-1970)
1920 1939-40 1949-50 1959-60 1970
Agropecuária 6 312 323 11 343 415 10 996 834 15 633 985 17 582 089
Indústria (total) - 851 755 1 346 423 1 799 376 2 699 969
extrativas - 35 433 36 809 45 714 65 339
de transformação - 816 322 1 309 614 1 753 662 2 634 630
Fonte: IBGE, Estatísticas do Século XX & IPEAdata.
Neste ínterim, o Estado brasileiro passou por alterações estruturais que acompanharam
a nova forma de inserção internacional do país decorrente da Grande Depressão e das novas
restrições no comércio mundial, originadas na eclosão da Segunda Guerra Mundial. O Estado
passa a intervir diretamente na economia por meio de um conjunto de medidas: as primeiras
empresas estatais nos setores de insumos básicos são criadas ao longo das décadas de 1940 e
1950, ao passo que o Estado promove a expansão da infraestrutura de energia e transportes, a
regulação da inserção externa através da valorização cambial, das licenças de importação e da
instauração das taxas múltiplas de câmbio, a regulamentação das relações de trabalho e, por
fim, ensaia as primeiras tentativas de expansão do crédito de médio e longo prazo para a
aquisição de máquinas e equipamentos industriais40.
Em suma, após a Revolução de 1930, o estrangulamento externo se associou à defesa
da renda do setor exportador através da compra dos estoques do café pelo governo federal para
sua destruição. Com isso, estimulou-se a diversificação da produção substituidora de
importações, que se estruturou sobre uma demanda pré-existente e foi assegurada pela reserva
de mercado obtida através de instrumentos de política econômica, particularmente de política
cambial e tarifária. As altas taxas de rentabilidade decorrentes desses fatores tornaram mais
atraentes os investimentos no setor industrial em lugar da expansão da cultura cafeeira, que já
39
Cf. Mello, 2009.
40
Cf. Draibe, 1985; Suzigan & Villela, 2001.
34
41
Cf. Tavares, 1998.
35
42
Tavares, 1998, p.154.
43
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
44
Mello, 2009, p.97.
45
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
46
Cf. Tavares, 1998. Segundo Tavares (ibid., p.163), “Esse volume de investimentos públicos, concentrado em
energia e transportes, já havia sido o indutor principal da instalação dos principais projetos estrangeiros no setor
de equipamentos pesados, basicamente na indústria naval e nos equipamentos elétricos pesados. [Já em 1962/63],
a instalação da Refinaria Duque de Caxias [...] foi responsável por boa parte da demanda à indústria de
equipamentos e máquinas-ferramenta nacional, que, sem essas encomendas, já teria experimentado antes sua
primeira importante crise de demanda”.
36
O setor de bens de consumo duráveis cresceu, em média, mais de 20% ao ano entre 1957
e 1961, mas esbarrou em problemas na estrutura da demanda que seriam resolvidos apenas a
partir de 1967 com a alta relativa dos salários dos trabalhadores qualificados, geralmente
ligados às transnacionais, e com a política de endividamento das classes médias, o que levaria
a indústria automobilística a assumir a liderança do processo de acumulação juntamente com o
setor de construção, durante o milagre econômico. A estrutura do setor de bens de consumo
não-duráveis, por sua vez, era naturalmente mais concorrencial dada a sua menor intensidade
em capital e suas condições de formação no Brasil, passando por importantes surtos de
crescimento desde o início do século XX e compondo-se predominantemente de capital
nacional. Mesmo isso, no entanto, passaria por alterações a partir da primeira metade da década
de 1960. Quando as taxas de lucro tenderam a cair, as empresas estrangeiras e as nacionais com
mais capital e tecnologia realizaram uma modernização parcial de suas instalações para reduzir
os custos de produção e aumentaram os esforços de venda através da diferenciação de seus
produtos, o que gerou economias de escala. O aumento das taxas de lucro foi seguido pela
destruição de pequenas e médias empresas regionais e de tipo semi-artesanal. Ao mesmo tempo,
em alguns setores, completa-se a desnacionalização, particularmente nas indústrias químico-
farmacêutica, de cosméticos e alimentícia, em que só sobreviveram poucas empresas nacionais
de grande porte, além de pequenas empresas que abasteciam mercados regionais restritos. Essa
desnacionalização não se dá através da competição, o que reduziria as margens de lucro, mas
antes pela compra ou pelo controle do capital47.
Dessa forma, o capital nacional foi obrigado a “aceitar” a entrada do capital estrangeiro
nos novos setores em um contexto de limitação relativa do Estado como empresário. O capital
industrial nacional, entretanto, passou por uma forte expansão no período com a formação de
um “oligopólio diferenciado”48: no setor metal-mecânico, por exemplo, a demanda derivada da
grande empresa estrangeira conduziu ao surgimento, crescimento e modernização da pequena
e média empresa nacional. Esse oligopólio era nucleado pela grande empresa estrangeira e tinha
um efeito sobre toda a cadeia produtiva, com um cordão de pequenas e médias empresas
nacionais assumindo as funções de fornecimento e distribuição49.
Em 1949, apenas duas indústrias – de alimentos e têxtil – eram responsáveis por mais
de 50% do valor da produção total das indústrias de transformação, enquanto nenhum outro
setor era responsável individualmente por mais de 10% desse valor. Em 1958 e em 1961, por
47
Cf. Tavares, 1998.
48
Mello, 2009, p.97.
49
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
37
sua vez, o valor da produção das indústrias de alimentos e têxtil baixou para 36% e 34%,
respectivamente. Por outro lado, houve aumento significativo na participação das indústrias que
puxaram o movimento da industrialização pesada: mecânicas, metalúrgicas, de material
elétrico, de material de transporte e química, cuja participação total no valor de produção passou
de 22% em 1949 para 38% em 1958 e para 41% em 1961, refletindo os resultados do bloco de
investimentos originado no Plano de Metas. As indústrias tradicionais – alimentos, bebidas,
fumo, couros e peles, têxtil, vestuário, madeira, mobiliário e editorial –, por outro lado,
reduziram sua participação no total de 70% em 1949 para 52% em 1958 e 49% em 1961. Isso
não significa que não tenha havido aumento em sua capacidade de produção, mas que se
expandiram em um ritmo muito inferior ao das indústrias mais dinâmicas50.
}
Editorial e gráfica 2,2 3,0
Mobiliário 0,3 -
1,0
Couros e peles 3,0 0,7
Total 15,6 11,3 9,7
Fonte: Tavares, 1976.
O Quadro 3 fornece um panorama dinâmico das alterações na composição das
importações para a indústria de transformação. Fica clara a substituição de importações nos
setores pesados, indicando alguma internalização do setor de bens de produção ao longo da
50
Cf. Tavares, 1976.
38
década de 1950. Mais especificamente, o Plano de Metas (1956-61) conduziu à queda relativa
das importações nos setores de material de transporte e de química e farmacêutica, enquanto o
leve aumento relativo das importações nos setores de mecânica e de material elétrico e de
comunicações são resultado principalmente da rápida instalação e expansão das indústrias
automotivas, bem como dos investimentos em infraestrutura por parte do Estado para permitir
o aumento da capacidade produtiva global da indústria. A considerável queda na importância
relativa das importações para a indústria de transformação como um todo corrobora a tese da
internalização do setor de bens de produção.
A relação salários/produtividade, na primeira fase da industrialização pesada, declinou
continuamente em todos os setores industriais. Não há, portanto, uma situação de
competitividade de preços, mas sim de competitividade no mercado de trabalho 51. Esse é o
padrão de “subdesenvolvimento industrializado”52 enunciado por Bresser Pereira: um
desenvolvimento “contraditório, desequilibrado, excludente, mas dinâmico [...]. O
subdesenvolvimento, neste caso, não se define pelo baixo desenvolvimento das forças
produtivas, mas [...] pelos profundos desequilíbrios que dividem a economia e a sociedade”53.
A burguesia e a tecnoburocracia tinham altos níveis de consumo em contraste com o nível de
consumo extremamente baixo da massa de trabalhadores, enquanto se destaca um setor
produtivo monopolista dominado pelas grandes empresas e pelo Estado empresário com
tecnologia altamente sofisticada e mercados oligopolizados, ao passo que as áreas tradicionais
e marginais da população se situam em um setor competitivo de pequenas e médias empresas54.
Além do acirramento dos conflitos sociais a que esse padrão de acumulação conduziu,
que foram sentidos particularmente no governo João Goulart, esse quadro leva também a uma
crise econômica de superacumulação e subutilização da capacidade instalada 55:
O aumento da produtividade conjunta do capital e do trabalho não se transfere
de forma proporcional nem aos preços, nem aos salários, ou seja, está-se no
marco de uma economia oligopólica que não é em geral competitiva em
preços, mas em que o mercado de trabalho é fortemente competitivo, exceto
para pequenos setores de mão-de-obra qualificada. Os problemas da tendência
à sobreacumulação das grandes empresas são, pois, muito mais dramáticos do
que nas economias maduras.56
A oligopolização dos setores dinâmicos da economia, um dos fatores de desequilíbrio
estrutural na primeira fase da industrialização pesada e, simultaneamente, consequência do
51
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
52
Pereira, 1998, p.71.
53
Id., Ibid., p.71.
54
Id., Ibid.
55
Cf. Rangel, 2012 [1963].
56
Tavares, 1998, p.178.
39
próprio processo, é evidente nos dados relativos ao estado de São Paulo disponíveis no Quadro
4. Em todos os setores considerados, a fatia da produção que cabia às três maiores empresas de
cada setor correspondia a pelo menos três quartos do total.
57
Cf. Giambiagi et.al. (org.), 2011, anexo estatístico.
58
Cf. Mello, 2009.
40
90 92,1
80 79,9
70
60
50 51,6
%
47,8
40 39,4
30 30,5
24,5 24,4
20
10 7 10,8
7,7 9,8 9,4 8,6 6,6
2,9 3,4
0 0,6
1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964
20,0
15,0
10,0
%
5,0
0,0
1940
1943
1946
1962
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
1941
1942
1944
1945
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1963
1964
-5,0
59
Cf. Draibe, 1985.
60
Cf. Id., Ibid.
42
61
Cf. Draibe, 1985.
43
62
Cf. Draibe, 1985.
63
Id., Ibid., p.94. Em contraste com os Estados europeus, segundo a autora, “em 1934, tratava-se de delimitar em
relação a recursos estratégicos passíveis de exploração industrial (e, portanto, intimamente vinculados ao
desenvolvimento econômico e à defesa nacional) a competência dos poderes público e privado, equacionando a
questão nacional nos seus termos contemporâneos, isto é, os da relação entre os capitais nacionais e estrangeiros”
(p.95-6). Ainda segundo a autora, a propriedade dos “recursos estratégicos passíveis de exploração industrial foi
o ponto de partida para a presença do Estado-empresário nessas áreas fundamentais para o desenvolvimento
econômico” (p.96).
64
Id., Ibid., p.100: “O formato e a dinâmica do aparelho econômico do Estado expressarão aquele projeto assim
como revelarão os limites impostos à autonomia do Estado por sua ‘substância social’”.
65
Id., Ibid., p.100.
44
66
Cf. Draibe, 1985.
67
Cf. Id., Ibid. A elaboração orçamentária por parte do DASP, aliás, suscitou a questão da neutralidade do
planejamento. Os funcionários do órgão insistiam que a elaboração do orçamento não imporia conteúdo e direção
de política econômica ao plano; o DASP seria apenas um instrumento da política econômica, fiscal e administrativa
do governo federal, em vez de determiná-la.
68
Cf. BRASIL. DECRETO-LEI N. 5.982 – DE 10 DE DEZEMBRO DE 1943. Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=5858>. Acesso em 16 jun. 2016.
45
69
Cf. Draibe, 1985.
70
Cf. Id., Ibid.
71
Cf. Id., Ibid., 117.
46
possibilitava o estabelecimento da direção política por parte do Estado, com sentido e conteúdo
determinados, irredutíveis às forças e interesses em luta. Nesse contexto, o presidente assume
papel primordial na definição do plano político72.
O projeto de industrialização pesada, assim, ganha seus primeiros contornos na década
de 1930 e adquire perfil mais nítido durante o Estado Novo. Um conjunto de investimentos em
infraestrutura e nas indústrias de base requeria, agora, mais do que órgãos de planejamento e
controle. Isso foi parcialmente contornado, na prática, pelo Estado, através do estabelecimento
de prioridades de investimento e da elevação da capacidade e eficiência da burocracia
econômica, o que produziu resultados “satisfatórios”73 no equacionamento das questões
relativas à industrialização e na formulação dos planos econômicos. Ainda maiores que os
problemas relativos aos projetos nacionais ou às condições para seu avanço, no entanto, eram
aqueles relativos à natureza da atuação do Estado e à questão do financiamento da
industrialização. Até esse momento, da criação da CEXIM à SUMOC, em 1945, o controle
estatal foi exercido através de regulações mais abrangentes para o comércio exterior, o controle
do crédito e do fluxo de moeda74.
O projeto industrializante do Estado dependia da sustentação da rápida expansão
industrial e, simultaneamente, do encontro de soluções técnicas e financeiras para a implantação
do setor de bens de produção, extrapolando a questão meramente fiscal. As opções eleitas pelo
governo foram o empréstimo externo e a empresa pública “para enfrentar o volume fantástico
de capital requerido e as condições da tecnologia internacionalmente monopolizada” 75.
A ausência de um sistema de crédito adequado levou à consciência da necessidade de
criação de um banco de investimentos, explicitada por meio de propostas de variados setores.
Em 1937, foi criada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, responsável
72
Cf. Draibe, 1985. A autora (id., p.118) não deixa dúvidas de que um projeto nacionalista de desenvolvimento
econômico em torno do governo federal se consolidou no Estado Novo: “No caso em que nos interessa, conteúdos
como a industrialização, o planejamento, a intervenção econômica profunda do Estado ou a empresa pública como
alternativa de financiamento do projeto de instalação das indústrias de base ganhavam definição e corpo no
‘programa político-econômico’ definido ao nível da Presidência, durante o Estado Novo. É claro que o núcleo
político do Estado, embora autoritário e dispondo de autonomia para a elaboração e exercício de sua direção,
esbarrava intermitentemente nos limites intransponíveis estabelecidos pelo equilíbrio instável de suas forças de
sustentação. Uma das últimas medidas do governo ditatorial prova que os rumos traçados a partir da Presidência
contemplavam, efetivamente, a intenção de criar um órgão geral de coordenação e planificação. Em fevereiro de
1945, tendo em vista as resistências explícitas que a questão de planificação despertava, e na seqüência das
frustradas tentativas de contorná-las, buscou-se mudar o formato previsto pela Carta de 1937 para o Conselho da
Economia Nacional, ‘limpando-o’ de seus conteúdos corporativos e adaptando-se às condições políticas do
processo de democratização em curso”.
73
Cf. Id., Ibid., p.119.
74
Cf. Id., Ibid..
75
Id., Ibid, p.122.
47
76
Cf. Draibe, 1985.
77
Cf. Id., Ibid., p.124-5. O DASP afirmou literalmente que “a solução preferida pelo governo para a constituição
dos capitais e da direção das empresas que se destinem aos setores industriais básicos é a da empresa estatal ou de
economia mista”.
78
Id., Ibid., p.125.
79
Cf. Id., Ibid.
80
Cf. Id., Ibid. O caso da CSN é elucidativo a esse respeito. Getúlio Vargas se utilizou habilmente do contexto da
Segunda Guerra Mundial para financiar a indústria siderúrgica com capital público estadunidense (do Eximbank).
A siderurgia foi implementada diretamente pelo Estado, que acertou o pagamento do empréstimo através das
exportações de minério de ferro. Cf. Id., Ibid.
48
81
Draibe, 1985, p.127.
82
Cf. Pereira, 1998; Mello, 2009; Tavares, 1976.
83
Cf. Draibe, 1985.
49
Demandaria, também, um novo pacto político, pois as limitações eram parte de sua própria base
de sustentação84.
Até então, os processos decisórios ganharam consistência por meio da rede de
funcionários que se constituiu no interior do aparelho estatal nos diferentes conselhos e
comissões com poder decisório em áreas estratégicas, como o BB e suas distintas carteiras e as
diretorias das empresas estatais. Os fundos vinculados serviram para a canalização de recursos
tributários, mas reforçavam o caráter parcial dos planos e impediam a redistribuição dos
recursos por meio de uma pauta geral e flexível 85.
Desse modo, ficam claros os delineamentos que se desenham ao longo das décadas de
1930 e 1940. A Grã-Bretanha não figurava mais como o principal concorrente estadunidense
pelos investimentos produtivos no Brasil, mas sim outros países da Europa Ocidental,
particularmente a Alemanha, e o Japão. As corporações transnacionais que se estruturaram
nesses novos locais privilegiados de acumulação tiveram um efeito cascata sobre os
investimentos das corporações transnacionais do mundo todo: cada uma delas, ao avaliar os
riscos e as oportunidades do investimento de capital na indústria brasileira, confrontava-se com
a possibilidade de grandes corporações de outros países tomarem o mercado em expansão, ao
mesmo tempo em que se deparavam com a possibilidade de perder o capital investido por
diferentes razões – gargalos infraestruturais, deterioração das relações de câmbio ou mesmo
instabilidade política etc.86
Isso trouxe a novidade, para o Brasil, de não mais lidar diretamente com uma única
potência hegemônica atuando no país, mas, cada vez mais, com transnacionais de diferentes
procedências, o que abriu as portas para ajustamentos institucionais e forneceu alguma margem
de manobra ao governo brasileiro:
Em suma, enquanto as multinacionais podem obviamente contar com suporte
político de seus países de origem, o suporte é provavelmente limitado. O
enfraquecimento das relações entre as multinacionais e seus Estados de
origem brota tanto de seu envolvimento crescente na organização interna da
economia brasileira como da competição crescente entre investidores de
diferentes origens estrangeiras. Uma vez que as multinacionais não se sentem
mais abrigadas seguramente pelo guarda-chuva do controle político exercido
por seus Estados de origem, ter aliados locais se torna uma necessidade. A
internalização de suas próprias operações produtivas no interior da economia
brasileira tornou ainda mais essenciais as alianças locais. A criação de
alianças, no entanto, também requer a existência de elites locais que possuem
84
Cf. Draibe, 1985.
85
Cf. Id., Ibid.
86
Cf. Evans, 1979.
50
87
Evans, 1979, p.83, tradução nossa.
88
Id., Ibid., p.92, tradução nossa.
51
bens de produção ainda não havia sido internalizado, o que fazia com que o sentido da
industrialização brasileira ainda se encontrasse fora do país, dependente que era das máquinas
e equipamentos estrangeiros.
A alta concentração de renda demandava a diversificação do setor de bens de consumo
duráveis, que, por sua vez, necessitava da expansão do setor de bens de produção. A
internalização desses dois setores, portanto, fazia-se necessária para que se mantivessem as
taxas de acumulação no setor industrial. Isso não seria possível sem investimentos de grande
porte, que, por mais que fossem baseados no desenvolvimento anterior, não poderiam se dar de
forma gradual e sem um salto qualitativo devido à estrutura da demanda e ao contexto
internacional de monopolização da tecnologia e de capitais por grandes empresas que já haviam
adquirido caráter oligopólico. O salto qualitativo se traduziu em um bloco de investimentos
materializado pelo Plano de Metas, baseado no investimento direto do capital estrangeiro e nos
investimentos estatais nas indústrias de base. O padrão de desenvolvimento que se inaugurou
aí exacerbou a concentração de renda na economia e levou à oligopolização dos mercados
dinâmicos na economia brasileira, dado o alto nível de investimentos requerido por essa fase
da industrialização e a proteção contra as importações. Os salários se descolaram cada vez mais
da produtividade. Com a estrutura oligopólica dos mercados, então, não houve deflação de
preços e salários, mas, ao contrário, a inflação se acentuou simultaneamente ao aumento das
margens de lucro, o que não se traduziu em investimentos produtivos porque a capacidade
instalada já era superior às necessidades da demanda. O setor público, por sua vez, financiava
seus investimentos por via inflacionária e através de empréstimos externos, o que levou a uma
situação insuportável em um contexto de restritas bases fiscais e tributárias. Houve, então, uma
crise de superacumulação no setor oligopolizado, dominado pelas grandes empresas
estrangeiras, e um déficit crescente no setor público, acompanhados por inflação e, assim, queda
na participação dos salários reais. Esses graves desequilíbrios estruturais conduziram às crises
econômica e política que assolaram o país na primeira metade da década de 1960, demandando
um novo salto qualitativo.
O avanço econômico que ocorreu entre as décadas de 1930 e 1960 não pode ser
destacado da estrutura administrativa centralizada que lhe deu suporte. Ela promoveu a
expansão do capital privado e criou espaço para as empresas transnacionais. Nos anos 1960, o
padrão de interação seguido até então chega a um processo de exaustão, ou seja, não há uma
estrutura capaz de gerir os novos investimentos transnacionais. O sistema econômico adquire
automatismo, e o Estado não tem capacidade de atuar sobre ele. Neste contexto, acirram-se os
debates sobre os rumos do desenvolvimento, cujo desfecho se delineia no início da década de
52
1960. A seção seguinte fornecerá o tom desses debates para que possamos compreender o
posicionamento de Delfim Netto e suas implicações, que veremos no capítulo 3.
53
A paulatina evolução das forças produtivas no Brasil, as alterações nas relações externas
e as transformações na forma do Estado brasileiro, as quais vimos no capítulo anterior, foram
solo fértil para o surgimento de intelectuais que analisaram a realidade brasileira com o objetivo
de fornecer diretrizes claras de desenvolvimento econômico e social. Isso ocorreu naquele
momento específico por uma série de razões, dentre as quais a crescente preocupação acerca
do planejamento nos países centrais, assim como a percepção cada vez mais aceita de que a
história dos países desenvolvidos não se repetiria no Brasil, exigindo um tipo diferente de ação
estatal.
Nesta seção, faremos a exposição de alguns dos autores que mais marcaram o
pensamento econômico brasileiro entre as décadas de 1930 e 1960. Via de regra, apesar de sua
formação eclética – economia, direito, engenharia ou história –, todos tratam da problemática
do desenvolvimento brasileiro e da industrialização. Sua formação e sua atividade intelectual e
prática naturalmente se refletem nos diferentes caminhos teóricos que trilham. O objetivo aqui
é sistematizar alguns elementos de seu pensamento com o propósito final de situar, em capítulos
seguintes, o posicionamento de Delfim Netto sobre este debate, que muitas vezes não é
explícito. Não é simples a tarefa de extrair as concepções fundamentais desses autores de forma
que o todo adquira algum grau de coesão – e buscamos manter as análises dentro dos marcos
em que os escritos nos autorizam transitar. Não poderia ser diferente quando se trata de cotejar
Roberto Simonsen, Eugênio Gudin, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Roberto Campos. Na
medida do possível, portanto, a exposição abaixo servirá como arrimo e referência para o que
virá em seguida. Nesse sentido, priorizamos as obras de até meados da década de 1960, quando
Delfim Netto também está produzindo.
Após uma breve introdução relativa à institucionalização da ciência econômica no
Brasil, situaremos os autores em diferentes correntes teóricas – associadas a diferentes
atividades práticas dentro e fora de organismos estatais e instituições acadêmicas – com auxílio
das análises consagradas de Ricardo Bielschowsky, Lourdes Sola e Maria Rita Loureiro. Em
seguida, passaremos à exposição dos textos mais representativos relativos aos temas
desenvolvimento e industrialização dos cinco autores supracitados no período que nos interessa
– as décadas de 1930 a 1960. Para a exposição do pensamento de Roberto Simonsen, utilizamos
54
89
Cf. Simonsen & Gudin, 2010.
90
Cf. Simonsen, 1973.
91
Cf. Prado Jr., 2001.
92
Cf. Furtado, 1962; 1964; 2006.
93
Cf. Campos, 1963.
94
Cf. Id., 1964.
95
Cf. Bielschowsky, 2000; Sola, 1998; Loureiro, 1997.
96
Loureiro, 1997, p.23.
97
Cf. Furtado, 2006.
55
98
Cf. Loureiro, 1997.
99
Cf. Biderman et. al., 1996.
100
Cf. Loureiro, 1997. Para uma exposição mais detalhada da criação da FNCE e da faculdade de economia da
USP, cf. a mesma autora.
101
Cf. Delfim Netto, 2012. Delfim Netto é categórico quando fala desse momento: “É uma coisa fantástica. Eu
gastei 6 mil réis com um selinho para, depois, viver a vida inteira na universidade. [...] Aquilo garantiu minha
vida”.
102
Cf. Macedo, 2001.
56
103
Loureiro, 1997, p.23.
104
Id., Ibid., p.27-28.
105
Id., Ibid., p.32. Delfim Netto se situará em outro contexto. Ele representa a primeira geração de economistas
profissionais que tem seu saber técnico instrumentalizado por forças políticas que não são colocadas em xeque.
57
106
Cf. Loureiro, 1997.
107
Id., Ibid., p.49.
108
Bielschowsky, 2000, p.7.
109
Id., Ibid., p.247.
110
Cf. Id., Ibid.
58
Em linhas gerais, o liberalismo que ganhou os holofotes no debate brasileiro nas décadas
de 1940 e 1950 baseou sua argumentação na defesa do livre-comércio como forma de alocação
eficiente dos recursos internos e externos da economia através dos mecanismos de mercado.
Sua palavra de ordem seria a eficiência econômica, cujas bases seriam os equilíbrios monetário
e financeiro. Mais do que a industrialização, a indústria existente foi sua verdadeira inimiga:
era acusada de lesar os consumidores por conta de seus altos lucros e generalizada ineficiência
– amparados pelo protecionismo alfandegário – e de impedir o desenvolvimento de atividades
mais eficientes – a saber, a agricultura –, pois era destino privilegiado do crédito bancário por
meio da política econômica governamental. O pensamento liberal, como o de Gudin, defendia
radicalmente a empresa privada e confiava no poder restaurador das leis do mercado, opondo-
se ao planejamento. Seguia a ortodoxia liberal e, por isso, visava ao equilíbrio orçamentário e
no balanço de pagamentos no interior de uma estratégia inflexivelmente anti-inflacionária111.
O pano de fundo do desenvolvimentismo – indissociável do pensamento da CEPAL112
– foi a defesa da industrialização como meio de superação da pobreza e do subdesenvolvimento
através do planejamento – que conferiria racionalização ao processo de industrialização – a
partir do planejamento estatal. Bielschowsky subdivide o pensamento desenvolvimentista em
três correntes: desenvolvimentismo do setor privado, desenvolvimentismo nacionalista do setor
público e desenvolvimentismo não nacionalista do setor público113.
O precursor da corrente desenvolvimentista do setor privado, mas também da ideologia
do desenvolvimentismo no Brasil em todas as suas vertentes, é Roberto Simonsen. Ele defendia
a industrialização planejada para além dos interesses do capital industrial privado nacional. Para
ele, o desenvolvimento teria como base uma estrutura industrial moderna. Somente assim, o
“atraso brasileiro”114 seria superado. Ele preocupou-se com a instalação de uma indústria de
base e com investimentos estatais diretos nos setores básicos. Simonsen também preconizava o
fortalecimento do mercado interno como mecanismo de defesa contra crises econômicas por
meio da elevação do poder de compra e do aumento da produtividade.
Celso Furtado, que foi um dos grandes responsáveis pela introdução da tese
estruturalista no Brasil, foi representante da corrente desenvolvimentista nacionalista do setor
público. Furtado – ele próprio membro relevante da Cepal – defendia que o Estado deveria
ampliar a intervenção na economia, combinando industrialização, planejamento e
111
Cf. Bielschowsky, 2000; Sola, 1998.
112
Cf. Bielschowsky, 2000.
113
Cf. Id., Ibid.
114
Id., Ibid., p.82.
59
investimentos estatais em setores básicos. Pode ser mencionado também como representante da
corrente desenvolvimentista nacionalista do setor público Rômulo Almeida, para quem o
desenvolvimento integral e autônomo do capitalismo brasileiro deveria passar pela intervenção
do Estado para ativar o setor privado, romper entraves de infraestrutura física e integrar
plenamente a nação115. O desenvolvimento econômico nacional traria consigo a promessa do
combate às desigualdades social e regional.
Embora, como já vimos em outros termos, as duas correntes tenham se aliado entre si e
com outras forças sociais na década de 1940 em torno de um projeto nacional amplo, o
desenvolvimentismo do setor privado assumia uma posição intermediária entre os
desenvolvimentistas nacionalistas e os não nacionalistas.
O desenvolvimentismo nacionalista do setor público, que tem o nacionalismo em
comum com a corrente privada em um contexto de acirramento dos sentimentos
antiimperialistas, não prezava a iniciativa privada em detrimento da justiça social, mas
subordinava aquela a esta e, portanto, defendia a tributação de altos lucros como meio de
capitalização do Estado, entre outras medidas. O Estado seria o “guardião dos interesses
coletivos da nação e o promotor da unificação nacional”116.
A corrente desenvolvimentista não nacionalista do setor público, na qual se destacam
nomes como Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva, acreditava que o capital
estrangeiro poderia dar grandes contribuições para a industrialização do Brasil. Eles defendiam
o apoio do Estado apenas nas áreas em que não houvesse interesse por parte do capital
estrangeiro e do capital privado nacional117, e aceitavam consequentemente um planejamento
apenas parcial. Campos, a partir da segunda metade da década de 1950, opõe-se à tese
estruturalista da Cepal. Grosso modo, não acreditava que a inflação fosse inerente ao
crescimento, mas sim que as políticas monetária e fiscal poderiam contê-la sem que o
desenvolvimento econômico fosse afetado – com estabilização, contenção de crédito e de
despesas públicas. Em seu diagnóstico, a corrente confere maior responsabilidade aos erros de
política econômica do que aos problemas estruturais, o que os leva a propor terapêuticas
distintas daquelas propostas pelos nacionalistas em relação ao papel do Estado. A modificação
115
Cf. Souza & Assis, 2006.
116
Bielschowsky, 2000, p.251.
117
Para esse grupo, segundo Bielschowsky (2000, p.104), “[...] o Estado não devia ocupar o espaço em que a
iniciativa privada pode atuar com maior eficiência. Como os conflitos concretos davam-se no nível de inversões
em grandes projetos de infra-estrutura e mineração, para os quais o capital privado nacional não tinha suficiente
porte financeiro, a posição dos desenvolvimentistas não nacionalistas correspondia à opção pelo capital
estrangeiro, preferencialmente ao capital estatal. [...] Caracterizavam-se também pela ênfase que davam à
necessidade de controle da inflação, e não hesitavam em apoiar medidas de estabilização monetária.”
60
do padrão existente de distribuição de renda, para este grupo, não faz parte do processo de
desenvolvimento, mas se subordina a altas taxas de crescimento econômico. Outra diferença
fundamental deste grupo em relação aos nacionalistas do setor público repousava no fato de
que a participação do capital estrangeiro seria essencial para o desenvolvimento brasileiro no
sentido de proporcionar a estabilidade econômica necessária a um processo sustentável de
crescimento118.
Lourdes Sola realiza uma classificação alternativa e possivelmente complementar do
pensamento econômico brasileiro nas décadas de 1930-60119. Os intelectuais da corrente
desenvolvimentista não nacionalista do setor público são classificados por ela como
“cosmopolistas”120, ao passo que os desenvolvimentistas nacionalistas do setor público são
chamados apenas “nacionalistas” ou nacional-desenvolvimentistas121. O que importa assinalar
brevemente é a constatação de Sola de que, após a reforma administrativa levada a cabo por
Kubitschek nos anos 1950, os nacionalistas e a vertente desenvolvimentista dos cosmopolitas
convergiram temporariamente ao defenderem o crescimento econômico acelerado a partir de
suas posições decisórias no interior do Estado – os nacionalistas na Assessoria Econômica da
Presidência e os cosmopolitas na Comissão Mista Brasil-EUA. Essa reforma “viabilizou a
concentração de expertise técnica em novos órgãos estatais estratégicos para a gestão do projeto
de desenvolvimento, ao mesmo tempo que tornou possível mantê-los insulados em relação às
pressões diretas do sistema partidário”122.
Tanto os técnicos nacionalistas como os cosmopolitas em suas duas vertentes são
classificados por Sola como “técnicos em fins”123, isto é, teriam como contrapartida de sua
produção intelectual uma atividade prática que se valeria de seu saber técnico e científico não
apenas para a intervenção estritamente econômica na realidade, mas também para a intervenção
política extrapartidária. Isso teria ocorrido através de agremiações como o Clube de
Economistas, em que havia “adesão aberta a práticas de intervenção política”124 a partir de
118
Cf. Sola, 1998.
119
Cf. Id., Ibid. Como sua formulação se refere a técnicos, os desenvolvimentistas do setor privado perdem espaço
em sua análise relativamente à de Bielschowsky.
120
Id., Ibid., p. 133. A categoria dos cosmopolitas inclui também os liberais. Para nossos propósitos aqui,
cosmopolitas se referirá particularmente a sua ramificação desenvolvimentista, ou seja, os desenvolvimentistas
não nacionalistas do setor público.
121
Cf. Id., Ibid., p.46.
122
Id., Ibid., p.54-56. A reforma originou adicionalmente um “efeito desalojamento” que afetou indivíduos e
conjuntos de instituições em graus variáveis através do desalojamento de “setores inteiros da antiga burocracia”
do processo decisório crucial para a acumulação de capital.
123
Id., Ibid.
124
Id., Ibid., p.161.
61
ideais políticos e sociais aglutinadores, e de dentro do aparelho de Estado, como foi o caso da
SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e do BNDE. Tal padrão de ação
implicava uma atitude diferente daquela dos partidos, isto é, um reformismo que não buscava
retornos eleitorais imediatos125, e derivou da precária institucionalização partidária, devida ao
“baixo teor de controle que os partidos exerceram sobre as principais questões de política
econômica”126.
Segundo Sola, entre os nacionalistas e os cosmopolitas, havia diferenças claras de
posicionamento que se revelaram sobretudo após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. A tese
central dos nacionalistas se baseava no fortalecimento do Estado como um protagonista do
desenvolvimento. Sua coesão ideológica girava em torno da equação Estado forte, projeto de
desenvolvimento nacional e fortalecimento das instituições democráticas. Para os cosmopolitas,
por outro lado, a principal referência era o mercado, e não a nação. Seu objetivo era a plena
integração do Brasil no sistema internacional dominado pelos Estados Unidos, o que, segundo
Sola, teria apresentado maiores condições de viabilidade quando a Guerra Fria passou a exigir
a lealdade ideológica dos países periféricos. Assim, “esse bloco defendia um modelo de
associação entre o capital nacional e o estrangeiro no qual o Brasil seria um importante parceiro
latino-americano dos Estados Unidos”127.
O saber científico desses técnicos, então, era posto a serviço de posições ideológicas
divergentes. Por isso, o técnico em fins, em todas as vertentes, contrasta com um personagem
que entra plenamente em cena no Brasil apenas após o Golpe de 1964: o “tecnocrata” 128. Este
utilizava, como verificaremos em nossa análise de Delfim Netto, seu saber científico como
fonte autônoma de autoridade política e, ao mesmo tempo, assumia relativa neutralidade
ideológica com base nos princípios universais e impessoais da ciência e da eficiência técnica 129.
O contraste com os técnicos nacionalistas não podia ser mais marcante, pois estes
associavam sua posição de decisores – permeada por compromissos políticos – com “seu papel
(auto-imposto) de ‘porta-vozes’ do povo”130. O próprio Celso Furtado aponta para o fato de que
a doutrina cepalina preencheu um vazio ideológico no Brasil ao oferecer uma análise global da
economia brasileira e propor estratégias de planejamento baseadas em uma análise concreta e
125
Cf. Id., Ibid.
126
Sola, 1998, p.58-59.
127
Id., Ibid., p.140.
128
Id., Ibid., p.45.
129
Cf. Id., Ibid., p.45. O Golpe de 1964 abriria o caminho para a consolidação da figura do tecnocrata como
“economista-rei” – supostamente à parte e acima das disputas ideológicas.
130
Id., Ibid., p.61.
62
precisa do sistema econômico e de suas tendências estruturais, encarnando uma terceira via
ideológica entre o liberalismo econômico e o marxismo brasileiro. Seu papel foi tão importante
que mesmo seus adversários mais ortodoxos, como Gudin e Bulhões, “viam-se forçados a
defender suas posições em termos definidos no seu quadro analítico”131. Diferentemente dos
nacionalistas, os cosmopolitas tinham grande circulação universitária, como é o caso de
Roberto Campos, Eugênio Gudin e Octávio Bulhões. Por isso, o relativo ostracismo acadêmico
a que foram relegados os nacionalistas os levou a criar outras instâncias de sociabilidade.
Furtado, por exemplo, aproximou-se de órgãos como a Assessoria Econômica de Vargas, de
que faziam parte nomes como Rômulo Almeida e Ignácio Rangel, e também fundou o Clube
dos Economistas, que lançou a Revista Econômica Brasileira, destinada a se apresentar como
alternativa às concepções representadas pela FGV-RJ e sua Revista Brasileira de Economia,
ligada ao pensamento econômico cosmopolita132.
