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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA

FELIPE MARINELI

O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre econômico


brasileiro (1968-73)

Versão corrigida

São Paulo
2017
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA

O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre econômico brasileiro


(1968-73)

Felipe Marineli

Versão corrigida

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Econômica do
Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em História Econômica

Orientador: Prof. Dr. Alexandre de Freitas


Barbosa

De acordo: _________________________________
Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa

São Paulo
2017
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Marineli, Felipe
M338p O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre
econômico brasileiro (1968-73) / Felipe Marineli ;
orientador Alexandre de Freitas Barbosa. - São
Paulo, 2017.
297 f.

Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia,


Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. Departamento de História. Área de concentração:
História Econômica.

1. Delfim Netto. 2. milagre brasileiro. 3.


ditadura. 4. desenvolvimento econômico. 5. governos
militares (1964-85). I. Barbosa, Alexandre de
Freitas, orient. II. Título.
Nome: MARINELI, Felipe.
Título: O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre econômico brasileiro (1968-73)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Econômica do
Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em História Econômica.

Aprovado em: 22 de setembro de 2017

Banca examinadora

Prof. Dr. Alvaro Augusto Comin Instituição: FFLCH – USP


Julgamento: Aprovado Assinatura: _____________________________

Prof. Dr. Fernando Monteiro Rugitsky Instituição: FEA – USP


Julgamento: Aprovado Assinatura: _____________________________

Profª. Drª. Vera Alves Cepêda Instituição: UFSCAr


Julgamento: Aprovado Assinatura: _____________________________
Aos meus pais, José Ataíde e Zenaide
Agradecimentos

Em 2008, quando eu ponderava a importância do estudo dos intelectuais que formataram


o Brasil pós-64, meu irmão Fernando sugeriu o tema dessa pesquisa em uma conversa em seu
apartamento na Zona Norte de São Paulo. Desde então, as considerações a respeito do
desenvolvimento brasileiro em geral, e de Delfim Netto em particular, tornaram-se constantes
em minha vida. Se eu realizei esse estudo com relativo sucesso, e eis que a apresentação de seu
conteúdo finalizado testemunha, isso só foi possível com o apoio de inúmeras pessoas com as
quais tive o prazer de intercambiar ao longo desses anos.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer pelo apoio institucional recebido da
Universidade de São Paulo (USP), assim como pelo apoio financeiro da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), tanto na Iniciação Científica quanto no Mestrado,
processos nº 2011/14322-4 e 2014/25609-0. Também devo meus agradecimentos ao professor
Antônio Delfim Netto, cuja doação do acervo particular para a Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da USP contribuiu para que eu pudesse encontrar material
inédito e relevante para a compreensão de seu pensamento e de sua atuação; a Sandra Maria La
Farina, bibliotecária do doravante Acervo Delfim Netto, cuja prontidão e zelo foram
imprescindíveis para o exame e catalogação desse material; à Federação Brasileira de Bancos
(FEBRABAN), em São Paulo, e às bibliotecas do Ministério da Fazenda em Brasília e no Rio
de Janeiro, que gentilmente e sem contrapartidas forneceram acesso a seu acervo.
Pelo companheirismo, devo meus saudosos agradecimentos ao Abner das Dores e ao
Charles Diego Antonio, assim como aos amigos que tive a felicidade de encontrar na USP ao
longo dos estudos e que me proporcionaram preciosos debates e vivências: Carlos Iramina,
Leandro Kenji Tamashiro e Weslei Estradiote Rodrigues. Agradeço também aos amigos do
Centro Universitário Fundação Santo André, que foram fundamentais para o despertar da minha
vocação acadêmica, particularmente Alexandre de Paula Silva, André Stuchi de Almeida,
Felipe Henrique Gonçalves, Leandro Candido de Souza, Leandro de Morais Silva, Letícia
Monteiro, prof. Lívia Cotrim, Luciano Dutra, Roberto Candido de Souza, Rodrigo Chagas e
Vladmir Luis da Silva.
Gostaria de agradecer também a meu orientador, Alexandre de Freitas Barbosa, que faz
parte dessa pesquisa desde 2010 e que, ao longo dos anos, passei a estimar como mentor e
amigo. Suas contribuições foram inestimáveis. Com ele, aprendi a ler o Brasil. Devo meus
agradecimentos ainda aos professores Alvaro Augusto Comin, responsável por me apresentar
ao Alexandre Barbosa há quase uma década e sempre paciente e solícito, Alexandre Macchione
Saes, que conheci durante o Mestrado e que me auxiliou em diferentes etapas da pesquisa, e
Flávio Azevedo Marques de Saes, pelo envio da cópia de um texto de seu acervo pessoal de
autoria de Delfim Netto, pela leitura da versão final da Dissertação e por seus valiosos
apontamentos, atuando quase como um membro da banca examinadora. Ao Alexandre e ao
Flávio Saes, além disso, agradeço pela oportunidade de frequentar sua excelente disciplina
sobre o pensamento econômico e social brasileiro na FEA-USP.
À minha família, devo meu vir a ser. Dedico, portanto, esta pesquisa aos meus pais, José
Ataíde e Zenaide, crianças do campo brasileiro dos anos 1940 que sentiram na pele os dilemas
do Brasil desenvolvimentista e seu desenrolar. Sou grato também aos meus três irmãos, Fabíola,
Fábio e Fernando, que compartilham comigo dramas e alegrias desde a infância. Ao Fábio devo
a confiança para traçar grandes objetivos; ao Fernando, a clareza para torná-los realidade. À
minha esposa Dominique devo os anos mais intensos e transformadores da minha vida. Seu
companheirismo, parceria e amor incondicional são, desde nosso encontro, meu maior ponto
de apoio.
Dedico ainda um agradecimento especial ao Fernando, ao Fábio, ao Carlos e ao Weslei,
que revisaram meu trabalho, realizaram sugestões imprescindíveis e forneceram seu apoio para
a realização de trâmites burocráticos. Por fim, agradeço a todos aqueles que não foram citados
nominalmente aqui, mas que contribuíram à sua maneira. Assumo todos os erros que constem
do meu trabalho, que, entretanto, espero que possa contribuir para o debate sobre o devir da
sociedade brasileira. Nesses tempos duríssimos que vivemos hoje, que demandam resiliência e
clareza, sinto a corresponsabilidade de levantar o debate sobre os nossos projetos nacionais. Por
isso, cada linha foi escrita com o seguinte questionamento no pano de fundo: que país quer ser
o Brasil?
Não é fácil conduzir o barco, quando o desenvolvimento capitalista não guia a
revolução nacional com uma bússola firme e os extremos do espectro burguês se
encontram em formas subcapitalistas ou pré-capitalistas de produção agrária, na
“empresa multinacional” estrangeira e na “grande empresa estatal”. A convergência
de interesses pode ser obtida e até imposta, mas em dano dos papéis burgueses
negligenciados historicamente e quase sempre apenas durante certos lapsos de tempo.
Pode-se ignorar a história interna, sob certas condições de sufocação dos interesses
e dos conflitos de classes. Mas os ritmos históricos externos do capitalismo são
inexoráveis. Daí resulta um tipo especial de impotência burguesa, que faz convergir
para o Estado nacional o núcleo do poder de decisão e de atuação da burguesia.

Florestan Fernandes, A Revolução Burguesa no Brasil

Senhor presidente, senhores membros do Conselho. Eu creio que a revolução veio


não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas,
principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de
estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico. Este é realmente o objetivo
básico. [...] institucionalizando-se tão cedo, [a revolução] possibilitou toda a sorte de
contestação que terminou agora com este episódio que acabamos de assistir.
Realmente, esse episódio é simplesmente o sinal mais marcante da contestação global
do processo revolucionário. É por isso, senhor presidente, que eu estou plenamente
de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa
Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente. Eu acredito
que deveríamos [...] dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a
possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente
necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior
rapidez.

Antônio Delfim Netto em ocasião da quadragésima terceira sessão do Conselho de


Segurança Nacional, em 13 de dezembro de 1968, na sessão de votação do Ato
Institucional nº 5

Como sempre, a fraqueza se refugiara na crença nos milagres, imaginava o inimigo


vencido, quando tinha sido afastada apenas em imaginação, e perdia toda
compreensão do presente em uma glorificação passiva do que o futuro reservava e
dos feitos que guardava in petto mas que não considerava oportuno revelar ainda.
[...] A Constituição, a Assembléia Nacional, os partidos dinásticos, os republicanos
azuis e vermelhos, os heróis da África, o trovão vibrado da tribuna, a cortina de
relâmpagos da imprensa diária, toda a literatura, os políticos de renome e os
intelectuais de prestígio, o código civil e o código penal, a liberte, égalité, fraternité
[...] - tudo desaparecera como uma fantasmagoria diante da magia de um homem no
qual nem seus inimigos reconhecem um mágico. O sufrágio universal parece ter
sobrevivido apenas por um momento, a fim de fazer, de próprio punho, o seu último
testamento perante os olhos do mundo inteiro e declarar em nome do próprio povo:
Tudo o que existe merece perecer.

Karl Marx, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte


Resumo

Título: O pensamento de Antônio Delfim Netto e o milagre econômico brasileiro (1968-73)

Nosso estudo se propõe a analisar de maneira sistemática e crítica o pensamento do economista,


professor universitário e homem público Antônio Delfim Netto e entrelaçar seu pensamento e
sua atuação política com a conjuntura político-econômica dos anos 1960 no Brasil. A pesquisa
se inicia pela análise dos elementos essenciais que possibilitaram a industrialização brasileira
em suas diferentes fases, do século XIX à década de 1960, e de alguns dos principais expoentes
do debate sobre o desenvolvimento brasileiro entre as décadas de 1930 e 1960, de modo a
fornecer um panorama dos dilemas que se apresentavam à economia brasileira. Passamos,
então, à análise do pensamento de Delfim Netto em sua lógica interna, buscando extrair os
elementos fundamentais de sua produção intelectual até a década de 1980. Esse exame revela
que as principais categorias da produção de Delfim Netto são o desenvolvimento e o
planejamento, vitais para sua concepção do subdesenvolvimento. Este se identificaria com
insuficiências na esfera da acumulação, o que leva Delfim a considerar que a sociedade
brasileira deveria realizar um esforço consciente no sentido da maximização das taxas de
acumulação e de canalização de mais recursos ao processo produtivo através do sistema
tributário e, quando necessário, da coação política. O planejamento teria o papel de prever e
superar os obstáculos ao longo do processo de desenvolvimento antes que eles se tornassem
fatores impeditivos do crescimento. A política é a variável interveniente que dá sentido aos
modelos de Delfim. Por fim, à luz dos processos históricos e em função do arsenal teórico de
Delfim Netto, analisamos sua ascensão a instâncias políticas determinantes durante a ditadura
militar brasileira (1964-85), quando teve a oportunidade única de colocar suas reflexões em
prática. A suspensão da esfera política, sacramentada pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5),
possibilitou a negociação direta entre os planejadores e os atores considerados relevantes para
o desenvolvimento. Nos anos em que Delfim foi ministro da Fazenda, a economia brasileira
cresceu com inflação declinante e equilíbrio externo através da redistribuição da renda de baixo
para cima, da expansão dos empréstimos a estratos qualificados dos assalariados para o
consumo de bens duráveis e da entrada maciça de recursos externos, processo que ficou
conhecido como “milagre econômico” brasileiro (1968-73). Crescimento econômico acelerado,
interdição do debate público, repressão e consenso político nas cúpulas de poder convergiram
de forma marcante. O pensamento econômico de Delfim Netto conferiu substância a esse
projeto nacional.

Palavras-chave: Delfim Netto; milagre brasileiro; ditadura; desenvolvimento econômico;


governos militares (1964-85)
Abstract

Title: The thought of Antônio Delfim Netto and the Brazilian economic miracle (1968-73)

Our study aims to systematically and critically analyze Antônio Delfim Netto’s thought, an
Economist, Professor and public figure, and interweave his thought and political action with
the political and economic context in Brazil in the 1960's. This investigation starts by the
analysis of essential elements that made the Brazilian industrialization possible in its different
phases, from the 19th century to the 1960's, as well as some of the most important exponents
of the ideological debate regarding the Brazilian development between the 1930's and the
1960's. We then examine Delfim Netto's thought in its internal logic, aiming to retrieve the
fundamental elements of his intellectual production up to the 1980's. This exam reveals that the
main categories of Delfim Netto's intellectual production are development and planning, which
are vital to his interpretation of underdevelopment. He conceives that underdevelopment arises
from insufficiencies in the field of capital accumulation, which leads to his key view that the
Brazilian society would have to carry out a conscious effort to maximize the profit rates and
direct more resources to the production process through the tax system, and political coercion
when necessary. Planning has the role of foreseeing and overcoming the most important
obstacles in the economy before they become a blocking factor to the development, whilst
politics is an intervening variable that gives meaning to Delfim Netto’s mathematical models.
Considering the historical processes and Delfim Netto’s theoretical constructions, we analyze
his ascension to determining political institutions during the Brazilian military dictatorship
(1964-85), when he had the unique opportunity of putting his interpretations into practice. The
suspension of the political arena, which was accomplished through the Institutional Act n. 5
(AI-5), delivered the possibility of direct negotiation, without mediation, between the planners
and the actors that were considered relevant to the Brazilian development. During Delfim
Netto’s office as a minister for the Economy and Finance (1967-74), the Brazilian economy
grew along with declining inflation and external balance through income redistribution from
the poorer to the richer, credit expansion to the qualified working force for the consumption of
durable goods, and massive inflow of external funds. This process was thereafter named
Brazilian “economic miracle” (1968-73). Fast economic growth, prohibition of the public
debate, repression, and political consent among the political leaders converged remarkably.
Delfim Netto’s economic thought provided substance to this national program.

Keywords: Delfim Netto; Brazilian miracle; dictatorship; economic development; military


governments (1964-85)
Sumário

Apresentação........................................................................................................................... 15
Introdução ............................................................................................................................... 17
Capítulo 1 – A industrialização brasileira como processo (1889-1964) ................................. 21
1.1 – Século XIX: continuidade e ruptura ................................................................ 21
1.2 – 1889-1930: a economia agroexportadora e os surtos industriais..................... 25
1.3 – 1930-1955: a industrialização substitutiva de importações ou restringida ...... 29
1.4 – 1956-1964: o Plano de Metas, a transição para um novo padrão de acumulação
e a industrialização pesada ou intensiva ............................................................................... 34
1.5 – O Estado brasileiro: centralização política, modernização institucional e os
caminhos do desenvolvimento ............................................................................................. 41
1.6 – Síntese do processo.......................................................................................... 50
Capítulo 2 – A nova realidade econômica brasileira e seus intelectuais ................................. 53
2.1 – O panorama do pensamento econômico brasileiro de 1930 a 1960 ................ 54
2.2 – A Controvérsia do Planejamento na economia brasileira ................................ 62
2.2.1 – Roberto Simonsen desenvolvimentista: industrialização e planejamento 62
2.2.2 – Eugênio Gudin e o “liberalismo brasileiro” ............................................. 68
2.3 – Caio Prado Júnior e o pecado original da industrialização .............................. 75
2.4 – Celso Furtado: entre utopia e realidade ........................................................... 81
2.4.1 – Desenvolvimento e subdesenvolvimento ................................................. 84
2.5 – Roberto Campos: entre o estruturalismo e o “entreguismo” ........................... 90
2.5.1 – Desajustamentos da economia brasileira .................................................. 95
2.5.2 – Adeus ao estruturalismo ........................................................................... 97
2.6 – Breve síntese do debate ................................................................................. 101
Capítulo 3 – Delfim Netto antes do milagre econômico: o acadêmico (1958-65)................ 105
3.1 – A ciência econômica: objeto e método .......................................................... 111
3.2 – Desenvolvimento, subdesenvolvimento e planejamento ............................... 116
3.2.1 – A mecânica do desenvolvimento ............................................................ 120
3.2.2 – A criação de modelos para uma “teoria do (sub)desenvolvimento” ...... 124
3.3 – Os obstáculos ao desenvolvimento e o caso brasileiro .................................. 136
3.3.1 – O déficit no balanço de pagamentos ....................................................... 136
3.3.2 – A inflação ............................................................................................... 141
3.3.3 – A agricultura ........................................................................................... 161
3.4 – Síntese dos posicionamentos de Delfim Netto .............................................. 186
Capítulo 4 – A economia política da ditadura militar, 1964-74 ............................................ 191
4.1. – O sorbonismo, a linha dura e a escolha de Delfim Netto ............................. 195
4.2 – O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), 1964-1967 ............. 210
4.3 – Delfim Netto: da academia ao poder (1967-74) ............................................ 217
4.3.1 – O Ministério da Fazenda e a declaração de intenções ............................ 217
4.3.2 – A defesa da política econômica .............................................................. 225
4.3.3 – O projeto político nacional segundo Delfim Netto................................. 237
4.3.4 – A crise política e a repressão: a imposição do desenvolvimento ........... 242
4.4 – O milagre econômico brasileiro (1968-73) ................................................... 250
4.5 – O criador e a criatura: Delfim defende seu projeto ....................................... 267
Considerações Finais ............................................................................................................ 275
Referências Bibliográficas ................................................................................................... 281
Apêndice – Obras completas de Delfim Netto até 1990........................................................ 289
15

Apresentação

O pensamento do economista, professor universitário e homem público Antônio Delfim


Netto não foi objeto de estudos sistemáticos, a despeito de seu papel de destaque no
desenvolvimento brasileiro desde a década de 1960. Isso se deve, grosso modo, a dois
fenômenos mais ou menos generalizáveis. Por um lado, os representantes dos projetos nacionais
vencidos em 1964 carregam certas reservas em relação à atuação política de Delfim Netto e,
por extensão, ao modo como ele interpreta o Brasil.
Nesse sentido, essa pesquisa busca estabelecer um debate com intelectuais como o
professor Francisco de Oliveira, que afirmou: “[...] Delfim não tem originalidade nenhuma. Não
acho. Delfim, a principal obra dele é um estudo da demanda do café. [...] O que tem ali de
contribuição a pensar a economia brasileira? Não tem nada! Rigorosamente nada!”1.
Por outro lado, em relação às reformas que Campos e Bulhões promoveram
anteriormente, Delfim Netto é frequentemente relegado ao segundo plano na explicação do
milagre econômico (1968-73). Ainda que tais reformas tenham preparado o caminho para o
crescimento econômico, são apenas uma parte da história. Essa preterição, quando levada ao
extremo, cumpre o papel de obscurecer o entendimento da ditadura militar em geral e do
milagre econômico em particular, pois implica atribuir menor relevância a processos
determinantes para sua gênese e desenvolvimento.
Nossa pesquisa nasceu, assim, da necessidade de se compreender o ator que esteve à
frente do milagre econômico para além dos estigmas e das caracterizações parciais. Que papel
cumpriu Delfim Netto? Ele possui um pensamento próprio? De que momento histórico ele é
cria e quais interesses ele representa em sua atuação teórica e prática? O milagre econômico
cumpriu seus desígnios, tais como formulados na obra de Delfim Netto?

1
Oliveira, 2011, p.38. Trecho de entrevista sobre o economista Rômulo Almeida no projeto Cátedras do
Desenvolvimento do IPEA, em que o autor estava presente, em resposta à indagação sobre a importância de se
estudar a produção intelectual de Antônio Delfim Netto. Como se trata de uma entrevista, essa afirmação deve ser
relativizada. Ainda assim, reflete uma postura da esquerda intelectual sobre o pensador costumeiramente
designado, sem maior aprofundamento, como o criador da teoria do bolo.
17

Introdução

Na década de 1960, por conta de seu processo tardio de industrialização, o Brasil se


encontrava em uma encruzilhada. Projetos de nação alternativos e, em parte, excludentes, que
amadureceram entre as décadas de 1930 e 1960, disputavam a hegemonia na determinação das
políticas estatais, demandadas a fornecer respostas capazes de superar os desafios econômicos,
sociais e políticos que se apresentavam ao desenvolvimento capitalista no país. Já na primeira
metade da década de 1960, chegara o momento de um salto histórico que só poderia se realizar
em uma direção entre muitas possíveis. A luta política pela precedência da determinação travou-
se em vários âmbitos: dentro e fora do Estado, nas organizações de classe, nas artes, nas escolas
e universidades, nos partidos políticos, nas ruas, nos círculos intelectuais. O debate ideológico
tenso e apaixonado que nasceu dessa disputa marcou o desenvolvimento brasileiro ao definir
seus campos de possibilidade e produzir atores que, disputando espaço no campo de ideias,
desejavam imprimir caminhos específicos na materialidade do Estado. O desenvolvimentismo,
que logrou formar uma coalizão em torno de determinantes comuns, mas também o marxismo,
o liberalismo e outros posicionamentos e visões de mundo encontraram ali solo fértil para
discutir as bases do Estado e da nação e propor caminhos.
A importância desse debate para um país que se queria nação pode ser ilustrada pelo
fato de que, no início do século XX, uma civilização tropical ainda era considerada uma
contradição em termos2. O desenvolvimento capitalista no Brasil, se quisesse emplacar um
processo endógeno, teria de superar, um a um, os desafios resultantes tanto das condições
materiais e culturais da sociedade brasileira como do momento histórico do capitalismo em
escala mundial. Os dilemas eram muitos e difíceis.
Em um clima tenso por conta da crise política advinda tanto dos impasses econômicos
como da disputa ideológica, surgiu um movimento que mudaria os rumos do desenvolvimento
brasileiro. Como um dos rebentos dos processos históricos consubstanciados nas três décadas
anteriores, em uma sociedade marcada pela segregação social e pelo dilema entre dependência
externa e autonomia nacional, uma coalisão de classes realizou um golpe de Estado no dia 1 de
abril de 1964. A partir de então, o debate público sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro
foi interditado por duas décadas. Com base no monopólio legítimo da força e com apoio dos
Estados Unidos, consolida-se uma ditadura militar (1964-85) que afunila os caminhos possíveis

2
Cf. Freyre, 2002, “Prefácio à primeira edição”, p.6-12. Em 1933, Gilberto Freyre menciona certa interpretação
corrente que atribuía a apatia da população brasileira à miscigenação racial. Isso não apenas é revelador da força
da ideia como proposição interpretativa geral, mas também testemunha as condições de vida da população pobre.
18

e aniquila projetos alternativos. Daí em diante, os únicos que teriam espaço no debate público
de ideias seriam aqueles que estivessem em acordo com as premissas da ditadura militar e suas
bases sociais, que superaram a coalizão desenvolvimentista que até então havia logrado
hegemonia relativa.
Essas foram as bases para o surgimento de um novo ator político, com um tipo inédito
de atividade prática e teórica: o tecnocrata. A forma de ser desse novo tipo de gestor estaria
amarrada aos meios adequados a azeitar a máquina de acumulação de capital, à qual caberia a
tarefa de levar adiante o processo de desenvolvimento no Brasil. As “utopias” de um
capitalismo com bases democráticas foram, assim, suplantadas por modelos econômicos
destinados a orientar as políticas estatais no sentido da maximização das taxas de lucro e, com
isso, a um processo automático de desenvolvimento, buscando engatar a economia no caminho
supostamente percorrido pelas economias centrais do capitalismo. Para o tecnocrata, essa era a
forma de superação do subdesenvolvimento brasileiro.
Antônio Delfim Netto pode ser descrito como o tipo-ideal do tecnocrata brasileiro.
Economista paulista, de família imigrante e professor da Universidade de São Paulo, ele
encontraria seu lugar nesse novo contexto histórico. Ascendeu às instâncias determinantes da
vida política nacional através da ditadura militar, que, se acaso lhe proporcionou a liberdade de
ditar os rumos da economia brasileira, só o fez com base no reconhecimento da capacidade de
ele carregar em si os desígnios da cúpula política, à qual teve acesso privilegiado. Isso lhe
permitiu, inclusive, fazer parte da própria construção do projeto nacional hegemônico na
ditadura militar, tornando-se um sujeito constitutivo do desenrolar da história brasileira.
Nossa pesquisa busca compreender a forma como Delfim Netto se inseriu no debate
público da época a partir do exame rigoroso de sua produção intelectual entre as décadas de
1950 e 1980. Essa produção foi a base da incorporação de Delfim Netto aos círculos de poder
e, simultaneamente, de sua atuação prática. Assim, nossa proposta é compreender a lógica
interna de sua produção intelectual e, com isso, desvendar a chave para compreender sua ação
política.
Apelidado de czar da economia, Delfim Netto foi o grande regente por trás do processo
conhecido como milagre econômico brasileiro (1968-73). Nesse período, a economia brasileira
cresceu, em média, 11,1% ao ano, o que foi acompanhado pela queda no processo inflacionário
e pelo equilíbrio nas contas externas. Por representar também o período mais repressivo de toda
a ditadura, esses anos receberam igualmente a qualificação de anos de chumbo. Simbolizam
ainda um momento de calmaria relativa dentro das Forças Armadas, que parecem ter se
reencontrado em torno de determinantes e inimigos comuns. Assim, crescimento econômico
19

acelerado, interdição do debate público, repressão e consenso político nas cúpulas de poder
convergiram de forma marcante. Uma das nossas grandes questões, por isso, é verificar se esses
elementos arrolados estão inscritos no DNA do milagre.
O capítulo 1 trata das bases históricas do desenvolvimento brasileiro e é dividido em
seis seções. Na seção 1.1, fazemos um breve panorama das condições estruturais que deitaram
as bases para um novo tipo inserção externa do Brasil. Na seção 1.2, traçamos os fundamentos
econômicos que possibilitaram o início de um processo de industrialização. Na seção 1.3,
discutimos a primeira fase da industrialização brasileira, a industrialização substitutiva de
importações ou restringida. Na seção 1.4, analisamos as causas da necessidade de superação
dessa fase como condição essencial para que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
pudesse dar um salto. Na seção 1.5, reconstruímos historicamente os elementos que marcaram
a materialidade do Estado brasileiro e as respostas aos desafios que demandavam soluções
novas. Na seção 1.6, fazemos uma síntese desse processo, buscando construir uma narrativa
como base para os capítulos posteriores.
O capítulo 2, que analisa o debate ideológico entre as décadas de 1930 e 1960, também
se divide em seis seções. A seção 2.1 traça um panorama do campo intelectual em que se
travaram os debates. A seção 2.2 analisa o pensamento de dois atores que influenciaram
sobremaneira o debate posterior sobre o desenvolvimento: Roberto Simonsen e Eugênio Gudin.
As seções 2.3 e 2.4 analisam, respectivamente, o pensamento de Caio Prado Jr. e de Celso
Furtado, com sua visão ímpar a respeito do desenvolvimento brasileiro. A seção 2.5 faz uma
leitura de Roberto Campos antes e depois de sua mudança de posicionamentos para o “pós-
estruturalismo”. A seção 2.6, por fim, realiza uma breve síntese do debate.
Nesses dois capítulos, não procuramos fazer uma exposição extensa de todas as
interpretações disponíveis para se discutir a industrialização brasileira e o debate de ideias até
a década de 1960, mas antes construímos uma narrativa que se ancora em um amplo arsenal de
autores com interpretações estabelecidas relativas ao desenvolvimento brasileiro em diferentes
áreas do conhecimento.
O capítulo 3 representa a primeira contribuição concreta dessa pesquisa. Nele
analisamos o pensamento de Delfim Netto como acadêmico, isto é, da década de 1950 ao ano
de 1965, antes de iniciar sua carreira como homem público em instâncias políticas
determinantes. A análise se divide em quatro seções: a seção 3.1 reserva espaço às reflexões
meta-teóricas de Delfim; a seção 3.2 discute o desenvolvimento econômico e o planejamento
como categorias da produção intelectual do autor; a seção 3.3 analisa a interpretação de Delfim
relativamente ao Brasil; e a seção 3.4 sintetiza seus posicionamentos.
20

Apesar de ocasionais referências, não entramos em profundidade na discussão a respeito


do modo como os autores da teoria econômica, sobretudo de procedência anglo-saxã,
influenciaram o pensamento de Delfim Netto. Concebemos que a pesquisa aqui apresentada,
entretanto, pode servir de arrimo para este esforço: Delfim leu esses atores corretamente?
Avançou em suas proposições?
No capítulo 4, que se divide em cinco seções, buscamos entrelaçar o pensamento e a
atuação política de Delfim Netto com a conjuntura política e econômica dos anos 1960. Na
seção 4.1, discutimos a construção do consenso no interior da ditadura militar, que culminou
com o milagre econômico e os anos de chumbo. Na seção 4.2, expomos o Programa de Ação
Econômica do Governo (PAEG), que orientou a política econômica da ditadura entre 1964 e o
início de 1967, isto é, a gestão imediatamente anterior à entrada em cena de Delfim Netto. A
seção 4.3 realiza a análise da produção intelectual de Delfim ao se alçar a instâncias
determinantes de governo, entre 1966 e 1974, período que coincide com a ascensão e a crise do
caminho de desenvolvimento materializado sob o milagre econômico. Na seção 4.4, fazemos
uma exposição do milagre econômico e oferecemos alguns elementos interpretativos que
buscam captar seus movimentos essenciais. Na seção 4.5, por fim, apresentamos o modo como
Delfim Netto reflete sobre o milagre na década subsequente aos anos em que esteve à frente do
Ministério da Fazenda. Cumpre mencionar que a completude das concepções de Delfim Netto
a respeito do milagre econômico não se limita ao horizonte temporal dessa pesquisa. Por isso,
quando discutimos a visão posterior de Delfim sobre o fenômeno, salientamos que ele ainda se
encontrava profundamente imbricado no cenário político da época.
Ao final do texto, encontra-se o Apêndice, onde todas as obras de autoria de Antônio
Delfim Netto até 1990 estão listadas e associadas a seu ano de publicação, observações e
localização física do material. Essas obras foram encontradas em diferentes catálogos de
bibliotecas e acervos, como nas bibliotecas de algumas unidades da Universidade de São Paulo
(USP); nas bibliotecas do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro e em Brasília; no acervo da
Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN), em São Paulo; e no Acervo Delfim Netto, que
se encontra na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e que abriga
mais de 250 mil itens doados por Delfim Netto.
21

Capítulo 1 – A industrialização brasileira como processo (1889-1964)

O objetivo deste capítulo é tentar compreender o processo de industrialização brasileiro


entre as décadas de 1930 e 1960, fornecendo um panorama histórico amplo para que possamos
conhecer o ponto de chegada dessa economia política na qual Delfim Netto atuaria. Nossa
intenção é mostrar as fases de desenvolvimento, as características e as transformações do
processo de industrialização no Brasil. Utilizaremos autores que escreveram depois dos anos
1960 pelo fato de fornecerem elementos sintéticos para a exposição do processo e para a
contextualização de seus intelectuais. Os componentes mais interpretativos da industrialização,
no entanto, são predominantemente reservados aos autores do segundo capítulo, que travaram
o debate sobre o desenvolvimento e a industrialização entre as décadas de 1930 e 1960. Esse
debate será utilizado como referência para os posicionamentos teóricos de Delfim Netto.

1.1 – Século XIX: continuidade e ruptura

A Abertura dos Portos em 1808 tem particular importância na explicação do


desenvolvimento de um entrosamento distinto do Brasil com o centro do capitalismo mundial 3.
Não porque esse episódio específico tenha alterado a história brasileira, mas porque marcou o
início de um processo novo: uma nova integração com o centro através dos “mecanismos de
mercado”4 – o mercado mundial e o mercado externo hegemônico (britânico) – em lugar dos
mecanismos do “mercado colonial”5. Quando Dom João VI chega ao Rio de Janeiro como
fugitivo – após ele se tornar o centro de um imbróglio político entre os britânicos e os franceses,
as duas grandes potências europeias do século XIX –, o Pacto Colonial ruiu com a Abertura dos
Portos. Daí em diante, o novo modo de entrosamento do Brasil com o mercado externo passou
a se centrar em suas relações com o Império Britânico, mas, apesar disso, não se restringiu a
ele.
A nova inserção também não representa elemento isolado: foi tanto resultado como
causa de transformações em diferentes níveis, tanto mundiais como nacionais e regionais. No
nível mundial, o fim das Guerras Napoleônicas marcou o término de mais de um século de luta

3
Cf. Rangel, 2012, p.307 e seguintes; Fernandes, 2008, p.263 e seguintes.
4
Fernandes, 2008, p.265.
5
Id., Ibid., p.264.
22

pela supremacia mundial entre a França e o Império Britânico que havia começado em 1652,
quando das Guerras Anglo-Holandesas, e sacramentou a nova ordem mundial britânica6.
O período da hegemonia mundial britânica representou mudanças importantes em
relação ao período anterior, marcado pela hegemonia das Províncias Unidas (particularmente
Amsterdã). O Império Britânico, ao contrário da potência predecessora, passou a deter uma
posição de comando em todas as regiões do mundo. Paralelamente, um novo grupo de nações
surgiu através de convulsões e sublevações revolucionárias e anti-imperialistas. Tais nações
passaram a compor um grupo de Estados independentes – como os Estados Unidos da América
–, baseados em novos tipos de nacionalismo, o que foi acompanhado de uma expansão dos
impérios coloniais ocidentais para o mundo não-ocidental: em 1914, os Estados ocidentais
reivindicavam 85% do território mundial. A maior parte dessa apropriação coube à Grã-
Bretanha7.
A hegemonia mundial britânica, então, adquiriu o caráter de um “imperialismo de livre-
comércio”8: assentou-se na acumulação em escala mundial com base no comércio e na extração
de tributos imperiais das colônias através de um domínio territorial inaudito. Esse capital era
investido no mundo inteiro e também formou a praça financeira mais poderosa do mundo, em
Londres, cidade que se tornou a “sede natural da haute finance”9.
A partir da nova ordem mundial erigida em torno do Império Britânico, no século XIX,
novos elementos tomaram forma na economia brasileira que não faziam parte da economia
colonial que vigorou por três séculos. O “padrão de desenvolvimento neocolonial”10, para
Florestan, ou a “dependência clássica”11, para Peter Evans, representou um novo tipo de
desenvolvimento no Brasil: o crescimento da renda per capita brasileira na segunda metade do
século XIX foi maior que o crescimento da renda per capita estadunidense no mesmo período.
As exportações aumentaram vertiginosamente, e, entre 1892 e 1912, quadruplicaram as
exportações que partiram do porto de Santos. O balanço de pagamentos era favorável.
Entretanto, seu leitmotiv permaneceu o mesmo: a exportação de commodities. Por isso, apesar
das diferenças, a prosperidade da economia brasileira ainda estava depositada no mercado
internacional de algumas commodities agrícolas12.

6
Arrighi, 1996.
7
Id., Ibid.
8
Id., Ibid., p.54, grifo do autor.
9
Arrighi, 1996, p.54, grifo do autor.
10
Fernandes, 2008, p.266.
11
Evans, 1979, p.57, tradução nossa.
12
Id., Ibid., p.57.
23

A crescente integração institucional da produção brasileira de commodities ao mercado


mundial se baseou na construção de estradas de ferro. Entre 1880 e 1890, foi construído o dobro
de toda a malha ferroviária que havia sido construída até então na história brasileira. A atividade
se mostrou altamente lucrativa, o que atraiu mais capitais britânicos para esse tipo de
investimento – de forma direta ou através de empréstimos – que eram acompanhados pelo
fornecimento de equipamentos, conhecimentos em engenharia e técnicos especializados. Os
altos retornos aliados a menores preços do café brasileiro no mercado externo estimularam uma
onda de investimentos sem precedentes, que, por sua vez, forneceram as bases para o
industrialismo brasileiro. Os mesmos vagões que levavam café até o litoral voltavam carregados
de carvão, ferro e outras matérias-primas13.
A mudança na composição das importações brasileiras naquela altura fornece indícios
de seu crescimento industrial. As importações vindas da Grã-Bretanha eram marcadas pela
presença de têxteis em cerca de 70% em 1850; em 1890, a quantidade de têxteis importados
dobrou, mas passou a representar menos de 50% dos bens importados. A importação de bens
intermediários e de capital – como ferro, equipamentos, ferramentas e carvão – aumentou em
proporção maior que a de têxteis. A importação de maquinaria foi multiplicada em vinte
vezes14.
O imperialismo de livre-comércio britânico injetou na economia brasileira “dinamismos
externos bastante fortes, que o convertiam em um pólo de crescimento econômico acelerado” 15.
A articulação institucional interna da economia brasileira com o mercado mundial e com o
mercado hegemônico externo foi uma necessidade criada a partir das novas condições da
acumulação de capital. Foi necessário absorver estruturas econômicas “aptas a produzir o
desenvolvimento de tipo capitalista inerente a esses dois mercados”16. A existência de um
“enlace do mercado capitalista moderno à cidade e à sua população, que serviam de suporte
imediato ao seu funcionamento e crescimento, e a uma hinterlândia mais ou menos descontínua,
longínqua e ainda diferenciada”17 foi importante para o processo de integração da economia
brasileira ao mercado mundial: salpicado por estratos possuidores (ricos) e pelo pequeno ou
médio comércio, o mercado capitalista pôde se irradiar através do comércio interno
[...] segundo os requisitos do “estilo urbano de vida” em expansão e dos
padrões de gosto ou de consumo da população do país (em crescente

13
Cf. Evans, 1979.
14
Cf. Id., Ibid.
15
Fernandes, 2008, p.264.
16
Id., Ibid., p.265.
17
Id., Ibid., p.265.
24

cosmopolitização, em seus setores ‘altos’ e “intermediários”; e em


incorporação incipiente ao mercado, nos setores “baixos”). 18
Se antes o excedente econômico era drenado através de mecanismos administrativos,
políticos e legais vindos de fora, a nova integração com o mercado mundial levou a uma
situação em que parcelas do excedente econômico fundado no trabalho escravo passassem a
encontrar aplicação fora do circuito escravista a partir da função reguladora do mercado (em
lugar dos mecanismos extra-econômicos). Com isso, “a cidade passa a monopolizar, de forma
crescentemente mais intensa, as funções de centro estratégico de reaplicação do excedente
econômico e de foco de integração do mercado interno”19.
O trabalho escravo tinha uma série de limitações intrínsecas que serviram à acumulação
apenas enquanto algumas condições estavam presentes: um mundo em que o Império Britânico
não exportava desenvolvimento econômico através de sua produção industrial; onde não havia
a possibilidade de grandes investimentos em linhas férreas, o que nem se afigurava como
necessidade ao Brasil por conta do exclusivo colonial, que limitava a concorrência; uma grande
disponibilidade de recursos naturais e terras inexploradas quase ilimitadas para o deslocamento
constante da fronteira agrícola20, para não mencionar ainda a condição – perene neste caso – do
favorecimento natural ao escoamento da produção; uma oferta abundante de escravos a preços
baixos, pois o escravo não se reproduz por conta da necessária superexploração de seu trabalho,
nem era conveniente imobilizar grandes quantidades de capital por escravo 21.
Em uma situação diversa, então, com o aumento das exportações, dos investimentos
estrangeiros e dos empréstimos para a defesa do café, o Brasil se lançou ao mercado mundial
com preços de exportação vantajosos em algumas culturas agrícolas. O país se tornou parceiro
comercial fiel da Grã-Bretanha, interessada também nos grandes lucros auferidos pelas estradas
de ferro que, ademais, barateavam os produtos brasileiros no mercado. Houve realocações
internas de escravos para o sul do país enquanto o terreno era preparado, pelo Estado brasileiro,
para a introdução do trabalho assalariado, que permitiria não apenas criar algum mercado
interno através do pagamento de soldos, mas também a incorporação de novas técnicas
produtivas, por simples que fossem. Nesse contexto, a economia brasileira ainda era dependente
das importações para abastecimento interno, das tarifas aduaneiras e da demanda externa,
fatores impeditivos de sua autonomização, mas começa a haver importantes surtos industriais.

18
Fernandes, 2008, p.265.
19
Id., Ibid., p.265.
20
Mello, 2009.
21
Id., Ibid.
25

1.2 – 1889-1930: a economia agroexportadora e os surtos industriais

A Primeira República, surgida no ano seguinte à abolição formal da escravidão em


território brasileiro, coincide com as últimas décadas daquilo que João Manuel Cardoso de
Mello chama de “economia exportadora capitalista”22 no Brasil. A partir da década de 1880, a
intensificação da exportação de capitais originários dos países centrais do capitalismo,
sobretudo da Inglaterra – direcionados tanto à produção para exportação quanto à montagem
da infraestrutura necessária à sua operação –, assim como o movimento massivo de imigração,
que viria a inundar as propriedades agrícolas com mão-de-obra substitutiva do trabalho escravo,
conduziram a um salto qualitativo na economia brasileira. Por mais que seu centro dinâmico
ainda se encontrasse nos países centrais do capitalismo, a generalização do trabalho assalariado
e os volumes de capital que entraram no país potencializaram, em alguma medida, a
diversificação produtiva concomitante à expansão do mercado consumidor interno. As
mudanças estruturais na economia brasileira nesse período não podem ser exageradas, mas
importa mencionar a diversificação de alternativas possíveis de desenvolvimento. Havia
crescimento industrial, mas ainda não havia um processo de industrialização.
O dinamismo econômico não resultou da diversificação do sistema produtivo, mas,
antes, do vigoroso crescimento da economia cafeeira atado às melhores condições do mercado
mundial, à urbanização, à expansão das estradas de ferro, que melhorou a posição relativa da
produção agroexportadora brasileira no comércio mundial, e à abundante disponibilidade de
trabalhadores livres tanto para o núcleo produtivo quanto para suas ramificações urbanas 23.
Apesar disso, até o final da década de 1920, o crescimento da economia brasileira dependia da
expansão da produção agrícola, que representava cerca de quatro vezes a produção industrial e
era majoritariamente destinada à exportação24. No início do século XX, houve dois surtos
industriais que coincidiram com uma evolução favorável no comércio exterior, particularmente
do café, o que propiciou o aumento da formação de capital na economia brasileira.

22
Mello, 2009, p.45.
23
Cf. Id., Ibid.
24
Suzigan & Villela, 2001.
26

Gráfico 1 - Brasil, Importação segundo os tipos de bens


1901-1945 (%)

1940-1945 12,6 13,4 52,5 21,5


1933-1939 17,6 12,4 52,1 17,9
1930-1932 17,1 16 55,9 11
1924-1929 21,3 11,1 52,8 14,8
1919-1923 19,9 12,9 55,7 11,5
1914-1918 26,2 14,6 52,3 6,9
1908-1913 30,8 8,6 46,7 13,9
1901-1907 36,9 8,2 46,9 7,1

0 20 40 60 80 100

Bens de consumo Combustíveis e lubrificantes Matérias-primas Bens de capital

Fonte: Suzigan & Villela, 2001, p.64.

O gráfico 1 permite notar que, nos períodos de 1908-13 e 1919-29, são verificados
aumentos abruptos na importação de bens de capital que foram revertidos nos períodos
subsequentes e que estiveram atrelados a momentos favoráveis à exportação do café. O
crescimento industrial, portanto, deu-se a reboque do setor primário-exportador. Essa tendência
seria revertida apenas a partir da década de 1930, quando tem início o processo de
industrialização com substituição de importações, como veremos no tópico seguinte.
Até a década de 1930, quase 80% do valor exportado era representado pelos oito
principais produtos agrícola tradicionais (ver Gráfico 2). Nesse ínterim, as flutuações no preço
do café orientavam as tendências de longo prazo das relações de troca da economia e, portanto,
a evolução da capacidade para importar. As crises e os momentos de prosperidade do café se
traduziam em crises e prosperidades da própria economia, o que não significa que essa evolução
tenha tido efeitos econômicos positivos de longo prazo25.

25
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
27

Gráfico 2 - Brasil, principais produtos de exportação


1889-1945

1940-1945 32,5 2,4 18,6 46,5


1934-1939 47,8 1,1 29,8 21,3
1930-1933 69,1 0,8 14,6 15,5
1924-1929 72,5 2,8 15 9,7
1919-1923 58,8 3 21,7 16,5
1914-1918 47,4 12 23,2 17,4
1911-1913 61,7 20 13,9 4,4
1898-1910 52,7 25,7 16,4 5,2
1889-1897 67,6 11,8 15,8 4,8

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Café Borracha Seis produtos tradicionais* Outros

*Açúcar, cacau, mate, fumo, algodão e couros e peles.


Fonte: Suzigan & Villela, 2001.

O Gráfico 2 reitera não apenas a relação entre a evolução das exportações cafeeiras e os
surtos industriais, mas também aponta para as transformações estruturais a partir da década de
1930, quando a categoria “outros” aumenta continuamente em importância a despeito dos
produtos tradicionais, inclusive o café.
Até pelo menos o final da década de 1920, portanto durante toda a Primeira República,
a política econômica governamental foi vacilante e pouco propícia a um processo contínuo de
desenvolvimento industrial, não havendo um conjunto coordenado de medidas nesse sentido.
A defesa dos interesses da burguesia cafeeira e a implementação de políticas de contenção
frequentemente obstaram o desenvolvimento industrial no longo prazo. A política tarifária não
era protecionista, mas antes um instrumento de política monetária, já que o imposto de
importação era a maior fonte de receitas do governo federal. As tarifas incidiam
indiscriminadamente sobre bens de consumo, matérias-primas e bens de capital, fato que foi
atenuado, em alguns períodos, por meio da concessão de isenções para a importação de
matérias-primas e bens de capital. A política cambial, por outro lado, passou por fases em que
representou instrumento de defesa da produção interna, decorrentes das desvalorizações
cambiais originadas da escassez de divisas e da própria defesa dos interesses cafeeiros. Apesar
disso, a desvalorização cambial trazia o inconveniente, para a indústria, de que as matérias-
primas e bens de capital importados encareciam, o que representou proteção definitiva apenas
às indústrias de processamento de matérias-primas locais, como têxtil, vestuário e calçados,
bebidas, fumo e alimentos. Mais acentuadamente, a política monetária representou as maiores
limitações ao crescimento industrial. Isso se deveu às políticas de estabilização e de redução do
28

papel-moeda em circulação, mas também ao sistema bancário, que se compunha de bancos


comerciais e carecia de bancos de financiamento, o que limitou a oferta de crédito a longo prazo
para o financiamento dos empreendimentos industriais. O Banco do Brasil e os bancos
comerciais forneciam empréstimos garantidos por hipotecas, os quais eram, em geral,
destinados a fazendeiros. Assim, a partir dos anos 1930 é que a política econômica se adaptaria
ao fato consumado do crescimento industrial, e não o contrário26.
Feitas essas considerações, devemos atentar para a realidade brasileira naquilo que diz
respeito diretamente à industrialização. É inegável a presença de condições para um contínuo
processo de desenvolvimento industrial já no século XIX, pois há abundância de recursos
naturais, relativa disponibilidade de capitais, capacidade empresarial e mão-de-obra27.
Apesar disso, um dos maiores obstáculos à industrialização como processo contínuo foi
a carência de infraestrutura, particularmente em relação aos transportes e à energia. A
deficiência do sistema de transportes, assim como a diversidade de bitolas e equipamentos dos
diferentes sistemas ferroviários regionais, representava grande obstáculo à integração nacional.
A exceção são os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, sobretudo, a integração
regional foi feita com sucesso através do sistema ferroviário, que acompanhou a cultura cafeeira
e permitiu a integração do mercado. No que diz respeito à matriz energética, cerca de metade
da capacidade instalada na geração de força motriz, no final do século XIX, provinha de energia
de origem térmica, que utilizava carvão importado. Em 1907, apenas 4,2% da força motriz
utilizada na indústria brasileira era energia elétrica. O quadro se modificou ao longo da primeira
metade do século XX, quando os investimentos em energia hidrelétrica se avultaram. No
entanto, mais uma vez, foi em termos regionais e particularmente no estado de São Paulo que
se deu o mais rápido crescimento de geração de energia hidrelétrica28:
É fácil, portanto, perceber as raízes da concentração regional da produção
industrial no Brasil: refletiam a própria concentração regional da dotação de
fatores. Centro da cultura do café, atraindo grande parte do capital estrangeiro
aplicado no País e recebendo a maior parte da imigração estrangeira e,
posteriormente, das migrações internas, além de dispor de uma rede de
transportes razoavelmente desenvolvida e abundância de energia elétrica, São
Paulo tornou-se, progressivamente, também o maior centro da atividade
industrial no País.29
Desse modo, o quadro de deficiências estruturais que procuramos traçar e que travou a
industrialização brasileira antes da Revolução de 1930 está completo. Em linhas gerais, deveu-

26
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
27
Cf. Id., Ibid.
28
Cf. Id., Ibid.
29
Id., Ibid., p.75.
29

se aos seguintes fatores: a ausência de uma política promotora da industrialização; a falta de


instituições financeiras adequadas ao financiamento de longo prazo da indústria; a carência de
infraestrutura adequada à integração nacional e à expansão industrial exponencial; e, por fim,
o condicionamento da capacidade produtiva da indústria à evolução do comércio exterior.
Esses fatores condicionaram a existência de surtos industriais em lugar de um processo
de industrialização. Esses surtos estavam ligados ao comportamento do comércio exterior e
eram interrompidos pelas crises periódicas que assolavam o setor, causadas pelas oscilações no
preço do café, pela Primeira Guerra Mundial, pela Grande Depressão e pelas vacilações na
política econômica, particularmente na política cambial. Via de regra, à valorização ou
estabilização da taxa de câmbio correspondiam períodos de manutenção dos níveis de
investimento e queda ou estagnação da produção, ao passo que à desvalorização cambial
correspondiam períodos de queda no nível de investimentos e aumento na produção30.
Em suma, apesar da interrupção dos surtos industriais com a Primeira Guerra Mundial
e a Grande Depressão, ocorreu um substancial aumento na capacidade produtiva até o final da
década de 1920. Isso foi a base da expansão industrial ao longo da década de 1930, quando as
dificuldades para importar levaram as indústrias à utilização plena de sua capacidade produtiva
– e mesmo sua sobreutilização. Ocorreram, então, importantes substituições de importações31,
como veremos adiante.

1.3 – 1930-1955: a industrialização substitutiva de importações ou restringida

Com a Grande Depressão, o modelo agrário-exportador entra em crise definitiva. A


política econômica da Primeira República, como vimos, repousava sobre a defesa dos interesses
cafeeiros, sobretudo na manutenção dos preços a partir da compra dos estoques possibilitada
pela posição monopolística do Brasil no mercado mundial e pela desvalorização cambial. A
manutenção das taxas de lucro associada às condições do mercado levou ao desenvolvimento
do capital industrial particularmente no estado de São Paulo no período pré-1930. Utilizando
diversos marcos teóricos, podemos dizer que, quando a Grande Depressão faz despencar os
níveis de rentabilidade da lavoura cafeeira, que já se encontrava em situação de superprodução
decorrente da política econômica na Primeira República, o eixo dinâmico da economia
brasileira se desloca para o mercado interno, que passou a proporcionar maior rentabilidade ao

30
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
31
Cf. Id., Ibid.
30

capital, o que dá início a um processo de substituição de importações 32. O volume do desafio


que se apresentou à economia brasileira, portanto, levou à materialização de uma resposta em
termos de desenvolvimento industrial: “A tensão entre as condições de pré-industrialização e
os benefícios esperados da industrialização tornou-se suficientemente intensa para superar os
obstáculos existentes e liberar as forças geradoras do progresso industrial” 33. A dinâmica da
acumulação capitalista no Brasil, então, passa a se assentar sobre a expansão industrial por meio
de um movimento endógeno de acumulação34.
Esse processo ficou conhecido como “industrialização restringida” 35, pois os
investimentos se destinavam a atender às necessidades de consumo interno antes atendidas
pelas importações, frente ao contexto de restrição externa. Por isso, a industrialização caminhou
a reboque da demanda e foi puxada pelos setores de bens de produção não-duráveis, que não
são capital-intensivos. Pelo menos até o final da década de 1930, esse processo se baseou na
utilização da capacidade instalada ociosa da indústria e em sua expansão horizontal. Isso se deu
por várias razões. Em primeiro lugar, o setor privado nacional tinha bases técnicas muito
estreitas. Além disso, o Estado era restringido pela rigidez fiscal – parcialmente compensada
pela inflação, que proporcionou a geração de uma poupança forçada em detrimento do consumo
dos assalariados, ainda que tenha havido crescimento da massa salarial em decorrência da
expansão do nível de emprego. Paralelamente, a grande empresa transnacional, por conta da
crise internacional, ainda não havia se transformado em vetor de exportação de capitais 36.
Apesar disso, entre 1933 e 1939, o produto industrial cresceu em média 11,2% ao ano37.

32
Cf. Furtado, 2006.
33
Gerschenkron, 2015, p.73.
34
Cf. Mello, 2009.
35
Mello, 2009, p.89; Tavares, 1998, p.131.
36
Cf. Mello, 2009; Tavares, 1998.
37
Cf. Suzigan & Villela, 2001.
31

Gráfico 3 - Brasil, Evolução do PIB total e industrial


1930-1963 (%)
20,00

15,00

10,00

5,00

0,00
1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960

(5,00)

(10,00)

PIB total PIB industrial*

* A partir de 1948, os dados do PIB industrial computam apenas as indústrias de transformação.


Gráfico 3. Fonte: IBGE, Estatísticas do Século XX & IPEAdata.

O Gráfico 3 revela que a evolução do PIB total do Brasil segue a evolução de seu PIB
industrial. Isso reforça a conclusão de que a indústria se torna o motor de crescimento da
economia quando tem início o processo de industrialização por substituição de importações.
O próprio processo de substituição de importações, por sua vez, conduzia à necessidade
de novas importações. Isso vale particularmente para as matérias-primas e bens de capital. Essas
necessidades esbarravam em uma limitada capacidade para importar particularmente durante a
Segunda Guerra Mundial, o que conduziu a novas substituições dentro do horizonte de
possibilidades.
32

Quadro 1 - Importações brasileiras por


grupos principais de bens (1929-48)

Matérias-primas e produtos intermediários


Bens de consumo não-duráveis

Combustíveis e lubrificantes
Bens de consumo duráveis

Bens de capital
1929 7,5 11,2 46,2 8,4 26,7
1931 1,9 10,4 64,4 11,9 11,4
1937-38 6,2 7,1 53,2 9,8 23,7
1948 10,8 10,5 35,2 14,4 29,1
Fonte: Tavares, 1976.

O Quadro 1 mostra que a Grande Depressão forçou a indústria brasileira à utilização


mais intensiva de sua capacidade instalada, pois, em 1931, há uma forte queda na importância
dos bens de consumo duráveis, acompanhada também por queda na importação de bens de
capital devida à restrição no comércio externo. Paralelamente ocorre o aumento da importação
de matérias-primas e produtos intermediários e também de combustíveis e lubrificantes. Por
outro lado, no período pós-guerra, a forte queda da participação do setor de matérias-primas e
bens intermediários nas importações indica sua substituição por produção interna. Por sua vez,
o aumento da importação de bens de capital ainda reflete o caráter restrito do processo de
industrialização, dependente da importação de máquinas e equipamentos para sustentar seu
processo de crescimento.
Os anos de 1951 e 1952 corresponderam aos maiores níveis de capacidade para importar
de todo o período da industrialização restringida, quando a quantidade importada de bens de
capital mais que dobrou em relação a 1948, ao passo que a importação de bens intermediários
aumentou sua participação em relação aos bens finais – enquanto a importação dos bens
intermediários, em termos absolutos, cresceu por volta de 80%, a dos bens finais aumentou por
volta de 44%38.
Esse processo, ademais, potencializou a concentração do desenvolvimento industrial no
sudeste brasileiro por conta de suas próprias premissas. A coincidência espacial dos setores

38
Cf. Tavares, 1976.
33

dinâmicos da economia (nos períodos pré- e pós-1930) foi proporcionada pelas economias
externas que decorreram de um setor terciário mais desenvolvido e pela capacidade empresarial
disponível. Isso foi exacerbado pela ampla disponibilidade de fatores, particularmente terras
para a expansão da fronteira agrícola e mão-de-obra abundante de imigrantes para que houvesse
suficiente concorrência no mercado de trabalho sem pressão no sentido do aumento dos custos
da força de trabalho39.
A evolução no número de ocupados na indústria e na agricultura (Quadro 2) fornece um
panorama da industrialização restringida, baseado na expansão da fronteira agrícola e do nível
de emprego urbano.
Quadro 2 - Brasil, Pessoal ocupado por setor de atividade.
Agropecuária e indústria (1920-1970)
1920 1939-40 1949-50 1959-60 1970
Agropecuária 6 312 323 11 343 415 10 996 834 15 633 985 17 582 089
Indústria (total) - 851 755 1 346 423 1 799 376 2 699 969
extrativas - 35 433 36 809 45 714 65 339
de transformação - 816 322 1 309 614 1 753 662 2 634 630
Fonte: IBGE, Estatísticas do Século XX & IPEAdata.
Neste ínterim, o Estado brasileiro passou por alterações estruturais que acompanharam
a nova forma de inserção internacional do país decorrente da Grande Depressão e das novas
restrições no comércio mundial, originadas na eclosão da Segunda Guerra Mundial. O Estado
passa a intervir diretamente na economia por meio de um conjunto de medidas: as primeiras
empresas estatais nos setores de insumos básicos são criadas ao longo das décadas de 1940 e
1950, ao passo que o Estado promove a expansão da infraestrutura de energia e transportes, a
regulação da inserção externa através da valorização cambial, das licenças de importação e da
instauração das taxas múltiplas de câmbio, a regulamentação das relações de trabalho e, por
fim, ensaia as primeiras tentativas de expansão do crédito de médio e longo prazo para a
aquisição de máquinas e equipamentos industriais40.
Em suma, após a Revolução de 1930, o estrangulamento externo se associou à defesa
da renda do setor exportador através da compra dos estoques do café pelo governo federal para
sua destruição. Com isso, estimulou-se a diversificação da produção substituidora de
importações, que se estruturou sobre uma demanda pré-existente e foi assegurada pela reserva
de mercado obtida através de instrumentos de política econômica, particularmente de política
cambial e tarifária. As altas taxas de rentabilidade decorrentes desses fatores tornaram mais
atraentes os investimentos no setor industrial em lugar da expansão da cultura cafeeira, que já

39
Cf. Mello, 2009.
40
Cf. Draibe, 1985; Suzigan & Villela, 2001.
34

se encontrava em crise de superprodução artificialmente contornada desde o período pré-1930.


Em uma primeira fase, que vai até a Segunda Guerra Mundial, a substituição de importações se
baseou principalmente sobre o aproveitamento mais intenso da capacidade produtiva instalada,
o que levou a um novo movimento de substituição de bens intermediários e de capital. Sob pena
de recessão, desemprego e de grave regressão no nível de renda do país, apesar de sua limitada
base tributária, o governo federal passou a promover o crescimento industrial por meio da
política econômica em várias frentes e, já na década de 1940, da atuação direta no setor
produtivo de infraestrutura.
Esse padrão de desenvolvimento, em meados da década de 1950, atingiu seus limites
intrínsecos. Por isso, o debate nos anos 1950 e 1960 girava em torno das possibilidades de
continuidade da expansão industrial em um contexto de inflação e de crise no balanço de
pagamentos. A manutenção das taxas de acumulação de capital em uma economia com alta
concentração de renda só seria possível com a expansão e diversificação do setor de bens de
consumo duráveis, que demanda vultosos investimentos, e um setor de bens de produção
relativamente desenvolvido. O descompasso entre as necessidades da acumulação e o setor de
bens de produção levou ao colapso da substituição de importações naquele contexto de
modernização restringida, inelasticidade das exportações primárias e desequilíbrio das contas
externas, demandando uma solução de novo tipo. Ela seria encontrada no Plano de Metas de
Juscelino Kubitschek41.