Nos próximos tópicos desta seção, examinaremos os textos mais representativos dos
técnicos em fins de diferentes matizes teóricos relativamente aos problemas da industrialização
e do desenvolvimento no Brasil.
Roberto Cochrane Simonsen (Santos, 1889 – Rio de Janeiro, 1948) teve uma atividade
profissional prolífica, participando de inúmeras iniciativas empresariais após sua formação
como engenheiro aos 21 anos na Escola Politécnica de São Paulo. Atuou por décadas como
131
Id., Ibid., p.62.
132
Cf. Loureiro, 1997.
63
engenheiro civil em empresas de que foi sócio, como a Companhia Construtora de Santos
(1912-1940). Além disso, entre outras iniciativas, foi diretor da Companhia Nacional de
Artefatos de Cobre (1926-1928), presidente da Companhia Nacional de Borracha (1926-1927)
e presidente do Sindicato Nacional de Combustíveis Líquidos (1923-1928), época em que lidera
a cisão da Associação Comercial e torna-se um dos fundadores do Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo (CIESP, 1928). Praticou paralelamente o comércio de café e, após a
Revolução de 1930, participou ativamente da mobilização industrial paulista durante a chamada
Revolução Constitucionalista de 1932, sendo eleito deputado pela Assembleia Nacional
Constituinte (1934-1937). Idealizou a criação do SENAI e do SESI. Foi eleito senador em 1946
e apoiou a cassação dos mandatos comunistas em 1947, um ano antes de sua morte. Foi também
um dos fundadores da FIESP em 1931 e ocupou sua presidência de 1938 a 1946133.
A atividade intelectual de Simonsen caminhou pari passu com sua atividade
empresarial. Ele se utilizou largamente da história econômica brasileira a fim de apontar
caminhos para o desenvolvimento econômico do país no interior de uma visão de mundo que
compatibilizava o desenvolvimento com sua atividade de industrialista. Suas formulações
teóricas estiveram geralmente ligadas a atividades práticas (como a Controvérsia do
Planejamento, indissociável de sua atuação no CNPIC)134.
Nosso interesse em Roberto Simonsen extrapola suas análises de história econômica,
que, ademais, tiveram o propósito fundamental de embasar suas ilações de política econômica
e planejamento. Cabe apontar a inclinação do industrialista para utilizar o que se produzia
intelectualmente nos países do centro do capitalismo, ressalvando com frequência a utilização
de métodos estranhos ao nosso meio, como ele o faz na Controvérsia135.
Roberto Simonsen é considerado o patriarca do desenvolvimentismo brasileiro, embora
não utilize o termo desenvolvimento com abundância, mas antes prefira termos sinonímicos
como “adiantamento de um povo”136, “evolução econômica”137, “progresso”138 ou mesmo
melhoramento da “sorte da humanidade” 139. De todo modo, para ele, desenvolvimento é
sinônimo de avanço industrial, pois “a independência econômica e, portanto, a perfeita
independência política só pode existir, na generalidade dos casos, nos Estados em que se
133
Cf. Simonsen, 1973; Loureiro, 1997.
134
Cf. Simonsen, 1973.
135
Cf. Simonsen, 1973; Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010.
136
Simonsen, 1973, p.54.
137
Id., Ibid., p.5.
138
Id., Ibid., p.54.
139
Id., Ibid., p.54.
64
140
Id., Ibid., p.55.
141
Id., Ibid., p.55.
142
Cf. Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010.
143
Simonsen, 1973, p.56.
144
Id., Ibid., p.57.
65
145
Cf. Id., Ibid., p.57.
146
Cf. Id., Ibid.
147
Simonsen, 1973, p.58.
148
Cf. Id., Ibid.
149
Id., Ibid., p.59.
150
Id., Ibid., p.61. Roberto Simonsen afirma que “é pelo aumento da produção em geral que temos de obter o
aumento do ganho médio e, portanto, o aumento do consumo médio por habitante”.
66
151
Id., Ibid., p.62.
152
Simonsen, 1973, p.62.
153
Id., Ibid., p.62.
154
Id., Ibid., p.64.
155
Id., Ibid, p.65.
156
Id., Ibid., p.70.
157
Id., Ibid., p.71-72.
67
um valor que será adotado pelas correntes desenvolvimentista nacionalista do setor público e
desenvolvimentista não nacionalista do setor público como um elemento nuclear, Simonsen
condena a absorção acrítica de doutrinas estrangeiras sem o devido estudo das condições
econômicas brasileiras.
Simonsen enuncia que “O Brasil não compreendeu que à frente do movimento livre-
cambista que se esboçou na Europa, a partir de 1860, se encontravam a Inglaterra, a Holanda e
a França, países onde a industrialização estava mais avançada e que, portanto, só tinham a lucrar
com a abolição generalizada das tarifas aduaneiras”158. E propõe ainda uma instrução de política
econômica:
A observação de nosso passado, do que é nosso, num objetivismo alheio a
doutrinas exóticas, nos leva à convicção de que um importante passo para o
fortalecimento da nossa economia deve ser a restrição das compras, dentro o
limite de nossas possibilidades, e a seleção de nossas importações dentro do
critério de nossa necessidade e do nosso fortalecimento econômico. 159
Em seu primeiro texto da Controvérsia, baseando-se no relatório da Missão Cooke de
1942, Simonsen defende que a industrialização brasileira teria de desenvolver menor
dependência da importação de petróleo, de carvão mineral e metais especiais e equipamentos.
Além disso, o Brasil careceria de capitais e mão-de-obra especializada ao mesmo tempo em
que a legislação brasileira e a organização econômica do país não favoreceriam a imigração e
os investimentos estrangeiros, assim como não estimulariam a mobilização de capitais
nacionais para fins produtivos. O progresso material observado no Brasil, segundo Simonsen,
autorizaria prever “profundas intranquilidades sociais [...] em futuro próximo”160.
Por isso, a planificação da economia brasileira seria imperativa. Ela teria de ser levada
a cabo através da ciência e da técnica modernas, a exemplo do que se fez em outros países
durante a Segunda Guerra Mundial – como Rússia, Turquia, Estados Unidos e Inglaterra. As
informações agregadas disponíveis sobre a economia brasileira possibilitariam a elaboração de
um programa de planificação, cujo núcleo deveria ser a industrialização a fim de que se
aumentasse a renda média interna simultaneamente ao aperfeiçoamento da produção agrícola,
que forneceria capital e consumidores à indústria. Para tanto, Simonsen defende a tomada de
158
Simonsen, 1973, p.81. Simonsen (p.81-82) prossegue: “O próprio Adam Smith, se revivesse no Brasil, ficaria
estarrecido com a aplicação indiscriminada que aqui desejamos fazer de seus princípios, decorrentes da observação
de um outro ambiente, exatamente a um tempo em que a Inglaterra iniciava sua expansão industrial, com um
notável avanço sobre os demais povos em seu aparelhamento técnico e financeiro. Essa expansão só se poderia
assegurar pela conquista dos mercados internacionais. [...] O Brasil, país pobre, com uma exportação per capita
mínima e cada vez menor, não pode, absolutamente, adotar os tratados de comércio estandardizados, preferidos
pelas grandes nações industrialistas e capitalistas”.
159
Id., Ibid., p.85.
160
Id., Ibid., p.304.
68
empréstimo junto aos Estados Unidos para o financiamento desse programa, que se daria
através de planos quinquenais161.
Não menos importante é a concepção de Simonsen, explicitada na Controvérsia, em
relação à intervenção estatal:
O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as várias
entidades de classe, para que dentro do preceito constitucional, fosse utilizada,
ao máximo, a iniciativa privada e não se prejudicassem as atividades já em
funcionamento no país, com a instalação de novas iniciativas concorrentes.
Proporcionar-se-iam, ao mesmo tempo, os meios indispensáveis à renovação
do aparelhamento já existente. 162
Simonsen atenta, mais uma vez, à particularidade da estrutura econômica brasileira:
Ora, não é possível assemelhar a estrutura econômica de países fortemente
aparelhados e de produção diversificada industrial e agrícola, com a dos que
exploram poucos produtos e, ainda estes, de natureza “colonial”. Essa é uma
das causas da nossa permanente insuficiência e insegurança econômicas. 163
Por fim, Simonsen cimenta sua defesa do planejamento:
O planejamento econômico é uma técnica e não uma forma de governo. Não
exclui os empreendimentos particulares. Pelo contrário. Cria um ambiente de
segurança de tal ordem que facilita o melhor e mais eficiente aproveitamento
da iniciativa privada, que está intimamente ligada ao conceito da
propriedade.164
Para Simonsen, portanto, a industrialização era o modo de superar o atraso e a pobreza
brasileiros. Para isso, ele concebia uma industrialização integrada entre todos os setores da
economia. Ele defendia o suporte estadunidense para o fornecimento de equipamentos e
matérias-primas que permitisse dar continuidade ao projeto de industrialização. Além disso,
como os mecanismos de mercado seriam insuficientes para que o processo fosse bem-sucedido,
Simonsen enfatizava a necessidade de apoio governamental, particularmente através do
protecionismo e do planejamento, mas também a intervenção direta do Estado na economia por
meio de investimentos nos setores básicos em que não houvesse interesse por parte da iniciativa
privada. O fortalecimento do mercado interno diminuiria a vulnerabilidade brasileira às crises
internacionais e conferiria, assim, efetiva independência política ao Brasil.
Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 1886 – Rio de Janeiro, 1986) formou-se em
engenharia civil aos 19 anos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Participou em diversos
161
Id., Ibid.
162
Simonsen, 1973, p.307, grifo nosso.
163
Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.133.
164
Id., Ibid., p.135.
69
165
Cf. Loureiro, 1997; Bielschowsky, 2000.
166
Cf. Bielschowsky, 2000, p.91 e seguintes.
167
Para as posições liberais de Joaquim Murtinho referentes ao mercado cafeeiro no final do século XIX, quando
era ministro da Fazenda, cf. Delfim Netto, 2009, p.44-45.
168
Cf. Love, 1998; Bielschowsky, 2001.
70
169
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010.
170
Cf. Id., Ibid.
171
Id., Ibid., p.61.
172
Cf. Id., Ibid.
173
Id., Ibid., p.69.
71
174
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010.
175
Id., Ibid., p.77.
176
Id., Ibid., p.78.
177
Cf. Id., Ibid.
178
Id., Ibid., p.82.
72
179
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.84.
180
Id., Ibid.
181
Id., Ibid., p.93.
182
Id., Ibid. Apesar de ser taxado de monetarista, essa análise se adequaria à visão keynesiana desde que se
aceitasse a tese do pleno emprego.
73
183
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.99.
184
Id., Ibid.
185
Id., Ibid., p.106.
186
Id., Ibid., p.109.
187
Id., Ibid., p.111. Gudin desconsidera qualquer efeito cascata do desenvolvimento para dentro sobre os níveis de
renda e emprego nacionais. Isso se deve, entre outras razões, a sua equívoca concepção de que o Brasil estaria às
voltas com o pleno emprego dos fatores de produção, inclusive da força de trabalho.
74
sua boa aplicação. Para compensar o risco que o capital estrangeiro sofreria ao investir no
Brasil, dever-se-ia buscar: a estabilidade cambial, a faculdade de livre entrada e saída de capital,
a igualdade de tratamento com o capital nacional e taxas moderadas de imposto de renda de
modo que os fluxos de capital não fossem desviados a outros países com melhores condições.
Dever-se-ia suprimir também “quaisquer restrições ou impostos que incidam sobre a remessa
de lucros, juros ou dividendos de capitais estrangeiros investidos no país” 188.
As diferenças fundamentais entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin podem ser
nucleadas em torno de três argumentos: o papel do Estado e o planejamento; o mercado interno
ou o mercado externo como eixo do crescimento; e a interpretação da história econômica dos
países desenvolvidos. No primeiro ponto, Simonsen defendia uma decisiva atuação
governamental através de mecanismos de política econômica, particularmente o protecionismo,
da criação de uma comissão central de planejamento e da atuação direta do Estado nos setores
de infraestrutura em que não houvesse interesse da iniciativa privada. Gudin, por sua vez,
atribuía mero suporte administrativo e jurídico ao Estado, que não deveria se aventurar nas
sendas da atuação direta, pois afugentaria capitais privados nacionais e estrangeiros e seria
ineficiente. Também não deveria proteger uma indústria considerada artificial e incapaz de
concorrer com o similar estrangeiro. Por fim, defendia que não houvesse a tentativa de
planejamento global da economia, pois não caberia ao Estado a prerrogativa de determinar os
rumos do desenvolvimento, mas sim à eficiente alocação de fatores proporcionada pelo livre
jogo das forças de mercado.
Em relação ao eixo do crescimento econômico, Simonsen e Gudin também divergem
categoricamente. Para Simonsen, deve-se fortalecer o mercado interno brasileiro através da
industrialização de modo que o país conquiste efetiva independência política, sem deixar de
lado a incrementação das exportações industriais, que deveriam se basear, no entanto, no
próprio crescimento do mercado interno. Para Gudin, como a industrialização não é sinônimo
de crescimento – e pode significar mesmo o desperdício de fatores no caso das indústrias
artificiais que ele tanto reprova – as exportações primárias devem orientar o crescimento
econômico, pois a agricultura seria a única atividade econômica em que o Brasil produziria
vantajosamente.
Por fim, um terceiro ponto nodal são suas interpretações a respeito da história
econômica dos países desenvolvidos. Simonsen atenta para as particularidades históricas do
processo de industrialização no Brasil, apontando que países como Inglaterra e França adotaram
188
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.122.
75
políticas econômicas liberais porque estavam à frente do restante do mundo em seu processo
de industrialização, o que lhes conferia competitividade internacional para além das
possibilidades dos outros países. O Brasil, por outro lado, estaria se tornando uma nação
industrial em um momento já posterior, em que a defesa da indústria doméstica seria necessária
para fazer frente ao poder econômico das economias mais avançadas. Gudin inverte o
argumento e afirma que esta é a razão pela qual o Brasil deveria se concentrar nas atividades
em que tem vantagens comparativas – o setor agrícola – e melhorar o padrão de vida da
população através das importações industriais na medida em que seriam mais baratas e de
melhor qualidade.
O desenvolvimentismo que viria em seguida reflete um refinamento das teses de
Simonsen e mostra como Gudin perdeu espaço como alternativa de interpretação e de política
econômica. Isso ficará claro na exposição sobre os desenvolvimentistas nacionalistas do setor
público e mesmo dos desenvolvimentistas não nacionalistas do setor público. O próprio Roberto
Campos, em sua fase pós-estruturalista, legará Gudin à marginalidade.
Caio Prado Júnior (São Paulo, 1907 – São Paulo, 1990) formou-se em direito em 1928
pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que seria posteriormente incorporada à USP.
Absorve o ideário liberal e democrático, crítico das instituições da Primeira República, e
sustenta a candidatura de Getúlio Vargas. Colabora na Revolução de 1930 e, depois de ser preso
por seu posicionamento comunista entre 1935 e 1937, exila-se na França de 1937 a 1939. Teve
vasta vivência no exterior para além de seu exílio. Foi eleito deputado estadual pelo PCB em
1947 e, ao ter seu mandato cassado em 1948 quando do cancelamento do registro do PCB,
dedica-se a intensa atividade intelectual. Recebe o título de livre-docente em 1954, o que não
lhe deu o direito de assumir a cátedra de Economia Política da Faculdade de Direito da USP, a
que concorreu com sua tese189.
Nessa tese190, Caio Prado Jr. considera que a historiografia deve ser a base das ciências
humanas particularmente no Brasil. Os economistas Rostow (EUA, 1916-2003) e Keynes
(Reino Unido, 1883-1946) são considerados ortodoxos por ele, pois não poderiam oferecer
perspectivas para o entrosamento entre teoria e prática, o que, mais uma vez, pesaria
189
Iumatti, 2007.
190
Prado Jr., 2001.
76
191
Cf. Rostow, 1960.
192
Prado Jr., 2001, p.69.
193
Cf. Freyre, 2002, “Prefácio à primeira edição”, p.6-12.
194
Prado Jr., 2001, p.71.
77
195
Prado Jr., 2001, p.73-4.
196
Id., Ibid., p.74.
197
Id., Ibid., p.79.
198
Id., Ibid., p.80.
199
Id., Ibid., p.80.
200
Id., Ibid., p.83.
201
Id., Ibid., p.84.
78
202
Prado Jr., 2001, p.85.
203
Id., Ibid., p.96.
204
Id., Ibid., p.126.
79
205
Prado Jr., 2001, p.123.
206
Id., Ibid., p.116.
207
Id., Ibid., p.116-7.
208
Id., Ibid., p.119.
209
Id., Ibid., p.121.
80
gradualmente novos e cada vez mais amplos horizontes; que suscitaria uma atividade
econômica capaz de absorver e incorporar o crescimento demográfico em nível adequado, o
que ofereceria os impulsos necessários para a expansão das atividades econômicas – industriais
e agrícolas – em proporções e condições que assegurassem um ritmo suficiente de crescimento
do mercado.
O “acanhado mercado consumidor interno e sua defeituosa estrutura” 210 estariam na
base desse desenvolvimento restringido e insustentável. A expansão dos investimentos
estrangeiros asseguraria, para o capital estrangeiro, “posições cada vez mais fortes e poderosas
no interior da economia brasileira”211, pois torná-los-ia “força decisiva em alguns dos principais
setores do comércio e do mercado internos” 212:
O núcleo verdadeiramente dinâmico da indústria brasileira se constituirá em
nada mais que uma constelação de filiais de empresas internacionais em cuja
órbita girará quase tudo que a nossa indústria conta de mais expressivo. O que
representa um grave embaraço oposto à transformação da economia brasileira,
apesar do estímulo que num primeiro momento aquelas iniciativas
estrangeiras proporcionam. Efetivamente, a posição dominante e decisiva que
o capital internacional ocupa na economia brasileira tende permanentemente
a reconduzi-la para a anterior situação centrada na função exportadora.213
A remuneração do capital estrangeiro somente poderia ser satisfeita com divisas
provenientes das exportações, cuja disponibilidade definiria o próprio ritmo de investimentos
desse capital. Isso demonstraria “a estreita relação de dependência que o predomínio de
empreendimentos internacionais na indústria brasileira determina entre o processo de
industrialização e as exportações brasileiras”. Esse seria o elo do processo com o passado
colonial fundado na exportação de produtos primários214.
O “pecado original” da industrialização brasileira, assim, tolheria perspectivas e
horizontes. Teria criado uma dualidade setorial em que o setor tradicional produz gêneros
primários para a exportação enquanto outro setor emerge dele, desta vez baseado na indústria e
voltado para o mercado interno, gerando, entretanto, novos tipos de dependência sujeitos aos
fluxos de divisas das exportações primárias. O sistema colonial, assim, reforçar-se-ia.
Florestan Fernandes, no prefácio à tese de livre-docência de Caio Prado Júnior publicada
em 1968, tece uma crítica contundente em meio a suas concordâncias. Caio Prado Jr. não teria
atentado ao fato de que o capital mercantil perde sua função hegemônica e determinante com a
210
Prado Jr., 2001, p.124.
211
Id., Ibid., p.125.
212
Id., Ibid., p.125.
213
Id., Ibid., p.126-7.
214
Id., Ibid., p.127.
81
industrialização do país. Agora atado ao capital industrial e, mais à frente, também ao capital
financeiro “típico do capitalismo monopolista e da espécie de imperialismo que ele
engendra”215, o capital mercantil não determina a manutenção do ciclo vicioso do sistema
colonial, cuja persistência se deve a fatores inéditos. À investigação historiográfica caberia dar
o tom dos entrosamentos forjados por nova situação histórica216.
215
Fernandes, Prefácio. In: Prado Jr., 2001, p.10.
216
Cf. Prado Jr., 2001.
217
Cf. Loureiro, 1997; Sudene, Quem foi Celso Furtado. Acesso em 25 nov. 2015; CPDOC-GVT, Celso Furtado.
Acesso em 25 nov. 2015.
82
218
Furtado, 2006, p.264.
219
Id., Ibid., p.265.
220
Id., Ibid., p.265.
221
Id., Ibid., p.267.
222
Cf. Id., Ibid.
223
Id., Ibid., p.272-273.
83
Brasil: “Cria-se, em consequência, uma situação praticamente nova na economia brasileira, que
era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital”224.
Após a crise, assim, o fator dinâmico principal da economia brasileira teria se transferido
para o mercado interno, que, em tal conjuntura, teria naturalmente aumentado sua taxa de
rentabilidade. O setor voltado ao mercado externo, por outro lado, teria reduzido seus lucros.
Desse modo, “As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas
por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam
ou desinvertiam no setor de exportação”225.
A expansão da capacidade produtiva interna se daria com a importação de
equipamentos, mas numa primeira fase teria havido utilização da capacidade ociosa já instalada
no país. Isso teria possibilitado maior rentabilidade para o capital aplicado e criado os fundos
necessários, dentro da própria indústria, para sua expansão subsequente. Ter-se-ia apresentado,
além disso, a possibilidade de adquirir equipamentos de segunda mão no exterior a preços
baixos: “Algumas das indústrias de maior vulto instaladas no país, na depressão, o foram com
equipamentos provenientes de fábricas que haviam fechado suas portas em países mais
fundamente atingidos pela crise industrial” 226.
O aumento da produção para o mercado interno e a forte elevação dos preços dos bens
importados acarretada pela desvalorização cambial, segundo Furtado, “criaram condições
propícias à instalação no país de uma indústria de bens de capital” 227. Entre 1929 e 1932, por
exemplo, de acordo com Furtado, a produção de ferro, aço e cimento aumentou 60% no país.
A economia teria, portanto, encontrado estímulo interno para anular os efeitos depressivos
vindos de fora e para continuar crescendo, além de que teria conseguido produzir parte dos
materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva 228.
A capacidade para importar não se recuperou na década de 1930; a quantidade de
exportações aumentou, mas “o poder aquisitivo da unidade de exportação com respeito à
unidade de importação se havia reduzido à metade”229. Essas modificações bruscas na estrutura
econômica teriam gerado persistentes desequilíbrios. O mais significativo deles, segundo
Furtado, talvez fosse o que afetava o balanço de pagamentos230:
224
Furtado, 2006, p.277.
225
Id., Ibid., p.278.
226
Id., Ibid., p.279.
227
Id., Ibid., p.279.
228
Id., Ibid.
229
Id., Ibid., p.280.
230
Id., Ibid.
84
231
Furtado, 2006, p.286-7.
232
Id., Ibid., p.300.
233
Cf. Id., Ibid.
85
Como Caio Prado Júnior, Furtado pensa que “[...] utilizamos para captar e interpretar a
realidade econômica um aparelho conceitual inadequado”234. Ele anseia pelo estabelecimento
de uma política de desenvolvimento adequada ao Brasil. “A miragem de um
desenvolvimento”235 anterior aos anos trinta, impulsionado por exportações crescentes, teria
dado lugar a um “longo período de transição que vem até os dias atuais”236.
Entretanto, o desenvolvimento não se trata de fatalidade histórica, segundo Furtado, e
sim de uma oportunidade que pode ou não se realizar. Até 1930, a miragem de desenvolvimento
ocorreu por indução de fatores externos: o Brasil se integrava “em uma linha em expansão do
comércio internacional”237, que trazia “o influxo das forças dinâmicas do mercado mundial em
expansão, o que nos permitia crescer em extensão”238.
Após 1930, encerrou-se a “economia de tipo colonial”239 no Brasil. O café adquiriu o
papel principal do enredo, pois se assentou sobre uma “ampla base salarial” 240 e dotou o país
de um mercado interno no qual se apoiaria o desenvolvimento industrial. Assim, a economia
brasileira conseguiu se desvencilhar das amarras externas e adquirir dinamismo próprio através
dos investimentos industriais apoiados no mercado interno: “Cada novo impulso para a frente
significaria maior diversificação estrutural, mais altos níveis de produtividade, maior massa de
recursos para novos investimentos, expansão mais rápida do mercado interno, possibilidade de
superar-se permanentemente”241. O impulso industrial trouxe, para dentro do Brasil, o centro
dinâmico de sua própria economia e vinculou as distintas regiões nacionais a esse centro
dinâmico – o que significa, em outras palavras, que o principal centro de decisões relacionadas
à vida econômica do país foi internalizado.
O desenvolvimento brasileiro entre as décadas de 1930 e 1960, do mesmo modo que a
fase anterior a 1930, teria resultado “muito mais de uma imposição histórica do que da tomada
de consciência da realidade nacional pelos homens que dirigiram o país”242: a ajuda ao setor
cafeeiro criou pressão sobre o balanço de pagamentos, o que aumentou a rentabilidade de
manufaturas incipientes voltadas ao mercado interno. Ao tentar preservar a velha economia de
234
Furtado, 1962, p.11.
235
Cf. Furtado, 1962, p.64.
236
Cf. Id., Ibid.
237
Id., Ibid., p.107.
238
Id., Ibid., p.107.
239
Id., Ibid., p.109.
240
Cf. Id., Ibid.
241
Id., Ibid., p.109-10.
242
Id., Ibid., p.65.
86
243
Cf. Furtado, 1962.
244
Id., Ibid., p.66.
245
Id., Ibid., p.67.
246
Id., Ibid., p.68.
247
Id., Ibid., p.70.
87
Para Furtado, o Brasil se encontrava, naquele momento, “no umbral de sua transmutação
em nação industrial”248, e os instrumentos de autodeterminação disponíveis ao país se tornaram
inauditos e singulares:
As decisões de construir Brasília, de rasgar o território nacional, de sul a norte
e leste a oeste, de grandes estradas e de abordar de frente o problema dos
desequilíbrios regionais, assim como o grande movimento de opinião visando
a romper a anacrônica estrutura agrária, indicam claramente a direção em que
estão apontando as forças mais progressistas do país.249
Em uma economia desenvolvida, segundo Furtado, bastaria ao Estado estimular
indiretamente o processo de desenvolvimento através de “medidas de ordem monetária, fiscal,
cambial e mesmo de certo controle dos salários e dos preços”250, tendo por meta a alta ocupação
dos fatores de produção. Contudo, “em um país subdesenvolvido típico como o nosso” 251, o
bem-estar social e a melhoria das condições de vida da população não dependeriam apenas da
estabilidade do sistema econômico. Para ele, “uma economia subdesenvolvida padece de um
desequilíbrio estrutural ao nível dos fatores” 252. As concepções de Furtado a respeito das
características das economias subdesenvolvidas levariam Bielschowsky a chamá-lo de
“keynesiano atípico”253.
Nesse contexto, a simples manutenção dos preços (o controle inflacionário através da
contração de investimentos) levaria a um desgaste dos fatores de produção da economia,
causando danos às possibilidades de desenvolvimento com bem-estar. A ação estatal é central,
então, para criar condições para o surgimento e a consolidação do empresário privado, o que só
poderia ser alcançado através de um esforço planejado e sistemático254:
[...] em face da debilidade da classe empresarial numa economia
subdesenvolvida, é possível que a ação supletiva do Estado deva ser muito
ampliada ou deva assumir formas inaceitáveis em economias de elevado grau
de desenvolvimento. A ação estatal, visando à formação da classe empresarial,
à reorientação dos investimentos, a uma mais rápida acumulação de capitais,
redução dos riscos, etc. assume, aparentemente, a forma de drástica redução
na área do laissez-faire.255
A compreensão da necessidade do esforço sistemático do Estado para o
desenvolvimento através do planejamento deveria levar à adequada estruturação e equipamento
248
Furtado, 1962, p.114.
249
Id., Ibid., p.115-6.
250
Id., Ibid., p.74.
251
Id., Ibid., p.75.
252
Id., Ibid., p.75.
253
Bielschowsky, 2000, p.135.
254
Furtado, 1962.
255
Id., Ibid., p.75.
88
de sua estrutura administrativa. O Estado teria de ser aparelhado para lutar pelo
desenvolvimento. A “total reestruturação administrativa” 256 do Estado brasileiro seria a única
possibilidade de deitar as bases para uma política exitosa de desenvolvimento e reconstrução
do país. Furtado nos brinda, então, com sua conclusão: “[...] o mais importante [neste novo
momento da industrialização] não é que podemos autodirigir-nos [sic], e sim que não nos resta
outra saída senão fazê-lo”257. Isso revela uma visão otimista acerca das potencialidades do país.
Em seu livro Dialética do Desenvolvimento, de 1964, o que nos interessa são as
considerações de Furtado a respeito dos dilemas do desenvolvimento brasileiro no início da
década de 1960. Apesar de ter sido publicado após o Golpe de 1º de abril, o livro foi escrito
ainda sob o regime democrático. Aqui o autor muda de tom e as contradições aparecem por
todo lado.
A piora dos temos de intercâmbio ocorrida a partir de 1955 teria levado a um progressivo
endividamento externo compensatório, o qual criaria uma situação insustentável com respeito
ao balanço de pagamentos. Além disso, como não havia incrementação da renda real do país, a
inflação teria se transformado em mera redistribuição da renda preexistente. Isso teria levado a
burguesia agrária a defender sua renda através do aumento dos preços agrícolas, o que se
traduziria em um racionamento punitivo à população e em novo motor inflacionário. O
endividamento externo, nesse contexto, teria se transformado em fonte de financiamento dos
investimentos estratégicos. A manutenção dos investimentos demandaria maior endividamento,
cuja tentativa de contenção repercutiria no crescimento da economia258.
Nesse sentido, para Furtado, teria chegado o momento em que o capitalismo industrial
brasileiro “encontrou obstáculos de natureza estrutural, cuja superação parece impraticável
dentro do presente marco institucional e pelos meios a que estão afeitas as classes dirigentes”259,
de modo que haveria sérias contradições entre o modo operativo da economia – quanto aos
setores externo, agrícola e fiscal (exatamente as questões formuladas por Delfim Netto e
Roberto Campos) – e os requisitos para a manutenção de uma elevada taxa de investimento.
Por isso, Furtado coloca a questão: “Está a sociedade brasileira armada para superar as
dificuldades que presentemente se antepõem ao desenvolvimento econômico do país, ou a
solução será imposta pelos acontecimentos, uma vez alcançado aquele ponto em que as tensões
estruturais são socialmente insuportáveis?” 260.
256
Furtado, 1962, p.79.
257
Furtado, 1964, p.10.
258
Cf. Id. Ibid.
259
Id., Ibid., p.128.
260
Id., Ibid., p.128-129.
89
261
Furtado, 1964, p.130.
262
Id., Ibid., p.130.
263
Id., Ibid., p.132.
90
operam com custos em divisas de tipo mais ou menos irremovível”264. Para Furtado, a solução
seria tanto a paralisação do desenvolvimento através da brusca redução das importações como
o aparelhamento do Estado no sentido de uma ação polivalente e complexa 265.
Dada a incapacidade da classe dirigente brasileira de compreender o problema, a solução
transcenderia sua capacidade operacional e deveria, portanto, emergir da interação de forças
mais amplas. E Furtado avança:
Situações dessa ordem conduzem, quase necessariamente, à ruptura do
equilíbrio de forças existente e à superação dos métodos políticos
convencionais. A tomada de consciência do problema indica, de alguma
forma, que foi superada a fase do simples impasse e que se criaram condições
para a busca eficaz de uma solução. Esta poderá assumir várias formas, sendo
a mais corrente a cisão dentro da classe dirigente, aproveitando-se grupos
minoritários mais lúcidos da situação para deslocar os ocasionais detentores
do poder, mediante a mobilização das grandes massas com base numa
linguagem nova que corresponda às suas aspirações. Somente condições
históricas muito especiais conduziram a subversões sociais de maior
profundidade, com eliminação imediata ou progressiva da classe dirigente e
liquidação de suas bases econômicas.266
Furtado, assim, antevia uma “situação pré-revolucionária”267, mas não se arriscava a
dizer quais seriam os rumos que a realidade iria tomar. Limitou-se a constatar que a
instabilidade e o mal-estar da situação conduziam a golpes e contragolpes de toda ordem por
parte de grupos minoritários das classes dirigentes com o objetivo de frustrar um processo
revolucionário em gestação268. Desse modo, para Furtado, os impasses na situação econômica
exigiriam solução política. Como veremos adiante, tanto para Roberto Campos como para
Delfim Netto, pelo contrário, os impasses políticos exigiriam solução econômica.
264
Furtado, 1964, p.133.
265
Cf. Id., Ibid.
266
Id., Ibid., p.134, grifo nosso.
267
Id., Ibid., p.136.
268
Cf. Id., Ibid.
91
269
Cf. Loureiro, 1997.
270
Campos, 1963, p.10.
271
Id., Ibid., p.10.
272
Landauer, 1944, p.13, apud Campos, 1963, p.10.
273
Campos, 1963, p.10.
274
Id., Ibid., p.10.
92
275
Cf. Campos, 1963.
276
Id., Ibid., nota 5, p.13.
277
Id., Ibid., p.14.
278
Id., Ibid., p.14.
279
Id., Ibid., p.17.
280
Cf. Id., Ibid., p.15. “Avulta, nestas condições, a importância do mecanismo fiscal de captação de fundos, que
permite ao Estado tornar-se uma bacia de captação de recursos suscetíveis de aplicação maciça. Daí decorrem,
simultaneamente, a necessidade de programas governamentais para a aplicação desses recursos, e de um esquema
de prioridades que discipline essa aplicação”.
93
281
Campos, 1963, p.16.
282
Id., Ibid., p.18.
283
Cf. Id., Ibid.
284
Cf. Id., Ibid.
94
285
Cf. Campos, 1963.
286
Id., Ibid., p.36.
287
Cf. Id., Ibid.
95
288
Cf. Campos, 1963.
289
Id., Ibid., p.51.
290
Id., Ibid., p.59.
291
Cf. Id., Ibid.
292
Id., Ibid., p.68.
96
premia os prudentes e rotineiros”293, pois subtrai recursos dos grupos de renda fixa e daqueles
que os dedicariam ao consumo e os transfere para o empresariado, favorecendo a “ousadia de
iniciativa” por conta da “dilatação do horizonte de lucratividade”294. Além da “punição social”
que resulta disso, no entanto, há o já mencionado inconveniente “perigo de distorção” tanto da
estrutura de investimentos quanto da “própria psicologia do investidor, que passa a ser
crescentemente solicitado por perspectivas de lucro fácil”, tanto em investimentos de curto
prazo, de natureza especulativa, quanto de longo prazo, de natureza imobiliária 295. E avança no
diagnóstico brasileiro: a solução ideal seria “um nível suave de inflação, uma alta gentil no
nível de preços, de modo a lubrificar a economia e premiar ou ousados, sem, entretanto, punir
demasiado os prudentes”. A conjuntura brasileira daquele momento, para Campos, indicaria
que estava transposto o período em que a inflação servia como veículo de propulsão econômica,
“por isso que as tensões sociais já criadas são de tal ordem que os elementos negativos passaram
a predominar cada vez mais sobre os elementos positivos” 296.
Para Campos, um dos graves desequilíbrios estruturais da economia brasileira diria
respeito à distribuição de renda e ao nível de crescimento entre as diversas regiões do país. As
áreas com rendimentos maiores estariam aumentando sua participação na renda nacional,
enquanto as áreas com rendimentos médios e baixos estariam perdendo renda relativamente.
Isso refletiria, em escala nacional, aquilo que ocorria em escala mundial, ou seja, o maior
enriquecimento dos países ricos em contraste com o crescimento moderado ou mesmo
estagnação e empobrecimento das áreas mais pobres. Isso se deveria ao processo cumulativo
de desenvolvimento econômico, assim como, no caso brasileiro, ao sistema fiscal, em que
predominaria o imposto sobre o consumo e a importação, à evolução nas relações de troca e,
por fim, também às emigrações que representariam uma custosa exportação de capital humano.
O economista – avança Campos – poderia oferecer duas soluções para o problema: a
“aristocrática” e a “humanista”297. A primeira levaria ao maior investimento nas áreas com
maior produtividade, pois isso implicaria um ritmo mais rápido de crescimento total da
economia e ensejaria um aumento de capitalização, refletindo-se, em um momento posterior,
em maior volume de transferência de capitais para as áreas subdesenvolvidas. Para Campos,
“A teoria aristocrática faz sentido sem dúvida, sob o ponto de vista de lógica econômica, mas
293
Campos, 1963, p.68.
294
Id., Ibid., p.69.
295
Id., Ibid., p.69.
296
Id., Ibid., p.70.
297
Id., Ibid., p.79, grifo do autor.
97
298
Campos, 1963, p.79.
299
Id., Ibid., p.79.
300
Id., Ibid., p.82.
301
Cf. Id., Ibid.
302
Campos, 1964, p.84.
303
Id., Ibid., p.84.
304
Id., Ibid., p.84.
98
305
Campos, 1964, p.85.
306
Id., Ibid., p.85.
307
Cf. Id., Ibid.
308
Id., Ibid., p.89.
309
Cf. Id., Ibid.
99
educação e treinamento”310. Essa necessidade seria agravada pelo fato de que, nessas
economias, “a rápida taxa de crescimento da população faz com que o desenvolvimento deva
ser quase exclusivamente endógeno”311, em oposição a países como os Estados Unidos e a
Austrália, que utilizaram imigrações maciças em certos períodos de seu desenvolvimento e,
assim, puderam importar mão-de-obra qualificada.
O problema do desenvolvimento econômico assume contornos etapistas em Roberto
Campos quando ele passa a utilizar literatura da “economia do desenvolvimento” (development
economics) para descrevê-lo. Autores como Rostow e Arthur Lewis fornecem os lastros de uma
problematização esquemática do desenvolvimento. Campos busca apontar os valores culturais
mais ou menos afeitos ao desenvolvimento econômico312 – as economias orientais, por
exemplo, ocupariam um grau inferior na capacidade de expansão de necessidades por conta de
sua filosofia. Abre espaço também para a categorização, por exemplo, do “fenômeno típico da
preferência pelo lazer”313, que limitaria o esforço econômico ao necessário para a
sobrevivência, ou da inclinação das sociedades para recompensas não-econômicas ou extra-
econômicas.
Com isso, Campos utiliza a esquematização de Rostow na definição daquilo que ele
denomina “os pré-requisitos da eficácia”314, a saber, “’a propensão a aceitar inovações’” 315; o
“direito à recompensa”316, ou seja, a “possibilidade de apropriação dos frutos do esforço”317; e
a existência de mobilidade social.
O Roberto Campos de 1957 defende que o Brasil teria dificuldades para poupar ou
acumular por duas razões: em primeiro lugar, “as raças mediterrâneas em geral parecem ter um
vêzo hedonístico a que não escapamos”318, ao passo que “registramos uma grande capacidade
de imitar formas de consumo, sem igual capacidade de copiar hábitos de produção” 319.
310
Campos, 1964, p.92.
311
Cf. Id., Ibid.
312
Cf. Id., Ibid., p.103-116.
313
Id., Ibid., p.109.
314
Id., Ibid., p.110.
315
Rostow apud Campos, 1964, p.110.
316
Lewis apud Campos, 1964, p.111.
317
Campos, 1964, p.111, grifo do autor.
318
Id., Ibid., p.112.
319
Id., Ibid. Campos, p.112, segue seu raciocínio: “É bem provável, conquanto não demonstrável, que o nosso
investidor seja algo mais hedonista que os calvinistas e puritanos. Existe maior dificuldade em superar o tríplice
obstáculo à realização do ato do investimento que, segundo Rostov [sic], exige a superação do desejo de consumo
corrente, comparativamente ao futuro; do desejo de segurança, comparativamente ao risco; do desejo de
estabilidade nos métodos, comparativamente à mudança”.
100
O “problema da eficácia”320, por outro lado, seria ainda mais grave. Segundo Campos,
“a circunstância cultural brasileira é ineficiente como clima de desenvolvimento”321. Isso não
seria uma fatalidade incontornável, mas sua “superação exige um projeto consciente baseado
na análise do nosso repertório de possibilidades culturais”322. O primeiro dos obstáculos seria
a debilidade da tecnologia brasileira, que teria sido herdada da “desnutrição tecnológica”323 da
Península Ibérica – os brasileiros teriam “relativa alergia à experimentação técnica” 324 e
“insuficiente [...] racionalidade para o domínio da ciência pura” 325. O segundo obstáculo seria
a ausência de “audácia social, traduzida no Estado cartorial e paternalista” 326: a “vocação
parasitária de vários dos nossos grupos sociais”327 seria causa e consequência do
subdesenvolvimento, e, mais uma vez, repousaria no baixo nível tecnológico e na baixa
capacidade de poupança – por conta da propensão cultural ao consumo –, cujo clima refletiria
a falta de oportunidade de investimentos para a iniciativa privada e a incapacidade de criá-la.
Nesse contexto, a opção correta seria o desenvolvimento. Os valores culturais
brasileiros teriam de ser revistos à luz da opção pelo desenvolvimento, de modo que a formação
acadêmico-estética cederia espaço à formação técnica e à pesquisa empírica. Além disso,
segundo o diagnóstico de Campos, o Brasil necessariamente teria de enfrentar o problema
essencial da acumulação de capital, pois esse seria o núcleo do desenvolvimento econômico.
Como a poupança interna seria insuficiente, “deve-se recorrer a todas as fontes possíveis de
suprimento de capital que tragam uma contribuição líquida, independentemente de sua origem
nacional ou estrangeira”, de modo a reforçar a economia brasileira e, assim, sua “estrutura
política”328.
A opção pelo desenvolvimento encerraria outra consequência fundamental: “a dolorosa
decisão entre a aceleração do desenvolvimento econômico e a equidade distributiva” 329. Sua
tese, assumindo o ponto de Arthur Lewis, é que desenvolvimento e igualdade econômica seriam
dois cavalos que não podem ser montados simultaneamente, como demonstraria a experiência
da União Soviética, que teria tido de abandonar um deles. E Campos conclui:
320
Cf. Campos, 1964.
321
Cf. Id., Ibid.
322
Cf. Id., Ibid.
323
Cf. Id., Ibid.
324
Cf. Id., Ibid.
325
Cf. Id., Ibid.
326
Cf. Id., Ibid.
327
Id., Ibid.p.113.
328
Id., Ibid., p.115.
329
Cf. Id., Ibid.
101
As exposições acima buscaram levantar alguns traços fundamentais das concepções dos
autores a respeito dos temas do desenvolvimento e da industrialização. Eugênio Gudin não foi
seguido por nenhum dos autores que tiveram maior importância no debate depois dele, sendo
marginalizado pelo próprio Campos pós-estruturalista. Ambos desconsideram as
particularidades da formação econômica brasileira, mas as semelhanças não vão muito além
disso. Gudin combate ferrenhamente o planejamento, pois não caberia, ao Estado, a
determinação dos rumos do desenvolvimento. Isso caberia aos agentes individuais em
330
Campos, 1964, p.116.
102
concorrência pelo lucro, isto é, sua soma no mercado, ao qual o Estado deveria fornecer suporte
jurídico e administrativo. O Brasil deveria abrir mão da mitologia planificadora e aceitar seu
destino: o país teria vantagens comparativas na exportação de produtos primários e não deveria
desperdiçar fatores com estímulos artificiais à indústria.
Roberto Simonsen, por sua vez, forneceu as bases para o desenvolvimentismo, que
refinou e completou suas teses a partir de bases mais científicas, mantendo sua defesa do
planejamento e da industrialização, a qual seria a forma mais eficiente para o aumento do nível
de renda médio da economia. O Estado deveria fornecer suporte ativo ao processo através da
atuação direta, onde não houvesse interesse da iniciativa privada, do planejamento e de
mecanismos de política econômica.
Caio Prado Júnior aponta para as contradições intrínsecas à industrialização. Afirma que
o processo reforça o sistema colonial através da atuação das empresas estrangeiras, que buscam
as oportunidades de lucro fácil e demandam cada vez mais divisas, satisfeitas apenas com
exportação de produtos primários, o que limitaria suas próprias possibilidades de expansão.
Assim, o processo de industrialização, que teria se dado de forma desordenada, não seria
voltado às necessidades da população brasileira. O reduzido mercado interno que lhe serviria
de base tolheria as perspectivas do desenvolvimento brasileiro.
Celso Furtado fornece bases sólidas para a concepção do desenvolvimento como um
projeto de nação com bases científicas e históricas. Sua busca das particularidades do
subdesenvolvimento revela as significativas diferenças estruturais dos países subdesenvolvidos
em relação aos países desenvolvidos, tal como demonstra a defesa da inflação como alocação
eficiente de recursos. Ele defende a atuação do Estado para além das concepções de Simonsen,
estabelecendo a redução das desigualdades social e regional como uma das principais razões de
ser do desenvolvimento econômico. Isso o levaria, na sequência de seus textos, a antever os
dilemas que o desenvolvimento brasileiro enfrentaria, como a estagflação e a crise no balanço
de pagamentos, que demandariam saltos qualitativos na economia brasileira, possíveis apenas
através de transformações políticas.
O Roberto Campos estruturalista aceita as teses de Furtado e se move dentro dos marcos
da Cepal, admitindo a inflação e definindo a justiça social como uma das tarefas do
desenvolvimento. O Estado deveria ter uma atuação mais do que supletiva na economia através
de sua faculdade telescópica, fornecendo ainda as bases para o estímulo de atitudes afeitas à
poupança para o desenvolvimento econômico por parte do setor privado. Para o Campos pós-
estruturalista, por sua vez, os erros de política econômica – a partir de um referencial ideal –
seriam mais importantes que os desajustes estruturais, ou melhor, tais desajustes seriam frutos
103
de uma política econômica ineficiente. Além disso, o Estado teria pequena margem de manobra
na medida em que estaria defronte a impasses sociais que só seriam superados através dos
estímulos aos investimentos do setor privado. A crise no balanço de pagamentos, por fim, leva-
o a aceitar a entrada de capital estrangeiro em igualdade de condições com o capital nacional.
A solução para os impasses do desenvolvimento brasileiro não seria política, mas econômica,
seguindo o caminho inverso ao de Furtado.
Para os cosmopolitas como para os nacionalistas, então, a expansão e racionalização do
Estado eram essenciais para o desenvolvimento. O modo de intervenção estatal, no entanto, era
distinto. Os cosmopolitas visavam a coordenação e promoção de um “modelo de
desenvolvimento associado cuja construção era inseparável do papel de destaque reservado à
empresa privada, nacional e estrangeira”331. Esta era condição para a superação das restrições
cambiais ao desenvolvimento do país em condições de estabilidade econômica. A aliança
dessas duas correntes desenvolvimentistas nos anos JK seria contingente. Na primeira metade
da década de 1960, o rompimento dos dois projetos de nação toma forma de polarização política
e anuncia-se um vencedor. Os caminhos não eram mais compatíveis. Em 1964, Caio Prado
Júnior e Celso Furtado são forçados ao exílio, enquanto Roberto Campos assume o Ministério
Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Isso inauguraria um novo
capítulo no debate sobre o desenvolvimento no Brasil.
331
Sola, 1998, p.141, grifo do autor.
105
Foto da turma do terceiro ano do curso de Contabilidade do Liceu Siqueira Campos (SP). Delfim é o terceiro da
esquerda para direita, na primeira fila em pé.
332
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001; Delfim Netto, 2012.
333
Cf. Biderman et. al., 1996, p.91.
106
334
Biderman et. al., 1996, p.93.
335
Cf. Delfim Netto, 2012.
336
Biderman et. al., 1996, p.93.
337
Cf. Id., Ibid.
338
Id., Ibid., p.93.
339
Id., Ibid., p.93. Segundo Delfim, em entrevista concedida em meados da década de 1990: “Na verdade, acho
que as pessoas eram separadas entre os que tinham lido algum livro sobre Teoria de Preços e outros que não tinham
lido nada. Os que não tinham lido nada eram muito favoráveis ao socialismo, como até hoje. E os que tinham um
conhecimento de Teoria de Preços tinham uma certa desconfiança quanto ao seu resultado”.
340
Cf. Id., Ibid.
107
341
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001.
342
Cf. Id., Ibid.
108
Sua biografia, enfim, conferiu-lhe autoridade diante dos militares para que fosse
nomeado ministro da Fazenda em 15 de março de 1967 por Costa e Silva – segundo Delfim, a
contragosto da elite carioca: “A ideia disseminada na elite carioca [...] era que ‘aquele paulista
caipira não aguentaria até o fim do ano’”343. O primeiro teste seria o vencimento de 100 milhões
de ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) em maio: “’Diziam que eu não
conseguiria rolar essa dívida e cairia ali mesmo’”344. Isso não aconteceu: “Eu sempre tive bons
amigos no mercado. [Banqueiros] sempre foram extremamente cooperativos com o governo.
Se o governo queria baixar a taxa de juros, [eu] conversava com eles e o que a gente prometia,
cumpria”345.
Quando assumiu o Ministério da Fazenda, Delfim levou consigo um grupo de ex-alunos:
além dos nomes mencionados acima que se tornaram professores da FEA-USP, todos levados
por Delfim como assessores, ele ainda cita Milton Dallari, Flávio Pécora, Carlos Viacava,
Carlos Alberto Andrade Pinto e Nelson Mortada, entre outros. Esse conjunto de assessores ficou
conhecido como “Delfim boys”: “No Rio, era o seguinte: chegou esse gordo, italiano e vesgo.
Nós vamos matá-lo em seis meses, tá certo? E além de tudo tem uns animais estranhos com ele,
uns japoneses”346.
Delfim Netto permaneceu no cargo até a posse de Geisel, em 1974, portanto durante
todo o governo Costa e Silva e durante todo o governo Médici. Nesse ínterim, entre 1968 e
1973, a economia brasileira cresceu, em média, 11,1% ao ano. Tal fenômeno, que analisaremos
no capítulo 4, adquiriu estatuto autônomo e ficou conhecido como “milagre econômico”
brasileiro.
Depois do milagre, entre 1975 e 1977, Delfim Netto foi embaixador do Brasil na França.
Ele afirma que esse período foi um exílio concebido por Geisel com o propósito de abortar sua
pretensão de se candidatar ao governo de São Paulo e eventualmente à Presidência da
República347. Sua convicção é confirmada por um telegrama confidencial produzido pela
Embaixada dos Estados Unidos em Brasília em 1974348.
343
Delfim Netto, 2012, s.p.
344
Id., Ibid., s.p.
345
Id., Ibid., s.p.
346
Id., Ibid., s.p. Alguns de seus assessores o acompanham até os dias de hoje em sua empresa de consultoria
Ideias, sediada na cidade de São Paulo.
347
Cf. Id., Ibid.
348
Cf. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1974, tradução nossa: “Resumo: A candidatura do antigo ministro
da Fazenda Delfim Netto ao governo do estado de São Paulo, que se potencializou com evidência apenas há algum
tempo, parece ter sido definitivamente afundada, uma vítima aparente dos receios da administração de que seu
prestígio e talento consideráveis lhes permitiriam estabelecer (pelo menos relativamente) uma base independente
de poder naquele estado populoso e rico; e de ressentimento pessoal contra ele. O episódio também pode ter
109
causado danos em outros lugares, incluindo o próprio princípio da revolução no que diz respeito ao surgimento de
um novo tipo de político através do extensivo uso de tecnocratas por parte do governo. Delfim, tendo retornado à
sua cadeira na Universidade de São Paulo, pode estar planejando uma investida de longo prazo para a Presidência;
mas é questionável se ele será significativamente mais aceito então, quando seu prestígio e suporte terão
presumivelmente diminuído. Fim do resumo. Confidencial”.
349
Cf. BRASIL <http://www.planejamento.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/o-ministerio/historia>.
Acesso em 12 de maio 2016.
350
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001.
110
para a análise econômica. Essa é a base para que Delfim discorra sobre a importância da
modelagem matemática, indissociável do caráter científico da ciência econômica.
O segundo desses livros é sua tese doutoral defendida na Faculdade de Ciências
Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (FCEA-USP) em 1959. Nesse
livro, Delfim Netto faz uma espécie de história econômica do café no Brasil a partir da metade
do século XIX até o momento em que escrevia. A preocupação que permeia o livro é demonstrar
como o mercado cafeeiro sempre é, em alguma medida, instável e vislumbrar o modo como o
Brasil poderia melhor se posicionar, dada sua característica de maior produtor mundial, a partir
dessas condições.
O terceiro texto importante é o livro Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, de 1962, reeditado em 1966 sob o nome Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, sem alterações perceptíveis – é possível que essa alteração de
título não seja irrelevante em si, isto é, talvez o novo momento histórico tenha levado o futuro
czar a enxergar os benefícios de desacademizar o nome de um de seus textos mais importantes.
Em uma análise predominantemente econométrica, Delfim Netto busca compreender a
mecânica interna do desenvolvimento econômico a fim de que se maximize sua taxa no Brasil,
a partir de técnicas de planejamento. Para tanto, expõe alguns fundamentos teóricos
importantes, como suas concepções de desenvolvimento e planejamento, que serão tratadas
adiante.
Em 1965, Delfim Netto publica Alguns Aspectos da Inflação Brasileira em co-autoria
com Pastore, Cipollari e Carvalho. Nesse livro, os autores procuram analisar com mais detalhes
os problemas que o Brasil estaria enfrentando naquele momento, como o intenso processo
inflacionário, a necessidade de poupança e o crescimento demográfico, para cuja solução
defendem a atuação do Estado no campo da produção e no desenvolvimento de adequada
política monetária e fiscal a fim de que se criassem condições de atuação adequadas para o setor
privado.
Por fim, em Problemas Econômicos da Agricultura Brasileira, impresso provavelmente
em 1965, reúnem-se uma série de artigos publicados por Delfim Netto de maio de 1963 a
outubro de 1964. Em linhas gerais, ele defende um processo autêntico de desenvolvimento com
uma classe empresarial dinâmica que atuaria, com apoio do governo, no sentido do aumento da
produtividade agrícola e da integração sólida entre agricultura e indústria. Trata também do
problema específico do Nordeste, que teria grande concentração fundiária e abundância de
produtores de subsistência vendendo sua força de trabalho em parte do ano. Para equacionar as
consequências econômicas e sociais negativas do baixo nível de produtividade, Delfim propõe
111
O texto que tratamos nesta seção se intitula “O Método na Ciência Econômica” e data
de 1958. Foi encontrado no Acervo Delfim Netto da FEA-USP e não há indícios de que tenha
sido publicado. Essa peça original é decisiva ao fornecer pistas sobre a forma como Delfim
enxerga a ciência e sua função social e, particularmente, como ele pensa a economia.
Exploraremos, nas páginas seguintes, sua linha de raciocínio.
O método da economia para que tenha aplicabilidade prática, segundo Delfim Netto, é
o método científico. Essa é uma das primeiras observações desse livreto351. O texto está
repleto de marcações referentes à revisão realizada aparentemente pelo próprio Delfim. São
supressões, adições de vírgulas, correções de nomes e toda sorte de alterações, mas nada que
diga respeito ao sentido do texto. Além disso, o trabalho apresenta citações em inglês e francês,
que não foram traduzidas, além de citações de livros em espanhol, mas com tradução para o
português, a partir das quais Delfim Netto discute alguns posicionamentos relativos ao tema do
método científico.
A justificativa para o desenvolvimento deste texto de 55 páginas é fornecida em um
pequeno parágrafo em que Delfim Netto afirma ter “o objetivo extremamente modesto de
descrever a posição atual da generalidade dos economistas com relação ao problema do método
[...] e tentar apontar em que direção deverá, provavelmente, no futuro próximo, caminhar o
conhecimento econômico”352.
Delfim defende que o método científico é uma combinação da observação, teorização e
observação, tal como surgiu de forma mais marcante na obra de Galileu Galilei (1564-1642),
personagem fundamental na revolução científica que se processou durante o Renascimento. Ao
longo do texto, Delfim Netto demonstra grande conhecimento relativo à história da ciência,
particularmente quando elabora, de forma concisa e madura, seu desenvolvimento ao longo dos
últimos séculos.
351
Delfim Netto, 1958.
352
Id., Ibid., p.4.
112
353
Delfim Netto, 1958, p.5.
354
Id., Ibid., p.6.
355
Id., Ibid., p.13.
356
Id., Ibid., p.23.
357
Na margem direita da página, encontra-se a inscrição “/ss”, solicitando a correção do erro ortográfico. É o caso
de inúmeros outros erros que constam das citações e que não serão mencionados daqui em diante.
358
Id., Ibid., p.24.
359
Id., Ibid., p.26.
113
A partir disso, Delfim Netto afirma haver três tipos diferentes de leis econômicas com
base em Bertrand Russel – prefácio do livro Science and Method, cujo autor é Henri Poincaré
– e em Higgins – What do Economists Know? de 1951:
Na ciência econômica como nas demais ciências, as leis enunciadas não são
tôdas da mesma natureza. Se entendermos como vimos fazendo até aquí [sic],
que uma lei científica não é algo misterioso que explique o aparente
comportamento da realidade, mas uma simples proposição que resume
suscintamente [sic] os resultados da observação sôbre uma área maior ou
menor do mundo dos fenômenos (quando se trata de uma generalização
imediata) ou então uma simples hipótese de trabalho provisória e aproximada
e retida por sua utilidade como instrumento da descrição (quando é uma
generalização de ordem superior), podemos classificá-las em três tipos: 1. leis
“a priori”, que são simples definições ou tautologias; (como MV=PT, Y=-
C+S). 2. leis deduzidas de hipóteses de trabalho convenientes (como as de
equilíbrio deduzidas da hipótese de maximização do lucro total) e 3. leis
empíricas, que são generalizações das observações que nos chegam
diretamente pelos sentidos (como as curvas de procura de Schultz ou as
funções de produção de Cobb-Douglas, etc.).360
Outra característica importante da ciência econômica para Delfim, como ele aponta em
outras ocasiões, é o fato de que, diferentemente das leis da física, que possibilitam uma
adaptação da atividade humana ao comportamento da natureza, as leis da economia podem
revelar causas de um fenômeno que produz danos (como inflação e desemprego), o que, por
sua vez, possibilita que se aja no sentido de impedir a manifestação do fenômeno. No entanto,
isso não faria com que a ciência econômica fosse uma ciência normativa, mas sim uma ciência
positiva, cujo objetivo é o estabelecimento de uniformidades, conforme citação de Neville
Keynes (1852-1949), economista inglês e pai de John Maynard Keynes 361.
Em suma, o método científico consistiria na observação de um objeto, na formulação de
generalizações ou hipóteses de trabalho a partir das quais se deduzem consequências
observáveis e na verificação. A existência de uma hipótese seria um elemento importante,
conforme Delfim atesta com uma citação de Darwin, retirada, por sua vez, de um livro de Morris
R. Cohen (1880-1947) e Ernest Nagel (1901-1985), dois filósofos da ciência: “’How odd it is
that anyone should not see that all observation must be for or against some view, if it is to be
of any service’”362.
Consequentemente, como elemento fundamental para a formulação e verificação de
hipóteses, Delfim celebra o fato de que as técnicas de observação na ciência econômica
evoluíram em demasia nos trinta anos anteriores e que, apesar da impossibilidade da realização
360
Delfim Netto, 1958, p.26.
361
Id., Ibid.
362
Darwin apud Delfim Netto, 1958, p.30. A citação foi mantida em inglês por assim constar no texto de Delfim
Netto.
114
363
Delfim Netto, 1958, p.35.
364
Cf. Id., Ibid.
365
Id., Ibid., p.36-7, grifo nosso. O livro citado de Rostow é The Process of Economic Growth, 1953.
366
Id., Ibid., p.37.
367
Id., Ibid., p.37.
368
Id., Ibid., p.37.
115
um problema da terceira etapa do método da ciência econômica, que é sua verificação e que
deverá esclarecer se algum elemento ficou de fora do modelo verificado, mas toda hipótese
deve ser passível de ser refutada – conforme afirma Paul Samuelson em sua Foundations of
Economic Analysis, de 1947. Para esclarecer seu procedimento, Delfim fornece uma
advertência baseada em uma citação de Edward Ronald Walker (1907-1988), diplomata e
economista australiano: uma descrição total da realidade seria uma mera réplica dela,
igualmente complexa e inútil como guia para os problemas; a teoria econômica deve explorar
as implicações de pressuposições selecionadas369.
Na construção desses modelos, então, a matemática teria proporcionado a dedução de
centenas de proposições que provavelmente jamais teriam sido descobertas utilizando-se
apenas o “raciocínio verbal”370; no entanto, ela deve ser traduzida na linguagem ordinária
quando se obtêm as conclusões – nos escritos de economistas do calibre de Marshall e Keynes,
segundo Delfim, o instrumental matemático é importante para a obtenção de resultados, mas
desaparece na exposição deles.
Importa notar, também, que não há espaço para a “objetividade ingênua do
conhecimento científico”371: “No fundo não podemos testar uma hipótese a não ser em termos
de probabilidade e introduzindo um julgamento de valor” 372, pois a rejeição ou aceitação de
hipóteses imporia a escolha de uma regra de rejeição em termos de probabilidade. Isso sempre
envolveria certo grau de arbitrariedade, uma vez que a regra de rejeição não poderia ser
determinada por considerações internas à lógica da ciência. Por isso, seguindo ainda o filósofo
Bertand Russel, Delfim Netto afirma que, no momento em que o homem comum passou a
acreditar completamente na ciência, o homem de laboratório perdeu sua fé nela ao descobrir
que o conhecimento científico não é absoluto. No entanto, o mérito da ciência provém de que
“a vida é um jogo contra a natureza e o conhecimento adquirido através do método científico
ensina ao homem melhores estratégias para tornar a sua vitória mais frequente” 373.
Para se desenvolver, a ciência econômica necessitaria de mais fatos e observação
orientada, tal como se estaria fazendo nos Estados Unidos através do National Bureau of
Economic Research, o Harvard Economic Research Project on the Structure of the American
369
Cf. Delfim Netto, 1958.
370
Id., Ibid., p.43.
371
Id., Ibid., p.49.
372
Id., Ibid., p.49.
373
Id., Ibid., p.52.
116
O que é o desenvolvimento econômico? Que forma ele assume num país como o Brasil?
Quais são as particularidades, enfim, do capitalismo brasileiro para Delfim Netto? Tentaremos
responder a essas perguntas e contextualizá-las ao longo do restante deste capítulo de modo a
compreender, em sua totalidade, a lógica e o conteúdo das construções intelectuais de Delfim.
A categoria que assume o protagonismo daqui em diante, de acordo com a lógica interna de
suas proposições, será o desenvolvimento.
Delfim Netto louva o fato de que se estaria formando a consciência da necessidade do
desenvolvimento econômico na sociedade brasileira desde a segunda metade do século XX.
Segundo ele, nos anos 1920 e 1930, a intelectualidade brasileira apenas absorvia aquilo que era
produzido pela intelectualidade dos países centrais, muitas vezes para decretar a
impossibilidade do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Eles outorgariam que a “forma
de ser”375 brasileira seria marcada em sua origem por um erro essencial e irremediável. Nos
anos 1950, entretanto, ter-se-ia passado a crer na “capacidade realizadora”376 do país. A
civilização tropical, antes tratada como uma contradição em termos, acompanhada pelos
fatalismos climático-geográfico e racial, teria começado a parecer possível em decorrência do
374
Delfim Netto, 1958, p.54.
375
Delfim Netto, 1962, p.I.
376
Id., Ibid., p.I.
117
próprio evolver da realidade. O ponto-chave teria sido a Segunda Guerra Mundial, a partir da
qual os determinismos climático-geográfico e racial teriam sido deixados de lado e o “problema
nacional”377, segundo Delfim, pôde ser analisado objetivamente. Essa interpretação delfiniana
demonstra que, à sua própria maneira, ele é cria da geração de Celso Furtado. De todo modo,
seus textos revelam conhecimento para além da economia.
O Brasil, assim, teria tomado seu destino em suas próprias mãos. Não havia pecado
original a ser expiado, nem dificuldade que não pudesse ser superada, ou seja, “não existe
nenhuma razão essencial pela qual uma sociedade não se possa beneficiar dos resultados da
aplicação da tecnologia desenvolvida pelo mundo ocidental”378. As forças e as dificuldades
brasileiras decorreriam, naquele momento, dessa percepção. As forças porque o país teria
tomado seu destino nas próprias mãos. As dificuldades porque “tomada de surprêsa, nossa
sociedade ainda não conseguiu galvanizar tôdas as classes sociais em tôrno do ideal do
desenvolvimento, dificultando a unificação de todos os esfôrços no mesmo sentido”379.
Lembrando, ao menos em aparência, o Furtado de 1962 – da Pré-Revolução Brasileira – ele
avança na sua definição de um projeto de nação:
377
Delfim Netto, 1962, p.II.
378
Id., Ibid., p.II.
379
Id., Ibid., p.III.
380
Id., Ibid., p.III.
381
Id., Ibid., p.III.
118
382
Delfim Netto, 1962, p.IV.
383
Cf. Id., Ibid.
384
Id., Ibid., p.V.
119
385
Delfim Netto, 1962, p.VI, grifo do autor.
386
Id., Ibid., p.VI.
387
Id., Ibid., p.VII, grifo do autor.
388
Id., Ibid., p.VII.
389
Cf. Id., Ibid.
120
390
Delfim Netto, 1962, p.1.
391
Id., Ibid., p.VII.
392
Id., Ibid., p.VII.
393
Id., Ibid., p.VIII.
394
Cf. Id., Ibid.,
395
Id., Ibid., p.1, grifo do autor.
396
Id., Ibid., p.2, grifo do autor.
397
Id., Ibid., p.3, grifo do autor.
121
398
Delfim Netto, 1962, p.3.
399
Id., Ibid., p.3, grifo do autor.
400
Id., Ibid., p.3.
401
Delfim Netto, 1962, p.1; Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
402
Delfim Netto, 1962, p.1.
403
Id., Ibid., p.2.
122
Qualquer que seja o tipo de sociedade, verifica-se nelas um traço comum: uma
minoria apropria-se do excedente. Isto se compreende facilmente, pois, se
fôsse pura e simplesmente o excedente repartido por todos os que realizam a
produção, ou desapareceria ou seria extremamente reduzido. Para que haja
acumulação, portanto, impõe-se que uma minoria se aproprie do excedente.
[...] A economia russa, como a americana, a da Europa Central ou a nossa,
numa larga medida, são apenas formas políticas diferentes de resolver o
mesmo problema. A diferença entre êsses tipos de sociedade encontra-se no
plano político, e não no econômico406.
Desistoricizando e despolitizando o problema – naturalizando-o, portanto – Delfim
Netto se amarra à resolução de gargalos de produtividade através da operação das variáveis
econômicas. Para que haja acumulação (e, assim, desenvolvimento), uma minoria tem de se
apropriar do excedente econômico e, logicamente, esse excedente tem de ser maximizado. Para
404
Delfim Netto, 1962, p.4, grifo do autor.
405
Id., Ibid., p.4.
406
Id., Ibid., p.5-6, grifo nosso. Sobre essas diferenças políticas, Delfim (p.7) afirma adiante: “Nas economias
centralizadas existe uma dialética que conduz à centralização do poder político. Alias, não se conhece nenhum
caso de sociedade econômicamente centralizada que seja polìticamente descentralizada, enquanto que, ao
contrário, nas sociedades de economia aberta a descentralização política é a essência, o que largamente abre
possibilidades e oportunidades a todos, independentemente de posições sociais e de interferências de outros.
Ademais, tal descentralização política importa na garantia das liberdades individuais. [...] em têrmos de progresso
social, como vimos, há sérias razões para pensarmos que uma sociedade descentralizada pode realizá-lo
simultâneamente com o desenvolvimento econômico”.
123
ele, “Se perde em visão cosmogônica e em efeito pirotécnico, ganha a teoria econômica maior
flexibilidade e maior capacidade de adaptação às situações reais, permitindo ao economista
servir mais eficientemente à sociedade”407.
Delfim Netto talvez ainda não saiba, mas já está na antessala do “economista-rei”408,
definido por Lourdes Sola. Já não havia técnicos em fins: “o processo de despolitização da
sociedade brasileira teria de cumprir o seu curso para que o tecnocrata pudesse emergir como
um ator político de pleno direito”409. Agora há uma ciência econômica, no Brasil, que se arvora
a capacidade de entender e de intervir no processo de desenvolvimento como o único ator
qualificado, que inclusive fala da política como algo propositivo, desde que as classes sociais
assumam seu papel específico. Os fins que essa ciência define são os fins naturais para toda a
coletividade.
Avançando na concepção delfiniana de desenvolvimento, o que diferenciaria o processo
de desenvolvimento do mero crescimento econômico seria a autodeterminação, isto é, o
momento t-1 determina o momento t, que, por sua vez, determina o momento t+1 e assim
sucessivamente. “Em outros têrmos, a formulação de um processo de desenvolvimento
corresponde a estabelecer, a partir de algumas condições iniciais, tôda a sua história” 410. Delfim
cuida em explicitar que isso não significa criar representações a respeito do desenrolar histórico,
menos ainda “uma interpretação da necessariedade do desenvolvimento”411, que pode se dar ou
não, se realizar em ciclos e em diferentes taxas etc. Como as condições iniciais do
desenvolvimento sempre seriam as mesmas, representações e interpretações não seriam
necessárias412. Isso é anti-furtadiano por excelência. Para Furtado, é a partir da compreensão do
processo histórico que se vislumbram as possibilidades do desenvolvimento, daí seu modo de
análise ser chamado de “histórico-estrutural”413. Delfim Netto caminha num universo
rostowiano: dado o arranque inicial, entra-se num processo de etapas do desenvolvimento414.
Entretanto, ao se dedicar ao caso brasileiro, Delfim analisa os empecilhos à decolagem da
economia brasileira e ao automatismo de seu desenvolvimento – sempre mantido sob controle
do Estado interventor-planejador. Assim, a intervenção do Estado via política econômica,
projetando as variáveis no tempo de modo a curar as imperfeições que impedem o bom
407
Delfim Netto, 1962, p.5.
408
Sola, 1998, p.45.
409
Id., Ibid., p.45.
410
Delfim Netto, 1962, p.5.
411
Id., Ibid., p.5.
412
Cf. Id., Ibid.
413
Oliveira, 2003, p.12.
414
Cf. Rostow, 1960.
124
415
Delfim Netto et. al., 1965.
416
Delfim Netto, 1962, p.6.
125
417
Delfim Netto, 1962, p.11.
418
Id., Ibid., p.14.
419
Id., Ibid., p.15.
420
Id., Ibid., p.15.
421
Id., Ibid., p.15.
422
Id., Ibid., p.17.
126
423
Cf. Harrod, 1948; Domar, 1946.
424
Como Resources and Output Trends in the United States since 1870 (1956), de Abramovitz, A Contribution to
the Theory of Economic Growth (1957), de Solow e Capital Formation and Technological Change in the United
States Manufacturing (1960), de Massell.
425
Delfim Netto, 1962, p.19.
426
Id., Ibid., p.21, grifo do autor.
427
Id., Ibid., p.21.
127
adquirir uma clara consciência da sua necessidade. São êstes fatos que põem
em evidência a urgência de uma teorização adequada do problema, capaz de
facilitar a melhoria da situação de ¾ da população do Globo, que vive num
estado próximo ao da indigência, incompatível com o mínimo de dignidade
que deveria revestir todo ser humano.428
Portanto, via de regra, o desenvolvimento não é um processo automático, e a sociedade
deve se convencer de sua necessidade. Ao iniciar sua análise da mecânica do desenvolvimento
econômico, Delfim Netto fala nas “modificações estruturais”429 – num sentido diverso dos
estruturalistas, para os quais importava ativar um conjunto de reformas transformadoras –
necessárias para o processo de aumento continuado da produtividade da força de trabalho.
Como se depreende do trecho abaixo, as modificações estruturais estão relacionadas à dinâmica
setorial da economia. Tais modificações estruturais assumiriam novas formas ao longo do
processo e dependem da sociedade em questão:
428
Delfim Netto, 1962, p.22, grifo do autor.
429
Id., Ibid., p.23.
430
Id., Ibid., p.24, grifo nosso.
128
431
Cf. Delfim Netto, 1962.
432
Cf. Id., Ibid.
433
Id., Ibid., p.25.
434
Cf. Id., Ibid.
435
Id., Ibid., p.26.
436
Id., Ibid., p.27.
129
Países com maior crescimento demográfico, como o Brasil, teriam mais facilidade em
um dos elementos do processo, qual seja, a transferência da mão-de-obra para os setores
secundário e terciário da economia. Isso porque a taxa de mortalidade diminui pelas melhores
condições sanitárias e assistenciais proporcionadas pelo desenvolvimento. Com a manutenção
do crescimento demográfico, todo o acréscimo populacional poderia ser alocado para os setores
necessários437.
Em suma, não existe preocupação com a dinâmica histórica do processo. A transição é
um fato consumado e cabe ao Estado complementá-la.
Uma vez que, para Delfim Netto, o desenvolvimento econômico não é automático, mas
demandaria um esforço consciente, os recursos para seu financiamento – aqueles que tornam
ao processo produtivo – proviriam de duas fontes até que o processo atingisse a
autossuficiência: “redução do consumo per-capita ou com o auxílio de recursos vindos do
exterior do sistema”438. A aceleração do processo de desenvolvimento econômico exigiria
transferência mais rápida da mão-de-obra do setor agrícola para o “setor urbano” 439, o que
demandaria um aumento rápido de produtividade no primeiro. Para isso, seriam necessárias
modificações tecnológicas substanciais nesse setor. Caso contrário, as pressões inflacionárias
decorrentes da escassez de produtos primários gerariam “situações de instabilidade social
prejudiciais à sua realização [do desenvolvimento]”440. Em países subdesenvolvidos, segundo
Delfim, pequenas modificações na produção gerariam grandes resultados para o aumento da
produtividade, como a melhoria da qualidade e a seleção das sementes, a instrução técnica,
melhorias no sistema de crédito e facilidade na comercialização. Uma quantidade apreciável da
mão-de-obra poderia ser transferida sem que houvesse diminuição no volume da produção.
Deveria haver, além disso, um ajuste estratégico da taxa de mão-de-obra
economicamente ativa, ou seja, a mão-de-obra efetivamente empregada no processo produtivo
capitalista deveria aumentar conforme fosse necessário ao desenvolvimento segundo a
perspectiva dos planejadores441.