1.4 – 1956-1964: o Plano de Metas, a transição para um novo padrão de acumulação e a


industrialização pesada ou intensiva

O Segundo Governo Vargas e, de um modo geral, a ampliação das bases técnicas da


acumulação durante a industrialização restringida prepararam as condições para a transição
durante o período do Plano de Metas (1956-60). Esse plano materializou um bloco de
investimentos destinado a internalizar o setor de bens de consumo duráveis e o setor de bens de
produção. Para isso, a solução encontrada foi o recurso ao capital estrangeiro sob a forma de
investimentos diretos e a ampliação do volume de gastos estatais no setor de bens de produção,
pré-requisito para a expansão do setor de bens de consumo duráveis. A expansão dos
investimentos diretos estatais foi realizada através do endividamento externo e por via
inflacionária (na ausência de soluções baseadas no sistema tributário) por meio da ação do

41
Cf. Tavares, 1998.
35

recém-criado BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) em 1952. Isso


inaugurou o período de “industrialização intensiva” 42, pois a internalização do setor de bens de
produção torna endógena a capacidade de expansão do sistema industrial43.
Esse bloco de investimentos estrangeiros foi possibilitado, no que diz respeito ao
contexto internacional, pela competição entre empresas transnacionais de diversas procedências
(principalmente estadunidenses, europeias e japonesas) em busca das oportunidades existentes
em um mercado em expansão, com alto grau de proteção externa e subsídios para os gastos em
equipamentos. Internamente, a ação do Estado foi decisiva ao demonstrar capacidade de investir
maciçamente em infraestrutura e nas indústrias de base, o que estimulou o investimento privado
ao lhe oferecer economias externas baratas e gerar demanda. O processo de industrialização
intensiva ou “pesada”44, assim, foi conduzido pelo Estado e pela empresa oligopolista
internacional45.
Desse modo, a transição para um novo padrão de acumulação se deu por meio de um
salto tecnológico e de um salto na capacidade produtiva existente – que não se distribuiu por
vários setores industriais já existentes, mas se concentrou nos setores de material de transporte,
material elétrico e metal-mecânico, que têm grau elevado de complementaridade interindustrial
e que, no padrão de acumulação anterior, tinham pouco peso relativo na estrutura produtiva.
Isso levou a uma diferenciação da estrutura produtiva em todos os planos, o que gerou um efeito
acelerador sobre a renda urbana por meio de nova expansão do nível de emprego. Também
houve um efeito acelerador sobre a capacidade produtiva do setor de bens de capital, o que se
acentuou pelo alto grau de complementaridade tecnológica dos projetos de investimento, com
efeitos em cadeia sobre as demandas inter-setoriais dentro do complexo industrial em expansão.
Assim, entre 1957 e 1961, a produção interna de bens de capital cresceu em média 22% ao ano,
refletindo o nível de gastos governamentais, que, entre gastos de capital do governo e das
empresas públicas, responderam por mais de metade do investimento total da economia nos
anos de 1960 e 196146.

42
Tavares, 1998, p.154.
43
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
44
Mello, 2009, p.97.
45
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
46
Cf. Tavares, 1998. Segundo Tavares (ibid., p.163), “Esse volume de investimentos públicos, concentrado em
energia e transportes, já havia sido o indutor principal da instalação dos principais projetos estrangeiros no setor
de equipamentos pesados, basicamente na indústria naval e nos equipamentos elétricos pesados. [Já em 1962/63],
a instalação da Refinaria Duque de Caxias [...] foi responsável por boa parte da demanda à indústria de
equipamentos e máquinas-ferramenta nacional, que, sem essas encomendas, já teria experimentado antes sua
primeira importante crise de demanda”.
36

O setor de bens de consumo duráveis cresceu, em média, mais de 20% ao ano entre 1957
e 1961, mas esbarrou em problemas na estrutura da demanda que seriam resolvidos apenas a
partir de 1967 com a alta relativa dos salários dos trabalhadores qualificados, geralmente
ligados às transnacionais, e com a política de endividamento das classes médias, o que levaria
a indústria automobilística a assumir a liderança do processo de acumulação juntamente com o
setor de construção, durante o milagre econômico. A estrutura do setor de bens de consumo
não-duráveis, por sua vez, era naturalmente mais concorrencial dada a sua menor intensidade
em capital e suas condições de formação no Brasil, passando por importantes surtos de
crescimento desde o início do século XX e compondo-se predominantemente de capital
nacional. Mesmo isso, no entanto, passaria por alterações a partir da primeira metade da década
de 1960. Quando as taxas de lucro tenderam a cair, as empresas estrangeiras e as nacionais com
mais capital e tecnologia realizaram uma modernização parcial de suas instalações para reduzir
os custos de produção e aumentaram os esforços de venda através da diferenciação de seus
produtos, o que gerou economias de escala. O aumento das taxas de lucro foi seguido pela
destruição de pequenas e médias empresas regionais e de tipo semi-artesanal. Ao mesmo tempo,
em alguns setores, completa-se a desnacionalização, particularmente nas indústrias químico-
farmacêutica, de cosméticos e alimentícia, em que só sobreviveram poucas empresas nacionais
de grande porte, além de pequenas empresas que abasteciam mercados regionais restritos. Essa
desnacionalização não se dá através da competição, o que reduziria as margens de lucro, mas
antes pela compra ou pelo controle do capital47.
Dessa forma, o capital nacional foi obrigado a “aceitar” a entrada do capital estrangeiro
nos novos setores em um contexto de limitação relativa do Estado como empresário. O capital
industrial nacional, entretanto, passou por uma forte expansão no período com a formação de
um “oligopólio diferenciado”48: no setor metal-mecânico, por exemplo, a demanda derivada da
grande empresa estrangeira conduziu ao surgimento, crescimento e modernização da pequena
e média empresa nacional. Esse oligopólio era nucleado pela grande empresa estrangeira e tinha
um efeito sobre toda a cadeia produtiva, com um cordão de pequenas e médias empresas
nacionais assumindo as funções de fornecimento e distribuição49.
Em 1949, apenas duas indústrias – de alimentos e têxtil – eram responsáveis por mais
de 50% do valor da produção total das indústrias de transformação, enquanto nenhum outro
setor era responsável individualmente por mais de 10% desse valor. Em 1958 e em 1961, por

47
Cf. Tavares, 1998.
48
Mello, 2009, p.97.
49
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
37

sua vez, o valor da produção das indústrias de alimentos e têxtil baixou para 36% e 34%,
respectivamente. Por outro lado, houve aumento significativo na participação das indústrias que
puxaram o movimento da industrialização pesada: mecânicas, metalúrgicas, de material
elétrico, de material de transporte e química, cuja participação total no valor de produção passou
de 22% em 1949 para 38% em 1958 e para 41% em 1961, refletindo os resultados do bloco de
investimentos originado no Plano de Metas. As indústrias tradicionais – alimentos, bebidas,
fumo, couros e peles, têxtil, vestuário, madeira, mobiliário e editorial –, por outro lado,
reduziram sua participação no total de 70% em 1949 para 52% em 1958 e 49% em 1961. Isso
não significa que não tenha havido aumento em sua capacidade de produção, mas que se
expandiram em um ritmo muito inferior ao das indústrias mais dinâmicas50.

Quadro 3 - Brasil, Porcentagem da importação sobre o total da


produção na indústria de transformação
(produção total mais importação)
Ramos da indústria de transformação 1949 1958 1961
Metalurgia 22,3 11,7 11,7
Mecânica 63,8 41,5 46,3
Material elétrico e de comunicações 44,8 13,3 16,9
Material de transporte 56,6 30,5 18,6
Química e farmacêutica 29,3 20,0 17,4
Transformação de minerais não-metálicos 10,1 5,1 4,4
Papel e cartolina 9,6 5,3 7,2
Borracha 1,3 6,5 14,7
Madeira 1,0 1,0 0,7
Têxtil 0,2 0,6 0,6
Vestuário, calçados etc. 0,2 - -
Produtos alimentícios 3,8 2,5 2,2
Bebidas 2,4 2,6 2,6
Fumo 0,4 -

}
Editorial e gráfica 2,2 3,0
Mobiliário 0,3 -
1,0
Couros e peles 3,0 0,7
Total 15,6 11,3 9,7
Fonte: Tavares, 1976.
O Quadro 3 fornece um panorama dinâmico das alterações na composição das
importações para a indústria de transformação. Fica clara a substituição de importações nos
setores pesados, indicando alguma internalização do setor de bens de produção ao longo da

50
Cf. Tavares, 1976.
38

década de 1950. Mais especificamente, o Plano de Metas (1956-61) conduziu à queda relativa
das importações nos setores de material de transporte e de química e farmacêutica, enquanto o
leve aumento relativo das importações nos setores de mecânica e de material elétrico e de
comunicações são resultado principalmente da rápida instalação e expansão das indústrias
automotivas, bem como dos investimentos em infraestrutura por parte do Estado para permitir
o aumento da capacidade produtiva global da indústria. A considerável queda na importância
relativa das importações para a indústria de transformação como um todo corrobora a tese da
internalização do setor de bens de produção.
A relação salários/produtividade, na primeira fase da industrialização pesada, declinou
continuamente em todos os setores industriais. Não há, portanto, uma situação de
competitividade de preços, mas sim de competitividade no mercado de trabalho 51. Esse é o
padrão de “subdesenvolvimento industrializado”52 enunciado por Bresser Pereira: um
desenvolvimento “contraditório, desequilibrado, excludente, mas dinâmico [...]. O
subdesenvolvimento, neste caso, não se define pelo baixo desenvolvimento das forças
produtivas, mas [...] pelos profundos desequilíbrios que dividem a economia e a sociedade”53.
A burguesia e a tecnoburocracia tinham altos níveis de consumo em contraste com o nível de
consumo extremamente baixo da massa de trabalhadores, enquanto se destaca um setor
produtivo monopolista dominado pelas grandes empresas e pelo Estado empresário com
tecnologia altamente sofisticada e mercados oligopolizados, ao passo que as áreas tradicionais
e marginais da população se situam em um setor competitivo de pequenas e médias empresas54.
Além do acirramento dos conflitos sociais a que esse padrão de acumulação conduziu,
que foram sentidos particularmente no governo João Goulart, esse quadro leva também a uma
crise econômica de superacumulação e subutilização da capacidade instalada 55:
O aumento da produtividade conjunta do capital e do trabalho não se transfere
de forma proporcional nem aos preços, nem aos salários, ou seja, está-se no
marco de uma economia oligopólica que não é em geral competitiva em
preços, mas em que o mercado de trabalho é fortemente competitivo, exceto
para pequenos setores de mão-de-obra qualificada. Os problemas da tendência
à sobreacumulação das grandes empresas são, pois, muito mais dramáticos do
que nas economias maduras.56
A oligopolização dos setores dinâmicos da economia, um dos fatores de desequilíbrio
estrutural na primeira fase da industrialização pesada e, simultaneamente, consequência do

51
Cf. Tavares, 1998; Mello, 2009.
52
Pereira, 1998, p.71.
53
Id., Ibid., p.71.
54
Id., Ibid.
55
Cf. Rangel, 2012 [1963].
56
Tavares, 1998, p.178.
39

próprio processo, é evidente nos dados relativos ao estado de São Paulo disponíveis no Quadro
4. Em todos os setores considerados, a fatia da produção que cabia às três maiores empresas de
cada setor correspondia a pelo menos três quartos do total.

Quadro 4 - Concentração industrial no estado de São Paulo em


setores selecionados, 1963
Parcela da produção
Ramos de atividade Número de empresas que cabe às três maiores
empresas (%)
Estruturas metálicas 8 78
Ferramentas agrícolas 9 97
Arados 17 76
Motores elétricos 9 86
Geladeiras 8 91
Máquina de lavar 6 82
Balanças 19 74
Elevadores 6 99
Fonte: Tavares, 1976.

Os sinais de esgotamento da primeira fase da industrialização intensiva, então, começam


a se mostrar sob a forma de uma crise de superacumulação de capital e baixo nível de
investimentos devido à estrutura da demanda, além de alta inflacionária (Gráfico 4) e do
endividamento externo, cujo agravamento se deu claramente a partir do Plano de Metas em
1956 e se manteve alto dali em diante57.
A interrupção da tendência ascendente da taxa de investimentos a partir da primeira
metade da década de 1960 acompanha a crise de acumulação. Também ocorre queda na taxa de
crescimento do PIB (ver Gráficos 4 e 5). Com isso, a crise de acumulação de meados da década
de 1960 demandaria um novo salto qualitativo, que se daria apenas com o rearranjo político da
sociedade brasileira a partir do Golpe de 1964 e, mais especificamente, com a política
econômica adotada desde então e que começa a mostrar resultados em 1967/68 58.

57
Cf. Giambiagi et.al. (org.), 2011, anexo estatístico.
58
Cf. Mello, 2009.
40

Gráfico 4 - Índice de inflação e Crescimento do PIB (1956-1964), %


100

90 92,1

80 79,9
70

60

50 51,6
%

47,8
40 39,4
30 30,5
24,5 24,4
20

10 7 10,8
7,7 9,8 9,4 8,6 6,6
2,9 3,4
0 0,6
1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964

IGP (dez./dez.) Crescimento do PIB

Gráfico 4. Fonte: Giambiagi et.al. (org.), 2011, anexo estatístico

Gráfico 5 - Brasil, Crescimento do PIB e Taxa de investimento (1930-64), %


25,0

20,0

15,0

10,0
%

5,0

0,0
1940

1943

1946

1962
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939

1941
1942

1944
1945

1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961

1963
1964
-5,0

Crescimento do PIB Taxa de investimento

Gráfico 5. Fonte: Giambiagi et.al. (org.), 2011, anexo estatístico; IPEAdata.


41

1.5 – O Estado brasileiro: centralização política, modernização institucional e os caminhos


do desenvolvimento

Neste ínterim, como se desenvolveu a materialidade do Estado brasileiro? Que relações


institucionais estabeleceu com o capital nacional e, ainda mais fundamentalmente, com o capital
estrangeiro?
Essa transformação passa, a partir de 1930, pela centralização dos comandos políticos e
a descentralização e modernização administrativa. As decisões políticas mais importantes
passam primordialmente para as mãos do governo federal por meio da estrutura institucional e
do pacto político que se desenha. O aperfeiçoamento da burocracia interna introduz uma nova
racionalidade no processo de expansão e centralização do Estado. O Conselho Federal do
Serviço Público Civil foi criado em 1936 e substituído pelo Departamento Administrativo do
Serviço Público, o DASP, em 1938, cuja razão de ser era a definição, racionalização e controle
da carreira do funcionalismo público e a organização da estrutura administrativa. Os
“daspinhos”, suas versões regionais, juntamente com os interventores e o Ministério da Justiça,
cumpriram o papel de expansão regional do poder centralizado 59.
Paralelamente, foram estruturados órgãos responsáveis pela instauração de políticas
com maior grau de generalidade e expressas como políticas de Estado para toda a nação. De
início, esse esforço compreendeu a regulação e o controle do câmbio; do comércio exterior; do
dinheiro e do crédito; e dos seguros: o impacto da Crise de 1929 acelerou a centralização das
operações cambiais, o controle mais estrito do câmbio e o significativo alargamento das
operações creditícias governamentais, destinadas ao suporte à economia cafeeira e a outros
setores agroexportadores, mas com o simultâneo aumento contínuo do crédito corrente dirigido
à indústria de transformação. O Banco do Brasil (BB) ofereceu suporte decisivo a este processo
e cumpriu, na prática, as funções de um banco central, de um banco de fomento e de agente
fiscal, mesmo após a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito, SUMOC, em 1945.
A criação da Carteira de Exportação e Importação do BB, a Cexim, em 1941, proveu controle
mais centralizado do comércio exterior pelo Estado e atuou no sentido de estimular as
exportações e controlar as importações. Para regular e controlar as operações dos seguros
privados, foi criado o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização em 193460.

59
Cf. Draibe, 1985.
60
Cf. Id., Ibid.
42

Foram também estruturados órgãos destinados à elaboração e implementação de


políticas de regulação e fomento de ramos de produção e comercialização específicos,
particularmente de alguns ramos agroindustriais, como é o caso do Departamento Nacional do
Café (1933) e o Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool (1933) – os dois mais importantes
por conta do pacto social que se estava construindo –, além de institutos de expressão regional,
como o Instituto Nacional do Mate (1938), o Instituto Nacional do Pinho (1941), o Instituto
Nacional do Sal (1941) e o Instituto do Cacau da Bahia (1931). Os recursos naturais também
assumem caráter estratégico e demandam a regulação e o controle estatais, o que se desdobrou
inicialmente na criação do Departamento Nacional da Produção Mineral (1934) e
posteriormente em vários conselhos, como o Conselho Nacional do Petróleo (1938), o Conselho
de Águas e Energia Elétrica (1939) e o Conselho Nacional de Minas e Metalurgia (1940). Na
área industrial, foram criadas comissões para oferecer diretrizes de política para o avanço
setorial, sobretudo no Estado Novo, tais como a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico
Nacional (1940), a Comissão Executiva Têxtil (1942), a Comissão Nacional de Combustíveis
e Lubrificantes (1941), a Comissão Nacional de Ferrovias (1941), a Comissão Vale do Rio
Doce (1942) e a Comissão da Indústria de Material Elétrico (1944). O grau e a profundidade da
regulação estatal variavam de acordo com o ramo em questão, podendo ir da regulação pontual
ao completo financiamento da produção e regulação do mercado. Realizou-se, também, a
atualização da legislação obsoleta ou incipiente através da elaboração de códigos e
regulamentações de serviços de utilidade pública de grande importância econômica,
particularmente daqueles sensíveis às questões do desenvolvimento econômico e da segurança
nacional, como o Código de Águas (1934), o Código de Minas (1937) e o Código da
Propriedade Industrial (1945). Todas essas entidades inscrevem e corporificam, na estrutura
do Estado, a regulação da acumulação capitalista nos seus setores de atuação. No interior desses
aparelhos, assim, os interesses particulares se defrontarão sob o arbítrio do governo federal61.
Ao lado e acima desses organismos executivos e diretivos de políticas gerais ou
setoriais, estruturam-se órgãos de caráter consultivo, normativo ou deliberativo que assumem a
função de formular políticas referentes a grandes áreas de atividade econômica e a esferas
abrangentes da atividade estatal. São comissões e conselhos de caráter intra e inter-ministerial,
como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE, 1934), cujo objetivo era a coordenação
das medidas de fomento da economia – órgão que adquiriu o estatuto de órgão consultivo geral
da Presidência da República em 1937, com o Estado Novo; o Conselho Técnico de Economia

61
Cf. Draibe, 1985.
43

e Finanças (CTEF, 1937), responsável pela realização de levantamentos estatísticos e estudos;


o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1931), que logrou estatizar a luta de classes;
enfim, a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, coroou toda a legislação criada para a
conformação de um sistema corporativista de organização das relações de trabalho. A Comissão
de Financiamento da Produção, de 1943, também foi relevante nesse sentido ao fomentar os
investimentos agrícolas por meio da articulação entre produtores e agências oficiais ou privadas
para financiamentos com garantia de preços mínimos62.
Segundo argumenta Sônia Draibe, esse desenvolvimento da máquina estatal entre 1930
e 1945 forneceu as bases para que o Estado pudesse se exprimir como poder unificado “sobre
uma dada estrutura social e estabelecendo o âmbito econômico da nação”63. A correlação de
forças sobre a qual se estrutura o Estado brasileiro nesse período delimitou sua base social e
política de atuação. Ele realizou, de certa forma, a síntese de variados interesses sociais e se
erigiu acima deles com alguma autonomia, em uma espécie de somatória de elementos, pressões
e conflitos que teria de contemplar. Importa compreender que essa foi a base sobre a qual foi
possível o avanço da industrialização em um quadro geral de definição da autonomia nacional 64.
Entre 1930 e 1945, se o Estado se engajou no movimento de industrialização restringida,
isso foi acompanhado pela “tentativa de definir o processo e tomar a iniciativa da instalação
das indústrias de base no país”65. Os incentivos ao setor industrial confirmaram o papel
dinâmico da indústria na economia nacional: com o crescimento industrial e as mudanças na
estrutura produtiva, o setor leve de bens de produção assume a dianteira do processo de
acumulação capitalista no Brasil. Por volta de 1938, já havia consenso entre Vargas, seus
auxiliares e alguns órgãos técnicos em torno da imprescindibilidade das indústrias de base e da
orientação do comércio exterior no sentido de trocar alimentos por máquinas que fabricassem
máquinas. Além disso, embora as Forças Armadas não tenham tido qualquer projeto de
industrialização pesada até a Segunda Guerra Mundial, houve a imbricação dos projetos

62
Cf. Draibe, 1985.
63
Id., Ibid., p.94. Em contraste com os Estados europeus, segundo a autora, “em 1934, tratava-se de delimitar em
relação a recursos estratégicos passíveis de exploração industrial (e, portanto, intimamente vinculados ao
desenvolvimento econômico e à defesa nacional) a competência dos poderes público e privado, equacionando a
questão nacional nos seus termos contemporâneos, isto é, os da relação entre os capitais nacionais e estrangeiros”
(p.95-6). Ainda segundo a autora, a propriedade dos “recursos estratégicos passíveis de exploração industrial foi
o ponto de partida para a presença do Estado-empresário nessas áreas fundamentais para o desenvolvimento
econômico” (p.96).
64
Id., Ibid., p.100: “O formato e a dinâmica do aparelho econômico do Estado expressarão aquele projeto assim
como revelarão os limites impostos à autonomia do Estado por sua ‘substância social’”.
65
Id., Ibid., p.100.
44

industrializante e de defesa nacional (sua prática institucional, portanto, não representou


obstáculo à industrialização)66.
As tentativas de constituição de um órgão coordenador central e a planificação dos
gastos estatais permitiram superar parcialmente os obstáculos ao projeto industrializante
nacionalista. O DASP buscou a ordenação das prioridades dos gastos públicos e vinculou
elaboração orçamentária e planejamento econômico (a clara intenção industrializante do
Estado já aparece no plano quinquenal lançado pelo DASP em 1939; a industrialização se
apresenta, no plano, como meio para atingir o fortalecimento e a independência econômicos,
assim como a defesa da soberania nacional). No entanto, os planos do DASP se restringiam à
orientação dos investimentos públicos, sem a proposição de medidas para a canalização dos
recursos privados. Faltavam também, além disso, instrumentos de ordem fiscal e financeira que
garantissem um efetivo suporte financeiro aos planos econômicos67.
O DASP apontava para a necessidade de um órgão central de administração e controle
sob a administração federal. Em meio a tentativas de instituir um órgão semelhante, essa
intenção foi continuamente frustrada até o período de contingências da Segunda Guerra
Mundial. Ainda assim, nem mesmo a Comissão de Mobilização Econômica, criada em 1942
para concentrar os esforços requeridos pelo conturbado momento de guerra, pôde cumprir as
funções de planificação global da economia brasileira e coordenação do desenvolvimento
econômico, tanto por seus propósitos quanto por sua ação efetiva. O caso do Conselho Nacional
de Política Industrial e Comercial, CNPIC, cuja criação foi decretada em dezembro de 1943 por
Getúlio Vargas, foi diferente. Subordinado ao Ministério do Trabalho, obteve a finalidade de
estabelecer os princípios norteadores do desenvolvimento industrial e comercial do Brasil no
pós-guerra; o órgão, que deveria enfrentar a questão do aparato institucional que sustentaria as
atividades do planejamento econômico, era composto por representantes de vários ministérios,
das associações da indústria e do comércio, de setores da burocracia econômica, de técnicos e
especialistas em diferentes atividades68. O conselho debateu duas propostas de
institucionalização da planificação econômica: uma de Roberto Simonsen, representante dos
industriais, que defendia a transformação do próprio CNPIC no órgão máximo de planejamento,
subordinado à Presidência da República; e a outra foi da Seção Técnica do CNPIC, atribuída

66
Cf. Draibe, 1985.
67
Cf. Id., Ibid. A elaboração orçamentária por parte do DASP, aliás, suscitou a questão da neutralidade do
planejamento. Os funcionários do órgão insistiam que a elaboração do orçamento não imporia conteúdo e direção
de política econômica ao plano; o DASP seria apenas um instrumento da política econômica, fiscal e administrativa
do governo federal, em vez de determiná-la.
68
Cf. BRASIL. DECRETO-LEI N. 5.982 – DE 10 DE DEZEMBRO DE 1943. Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=5858>. Acesso em 16 jun. 2016.
45

ao economista baiano Rômulo Almeida, que defendia a formação de um Conselho Nacional.


As propostas eram muito próximas, e o projeto final fundiu as duas possibilidades após acordo
a respeito da composição do órgão de planejamento. Esse projeto foi remetido à Comissão de
Planejamento Econômico (CPE), criada em 1944, órgão subordinado ao Conselho de Segurança
Nacional. A CPE tinha a finalidade de realizar estudos gerais sobre a economia brasileira e, em
especial, estudos de interesse militar. Tendo como referência a Comissão de Mobilização
Econômica, extinta após a Segunda Guerra, a CPE recebeu as atribuições de conceber o
planejamento econômico e a estrutura institucional que o executaria69.
A CPE não aprovou o projeto do CNPIC de criação do órgão de planejamento central.
O seu debate, na verdade, suscitou um dos mais importantes embates econômicos da história
brasileira: a Controvérsia do Planejamento entre Roberto Simonsen, membro do CNPIC, e
Eugênio Gudin, membro da CPE. O embate girou em torno da validade e do conteúdo do
planejamento econômico, assim como de sua institucionalização, e representou um autêntico
enfrentamento entre o projeto de desenvolvimento econômico nacionalista da aliança composta
por alguns setores da burguesia e o posicionamento liberal, que aceitava os desígnios do livre-
mercado. O debate será tratado no capítulo 2 desta pesquisa. Draibe defende que o fato de as
duas comissões terem sido simultâneas, e de que o projeto tenha sido reprovado pela CPE,
demonstra a relativa fragilidade do Estado em meio à conjugação dinâmica de forças políticas70.
Essa controvérsia, assim como a criação vacilante de instituições responsáveis pelo
planejamento e coordenação globais da atividade econômica, demonstra que havia importantes
divisões internas na burocracia e nos quadros políticos do governo; mas elas não se resumiram
a industrialistas versus anti-industrialistas ou intervencionistas versus liberais. Não houve um
alinhamento claro em torno das novas questões colocadas pela industrialização: “mesmo no
interior da ‘nova’ burocracia, ou no seio dos militares empenhados no desenvolvimento
econômico como condição da segurança e defesa nacionais, as divergências não deixavam de
ser importantes em relação a problemas como o financiamento, o papel da empresa pública ou
do capital estrangeiro etc.”71. Mesmo assim, no interior da ossatura material que se conforma
após 1930 e particularmente a partir do Estado Novo, os burocratas e os dirigentes estatais
exerceram ação mediadora e arbitral com relação à questão do planejamento econômico e às
divergências entre setores sociais. Essa atividade era dotada de grande autonomia e

69
Cf. Draibe, 1985.
70
Cf. Id., Ibid.
71
Cf. Id., Ibid., 117.
46

possibilitava o estabelecimento da direção política por parte do Estado, com sentido e conteúdo
determinados, irredutíveis às forças e interesses em luta. Nesse contexto, o presidente assume
papel primordial na definição do plano político72.
O projeto de industrialização pesada, assim, ganha seus primeiros contornos na década
de 1930 e adquire perfil mais nítido durante o Estado Novo. Um conjunto de investimentos em
infraestrutura e nas indústrias de base requeria, agora, mais do que órgãos de planejamento e
controle. Isso foi parcialmente contornado, na prática, pelo Estado, através do estabelecimento
de prioridades de investimento e da elevação da capacidade e eficiência da burocracia
econômica, o que produziu resultados “satisfatórios”73 no equacionamento das questões
relativas à industrialização e na formulação dos planos econômicos. Ainda maiores que os
problemas relativos aos projetos nacionais ou às condições para seu avanço, no entanto, eram
aqueles relativos à natureza da atuação do Estado e à questão do financiamento da
industrialização. Até esse momento, da criação da CEXIM à SUMOC, em 1945, o controle
estatal foi exercido através de regulações mais abrangentes para o comércio exterior, o controle
do crédito e do fluxo de moeda74.
O projeto industrializante do Estado dependia da sustentação da rápida expansão
industrial e, simultaneamente, do encontro de soluções técnicas e financeiras para a implantação
do setor de bens de produção, extrapolando a questão meramente fiscal. As opções eleitas pelo
governo foram o empréstimo externo e a empresa pública “para enfrentar o volume fantástico
de capital requerido e as condições da tecnologia internacionalmente monopolizada” 75.
A ausência de um sistema de crédito adequado levou à consciência da necessidade de
criação de um banco de investimentos, explicitada por meio de propostas de variados setores.
Em 1937, foi criada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, responsável

72
Cf. Draibe, 1985. A autora (id., p.118) não deixa dúvidas de que um projeto nacionalista de desenvolvimento
econômico em torno do governo federal se consolidou no Estado Novo: “No caso em que nos interessa, conteúdos
como a industrialização, o planejamento, a intervenção econômica profunda do Estado ou a empresa pública como
alternativa de financiamento do projeto de instalação das indústrias de base ganhavam definição e corpo no
‘programa político-econômico’ definido ao nível da Presidência, durante o Estado Novo. É claro que o núcleo
político do Estado, embora autoritário e dispondo de autonomia para a elaboração e exercício de sua direção,
esbarrava intermitentemente nos limites intransponíveis estabelecidos pelo equilíbrio instável de suas forças de
sustentação. Uma das últimas medidas do governo ditatorial prova que os rumos traçados a partir da Presidência
contemplavam, efetivamente, a intenção de criar um órgão geral de coordenação e planificação. Em fevereiro de
1945, tendo em vista as resistências explícitas que a questão de planificação despertava, e na seqüência das
frustradas tentativas de contorná-las, buscou-se mudar o formato previsto pela Carta de 1937 para o Conselho da
Economia Nacional, ‘limpando-o’ de seus conteúdos corporativos e adaptando-se às condições políticas do
processo de democratização em curso”.
73
Cf. Id., Ibid., p.119.
74
Cf. Id., Ibid..
75
Id., Ibid, p.122.
47

pela realização de empréstimos para a aquisição de matérias-primas ou para a melhoria de


equipamentos; no mesmo ano, Roberto Simonsen propôs a alteração da lei de debêntures, de
forma a permitir a criação de bancos industriais. Já se discutia, também, a utilização dos fundos
de previdência. Em 1942, Getúlio Vargas determinou ao DASP o estudo do problema da criação
de uma instituição financeira, mas descartou a criação de novos impostos para sua
capitalização76. Esses elementos demonstram o modo como a industrialização brasileira foi
fundamentalmente determinada por seu momento de constituição e, consequentemente, pela
estrutura econômica, política e social sobre a qual ela se baseou.
Em 1943, os possíveis caminhos de desenvolvimento nacional estavam claros. Um
grupo de empresários propôs, no CFCE, a criação de um banco de investimentos de caráter
privado para financiar indústrias de base no país sob a condição de alteração das leis de
sociedade anônima e garantia de mercado e preços remuneradores às novas indústrias. Diante
de algumas lacunas como a determinação da procedência dos capitais do fundo, se nacionais
ou estrangeiros, a discriminação dos setores industriais prioritários e a maneira pela qual as
empresas financiadas seriam administradas, o DASP, por sua vez, replicou que o governo
federal preferia a solução da empresa estatal ou de economia mista77: “Os setores do ferro e do
aço, de energia elétrica, de química pesada e de produção de motores foram progressivamente
equacionados de forma que a empresa pública ou de economia mista nucleasse os investimentos
iniciais básicos”78, e já em 1941 foi criada a Companhia Siderúrgica Nacional, CSN; em 1942,
a Companhia Vale do Rio Doce; em 1943, a Companhia Nacional de Álcalis e a Fábrica
Nacional de Motores; em 1945, a Companhia Hidrelétrica de São Francisco 79.
Para esse caminho de desenvolvimento, então, era necessário um grande volume de
capital para os investimentos e de divisas para cobrir as inevitáveis demandas de importação.
Assim, além da reforma tributária – nunca levada completamente a cabo sob o governo Vargas,
apesar de suas várias tentativas nesse sentido – e do estabelecimento da vinculação
orçamentária, buscaram-se negociações de empréstimos externos80. Para a burguesia industrial

76
Cf. Draibe, 1985.
77
Cf. Id., Ibid., p.124-5. O DASP afirmou literalmente que “a solução preferida pelo governo para a constituição
dos capitais e da direção das empresas que se destinem aos setores industriais básicos é a da empresa estatal ou de
economia mista”.
78
Id., Ibid., p.125.
79
Cf. Id., Ibid.
80
Cf. Id., Ibid. O caso da CSN é elucidativo a esse respeito. Getúlio Vargas se utilizou habilmente do contexto da
Segunda Guerra Mundial para financiar a indústria siderúrgica com capital público estadunidense (do Eximbank).
A siderurgia foi implementada diretamente pelo Estado, que acertou o pagamento do empréstimo através das
exportações de minério de ferro. Cf. Id., Ibid.
48

brasileira, que não possuía a capacidade de centralização e mobilização de capitais requeridos


pela industrialização pesada, a tarefa assumida pelo Estado gerava dois inconvenientes: em
primeiro lugar, o aumento do preço das importações; em segundo, a absorção de divisas
necessárias para seu próprio processo de acumulação. Sua limitação fica mesmo evidente,
sugere Sônia Draibe, “na forma sempre indefinível de conceber a ‘ação supletiva’ que haveria
de assumir o Estado”81. Assim, a substituição fácil de importações não pôde mais ser o motor
da industrialização brasileira a partir de meados da década de 1950, e a capacidade produtiva
teria de crescer à frente da demanda através do desenvolvimento de um setor de bens de
produção82.
A diferença fundamental entre o Estado brasileiro pré-30 e o pós-30, assim, repousa na
maior efetividade de suas características nacionais e unificadoras, que foram inscritas na própria
materialidade do organismo estatal – sua estrutura burocrático-administrativa – e permitiram a
condução e o planejamento de um projeto econômico para o país. Seu intervencionismo, no
entanto, foi limitado por conta de suas escassas bases fiscais e tributárias e se circunscreveu às
tarefas de política econômica e ao fornecimento das bases para a expansão do capital privado
possibilitada pela empresa pública financiada por capital estrangeiro. Portanto, até os anos
1950, os controles e a regulação estatais eram fragmentados, pontuais e compartimentados –
inclusive com controles múltiplos sobre uma mesma área, como foi o caso da CEXIM e da
SUMOC em relação à utilização das divisas, sem a discriminação formal de atribuições ou
hierarquização de competências. Entretanto, a tarefa da industrialização pesada demandaria
muito mais que isso: externamente, exigia a definição das condições de negociação com o
imperialismo e, em particular, com as empresas transnacionais; e, internamente, o manejo de
um bloco adequado de incentivos para afetar discriminadamente a taxa de lucro, possibilitado
pela articulação com o setor privado por setores e por empresas83.
A criação de órgãos centrais de coordenação e planejamento, portanto, não se efetivou
nem mesmo quando se ensaiou um projeto de industrialização pesada durante o Estado Novo.
Através dos avanços e recuos até a década de 1950, o Plano de Metas seria o primeiro a dar os
passos que não haviam sido possíveis anteriormente. A natureza e a intensidade da intervenção
demandariam o rompimento com as formas limitadas do arsenal econômico estatal.

81
Draibe, 1985, p.127.
82
Cf. Pereira, 1998; Mello, 2009; Tavares, 1976.
83
Cf. Draibe, 1985.
49

Demandaria, também, um novo pacto político, pois as limitações eram parte de sua própria base
de sustentação84.
Até então, os processos decisórios ganharam consistência por meio da rede de
funcionários que se constituiu no interior do aparelho estatal nos diferentes conselhos e
comissões com poder decisório em áreas estratégicas, como o BB e suas distintas carteiras e as
diretorias das empresas estatais. Os fundos vinculados serviram para a canalização de recursos
tributários, mas reforçavam o caráter parcial dos planos e impediam a redistribuição dos
recursos por meio de uma pauta geral e flexível 85.
Desse modo, ficam claros os delineamentos que se desenham ao longo das décadas de
1930 e 1940. A Grã-Bretanha não figurava mais como o principal concorrente estadunidense
pelos investimentos produtivos no Brasil, mas sim outros países da Europa Ocidental,
particularmente a Alemanha, e o Japão. As corporações transnacionais que se estruturaram
nesses novos locais privilegiados de acumulação tiveram um efeito cascata sobre os
investimentos das corporações transnacionais do mundo todo: cada uma delas, ao avaliar os
riscos e as oportunidades do investimento de capital na indústria brasileira, confrontava-se com
a possibilidade de grandes corporações de outros países tomarem o mercado em expansão, ao
mesmo tempo em que se deparavam com a possibilidade de perder o capital investido por
diferentes razões – gargalos infraestruturais, deterioração das relações de câmbio ou mesmo
instabilidade política etc.86
Isso trouxe a novidade, para o Brasil, de não mais lidar diretamente com uma única
potência hegemônica atuando no país, mas, cada vez mais, com transnacionais de diferentes
procedências, o que abriu as portas para ajustamentos institucionais e forneceu alguma margem
de manobra ao governo brasileiro:
Em suma, enquanto as multinacionais podem obviamente contar com suporte
político de seus países de origem, o suporte é provavelmente limitado. O
enfraquecimento das relações entre as multinacionais e seus Estados de
origem brota tanto de seu envolvimento crescente na organização interna da
economia brasileira como da competição crescente entre investidores de
diferentes origens estrangeiras. Uma vez que as multinacionais não se sentem
mais abrigadas seguramente pelo guarda-chuva do controle político exercido
por seus Estados de origem, ter aliados locais se torna uma necessidade. A
internalização de suas próprias operações produtivas no interior da economia
brasileira tornou ainda mais essenciais as alianças locais. A criação de
alianças, no entanto, também requer a existência de elites locais que possuem

84
Cf. Draibe, 1985.
85
Cf. Id., Ibid.
86
Cf. Evans, 1979.
50

um interesse na acumulação capitalista além de poder político e econômico


suficientes para que se tornem interessantes como aliadas.87
O Estado brasileiro, assim, por um lado, investiu na formação de grandes empresas
estatais que levariam adiante aquilo que o capital estrangeiro relutava em fazer e o capital
privado nacional não era capaz de fazer, pelo menos sem o suporte do capital estrangeiro. Por
outro lado, o Estado utilizou seu maior poder de barganha para buscar a autonomia nacional
que não conseguiria sem o capital acumulado nos países centrais do capitalismo, como ficou
claro no caso da CSN.
Nos anos 1950, em paralelo com a criação da Petrobrás, também foi criado o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), cujo estabelecimento havia sido
recomendado pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos:
Através do BNDE, o governo federal se tornou o acionista majoritário nas
novas “companhias mistas” de aço formadas nos anos cinquenta, Usiminas e
Cosipa. A Petrobrás e a CSN abriram a possibilidade do Estado operar como
um empreendedor industrial, o BNDE lhe deu a chance de operar como um
financiador.88
A intervenção estatal na economia, então, passou a se fortalecer: os investimentos
estatais em capital fixo saltaram de 25% entre 1953-56 para aproximadamente 37% em 1957,
chegando a 48% no fim da década.

1.6 – Síntese do processo

A economia brasileira engata em um processo de industrialização no início da década


de 1930 em decorrência de uma série de fatores coincidentes: a prévia existência de um setor
industrial que emergiu dos surtos principalmente a partir do início do século XX; a existência
de um mercado interno urbano que, se não era relevante em termos relativos, era significativo
em termos absolutos; as restrições externas que decorreram da Grande Depressão, fazendo
despencar os preços dos produtos primários e decolar os preços das importações; e a
manutenção da rentabilidade do setor agrário-exportador através da política da compra para
queima dos estoques por parte do governo federal. Os lucros do café, grosso modo,
direcionaram-se à produção para o mercado interno, sobretudo no setor de bens de consumo
não-duráveis. O próprio processo levou a novas necessidades de substituições, o que foi
acentuado pelo fechamento da economia mundial durante a Segunda Guerra Mundial. As
importações supérfluas foram reduzidas ao mínimo através de políticas federais, mas o setor de

87
Evans, 1979, p.83, tradução nossa.
88
Id., Ibid., p.92, tradução nossa.
51

bens de produção ainda não havia sido internalizado, o que fazia com que o sentido da
industrialização brasileira ainda se encontrasse fora do país, dependente que era das máquinas
e equipamentos estrangeiros.
A alta concentração de renda demandava a diversificação do setor de bens de consumo
duráveis, que, por sua vez, necessitava da expansão do setor de bens de produção. A
internalização desses dois setores, portanto, fazia-se necessária para que se mantivessem as
taxas de acumulação no setor industrial. Isso não seria possível sem investimentos de grande
porte, que, por mais que fossem baseados no desenvolvimento anterior, não poderiam se dar de
forma gradual e sem um salto qualitativo devido à estrutura da demanda e ao contexto
internacional de monopolização da tecnologia e de capitais por grandes empresas que já haviam
adquirido caráter oligopólico. O salto qualitativo se traduziu em um bloco de investimentos
materializado pelo Plano de Metas, baseado no investimento direto do capital estrangeiro e nos
investimentos estatais nas indústrias de base. O padrão de desenvolvimento que se inaugurou
aí exacerbou a concentração de renda na economia e levou à oligopolização dos mercados
dinâmicos na economia brasileira, dado o alto nível de investimentos requerido por essa fase
da industrialização e a proteção contra as importações. Os salários se descolaram cada vez mais
da produtividade. Com a estrutura oligopólica dos mercados, então, não houve deflação de
preços e salários, mas, ao contrário, a inflação se acentuou simultaneamente ao aumento das
margens de lucro, o que não se traduziu em investimentos produtivos porque a capacidade
instalada já era superior às necessidades da demanda. O setor público, por sua vez, financiava
seus investimentos por via inflacionária e através de empréstimos externos, o que levou a uma
situação insuportável em um contexto de restritas bases fiscais e tributárias. Houve, então, uma
crise de superacumulação no setor oligopolizado, dominado pelas grandes empresas
estrangeiras, e um déficit crescente no setor público, acompanhados por inflação e, assim, queda
na participação dos salários reais. Esses graves desequilíbrios estruturais conduziram às crises
econômica e política que assolaram o país na primeira metade da década de 1960, demandando
um novo salto qualitativo.
O avanço econômico que ocorreu entre as décadas de 1930 e 1960 não pode ser
destacado da estrutura administrativa centralizada que lhe deu suporte. Ela promoveu a
expansão do capital privado e criou espaço para as empresas transnacionais. Nos anos 1960, o
padrão de interação seguido até então chega a um processo de exaustão, ou seja, não há uma
estrutura capaz de gerir os novos investimentos transnacionais. O sistema econômico adquire
automatismo, e o Estado não tem capacidade de atuar sobre ele. Neste contexto, acirram-se os
debates sobre os rumos do desenvolvimento, cujo desfecho se delineia no início da década de
52

1960. A seção seguinte fornecerá o tom desses debates para que possamos compreender o
posicionamento de Delfim Netto e suas implicações, que veremos no capítulo 3.
53

Capítulo 2 – A nova realidade econômica brasileira e seus intelectuais

A paulatina evolução das forças produtivas no Brasil, as alterações nas relações externas
e as transformações na forma do Estado brasileiro, as quais vimos no capítulo anterior, foram
solo fértil para o surgimento de intelectuais que analisaram a realidade brasileira com o objetivo
de fornecer diretrizes claras de desenvolvimento econômico e social. Isso ocorreu naquele
momento específico por uma série de razões, dentre as quais a crescente preocupação acerca
do planejamento nos países centrais, assim como a percepção cada vez mais aceita de que a
história dos países desenvolvidos não se repetiria no Brasil, exigindo um tipo diferente de ação
estatal.
Nesta seção, faremos a exposição de alguns dos autores que mais marcaram o
pensamento econômico brasileiro entre as décadas de 1930 e 1960. Via de regra, apesar de sua
formação eclética – economia, direito, engenharia ou história –, todos tratam da problemática
do desenvolvimento brasileiro e da industrialização. Sua formação e sua atividade intelectual e
prática naturalmente se refletem nos diferentes caminhos teóricos que trilham. O objetivo aqui
é sistematizar alguns elementos de seu pensamento com o propósito final de situar, em capítulos
seguintes, o posicionamento de Delfim Netto sobre este debate, que muitas vezes não é
explícito. Não é simples a tarefa de extrair as concepções fundamentais desses autores de forma
que o todo adquira algum grau de coesão – e buscamos manter as análises dentro dos marcos
em que os escritos nos autorizam transitar. Não poderia ser diferente quando se trata de cotejar
Roberto Simonsen, Eugênio Gudin, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Roberto Campos. Na
medida do possível, portanto, a exposição abaixo servirá como arrimo e referência para o que
virá em seguida. Nesse sentido, priorizamos as obras de até meados da década de 1960, quando
Delfim Netto também está produzindo.
Após uma breve introdução relativa à institucionalização da ciência econômica no
Brasil, situaremos os autores em diferentes correntes teóricas – associadas a diferentes
atividades práticas dentro e fora de organismos estatais e instituições acadêmicas – com auxílio
das análises consagradas de Ricardo Bielschowsky, Lourdes Sola e Maria Rita Loureiro. Em
seguida, passaremos à exposição dos textos mais representativos relativos aos temas
desenvolvimento e industrialização dos cinco autores supracitados no período que nos interessa
– as décadas de 1930 a 1960. Para a exposição do pensamento de Roberto Simonsen, utilizamos
54

tanto a Controvérsia89, travada em meados dá década de 1940, quanto a coleção de textos


publicados no livro Evolução Industrial do Brasil e Outros Estudos 90, organizado por Edgard
Carone, que reúne textos das décadas de 1930 e 1940. Para Eugênio Gudin, utilizamos
igualmente a Controvérsia. Em seguida, a exposição de Caio Prado Júnior se baseia em um
texto que sintetiza suas posições: sua tese de livre-docência, defendida em 1954, mas publicada
apenas em 1968, intitulada História e Desenvolvimento91. Em relação a Celso Furtado,
primeiramente expomos seu clássico Formação Econômica do Brasil, de 1959, depois A Pré-
Revolução Brasileira, de 1962, e, ainda, os dilemas do desenvolvimento brasileiro no início da
década de 1960 analisados em Dialética do Desenvolvimento, de 196492. Por fim, a exposição
do pensamento de Roberto Campos, em seu período estruturalista, baseia-se nos dois primeiros
textos da coletânea Economia, Planejamento e Nacionalismo93 – publicada em 1963 –, ambos
da primeira metade da década de 1950; e a exposição do Campos pós-estruturalista se baseia
na coletânea Ensaios de História Econômica e Sociologia94, publicada em 1964, a qual reúne
textos, em geral, escritos na segunda metade da década de 1950.

2.1 – O panorama do pensamento econômico brasileiro de 1930 a 1960

No século XIX, a necessidade de maior controle sobre os rumos nacionais levou à


percepção, cada vez mais difundida, de que era fundamental a criação de uma elite dirigente no
Brasil que fosse depositária de conhecimento técnico para formatar a realidade. Esse
movimento se intensificou no início do século XX em decorrência de uma série de processos:
a Primeira Guerra Mundial (1914-18), a Revolução Russa (1917), a Crise de 1929 e o início do
processo de industrialização. A competência específica do economista, apesar disso, não surgiu
ligada a círculos acadêmicos: esteve geralmente relacionada à aprendizagem prática nos órgãos
governamentais e nas instituições de pesquisa aplicada 95, “e ainda no bojo das lutas político-
ideológicas que atravessaram as décadas de 30 a 60 no país” 96. A ciência econômica europeia
penetrava através das escolas de direito e tendia a se transformar em corpos de doutrina
legítimos independentemente de sua confrontação com a realidade97.

89
Cf. Simonsen & Gudin, 2010.
90
Cf. Simonsen, 1973.
91
Cf. Prado Jr., 2001.
92
Cf. Furtado, 1962; 1964; 2006.
93
Cf. Campos, 1963.
94
Cf. Id., 1964.
95
Cf. Bielschowsky, 2000; Sola, 1998; Loureiro, 1997.
96
Loureiro, 1997, p.23.
97
Cf. Furtado, 2006.
55

Os primeiros cursos de graduação em economia foram criados apenas na década de


1940, superando a fase em que a economia representava elemento de cultura geral ensinado em
cursos de direito e engenharia, ou ainda como elemento secundário do ensino comercial
profissionalizante. A criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade
do Brasil, em 1945, foi de grande significação nesse sentido. Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa
de Bulhões determinaram o projeto dessa faculdade, baseados na concepção de que se deveria
formar quadros dirigentes para o país capazes de suprir as necessidades de modernização do
Estado brasileiro. Assim, não apenas formularam um currículo que atendesse à capacitação
técnica – com ênfase na matemática, nos métodos estatísticos e nas teorias econômicas – e
inspirado na racionalidade e em referenciais científicos, mas também defenderam sua separação
dos cursos de contabilidade. Seu projeto foi remetido aos professores de economia de Harvard,
com quem haviam tido contato na Conferência de Bretton Woods, potencializando sua
legitimidade no Brasil98.
Paralelamente à criação da escola carioca de economia, a Faculdade de Economia da
Universidade de São Paulo foi criada em 1946. Diferentemente da Faculdade de Filosofia da
USP, que recrutou professores estrangeiros com práticas de trabalho baseadas em métodos
científicos sólidos, os mentores da Faculdade de Economia optaram por recrutar professores na
própria universidade, particularmente na Faculdade de Direito. Alguns professores proviam
também de faculdades privadas de ciências econômicas e, sobretudo, das escolas técnicas de
comércio e outras escolas secundárias. Por essas razões, havia ênfase na orientação jurídica dos
cursos. Em seus primeiros anos, a escola era predominantemente frequentada por jovens mais
pobres que não tinham condições de frequentar escolas de direito ou engenharia, como é o caso
de Delfim Netto99. A pouca instrumentação profissional não oferecia as mesmas condições de
competitividade dos cursos tradicionais100. Delfim Netto seria fruto deste processo. Seu desejo
era estudar engenharia, mas o curso era muito exigente para que pudesse trabalhar meio período,
o que inviabilizou o projeto101. Ele entrou no curso de Economia da USP em 1948 e, logo após
formado, tornou-se assistente da cadeira de Estatística I em 1952 102.

98
Cf. Loureiro, 1997.
99
Cf. Biderman et. al., 1996.
100
Cf. Loureiro, 1997. Para uma exposição mais detalhada da criação da FNCE e da faculdade de economia da
USP, cf. a mesma autora.
101
Cf. Delfim Netto, 2012. Delfim Netto é categórico quando fala desse momento: “É uma coisa fantástica. Eu
gastei 6 mil réis com um selinho para, depois, viver a vida inteira na universidade. [...] Aquilo garantiu minha
vida”.
102
Cf. Macedo, 2001.
56

Como já descrevemos, a partir do primeiro governo Vargas, os centros de decisão se


deslocaram progressivamente para as novas agências de regulação e planejamento econômico,
“que se tornaram espaços catalisadores das disputas de interesses de grupos empresariais e
mesmo veículos de formação de ideologias nacionalistas e desenvolvimentistas” 103. Disso
decorreu a transformação do conhecimento econômico em recurso político. Esse fato, no
entanto, não significou a construção de um consenso, pelo contrário, levou a constantes disputas
a respeito da informação técnica entre diferentes grupos de economistas. Os técnicos que
participavam dos conselhos criados por Vargas a partir da década de 1930 tinham normalmente
formação em engenharia ou direito. Dentre esses conselhos, aqueles que ganharam maior
destaque foram o CFCE, que deteve alto grau de controle sobre a política econômica, o CNPIC
e a CPE, que problematizaram o planejamento e o protecionismo industrial, e o CTEF,
responsável por levantamentos estatísticos e estudos. Em linhas gerais, segundo Loureiro:
Em suma, os conselhos técnicos e as comissões econômicas internacionais –
como processos embrionários –, e posteriormente a Sumoc, o BNDE, a Cepal,
o grupo misto BNDE-Cepal, a chamada Assessoria Econômica de Vargas, o
Plano de Metas e os grupos executivos, no governo de Juscelino – como
situações mais amadurecidas –, constituíram, ao longo dos anos 30-50, os
lugares-chaves do espaço governamental de atuação dos técnicos-
economistas e da formação de sua competência prática. 104
A relativa autonomia dos técnicos (diferentes profissionais que, aos poucos e em virtude
de sua atuação, foram denominados economistas) nesses organismos produziu divergências
quanto aos rumos de política econômica e ao papel do Estado na economia. Entretanto, o
processo de reconhecimento da economia como ciência levou algum tempo. A famosa
Controvérsia sobre o planejamento econômico, conduzida por Simonsen e Gudin, conferiu
legitimidade ao processo de reconhecimento da competência do economista como interlocutor
político, mesmo tendo sido travada por dois engenheiros de formação. Nesse sentido,
Desenvolvimento econômico, nacionalismo, protecionismo, defesa contra o
capital estrangeiro, intervenção estatal, planejamento etc., todos os temas
recorrentes nos debates político-ideológicos dos anos 40-60 foram igualmente
marcos definidores de clivagens no meio social nascente dos economistas,
onde as questões teóricas se misturavam com as disputas políticas,
superpondo-se oposições entre, de um lado, a direita “entreguista”,
monetarista ortodoxa e, de outro, a esquerda nacionalista, estruturalista
heterodoxa.105

103
Loureiro, 1997, p.23.
104
Id., Ibid., p.27-28.
105
Id., Ibid., p.32. Delfim Netto se situará em outro contexto. Ele representa a primeira geração de economistas
profissionais que tem seu saber técnico instrumentalizado por forças políticas que não são colocadas em xeque.
57

No contexto de 1940-60, em linhas gerais, os monetaristas ortodoxos se reuniam no


Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, enquanto os estruturalistas heterodoxos se
reuniam na Cepal. A disputa que surgiu a partir desses dois loci distintos de produção escalou
entre as décadas de 1940 e 60, intensificando-se pelo contexto das disputas políticas durante o
segundo governo Vargas (1951-54), o que aprofundou as cisões no campo dos economistas.
Isso não significou, no entanto, a autonomização dos economistas no que diz respeito aos
organismos governamentais106:
[...] embora as disputas entre monetaristas e estruturalistas tenham constituído
o campo de lutas próprio e específicos dos economistas, elas revelam ainda a
estreita vinculação desse campo com o aparato governamental. Na verdade, a
autonomia do campo dos economistas (como espaço acadêmico e intelectual)
em relação aos organismos governamentais não se efetivaria nem mesmo com
a instalação dos cursos de pós-graduação e a internacionalização dos meios
acadêmicos a partir de meados dos anos 60 [...]. Ao contrário, nesse período,
a interpenetração dos dois espaços sociais continuaria forte, sobretudo porque
aí também se consolida a posição dos economistas como elite dirigente. 107
A partir do lugar de produção teórica e de seus projetos econômicos, o economista
Ricardo Bieschowsky realiza uma classificação precisa do pensamento econômico brasileiro
entre 1945 e 1964: havia pensadores independentes, mas vinculados ao pensamento
desenvolvimentista, como Ignácio Rangel; socialistas, como Caio Prado Jr. e Nelson Werneck
Sodré, ligados ao PCB, que não acreditavam que a industrialização seria suficiente para superar
o subdesenvolvimento; e liberais, que colonizavam ideias buscando negar as particularidades
da vida econômica brasileira – como o fez tão refinadamente um Eugênio Gudin, membro da
CPE, sem perceber suas transformações estruturais. Mas as bases materiais da sociedade
brasileira do período, na qual estava já em curso a solução estrutural para a crise do complexo
agroexportador independentemente das formulações teóricas, deram aso ao surgimento de um
caminho teórico hegemônico, em torno do qual girou o debate econômico brasileiro do período:
o “desenvolvimentismo”108, que, vencendo o debate com os liberais, logrou criar seu próprio
“ciclo ideológico”109, adquirindo hegemonia no debate econômico sobretudo a partir dos anos
1950 – quando, entre outras coisas, a eleição de Eisenhower nos EUA e a passividade do
governo Dutra em relação à industrialização levaram o desenvolvimentismo a um
amadurecimento ideológico. As outras correntes, assim, foram deslocadas do debate econômico
e adquiriram caráter marginal110.