Para que houvesse equilíbrio monetário durante o processo, a coletividade deveria ser
induzida a manter a necessária propensão marginal a poupar através de adequada política
tributária442. Eliminados os aspectos não-econômicos, Delfim Netto lança mão do conceito de
437
Delfim Netto, 1962.
438
Id., Ibid., p.40, grifo do autor.
439
Id., Ibid., p.40.
440
Id., Ibid., p.40.
441
Id., Ibid., cf. pp.42-4.
442
Cf. Id., Ibid. No tópico seguinte, examinaremos as concepções de Delfim a respeito do equilíbrio monetário
nos países subdesenvolvidos.
130
coletividade, que substitui a nação. A coletividade que é chamada a poupar não tem substância.
Resulta das tentativas de Delfim de se esquivar à determinação dos interesses divergentes. É
uma espécie de consórcio de classes sociais que se reúnem sob o comando dos planejadores e,
com base nos modelos econômicos, recebem as instruções a respeito daquilo que podem ou
não desejar.
Ao avançar em sua exposição, Delfim Netto afirma que há grande diferença qualitativa
dos diferentes investimentos no setor industrial em desenvolvimento. O crescimento econômico
autossuficiente exigiria crescimento acelerado da indústria de bens de produção. Esse setor seria
chave, pois “a longo prazo, a taxa de desenvolvimento depende apenas do comportamento do
setor da indústria de bens de produção [...] e da proporção do investimento reconduzido a êste
setor”443. Haveria nisso, para Delfim Netto, um paradoxo, pois seria mais conveniente investir
no setor de bens de produção mesmo quando o coeficiente produto/capital é maior no setor de
bens de consumo. A decisão de investir neste último teria sua racionalidade restrita ao curto
prazo. “Quando se introduz uma ligação entre os dois setores (com possibilidade de acumulação
e transferência maciça de capital no futuro) o critério de racionalidade não é o mesmo” 444.
Apesar disso, o esforço a ser feito pela sociedade dependeria não apenas da
produtividade no setor de bens de produção, mas também do setor de bens de consumo. Embora
a taxa de crescimento não dependesse deste, a produtividade nesse setor condicionaria a taxa
de poupança que financiaria o crescimento. Quanto maior a produtividade, menor a taxa de
poupança necessária445. Com base nisso, Delfim Netto testa alguns modelos, que serão
brevemente tratados mais adiante, a fim de determinar variáveis ótimas para o desenvolvimento.
Quanto maior a proporção do investimento reconduzida ao setor de bens de produção, maiores
os sacrifícios impostos ao consumo446.
Delfim declara que o modelo com o maior crescimento possível do produto deveria se
basear em uma diminuição do consumo demasiado acentuada para que um país
subdesenvolvido a suportasse, “a não ser sob coação política” 447. Assim, a primeira tarefa do
planejamento seria diminuir o consumo relativo a fim de financiar o crescimento da economia.
Essa tarefa não poderia se dar sem planejamento, pois o mercado se limitaria ao comportamento
dos consumidores e, portanto, ao curto prazo 448.
443
Delfim Netto, 1962, p.54.
444
Id., Ibid., p.55.
445
Cf. Id., Ibid.
446
Cf. Id., Ibid.
447
Id., Ibid., p.63.
448
Cf. Id., Ibid.
131
Portanto, Delfim Netto acredita que pode haver desenvolvimento capitalista dinâmico
no Brasil sem mudança de estruturas – no sentido furtadiano. Para Delfim, em outros termos,
as especificidades do capitalismo em processo de consolidação existem, mas podem ser
trabalhadas no âmbito da política econômica, de modo a fazer com que se chegue ao resultado
de um capitalismo “normal”.
Com uma taxa de investimento de 30% do excedente econômico no setor de bens de
produção (w), o volume de investimentos teria que “crescer rapidamente”449 para que se
conservasse a taxa média de crescimento de 4,6% ao ano. Numa taxa de investimento (w) de
50%, o consumo cresceria lentamente até o oitavo ano. A partir aí, seu crescimento superaria o
aumento populacional. O volume de investimentos também teria que crescer consideravelmente
para que a longo prazo (30 anos) se atingisse a taxa de crescimento de 10% ao ano. A situação
em que há uma taxa de 70% de investimento do excedente econômico reinvestido no setor de
bens de produção (w) é aquela em que seria necessária coação política para que a coletividade
suportasse o sacrifício. Esse seria também o caso de melhores resultados a longo prazo.
Tenderia “a colocar a economia num caminho de crescimento exponencial a 15 por cento ao
ano”450. A partir do décimo segundo ano, os níveis de consumo ultrapassariam a taxa de
crescimento populacional451.
Para Delfim, “Êstes fatos sugerem que o processo de desenvolvimento deveria ser
materializado por etapas, de forma a minimizar os sacrifícios iniciais”452.
O aumento de preços teria relação positiva com a taxa de investimento (w), isto é, quanto
maior essa taxa, maior o aumento geral de preços. O único teste em que os preços ficariam
constantes seria com w=0,3. Nos demais casos, o aumento dos preços seria considerável (cf.
Gráfico I abaixo). Uma política fiscal adequada, então, teria a função de “retirar dos
consumidores os excedentes do poder de compra”453.
Conclui Delfim Netto:
449
Delfim Netto, 1962, p.63.
450
Id., Ibid., p.63.
451
Cf. Id., Ibid.
452
Id., Ibid., p.64.
453
Id., Ibid., p.64.
132
454
Delfim Netto, 1962, p.64-5, grifo nosso.
455
Id., Ibid., p.65: “É claro que o processo inflacionário não se comportaria exatamente dessa maneira, pois que
sendo as classes sociais atingidas desigualmente pelos aumentos de preços, em breve elas se organizariam (a não
ser que estivessem sob coação política) para defender a sua participação no produto. Nessas circunstâncias, a
inflação começaria a auto-alimentar-se e a adquirir aceleração”.
456
Id., Ibid., p.65.
133
[...] seria de um sistema fiscal cujo objetivo central fosse a redução do nível
de renda disponível para consumo. Dêste modo, criar-se-ia uma poupança
457
Delfim Netto et. al., 1965, p.6
134
458
Delfim Netto et. al., 1965, p.6.
459
Delfim Netto, 1962, p.67, grifo do autor.
460
Id., Ibid., p.67.
461
Delfim Netto et. al., 1965, p.5.
135
Soviética, teria sido a ideologia marxista. Em ambos os casos, o processo assume o cunho
voluntarista característico da proposta de Delfim Netto.
O objetivo do desenvolvimento econômico para Delfim é que “o bem-estar da
coletividade [...] seja máximo”462. O termômetro desse bem-estar seria a “preferência dos
consumidores”463 – auxiliados pelos tecnocratas que deveriam dizer quanto os consumidores
deveriam consumir – por uma economia de mercado ou pelas decisões dos planejadores numa
economia centralizada464.
Após buscar um modelo ótimo para o desenvolvimento, Delfim Netto conclui que
[...] os caminhos para o desenvolvimento não são indiferentes e que uma vez
conscientizada a sua necessidade, cada sociedade dispõe de muitas
alternativas para realizá-lo, umas com maior, outras com menor eficiência.
Catalogar êsses caminhos e explorar tôdas as suas possibilidades em têrmos
de situações históricas concretas e dentro da limitação dos recursos
disponíveis, é uma das tarefas primordiais que cabe ao economista no
presente.465
O desenvolvimento econômico é baseado, portanto, no aumento da produtividade da
mão-de-obra em função do crescimento populacional e é consequência direta do montante de
capital investido no setor de bens de produção. Seus resultados seriam avaliados segundo a
preferência da coletividade, ou, como também diria Delfim, dos consumidores. Sua essência
“(e da qual deriva aquela conclusão) é a de que não existe nenhum outro fator limitante de
desenvolvimento, a não ser a quantidade de capital”466, que precisa ser elevada às custas do
consumo.
Entretanto, haveria o problema do processo inflacionário que decorreria da alta taxa de
formação de poupança necessária para um processo eficiente em tempo relativamente curto –
uma geração (25 anos)467 –, o que se agravaria através do crescimento demográfico. Essa alta
taxa de poupança demandaria a contenção dos investimentos em bens de consumo por parte
dos empresários e a contenção das aspirações de consumo ampliado e diversificado por parte
dos assalariados (o chamado desenvolvimento derivado), que revisariam os seus padrões de
consumo através do contato com os novos desenvolvimentos nos países centrais. Por isso,
segundo Delfim, a inflação deveria ser restringida pela política fiscal através da concordância
da coletividade ou da coação política468, como veremos no tópico seguinte.
462
Delfim Netto, 1962, pp.67-78
463
Id., Ibid., p.67.
464
Cf. Id., Ibid.
465
Id., Ibid., p.80.
466
Id., Ibid., p.82, grifo do autor.
467
Cf. Id., Ibid.
468
Delfim Netto et. al., 1965.
136
469
Delfim Netto, 1962, p.92.
470
Cf. Id., Ibid.
471
Id., Ibid., p.94, grifo do autor.
137
472
Delfim Netto, 1962, p.104-5.
473
Cf. Id., Ibid.
474
Id., Ibid., p.125.
475
Cf. Id., Ibid.
138
476
Cf. Delfim Netto, 1962.
477
Id., Ibid., p.126.
478
Id., Ibid., p.127.
479
Id., Ibid., p.127, grifo do autor.
480
Id., Ibid., p.127.
481
Id., Ibid., p.127.
482
Id., Ibid., p.127.
483
Id., Ibid., p.77.
139
Isso revela, mais uma vez, a concepção de fundo de que, se a economia brasileira não
está no mesmo patamar das economias dos países desenvolvidos, isso se deve ao fato de que
ela não espelha o processo de desenvolvimento capitalista naqueles países. As peculiaridades
da economia brasileira, logo, são operacionalizadas para que possam ser comparadas – e
corrigidas – com base no desenvolvimento alheio. Assim, ainda que o aumento da renda per
capita, segundo Delfim, seja somente um reflexo da diversificação da capacidade produtiva,
ele é, ao mesmo tempo, o termômetro do desenvolvimento e, assim, assume o estatuto de
finalidade. De meio para o bem-estar da coletividade, dessa forma, o aumento da renda per
capita se torna um fim em si. Na medida em que essa variável é uma média e não diz nada
sobre a distribuição efetiva da renda, já podemos antever que a concepção de Delfim, ao ignorar
as particularidades históricas dos diferentes países e especialmente do Brasil, já traz em si a
potencialidade de transformar o desenvolvimento econômico – isto é, o crescimento econômico
sustentado – em algo aquém da satisfação dos interesses e aspirações dos andares de baixo da
sociedade brasileira.
Via de regra, as economias subdesenvolvidas teriam potencialidades que, se utilizadas,
poderiam caminhar num sentido quase natural em favor do desenvolvimento econômico, tais
como o crescimento demográfico positivo e as possibilidades de modificação do coeficiente
produto/capital através de “uma simples melhoria das técnicas organizacionais” 484. Dever-se-
ia levar em conta, além disso, que o desenvolvimento econômico poderia se dar, supostamente,
sem a diminuição absoluta do consumo per capita e mesmo aumentando-o desde o início ao
mesmo tempo em que se aumenta “progressivamente o excedente econômico destinado ao
reinvestimento produtivo”485. A realização desta tarefa numa economia de mercado estaria
condicionada ao planejamento, que superaria as perspectivas de curto prazo dos empresários.
Nesse contexto, novamente, a inflação poderia ser contida apenas por “uma política tributária
adequada”486. A perda do controle inflacionário levaria a uma reação destinada a levar a
economia a seu “equilíbrio original”487, o que provocaria aceleração no processo
inflacionário.488
No que diz respeito ao balanço de pagamentos, não haveria garantia em qualquer
circunstância de que não existiriam problemas graves durante o processo de desenvolvimento:
484
Delfim Netto, 1962, p.128.
485
Id., Ibid., p.128.
486
Id., Ibid., p.128.
487
Id., Ibid., p.129.
488
Cf. Id., Ibid.
140
489
Delfim Netto, 1962, p.129.
490
Id., Ibid., p.129.
491
Id., Ibid., p.129.
492
Cf. Id., Ibid.
141
3.3.2 – A inflação
493
Delfim Netto, 1962, p.81-2, grifo nosso.
494
Delfim Netto et. al., 1965, p.3.
495
Cf. Id., Ibid.
142
propensão média a poupar por parte da “classe minoritária detentora do excedente econômico,
em relação ao restante da população”496. No entanto, em um “regime político aberto”, seriam
“difìcilmente comprimíveis” as expectativas de melhoria de vida por parte da “massa
consumidora”497. Em tal situação, mesmo que esse inconveniente (proveniente da massa
consumidora) fosse superado de alguma maneira, haveria um bloqueio estrutural do processo
de desenvolvimento “autêntico”:
496
Delfim Netto et. al., 1965, p.6.
497
Id., Ibid., p.6.
498
Id., Ibid., p.6, nota de rodapé nº 6.
499
Id., Ibid., p.6.
500
Id., Ibid., p.7.
143
501
Delfim Netto et. al., 1965, p.7
502
Id., Ibid., p.7.
503
Id., Ibid., p.8.
504
Id., Ibid., p.8.
505
Id., Ibid., p.10.
506
Cf. Id., Ibid.
144
507
Delfim Netto et. al., 1965, p.11.
508
Id., Ibid., p.11.
509
Id., Ibid., p.16-7.
510
Id., Ibid., p.17.
511
Id., Ibid., p.17-8.
145
encruzilhada entre destinar os recursos escassos à melhoria dos padrões de vida da população
ou realizar pesados investimentos. A necessidade de atender às reivindicações populares
acarretaria pequena capacidade de formação de poupança e de alocação conveniente dos
recursos, assim como se refletiria na velocidade do processo de desenvolvimento e em uma
maior relevância do poder político na determinação de seus rumos.
Seguindo os apontamentos do último Campos, Delfim defende que o déficit do setor
público, que teria maior participação no processo inflacionário que outros fatores, deveria ter
sua contenção como pedra de toque de qualquer política de combate à inflação. Esse controle
do déficit, contudo, não poderia ser feito através da diminuição dos investimentos
governamentais, pois isso poderia fazer com que o sistema econômico entrasse em crise. O
governo deveria financiar parte dos investimentos via ajuda externa, substituindo parcialmente
as emissões de meios de pagamento através de financiamentos de agências internacionais e de
recursos externos para projetos específicos. Os serviços ligados ao setor público, ademais,
possuiriam baixa produtividade, um dos primeiros problemas cuja resolução seria necessária
para o controle do seu déficit, sobretudo nos transportes ferroviários e marítimos, que
necessitariam de elevação da produtividade física e de revisão de suas políticas salariais512.
A distribuição de renda atuaria no mesmo sentido no que tange à inflação, e Delfim
prega, inclusive, a contenção do consumo de grupos de alta renda, pois a propensão marginal a
consumir desses grupos seria menor que a dos grupos com rendas mais baixas, o que, por outro
lado, ampliaria o mercado e assim criaria condições para o investimento, conduzindo à
diversificação da estrutura produtiva e ao aumento da produtividade do trabalho513. Essa é mais
uma lição que Delfim absorveu da produção teórica da Cepal514.
Do lado da força de trabalho, o impulso por ampliação e diversificação do consumo
“pode se associar à demanda por menor número de horas de trabalho, limitações da
produtividade, aposentadorias prematuras, etc. O desejo por um maior número de horas de lazer
passa a ser o objetivo principal quando a renda está crescendo”515. Os reajustes salariais seriam
ao mesmo tempo causa e efeito da inflação. Causa porque os bens e serviços à disposição da
coletividade em determinado período de tempo são fixos, e a tentativa de aumento da renda real
dos assalariados levaria a sérias resistências das classes que tivessem sua participação reduzida,
512
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
513
Cf. Id., Ibid.
514
Cf. Furtado, 1962; 1964; 2006.
515
Delfim Netto et. al., 1965, p.18.
146
516
Delfim Netto et. al., 1965, p.27.
517
Id., Ibid., p.28.
147
518
Cf. Delfim Netto et. al., 1965. O problema dos preços agrícolas também é tratado por Delfim, mas o trataremos
no tópico seguinte da pesquisa em conjunto com suas análises mais detalhadas sobre a agricultura.
519
Id., Ibid., p.68.
520
Cf. Id., Ibid.
148
521
Delfim Netto et. al., 1965, p.73.
522
Id., Ibid., p.74.
523
Id., Ibid., p.77.
149
aumentos de preços que procurassem restabelecer a posição inicial dos empresários, a não ser
através de uma alteração substancial na velocidade da moeda”524.
Para Delfim, a manutenção da participação dos assalariados na distribuição do produto
nacional seria diferente do ajustamento dos salários de acordo com o custo de vida:
524
Delfim Netto et. al., 1965, p. 78, nota de rodapé nº 1.
525
Id., Ibid., p.79, grifo do autor.
150
526
Delfim Netto et. al., 1965, p.84.
527
Id., Ibid., p.85.
528
Id., Ibid., p.85.
151
exportações”529. Isso poderia acarretar “uma inflação ‘gratuita’, sem melhorar a situação do
balanço de pagamentos, alterando-se, apenas, a distribuição de rendas”530.
A solução para esse efeito inflacionário, para Delfim Netto, seria o aumento das
exportações de “extensos setôres da produção industrial brasileira onde, freqüentemente,
acentuada é a existência de capacidade ociosa” 531. Uma política cambial adequada incentivaria
estes setores a aumentar suas exportações, reduzindo os desequilíbrios no balanço de
pagamentos e aumentando o nível de emprego no setor industrial. Em conclusão: “A campanha
‘exportar é a solução’ pode surtir efeito, desde que os setôres incentivados sejam os que
possuam capacidade ociosa ou possibilidades de aumentar ràpidamente a oferta” 532, e não
aqueles com oferta pouco elástica a curto prazo, o que poderia resultar em novas pressões
inflacionárias.
Além das causas inflacionárias já mencionadas, o descompasso entre a receita
arrecadada e a despesa realizada constituiria o fator mais importante na explicação do volume
de emissões realizado durante o período analisado, segundo Delfim. A magnitude do déficit de
caixa do governo federal guardaria, portanto, estreita relação com as altas taxas de inflação dos
últimos anos. Por isso, seria necessário realizar uma “análise mais completa do déficit, de modo
a evidenciar as pressões, falhas e inadequações”533.
Entre 1947 e 1960, os gastos do governo teriam aumentado significativamente. De
forma mais precisa, para cada 1% no aumento do PIB, o governo teria aumentado seus gastos
em 1,54%, elevando a proporção dos gastos de 13,5% do PIB em 1947 para 19,9% do PIB em
1960 – ou 23% ao se incluir a parcela resultante das empresas do governo. Tal elasticidade de
gastos dependeria da natureza do dispêndio: dado um aumento de 1% no PIB, o governo
aumentaria seus gastos de consumo em 1,36% e seus gastos de investimento em 1,7%534.
Isso decorreria de pressões relacionadas ao aumento da renda per capita e ao processo
de urbanização, as principais características do processo de desenvolvimento econômico
segundo Delfim. As pressões atuariam no sentido do aumento da quantidade e da qualidade dos
serviços oferecidos pelo Estado, o que demandaria o aumento dos gastos com “investimentos
públicos de caráter social”535, tais como escolas, hospitais, redes de água e esgoto etc., assim
como maiores despesas de custeio através dos gastos de operação desses investimentos.
529
Delfim Netto et. al., 1965, p.86.
530
Id., Ibid., p.86.
531
Id., Ibid., p.86.
532
Id., Ibid., p.86.
533
Id., Ibid., p.87.
534
Cf. Id., Ibid.
535
Id., Ibid., p.89.
152
Haveria, também, com o aumento dos gastos públicos, maiores despesas com o custeio da
máquina administrativa, arrecadação de impostos e fiscalização.
Mas Delfim não ignora a outra função econômica essencial do Estado brasileiro: “É
preciso considerar, ainda, que muitos empreendimentos básicos da infra estrutura [sic], para
colocar à disposição da iniciativa privada as economias externas e os fatôres que ela necessita,
são deixados a cargo do Govêrno”536, isto é, aumentariam não apenas os investimentos em
“gastos sociais”537, mas também em atividades básicas. Delfim avança:
536
Delfim Netto et. al., 1965, p.89.
537
Id., Ibid., p.89.
538
Id., Ibid., p.89-90.
539
Id., Ibid., p.90.
540
Id., Ibid., p.93.
153
em todos os serviços prestados por essas esferas de administração, exceto os gastos com
administração geral, relacionados antes à taxa de urbanização. Com base em uma série de
quadros de dados, gráficos e estimativas baseadas na operacionalização de variáveis, Delfim
conclui:
541
Delfim Netto et. al., 1965, p.95.
542
Id., Ibid., p.101.
543
Id., Ibid., p.105.
544
Id., Ibid., p.105.
154
mais longas, entre outras coisas. Segundo Delfim, tais demandas reverberariam com “grande
receptividade” nos “órgãos legislativos”, passando a constituir plataformas eleitorais “da
grande maioria” dos candidatos a postos eletivos e, assim, transformando-se em leis dentro de
prazo maior ou menor545. Desse modo, no Brasil, os encargos sociais “que gravam a indústria
privada”546 seriam da ordem de 75% a 85% do salário direto, dependendo do tipo de atividade
industrial.
Essas “vantagens” 547 repercutiriam nas despesas governamentais por dois caminhos.
Com a queda no número de horas de trabalho, aumentaria o número necessário de funcionários
públicos para exercer a mesma tarefa, o que se somaria ao direito a certo número de faltas
remuneradas, ao prolongamento das férias etc.: “Daí ser necessário, então, um número
excessivo de funcionários onerando de forma acentuada o orçamento da União e diminuindo a
produtividade do pessoal e do equipamento empregado pelo Govêrno” 548.
Por outro lado, nas empresas governamentais, cujas jornadas de trabalho não difeririam
de forma significativa do setor privado, os sindicatos operários teriam alcançado o constante
aumento do salário real através da pressão que teriam exercido. Exemplos seriam a Petrobrás e
a Rêde Ferroviária Federal S. A., cujos aumentos salariais superariam muito o crescimento do
índice do custo de vida. Além disso, a aposentadoria prematura ocasionaria o crescimento
excessivo de funcionários aposentados sobre o pessoal ativo, a exemplo da Lei Federal nº 4.160
de 28 de agosto de 1962, que eliminou qualquer limite de idade para aposentadorias e, assim,
teria estendido “seus favores, sem qualquer necessidade social imperiosa, a grupos ainda
fisicamente aptos e capazes de produzir bem”549.
No entanto, a ampliação dos compromissos previdenciários não teria sido acompanhada
por considerações relativas aos fundamentos contributivos, isto é, as leis que ampliam os
benefícios previdenciários não seriam acompanhadas pelo fornecimento dos recursos
necessários à Previdência Social, acarretando déficits que têm de ser cobertos pela União,
aumentando seu problema de caixa. Esse problema seria mais marcante com relação aos
funcionários públicos, conclusão que Delfim toma baseado na proporção da relação pessoal
ativo/pessoal inativo. Desse modo, o problema não afetaria somente os Institutos de
Previdência, mas também as empresas públicas, que teriam seus déficits operacionais
exacerbados em decorrência dos benefícios previdenciários. O caso das empresas ferroviárias
545
Delfim Netto et. al., 1965, p.105.
546
Id., Ibid., p.105.
547
Id., Ibid., p.105.
548
Id., Ibid., p.105.
549
Id., Ibid., p.106.
155
seria exemplar disso. A Rêde Ferroviária S. A., por exemplo, seria forçada pelo governo a pagar
parte da aposentadoria a seus aposentados ordinários, uma despesa correspondente a 20% dos
salários, enquanto os outros 80% seriam pagos pela Previdência Social. Assim, de forma a
manter as aposentadorias no mesmo patamar dos salários em atividade, a empresa teria suas
despesas de custeio sobrecarregadas sem que lhes fossem fornecidos recursos adicionais. E
Delfim conclui: “Quando se sabe que a Rêde Ferroviária Federal S. A. é responsável por cêrca
de 25% do déficit de caixa da União, o fato ganha maior relêvo”550.
A luta por melhores padrões de vida também se faria sentir em outros setores: “Todos
acham que devem receber transportes a baixo preço, serviços sociais gratuitos e assim por
diante”, encarando o desenvolvimento como “uma graça que se merece e pela qual não nos
devemos esforçar”551. Grande parte do déficit ferroviário decorreria das tarifas desatualizadas.
Delfim argumenta que elas deveriam sofrer reajustes realistas para alguns produtos e algumas
localidades. Obviamente Delfim Netto se refere aqui aos subsídios. Segundo ele, as tarifas
estariam desatualizadas particularmente no setor de transporte suburbano de passageiros e no
de gêneros de primeira necessidade. No primeiro, não apenas as tarifas não cobririam seus
custos, como esse tipo de transporte criaria dificuldades técnicas impeditivas do aumento da
velocidade comercial dos trens, perdendo terreno aos seus competidores diretos e aumentando
seu déficit. No entanto, ele estende esse diagnóstico para todos os serviços prestados pelo
Estado. O “’Estado Providência’”552, espantalho que Delfim cria para classificar uma certa
visão sob a qual o Estado deveria prover os serviços necessários sem levar em conta seu custo,
pressionaria o orçamento da União e agravaria seu déficit, contribuindo, assim, para o aumento
da inflação. Isso valeria também para a pressão sobre o governo federal no sentido de atender,
com seus recursos, os estados com menor renda per capita, realizando, por exemplo, pesados
investimentos em educação nestes estados, custos que, em estados mais desenvolvidos, seriam
cobertos com recursos próprios553.
Quanto à produtividade do setor governamental, a falta de dados dificultaria qualquer
comparação com o setor privado, mas Delfim menciona alguns indicadores. No caso da
indústria automobilística, a diferença de produtividade seria significativa segundo dados da
ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores): em 1962,
enquanto a Fábrica Nacional de Motores (a única empresa pública produtora de automóveis no
550
Delfim Netto et. al., 1965, p.107.
551
Id., Ibid., p.107.
552
Id., Ibid., p.108.
553
Cf. Id., Ibid.
156
país, que foi vendida à Fiat no final da década de 1970) produzia 0,28 veículo por operário por
ano, a Ford, por exemplo, produzia 5,8, e a General Motors, 3,3554.
Outro caso ilustrativo do problema de produtividade do setor público, mas por razão
diversa, seria a navegação de cabotagem. Neste setor, as empresas públicas teriam uma baixa
produtividade devida à subutilização da mão-de-obra e dos equipamentos. Enquanto o pessoal
empregado se equipararia ao das empresas particulares, já que esse nível era determinado por
legislação especial, estas conseguiriam carrear maior quantidade de carga. A razão disso seria
a maior capacidade gerencial e o maior senso de oportunidade dos empresários particulares, a
despeito da influência negativa da baixa produtividade dos portos sobre as empresas públicas e
privadas, que estaria acarretando o abandono do transporte marítimo555.
Com base nessas considerações, Delfim realiza uma análise minuciosa do orçamento e
da execução orçamentária do governo federal. Com dados do orçamento, ele analisa as despesas
efetuadas pela união, as despesas por Ministérios, os créditos extraordinários e adicionais, as
despesas sem crédito, as despesas por tipo, a distribuição dos créditos extraordinários e
especiais, as despesas sem crédito e além dos créditos do governo federal, o balanço do governo
federal e a vinculação e o equilíbrio orçamentários. Tais minúcias têm grande importância em
sua análise e igualmente importância histórica, valendo, talvez, uma revisão informada dos
dados que Delfim Netto fornece para embasar suas conclusões, mas nos limitaremos aqui a
buscar a especificidade de tais conclusões para seu edifício teórico.
A esse respeito, julgamos relevante uma breve alusão àquilo que Delfim afirma a
respeito da vinculação e do equilíbrio orçamentários. Para Delfim, a prática de vincular receitas
a certas despesas é condenável como norma de administração orçamentária, pois o orçamento
passa a apresentar uma rigidez que pode apresentar entraves a sua execução. Isso também
resultaria em uma alocação defeituosa dos recursos escassos caso houvesse aplicação
alternativa de investimentos com “maior grau de benefícios sociais” 556 que não pudessem ser
implementados dada tal vinculação. No passado, no entanto, quando o planejamento a nível
nacional ainda não possuía instrumentais adequados, segundo Delfim, a vinculação
orçamentária “não deixa de ter tido algum mérito”557 ao representar uma forma de garantia para
um fluxo contínuo de recursos para áreas-problemas ou setores de infraestrutura que
constituíam em gargalos do sistema.
554
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
555
Cf. Id., Ibid.
556
Id., Ibid., p.129.
557
Id., Ibid., p.129.
157
558
Delfim Netto et. al., 1965, p.129.
559
Id., Ibid., p.129.
560
Id., Ibid., p.132.
561
Id., Ibid., p.132.
158
elasticidade seria 1,38 e 0,79 respectivamente, ou seja, os impostos diretos aumentam à medida
que aumenta o PIB, enquanto os indiretos têm sua participação reduzida, “movimento em
sentido inverso do que se deveria esperar diante de uma estrutura tributária mais próxima dos
padrões internacionais”562. Haveria uma constante de que os países com baixa renda per capita
teriam a maior parte de sua receita auferida através de impostos indiretos, como de consumo e
de vendas, enquanto os países de renda per capita alta teriam parte de sua receita arrecadada
através dos impostos diretos, como de renda. Entre 1951 e 1957, quando o governo federal
Brasil teria obtido, em média, 22% da receita total com base no imposto de renda de pessoa
física, esse patamar seria de 50% e 46% na Alemanha Ocidental e nos Estados Unidos,
respectivamente563.
A política tributária brasileira estaria caminhando no sentido de atenuar as disparidades
encontradas, pois estaria se reforçando a tendência de aumento dos impostos diretos em relação
aos indiretos, acompanhando a elevação dos padrões de vida derivados do aumento da renda
per capita. Além disso, no imposto de renda das pessoas jurídicas, um mecanismo de correção
de anormalidades derivadas do efeito da inflação contribuiria para diminuir a carga fiscal sobre
as empresas ao corrigir, por exemplo, a taxação de lucros fictícios resultantes de aumentos de
preços564.
A redução do déficit orçamentário com base no aumento das receitas reduziria ou
mesmo eliminaria a inflação, mas isso teria um custo elevado devido à baixa produtividade dos
fatores de produção empregados pelo governo. A solução, por isso, seria aumentar a
produtividade desses fatores, mas jamais a redução dos gastos. Em suma:
Não se pede em absoluto uma redução de seus gastos, pois dada a alta
participação no Orçamento das despesas pràticamente fixas, como já
mostramos, tal redução da atividade governamental apenas poderia ser
realizada através da diminuição do rítmo dos investimentos públicos. Pede-se
todavia que, principalmente no setor de investimentos, a produtividade cresça
de tal forma a permitir que aumente a construção de estradas, hidro-elétricas,
prédios escolares, etc., com os mesmos fatôres de produção que o Govêrno
atualmente utiliza. Dessa forma, a relação Produto/Capital dêsses
investimentos, sabidamente baixa comparada aos demais investimentos, se
tornaria mais elevada, contribuindo, assim, para aumentar o valor da relação
na economia como um todo.565
Dessa maneira, segundo Delfim Netto, quais seriam as maiores fontes de pressão sobre
o setor público? Em primeiro lugar, o desenvolvimento derivado; em segundo, a baixa
562
Delfim Netto et. al., 1965, p.133.
563
Cf. Id., Ibid.
564
Cf. Id., Ibid.
565
Id., Ibid., p.140.
159
produtividade dos fatores de produção empregados pelo governo. A luta por melhores padrões
de vida – melhores serviços públicos, subsídios destinados a aumentar a renda real de algumas
classes e melhores condições de trabalho – conduziria a uma maior fatia de gastos da renda
nacional em comparação com o que gastavam países hoje desenvolvidos quando possuíam uma
renda nacional idêntica. Dada a baixa produtividade dos fatores, essa pressão se transformaria
numa “utilização mais do que proporcional de fatôres de produção” 566, o que levaria a gastos
públicos crescentes. Delfim deixa claro que o elemento mais importante, no entanto, é a baixa
produtividade do setor público.567
Para Delfim Netto, “dentro de uma sociedade aberta como a nossa”568, dificilmente o
governo poderia se furtar a continuar a prestar “a enorme variedade de serviços que atualmente
vem colocando à disposição da coletividade”569. Isso conduziria à rigidez dos gastos, tanto de
custeio como de investimento. Qualquer redução significativa da despesa, por isso, estaria
condicionada particularmente à resolução dos problemas de cada autarquia e de cada sociedade
de economia mista. Seu déficit poderia ser reduzido no curto prazo através da elaboração de
algumas políticas globais, a saber: reajustes nas tarifas dos serviços públicos; a criação de uma
maior capacidade comercial; a concessão de aumentos salariais apenas na proporção dos
aumentos de preços e da produtividade; a concessão de benefícios previdenciários condizentes
com o nível das contribuições; a “eliminação do ‘empreguismo’” 570; a redução dos gastos de
administração; a melhoria dos equipamentos, etc.571
A longo prazo, segundo o autor, “a redução da taxa de aumento do pessoal empregado
pode ser conseguida através do aumento da produtividade” 572. Dever-se-ia aumentar a
produtividade da mão-de-obra como pedra de toque de qualquer política de redução do déficit
orçamentário, principalmente através da generalização do recrutamento através de concurso e
da promoção por intermédio do sistema de mérito573.
Assim, para Delfim Netto, a inflação brasileira se explica através do comportamento de
quatro variáveis básicas: os déficits do setor público e a forma de seu financiamento; as pressões
de custo derivadas dos reajustes salariais; as pressões de custo derivadas das desvalorizações
cambiais; e as pressões derivadas do setor privado da economia.
566
Delfim Netto et. al., 1965, p.142.
567
Cf. Id., Ibid.
568
Id., Ibid., p.143.
569
Id., Ibid., p.143.
570
Id., Ibid., p.143.
571
Cf. Id., Ibid.
572
Id., Ibid., p.143.
573
Cf. Id., Ibid.
160
Também é importante que o governo consiga realizar “um impacto psicológico que gera
perspectivas de uma progressiva estabilização dos preços”574, o que geraria a tendência de
estabilização da velocidade-renda da moeda.
Essas políticas dependeriam, no longo prazo, do sucesso em eliminar as causas básicas
da inflação brasileira. A mais importante delas seria a baixa produtividade dos serviços ligados
ao setor público, particularmente nos transportes ferroviários e marítimos, que deveriam passar
pela elevação de sua produtividade física e por revisão de suas políticas salariais. Por fim,
seriam necessárias alterações no sistema fiscal, de modo a “taxar pesadamente” 575 o consumo
conspícuo e estimular os investimentos no sentido de ampliar a capacidade produtiva do país.
Isso levaria à contenção de algumas pressões originadas no desenvolvimento derivado e no
efeito demonstração, estimulando, ainda, o crescimento do PIB e acelerando a taxa de
desenvolvimento econômico.
3.3.3 – A agricultura
Nos textos analisados até aqui, Delfim Netto tece fortes críticas às generalizações da
Cepal a respeito da responsabilidade do setor primário no processo inflacionário das economias
latino-americanas. Os modelos matemáticos dariam conta de demonstrar que o fenômeno não
existiria no Brasil, apesar de que o diagnóstico pudesse estar correto, por exemplo, para o caso
do Chile. Essa é, talvez, a maior aplicação da particularidade que cabe em seu arsenal teórico.
Como as causas da inflação seriam distintas, a profilaxia igualmente teria de sê-lo. Esse aspecto,
que perpassa toda a produção de Delfim Netto, apenas faz sentido no interior de uma concepção
que busca aproximar a realidade econômica dos países subdesenvolvidos daquilo que ela
deveria ser em termos operacionais e quantificáveis: o futuro almejado não passa do alcance,
pelo Brasil, dos indicadores econômicos dos países desenvolvidos.
De modo geral, para Delfim, sem o setor industrial, a agricultura poderia apenas crescer
em extensão, gerando um baixo fluxo de renda interno e dependente do mercado externo. Nesse
caso, a elevação de renda não se tornaria automática, para o que seriam necessárias
modificações estruturais. Isso seria uma forma particular de desenvolvimento fortemente ligada
ao comércio exterior e com capacidade limitada de perpetuação. O centro dinâmico da
economia estaria fora do país576. Aqui fica clara a influência furtadiana de Formação
Econômica do Brasil, que ele absorve, mais uma vez, à sua própria maneira.
574
Delfim Netto et. al., 1965, p.151.
575
Id., Ibid., p.151.
576
Delfim Netto, 1962, p.83-4.
162
Para Delfim, o desenvolvimento econômico brasileiro deveria ter, como eixo, um novo
entrosamento entre indústria e agricultura com redução dos constrangimentos externos. O
desenvolvimento econômico brasileiro até então teria se realizado por uma evolução
descompassada de setores “essencialmente interdependentes” 577, de modo que a indústria teria
atraído mão-de-obra do campo – produtora de alimentos, matérias-primas e produtos de
exportação – sem que isso fosse acompanhado por aumento de produtividade no campo, o que
se configuraria como seu problema essencial. Isso teria sido mitigado pela expansão das
fronteiras agrícolas, possível pela abundância de terras virgens no território brasileiro,
substituindo em grande medida a mão-de-obra que deixava o campo por recursos naturais
abundantes. Tal movimento teria gerado algum aumento de produtividade ao mesmo tempo que
teria criado novos problemas, que estrangulariam parte desse aumento578.