106
Cf. Loureiro, 1997.
107
Id., Ibid., p.49.
108
Bielschowsky, 2000, p.7.
109
Id., Ibid., p.247.
110
Cf. Id., Ibid.
58

Em linhas gerais, o liberalismo que ganhou os holofotes no debate brasileiro nas décadas
de 1940 e 1950 baseou sua argumentação na defesa do livre-comércio como forma de alocação
eficiente dos recursos internos e externos da economia através dos mecanismos de mercado.
Sua palavra de ordem seria a eficiência econômica, cujas bases seriam os equilíbrios monetário
e financeiro. Mais do que a industrialização, a indústria existente foi sua verdadeira inimiga:
era acusada de lesar os consumidores por conta de seus altos lucros e generalizada ineficiência
– amparados pelo protecionismo alfandegário – e de impedir o desenvolvimento de atividades
mais eficientes – a saber, a agricultura –, pois era destino privilegiado do crédito bancário por
meio da política econômica governamental. O pensamento liberal, como o de Gudin, defendia
radicalmente a empresa privada e confiava no poder restaurador das leis do mercado, opondo-
se ao planejamento. Seguia a ortodoxia liberal e, por isso, visava ao equilíbrio orçamentário e
no balanço de pagamentos no interior de uma estratégia inflexivelmente anti-inflacionária111.
O pano de fundo do desenvolvimentismo – indissociável do pensamento da CEPAL112
– foi a defesa da industrialização como meio de superação da pobreza e do subdesenvolvimento
através do planejamento – que conferiria racionalização ao processo de industrialização – a
partir do planejamento estatal. Bielschowsky subdivide o pensamento desenvolvimentista em
três correntes: desenvolvimentismo do setor privado, desenvolvimentismo nacionalista do setor
público e desenvolvimentismo não nacionalista do setor público113.
O precursor da corrente desenvolvimentista do setor privado, mas também da ideologia
do desenvolvimentismo no Brasil em todas as suas vertentes, é Roberto Simonsen. Ele defendia
a industrialização planejada para além dos interesses do capital industrial privado nacional. Para
ele, o desenvolvimento teria como base uma estrutura industrial moderna. Somente assim, o
“atraso brasileiro”114 seria superado. Ele preocupou-se com a instalação de uma indústria de
base e com investimentos estatais diretos nos setores básicos. Simonsen também preconizava o
fortalecimento do mercado interno como mecanismo de defesa contra crises econômicas por
meio da elevação do poder de compra e do aumento da produtividade.
Celso Furtado, que foi um dos grandes responsáveis pela introdução da tese
estruturalista no Brasil, foi representante da corrente desenvolvimentista nacionalista do setor
público. Furtado – ele próprio membro relevante da Cepal – defendia que o Estado deveria
ampliar a intervenção na economia, combinando industrialização, planejamento e

111
Cf. Bielschowsky, 2000; Sola, 1998.
112
Cf. Bielschowsky, 2000.
113
Cf. Id., Ibid.
114
Id., Ibid., p.82.
59

investimentos estatais em setores básicos. Pode ser mencionado também como representante da
corrente desenvolvimentista nacionalista do setor público Rômulo Almeida, para quem o
desenvolvimento integral e autônomo do capitalismo brasileiro deveria passar pela intervenção
do Estado para ativar o setor privado, romper entraves de infraestrutura física e integrar
plenamente a nação115. O desenvolvimento econômico nacional traria consigo a promessa do
combate às desigualdades social e regional.
Embora, como já vimos em outros termos, as duas correntes tenham se aliado entre si e
com outras forças sociais na década de 1940 em torno de um projeto nacional amplo, o
desenvolvimentismo do setor privado assumia uma posição intermediária entre os
desenvolvimentistas nacionalistas e os não nacionalistas.
O desenvolvimentismo nacionalista do setor público, que tem o nacionalismo em
comum com a corrente privada em um contexto de acirramento dos sentimentos
antiimperialistas, não prezava a iniciativa privada em detrimento da justiça social, mas
subordinava aquela a esta e, portanto, defendia a tributação de altos lucros como meio de
capitalização do Estado, entre outras medidas. O Estado seria o “guardião dos interesses
coletivos da nação e o promotor da unificação nacional”116.
A corrente desenvolvimentista não nacionalista do setor público, na qual se destacam
nomes como Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva, acreditava que o capital
estrangeiro poderia dar grandes contribuições para a industrialização do Brasil. Eles defendiam
o apoio do Estado apenas nas áreas em que não houvesse interesse por parte do capital
estrangeiro e do capital privado nacional117, e aceitavam consequentemente um planejamento
apenas parcial. Campos, a partir da segunda metade da década de 1950, opõe-se à tese
estruturalista da Cepal. Grosso modo, não acreditava que a inflação fosse inerente ao
crescimento, mas sim que as políticas monetária e fiscal poderiam contê-la sem que o
desenvolvimento econômico fosse afetado – com estabilização, contenção de crédito e de
despesas públicas. Em seu diagnóstico, a corrente confere maior responsabilidade aos erros de
política econômica do que aos problemas estruturais, o que os leva a propor terapêuticas
distintas daquelas propostas pelos nacionalistas em relação ao papel do Estado. A modificação

115
Cf. Souza & Assis, 2006.
116
Bielschowsky, 2000, p.251.
117
Para esse grupo, segundo Bielschowsky (2000, p.104), “[...] o Estado não devia ocupar o espaço em que a
iniciativa privada pode atuar com maior eficiência. Como os conflitos concretos davam-se no nível de inversões
em grandes projetos de infra-estrutura e mineração, para os quais o capital privado nacional não tinha suficiente
porte financeiro, a posição dos desenvolvimentistas não nacionalistas correspondia à opção pelo capital
estrangeiro, preferencialmente ao capital estatal. [...] Caracterizavam-se também pela ênfase que davam à
necessidade de controle da inflação, e não hesitavam em apoiar medidas de estabilização monetária.”
60

do padrão existente de distribuição de renda, para este grupo, não faz parte do processo de
desenvolvimento, mas se subordina a altas taxas de crescimento econômico. Outra diferença
fundamental deste grupo em relação aos nacionalistas do setor público repousava no fato de
que a participação do capital estrangeiro seria essencial para o desenvolvimento brasileiro no
sentido de proporcionar a estabilidade econômica necessária a um processo sustentável de
crescimento118.
Lourdes Sola realiza uma classificação alternativa e possivelmente complementar do
pensamento econômico brasileiro nas décadas de 1930-60119. Os intelectuais da corrente
desenvolvimentista não nacionalista do setor público são classificados por ela como
“cosmopolistas”120, ao passo que os desenvolvimentistas nacionalistas do setor público são
chamados apenas “nacionalistas” ou nacional-desenvolvimentistas121. O que importa assinalar
brevemente é a constatação de Sola de que, após a reforma administrativa levada a cabo por
Kubitschek nos anos 1950, os nacionalistas e a vertente desenvolvimentista dos cosmopolitas
convergiram temporariamente ao defenderem o crescimento econômico acelerado a partir de
suas posições decisórias no interior do Estado – os nacionalistas na Assessoria Econômica da
Presidência e os cosmopolitas na Comissão Mista Brasil-EUA. Essa reforma “viabilizou a
concentração de expertise técnica em novos órgãos estatais estratégicos para a gestão do projeto
de desenvolvimento, ao mesmo tempo que tornou possível mantê-los insulados em relação às
pressões diretas do sistema partidário”122.
Tanto os técnicos nacionalistas como os cosmopolitas em suas duas vertentes são
classificados por Sola como “técnicos em fins”123, isto é, teriam como contrapartida de sua
produção intelectual uma atividade prática que se valeria de seu saber técnico e científico não
apenas para a intervenção estritamente econômica na realidade, mas também para a intervenção
política extrapartidária. Isso teria ocorrido através de agremiações como o Clube de
Economistas, em que havia “adesão aberta a práticas de intervenção política”124 a partir de

118
Cf. Sola, 1998.
119
Cf. Id., Ibid. Como sua formulação se refere a técnicos, os desenvolvimentistas do setor privado perdem espaço
em sua análise relativamente à de Bielschowsky.
120
Id., Ibid., p. 133. A categoria dos cosmopolitas inclui também os liberais. Para nossos propósitos aqui,
cosmopolitas se referirá particularmente a sua ramificação desenvolvimentista, ou seja, os desenvolvimentistas
não nacionalistas do setor público.
121
Cf. Id., Ibid., p.46.
122
Id., Ibid., p.54-56. A reforma originou adicionalmente um “efeito desalojamento” que afetou indivíduos e
conjuntos de instituições em graus variáveis através do desalojamento de “setores inteiros da antiga burocracia”
do processo decisório crucial para a acumulação de capital.
123
Id., Ibid.
124
Id., Ibid., p.161.
61

ideais políticos e sociais aglutinadores, e de dentro do aparelho de Estado, como foi o caso da
SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e do BNDE. Tal padrão de ação
implicava uma atitude diferente daquela dos partidos, isto é, um reformismo que não buscava
retornos eleitorais imediatos125, e derivou da precária institucionalização partidária, devida ao
“baixo teor de controle que os partidos exerceram sobre as principais questões de política
econômica”126.
Segundo Sola, entre os nacionalistas e os cosmopolitas, havia diferenças claras de
posicionamento que se revelaram sobretudo após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. A tese
central dos nacionalistas se baseava no fortalecimento do Estado como um protagonista do
desenvolvimento. Sua coesão ideológica girava em torno da equação Estado forte, projeto de
desenvolvimento nacional e fortalecimento das instituições democráticas. Para os cosmopolitas,
por outro lado, a principal referência era o mercado, e não a nação. Seu objetivo era a plena
integração do Brasil no sistema internacional dominado pelos Estados Unidos, o que, segundo
Sola, teria apresentado maiores condições de viabilidade quando a Guerra Fria passou a exigir
a lealdade ideológica dos países periféricos. Assim, “esse bloco defendia um modelo de
associação entre o capital nacional e o estrangeiro no qual o Brasil seria um importante parceiro
latino-americano dos Estados Unidos”127.
O saber científico desses técnicos, então, era posto a serviço de posições ideológicas
divergentes. Por isso, o técnico em fins, em todas as vertentes, contrasta com um personagem
que entra plenamente em cena no Brasil apenas após o Golpe de 1964: o “tecnocrata” 128. Este
utilizava, como verificaremos em nossa análise de Delfim Netto, seu saber científico como
fonte autônoma de autoridade política e, ao mesmo tempo, assumia relativa neutralidade
ideológica com base nos princípios universais e impessoais da ciência e da eficiência técnica 129.
O contraste com os técnicos nacionalistas não podia ser mais marcante, pois estes
associavam sua posição de decisores – permeada por compromissos políticos – com “seu papel
(auto-imposto) de ‘porta-vozes’ do povo”130. O próprio Celso Furtado aponta para o fato de que
a doutrina cepalina preencheu um vazio ideológico no Brasil ao oferecer uma análise global da
economia brasileira e propor estratégias de planejamento baseadas em uma análise concreta e

125
Cf. Id., Ibid.
126
Sola, 1998, p.58-59.
127
Id., Ibid., p.140.
128
Id., Ibid., p.45.
129
Cf. Id., Ibid., p.45. O Golpe de 1964 abriria o caminho para a consolidação da figura do tecnocrata como
“economista-rei” – supostamente à parte e acima das disputas ideológicas.
130
Id., Ibid., p.61.
62

precisa do sistema econômico e de suas tendências estruturais, encarnando uma terceira via
ideológica entre o liberalismo econômico e o marxismo brasileiro. Seu papel foi tão importante
que mesmo seus adversários mais ortodoxos, como Gudin e Bulhões, “viam-se forçados a
defender suas posições em termos definidos no seu quadro analítico”131. Diferentemente dos
nacionalistas, os cosmopolitas tinham grande circulação universitária, como é o caso de
Roberto Campos, Eugênio Gudin e Octávio Bulhões. Por isso, o relativo ostracismo acadêmico
a que foram relegados os nacionalistas os levou a criar outras instâncias de sociabilidade.
Furtado, por exemplo, aproximou-se de órgãos como a Assessoria Econômica de Vargas, de
que faziam parte nomes como Rômulo Almeida e Ignácio Rangel, e também fundou o Clube
dos Economistas, que lançou a Revista Econômica Brasileira, destinada a se apresentar como
alternativa às concepções representadas pela FGV-RJ e sua Revista Brasileira de Economia,
ligada ao pensamento econômico cosmopolita132.
Nos próximos tópicos desta seção, examinaremos os textos mais representativos dos
técnicos em fins de diferentes matizes teóricos relativamente aos problemas da industrialização
e do desenvolvimento no Brasil.

2.2 – A Controvérsia do Planejamento na economia brasileira

A famosa Controvérsia do Planejamento foi um debate travado entre Roberto Simonsen


e Eugênio Gudin em 1944 e 1945 que se deu no âmbito das discussões para a formulação de
uma comissão central de planejamento. Sônia Draibe defende que a dubiedade da posição de
Vargas – submetendo o mesmo relatório a duas comissões diferentes, uma vinculada ao CNPIC,
e outra ao CPE – foi parte do jogo político em que o governo federal teve de se posicionar ao
buscar o avanço da industrialização. A controvérsia que surgiu do debate, no entanto, não se
restringiu apenas ao planejamento, mas discutiu também, e em conjunto, qual seria o motor do
desenvolvimento brasileiro. Pode-se dizer, por isso, que inaugurou a economia política no
Brasil.

2.2.1 – Roberto Simonsen desenvolvimentista: industrialização e planejamento

Roberto Cochrane Simonsen (Santos, 1889 – Rio de Janeiro, 1948) teve uma atividade
profissional prolífica, participando de inúmeras iniciativas empresariais após sua formação
como engenheiro aos 21 anos na Escola Politécnica de São Paulo. Atuou por décadas como

131
Id., Ibid., p.62.
132
Cf. Loureiro, 1997.
63

engenheiro civil em empresas de que foi sócio, como a Companhia Construtora de Santos
(1912-1940). Além disso, entre outras iniciativas, foi diretor da Companhia Nacional de
Artefatos de Cobre (1926-1928), presidente da Companhia Nacional de Borracha (1926-1927)
e presidente do Sindicato Nacional de Combustíveis Líquidos (1923-1928), época em que lidera
a cisão da Associação Comercial e torna-se um dos fundadores do Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo (CIESP, 1928). Praticou paralelamente o comércio de café e, após a
Revolução de 1930, participou ativamente da mobilização industrial paulista durante a chamada
Revolução Constitucionalista de 1932, sendo eleito deputado pela Assembleia Nacional
Constituinte (1934-1937). Idealizou a criação do SENAI e do SESI. Foi eleito senador em 1946
e apoiou a cassação dos mandatos comunistas em 1947, um ano antes de sua morte. Foi também
um dos fundadores da FIESP em 1931 e ocupou sua presidência de 1938 a 1946133.
A atividade intelectual de Simonsen caminhou pari passu com sua atividade
empresarial. Ele se utilizou largamente da história econômica brasileira a fim de apontar
caminhos para o desenvolvimento econômico do país no interior de uma visão de mundo que
compatibilizava o desenvolvimento com sua atividade de industrialista. Suas formulações
teóricas estiveram geralmente ligadas a atividades práticas (como a Controvérsia do
Planejamento, indissociável de sua atuação no CNPIC)134.
Nosso interesse em Roberto Simonsen extrapola suas análises de história econômica,
que, ademais, tiveram o propósito fundamental de embasar suas ilações de política econômica
e planejamento. Cabe apontar a inclinação do industrialista para utilizar o que se produzia
intelectualmente nos países do centro do capitalismo, ressalvando com frequência a utilização
de métodos estranhos ao nosso meio, como ele o faz na Controvérsia135.
Roberto Simonsen é considerado o patriarca do desenvolvimentismo brasileiro, embora
não utilize o termo desenvolvimento com abundância, mas antes prefira termos sinonímicos
como “adiantamento de um povo”136, “evolução econômica”137, “progresso”138 ou mesmo
melhoramento da “sorte da humanidade” 139. De todo modo, para ele, desenvolvimento é
sinônimo de avanço industrial, pois “a independência econômica e, portanto, a perfeita
independência política só pode existir, na generalidade dos casos, nos Estados em que se

133
Cf. Simonsen, 1973; Loureiro, 1997.
134
Cf. Simonsen, 1973.
135
Cf. Simonsen, 1973; Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010.
136
Simonsen, 1973, p.54.
137
Id., Ibid., p.5.
138
Id., Ibid., p.54.
139
Id., Ibid., p.54.
64

conjugam em estreita harmonia a íntima interdependência entre a Agricultura e a Indústria” 140.


O combate à implantação e disseminação das indústrias no Brasil, portanto, seria um desserviço
à nação brasileira e um serviço às nações estrangeiras, “interessadas na conquista dos nossos
mercados, trabalhando para que retrogrademos à posição de colônia dos produtores estrangeiros
à mercê ainda de um bloqueio econômico em caso de guerra”141.
Neste posicionamento anti-imperialista, que se refletirá também em sua atuação prática,
a indústria e a agricultura brasileiras deveriam desenvolver um entrosamento harmonioso e,
mais do que isso, as frações burguesas deveriam deixar a disputa hegemônica de lado para que
seus esforços se complementassem e seus interesses se entrelaçassem. Neste contexto,
Simonsen realiza uma verdadeira Cruzada em defesa da industrialização142.
De início, Simonsen combate os argumentos anti-industrialistas:
Que alegam os que combatem o desenvolvimento e consolidação do Parque
Industrial brasileiro?
Que a indústria brasileira é em grande parte artificial, pois importa grande
porção de matéria-prima do estrangeiro;
Que não contribui para o enriquecimento do Brasil;
Que, vivendo sob tarifas protecionistas, produz caro, encarecendo sobremodo
a vida da população;
Que, atraindo braços à cidade, perturba a mão-de-obra do trabalho agrícola;
Que constitui um monopólio em favor de meia dúzia de brasileiros, em
detrimento de milhões de habitantes do país143.
Um por um, Roberto Simonsen refuta tais argumentos. Em relação ao primeiro ponto,
afirma que as indústrias brasileiras importam menos de 20% do valor de sua produção, enquanto
a indústria inglesa importa 65%, situação embasada em seu monopólio no abastecimento
industrial às suas colônias. Não haveria país no mundo, ademais, autossuficiente em matérias-
primas para sua indústria; o Brasil seria mesmo um país privilegiado, depositário de uma grande
área territorial, de uma das mais poderosas reservas mundiais de energia hidráulica e “quiçá de
muitas fontes de energia como os combustíveis”, de um grande reservatório de matérias-primas,
de um território em que a alimentação seria fácil e barata e, portanto, de “condições especiais
para um grandioso desenvolvimento industrial”144. Nada haveria de artificial na indústria
brasileira.

140
Id., Ibid., p.55.
141
Id., Ibid., p.55.
142
Cf. Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010.
143
Simonsen, 1973, p.56.
144
Id., Ibid., p.57.
65

Em relação ao enriquecimento do Brasil, Simonsen ironiza aqueles que não reconhecem


a contribuição da “grande indústria”145 para a melhoria dos salários, o barateamento relativo do
produto, o enriquecimento social e o aumento da capacidade do consumo, além da
intensificação das relações comerciais e dos meios de transporte146.
Simonsen combate também o argumento de que as indústrias brasileiras viveriam sob
regime protecionista, defendendo que não haveria propriamente uma política protecionista no
Brasil, mas sim altas tarifas incidindo indiscriminadamente sobre produtos de importação,
fossem matérias-primas, produtos manufaturados ou gêneros alimentícios. Uma política
protecionista destinada ao “desenvolvimento das indústrias”147, que Simonsen não se esquiva a
defender, desoneraria as matérias-primas, oneraria menos os produtos semimanufaturados e
incidiria os impostos aduaneiros principalmente sobre os produtos manufaturados148.
A indústria não retiraria braços da agricultura, argumenta Simonsen, pois “ao passo que
na agricultura estão ocupados 21% da população, na indústria em geral se encontram apenas
3,8% e na indústria fabril pouco mais de 1%”. Além disso, quanto ao monopólio deletério de
que eram acusados os industriais, Simonsen responde que “num país libérrimo como o nosso,
em que todas as atividades a todos estão franqueadas, o único monopólio que nós outros
industriais possuímos é o do nosso trabalho, do nosso esforço, e das nossas iniciativas” 149, como
demonstraria, segundo Simonsen, o exemplo do Conde Francesco Matarazzo.
O problema da carestia da vida no Brasil se originaria na renda nacional insuficiente –
o que inviabilizaria, por exemplo, seus intentos de construção de moradias populares para
atender às necessidades básicas dos trabalhadores –, cuja solução seria o aumento do ganho
médio através do aumento da produtividade do trabalho. Isso estaria intimamente relacionado,
então, à “organização do nosso aparelhamento econômico, moeda sã e crédito abundante,
higiene e instrução”150.
Simonsen utiliza do exemplo dos Estados Unidos – recorrente em suas análises – para
enunciar a responsabilidade social dos industrialistas:
Nos Estados Unidos, por toda parte faz-se uma intensa propaganda no
aperfeiçoamento dos métodos da indústria e dos negócios que são
considerados como uma espécie de função pública, comportando
responsabilidades sociais e deveres para com a comunidade. A produção em
todos os seus aspectos está sendo considerada nos países que se acham na

145
Cf. Id., Ibid., p.57.
146
Cf. Id., Ibid.
147
Simonsen, 1973, p.58.
148
Cf. Id., Ibid.
149
Id., Ibid., p.59.
150
Id., Ibid., p.61. Roberto Simonsen afirma que “é pelo aumento da produção em geral que temos de obter o
aumento do ganho médio e, portanto, o aumento do consumo médio por habitante”.
66

vanguarda da civilização, como um negócio da nação e não como um interesse


individual. Por toda parte, se prega a concentração de todos os patriotas em
torno do amparo e do fomento da produção, base fundamental da criação de
um povo forte e capaz de desempenhar papel saliente no concerto das nações.
Verdadeiro crime de leso-patriotismo cometem pois os que procuram
aniquilar ou combater sob qualquer forma a produção do país, criando
tropeços ao seu desenvolvimento, promovendo lutas de classes, tentando criar
leis perturbadoras do trabalho.151
Simonsen almeja a efetiva independência política nacional através de uma “situação
econômica forte, [...] uma independência econômica relativa” 152, pois as nações
economicamente fracas venderiam seus produtos no mercado mundial “por valor inferior ao
verdadeiro, em benefício de nações melhor organizadas” 153. O caminho para a independência
política, portanto, passaria pelo aumento da capacidade de consumo através do aumento da
capacidade de produção, “acarretando o crescimento das relações comerciais internas e
externas, a intensificação das permutas, o enriquecimento progressivo da população” 154. Como
representante do CIESP, Roberto Simonsen incita uma coalização entre os industrialistas e o
Estado155, pois os anseios dos industriais coincidiriam com os “altos interesses da
nacionalidade”156, quais sejam: a formação de capitais nacionais, o aumento do poder aquisitivo
dos brasileiros e a união das regiões do país.
Dever-se-ia estabelecer, segundo Simonsen, uma taxa cambial máxima, que
imediatamente incrementaria a produção nacional. À indústria caberia, então, o aumento do
nível de consumo médio da população brasileira, um fardo que a agricultura de exportação não
poderia carregar em suas necessárias dimensões por conta das políticas comerciais dos impérios
coloniais. Por isso, em 1937, Simonsen defende o desenvolvimento para dentro, com expansão
do mercado interno:
O dilema que se apresenta, inexorável, aos nossos olhos, é o seguinte: ou
produziremos, dentro de nossas fronteiras, 80% do que carecemos para elevar
o padrão de vida médio do país, reservando o poder aquisitivo externo,
oriundo de nossas exportações, para a aquisição de artigos necessários ao
nosso aparelhamento defensivo e econômico, e de produtos de indústrias
especializadas, ou estaremos condenados a um crescente estado de pobreza,
nos aniquilando em esforços inúteis e em recíprocas e vãs incompreensões. 157
A incrementação das exportações industriais, objetivo almejado por Simonsen, só seria
possível se se repousasse sobre o desenvolvimento do mercado interno. E mais: dando voz a

151
Id., Ibid., p.62.
152
Simonsen, 1973, p.62.
153
Id., Ibid., p.62.
154
Id., Ibid., p.64.
155
Id., Ibid, p.65.
156
Id., Ibid., p.70.
157
Id., Ibid., p.71-72.
67

um valor que será adotado pelas correntes desenvolvimentista nacionalista do setor público e
desenvolvimentista não nacionalista do setor público como um elemento nuclear, Simonsen
condena a absorção acrítica de doutrinas estrangeiras sem o devido estudo das condições
econômicas brasileiras.
Simonsen enuncia que “O Brasil não compreendeu que à frente do movimento livre-
cambista que se esboçou na Europa, a partir de 1860, se encontravam a Inglaterra, a Holanda e
a França, países onde a industrialização estava mais avançada e que, portanto, só tinham a lucrar
com a abolição generalizada das tarifas aduaneiras”158. E propõe ainda uma instrução de política
econômica:
A observação de nosso passado, do que é nosso, num objetivismo alheio a
doutrinas exóticas, nos leva à convicção de que um importante passo para o
fortalecimento da nossa economia deve ser a restrição das compras, dentro o
limite de nossas possibilidades, e a seleção de nossas importações dentro do
critério de nossa necessidade e do nosso fortalecimento econômico. 159
Em seu primeiro texto da Controvérsia, baseando-se no relatório da Missão Cooke de
1942, Simonsen defende que a industrialização brasileira teria de desenvolver menor
dependência da importação de petróleo, de carvão mineral e metais especiais e equipamentos.
Além disso, o Brasil careceria de capitais e mão-de-obra especializada ao mesmo tempo em
que a legislação brasileira e a organização econômica do país não favoreceriam a imigração e
os investimentos estrangeiros, assim como não estimulariam a mobilização de capitais
nacionais para fins produtivos. O progresso material observado no Brasil, segundo Simonsen,
autorizaria prever “profundas intranquilidades sociais [...] em futuro próximo”160.
Por isso, a planificação da economia brasileira seria imperativa. Ela teria de ser levada
a cabo através da ciência e da técnica modernas, a exemplo do que se fez em outros países
durante a Segunda Guerra Mundial – como Rússia, Turquia, Estados Unidos e Inglaterra. As
informações agregadas disponíveis sobre a economia brasileira possibilitariam a elaboração de
um programa de planificação, cujo núcleo deveria ser a industrialização a fim de que se
aumentasse a renda média interna simultaneamente ao aperfeiçoamento da produção agrícola,
que forneceria capital e consumidores à indústria. Para tanto, Simonsen defende a tomada de

158
Simonsen, 1973, p.81. Simonsen (p.81-82) prossegue: “O próprio Adam Smith, se revivesse no Brasil, ficaria
estarrecido com a aplicação indiscriminada que aqui desejamos fazer de seus princípios, decorrentes da observação
de um outro ambiente, exatamente a um tempo em que a Inglaterra iniciava sua expansão industrial, com um
notável avanço sobre os demais povos em seu aparelhamento técnico e financeiro. Essa expansão só se poderia
assegurar pela conquista dos mercados internacionais. [...] O Brasil, país pobre, com uma exportação per capita
mínima e cada vez menor, não pode, absolutamente, adotar os tratados de comércio estandardizados, preferidos
pelas grandes nações industrialistas e capitalistas”.
159
Id., Ibid., p.85.
160
Id., Ibid., p.304.
68

empréstimo junto aos Estados Unidos para o financiamento desse programa, que se daria
através de planos quinquenais161.
Não menos importante é a concepção de Simonsen, explicitada na Controvérsia, em
relação à intervenção estatal:
O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as várias
entidades de classe, para que dentro do preceito constitucional, fosse utilizada,
ao máximo, a iniciativa privada e não se prejudicassem as atividades já em
funcionamento no país, com a instalação de novas iniciativas concorrentes.
Proporcionar-se-iam, ao mesmo tempo, os meios indispensáveis à renovação
do aparelhamento já existente. 162
Simonsen atenta, mais uma vez, à particularidade da estrutura econômica brasileira:
Ora, não é possível assemelhar a estrutura econômica de países fortemente
aparelhados e de produção diversificada industrial e agrícola, com a dos que
exploram poucos produtos e, ainda estes, de natureza “colonial”. Essa é uma
das causas da nossa permanente insuficiência e insegurança econômicas. 163
Por fim, Simonsen cimenta sua defesa do planejamento:
O planejamento econômico é uma técnica e não uma forma de governo. Não
exclui os empreendimentos particulares. Pelo contrário. Cria um ambiente de
segurança de tal ordem que facilita o melhor e mais eficiente aproveitamento
da iniciativa privada, que está intimamente ligada ao conceito da
propriedade.164
Para Simonsen, portanto, a industrialização era o modo de superar o atraso e a pobreza
brasileiros. Para isso, ele concebia uma industrialização integrada entre todos os setores da
economia. Ele defendia o suporte estadunidense para o fornecimento de equipamentos e
matérias-primas que permitisse dar continuidade ao projeto de industrialização. Além disso,
como os mecanismos de mercado seriam insuficientes para que o processo fosse bem-sucedido,
Simonsen enfatizava a necessidade de apoio governamental, particularmente através do
protecionismo e do planejamento, mas também a intervenção direta do Estado na economia por
meio de investimentos nos setores básicos em que não houvesse interesse por parte da iniciativa
privada. O fortalecimento do mercado interno diminuiria a vulnerabilidade brasileira às crises
internacionais e conferiria, assim, efetiva independência política ao Brasil.

2.2.2 – Eugênio Gudin e o “liberalismo brasileiro”

Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 1886 – Rio de Janeiro, 1986) formou-se em
engenharia civil aos 19 anos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Participou em diversos

161
Id., Ibid.
162
Simonsen, 1973, p.307, grifo nosso.
163
Simonsen, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.133.
164
Id., Ibid., p.135.
69

organismos governamentais: Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos do Ministério da


Fazenda (1931), Comissão Mista de Reforma Econômica e Financeira (1935), Conselho
Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, Comissão de Planejamento
Econômico – onde travou a Controvérsia do Planejamento com Roberto Simonsen, então
membro do CNPIC. Foi delegado brasileiro em Bretton Woods (1944) e governador brasileiro
junto ao FMI e ao Bird, além de ministro da Fazenda de Café Filho (1954/55). Foi co-fundador
da Sociedade Brasileira de Economia Política (SBEP), catedrático de moeda e crédito da
Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil (1957), fundador do
Centro de Estatística e Econometria da Fundação Getúlio Vargas (CEE/FGV, 1946), vice-
presidente da FGV (1960-76) e diretor do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (antigo
CEE, 1951-59). Gudin apoiou a Revolução Constitucionalista de 1932, participou ativamente
no I Congresso Nacional de Economia (RJ, 1943) e apoiou o Golpe de 1964. No meio
empresarial, foi presidente da Associação das Companhias das Estradas de Ferro do Brasil
(1927-37) e diretor da Western Telegraph and Co. (1929-54), entre outros.165
No período que vai do início do século XIX à década de 1930, o liberalismo clássico
exportado pela Grã-Bretanha foi a concepção econômica predominante no Brasil. Com a Crise
de 1929, quando esse liberalismo perdeu força até mesmo nos países centrais da economia
capitalista mundial, ele passou por reformulações que ecoaram no Brasil. Assim, reformado –
o que leva Bielschowsky a chamá-lo de “neoliberalismo”, que não se confunde com o que ficou
conhecido como neoliberalismo no final do século XX –, perdeu a hegemonia no debate
econômico brasileiro para o desenvolvimentismo a partir dos anos 1950. Eugênio Gudin Filho
foi seu principal representante166.
Apesar da evidente impossibilidade de se opor à industrialização como tal a partir da
década de 1930, quando a teoria de vantagens comparativas foi parcialmente amputada pela
crise financeira que assolou o mundo, o lema liberal passou a ser a crítica às indústrias
artificiais, conforme argumento já desenvolvido no século XIX por personalidades como
Joaquim Murtinho167. Pode-se dizer que, em torno disso, surgiram três princípios de ação
política no Brasil: a redução da intervenção do Estado na economia; a necessidade de equilíbrio
monetário e financeiro; e a contrariedade do suporte à industrialização como política de Estado
através do planejamento168. Abaixo serão expostas algumas concepções teóricas de Gudin

165
Cf. Loureiro, 1997; Bielschowsky, 2000.
166
Cf. Bielschowsky, 2000, p.91 e seguintes.
167
Para as posições liberais de Joaquim Murtinho referentes ao mercado cafeeiro no final do século XIX, quando
era ministro da Fazenda, cf. Delfim Netto, 2009, p.44-45.
168
Cf. Love, 1998; Bielschowsky, 2001.
70

através do relatório que apresentou em 1945 à Comissão de Planejamento Econômico em


resposta ao relatório que Roberto Simonsen apresentou à CNPIC meses antes. Ambos relatórios
fizeram parte da famosa Controvérsia Sobre o Planejamento na Economia Brasileira. O
relatório de Gudin foi uma verdadeira defesa da concepção liberalista, que ele diferencia do
laissez-faire que vigorou no século XIX169.
Como a razão de ser do planejamento é seguir linhas de ação pré-determinadas, o que
passa tanto por questões econômicas como políticas, Gudin combate Simonsen em relação à
prerrogativa dessa determinação e defende o livre jogo das forças de mercado, grosso modo,
com suporte administrativo e jurídico do Estado. Dessa forma, não só combate o argumento de
que a iniciativa privada seria insuficiente para a expansão da renda nacional – um dos principais
argumentos de Simonsen, o qual seria absorvido por toda as correntes desenvolvimentistas –,
mas defende que o melhor caminho de desenvolvimento é aquele que resulta da somatória dos
esforços individuais baseados na concorrência pela maior acumulação de capital possível 170.
A crítica de Gudin ao planejamento, entretanto, não faz diferenciações entre a proposta
específica de Simonsen e o planejamento como técnica que pode assumir diversas molduras.
Assim, ele afirma que um pacto social entre o Estado e entidades de classe em torno da
interferência do Estado na economia seria o “melhor caminho para a consolidação de um regime
totalitário de capitalismo de Estado, em que já temos tão largamente avançado nos últimos dez
anos”171.
Em resposta a isso, Gudin se baseia no filósofo subjetivista francês Louis Rougier para
sua diferenciação entre os três tipos de Estado possíveis: o laissez-faire, em que a economia
carece de qualquer regulamento; o socialista, em que a autoridade central fixa a rota e o percurso
da economia; e o liberal, em que é mantida a liberdade de iniciativa, mas obedecendo a
regulamentações172.
A Grande Depressão teria resultado não da economia “desregulada”, mas, no seu
entender, a causa da crise seriam os “graves desacertos praticados pelas economias líderes do
mundo, especialmente pelos Estados Unidos e subsidiariamente pela Inglaterra e a França, que
têm a responsabilidade histórica das desgraças e misérias em que o mundo mergulhou na
terceira década do século XX”173, precisamente porque se desviaram dos princípios da

169
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010.
170
Cf. Id., Ibid.
171
Id., Ibid., p.61.
172
Cf. Id., Ibid.
173
Id., Ibid., p.69.
71

economia liberal devido à Primeira Guerra Mundial, perdendo o controle da inflação,


fortalecendo sua proteção aduaneira e restringindo a concessão de crédito aos demais países 174.
O planejamento seria um conceito “metafísico e nebuloso” 175. Sua mística derivaria da
experiência fracassada do New Deal estadunidense, das ditaduras italianas e alemã, que teriam
promovido a expansão econômica através da indústria da guerra, e dos planos quinquenais da
Rússia, que não teriam aplicação em qualquer outro país do mundo. Os sociólogos defensores
do planejamento forneceriam as bases teóricas para os grupos sociais que veriam nele “um
excelente instrumento de eliminação da liberdade de concorrência” 176. Assim, as indústrias
adquiririam uma posição privilegiada em detrimento dos consumidores. Em oposição ao
Estado-industrial com poderes ditatoriais no plano econômico, Gudin afirma a necessidade de
que os empreendimentos industriais estatais voltassem à economia privada. O caso da CSN
seria emblemático: seu capital deveria ser reduzido a níveis compatíveis com sua produtividade,
e as ações de propriedade do governo deveriam ser vendidas ao público com participação
permitida ao capital estrangeiro na ordem de 30% ou 40%. O erro da mística do planejamento,
assume Gudin, é que a iniciativa privada disporia, sim, de recursos suficientes para a expansão
da renda nacional, ao passo que o Estado poderia apenas emitir papel-moeda e fornecer
empréstimos bancários. Essas duas ferramentas, segundo Gudin, não apenas não gerariam
capital, mas também forçariam impostos compulsórios à população através da inflação 177.
Além disso, a iniciativa privada fugiria da colaboração com o capital estatal, pois não
confiaria em sua eficiência administrativa. Isso se daria por conta do political management, por
um lado, e pelo amparo político e diluição de responsabilidade burocrática, por outro. Para
Gudin, então, o caminho seria o restabelecimento da ordem constitucional de modo a atrair
capital estrangeiro, particularmente estadunidense, rechaçando qualquer intento de evitar novas
iniciativas concorrentes, como Simonsen havia sugerido. Pelo contrário, o capital aspiraria a
concorrer em igualdade de condições com seus competidores do mesmo ramo, “mas não a lutar
contra o Estado todo poderoso”178. As empresas públicas parasitariam o tesouro público e os
consumidores, que pagariam preços ou tarifas elevadas em troca de mau serviço. O objetivo do
inquérito em que se engaja Gudin – conclui ele na introdução do tema – seriam:
1) Trazer ao conhecimento desta comissão e do governo o balanço
quantitativo e qualitativo da capacidade, da produtividade, da eficiência e

174
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010.
175
Id., Ibid., p.77.
176
Id., Ibid., p.78.
177
Cf. Id., Ibid.
178
Id., Ibid., p.82.
72

das possibilidades econômicas de cada um dos principais setores da


atividade econômica do país;
2) Análise e indicação das providências, meios e métodos para a correção
das deficiências verificadas, com o estudo comparativo dos preços de
produção no país e no estrangeiro, tendo em vista a melhoria do padrão
de vida do povo brasileiro como principal objetivo a colimar;
3) Sugestão das medidas de incentivo e amparo que o Estado pode oferecer
à expansão e à produtividade do aparelhamento econômico das empresas
existentes ou das que se fundarem, em cada um dos setores da atividade
econômica.179
O sucesso ou insucesso da execução destes planos parciais dependeria do adequado
estímulo ao surto e expansão da iniciativa privada, da correção das deficiências e
desajustamentos da economia brasileira, do restabelecimento do equilíbrio entre a produção
destinada ao consumo e aos investimentos e, por fim, do aproveitamento dos fatores de
produção com o objetivo de maior produtividade e melhoria do padrão de vida do povo
brasileiro180.
Por isso, um dos principais objetivos a se atingir seria o estancamento da inflação em
todos os setores da economia, pois ela conduziria a uma série de desequilíbrios. O
restabelecimento da ordem monetária, segundo Gudin, dar-se-ia através da redução do volume
de obras e investimentos do governo federal ou financiados por ele; da redução da quantidade
do crédito e sua seletividade; da obrigação dos institutos de previdência social e autarquias a
investir a maior parte de suas disponibilidades líquidas em títulos do Tesouro e depositar seus
saldos monetários no Banco do Brasil; da alteração das reservas compulsórias no banco central
(cuja função fora assumida pela SUMOC) de acordo com a conjuntura; da redução da emissão
de papel-moeda; e do ajuste das taxas cambiais ao poder de compra real do cruzeiro, que estaria
então sobrevalorizado. Esses apontamentos obedeceriam a um princípio fundamental em uma
situação de pleno emprego, como seria o caso brasileiro: novos investimentos impulsionam a
inflação, mas não incrementam a produção. O diagnóstico de Gudin sobre a economia brasileira
seria de que, no Brasil, haveria situação de “hiperemprego e hiperinvestimento” 181. A solução
seria aumentar a quantidade e a qualidade dos fatores de produção; a imigração de mão-de-obra
estrangeira; a compreensão de que haveria apenas duas origens de capital, o produto das
próprias economias brasileiras e o do capital estrangeiro; e a importação de professores e
laboratórios182.

179
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.84.
180
Id., Ibid.
181
Id., Ibid., p.93.
182
Id., Ibid. Apesar de ser taxado de monetarista, essa análise se adequaria à visão keynesiana desde que se
aceitasse a tese do pleno emprego.
73

O objetivo de importar pouco através das barreiras alfandegárias levaria apenas ao


aumento do custo de vida seguido pelo aumento dos salários e dos custos das mercadorias
exportadas, o que, por sua vez, reduziria as exportações: “o verdadeiro lema é exportar muito e
importar muito”183. O melhor remédio para a proteção da indústria nacional seria a taxa cambial
correspondente ao poder de compra real do cruzeiro, e não a instauração das licenças prévias
de importação, que seria um perigoso instrumento de bloqueio aos concorrentes à indústria
nacional e, assim, de eternização da ineficiência produtiva. O protecionismo aduaneiro deveria
servir para a capacitação técnica das indústrias nascentes, a níveis moderados e de forma
temporária, cuidando para que não se eternizasse a proteção sob pena de altos lucros sem
reinvestimentos em produtividade, o que novamente puniria os consumidores com alto custo
de vida e reduziria as exportações184.
Para Gudin, industrialização não seria sinônimo de riqueza. Trata-se, então, de aumentar
a produtividade agrícola do país, “a única atividade econômica em que demonstramos
capacidade para produzir vantajosamente, isto é, capacidade para exportar”. A expansão
industrial sob a proteção de pesadas tarifas aduaneiras e do câmbio cadente levaria à
manutenção do estado de pobreza no Brasil, “ao lado do rico país que é a Argentina”185, quando,
na verdade, as condições essenciais para a industrialização seriam capacidade técnica e capital.
Apesar de defender a melhoria do padrão de vida do povo brasileiro, com melhor justiça
social e distribuição de renda, o próprio Gudin enuncia a contradição desse objetivo com o do
desenvolvimento econômico, uma vez que esse caminho se basearia em grandes sobras de
capital para investimentos, “e só os ricos podem acumular sobras” 186. Por isso, a política
tributária deveria “tributar o indivíduo de preferência à empresa e [...] reduzir ou suprimir o
imposto de renda sobre a parte dos lucros que tenham sido ‘proveitosamente reinvestidos’ em
equipamento produtivo”187.
Em relação ao capital estrangeiro, ele seria absolutamente essencial para um país em
que a acumulação de capital para investimento seria ainda escassa, como o Brasil. Ao Estado
caberia, nesse quesito, fornecer total apoio à iniciativa privada de modo que o capital – tanto
nacional quanto estrangeiro – fosse bem aplicado, sem distorções e com apoio de acordo com

183
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.99.
184
Id., Ibid.
185
Id., Ibid., p.106.
186
Id., Ibid., p.109.
187
Id., Ibid., p.111. Gudin desconsidera qualquer efeito cascata do desenvolvimento para dentro sobre os níveis de
renda e emprego nacionais. Isso se deve, entre outras razões, a sua equívoca concepção de que o Brasil estaria às
voltas com o pleno emprego dos fatores de produção, inclusive da força de trabalho.
74

sua boa aplicação. Para compensar o risco que o capital estrangeiro sofreria ao investir no
Brasil, dever-se-ia buscar: a estabilidade cambial, a faculdade de livre entrada e saída de capital,
a igualdade de tratamento com o capital nacional e taxas moderadas de imposto de renda de
modo que os fluxos de capital não fossem desviados a outros países com melhores condições.
Dever-se-ia suprimir também “quaisquer restrições ou impostos que incidam sobre a remessa
de lucros, juros ou dividendos de capitais estrangeiros investidos no país” 188.
As diferenças fundamentais entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin podem ser
nucleadas em torno de três argumentos: o papel do Estado e o planejamento; o mercado interno
ou o mercado externo como eixo do crescimento; e a interpretação da história econômica dos
países desenvolvidos. No primeiro ponto, Simonsen defendia uma decisiva atuação
governamental através de mecanismos de política econômica, particularmente o protecionismo,
da criação de uma comissão central de planejamento e da atuação direta do Estado nos setores
de infraestrutura em que não houvesse interesse da iniciativa privada. Gudin, por sua vez,
atribuía mero suporte administrativo e jurídico ao Estado, que não deveria se aventurar nas
sendas da atuação direta, pois afugentaria capitais privados nacionais e estrangeiros e seria
ineficiente. Também não deveria proteger uma indústria considerada artificial e incapaz de
concorrer com o similar estrangeiro. Por fim, defendia que não houvesse a tentativa de
planejamento global da economia, pois não caberia ao Estado a prerrogativa de determinar os
rumos do desenvolvimento, mas sim à eficiente alocação de fatores proporcionada pelo livre
jogo das forças de mercado.
Em relação ao eixo do crescimento econômico, Simonsen e Gudin também divergem
categoricamente. Para Simonsen, deve-se fortalecer o mercado interno brasileiro através da
industrialização de modo que o país conquiste efetiva independência política, sem deixar de
lado a incrementação das exportações industriais, que deveriam se basear, no entanto, no
próprio crescimento do mercado interno. Para Gudin, como a industrialização não é sinônimo
de crescimento – e pode significar mesmo o desperdício de fatores no caso das indústrias
artificiais que ele tanto reprova – as exportações primárias devem orientar o crescimento
econômico, pois a agricultura seria a única atividade econômica em que o Brasil produziria
vantajosamente.
Por fim, um terceiro ponto nodal são suas interpretações a respeito da história
econômica dos países desenvolvidos. Simonsen atenta para as particularidades históricas do
processo de industrialização no Brasil, apontando que países como Inglaterra e França adotaram

188
Gudin, In: Simonsen & Gudin, 2010, p.122.
75

políticas econômicas liberais porque estavam à frente do restante do mundo em seu processo
de industrialização, o que lhes conferia competitividade internacional para além das
possibilidades dos outros países. O Brasil, por outro lado, estaria se tornando uma nação
industrial em um momento já posterior, em que a defesa da indústria doméstica seria necessária
para fazer frente ao poder econômico das economias mais avançadas. Gudin inverte o
argumento e afirma que esta é a razão pela qual o Brasil deveria se concentrar nas atividades
em que tem vantagens comparativas – o setor agrícola – e melhorar o padrão de vida da
população através das importações industriais na medida em que seriam mais baratas e de
melhor qualidade.
O desenvolvimentismo que viria em seguida reflete um refinamento das teses de
Simonsen e mostra como Gudin perdeu espaço como alternativa de interpretação e de política
econômica. Isso ficará claro na exposição sobre os desenvolvimentistas nacionalistas do setor
público e mesmo dos desenvolvimentistas não nacionalistas do setor público. O próprio Roberto
Campos, em sua fase pós-estruturalista, legará Gudin à marginalidade.

2.3 – Caio Prado Júnior e o pecado original da industrialização

Caio Prado Júnior (São Paulo, 1907 – São Paulo, 1990) formou-se em direito em 1928
pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que seria posteriormente incorporada à USP.
Absorve o ideário liberal e democrático, crítico das instituições da Primeira República, e
sustenta a candidatura de Getúlio Vargas. Colabora na Revolução de 1930 e, depois de ser preso
por seu posicionamento comunista entre 1935 e 1937, exila-se na França de 1937 a 1939. Teve
vasta vivência no exterior para além de seu exílio. Foi eleito deputado estadual pelo PCB em
1947 e, ao ter seu mandato cassado em 1948 quando do cancelamento do registro do PCB,
dedica-se a intensa atividade intelectual. Recebe o título de livre-docente em 1954, o que não
lhe deu o direito de assumir a cátedra de Economia Política da Faculdade de Direito da USP, a
que concorreu com sua tese189.
Nessa tese190, Caio Prado Jr. considera que a historiografia deve ser a base das ciências
humanas particularmente no Brasil. Os economistas Rostow (EUA, 1916-2003) e Keynes
(Reino Unido, 1883-1946) são considerados ortodoxos por ele, pois não poderiam oferecer
perspectivas para o entrosamento entre teoria e prática, o que, mais uma vez, pesaria

189
Iumatti, 2007.
190
Prado Jr., 2001.
76

particularmente para os países periféricos. A teoria de Rostow, por exemplo, prescindiria de


qualquer concretude histórica para extrair conclusões baseadas em modelos teóricos. O autor
estadunidense classifica o desenvolvimento econômico em cinco estágios – não meramente
descritivos, mas dotados de lógica interna e continuidade – que seriam seguidos por todas as
sociedades, desde a sociedade tradicional até a era do consumo em massa191. Caio Prado Jr.
segue o caminho inverso, ou melhor, clama ser necessário sempre rever a teoria à luz dos
movimentos do real.
De sua crítica a Rostow e Keynes, o autor conclui que a medida dos investimentos de
capital, pura e simplesmente, não pode ser a base de uma análise do capitalismo. No
subdesenvolvimento, não se trataria apenas da proporção de capital que se investe: entre outras
coisas, tratar-se-ia de como se chega ao investimento contínuo de capital no processo produtivo
e como se materializam os investimentos. Em outras palavras, o desenvolvimento não pode ser
reduzido à relação entre investimento/PIB: na periferia do capitalismo, por exemplo, o fator
propulsor da demanda está no centro, o que leva ao surgimento de novos dilemas relativos à
sustentabilidade dos investimentos e, assim, de todo o processo de desenvolvimento.
O modo como se organizou a economia colonial brasileira, na qual o “apelo do lucro
comercial [...] barrava a aplicação de medidas que iam ao encontro das necessidades da massa
da população que não participava daquele lucro192, explicaria a razão de culturas tão lucrativas
como a cana-de-açúcar tomarem o território brasileiro, enquanto culturas como a mandioca, tão
necessárias a uma população frequentemente faminta e consequentemente apática – o que
frequentemente se atribuiu à miscigenação racial193 – eram desprezadas por sua irrelevância
econômica. As culturas exportadoras teriam organizado a produção para o mercado externo,
sistema que retroage em seu próprio processo de desenvolvimento e, assim, determina sua
consolidação e o aumento de seu caráter exclusivo.
A estrutura social que brota desse sistema produtivo conduziria ao surgimento de um
mercado interno composto pela demanda de bens de padrão elevado – atendida pelas
importações – e uma massa de nível econômico extremamente baixo ou fora do comércio. “E
estabelece-se com isso um círculo vicioso que tende continuamente a reforçar a situação
estabelecida, isto é, o sistema socioeconômico em que se estruturara a colonização” 194.

191
Cf. Rostow, 1960.
192
Prado Jr., 2001, p.69.
193
Cf. Freyre, 2002, “Prefácio à primeira edição”, p.6-12.
194
Prado Jr., 2001, p.71.
77

Os impulsos de superação da economia colonial teriam vindo, em última instância, da


revolução industrial inglesa: “Foi certamente o considerável progresso tecnológico,
representado pela mecanização em larga escala da produção econômica, que deslocou as
características relações de produção e o conjunto do sistema então dominante que era o do
capitalismo comercial”195. No Brasil, a transição se manifestaria através da queda do “Pacto
Colonial, que é [...] expressão perfeita do domínio do capital comercial que a nova ordem
capitalista encontra pela frente e deve destruir para se desenvolver” 196.
O monopólio do comércio por parte da Metrópole, então, teria sido derrubado pelas
forças sociais e econômicas em movimento; não teria havido mais lugar para um intermediário
parasitário como Portugal, e o Brasil passou a tomar conta do próprio comércio sem alterar sua
posição relativa na economia mundial, isto é, uma “área periférica e simples apêndice exterior
e marginal dos centros nevrálgicos e propulsores da economia internacional”197. No entanto, a
função do Brasil teria passado a ser exercida em condições distintas, “[...] sob o impulso e
comando do desenvolvimento capitalista verificado nos centros do sistema internacional em
que o país se enquadra. O que lhe vai abrir novas perspectivas”198.
O que se modifica, portanto, é a ordem internacional. Em outras palavras, o centro
dinâmico da economia brasileira ainda se encontra fora do país; da ordem internacional brota
um processo de desenvolvimento que quebraria “a repetição monótona de ciclos econômicos
sucessivos e essencialmente invariáveis, determinados por ocasionais conjunturas do mercado
internacional e sem margem alguma para diversificação” 199. O capitalismo industrial, “ou
capitalismo propriamente”200, conferiria “novo sentido e expressão”201 aos mesmos elementos
da organização e estrutura brasileiras ao tornar vital, para o centro, a periferia do capitalismo –
necessária mais do que nunca para o fornecimento de matérias-primas e alimentos. O capital
industrial teria sido capaz, então, de oferecer ao Brasil o que o capital mercantil não fora:
São recursos tecnológicos e financeiros, a iniciativa, os estímulos e habilitação
comercial engendrados pelo capitalismo e por ele postos à disposição da
economia brasileira, o que faz possível ao país estender e intensificar a sua
produção, organizar o comércio, instalar o aparelhamento necessário à
mobilização e transporte de seus produtos: estradas de ferro, instalações
portuárias, navegação marítima. [...] As novas dimensões adquiridas pela

195
Prado Jr., 2001, p.73-4.
196
Id., Ibid., p.74.
197
Id., Ibid., p.79.
198
Id., Ibid., p.80.
199
Id., Ibid., p.80.
200
Id., Ibid., p.83.
201
Id., Ibid., p.84.
78

função exportadora [...] desencadeiam um processo de desenvolvimento que


se reflete no conjunto da vida econômica e social do país. 202
Os recursos naturais abundantes do país, a conjuntura altamente favorável ao café no
mercado internacional e a predominância de capital local nos investimentos cafeeiros
explicariam o desenvolvimento brasileiro para além das limitações da economia colonial. Os
investimentos autossustentados do capital cafeeiro, a partir das condições delineadas acima,
possibilitaram a algumas regiões brasileiras “[...] conhecerem pela primeira vez o que [era] real
prosperidade, riqueza e bem-estar material”203.
O fim do tráfico de escravos e o consequente fenômeno das grandes imigrações levaram
a São Paulo oitocentista a uma ampliação geral da demanda e do consumo de bens econômicos.
Os escravos receberiam soldo, e os imigrantes, além disso, trariam consigo seus padrões de
consumo relativamente elevados. Esse mercado interno em ampliação, para Caio Prado Jr., seria
a razão pela qual a industrialização substitutiva de importações tomaria vulto a partir das
desvalorizações da moeda brasileira – o que ocorreu particularmente na Crise de 1929 e durante
a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, já nesse momento, mostrar-se-iam cada vez mais
limitados os horizontes de uma economia exportadora de gêneros primários.
Apesar do impulso dinâmico que resultou de todos esses fatores, Caio Prado Jr. não
idealizará o processo: para ele, ainda que eventualmente se completasse a substituição industrial
de importações, a mesma estrutura colonial que perduraria no Brasil – a saber, a ausência de
um desenvolvimento orgânico interno que partiria das necessidades da própria população –
continuaria habitando o desenvolvimento brasileiro sob novos termos. Como, em primeiro
lugar, a economia brasileira se estruturou sobre as exportações; e, em segundo lugar, sua
industrialização substitutiva de importações se deu já em um momento – particularmente após
a Segunda Guerra Mundial – em que as empresas transnacionais passaram a competir mais
ferrenhamente por novos mercados, então, essas empresas transnacionais se instalariam no
Brasil “nas melhores, mais lucrativas e estratégicas posições” 204.
Como se não bastassem os crescentes serviços de empréstimos públicos e privados
através da contração de novos empréstimos para o pagamento dos anteriores, o capital
estrangeiro clamaria por sua remuneração. Isso condenaria o Brasil, a todo momento, a um
quase afogamento: divisas sempre precisariam ser geradas em maior escala para remunerar esse
capital – que investia mais e mais – e para o pagamento dos serviços das dívidas. Mesmo em

202
Prado Jr., 2001, p.85.
203
Id., Ibid., p.96.
204
Id., Ibid., p.126.
79

um contexto de “industrialização intensiva”205, então, com decisivos e contínuos estímulos do


Estado para a substituição de bens de capital, a economia brasileira estaria eternamente fadada
ao desequilíbrio externo, por um lado, e à deficiência interna, por outro, uma vez que seria uma
indústria “desordenadamente implantada”, sem outro critério que as “artificiais facilidades
oferecidas e o estimulo imediatista de um lucro fácil e rápido”. Ela resultaria não da seleção
através da concorrência ou de um “planejamento integrado e de conjunto”, mas se constituiria
de um “caótico aglomerado de atividades” implantadas sem atenção a sua viabilidade no longo
prazo – padrões de qualidade, custos, disponibilidades de matérias-primas, insumos acessíveis
e perspectivas futuras de mercado. Incentivada, além disso, “unicamente pelo vácuo deixado
com a exclusão de alguns produtos antes importados e cujo preenchimento se promovera tão
artificiosamente” em um contexto de despreparo tecnológico e dos quadros administrativos 206.
Ainda de acordo com o autor:
Essa indústria não atenderá cabalmente nem mesmo ao objetivo essencial a
que originariamente se destinara, a saber, a substituição de importações e
conseqüente economia de divisas. Isso porque freqüentemente a economia
realizada com a produção interna substitutiva, se anulava com a importação
de insumos necessários àquela produção e que o país não estava em condições
de produzir, ou não produzia suficientemente.207
Os aspectos mais negativos da industrialização brasileira se revelariam, no entanto, na
falta de perspectivas amplas decorrente do reduzido mercado que lhe serviria de base. Apesar
do desenvolvimento econômico que inegavelmente teria ocorrido no Brasil depois de sua
emancipação política, não se poderiam superestimar as modificações estruturais da sociedade
brasileira. Seus traços originários estariam preservados, particularmente naquilo que se refere
aos baixos padrões culturais, materiais e de consumo a que a inferiorização socioeconômica das
classes trabalhadoras e populares as condenaria. “E isso nos dá desde logo a medida do mercado
interno brasileiro e de sua insuficiência como base e força propulsora eficiente do progresso
industrial”208.
Para Caio Prado Júnior, portanto, a economia brasileira seguiria condenada a atender a
necessidades estranhas. A indústria nacional não se orientaria para as “necessidades gerais e
fundamentais [...] do conjunto de sua população”209, mas para a demanda de um setor pequeno
e excepcional. O desenvolvimento almejado pelo historiador paulista passaria por um tipo
distinto de industrialização, que se basearia num processo autopropulsor que, por si só, abriria

205
Prado Jr., 2001, p.123.
206
Id., Ibid., p.116.
207
Id., Ibid., p.116-7.
208
Id., Ibid., p.119.
209
Id., Ibid., p.121.
80

gradualmente novos e cada vez mais amplos horizontes; que suscitaria uma atividade
econômica capaz de absorver e incorporar o crescimento demográfico em nível adequado, o
que ofereceria os impulsos necessários para a expansão das atividades econômicas – industriais
e agrícolas – em proporções e condições que assegurassem um ritmo suficiente de crescimento
do mercado.
O “acanhado mercado consumidor interno e sua defeituosa estrutura” 210 estariam na
base desse desenvolvimento restringido e insustentável. A expansão dos investimentos
estrangeiros asseguraria, para o capital estrangeiro, “posições cada vez mais fortes e poderosas
no interior da economia brasileira”211, pois torná-los-ia “força decisiva em alguns dos principais
setores do comércio e do mercado internos” 212:
O núcleo verdadeiramente dinâmico da indústria brasileira se constituirá em
nada mais que uma constelação de filiais de empresas internacionais em cuja
órbita girará quase tudo que a nossa indústria conta de mais expressivo. O que
representa um grave embaraço oposto à transformação da economia brasileira,
apesar do estímulo que num primeiro momento aquelas iniciativas
estrangeiras proporcionam. Efetivamente, a posição dominante e decisiva que
o capital internacional ocupa na economia brasileira tende permanentemente
a reconduzi-la para a anterior situação centrada na função exportadora.213
A remuneração do capital estrangeiro somente poderia ser satisfeita com divisas
provenientes das exportações, cuja disponibilidade definiria o próprio ritmo de investimentos
desse capital. Isso demonstraria “a estreita relação de dependência que o predomínio de
empreendimentos internacionais na indústria brasileira determina entre o processo de
industrialização e as exportações brasileiras”. Esse seria o elo do processo com o passado
colonial fundado na exportação de produtos primários214.
O “pecado original” da industrialização brasileira, assim, tolheria perspectivas e
horizontes. Teria criado uma dualidade setorial em que o setor tradicional produz gêneros
primários para a exportação enquanto outro setor emerge dele, desta vez baseado na indústria e
voltado para o mercado interno, gerando, entretanto, novos tipos de dependência sujeitos aos
fluxos de divisas das exportações primárias. O sistema colonial, assim, reforçar-se-ia.
Florestan Fernandes, no prefácio à tese de livre-docência de Caio Prado Júnior publicada
em 1968, tece uma crítica contundente em meio a suas concordâncias. Caio Prado Jr. não teria
atentado ao fato de que o capital mercantil perde sua função hegemônica e determinante com a

210
Prado Jr., 2001, p.124.
211
Id., Ibid., p.125.
212
Id., Ibid., p.125.
213
Id., Ibid., p.126-7.
214
Id., Ibid., p.127.
81

industrialização do país. Agora atado ao capital industrial e, mais à frente, também ao capital
financeiro “típico do capitalismo monopolista e da espécie de imperialismo que ele
engendra”215, o capital mercantil não determina a manutenção do ciclo vicioso do sistema
colonial, cuja persistência se deve a fatores inéditos. À investigação historiográfica caberia dar
o tom dos entrosamentos forjados por nova situação histórica216.

2.4 – Celso Furtado: entre utopia e realidade

Celso Monteiro Furtado (Pombal-PB, 1920 – Rio de Janeiro, 2004) formou-se em


Direito pela Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro em 1944. Em 1945, atuou por
alguns meses na Força Expedicionária Brasileira em sua campanha na Itália durante a Segunda
Guerra Mundial. Entre 1946 e 1948, realizou seu doutorado em Economia na Universidade de
Paris-Sorbonne com uma tese sobre a economia colonial brasileira. Integrou-se à Cepal em
Santiago do Chile em 1949. Presidiu o Grupo Misto BNDE-Cepal (1953) e foi diretor do
BNDE. Em 1954, participou da fundação do Clube de Economistas. Foi superintendente da
SUDENE, criada em 1959 com sua assessoria. Em 1962, foi ministro do Planejamento de João
Goulart, quando elabora o Plano Trienal. Tem seus direitos políticos cassados em 1964, quando
passa a realizar intenso trabalho intelectual no exterior até a promulgação da Lei da Anistia em
1979217.
Buscaremos suas contribuições através de três livros fundamentais: Formação
Econômica do Brasil, de 1959, A Pré-Revolução Brasileira, de 1962, e Dialética do
Desenvolvimento, de 1964.
Em seu clássico Formação Econômica do Brasil, Furtado oferece uma interpretação
estruturalista do desenvolvimento econômico brasileiro. Publicado em 1959 e dividido em
cinco partes, que se iniciam na ocupação territorial do que hoje é o Brasil, foi indubitavelmente
lido e debatido por todos que discutiram a economia brasileira desse momento em diante. O
que nos interessa aqui é particularmente sua exposição referente à industrialização do Brasil.
Em fins de 1929, após a queda no preço de todos os produtos primários no mercado
mundial, a produção cafeeira sofreu um impacto maior que outras culturas, uma vez que houve
grande acumulação de estoques em 1929, “rápida liquidação das reservas metálicas brasileiras

215
Fernandes, Prefácio. In: Prado Jr., 2001, p.10.
216
Cf. Prado Jr., 2001.
217
Cf. Loureiro, 1997; Sudene, Quem foi Celso Furtado. Acesso em 25 nov. 2015; CPDOC-GVT, Celso Furtado.
Acesso em 25 nov. 2015.
82

e as precárias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro”218.


Assim, somar-se-ia uma crise do lado da demanda com uma crise do lado da oferta.
Como consequência, “a baixa brusca do preço internacional do café e a falência do
sistema de conversibilidade acarretaram a queda do valor externo da moeda”219. Dada a crise
de superprodução conjugada com a baixa dos preços, uma vez que a demanda do produto seria
inelástica, uma quantidade considerável teria permanecido “sem nenhuma possibilidade de
colocar-se no mercado”220. Seria necessário, então, para os produtores de café e para o governo,
evitar que a acumulação de estoques invendáveis pressionasse os mercados e ocasionasse,
assim, maior baixa de preços, uma vez que isso levaria ao simples abandono da colheita, isto é,
à concentração das perdas no setor cafeeiro.
Como se continuava colhendo mais café do que se podia vender, a solução foi a
destruição do excedente para que se evitasse maior baixa dos preços. Obter-se-ia, assim, o
equilíbrio entre oferta e procura em nível mais elevado de preços. “Dependendo, assim,
fundamentalmente da estrutura da oferta, o preço do café atravessou o decênio dos anos 30
totalmente indiferente à recuperação que, a partir de 1934, se operava nos países
industrializados”221. Dessa forma, o período pós-crise teria assistido à manutenção do preço do
café no mercado internacional em um patamar baixo, a despeito de ter havido elevação geral
dos preços dos produtos primários. A manutenção dos preços mínimos de compra do café –
através de retenção e destruição dos estoques –, por outro lado, teria logrado a manutenção do
nível de emprego não apenas no setor exportador, mas indiretamente também nos setores
produtivos ligados ao mercado interno, pois se teria obtido a redução do efeito multiplicador
do desemprego, isto é, teria sido mantido certo nível do consumo ligado ao mercado interno222.
A recuperação da economia brasileira, portanto, a partir de 1933, teria decorrido da
política de fomento seguida “inconscientemente”223 no Brasil e que teria sido um subproduto
da defesa dos interesses cafeeiros, e não de qualquer fator externo.
Como a defesa do café teria pressionado a estrutura do sistema econômico? O fomento
de renda decorrente dos investimentos na estocagem do café em defesa dos interesses do setor,
ligado à desvalorização cambial, teria provocado queda no coeficiente de importações do

218
Furtado, 2006, p.264.
219
Id., Ibid., p.265.
220
Id., Ibid., p.265.
221
Id., Ibid., p.267.
222
Cf. Id., Ibid.
223
Id., Ibid., p.272-273.
83

Brasil: “Cria-se, em consequência, uma situação praticamente nova na economia brasileira, que
era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital”224.
Após a crise, assim, o fator dinâmico principal da economia brasileira teria se transferido
para o mercado interno, que, em tal conjuntura, teria naturalmente aumentado sua taxa de
rentabilidade. O setor voltado ao mercado externo, por outro lado, teria reduzido seus lucros.
Desse modo, “As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas
por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam
ou desinvertiam no setor de exportação”225.
A expansão da capacidade produtiva interna se daria com a importação de
equipamentos, mas numa primeira fase teria havido utilização da capacidade ociosa já instalada
no país. Isso teria possibilitado maior rentabilidade para o capital aplicado e criado os fundos
necessários, dentro da própria indústria, para sua expansão subsequente. Ter-se-ia apresentado,
além disso, a possibilidade de adquirir equipamentos de segunda mão no exterior a preços
baixos: “Algumas das indústrias de maior vulto instaladas no país, na depressão, o foram com
equipamentos provenientes de fábricas que haviam fechado suas portas em países mais
fundamente atingidos pela crise industrial” 226.
O aumento da produção para o mercado interno e a forte elevação dos preços dos bens
importados acarretada pela desvalorização cambial, segundo Furtado, “criaram condições
propícias à instalação no país de uma indústria de bens de capital” 227. Entre 1929 e 1932, por
exemplo, de acordo com Furtado, a produção de ferro, aço e cimento aumentou 60% no país.
A economia teria, portanto, encontrado estímulo interno para anular os efeitos depressivos
vindos de fora e para continuar crescendo, além de que teria conseguido produzir parte dos
materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva 228.
A capacidade para importar não se recuperou na década de 1930; a quantidade de
exportações aumentou, mas “o poder aquisitivo da unidade de exportação com respeito à
unidade de importação se havia reduzido à metade”229. Essas modificações bruscas na estrutura
econômica teriam gerado persistentes desequilíbrios. O mais significativo deles, segundo
Furtado, talvez fosse o que afetava o balanço de pagamentos230:

224
Furtado, 2006, p.277.
225
Id., Ibid., p.278.
226
Id., Ibid., p.279.
227
Id., Ibid., p.279.
228
Id., Ibid.
229
Id., Ibid., p.280.
230
Id., Ibid.
84

[...] a formação de um só mercado para produtores internos e importadores –


consequência natural do desenvolvimento do setor ligado ao mercado interno
– transformou toda a taxa cambial em um instrumento de enorme importância
para todo o sistema econômico. Qualquer modificação, num sentido ou
noutro, dessa taxa acarretaria uma alteração no nível dos preços relativos dos
produtos importados e produzidos no país, os quais concorriam em um
pequeno mercado. Era perfeitamente óbvio que a eficiência do sistema
econômico teria de prejudicar-se com os sobressaltos provocados pelas
flutuações cambiais. 231
Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, ter-se-ia utilizado o mesmo expediente da
fixação cambial, mas então a situação era diversa. O fluxo de poder de compra criado não teria
encontrado uma indústria interna com capacidade ociosa, mas, pelo contrário, com pleno uso
de sua capacidade produtiva e com produtividade decrescente por conta das restrições no
comércio mundial, mas, por outro lado, o poder de compra interno aumentava com a elevação
dos preços de exportação:
Entre 1939 e 1949 [eleva-se] o nível de preços dentro do país,
comparativamente ao nível dos preços de importação. Houve, portanto, uma
revalorização da moeda brasileira, apenas ocultada pelo sistema de controle
de câmbio. Tende a restabelecer-se a paridade entre o poder de compra interno
e o externo que havia prevalecido em 1929. É fácil perceber que uma
modificação dessa ordem traria consequências profundas para o sistema
econômico.232
No pós-guerra, as importações aumentaram consideravelmente. Segundo Furtado, duas
soluções teriam se apresentado para a correção desse desequilíbrio: a forte desvalorização da
moeda ou o controle seletivo das importações. A primeira geraria desemprego e contrariaria
muitos e fortes interesses. A segunda, que foi a opção adotada, parece-lhe tê-lo sido sem
consciência de seu verdadeiro alcance. A redução relativa das importações de manufaturas
acabadas, em benefício dos bens de capital e matérias-primas, foi destinada ao combate da alta
de preços. Com isso, o setor industrial, segundo Furtado, teria sido duplamente favorecido:
matérias-primas e equipamentos podiam ser adquiridos a preços baixos ao passo que a
concorrência externa foi reduzida ao mínimo. Isso teria levado ao aumento da taxa de
capitalização e, assim, à intensificação do processo de industrialização 233.

2.4.1 – Desenvolvimento e subdesenvolvimento

231
Furtado, 2006, p.286-7.
232
Id., Ibid., p.300.
233
Cf. Id., Ibid.
85

Como Caio Prado Júnior, Furtado pensa que “[...] utilizamos para captar e interpretar a
realidade econômica um aparelho conceitual inadequado”234. Ele anseia pelo estabelecimento
de uma política de desenvolvimento adequada ao Brasil. “A miragem de um
desenvolvimento”235 anterior aos anos trinta, impulsionado por exportações crescentes, teria
dado lugar a um “longo período de transição que vem até os dias atuais”236.
Entretanto, o desenvolvimento não se trata de fatalidade histórica, segundo Furtado, e
sim de uma oportunidade que pode ou não se realizar. Até 1930, a miragem de desenvolvimento
ocorreu por indução de fatores externos: o Brasil se integrava “em uma linha em expansão do
comércio internacional”237, que trazia “o influxo das forças dinâmicas do mercado mundial em
expansão, o que nos permitia crescer em extensão”238.
Após 1930, encerrou-se a “economia de tipo colonial”239 no Brasil. O café adquiriu o
papel principal do enredo, pois se assentou sobre uma “ampla base salarial” 240 e dotou o país
de um mercado interno no qual se apoiaria o desenvolvimento industrial. Assim, a economia
brasileira conseguiu se desvencilhar das amarras externas e adquirir dinamismo próprio através
dos investimentos industriais apoiados no mercado interno: “Cada novo impulso para a frente
significaria maior diversificação estrutural, mais altos níveis de produtividade, maior massa de
recursos para novos investimentos, expansão mais rápida do mercado interno, possibilidade de
superar-se permanentemente”241. O impulso industrial trouxe, para dentro do Brasil, o centro
dinâmico de sua própria economia e vinculou as distintas regiões nacionais a esse centro
dinâmico – o que significa, em outras palavras, que o principal centro de decisões relacionadas
à vida econômica do país foi internalizado.
O desenvolvimento brasileiro entre as décadas de 1930 e 1960, do mesmo modo que a
fase anterior a 1930, teria resultado “muito mais de uma imposição histórica do que da tomada
de consciência da realidade nacional pelos homens que dirigiram o país”242: a ajuda ao setor
cafeeiro criou pressão sobre o balanço de pagamentos, o que aumentou a rentabilidade de
manufaturas incipientes voltadas ao mercado interno. Ao tentar preservar a velha economia de

234
Furtado, 1962, p.11.
235
Cf. Furtado, 1962, p.64.
236
Cf. Id., Ibid.
237
Id., Ibid., p.107.
238
Id., Ibid., p.107.
239
Id., Ibid., p.109.
240
Cf. Id., Ibid.
241
Id., Ibid., p.109-10.
242
Id., Ibid., p.65.
86

exportação em crise, então, o Estado teria indiretamente promovido “uma industrialização de


tabela”243.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado brasileiro teria assumido políticas anti-
industrialistas, como no início do governo Dutra, ou vacilantes, como entre 1948 e 1953, que
favoreceram investimentos especulativos industriais em setores manufatureiros pouco
essenciais, ao passo que o desenvolvimento industrial em setores essenciais era insuficiente. À
falta de complementaridade dos investimentos industriais privados soma-se a “ausência de uma
política de investimentos de infraestrutura de parte do poder público”244.
Os “desequilíbrios estruturais acumulados” 245 teriam trazido novas contradições que se
intensificaram e teriam apresentado, em 1953-54, dois caminhos possíveis ao Brasil: a adoção
das medidas monetaristas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que implicariam na
contração dos investimentos para reduzir a pressão inflacionária, ou a manutenção dos
investimentos a despeito da inflação. A partir de 1953, delineia-se a segunda resposta através
do início da estruturação de uma política de desenvolvimento através do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico. A velha
estrutura colonial havia sido enterrada no passado, e a primeira etapa da industrialização estava
encerrada, quando o processo já teria adquirido “uma fase de semi-automatismo”246.
A busca por menor dependência das exportações teria levado o Brasil à internalização
dos centros de decisões. E qualquer governo brasileiro deveria assumir, como seu objetivo, o
desenvolvimento com base na industrialização, caso contrário entraria “em choque com as
forças profundas que conformam o nosso processo histórico nesta fase” 247. Essas forças se
revelariam, por exemplo, nas contradições que surgiram da limitação da capacidade para
importar, a qual teria atingido seu ponto crítico nos anos 1950. Foi necessário ao Estado prover
a infraestrutura capaz de resolver o problema econômico estrutural através de intensificação de
esforços nos setores siderúrgico e dos metais não-ferrosos (particularmente o alumínio) e a
abordagem dos grandes problemas relativos ao setor petrolífero e de produção de equipamentos.
À medida que isso reduzisse a importância, para o Brasil, de sua capacidade para importar,
aumentaria a flexibilidade de todo o sistema econômico.

243
Cf. Furtado, 1962.
244
Id., Ibid., p.66.
245
Id., Ibid., p.67.
246
Id., Ibid., p.68.
247
Id., Ibid., p.70.
87

Para Furtado, o Brasil se encontrava, naquele momento, “no umbral de sua transmutação
em nação industrial”248, e os instrumentos de autodeterminação disponíveis ao país se tornaram
inauditos e singulares:
As decisões de construir Brasília, de rasgar o território nacional, de sul a norte
e leste a oeste, de grandes estradas e de abordar de frente o problema dos
desequilíbrios regionais, assim como o grande movimento de opinião visando
a romper a anacrônica estrutura agrária, indicam claramente a direção em que
estão apontando as forças mais progressistas do país.249
Em uma economia desenvolvida, segundo Furtado, bastaria ao Estado estimular
indiretamente o processo de desenvolvimento através de “medidas de ordem monetária, fiscal,
cambial e mesmo de certo controle dos salários e dos preços”250, tendo por meta a alta ocupação
dos fatores de produção. Contudo, “em um país subdesenvolvido típico como o nosso” 251, o
bem-estar social e a melhoria das condições de vida da população não dependeriam apenas da
estabilidade do sistema econômico. Para ele, “uma economia subdesenvolvida padece de um
desequilíbrio estrutural ao nível dos fatores” 252. As concepções de Furtado a respeito das
características das economias subdesenvolvidas levariam Bielschowsky a chamá-lo de
“keynesiano atípico”253.
Nesse contexto, a simples manutenção dos preços (o controle inflacionário através da
contração de investimentos) levaria a um desgaste dos fatores de produção da economia,
causando danos às possibilidades de desenvolvimento com bem-estar. A ação estatal é central,
então, para criar condições para o surgimento e a consolidação do empresário privado, o que só
poderia ser alcançado através de um esforço planejado e sistemático254:
[...] em face da debilidade da classe empresarial numa economia
subdesenvolvida, é possível que a ação supletiva do Estado deva ser muito
ampliada ou deva assumir formas inaceitáveis em economias de elevado grau
de desenvolvimento. A ação estatal, visando à formação da classe empresarial,
à reorientação dos investimentos, a uma mais rápida acumulação de capitais,
redução dos riscos, etc. assume, aparentemente, a forma de drástica redução
na área do laissez-faire.255
A compreensão da necessidade do esforço sistemático do Estado para o
desenvolvimento através do planejamento deveria levar à adequada estruturação e equipamento

248
Furtado, 1962, p.114.
249
Id., Ibid., p.115-6.
250
Id., Ibid., p.74.
251
Id., Ibid., p.75.
252
Id., Ibid., p.75.
253
Bielschowsky, 2000, p.135.
254
Furtado, 1962.
255
Id., Ibid., p.75.
88

de sua estrutura administrativa. O Estado teria de ser aparelhado para lutar pelo
desenvolvimento. A “total reestruturação administrativa” 256 do Estado brasileiro seria a única
possibilidade de deitar as bases para uma política exitosa de desenvolvimento e reconstrução
do país. Furtado nos brinda, então, com sua conclusão: “[...] o mais importante [neste novo
momento da industrialização] não é que podemos autodirigir-nos [sic], e sim que não nos resta
outra saída senão fazê-lo”257. Isso revela uma visão otimista acerca das potencialidades do país.
Em seu livro Dialética do Desenvolvimento, de 1964, o que nos interessa são as
considerações de Furtado a respeito dos dilemas do desenvolvimento brasileiro no início da
década de 1960. Apesar de ter sido publicado após o Golpe de 1º de abril, o livro foi escrito
ainda sob o regime democrático. Aqui o autor muda de tom e as contradições aparecem por
todo lado.
A piora dos temos de intercâmbio ocorrida a partir de 1955 teria levado a um progressivo
endividamento externo compensatório, o qual criaria uma situação insustentável com respeito
ao balanço de pagamentos. Além disso, como não havia incrementação da renda real do país, a
inflação teria se transformado em mera redistribuição da renda preexistente. Isso teria levado a
burguesia agrária a defender sua renda através do aumento dos preços agrícolas, o que se
traduziria em um racionamento punitivo à população e em novo motor inflacionário. O
endividamento externo, nesse contexto, teria se transformado em fonte de financiamento dos
investimentos estratégicos. A manutenção dos investimentos demandaria maior endividamento,
cuja tentativa de contenção repercutiria no crescimento da economia258.
Nesse sentido, para Furtado, teria chegado o momento em que o capitalismo industrial
brasileiro “encontrou obstáculos de natureza estrutural, cuja superação parece impraticável
dentro do presente marco institucional e pelos meios a que estão afeitas as classes dirigentes”259,
de modo que haveria sérias contradições entre o modo operativo da economia – quanto aos
setores externo, agrícola e fiscal (exatamente as questões formuladas por Delfim Netto e
Roberto Campos) – e os requisitos para a manutenção de uma elevada taxa de investimento.
Por isso, Furtado coloca a questão: “Está a sociedade brasileira armada para superar as
dificuldades que presentemente se antepõem ao desenvolvimento econômico do país, ou a
solução será imposta pelos acontecimentos, uma vez alcançado aquele ponto em que as tensões
estruturais são socialmente insuportáveis?” 260.

256
Furtado, 1962, p.79.
257
Furtado, 1964, p.10.
258
Cf. Id. Ibid.
259
Id., Ibid., p.128.
260
Id., Ibid., p.128-129.
89

Nessa encruzilhada, Furtado enfatiza o caráter parasitário dos grupos agrários:


[...] longe de ser simples redistribuição de um excedente, a atuação dos grupos
agrários semifeudais reveste-se da forma de uma esclerose do sistema
econômico, estrangulando a industrialização mediante uma extrema rigidez na
oferta de alimentos. Este problema real, entretanto, não encontra ressonância
ideológica ao nível da classe dirigente em face da agudização de outros
problemas mais amplos que levam os grupos capitalistas a se apoiarem
mutuamente.261
O setor dirigente agrário seria fator de “séria inflexibilidade estrutural”262. O
empresariado industrial, por sua vez, não poderia responder a esse problema estrutural porque
seria incapaz de tomar consciência de seu conflito de interesses com o setor agrário. Esse
conflito estaria nucleado no cerceamento do desenvolvimento industrial pelas limitações na
capacidade para importar. O apoio mútuo entre esses dois setores, então, formataria novo fator
impeditivo da superação desses obstáculos estruturais, o que teria aberto o caminho para que o
capital estrangeiro assumisse o controle de segmentos crescentes da nova economia industrial
em formação:
A nova classe capitalista industrial, sem experiência e carente de maior
profundidade de visão, encontrou, via de regra, em concessões a grupos
externos a linha de menor resistência para solução de seus problemas
ocasionais. Do ponto de vista dos interesses da empresa, essa foi muitas vezes
a atitude mais racional. Mas, do ponto de vista nacional, a acumulação dessas
decisões individuais teria repercussões que só a mais longo prazo seriam
percebidas. 263
Surgiria uma economia industrial, então, com uma necessidade crescente de insumos e
divisas, os quais excederiam as possibilidades presentes e futuras da capacidade de importar,
ademais orientada para padrões de consumo incompatíveis com o grau de desenvolvimento
brasileiro. Isso teria sido agravado pela inflação, que permitiria, aos grupos estrangeiros, a
acumulação de parcela significativa da poupança nacional a taxas negativas de juros, e pela
bonificação de empresas estrangeiras através da política cambial, que lhes permitia a
reintrodução, a uma taxa favorecida, dos lucros auferidos no país e já remetidos ao exterior. O
resultado seria um amplo processo de desnacionalização da economia, que levaria
inevitavelmente ao estrangulamento externo. Mais grave, no entanto, teria sido a emergência
de uma situação de “contradição entre os interesses mais amplos do desenvolvimento nacional
e os interesses particulares das milhares de empresas controladas por grupos estrangeiros que

261
Furtado, 1964, p.130.
262
Id., Ibid., p.130.
263
Id., Ibid., p.132.
90

operam com custos em divisas de tipo mais ou menos irremovível”264. Para Furtado, a solução
seria tanto a paralisação do desenvolvimento através da brusca redução das importações como
o aparelhamento do Estado no sentido de uma ação polivalente e complexa 265.
Dada a incapacidade da classe dirigente brasileira de compreender o problema, a solução
transcenderia sua capacidade operacional e deveria, portanto, emergir da interação de forças
mais amplas. E Furtado avança:
Situações dessa ordem conduzem, quase necessariamente, à ruptura do
equilíbrio de forças existente e à superação dos métodos políticos
convencionais. A tomada de consciência do problema indica, de alguma
forma, que foi superada a fase do simples impasse e que se criaram condições
para a busca eficaz de uma solução. Esta poderá assumir várias formas, sendo
a mais corrente a cisão dentro da classe dirigente, aproveitando-se grupos
minoritários mais lúcidos da situação para deslocar os ocasionais detentores
do poder, mediante a mobilização das grandes massas com base numa
linguagem nova que corresponda às suas aspirações. Somente condições
históricas muito especiais conduziram a subversões sociais de maior
profundidade, com eliminação imediata ou progressiva da classe dirigente e
liquidação de suas bases econômicas.266
Furtado, assim, antevia uma “situação pré-revolucionária”267, mas não se arriscava a
dizer quais seriam os rumos que a realidade iria tomar. Limitou-se a constatar que a
instabilidade e o mal-estar da situação conduziam a golpes e contragolpes de toda ordem por
parte de grupos minoritários das classes dirigentes com o objetivo de frustrar um processo
revolucionário em gestação268. Desse modo, para Furtado, os impasses na situação econômica
exigiriam solução política. Como veremos adiante, tanto para Roberto Campos como para
Delfim Netto, pelo contrário, os impasses políticos exigiriam solução econômica.

2.5 – Roberto Campos: entre o estruturalismo e o “entreguismo”

Roberto Campos (Cuiabá, 1917 – Rio de Janeiro, 2001) foi seminarista e,


posteriormente, funcionário público e diplomata. Realizou seus estudos de economia nas
universidades George Washington e Columbia, nos Estados Unidos, no início da década de
1940. Ele teve intensa participação em vários organismos do Estado brasileiro. Foi funcionário
do Departamento Econômico do Itamarati no início dos anos 1940, delegado brasileiro em
Bretton Woods (1944), delegado brasileiro em congressos, conferências e sessões de

264
Furtado, 1964, p.133.
265
Cf. Id., Ibid.
266
Id., Ibid., p.134, grifo nosso.
267
Id., Ibid., p.136.
268
Cf. Id., Ibid.
91

organismos internacionais (1947-50), participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos


(1951), foi diretor econômico do BNDE (1952), diretor superintendente do BNDE (1955), teve
grande participação na formulação do Plano de Metas de JK, foi presidente do BNDE (1958),
embaixador nos EUA (1961-64) e ministro do Planejamento (1964-67). Foi também professor
do CNE, professor de política monetária na FNCE, após a aposentadoria de Gudin, e membro
da Apec. Atuou no Ipes e apoiou o Golpe de 1964, sendo acusado de entreguista por seus ex-
colegas heterodoxos. Assumiu a pasta do Planejamento no governo Castelo Branco269.
Ao se expor o pensamento de Roberto Campos, é imprescindível apontar que ele alterou
seu posicionamento ao longo da década de 1950, particularmente a partir da metade da década.
Ele se afastou do estruturalismo da Cepal e passou, cada vez mais, a defender posicionamentos
mais ortodoxos, como veremos adiante.
Para ele, o subdesenvolvimento estampa sua marca nos países em que a “grande
maioria”270 da população ativa está ocupada em atividades primárias com aplicação de
processos “primitivos”271 de produção e baixo nível de renda per capita. A superação do
subdesenvolvimento se daria através do planejamento, cuja definição o autor toma emprestado
do social-democrata alemão Carl Landauer: a “orientação das atividades econômicas por um
órgão comunal, mediante um esquema que descreve, em termos quantitativos assim como
qualitativos, os processos produtivos que devam ser empreendidos durante um período futuro
prefixado”272. Assim, seria mais concreto que um plano de ação, mas menos concreto que um
projeto, “o qual pormenoriza uma operação individual em todos os seus detalhes econômicos e
técnicos”273; seria, em outras palavras, “um método racional de expressar a volição coletiva” 274.
Para defender o planejamento, Roberto Campos combate a ideia de que as ações
econômicas dos indivíduos convergem para uma distribuição social ótima dos recursos e fatores
ao promoverem sua prosperidade; assim como combate a noção de que forças imanentes, no
mercado, tendem a corrigir os desequilíbrios econômicos que resultam da incoerência das
decisões individuais. O lento ritmo do desenvolvimento econômico espontâneo dos países
subdesenvolvidos teria demonstrado sua impraticabilidade, e a questão fundamental, para ele,

269
Cf. Loureiro, 1997.
270
Campos, 1963, p.10.
271
Id., Ibid., p.10.
272
Landauer, 1944, p.13, apud Campos, 1963, p.10.
273
Campos, 1963, p.10.
274
Id., Ibid., p.10.
92

seria menos a discussão da pertinência da intervenção governamental na economia através do


planejamento do que a determinação da forma e do escopo desse planejamento275.
O Campos estruturalista está preocupado em compreender as necessidades inerentes à
situação de atraso econômico. Nos países desenvolvidos, o planejamento parcial e supletivo
buscaria predominantemente a manutenção do pleno emprego como lastro do estado de bem-
estar social, isto é, objetivaria o combate ao desemprego cíclico, a distribuição mais equitativa
da renda nacional e a coordenação da aplicação de recursos, evitando o desperdício 276; nos
países subdesenvolvidos, por outro lado, o principal objetivo do planejamento seria a aceleração
do ritmo do desenvolvimento econômico, “que seria demasiado lento [...] se deixado à iniciativa
espontânea”277. Campos assume, portanto, a debilidade da iniciativa privada para a promoção
do desenvolvimento, pois lhe faltaria experiência na gestão de empresas que, associada a uma
desigual distribuição de renda, concentraria o poder da iniciativa econômica em poucas mãos.
Isso levaria à necessidade de o Estado atuar mais que supletivamente, “aplicando estímulo
simultâneo a vários campos de investimento”278 através de sua “faculdade telescópica”279, cuja
implicação seria o sacrifício do consumo presente em benefício do consumo futuro. Como
exemplo dessa faculdade, que permitiria o direcionamento dos investimentos para setores
prioritários, cita o caso soviético, em que os planos quinquenais reservavam 77% dos
investimentos industriais para a indústria de bens de produção, e o caso polonês, em que, pelo
contrário, declarou-se que a finalidade mesma do plano de reconstrução econômica era o
aumento do consumo, isto é, o Estado teria a capacidade de direcionar os investimentos de
acordo com as necessidades do desenvolvimento nacional.
A debilidade da iniciativa privada, no Brasil, associar-se-ia à pouca densidade de capital
disponível e, assim, ao baixo nível de poupança, o que dificultaria a captação dos vultosos
recursos necessários para investimentos concentrados; isso se agravaria através das
necessidades de consumo imediato280. Ele prega, então, o adiamento do consumo através do
regime tributário, mas relativiza esse aspecto com a expectativa de aumento do consumo futuro:
O grau de flexibilidade no adiamento do consumo ou na preterição de certos
investimentos de rendabilidade [sic] imediata, em benefício de investimentos

275
Cf. Campos, 1963.
276
Id., Ibid., nota 5, p.13.
277
Id., Ibid., p.14.
278
Id., Ibid., p.14.
279
Id., Ibid., p.17.
280
Cf. Id., Ibid., p.15. “Avulta, nestas condições, a importância do mecanismo fiscal de captação de fundos, que
permite ao Estado tornar-se uma bacia de captação de recursos suscetíveis de aplicação maciça. Daí decorrem,
simultaneamente, a necessidade de programas governamentais para a aplicação desses recursos, e de um esquema
de prioridades que discipline essa aplicação”.
93

de produtividade a mais longo prazo, depende naturalmente das condições


econômicas ou institucionais de cada país e do padrão de vida inicial 281.
Trata-se, então, de fazer com que o crescimento da renda exceda o crescimento
populacional, ou seja, o aumento da renda per capita. Frente à escassez de recursos externos e
ao “parco volume de migração internacional de capitais” 282, o planejamento teria de promover
uma hierárquica e disciplinada distribuição dos fatores escassos: buscaria evitar a duplicação
competitiva de investimentos e o desperdício de recursos, assim como promoveria a
intensificação dos investimentos prioritários e do ritmo de capitalização, distribuindo as tarefas
do desenvolvimento entre os setores público e privado. Isso só seria possível através do
planejamento universal baseado em uma visão global das necessidades de capital da
economia283.
Por isso, em uma economia capitalista, o desafio do planejamento seria a
disponibilidade de uma análise geral da economia que permitisse levar em conta as decisões
privadas, coordenando os planos públicos e privados. Os limites e nuances desse planejamento
seriam função do sistema político e econômico, mas haveria níveis mínimos de intervenção
governamental para que o desenvolvimento econômico fosse conduzido de modo eficaz. Assim,
o Estado teria de lançar mão de controles indiretos da iniciativa privada, a saber, monetários e
fiscais, de modo a compensar a debilidade do capital privado e a lograr a utilização ótima dos
recursos escassos através de uma escala de prioridades. As possibilidades estariam limitadas
pela dimensão do fundo inicial de recursos, que deveria ser estimado pelo levantamento dos
recursos disponíveis ou previsíveis – anteriormente à catalogação das necessidades – através da
tributação, dos empréstimos, da poupança voluntária e da redução das despesas governamentais
não relacionadas ao desenvolvimento econômico. Os investimentos, por sua vez, teriam de
seguir o critério da produtividade – que nem sempre poderia ser diretamente mensurada, como
no caso de investimentos educacionais – na seleção dos projetos prioritários284.
No setor público, o planejamento universal possibilitaria a formulação de uma adequada
política fiscal para o levantamento dos recursos necessários aos investimentos públicos, a
minoração da pressão inflacionária e o estímulo ou desestímulo dos investimentos privados,
assegurando coerência entre os programas públicos e privados de investimento e recursos
provenientes de assistência financeira externa – ao menos para a importação de bens de capital
e de serviços. Os estímulos e desestímulos ao setor privado poderiam se dar de diversas

281
Campos, 1963, p.16.
282
Id., Ibid., p.18.
283
Cf. Id., Ibid.
284
Cf. Id., Ibid.
94

maneiras, tais como: favores fiscais; proibição ou tributação da exportação de materiais


utilizados pelas indústrias domésticas; isenção tarifária; proteção tarifária; garantia de
mercados; contratos governamentais; garantia de preços; cotas de câmbio; cotas de matérias-
primas; licenças para construção; distribuição de mão-de-obra; prioridade na obtenção de
licenças de importação; provisão de serviços públicos (como habitação e estradas), de pesquisa
e de educação e treinamento técnico; impostos especiais sobre a produção e sobre o consumo;
impostos sobre fundos não utilizados; controle de investimentos; recusa cambial, de matérias-
primas e de mão-de-obra (fatores escassos); negação de licenças de construção; e proibição ou
limitação de determinadas atividades particulares. Os objetivos do planejamento, da perspectiva
do planejador, seriam atingidos quando ele demonstra que seus benefícios excedem seus custos,
que a escala de produção contemplada permite um rendimento ótimo e que não há uso
alternativo mais eficiente dos recursos a serem absorvidos pelo projeto285.
Não obstante, o desenvolvimento econômico demandaria mais que capital físico:
repousaria sobre “um suprimento invisível de tecnologia, experiência administrativa, lastro
cultural, etc.”286, o que não admitiria a negligência de investimentos em educação, pesquisa e
formação tecnológica. Além disso, nos países subdesenvolvidos, um outro problema apontado
por Raúl Prebisch e levantado por Campos seria a mecanização prematura, pois a importação
de técnicas produtivas e equipamentos economizadores de mão-de-obra – adequada aos países
em que esse fator de produção é escasso – seria inadequado, sendo mais importante a melhoria
de produtividade através de equipamentos relativamente baratos, ainda que com menor
produtividade, em lugar daqueles de alta densidade de capital e destinados à poupança de mão-
de-obra287.
Ainda outra característica de qualquer plano de desenvolvimento em nações
subdesenvolvidas, segundo Campos, seria a inflação, que decorreria do caráter parcial dos
planos e da falta de coordenação entre os setores público e privado; da insuficiência do auxílio
financeiro externo, que levaria à opção entre retardar o ritmo de desenvolvimento ou apressar
o ritmo de formação de capital por processos inflacionários; e a baixa elasticidade de
suprimento das economias primárias, que se revelaria na lenta reação do setor produtivo quando
da expansão da procura monetária. O problema, no entanto, não seria evitar a pressão
inflacionária, mas impedir sua transformação em inflação aberta. Esta levaria à distorção de
investimentos – tornando atraentes investimentos de curto prazo ou de longo prazo, como os

285
Cf. Campos, 1963.
286
Id., Ibid., p.36.
287
Cf. Id., Ibid.
95

imobiliários, em lugar de investimentos de prazo médio, essenciais para o desenvolvimento –,


à pressão sobre o balanço de pagamentos e sobre a taxa cambial – o câmbio flutuante ainda não
havia sido adotado no Brasil –, à dificuldade dos cálculos de rentabilidade dos projetos, ao
desestímulo à poupança voluntária e à formação de um mercado de crédito288.
Para completar, a aplicação e eficácia dos vários mecanismos de articulação com o setor
privado seriam limitadas e condicionadas pela conjuntura institucional de cada país. O autor
avança aqui em alguns argumentos desenvolvidos posteriormente por Furtado. Segundo
Campos, o planejador e o administrador deveriam desenvolver uma estratégia de planejamento
e uma estratégia de execução, apresentando os objetivos da planificação de modo a reduzir a
resistência e a inércia do setor privado. Nesse sentido, seria importante a criação de uma
“mística do desenvolvimento” nos países subdesenvolvidos, de modo que se induzisse a
“formas de comportamento social conducentes à aceitação dos sacrifícios inerentes a qualquer
esforço de aceleração da formação de capital em economias pouco distanciadas do nível de
simples subsistência”289.

2.5.1 – Desajustamentos da economia brasileira

A análise de Roberto Campos a respeito da economia brasileira no pós-guerra sintetiza


suas concepções expostas acima. Campos não esconde a preocupação a respeito dos férteis
“desajustamentos estruturais”290 que acompanharam o rápido desenvolvimento brasileiro no
período. Três problemas fundamentais assolariam o crescimento do país: a inflação, as crises
no balanço de pagamentos e o desequilíbrio na distribuição regional da renda, relacionados a
quatro desequilíbrios estruturais: o desequilíbrio entre a estrutura industrial e a base agrária,
com referência ao problema da inflação; o desequilíbrio entre a superestrutura industrial e a
base de recursos naturais, com referência ao balanço de pagamentos; o desequilíbrio na
orientação e estrutura dos investimentos; e o desequilíbrio no ritmo comparativo de crescimento
das várias regiões do país291.
Para ele, a inflação poderia agir “como uma espécie de lubrificante da economia” 292
quando não há métodos alternativos praticáveis para o desenvolvimento. Ele utiliza Keynes
para afirmar que ela “constitui um prêmio aos ousados e ambiciosos, ao passo que a deflação

288
Cf. Campos, 1963.
289
Id., Ibid., p.51.
290
Id., Ibid., p.59.
291
Cf. Id., Ibid.
292
Id., Ibid., p.68.
96

premia os prudentes e rotineiros”293, pois subtrai recursos dos grupos de renda fixa e daqueles
que os dedicariam ao consumo e os transfere para o empresariado, favorecendo a “ousadia de
iniciativa” por conta da “dilatação do horizonte de lucratividade”294. Além da “punição social”
que resulta disso, no entanto, há o já mencionado inconveniente “perigo de distorção” tanto da
estrutura de investimentos quanto da “própria psicologia do investidor, que passa a ser
crescentemente solicitado por perspectivas de lucro fácil”, tanto em investimentos de curto
prazo, de natureza especulativa, quanto de longo prazo, de natureza imobiliária 295. E avança no
diagnóstico brasileiro: a solução ideal seria “um nível suave de inflação, uma alta gentil no
nível de preços, de modo a lubrificar a economia e premiar ou ousados, sem, entretanto, punir
demasiado os prudentes”. A conjuntura brasileira daquele momento, para Campos, indicaria
que estava transposto o período em que a inflação servia como veículo de propulsão econômica,
“por isso que as tensões sociais já criadas são de tal ordem que os elementos negativos passaram
a predominar cada vez mais sobre os elementos positivos” 296.
Para Campos, um dos graves desequilíbrios estruturais da economia brasileira diria
respeito à distribuição de renda e ao nível de crescimento entre as diversas regiões do país. As
áreas com rendimentos maiores estariam aumentando sua participação na renda nacional,
enquanto as áreas com rendimentos médios e baixos estariam perdendo renda relativamente.
Isso refletiria, em escala nacional, aquilo que ocorria em escala mundial, ou seja, o maior
enriquecimento dos países ricos em contraste com o crescimento moderado ou mesmo
estagnação e empobrecimento das áreas mais pobres. Isso se deveria ao processo cumulativo
de desenvolvimento econômico, assim como, no caso brasileiro, ao sistema fiscal, em que
predominaria o imposto sobre o consumo e a importação, à evolução nas relações de troca e,
por fim, também às emigrações que representariam uma custosa exportação de capital humano.
O economista – avança Campos – poderia oferecer duas soluções para o problema: a
“aristocrática” e a “humanista”297. A primeira levaria ao maior investimento nas áreas com
maior produtividade, pois isso implicaria um ritmo mais rápido de crescimento total da
economia e ensejaria um aumento de capitalização, refletindo-se, em um momento posterior,
em maior volume de transferência de capitais para as áreas subdesenvolvidas. Para Campos,
“A teoria aristocrática faz sentido sem dúvida, sob o ponto de vista de lógica econômica, mas

293
Campos, 1963, p.68.
294
Id., Ibid., p.69.
295
Id., Ibid., p.69.
296
Id., Ibid., p.70.
297
Id., Ibid., p.79, grifo do autor.
97

choca-se contra imponderáveis sociais e políticos. A questão preliminar e cruciante é esta:


existirá esse compasso de espera?”298.
A solução humanista insistiria no postulado fundamental de que o desenvolvimento
econômico tem o propósito do aumento do bem-estar e a distribuição equitativa dos frutos da
produção. Isso evitaria, além disso, tensões sociais e um “clima crônico de revolta” 299, que
resultaria na perda de produtividade global do país. A solução para o problema, segundo
Campos, seria uma posição intermediária entre os dois tipos supracitados: as desvantagens de
natureza artificial, como aquelas decorrentes do sistema tributário e da exportação de mão-de-
obra – que consome recursos das áreas subdesenvolvidas com alimentação e educação –,
deveriam ser corrigidas. Por outro lado, os investimentos destinados a utilizar a infraestrutura
já instalada, como ferrovias e portos poderiam ser concentradas nas áreas já desenvolvidas,
contanto que a criação de novas economias externas decorrentes de uma expansão da
infraestrutura se direcionasse às áreas subdesenvolvidas, o que seria mais econômico e
produtivo, por exemplo, no caso em que as áreas mais desenvolvidas já se aproximassem do
nível de pleno emprego, sem que se adotasse, entretanto, uma “exagerada pulverização regional
dos fundos investíveis”300, o que retardaria o ritmo de desenvolvimento econômico301.

2.5.2 – Adeus ao estruturalismo

É notável o distanciamento de Campos em relação ao estruturalismo da Cepal e de


Furtado a partir de 1955. Agora ele enuncia o “primado do desenvolvimento sobre segurança e
justiça social”302. Apenas o acréscimo da produtividade proveria a maior riqueza a ser repartida,
de modo a contornar a “inevitável acrimônia da competição dos diversos grupos sociais por um
produto estagnante ou decrescente”303. E continua:
“[O problema do desenvolvimento econômico] é ainda mais fundamental que
o da estabilidade política, porque somente o desenvolvimento econômico é
capaz de afrouxar as tensões entre os grupos e, pela dilatação do horizonte de
oportunidade, criar os níveis de tolerância necessários para a operação dos
controles políticos.”304

298
Campos, 1963, p.79.
299
Id., Ibid., p.79.
300
Id., Ibid., p.82.
301
Cf. Id., Ibid.
302
Campos, 1964, p.84.
303
Id., Ibid., p.84.
304
Id., Ibid., p.84.
98

O planejamento, politicamente neutro, seria uma técnica de “aplicação de medidas


terapêuticas”305 a partir do diagnóstico dos fatores estratégicos para o desenvolvimento
econômico e do prognóstico de suas tendências. Seu propósito não seria o alargamento da
intervenção estatal na economia. Seria a coordenação e orientação dos investimentos por parte
do Estado e a “construção de clima”306 para a iniciativa privada, de modo que ela funcionasse
de acordo com sua “dinâmica natural”307. Percebe-se a completa mudança do vocabulário
conceitual utilizado por Campos.
Ele passa a defender o fim dos subsídios e a instauração de um regime tarifário capaz
de cobrir os custos de operação e de fornecer recursos para sua expansão. Isso reduziria
significativamente o déficit global do setor público coberto por via inflacionária. Em áreas em
que a procura é maior que a demanda, recomenda Campos, deveria haver uma “tarifa de
desenvolvimento”308, isto é, uma sobrevalorização tarifária destinada a racionar a procura e
simultaneamente fornecer recursos para a rápida expansão da oferta; o subsídio seria aceitável
apenas em áreas em que a capacidade instalada é maior que a procura. Campos demonstra, com
isso, a aplicação prática daquilo que defende como planejamento, a saber, a solidificação de um
clima de segurança para o setor privado, que, por sua vez, seria coordenado e orientado pelo
setor público para as áreas prioritárias. A estatização, para Campos, seria sinônimo de
descapitalização e ineficiência.309
O controle inflacionário seria essencial para a expansão da poupança global, para a
correta aplicação dos investimentos – sem distorções – e para o aumento da capacidade para
importar da economia brasileira. Distanciando-se da concepção estruturalista, Campos defende
que não seria possível sustentar o desenvolvimento econômico com inflação.
A industrialização substitutiva de importações, para Campos, teria de ser conduzida com
cautela quando – como pareceria ser o caso do Brasil – os fatores de produção podem ser melhor
utilizados na agricultura de exportação. Isso vale também para técnicas modernizadoras
aplicadas à indústria destinadas à economia de mão-de-obra em uma economia com força de
trabalho abundante, ao passo que exigiriam técnicas refinadas de operação e conservação em
um ambiente de nível técnico baixo. Daí a conclusão de Campos de que, nas economias latino-
americanas, “poucos investimentos terão maior produtividade que os investimentos em

305
Campos, 1964, p.85.
306
Id., Ibid., p.85.
307
Cf. Id., Ibid.
308
Id., Ibid., p.89.
309
Cf. Id., Ibid.
99

educação e treinamento”310. Essa necessidade seria agravada pelo fato de que, nessas
economias, “a rápida taxa de crescimento da população faz com que o desenvolvimento deva
ser quase exclusivamente endógeno”311, em oposição a países como os Estados Unidos e a
Austrália, que utilizaram imigrações maciças em certos períodos de seu desenvolvimento e,
assim, puderam importar mão-de-obra qualificada.
O problema do desenvolvimento econômico assume contornos etapistas em Roberto
Campos quando ele passa a utilizar literatura da “economia do desenvolvimento” (development
economics) para descrevê-lo. Autores como Rostow e Arthur Lewis fornecem os lastros de uma
problematização esquemática do desenvolvimento. Campos busca apontar os valores culturais
mais ou menos afeitos ao desenvolvimento econômico312 – as economias orientais, por
exemplo, ocupariam um grau inferior na capacidade de expansão de necessidades por conta de
sua filosofia. Abre espaço também para a categorização, por exemplo, do “fenômeno típico da
preferência pelo lazer”313, que limitaria o esforço econômico ao necessário para a
sobrevivência, ou da inclinação das sociedades para recompensas não-econômicas ou extra-
econômicas.
Com isso, Campos utiliza a esquematização de Rostow na definição daquilo que ele
denomina “os pré-requisitos da eficácia”314, a saber, “’a propensão a aceitar inovações’” 315; o
“direito à recompensa”316, ou seja, a “possibilidade de apropriação dos frutos do esforço”317; e
a existência de mobilidade social.
O Roberto Campos de 1957 defende que o Brasil teria dificuldades para poupar ou
acumular por duas razões: em primeiro lugar, “as raças mediterrâneas em geral parecem ter um
vêzo hedonístico a que não escapamos”318, ao passo que “registramos uma grande capacidade
de imitar formas de consumo, sem igual capacidade de copiar hábitos de produção” 319.

310
Campos, 1964, p.92.
311
Cf. Id., Ibid.
312
Cf. Id., Ibid., p.103-116.
313
Id., Ibid., p.109.
314
Id., Ibid., p.110.
315
Rostow apud Campos, 1964, p.110.
316
Lewis apud Campos, 1964, p.111.
317
Campos, 1964, p.111, grifo do autor.
318
Id., Ibid., p.112.
319
Id., Ibid. Campos, p.112, segue seu raciocínio: “É bem provável, conquanto não demonstrável, que o nosso
investidor seja algo mais hedonista que os calvinistas e puritanos. Existe maior dificuldade em superar o tríplice
obstáculo à realização do ato do investimento que, segundo Rostov [sic], exige a superação do desejo de consumo
corrente, comparativamente ao futuro; do desejo de segurança, comparativamente ao risco; do desejo de
estabilidade nos métodos, comparativamente à mudança”.
100

O “problema da eficácia”320, por outro lado, seria ainda mais grave. Segundo Campos,
“a circunstância cultural brasileira é ineficiente como clima de desenvolvimento”321. Isso não
seria uma fatalidade incontornável, mas sua “superação exige um projeto consciente baseado
na análise do nosso repertório de possibilidades culturais”322. O primeiro dos obstáculos seria
a debilidade da tecnologia brasileira, que teria sido herdada da “desnutrição tecnológica”323 da
Península Ibérica – os brasileiros teriam “relativa alergia à experimentação técnica” 324 e
“insuficiente [...] racionalidade para o domínio da ciência pura” 325. O segundo obstáculo seria
a ausência de “audácia social, traduzida no Estado cartorial e paternalista” 326: a “vocação
parasitária de vários dos nossos grupos sociais”327 seria causa e consequência do
subdesenvolvimento, e, mais uma vez, repousaria no baixo nível tecnológico e na baixa
capacidade de poupança – por conta da propensão cultural ao consumo –, cujo clima refletiria
a falta de oportunidade de investimentos para a iniciativa privada e a incapacidade de criá-la.
Nesse contexto, a opção correta seria o desenvolvimento. Os valores culturais
brasileiros teriam de ser revistos à luz da opção pelo desenvolvimento, de modo que a formação
acadêmico-estética cederia espaço à formação técnica e à pesquisa empírica. Além disso,
segundo o diagnóstico de Campos, o Brasil necessariamente teria de enfrentar o problema
essencial da acumulação de capital, pois esse seria o núcleo do desenvolvimento econômico.
Como a poupança interna seria insuficiente, “deve-se recorrer a todas as fontes possíveis de
suprimento de capital que tragam uma contribuição líquida, independentemente de sua origem
nacional ou estrangeira”, de modo a reforçar a economia brasileira e, assim, sua “estrutura
política”328.
A opção pelo desenvolvimento encerraria outra consequência fundamental: “a dolorosa
decisão entre a aceleração do desenvolvimento econômico e a equidade distributiva” 329. Sua
tese, assumindo o ponto de Arthur Lewis, é que desenvolvimento e igualdade econômica seriam
dois cavalos que não podem ser montados simultaneamente, como demonstraria a experiência
da União Soviética, que teria tido de abandonar um deles. E Campos conclui:

320
Cf. Campos, 1964.
321
Cf. Id., Ibid.
322
Cf. Id., Ibid.
323
Cf. Id., Ibid.
324
Cf. Id., Ibid.
325
Cf. Id., Ibid.
326
Cf. Id., Ibid.
327
Id., Ibid.p.113.
328
Id., Ibid., p.115.
329
Cf. Id., Ibid.
101

A opção pelo desenvolvimento implica a aceitação da idéia de que é mais


importante maximizar o ritmo do desenvolvimento econômico do que corrigir
as desigualdades sociais. Se o ritmo do desenvolvimento é rápido, a
desigualdade é tolerável e pode ser corrigida a tempo. Se baixa o ritmo de
desenvolvimento por falta de incentivos adequados, o exercício da justiça
distributiva se transforma numa repartição de pobreza. 330
A transição do estruturalismo para o cosmopolitismo de Campos ocorreu em meados da
década de 1950. Se antes ele defendia que a inflação moderada poderia ser o motor do
desenvolvimento, ele passa a combatê-la com o argumento de que o controle inflacionário seria
essencial para o crescimento econômico. Ele passa também a uma defesa menos contundente
da industrialização, que poderia desperdiçar fatores que seriam melhor aproveitáveis no setor
agrícola para o controle inflacionário. Além disso, sua concepção de desenvolvimento assume
contornos etapistas, e ele parece desconsiderar as particularidades do subdesenvolvimento
quando utiliza a development economics para descrevê-lo. O Campos pós-estruturalista também
parece ter aumentado sua atenção a elementos culturais que bloqueariam o desenvolvimento,
como o hedonismo e o esbanjamento das raças mediterrâneas supostamente herdados pelos
brasileiros. Por sua vez, sua concepção a respeito do capital estrangeiro se tornou menos rígida,
diminuindo a importância relativa do Estado na economia. A função do Estado, para ele, tornou-
se a regulação e coordenação da economia através do planejamento, o que construiria o clima
para os investimentos privados. Por fim, o desenvolvimento econômico para o Campos pós-
estruturalista deixa de se associar a maior justiça social e assume contornos que aparecerão
novamente na teoria do bolo de Delfim Netto, isto é, seria necessário primeiramente crescer
para que depois se repartissem os resultados do desenvolvimento. Revelado pela sua mudança
de vocabulário, Campos revisitou suas concepções estruturalistas à luz de teorias que tratam
dos desajustes econômicos em relação a um tipo ideal de desenvolvimento.

2.6 – Breve síntese do debate

As exposições acima buscaram levantar alguns traços fundamentais das concepções dos
autores a respeito dos temas do desenvolvimento e da industrialização. Eugênio Gudin não foi
seguido por nenhum dos autores que tiveram maior importância no debate depois dele, sendo
marginalizado pelo próprio Campos pós-estruturalista. Ambos desconsideram as
particularidades da formação econômica brasileira, mas as semelhanças não vão muito além
disso. Gudin combate ferrenhamente o planejamento, pois não caberia, ao Estado, a
determinação dos rumos do desenvolvimento. Isso caberia aos agentes individuais em

330
Campos, 1964, p.116.
102

concorrência pelo lucro, isto é, sua soma no mercado, ao qual o Estado deveria fornecer suporte
jurídico e administrativo. O Brasil deveria abrir mão da mitologia planificadora e aceitar seu
destino: o país teria vantagens comparativas na exportação de produtos primários e não deveria
desperdiçar fatores com estímulos artificiais à indústria.
Roberto Simonsen, por sua vez, forneceu as bases para o desenvolvimentismo, que
refinou e completou suas teses a partir de bases mais científicas, mantendo sua defesa do
planejamento e da industrialização, a qual seria a forma mais eficiente para o aumento do nível
de renda médio da economia. O Estado deveria fornecer suporte ativo ao processo através da
atuação direta, onde não houvesse interesse da iniciativa privada, do planejamento e de
mecanismos de política econômica.
Caio Prado Júnior aponta para as contradições intrínsecas à industrialização. Afirma que
o processo reforça o sistema colonial através da atuação das empresas estrangeiras, que buscam
as oportunidades de lucro fácil e demandam cada vez mais divisas, satisfeitas apenas com
exportação de produtos primários, o que limitaria suas próprias possibilidades de expansão.
Assim, o processo de industrialização, que teria se dado de forma desordenada, não seria
voltado às necessidades da população brasileira. O reduzido mercado interno que lhe serviria
de base tolheria as perspectivas do desenvolvimento brasileiro.
Celso Furtado fornece bases sólidas para a concepção do desenvolvimento como um
projeto de nação com bases científicas e históricas. Sua busca das particularidades do
subdesenvolvimento revela as significativas diferenças estruturais dos países subdesenvolvidos
em relação aos países desenvolvidos, tal como demonstra a defesa da inflação como alocação
eficiente de recursos. Ele defende a atuação do Estado para além das concepções de Simonsen,
estabelecendo a redução das desigualdades social e regional como uma das principais razões de
ser do desenvolvimento econômico. Isso o levaria, na sequência de seus textos, a antever os
dilemas que o desenvolvimento brasileiro enfrentaria, como a estagflação e a crise no balanço
de pagamentos, que demandariam saltos qualitativos na economia brasileira, possíveis apenas
através de transformações políticas.
O Roberto Campos estruturalista aceita as teses de Furtado e se move dentro dos marcos
da Cepal, admitindo a inflação e definindo a justiça social como uma das tarefas do
desenvolvimento. O Estado deveria ter uma atuação mais do que supletiva na economia através
de sua faculdade telescópica, fornecendo ainda as bases para o estímulo de atitudes afeitas à
poupança para o desenvolvimento econômico por parte do setor privado. Para o Campos pós-
estruturalista, por sua vez, os erros de política econômica – a partir de um referencial ideal –
seriam mais importantes que os desajustes estruturais, ou melhor, tais desajustes seriam frutos
103

de uma política econômica ineficiente. Além disso, o Estado teria pequena margem de manobra
na medida em que estaria defronte a impasses sociais que só seriam superados através dos
estímulos aos investimentos do setor privado. A crise no balanço de pagamentos, por fim, leva-
o a aceitar a entrada de capital estrangeiro em igualdade de condições com o capital nacional.
A solução para os impasses do desenvolvimento brasileiro não seria política, mas econômica,
seguindo o caminho inverso ao de Furtado.
Para os cosmopolitas como para os nacionalistas, então, a expansão e racionalização do
Estado eram essenciais para o desenvolvimento. O modo de intervenção estatal, no entanto, era
distinto. Os cosmopolitas visavam a coordenação e promoção de um “modelo de
desenvolvimento associado cuja construção era inseparável do papel de destaque reservado à
empresa privada, nacional e estrangeira”331. Esta era condição para a superação das restrições
cambiais ao desenvolvimento do país em condições de estabilidade econômica. A aliança
dessas duas correntes desenvolvimentistas nos anos JK seria contingente. Na primeira metade
da década de 1960, o rompimento dos dois projetos de nação toma forma de polarização política
e anuncia-se um vencedor. Os caminhos não eram mais compatíveis. Em 1964, Caio Prado
Júnior e Celso Furtado são forçados ao exílio, enquanto Roberto Campos assume o Ministério
Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Isso inauguraria um novo
capítulo no debate sobre o desenvolvimento no Brasil.

331
Sola, 1998, p.141, grifo do autor.
105

Capítulo 3 – Delfim Netto antes do milagre econômico: o acadêmico (1958-


65)

Foto da turma do terceiro ano do curso de Contabilidade do Liceu Siqueira Campos (SP). Delfim é o terceiro da
esquerda para direita, na primeira fila em pé.

Antônio Delfim Netto nasceu em 1º de maio de 1928 no Cambuci, bairro operário da


cidade de São Paulo. Seus avós eram imigrantes italianos. Sua mãe, Maria Delfim, era
costureira e realizava atividades domésticas. Seu pai, José Delfim, trabalhava na CMTC,
empresa de transportes da Prefeitura de São Paulo. Do primário ao ensino médio, Delfim Netto
estudou no Liceu Siqueira Campos, no próprio Cambuci. Começou a trabalhar como contínuo
das indústrias Gessy Lever aos quatorze anos. Estudou Contabilidade – carreira que ainda não
possuía curso superior – na Escola Técnica de Comércio Carlos de Carvalho, quando passou a
escrever sobre economia para os jornais Folha da Tarde e O Tempo, formando-se em 1946.
Inclinado à matemática, ingressou no curso de Economia na Faculdade de Ciências Econômicas
e Administrativas (FCEA, futura FEA) da USP em 1948 – como já vimos, o curso fora criado
em 1946 – e começou a trabalhar no Departamento de Estradas e Rodagem (DER), redigindo
trabalhos ligados à sua nova função, como Uma Estimativa de Custos de Operação dos
Equipamentos Rodoviários332.
Na FCEA-USP, Delfim teve aulas com professores predominantemente autodidatas.
Segundo Delfim, “o livro-texto de todo mundo era o do professor Gudin”333, referindo-se ao

332
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001; Delfim Netto, 2012.
333
Cf. Biderman et. al., 1996, p.91.
106

livro Princípios de Economia Monetária, publicado em 1943. Era um clássico de economia


brasileira que o colocou em contato com os trabalhos de Wicksell (1851-1926), economista
sueco, e Wicksteed (1844-1927), economista inglês. Nas palavras de Delfim, Wicksteed “Foi
um pedaço da minha libertação. Eu era socialista fabiano e Wicksteed foi um exemplo clássico.
Ele demonstra a falsidade da teoria do valor trabalho” 334. O nome da única filha de Delfim,
Fabiana, remete aos seus tempos de juventude. A leitura da Teoria dos Preços, de George
Stigler, no entanto, fê-lo mudar de ideia em relação ao socialismo fabiano335.
Segundo o próprio Delfim Netto, Gudin lhe teria aberto um campo de leitura. Nesse
sentido, Gudin e Bulhões tiveram “um papel realmente decisivo” 336 no desenvolvimento do
pensamento econômico brasileiro. Além de Gudin, segundo ele, os livros mais influentes da
época de seu curso de economia foram: na área de comércio internacional, El Comercio
Internacional, de Harbeler, publicado em 1936; na área de macroeconomia, Prosperidade e
Depressão, também de Harbeler, publicado em 1937; na área de estatística, cuja disciplina era
ministrada por Luiz de Freitas Bueno – de quem Delfim Netto se tornou professor assistente
em 1952 –, The Theory of Econometrics, de Davis, publicado em 1941. Bueno era enfático no
uso de séries temporais porque acreditava em sua prolificidade, o que levou Delfim, em sua
graduação, a se dedicar a outras leituras como The Analysis of Economic Time Series (1941),
também de Davis, e The Variate Difference Method (1940), de Tintner. Na disciplina de
Matemática, Delfim leu Foundations of Economic Analysis (1947), de Samuelson337.
Seu período de graduação parece ter sido marcado pela disputa teórica entre dois
clássicos da época: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), de Keynes, e
Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942), de Schumpeter. Segundo Delfim, ele próprio já
havia se “libertado da gaiola marxista”338 e pôde assistir a essa discussão academicista com
distanciamento. Enquanto Keynes defendia a socialização dos investimentos para salvar o
capitalismo, Schumpeter concluía que o mundo caminhava inexoravelmente para o socialismo,
dicotomia cuja resolução Delfim afirma ter relegado à História 339. No final de sua graduação,
toma contato com a tradução do livro Economia, de Samuelson, publicado em 1948340.

334
Biderman et. al., 1996, p.93.
335
Cf. Delfim Netto, 2012.
336
Biderman et. al., 1996, p.93.
337
Cf. Id., Ibid.
338
Id., Ibid., p.93.
339
Id., Ibid., p.93. Segundo Delfim, em entrevista concedida em meados da década de 1990: “Na verdade, acho
que as pessoas eram separadas entre os que tinham lido algum livro sobre Teoria de Preços e outros que não tinham
lido nada. Os que não tinham lido nada eram muito favoráveis ao socialismo, como até hoje. E os que tinham um
conhecimento de Teoria de Preços tinham uma certa desconfiança quanto ao seu resultado”.
340
Cf. Id., Ibid.
107

Formou-se em 1952, tornando-se assistente do professor Luiz de Freitas Bueno,


catedrático de Econometria na FCEA-USP. Doutorou-se em 1958 com a tese O Problema do
Café no Brasil, mesmo ano em que foi eleito vice-presidente da Ordem dos Economistas de
São Paulo. Foi assessor econômico da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e integrou,
a partir de 1959, a equipe de planejamento do governador paulista Carvalho Pinto. Na ACSP,
tomou contato com inúmeros empresários – via de regra, de origem europeia – de inclinação
liberal e com especialistas em comércio, bancos, moeda, açúcar, café etc. Em 1960, tornou-se
diretor de pesquisa do Instituto de Administração da FCEA-USP e membro do Conselho
Técnico Consultivo da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Na frente acadêmica, além de suas atividades como Professor Assistente de Estatística
Geral e Econômica (1952-54), Delfim Netto também foi Livre-Docente de Estatística Geral e
Econômica (1954-59) e tornou-se Catedrático em Análise Macroeconômica (1963) com a tese
Alguns Problemas do Planejamento para o Desenvolvimento Econômico.
Em 1965, ingressa no Conselho Nacional de Economia por indicação de Roberto
Campos e no Conselho Consultivo de Planejamento (CONSPLAN), órgão de assessoria
econômica do governo Castelo Branco. No mesmo ano, publica Alguns Aspectos da Inflação
Brasileira em co-autoria com Affonso Celso Pastore, Pedro Cipollari e Eduardo Pereira de
Carvalho341. Também por indicação de Roberto Campos, Delfim assume a Secretaria da
Fazenda do estado de São Paulo em 1966 após a cassação de Ademar de Barros e a indicação
de Laudo Natel para o governo do estado.
No mesmo ano, participou do “Encontro de Itaipava” juntamente com Reis Velloso,
Mário Henrique Simonsen e Conceição Tavares, entre outros. O encontro apontou para uma
crise no ensino de Economia no Brasil e orientou o desenvolvimento dos cursos de pós-
graduação na área. Delfim Netto foi fundamental para a constituição e desenvolvimento da pós-
graduação em Economia no Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE) da USP, criado em 1964.
Ele teve grande papel no seu desenvolvimento institucional, no preenchimento de seus quadros
e no levantamento de recursos para suas atividades. Era uma instituição voltada à pesquisa e ao
desenvolvimento de cursos de pós-graduação em Economia. No início da década de 1970, o
instituto desaguou na criação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que tem
ligação com a FEA, também com grande apoio de Delfim Netto. Muitos de seus alunos se
tornaram professores na mesma faculdade, entre os quais Affonso Celso Pastore, Carlos
Antonio Rocca, Akihiro Ikeda, Eduardo Pereira de Carvalho, Paulo Yokota e Pedro Cipollari342.