Segundo Delfim, o nível de consumo da população brasileira seria ainda muito baixo,
enquanto o aumento do nível do rendimento, “que caracteriza o desenvolvimento
econômico”579, exigiria progressivamente maiores quantidades de produtos agrícolas. O setor
industrial em desenvolvimento necessitaria de maior quantidade de matérias-primas, enquanto
o setor exportador estaria sendo pressionado por maiores solicitações de importações, devendo
gerar mais divisas580. Aqui ele está no horizonte de análise de Celso Furtado: o Brasil cresce
para dentro e precisa de maiores divisas para financiar o crescimento do parque industrial, mas,
ao contrário de Furtado, como vimos, Delfim acreditava que o controle das variáveis resolveria
o problema do balanço de pagamentos. Na seção sobre o milagre, no próximo capítulo, veremos
que esse não foi o caso.
Uma vez que o processo de desenvolvimento brasileiro seria voltado para dentro,
segundo Delfim, necessitando de cada vez mais importações, e que a diferença entre as taxas
cambiais de importação e exportação seria “o instrumento promotor do desenvolvimento, aos
poucos a exportação vai se tornando impossível” 581, pois os produtos de exportação estariam se
tornando “gravosos”582. O Brasil teria influência nos preços mundiais de apenas dois produtos:
o café e, em menor grau, o cacau. No caso de todos os outros, a participação brasileira seria
desprezível. Com o aumento dos custos internos decorrente da escassez de matérias-primas para
abastecimento do consumo privado, da indústria e do setor exportador, três demandas
577
Delfim Netto, 2009, p.265.
578
Cf. Id., Ibid.
579
Id., Ibid., p.266.
580
Cf. Id. Ibid.
581
Id., Ibid., p.266.
582
Id., Ibid., p.266.
163
crescentes, a exportação se tornaria cada vez menos viável. Se os custos internos aumentassem
em valor superior à taxa cambial, em certo momento a exportação se tornaria impossível, já que
os preços pagos pelos produtos no mercado internacional não seriam suficientes para cobrir
seus custos de produção. A consequência seria a proibição ou o contingenciamento das
exportações de alimentos e matérias-primas, o que estaria acontecendo precisamente naquele
momento583.
Esse problema eleva a agricultura a um papel ainda maior na hierarquia de problemas
nacionais porque tem íntima relação com a taxa cambial. O protagonista aqui é o café, a cultura
mais importante na determinação do fornecimento da oferta total de divisas, o que, por sua vez,
determina o nível das relações de troca do país com o exterior e, através disso, influi no nível
de procura total de divisas. Devemos nos deter um pouco no problema para compreendermos
suas implicações. Caso o país estivesse sob os efeitos de uma espiral inflacionária, quedas nos
preços externos do café poderiam se traduzir em estabilidade ou mesmo aumento de seus preços
internos, o que estimularia a expansão da cultura e provocaria nova queda nos preços externos
dada a posição predominante do Brasil no mercado mundial. Nesse caso, segundo Delfim, o
sistema seria instável e não chegaria a encontrar seu equilíbrio, pois o governo seria levado a
intervir no mercado antes que houvesse a redução do rendimento nacional. Dentro de um
processo inflacionário aberto, portanto, não seria possível esperar um comportamento razoável
do mercado cafeeiro. O financiamento da compra do produto por meios inflacionários, dessa
forma, só seria consistente com a permanência definitiva do governo no mercado e com a
fixação da taxa cambial, caso contrário não teria os efeitos desejados na resolução do problema
dos excedentes de produção.
Essa influência da cultura cafeeira no mercado cambial afetaria os outros produtos de
exportação: em momentos de grande depreciação cambial, haveria uma ampliação significativa
nas exportações de cacau, peles e couros, açúcar, borracha, etc. Quando melhora a situação do
café, pelo contrário, o aumento dos lucros direciona os fatores de produção a esta cultura e a
melhora da taxa cambial diminui o lucro das demais culturas. Delfim explica o mecanismo:
583
Cf. Delfim Netto, 2009.
164
584
Delfim Netto, 2009, p.194.
585
Id., Ibid., p.196.
586
Id., Ibid., p.196.
165
diminuíam. O aumento na receita de divisas não poderia mais ser buscado dessa forma. Além
disso, as elevações nos preços do café trariam cada vez mais concorrentes ao Brasil no mercado
internacional, forçando queda nos preços brasileiros ou arriscando sua posição no mercado587.
Desse modo, a política de elevação dos preços do café, que estaria financiando o
desenvolvimento brasileiro, ao mesmo tempo teria gerado sua própria ruína através de um
mecanismo já conhecido do mercado: a concorrência. A posição monopolística do Brasil,
juntamente com o financiamento do desenvolvimento econômico, estaria assim ameaçada. A
política de curto prazo, exploradora da posição brasileira no mercado, contradiria as
perspectivas de longo prazo, necessárias para a continuidade do processo de desenvolvimento
econômico brasileiro588.
Em relação a essas perspectivas a longo prazo do café, Delfim Netto recorre à
demografia. Um estudo realizado pela Population Division da ONU previa o crescimento da
população mundial em 27% no período de 1960 a 1980. Conjugado ao sucesso ao menos parcial
dos programas de desenvolvimento dos países ao redor do mundo, o que acaba por reduzir suas
taxas de mortalidade, o crescimento populacional seria a pedra de toque das perspectivas
positivas a longo prazo para a exportação brasileira de café e, portanto, do desenvolvimento do
país como um todo. Entretanto, a formação de hábitos estaria ligada aos preços do produto, isto
é, se no início os hábitos de consumo determinariam os preços, segundo Delfim Netto, os preços
modificariam os hábitos de consumo e influenciariam os preços futuros etc. A “variável
estratégica”589 seria, portanto, seu nível de preços. O autor afirma, então, que seria possível
ampliar consideravelmente o consumo do café num prazo de cinco ou dez anos, aumento
impulsionado por preços mais baixos do produto.590
Assumindo a estabilidade das condições do comércio mundial até 1980 e a estabilidade
dos preços do café “em nível razoável”591, seria previsível um aumento de 50% ou 60% no
consumo do produto, isto é, 20 a 25 milhões de sacas. Os países com melhores condições de
concorrência ganhariam essas fatias do aumento de consumo, para o que a situação do Brasil
seria particularmente favorável. As condições de transporte, armazenamento, financiamento e
comercialização do produto seriam muito melhores do que em qualquer outro local produtor de
café. Além disso, os pequenos, mas constantes, investimentos nas pesquisas cafeeiras teriam
587
Cf. Delfim Netto, 2009.
588
Cf. Id., Ibid.
589
Id., Ibid., p.269.
590
Cf. Id., Ibid.
591
Id., Ibid., p.270.
166
O Brasil tem portanto condições para produzir, a talvez 1/3 do seu custo atual,
toda a gama de bebidas conhecidas no mundo e tem, portanto, potencialmente,
uma extraordinária capacidade de concorrência. 594
Nesse contexto, Delfim Netto defende que um acordo internacional de preços do café
não faria sentido para o Brasil, já que o país não aproveitaria os ganhos de produtividade já
acumulados, além de que os concorrentes fora do acordo abocanhariam os novos mercados,
com preços elevados.595
Voltando ao problema da mecanização, Delfim Netto afirma:
592
Delfim Netto, 2009, p.270.
593
Id., Ibid., p.270.
594
Id., Ibid., p.270.
595
Cf. Id., Ibid.
596
Id., Ibid., p.271.
597
Cf., Id., Ibid.
167
598
Delfim Netto, [1965?], p.84.
599
Id., Ibid., p.84.
600
Id., Ibid., p.85.
601
Id., Ibid., p.86.
602
Id., Ibid., p.86-7.
603
Delfim Netto, 1962.
604
Delfim Netto, [1965?], p.87.
168
a totalidade do aumento dessa fôrça de trabalho para o setor industrial”605, o que implicaria em
aumento volumoso do consumo de alimentos por conta da elevação de renda desses
trabalhadores. Conjugado ao aumento populacional derivado, entre outras coisas, da queda na
mortalidade infantil, a procura de produtos agrícolas tenderia a aumentar fortemente. Além
disso, o próprio abastecimento do setor urbano em crescimento gera a necessidade de serviços
para sua comercialização “(silos, armazéns, transporte, intermediários etc.)” 606, o que absorve
força de trabalho e aumenta ainda mais a demanda por alimentos 607. Segundo Delfim Netto:
605
Delfim Netto, [1965?], p.88, grifo do autor.
606
Id., Ibid., p.89.
607
Cf. Id., Ibid.
608
Id., Ibid., p.110-1.
609
Cf. Delfim Netto & Freitas, 1960.
169
[...] onde as tensões primárias da inflação decorrem dos problemas criados por
um desenvolvimento em condições de estagnação da capacidade para
importar, das pressões distributivistas que caracterizam o “desenvolvimento
derivado” e da própria estrutura do poder político, que para se manter deve
realizar uma política de clientela irresponsável. 612
Em outras palavras, confirmando aquilo que já vimos anteriormente, a agricultura
deveria aumentar a capacidade de importar da economia através do aumento da produtividade,
o que, outrossim, expandiria o mercado consumidor no campo e forneceria mão-de-obra à
indústria, ao mesmo tempo em que a política de clientela irresponsável surgida das pressões
originadas no desenvolvimento derivado deveria ser abolida em favor de maiores investimentos
produtivos.
O Brasil teria uma taxa de crescimento demográfico anual de 2,6%, enquanto a demanda
por alimentos cresceria a uma taxa entre 4% e 4,6%. Por outro lado, entre 1939 e 1961, a
expansão da produção de alimentos teria crescido anualmente 4,2%. Embora produção e oferta
não sejam as mesmas coisas, segundo Delfim Netto, as melhores condições de comercialização
e transporte levariam a crer que a oferta de alimentos deva ter crescido a uma taxa no mínimo
igual ao crescimento da produção. Tomando como referência o centro urbano de maior renda
per-capita do país, a Guanabara, Delfim conclui que não seria possível demonstrar que o custo
de alimentação estaria crescendo mais que os outros preços em consequência da deficiência da
oferta613.
Após realizar regressões a fim de compreender a relação do aumento do custo da
alimentação com a expansão dos meios de pagamento, Delfim sugere que pode existir um
componente de aumento do custo de vida independente dos meios de pagamento. No entanto,
não seria possível confirmar essa relação através dos dados disponíveis: “Utilizando os dados
610
Delfim Netto, 1962, p.114.
611
Cf. Id., Ibid.
612
Cf. Delfim Netto, [1965?].
613
Cf. Delfim Netto, [1965?].
170
disponíveis chega-se, assim, à conclusão de que não existe evidência de que no nível global (e
nem nos grandes centros) a procura de alimentos cresce mais depressa que a oferta”, o que
contrariaria aquilo que consta no Plano Trienal614.
Entre os períodos 1953/55 e 1959/61, a produção agrícola do estado de São Paulo teria
aumentado 12% em área e 16% em produtividade por hectare, totalizando um aumento da
produção de 30%. A produção agrícola brasileira como um todo – incluso o estado de SP no
cálculo, o que Delfim reconhece superestimar os resultados –, aumentou 20% em área e 4% em
produtividade por hectare, totalizando um aumento de 25% no total da produção615. Assim,
614
Delfim Netto, [1965?], p.27.
615
Cf. Id., Ibid.
616
Id., Ibid., p.40.
617
Id., Ibid., p.41.
618
Id., Ibid., p.51.
619
Id., Ibid., p.42.
620
Id., Ibid., p.43.
171
cerrados, impróprios para a agricultura devido ao baixo nível técnico da região. Desde o século
XVI, seria a zona do típico domínio canavieiro, com agricultura comercial relativamente
desenvolvida. Nessa região, predominaria cada vez mais o trabalho assalariado, embora ainda
seriam importantes os “’moradores’”621, que possuíam roça própria de mandioca, milho e
mesmo algodão.622
O agreste seria a zona de transição entre a Mata e o Sertão, com clima amenizado e
regiões de maior umidade dentro da caatinga por conta do planalto da Borborema. Correndo
paralelamente à Zona da Mata, desde Alagoas até a Paraíba, “predomina uma combinação
particular de pecuária e agricultura, sendo importante a pequena propriedade e mais
diversificada a produção agrícola”623.
Por fim, o Sertão e o Litoral Setentrional seriam a zona mais seca do Nordeste, com
precipitação anual relativamente baixa e concentrada. Aí se criaria “o gado solto e a agricultura
restringe-se às culturas de vazante e às realizadas em regiões serranas (principalmente o
carirí)”624.
No Agreste e nas melhores terras do Sertão, praticar-se-ia uma agricultura de rotação de
terras que levaria a uma “combinação singular”625 entre pecuária e agricultura.
Delfim conclui assim sua descrição:
621
Delfim Netto, [1965?], p.43.
622
Cf. Id., Ibid.
623
Id., Ibid., p.44.
624
Id., Ibid., p.44.
625
Id., Ibid., p.44.
626
Id., Ibid., p.45.
627
Id., Ibid., p.45.
628
Id., Ibid., p.45-6.
172
629
Delfim Netto, [1965?], p.46.
630
Cf. Id., Ibid.
631
Id., Ibid., p.52.
632
Id., Ibid., p.52.
173
trabalhador industrial teria que ser menor, pois menores salários possibilitam menores preços
ao consumidor final633. Segundo Delfim,
633
Cf. Delfim Netto, [1965?].
634
Id., Ibid., p.53.
635
Oliveira, 2003.
636
Delfim Netto, [1965?], p.53.
637
Id., Ibid., p.54.
638
Id., Ibid., p.55, grifo do autor.
174
nas mãos dos proprietários de terras e modificando muito pouco a procura global dos produtos
industrializados, aumentando talvez a procura de bens de consumo de luxo639.
Por outro lado, como segunda virtualidade, modificando a estrutura da propriedade,
introduzir-se-iam diferenças substanciais na repartição do rendimento devidas à repartição das
propriedades, ou seja, a renda dos arrendatários e meeiros aumentaria, pois deixariam de pagar
aluguel pelo uso da terra, e a renda dos grandes rentistas diminuiria. Os novos proprietários
tenderiam a desenvolver uma agricultura mais racional640.
Quanto aos assalariados,
639
Cf. Delfim Netto, [1965?].
640
Cf. Id., Ibid.
641
Id., Ibid., p.57, grifo do autor.
642
Id., Ibid., p.58.
643
Id., Ibid., p.58.
644
Id., Ibid., p.59.
175
645
Delfim Netto, [1965?], p.59.
646
Id., Ibid., p.59-60.
647
Cf. Oliveira, 2003.
648
Delfim Netto, [1965?], p.60.
649
Id., Ibid., p.61.
650
Cf. Furtado, 1964.
176
O aspecto mais grave de todo êsse sistema, do ponto de vista social, reside na
circunstância de que o proprietário tem que manobrar permanentemente para
impedir que os arrendatários e parceiros realizem investimentos na forma de
benfeitorias ou na forma de culturas perenes, que criarão a oportunidade para
reivindicações futuras de indenização. Chegamos, assim, a uma forma
socialmente absurda de ocupação do sólo, em que o proprietário vive de
rendas, não tem qualquer interêsse direto em melhorar a produtividade do
setor (porque normalmente uma parcela insignificante de seus rendimentos
provêm da agricultura) e estimula formas de exploração puramente
predatórias do sólo.654
Outra situação que não é a melhor do ponto de vista social, para Delfim, decorreria de
problemas de outra natureza. Na região açucareira do Nordeste, “que domina as melhores terras
651
Delfim Netto, [1965?], p.62.
652
Id., Ibid., p.62-3.
653
Id., Ibid., p.64.
654
Id., Ibid., p.65.
177
da região e circunda os seus centros urbanos mais populosos”655, o sistema de preços, devido a
um processo de especialização e grande volume de investimentos, levaria a um uso da terra que
prioriza a cultura canavieira e produz apenas parte dos produtos de subsistência necessários
para a própria sustentação656.
Trabalhar na atividade mais rentável não modificaria a situação dos trabalhadores, cujo
nível salarial se fixaria pela agricultura de subsistência e, portanto, seria baixo em consonância
com a produtividade desta, o que dificultaria a diversificação do consumo e inibiria, portanto,
a diversificação dos investimentos. Parte dos substanciais lucros e rendas auferidos pelos
proprietários, dessa forma, seriam utilizados na compra de bens de consumo de luxo,
encaminhados, portanto, às regiões brasileiras que ofereceriam maior perspectiva de
desenvolvimento657, conforme já argumentava Celso Furtado:
655
Delfim Netto, [1965?], p.66.
656
Cf. Id., Ibid.
657
Cf. Id., Ibid.
658
Id., Ibid., p.70-1.
659
Id., Ibid., p.72.
178
660
Delfim Netto, [1965?], p.72-3.
661
Cf. Id., [1965?]; 2009.
662
O texto foi redigido no início de 1962.
663
Delfim Netto, [1965?], p.219.
664
Cf. Id., Ibid.
665
Id., Ibid., p.174, grifo do autor.
179
Como foi exposto anteriormente, há sérias razões para acreditar que a situação
concorrencial da agricultura deixa-a sem condições para reter uma parcela
666
Delfim Netto, [1965?], p.189.
667
Cf. Id., Ibid.
668
Cf. Id., Ibid.
669
Id., Ibid., p.194-5, grifo do autor.
670
Cf. Id., Ibid.
180
671
Delfim Netto, [1965?], p.213.
672
Id., Ibid., p.214.
673
Id., Ibid., p.214.
674
Cf. Id., Ibid.
675
Embora, segundo o índice da coletânea, a data do artigo consta como 1963, Delfim Netto já se refere ao início
do governo Castelo Branco e ao Estatuto da Terra, criado no final de novembro de 1964, o que nos leva a concluir
que se trata de um texto do final de 1964 ou início de 1965.
676
Delfim Netto, [1965?], p.257-8.
677
Id., Ibid., p.258.
678
Id., Ibid., p.262.
181
històricamente determinados”679. Não obstante, essa “revolução” nem seria necessária, pois em
nenhum momento do desenvolvimento brasileiro a agricultura teria sido um grande obstáculo
ao processo, liberando suficiente mão-de-obra para ser absorvida pelo setor industrial e sendo
“um instrumento dúctil na transferência de recursos para o setor secundário e terciário” 680.
Assim, “Com tal passividade a respondendo com relativa rapidez aos estímulos externos (tanto
do setor urbano como do mundo exterior) porque [sic] haveria de verificar-se uma revolução
agrícola?”681.
Para Delfim Netto, a produtividade no setor agrícola brasileiro só não teria aumentado
nos setores de subsistência. Teria havido um aumento substancial nos produtos fornecedores da
indústria – algodão e amendoim. Isso se deveria a algumas razões. A primeira delas é que os
“empresários agrícolas”682 dedicariam os melhores tratos da terra à “cash crop”, isto é, a
agricultura em grande escala voltada para o lucro. Em segundo lugar, por conta da ausência de
pesquisas genéticas intensas e da produção em larga escala de sementes selecionadas, “a única
forma de elevar a produtividade por área”683 seria através de adubos e inseticidas, que, por sua
vez, demandariam grande volume de capital circulante, que não estaria disponível para as
culturas tradicionais de subsistência. Assim, nem mesmo quando a resposta da produção à
intensificação do uso de adubos e inseticidas fosse muito boa, esses produtores poderiam
competir com aqueles que teriam maior disponibilidade de capital. Por último, “e, mais
importante do que tudo isso, sendo o fator terra relativamente abundante, a forma mais
econômica de aumentar a produção para o empresário privado é combinar terra e homem dentro
dos coeficientes técnicos tradicionais”684, através da ampliação da área cultivada em vez da
intensificação do cultivo sobre uma mesma área685.
Em relação ao segundo argumento, de que a indústria brasileira exigiria rápida
ampliação do mercado e, por isso, seria antes necessário aumentar a demanda agrícola –
argumento do Estatuto da Terra de Castelo Branco –, seria real na necessidade do aumento da
demanda, mas falso na solução proposta: “Seria, de fato, a primeira vez na história que teríamos
uma aceleração do desenvolvimento (não propiciado por uma ampliação do comércio exterior)
com uma ampliação do setor primário”686. “Como é claro, uma indústria de massa, exige uma
679
Delfim Netto, [1965?], p.262.
680
Id., Ibid., p.262.
681
Id., Ibid., p.263.
682
Id., Ibid., p.264.
683
Id., Ibid., p.264
684
Id., Ibid., p.265.
685
Cf. Id., Ibid.
686
Id., Ibid., p.265.
182
sociedade de massa e não é razoável supor que tal possa realizar-se sem um intenso processo
de urbanização”687. Por isso, prossegue Delfim, “Chegamos assim, à conclusão de que a idéia
de fazer o desenvolvimento econômico realizar-se por uma elevação da produtividade dentro
do próprio setor agrícola equivale a alguém querer levantar-se pelos próprios cabelos”688.
Delfim Netto diz que “Um desenvolvimento econômico fechado dentro do setor
agrícola corresponde ao absurdo de um desenvolvimento sem profundas mudanças da estrutura
da oferta e da procura”689:
687
Delfim Netto, [1965?], p.266.
688
Id., Ibid., p.271.
689
Id., Ibid., p.271-2, grifo do autor.
690
Id., Ibid., p.275-6, grifo do autor.
691
Delfim Netto et. al., 1965, p.9.
183
692
Delfim Netto, [1965?], p.276-8, grifo do autor.
693
Id., Ibid., p.265, p.279-80.
694
Cf. Id., Ibid.
695
Id., Ibid., p.282-3.
696
Cf. Id., Ibid.
184
É evidente que o argumento será válido apenas se a oferta a longo prazo dos
produtos agrícolas fôr inelástica com relação aos preços reais (hipótese
formulada na proposição 3). A prova da proposição é relativamente simples,
porque se dispõe de dados de preços para os dois setores.
Ao tentar prová-la, entretanto, o Programa fica em situação ainda mais
delicada do que o Plano Trienal quando fêz a mesma afirmação. De fato, no
Plano Trienal utilizaram-se os deflatores implícitos para provar que a
agricultura vem explorando a indústria, sem atentar para o fato de que o
deflator industrial parece possuir um sério viés para baixo. Na análise do Plano
Trienal, entretanto, muitos críticos mostraram êste ponto e apontaram para a
circunstância de que os índices de preço no atacado indicavam exatamente o
contrário.
Ora, como resolveu o problema o Programa? Simplesmente fornecendo as
duas informações contraditórias, sem dizer nada a respeito, a não ser que elas
“sugerem conclusão diferente”.
A primeira proposição não foi, portanto, provada. 697
Delfim passa para a segunda proposição.
À afirmação feita pelo PAEG de que o declínio da fertilidade nas áreas velhas não estaria
sendo compensado pelo emprego de nova tecnologia, ele contrapõe uma indagação: “E deveria
sê-lo?”698. Segundo Delfim, o Programa não se conformaria com o fato de que o aumento da
produção agrícola se devesse mais à ampliação da área que ao aumento da produtividade por
área. Para ele, “Há muitas razões pelas quais, nêste momento, é mais econômico do ponto de
vista individual e conveniente do ponto de vista social o crescimento em extensão do setor
agrícola”699.
Isso ocorreria, em primeiro lugar, porque o “empresário agrícola” 700 só investiria em
técnicas para a recuperação do solo velho quando os custos em transporte, derivados do
distanciamento em relação aos centros consumidores, fossem altos o suficiente para cobrir as
diferenças de produtividade entre as novas tecnologias e a produtividade natural das fronteiras
agrícolas. Em outras palavras, naquele momento seria menos rentável para os empresários
agrícolas investir em agricultura intensiva mais próxima aos centros urbanos do que expandir
as fronteiras agrícolas. Em segundo lugar, para Delfim, os dados mostrariam que a utilização
da força de trabalho seria quase proporcional ao aumento da área cultivada, o que absorveria o
excedente de mão-de-obra que não podia ser absorvido pelo setor industrial701.
Considerando que a produtividade marginal do capital seria “mais elevada no setor
industrial que no setor agrícola e quando se lembra que nêste setor existe maior possibilidade
697
Delfim Netto, [1965?], p.283-4.
698
Id., Ibid., p.287.
699
Id., Ibid., p.287.
700
Id., Ibid., p.287.
701
Cf. Id., Ibid.
185
702
Delfim Netto, [1965?], p.290.
703
Cf. Id., Ibid.
704
Id., Ibid., p.290-1, grifo do autor.
705
Id., Ibid., p.296, grifo do autor.
706
Id., Ibid., p.298.
186
Do início de sua carreira até 1965, Delfim Netto demarca sua posição em relação ao
paradigma estruturalista desenvolvido por Celso Furtado, expoente da Cepal no Brasil, ao
mudar os termos do debate para tentar superá-lo. Assim como Furtado, ele defende a alteração
de estruturas, mas se refere, não obstante, a variáveis fundamentalmente quantificáveis de
caráter histórico linear, sem que realmente se enfrentem as estruturas sociais e políticas do país.
Assim, Delfim Netto ingressa no universo furtadiano para refutá-lo, e o faz trazendo seu próprio
instrumental de análise. De alguma forma, ele segue o Roberto Campos liberto da influência
estruturalista.
Existe uma relação com os chamados “desenvolvimentistas nacionalistas” 707 que é
preciso mencionar. Estes eram os economistas que, grosso modo, encontravam-se no Clube dos
Economistas, na década de 1950, e publicavam na Revista Econômica Brasileira, e aqueles que
divulgavam suas ideias na revista Cadernos do Nosso Tempo, editada pelo Instituto Brasileiro
de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), que viria a se tornar o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb), entre outros, tais como Celso Furtado, Romulo Almeida, Lucio Meira,
Américo Barbosa de Oliveira, Accioly Borges etc. Para eles, de forma geral, o atraso da
economia e da sociedade brasileiras teria, como solução histórica, a industrialização planejada
e um conjunto de reformas econômicas e sociais708. Delfim Netto faz uma releitura disso, quase
como se quisesse dizer que, por exagerado sociologismo ou falta de conhecimento econômico,
os nacionalistas não percebem que a mecânica do desenvolvimento está dada e que é preciso
apenas aperfeiçoá-la. Para ele, os países capitalistas desenvolvidos já estavam caminhando no
sentido de um estado de coisas satisfatório, isto é, a maximização da taxa de desenvolvimento,
a extensão de seus benefícios a todos os cidadãos e a descentralização do poder político de
modo que esses cidadãos pudessem desfrutar livremente dos benefícios do desenvolvimento.
Delfim, por outro lado, acreditava na contribuição do capital estrangeiro para a
industrialização brasileira, ainda que, como os desenvolvimentistas nacionalistas, defendesse
limites e regras de atuação. Além disso, a internalização da produção de bens de capital não
parece ter importância fundamental contanto que houvesse recursos suficientes para a
importação dos bens necessários, o que foi um aspecto fundamental do milagre econômico.
707
Bielschowsky, 2000, p.127.
708
Cf. Id., Ibid.
187
Delfim Netto acreditava em medidas de curto prazo para o controle inflacionário e, em geral,
para a resolução de gargalos da economia. Um dos traços mais discrepantes entre Delfim e os
nacionalistas, além disso, diz respeito à preocupação com as condições de emprego, pobreza e
cultura da população brasileira. Delfim chegará a defender a reforma agrária no Nordeste e,
como medida integrada, a industrialização da região em benefício de todo o país. As questões
sociais, no entanto, passam longe do primeiro plano de suas preocupações, ou melhor, estão
associadas à realocação efetiva dos fatores produtivos, inclusive a mão-de-obra através da
educação para o aumento da produtividade, com menos pessoas no campo, salários módicos, o
que, portanto, subordina-se ao planejamento em favor da acumulação de capital. O Brasil
poderia se industrializar sobre a desigualdade.
As decisões da sociedade sobre o processo de produção são dissociadas da distribuição
do poder político, da organização social e das contradições assim criadas, que se tornam, assim,
variáveis intervenientes em seu modelo. O planejamento, neutro em si mesmo, daria conta das
decisões sobre o processo de produção. Tomadas tais decisões pelos planejadores, ou seja, o
setor tecnocrático – sob o manto da coletividade –, restaria a tarefa de retrair o consumo global
para reinvestir a taxa do produto no nível estabelecido como necessário. Essa retração teria dois
caminhos: o primeiro seria o surgimento de uma vontade nacional, que o próprio Delfim
considera mística, acima dos desejos particulares, que se objetivasse em uma liderança política
consentida, capaz de conciliar, em certa medida, as classes em luta pelo produto global e de
realizar a poupança através do sistema tributário. O segundo caminho seria a coação política,
necessária para que as classes sociais do lado fraco da desigualdade fossem contidas à força.
Em outras palavras e ainda utilizando os termos de Delfim Netto, seria o único meio efetivo
para que a coletividade de um país subdesenvolvido suportasse o sacrifício do desenvolvimento
econômico acelerado.
Delfim Netto faz uma consideração superficial a respeito da especificidade do
capitalismo no Brasil, que é levada em conta apenas quando devidamente quantificada e pronta
para ser colocada em modelos. Embora supostamente houvesse vários caminhos para o
desenvolvimento, o caminho ótimo seguiria os passos que teriam sido seguidos de uma forma
ou de outra pelos EUA e Europa Ocidental no século XIX e pelo Japão e União Soviética no
século XX. Nesse sentido, o país estaria apenas aplicando um modelo de sucesso disponível a
qualquer país: acumulação de capital puxada pela indústria. Trata-se, então, de sanar as
imperfeições impregnadas na economia brasileira de modo que ela pudesse decolar, e seu
desenvolvimento pudesse adquirir o automatismo característico das economias centrais.
188
instruções detalhadas para se combater a inflação com base em estudos minuciosos sobre suas
causas e a definição do preço mais adequado para a taxa de câmbio.
Desse modo, Delfim Netto se empenhou no alcance de resultados formais dos modelos
econômicos aplicados à realidade. Não havia uma utopia. Eliminada a possibilidade de um
processo de desenvolvimento inclusivo e democrático, seu trabalho perfeccionista poderia
servir com primor a interesses diversos que possuíssem em comum a postulação da acumulação
de capital independentemente de seus custos sociais.
191
Delfim (no centro) e os assessores que levou de São Paulo para o Ministério da Fazenda, no Rio, em março de
1967, um dia antes da posse. Fonte: Valor Econômico, “O Homem que se Reinventou”, 2012.
presidente da Ordem dos Economistas de São Paulo, além de se tornar assessor econômico da
Associação Comercial de São Paulo, onde teve acesso a especialistas estrangeiros de inclinação
liberal, e integrar, a partir de 1959, a equipe de planejamento do governador paulista Carvalho
Pinto. Em 1963, Delfim Netto se torna catedrático em Análise Macroeconômica na
Universidade de São Paulo com seu livro de 1962, Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, que seria reeditado em 1966. No mesmo ano em que Delfim
publica Alguns Aspectos da Inflação Brasileira, 1965, ele ingressa no Conselho Nacional de
Economia por indicação de Roberto Campos e no Conselho Consultivo de Planejamento
(CONSPLAN), órgão de assessoria econômica do governo Castelo Branco. Em seguida, em
1966, participa do Encontro de Itaipava e consolida sua importância na determinação dos rumos
das ciências econômicas no Brasil através de atuação teórica e prática na formulação e
desenvolvimento de cursos de pós-graduação em Economia. Ele participa inclusive no
levantamento de recursos para as atividades do IPE-USP. Sua influência na FEA-USP é
testemunhada pelo fato de que muitos de seus alunos próximos, incluindo parte dos Delfim
Boys, tornaram-se professores na mesma faculdade.
De 1966 a 1974, Delfim teve vigorosa produção intelectual, embora seja de tipo
diferente daquela apresentada até então. Além dos diversos artigos e discursos que publicou ao
longo do período como ministro a partir de 1967, também republicou e escreveu obras mais
extensas. Em 1966, reeditou seu livro Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, de 1962, sem mudanças substanciais no conteúdo, com a
alteração do título para Planejamento para o Desenvolvimento Econômico – o que, como já
aventamos, não é um acontecimento irrelevante naquele contexto histórico e pode ter
representado uma forma de extrapolar o universo acadêmico de modo a buscar visibilidade. Em
1967, publicou O Café do Brasil, em parceria com Carlos Alberto de Andrade Pinto. No ano
seguinte, escreveu um relatório sobre a política econômica e financeira que vinha sendo
desenvolvida por ele desde 1967 como ministro da Fazenda, em cuja contracapa se inscrevia
“Para uso exclusivo dos membros do Congresso Nacional”709, tendo sido esse documento
preparado no início de 1968 para uma exposição na Câmara dos Deputados em março de
1968710. Em 1969, publicou um livro em parceria com Affonso Celso Pastore e Eduardo Pereira
de Carvalho, intitulado Agricultura e Desenvolvimento no Brasil. Em 1970, teve publicado seu
curso de Economia Brasileira na FCEA-USP como parte do Curso de Economia Regional que
foi ministrado na mesma faculdade. Todo o restante de sua produção intelectual até 1974, com
709
Delfim Netto, 1968f.
710
Macarini, 2006, p.488.
193
Argentina e o Chile. O regime político brasileiro passou por diferentes arranjos institucionais711
e, entre 1968 e 1974, apesar da inequívoca permanência de contradições internas, delimitam-se
mais claramente as forças dominantes e os espaços de poder.
Isso nos interessa porque significa que, no interior do movimento golpista, diferentes
grupos com projetos nacionais excludentes tiveram de disputar espaço de atuação. Não
obstante, a frustrada tentativa golpista em 1961 ensinou a lição de que uma base social de apoio
mais ampla era necessária para o sucesso da empreitada golpista712. A necessidade de
acomodação de diversos interesses levou, por isso, em 1964, a que não houvesse um movimento
propositivo prontamente após a tomada de poder, mas garantiu a sobrevivência do regime
político enquanto se realizavam as disputas hegemônicas em seu interior. Essa relativa
estabilidade política, então, serviu como base para as disputas entre as diferentes facções das
classes dominantes, garantindo, ao mesmo tempo, o controle irremovível das liberdades
políticas dos trabalhadores urbanos e rurais, dos estudantes e dos movimentos sociais. A partir
de 1968, esse jogo político resulta na hegemonia de um projeto nacional que, priorizando o
crescimento econômico, leva o bolo a crescer consideravelmente, mas falha em se apresentar
como processo sustentável de crescimento econômico ao enfrentar crises que revelam suas
deficiências intrínsecas.
Partimos da constatação de que a primeira metade da década de 1960 representou um
divisor de águas na história brasileira, pois a realidade social e econômica do país exigia, cada
vez mais, a tomada de posicionamento por parte dos diferentes atores sociais. Como se
depreende dos três primeiros capítulos dessa pesquisa, pode-se dizer que tal exigência se deveu
ao fato de que o desenvolvimento brasileiro se encontrava em uma encruzilhada, e a decisão a
respeito de seu encaminhamento coletivo – isto é, no âmbito político – era condição necessária
para o estabelecimento de objetivos claros por parte do Estado, que deveria alçá-lo a uma nova
fase.
Desenharam-se vários caminhos possíveis ao longo das décadas anteriores, mas dois se
sobressaíram e se tornaram hegemônicos. Grosso modo, o primeiro, nacionalista e democrático,
tomou forma mais concreta no interior do projeto político-econômico de João Goulart com a
participação de Celso Furtado. O segundo, não nacionalista e autocrático, foi aquele que venceu
em 1964. Ele representou o surgimento de uma coalização que, antes de mais nada, vetaria a
qualquer custo o caminho das massas, e que apenas posteriormente discutiria e negociaria a
viabilidade de um projeto específico.
711
Cf. Cruz & Martins, 2008.
712
Cf. Id., Ibid.; Chirio, 2012.
195
713
Cf. Chirio, 2012.
714
Cf. Chirio, 2012; Cruz & Martins, 2008.
715
Cruz & Martins, 2008, p.12.
716
Id., Ibid., p.12.
196
717
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012; Stepan, 1975.
718
Cf. Stepan, 1975; Chirio, 2012.
197
719
Cf. Stepan, 1975.
720
Cf. Cruz & Martins, 2008.
721
Id., Ibid., p.33.
722
Cf. Id., Ibid.
198
723
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
724
Chirio, 2012, p.49.
725
Para uma descrição detalhada da gênese e desenvolvimento das inclinações de linha dura, cf. Chirio, 2012.
726
Chirio, 2012, p.85.
727
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
199
728
Cf. Chirio, 2012.
729
Id., Ibid. p.73.
730
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
200
a exceção de Lacerda, eles eram vistos como representantes das oligarquias e encarnariam o
próprio mal que haveria de ser extirpado da política brasileira. A base política de Adhemar de
Barros, em especial, representava “uma ameaça ao desejo dos militares de controlar, em toda a
nação, o sistema político federal”731.