341
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001.
342
Cf. Id., Ibid.
108

Sua biografia, enfim, conferiu-lhe autoridade diante dos militares para que fosse
nomeado ministro da Fazenda em 15 de março de 1967 por Costa e Silva – segundo Delfim, a
contragosto da elite carioca: “A ideia disseminada na elite carioca [...] era que ‘aquele paulista
caipira não aguentaria até o fim do ano’”343. O primeiro teste seria o vencimento de 100 milhões
de ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) em maio: “’Diziam que eu não
conseguiria rolar essa dívida e cairia ali mesmo’”344. Isso não aconteceu: “Eu sempre tive bons
amigos no mercado. [Banqueiros] sempre foram extremamente cooperativos com o governo.
Se o governo queria baixar a taxa de juros, [eu] conversava com eles e o que a gente prometia,
cumpria”345.
Quando assumiu o Ministério da Fazenda, Delfim levou consigo um grupo de ex-alunos:
além dos nomes mencionados acima que se tornaram professores da FEA-USP, todos levados
por Delfim como assessores, ele ainda cita Milton Dallari, Flávio Pécora, Carlos Viacava,
Carlos Alberto Andrade Pinto e Nelson Mortada, entre outros. Esse conjunto de assessores ficou
conhecido como “Delfim boys”: “No Rio, era o seguinte: chegou esse gordo, italiano e vesgo.
Nós vamos matá-lo em seis meses, tá certo? E além de tudo tem uns animais estranhos com ele,
uns japoneses”346.
Delfim Netto permaneceu no cargo até a posse de Geisel, em 1974, portanto durante
todo o governo Costa e Silva e durante todo o governo Médici. Nesse ínterim, entre 1968 e
1973, a economia brasileira cresceu, em média, 11,1% ao ano. Tal fenômeno, que analisaremos
no capítulo 4, adquiriu estatuto autônomo e ficou conhecido como “milagre econômico”
brasileiro.
Depois do milagre, entre 1975 e 1977, Delfim Netto foi embaixador do Brasil na França.
Ele afirma que esse período foi um exílio concebido por Geisel com o propósito de abortar sua
pretensão de se candidatar ao governo de São Paulo e eventualmente à Presidência da
República347. Sua convicção é confirmada por um telegrama confidencial produzido pela
Embaixada dos Estados Unidos em Brasília em 1974348.

343
Delfim Netto, 2012, s.p.
344
Id., Ibid., s.p.
345
Id., Ibid., s.p.
346
Id., Ibid., s.p. Alguns de seus assessores o acompanham até os dias de hoje em sua empresa de consultoria
Ideias, sediada na cidade de São Paulo.
347
Cf. Id., Ibid.
348
Cf. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1974, tradução nossa: “Resumo: A candidatura do antigo ministro
da Fazenda Delfim Netto ao governo do estado de São Paulo, que se potencializou com evidência apenas há algum
tempo, parece ter sido definitivamente afundada, uma vítima aparente dos receios da administração de que seu
prestígio e talento consideráveis lhes permitiriam estabelecer (pelo menos relativamente) uma base independente
de poder naquele estado populoso e rico; e de ressentimento pessoal contra ele. O episódio também pode ter
109

Em 1979, com a posse de Figueiredo, Delfim se tornou ministro da Agricultura. Em


agosto do mesmo ano, Mário Henrique Simonsen renuncia e Delfim deixa o Ministério da
Agricultura para assumir a Chefia da Secretaria do Planejamento (SEPLAN) até o final do
governo militar em 1985. A SEPLAN adquiriu estatuto de Ministério em 1974 e passou a ser o
centro das decisões econômicas do país. Na década de 1980, a SEPLAN tornou-se um órgão
coordenador das ações econômicas imediatas do governo 349. Depois disso, Delfim Netto foi
eleito deputado federal constituinte em 1986 pelo Partido Democrático Social (PDS), sucessor
da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Ocupou o cargo de deputado federal por São Paulo
durante vinte anos, de 1987 a 2007, com cinco mandatos consecutivos. Em seguida, perde as
eleições para a reeleição e passa a se dedicar aos estudos e a sua consultoria 350.
O capítulo que segue busca destrinchar o percurso teórico de Delfim Netto de 1958 a
1965, desde o início da publicação de seus trabalhos mais importantes até as vésperas de se
tornar um homem público com acesso às instâncias determinantes do poder. Em sua produção
teórica, Delfim se debruça não apenas sobre realidade econômica e os dados empíricos, mas
também se confronta com as várias interpretações disponíveis sobre a economia contemporânea
em geral e a economia brasileira em particular. O resultado é uma interpretação, de alguma
maneira, original.
Suas principais produções teóricas do período são cinco textos: O Método na Ciência
Econômica, de 1958; O Problema do Café no Brasil, de 1959; Alguns Problemas do
Planejamento para o Desenvolvimento Econômico, de 1962; Alguns Aspectos da Inflação
Brasileira, de 1965; e Problemas Econômicos da Agricultura Brasileira, sem data grafada,
provavelmente de 1965.
No primeiro texto, O Método na Ciência Econômica, de 1958, que não apresenta
indícios de publicação, Delfim expõe suas concepções fundamentais a respeito da ciência em
geral e da ciência econômica em particular, com o objetivo de apontar os prováveis
desenvolvimentos futuros de sua área de conhecimento. Ele celebra a evolução das técnicas de
observação na ciência econômica nas três décadas anteriores: com os recentes
desenvolvimentos da teoria de amostragem, teriam sido abertos campos inteiramente novos

causado danos em outros lugares, incluindo o próprio princípio da revolução no que diz respeito ao surgimento de
um novo tipo de político através do extensivo uso de tecnocratas por parte do governo. Delfim, tendo retornado à
sua cadeira na Universidade de São Paulo, pode estar planejando uma investida de longo prazo para a Presidência;
mas é questionável se ele será significativamente mais aceito então, quando seu prestígio e suporte terão
presumivelmente diminuído. Fim do resumo. Confidencial”.
349
Cf. BRASIL <http://www.planejamento.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/o-ministerio/historia>.
Acesso em 12 de maio 2016.
350
Cf. Biderman et. al., 1996; Macedo, 2001.
110

para a análise econômica. Essa é a base para que Delfim discorra sobre a importância da
modelagem matemática, indissociável do caráter científico da ciência econômica.
O segundo desses livros é sua tese doutoral defendida na Faculdade de Ciências
Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (FCEA-USP) em 1959. Nesse
livro, Delfim Netto faz uma espécie de história econômica do café no Brasil a partir da metade
do século XIX até o momento em que escrevia. A preocupação que permeia o livro é demonstrar
como o mercado cafeeiro sempre é, em alguma medida, instável e vislumbrar o modo como o
Brasil poderia melhor se posicionar, dada sua característica de maior produtor mundial, a partir
dessas condições.
O terceiro texto importante é o livro Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, de 1962, reeditado em 1966 sob o nome Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, sem alterações perceptíveis – é possível que essa alteração de
título não seja irrelevante em si, isto é, talvez o novo momento histórico tenha levado o futuro
czar a enxergar os benefícios de desacademizar o nome de um de seus textos mais importantes.
Em uma análise predominantemente econométrica, Delfim Netto busca compreender a
mecânica interna do desenvolvimento econômico a fim de que se maximize sua taxa no Brasil,
a partir de técnicas de planejamento. Para tanto, expõe alguns fundamentos teóricos
importantes, como suas concepções de desenvolvimento e planejamento, que serão tratadas
adiante.
Em 1965, Delfim Netto publica Alguns Aspectos da Inflação Brasileira em co-autoria
com Pastore, Cipollari e Carvalho. Nesse livro, os autores procuram analisar com mais detalhes
os problemas que o Brasil estaria enfrentando naquele momento, como o intenso processo
inflacionário, a necessidade de poupança e o crescimento demográfico, para cuja solução
defendem a atuação do Estado no campo da produção e no desenvolvimento de adequada
política monetária e fiscal a fim de que se criassem condições de atuação adequadas para o setor
privado.
Por fim, em Problemas Econômicos da Agricultura Brasileira, impresso provavelmente
em 1965, reúnem-se uma série de artigos publicados por Delfim Netto de maio de 1963 a
outubro de 1964. Em linhas gerais, ele defende um processo autêntico de desenvolvimento com
uma classe empresarial dinâmica que atuaria, com apoio do governo, no sentido do aumento da
produtividade agrícola e da integração sólida entre agricultura e indústria. Trata também do
problema específico do Nordeste, que teria grande concentração fundiária e abundância de
produtores de subsistência vendendo sua força de trabalho em parte do ano. Para equacionar as
consequências econômicas e sociais negativas do baixo nível de produtividade, Delfim propõe
111

a reforma agrária na região e o concomitante fornecimento de crédito aos produtores no interior


de um programa de desenvolvimento regional. Entretanto, em artigo posterior no mesmo livro
e já em uma situação política diversa, Delfim Netto repensa sua defesa da reforma agrária e
passa a propor atuação governamental no fornecimento de melhores condições aos produtores,
particularmente aos de menor produtividade, como a seleção e o fornecimento de melhores
sementes, mas rechaça a reforma agrária.

3.1 – A ciência econômica: objeto e método

O texto que tratamos nesta seção se intitula “O Método na Ciência Econômica” e data
de 1958. Foi encontrado no Acervo Delfim Netto da FEA-USP e não há indícios de que tenha
sido publicado. Essa peça original é decisiva ao fornecer pistas sobre a forma como Delfim
enxerga a ciência e sua função social e, particularmente, como ele pensa a economia.
Exploraremos, nas páginas seguintes, sua linha de raciocínio.
O método da economia para que tenha aplicabilidade prática, segundo Delfim Netto, é
o método científico. Essa é uma das primeiras observações desse livreto351. O texto está
repleto de marcações referentes à revisão realizada aparentemente pelo próprio Delfim. São
supressões, adições de vírgulas, correções de nomes e toda sorte de alterações, mas nada que
diga respeito ao sentido do texto. Além disso, o trabalho apresenta citações em inglês e francês,
que não foram traduzidas, além de citações de livros em espanhol, mas com tradução para o
português, a partir das quais Delfim Netto discute alguns posicionamentos relativos ao tema do
método científico.
A justificativa para o desenvolvimento deste texto de 55 páginas é fornecida em um
pequeno parágrafo em que Delfim Netto afirma ter “o objetivo extremamente modesto de
descrever a posição atual da generalidade dos economistas com relação ao problema do método
[...] e tentar apontar em que direção deverá, provavelmente, no futuro próximo, caminhar o
conhecimento econômico”352.
Delfim defende que o método científico é uma combinação da observação, teorização e
observação, tal como surgiu de forma mais marcante na obra de Galileu Galilei (1564-1642),
personagem fundamental na revolução científica que se processou durante o Renascimento. Ao
longo do texto, Delfim Netto demonstra grande conhecimento relativo à história da ciência,
particularmente quando elabora, de forma concisa e madura, seu desenvolvimento ao longo dos
últimos séculos.

351
Delfim Netto, 1958.
352
Id., Ibid., p.4.
112

O que caracteriza um corpo de conhecimento como científico, para Delfim, é tanto a


aplicação do método como “a possibilidade de formulação de determinadas hipóteses com um
grau maior ou menor de generalidade, das quais consequências particulares são deduzidas e
podem ser testadas pela observação e experiência”353, hierarquizando, dessa forma, o
conhecimento. Para a criação da ciência, no entanto, é particularmente relevante “o papel da
intuição do gênio”354.
No interior de cada ciência, a constante superação e as aproximações sucessivas fazem
parte da descrição cada vez mais acurada dos fenômenos, o que mostraria claramente as
limitações inevitáveis de toda teoria. A despeito disso, “o objetivo da ciência é a formulação de
leis, isto é[,] o estabelecimento de determinadas proposições que descrevam com um certo nível
de probabilidade um número cada vez maior de dados da experiência” 355. Nesse contexto, a
ciência econômica é classificada por ele como empírica, pois sempre esteve sujeita à
confirmação ou refutação da realidade, e seu desenvolvimento “esteve sempre associado aos
problemas que tiveram de ser resolvidos por determinadas sociedades e à construção de
modelos descritivos de fenômenos observáveis” 356. E avança:
Em primeiro lugar, a ciência econômica, como toda ciência, é um conjunto de
proposições sistemàticamente deduzidas de um conjunto de noções primeiras
que nos são fornecidas imediatamente pelos sentidos; em segundo lugar[,] já
ninguém discute que, ao contrário do que ocorre nas ciências naturais, essas
noções primeiras não são independentes do tempo e do espaço. Os postulados
sôbre os quais se acenta [sic]357 a teoria econômica – são passíveis de alteração
e, nêsse sentido[,] o conhecimento da realidade econômica está em contínua
reelaboração. 358
Para Delfim, Keynes teve grande importância na determinação do estatuto científico da
economia enquanto técnica de pensamento:
A posição da teoria econômica condicionada pela natureza de suas leis foi
definida com tôda a precisão por Lord Keynes, que foi provàvelmente o maior
economista deste último meio século, na sua introdução à famosa série de
livros de texto de Cambridge: ‘The Theory of Economics does not furnish a
body of settled conclusions immediately applicable to policy. It is a method
rather than a doctrine, an apparatus of mind, a technique of thinking, which
helps its possessor to draw correct conclusions’359.

353
Delfim Netto, 1958, p.5.
354
Id., Ibid., p.6.
355
Id., Ibid., p.13.
356
Id., Ibid., p.23.
357
Na margem direita da página, encontra-se a inscrição “/ss”, solicitando a correção do erro ortográfico. É o caso
de inúmeros outros erros que constam das citações e que não serão mencionados daqui em diante.
358
Id., Ibid., p.24.
359
Id., Ibid., p.26.
113

A partir disso, Delfim Netto afirma haver três tipos diferentes de leis econômicas com
base em Bertrand Russel – prefácio do livro Science and Method, cujo autor é Henri Poincaré
– e em Higgins – What do Economists Know? de 1951:
Na ciência econômica como nas demais ciências, as leis enunciadas não são
tôdas da mesma natureza. Se entendermos como vimos fazendo até aquí [sic],
que uma lei científica não é algo misterioso que explique o aparente
comportamento da realidade, mas uma simples proposição que resume
suscintamente [sic] os resultados da observação sôbre uma área maior ou
menor do mundo dos fenômenos (quando se trata de uma generalização
imediata) ou então uma simples hipótese de trabalho provisória e aproximada
e retida por sua utilidade como instrumento da descrição (quando é uma
generalização de ordem superior), podemos classificá-las em três tipos: 1. leis
“a priori”, que são simples definições ou tautologias; (como MV=PT, Y=-
C+S). 2. leis deduzidas de hipóteses de trabalho convenientes (como as de
equilíbrio deduzidas da hipótese de maximização do lucro total) e 3. leis
empíricas, que são generalizações das observações que nos chegam
diretamente pelos sentidos (como as curvas de procura de Schultz ou as
funções de produção de Cobb-Douglas, etc.).360
Outra característica importante da ciência econômica para Delfim, como ele aponta em
outras ocasiões, é o fato de que, diferentemente das leis da física, que possibilitam uma
adaptação da atividade humana ao comportamento da natureza, as leis da economia podem
revelar causas de um fenômeno que produz danos (como inflação e desemprego), o que, por
sua vez, possibilita que se aja no sentido de impedir a manifestação do fenômeno. No entanto,
isso não faria com que a ciência econômica fosse uma ciência normativa, mas sim uma ciência
positiva, cujo objetivo é o estabelecimento de uniformidades, conforme citação de Neville
Keynes (1852-1949), economista inglês e pai de John Maynard Keynes 361.
Em suma, o método científico consistiria na observação de um objeto, na formulação de
generalizações ou hipóteses de trabalho a partir das quais se deduzem consequências
observáveis e na verificação. A existência de uma hipótese seria um elemento importante,
conforme Delfim atesta com uma citação de Darwin, retirada, por sua vez, de um livro de Morris
R. Cohen (1880-1947) e Ernest Nagel (1901-1985), dois filósofos da ciência: “’How odd it is
that anyone should not see that all observation must be for or against some view, if it is to be
of any service’”362.
Consequentemente, como elemento fundamental para a formulação e verificação de
hipóteses, Delfim celebra o fato de que as técnicas de observação na ciência econômica
evoluíram em demasia nos trinta anos anteriores e que, apesar da impossibilidade da realização

360
Delfim Netto, 1958, p.26.
361
Id., Ibid.
362
Darwin apud Delfim Netto, 1958, p.30. A citação foi mantida em inglês por assim constar no texto de Delfim
Netto.
114

de experimentos sociais, os recentes desenvolvimentos da teoria de amostragem representariam


um “poderoso instrumento de observação cujo sentido só agora começa a ser percebido pelos
economistas. Dessa forma estão se abrindo à observação, campos inteiramente novos, dentro
dos quais não era possível obter informações anteriormente, devido ao seu alto custo”363. Nesse
contexto, a história econômica também teria um papel fundamental na formulação e
comprovação das proposições da teoria econômica, conforme mostrara Neville Keynes, através
da ilustração e teste das proposições, a indicação dos limites de aplicação da teoria econômica
e o fornecimento de evidências para a obtenção de generalizações 364. A esse respeito, continua
Delfim:
A mais recente contribuição da história econômica à teoria econômica se
localiza no campo da teoria do desenvolvimento, precisamente aonde [sic]
Neville Keynes e Robbins achavam que o papel da teoria deveria sempre ser
reduzido a um mínimo. A introdução na teoria econômica de determinados
modêlos dinâmicos (no sentido de Frisch) e as investigações históricas
permitiram uma compreensão muito maior do mecanismo do crescimento
econômico. Como mostra o livro de Rostow é possível selecionar certas
variáveis relevantes e numa medida muito ampla teorizar o desenvolvimento.
Esse fato possibilita a previsão de certas modificações na estrutura do sistema
econômico. Isto não implica em afirmar, entretanto, como de resto é evidente,
que todos os problemas do desenvolvimento estão dentro dos quadros da
ciência econômica.365
Essa citação é relevante porque demonstra o estatuto que assumem as variáveis na
investigação científica de Delfim Netto. São elementos considerados relevantes pelo
economista e, abstraídos da realidade, devem representá-la em suas relações entre si. De acordo
com o texto, num primeiro momento, realiza-se a “descrição e o estudo do comportamento das
variáveis e das instituições que numa primeira aproximação se acredita serão suficientes para
‘explicar’ o comportamento do fenômeno que se pretende esclarecer” 366, para o que a indução
e o conhecimento histórico exerceriam o papel mais importante. Na segunda etapa da
investigação científica, a dedução e o conhecimento matemático assumiriam papel
predominante, pois “o investigador tem de enfrentar uma nova etapa do método científico que
se resume na formulação de certas hipóteses a respeito das variáveis e instituições e das relações
entre elas”367. Esse movimento implicaria a abstração, pois as informações que o economista
julga mais importantes devem ser integradas “dentro de um modêlo capaz de repetir o
comportamento daquela mesma realidade em suas linhas gerais” 368. A relevância do modelo é

363
Delfim Netto, 1958, p.35.
364
Cf. Id., Ibid.
365
Id., Ibid., p.36-7, grifo nosso. O livro citado de Rostow é The Process of Economic Growth, 1953.
366
Id., Ibid., p.37.
367
Id., Ibid., p.37.
368
Id., Ibid., p.37.
115

um problema da terceira etapa do método da ciência econômica, que é sua verificação e que
deverá esclarecer se algum elemento ficou de fora do modelo verificado, mas toda hipótese
deve ser passível de ser refutada – conforme afirma Paul Samuelson em sua Foundations of
Economic Analysis, de 1947. Para esclarecer seu procedimento, Delfim fornece uma
advertência baseada em uma citação de Edward Ronald Walker (1907-1988), diplomata e
economista australiano: uma descrição total da realidade seria uma mera réplica dela,
igualmente complexa e inútil como guia para os problemas; a teoria econômica deve explorar
as implicações de pressuposições selecionadas369.
Na construção desses modelos, então, a matemática teria proporcionado a dedução de
centenas de proposições que provavelmente jamais teriam sido descobertas utilizando-se
apenas o “raciocínio verbal”370; no entanto, ela deve ser traduzida na linguagem ordinária
quando se obtêm as conclusões – nos escritos de economistas do calibre de Marshall e Keynes,
segundo Delfim, o instrumental matemático é importante para a obtenção de resultados, mas
desaparece na exposição deles.
Importa notar, também, que não há espaço para a “objetividade ingênua do
conhecimento científico”371: “No fundo não podemos testar uma hipótese a não ser em termos
de probabilidade e introduzindo um julgamento de valor” 372, pois a rejeição ou aceitação de
hipóteses imporia a escolha de uma regra de rejeição em termos de probabilidade. Isso sempre
envolveria certo grau de arbitrariedade, uma vez que a regra de rejeição não poderia ser
determinada por considerações internas à lógica da ciência. Por isso, seguindo ainda o filósofo
Bertand Russel, Delfim Netto afirma que, no momento em que o homem comum passou a
acreditar completamente na ciência, o homem de laboratório perdeu sua fé nela ao descobrir
que o conhecimento científico não é absoluto. No entanto, o mérito da ciência provém de que
“a vida é um jogo contra a natureza e o conhecimento adquirido através do método científico
ensina ao homem melhores estratégias para tornar a sua vitória mais frequente” 373.
Para se desenvolver, a ciência econômica necessitaria de mais fatos e observação
orientada, tal como se estaria fazendo nos Estados Unidos através do National Bureau of
Economic Research, o Harvard Economic Research Project on the Structure of the American

369
Cf. Delfim Netto, 1958.
370
Id., Ibid., p.43.
371
Id., Ibid., p.49.
372
Id., Ibid., p.49.
373
Id., Ibid., p.52.
116

Economy, entre outros; na Inglaterra, através do Departament of Applied Economics, de


Cambridge; na Holanda; na Noruega; e, por fim, na América Latina:
Nêsse mesmo sentido está trabalhando a Comissão Econômica para a América
Latina, o que para nós, país sub-desenvolvido, tem grande importância. Pode-
se discordar de algumas das conclusões da CEPAL, mas não é possível negar
que ela se encontra no caminho certo para tornar mais relevante a ciência
econômica, analisando em que medida as premissas adotadas atualmente
refletem a realidade dos países econômicamente atrasados. 374
Como veremos adiante, em sua análise da inflação brasileira, Delfim Netto discordará
categoricamente do diagnóstico cepalino, mas continuamente fará uso dos dados empíricos que
a Cepal disponibilizou em seus relatórios. A exposição de seu posicionamento em relação ao
método da ciência econômica auxiliará na compreensão de suas análises a respeito do
desenvolvimento em geral e do subdesenvolvimento em particular. Nos tópicos seguintes,
portanto, buscaremos esclarecer a forma como Delfim Netto operacionaliza as diversas
variáveis presentes em seus modelos e quais são as implicações de seu método, que estão
conectadas com seu estatuto de tecnocrata.

3.2 – Desenvolvimento, subdesenvolvimento e planejamento

O que é o desenvolvimento econômico? Que forma ele assume num país como o Brasil?
Quais são as particularidades, enfim, do capitalismo brasileiro para Delfim Netto? Tentaremos
responder a essas perguntas e contextualizá-las ao longo do restante deste capítulo de modo a
compreender, em sua totalidade, a lógica e o conteúdo das construções intelectuais de Delfim.
A categoria que assume o protagonismo daqui em diante, de acordo com a lógica interna de
suas proposições, será o desenvolvimento.
Delfim Netto louva o fato de que se estaria formando a consciência da necessidade do
desenvolvimento econômico na sociedade brasileira desde a segunda metade do século XX.
Segundo ele, nos anos 1920 e 1930, a intelectualidade brasileira apenas absorvia aquilo que era
produzido pela intelectualidade dos países centrais, muitas vezes para decretar a
impossibilidade do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Eles outorgariam que a “forma
de ser”375 brasileira seria marcada em sua origem por um erro essencial e irremediável. Nos
anos 1950, entretanto, ter-se-ia passado a crer na “capacidade realizadora”376 do país. A
civilização tropical, antes tratada como uma contradição em termos, acompanhada pelos
fatalismos climático-geográfico e racial, teria começado a parecer possível em decorrência do

374
Delfim Netto, 1958, p.54.
375
Delfim Netto, 1962, p.I.
376
Id., Ibid., p.I.
117

próprio evolver da realidade. O ponto-chave teria sido a Segunda Guerra Mundial, a partir da
qual os determinismos climático-geográfico e racial teriam sido deixados de lado e o “problema
nacional”377, segundo Delfim, pôde ser analisado objetivamente. Essa interpretação delfiniana
demonstra que, à sua própria maneira, ele é cria da geração de Celso Furtado. De todo modo,
seus textos revelam conhecimento para além da economia.
O Brasil, assim, teria tomado seu destino em suas próprias mãos. Não havia pecado
original a ser expiado, nem dificuldade que não pudesse ser superada, ou seja, “não existe
nenhuma razão essencial pela qual uma sociedade não se possa beneficiar dos resultados da
aplicação da tecnologia desenvolvida pelo mundo ocidental”378. As forças e as dificuldades
brasileiras decorreriam, naquele momento, dessa percepção. As forças porque o país teria
tomado seu destino nas próprias mãos. As dificuldades porque “tomada de surprêsa, nossa
sociedade ainda não conseguiu galvanizar tôdas as classes sociais em tôrno do ideal do
desenvolvimento, dificultando a unificação de todos os esfôrços no mesmo sentido”379.
Lembrando, ao menos em aparência, o Furtado de 1962 – da Pré-Revolução Brasileira – ele
avança na sua definição de um projeto de nação:

As nossas dificuldades decorrem, ainda, da circunstância de que não


desejamos apenas o desenvolvimento econômico. Desejamos muito mais:
desejamos o desenvolvimento dentro de um sistema político que garanta a
cada cidadão as suas liberdades fundamentais, liberdade que êle possa
desfrutar não num sentido puramente formal, mas num sentido real e
efetivo.380
Delfim Netto define os ideais que se deseja atingir:

1 – a maximização da taxa de desenvolvimento econômico do País, com uma


extensão tão rápida quanto seja possível dos benefícios de tal
desenvolvimento a todos os cidadãos;
2 – uma descentralização do poder político que torne possível a todos os
cidadãos desfrutar, livremente, dêsses benefícios. 381
Portanto, desenvolvimento econômico com distribuição de seus benefícios e
descentralização política. Apesar das semelhanças com Furtado, no entanto, Delfim parece
transformar a política em uma variável interveniente, ou seja, campo inacessível ao economista.
Para Delfim, embora nenhum dos dois sistemas econômicos vigentes no mundo tenha
atingido tal estado satisfatório, os países capitalistas desenvolvidos estariam caminhando no
sentido de realizá-lo. O problema dos países subdesenvolvidos seria, entretanto, mais

377
Delfim Netto, 1962, p.II.
378
Id., Ibid., p.II.
379
Id., Ibid., p.III.
380
Id., Ibid., p.III.
381
Id., Ibid., p.III.
118

complicado: deveria abranger o campo da distribuição, mas também o campo da acumulação


de capital. Tomando a posição defendida por Roberto Simonsen na Controvérsia, mas já em
um contexto de maior diversificação industrial – configurando um debate quase pós-
simonseniano, isto é, os termos no debate nos anos 1950 e 1960 já tratam do papel do Estado
na industrialização em marcha forçada –, Delfim Netto galvaniza sua defesa do planejamento:

Na medida em que têm que decidir nesses dois campos, as contradições se


aprofundam, pois que nem o capitalismo liberal nem as implementações
conhecidas do socialismo são satisfatórios. No primeiro, temos a sujeição da
coletividade à minoria detentora do poder econômico e, no segundo, essa
mesma sujeição à minoria detentora do poder político, ambas sempre prontas
a confundirem, pela fraude num caso ou pela fôrça no outro, a sua própria
vontade, com os verdadeiros anseios da coletividade. 382
Tanto o liberalismo como o socialismo, então, seriam soluções insatisfatórias para que
se atingissem os fins almejados no contexto do subdesenvolvimento. A compreensão histórica
desse fato, segundo Delfim, teria aberto o caminho ao planejamento, procurando tomar aquilo
que há de positivo em cada um dos dois sistemas econômicos e minimizar o que há de negativo.
Para ele, a esquerda criticaria o planejamento apenas por ordem tática. Os conservadores, por
outro lado, levados pelos economistas a crer que o desenvolvimento econômico seria um
fenômeno puramente quantitativo – isto é, que se identifica com o aumento da produtividade
da mão-de-obra – e mistificando o mercado, taxariam o planejamento como inútil.383
Para Delfim Netto, entretanto, a concepção liberal de desenvolvimento econômico está
equivocada. O aumento da renda per-capita seria resultado, e não causa, do processo. O
desenvolvimento econômico se realizaria por modificações qualitativas que “alteram não
apenas a estrutura do sistema econômico, mas também os valores básicos e as formas de
comportamento das sociedades tradicionais”384. A ausência de planejamento não poderia
resultar em desenvolvimento no Brasil, por mais que tivesse funcionado nos países capitalistas
desenvolvidos. A realidade empírica nacional, portanto, deveria ser tomada em consideração.
Delfim Netto explica a razão disso:

[...] basta considerar que, dentro das economias hoje desenvolvidas, as


modificações tecnológicas e o aumento de capital em cada setor se
processaram de forma quase contínua, por absorções infinitesimais, realizadas
desde a revolução industrial. Isso significa que o sistema de preços era sujeito
a pressões contínuas, de proporções manejáveis e podia, portanto, orientar
mais ou menos adequadamente os fatôres de produção. Ora, o caso dos países
subdesenvolvidos atuais é exatamente o oposto disso: a introdução da
tecnologia se faz de maneira descontínua, aos saltos, o que produz

382
Delfim Netto, 1962, p.IV.
383
Cf. Id., Ibid.
384
Id., Ibid., p.V.
119

desequilíbrios de magnitude dificilmente absorvíveis pelo sistema de preços,


a não ser a custa de altas e baixas muito violentas, que tornam o custo social
do desenvolvimento insuportável, principalmente para as classes
trabalhadoras.
Para que o sistema de preços possa funcionar adequadamente, portanto,
impõem-se [sic] que as modificações estruturais mais importantes sejam
previstas e superadas antes de se tornarem um fator impeditivo da aceleração
do desenvolvimento econômico. Êste é o objetivo básico do planejamento. 385
Aqui fica clara a proximidade de Delfim Netto com Roberto Simonsen e seu
distanciamento em relação a Gudin, pois se trata de assegurar o equilíbrio monetário através do
planejamento. Para o Brasil, Delfim rejeita a máxima de que o mercado seria o mais eficiente
alocador de recursos. O avanço tecnológico e a incrementação da acumulação de capital se
dariam aos saltos, sem o caráter gradual característico dos países desenvolvidos, que não teriam
passado por desequilíbrios insuperáveis através do sistema de preços.
O planejamento em si seria neutro e poderia ser usado para uma série de finalidades,
como fortalecer ou substituir a economia de mercado, ficando restrito às áreas tradicionais de
atuação governamental ou ampliando-se. O planejamento também “pode ser utilizado com
objetivos sociais dignos ou para beneficiar uma classe em detrimento de outra”386. Seus
objetivos, portanto, seriam decididos na esfera do poder político: “É a minoria que detém o
poder político em todos os sistemas que decide quais os objetivos a serem alcançados” 387.
Desse modo, não apenas seria absurdo combater o planejamento em si, como também seria
ilusório pensar ser possível fazer uma escolha entre planejar e não planejar. Para Delfim Netto,
a escolha seria entre planejar bem e planejar mal, como já advertia o Roberto Campos
estruturalista: o comportamento presente de uma administração determinaria suas alternativas
futuras, o que significa que a ausência de um registro consciente de suas futuras tarefas seria
apenas um mau planejamento, já que tal administração teria suas opções restritas e correria o
risco de desperdiçar os “recursos escassos para o desenvolvimento”388. O planejamento
proporcionaria a escolha dos meios mais adequados para o alcance dos fins desejados389. Delfim
parece tentar canalizar o debate para a definição de que os fins são a maximização da taxa de
acumulação e, assim, importa tratar dos meios. Desse modo, ele sai do nível técnico e passa ao
nível tecnocrático – em que a viga mestra é a neutralidade científica, incompatível com o papel
auto atribuído de porta-vozes do povo por parte dos técnicos do Brasil desenvolvimentista.

385
Delfim Netto, 1962, p.VI, grifo do autor.
386
Id., Ibid., p.VI.
387
Id., Ibid., p.VII, grifo do autor.
388
Id., Ibid., p.VII.
389
Cf. Id., Ibid.
120

3.2.1 – A mecânica do desenvolvimento

O desenvolvimento econômico seria tão difícil de se captar teoricamente quanto a


realidade, já que “se realiza em todos os setores da vida social e abrange modificações nas
relações estabelecidas entre os grupos sociais envolvidos, bem como modificações das escalas
de valores de tais grupos”390. Embora Delfim Netto considere o desenvolvimento econômico
como um “fenômeno global da sociedade” 391, segundo suas próprias palavras, “Para efeito de
análise [...] apenas consideramos, neste trabalho, os aspectos econômicos do problema” 392. O
objetivo principal de seu texto de 1962 seria analisar a “mecânica interna” 393 do
desenvolvimento econômico a fim de acelerá-lo.394

Êsse fato [a complexidade do fenômeno] leva a caracterizações parciais do


desenvolvimento econômico, ajustadas à natureza da análise que se pretende
realizar. Do ponto de vista do presente trabalho, podemos adotar a
caracterização bastante simples de que o desenvolvimento econômico consiste
num processo pelo qual a quantidade de bens e serviços produzidos por uma
coletividade na unidade de tempo, tende a crescer mais rapidamente do que
ela.395
Essa opção muda os termos do diálogo proposto por Celso Furtado. Para Delfim, o
desenvolvimento econômico é “um fenômeno real e não monetário, que pode ser reduzido à
idéia de um aumento persistente da produtividade de cada unidade de mão-de-obra da
coletividade”396 na unidade de tempo. Seria um processo, isto é, um fenômeno dinâmico, que
se auto-alimenta. Uma teoria do desenvolvimento econômico teria que ser capaz de explicar
como o momento t determina o momento t+1.
Além disso, para Delfim, a caracterização do desenvolvimento econômico deve levar
em conta sua natureza quantitativa e qualitativa. Quando a produtividade per capita aumenta,
“a natureza dos bens e serviços produzidos se altera; alteram-se as técnicas produtivas; altera-
se a distribuição do rendimento; alteram-se a distribuição e o comportamento da mão-de-
obra”397. O fato de algumas dessas transformações encontrarem-se em outros campos do
conhecimento que vão além da teoria econômica não significa, para ele, que se justifique um

390
Delfim Netto, 1962, p.1.
391
Id., Ibid., p.VII.
392
Id., Ibid., p.VII.
393
Id., Ibid., p.VIII.
394
Cf. Id., Ibid.,
395
Id., Ibid., p.1, grifo do autor.
396
Id., Ibid., p.2, grifo do autor.
397
Id., Ibid., p.3, grifo do autor.
121

enfoque puramente sociológico do problema, que revelaria “confusão semântica” e


“comportamento imaginoso das classes sociais”398.
A teoria econômica dos últimos 150 anos teria desenvolvido uma “’técnica de pensar’
adequada e altamente eficiente para a análise e compreensão dos aspectos econômicos das
formas de convivência humana”399. Apesar disso, Delfim Netto reforça “a necessidade e a
urgência”400 do aprofundamento do enfoque sociológico para a compreensão global do
problema – mas a análise econômica não poderia ser reduzida à análise sociológica.
Mas essa desvinculação epistemológica não esconderia, na realidade, uma inversão?
Parece-nos que sua concepção de classes sociais transforma a política e a história em variáveis
intervenientes. Para ele, as classes sociais, como integrantes da coletividade, têm determinadas
funções de acordo com a mecânica do desenvolvimento, e disso decorre que elas não podem
imaginar sua participação no produto (e na sociedade em geral) para além do papel que lhes foi
atribuído. Surge aqui quase um maniqueísmo na concepção delfiniana de sociedade: só são
aceitas as formas de vida compatíveis com os interesses da coletividade. Essa coletividade, por
sua vez, é uma ficção teórica criada pelo tecnocrata sob o manto da análise científica, protegida
de questionamentos que podem ser descartados como anticientíficos.
Delfim segue os passos do Roberto Campos liberto da influência estruturalista. Em
diferentes trabalhos, afirmará que “o desenvolvimento econômico [é] exatamente a mesma
coisa que aumento de produtividade da mão-de-obra”401. Assim, o que importa são os fatores
que influem nessa produtividade, cujo elemento mais fundamental é a “quantidade de capital
associada a cada elemento da mão-de-obra”402, que se associa a melhorias tecnológicas que têm
de ser assimiladas pelo trabalhador através de “todo um processo educacional, tôda uma nova
forma de produzir”403.
Baseando-se expressamente em Capitalism, Socialism and Democracy, de Schumpeter,
Delfim enuncia alguns pressupostos de sua análise ao combater o enfoque puramente
sociológico:

Tôda sociedade, diante da expansão de suas necessidades e prêsa às limitações


das técnicas produtivas e da disponibilidade de recursos, tem de enfrentar os
problemas o que produzir, como produzir e para quem produzir. Não importa,
de fato, como se distribui o poder político, como se organiza a coletividade,
como se imagina a natureza das contradições assim criadas, porque não existe

398
Delfim Netto, 1962, p.3.
399
Id., Ibid., p.3, grifo do autor.
400
Id., Ibid., p.3.
401
Delfim Netto, 1962, p.1; Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
402
Delfim Netto, 1962, p.1.
403
Id., Ibid., p.2.
122

nenhuma forma de organização social que seja capaz de iludir aquêles


problemas: não há sortilégio ideológico capaz de reprimir a expansão das
necessidades da coletividade e não há forma mística capaz de superar as
limitações tecnológicas e a limitação dos recursos. Não padece dúvida a
influência daqueles fatôres sôbre os aspectos da vida econômica da
coletividade e sôbre a influência dêstes sôbre tôda a estutura, mas seria
desastroso para o conhecimento da realidade, a redução da análise econômica
à análise sociológica. 404
Não importa, afinal, como se imagina a natureza das contradições criadas pelo
desenvolvimento. Portanto, como não existe nenhuma forma de organização social que seja
capaz de iludir aqueles problemas relativos à produção, ele parece recomendar, como
consequência lógica, a resignação face ao remédio amargo prescrito a algumas classes (como é
o caso da coação política mencionada no mesmo livro). Essa concepção sobre as ciências
humanas não é de maneira alguma ingênua e revela grande incômodo com os questionamentos
relativos aos interesses sociais por trás das decisões econômicas: afinal, essas estariam
protegidas pela cientificidade da economia e, como tal, seriam naturalmente neutras.
“Qualquer que seja o regime político a que esteja sujeita uma coletividade” 405, afirma
Delfim, será através da recondução de parte de sua produção ao estoque de capital que ela
logrará se desenvolver. E avança:

Qualquer que seja o tipo de sociedade, verifica-se nelas um traço comum: uma
minoria apropria-se do excedente. Isto se compreende facilmente, pois, se
fôsse pura e simplesmente o excedente repartido por todos os que realizam a
produção, ou desapareceria ou seria extremamente reduzido. Para que haja
acumulação, portanto, impõe-se que uma minoria se aproprie do excedente.
[...] A economia russa, como a americana, a da Europa Central ou a nossa,
numa larga medida, são apenas formas políticas diferentes de resolver o
mesmo problema. A diferença entre êsses tipos de sociedade encontra-se no
plano político, e não no econômico406.
Desistoricizando e despolitizando o problema – naturalizando-o, portanto – Delfim
Netto se amarra à resolução de gargalos de produtividade através da operação das variáveis
econômicas. Para que haja acumulação (e, assim, desenvolvimento), uma minoria tem de se
apropriar do excedente econômico e, logicamente, esse excedente tem de ser maximizado. Para

404
Delfim Netto, 1962, p.4, grifo do autor.
405
Id., Ibid., p.4.
406
Id., Ibid., p.5-6, grifo nosso. Sobre essas diferenças políticas, Delfim (p.7) afirma adiante: “Nas economias
centralizadas existe uma dialética que conduz à centralização do poder político. Alias, não se conhece nenhum
caso de sociedade econômicamente centralizada que seja polìticamente descentralizada, enquanto que, ao
contrário, nas sociedades de economia aberta a descentralização política é a essência, o que largamente abre
possibilidades e oportunidades a todos, independentemente de posições sociais e de interferências de outros.
Ademais, tal descentralização política importa na garantia das liberdades individuais. [...] em têrmos de progresso
social, como vimos, há sérias razões para pensarmos que uma sociedade descentralizada pode realizá-lo
simultâneamente com o desenvolvimento econômico”.
123

ele, “Se perde em visão cosmogônica e em efeito pirotécnico, ganha a teoria econômica maior
flexibilidade e maior capacidade de adaptação às situações reais, permitindo ao economista
servir mais eficientemente à sociedade”407.
Delfim Netto talvez ainda não saiba, mas já está na antessala do “economista-rei”408,
definido por Lourdes Sola. Já não havia técnicos em fins: “o processo de despolitização da
sociedade brasileira teria de cumprir o seu curso para que o tecnocrata pudesse emergir como
um ator político de pleno direito”409. Agora há uma ciência econômica, no Brasil, que se arvora
a capacidade de entender e de intervir no processo de desenvolvimento como o único ator
qualificado, que inclusive fala da política como algo propositivo, desde que as classes sociais
assumam seu papel específico. Os fins que essa ciência define são os fins naturais para toda a
coletividade.
Avançando na concepção delfiniana de desenvolvimento, o que diferenciaria o processo
de desenvolvimento do mero crescimento econômico seria a autodeterminação, isto é, o
momento t-1 determina o momento t, que, por sua vez, determina o momento t+1 e assim
sucessivamente. “Em outros têrmos, a formulação de um processo de desenvolvimento
corresponde a estabelecer, a partir de algumas condições iniciais, tôda a sua história” 410. Delfim
cuida em explicitar que isso não significa criar representações a respeito do desenrolar histórico,
menos ainda “uma interpretação da necessariedade do desenvolvimento”411, que pode se dar ou
não, se realizar em ciclos e em diferentes taxas etc. Como as condições iniciais do
desenvolvimento sempre seriam as mesmas, representações e interpretações não seriam
necessárias412. Isso é anti-furtadiano por excelência. Para Furtado, é a partir da compreensão do
processo histórico que se vislumbram as possibilidades do desenvolvimento, daí seu modo de
análise ser chamado de “histórico-estrutural”413. Delfim Netto caminha num universo
rostowiano: dado o arranque inicial, entra-se num processo de etapas do desenvolvimento414.
Entretanto, ao se dedicar ao caso brasileiro, Delfim analisa os empecilhos à decolagem da
economia brasileira e ao automatismo de seu desenvolvimento – sempre mantido sob controle
do Estado interventor-planejador. Assim, a intervenção do Estado via política econômica,
projetando as variáveis no tempo de modo a curar as imperfeições que impedem o bom

407
Delfim Netto, 1962, p.5.
408
Sola, 1998, p.45.
409
Id., Ibid., p.45.
410
Delfim Netto, 1962, p.5.
411
Id., Ibid., p.5.
412
Cf. Id., Ibid.
413
Oliveira, 2003, p.12.
414
Cf. Rostow, 1960.
124

funcionamento de uma economia mecânica, está implícita em sua concepção de planejamento.


O que realiza, então, são análises isoladas sobre temas que ele considera problemáticos para a
mecânica do desenvolvimento.

3.2.2 – A criação de modelos para uma “teoria do (sub)desenvolvimento”

Delfim Netto constrói um modelo simples de desenvolvimento para elucidar sua


dinâmica interna. Explica que a mão-de-obra, trabalhando sobre os recursos naturais e sobre o
capital, produz um fluxo produtivo que se reparte entre consumo da população e formação de
capital, composta por reposição da depreciação do capital existente e por investimento líquido
(que se junta ao capital inicial). O processo de desenvolvimento econômico possuiria, então,
duas variáveis estratégicas: a relação produto/capital e a taxa de investimento. A taxa de
investimento determinaria o ritmo do desenvolvimento econômico, isto é, a taxa de crescimento
da renda per capita415.
O desenvolvimento se realizaria caso a taxa de acumulação de capital fosse maior que
o crescimento da população economicamente ativa. Assim, “cada elemento da coletividade terá
à sua disposição uma quantidade maior de capital e a produtividade crescerá” 416. Tal processo
tenderia a se perpetuar através das variáveis presentes nele próprio. Dessa forma, Delfim
elimina a questão distributiva que estava presenta na pauta de desenvolvimentistas como
Furtado.
Delfim cria uma função da produção 𝑃𝑡 = 𝑓(𝑄, 𝐾𝑡 , 𝑁𝑡 ), que liga o volume total da
produção aos fatores terra (Q), considerado fixo, capital (𝐾𝑡 ) e mão-de-obra economicamente
ativa (𝑁𝑡 ). Disso decorre a produção no período t+1, subtraindo-se o consumo (C):

𝑃𝑡+1 = 𝑓[𝑄, 𝐾𝑡 + 𝑃𝑡 − 𝐶𝑡 , (1 + 𝑛)𝑁𝑡 ]

Assim, as condições iniciais Q, 𝐾0 e 𝑁0 determinariam a evolução do sistema.


Utilizando o multiplicador keynesiano, Delfim reitera a proposição de que o
investimento determina a procura de bens e serviços, cuja oferta é determinada pela função de
produção. Além disso, o produto crescerá na mesma taxa do investimento devido à relação de
proporcionalidade entre essas duas variáveis.

415
Delfim Netto et. al., 1965.
416
Delfim Netto, 1962, p.6.
125

Delfim afirma que o desenvolvimento econômico pode ocorrer ou não, “segundo a


relação que se estabelecer entre os parâmetros estratégicos envolvidos no modêlo”417:

1. propensão marginal a poupar;


2. taxa de crescimento da população;
3. nível de população;
4. nível de investimento;
5. produtividade marginal do trabalho;
6. produtividade marginal do capital.
Suposta a substituição perfeita entre os fatores trabalho e capital, “a taxa do
desenvolvimento depende da taxa de crescimento da população e da taxa de acumulação do
capital, ponderadas pelos respectivos coeficientes da função de produção” 418. Nesse sentido,
independentemente do sistema econômico, o crescimento da economia dependeria
essencialmente:

1. do nível do excedente econômico que a coletividade está disposta (no caso


da economia de mercado) ou é forçada (no caso de uma economia
centralizada) a realizar [...];
2. da forma de aplicação dêsse excedente, pois que êle redunda em aumento
da capacidade produtiva, somente quando reconduzido ao processo como
aumento da quantidade de capital. 419
Caso o excedente fosse utilizado para aumentar o nível de vida da coletividade ou de
apenas uma classe, “a economia entraria em estagnação e retrocesso” 420. A “capacidade de
desenvolvimento econômico”421 de uma economia dependeria, portanto, da quantidade do
excedente econômico e o modo como ele é reintegrado ao processo produtivo. No entanto, o
aumento do volume de capital – ou maior taxa de acumulação – não seria suficiente para
explicar a relação causal que existe entre capital e desenvolvimento econômico. Segundo
Delfim Netto, a própria natureza do capital se altera nesse movimento, e não seria apenas o
aumento do volume, “mas principalmente a descoberta de novas formas produtivas (novos tipos
de combinação entre capital e mão-de-obra), ou seja, o desenvolvimento tecnológico, que
produz aquela relação”422.
Delfim demonstra ter absorvido postulados centrais de Keynes ao defender a
necessidade radical da importação de equipamentos e matérias-primas para a alteração da
estrutura produtiva brasileira, pouco diversificada e escassamente integrada vertical e

417
Delfim Netto, 1962, p.11.
418
Id., Ibid., p.14.
419
Id., Ibid., p.15.
420
Id., Ibid., p.15.
421
Id., Ibid., p.15.
422
Id., Ibid., p.17.
126

horizontalmente. A incorporação de novas técnicas produtivas, que obviamente necessitam de


capital para se materializar, seria essencial ao processo. Delfim está em sintonia com a leitura
coetânea de Keynes no mundo anglo-saxão, o que se evidencia através das inúmeras citações,
por exemplo, da dupla Harrod-Domar423, Robert Solow, entre outros424, distanciando-se de
interpretações desenvolvidas no Brasil.
Alguns dos autores do centro tomados como referência por Delfim teriam estimado que
nos Estados Unidos a taxa de crescimento da produtividade se devia 1/10 ao aumento da
quantidade de capital e 9/10 ao desenvolvimento tecnológico. O planejamento econômico,
portanto, segundo Delfim, não deve reduzir o desenvolvimento ao aumento da quantidade de
capital por unidade de mão-de-obra, mas considerar que há mais processos qualitativos do que
pode parecer à primeira vista. Tal desenvolvimento tecnológico deitaria suas bases nos períodos
anteriores, ou seja, seria “uma consequência das modificações estruturais que se realizaram em
momentos anteriores do processo de desenvolvimento econômico”425.
Tais considerações levam-no a concluir, apoiado em A Soviet Model of Growth (1957),
de Domar, que a relação produto/capital aparece como resultado relativamente passivo da
interação entre a propensão média a poupar e a taxa de desenvolvimento tecnológico, ambas
realizáveis apenas pela acumulação de capital. Em suma,

[...] não basta a capacidade de criar excedentes para acelerar o


desenvolvimento, pois que êste se realiza apenas quando o excedente é
reintegrado no processo produtivo na forma de novas combinações
tecnológicas, isto é, na forma de capital de tipo essencialmente diverso
daquele que predomina no sistema econômico. 426
A assimilação, aplicação e ampliação da tecnologia se daria apenas com o preparo
profissional técnico e científico da sociedade, ou seja, “evidencia-se a importância fundamental
da educação do homem como o ‘investimento’ mais produtivo para o desenvolvimento” 427.
Segundo Delfim Netto,

[...] o homem é a origem e o destino do desenvolvimento e sua realização


apenas pode ser concretizada quando os homens sentem a sua utilidade e se
preparam para consegui-lo. O desenvolvimento econômico, apenas em casos
específicos, històricamente raros, é um fenômeno espontâneo e não há
nenhuma garantia de que uma sociedade qualquer possa atingi-lo sem antes

423
Cf. Harrod, 1948; Domar, 1946.
424
Como Resources and Output Trends in the United States since 1870 (1956), de Abramovitz, A Contribution to
the Theory of Economic Growth (1957), de Solow e Capital Formation and Technological Change in the United
States Manufacturing (1960), de Massell.
425
Delfim Netto, 1962, p.19.
426
Id., Ibid., p.21, grifo do autor.
427
Id., Ibid., p.21.
127

adquirir uma clara consciência da sua necessidade. São êstes fatos que põem
em evidência a urgência de uma teorização adequada do problema, capaz de
facilitar a melhoria da situação de ¾ da população do Globo, que vive num
estado próximo ao da indigência, incompatível com o mínimo de dignidade
que deveria revestir todo ser humano.428
Portanto, via de regra, o desenvolvimento não é um processo automático, e a sociedade
deve se convencer de sua necessidade. Ao iniciar sua análise da mecânica do desenvolvimento
econômico, Delfim Netto fala nas “modificações estruturais”429 – num sentido diverso dos
estruturalistas, para os quais importava ativar um conjunto de reformas transformadoras –
necessárias para o processo de aumento continuado da produtividade da força de trabalho.
Como se depreende do trecho abaixo, as modificações estruturais estão relacionadas à dinâmica
setorial da economia. Tais modificações estruturais assumiriam novas formas ao longo do
processo e dependem da sociedade em questão:

Nas sociedades subdesenvolvidas, onde o setor externo produziu um


suficiente dinamismo e criou-se um mercado interno relativamente
importante, alimentado pelas importações, as transformações estruturais
consistem, em geral, na criação e ampliação da atividade industrial. A
industrialização tende a iniciar-se (dentro de uma economia de mercado) pelos
setores onde são menores os ganhos de dimensão e onde o fator locacional
mais importante é o mercado do produto acabado. E tende a expandir-se
(dentro da mesma hipótese) através dos setores da indústria leve, produtores
de bens de consumo duráveis. É o crescimento dêstes setores que cria o
mercado e torna possível a instalação da indústria pesada. 430
Delfim esclarece assim o caminho: a industrialização tende a se iniciar próxima aos
centros de consumo com bens de consumo não duráveis e, depois, a expandir-se para um
mercado consumidor não massificado com bens de consumo duráveis, o que abriria caminho
para a indústria pesada. A diferença em relação a desenvolvimentistas como Furtado é que em
Delfim Netto o processo aparece como linear e o papel do Estado aparece apenas como
supletivo e restrito à esfera econômica – a política e a sociedade já foram domesticadas pela
esfera econômica em seu modelo. O subdesenvolvimento é uma etapa que pode levar ao
desenvolvimento através de uma política econômica bem conduzida.
O processo de industrialização seria perpassado pela transferência da mão-de-obra das
atividades primárias para as atividades secundárias e terciárias. Delfim ressalta que a grande
porcentagem de trabalhadores produzindo para a subsistência nas atividades primárias é uma
consequência e não uma causa do subdesenvolvimento. Com exceção do setor exportador
especializado, o pré-requisito para um setor primário eficiente seria um setor industrial

428
Delfim Netto, 1962, p.22, grifo do autor.
429
Id., Ibid., p.23.
430
Id., Ibid., p.24, grifo nosso.
128

igualmente eficiente. A concretização da industrialização e consequente urbanização sem o


surgimento de pressões inflacionárias demandariam um aumento da produtividade da mão-de-
obra no setor agrícola superior ao aumento populacional431. Em suma, a indústria precisa
modernizar a agricultura para ter sustentação432.
Do ponto de vista da renda, Delfim afirma o seguinte:

A industrialização é uma contingência do fato de que à medida que se amplia


o nível de renda, ampliam-se também as necessidades não satisfeitas pelos
produtos de alimentação. As leis de Engel mostram que a elasticidade-renda
dos produtos de alimentação é decrescente, de forma que um processo de
desenvolvimento econômico que não ampliasse o setor industrial atingiria
ràpidamente um teto. É certo que o mesmo setor exportador constitui um
substituto do setor industrial, mas essa capacidade de substituição tende a
deteriorar-se ràpidamente, pois, em geral, as exportações das economias
subdesenvolvidas não têm condições para diversificaram-se.433
Ao afirmar que o aumento da renda depende da expansão da indústria, Delfim Netto
reconhece a visão cepalina, mas a recoloca sob outra perspectiva. A dependência sobre a
exportação de poucos produtos colocaria o desenvolvimento do país nas mãos dos países
importadores desses produtos, e não na própria política econômica. Tal concentração das
exportações teria razões históricas: um impulso dinâmico do setor externo, através da procura
de um produto exportável, gera a mobilização de boa parte dos recursos da economia para
determinada atividade e outras correlatas, o que faz com que, em pouco tempo, toda a economia
se encontre sob a dependência desse produto434:

Isto significa que a oferta de divisas no mercado de câmbio passa a depender


essencialmente do volume das exportações e dos preços do produto exportado.
Nas épocas de expansão da procura externa, tende a aumentar a oferta de
divisas e a melhorar a taxa cambial, resultando que apenas podem ser
exportados aqueles produtos onde o país possui maior vantagem relativa
(exatamente aquêles em que êle é especializado). 435
As variações na taxa cambial gerariam uma posição incerta para os outros produtos no
mercado. A especialização, assim, seria perpetuada por sua própria mecânica: “Não é possível,
consequentemente, conseguir-se um desenvolvimento econômico autêntico [...] a não ser pela
criação de um setor industrial”436.

431
Cf. Delfim Netto, 1962.
432
Cf. Id., Ibid.
433
Id., Ibid., p.25.
434
Cf. Id., Ibid.
435
Id., Ibid., p.26.
436
Id., Ibid., p.27.
129

Países com maior crescimento demográfico, como o Brasil, teriam mais facilidade em
um dos elementos do processo, qual seja, a transferência da mão-de-obra para os setores
secundário e terciário da economia. Isso porque a taxa de mortalidade diminui pelas melhores
condições sanitárias e assistenciais proporcionadas pelo desenvolvimento. Com a manutenção
do crescimento demográfico, todo o acréscimo populacional poderia ser alocado para os setores
necessários437.
Em suma, não existe preocupação com a dinâmica histórica do processo. A transição é
um fato consumado e cabe ao Estado complementá-la.
Uma vez que, para Delfim Netto, o desenvolvimento econômico não é automático, mas
demandaria um esforço consciente, os recursos para seu financiamento – aqueles que tornam
ao processo produtivo – proviriam de duas fontes até que o processo atingisse a
autossuficiência: “redução do consumo per-capita ou com o auxílio de recursos vindos do
exterior do sistema”438. A aceleração do processo de desenvolvimento econômico exigiria
transferência mais rápida da mão-de-obra do setor agrícola para o “setor urbano” 439, o que
demandaria um aumento rápido de produtividade no primeiro. Para isso, seriam necessárias
modificações tecnológicas substanciais nesse setor. Caso contrário, as pressões inflacionárias
decorrentes da escassez de produtos primários gerariam “situações de instabilidade social
prejudiciais à sua realização [do desenvolvimento]”440. Em países subdesenvolvidos, segundo
Delfim, pequenas modificações na produção gerariam grandes resultados para o aumento da
produtividade, como a melhoria da qualidade e a seleção das sementes, a instrução técnica,
melhorias no sistema de crédito e facilidade na comercialização. Uma quantidade apreciável da
mão-de-obra poderia ser transferida sem que houvesse diminuição no volume da produção.
Deveria haver, além disso, um ajuste estratégico da taxa de mão-de-obra
economicamente ativa, ou seja, a mão-de-obra efetivamente empregada no processo produtivo
capitalista deveria aumentar conforme fosse necessário ao desenvolvimento segundo a
perspectiva dos planejadores441.
Para que houvesse equilíbrio monetário durante o processo, a coletividade deveria ser
induzida a manter a necessária propensão marginal a poupar através de adequada política
tributária442. Eliminados os aspectos não-econômicos, Delfim Netto lança mão do conceito de

437
Delfim Netto, 1962.
438
Id., Ibid., p.40, grifo do autor.
439
Id., Ibid., p.40.
440
Id., Ibid., p.40.
441
Id., Ibid., cf. pp.42-4.
442
Cf. Id., Ibid. No tópico seguinte, examinaremos as concepções de Delfim a respeito do equilíbrio monetário
nos países subdesenvolvidos.
130

coletividade, que substitui a nação. A coletividade que é chamada a poupar não tem substância.
Resulta das tentativas de Delfim de se esquivar à determinação dos interesses divergentes. É
uma espécie de consórcio de classes sociais que se reúnem sob o comando dos planejadores e,
com base nos modelos econômicos, recebem as instruções a respeito daquilo que podem ou
não desejar.
Ao avançar em sua exposição, Delfim Netto afirma que há grande diferença qualitativa
dos diferentes investimentos no setor industrial em desenvolvimento. O crescimento econômico
autossuficiente exigiria crescimento acelerado da indústria de bens de produção. Esse setor seria
chave, pois “a longo prazo, a taxa de desenvolvimento depende apenas do comportamento do
setor da indústria de bens de produção [...] e da proporção do investimento reconduzido a êste
setor”443. Haveria nisso, para Delfim Netto, um paradoxo, pois seria mais conveniente investir
no setor de bens de produção mesmo quando o coeficiente produto/capital é maior no setor de
bens de consumo. A decisão de investir neste último teria sua racionalidade restrita ao curto
prazo. “Quando se introduz uma ligação entre os dois setores (com possibilidade de acumulação
e transferência maciça de capital no futuro) o critério de racionalidade não é o mesmo” 444.
Apesar disso, o esforço a ser feito pela sociedade dependeria não apenas da
produtividade no setor de bens de produção, mas também do setor de bens de consumo. Embora
a taxa de crescimento não dependesse deste, a produtividade nesse setor condicionaria a taxa
de poupança que financiaria o crescimento. Quanto maior a produtividade, menor a taxa de
poupança necessária445. Com base nisso, Delfim Netto testa alguns modelos, que serão
brevemente tratados mais adiante, a fim de determinar variáveis ótimas para o desenvolvimento.
Quanto maior a proporção do investimento reconduzida ao setor de bens de produção, maiores
os sacrifícios impostos ao consumo446.
Delfim declara que o modelo com o maior crescimento possível do produto deveria se
basear em uma diminuição do consumo demasiado acentuada para que um país
subdesenvolvido a suportasse, “a não ser sob coação política” 447. Assim, a primeira tarefa do
planejamento seria diminuir o consumo relativo a fim de financiar o crescimento da economia.
Essa tarefa não poderia se dar sem planejamento, pois o mercado se limitaria ao comportamento
dos consumidores e, portanto, ao curto prazo 448.

443
Delfim Netto, 1962, p.54.
444
Id., Ibid., p.55.
445
Cf. Id., Ibid.
446
Cf. Id., Ibid.
447
Id., Ibid., p.63.
448
Cf. Id., Ibid.
131

Portanto, Delfim Netto acredita que pode haver desenvolvimento capitalista dinâmico
no Brasil sem mudança de estruturas – no sentido furtadiano. Para Delfim, em outros termos,
as especificidades do capitalismo em processo de consolidação existem, mas podem ser
trabalhadas no âmbito da política econômica, de modo a fazer com que se chegue ao resultado
de um capitalismo “normal”.
Com uma taxa de investimento de 30% do excedente econômico no setor de bens de
produção (w), o volume de investimentos teria que “crescer rapidamente”449 para que se
conservasse a taxa média de crescimento de 4,6% ao ano. Numa taxa de investimento (w) de
50%, o consumo cresceria lentamente até o oitavo ano. A partir aí, seu crescimento superaria o
aumento populacional. O volume de investimentos também teria que crescer consideravelmente
para que a longo prazo (30 anos) se atingisse a taxa de crescimento de 10% ao ano. A situação
em que há uma taxa de 70% de investimento do excedente econômico reinvestido no setor de
bens de produção (w) é aquela em que seria necessária coação política para que a coletividade
suportasse o sacrifício. Esse seria também o caso de melhores resultados a longo prazo.
Tenderia “a colocar a economia num caminho de crescimento exponencial a 15 por cento ao
ano”450. A partir do décimo segundo ano, os níveis de consumo ultrapassariam a taxa de
crescimento populacional451.
Para Delfim, “Êstes fatos sugerem que o processo de desenvolvimento deveria ser
materializado por etapas, de forma a minimizar os sacrifícios iniciais”452.
O aumento de preços teria relação positiva com a taxa de investimento (w), isto é, quanto
maior essa taxa, maior o aumento geral de preços. O único teste em que os preços ficariam
constantes seria com w=0,3. Nos demais casos, o aumento dos preços seria considerável (cf.
Gráfico I abaixo). Uma política fiscal adequada, então, teria a função de “retirar dos
consumidores os excedentes do poder de compra”453.
Conclui Delfim Netto:

É claro que o processo inflacionário não se comportaria exatamente dessa


maneira, pois que sendo as classes sociais atingidas desigualmente pelos
aumentos de preços, em breve elas se organizariam (a não ser que estivessem
sob coação política) para defender a sua participação no produto. Nessas

449
Delfim Netto, 1962, p.63.
450
Id., Ibid., p.63.
451
Cf. Id., Ibid.
452
Id., Ibid., p.64.
453
Id., Ibid., p.64.
132

circunstâncias, a inflação começaria a auto-alimentar-se e a adquirir


aceleração. 454
Em um contexto de retração do consumo e aumento da taxa de investimento no setor de
bens de produção (w) para o alcance da maior taxa possível de desenvolvimento, portanto, as
classes sociais do lado fraco da desigualdade, que demandariam maior participação no produto,
precisariam ser contidas à força a fim de que a inflação não se tornasse endêmica 455.
Por sua vez, a elevação das taxas de crescimento entre o início e a maturidade do
processo (revelada na tabela abaixo) exige níveis extremamente elevados da propensão média
a poupar.456

454
Delfim Netto, 1962, p.64-5, grifo nosso.
455
Id., Ibid., p.65: “É claro que o processo inflacionário não se comportaria exatamente dessa maneira, pois que
sendo as classes sociais atingidas desigualmente pelos aumentos de preços, em breve elas se organizariam (a não
ser que estivessem sob coação política) para defender a sua participação no produto. Nessas circunstâncias, a
inflação começaria a auto-alimentar-se e a adquirir aceleração”.
456
Id., Ibid., p.65.
133

Gráfico I. Fonte: Delfim Netto, 1962, gráfico nº10, s/p.

Taxas de Crescimento por Período [ano]

Caso I Caso II Caso III


(w=0,3) (w=0,6) (w=0,7)
Início 0,04 0,03 0,02
Maturidade 0,05 0,1 0,15
Tabela I. Fonte: Delfim Netto, 1962, p.65.
Uma “forma alternativa”457 para que a coletividade poupasse para investir, segundo
Delfim Netto,

[...] seria de um sistema fiscal cujo objetivo central fosse a redução do nível
de renda disponível para consumo. Dêste modo, criar-se-ia uma poupança

457
Delfim Netto et. al., 1965, p.6
134

forçada, que, ou reforçaria o papel do Govêrno no total dos investimentos, ou


lhe permitiria colocar recursos não inflacionários à disposição dos
empresários privados (por exemplo, através de bancos de
desenvolvimento). 458
Desse modo, a coação política poderia dar lugar a uma reforma tributária na medida em
que a sociedade como um todo concordasse com a propalada redistribuição de renda.
É então que Delfim Netto lança a seguinte pergunta: “existe um caminho ótimo de
desenvolvimento?”459.
Para responder a essa pergunta, Delfim demonstra sua filiação a Rostow e deixa claro
que para ele só há um desenvolvimento, que se reduz a “repetir no menor tempo possível o
caminho percorrido pelos Estados Unidos da América do Norte e Europa Ocidental no século
XIX e pelo Japão e União Soviética mais recentemente”460. Esse posicionamento passa ao largo
das reflexões de Caio Prado Jr. que vimos no capítulo 1, a saber, a discussão de que, na periferia
do capitalismo, o fator propulsor da demanda estaria no centro. Nessa chave, a relação
investimento/PIB como elemento essencial para o desenvolvimento perde importância face à
forma como se chega ao investimento contínuo de capital no processo produtivo e como se
materializam os investimentos.
Dessa maneira, escamoteados os pressupostos da própria questão, a preocupação de
Delfim é determinar a cota que deve ser investida na formação de capital, isto é, a repartição da
renda entre consumo e investimento.
Segundo Delfim Netto,

Considerem-se, a título ilustrativo, dois casos bem distintos no tempo e no


espaço: a revolução industrial inglêsa, em fins do Século XVIII e primeira
metade do Século XIX e o desenvolvimento industrial da União Soviética,
após 1917. Aceitando-se a interpretação de Max Weber, a ética protestante
teria sido um forte estimulante para o surto de investimento na Inglaterra do
século passado. Tal ética teria fornecido as razões básicas para que uma menor
parcela do produto da economia inglêsa fosse consumida imediatamente,
reservando-se, assim, um montante maior para a acumulação de capital. No
caso soviético, a ideologia marxista teria, da mesma forma, estimulado os
grandes investimentos que caracterizam a economia russa, ao fazer com que
pràticamente desaparecesse a opção entre consumo atual e consumo futuro.461
Assim, cada país atingiria um nível maior de poupança para o investimento à sua própria
maneira. Na Inglaterra, o responsável teria sido o ascetismo protestante, enquanto na União

458
Delfim Netto et. al., 1965, p.6.
459
Delfim Netto, 1962, p.67, grifo do autor.
460
Id., Ibid., p.67.
461
Delfim Netto et. al., 1965, p.5.
135

Soviética, teria sido a ideologia marxista. Em ambos os casos, o processo assume o cunho
voluntarista característico da proposta de Delfim Netto.
O objetivo do desenvolvimento econômico para Delfim é que “o bem-estar da
coletividade [...] seja máximo”462. O termômetro desse bem-estar seria a “preferência dos
consumidores”463 – auxiliados pelos tecnocratas que deveriam dizer quanto os consumidores
deveriam consumir – por uma economia de mercado ou pelas decisões dos planejadores numa
economia centralizada464.
Após buscar um modelo ótimo para o desenvolvimento, Delfim Netto conclui que

[...] os caminhos para o desenvolvimento não são indiferentes e que uma vez
conscientizada a sua necessidade, cada sociedade dispõe de muitas
alternativas para realizá-lo, umas com maior, outras com menor eficiência.
Catalogar êsses caminhos e explorar tôdas as suas possibilidades em têrmos
de situações históricas concretas e dentro da limitação dos recursos
disponíveis, é uma das tarefas primordiais que cabe ao economista no
presente.465
O desenvolvimento econômico é baseado, portanto, no aumento da produtividade da
mão-de-obra em função do crescimento populacional e é consequência direta do montante de
capital investido no setor de bens de produção. Seus resultados seriam avaliados segundo a
preferência da coletividade, ou, como também diria Delfim, dos consumidores. Sua essência
“(e da qual deriva aquela conclusão) é a de que não existe nenhum outro fator limitante de
desenvolvimento, a não ser a quantidade de capital”466, que precisa ser elevada às custas do
consumo.
Entretanto, haveria o problema do processo inflacionário que decorreria da alta taxa de
formação de poupança necessária para um processo eficiente em tempo relativamente curto –
uma geração (25 anos)467 –, o que se agravaria através do crescimento demográfico. Essa alta
taxa de poupança demandaria a contenção dos investimentos em bens de consumo por parte
dos empresários e a contenção das aspirações de consumo ampliado e diversificado por parte
dos assalariados (o chamado desenvolvimento derivado), que revisariam os seus padrões de
consumo através do contato com os novos desenvolvimentos nos países centrais. Por isso,
segundo Delfim, a inflação deveria ser restringida pela política fiscal através da concordância
da coletividade ou da coação política468, como veremos no tópico seguinte.

462
Delfim Netto, 1962, pp.67-78
463
Id., Ibid., p.67.
464
Cf. Id., Ibid.
465
Id., Ibid., p.80.
466
Id., Ibid., p.82, grifo do autor.
467
Cf. Id., Ibid.
468
Delfim Netto et. al., 1965.
136

3.3 – Os obstáculos ao desenvolvimento e o caso brasileiro

Como já vimos, Delfim Netto toma a categoria “subdesenvolvimento” como uma


variável composta que demanda adaptações em modelos matemáticos importados dos países
centrais. As particularidades econômicas, sociais e políticas que caracterizam as experiências
dos diferentes países são deixadas de lado com base na operacionalização dos elementos de um
processo de desenvolvimento que não incorpora fins relacionados à justiça social ou à
democracia. Em sua “teoria do desenvolvimento”, portanto, esses aspectos são relegados ao
futuro como se sua problematização não estivesse necessariamente relacionada ao caminho que
a sociedade teria de percorrer.
Por isso, para Delfim, não se trata de alterar estruturas sócio-históricas no interior do
capitalismo brasileiro. Trata-se de superar os gargalos que considera serem empecilhos para a
mecânica de acumulação de capital. Com base nisto, ele fornece sua visão a respeito dos
elementos que poderiam obstaculizar o processo de desenvolvimento. Muitos deles não
representam obstáculos em si, como veremos adiante, mas o seriam através da conjugação de
problemas que deveriam ser sanados por meio da política econômica. Além da inflação e da
falta de entrosamento entre agricultura e indústria, cuja análise veremos detalhadamente nos
tópicos seguintes, o déficit no balanço de pagamentos representa um importante tema de suas
análises, o que se revelará também no tópico sobre a inflação.

3.3.1 – O déficit no balanço de pagamentos

No interior do processo de industrialização, Delfim Netto reconhece que haveria uma


importante restrição ao desenvolvimento no que diz respeito ao déficit no balanço de
pagamentos decorrente da incapacidade de produção interna de produtos essenciais ao
processo. Conforme o setor III, produtor de matérias-primas, ferro, cimento etc., “não puder
suportar o nível de acumulação pretendido, a única saída é o deficit no balanço de
pagamentos”469. Dessa maneira, ou se diminui o nível de acumulação e, portanto, a taxa de
desenvolvimento, ou se obtém um balanço de pagamentos deficitário470. No seu entender, esse
dilema pode ser resolvido através da política econômica.
Para analisar esse problema, Delfim utiliza um modelo de economia aberta, “a fim de
mostrar que não existe incompatibilidade fundamental entre o desenvolvimento acelerado, a
estabilidade monetária e o equilíbrio do balanço de pagamentos”471, Delfim Netto conclui que

469
Delfim Netto, 1962, p.92.
470
Cf. Id., Ibid.
471
Id., Ibid., p.94, grifo do autor.
137

[...] a possibilidade de modificar a taxa de acumulação (w) e a relação


produto/capital (a) permitem obter um desenvolvimento acelerado que
reproduz as características de modelos de desenvolvimento mais eficientes do
que os do tipo Harrod-Domar. Resta estudar o comportamento do consumo e
das importações em tal sistema, para verificar o problema da estabilidade
monetária e do equilíbrio do balanço de pagamentos. 472
É nesse contexto que a agricultura e a inflação são estratégicas para seu modelo de
acumulação. O desenvolvimento não seria a causa, mas a consequência de um processo que
atualiza a dinâmica do setor primário.
Segundo Delfim Netto, o investimento no setor exportador ocorreria em função da
capacidade instalada e das perspectivas de procura exterior, supondo-se ilimitada a oferta de
mão-de-obra. Ele defende que o controle cambial com taxas múltiplas de câmbio poderia ser
um instrumento coadjuvante em favor do desenvolvimento econômico ao modificar o
coeficiente de importação associado aos bens de consumo. O equilíbrio no mercado interno
seria provisoriamente rompido até que as importações ligadas ao setor de consumo fossem
suprimidas em favor da produção interna, com a necessária contrapartida no sistema tributário
para que os preços não se elevassem. A questão seria evitar que a redução das importações
implicasse em redução dos investimentos, ou seja, combater o desequilíbrio do balanço de
pagamentos sem o comprometimento da taxa de crescimento do produto . O processo de
desenvolvimento necessitaria de fortes estímulos para sua realização contínua, caso contrário
rapidamente sairia do caminho desejado473.
A pressão maior sobre o balanço de pagamentos no processo de desenvolvimento
ocorreria da importação de “bens de investimento”474, isto é, bens de capital. A importação de
bens de consumo teria que diminuir em favor daquela, que se elevaria num patamar ainda maior
que a diminuição desta. Por isso, nem mesmo se as importações para consumo se reduzissem a
zero, segundo Delfim, poder-se-ia reequilibrar o balanço de pagamentos. Assim, a sociedade
poderia manter tal desequilíbrio temporário em favor do desenvolvimento, contando com os
recursos do exterior, ou reduzir a taxa de expansão da economia de modo a evitar o desequilíbrio
persistente do balanço de pagamentos. No que diz respeito ao equilíbrio monetário, a inflação
decorrente da aceleração do investimento seria potencialmente muito pequena 475.

472
Delfim Netto, 1962, p.104-5.
473
Cf. Id., Ibid.
474
Id., Ibid., p.125.
475
Cf. Id., Ibid.
138

Assim, as origens da política econômica do milagre se encontram na seguinte pergunta,


enunciada por Delfim Netto: como combinar desenvolvimento acelerado com equilíbrio
monetário e no balanço de pagamentos?476
A única forma prescrita é a expansão das exportações. Em seu modelo, uma expansão
das exportações de 3% ao ano seria suficiente já nos primeiros oito anos para cobrir os déficits
seguintes. Uma expansão a partir de 5% ao ano, pelo contrário, diminuiria a taxa de
desenvolvimento, pois a alocação dos excedentes da exportação teria que retornar ao próprio
setor exportador em nível mais elevado477.
Delfim Netto conclui que a realização do desenvolvimento econômico depende “da
combinação de situações favoráveis em algumas variáveis econômicas fundamentais” 478 e “de
uma tomada de consciência nacional diante da sua necessidade e da conjugação dos esforços
da coletividade para atingi-lo”479. A tomada de consciência seria o primeiro passo para uma
mudança de “tôda a estrutura da sociedade”480, evidentemente em benefício dos setores
responsáveis pela acumulação de capital.
Os fatores de produção, segundo Delfim, deveriam ser mobilizados de modo a assegurar
uma taxa razoável de desenvolvimento, sem os efeitos colaterais do desequilíbrio monetário,
que “levaria à desorganização social”481, ou do balanço de pagamentos, que levaria “à
submissão da soberania nacional a interêsses estrangeiros”482.

É importante notar que a única noção de desenvolvimento que realmente


interessa nêste caso é a de processo. Não entendemos como desenvolvimento
qualquer aumento da renda “per capita” verificado em circunstâncias
aleatórias (como é o caso da melhoria das relações de troca) que não se
transforme em aumento da capacidade produtiva da economia e implique,
simultâneamente, em alterações qualitativas do sistema econômico. No
processo de desenvolvimento econômico, os aumentos da renda “per capita”
são simples reflexos de uma realidade mais profunda, que é o aumento e
diversificação da capacidade produtiva. O processo de desenvolvimento é,
assim, um fenômeno não apenas quantitativo, mas também qualitativo, que ao
se realizar cria as condições necessárias à sua perpetuação, através da geração
de um excedente de produção e das modificações estruturais necessárias para
ampliar o mercado e incorporar o excedente no aumento da capacidade
produtiva da sociedade. 483

476
Cf. Delfim Netto, 1962.
477
Id., Ibid., p.126.
478
Id., Ibid., p.127.
479
Id., Ibid., p.127, grifo do autor.
480
Id., Ibid., p.127.
481
Id., Ibid., p.127.
482
Id., Ibid., p.127.
483
Id., Ibid., p.77.
139

Isso revela, mais uma vez, a concepção de fundo de que, se a economia brasileira não
está no mesmo patamar das economias dos países desenvolvidos, isso se deve ao fato de que
ela não espelha o processo de desenvolvimento capitalista naqueles países. As peculiaridades
da economia brasileira, logo, são operacionalizadas para que possam ser comparadas – e
corrigidas – com base no desenvolvimento alheio. Assim, ainda que o aumento da renda per
capita, segundo Delfim, seja somente um reflexo da diversificação da capacidade produtiva,
ele é, ao mesmo tempo, o termômetro do desenvolvimento e, assim, assume o estatuto de
finalidade. De meio para o bem-estar da coletividade, dessa forma, o aumento da renda per
capita se torna um fim em si. Na medida em que essa variável é uma média e não diz nada
sobre a distribuição efetiva da renda, já podemos antever que a concepção de Delfim, ao ignorar
as particularidades históricas dos diferentes países e especialmente do Brasil, já traz em si a
potencialidade de transformar o desenvolvimento econômico – isto é, o crescimento econômico
sustentado – em algo aquém da satisfação dos interesses e aspirações dos andares de baixo da
sociedade brasileira.
Via de regra, as economias subdesenvolvidas teriam potencialidades que, se utilizadas,
poderiam caminhar num sentido quase natural em favor do desenvolvimento econômico, tais
como o crescimento demográfico positivo e as possibilidades de modificação do coeficiente
produto/capital através de “uma simples melhoria das técnicas organizacionais” 484. Dever-se-
ia levar em conta, além disso, que o desenvolvimento econômico poderia se dar, supostamente,
sem a diminuição absoluta do consumo per capita e mesmo aumentando-o desde o início ao
mesmo tempo em que se aumenta “progressivamente o excedente econômico destinado ao
reinvestimento produtivo”485. A realização desta tarefa numa economia de mercado estaria
condicionada ao planejamento, que superaria as perspectivas de curto prazo dos empresários.
Nesse contexto, novamente, a inflação poderia ser contida apenas por “uma política tributária
adequada”486. A perda do controle inflacionário levaria a uma reação destinada a levar a
economia a seu “equilíbrio original”487, o que provocaria aceleração no processo
inflacionário.488
No que diz respeito ao balanço de pagamentos, não haveria garantia em qualquer
circunstância de que não existiriam problemas graves durante o processo de desenvolvimento:

484
Delfim Netto, 1962, p.128.
485
Id., Ibid., p.128.
486
Id., Ibid., p.128.
487
Id., Ibid., p.129.
488
Cf. Id., Ibid.
140

A análise do problema revela, entretanto, que a não ser no caso extremo em


que os valor [sic] mínimos dos coeficientes de importação sejam
incompatíveis com a manutenção da taxa máxima de desenvolvimento
atingível com as disponibilidades internas de fatôres, o problema é
superável.489
Isso significa que a economia, mesmo subdesenvolvida, precisa já ter atingido certo grau
de desenvolvimento dos meios de produção de modo que não se chegaria a um gargalo de oferta
ao se realocarem os fatores de produção em benefício do setor de bens de produção. No caso
brasileiro, não deveriam decorrer problemas insuperáveis no setor externo, segundo Delfim
Netto, caso as exportações atingissem “uma taxa de expansão anual relativamente pequena
(menor do que 5%)”490. Delfim conclui:

Devido exatamente à necessidade de atendimento de tôdas essas condições e


às contradições entre os critérios de racionalidade de curto e longo prazo, no
que se refere aos investimentos, é que o planejamento se apresenta como o
instrumento adequado para a consecução do desenvolvimento econômico. 491
O planejamento seria igualmente necessário para prevenir a tendência do
desenvolvimento derivado em sociedades subdesenvolvidas. A aspiração por padrões de
consumo próximos aos dos países de renda per capita elevada induziria à inadequação entre a
demanda global e a estrutura produtiva interna, o que elevaria a demanda tanto de bens de
consumo como de bens de produção externos. Isso se manifestaria particularmente no setor
industrial, o mais atrasado relativamente. A tradicional exportação de produtos primários para
sustentar o nível de importações, então, característica marcante dos países subdesenvolvidos e
depositária de elasticidade-renda muito pequena, contribuiria para o surgimento de um déficit
crônico no balanço de pagamentos.492
No Brasil, cuja pauta de importações se compunha majoritariamente por equipamentos
e matérias-primas, segundo Delfim, esse problema assumiria contornos graves porque estaria
atado à taxa global de investimentos. Analisando a economia brasileira na primeira metade da
década de 1960, com o processo de industrialização pesada aos tropeços depois do Plano de
Metas de JK, Delfim afirma:

No caso brasileiro, em que a pauta de importações é constituída quase que


totalmente de equipamentos e matérias primas, produtos essenciais para a
própria manutenção de uma alta taxa de investimentos, o problema assume
contôrnos graves. Qualquer tentativa de eliminação do déficit no balanço de
pagamento através de uma redução das importações, sem o correspondente
aumento da capacidade produtiva interna, significaria uma diminuição do

489
Delfim Netto, 1962, p.129.
490
Id., Ibid., p.129.
491
Id., Ibid., p.129.
492
Cf. Id., Ibid.
141

rítmo de desenvolvimento econômico, uma vez que implicaria, pelo menos a


curto prazo, em uma redução da taxa de investimento global da economia. [...]
O déficit no balanço de pagamentos surge assim como uma alternativa entre
o desenvolvimento com desequilíbrio ou a estagnação com estabilidade.
Cremos que a primeira alternativa é òbviamente preferível à segunda.
Evidentemente o déficit não pode ultrapassar certos limites, a não ser que se
possa utilizar linhas de crédito no exterior. Uma vez que se disponha de tais
linhas, pode-se elevar o teto de desenvolvimento, removendo, ou pelo menos
afastando, o limite representado pelo setor externo.493
Ao reconhecer o problema do desequilíbrio no balanço de pagamentos, então, Delfim é
enfático ao defender que o desenvolvimento com desequilíbrio é preferível a nenhum
desenvolvimento e ao sinalizar que a tomada de empréstimos externos é alternativa à
diminuição das importações, essenciais para o desenvolvimento de uma economia que ainda
não havia finalizado seu processo de industrialização. No capítulo 4, veremos as implicações
disso em sua política econômica, que realizou fortemente a tomada de empréstimos externos,
bem como a defesa posterior que ele faz a respeito do aumento vertiginoso no volume destes
empréstimos, que teria se refletido em maior desenvolvimento para o país.

3.3.2 – A inflação

Quando avalia o capitalismo no Brasil, em análises geralmente conjunturais, Delfim


Netto quase sempre repõe seus argumentos principais – como a definição de desenvolvimento
– de modo a articulá-los com o tema de que trata no texto. Nesse sentido, duas categorias
assumem papel privilegiado em suas análises: a agricultura e a inflação. A primeira categoria
que iremos examinar a seguir é a inflação brasileira. Antes disso, no entanto, convém tratar
brevemente daquilo que Delfim Netto pensa a respeito do fenômeno inflacionário em
economias subdesenvolvidas.
Segundo Delfim, a experiência histórica teria demonstrado uma relação entre o
crescimento da renda “nos países econômicamente atrasados” 494 e altas taxas de inflação. Por
isso, indaga-se até que ponto esse processo é inexorável, assim como seu papel na elevação dos
níveis de renda per capita, o peso da política econômica no processo e, finalmente, a
compatibilidade das pressões sociais geradas pela inflação com o atendimento de objetivos
políticos, como o aperfeiçoamento da democracia495.
Em primeiro lugar, Delfim Netto explica que a alta concentração na distribuição de
renda proporcionaria a reserva de recursos para o desenvolvimento caso houvesse maior

493
Delfim Netto, 1962, p.81-2, grifo nosso.
494
Delfim Netto et. al., 1965, p.3.
495
Cf. Id., Ibid.
142

propensão média a poupar por parte da “classe minoritária detentora do excedente econômico,
em relação ao restante da população”496. No entanto, em um “regime político aberto”, seriam
“difìcilmente comprimíveis” as expectativas de melhoria de vida por parte da “massa
consumidora”497. Em tal situação, mesmo que esse inconveniente (proveniente da massa
consumidora) fosse superado de alguma maneira, haveria um bloqueio estrutural do processo
de desenvolvimento “autêntico”:

Aparece aqui uma contradição fundamental, pois sendo desigualmente


distribuída a renda, maiores serão as poupanças, mas menores serão os
estímulos à ampliação e diversificação dos investimentos. A única maneira de
expandir os investimentos neste caso é aplica-los no próprio setor voltado para
o comércio exterior. Não se trata, portanto, de um desenvolvimento autêntico
(ainda que haja crescimento), pois que a estrutura produtiva e a estrutura da
demanda interna não se alteram.498
A solução para isto seria a criação de uma poupança forçada através do sistema
tributário, a qual diminuiria a renda disponível para consumo e redirecionaria os recursos não
inflacionários a investimentos governamentais ou os colocaria à disposição do setor privado
através de bancos de desenvolvimento. Isso, no entanto, dependeria da construção de um
consenso político que soa pouco provável:

Desde que a sociedade como um todo concordasse com a redistribuição da


renda realizada via sistema fiscal, as pressões inflacionárias daí resultantes
seriam pràticamente nulas. Em suma, as preferências da maioria adaptar-se-
iam às de uma minoria, seja empresarial, seja governamental. 499
Caso contrário, consumir uma parcela de renda superior ao valor dos bens de consumo
produzidos no mesmo período criaria um excesso de demanda no mercado de bens de consumo
que conduziria inexoravelmente ao aumento de preços, dada a constância da oferta a curto
prazo. Enquanto o processo persistisse, a inflação subsistiria. O problema seria de difícil
solução, pois as “sociedades subdesenvolvidas contemporâneas” disporiam de uma “classe
empresarial suficientemente dinâmica e de um sistema político relativamente aberto” 500, o que
potencializaria as pressões supracitadas. Uma vez iniciado o processo de desenvolvimento,
então, ocorreriam dois fatores importantes: as expectativas de alto lucro e a possibilidade de
domínio de mercado seriam um grande estímulo aos investimentos empresariais, ao passo que
a revisão dos padrões de consumo dos assalariados “à luz de seus contatos com o mundo

496
Delfim Netto et. al., 1965, p.6.
497
Id., Ibid., p.6.
498
Id., Ibid., p.6, nota de rodapé nº 6.
499
Id., Ibid., p.6.
500
Id., Ibid., p.7.
143

exterior”501 criaria aspirações generalizadas de ampliação e diversificação do consumo. A


combinação desses dois fatores seria o próprio elemento criador do “clima propício ao
desenvolvimento econômico”502, mas o sistema estaria sujeito a pressões no sentido da
ampliação do nível de investimentos e igualmente do nível de consumo, o que conduziria à
elevação do nível de preços. Uma vez iniciado, o processo inflacionário se agravaria por meio
da ampliação dos financiamentos e por meio das pressões sociais no sentido do aumento da
oferta dos “bens de consumo coletivo (educação, saúde, transportes, etc.)”503:

Não é de estranhar, portanto, que sociedades em vias de desenvolvimento com


as características que apontamos apresentem uma certa tendência à inflação.
Esta tendência será tanto mais forte, quanto maiores forem as barreiras
(econômicas ou institucionais), contra uma rápida mobilização dos recursos
da sociedade e contra uma ampliação da taxa de crescimento da oferta real de
bens e serviços. 504
O Estado, portanto, deveria abraçar a industrialização como um objetivo maior e
fomentá-la através das políticas monetária e fiscal, além de atuar supletivamente no campo da
produção de modo a ativar o setor privado. O sistema político teria diferentes formas para
exercer sua função em prol do desenvolvimento. Entre elas, o surgimento de uma “vontade
nacional” acima da vontade dos “cidadãos”, que poderia inclusive se traduzir em uma
“liderança política consentida [...], capaz não só de restringir o consumo global, como de reduzir
a luta entre as diversas classes sociais pelo produto global gerado pela economia” 505. O Brasil
seria uma das “sociedades em desenvolvimento”506 em que a inflação se manifestaria com
muito vigor – e onde, segundo Delfim, não havia tal liderança depositária da vontade nacional¸
que teria de se erguer acima dos interesses políticos escusos:

Tais considerações conduzem a sérios problemas de natureza política que


escapam inteiramente ao âmbito do presente trabalho. Se de fato existem
fortes componentes inflacionárias nas nações atualmente em
desenvolvimento; se as manifestações concretas de tais pressões ligam-se, em
maior ou menor grau, às estruturações políticas de tais sociedades,
encontramo-nos indubitàvelmente diante de um problema eminentemente
valorativo. Caberá a cada sociedade em particular conciliar êste problema com
as aspirações, generalizadas hoje em dia, não só de níveis materiais de vida
cada vez mais altos, mas, também e fundamentalmente, de formas de
organização social compatíveis com os princípios de liberdade e democracia,

501
Delfim Netto et. al., 1965, p.7
502
Id., Ibid., p.7.
503
Id., Ibid., p.8.
504
Id., Ibid., p.8.
505
Id., Ibid., p.10.
506
Cf. Id., Ibid.
144

incorporados ao quadro de valores característicos da chamada civilização


ocidental.507
Dessa maneira, Delfim novamente transforma a política em uma variável que não lhe
compete e a relega ao âmbito dos valores da sociedade. Livre dos constrangimentos deste
problema, então, Delfim afirma que a vulnerabilidade ao fenômeno inflacionário por parte dos
países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos poderia ser consideravelmente diminuída
através de medidas de ordem monetária e fiscal. A inflação anual da ordem de 80% pela qual o
Brasil estava passando naquele momento dificilmente se justificaria, para ele, pelas “condições
históricas e políticas que condicionaram o nosso desenvolvimento. Paralelamente aos fatôres
acima apontados, outros, de influência ainda maior, têm contribuído para aquela taxa de
inflação”508.
Para Delfim Netto,

Quatro são as variáveis explicativas da infalção [sic] brasileira: os déficits do


setor público e sua forma de financiamento; as pressões de custo derivadas
dos reajustamentos salariais; as pressões de custo derivadas das
desvalorizações cambiais; e as pressões derivadas do setor privado da
economia.509
Quanto à participação crescente do governo como alocador dos recursos disponíveis no
país, Delfim afirma ser consequência das condições em que se processariam o desenvolvimento
brasileiro (baseado em modificações da estrutura da procura de bens e serviços):

A fôrça propulsora dêsse desenvolvimento está longe de ser apenas o


empresário, como na interpretação schumpeteriana. Na maior parte dos países
subdesenvolvidos, o processo de desenvolvimento parece ser, atualmente, um
processo social, nacional e nacionalista. Em maior ou menor grau o Govêrno
é o seu agente mais conspícuo e ativo e na maior parte dos casos, o Govêrno
é, também, o porta-voz de reinvidicações [sic] populares, intensamente
sentidas. Atrás dessas reinvidicações [sic] encontra-se um desejo generalizado
de padrões de vida mais elevados.510
As implicações dêsse tipo de desenvolvimento são fáceis de entender. Êle
influi no pequeno volume de poupanças, na incapacidade do mecanismo de
mercado em alocar convenientemente os recursos, na conseqüente maior
importância do poder político, na velocidade com que o desenvolvimento se
processa e, por último, na tendência secular à inflação. 511
O padrão de desenvolvimento seguido pelo Brasil, portanto, seria responsável por
problemas estruturais fáceis de se entender. Como porta-voz de reivindicações populares e,
simultaneamente, o agente mais conspícuo do desenvolvimento, o governo se veria na

507
Delfim Netto et. al., 1965, p.11.
508
Id., Ibid., p.11.
509
Id., Ibid., p.16-7.
510
Id., Ibid., p.17.
511
Id., Ibid., p.17-8.
145

encruzilhada entre destinar os recursos escassos à melhoria dos padrões de vida da população
ou realizar pesados investimentos. A necessidade de atender às reivindicações populares
acarretaria pequena capacidade de formação de poupança e de alocação conveniente dos
recursos, assim como se refletiria na velocidade do processo de desenvolvimento e em uma
maior relevância do poder político na determinação de seus rumos.
Seguindo os apontamentos do último Campos, Delfim defende que o déficit do setor
público, que teria maior participação no processo inflacionário que outros fatores, deveria ter
sua contenção como pedra de toque de qualquer política de combate à inflação. Esse controle
do déficit, contudo, não poderia ser feito através da diminuição dos investimentos
governamentais, pois isso poderia fazer com que o sistema econômico entrasse em crise. O
governo deveria financiar parte dos investimentos via ajuda externa, substituindo parcialmente
as emissões de meios de pagamento através de financiamentos de agências internacionais e de
recursos externos para projetos específicos. Os serviços ligados ao setor público, ademais,
possuiriam baixa produtividade, um dos primeiros problemas cuja resolução seria necessária
para o controle do seu déficit, sobretudo nos transportes ferroviários e marítimos, que
necessitariam de elevação da produtividade física e de revisão de suas políticas salariais512.
A distribuição de renda atuaria no mesmo sentido no que tange à inflação, e Delfim
prega, inclusive, a contenção do consumo de grupos de alta renda, pois a propensão marginal a
consumir desses grupos seria menor que a dos grupos com rendas mais baixas, o que, por outro
lado, ampliaria o mercado e assim criaria condições para o investimento, conduzindo à
diversificação da estrutura produtiva e ao aumento da produtividade do trabalho513. Essa é mais
uma lição que Delfim absorveu da produção teórica da Cepal514.
Do lado da força de trabalho, o impulso por ampliação e diversificação do consumo
“pode se associar à demanda por menor número de horas de trabalho, limitações da
produtividade, aposentadorias prematuras, etc. O desejo por um maior número de horas de lazer
passa a ser o objetivo principal quando a renda está crescendo”515. Os reajustes salariais seriam
ao mesmo tempo causa e efeito da inflação. Causa porque os bens e serviços à disposição da
coletividade em determinado período de tempo são fixos, e a tentativa de aumento da renda real
dos assalariados levaria a sérias resistências das classes que tivessem sua participação reduzida,

512
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
513
Cf. Id., Ibid.
514
Cf. Furtado, 1962; 1964; 2006.
515
Delfim Netto et. al., 1965, p.18.
146

o que se manifestaria através de um aumento geral nos preços, tendendo a reestabelecer a


posição anterior no que diz respeito à distribuição do produto nacional.
Com base em dados da economia brasileira, Delfim parte para a operacionalização das
variáveis que determinam a inflação. A partir de dados anuais, seus modelos dariam conta de
explicar boa parte das flutuações da taxa de inflação, atingindo um coeficiente de determinação
de 92,7% em alguns casos – isto é, as variáveis presentes na relação explicariam 92,7% das
flutuações da taxa de inflação. Segundo ele:

A magnitude dêste coeficiente serve para atestar a utilidade da função para


fins de previsão da taxa de inflação. Desde que tenhamos informações sôbre
a política monetária do govêrno, sôbre as perspectivas de aumento do custo
das importações e sôbre a aceleração da inflação no ano anterior é possível
prever, com relativa margem de segurança, a taxa de inflação. 516
Os dados relativos ao ano de 1963, por exemplo, conduziriam à conclusão de que a
elasticidade dos preços com relação aos meios de pagamento seria quatro vezes maior que a
elasticidade dos preços com relação ao custo das importações. Em outras palavras, um aumento
de 10% na oferta de meios de pagamento levaria a aproximadamente 6,2% de aumento nos
preços, enquanto 10% de aumento no custo em cruzeiros das importações levaria a
aproximadamente 1,6% de aumento nos preços. Dessa maneira, “se as pressões inflacionárias
derivadas do setor externo forem de difícil remoção, sabe-se que o processo poderá ser atenuado
atuando-se pelo lado monetário da inflação”517.
Apesar disso, Delfim leva seu método dedutivo às últimas consequências para
questionar a que se deve o aumento na oferta de meios de pagamento. Ele conclui que boa parte
desse incremento se dá em função da demanda monetária decorrente de outros fatores, como os
aumentos salariais e as variações de custos de câmbio, isto é, os meios de pagamento cresceriam
para financiar o volume das transações aos novos níveis de preços. Se os meios de pagamento
possuíssem uma oferta inelástica, haveria a diminuição da demanda de moeda através de um
aumento da velocidade-renda. Esse aumento, no entanto, não poderia crescer com suficiente
rapidez, e as pressões geradas sobre os custos ou elevariam o volume de meios de pagamento
ou as empresas seriam levadas a dificuldades financeiras relativas à sua liquidez, o que
conduziria à diminuição no volume de produção. A solução para esses dois obstáculos
potenciais ao desenvolvimento, então, seria a diversificação da pauta de exportações: seria o
caminho pelo qual se reduziria a propensão média a consumir da coletividade e também
proporcionaria o equilíbrio no balanço de pagamentos, sem a redução dos estímulos ao

516
Delfim Netto et. al., 1965, p.27.
517
Id., Ibid., p.28.
147

desenvolvimento. Em outras palavras, os salários têm de se manter em níveis compatíveis com


sua produtividade de modo a não se alterar a distribuição do produto nacional, seja através dos
impostos ou da contenção salarial direta, ao passo que as margens de lucro devem ser mantidas
através das exportações para que se estimulem os investimentos. O equilíbrio do balanço de
pagamentos seria atingido, assim, pela modificação dos preços relativos internos e externos, de
forma a se reduzir a propensão marginal a consumir e se liberar produtos para a exportação518.
Delfim Netto realiza uma discussão específica a respeito da criação de meios de
pagamento por parte do Estado brasileiro nos últimos anos da década de 1950 e primeiros anos
da década de 1960. Após decompor as emissões de acordo com suas causas, ele conclui que as
únicas pressões persistentes sobre as emissões são os déficits de caixa do Tesouro financiados
pelo Banco do Brasil, cuja origem ele analisa em capítulo posterior do livro – o que veremos
nas páginas seguintes – e os acréscimos de redesconto ao setor privado. O atendimento das
solicitações de crédito por parte do Tesouro teria levado a um aumento expressivo do débito do
BB junto à Carteira de Redescontos. Segundo ele, “tôdas as demais [pressões] ocorrem apenas
em determinados momentos e, como crescem tanto os recursos como as aplicações, findam por
se cancelar, quando consideramos um período longo de tempo”519.
Note-se que Delfim vai defender aqui tanto a diminuição do déficit público quanto seu
financiamento através da colocação de Letras do Tesouro à venda (ou outros títulos públicos).
Esse expediente, pouco utilizado até então, não apresentaria consequências inflacionárias ao se
transferir recursos do setor privado para o setor público. Em 1963, representava
aproximadamente apenas 11% do financiamento do déficit público520.
O efeito multiplicador dos meios de pagamento seria outra variável relevante na
composição do fenômeno inflacionário. Ele dependeria do comportamento do público na
fixação da proporção do dinheiro recebido que deseja manter em caixa e do comportamento
dos bancos na fixação da taxa de reserva do sistema. Para analisar esse tema com maior
propriedade, Delfim explora os dados relativos a cada uma das componentes supracitadas.
Disso ele retira conclusões interessantes:

Em 1955 cada cruzeiro emitido gerava Cr$ 2,57 de meios de pagamento,


enquanto que em 1962, cada cruzeiro emitido gerava Cr$ 3,35. Em 1963, ano
em que se constatou a taxa de inflação mais elevada do período analisado, o
multiplicador declinou, para 3,2. Essa queda é atribuída ao aumento da

518
Cf. Delfim Netto et. al., 1965. O problema dos preços agrícolas também é tratado por Delfim, mas o trataremos
no tópico seguinte da pesquisa em conjunto com suas análises mais detalhadas sobre a agricultura.
519
Id., Ibid., p.68.
520
Cf. Id., Ibid.
148

proporção de caixa da população, devido à instabilidade política então


reinante.521
Isso lhe permite estabelecer, com precisão cirúrgica, os níveis necessários de
esterilização dos depósitos bancários para que se alcancem os níveis desejados do efeito
multiplicador das emissões:

Se se desejar, por exemplo, reduzir o multiplicar [sic] de 3,25 para 3,00,


mantida a proporção de caixa da população ao nível de 0,30, a taxa de reserva
deverá subir para 0,13. Como as autoridades monetárias não podem aumentar
as reservas, deverão criar uma caixa própria que esterilize 3% dos depósitos à
vista.522
O fenômeno inflacionário, entretanto, iria muito além das emissões e da moeda
escritural (a soma dos depósitos à vista e a curto prazo no sistema bancário) pura e simplesmente
e de seu fator multiplicador. Isso porque o aumento nos preços, que em si pode causar a
necessidade de emissões, teria múltiplas causas. Uma delas seria a pressão de custos gerada
pelos aumentos salariais: “mesmo o reajustamento salarial feito na justa proporção do aumento
do nível de preços já contém, em si, uma alta dose de inflação, porque supõe a manutenção da
mesma taxa de desvalorização da moeda”523.
Delfim explica a lógica: a compensação da inflação nos salários levaria em conta a
expectativa de inflação no ano corrente para a manutenção do nível de compra dos salários. O
elemento decisivo não seria o nível de salário de um mês, mas o salário médio num período
mais longo, pois isso é o que determinaria a participação dos assalariados na distribuição da
renda.
Nesse sentido, para Delfim Netto, se a inflação aumentar menos do que o esperado, o
aumento salarial exatamente proporcional ao custo de vida do ano anterior terá uma das
seguintes consequências: (1) a repetição da taxa de inflação do ano anterior, no caso de uma
política monetária e creditícia elástica que permitisse, aos empresários, o restabelecimento de
sua participação no produto através do aumento dos preços; ou (2) uma redução da taxa de
inflação em um contexto de política monetária restritiva, em que o governo forçasse os
empresários a absorver os aumentos reais de salários mediante a diminuição dos lucros. Isso
resultaria em menor liquidez aos empresários, o que provavelmente diminuiria o volume da
produção e o nível de investimentos, assim como reduziria o nível de emprego: “É evidente
que, na ausência de créditos e recursos monetários adicionais, não seria possível financiar

521
Delfim Netto et. al., 1965, p.73.
522
Id., Ibid., p.74.
523
Id., Ibid., p.77.
149

aumentos de preços que procurassem restabelecer a posição inicial dos empresários, a não ser
através de uma alteração substancial na velocidade da moeda”524.
Para Delfim, a manutenção da participação dos assalariados na distribuição do produto
nacional seria diferente do ajustamento dos salários de acordo com o custo de vida:

Pode-se construir uma expressão simples capaz de fornecer o reajuste salarial


que conserve o nível de salário real médio. O que se objetiva com a aplicação
de tal fórmula é reduzir a um mínimo a inflação-de-custo, avaliando-se a
inflação-de-demanda derivada dos déficits orçamentários e procurando-se
ajustar os salários de forma a conservar a participação dos trabalhadores no
produto. Êste é um ponto que precisa ser compreendido com clareza, pois a
inflação-de-custo que deriva da miopia de ajustar-se os salários pelo custo de
vida não beneficia em nada a classe operária. [...] As considerações anteriores
explicam uma grande parte da aceleração do processo inflacionário brasileiro
nos últimos anos. De fato, devemos observar que não apenas os salários
reajustaram-se em níveis incompatíveis com uma redução da pressão
inflacionária, como tornaram-se mais freqüentes os reajustamentos,
aumentando ainda mais os preços525.
Dessa maneira, o governo federal deveria impor, aos assalariados e empresários,
reajustamentos compatíveis com as taxas de inflação previstas de modo a não se potencializar
o processo inflacionário com base em uma expressão simples capaz de fornecer o reajuste
salarial que conserve o nível de salário real médio.
As políticas de redução do déficit conteriam acentuadas pressões inflacionárias, pois o
excesso da demanda de importações acarretaria a elevação da taxa de câmbio. Com isso, novas
pressões de custos acentuariam ainda mais a inflação. Assim, o controle quantitativo das
importações implicaria necessariamente no aumento do nível real médio do câmbio. Por outro
lado, a substituição de importações, que diminuiria a demanda por produtos externos, também
se refletiria em elevação nos preços como consequência da necessidade de se reservar o
mercado interno para a indústria nacional. A intensidade de tais pressões dependeria
principalmente do tamanho do mercado e da economia de escala dos respectivos setores.
Segundo Delfim, o mecanismo funciona da seguinte maneira:

Procuremos agora analisar o que se passa em um processo inflacionário


persistente como o brasileiro. Para manter o déficit do balanço de pagamentos
dentro de limites toleráveis, o câmbio deve ser freqüentemente desvalorizado.
Ocorre que as desvalorizações cambiais provocam aumentos de preços no
período bimestral seguinte. O crescimento do nível geral de preços acarretará
uma queda do custo real das importações, provocando uma elevação da
demanda. Como esta deve ser mantida dentro de certos limites, nova
desvalorização é necessária, e assim por diante. Fica claro que o processo é

524
Delfim Netto et. al., 1965, p. 78, nota de rodapé nº 1.
525
Id., Ibid., p.79, grifo do autor.
150

autoalimentável. Os aumentos do custo do câmbio geram aumentos de preços.


Êstes, por sua vez, induzem a novas desvalorizações cambiais, etc. 526
Haveria ainda mais dois efeitos inflacionários derivados do setor externo. O primeiro
deles seria o processo de substituição de importações. Em meados da década de 1960, quando
o livro sobre a inflação brasileira foi escrito, estaria “pràticamente completa”527 a substituição
no setor de bens de consumo. O processo, então, estaria se manifestando de forma mais intensa
no setor de bens de produção. Neste setor, haveria tradicionalmente maiores economias de
escala e um menor mercado interno. A pequena dimensão do mercado tenderia a implicar em
maiores custos de produção interna, problema cuja solução se daria através da proteção tarifária.
O efeito imediato disso seria a diminuição da quantidade consumida e o aumento dos preços.
No entanto, essa política seria vantajosa para o país ao empregar o excedente interno de mão-
de-obra nas nova atividades, aumentando o nível de emprego, e ao liberar recursos para a
importação de outros bens, uma vez que “a inelasticidade da procura do setor exportador [...]
restringe ou mesmo impossibilita o crescimento da capacidade de importar” 528.
O segundo efeito inflacionário derivado do setor externo proviria da tentativa de
eliminação do déficit do balanço de pagamentos através do aumento das exportações. Esse não
seria um efeito necessário, mas condicionado pela forma como se conduz tal tentativa. Ela
poderia ser feita através da desvalorização cambial, tornando os preços dos produtos brasileiros
mais competitivos no mercado internacional. Esses produtos teriam, no entanto, de ser aqueles
não tradicionais, em que haveria demanda inelástica, mas simultaneamente produtos cuja
importância do Brasil no mercado internacional seria suficientemente pequena, de modo que a
mudança no nível dos preços brasileiros e o consequentemente aumento na quantidade
exportada não tivessem influência nos preços internacionais. Assim, os ganhos de receita
poderiam ser substanciais ao Brasil. Entretanto, poderia haver a manifestação do efeito
inflacionário quando os incentivos fossem dados a setores com oferta e demanda inelásticas:
neste caso, a quantidade exportada poderia não aumentar e se aliaria ao aumento dos preços
internos, que se equiparariam aos preços externos do produto medidos em moeda nacional: “É
o exemplo da carne, no caso brasileiro, onde os preços subiram até igualar os preços que seriam
alcançados na venda do produto no exterior, sem que aumentassem suficientemente as

526
Delfim Netto et. al., 1965, p.84.
527
Id., Ibid., p.85.
528
Id., Ibid., p.85.
151

exportações”529. Isso poderia acarretar “uma inflação ‘gratuita’, sem melhorar a situação do
balanço de pagamentos, alterando-se, apenas, a distribuição de rendas”530.
A solução para esse efeito inflacionário, para Delfim Netto, seria o aumento das
exportações de “extensos setôres da produção industrial brasileira onde, freqüentemente,
acentuada é a existência de capacidade ociosa” 531. Uma política cambial adequada incentivaria
estes setores a aumentar suas exportações, reduzindo os desequilíbrios no balanço de
pagamentos e aumentando o nível de emprego no setor industrial. Em conclusão: “A campanha
‘exportar é a solução’ pode surtir efeito, desde que os setôres incentivados sejam os que
possuam capacidade ociosa ou possibilidades de aumentar ràpidamente a oferta” 532, e não
aqueles com oferta pouco elástica a curto prazo, o que poderia resultar em novas pressões
inflacionárias.
Além das causas inflacionárias já mencionadas, o descompasso entre a receita
arrecadada e a despesa realizada constituiria o fator mais importante na explicação do volume
de emissões realizado durante o período analisado, segundo Delfim. A magnitude do déficit de
caixa do governo federal guardaria, portanto, estreita relação com as altas taxas de inflação dos
últimos anos. Por isso, seria necessário realizar uma “análise mais completa do déficit, de modo
a evidenciar as pressões, falhas e inadequações”533.
Entre 1947 e 1960, os gastos do governo teriam aumentado significativamente. De
forma mais precisa, para cada 1% no aumento do PIB, o governo teria aumentado seus gastos
em 1,54%, elevando a proporção dos gastos de 13,5% do PIB em 1947 para 19,9% do PIB em
1960 – ou 23% ao se incluir a parcela resultante das empresas do governo. Tal elasticidade de
gastos dependeria da natureza do dispêndio: dado um aumento de 1% no PIB, o governo
aumentaria seus gastos de consumo em 1,36% e seus gastos de investimento em 1,7%534.
Isso decorreria de pressões relacionadas ao aumento da renda per capita e ao processo
de urbanização, as principais características do processo de desenvolvimento econômico
segundo Delfim. As pressões atuariam no sentido do aumento da quantidade e da qualidade dos
serviços oferecidos pelo Estado, o que demandaria o aumento dos gastos com “investimentos
públicos de caráter social”535, tais como escolas, hospitais, redes de água e esgoto etc., assim
como maiores despesas de custeio através dos gastos de operação desses investimentos.

529
Delfim Netto et. al., 1965, p.86.
530
Id., Ibid., p.86.
531
Id., Ibid., p.86.
532
Id., Ibid., p.86.
533
Id., Ibid., p.87.
534
Cf. Id., Ibid.
535
Id., Ibid., p.89.
152

Haveria, também, com o aumento dos gastos públicos, maiores despesas com o custeio da
máquina administrativa, arrecadação de impostos e fiscalização.
Mas Delfim não ignora a outra função econômica essencial do Estado brasileiro: “É
preciso considerar, ainda, que muitos empreendimentos básicos da infra estrutura [sic], para
colocar à disposição da iniciativa privada as economias externas e os fatôres que ela necessita,
são deixados a cargo do Govêrno”536, isto é, aumentariam não apenas os investimentos em
“gastos sociais”537, mas também em atividades básicas. Delfim avança:

Se considerarmos, também, os investimentos realizados pelas emprêsas do


Govêrno, podemos concluir que na formação de capital da Economia o
Govêrno apresenta uma participação bastante acentuada. Cêrca de 50% dos
investimentos realizados no período de 1956/1960 foram realizados pelo
Govêrno [...]. Não se deve pensar, entretanto, que o aumento dos gastos do
Govêrno é fenômeno exclusivo do Brasil. Independentemente do sistema
político, existe uma tendência para que os gastos do Govêrno cresçam
persistentemente. As despesas públicas crescem como corolário da
industrialização e do desenvolvimento econômico, pela influência das guerras
e, finalmente, refletindo a concepção do “welfare-state”.538
Como leitor de Keynes, Delfim não enxerga de forma negativa os vultosos gastos
estatais com os investimentos, principalmente em infraestrutura. Ele busca, então, os índices de
gastos com consumo por parte do governo. Nesse sentido, o Brasil pareceria estar se
comportando de acordo com o comportamento geral. Delfim associa a participação dos gastos
de consumo do governo na economia (como porcentagem da renda nacional) com o nível de
renda per capita: “quanto maior a renda ‘per capita’, mais o Govêrno dispende em Consumo
com relação a Renda Nacional”539. No entanto, tal crescimento não seria ilimitado. Os países
figurantes do grupo de renda mais altas teriam um gasto com consumo por parte do governo de
aproximadamente 30% da renda nacional, isto é, um coeficiente de 0,3. O nível no Brasil em
1961 era de 0,17, muito inferior ao de países como Alemanha Ocidental (0,27), França (0,28),
Áustria (0,27) e Inglaterra (0,26).
Esse fenômeno seria válido para todas as esferas de atuação do governo, ou seja,
aumentam os gastos per capita em função do aumento da renda per capita não apenas do
governo federal, mas também dos governos estaduais e municipais, o que refletiria “o desejo
da coletividade por novos tipos de serviços”540. Segundo Delfim Netto, a renda per capita e a
densidade demográfica dariam conta de explicar as diferenças de gastos estaduais e municipais

536
Delfim Netto et. al., 1965, p.89.
537
Id., Ibid., p.89.
538
Id., Ibid., p.89-90.
539
Id., Ibid., p.90.
540
Id., Ibid., p.93.
153

em todos os serviços prestados por essas esferas de administração, exceto os gastos com
administração geral, relacionados antes à taxa de urbanização. Com base em uma série de
quadros de dados, gráficos e estimativas baseadas na operacionalização de variáveis, Delfim
conclui:

A interpretação do resultado a que chegamos é a seguinte. Para cada habitante


a mais por quilômetro quadrado o gasto por habitante em cruzeiros de 1960,
se reduzirá em 1,87 centavos; para cada aumento de Cr$1,00 na renda “per
capita” do Estado, o gasto do Govêrno aumentará em Cr$ 0,20 por ano. É
interessante notar que as variações da renda “per capita” e da densidade
explicam 86% das variações dos gastos do Govêrno entre os Estados. 541
Os gastos por habitante caem em função da maior densidade demográfica por conta da
natureza dos gastos em infraestrutura, que apresentam menor coeficiente de investimento per
capita em áreas com maior concentração urbana. Assim como na análise comparativa das
nações e seguindo a mesma lógica, também nos níveis estadual e municipal os aumentos na
renda per capita conduzem a aumentos nos gastos governamentais. Essas duas variáveis,
portanto, explicariam 86% das variações dos gastos do governo entre os estados brasileiros. O
restante se explica através dos gastos em administração geral, relativos à taxa de urbanização:
“[...] um aumento de 1% na taxa de urbanização faz com que os gastos em administração geral
cresçam de Cr$ 7,20 (a preços de 1960), ‘per capita’ [...] De outro lado, um aumento de um
habitante por km² aumentará os gastos ‘per capita’ em administração geral em Cr$ 1,40” 542.
Ainda com respeito ao déficit no setor público, Delfim reserva espaço para tratar de
mais três problemas relevantes: o custo da mão-de-obra, os subsídios e a produtividade no setor
governamental. O custo da mão-de-obra exerceria pressão inflacionária através de alguns
mecanismos. O primeiro deles diz respeito ao desenvolvimento derivado. A demanda por maior
lazer cresceria paralelamente ao crescimento da renda, o que desembocaria em um “’efeito
imitação’ de grandes proporções”543, isto é, os trabalhadores dos países menos desenvolvidos
demandam “tratamento semelhante àquêle proporciado aos seus colegas dos países mais
desenvolvidos. Se de um lado isto é altamente desejável do ponto de vista social, do ponto de
vista econômico não encontra grande correspondência com o nível de produtividade
vigente”544, ou seja, pleiteia-se a redução na jornada de trabalho, a aposentadoria com menos
tempo de serviço e com redução da idade limite, descanso remunerado e férias remuneradas

541
Delfim Netto et. al., 1965, p.95.
542
Id., Ibid., p.101.
543
Id., Ibid., p.105.
544
Id., Ibid., p.105.
154

mais longas, entre outras coisas. Segundo Delfim, tais demandas reverberariam com “grande
receptividade” nos “órgãos legislativos”, passando a constituir plataformas eleitorais “da
grande maioria” dos candidatos a postos eletivos e, assim, transformando-se em leis dentro de
prazo maior ou menor545. Desse modo, no Brasil, os encargos sociais “que gravam a indústria
privada”546 seriam da ordem de 75% a 85% do salário direto, dependendo do tipo de atividade
industrial.
Essas “vantagens” 547 repercutiriam nas despesas governamentais por dois caminhos.
Com a queda no número de horas de trabalho, aumentaria o número necessário de funcionários
públicos para exercer a mesma tarefa, o que se somaria ao direito a certo número de faltas
remuneradas, ao prolongamento das férias etc.: “Daí ser necessário, então, um número
excessivo de funcionários onerando de forma acentuada o orçamento da União e diminuindo a
produtividade do pessoal e do equipamento empregado pelo Govêrno” 548.
Por outro lado, nas empresas governamentais, cujas jornadas de trabalho não difeririam
de forma significativa do setor privado, os sindicatos operários teriam alcançado o constante
aumento do salário real através da pressão que teriam exercido. Exemplos seriam a Petrobrás e
a Rêde Ferroviária Federal S. A., cujos aumentos salariais superariam muito o crescimento do
índice do custo de vida. Além disso, a aposentadoria prematura ocasionaria o crescimento
excessivo de funcionários aposentados sobre o pessoal ativo, a exemplo da Lei Federal nº 4.160
de 28 de agosto de 1962, que eliminou qualquer limite de idade para aposentadorias e, assim,
teria estendido “seus favores, sem qualquer necessidade social imperiosa, a grupos ainda
fisicamente aptos e capazes de produzir bem”549.
No entanto, a ampliação dos compromissos previdenciários não teria sido acompanhada
por considerações relativas aos fundamentos contributivos, isto é, as leis que ampliam os
benefícios previdenciários não seriam acompanhadas pelo fornecimento dos recursos
necessários à Previdência Social, acarretando déficits que têm de ser cobertos pela União,
aumentando seu problema de caixa. Esse problema seria mais marcante com relação aos
funcionários públicos, conclusão que Delfim toma baseado na proporção da relação pessoal
ativo/pessoal inativo. Desse modo, o problema não afetaria somente os Institutos de
Previdência, mas também as empresas públicas, que teriam seus déficits operacionais
exacerbados em decorrência dos benefícios previdenciários. O caso das empresas ferroviárias

545
Delfim Netto et. al., 1965, p.105.
546
Id., Ibid., p.105.
547
Id., Ibid., p.105.
548
Id., Ibid., p.105.
549
Id., Ibid., p.106.
155

seria exemplar disso. A Rêde Ferroviária S. A., por exemplo, seria forçada pelo governo a pagar
parte da aposentadoria a seus aposentados ordinários, uma despesa correspondente a 20% dos
salários, enquanto os outros 80% seriam pagos pela Previdência Social. Assim, de forma a
manter as aposentadorias no mesmo patamar dos salários em atividade, a empresa teria suas
despesas de custeio sobrecarregadas sem que lhes fossem fornecidos recursos adicionais. E
Delfim conclui: “Quando se sabe que a Rêde Ferroviária Federal S. A. é responsável por cêrca
de 25% do déficit de caixa da União, o fato ganha maior relêvo”550.
A luta por melhores padrões de vida também se faria sentir em outros setores: “Todos
acham que devem receber transportes a baixo preço, serviços sociais gratuitos e assim por
diante”, encarando o desenvolvimento como “uma graça que se merece e pela qual não nos
devemos esforçar”551. Grande parte do déficit ferroviário decorreria das tarifas desatualizadas.
Delfim argumenta que elas deveriam sofrer reajustes realistas para alguns produtos e algumas
localidades. Obviamente Delfim Netto se refere aqui aos subsídios. Segundo ele, as tarifas
estariam desatualizadas particularmente no setor de transporte suburbano de passageiros e no
de gêneros de primeira necessidade. No primeiro, não apenas as tarifas não cobririam seus
custos, como esse tipo de transporte criaria dificuldades técnicas impeditivas do aumento da
velocidade comercial dos trens, perdendo terreno aos seus competidores diretos e aumentando
seu déficit. No entanto, ele estende esse diagnóstico para todos os serviços prestados pelo
Estado. O “’Estado Providência’”552, espantalho que Delfim cria para classificar uma certa
visão sob a qual o Estado deveria prover os serviços necessários sem levar em conta seu custo,
pressionaria o orçamento da União e agravaria seu déficit, contribuindo, assim, para o aumento
da inflação. Isso valeria também para a pressão sobre o governo federal no sentido de atender,
com seus recursos, os estados com menor renda per capita, realizando, por exemplo, pesados
investimentos em educação nestes estados, custos que, em estados mais desenvolvidos, seriam
cobertos com recursos próprios553.
Quanto à produtividade do setor governamental, a falta de dados dificultaria qualquer
comparação com o setor privado, mas Delfim menciona alguns indicadores. No caso da
indústria automobilística, a diferença de produtividade seria significativa segundo dados da
ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores): em 1962,
enquanto a Fábrica Nacional de Motores (a única empresa pública produtora de automóveis no

550
Delfim Netto et. al., 1965, p.107.
551
Id., Ibid., p.107.
552
Id., Ibid., p.108.
553
Cf. Id., Ibid.
156

país, que foi vendida à Fiat no final da década de 1970) produzia 0,28 veículo por operário por
ano, a Ford, por exemplo, produzia 5,8, e a General Motors, 3,3554.
Outro caso ilustrativo do problema de produtividade do setor público, mas por razão
diversa, seria a navegação de cabotagem. Neste setor, as empresas públicas teriam uma baixa
produtividade devida à subutilização da mão-de-obra e dos equipamentos. Enquanto o pessoal
empregado se equipararia ao das empresas particulares, já que esse nível era determinado por
legislação especial, estas conseguiriam carrear maior quantidade de carga. A razão disso seria
a maior capacidade gerencial e o maior senso de oportunidade dos empresários particulares, a
despeito da influência negativa da baixa produtividade dos portos sobre as empresas públicas e
privadas, que estaria acarretando o abandono do transporte marítimo555.
Com base nessas considerações, Delfim realiza uma análise minuciosa do orçamento e
da execução orçamentária do governo federal. Com dados do orçamento, ele analisa as despesas
efetuadas pela união, as despesas por Ministérios, os créditos extraordinários e adicionais, as
despesas sem crédito, as despesas por tipo, a distribuição dos créditos extraordinários e
especiais, as despesas sem crédito e além dos créditos do governo federal, o balanço do governo
federal e a vinculação e o equilíbrio orçamentários. Tais minúcias têm grande importância em
sua análise e igualmente importância histórica, valendo, talvez, uma revisão informada dos
dados que Delfim Netto fornece para embasar suas conclusões, mas nos limitaremos aqui a
buscar a especificidade de tais conclusões para seu edifício teórico.
A esse respeito, julgamos relevante uma breve alusão àquilo que Delfim afirma a
respeito da vinculação e do equilíbrio orçamentários. Para Delfim, a prática de vincular receitas
a certas despesas é condenável como norma de administração orçamentária, pois o orçamento
passa a apresentar uma rigidez que pode apresentar entraves a sua execução. Isso também
resultaria em uma alocação defeituosa dos recursos escassos caso houvesse aplicação
alternativa de investimentos com “maior grau de benefícios sociais” 556 que não pudessem ser
implementados dada tal vinculação. No passado, no entanto, quando o planejamento a nível
nacional ainda não possuía instrumentais adequados, segundo Delfim, a vinculação
orçamentária “não deixa de ter tido algum mérito”557 ao representar uma forma de garantia para
um fluxo contínuo de recursos para áreas-problemas ou setores de infraestrutura que
constituíam em gargalos do sistema.