Carlos Lacerda seria o único político civil que teria partidários militares – até a edição
do AI-5, no fim de 1968. Politicamente hábil, realizava discursos suficientemente vagos para
angariar o maior apoio político possível de civis e militares. Teve grande influência
particularmente em uma das facções que inclui a chamada linha dura. Seu destino, entretanto,
foi o mesmo de seus colegas paulista e mineiro ao tentar criar uma Frente Ampla, que reunia
desde o MDB a deputados da ARENA insatisfeitos e até mesmo militares de linha dura. Os
acontecimentos o levaram a expandir cada vez mais essa Frente Ampla, que, após receber apoio
do cassado Juscelino Kubitschek, em 1966, compôs com João Goulart no chamado Pacto de
Montevidéu, em 1967. Nessa ocasião, Lacerda acusa as Forças Armadas de perverterem a
própria revolução e aponta os assalariados como as maiores vítimas do regime; a solução,
segundo ele, seria desenvolver o mercado interno e combater os baixos salários. Esse foi seu
autoperpetrado golpe de misericórdia, que o levaria à prisão poucos dias após a edição do AI-
5.
A escalada do autoritarismo e da desunião interna, já em 1965, certamente refletiram o
fato de que o acordo sobre a necessidade de intervenção armada não se traduziu imediatamente
em um acordo em relação a um regime militar e suas políticas específicas. Por outro lado, os
militares uniam-se no temor do retorno daqueles que haviam sido expurgados do sistema
político: esses poderiam voltar politicamente favorecidos e, não apenas isso, poderiam lhes ser
hostis. Dessa maneira, com os inimigos em comum à espreita – o comunismo, os representantes
políticos das oligarquias e os corruptos –, os conflitos políticos dos militares teriam de ser
resolvidos interna e pacificamente, ou seja, através da política732.
É nesse ínterim que se fortalece um personagem político que não possuía qualquer
atributo de intelectual. O general Costa e Silva, ministro da Guerra de Castelo e também um
dos poucos generais de quatro estrelas, viu ali espaço para sua atuação. Posicionado à direita
de Castelo, Costa e Silva não era e nunca seria membro daquilo que ficou conhecido como linha
dura. Diante da ameaça e constante insatisfação por parte dos militares assim designados, Costa
e Silva atuou simultaneamente como pacificador de ânimos e representante desses numerosos
dissidentes. Conteve crises políticas, em particular a de outubro de 1965, em nome deles diante
731
Stepan, 1975, p.160.
732
Cf. Stepan, 1975.
201
de Castelo, mas defendeu, como esse, o respeito à hierarquia militar. Dessa maneira, Costa e
Silva adquiriu a reputação de líder político de setores militares insatisfeitos e, embora haja
consenso de que ele facilmente poderia ter liderado um golpe contra Castelo, optou por se lançar
como candidato à Presidência nas próximas “eleições”. Sua legitimidade proviria dos quartéis,
os quais ele cooptou através da combinação de sua patente, de suas credenciais como
revolucionário e de posições mais autoritárias e correspondentes aos anseios da oposição
extrema-direita militar – à medida que defendiam uma ditadura militar sem a ingerência de
civis, cujos representantes políticos eram acusados de fisiologismo. Costa e Silva, mostrando-
se um líder forte, também realizou uma oportuna guinada à direita de seu discurso, o que lhe
ajudou a cooptar mais militares: em seu último discurso antes da promulgação do AI-2,
realizado de improviso por Costa e Silva na presença de Castelo Branco e contrariando a ordem
de precedência ao discursar depois do presidente, o ministro da Guerra ataca o presidente do
Superior Tribunal Federal (STF) e fala em uma “’ditadura judiciária’” conservada por um
“’misticismo civilista’”733. Então conclui: “’[...] disseram alhures que o presidente da República
estava fraco politicamente. Não nos importa! Se ele estiver fraco politicamente, está forte
militarmente’”734.
Diante de todas essas circunstâncias, Costa e Silva tem a sua candidatura à Presidência
rapidamente aceita por muitos oficiais superiores. Nesse momento, a opinião dos quartéis
pareceu ter se tornado a fonte máxima de legitimidade do poder, o que representou um golpe
temporário contra Castelo e sua tentativa de aplicar medidas de despolitização e de controle da
instituição militar735. A continuidade das políticas de Castelo Branco por Costa e Silva, caso
eleito, dependeriam do sucesso dessas políticas diante do conjunto das Forças Armadas; no
entanto, Castelo se opunha abertamente à candidatura de Costa e Silva não porque não fossem
velhos companheiros, mas porque temia a mudança da base política do regime caso Costa e
Silva fosse eleito736.
O governo de Castelo, como o primeiro governo do regime militar, instituiu muitos
programas políticos novos. Stepan destaca quatro características desse governo:
733
Costa e Silva apud Chirio, 2012, p.79.
734
Chirio, 2012, p.79.
735
Cf. Id., Ibid.
736
Cf. Stepan, 1975.
202
737
Stepan, 1975, p.167.
738
Cf. Id., Ibid.
739
Castelo Branco apud Stepan, 1975, p.179.
740
Cf. Chirio, 2012.
203
Seu governo, enfim, assistiria a um complexo jogo político intramilitar que compreende
três fenômenos determinantes na evolução do regime: a construção de um consenso militar em
torno de uma guinada autoritária; a persistência de protestos de militares desestabilizando o
poder; e a instalação definitiva de um regime de generais741.
Continuamente, militares próximos às inclinações de linha dura buscaram eleger
candidatos presidenciais próprios, mas nunca saíram vencedores das disputas hegemônicas no
interior da instituição militar. Um episódio ocorrido no início do governo costista delimita a
linha divisória entre as inclinações de linha dura e os presidentes militares e revela, talvez, que
o posicionamento dessas inclinações se definia, antes de mais nada, pelo confronto com
interesses estabelecidos que eram parte das bases sociais da ditadura militar, ou seja, terreno
proibido. Em abril de 1967, Costa e Silva incumbiu o coronel Osnelli Martinelli, que fazia parte
do grupo da primeira linha dura, da luta contra o contrabando de café, que havia causado
escândalo no governo de Castelo Branco nas entranhas do Instituto Brasileiro do Café. Segundo
suas próprias palavras, Martinelli estava ansioso para ver “’a linha dura funcionar’”742 naquele
setor. No entanto, apesar das promessas reiteradas, Martinelli nunca foi efetivamente integrado
ao IBC, o que ele interpretou como incapacidade do presidente, “’bom e reto’” 743, de se impor
perante as forças corruptas, hegemônicas na política brasileira744. Isso sugere a impressão no
interior da própria instituição militar de que a oligarquia cafeeira, uma das grandes forças
políticas da época, compunha a base de sustentação dos governos militares.
Ao longo de 1968, por sua vez, o anticomunismo militar muda de tom e alcança seu
ápice através de alguns acontecimentos: a realização da primeira reunião da Organização
Latino-Americana de Solidariedade, em Havana; os primeiros movimentos armados da
esquerda brasileira; e os protestos estudantis. Ao mesmo tempo, houve um processo de
amadurecimento repressivo e autocrático do regime:
741
Cf. Chirio, 2012.
742
Martinelli apud Chirio, 2012, p.100.
743
Chirio, 2012, p.100.
744
Cf. Id., Ibid.
745
Id., Ibid., p.120.
204
746
Cruz & Martins, 2008, p.42.
747
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012; Stepan, 1975.
205
informação sobre seu desenrolar. Nas palavras de Chirio, “[...] a ‘revolução’ se vê agora dotada
de um instrumento para se livrar dos ‘representantes do sistema deposto’, das ‘oligarquias’, e
de outras ‘elites ultrapassadas’, que então deixaram de estorvar, na esfera do Congresso, o poder
militar”748.
Apesar do “silêncio arquivístico”749 que caracteriza os anos de chumbo, inaugurados
com o AI-5, fontes numerosas atestam a persistência dos conflitos políticos no corpo dos
oficiais ao longo de 1969. No fim de agosto, Costa e Silva se torna incapaz de exercer o poder
em decorrência de problemas de saúde. O que acontece em seguida é sintomático: apesar de a
Constituição de 1967 conferir o poder ao vice-presidente Pedro Aleixo, ele carregava o estigma
de ser civil e, pior, de ter votado sozinho contra o AI-5 no Conselho de Segurança Nacional.
Sua posse era inaceitável para a grande maioria dos militares, o que levou à relegação da
legalidade constitucional ao segundo plano e ao apelo à legitimidade política dos quartéis,
atitude que, desde Castelo, era considerada um perigo para a instituição militar e para o próprio
poder dos militares. Foi editado o AI-12, que inaugurou o governo da Junta Militar, com
duração de dois meses. Doravante, os três ministros militares de que a Junta era composta
personificariam a revolução e seriam os depositários de sua soberania750.
A despeito da insatisfação de muitos militares em torno da imposição hierárquica, “[...]
o caráter rotineiro dessa configuração política, o consenso militar contra Pedro Aleixo e a
expectativa de escapar aos planos de liberalização, muito relativa, pretendidos por Costa e Silva,
dão à Junta um crédito passageiro, principalmente no que diz respeito ao generalato”751.
Rapidamente, no entanto, o poder da Junta Militar entrou em crise por conta da progressão da
chamada guerra revolucionária no país. O episódio do sequestro do embaixador dos Estados
Unidos por grupos de esquerda e a consequente troca de prisioneiros provoca a primeira
rebelião aberta desde o Golpe de 1964, realizada por algumas unidades paraquedistas da Vila
Militar no Rio de Janeiro, núcleo da oficialidade intermediária radical. O ato de desobediência
foi punido e não teve maiores consequências, mas evidenciou a fragilidade da Juntar Militar.
Para a eleição já prevista de um novo presidente, não era mais possível realizar o
tradicional ritual de submeter um candidato já aprovado pelos militares ao Congresso dominado
pela Arena. O Congresso estava fechado desde a edição do AI-5, e Costa e Silva teve seu
mandato subitamente interrompido antes que se cristalizassem candidatos militares ao próximo
748
Chirio, 2012, p.136.
749
Id., Ibid., p.136.
750
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
751
Chirio, 2012, p.149.
206
pleito presidencial. Naquele momento, houve um debate militar generalizado sem precedentes:
foi discutida e realizada uma consulta às Forças Armadas brasileiras durante as duas últimas
semanas de setembro de 1969. A tradição e a correlação de forças levaram ao predomínio das
opiniões do Exército. Essa eleição intramilitar parece decorrer de duas lógicas: em primeiro
lugar, a construção de um consenso sobre a participação e a representação políticas legítimas
das Forças Armadas; e, em segundo lugar e mais importante, a imposição de procedimentos
que permitissem designar o candidato do Alto Comando do Exército – “ou, antes, impedir a
designação do candidato que não tem sua aprovação, o general Afonso de Albuquerque
Lima”752.
Ao final, o pleito se materializou em uma consulta a pouco mais de uma centena de
generais do Exército. A solução de compromisso foi a eleição de Emílio Garrastazu Médici,
que contentou a todos com sua suposta neutralidade. Mais importante que sua neutralidade, no
entanto, é “o acordo final, presidido por Médici, [que] concederia aos principais atores um
espaço proporcional ao peso específico de cada qual. [...] O ‘sistema’ representa, em suma, a
conciliação finalmente lograda entre os interesses dominantes” 753. É dessa maneira que foi
sacramentada a mútua colaboração e refeita a coesão das forças situacionistas, consagrando a
predominância da solidariedade sobre os conflitos internos, lesivos à preservação do bloco no
poder. Nesse sentido, segundo argumentam Cruz e Martins, o que surgiu aí foi a garantia da
inserção no Estado para todas as frações das classes dominantes sob o guarda-chuva dos
militares754.
Ocorre também uma nítida e final divisão de tarefas no âmbito do Estado. De um lado,
havia o aparelho administrativo do Estado, incumbido da formulação e gestão das políticas
econômicas e social, unificado por um órgão colegiado (o CMN, Conselho Monetário
Nacional) sob o comando de Delfim Netto. O CMN era um “locus privilegiado de barganha e
negociação, onde as demandas das diversas frações de capital eram filtradas, hierarquizadas e
diferencialmente contempladas pela política estatal”755. De outro lado, havia os temas políticos,
afetos à área de segurança nacional e processados em agências específicas, no interior de uma
rede que continha o SNI e o Conselho de Segurança Nacional como pontos focais. A mediação
entre os temas políticos e o aparelho administrativo era realizado pela chefia da Casa Civil sob
a supervisão do presidente.756
752
Chirio, 2012, p.159. Para uma descrição mais detalhada do pleito, conferir a mesma autora.
753
Cruz & Martins, 2008, p.54-5.
754
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
755
Cruz & Martins, 2008, p.56.
756
Cf. Cruz & Martins, 2008.
207
Vencidas as últimas resistências internas através das concessões aos diversos setores
das classes dominantes e aumentada a base de apoio do regime, a partir de 1970, o governo
Médici passa a acumular os dividendos políticos de seus repetidos sucessos, inclusive o milagre
econômico, cujos efeitos eufóricos foram potencializados pela propaganda estatal do Brasil
Grande. Nesse sentido, é possível afirmar que os chamados anos de chumbo, que coincidiram
com o milagre econômico, expõem a face mais acabada do regime militar precisamente porque
traduzem seu amadurecimento político. Portanto, a escolha de Delfim como o czar da
economia, que foi reafirmada sob Médici, não foi acidental ou incidental, mas antes evidencia
que ele era o representante aceito por essa coalizão finalmente cristalizada como uma
coalização propositiva.
Delfim foi chamado ao Ministério da Fazenda em 1967 por Costa e Silva, depois de
aproximadamente um ano à frente da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. Segundo
o próprio Delfim, a elite carioca pensava que “aquele caipira paulista não aguentaria até o fim
do ano”757. No entanto, segundo ele, isso não foi um problema, pois sempre teve “bons amigos
no mercado”. Dentre eles, os banqueiros: “sempre foram extremamente cooperativos com o
governo. Se o governo queria baixar a taxa de juros conversava com eles e o que a gente
prometia, cumpria”. Mas também tinha inimigos: segundo ele, se a linha dura tivesse tomado
o poder, “seria muito pior do que se o partido comunista tivesse tomado o poder”. Portanto, o
ministro não era de agrado nem da linha dura, nem do que ele considerava a elite carioca. Ele
atuava, como vimos, no setor paulista do IPES e era talvez o maior especialista brasileiro em
mercado cafeeiro, além de ter escrito ensaios sobre a inflação brasileira e ter sido secretário da
Fazenda em São Paulo. Todos esses elementos indicam sua associação mais íntima aos grupos
que parecem figurar, a título de hipótese, entre os mais importantes pilares sociais da ditadura
militar: a burguesia paulista e os financistas paulistas e internacionais.
A popularidade da ditadura militar, incluindo todos os projetos nacionais que
disputavam hegemonia em seu seio, era evidentemente pequena diante dos assalariados
organizados. Em 1967, uma declaração de Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e porta-voz
da posição governamental em relação aos sindicatos – mesmo ano em que Delfim assume seu
primeiro ministério ditatorial – é um exemplo episódico da relação entre ditadura militar e
classe trabalhadora. Ele afirmara que o movimento comunista desejava exacerbar a luta de
757
Delfim Netto, 2012. Nas palavras de Delfim: “No Rio, era o seguinte: chegou esse gordo, italiano e vesgo. Nós
vamos matá-lo em seis meses, tá certo? E além de tudo tem uns animais estranhos com ele, uns japoneses”. Ainda
hoje se fala nos Delfim boys.
208
classes e, para isso, utilizar-se-ia dos sindicatos como instrumentos de poder político nas mãos
de seu partido758. Poucos meses depois, declara que o sindicalismo só seria realmente livre
quando se afastasse das peias governamentais, da influência patronal e, sobretudo, quando
parasse de fazer política759. Propalava-se, assim, um discurso de despolitização da classe
trabalhadora através da identificação de suas instâncias políticas com o movimento comunista,
referido como ameaça aos interesses nacionais760.
É sob tais condições dramáticas que Delfim Netto realiza uma “gestão tecnocrática”761:
ao demonstrar sua conformidade com as instâncias políticas da cúpula através de seu trajeto
intelectual, recebeu livre acesso e, assim, pôde propor os meios adequados aos fins desejados
por essa cúpula. Delfim tinha consciência do fato e buscou junto ao governo, a partir de 1968,
limpar o caminho para que seus projetos econômicos pudessem ser postos em prática sem
maiores empecilhos. A votação para implementação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em
dezembro de 1968, que consta da epígrafe deste trabalho, reflete de maneira representativa a
participação do pensador agora já dentro das engrenagens do poder:
758
O Estado de S. Paulo. Comunistas ainda ameaçam sindicatos. 27 maio 1967, p.6.
759
O Estado de S. Paulo. Sindicatos: ministro aponta caminho. 11 ago. 1967, p.6.
760
O Estado de S. Paulo. Repercussões no país, do silêncio ao repudio. 20 jan. 1976, p.24: “As prisões de operários
não são novidade para os líderes sindicais do ABC, que desconheciam o destino do metalúrgico Manoel Fiel Filho
até o início da noite. Do final de 1968 até ontem, calcula-se que mais de 800 operários da região foram presos e
há denúncias de várias mortes, embora não se possa precisar o número. A que teve maior repercussão foi a morte
de Olavo Hansen em 1970: preso, torturado e depois jogado num terreno baldio em São Paulo; ele tinha problemas
renais que se agravaram com os espancamentos. No ABC, as prisões de operários intensificaram-se [...].
Ocorreram também inúmeras prisões de empregados da Mercedes-Benz, Philips e outras fábricas em São Bernardo
e São Caetano, principalmente no setor metalúrgico.”
761
Martins, 1974, p.20-21.
762
Delfim Netto, 2008a.
209
Dessa maneira, ao passo que o Golpe de 1964 jogou uma pá de cal sobre os projetos
nacionais democráticos, a edição do AI-5 enterrou os caminhos alternativos em termos de
projetos econômicos dentro da própria ditadura militar. O acordo foi fechado, e as fichas
estavam dadas. O período pós-64 assistiu ao acirramento das tensões sociais e, ao mesmo
tempo, ao enraizamento da complexa estrutura econômica que se erigiu ao longo da
industrialização e que tinha, cada vez mais, de catapultar mecanismos robustos de acumulação
de capital. Em termos da estrutura econômica nacional no sentido lato, portanto, cada passo
adiante carregava consigo o enfraquecimento da possibilidade de reordenamentos profundos,
“como se tivesse adquirido uma segunda natureza, quase espontânea, inscrita no seu DNA
conservador”763.
O governo Médici corresponde aos anos mais repressivos da ditadura, nos quais a classe
política civil é a menos influente, enquanto a censura é a mais severa, e o sigilo, o mais
opressivo. O ativismo dos oficiais de escalão intermediário, que deram corpo às primeiras
manifestações consideradas de linha dura, dá lugar a uma frente militar aparentemente unida,
engajada na luta contra os movimentos da esquerda armada e pacificada pela prosperidade
econômica inédita que agrada parte da opinião pública. Segundo Chirio, durante os anos de
chumbo, “a vida política, tanto civil quanto militar, parece em estado de suspensão” 764. Apesar
da falta de fontes escritas dificultar a análise histórica, os depoimentos de protagonistas da
época parecem conferir verossimilhança à tese da pacificação da oficialidade sob os anos de
chumbo: depois da agitação nos dois primeiros governos militares, “ela seria calma e submissa
aos superiores hierárquicos e à autoridade governamental”765.
O consenso se deu, sobretudo, por três razões. A primeira é a intensificação da Guerra
Fria, que proporcionou o agravamento das tensões políticas em nível mundial e, dessa forma,
refletiu-se na aglutinação dos militares em torno de um inimigo comum – a esquerda –, o que
reduziu o espaço para dissenções internas. A segunda razão, derivada da primeira, foi o
desprezo crescente dos militares pelos políticos civis, considerados corruptos e incapazes de
resolver as questões essenciais do desenvolvimento brasileiro, precisamente em um momento
em que se julgava que as revoluções socialistas estavam às portas da América Latina. A terceira
razão foi a popularidade de Médici junto à opinião pública por conta do forte crescimento
763
Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração, p. 136. Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
764
Chirio, 2012, p.167.
765
Cf. Id., Ibid.
210
Nessa seção, faremos uma breve exposição da política econômica do governo Castelo
Branco, realizada sob a liderança de Roberto Campos, ministro do Planejamento, e Octávio
Gouveia Bulhões, ministro da Fazenda. Seu espaço de atuação foi imenso dadas as condições
políticas proporcionadas pelo regime autocrático, ainda que tenha sido menor do que aquele
usufruído por Delfim Netto, que pôde atuar oportunamente sob o AI-5.
No final da seção 3.3.3 desta pesquisa, em que expusemos o modo como Delfim Netto
trata a questão agrária, fizemos a análise daquele que parece ser o único texto de Delfim
destinado a analisar diretamente alguns aspectos do PAEG. Durante a exposição seguinte,
então, apresentaremos ilações sobre o modo como Delfim avaliava a política econômica do
PAEG – e não o programa econômico –, o que nos ajudará a iluminar sua própria política
econômica a partir de 1967.
766
Chirio, 2012, p.169.
211
767
Cf. MPCE, 1964.
768
Cf. Id., Ibid.
769
Cf. Resende, 2014.
212
limitaram ao salário mínimo real médio: o salário anual real médio do pessoal ligado à produção
na indústria de transformação acompanhou a queda do salário mínimo real médio. 770
A política de contenção da espiral inflacionária, além disso, comportava também o
controle dos déficits governamentais e a política de crédito às empresas privadas. Com relação
ao primeiro, foram imediatamente aumentados os impostos diretos e indiretos, reduzindo o
déficit governamental como proporção do PIB de 4,2% em 1963 para 1,1% em 1966. Por sua
vez, a forma de financiamento do déficit, que desde 1960 era feita quase exclusivamente através
da emissão de papel-moeda, também foi alterada: em 1965, 55% do déficit foi financiado
através da venda de títulos da dívida pública, enquanto, em 1966, o déficit foi totalmente
financiado pela venda de títulos.771
As políticas monetárias e de crédito, por seu turno, foram, em alguma medida, erráticas
e flutuantes. O PAEG previa o crescimento de 30% dos meios de pagamento em 1965, mas esse
valor atingiu 83,5%, praticamente igual à expansão observada em 1964. A principal razão para
isso parece ter sido o resultado do balaço de pagamentos, com a entrada de recursos
provenientes das agências financeiras internacionais – os empréstimos e financiamentos
recebidos em 1965 aumentaram 65% em relação a 1964, enquanto os investimentos diretos
quase triplicaram –, e com a redução das importações, que resultou da redução da taxa de
crescimento global da economia, associada ao aumento das exportações, que se recuperaram
em 1964 e atingiram um nível recorde em 1965, com superávit de US$ 218 milhões no balanço
de pagamentos, resultando na duplicação das reservas (de US$ 244 milhões para US$ 483
milhões). As medidas de política monetária não foram ágeis o suficiente para esterilizar esse
influxo de moeda, e a liquidez real da economia esteve folgada até o primeiro trimestre de 1966.
A partir de então, a política monetária tornou-se mais restritiva.772
Num primeiro momento, ocorreu a chamada inflação corretiva: aumento das tarifas dos
serviços públicos, liberação de alugueres congelados e outros preços. Os dados trimestrais de
consumo de energia elétrica, que servem como indicador da produção industrial, revelam que
a atividade industrial entrou em recessão no segundo trimestre de 1963. No primeiro trimestre
de 1965, quebra-se a tendência de crescimento dos preços agrícolas. No primeiro trimestre de
1966, por fim, aparece a queda no ritmo de crescimento da moeda.773
770
Cf. Resende, 2014.
771
Cf. Id., Ibid.
772
Cf. Id., Ibid.
773
Cf. Id., Ibid.
213
774
Cf. Resende, 2014.
775
Cf. Id., Ibid.
776
Cf. Id., Ibid.
214
BB, portanto, pode explicar o bom desempenho da indústria em 1966, mas, em 1967, o quadro
já era claramente recessivo, e a política monetária começava a se fazer sentir.
O PAEG não foi um programa totalmente ortodoxo, pois subjaz a ele a preocupação
com a manutenção das taxas de crescimento e, assim, alguma tolerância com a inflação, que
devia ser combatida através de uma estratégia gradualista. Antes de conceber o excesso de
moeda na economia como incompetência, clientelismo ou excessiva intervenção
governamental na economia, o PAEG concebe a expansão monetária como decorrente da
inconsistência da política distributiva – a incompatibilidade das parcelas reivindicadas pelo
governo, pelas empresas para investimento e pelos trabalhadores para consumo –, que, por sua
vez, seria sancionada pela inflação.777
Se isso, por um lado, significou que o governo aliviou a pressão do setor privado através
de uma política de expansão dos empréstimos por parte do Banco do Brasil, por exemplo, por
outro, levou ao mesmo resultado de uma política monetária ortodoxa no tocante aos
assalariados. As empresas privadas foram afetadas pela política monetária, mas em graus
diferentes – nesse espectro, as maiores perdedoras foram as pequenas e médias empresas –, ao
passo que o governo também reduziu suas despesas. Os mais afetados, no entanto, foram os
trabalhadores, que assistiram a perdas significativas no seu poder de compra.
Essa estratégia segue o princípio ortodoxo de que o mercado de trabalho em geral e o
poder de barganha dos sindicatos em particular são a fonte das dificuldades de qualquer
programa de estabilização, o que, em parte, explica por que o combate à inflação causa recessão
e desemprego. Nas palavras de Resende, “ao se corrigirem os excessos das políticas monetária
e fiscal, todos os mercados ajustam-se instantaneamente às novas condições. O mercado de
trabalho é a exceção”778 por conta da influência dos sindicatos e das expectativas salariais acima
do nível compatível com o equilíbrio inflacionário. Assim, reza a receita, os trabalhadores
teriam de passar pela decepção do mercado para que revissem suas expectativas e pretensões
salariais.
O PAEG introduziu o mecanismo de correção monetária, que permitiu a reforma e a
racionalização do sistema tributário, eliminou os impostos em cascata e coordenou os sistemas
tributários da União, dos estados e dos municípios. Além disso, o programa iniciou a reforma
institucional do sistema financeiro, começando pela criação do Banco Central, cujas funções
eram previamente divididas entre a SUMOC e o Banco do Brasil.779
777
Cf. Resende, 2014.
778
Id., Ibid, p.208.
779
Cf. Id., Ibid.
215
780
Cf. Resende, 2014.
781
Id., Ibid, p.210.
216
782
Cf. Resende, 2014.
217
As pressões derivadas do setor privado da economia, por fim, representam talvez a causa em
que houve o menor sucesso por parte da política governamental de estabilização por conta da
política monetária restritiva. No entanto, como vimos, a atuação do Banco do Brasil e a
contração de empréstimos externos impediu que o crédito ao setor privado fosse afetado de
forma mais intensa, ainda que as pequenas e as médias empresas tenham sido, juntamente com
os assalariados, as maiores vítimas da política restritiva.
Todas as soluções para as quatro causas da inflação brasileira foram explícita ou
implicitamente defendidas previamente por Delfim Netto: a coação política e uma fórmula de
reajuste como bases para a contenção salarial; a racionalização dos gastos públicos; a inflação
corretiva, particularmente dos serviços públicos; a entrada de recursos externos, inclusive para
as empresas estatais; a expansão das exportações, particularmente de bens manufaturados, com
a meta do equilíbrio no balanço de pagamentos e incluindo a seleção e o incentivo a setores
prioritários; a razoável manutenção da liquidez do setor privado como alternativa ao
agravamento da recessão, associada a uma política que evitasse as desvalorizações cambiais em
favor de outras formas de captação de recursos – em relação a esse ponto em particular, Delfim
Netto defendia a diversificação da pauta de exportações e a redução da propensão marginal a
consumir, em que ele incluía o consumo conspícuo, o que foi apenas parcialmente realizado
pelo PAEG.
783
Delfim Netto, 1967b, p.3.
218
784
Delfim Netto, 1967b, p.3.
785
Id., Ibid., p.3.
786
Id., Ibid., p.3.
787
Id., Ibid., p.3.
788
Cf. Id., Ibid.
219
No decorrer dos últimos meses, a inflação foi alterando a sua feição que era
predominantemente de demanda para tornar-se predominantemente de custo.
Hoje, o setor privado está comprimido por duas dificuldades que devem ser
removidas: 1º) o aumento da pressão tributária e 2º) a elevação substancial
dos custos financeiros.791
Os custos financeiros e a pressão tributária causariam as maiores dificuldades ao setor
privado. Por isso, o governo trabalharia com o objetivo de redução da taxa de juros e a
concessão de isenções fiscais, de modo a evitar que as empresas assistissem à liquidação de
seus lucros na ausência de capital de giro adequado. A produção deveria ser paulatinamente
elevada, de modo a elevar, em tese, os salários pelo aumento da produtividade – o que Delfim
Netto parece sugerir que ocorreria quase de maneira espontânea – e os lucros pela redução dos
custos fixos por unidade do produto. Isso se ligaria intimamente à redução da taxa de juros 792.
A solução de Delfim para solucionar o problema da insuficiente poupança privada, enfim, é a
789
Delfim Netto, 1967b, p.3.
790
Id., Ibid., p.3, grifo nosso.
791
Id., Ibid., p.3.
792
Cf. Id., Ibid.
220
concessão de “facilidades” ao setor privado, que deveria ter acesso a formas alternativas de
captação de recursos.
Ele convoca os empresários, como indivíduos empreendedores e não como classe, e
trabalhadores, desprovidos de seus sindicatos – já que muitas de seus representantes
encontravam-se presos –, para a “vanguarda da luta” pelo desenvolvimento com o auxílio do
governo, que seria responsável pela preparação da infraestrutura e por uma política coerente e
estável, com a retaguarda do setor privado.793
Em novembro do mesmo ano, oito meses após seu discurso de posse, Delfim foi
homenageado por representantes das classes patronais em um almoço promovido pela Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro. Em seu discurso, assumiu como sua tarefa e das classes patronais a
descoberta da razão da taxa de juros ter se tornado o “grande demônio da economia
brasileira”794. A taxa de juros deveria ser controlada pelas perspectivas de inflação. Uma
interpretação maniqueísta, segundo Delfim Netto, da lei da oferta e da procura não daria conta
de solucionar o problema, pois dever-se-ia qualificá-la para cada caso particular:
793
Cf. Delfim Netto, 1967b.
794
Delfim Netto, 1967c, p.2.
795
Id., Ibid., p.2.
796
Id., Ibid., p.3.
797
Cf. Id., Ibid.
221
798
Delfim Netto, 1967c, p.3.
799
Id., Ibid., p.3.
800
Id., Ibid., p.3.
801
Id., Ibid., p.3.
802
Id., Ibid., p.3.
222
produtos brasileiros no exterior e mais baratos os produtos estrangeiros no Brasil, o que, por
sua vez, diminuiria o nível de renda e de emprego internos803:
803
Cf. Delfim Netto, 1968a.
804
Id., Ibid., p.2.
805
Cf. Delfim Netto, 1968d.
806
Cf. Id., Ibid.
807
Id., Ibid., p.5.
223
808
Delfim Netto, 1968d, p.5.
809
Id., Ibid., p.5.
810
Delfim Netto, 1968a, p.2
811
Cf. Id., Ibid.
812
Id., Ibid., p.3
813
Id., Ibid., p.3
224
sucesso de uma política agressiva de comércio exterior814. Sua política econômica se desenha
e se complexifica aos poucos: já que os assalariados teriam de aceitar sua condição de
assalariados em um país onde o capital é escasso, a alternativa mais viável para o aumento do
consumo em escala seria a exportação. Esse caminho superaria vários empecilhos ao
desenvolvimento, resolvendo inclusive o problema da competitividade dos produtos brasileiros
no exterior através dos menores salários e da correção cambial.
Se Delfim não se esquivava dos problemas relativos à ausência de uma vigorosa
acumulação endógena de capital, como ele efetivamente via a capacidade de poupança
brasileira? Segundo afirma, a economia do país teria a capacidade de gerar internamente a taxa
de poupança necessária para crescer 7% ao ano. O maior empecilho seria o previsível déficit
no balanço de pagamentos, que sujeitaria o Brasil a pressões externas. Ele avança:
814
Cf. Delfim Netto, 1968a.
815
Id., Ibid., p.3
816
Cf. Id., Ibid.
817
Delfim Netto, 1968b, p.2.
225
exemplo, segundo Delfim, a curva de Philips, de 1958, revelaria a relação entre taxa de aumento
salarial e taxa de desemprego. Em outro exemplo interessante, o economista inglês Robert
Neild, em 1963, teria demonstrado que os preços industriais se formariam basicamente em
função das variações de salários e dos custos dos insumos básicos, dependendo muito pouco da
demanda. A combinação desses conhecimentos obrigaria os gestores da política econômica a
optar, a partir de certo ponto, entre a estabilidade de preços e o pleno emprego, o que teria seus
efeitos sobre o balanço de pagamentos, a taxa de investimento e a taxa de desenvolvimento 818.
Com isso, ficaram para trás os temas da chamada economia subdesenvolvida. O Brasil teria
uma economia capitalista usual na qual a capacidade endógena de acumulação estaria travada.
A princípio, Delfim Netto relativiza as afirmações baseadas nos autores estrangeiros,
que ele utilizou de forma instrumental: não se poderia portar-se diante delas como diante da lei
da gravidade. O exercício da política econômica sobre a parte que cabe ao comportamento dos
homens exigiria o estabelecimento de um sistema de valoração dos resultados, bem como a
construção de um programa que estabelecesse vínculos entre os objetivos desejados e os
instrumentos politicamente utilizáveis819:
No mesmo discurso, ainda, Delfim Netto defende que a economia brasileira teria se
recuperado no primeiro semestre de 1968 graças às políticas fiscal e monetária do governo, com
recuperação da produção industrial e safra agrícola superior à de 1967. Além disso, os
investimentos privados estariam crescendo e, assim como os públicos, atingindo patamares sem
precedentes. A taxa de inflação estaria sendo mantida sob controle e tenderia a decrescer. As
818
Cf. Delfim Netto, 1968b.
819
Cf. Id., Ibid.
820
Id., Ibid., p.3.
226
821
Cf. Delfim Netto, 1968b.
822
Voltaire apud Delfim Netto, 1968b, p.4.
823
Delfim Netto, 1968b, p.4.
824
Cf. Id., Ibid.
825
Id., Ibid., p.5.
826
Id., Ibid., p.5.
827
Id., Ibid., p.5.
227
828
Delfim Netto, 1968b, p.5.
829
Cf. Voltaire, 2012.
830
Delfim Netto, 1968c, p.3.
228
aprendemos, todos os dias, pelos jornais, pelas revistas, a consumir novos bens, a utilizar novos
serviços. Nós nos ajustamos a uma sociedade que se industrializa rapidamente”831.
A industrialização e a alteração da estrutura da demanda são apresentadas por Delfim
Netto tal como aparecem – ou como se espera que apareçam – ao setor privado: fenômenos
inevitáveis, aos quais se pode ajustar bem ou mal: “Ora, se a estrutura da oferta não fôr
suficientemente elástica, que vai acontecer?” 832. Em um trecho esclarecedor que optamos por
descrever na íntegra, Delfim Netto afirma o seguinte sobre o processo de desenvolvimento
econômico:
[...] é basicamente uma luta. [...] Êste processo não é òbviamente de luta entre
coisas. É um processo de luta entre pessoas. Essa luta não é luta, no sentido
comum. Em sentido figurado, é processo de contradição de interêsses. Os
processos de contradição de interêsses emergem naturalmente na forma de um
processo político, onde os vários grupos da sociedade se exprimem, se opõem,
ou estão a favor do próprio processo. Mas o que eu queria dizer aos senhores
é que o processo do desenvolvimento econômico não é processo pacífico, não
é processo tranqüilo, calmo, não é processo onde não haja irritação e atritos.
Um processo de desenvolvimento é exatamente o processo onde há atritos
entre setores, entre grupos, entre aquêles que estão instalados e aquêles que
precisam instalar-se. Entre aquêles que têm certas regalias dentro do sistema
social e aquêles que estão emergindo e vão disputar estas regalias. É portanto
apenas natural que num processo de desenvolvimento econômico, todo o
sistema social demonstre êste atrito numa forma e num processo político que
está emergindo, que emerge junto com essa modernização da sociedade. Isso
para mostrar aos senhores que não há nada de extraordinário, que quanto mais
rápido fôr o processo de desenvolvimento econômico, tanto mais veemente
será a disputa política de como realizar êste processo. O processo realizado
consiste em decidir quem vai emergir dêle e quem vai ficar para trás. Isto não
é problema puramente econômico, é problema sociológico. É problema
político que abrange tôda a sociedade. Da essência do processo de
desenvolvimento produz-se alteração na distribuição da renda. Êsse processo
produz algumas dificuldades e cria problemas políticos bastante notáveis.
Portanto, na medida em que êle funciona, na medida de desenvolvimento que
realiza não devemos esperar maior paz. Nós devemos esperar maiores
complicações, maiores atritos, maior disputa em tôrno do bolo que está
crescendo. Cabe ao governo, neste sistema, ordenar êste processo de disputa
social. Cabe ao govêrno criar condições para que, dentro das instituições
vigentes, se processem as adaptações e se perpetuem essas condições de auto-
estímulo entre oferta e demanda e demanda e oferta. Se por alguma forma o
processo se estanca, todo o sistema entra em estado de murchidão. Êle hiberna
e fica esperando nôvo momento para emergir. 833
Levando-se em consideração a ocasião do pronunciamento, o objetivo específico de
Delfim era alertar o setor exportador a respeito da política econômica que seria adotada.
Segundo ele, as alterações na estrutura da demanda levariam à necessidade de importações que
831
Delfim Netto, 1968c, p.3.
832
Id., Ibid., p.3.
833
Id., Ibid., p.4.
229
deveriam ser substituídas o mais rápido possível por produção interna, mas que, num primeiro
momento, deveriam ser sustentadas pelas divisas provindas das exportações. O mercado
externo seria um “amortecedor”, ou melhor, esperava-se que se o tornasse através de alterações
na estrutura produtiva da sociedade834, isto é, por conta das limitações da demanda de consumo
e pela capacidade produtiva em expansão, aumenta-se a produtividade através da capacidade
produtiva ociosa, mas, para isso, precisa-se da demanda externa. Assim, a utilização da
capacidade produtiva das grandes empresas estrangeiras e a expansão do nível de emprego
através das exportações, o que inclusive cria novos nichos de atuação para o capital nacional,
configura uma nova forma de integração da economia brasileira com a economia internacional.
Os três fatores limitadores do desenvolvimento, para Delfim, seriam a disponibilidade
de mão-de-obra, a capacidade de poupança e a capacidade para importar. No Brasil, as duas
primeiras não seriam problemas, nem mesmo a capacidade de poupança, pois ele afirma que o
governo seria capaz de gerar a poupança para que o crescimento girasse em torno de 7% ao
ano, sabendo-se que a taxa da poupança não poderia ultrapassar os 19% ou 20% do PIB. Com
investimentos no setor educacional, poder-se-ia preparar a mão-de-obra para trabalhar o
acréscimo anual de capital na economia do país. Mas a única forma de cobrir o déficit no
balanço de pagamentos brasileiro de modo a se atingir crescimento de 7% ao ano seria através
do crescimento da capacidade de exportação da ordem de iguais 7% ao ano. A relação
necessária seria de um para um. Assim, a ampliação das exportações seria a única forma de
cobrir o déficit. Isso seria um problema pelo fato de que a pauta de exportações brasileira se
reduziria a “cinco ou seis grandes produtos de grande importância e de uma centena de produtos
de pequena importância”835.
Levando em conta primeiramente o café, Delfim afirma que haveria condições para que
suas exportações se expandissem 3% ou 4% ao ano – a mesma expansão do comércio
internacional do café –, o que se poderia dar, entre outras coisas, graças ao Convênio
Internacional do Café836:
834
Delfim Netto, 1968c, p.4.
835
Id., Ibid., p.5.
836
Cf. Id., Ibid.
230
crescimento seja da ordem de 15% a.a., para que seja possível chegar à
capacidade de importar da ordem de 7% a.a. [...] Não se trata de ampliar 6 ou
7% a.a. as exportações dos produtos da faixa de 1 bilhão e cem milhões de
dólares. Trata-se realmente de ampliar as exportações dos produtos não
tradicionais [...].837
A estratégia, então, deveria recair sobre a diversificação da pauta de exportação. Os
incentivos dados até o momento teriam se mostrado insuficientes já no primeiro momento de
expansão da economia, revelando-se deficiente a capacidade para importar. A geração de
exportações seria talvez mais importante ainda, segundo Delfim Netto, no que tange às
possibilidades relativas à abundância de mão-de-obra e de terras. Seria preciso mobilizar todo
o setor agrícola para a exportação, e isso empregaria muitas mãos e ocuparia muitas terras. Por
isso, praticamente não havia limites, segundo ele, para a expansão do crédito ao setor agrícola,
de modo a transformar a sociedade brasileira em uma sociedade exportadora838:
837
Delfim Netto, 1968c, p.5.
838
Cf. Id., Ibid.
839
Id., Ibid., p.5.
231
840
Delfim Netto, 1968c, p.6.
841
Id., Ibid., p.7.
842
Delfim Netto, 1970b, p.4.
232
Êsse fato é evidente quando se considera que os países que têm hoje o maior
volume de comércio (EUA, Alemanha Ocidental e Japão) sempre praticaram
políticas tarifárias coerentes com o objetivo de fortalecer o seu poder nacional.
Ainda hoje a leitura do Report on Manufactures, apresentado em dezembro de
843
Delfim Netto, 1970b, p.4.
844
Id., Ibid., p.5.
845
Id., Ibid., p.5.
846
Id., Ibid., p.5.
847
Delfim Netto, 1971b, p.7.
848
Id., Ibid., p.7.
849
Id., Ibid., p.7.
233
O mercado interno é o que interessa, mas ele não pode ser construído sem o
mercado externo. E por que não pode? Porque dos vários inibidores que um
país pode ter no seu processo de desenvolvimento, a escassez de poupança, a
deficiência de mão-de-obra e a insuficiência de poupança externa, o Brasil
tem apenas um desses inibidores ainda funcionando em nível razoável. 851
Assim, a insuficiência da poupança externa seria a última imperfeição remanescente do
capitalismo no Brasil – que não é o capitalismo brasileiro propriamente, já que o modo
capitalista de produção não assumiria formas particulares. Em 1972, em discurso em Nova
Iorque, Delfim afirmou que o Brasil estava fomentando a abertura da economia para
investimentos externos no sentido de atração de “capital, tecnologia e experiência gerencial” 852.
Com base nisso, Delfim Netto clama por “um trabalho conjunto”853 entre os países “para
o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional”854 em que “o comércio e os
negócios financeiros deveriam se desenvolver num estilo dinâmico, com maior justiça para os
países em desenvolvimento”855. A reforma do sistema monetário internacional que estava
ocorrendo naquele momento não deveria se transformar, para Delfim, em obstáculo ao fluxo de
comércio e capitais.
Nessa nova ordem defendida por Delfim, dois resultados básicos deveriam ser
alcançados:
850
Delfim Netto, 1971b, p.7.
851
Delfim Netto, 1972a, p.1
852
Delfim Netto, 1972b, p.8.
853
Id., Ibid., p.9.
854
Id., Ibid., p.9.
855
Id., Ibid., p.9.
234
856
Delfim Netto, 1972b, p.9
857
Id., Ibid., p.9
858
Id., Ibid., p.8
859
Id., Ibid., p.10.
235
860
Delfim Netto, 1972c, p.23, grifo nosso.
861
Delfim Netto, 1968f, p.3.
862
Id., Ibid., p.4.
863
Delfim Netto, 1971a, p.8.
236
“dramas individuais”864, com redução da taxa de crescimento do PIB por alguns anos – crise
que duraria por três ou quatro anos – e liquidação de empresas despreparadas para enfrentar um
programa “radical e conseqüente”865 que eliminasse as tensões inflacionárias. Ele já considera
o processo inflacionário sob controle em 1971, ou seja, o chamado “combate gradualista à
inflação”866 teria obtido sucesso: “[...] tudo indica que pelo mesmo tratamento gradualista
continuaremos reduzindo a taxa inflacionária”867.
Em 1973, último ano do milagre, Delfim pouco se pronuncia. Quando o faz em palestra
na Escola Superior de Guerra (ESG), ressalta o aumento na demanda resultante da abertura do
Brasil ao exterior:
864
Delfim Netto, 1971a, p.8
865
Id., Ibid., p.8
866
Id., Ibid., p.8
867
Id., Ibid., p.8
868
Delfim Netto, 1973, p.7.
237
bens e ajudando a combater a inflação, ou seja, “uma espécie de amortecedor para as tensões
internas de preços”869, conforme já foi largamente apontado neste trabalho.
Por que Delfim Netto joga, continuamente, sua artilharia contra a CEPAL? Em sua
concepção, o planejamento foi substituído pela operacionalização de curto prazo da política
econômica. Ao passo que ele não menciona mais os problemas intersetoriais, concebe que a
inflação está controlada com a Comissão Interministerial de Preços, a política monetária,
definida, e o problema do câmbio, resolvido. Não é preciso planejamento para resolver a
questão regional, mas sim o oferecimento de incentivos fiscais para a expansão capitalista nas
áreas prioritárias. O que Delfim passou a chamar de planejamento, nesse sentido, é um governo
capaz de arbitrar as variáveis econômicas. Assim, houve uma sutil mudança de
posicionamentos em relação às suas concepções como acadêmico, que atentava aos mais
variados detalhes setoriais da economia brasileira e os problematizava em função dos
desenvolvimentos regionais e nacional. Esse método de análise da realidade brasileira foi
substituído, enfim, pelo manejo das variáveis econômicas para superar os gargalos da
economia. De acordo com essas variáveis, o Brasil parecia estar superando o
subdesenvolvimento, ou seja, Delfim Netto considera isso como a prova de que os intelectuais
cepalinos estavam igualmente superados pela realidade. Seu planejamento havia superado o
tipo de planejamento cepalino – que havia sido parcialmente dele próprio no passado e que se
enraizava na análise dos desequilíbrios intersetoriais, regionais e sociais. Delfim se engajou,
assim, na defesa do projeto nacional que ajudou a construir.
Assim, em 1970, Delfim argumenta contra a “futurologia”870 proveniente da produção
teórica dos representantes da CEPAL:
[...] como é possível prever a longo prazo no campo econômico, sem uma idéia
nítida sôbre a evolução política da sociedade? É um fato meridianamente claro
que a resposta do sistema econômico aos estímulos depende, bàsicamente, da
estrutura social mais ampla em que êle está inserido (da organização do poder,
dos valôres fundamentais da sociedade, da estrutura da propriedade etc.). A
organização do sistema econômico condiciona e é condicionada pela
organização social global, sendo, portanto, uma simples ilusão (ou a revelação
de um grande primarismo sociológico) a crença de que se pode projetar as
variáveis econômicas para períodos maiores do que dois ou três anos, mesmo
assim, com erros consideráveis. 871
869
Delfim Netto, 1973, p.8.
870
Cf. Delfim Netto, 1970a.
871
Id., Ibid., p.17-8, grifo do autor.
238
Com isso, a CEPAL é criticada por Delfim por ter estimado, em 1950, o volume da
produção de café no Brasil até 1960. Ao não levar em consideração o problema político, ou
seja, a “vontade política da sociedade”872, a CEPAL teria estimado a produção de 1960 em 20,8
milhões de sacas, quando, na realidade, foi de 43,8 milhões. Os “futurólogos”873 da CEPAL
teriam previsto em 1949 que o Brasil estaria em situação semelhante à do México, com graves
entraves ao desenvolvimento econômico por conta do rápido crescimento demográfico, das
enormes necessidades potenciais de capital, da alta taxa de utilização de mão-de-obra na
agricultura e exportações baixas per capita. Delfim Netto afirma o que segue:
Isso foi escrito há vinte anos [...]. Hoje, o México e o Brasil estão em
desenvolvimento acelerado, o primeiro mantém e o segundo luta para
conseguir equilíbrio monetário interno e nenhum dos dois tem qualquer
problema no balanço de pagamentos. [...] A realidade não conta. A sociedade
tem memória curta. Os futurólogos podem continuar a falar sôbre a taxa de
crescimento da população... Segundo entendo, uma sociedade pode dar-se ao
luxo de manter algumas pessoas especulando sôbre o futuro, porque isso,
inegàvelmente, produz certa satisfação estética, mas não deve levá-las muito
a sério. Aliás, os futurólogos do presente não sabem a que perigos estão
expondo os futurólogos do futuro. Caso se queira, com Kahn, “pensar” o “não
pensável”, suponha-se que os detentores do poder político no século XIX
tivessem levado Malthus a sério. Então, a aplicação de algum método
anticonceptivo (dentro da maior moralidade, como queira o bom Malthus)
poderia ter agarrado pelas pernas o avô de algum dos atuais futurólogos (ou,
o que é bem pior para mim, o meu próprio avô), com evidente prejuízo para
todos. Só dizendo como minha avó: “Vão brincar de cientista noutra
freguesia”!874
Delfim Netto é o cientista do poder, o tecnocrata, aquele que operacionaliza as variáveis
e percebe os movimentos da sociedade, interferindo sobre eles. Cientistas que partam de
posições distintas, para ele, seriam ideólogos. Poderíamos dizer, sob perspectiva diversa, que
Delfim é o ideólogo do capital nacional tentando ampliar seus espaços possíveis de atuação em
uma economia cujo mercado interno foi transnacionalizado.
Todo esse ataque aos futurólogos teve o objetivo de apontar que a década de 1970
brasileira dependeria do projeto político nacional, “isto é, depende do que se pretende fazer
com a sociedade brasileira encarada globalmente e não do projeto econômico, que há de ser
mero instrumento (ainda que importante) para a construção daquela sociedade” 875. Enquanto o
projeto político da “Revolução”876 não é definido por Delfim Netto, ele está implícito em suas
872
Delfim Netto, 1970a, p.18, grifo do autor.
873
Id., Ibid., p.18.
874
Id., Ibid., p.19-20.
875
Id., Ibid., p.20.
876
Id., Ibid., p.20.
239
afirmações. Delfim é artífice desse projeto ou, pelo menos, cria as condições para que esse
projeto possa se estabilizar. O czar da economia enuncia aquilo que se espera do “setor
econômico”877:
877
Delfim Netto, 1970a, p.20, grifo do autor.
878
Id., Ibid., p.20.
879
Id., Ibid., p.21
880
Id., Ibid., p.21
240
descentralização, nesse contexto, podem ser interpretados como uma maior diversificação da
plutocracia que Delfim Netto encarna.
Mas o que isso significa no arcabouço teórico de um tecnocrata como Delfim Netto?
Para ele, caso surja uma maioria socialmente unificada, seja em torno de uma ideologia, seja
pela existência de um forte e comum interesse econômico, apenas razões de ordem ética
poderiam fazer com que essa maioria respeitasse os direitos da minoria. Isso significaria “o fim
da atividade política como instrumento de mediação e convivência entre as partes da
sociedade”881. Quando controlada por uma ideologia ou por um demagogo, então, a democracia
poderia ser o contrário do que pretende. “E é certamente por isso que a genuína atividade
política tem de ser defendida contra tal democracia [...]. Essa ênfase na descentralização e no
papel do mercado corre o risco de ser classificada com um ‘resquício liberal’ por economistas
‘científicos’”882.
Assim, a genuína atividade política se identificaria com a concepção liberal de que,
grosso modo, os indivíduos contribuiriam para o interesse coletivo através da busca de seus
interesses privados, que teriam de ser necessariamente contraditórios de modo a evitar a
unificação majoritária em torno de uma ideologia ou, por extensão, em torno de interesses de
classe. Novamente, entretanto, Delfim não se constrange ao afirmar as palavras seguintes, que
apontam para a concentração do poder político nas mãos de um grupo social que ele considera
como classe (as Forças Armadas seriam uma classe média), mas sem objetivos econômicos
próprios como classe. Ele afirma isso com base na suposta distância dos militares em relação
aos detentores do poder econômico, que seria débil nacionalmente em decorrência da ausência
de um processo significativo de acumulação endógena de capital. Surge, assim, novamente a
proposição da tutela estatal para determinar um projeto nacional sofisticado e eficiente, de modo
que a unificação de interesses majoritários fosse evitada e, ao mesmo tempo, a meritocracia e
o lucro individual fossem estimulados e cultivados:
881
Delfim Netto, 1970a, p.21, grifo do autor.
882
Id., Ibid., p.21, grifo do autor.
241
Essas são as regras do jôgo. O Govêrno deve cumprí-las. O setor privado que
represente o seu papel. Se isso acontecer, a economia crescerá até o limite
físico de suas possibilidades, que é o melhor que se pode conseguir. Eu
883
Delfim Netto, 1970a, p.21-2, grifo do autor.
884
Id., Ibid., p.22.
885
Id., Ibid., p.22.
886
Id., Ibid., p.22, grifo do autor.
887
Id., Ibid., p.23.
888
Id., Ibid., p.23.
242
suspeito que aquêle limite é muito superior ao que os futurólogos têm ousado
enunciar.889
Tais seriam as regras do jogo criadas pela ditadura militar. Em poucas palavras, a
ditadura prometeu garantir que nenhuma maioria unificada virasse o tabuleiro antes que o
empresariado tivesse condições de moderar o jogo.
Antes de se avançar nas concepções de Delfim Netto a respeito da crise política que
tomou conta do país em 1968, buscar-se-á oferecer as linhas gerais de movimentos episódicos
que ajudam a ilustrar o clima político da época.
Em 28 de março de 1968, o assassinato, no Rio de Janeiro, do estudante Edson Luís,
com 18 anos de idade, foi o estopim dos conflitos entre o movimento estudantil e o governo
militar e, ao mesmo tempo, o primeiro grande incidente que mobilizou a opinião pública em
favor da luta estudantil. A ocasião foi mais uma das manifestações da Frente Unida dos
Estudantes do Calabouço contra o aumento do preço da refeição, considerado abusivo, e pela
melhoria e conclusão das obras do restaurante890. Segundo relato do jornal O Metropolitano, da
União Metropolitana dos Estudantes (UME),
889
Delfim Netto, 1970, p.23-4, grifo do autor.
890
Cf. Valle, 2008.
891
O Metropolitano. Estopim. nº 7, 1968.
892
Cf. Valle, 2008.
243
Educação e a United States Agency for International Development (acordo chamado de MEC-
USAID), a criação de fundações e a política educacional do governo. O protesto acabou se
transformando em uma passeada por conta da intensa repressão policial que impedia a
concentração dos estudantes893. O jornal O Correio da Manhã noticiaria que a Secretaria de
segurança havia informado que a ordem era reprimir qualquer manifestação estudantil que se
realizasse, mesmo que no MEC, local combinado de concentração, já que o objetivo era o
diálogo com Tardo Dutra, ministro da Educação894.
O governo respondeu com violência à tentativa de diálogo dos estudantes, colocando
em circulação, em seguida, um noticiário sobre um suposto plano de “agitação operária que
abarcaria simultaneamente a Guanabara, o Estado do Rio, São Paulo e Minas, que seriam
sacudidos com greves sucessivas a partir de manifestações estudantis.”895
Em 19 de junho, uma semana depois, os estudantes realizaram nova concentração no
pátio do Ministério da Educação e, tentado o diálogo com o ministro Tarso Dutra, porém,
“foram recebidos a cassetete, bombas de gás e jatos de água, e revidaram a pedradas e
pauladas”896. Após o ocorrido, a cidade de Guanabara teria se transformado em campo de
batalha. No dia seguinte, dois mil estudantes teriam se reunido na praia Vermelha para debater
os resultados do movimento estudantil contra a política educacional do governo. O Jornal da
União Estadual dos Estudantes narra o resultado da reunião:
893
Cf. Valle, 2008.
894
Correio da Manhã. Concentração estudantil hoje põe exército de meia prontidão. 11 jun. 1968.
895
Correio da Manhã. Apelo inútil. 12 jun. 1968.
896
Correio da Manhã. Sete horas de gás lacrimogêneo para reprimir os estudantes. 19 jun. 1968.
897
Jornal da UEE, Rio de Janeiro, jul. 1968.
898
Correio da Manhã. Sítio: rumor não se confirma. 22 jun. 1968.
244
Teria sido uma verdadeira batalha com várias mortes, inclusive a de um policial, em cuja cabeça
caiu um dos objetos que estavam sendo lançados dos prédios no entorno da região do confronto.
Só se via, segundo relatos, uma cortina de gás lacrimogêneo899:
Num semestre marcado pela rotina diária de choques violentos, o que teria
ocorrido de extraordinário para que a população se revoltasse com tanto ódio?
Na mesma crônica em que narrou os acontecimentos, Carlinhos Oliveira
explicava: “Os cariocas amanheceram hoje com as mãos trêmulas; no café da
manhã, os jornais lhes serviram fotografias hediondas. Moças e rapazes
deitados de bruços, com a cara enfiada na grama: moças forçadas a andar de
quatro diante de insolentes soldados da PM; dezenas de estudantes encostados
a um muro e com as mãos segurando a nuca. Ou na mesma atitude, mas
deitados de bruços”. Ele se referia aos episódios ocorridos na véspera, quinta-
feira, no campo do Botafogo, para onde foram tangidos pela PM cerca de 400
estudantes depois de uma assembléia na Faculdade de Economia. O que
ocorreu ali, no grama do time que iria conquistar, naquele ano, o seu único
campeonato nos últimos 20 anos, chocou a cidade – uma cidade que, desde a
morte e as missas de Edson Luís, achava que já tinha assistido a tudo em
matéria de violência.
Mais do que pela agressão física, as fotos “hediondas” indignavam como
símbolos do ultraje. A descrição de soldados urinando sobre corpos indefesos
ou passeando o cassetete entre as pernas das moças, junto às imagens de
jovens de mãos na cabeça, ajoelhados ou deitados de bruços com o rosto na
grama, eram uma alegoria da profanação. 900
As declarações de Delfim Netto ficarão mais claras ao se levar em conta o contexto de
crise política pela qual passava o Brasil. Por ocasião do Seminário sôbre Economia Brasileira,
em agosto de 1968 na USP, Delfim palestrou para professores e alunos da universidade. A
palestra foi publicada tanto pela Revista de Finanças Públicas quanto pela Associação Brasileira
da Indústria Elétrica e Eletrônica/ Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e
Similares do Estado de São Paulo. Utilizar-se-á esta segunda edição, inclusive por oferecer uma
apresentação, em nome das mesmas entidades, que é sincera e ilustrativa:
899
Cf. Valle, 2008.
900
Cf. Ventura, 1988.
901
Apresentação. In: Delfim Netto, 1968e, p.5.
245
Delfim Netto inicia sua palestra com a evocação de “cinco problemas básicos que
perturbam uma avaliação correta da situação e tendem a colocar permanentemente em xeque a
autoridade e a ação governamentais”902:
A não ser para um grupo muito restrito que nunca entendeu o Brasil, a
revolução de 31 de março foi uma manifestação maciça da sociedade contra o
estado de coisas vigente. Resultou, portanto, do consenso da coletividade
nacional. Lamentàvelmente, ela não trouxe consigo um modêlo nítido do que
se deveria fazer, de maneira a possibilitar uma formulação do projeto
brasileiro. A rigor não se pode dizer que o simples combate à corrupção e à
subversão seja um programa, uma vez que constituem condições mínimas para
uma estruturação adequada de qualquer sociedade. Foi assim que, a pouco e
pouco, foram emergindo novos objetivos, consubstanciados inicialmente no
chamado PAEG.904
Desse modo, novamente se repõe o fato de que o projeto brasileiro não teria se
apresentado de imediato quando da manifestação maciça da sociedade, em 1964, como nossa
902
Delfim Netto, 1968e, p.7.
903
Id., Ibid., p.7.
904
Id., Ibid., p.8.
246
905
Delfim Netto, 1968e, p.8.
906
Id., Ibid., p.8-9.
907
Id., Ibid., p.9, grifo do autor.
908
Id., Ibid., p.9.
909
Id., Ibid., p.9.
247
910
Delfim Netto, 1968e, p.9-10, grifo do autor.
911
“Da agricultura, portanto, se espera que ela cumpra essas quatro tarefas fundamentais: aumentar a oferta de
alimentos; aumentar a oferta de produtos exportáveis; liberar recursos humanos; e fornecer capital para o setor que
está precisando dele [a indústria].” (DELFIM NETTO, 1979, apud IANNI, 1981, p. 90)
912
Delfim Netto, 1968e, p.10.
913
Id., Ibid., p.11.
248
914
Delfim Netto, 1968e, p.12.
915
Id., Ibid., p.13.
916
Id., Ibid., p.13.
917
Id., Ibid., p.13.
249
acirrado. Em uma palestra a professores e alunos da USP que já citamos acima, Delfim Netto
declare o seguinte:
A democracia não é nem o domínio das minorias pela maioria, nem o direito
das minorias de perturbar a maioria, mas sim um processo onde oposição e
consenso se vão integrando de forma a permitir que as disputas políticas –
necessárias, essenciais mesmo para a realização da sociedade aberta – não
perturbem o funcionamento e as modificações do sistema econômico. 918
As disputas políticas sob a forma de conflitos eram esperadas. A discussão e a
formulação da política econômica do governo, por outro lado, estavam vetadas. O projeto de
nação que Delfim representa viabilizou-se precisamente por não ser democrático – ainda que
as falas de Delfim violentem o significado de democracia em busca de apoio popular,
especialmente do setor privado –, e não poderia tolerar perturbações ao funcionamento e às
modificações do sistema econômico. A economia brasileira era responsabilidade de Delfim e
tinha de ser tecnicamente manejada para se adequar ao projeto nacional surgido da ditadura
militar.
Para Delfim Netto, a crise política é fácil de se compreender: “a chamada ‘crise política’,
[...] significa, em têrmos simples, que a produção total realizada em cada ano pela coletividade
é um número finito e só pode ter um número finito e alternativo de usos”919. Apesar disso, todos
desejariam uma participação maior na produção:
918
Delfim Netto, 1968e, p.13.
919
Id., Ibid., p.14.
920
Id., Ibid., p.14.
250
921
Cf. Lago, 2014.
922
Cf. Skidmore, 1988.
251
923
Cf. Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração. Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
924
Cf. Delfim Netto, 1962; Lago, 2014.
925
Cf. Lago, 2014.
252
926
Cf. Lago, 2014.
927
Cf. Id., Ibid.
928
Cf. Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração, Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
253
Quadro 6
PIB (% a.a.) BP
1964 3,4 4
1965 2,4 331
1966 6,7 -153
1967 4,2 245
1968 9,8 -32
1969 9,5 -549
1970 10,4 -545
1971 11,3 -530
1972 11,9 2439
1973 14,0 2177
Quadro 6. Fonte: IBGE, Estatísticas do Século XX.
Assim, entre 1968 e 1973, o PIB real cresceu, em média, 11,1% ao ano (Quadro 5), com
um pico de 14% em 1973 (Quadro 6). A média histórica no pós-guerra foi de 7% até o início
da década de 1960, e a média do período do PAEG foi de 4,2%. A designação “milagre
econômico” se deveu não apenas às taxas médias de crescimento nos seis anos em questão, mas
também à queda nas taxas de inflação e à melhora do balanço de pagamentos (Quadro 5). O
nome sagrado atribuído ao fenômeno se deveu, em outras palavras, à suspensão temporária da
254
relação direta entre crescimento e inflação, bem como da relação inversa entre crescimento e
saldo no balanço de pagamentos, desafiando modelos coetâneos que ressaltavam o dilema da
política econômica entre equilíbrio interno e externo, o chamado “trade off”929. Discutiremos o
problema adiante.
O crescimento industrial durante o milagre foi significativo, e a indústria de
transformação cresceu 13,3% ao ano em média, chegando a 16,6% em 1973. A indústria de
construção, que absorve grande quantidade de mão-de-obra, cresceu à taxa média de 15% ao
ano, ao passo que os serviços industriais de utilidade pública, em sua maioria sob controle
estatal, com destaque para a geração de energia elétrica, apresentaram crescimento anual da
ordem de 12,1% ao ano. Enquanto a taxa de crescimento da população foi de 3% ao ano entre
1968 e 1973, o setor primário da economia cresceu à taxa de 4,5%. O setor terciário, por sua
vez, também se expandiu em um nível expressivo: entre 1967 e 1973, o comércio cresceu à taxa
média anual de 11,1%, e o setor de transportes e comunicações, mais de 13%.930
Esses números expressivos refletem uma série de políticas governamentais específicas:
a agricultura recebeu um grande volume de crédito – uma das principais causas da expansão
monetária do período – a taxas subsidiadas, e a soja ganhou espaço tanto na pauta de
exportações como no consumo interno paralelamente à perda do peso relativo do café. Houve
também um processo significativo de mecanização da agricultura, o que, por sua vez, teve
efeitos de demanda importantes sobre o setor industrial.931
A concessão de crédito agrícola fácil é considerada um elemento essencial do
desenvolvimento nas formulações do Delfim acadêmico, que via o crédito como saída para a
incrementação da produtividade tanto para as regiões atrasadas como para as desenvolvidas
como parte de uma política agrícola consistente932. O mesmo vale para o processo de
mecanização, que determinaria a capacidade de expansão do setor agrícola 933.
Através de novos incentivos, houve a crescente exportação de bens manufaturados, o
que contribuiu para o crescimento industrial, particularmente nos ramos tradicionais, como
têxteis e calçados. Para Delfim, essa era a forma mais efetiva de se diminuir a propensão média
a consumir da coletividade sem que as restrições ao consumo – impostas pela política salarial,
por exemplo – afetassem as taxas de crescimento934. Apesar disso, o principal elemento
929
Cf. Hermann, 2011, p.83.
930
Cf. Lago, 2014.
931
Cf. Id., Ibid.
932
Cf. Delfim Netto, [1965?].
933
Cf. Delfim Netto, 1962.
934
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
255
responsável pelo dinamismo industrial do período foi a demanda interna, estimulada pelas
políticas setoriais do governo, sobretudo em relação à agricultura e aos bens de consumo
duráveis, como também à indústria de construção fomentada pela Política Nacional de
Habitação.935
Uma das maiores razões para a rápida expansão da economia foi, como já fora no
passado, a existência de capacidade ociosa na indústria, herdada do período de fraco
crescimento (1962-67). O Delfim acadêmico, que já refletira sobre essa questão, reconhecia a
existência de capacidade ociosa industrial, e enfatizava a necessidade de utilização dessa
capacidade para a expansão das exportações. De todo modo, o fato dos empresários não terem
de repor capital fixo levou a uma maior agilidade na retomada do crescimento, pois o
investimento não depende inicialmente nem de crédito, nem de expectativas de longo prazo.
Assim, por exemplo, na indústria de transformação, o índice de utilização da capacidade
instalada era de 76% em 1967 e passou para 93% em 1971, atingindo 100% em 1972-73.936
Nesse ínterim, como evoluiu a taxa global de investimentos? A participação da
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no PIB permaneceu na média de 15,2% durante o
PAEG, mas mostrou tendência ascendente a partir de 1967, alcançando 16,2% nesse ano. Até
1970, passou para 18,7%, e alcançou 20,5% no período 1971-73. A expansão de 5,3 pontos
percentuais levou aproximadamente ao nível que ele admitia como possível após assumir o
Ministério da Fazenda – em torno de 20%.937
Apesar disso, a expansão da taxa de investimentos, ainda que tímida, não deixou de ser
significativa, e foi influenciada substancialmente pela política industrial iniciada em 1964,
coordenada pelo CDI (Comissão e depois Conselho de Desenvolvimento Industrial), e que
consistiu, entre 1968 e 1973, na concessão indiscriminada de incentivos em conjunto com o
BNDE e o FINAME (Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária do BNDE), o
que teve papel importante na expansão da demanda interna e no crescimento do setor de bens
de capital.938
Por outro lado, como já vimos, Delfim Netto defendia a atuação do setor público no
sentido da viabilização do desenvolvimento do setor privado. Como isso se efetivaria durante
o milagre? Ao passo que não houve tendência de inchaço dos gastos da administração pública,
os investimentos das estatais cresceram, em termos reais, à taxa anual de 20% entre 1967 e
935
Cf. Lago, 2014.
936
Cf; Delfim Netto et. al., 1965; Lago, 2014; Hermann, 2011.
937
Cf. Id., Ibid.
938
Cf. Id., Ibid.
256
939
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto et. al., 1965.
940
Cf. Delfim Netto, 1962.
941
Lago, 2014, p.219.
257
942
Cf. Delfim Netto et. al., 1965; Lago, 2014.
943
Delfim Netto, 2012, s.p.: “[Banqueiros] sempre foram extremamente cooperativos com o governo. Se o governo
queria baixar a taxa de juros, [eu] conversava com eles e o que a gente prometia, cumpria”.
944
Cf. Lago, 2014.
258
Não obstante a nova organização do sistema financeiro, que incluiu a criação de uma
série de instituições (como o Banco Nacional de Habitação, BNH), o impacto sobre o sistema
econômico se deu de forma diferenciada. Os créditos de longo prazo para investimento fixo
foram concedidos unicamente pelas agências públicas e bancos oficiais (BNDE, Finame, BNB,
Banco do Brasil e BNH), e os créditos de curto e médio prazo para capital de giro foram
concedidos pelos bancos comerciais e, crescentemente, pelo Banco do Brasil, financeiras e
bancos de investimento. Como já salientamos, no entanto, as empresas estatais passaram a
utilizar créditos externos com maiores prazos, enquanto as grandes empresas estrangeiras
podiam recorrer a suas sedes e a outras fontes de crédito945. Esse era um ponto importante para
Delfim Netto: a utilização de linhas de crédito no exterior permitiria a superação de limites
físicos na economia, ou seja, a economia poderia se expandir através do suprimento suficiente
de importações sem que o déficit no balanço de pagamentos se tornasse fator impeditivo do
crescimento, afastando assim o limite representado pelo setor externo946.
Além disso, a equipe econômica de Delfim se aproveitou das reformas tributária e
administrativa realizadas pelo governo anterior para buscar o aumento da eficiência da máquina
administrativa, atingindo um raro superávit de 0,06% em 1973 – e com a criação de apenas um
novo tipo de tributo, o imposto sobre operações financeiras (1972). Foram mantidos
instrumentos de renúncia fiscal (dos governos federal e estaduais) em todo o período. O
aparente equilíbrio das contas do governo era contrabalançado pela crescente importância de
gastos públicos que não eram incluídos nas despesas do Tesouro e que passaram a fazer parte
do orçamento monetário, com peso especial para os juros e a correção monetária da dívida
pública, bem como para os onerosos subsídios embutidos no crédito, em particular para a
agricultura e a exportação.
Por sua vez, a carga tributária apresentou leve tendência ascendente, o que correspondeu
timidamente ao papel de “redistribuição de renda” reservado ao regime fiscal por Delfim Netto:
passou de uma carga líquida de 15,3% em 1965-69 para 16,6% em 1970-73, ao passo que a
proporção das despesas correntes do governo sobre o PIB diminuiu. Essa diminuição se deveu,
antes de mais nada, à redução do gasto com pessoal no nível federal: passou de 24,6% da
despesa total em 1967 para 18% em 1973, processo que foi defendido por Delfim como
essencial para o controle inflacionário.947
945
Cf. Id., Ibid.
946
Cf. Delfim Netto, 1962.
947
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto, 1962; Delfim Netto et. al., 1965.
259
948
Cf. Lago, 2014.
260
949
Cf. Lago, 2014.
950
Cf. Id., Ibid.
951
Cf. Lago, 2014.
261
produtos de 47% em 1966 para 20% em 1967, e a taxa para a indústria de transformação caiu
de 58% para 30%. As isenções de impostos de importação continuaram importantes em relação
a certos bens, e havia clara discriminação entre os bens que eram produzidos interna e
externamente – com taxação mais pesada daqueles produtos que eram produzidos no Brasil. No
entanto, como o país consumia matérias-primas e bens intermediários que não produzia em
quantidade suficiente, o crescimento do valor total das importações superou o crescimento do
valor total das exportações, com a taxa anual média de 27,5% (e expansão anual média de
18,5% em seu volume). A balança comercial, que havia sido positiva entre 1964 e 1970, passou
a ser negativa em 1971 e 1972, e equilibrada em 1973952.
A participação dos produtos manufaturados nas exportações brasileiras passou de 16,8%
em 1966 para 31,3% em 1973, tendência que foi favorecida pela atuação de empresas
transnacionais que iniciaram ou ampliaram suas atividades no período. Outros produtos
também responderam pelo aumento no valor das exportações, tais como a soja (que passou de
1,9% do valor total em 1967-68 para 14,8% em 1973), a carne, o algodão, o açúcar e o milho,
declinando-se a participação do café no total, de 42% em 1967-68 para 27,8% em 1972-73.
Delfim Netto, especialista em café, criticava fortemente a dependência brasileira em relação a
esse produto, cuja importância para o processo de desenvolvimento no Brasil representaria um
grande fator de risco953. Houve evolução positiva nos termos de troca para o Brasil, crescendo,
assim, o valor unitário das exportações, estimulado pelo crescimento da economia mundial.
Através de todos esses movimentos, aumentou a participação do Brasil no total das transações
mundiais de bens, passando de 0,88% do total mundial em 1967-68 para 1,2% em 1972-73. As
exportações de bens e serviços, que representavam 5,8% do PIB brasileiro em 1967-68,
passaram a representar 7,8% do PIB em 1972-73. Dessa maneira, a abertura da economia
brasileira para o exterior se elevou, mas era ainda baixa em termos mundiais.954
O Mercado Comum Europeu substituiu os Estados Unidos como o maior comprador de
produtos brasileiros. A participação do Japão também aumentou, impulsionada pelas maiores
exportações de minério de ferro. Houve também aumento da participação de países em
desenvolvimento no total. A importação, por outro lado, fez o movimento inverso: aumentaram
as importações dos países do mercado europeu, dos EUA e do Japão em detrimento do resto do
mundo, o que se explica pela composição das importações brasileiras, na qual os bens de
952
Cf. Id., Ibid.