554
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
555
Cf. Id., Ibid.
556
Id., Ibid., p.129.
557
Id., Ibid., p.129.
157

A vinculação, no entanto, acarretaria um problema de difícil resolução. A cobertura do


déficit orçamentário através do aumento da receita não seria facilmente realizada,
particularmente porque “para cada aumento de 10% na receita, a despesa crescerá
automàticamente de 4%, de forma que será necessário aumentar a receita de um múltiplo maior
do que um, para eliminar o deficit do Orçamento”558. Além disso, no Brasil, seria econômica e
politicamente difícil aumentar as receitas em tal magnitude, pois a receita já se encontraria em
nível bastante elevado mesmo numa “comparação internacional” 559.
Adicionalmente, como o aumento das receitas da ordem de 10% levaria ao aumento das
despesas em 4%, o governo federal aumentaria sua participação no PIB. Por sua vez, dada a
baixa produtividade dos serviços públicos, o aumento de sua participação no PIB levaria à
queda da produtividade média da economia, com graves consequências sobre a taxa de
desenvolvimento econômico. A cobertura do déficit orçamentário através de emissões, por
outro lado, levaria a pressões inflacionárias que poderiam retardar o processo de
desenvolvimento econômico. A solução, então, seria “uma revisão completa de tôdas as
vinculações orçamentárias e procurar adaptar as despesas aos reais interêsses do País”560, assim
como simultaneamente um esforço no sentido de redução das despesas, notadamente aquelas
de custeio e as transferências para cobertura de déficits de autarquias e sociedades de economia
mista, e do aumento da eficiência dos recursos disponíveis através do da elevação da
produtividade do setor público.
Delfim conclui:

Chegamos agora ao resultado final de nossas apreciações sôbre o Orçamento


e a sua execução. Se computarmos tôdas as despesas pràticamente vinculadas
à Receita, o pagamento a inativos e pensionistas, poderemos verificar que
estas envolvem o total da Receita disponível para o exercício, não restando,
portanto, recursos orçamentários para atender a outras obras inadiáveis, bem
como para a cobertura dos déficits das emprêsas do Governo. Sabendo-se que,
tanto os investimentos do Govêrno Federal, como a cobertura dos déficits das
autarquias e sociedades de economia mista, terão que ser realizados durante
cada exercício, não resta outra alternativa, a não ser recorrer a recursos
inflacionários, como de fato vem acontecendo. 561
Em relação à receita do governo federal do Brasil, Delfim afirma que, para cada 1% de
crescimento do PIB, a receita governamental cresce 1,13%, enquanto a despesa cresce 1,54%.
Mais de 60% do total da receita arrecadada derivaria dos impostos de consumo e renda, cuja

558
Delfim Netto et. al., 1965, p.129.
559
Id., Ibid., p.129.
560
Id., Ibid., p.132.
561
Id., Ibid., p.132.
158

elasticidade seria 1,38 e 0,79 respectivamente, ou seja, os impostos diretos aumentam à medida
que aumenta o PIB, enquanto os indiretos têm sua participação reduzida, “movimento em
sentido inverso do que se deveria esperar diante de uma estrutura tributária mais próxima dos
padrões internacionais”562. Haveria uma constante de que os países com baixa renda per capita
teriam a maior parte de sua receita auferida através de impostos indiretos, como de consumo e
de vendas, enquanto os países de renda per capita alta teriam parte de sua receita arrecadada
através dos impostos diretos, como de renda. Entre 1951 e 1957, quando o governo federal
Brasil teria obtido, em média, 22% da receita total com base no imposto de renda de pessoa
física, esse patamar seria de 50% e 46% na Alemanha Ocidental e nos Estados Unidos,
respectivamente563.
A política tributária brasileira estaria caminhando no sentido de atenuar as disparidades
encontradas, pois estaria se reforçando a tendência de aumento dos impostos diretos em relação
aos indiretos, acompanhando a elevação dos padrões de vida derivados do aumento da renda
per capita. Além disso, no imposto de renda das pessoas jurídicas, um mecanismo de correção
de anormalidades derivadas do efeito da inflação contribuiria para diminuir a carga fiscal sobre
as empresas ao corrigir, por exemplo, a taxação de lucros fictícios resultantes de aumentos de
preços564.
A redução do déficit orçamentário com base no aumento das receitas reduziria ou
mesmo eliminaria a inflação, mas isso teria um custo elevado devido à baixa produtividade dos
fatores de produção empregados pelo governo. A solução, por isso, seria aumentar a
produtividade desses fatores, mas jamais a redução dos gastos. Em suma:

Não se pede em absoluto uma redução de seus gastos, pois dada a alta
participação no Orçamento das despesas pràticamente fixas, como já
mostramos, tal redução da atividade governamental apenas poderia ser
realizada através da diminuição do rítmo dos investimentos públicos. Pede-se
todavia que, principalmente no setor de investimentos, a produtividade cresça
de tal forma a permitir que aumente a construção de estradas, hidro-elétricas,
prédios escolares, etc., com os mesmos fatôres de produção que o Govêrno
atualmente utiliza. Dessa forma, a relação Produto/Capital dêsses
investimentos, sabidamente baixa comparada aos demais investimentos, se
tornaria mais elevada, contribuindo, assim, para aumentar o valor da relação
na economia como um todo.565
Dessa maneira, segundo Delfim Netto, quais seriam as maiores fontes de pressão sobre
o setor público? Em primeiro lugar, o desenvolvimento derivado; em segundo, a baixa

562
Delfim Netto et. al., 1965, p.133.
563
Cf. Id., Ibid.
564
Cf. Id., Ibid.
565
Id., Ibid., p.140.
159

produtividade dos fatores de produção empregados pelo governo. A luta por melhores padrões
de vida – melhores serviços públicos, subsídios destinados a aumentar a renda real de algumas
classes e melhores condições de trabalho – conduziria a uma maior fatia de gastos da renda
nacional em comparação com o que gastavam países hoje desenvolvidos quando possuíam uma
renda nacional idêntica. Dada a baixa produtividade dos fatores, essa pressão se transformaria
numa “utilização mais do que proporcional de fatôres de produção” 566, o que levaria a gastos
públicos crescentes. Delfim deixa claro que o elemento mais importante, no entanto, é a baixa
produtividade do setor público.567
Para Delfim Netto, “dentro de uma sociedade aberta como a nossa”568, dificilmente o
governo poderia se furtar a continuar a prestar “a enorme variedade de serviços que atualmente
vem colocando à disposição da coletividade”569. Isso conduziria à rigidez dos gastos, tanto de
custeio como de investimento. Qualquer redução significativa da despesa, por isso, estaria
condicionada particularmente à resolução dos problemas de cada autarquia e de cada sociedade
de economia mista. Seu déficit poderia ser reduzido no curto prazo através da elaboração de
algumas políticas globais, a saber: reajustes nas tarifas dos serviços públicos; a criação de uma
maior capacidade comercial; a concessão de aumentos salariais apenas na proporção dos
aumentos de preços e da produtividade; a concessão de benefícios previdenciários condizentes
com o nível das contribuições; a “eliminação do ‘empreguismo’” 570; a redução dos gastos de
administração; a melhoria dos equipamentos, etc.571
A longo prazo, segundo o autor, “a redução da taxa de aumento do pessoal empregado
pode ser conseguida através do aumento da produtividade” 572. Dever-se-ia aumentar a
produtividade da mão-de-obra como pedra de toque de qualquer política de redução do déficit
orçamentário, principalmente através da generalização do recrutamento através de concurso e
da promoção por intermédio do sistema de mérito573.
Assim, para Delfim Netto, a inflação brasileira se explica através do comportamento de
quatro variáveis básicas: os déficits do setor público e a forma de seu financiamento; as pressões
de custo derivadas dos reajustes salariais; as pressões de custo derivadas das desvalorizações
cambiais; e as pressões derivadas do setor privado da economia.

566
Delfim Netto et. al., 1965, p.142.
567
Cf. Id., Ibid.
568
Id., Ibid., p.143.
569
Id., Ibid., p.143.
570
Id., Ibid., p.143.
571
Cf. Id., Ibid.
572
Id., Ibid., p.143.
573
Cf. Id., Ibid.
160

Os déficits se originam do desenvolvimento derivado e da necessidade de grandes


investimentos em infraestrutura, o que é modulado pela abertura política da sociedade – se a
“organização do poder político estiver mais sujeita às pressões da própria coletividade por
níveis de consumo mais elevados”, os efeitos serão mais amplos –, assim como da baixa
produtividade do setor público, o que leva ao financiamento do déficit através de emissões de
papel-moeda. Esse é o fator preponderante na explicação da inflação brasileira para Delfim.
Os reajustes salariais, por sua vez, decorrem parcialmente do próprio processo
inflacionário, mas também adicionam novas pressões no momento de sua efetivação. Existe,
assim, um processo de autoalimentação da inflação através dos salários. A solução para este
problema seria o reajuste salarial correspondente ao salário real médio do período anterior – e,
no máximo, contabilizando o aumento da produtividade.
As desvalorizações cambiais levariam à inflação através do aumento da demanda de
divisas em nível superior à capacidade de pagamentos do país, gerando-se um desequilíbrio
entre oferta e procura cambiais e ocasionando, assim, desvalorizações que pressionam os custos
de produção internos. Aqui também existe um processo de autoalimentação da inflação.
O setor privado contribui com o processo inflacionário através do aumento da
velocidade-renda da moeda, pois a queda real dos ativos monetários ociosos leva à utilização
mais intensa do meio circulante que permanecia ocioso. O aumento da velocidade-renda
conduz, então, ao fato de que um meio circulante constante possa adquirir uma proporção maior
de produtos. Como a oferta total de bens e serviços é constante no curto prazo, o nível geral de
preços aumenta. Além disso, a aceleração da velocidade leva o setor privado a ampliar suas
margens de crédito junto ao sistema bancário, o que conduz à tendência de elevação dos níveis
de redesconto aos bancos comerciais, o que leva ao crescimento do meio circulante em
proporção ao aumento do redesconto.
Para Delfim Netto, é importante compreender que todas essas causas são
interdependentes. Uma vez iniciado o processo, haverá uma causação circular que colocará em
funcionamento as demais causas. No entanto, a diminuição dos investimentos governamentais
debilitaria mais a demanda global e, assim, poderia levar todo o sistema à crise. Diante dessa
possibilidade, esses dispêndios podem ser financiados, pelo menos parcialmente, através de
empréstimos externos em lugar das emissões tradicionais. A entrada de recursos externos
poderia, também, levar à estabilização do custo real das importações.
161

Também é importante que o governo consiga realizar “um impacto psicológico que gera
perspectivas de uma progressiva estabilização dos preços”574, o que geraria a tendência de
estabilização da velocidade-renda da moeda.
Essas políticas dependeriam, no longo prazo, do sucesso em eliminar as causas básicas
da inflação brasileira. A mais importante delas seria a baixa produtividade dos serviços ligados
ao setor público, particularmente nos transportes ferroviários e marítimos, que deveriam passar
pela elevação de sua produtividade física e por revisão de suas políticas salariais. Por fim,
seriam necessárias alterações no sistema fiscal, de modo a “taxar pesadamente” 575 o consumo
conspícuo e estimular os investimentos no sentido de ampliar a capacidade produtiva do país.
Isso levaria à contenção de algumas pressões originadas no desenvolvimento derivado e no
efeito demonstração, estimulando, ainda, o crescimento do PIB e acelerando a taxa de
desenvolvimento econômico.

3.3.3 – A agricultura

Nos textos analisados até aqui, Delfim Netto tece fortes críticas às generalizações da
Cepal a respeito da responsabilidade do setor primário no processo inflacionário das economias
latino-americanas. Os modelos matemáticos dariam conta de demonstrar que o fenômeno não
existiria no Brasil, apesar de que o diagnóstico pudesse estar correto, por exemplo, para o caso
do Chile. Essa é, talvez, a maior aplicação da particularidade que cabe em seu arsenal teórico.
Como as causas da inflação seriam distintas, a profilaxia igualmente teria de sê-lo. Esse aspecto,
que perpassa toda a produção de Delfim Netto, apenas faz sentido no interior de uma concepção
que busca aproximar a realidade econômica dos países subdesenvolvidos daquilo que ela
deveria ser em termos operacionais e quantificáveis: o futuro almejado não passa do alcance,
pelo Brasil, dos indicadores econômicos dos países desenvolvidos.
De modo geral, para Delfim, sem o setor industrial, a agricultura poderia apenas crescer
em extensão, gerando um baixo fluxo de renda interno e dependente do mercado externo. Nesse
caso, a elevação de renda não se tornaria automática, para o que seriam necessárias
modificações estruturais. Isso seria uma forma particular de desenvolvimento fortemente ligada
ao comércio exterior e com capacidade limitada de perpetuação. O centro dinâmico da
economia estaria fora do país576. Aqui fica clara a influência furtadiana de Formação
Econômica do Brasil, que ele absorve, mais uma vez, à sua própria maneira.

574
Delfim Netto et. al., 1965, p.151.
575
Id., Ibid., p.151.
576
Delfim Netto, 1962, p.83-4.
162

Para Delfim, o desenvolvimento econômico brasileiro deveria ter, como eixo, um novo
entrosamento entre indústria e agricultura com redução dos constrangimentos externos. O
desenvolvimento econômico brasileiro até então teria se realizado por uma evolução
descompassada de setores “essencialmente interdependentes” 577, de modo que a indústria teria
atraído mão-de-obra do campo – produtora de alimentos, matérias-primas e produtos de
exportação – sem que isso fosse acompanhado por aumento de produtividade no campo, o que
se configuraria como seu problema essencial. Isso teria sido mitigado pela expansão das
fronteiras agrícolas, possível pela abundância de terras virgens no território brasileiro,
substituindo em grande medida a mão-de-obra que deixava o campo por recursos naturais
abundantes. Tal movimento teria gerado algum aumento de produtividade ao mesmo tempo que
teria criado novos problemas, que estrangulariam parte desse aumento578.
Segundo Delfim, o nível de consumo da população brasileira seria ainda muito baixo,
enquanto o aumento do nível do rendimento, “que caracteriza o desenvolvimento
econômico”579, exigiria progressivamente maiores quantidades de produtos agrícolas. O setor
industrial em desenvolvimento necessitaria de maior quantidade de matérias-primas, enquanto
o setor exportador estaria sendo pressionado por maiores solicitações de importações, devendo
gerar mais divisas580. Aqui ele está no horizonte de análise de Celso Furtado: o Brasil cresce
para dentro e precisa de maiores divisas para financiar o crescimento do parque industrial, mas,
ao contrário de Furtado, como vimos, Delfim acreditava que o controle das variáveis resolveria
o problema do balanço de pagamentos. Na seção sobre o milagre, no próximo capítulo, veremos
que esse não foi o caso.
Uma vez que o processo de desenvolvimento brasileiro seria voltado para dentro,
segundo Delfim, necessitando de cada vez mais importações, e que a diferença entre as taxas
cambiais de importação e exportação seria “o instrumento promotor do desenvolvimento, aos
poucos a exportação vai se tornando impossível” 581, pois os produtos de exportação estariam se
tornando “gravosos”582. O Brasil teria influência nos preços mundiais de apenas dois produtos:
o café e, em menor grau, o cacau. No caso de todos os outros, a participação brasileira seria
desprezível. Com o aumento dos custos internos decorrente da escassez de matérias-primas para
abastecimento do consumo privado, da indústria e do setor exportador, três demandas

577
Delfim Netto, 2009, p.265.
578
Cf. Id., Ibid.
579
Id., Ibid., p.266.
580
Cf. Id. Ibid.
581
Id., Ibid., p.266.
582
Id., Ibid., p.266.
163

crescentes, a exportação se tornaria cada vez menos viável. Se os custos internos aumentassem
em valor superior à taxa cambial, em certo momento a exportação se tornaria impossível, já que
os preços pagos pelos produtos no mercado internacional não seriam suficientes para cobrir
seus custos de produção. A consequência seria a proibição ou o contingenciamento das
exportações de alimentos e matérias-primas, o que estaria acontecendo precisamente naquele
momento583.
Esse problema eleva a agricultura a um papel ainda maior na hierarquia de problemas
nacionais porque tem íntima relação com a taxa cambial. O protagonista aqui é o café, a cultura
mais importante na determinação do fornecimento da oferta total de divisas, o que, por sua vez,
determina o nível das relações de troca do país com o exterior e, através disso, influi no nível
de procura total de divisas. Devemos nos deter um pouco no problema para compreendermos
suas implicações. Caso o país estivesse sob os efeitos de uma espiral inflacionária, quedas nos
preços externos do café poderiam se traduzir em estabilidade ou mesmo aumento de seus preços
internos, o que estimularia a expansão da cultura e provocaria nova queda nos preços externos
dada a posição predominante do Brasil no mercado mundial. Nesse caso, segundo Delfim, o
sistema seria instável e não chegaria a encontrar seu equilíbrio, pois o governo seria levado a
intervir no mercado antes que houvesse a redução do rendimento nacional. Dentro de um
processo inflacionário aberto, portanto, não seria possível esperar um comportamento razoável
do mercado cafeeiro. O financiamento da compra do produto por meios inflacionários, dessa
forma, só seria consistente com a permanência definitiva do governo no mercado e com a
fixação da taxa cambial, caso contrário não teria os efeitos desejados na resolução do problema
dos excedentes de produção.
Essa influência da cultura cafeeira no mercado cambial afetaria os outros produtos de
exportação: em momentos de grande depreciação cambial, haveria uma ampliação significativa
nas exportações de cacau, peles e couros, açúcar, borracha, etc. Quando melhora a situação do
café, pelo contrário, o aumento dos lucros direciona os fatores de produção a esta cultura e a
melhora da taxa cambial diminui o lucro das demais culturas. Delfim explica o mecanismo:

Quando, por efeito do aumento da oferta do produto, a receita cambial cai e a


taxa cambial se deprecia, a remuneração do café em moeda nacional cai menos
do que em moeda estrangeira, mas o preço dos demais produtos de exportação,
em cujos mercados não somos importantes, crescem proporcionalmente à
desvalorização. É provável, nessas circunstâncias, que a rentabilidade relativa
ao setor cafeeiro seja prejudicada e que a permanência dessas condições leve
a uma transferência de fatores para os outros produtos. Quando os preços do
café estão subindo, o aumento da receita de divisas eleva a taxa cambial, mas

583
Cf. Delfim Netto, 2009.
164

o efeito dessas duas componentes tende a elevar também o preço do café em


moeda nacional, ao passo que o preço dos demais produtos de exportação
tende a reduzir. Nessas circunstâncias, é muito provável que a rentabilidade
relativa da cafeicultura melhore de maneira muito substancial e a leve a
absorver recursos de outras atividades. Como, por outro lado, a cafeicultura é
um investimento de longa maturação e permanente, os recursos têm maior
facilidade para entrar no setor do que para abandoná-lo.584
A cultura cafeeira, por sua vez, teria grande capacidade de resistir às baixas de preços
através da compressão do salário nominal do trabalhador agrícola. Entretanto, quando diminui
seu rendimento monetário, os trabalhadores agrícolas não teriam os meios de pagamento
necessários para manter seu papel de absorver “uma parcela importante da produção industrial
do país (principalmente da indústria de tecidos)”585, a não ser às custas da venda de sua
produção suplementar. Esta produção suplementar demandaria certo tempo para sua maturação,
o que terminaria por reduzir a procura por produtos industriais. Além disso, quando uma parcela
importante da população rural se dedica à cultura intercalar como maneira de superar a redução
de seu rendimento monetário, a oferta de alimentos cresce e, dada a inelasticidade da procura,
diminuiria o nível de rendimento dos colonos. Todo este processo, dessa maneira, repercutiria
sobre toda a economia e poderia gerar “um movimento cumulativo capaz de paralisar amplos
setores da economia”586. As soluções de Delfim para o problema, como veremos adiante, seriam
o aumento da produtividade com queda da área ocupada pelo café, abrindo espaço para outras
culturas; e a plena utilização do regime de concorrência com base nas condições favoráveis ao
café no Brasil, em lugar de acordos internacionais, que apenas estimulariam o surgimento de
concorrentes.
Delfim Netto desenha aos poucos, de maneira dinâmica, o quadro dos problemas da
economia brasileira. A expansão do mercado interno dependeria cada vez mais de um só
produto para financiar as divisas necessárias para manter a produção do parque industrial e a
aquisição de bens de capital. Adicionalmente, haveria o problema da recusa (ideológica) dos
capitais estrangeiros, reduzindo o fluxo desses capitais para o país. As poupanças formadas no
país e destinadas ao investimento em bens de capital estariam se precipitando no mercado
cambial e, assim, aumentando as discrepâncias entre as taxas cambiais de importação e
exportação, agravando o problema. Embora a demanda do café fosse, segundo Delfim,
normalmente inelástica, os ganhos nas relações de troca estariam sendo cada vez menos
suficientes para o financiamento brasileiro, já que as quantidades exportadas pelo Brasil

584
Delfim Netto, 2009, p.194.
585
Id., Ibid., p.196.
586
Id., Ibid., p.196.
165

diminuíam. O aumento na receita de divisas não poderia mais ser buscado dessa forma. Além
disso, as elevações nos preços do café trariam cada vez mais concorrentes ao Brasil no mercado
internacional, forçando queda nos preços brasileiros ou arriscando sua posição no mercado587.
Desse modo, a política de elevação dos preços do café, que estaria financiando o
desenvolvimento brasileiro, ao mesmo tempo teria gerado sua própria ruína através de um
mecanismo já conhecido do mercado: a concorrência. A posição monopolística do Brasil,
juntamente com o financiamento do desenvolvimento econômico, estaria assim ameaçada. A
política de curto prazo, exploradora da posição brasileira no mercado, contradiria as
perspectivas de longo prazo, necessárias para a continuidade do processo de desenvolvimento
econômico brasileiro588.
Em relação a essas perspectivas a longo prazo do café, Delfim Netto recorre à
demografia. Um estudo realizado pela Population Division da ONU previa o crescimento da
população mundial em 27% no período de 1960 a 1980. Conjugado ao sucesso ao menos parcial
dos programas de desenvolvimento dos países ao redor do mundo, o que acaba por reduzir suas
taxas de mortalidade, o crescimento populacional seria a pedra de toque das perspectivas
positivas a longo prazo para a exportação brasileira de café e, portanto, do desenvolvimento do
país como um todo. Entretanto, a formação de hábitos estaria ligada aos preços do produto, isto
é, se no início os hábitos de consumo determinariam os preços, segundo Delfim Netto, os preços
modificariam os hábitos de consumo e influenciariam os preços futuros etc. A “variável
estratégica”589 seria, portanto, seu nível de preços. O autor afirma, então, que seria possível
ampliar consideravelmente o consumo do café num prazo de cinco ou dez anos, aumento
impulsionado por preços mais baixos do produto.590
Assumindo a estabilidade das condições do comércio mundial até 1980 e a estabilidade
dos preços do café “em nível razoável”591, seria previsível um aumento de 50% ou 60% no
consumo do produto, isto é, 20 a 25 milhões de sacas. Os países com melhores condições de
concorrência ganhariam essas fatias do aumento de consumo, para o que a situação do Brasil
seria particularmente favorável. As condições de transporte, armazenamento, financiamento e
comercialização do produto seriam muito melhores do que em qualquer outro local produtor de
café. Além disso, os pequenos, mas constantes, investimentos nas pesquisas cafeeiras teriam

587
Cf. Delfim Netto, 2009.
588
Cf. Id., Ibid.
589
Id., Ibid., p.269.
590
Cf. Id., Ibid.
591
Id., Ibid., p.270.
166

criado especialistas no que concerne aos aspectos genéticos e agronômicos do problema. O


Brasil teria acumulado conhecimento tecnológico – “seleção de variedades mais precoces, mais
produtivas e mais resistentes até toda uma técnica de plantio e adubação” 592 – que permitiria a
triplicação da produtividade do país em prazo relativamente curto. Tal situação permitiria se
pensar em agricultura altamente mecanizada, “onde a pressão da procura da mão-de-obra só se
apresenta na colheita”593. Assim, em São Paulo, haveria condições para se liberarem fatores de
produção – terra e mão-de-obra – para outras culturas e para alimentar o desenvolvimento da
indústria.
Segundo Delfim Netto,

O Brasil tem portanto condições para produzir, a talvez 1/3 do seu custo atual,
toda a gama de bebidas conhecidas no mundo e tem, portanto, potencialmente,
uma extraordinária capacidade de concorrência. 594
Nesse contexto, Delfim Netto defende que um acordo internacional de preços do café
não faria sentido para o Brasil, já que o país não aproveitaria os ganhos de produtividade já
acumulados, além de que os concorrentes fora do acordo abocanhariam os novos mercados,
com preços elevados.595
Voltando ao problema da mecanização, Delfim Netto afirma:

O grande problema nacional, entretanto, é interno. Temos que criar


rapidamente as condições necessárias para a assimilação das técnicas de
produção e secagem já desenvolvidas, para, dentro do menor prazo possível,
estar-se em condições de reconquistar, pela redistribuição dos fatores de
produção, os prejuízos que decorrerão da diminuição dos preços do produto.596
Tal redistribuição dos fatores de produção, conforme apontado acima, significa a
liberação de terras e mão-de-obra tanto para outras culturas como para a indústria por meio do
aumento de produtividade. A receita máxima de divisas a longo prazo, assim, deve ser
priorizada frente aos dólares recebidos por saca a curto prazo.597
Dessa maneira, o desenvolvimento defendido por Delfim Netto se inicia por um
aumento de produtividade do setor agrícola (gerado por causas internas ou externas) que deveria
ser convertido, em quantidade substancial, em investimentos no setor industrial, o que poderia
iniciar “um processo de desenvolvimento autêntico (com modificações estruturais produzidas

592
Delfim Netto, 2009, p.270.
593
Id., Ibid., p.270.
594
Id., Ibid., p.270.
595
Cf. Id., Ibid.
596
Id., Ibid., p.271.
597
Cf., Id., Ibid.
167

pelo comportamento de uma classe empresarial dinâmica)”598. Caso os excedentes financiassem


apenas a própria expansão do setor agrícola, isso “mais cedo ou mais tarde, acabará por
superdimensioná-lo e provocará uma crise”599:

O nosso esquema permite distinguir claramente as possíveis linhas de


contribuição da agricultura para o desenvolvimento econômico: a) a liberação
de mão de obra a ser utilizada no setor industrial sem diminuir a quantidade
produzida de alimentos; b) criação de mercado para os produtos da indústria;
c) expansão das exportações; e d) financiamento de parte da capitalização da
economia.600
Assim, a agricultura deve transferir mão-de-obra para a indústria através do aumento da
produtividade, simultaneamente criando mercado consumidor para os produtos industriais,
expandindo suas exportações e mantendo altas taxas relativas de acumulação de capital. É esse
o papel que a agricultura assume no interior da concepção de desenvolvimento de Delfim Netto.
Mas, nesse contexto, porque seria necessária a industrialização, isto é, por que não se
poderia elevar a renda dentro de uma economia agrícola? A primeira razão apresentada é que o
Brasil poderia importar facilmente dos países capitalistas desenvolvidos sua tecnologia
industrial, ao contrário de sua tecnologia agrícola, que não seria adequada ao clima tropical.
Uma vez que o aumento de produtividade agrícola seria necessário para evitar o desperdício
dos recursos naturais, “precisaríamos de enorme quantidade de capital na forma mais difícil de
ser conseguida: pesquisas para tornar mais produtiva a agricultura tropical”601. A segunda razão
dada por Delfim se baseia na “lei de Engel da alimentação”602, a qual afirma que, à medida que
o nível de renda se eleva, eleva-se também a procura por alimentos, mas em nível menor que a
renda. A procura do indivíduo, assim, diversificar-se-ia e ele passaria a desejar um maior
repertório de bens e serviços. Na ausência de um setor industrial que atendesse tal demanda,
isso induziria à estagnação da economia603:

É preciso reconhecer [...] que não pode haver programa de industrialização


razoável sem agricultura próspera, pois existe relação muito íntima entre os
dois setores. A recíproca também é verdadeira: sem um setor industrial
adequado, não pode haver agricultura próspera. 604
Num processo de desenvolvimento autêntico, a produtividade agrícola teria de se elevar
rapidamente e “a agricultura vai ceder uma parcela de sua fôrça de trabalho atual e certamente

598
Delfim Netto, [1965?], p.84.
599
Id., Ibid., p.84.
600
Id., Ibid., p.85.
601
Id., Ibid., p.86.
602
Id., Ibid., p.86-7.
603
Delfim Netto, 1962.
604
Delfim Netto, [1965?], p.87.
168

a totalidade do aumento dessa fôrça de trabalho para o setor industrial”605, o que implicaria em
aumento volumoso do consumo de alimentos por conta da elevação de renda desses
trabalhadores. Conjugado ao aumento populacional derivado, entre outras coisas, da queda na
mortalidade infantil, a procura de produtos agrícolas tenderia a aumentar fortemente. Além
disso, o próprio abastecimento do setor urbano em crescimento gera a necessidade de serviços
para sua comercialização “(silos, armazéns, transporte, intermediários etc.)” 606, o que absorve
força de trabalho e aumenta ainda mais a demanda por alimentos 607. Segundo Delfim Netto:

Desde as origens do sistema capitalista nas cidades medievais, assistimos à


montagem de um sistema de transferência dos ganhos da produtividade
agrícola para os demais setores da economia.
No Brasil atual vemos claramente como a agricultura financia a formação de
capitais no setor industrial e comercial, através do mesmo mecanismo e de
uma conveniente manipulação do setor cambial.
Não se deve pensar que a parte mais importante de tais ganhos de
produtividade é transferida para o consumidor na forma de preços de varejo
menos elevados. Tanto no setor comercial, como no setor industrial, a
existência de formas oligopolísticas garantem [sic] a retenção interna da
parcela mais substancial de tais transferências. 608
Em outras palavras, os oligopólios comerciais e industriais bloqueariam a transferência
dos benefícios do aumento da produtividade para os trabalhadores através do sistema de preços.
Esse seria um problema similar àquele enfrentado pela produção do trigo no Brasil 609. Se
Delfim segue aqui as diretivas de Eugênio Gudin, que combate a ineficiência da indústria
brasileira, responsável pelo encarecimento dos produtos industriais através do protecionismo
sem contrapartidas em termos de qualidade e preços menores, ele implicitamente critica o
mercado como alocador eficiente de recursos por conta de sua estrutura oligopólica. Entretanto,
como o modelo adotado por Delfim Netto prevê o aumento da fatia da renda destinada ao
capital, seja através do sistema tributário, seja através da coação política, a retenção dos ganhos
de produtividade não parece representar um problema estrutural, mas, pelo contrário, um
elemento potencializador do desenvolvimento na medida em que viabiliza maiores
investimentos produtivos.
De que depende a expansão do setor agrícola para Delfim Netto? Em primeiro lugar, do
nível técnico da mão-de-obra, que poderia elevar a produtividade da agricultura em São Paulo
com relativamente poucos investimentos em educação. Em segundo lugar, do nível de

605
Delfim Netto, [1965?], p.88, grifo do autor.
606
Id., Ibid., p.89.
607
Cf. Id., Ibid.
608
Id., Ibid., p.110-1.
609
Cf. Delfim Netto & Freitas, 1960.
169

mecanização da agricultura: “arado, grade, semeadeiras etc.”610. Em terceiro lugar, do nível de


utilização de adubos e de variedades vegetais adequadamente selecionadas. Por último, própria
a estrutura agrária, que se relacionaria à eficiência produtiva e à distribuição dos rendimentos. 611
Como já aventamos no início do tópico, Delfim Netto combate a concepção de que as
tensões inflacionárias na América Latina, tratada como um bloco uniforme, dar-se-iam em
decorrência da inelasticidade da oferta de alimentos. Tal diagnóstico não corresponderia,
segundo ele, ao caso brasileiro,

[...] onde as tensões primárias da inflação decorrem dos problemas criados por
um desenvolvimento em condições de estagnação da capacidade para
importar, das pressões distributivistas que caracterizam o “desenvolvimento
derivado” e da própria estrutura do poder político, que para se manter deve
realizar uma política de clientela irresponsável. 612
Em outras palavras, confirmando aquilo que já vimos anteriormente, a agricultura
deveria aumentar a capacidade de importar da economia através do aumento da produtividade,
o que, outrossim, expandiria o mercado consumidor no campo e forneceria mão-de-obra à
indústria, ao mesmo tempo em que a política de clientela irresponsável surgida das pressões
originadas no desenvolvimento derivado deveria ser abolida em favor de maiores investimentos
produtivos.
O Brasil teria uma taxa de crescimento demográfico anual de 2,6%, enquanto a demanda
por alimentos cresceria a uma taxa entre 4% e 4,6%. Por outro lado, entre 1939 e 1961, a
expansão da produção de alimentos teria crescido anualmente 4,2%. Embora produção e oferta
não sejam as mesmas coisas, segundo Delfim Netto, as melhores condições de comercialização
e transporte levariam a crer que a oferta de alimentos deva ter crescido a uma taxa no mínimo
igual ao crescimento da produção. Tomando como referência o centro urbano de maior renda
per-capita do país, a Guanabara, Delfim conclui que não seria possível demonstrar que o custo
de alimentação estaria crescendo mais que os outros preços em consequência da deficiência da
oferta613.
Após realizar regressões a fim de compreender a relação do aumento do custo da
alimentação com a expansão dos meios de pagamento, Delfim sugere que pode existir um
componente de aumento do custo de vida independente dos meios de pagamento. No entanto,
não seria possível confirmar essa relação através dos dados disponíveis: “Utilizando os dados

610
Delfim Netto, 1962, p.114.
611
Cf. Id., Ibid.
612
Cf. Delfim Netto, [1965?].
613
Cf. Delfim Netto, [1965?].
170

disponíveis chega-se, assim, à conclusão de que não existe evidência de que no nível global (e
nem nos grandes centros) a procura de alimentos cresce mais depressa que a oferta”, o que
contrariaria aquilo que consta no Plano Trienal614.
Entre os períodos 1953/55 e 1959/61, a produção agrícola do estado de São Paulo teria
aumentado 12% em área e 16% em produtividade por hectare, totalizando um aumento da
produção de 30%. A produção agrícola brasileira como um todo – incluso o estado de SP no
cálculo, o que Delfim reconhece superestimar os resultados –, aumentou 20% em área e 4% em
produtividade por hectare, totalizando um aumento de 25% no total da produção615. Assim,

[...] mais da metade do aumento da produção paulista foi conseguido pela


utilização de uma agricultura de maior nível técnico, enquanto na economia
nacional, menos de 11/46 do aumento da produção no período pode ser
explicada pela utilização de melhor técnica.616
O aumento total da produtividade foi de cerca de 2,4% ao ano, evidenciado pelo
aumento da relação área/homem, o que mostra a “introdução de uma agricultura de tipo mais
capitalista”617.
Se tal resultado se mostra positivo no sul do país, em que Delfim inclui São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul 618, “o mesmo não é possível afirmar com relação
ao nordeste, onde o problema assume proporções críticas”619. Ele caracteriza a estrutura agrária
do Nordeste em torno de duas condições: em primeiro lugar, a alta concentração da propriedade
fundiária deixaria, para a maior parte da população, a necessidade de estabelecer vínculos
tênues com os proprietários, seja através do aluguel da força de trabalho, do arrendamento de
um pedaço de terra ou do trabalho sob parceria, seja através da permanência como agregado
pronto a suprir a necessidade de mão-de-obra do proprietário. Em segundo lugar, inúmeros
pequenos proprietários, principalmente no Agreste, não possuiriam capital e seriam parcamente
integrados ao setor comercial, o que os levaria à necessidade de alugar sua própria força de
trabalho em certos períodos do ano: “emigram em setembro do Agreste para a Mata, a fim de
colher cana e retornam com as chuvas de março”620.
Zona da Mata e Litoral Oriental, que vai do estado do RN à Bahia, seria uma faixa
paralela ao litoral com precipitação pluviométrica substancial, onde se encontrariam também

614
Delfim Netto, [1965?], p.27.
615
Cf. Id., Ibid.
616
Id., Ibid., p.40.
617
Id., Ibid., p.41.
618
Id., Ibid., p.51.
619
Id., Ibid., p.42.
620
Id., Ibid., p.43.
171

cerrados, impróprios para a agricultura devido ao baixo nível técnico da região. Desde o século
XVI, seria a zona do típico domínio canavieiro, com agricultura comercial relativamente
desenvolvida. Nessa região, predominaria cada vez mais o trabalho assalariado, embora ainda
seriam importantes os “’moradores’”621, que possuíam roça própria de mandioca, milho e
mesmo algodão.622
O agreste seria a zona de transição entre a Mata e o Sertão, com clima amenizado e
regiões de maior umidade dentro da caatinga por conta do planalto da Borborema. Correndo
paralelamente à Zona da Mata, desde Alagoas até a Paraíba, “predomina uma combinação
particular de pecuária e agricultura, sendo importante a pequena propriedade e mais
diversificada a produção agrícola”623.
Por fim, o Sertão e o Litoral Setentrional seriam a zona mais seca do Nordeste, com
precipitação anual relativamente baixa e concentrada. Aí se criaria “o gado solto e a agricultura
restringe-se às culturas de vazante e às realizadas em regiões serranas (principalmente o
carirí)”624.
No Agreste e nas melhores terras do Sertão, praticar-se-ia uma agricultura de rotação de
terras que levaria a uma “combinação singular”625 entre pecuária e agricultura.
Delfim conclui assim sua descrição:

Verifica-se uma migração do agricultor, em resposta às dificuldades do meio


e à ausência de uma agricultura mais evoluída.
Tôda agricultura nordestina revela, assim, uma migração constante de terra
(os roçados se deslocam em busca de fertilidade) e de homens (que na sêca
vêm do Agreste para colher cana na Mata). 626
A respeito de tal “estrutura da propriedade”627, Delfim Netto parece discutir com a
esquerda e coloca a seguinte questão: “seria a sua modificação condição suficiente para uma
alteração da economia nordestina, de forma a integrá-la num processo de desenvolvimento
econômico acelerado?”628.
Para ele, a questão da reforma agrária deveria ser colocada dentro desse contexto geral.
O aumento de produtividade teria que se realizar sobretudo no setor agrícola, “pois [...]
desenvolvimento econômico confunde-se com o aumento da produtividade da mão de obra e

621
Delfim Netto, [1965?], p.43.
622
Cf. Id., Ibid.
623
Id., Ibid., p.44.
624
Id., Ibid., p.44.
625
Id., Ibid., p.44.
626
Id., Ibid., p.45.
627
Id., Ibid., p.45.
628
Id., Ibid., p.45-6.
172

2/3 da população nordestina concentra-se na zona rural”629. As diferenças na agricultura do


Nordeste e do sul (SP, PR, SC e RS) seriam substanciais e se refletiriam no custo de
alimentação630:

Tabela II. Fonte: Delfim Netto, 1965, p.51.

Delfim descartava que essas diferenças se devessem apenas às condições climáticas


diversas. Algumas modificações poderiam aumentar a produtividade em tempo relativamente
curto mesmo no Rio Grande do Norte, estado com as condições mais desfavoráveis para a
agricultura: “1. seleção de sementes mais adequadas; 2. introdução de técnicas de agricultura
mais eficientes e mais ajustadas às condições ecológicas; 3. utilização de inseticidas; 4.
institucionalização de um sistema de crédito”631.
Essas condições teriam importância fundamental para o desenvolvimento econômico do
Nordeste. Uma vez que a agricultura nordestina era menos produtiva, o rendimento do
trabalhador agrícola era proporcionalmente menor, “obrigando uma parcela maior da população
a dedicar-se às atividades primárias, do que seria possível em outras circunstâncias” 632. Por
outro lado, para conservar o mercado consumidor das indústrias locais, o salário monetário do

629
Delfim Netto, [1965?], p.46.
630
Cf. Id., Ibid.
631
Id., Ibid., p.52.
632
Id., Ibid., p.52.
173

trabalhador industrial teria que ser menor, pois menores salários possibilitam menores preços
ao consumidor final633. Segundo Delfim,

A integração, portanto, da economia nordestina na economia nacional implica


na redução do salário real do setor industrial, o que, por sua vez, tende a
reduzir o mercado consumidor e impedir a expansão rápida do próprio setor.
A pobreza da agricultura nordestina condiciona, assim, a expansão de todo o
sistema econômico. A única forma possível de vencer o círculo vicioso reside
no estabelecimento de um programa de desenvolvimento suficientemente
amplo, que modifique simultâneamente os têrmos do problema no que se
refere ao setor agrícola e ao setor industrial.634
Essa conclusão tem sintonia com o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do
Nordeste (GTDN)635, do qual Furtado fazia parte e cujos resultados foram apresentados por ele
ao presidente Juscelino Kubitschek em 1959. Daí surgiu, naquele mesmo ano, a
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), com Celso Furtado como
superintendente.
Delfim Netto afirma que, para lograr sucesso em um programa de desenvolvimento, a
região Nordeste teria de encontrar “bases geográficas adequadas” 636, uma das quais estaria,
naquele momento, ocupada pela cultura da cana-de-açúcar, que teria a melhor qualidade do solo
e localização estratégica junto ao litoral, onde se encontravam os centros urbanos. Delfim
oferece as possíveis soluções:

O aumento da produtividade do setor primário poderia dar-se de duas formas:


ou pela abertura do comércio exterior a algum produto em que a região
revelasse uma vocação particular; ou pela introdução de técnicas agrícolas
mais modernas. Em qualquer dos dois casos, entretanto, persistindo o
excedente de mão de obra, a atual estrutura da propriedade criaria condições
para a concentração dos benefícios nas mãos dos proprietários.
Como se pode colocar de lado a primeira hipótese, devido à sua pequena
plausibilidade, vamos dedicar alguma reflexão à segunda.637
Caso se introduzisse nova tecnologia sem modificação da estrutura da propriedade, o
maior volume de capital elevaria a produtividade da mão-de-obra e, portanto, elevaria também
o excedente da mão-de-obra, “a não ser que a procura de produtos agrícolas crescesse muito
depressa, de forma a exigir um volume maior de emprêgo, a um nível maior de
produtividade”638. Haveria então um aumento do lucro e a permanência do salário no nível de
subsistência ou ligeiramente superior, concentrando assim os benefícios do progresso técnico

633
Cf. Delfim Netto, [1965?].
634
Id., Ibid., p.53.
635
Oliveira, 2003.
636
Delfim Netto, [1965?], p.53.
637
Id., Ibid., p.54.
638
Id., Ibid., p.55, grifo do autor.
174

nas mãos dos proprietários de terras e modificando muito pouco a procura global dos produtos
industrializados, aumentando talvez a procura de bens de consumo de luxo639.
Por outro lado, como segunda virtualidade, modificando a estrutura da propriedade,
introduzir-se-iam diferenças substanciais na repartição do rendimento devidas à repartição das
propriedades, ou seja, a renda dos arrendatários e meeiros aumentaria, pois deixariam de pagar
aluguel pelo uso da terra, e a renda dos grandes rentistas diminuiria. Os novos proprietários
tenderiam a desenvolver uma agricultura mais racional640.
Quanto aos assalariados,

Êstes devem estar empregados em propriedades que exploram


capitalìsticamente a agricultura, isto é, em propriedades onde se aplica
trabalho até o ponto em que a sua produtividade marginal seja igual ao salário
(de subsistência, determinado pelo estoque de mão de obra aplicado no
minifúndio ou vivendo como “agregado”). Nêste caso a divisão da
propriedade poderá ser um instrumento de elevação de produção, pois a mão
de obra será empregada até o ponto em que se anula a sua produtividade
marginal. Elevar-se-á a produção e melhorará a distribuição dos
rendimentos.641
Delfim defende, dessa forma, o uso social da propriedade fundiária, que deveria
empregar o maior número possível de assalariados.
As condições necessárias para que esses objetivos fossem atendidos seriam duas: “1.
simultâneamente com a terra, os agricultores deverão receber orientação técnica e crédito de
custeio; 2. os novos proprietários deverão ser integrados imediatamente num sistema de
agricultura para o mercado, com o estímulo a formação de um sistema de cooperação” 642.
As informações mais adequadas e o acesso mais fácil ao sistema bancário por parte dos
grandes proprietários de terras seriam sanadas pela primeira condição. A segunda condição
evitaria a involução técnica e a transformação das pequenas propriedades em unidades fechadas
auto-subsistentes, que comercializariam apenas seu excedente fortuito.
A reforma agrária, entretanto, não resolveria “o verdadeiro problema do
subdesenvolvimento”643, pois este, para Delfim Netto, consiste na baixa produtividade da força
de trabalho, inalterada pela simples divisão de terras. Um dos problemas estaria “na ausência
de diversificação da estrutura produtiva”644, consequência da procura não-diversificada devida
ao baixo nível de renda.

639
Cf. Delfim Netto, [1965?].
640
Cf. Id., Ibid.
641
Id., Ibid., p.57, grifo do autor.
642
Id., Ibid., p.58.
643
Id., Ibid., p.58.
644
Id., Ibid., p.59.
175

Nem mesmo o aumento da produtividade agrícola resolveria isoladamente o problema


se não se ampliasse rapidamente a procura, caso contrário os ganhos de produtividade seriam
transferidos aos setores intermediários e aos consumidores. Esse aumento da procura poderia
se realizar apenas pela “industrialização e consequente urbanização” 645. A aceleração da
industrialização implicaria na ampliação rápida do mercado:

Vemos, portanto, que o problema da reforma agrária só tem sentido dentro do


contexto de um programa de desenvolvimento, que simultâneamente procure
elevar o nível e diminuir o grau de concentração da renda na atividade agrícola
(a mais importante em têrmos de ocupação de mão de obra) e acelere o
processo de industrialização, capaz de absorver os excedentes de mão de
obra.646
Portanto, seria necessário o aumento da produtividade com diversificação da estrutura
produtiva, novamente conclusão similar à do GTDN647.
Para Delfim Netto, o desenvolvimento de cada região seria condicionado por sua
história. São Paulo, portanto, teria se tornado um polo de desenvolvimento por conta da
“combinação de algumas condições excepcionais”648:

[...] um vigoroso impulso externo derivado da expansão da procura de um


produto para a produção do qual a região era particularmente bem dotada de
recursos; a formação bastante rápida de uma classe empresária que se
apropriava dos excedentes e os reinvestia na própria atividade e nas atividades
auxiliares (estradas de ferro)[;] a formação de um núcleo urbano
suficientemente importante e bem dotado de energia para induzir o início do
processo de industrialização. O dinamismo da região, induzido do exterior,
produziu, assim, no próprio processo de desenvolvimento, um sistema
agrícola e industrial que se complementava e que tinha condições para
continuar se expandindo mesmo depois de diminuída a energia procedente do
exterior.649
No Nordeste, para Delfim Netto, a existência de um excedente de mão-de-obra
conjugada a um sistema que não imporia obrigações sociais ao proprietário teria gerado uma
classe parasitária que viveria das oportunidades obtidas no passado. Delfim parece estabelecer
um diálogo com Furtado, que afirma que as classes agrárias parasitárias bloqueariam as
potencialidades da industrialização brasileira e fomentariam a espiral inflacionária na tentativa
de manter ou incrementar sua renda relativa em um contexto de estagnação da renda 650. Já
vimos que Delfim não concorda com a conclusão a respeito da espiral inflacionária, mas critica

645
Delfim Netto, [1965?], p.59.
646
Id., Ibid., p.59-60.
647
Cf. Oliveira, 2003.
648
Delfim Netto, [1965?], p.60.
649
Id., Ibid., p.61.
650
Cf. Furtado, 1964.
176

essa forma de propriedade altamente onerosa para a produtividade. O direito de propriedade


não poderia ser maior que a “realização do desenvolvimento econômico com respeito às
liberdades fundamentais a que tem direito todo homem, pela simples condição de ser
homem”651. Delfim ainda avança:

Dêsse ponto de vista não há como defender indiscriminadamente o direito de


propriedade. Aquele que vive apenas da renda de seus capitais, não
contribuindo pessoalmente de nenhuma forma para a solução do problema
mais amplo, que é o do estabelecimento de formas de convivência social mais
adequadas à realização do homem, não tem porque exigir o respeito à sua
propriedade. Nêste caso, em lugar de ser um instrumento socialmente útil, a
propriedade passa, de fato, a ser um privilégio. A sociedade precisa defender-
se contra a criação de tais privilégios, forçando o uso correto da propriedade,
sem eliminar o instrumento, pela sua utilidade.652
No entanto, Delfim se refere a um tipo muito específico de parasita social. Segundo ele,
os descendentes dos grandes proprietários, já com educação urbana, teriam poucos vínculos
com suas terras e não dependeriam da renda provinda delas para sobreviver. Investiriam na
agricultura uma parcela cada vez menor dos rendimentos proporcionados por ela mesma. Uma
vez que o desenvolvimento econômico imporia progressivamente a diversificação da produção
e consequentemente os trabalhos de administração aumentariam rapidamente, tais proprietários
não teriam condições de atender às exigências da propriedade. Assim, ou as culturas seriam
substituídas pela pecuária, que exige menos força de trabalho e não desgasta tanto o solo, ou
“A solução é caminhar para formas de arrendamento e parceria, que fracionam, de fato a
propriedade (e transformam o proprietário absentista em simples rentista, que aufere
rendimentos do simples fato de ter um título de propriedade) [...]”653. Para Delfim Netto:

O aspecto mais grave de todo êsse sistema, do ponto de vista social, reside na
circunstância de que o proprietário tem que manobrar permanentemente para
impedir que os arrendatários e parceiros realizem investimentos na forma de
benfeitorias ou na forma de culturas perenes, que criarão a oportunidade para
reivindicações futuras de indenização. Chegamos, assim, a uma forma
socialmente absurda de ocupação do sólo, em que o proprietário vive de
rendas, não tem qualquer interêsse direto em melhorar a produtividade do
setor (porque normalmente uma parcela insignificante de seus rendimentos
provêm da agricultura) e estimula formas de exploração puramente
predatórias do sólo.654
Outra situação que não é a melhor do ponto de vista social, para Delfim, decorreria de
problemas de outra natureza. Na região açucareira do Nordeste, “que domina as melhores terras

651
Delfim Netto, [1965?], p.62.
652
Id., Ibid., p.62-3.
653
Id., Ibid., p.64.
654
Id., Ibid., p.65.
177

da região e circunda os seus centros urbanos mais populosos”655, o sistema de preços, devido a
um processo de especialização e grande volume de investimentos, levaria a um uso da terra que
prioriza a cultura canavieira e produz apenas parte dos produtos de subsistência necessários
para a própria sustentação656.
Trabalhar na atividade mais rentável não modificaria a situação dos trabalhadores, cujo
nível salarial se fixaria pela agricultura de subsistência e, portanto, seria baixo em consonância
com a produtividade desta, o que dificultaria a diversificação do consumo e inibiria, portanto,
a diversificação dos investimentos. Parte dos substanciais lucros e rendas auferidos pelos
proprietários, dessa forma, seriam utilizados na compra de bens de consumo de luxo,
encaminhados, portanto, às regiões brasileiras que ofereceriam maior perspectiva de
desenvolvimento657, conforme já argumentava Celso Furtado:

O problema se agrava porque na medida em que o sistema econômico


acomodou-se pela ausência de um forte estímulo ao desenvolvimento, um
novo impulso apenas pode ser dado através de um esfôrço substancial,
geralmente incompatível com as estruturas sociais vigentes, o que coloca um
problema muito complexo do ponto de vista político, pois exige alterações na
estrutura do poder político.
A conclusão mais geral a que se pode tirar destas considerações, refere-se,
sem dúvida, ao fato de que o problema agrário tem que ser enquadrado dentro
de um programa geral de desenvolvimento e que, dêsse ponto de vista, êle não
se apresenta como um problema, mas como numerosos problemas, cada um
com matizes regionais bem definidos.658
Nesse contexto, a reforma agrária é importante para aumentar a produtividade e a renda
do trabalho e gerar diversificação – pensada naqueles cenários em que há estruturas arcaicas
como no Nordeste. Na chamada região sul (que, para Delfim Netto, inclui São Paulo), a
agricultura estaria caminhando claramente no sentido de se tornar capitalista e os assalariados
necessitariam, isto sim, de uma legislação social que abrigasse seus direitos. No Nordeste, a
urbanização acelerada e a baixa produtividade devida a sua estrutura, sobretudo na Zona da
Mata, necessitariam de uma “resposta mais pronta”659. A forma de efetivação desse projeto é
bem específica:

Seria completamente ilusório, entretanto, reduzir o problema a uma


distribuição de terras, pois é sabido que sem substanciais investimentos
preliminares em educação e outros “inputs” não-convencionais (pesquisas
genéticas, agronômicas etc.), os novos proprietários não terão condições para
cumprir a sua missão, e, ou terão de ser absorvidos em “fazendas

655
Delfim Netto, [1965?], p.66.
656
Cf. Id., Ibid.
657
Cf. Id., Ibid.
658
Id., Ibid., p.70-1.
659
Id., Ibid., p.72.
178

governamentais”, constituídas pela agregação das propriedades fracassadas,


ou regredirão a uma agricultura ainda mais primitiva.
A reforma agrária para atingir o seu objetivo (que não pode ser outro que não
o enquadramento do setor agrícola dentro do processo de desenvolvimento
econômico acelerado), há de ser, portanto, regional e paulatina, feita com
cuidado e dentro dos limites definidos pelos investimentos preliminares. No
Nordeste, ela terá de ser executada simultâneamente com a execução do
programa de industrialização, tornando possível a diminuição dos custos de
alimentação e a elevação dos salários reais, condições imprescindíveis para
uma ampliação rápida do mercado reservado à indústria protegidas pelas
vantagens locacionais. 660
Desse modo, a reforma agrária paulatina e associada a investimentos em educação e
tecnologia, integrando a agricultura ao processo de industrialização, seria a solução para o
atraso econômico do Nordeste. Quanto à agricultura paulista, que Delfim Netto procurou
estudar em mais detalhes661, também haveria urgência no aumento de produtividade, mas sem
necessidade de reforma agrária. Segundo ele, seriam necessários o desenvolvimento de práticas
de cultivo adequadas, a intensa capitalização e a seleção de variedades agrícolas mais
produtivas. O processo de capitalização e aumento de produtividade já vinha ocorrendo em
velocidade relativamente rápida, pois o número de tratores em São Paulo teria praticamente
dobrado entre 1953 e 1959, passando aproximadamente de quatorze mil e duzentos (14.200)
para vinte e sete mil e seiscentos (27.600). As estimativas da produção futura para a primeira
metade do ano de 1962662 eram de trinta e uma mil unidades de tratores. Os aumentos de
produtividade seriam verificados principalmente nos setores fornecedores da indústria (algodão
e amendoim)663. Apesar de que parte do ganho de produtividade que vinha ocorrendo estaria
sendo transferido para outros setores da economia, Delfim aponta para a estreita relação entre
tais ganhos e as quedas de preço no que se refere aos principais produtos da agricultura
paulista664:

O expoente praticamente não difere da unidade, o que significa que para os


produtos considerados, um aumento de 1% na produtividade produz uma
diminuição relativa de 1% nos preços. Êsses fatos mostram que a agricultura
desses produtos trabalha pràticamente num regime de livre concorrência e
não tem, consequentemente, condições para reter uma parcela dos lucros
adicionais derivados dos ganhos de produtividade, o que evidentemente torna
mais difícil a solução do problema da capitalização. 665

660
Delfim Netto, [1965?], p.72-3.
661
Cf. Id., [1965?]; 2009.
662
O texto foi redigido no início de 1962.
663
Delfim Netto, [1965?], p.219.
664
Cf. Id., Ibid.
665
Id., Ibid., p.174, grifo do autor.
179

O aumento da produtividade, não obstante, deveria ser continuamente estimulado.