953
Cf. Delfim Netto, 2009.
954
Cf. Lago, 2014.
262
955
Cf. Id., Ibid.
956
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto, 1972b.
957
Delfim Netto, 1972b, p.9.
958
Id., Ibid., p.9.
959
Id., Ibid., p.9.
263
960
Cf. Lago, 2014.
961
Cf. Hermann, 2011; Almeida, 2007.
264
soja na pauta de exportações. A ideia por trás do processo era que a melhoria da posição
brasileira no mercado mundial de produtos primários era necessária para o fornecimento
contínuo de divisas para continuar o processo de crescimento econômico sustentado. A íntima
conexão entre a indústria e agricultura foi uma das pedras de toque da produção teórica de
Delfim Netto já desde a década de 1950, como vimos no capítulo 3.
Em relação à política salarial, as diretrizes do PAEG foram mantidas sem alterações
significativas até 1974. A única alteração pela qual passou foi em 1968, possivelmente
refletindo as preocupações com a manutenção de um nível adequado de demanda interna,
quando passou a contabilizar as variações do resíduo inflacionário real (em comparação com o
resíduo estimado) do ano anterior ao mês do reajuste. O que essa política salarial significou na
prática? Nas palavras de Lago, as “várias séries de salários e de índices de preços não resultam
em uma evolução uniforme do salário real, mesmo abstraindo de problemas metodológicos
envolvendo os índices de preços”962. Os dados disponíveis sobre a evolução do salário real, na
verdade, apresentam um quadro muito mais complexo do que uma simples evolução uniforme.
No Rio de Janeiro, o valor real do salário mínimo em 1970 era 34,5% menor do que seu valor
em 1964. Em São Paulo, a perda de poder aquisitivo do salário mínimo entre 1964 e 1974 foi
maior que 40% – a perda foi de 25,2% entre 1964 e 1967 e 15,1% entre 1967 e 1973. Apesar
do forte crescimento da economia e do aumento da produtividade do trabalho, portanto, houve
graves danos ao poder aquisitivo do salário mínimo real. Por outro lado, houve queda relativa
do número de trabalhadores ganhando apenas um salário mínimo, bem como aumento do
coeficiente entre o salário médio e o salário mínimo, particularmente no setor industrial. De
todo modo, a massa salarial não cresceu proporcionalmente à renda interna e nem ao aumento
da produtividade do trabalho, que era o que Delfim permanentemente preconizava, o que
manteve taxas de lucro e capacidade de investimento elevadas. A média global da evolução
salarial foi positivamente influenciada pelos aumentos de salários de certas categorias de
trabalhadores, notadamente os empregados mais qualificados, que foram bem superiores aos da
média dos trabalhadores. Na indústria de transformação, por exemplo, houve uma tendência de
aumento da relação salário do pessoal total/salário do pessoal ligado à produção, e tal aumento
esteve associado ao crescimento da remuneração relativa de ocupações administrativas e de
supervisão. Em suma, entre 1967 e 1973, houve contenção do salário real, manutenção de altas
taxas de lucro e uma política de remuneração seletiva para os trabalhadores mais
qualificados.963
962
Lago, 2014, p.234-5.
963
Cf. Lago, 2014.
265
964
Cf. Id., Ibid.
965
Cf. Lago, 2012; Hermann, 2011.
266
966
Cf. Oliveira, 2008; Singer, 1982.
967
Cf. Singer, 1982.
968
Cf. Singer, 1982.
267
Delfim Netto não fez uma análise detalhada do milagre no período tratado nessa
pesquisa, isto é, até meados da década de 1980. Após passar os anos 1974-78 como embaixador
969
Cf. Singer, 1982; Oliveira, 2008.
970
Cf. Delfim Netto, 1982; 1983a.
268
971
Cf. Delfim Netto, 1979.
972
Delfim Netto, 1982, p.5, grifo do autor.
269
pela OPEP e a elevação decorrente da taxa de juros nos mercados internacionais, e ainda, em
1971, o fim do padrão-ouro: “o Brasil [...] fica constrangido, fica contido no seu
desenvolvimento por causa das dificuldades que lhe são impostas pelo mundo externo” 973.
Assim, num primeiro momento, o fim do padrão ouro, em 1971, “por motivos que não importa
como aconteceu”974, e a drástica elevação dos preços do petróleo (multiplicados
aproximadamente por seis) teriam desorganizado a economia brasileira. Qual é a lógica que
subjaz à análise de Delfim?
Para que possamos compreendê-la, é forçoso segui-la passo a passo. Delfim Netto
explica que sempre entendeu o endividamento externo como instrumento adicional da poupança
interna. Como o desenvolvimento econômico depende fundamentalmente do nível de
investimentos, que, por sua vez, está ligado ao nível de poupança interna, o endividamento
proporciona a incrementação da poupança interna através da poupança externa. Foi isso,
segundo ele, o que ocorreu no Brasil entre 1964 e 1973: o país se endividou para ampliar o
nível da poupança interna de modo a acelerar o desenvolvimento econômico, atingindo “uma
taxa de formação de poupança da ordem de 27%, 28% com relação ao Produto, taxa comparável
àquelas que realizaram os países de maior sucesso nos últimos 40 ou 50 anos” 975.
Para Delfim, isso foi possível apenas em razão da fase de desenvolvimento rápido pela
qual atravessava “o Mundo” 976, o que proporcionou o rápido crescimento das exportações
brasileiras. Com isso, de 1964 a 1973, o saldo da balança comercial teria sido “da ordem de 2,3
bilhões de dólares”977. O balanço em conta corrente, por outro lado, teria sido negativo “da
ordem de 5,6 bilhões de dólares”978. Esse déficit seria, assim, a explicitação da entrada de
recursos externos, o que teria possibilitado “um desenvolvimento bastante acelerado” 979 sem
nenhum problema no balanço de pagamentos.
Esse equilíbrio no balanço de pagamentos, segundo Delfim, foi proporcionado pelo
crescimento das exportações a uma taxa da ordem de 18% ao ano entre 1964 e 73, maior que o
crescimento de 8% ou 9% ao ano do comércio mundial. Isso significaria a ampliação, por parte
do Brasil, de seu poder de competição e de ajustamento às condições internacionais,
possibilitando o financiamento do endividamento externo “sem qualquer problema” 980. Assim,
973
Id., Ibid., p.5.
974
Delfim Netto, 1983a, p.5.
975
Delfim Netto, 1984, p.4.
976
Id., Ibid., p.4.
977
Id., Ibid., p.4.
978
Id., Ibid., p.4.
979
Id., Ibid., p.5.
980
Id., Ibid., p.5.
270
o ano de 1973 terminou em equilíbrio: exportações e importações tiveram o mesmo valor, US$
6,2 bi. A dívida anterior a 1964, que, segundo Delfim, teria sido de US$ 4 bi, expandiu-se, em
1973, para US$ 12,6 bi. As reservas foram expandidas a US$ 6,4 bi e, assim, a dívida líquida
era de US$ 6,2 bi, o valor de um ano de exportações.
A política de redução da inflação, por sua vez, teria sido um grande sucesso. Em uma
palavra, “tínhamos conseguido um equilíbrio interno e externo de uma forma bastante
satisfatória”981. Junto ao crescimento econômico acelerado, as condições do desenvolvimento
teriam se mostrado sólidas. Então, Delfim indaga: “E o que aconteceu em 1974?”982.
Já no fim de 1973, houve a primeira manifestação concreta da cartelização da oferta do
petróleo. O preço do barril foi elevado de US$ 2,5 para US$ 12, valor em que permaneceu
constante até 1978. Com isso, “nós, que gastávamos, em 1973, 10% de nossa receita de
exportação com o petróleo, gastamos, em 1974, 20% dessa receita de exportação com o
petróleo”983; simultaneamente, as exportações brasileiras cresceram 28% entre 1973 e 1974 –
2% através do aumento da quantidade exportada e 26% através do aumento de preços das
matérias-primas e produtos exportados pelo Brasil. O problema, então, foram as importações,
que passaram de US$ 6,2 bi, em 1973, para US$ 12,6 bi em 1974, ou seja, um aumento da
ordem de 104%. Dessa maneira, o equilíbrio conquistado desde 1964 teria sido quebrado de
forma violenta precisamente por conta da ampliação do preço do petróleo. Do aumento de 104%
nas importações, 51%, segundo Delfim Netto, deveu-se à elevação de preços, ao que se adiciona
35% devidos à tentativa de acumular estoques de petróleo e outras matérias-primas. “E foi isso
que combinou um aumento de importação física da ordem de 35% com um aumento de preço
da ordem de 51%. E a combinação desses dois efeitos deu um aumento de 104% nas
importações”984.
Dessa forma, “depois de mais de dez anos de equilíbrio”985, teria havido um
desequilíbrio muito superior à capacidade de absorção de qualquer sistema de preços. O
superávit de 1973, então, transformou-se num déficit de US$ 4,7 bi. Delfim insiste no problema:
“em nove anos, havíamos acumulado um déficit de 5 bilhões e 600 milhões de dólares,
destinado, todo ele, a investimento para o crescimento econômico. Em contrapartida, apenas no
decorrer de 1974 registrou-se um déficit em conta corrente de 7,1 bilhões de dólares” 986. Essa
981
Delfim Netto, 1984, p.5.
982
Id., Ibid., p.5.
983
Id., Ibid., p.5
984
Id., Ibid., p.5.
985
Id., Ibid., p.5.
986
Id., Ibid., p.6.
271
teria sido a magnitude do desequilíbrio produzido pela ampliação do preço do petróleo. Tal
desequilíbrio levou a crise até a década de 1980 por conta dos sucessivos saldos negativos na
balança comercial e ainda maior em contas correntes. Para Delfim, o quadro da década de 1970
é o seguinte: o déficit de US$ 5,6 bi foi integralmente destinado a investimentos, ao passo que,
de 1974 a 1978, acumulou-se um déficit de 34 bilhões de dólares, “todo ele destinado a pagar
o acréscimo dos preços do petróleo”987. Assim, “estávamos [...] à mercê de um processo que se
realizava externamente e sobre o qual tínhamos muito pouco controle” 988.
Segundo a interpretação de Delfim, a expansão das exportações “foi a estratégia mais
adequada para o momento [...] em que vivíamos”989, de modo que, em 1978, após constante
deterioração das relações de troca do Brasil, atingiu-se novamente o equilíbrio, quando, em
1979, um segundo choque de petróleo atinge a economia internacional – o preço do petróleo
passa de US$ 12 por barril em 1978 para US$ 33 em 1982. Nesse ínterim, entre 1974 e 1978,
os eurodólares haviam prestado o papel de financiar a dívida dos países em desenvolvimento,
uma espécie de reciclagem ou crediário. Em 1979, no entanto, segundo Delfim, com o segundo
choque, as taxas de juros se elevaram, revelando supostamente o temor dos banqueiros e a
compreensão de que o processo de reciclagem de eurodólares era finito e, ainda, as taxas de
inflação em todos os países. A crise, portanto, resume-se ao que segue:
987
Delfim Netto, 1984, p.6.
988
Id., Ibid., p.6.
989
Id., Ibid., p.6.
990
Id., Ibid., p.8.
272
991
Delfim Netto, 1984, p.10.
992
Id., Ibid., p.11.
993
Id., Ibid., p.11.
273
mudar com rapidez. O Mundo não vai mudar com rapidez. O mundo vai
prosseguir nas dificuldades existentes hoje; ele está melhorando lentamente,
caminha na direção que deve ser conveniente à economia brasileira, e nós
temos de aproveitar esse movimento. Temos de aproveitar esse movimento
para voltar a realizar o desenvolvimento de que precisamos. [...] É preciso
perseverar, empurrando a economia na direção das exportações, empurrando
a economia na direção da substituição dos energéticos derivados do petróleo,
empurrando a economia na direção de uma ampliação do setor agrícola. 994
Esse parágrafo resume a concepção de que, se as economias centrais capitalistas
passaram por modificações que parecem ser duradouras, o Brasil tem de reafirmar as suas
potencialidades de crescimento ao dispor de uma base maior de expansão para a economia,
buscando a independência em relação a recursos energéticos externos ao promover a
substituição de importações e simultaneamente promovendo o crescimento das exportações e
das safras agrícolas. Tratava-se, enfim, de “reduzir a dependência externa”995. Para continuar
esse padrão de desenvolvimento, entretanto, seria necessário captar sempre mais recursos
externos para financiar a dívida crescente, parcialmente destinada ao novo salto produtivo.
Nesse período, então, recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) parece ser uma
opção cada vez mais forte para financiar o desenvolvimento sobre tais bases. De modo a
defender o desenvolvimento materializado no projeto nacional da ditadura militar, Delfim
chega mesmo a “deserdar” o milagre:
O que aconteceu com o Brasil depois de 64? Cresceu tanto, que se dizia que
era um “milagre”. Eu não aceito isso, porque o milagre seria um efeito sem
causa, e o desenvolvimento foi produto do trabalho de todos nós. Mas o Brasil
quadruplicou, quintuplicou, em quatorze ou quinze anos. Isso tudo mostra que
nós não devemos temer o Fundo Monetário. O Fundo pede apenas que os
países ponham suas finanças em ordem.996
Apoiando-se no mesmo padrão de desenvolvimento, a saber, o endividamento externo
como forma de complementação da poupança interna, a ditadura militar busca alçar o Brasil a
um novo salto produtivo. O reconhecimento da necessidade de tal salto decorre da
interpretação, a partir de 1973/74, de que o Brasil estava incapacitado de produzir a
autossuficiência energética. A interpretação para o esgotamento do milagre econômico, então,
é esta: “O nosso problema é que nós somos pobres. O nosso problema está no seguinte: nós
tínhamos dado o ‘take-off’, nós estávamos no ar realmente, e os ‘tipos’ tiraram o combustível
da gente”997.
994
Delfim Netto, 1984, p.12.
995
Id., Ibid., p.62.
996
Delfim Netto, 1983b, p.10, grifo do autor.
997
Delfim Netto, 1981, p.84.
274
Considerações Finais
Delfim Netto foi um homem público que conciliou sua atuação acadêmica – pesquisa,
ensino e formação de equipes – com sua atuação na área de assessoria para o governo,
destacando-se em ambas. Daí surgiu sua notoriedade cada vez maior na vida pública e a sua
construção como personagem importante durante a ditadura militar. Apesar de uma formação
convencional, seu pensamento está na fronteira da teoria econômica da época e não se filia à
concepção liberal: sua discussão sobre os fundamentos científicos das ciências econômicas
revela um arsenal teórico vasto e bem refletido, que lhe torna capaz de discutir em detalhes
autores coetâneos relevantes e, simultaneamente, traçar seus posicionamentos de forma sólida.
Sobre esse pano de fundo, o desenvolvimento e o planejamento são as categorias
centrais na produção de Delfim Netto. Delas surgem as interpretações delfinianas a respeito do
subdesenvolvimento. Em seu arsenal teórico, o ponto de chegada é a maximização do
desenvolvimento econômico brasileiro e sua extensão tão rápida quanto possível a todos os
cidadãos que, através de um sistema político que lhes garantisse suas liberdades fundamentais,
pudessem desfrutar livremente desse desenvolvimento. Não obstante, Delfim Netto transforma
a política uma variável interveniente, um fator que afeta o fenômeno observado, mas que, ao
contrário de outras variáveis, não pode ser manipulado ou medido pelo economista.
Para ele, o problema dos países subdesenvolvidos estaria não apenas na esfera da
distribuição, como seria o caso dos países desenvolvidos, mas também na esfera da acumulação.
É aí que se encontra a chave para se compreender o subdesenvolvimento sob a ótica de Delfim.
A maximização da taxa de acumulação nos países subdesenvolvidos, apesar de essencial para
o surgimento de um processo efetivo de desenvolvimento na medida em que influenciaria a
capacidade empresarial de realizar investimentos, não seria um processo automático. Tanto a
incrementação da acumulação de capital como sua canalização para o processo produtivo,
então, teriam de ser realizadas ou através do sistema tributário ou através de coação política,
segundo a capacidade governamental de construir uma coalizão em torno dos fins almejados e
do caminho para se chegar a eles, isto é, do planejamento. Mas, afinal, o que são
desenvolvimento e planejamento?
O desenvolvimento é definido por Delfim Netto como um fenômeno multidimensional
que teria causas qualitativas e, como consequências, a alteração de estruturas, valores e formas
de comportamento. Resume-se a um fenômeno dinâmico e autoalimentado em que se aumenta
a produtividade de cada unidade de mão-de-obra na unidade de tempo e em que a produção
276
total de bens e serviços cresce em nível superior ao aumento populacional. O processo seria
causa e consequência da incorporação de novas técnicas produtivas e, nas sociedades
subdesenvolvidas, tratar-se-ia sobretudo da criação e ampliação da atividade industrial. Para se
alcançar um processo autossustentado de desenvolvimento, no entanto, alguns obstáculos
teriam de ser superados de forma radical, já que muito raramente o desenvolvimento seria um
processo espontâneo. Isso significa que, via de regra, ele seria o resultado de um esforço
consciente por parte da sociedade. Tal esforço consciente poderia se dar de duas formas: ou a
coletividade teria de se convencer da necessidade de aceitar o sacrifício do crescimento
econômico acelerado através da redução do consumo per capita ou o Estado teria de assumir a
tarefa em suas mãos e, através da coação política – destinada a manter a política (como variável)
dentro de parâmetros aceitáveis –, fornecer as condições necessárias para o empresariado fazê-
lo. Afinal, para Delfim Netto, não existe nenhum outro fator limitante de desenvolvimento a
não ser a quantidade de capital. É assim que ele se alça ao nível tecnocrático e suplanta a
discussão dos fins.
Nesse contexto, entra em cena o planejamento, que seria capaz de absorver as
positividades e minimizar as negatividades do capitalismo liberal e do socialismo. Delfim Netto
explica a razão pela qual o capitalismo liberal não poderia dar certo no Brasil: nos países hoje
desenvolvidos, as modificações tecnológicas e a incrementação da acumulação em cada setor
teriam se processado de forma gradual, por absorções infinitesimais durante a revolução
industrial, sujeitando o sistema de preços a pressões contínuas e manejáveis e, assim, orientando
adequadamente os fatores de produção. Nos países subdesenvolvidos, a introdução da
tecnologia se faria de forma descontínua, aos saltos, o que produziria desequilíbrios de
magnitudes dificilmente absorvíveis pelo sistema de preços, resultando em altas e baixas muito
violentas, que tornariam insuportável o custo social do desenvolvimento. Para o sistema de
preços funcionar adequadamente, então, as modificações estruturais mais importantes teriam
de ser previstas e superadas antes que se tornassem um fator impeditivo do processo de
desenvolvimento.
O planejamento surge, assim, como uma ferramenta neutra que pode ser utilizada para
diferentes fins: segundo Delfim Netto, é a minoria que detém o poder político em todos os
sistemas que decide quais os objetivos a serem alcançados. Seria insensato, por isso, combater
o planejamento em si: o comportamento presente de uma administração determinaria suas
alternativas futuras, o que significa, em outros termos, que o planejamento proporcionaria a
escolha dos meios mais adequados para atingir os fins desejados. Assim, enquanto a finalidade
está pré-determinada – surgida da interpretação de Delfim Netto de que o subdesenvolvimento
277
998
Delfim Netto, 2008b.
278
999
Em seu trabalho de 1965 sobre a inflação em coautoria com alguns dos Delfim Boys, por exemplo, Delfim Netto
conclui que as maiores causas para a expansão dos meios de pagamento decorriam da demanda monetária de
fatores como os aumentos salariais e as variações nos custos de câmbio.
279
trabalhadores e reafirmação do poder militar das Forças Armadas. O discurso de Costa e Silva
ainda durante a Presidência de Castelo Branco, em que afirma publicamente que, se o presidente
estava fraco politicamente, estava forte militarmente, reitera o processo de suspensão da esfera
política. A mediação de interesses, assim, foi totalmente sufocada em favor da negociação direta
com os atores relevantes para a ditadura militar, o que Delfim Netto revela, por exemplo, em
entrevista posterior sobre sua boa relação com os banqueiros, papel reiterado por sua
participação ativa em encontros patronais quando esteve à frente do Ministério da Fazenda. A
construção de um consenso militar em torno de uma guinada autoritária e a transformação da
ditadura em um regime de generais testemunham o surgimento de um projeto nacional que
Delfim Netto refinou através da sua interpretação do desenvolvimento. Não é por acaso que ele
permaneceria, por muito tempo após o milagre econômico, um ator ativo nas instâncias
determinantes do poder.
O acordo entre os atores da coalizão foi selado através do AI-5, que enterrou os
caminhos de desenvolvimento alternativos no interior da ditadura militar. É por isso que,
durante os anos de chumbo, a vida política, tanto civil como militar, parece em estado de
suspensão. O projeto nacional em torno do qual surgiu um consenso se transmuta na propaganda
oficial do Brasil Grande veiculada pela Assessoria Especial de Relações Públicas, a agência de
propaganda oficial criada em 1968. Delfim Netto se propôs, com sucesso, a dar um salto adiante
em relação ao PAEG com base em suas reflexões prévias, depositárias de elegância e
sagacidade ímpares no tratamento da política e das classes sociais, reduzidas a uma coletividade
moldável por meios extraeconômicos.
É importante compreender, no entanto, que as reflexões prévias de Delfim Netto foram
apenas uma parte de sua produção. Ao longo dos anos 1966-74, analisados aqui, Delfim
desenvolveu e refinou seu discurso em sintonia, por um lado, com sua produção precedente,
mas também, por outro, com a realidade que ele enfrentava como superministro. Ele analisa em
detalhes elementos que não estavam presentes na sua produção anterior, oferecendo caminhos
explícitos para a solução de uma série de problemas práticos, como os custos financeiros e a
pressão tributária sobre o setor privado, o servo-mecanismo – um processo inflacionário
autoalimentado, derivado principalmente dos aumentos salariais – e a tutela estatal. Definiu,
assim, os caminhos para a superação das imperfeições do capitalismo no Brasil como parte de
um processo de orquestração do crescimento econômico e da ampliação das taxas de lucro,
destinadas, ademais, a conferir estabilidade política ao regime, o que, por sua vez, era condição
necessária para o alcance da liberdade nacional, identificada com o amadurecimento do
280
empresariado como classe social. Confrontada com a realidade, a criatura manteve os desígnios
essenciais do criador, mas cresceu e adquiriu vida própria.
O agravamento das desigualdades sociais não foi fator impeditivo do crescimento, mas
antes sua alavanca. Aproveitando-se de condições externas favoráveis, a economia brasileira
cresceu com inflação declinante e equilíbrio externo através da redistribuição da renda de baixo
para cima, da expansão dos empréstimos a estratos qualificados dos assalariados para o
consumo de bens duráveis e da entrada maciça de recursos externos. Como a substituição de
importações no Departamento I da economia foi deixada de lado, a crise do milagre foi dupla:
a dívida externa se multiplicara enquanto os choques do petróleo levaram à percepção da
necessidade da autossuficiência no setor energético.
Apesar disso, sob o risco de deslegitimar seu projeto, Delfim Netto não realiza uma
autocrítica pública. Seu discurso posterior indica, nas entrelinhas, seu reconhecimento parcial
das deficiências do projeto nacional durante o milagre, mas, publicamente, ele se limita a
atribuir a crise a fatores externos: as duas altas do petróleo promovidas pela OPEP, o aumento
decorrente das taxas de juros internacionais e o fim do padrão-ouro, que tornaram o Brasil
constrangido no seu desenvolvimento. A partir de 1974, ele estaria pronto para oferecer novos
caminhos, como se revela na bibliografia produzida ao longo dos anos em que ele esteve à
frente da pasta do Planejamento (1979-85): a substituição de importações no Departamento I
voltou à pauta do dia como parte da estratégia de redução da dependência externa e como
manifestação da necessidade do Brasil reafirmar suas potencialidades.
A despeito disso, no arcabouço teórico de Delfim, a substituição do Departamento I da
economia nunca foi condição sina qua non do desenvolvimento. A questão seria antes a
estabilização no balanço de pagamentos. A inclusão social, por sua vez, decorreria do aumento
do nível de emprego, que seria alcançado através da expansão controlada das exportações e do
ingresso de recursos externos, acompanhados de políticas públicas por meio das quais o capital
nacional pudesse, de acordo com suas capacidades, ocupar os espaços abertos pelo processo de
desenvolvimento. Ao considerar que a quantidade de capital era o único fator limitante do
desenvolvimento e, com base nessa interpretação, promover a incrementação da acumulação,
Delfim acreditou que o empresariado brasileiro cumpriria sua tarefa e abandonou o
planejamento global da economia. Sua reavaliação veio tarde demais.
281
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, P. R. As relações econômicas internacionais do Brasil dos anos 1950 aos 80. Rev.
bras. polít. int., Brasília, v. 50, n. 2, p. 60-79, Dez. 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292007000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 jun. 2017.
ARRIGHI, G. O Longo Século XX. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora
UNESP, 1996.
DELFIM NETTO, A. O Método na Ciência Econômica. São Paulo: FCEA/USP, 1958. 55p.
_____. A Taxa de Juros. In: BRASIL. Ministério da Fazenda, Secretaria Geral, Subsecretaria
de Economia e Finanças. Revista de Finanças Públicas. Rio de Janeiro: [s.n.], ano XXVII, n.
265, p.2-3, nov. 1967c.
_____. Realidade na Taxa Cambial. In: BRASIL. Ministério da Fazenda, Secretaria Geral,
Subsecretaria de Economia e Finanças. Revista de Finanças Públicas. Rio de Janeiro: [s.n.],
ano XXVIII, n. 267, p.2-3, jan. 1968a.
_____. Experiência nova no Brasil. In: BRASIL. Ministério da Fazenda, Secretaria Geral,
Subsecretaria de Economia e Finanças. Revista de Finanças Públicas. Rio de Janeiro: [s.n.],
ano XXXI, n. 303, p. 7-8, jan./mar. 1971a.
_____. Delfim: “Não Olhe Só a Dívida: Veja O Que Ela Representa: Itaipu, Tucuruí, O
Programa Siderúrgico, Os Metrôs, Caraíba, A Petroquímica, Tubarão...”. Entrevista do
Ministro A. Delfim Netto, do Planejamento, aos jornalistas Joelmir Beting, Alberto Tamer,
Salomão Ésper e José Paulo de Andrade, do programa “Gente” da Rede Bandeirantes de
Rádio, em 31 de dezembro de 1982, em São Paulo. Brasília: Seplan, 1983a.
_____. In: 1968 - Ato Institucional nº 5: Os personagens. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1
cassete sonoro (1 min. 27s). Remasterizado em digital. Votação para a implementação do AI-
5 na quadragésima terceira sessão do Conselho de Segurança Nacional. [1968]. Disponível
em:
284
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/delfimNetto.html>.
Acesso em: 10 jun. 2017. 2008a.
_____. O papel do Estado é igualar. Entrevistado por Jorge Luiz de Souza. In: IPEA.
Desafios do desenvolvimento. Brasília-DF: IPEA, ano 5, n. 39. 2008b.
_____. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2009 [1959]. 288p.
ISBN 978-85-7139-938-9.
_____. O Homem que se reinventou. Entrevista de Delfim Netto a Claudia Safatle. Valor
Econômico. Disponível em: <http://www.asiacomentada.com.br/2012/02/delfim-netto-
entrevistado-por-valor-econmico>. Acesso em 16 de maio de 2016. [2012]
DOMAR, E. Capital Expansion, Rate of Growth, and Employment. In: Econometrica 14 (2):
137–147, 1946.
_____. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
IUMATTI, P. T. Caio Prado Jr.: Uma Trajetória Intelectual. São Paulo: Brasiliense, 2007.
MACARINI, José Pedro. Política Econômica do Governo Costa e Silva 1967-1969. R. Econ.
contemp., Rio de Janeiro, 10(3): 453-489, set./dez. 2006.
MACEDO, Roberto. Antonio Delfim Netto. Estud. av., São Paulo, v. 15, n. 43, Dez. 2001.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142001000300027&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 mar. 2016.
MELLO, J. M. C. O Capitalismo Tardio. 11ª edição. São Paulo: Editora UNESP; Campinas:
FACAMP, 2009.
O Estado de S. Paulo. Comunistas ainda ameaçam sindicatos. São Paulo, 27 maio 1967, p.6.
Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19670527-28256-nac-0006-999-6-
not>. Acesso em: 06 dez 2012.
O Estado de S. Paulo. Sindicatos: ministro aponta caminho. São Paulo, 11 ago. 1967, p.6.
Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19670811-28321-nac-0006-999-6-
not/busca/Jarbas+Passarinho>. Acesso em: 06 dez 2012.
O Estado de S. Paulo. Repercussões no país, do silêncio ao repudio. São Paulo, 20 jan. 1976,
p.24. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19760120-30927-nac-0024-
999-24-not/busca/espancamentos>. Acesso em: 06 dez 2012.
_____. Crítica à Razão Dualista. 1ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Boitempo, 2008. 150p.
ISBN: 978-85-7559-036-2. [1972]
_____. Entrevista concedida a Alexandre de Freitas Barbosa, Ana Paula Koury, Daniel
Ferrer de Almeida, André Gilberto da Silva Fróes, Felipe Marineli e Alessandra Soares de
Oliveira com o Autor. São Paulo, 29 abr. 2011. Áudio disponível no acervo pessoal de
Alexandre de Freitas Barbosa.
SOUZA, Aristeu & ASSIS, J. Carlos de. A Serviço do Brasil. A Trajetória de Rômulo
Almeida. Rio de Janeiro: A. Souza, 2006.
VENTURA, Z. 1968 – o ano que não terminou: a aventura de uma geração. Rio de Janeiro:
Círculo do Livro, 1988.
A Economia Cafeeira no
1957 Biblioteca da FEA-USP
Brasil
O Método na Ciência
1958 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Econômica
O Problema do Café no
1959 Tese de doutorado Biblioteca da FEA-USP
Brasil
A Política Econômica do
1968 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Governo: 1967-1968
Documento confidencial "Para
1967/68: Política Econômica
1968 uso exclusivo dos membros do Biblioteca da FEA-USP
e Financeira do Governo
Congresso Nacional"
Política Econômico-
1968 Biblioteca da FE-USP
Financeira
O Desenvolvimento e o
1968 Biblioteca da FE-USP
Comércio Externo
292
O Processo de Ajustamento
1968 Biblioteca da FE-USP
Cambial
Estimativa do Volume de
1969 Biblioteca da FE-USP
Investimentos em 1968
Vicissitudes da Política
1969 Biblioteca da FE-USP
Econômica no Brasil
A Alegria da
1970 Biblioteca da FE-USP
Irresponsabilidade
Brasil – Reformas
1970 Intensificam Biblioteca da FE-USP
Desenvolvimento
293
Política Creditícia –
1970 Biblioteca da FE-USP
Objetivos
Reprodução do curso de
Curso de Economia
1970 Economia Brasileira ministrado Biblioteca da FEA-USP
Regional
por Delfim Netto na FCEA-USP
A Lógica e o
1970 Biblioteca da FE-USP
Desenvolvimento
A Lógica e o
1970 Texto no Estado de S.Paulo
Desenvolvimento
Realismo, Racionalidade e
1970 Acervo da FEBRABAN
Política Econômica
Comércio Exterior -
1971 Instrumento de Realização Acervo da FEBRABAN
do Poder Nacional
A importância do setor
1972 exportador no processo do Acervo da FEBRABAN
desenvolvimento brasileiro
O Ministro da Fazenda na
1972 Acervo da FEBRABAN
Escola Superior de Guerra
Pronunciamento na Convenção
Reforma do Sistema de
1972 Nacional do Comércio Exterior Acervo da FEBRABAN
Relações Comerciais
em Nova Iorque
Problemas da Economia
1973 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Brasileira
O Problema do Café no
1973 Biblioteca da FEA-USP
Brasil
Aspectos da Economia
Brasileira Destacados em
Palestra do Ministro da
1973 Fazenda Antonio Delfim Biblioteca da FE-USP
Netto, na Escola Superior de
Guerra em 15 de Agosto
deste Ano
295
Palestra do Ministro da
Fazenda na Federação dos
1973 Biblioteca da FE-USP
Indústrias do Estado de São
Paulo
Prefácio ao livro "Distribuição da
Renda e Desenvolvimento Biblioteca do Ministério da
1973 Prefácio
Econômico do Brasil", de Carlos Fazenda; FAU-USP; FEA-USP.
Geraldo Langoni
Prefácio ao livro "Commodities:
Biblioteca do Ministério da
1974 Prefácio o preço do futuro", de Noênio D.
Fazenda
Spínola
Em defesa da sociedade
1975 Acervo da FEBRABAN
aberta
Diretrizes do Ministério da
1979 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Agricultura
Manter o desenvolvimento e
Palestra na Escola Superior de
1980 reduzir a dependência Biblioteca da FEA-USP
Guerra, maio de 1980
externa
Some aspects of Brazilian
1980 "Translation of speech" Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
economy
Discurso do Ministro Delfim
1980
Netto
Conferencia no Estado Maior
Análise da política
1980 das Forças-Armadas, EMFA, no Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
econômica nacional
dia 2 de setembro de 1980
First work is an interview with
Poupar, produzir mais,
journalist Ana Am elia de Lemos
exportar: a receita do
for the journal Zero Hora on
Ministro Delfim Netto para o
1981 Dec. 11, 1980; 2nd work is an Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Brasil continuar a crescer em
interview with journalist Paulo
1981; & A explicação para o
Francis for the journal Folha de
milagre que não houve
Sao Paulo.
A Recuperação da
1981 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Economia em 1980/1981
296
Pronunciamento do Ministro A.
Delfim Netto, dia 30 de julho de
1982, no Rio Palace Hotel, no
Rio de Janeiro, a convite da
Federação Nacional dos
A Resposta do Ministro Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Bancos. Saudações dos
1982 Delfim Netto às Críticas à Biblioteca do Ministério da
Representantes das Entidades
Política Econômica Fazenda (DF)
Financeiras, Confederação
Nacional da Indústria,
Confederação Nacional da
Agricultura, Confederação
Nacional do Comércio.
Entrevista a jornalistas da
Apesar da Seca, Nordeste Biblioteca do Ministério da
1982 Paraíba em 22 de setembro de
Não Deixou de Crescer Fazenda (DF)
1982
Palestra de Delfim Netto na
Política e Estratégia do
1982 Escola Superior de Guerra, Rio Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Desenvolvimento Brasileiro
de Janeiro, 2 de junho de 1982.
Palestra de Delfim Netto na
Brasil 82, a Grande Luta Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Escola de Guerra Naval, Rio de
1982 para Manter o Espaço para Biblioteca do Ministério da
Janeiro, 15 de setembro de
Crescer Fazenda (DF)
1982.
Biblioteca Embrapa Amazônia
1983 Delfim Explica a Maxi
Oriental (Belém-PA)
Apresentação ao livro "Aprendiz
1983 Apresentação de Empresário", de Ernane Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Galvêas
Exposição do ministro A. Delfim
1973/1983, Dez Anos de Netto, do Planejamento, no
1983 Crise e, Apesar de Tudo, plenário do Senado Federal, na Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Crescimento sessão vespertina de 17 de
maio de 1983.
Entrevista do Ministro A. Delfim
Netto, do Planejamento, aos
Não Olhe Só a Dívida, Veja
jornalistas Joelmir Beting,
o que Ela Representa: Itaipu,
Alberto Tamer, Salomão Ésper
Tucuruí, O Programa
1983 e José Paulo de andrade, do Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Siderúrgico, Os Metrôs,
programa "Gente" da Rede
Caraíba, A Petroquímica,
Bandeirantes de Rádio, em 31
Tubarão...
de dezembro de 1982, em São
Paulo
Exorcizado o "Fantasma" de Publicação em dezembro de
1983 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
1984 1983
Mudanças na Lei Salarial Entrevista ao jornalista Thássilo
1983 Protegem o Emprego do Mitke, do jornal "O Dia", em 2 de Acervo da FEBRABAN
Trabalhador fevereiro de 1983
297
Entrevista do ministro do
Planejamento, Delfim Netto, ao
jornalista Luís Garcia, de "O
Globo", em 26 de dezembro de
1982. Em anexo, texto dos
Delfim, o Brasil e a Crise pronunciamentos no Conselho
1983 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Mundial de Pagamentos Monetário Nacional, em Brasília,
16 de dezembro de 1982, e em
Nova York, Plaza Hotel, em 21
de dezembro de 1982, durante
reunião com banqueiros
internacionais.
Pronunciamento efetuado no
1983 Endividamento Externo plenário do Senado Federal em Acervo da FEBRABAN
17 de maio de 1983
Cinco Anos de Política
1984 Econômica Brasileira, Acervo da FEBRABAN
segundo Delfim Netto
Mudanças Estruturais da Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Palestra de Delfim Netto na
1984 Economia no Governo Biblioteca do IEB-USP; Acervo da
Escola Superior de Guerra
Figueiredo FEBRABAN
Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Só o Político Pode Salvar o
1986 Biblioteca da Escola Politécnica da
Economista
USP (Eng. Civil)
Moscou, Freiburg e Brasília: Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
1990
ensaios Biblioteca da FEA-USP