Segundo Delfim Netto, “com um pouco de esforço e com um planejamento adequado, poder-
se-ia reduzir a área coberta com café de 1,4 milhões de hectares para um pouco mais de 500
mil hectares, sem afetar o volume produzido” 666, liberando, portanto, quase 1 milhão de
hectares, um número considerável ao se levar em conta que a área plantada no estado de São
Paulo, excetuando-se o café, era de 3,5 milhões de hectares.667
Solução completamente diferente daquela proposta para o Nordeste, em que a reforma
agrária deveria alterar a estrutura de propriedade e a força de trabalho deveria ser absorvida
pelo setor primário até que a produtividade marginal do trabalhador fosse nula.
No que diz respeito à pecuária, os problemas seriam similares aos da agricultura. Delfim
Netto defende os estímulos para que se transformasse em pecuária intensiva, com melhores
instalações, reorganização da produção, racionalização dos pastos, investimentos em
reprodutores etc.668:

A importância do setor pecuário (de corte e de leite) numa política de


abastecimento só é igualada pela sua importância como elemento equilibrador
da propriedade agrícola. Realmente, a integração entre as atividades agrícola
e pecuária dentro dos limites permitidos pelos fatores locacionais e pela
tecnologia mais moderna é um dos elementos de maior relevância para o
desenvolvimento de uma agricultura mais próspera. O gado é a fonte primária
de adubos orgânicos, necessários para complementar a revitalização dos sólos
e o aumento de produtividade produzidos pelos adubos químicos.
Dentro de uma política agrária de longo prazo seria preciso estudar uma
estruturação da propriedade agrícola de forma a que ela, mesmo mantendo a
especialização determinada por condições geográficas, tivesse um mínimo de
diversificação, inclusive pecuária.
Deve-se, portanto, dar prioridade para aqueles projetos que procuram integrar
a atividade agrícola com a pecuária. 669
As soluções para o aumento da produtividade da agricultura paulista passariam pela
facilitação da concessão de crédito de custeio para arrendatários, meeiros e outros trabalhadores
da terra, o que aumentaria substancialmente os volumes produzidos. Pela falta de auxílio
creditício, os lavradores tenderiam a utilizar técnicas rudimentares na produção, compatíveis
com os recursos monetários disponíveis670. Além disso,

Como foi exposto anteriormente, há sérias razões para acreditar que a situação
concorrencial da agricultura deixa-a sem condições para reter uma parcela

666
Delfim Netto, [1965?], p.189.
667
Cf. Id., Ibid.
668
Cf. Id., Ibid.
669
Id., Ibid., p.194-5, grifo do autor.
670
Cf. Id., Ibid.
180

substancial dos ganhos da produtividade que se processam dentro do setor, o


que em parte poderia ser corrigido pelos preços mínimos.671
Tal política, embora existente na época, teria pequena influência sobre a estabilização
da área plantada ou sobre o aumento do volume da produção por conta da sua arbitrariedade na
fixação dos preços, da “completa ausência de uma política agrícola consciente, capaz de
determinar as possíveis repercussões dos preços mínimos sôbre a área plantada” 672 e dos
“frequentes atrasos na fixação dos preços mínimos com o intuito de diminuir a responsabilidade
da administração federal”673.
Uma vez que o estado teria ocupada praticamente toda a sua área disponível para
atividades agrícolas e para a pecuária, os ganhos no volume da produção a partir de então teriam
que se dar por meio do aumento da produtividade, que dependeria, entre outras coisas, da
recuperação e conservação do solo, o que exigiria investimentos maciços674.
Já em 1964675, por conta da importância que o tema tomara, Delfim Netto trata com
maior diligência a questão da reforma agrária. Dedica um artigo a tratar das duas alternativas
que, segundo ele, haviam surgido num período de seis meses: a reforma agrária proposta por
Jango, que pretenderia modificar a estrutura agrária do país para elevar a produtividade da
agricultura e liberar braços para a indústria, e a reforma proposta por Castelo Branco através do
Estatuto da Terra, que buscaria conservar os homens no campo pela falta de dinamismo do setor
industrial na absorção da mão-de-obra proveniente do campo. Segundo Delfim, “Diagnósticos
tão antagônicos, realizados pelos mesmos técnicos com uma diferença de menos de seis meses
não podem corresponder a um problema real e devem, portanto, refletir uma alta dose de
confusão”676.
Após resumir toda a argumentação em torno de uma “linha de racionalização” 677,
Delfim Netto lista alguns argumentos para destrinchá-los “à luz da análise da realidade”678.
Em primeiro lugar, ele combate o argumento que propõe a reforma agrária por conta da
ausência de uma “revolução agrícola” no país. Para Delfim, esse argumento “é completamente
irrelevante, porque não existe nenhuma obrigação de o desenvolvimento seguir padrões

671
Delfim Netto, [1965?], p.213.
672
Id., Ibid., p.214.
673
Id., Ibid., p.214.
674
Cf. Id., Ibid.
675
Embora, segundo o índice da coletânea, a data do artigo consta como 1963, Delfim Netto já se refere ao início
do governo Castelo Branco e ao Estatuto da Terra, criado no final de novembro de 1964, o que nos leva a concluir
que se trata de um texto do final de 1964 ou início de 1965.
676
Delfim Netto, [1965?], p.257-8.
677
Id., Ibid., p.258.
678
Id., Ibid., p.262.
181

històricamente determinados”679. Não obstante, essa “revolução” nem seria necessária, pois em
nenhum momento do desenvolvimento brasileiro a agricultura teria sido um grande obstáculo
ao processo, liberando suficiente mão-de-obra para ser absorvida pelo setor industrial e sendo
“um instrumento dúctil na transferência de recursos para o setor secundário e terciário” 680.
Assim, “Com tal passividade a respondendo com relativa rapidez aos estímulos externos (tanto
do setor urbano como do mundo exterior) porque [sic] haveria de verificar-se uma revolução
agrícola?”681.
Para Delfim Netto, a produtividade no setor agrícola brasileiro só não teria aumentado
nos setores de subsistência. Teria havido um aumento substancial nos produtos fornecedores da
indústria – algodão e amendoim. Isso se deveria a algumas razões. A primeira delas é que os
“empresários agrícolas”682 dedicariam os melhores tratos da terra à “cash crop”, isto é, a
agricultura em grande escala voltada para o lucro. Em segundo lugar, por conta da ausência de
pesquisas genéticas intensas e da produção em larga escala de sementes selecionadas, “a única
forma de elevar a produtividade por área”683 seria através de adubos e inseticidas, que, por sua
vez, demandariam grande volume de capital circulante, que não estaria disponível para as
culturas tradicionais de subsistência. Assim, nem mesmo quando a resposta da produção à
intensificação do uso de adubos e inseticidas fosse muito boa, esses produtores poderiam
competir com aqueles que teriam maior disponibilidade de capital. Por último, “e, mais
importante do que tudo isso, sendo o fator terra relativamente abundante, a forma mais
econômica de aumentar a produção para o empresário privado é combinar terra e homem dentro
dos coeficientes técnicos tradicionais”684, através da ampliação da área cultivada em vez da
intensificação do cultivo sobre uma mesma área685.
Em relação ao segundo argumento, de que a indústria brasileira exigiria rápida
ampliação do mercado e, por isso, seria antes necessário aumentar a demanda agrícola –
argumento do Estatuto da Terra de Castelo Branco –, seria real na necessidade do aumento da
demanda, mas falso na solução proposta: “Seria, de fato, a primeira vez na história que teríamos
uma aceleração do desenvolvimento (não propiciado por uma ampliação do comércio exterior)
com uma ampliação do setor primário”686. “Como é claro, uma indústria de massa, exige uma

679
Delfim Netto, [1965?], p.262.
680
Id., Ibid., p.262.
681
Id., Ibid., p.263.
682
Id., Ibid., p.264.
683
Id., Ibid., p.264
684
Id., Ibid., p.265.
685
Cf. Id., Ibid.
686
Id., Ibid., p.265.
182

sociedade de massa e não é razoável supor que tal possa realizar-se sem um intenso processo
de urbanização”687. Por isso, prossegue Delfim, “Chegamos assim, à conclusão de que a idéia
de fazer o desenvolvimento econômico realizar-se por uma elevação da produtividade dentro
do próprio setor agrícola equivale a alguém querer levantar-se pelos próprios cabelos”688.
Delfim Netto diz que “Um desenvolvimento econômico fechado dentro do setor
agrícola corresponde ao absurdo de um desenvolvimento sem profundas mudanças da estrutura
da oferta e da procura”689:

No panorama geral da agricultura brasileira, os problemas da dimensão e da


escassez da terra têm, portanto, importância diminuta e é uma simples crença,
não apoiada em nenhum elemento da realidade, a idéia de que a transferência
de mão de obra entre propriedades e regiões, seja por sí só capaz de aumentar
o volume da produção. Os aumentos de produção que poderiam advir teriam,
pois, que derivar de uma melhor tecnologia, resultado que pode ser obtido sem
realizar aquelas transferências, aumentando o nível de assistência
governamental ao setor agrícola. 690
Portanto, a política agrária deve ser colocada em prática em função do setor industrial.
Além disso, já que no Brasil o fator capital seria escasso em relação ao fator trabalho, a
utilização de técnicas produtivas economizadoras de mão-de-obra, no curto prazo, não
conduziria à maximização da taxa de crescimento econômico com os recursos disponíveis.
Assim, “não só haverá diminuição do crescimento potencial da oferta de bens e serviços, como
menor será a capacidade de absorção da crescente oferta de mão de obra”691.
Delfim Netto conclui:

O que é preciso, é encontrar formas mais eficazes de dinamizar o setor


industrial e corrigir ràpidamente as diferenças entre os custos privados e os
custos sociais derivados do descompasso entre os preços relativos da mão de
obra e capital e as disponibilidades reais dêsses fatôres. E, paralelamente,
enquanto não fôr possível absorver nos centros urbanos os excedentes de mão
de obra, utilizá-los com técnicas de mão de obra intensivas, na formação de
capital social através de uma inteligente ação governamental.
Em lugar de nos fixarmos na idéia de aproveitar a mão de obra excedente na
produção de alimentos, que tem crescido sempre que recebe estímulo da
demanda, devemos formular um programa de obras que a transforme em
capital social, proporcionando economias externas para todo o sistema
econômico.
Reduzido às suas verdadeiras proporções, parece-nos que o Estatuto da Terra
ainda que fôsse eficaz, modificaria de maneira muito pouco substancial o atual
panorama do desenvolvimento econômico brasileiro. Em compensação, êle
será um extraordinário aglutinador de fôrças de oposição ao Govêrno Federal.

687
Delfim Netto, [1965?], p.266.
688
Id., Ibid., p.271.
689
Id., Ibid., p.271-2, grifo do autor.
690
Id., Ibid., p.275-6, grifo do autor.
691
Delfim Netto et. al., 1965, p.9.
183

Seria lamentável, que o Sr. Presidente da República se deixasse dominar por


uma idéia fixa que não corresponde, de fato, ao problema real da sociedade
brasileira nêste momento e viesse a gastar na sua aprovação preciosas energias
de que o Brasil tanto necessita. 692
Para Delfim, o Programa de Ação Econômica do Governo (1964-66), lançado em 1964,
não estaria recebendo a devida atenção, “quer como um documento onde se equaciona
globalmente a situação brasileira, quer como uma nova tentativa metodológica de programação
global numa sociedade polìticamente descentralizada”693.
É necessário compreender suas críticas ao programa no que se refere ao capítulo da
agricultura, o único sobre o qual se debruçou no texto, durante um seminário realizado na
FCEA-USP em outubro de 1964. Delfim Netto resume o capítulo da agricultura no Programa
de Ação Econômica do Governo (PAEG) em três proposições fundamentais, ou melhor, o
Programa teria exposto três problemas da agricultura brasileira, a saber: a disparidade no
crescimento do setor agrícola comparado ao setor industrial, a expansão do setor agrícola
através da extensão da fronteira agrícola, em vez da adoção de novas práticas de exploração em
áreas tradicionalmente cultivadas, e o predomínio da itinerância na expansão do setor agrícola,
que seria pouco sensível para responder aos estímulos da demanda criados pela industrialização
e urbanização. O Programa concluiria que a expansão da economia brasileira estaria ameaçada
pela agricultura, um setor retardatário694.
Para refutar a primeira proposição do Programa, Delfim Netto enuncia que “Em
condições de ‘crescimento harmônico’, as taxas [de crescimento] dos dois setores deveriam
estar entre si como estão as elasticidades-renda das demandas de produtos agrícolas e
industriais”695. Como a taxa de crescimento entre agricultura e indústria atingira a proporção de
1:2,5, Delfim aponta brevemente para o fato de que a elasticidade-renda da demanda de
produtos agrícolas seria da ordem de 0,5, conforme citado no programa, enquanto a da demanda
de produtos industriais seria certamente maior que 1, ou seja, perfeitamente compatível com o
crescimento dos dois setores.696

Argumenta o programa que se existir uma disparidade entre a demanda e a


oferta de produtos agrícolas, os preços dos produtos agrícolas deverão crescer
mais ràpidamente do que os preços dos produtos industriais e os seus “efeitos
cumulativos, no tempo, representarão uma pressão inflacionista de
intensidade crescente”.

692
Delfim Netto, [1965?], p.276-8, grifo do autor.
693
Id., Ibid., p.265, p.279-80.
694
Cf. Id., Ibid.
695
Id., Ibid., p.282-3.
696
Cf. Id., Ibid.
184

É evidente que o argumento será válido apenas se a oferta a longo prazo dos
produtos agrícolas fôr inelástica com relação aos preços reais (hipótese
formulada na proposição 3). A prova da proposição é relativamente simples,
porque se dispõe de dados de preços para os dois setores.
Ao tentar prová-la, entretanto, o Programa fica em situação ainda mais
delicada do que o Plano Trienal quando fêz a mesma afirmação. De fato, no
Plano Trienal utilizaram-se os deflatores implícitos para provar que a
agricultura vem explorando a indústria, sem atentar para o fato de que o
deflator industrial parece possuir um sério viés para baixo. Na análise do Plano
Trienal, entretanto, muitos críticos mostraram êste ponto e apontaram para a
circunstância de que os índices de preço no atacado indicavam exatamente o
contrário.
Ora, como resolveu o problema o Programa? Simplesmente fornecendo as
duas informações contraditórias, sem dizer nada a respeito, a não ser que elas
“sugerem conclusão diferente”.
A primeira proposição não foi, portanto, provada. 697
Delfim passa para a segunda proposição.
À afirmação feita pelo PAEG de que o declínio da fertilidade nas áreas velhas não estaria
sendo compensado pelo emprego de nova tecnologia, ele contrapõe uma indagação: “E deveria
sê-lo?”698. Segundo Delfim, o Programa não se conformaria com o fato de que o aumento da
produção agrícola se devesse mais à ampliação da área que ao aumento da produtividade por
área. Para ele, “Há muitas razões pelas quais, nêste momento, é mais econômico do ponto de
vista individual e conveniente do ponto de vista social o crescimento em extensão do setor
agrícola”699.
Isso ocorreria, em primeiro lugar, porque o “empresário agrícola” 700 só investiria em
técnicas para a recuperação do solo velho quando os custos em transporte, derivados do
distanciamento em relação aos centros consumidores, fossem altos o suficiente para cobrir as
diferenças de produtividade entre as novas tecnologias e a produtividade natural das fronteiras
agrícolas. Em outras palavras, naquele momento seria menos rentável para os empresários
agrícolas investir em agricultura intensiva mais próxima aos centros urbanos do que expandir
as fronteiras agrícolas. Em segundo lugar, para Delfim, os dados mostrariam que a utilização
da força de trabalho seria quase proporcional ao aumento da área cultivada, o que absorveria o
excedente de mão-de-obra que não podia ser absorvido pelo setor industrial701.
Considerando que a produtividade marginal do capital seria “mais elevada no setor
industrial que no setor agrícola e quando se lembra que nêste setor existe maior possibilidade

697
Delfim Netto, [1965?], p.283-4.
698
Id., Ibid., p.287.
699
Id., Ibid., p.287.
700
Id., Ibid., p.287.
701
Cf. Id., Ibid.
185

de aplicação de técnicas poupadoras de capital”702, a situação descrita acima seria conveniente


para o país703:

Uma unidade de capital que possa ser utilizada alternativamente na agricultura


ou na indústria, deve ser aplicada no segundo setor. De fato, utilizando o
capital no setor industrial criamos emprêgo urbano e aumentamos a demanda
de produtos agrícolas, sem prejudicar em nada a produção, porque pode-se
supor que a produtividade marginal do trabalhador (ainda que não a
produtividade marginal do trabalho) seja nula.
Utilizando essa unidade de capital no setor agrícola temos que se libera mão
de obra (que não encontra emprêgo urbano), mas não se aumenta a produção
global: substitui-se mão de obra por capital.
Êsses resultados são evidentes quando se lembra que no nível atual da
economia brasileira, os fatôres capital e mão de obra são substitutos na
agricultuira e complementares na indústria. O grande problema da agricultura
brasileira é o aumento da sua demanda, a fim de que ela possa utilizar tôda a
sua potencialidade sem criar para si mesma, problemas de preço. Em outras
palavras, o grande problema da agricultura brasileira é o ampliar-se ainda mais
o desenvolvimento industrial.
Quando cresce em extensão, portanto, o setor agrícola permite não apenas que
se maximize a produtividade marginal do capital, mas também a taxa de
utilização da mão de obra, dois resultados altamente desejáveis em qualquer
caminho de expansão para o desenvolvimento.
A segunda proposição deixou, assim, de ser provada. 704
A terceira proposição igualmente não se sustentaria: “Em poucas palavras: as diferenças
apontadas entre oferta e procura, podem perfeitamente, pela sua magnitude, não indicar
qualquer disparidade real entre oferta e procura, mas ser consequência de êrros de
amostragem”705. Baseando-se em trabalho de Sergio Alberto Brandt, que trabalhava na Divisão
de Economia Rural da Secretaria da Agricultura do estado de São Paulo, Delfim afirma que
pequenas mudanças nos preços dos produtos agrícolas poderiam proporcionar aumentos da
oferta. Ao contrário do que afirmaria o Programa, a elasticidade-preço da oferta de produtos
agrícolas não seria próxima de zero.

É óbvio, entretanto, que como os produtos são de cultura alternativa, a


cobertura dos déficits implicaria em mudanças dos preços relativos.
Diante dêsses dados a terceira proposição é rejeitada. Isso mostra que a
conclusão do Programa é uma simples crença que emergiu da abundante
bibliografia cepalina sôbre o assunto.706
Fica patente que, neste trabalho de 1965, Delfim Netto não menciona mais a necessidade
da reforma agrária nordestina, mas propõe caminhos alternativos. Ele já vê o papel da
agricultura na industrialização, que é ampliar a oferta a baixos preços em extensão e

702
Delfim Netto, [1965?], p.290.
703
Cf. Id., Ibid.
704
Id., Ibid., p.290-1, grifo do autor.
705
Id., Ibid., p.296, grifo do autor.
706
Id., Ibid., p.298.
186

intensidade, e drenar mão-de-obra para os setores de maior produtividade e nos quais a


elasticidade da demanda cresce relativamente mais – o caso da demanda industrial.

3.4 – Síntese dos posicionamentos de Delfim Netto

Do início de sua carreira até 1965, Delfim Netto demarca sua posição em relação ao
paradigma estruturalista desenvolvido por Celso Furtado, expoente da Cepal no Brasil, ao
mudar os termos do debate para tentar superá-lo. Assim como Furtado, ele defende a alteração
de estruturas, mas se refere, não obstante, a variáveis fundamentalmente quantificáveis de
caráter histórico linear, sem que realmente se enfrentem as estruturas sociais e políticas do país.
Assim, Delfim Netto ingressa no universo furtadiano para refutá-lo, e o faz trazendo seu próprio
instrumental de análise. De alguma forma, ele segue o Roberto Campos liberto da influência
estruturalista.
Existe uma relação com os chamados “desenvolvimentistas nacionalistas” 707 que é
preciso mencionar. Estes eram os economistas que, grosso modo, encontravam-se no Clube dos
Economistas, na década de 1950, e publicavam na Revista Econômica Brasileira, e aqueles que
divulgavam suas ideias na revista Cadernos do Nosso Tempo, editada pelo Instituto Brasileiro
de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), que viria a se tornar o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb), entre outros, tais como Celso Furtado, Romulo Almeida, Lucio Meira,
Américo Barbosa de Oliveira, Accioly Borges etc. Para eles, de forma geral, o atraso da
economia e da sociedade brasileiras teria, como solução histórica, a industrialização planejada
e um conjunto de reformas econômicas e sociais708. Delfim Netto faz uma releitura disso, quase
como se quisesse dizer que, por exagerado sociologismo ou falta de conhecimento econômico,
os nacionalistas não percebem que a mecânica do desenvolvimento está dada e que é preciso
apenas aperfeiçoá-la. Para ele, os países capitalistas desenvolvidos já estavam caminhando no
sentido de um estado de coisas satisfatório, isto é, a maximização da taxa de desenvolvimento,
a extensão de seus benefícios a todos os cidadãos e a descentralização do poder político de
modo que esses cidadãos pudessem desfrutar livremente dos benefícios do desenvolvimento.
Delfim, por outro lado, acreditava na contribuição do capital estrangeiro para a
industrialização brasileira, ainda que, como os desenvolvimentistas nacionalistas, defendesse
limites e regras de atuação. Além disso, a internalização da produção de bens de capital não
parece ter importância fundamental contanto que houvesse recursos suficientes para a
importação dos bens necessários, o que foi um aspecto fundamental do milagre econômico.

707
Bielschowsky, 2000, p.127.
708
Cf. Id., Ibid.
187

Delfim Netto acreditava em medidas de curto prazo para o controle inflacionário e, em geral,
para a resolução de gargalos da economia. Um dos traços mais discrepantes entre Delfim e os
nacionalistas, além disso, diz respeito à preocupação com as condições de emprego, pobreza e
cultura da população brasileira. Delfim chegará a defender a reforma agrária no Nordeste e,
como medida integrada, a industrialização da região em benefício de todo o país. As questões
sociais, no entanto, passam longe do primeiro plano de suas preocupações, ou melhor, estão
associadas à realocação efetiva dos fatores produtivos, inclusive a mão-de-obra através da
educação para o aumento da produtividade, com menos pessoas no campo, salários módicos, o
que, portanto, subordina-se ao planejamento em favor da acumulação de capital. O Brasil
poderia se industrializar sobre a desigualdade.
As decisões da sociedade sobre o processo de produção são dissociadas da distribuição
do poder político, da organização social e das contradições assim criadas, que se tornam, assim,
variáveis intervenientes em seu modelo. O planejamento, neutro em si mesmo, daria conta das
decisões sobre o processo de produção. Tomadas tais decisões pelos planejadores, ou seja, o
setor tecnocrático – sob o manto da coletividade –, restaria a tarefa de retrair o consumo global
para reinvestir a taxa do produto no nível estabelecido como necessário. Essa retração teria dois
caminhos: o primeiro seria o surgimento de uma vontade nacional, que o próprio Delfim
considera mística, acima dos desejos particulares, que se objetivasse em uma liderança política
consentida, capaz de conciliar, em certa medida, as classes em luta pelo produto global e de
realizar a poupança através do sistema tributário. O segundo caminho seria a coação política,
necessária para que as classes sociais do lado fraco da desigualdade fossem contidas à força.
Em outras palavras e ainda utilizando os termos de Delfim Netto, seria o único meio efetivo
para que a coletividade de um país subdesenvolvido suportasse o sacrifício do desenvolvimento
econômico acelerado.
Delfim Netto faz uma consideração superficial a respeito da especificidade do
capitalismo no Brasil, que é levada em conta apenas quando devidamente quantificada e pronta
para ser colocada em modelos. Embora supostamente houvesse vários caminhos para o
desenvolvimento, o caminho ótimo seguiria os passos que teriam sido seguidos de uma forma
ou de outra pelos EUA e Europa Ocidental no século XIX e pelo Japão e União Soviética no
século XX. Nesse sentido, o país estaria apenas aplicando um modelo de sucesso disponível a
qualquer país: acumulação de capital puxada pela indústria. Trata-se, então, de sanar as
imperfeições impregnadas na economia brasileira de modo que ela pudesse decolar, e seu
desenvolvimento pudesse adquirir o automatismo característico das economias centrais.
188

Em relação à agricultura, Delfim Netto defende principalmente o aumento da


produtividade. Embora ele tenha aventado a possibilidade de alterar a estrutura da propriedade,
essa não seria uma condição sine qua non. Trata-se, isto sim, de fortalecer o papel que a
agricultura deve desempenhar no interior do processo de industrialização e, portanto, do
desenvolvimento econômico: a liberação de braços para a indústria, o aumento da capacidade
para importar, o barateamento dos produtos – com maior fornecimento de divisas – através do
aumento da produtividade e a constituição de um mercado consumidor agrícola para os
produtos industriais.
Com base nesses elementos, Delfim Netto concebe que o subdesenvolvimento é um
estado temporário. Essa característica tem importância não apenas por revelar o modus
operandi da produção intelectual do autor, mas também, o que não é pouco, por revelar
efetivamente aquilo que, em termos econômicos e sob a ótica de Delfim, representava o atraso
brasileiro. Nesse sentido, Delfim Netto não se preocupava em levar em conta a análise do atraso
brasileiro nos termos em que autores nacionalistas o colocavam. Para ele, não importava a
estrutura das classes sociais e menos ainda suas raízes históricas, a não ser à medida que
afetavam a eficiência econômica da sociedade em seus diferentes setores e espaços.
Em outras palavras, assumindo a postura de que há um caminho ótimo de
desenvolvimento para todas as economias capitalistas, Delfim Netto pretendeu revelar os
elementos ilógicos do sistema em que operava o Brasil comparando-o com as economias
capitalistas avançadas. Essa revelação não irá se materializar na defesa de rupturas como a
reforma agrária para que se desse fim a uma classe dominante representante do atraso, por
exemplo, conforme defenderam vários nomes nacionalistas como Furtado, mas sim na defesa
de medidas de política econômica por parte do poder central que conduzissem todo o sistema à
lógica capitalista em sua maior efetividade possível dentro das condições dadas.
Assim, Delfim se incumbiu da tarefa de fornecer ao Estado o manual de instruções para
a superação do subdesenvolvimento brasileiro com base no melhor conhecimento possível da
realidade, nos termos da ciência econômica do seu tempo. Desse fato decorrem seus trunfos e
suas fraquezas, e certamente se encontra na sua forma de atuação como tecnocrata. Em termos
gerais, esse manual de instruções tomou a forma de modelos matemáticos que Delfim Netto
construiu baseando-se nos modelos desenvolvidos nos países centrais do capitalismo, mas
reformulados sobre as bases dos dados científicos da realidade nacional. A confecção cuidadosa
e a verificação de dezenas de modelos serviriam aos propósitos do desenvolvimento nos termos
colocados por ele, desde a determinação do tamanho mais produtivo da propriedade agrícola e
da determinação da parcela do excedente que deveria ser reinvestida na produção até as
189

instruções detalhadas para se combater a inflação com base em estudos minuciosos sobre suas
causas e a definição do preço mais adequado para a taxa de câmbio.
Desse modo, Delfim Netto se empenhou no alcance de resultados formais dos modelos
econômicos aplicados à realidade. Não havia uma utopia. Eliminada a possibilidade de um
processo de desenvolvimento inclusivo e democrático, seu trabalho perfeccionista poderia
servir com primor a interesses diversos que possuíssem em comum a postulação da acumulação
de capital independentemente de seus custos sociais.
191

Capítulo 4 – A economia política da ditadura militar, 1964-74

Delfim (no centro) e os assessores que levou de São Paulo para o Ministério da Fazenda, no Rio, em março de
1967, um dia antes da posse. Fonte: Valor Econômico, “O Homem que se Reinventou”, 2012.

Neste capítulo, buscamos desvendar o pensamento e a atuação política de Delfim Netto


no interior da conjuntura política e econômica dos anos 1960 no Brasil. Na seção 4.1, buscamos
compreender as disputas internas do regime surgido com o Golpe e, assim, traçar alguns
elementos essenciais na escolha de Delfim Netto como o líder e porta-voz do novo caminho de
desenvolvimento para o capitalismo no Brasil. Em seguida, na seção 4.2, apresentamos os
elementos mais importantes do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), cujos
objetivos declarados foram combater a inflação, reformar o sistema financeiro nacional,
diminuir as desigualdades sociais e atrair investimentos externos. Depois disso, na seção 4.3,
analisamos o pensamento de Delfim Netto enquanto homem público, de sua nomeação para a
Secretaria da Fazenda de São Paulo em 1966, passando por sua nomeação para ministro da
Fazenda em 1967, até o fim do governo Médici em 1974 e, enfim, a espécie de exílio político
de Delfim em Paris. Na seção 4.4, expomos e interpretamos o milagre econômico (1968-73) e,
na seção 4.5, analisamos a visão posterior de Delfim em relação ao fenômeno.
Antes de ser alçado ao seu primeiro grande cargo político em 1966, quando assumiu,
por indicação de Roberto Campos, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo no governo
Laudo Natel, Delfim Netto já tinha construído uma “rede” que lhe dava cada vez mais acesso a
instâncias determinantes. Sua trajetória foi rápida. Doutorou-se em 1958, quando foi eleito vice-
192

presidente da Ordem dos Economistas de São Paulo, além de se tornar assessor econômico da
Associação Comercial de São Paulo, onde teve acesso a especialistas estrangeiros de inclinação
liberal, e integrar, a partir de 1959, a equipe de planejamento do governador paulista Carvalho
Pinto. Em 1963, Delfim Netto se torna catedrático em Análise Macroeconômica na
Universidade de São Paulo com seu livro de 1962, Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, que seria reeditado em 1966. No mesmo ano em que Delfim
publica Alguns Aspectos da Inflação Brasileira, 1965, ele ingressa no Conselho Nacional de
Economia por indicação de Roberto Campos e no Conselho Consultivo de Planejamento
(CONSPLAN), órgão de assessoria econômica do governo Castelo Branco. Em seguida, em
1966, participa do Encontro de Itaipava e consolida sua importância na determinação dos rumos
das ciências econômicas no Brasil através de atuação teórica e prática na formulação e
desenvolvimento de cursos de pós-graduação em Economia. Ele participa inclusive no
levantamento de recursos para as atividades do IPE-USP. Sua influência na FEA-USP é
testemunhada pelo fato de que muitos de seus alunos próximos, incluindo parte dos Delfim
Boys, tornaram-se professores na mesma faculdade.
De 1966 a 1974, Delfim teve vigorosa produção intelectual, embora seja de tipo
diferente daquela apresentada até então. Além dos diversos artigos e discursos que publicou ao
longo do período como ministro a partir de 1967, também republicou e escreveu obras mais
extensas. Em 1966, reeditou seu livro Alguns Problemas do Planejamento para o
Desenvolvimento Econômico, de 1962, sem mudanças substanciais no conteúdo, com a
alteração do título para Planejamento para o Desenvolvimento Econômico – o que, como já
aventamos, não é um acontecimento irrelevante naquele contexto histórico e pode ter
representado uma forma de extrapolar o universo acadêmico de modo a buscar visibilidade. Em
1967, publicou O Café do Brasil, em parceria com Carlos Alberto de Andrade Pinto. No ano
seguinte, escreveu um relatório sobre a política econômica e financeira que vinha sendo
desenvolvida por ele desde 1967 como ministro da Fazenda, em cuja contracapa se inscrevia
“Para uso exclusivo dos membros do Congresso Nacional”709, tendo sido esse documento
preparado no início de 1968 para uma exposição na Câmara dos Deputados em março de
1968710. Em 1969, publicou um livro em parceria com Affonso Celso Pastore e Eduardo Pereira
de Carvalho, intitulado Agricultura e Desenvolvimento no Brasil. Em 1970, teve publicado seu
curso de Economia Brasileira na FCEA-USP como parte do Curso de Economia Regional que
foi ministrado na mesma faculdade. Todo o restante de sua produção intelectual até 1974, com

709
Delfim Netto, 1968f.
710
Macarini, 2006, p.488.
193

exceção de dois prefácios em 1973 e 74, consistiu de discursos, palestras, depoimentos em


jornais e declarações públicas.
A partir desse ano, 1967, Delfim Netto passou a tratar as variáveis de política econômica
com mais especificidade – da taxa de juros à política cambial, passando pela inflação, política
salarial e assim por diante. O período é marcado por discursos e palestras como ministro, ou
seja, sua particularidade é que as próprias concepções e afirmações de Delfim estão carregadas
da aura oficial do cargo. Em linhas gerais, pouco se altera em relação ao que foi teorizado até
então. Ele reconhece de forma mais madura os conflitos de interesse presentes na sociedade
brasileira e, de início, tenta concertá-los em torno do ideal do desenvolvimento conforme ele o
concebia. Com base nos conflitos cada vez mais acirrados, Delfim Netto reafirma, em 1968, a
alternativa da coação política ao defender que o Ato Institucional nº 5 (AI-5) seria insuficiente
para realizar as modificações de que o Brasil carecia. A própria Constituição de 1967 deveria
poder ser alterada.
Delfim continua a defender que o mercado externo seria a melhor saída para superar os
gargalos que obstariam o desenvolvimento brasileiro. Seu papel seria, entre outras coisas, o de
uma espécie de amortecedor para as tensões inflacionárias até que se concluíssem as alterações
necessárias na estrutura produtiva do país sob a égide do governo.
É interessante notar que Delfim Netto defendia um projeto político que passava pela
constituição de uma burguesia nacional. O Estado deveria fazer aquilo que os empresários não
teriam sido capazes até então e, assim, dar-lhes o impulso para o amadurecimento como classe
social. Nesse sentido, segundo Delfim, os militares no poder, supostamente neutros e sem
compromissos classistas, seriam o meio perfeito para a modernização do país e a superação do
atraso. Durante todo o período, Delfim Netto busca caracterizar as questões econômicas como
meramente técnicas, ou seja, assunto para especialistas, como se verá adiante. Essa produção
intelectual será aqui colocada à prova. Depois de apresentarmos o PAEG e o modo como Delfim
Netto interpretou a política econômica de 1964 a 1967, analisaremos o milagre econômico
através de seus dados reais e partindo das principais medidas de política econômica que lhe
serviram de base.
Para que se caminhe em direção à compreensão da ação política de Delfim Netto em
seu papel de tecnocrata, esse capítulo discute sua forma de inserção na ditadura militar. O
regime autocrático que se seguiu ao Golpe de 1964, em primeiro lugar, teve características
peculiares em relação àqueles que se instauraram em outros países periféricos, como a
194

Argentina e o Chile. O regime político brasileiro passou por diferentes arranjos institucionais711
e, entre 1968 e 1974, apesar da inequívoca permanência de contradições internas, delimitam-se
mais claramente as forças dominantes e os espaços de poder.
Isso nos interessa porque significa que, no interior do movimento golpista, diferentes
grupos com projetos nacionais excludentes tiveram de disputar espaço de atuação. Não
obstante, a frustrada tentativa golpista em 1961 ensinou a lição de que uma base social de apoio
mais ampla era necessária para o sucesso da empreitada golpista712. A necessidade de
acomodação de diversos interesses levou, por isso, em 1964, a que não houvesse um movimento
propositivo prontamente após a tomada de poder, mas garantiu a sobrevivência do regime
político enquanto se realizavam as disputas hegemônicas em seu interior. Essa relativa
estabilidade política, então, serviu como base para as disputas entre as diferentes facções das
classes dominantes, garantindo, ao mesmo tempo, o controle irremovível das liberdades
políticas dos trabalhadores urbanos e rurais, dos estudantes e dos movimentos sociais. A partir
de 1968, esse jogo político resulta na hegemonia de um projeto nacional que, priorizando o
crescimento econômico, leva o bolo a crescer consideravelmente, mas falha em se apresentar
como processo sustentável de crescimento econômico ao enfrentar crises que revelam suas
deficiências intrínsecas.
Partimos da constatação de que a primeira metade da década de 1960 representou um
divisor de águas na história brasileira, pois a realidade social e econômica do país exigia, cada
vez mais, a tomada de posicionamento por parte dos diferentes atores sociais. Como se
depreende dos três primeiros capítulos dessa pesquisa, pode-se dizer que tal exigência se deveu
ao fato de que o desenvolvimento brasileiro se encontrava em uma encruzilhada, e a decisão a
respeito de seu encaminhamento coletivo – isto é, no âmbito político – era condição necessária
para o estabelecimento de objetivos claros por parte do Estado, que deveria alçá-lo a uma nova
fase.
Desenharam-se vários caminhos possíveis ao longo das décadas anteriores, mas dois se
sobressaíram e se tornaram hegemônicos. Grosso modo, o primeiro, nacionalista e democrático,
tomou forma mais concreta no interior do projeto político-econômico de João Goulart com a
participação de Celso Furtado. O segundo, não nacionalista e autocrático, foi aquele que venceu
em 1964. Ele representou o surgimento de uma coalização que, antes de mais nada, vetaria a
qualquer custo o caminho das massas, e que apenas posteriormente discutiria e negociaria a
viabilidade de um projeto específico.

711
Cf. Cruz & Martins, 2008.
712
Cf. Id., Ibid.; Chirio, 2012.
195

A falta de unanimidade na definição do caminho que seria construído após a destruição


do primeiro projeto refletiu-se claramente nas disputas internas do novo regime surgido com o
Golpe de 1964. Um de seus poucos denominadores comuns foi a alegada necessidade de
contenção do comunismo e a consequente internacionalização da economia brasileira com
apoio militar e financeiro dos Estados Unidos e, como tentaremos mostrar adiante, das elites
econômicas do Sudeste.
Tais disputas internas levaram ao ajustamento do componente autocrático do regime ao
sabor das circunstâncias e, pelo modo como se deram, o qual veremos adiante, rapidamente
produziram desgosto nos representantes políticos das classes dominantes que haviam apoiado
o Golpe – particularmente no Sudeste do Brasil, como é o caso de Adhemar de Barros e Carlos
Lacerda, entre tantos outros, que, mais cedo ou mais tarde, tornaram-se opositores ao regime713.
Nesse ínterim, o discurso anticomunista e de segurança nacional foi importante e
recorrente714. Tal discurso, assim como as denúncias genéricas contra a corrupção, foi a escusa
para que as facções burguesas dominantes no Brasil abandonassem quaisquer anseios de uma
coalização democrática com as classes trabalhadoras. Essas facções assistem, então, inertes à
tomada de poder pelos militares e lhes confiam seu poder político – tolerando o recorrente
fechamento do Congresso, o cerceamento das liberdades democráticas e mesmo a tortura de
seus próprios líderes políticos, intelectuais, jornalistas etc. – em benefício de seus interesses
corporativos. Vamos tentar discutir a inserção de Delfim Netto nesse contexto político
brasileiro mais amplo. Dessa forma, buscaremos compreender em que medida o milagre foi
mesmo do Delfim, bem como a quem serviu esse movimento real com homônimo sagrado.

4.1. – O sorbonismo, a linha dura e a escolha de Delfim Netto

Composto por forças amplas, o movimento golpista se baseou em uma complexa


coalizão que reunia “praticamente todas as facções das classes dominantes (do rural ao urbano,
do arcaico ao moderno, do nacional ao estrangeiro, do produtivo ao parasitário) juntamente com
ponderáveis parcelas da pequena-burguesia, das profissões liberais e da nova classe média
burocratizada, com suas respectivas representações no plano político-partidário”715. Sua face
militar integrava correntes igualmente díspares, como “legalistas históricos” e “conspiradores
incansáveis”716.

713
Cf. Chirio, 2012.
714
Cf. Chirio, 2012; Cruz & Martins, 2008.
715
Cruz & Martins, 2008, p.12.
716
Id., Ibid., p.12.
196

A despeito da falta de unanimidade, havia polos de atração no sistema político brasileiro


nos anos 1960. Um deles foi o chamado sorbonismo. Tratava-se de uma corrente de pensamento
que tomou corpo majoritariamente no meio militar no Brasil, mas que também teve seus adeptos
civis; como tal, apresentou uma alternativa real de poder para a consolidação dos caminhos
trilhados com o Plano de Metas de JK. A origem social do movimento remete à participação
dos militares em diferentes movimentos nas décadas anteriores: a chamada Revolução de 1932,
a resistência contra Vargas e o Estado Novo e a aliança com os Estados Unidos na Segunda
Guerra Mundial.
A Escola Superior de Guerra, criada em 1949 sob o fantasma da Guerra Fria e
diretamente subordinada ao Ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas,
destinada a desenvolver e a consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções
de assessoramento e direção superior e para o planejamento do mais alto nível, era um recanto
do sorbonismo que assumiria cada vez mais um papel relevante nas discussões sobre o
desenvolvimento da nação. De fato, após o Golpe de 1964, os partidários da ESG, isto é, os
sorbonistas, consideravam-se a força político-ideológica mais qualificada para dirigir a coalizão
golpista. Isso se deveu ao fato de que, ao longo da década de 1950 e da primeira metade da
década de 1960, os militares se deram conta de sua capacidade de formular questões atinentes
ao desenvolvimento brasileiro e oferecer saídas viáveis. Seu pensador político mais influente
foi o general Golbery, enquanto seu mais influente pensador econômico foi ninguém menos
que o próprio Roberto Campos agora completamente liberto da influência do estruturalismo.717
Castelo Branco, munido de um invejável desempenho acadêmico, de sua reputação de
apolítico e legalista e de sua excelente folha de combate, além de sua posição hierárquica
dominante, recebeu apoio geral dos líderes militares e civis do movimento golpista para assumir
a Presidência. De fato, Castelo esperava devolver o poder aos civis na data prevista para as
próximas eleições presidenciais, marcadas para 1965, isto é, assumia como sua função principal
a normalização política do país. Em pouco tempo, no entanto, os líderes do movimento golpista
passaram a compartilhar o sentimento de que seus objetivos não poderiam ser realizados por
civis, e eles mesmos teriam de se lançar às reformas necessárias para o Brasil 718. Antes da
definição dos rumos específicos que tomaria a intervenção militar, tornou-se consenso que a
tarefa a ser realizada era imensa.
Tal compreensão materializou-se particularmente em três decisões de grande impacto:
a cassação dos direitos políticos de muitos adversários militares e civis do movimento por dez

717
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012; Stepan, 1975.
718
Cf. Stepan, 1975; Chirio, 2012.
197

anos; a imposição de uma política estrita de estabilização e desenvolvimento; e a rejeição, por


Castelo, da ideia de um governo de um homem só, já que a obediência às exigências
constitucionais de um mandato presidencial fixo mantinha certa imagem de legitimidade
democrática719.
Dados esses primeiros passos, tratava-se agora da determinação de rumos. Fiel a sua
origem no grupo sorbonista, Castelo visualizava o futuro do Brasil como um regime político
liberal-democrático moderno, tal como ele o viu nos Estados Unidos. Suas primeiras propostas
tentaram instaurar o grosso de suas concepções: a proposta da reforma agrária através do
Estatuto da Terra, que instaurava o imposto territorial progressivo destinado a que latifúndios
ou aumentassem sua produtividade, ou fossem vendidos, com apoio governamental para o
estabelecimento de uma pequena burguesia rural, autônoma e competitiva; a proposta da
reforma da administração pública, com o objetivo de racionalizar a burocracia estatal e, no
plano político-partidário, acabar com as políticas clientelistas do PSD e do PSP, que
bloqueavam a alternância no poder; e a proposta de uma reforma destinada a retirar o poder de
patronagem do PTB resultante da inserção dos sindicatos no aparelho estatal 720.
Dessa maneira, os partidários do sorbonismo viam a vitória de 1964 como a
possibilidade de viabilização do conjunto de reformas que defendiam. Suas ambições no plano
político-econômico eram grandes: ascendem ao poder munidos “de um amplo programa de
reformas destinadas à expansão do capitalismo no país e a viabilizar a plena configuração do
modelo de desenvolvimento esboçado na segunda metade da década”721 de 1950, a partir do
Plano de Metas.
Em seus anos como presidente, Castelo dedicou todo seu esforço para isolar política e
economia, de modo que essa última ficasse a cargo dos detentores do saber, da ciência, dos
tecnocratas. Com base nas dimensões de sua tarefa e no tempo exíguo, ele passa a legislar por
decretos em ritmo frenético722.
Sua ascensão ao poder, no entanto, apesar de se apresentar como alternativa à desordem
generalizada seguida do golpe, parece ter transformado essa desordem em um conflito binário:
por um lado, o poder castelista diluído nas instituições democráticas anteriores e sua base
militar, e, por outro, os grupos diversos que participaram do golpe e que, apesar de dispersos,
estavam mais ou menos integrados ao aparelho de Estado – particularmente nas recém criadas

719
Cf. Stepan, 1975.
720
Cf. Cruz & Martins, 2008.
721
Id., Ibid., p.33.
722
Cf. Id., Ibid.
198

comissões de inquérito policial-militar723 – e passaram a se aglutinar, como mostraria o ano


seguinte, atrás da bandeira de uma eclética “linha dura”724.
Quando das eleições diretas para governador em outubro de 1965, a oposição civil ao
regime foi vitoriosa em 5 dos 11 estados. Isso provocou uma reação agressiva de alguns oficiais,
que ameaçaram derrubar Castelo. Empurrado para a defensiva, essa foi a deixa para a edição
do Ato Institucional número 2. O AI-2 estabeleceu uma série de novos mecanismos autocráticos
que possibilitaram o recrudescimento da repressão, além de reforçar mecanismos já usados
desde 1964: a cassação de mandatos, a suspensão de direitos políticos, a limitação da livre
manifestação do pensamento, a utilização de foro militar aos civis, a extinção dos partidos
políticos, entre outros. Desse modo, o AI-2 representa uma vitória da chamada linha dura e
abre, por assim dizer, a perspectiva de um regime militar na esteira de uma intervenção militar.
A linha dura, cuja gênese não discutiremos aqui 725, simboliza a aglutinação de oficiais com
discursos de extrema-direita, que defendiam o expurgo radical dos opositores ao regime e, cada
vez mais, um conjunto de medidas econômicas que consideravam nacionalistas. Roberto
Campos se tornou um alvo privilegiado, e seria apelidado “Bob Fields, assecla do imperialismo
norte-americano”726 por seus detratores.
A crise que resultou na edição do AI-2 evidencia a necessidade latente, no interior do
governo militar, de manter os civis distantes do poder. Nesse momento, sofrendo pressões
sucessivas dos militares e prevendo o agravamento da crise, Castelo busca ainda a criação de
instituições como arma de defesa de seu projeto. Em sua lógica, a institucionalização de alguns
mecanismos garantiria a continuidade da sua revolução, por um lado, e conteria a oposição da
extrema-direita, que, como já vimos, ameaçava-o de destituição, por outro. Na esteira do AI-2,
portanto, foi elaborada uma nova Constituição, e promulgadas as Leis de Imprensa e de
Segurança Nacional. Dessa maneira, Castelo progressivamente abandonou sua posição de
delegado da revolução, em que compunha com o PSD e a UDN, e se engajou na execução de
políticas destinadas a conservar seu projeto econômico e social após o fim de seu mandato.
Alianças com políticos civis se tornaram cada vez menos viáveis, pois, do ponto de vista dos
militares, esses carregavam a aura de corruptos, representantes das oligarquias parasitárias e
contrários aos interesses da nação.727

723
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
724
Chirio, 2012, p.49.
725
Para uma descrição detalhada da gênese e desenvolvimento das inclinações de linha dura, cf. Chirio, 2012.
726
Chirio, 2012, p.85.
727
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
199

Apesar de representar uma alternativa de desenvolvimento, no entanto, o sorbonismo se


revelou desfavorecido na correlação de forças no seio das Forças Armadas. Daí a corrida de
Castelo Branco para institucionalizar suas reformas e, ao mesmo tempo, a cessão contínua aos
militares da extrema direita, que acenavam mais e mais com seu radicalismo repressivo
associado a posições econômicas nacionalistas opostas à abertura ao capital estrangeiro de
Campos, ministro do Planejamento, e Bulhões, ministro da Fazenda. Parcialmente, no entanto,
as discordâncias por parte da oposição militar foram uma estratégia para a afirmação de seu
papel político no novo regime. Multiplicaram-se atos de indisciplina, e dois grupos políticos
surgem no interior das Forças Armadas com base nos posicionamentos da linha dura – a Lider
e o grupo de Boaventura, que menosprezavam um ao outro devido a uma série de diferenças
internas.728
Não é nosso objetivo analisar esses dois movimentos, mas é possível afirmar que a
chamada linha dura não é um partido político e nem um grupo coeso; representa, antes, uma
espécie de refúgio para os opositores de extrema-direita ao governo Castelo Branco. De todo
modo, esses opositores têm, em geral, patente intermediária – são de uma geração mais jovem
que os generais de quatro estrelas, grupo em que se inclui Castelo – e tentam extrair sua
legitimidade da lógica numérica, isto é, apelam à opinião dos quartéis.
Apesar das contínuas concessões, Castelo também busca conter politicamente a crise
latente: sempre reafirma, de modo firme e direto, que as Forças Armadas não são um partido
político e, como tal, seus membros não têm o direito de expressar aprovação nem reprovação
em relação ao governo. Com isso, ele começa a construir aquilo que se cristalizaria nos anos
seguintes, particularmente a partir de 1967: a ditadura militar brasileira não era um regime de
um homem só, mas muito menos extraía sua legitimidade da massa dos oficiais; com o passar
do tempo e os sucessivos embates internos, tornou-se um “regime de generais”729 duradouro.730
O AI-2 e as outras medidas tomadas por Castelo naturalmente afastaram ainda mais os
políticos civis do poder. Os três estados brasileiros que tinham fornecido grande apoio ao
movimento golpista de 64, inclusive através de seus representantes políticos, foram São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro. Seus governadores, respectivamente Adhemar de Barros,
Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, foram grandes agitadores que contribuíram para a
desestabilização do governo de João Goulart. Os três eram pré-candidatos às eleições
presidenciais que deveriam ocorrer em 1965 e que foram canceladas por Castelo. Por ora com

728
Cf. Chirio, 2012.
729
Id., Ibid. p.73.
730
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
200

a exceção de Lacerda, eles eram vistos como representantes das oligarquias e encarnariam o
próprio mal que haveria de ser extirpado da política brasileira. A base política de Adhemar de
Barros, em especial, representava “uma ameaça ao desejo dos militares de controlar, em toda a
nação, o sistema político federal”731.
Carlos Lacerda seria o único político civil que teria partidários militares – até a edição
do AI-5, no fim de 1968. Politicamente hábil, realizava discursos suficientemente vagos para
angariar o maior apoio político possível de civis e militares. Teve grande influência
particularmente em uma das facções que inclui a chamada linha dura. Seu destino, entretanto,
foi o mesmo de seus colegas paulista e mineiro ao tentar criar uma Frente Ampla, que reunia
desde o MDB a deputados da ARENA insatisfeitos e até mesmo militares de linha dura. Os
acontecimentos o levaram a expandir cada vez mais essa Frente Ampla, que, após receber apoio
do cassado Juscelino Kubitschek, em 1966, compôs com João Goulart no chamado Pacto de
Montevidéu, em 1967. Nessa ocasião, Lacerda acusa as Forças Armadas de perverterem a
própria revolução e aponta os assalariados como as maiores vítimas do regime; a solução,
segundo ele, seria desenvolver o mercado interno e combater os baixos salários. Esse foi seu
autoperpetrado golpe de misericórdia, que o levaria à prisão poucos dias após a edição do AI-
5.
A escalada do autoritarismo e da desunião interna, já em 1965, certamente refletiram o
fato de que o acordo sobre a necessidade de intervenção armada não se traduziu imediatamente
em um acordo em relação a um regime militar e suas políticas específicas. Por outro lado, os
militares uniam-se no temor do retorno daqueles que haviam sido expurgados do sistema
político: esses poderiam voltar politicamente favorecidos e, não apenas isso, poderiam lhes ser
hostis. Dessa maneira, com os inimigos em comum à espreita – o comunismo, os representantes
políticos das oligarquias e os corruptos –, os conflitos políticos dos militares teriam de ser
resolvidos interna e pacificamente, ou seja, através da política732.
É nesse ínterim que se fortalece um personagem político que não possuía qualquer
atributo de intelectual. O general Costa e Silva, ministro da Guerra de Castelo e também um
dos poucos generais de quatro estrelas, viu ali espaço para sua atuação. Posicionado à direita
de Castelo, Costa e Silva não era e nunca seria membro daquilo que ficou conhecido como linha
dura. Diante da ameaça e constante insatisfação por parte dos militares assim designados, Costa
e Silva atuou simultaneamente como pacificador de ânimos e representante desses numerosos
dissidentes. Conteve crises políticas, em particular a de outubro de 1965, em nome deles diante

731
Stepan, 1975, p.160.
732
Cf. Stepan, 1975.
201

de Castelo, mas defendeu, como esse, o respeito à hierarquia militar. Dessa maneira, Costa e
Silva adquiriu a reputação de líder político de setores militares insatisfeitos e, embora haja
consenso de que ele facilmente poderia ter liderado um golpe contra Castelo, optou por se lançar
como candidato à Presidência nas próximas “eleições”. Sua legitimidade proviria dos quartéis,
os quais ele cooptou através da combinação de sua patente, de suas credenciais como
revolucionário e de posições mais autoritárias e correspondentes aos anseios da oposição
extrema-direita militar – à medida que defendiam uma ditadura militar sem a ingerência de
civis, cujos representantes políticos eram acusados de fisiologismo. Costa e Silva, mostrando-
se um líder forte, também realizou uma oportuna guinada à direita de seu discurso, o que lhe
ajudou a cooptar mais militares: em seu último discurso antes da promulgação do AI-2,
realizado de improviso por Costa e Silva na presença de Castelo Branco e contrariando a ordem
de precedência ao discursar depois do presidente, o ministro da Guerra ataca o presidente do
Superior Tribunal Federal (STF) e fala em uma “’ditadura judiciária’” conservada por um
“’misticismo civilista’”733. Então conclui: “’[...] disseram alhures que o presidente da República
estava fraco politicamente. Não nos importa! Se ele estiver fraco politicamente, está forte
militarmente’”734.
Diante de todas essas circunstâncias, Costa e Silva tem a sua candidatura à Presidência
rapidamente aceita por muitos oficiais superiores. Nesse momento, a opinião dos quartéis
pareceu ter se tornado a fonte máxima de legitimidade do poder, o que representou um golpe
temporário contra Castelo e sua tentativa de aplicar medidas de despolitização e de controle da
instituição militar735. A continuidade das políticas de Castelo Branco por Costa e Silva, caso
eleito, dependeriam do sucesso dessas políticas diante do conjunto das Forças Armadas; no
entanto, Castelo se opunha abertamente à candidatura de Costa e Silva não porque não fossem
velhos companheiros, mas porque temia a mudança da base política do regime caso Costa e
Silva fosse eleito736.
O governo de Castelo, como o primeiro governo do regime militar, instituiu muitos
programas políticos novos. Stepan destaca quatro características desse governo:

[...] (1) uma ativa política externa anticomunista, baseada na interdependência


do mundo livre; (2) uma preferência por um sistema de empresa semilivre,
apoiado e orientado por um forte governo central; (3) uma aversão e
desconfiança pelo “nacionalismo irracional” e uma ênfase sobre as soluções

733
Costa e Silva apud Chirio, 2012, p.79.
734
Chirio, 2012, p.79.
735
Cf. Id., Ibid.
736
Cf. Stepan, 1975.
202

“realistas e técnicas”; e (4) uma confiança intelectual na democracia que


aceitasse a necessidade prática de tutela temporária. 737
Os Estados Unidos eram vistos pelo governo de Castelo como um grande aliado. Sua
política econômica, que veremos mais à frente, objetivou a eliminação da inflação através do
controle da espiral de preços e salários e da redução dos constantes déficits governamentais
financiados com emissão de papel-moeda. Desse modo, foi uma política econômica marcada
pela austeridade, ainda que de maneira gradualista. Para isso, Castelo procurou apoio político,
econômico e militar nos Estados Unidos. Ele recebeu bem o capital estrangeiro para ajudar a
desenvolver o potencial brasileiro e revogou a proibição de exploração dos imensos e
inexplorados depósitos de minério de ferro no Brasil.738
Em seu penúltimo discurso como presidente, já pensando em seu legado, Castelo Branco
se referiu à ESG como um exemplo único de “’antecipação de idéias’”739 ao afirmar que as
doutrinas de segurança nacional e desenvolvimento produzidas na escola haviam sido
incorporadas por seu governo nas leis, organizações e constituição brasileiras.
Quando Costa e Silva, com posicionamento muitas vezes ambíguo, assume o poder, ele
põe fim ao confronto binário que se ergueu com a posse de Castelo e deixa aberta a porta a
todos os grupos. Muitos oficiais da linha dura recebem postos de comando e são integrados ao
aparelho de Estado, mas Costa e Silva segue a política castelista de despolitização da
oficialidade intermediária. Ele ainda nomeia o general Afonso de Albuquerque Lima como seu
ministro do Interior. Lima se alinhava ao posicionamento de linha dura e era um general com
vasta reputação. Suas posições eram marcadas pelo anticomunismo, o antigetulismo e, a partir
dos anos 1950, pelo nacionalismo, o que lhe rendeu, no início da década de 1960, a apresentação
de uma série de cursos promovidos pela Cepal sobre os problemas do desenvolvimento
econômico e a participação na criação da Sudene sob o comando de Celso Furtado.
Costa e Silva nomeou o general Aurélio de Lyra como seu ministro do Exército (ex-
ministro da Guerra), considerado membro da Sorbonne militar. Por outro lado, também
mantinha acesa a esperança de humanização e abertura do regime, o que lhe rendeu apoio do
próprio MDB, a oposição no Congresso. Muitos de seus ministros, por fim, não tinham filiação
facciosa ou simpatias políticas pela extrema-direita.740

737
Stepan, 1975, p.167.
738
Cf. Id., Ibid.
739
Castelo Branco apud Stepan, 1975, p.179.
740
Cf. Chirio, 2012.
203

Seu governo, enfim, assistiria a um complexo jogo político intramilitar que compreende
três fenômenos determinantes na evolução do regime: a construção de um consenso militar em
torno de uma guinada autoritária; a persistência de protestos de militares desestabilizando o
poder; e a instalação definitiva de um regime de generais741.
Continuamente, militares próximos às inclinações de linha dura buscaram eleger
candidatos presidenciais próprios, mas nunca saíram vencedores das disputas hegemônicas no
interior da instituição militar. Um episódio ocorrido no início do governo costista delimita a
linha divisória entre as inclinações de linha dura e os presidentes militares e revela, talvez, que
o posicionamento dessas inclinações se definia, antes de mais nada, pelo confronto com
interesses estabelecidos que eram parte das bases sociais da ditadura militar, ou seja, terreno
proibido. Em abril de 1967, Costa e Silva incumbiu o coronel Osnelli Martinelli, que fazia parte
do grupo da primeira linha dura, da luta contra o contrabando de café, que havia causado
escândalo no governo de Castelo Branco nas entranhas do Instituto Brasileiro do Café. Segundo
suas próprias palavras, Martinelli estava ansioso para ver “’a linha dura funcionar’”742 naquele
setor. No entanto, apesar das promessas reiteradas, Martinelli nunca foi efetivamente integrado
ao IBC, o que ele interpretou como incapacidade do presidente, “’bom e reto’” 743, de se impor
perante as forças corruptas, hegemônicas na política brasileira744. Isso sugere a impressão no
interior da própria instituição militar de que a oligarquia cafeeira, uma das grandes forças
políticas da época, compunha a base de sustentação dos governos militares.
Ao longo de 1968, por sua vez, o anticomunismo militar muda de tom e alcança seu
ápice através de alguns acontecimentos: a realização da primeira reunião da Organização
Latino-Americana de Solidariedade, em Havana; os primeiros movimentos armados da
esquerda brasileira; e os protestos estudantis. Ao mesmo tempo, houve um processo de
amadurecimento repressivo e autocrático do regime:

A partir de maio de 1968, as declarações de oficiais se multiplicam em suas


direções: a denúncia da “escalada subversiva”, às vezes misturada a apelos
por uma radicalização política, e a crucificação de uma classe política que
impediria o governo revolucionário de tomar as medidas adequadas – desde
março, com efeito, a oposição do MDB no Congresso se radicalizava. Um
manifesto anônimo divulgado no início de maio propõe a criação de um
verdadeiro “Estado militar”, apoiado apenas pelos empresários e livre do peso
antirrevolucionário da política civil. 745

741
Cf. Chirio, 2012.
742
Martinelli apud Chirio, 2012, p.100.
743
Chirio, 2012, p.100.
744
Cf. Id., Ibid.
745
Id., Ibid., p.120.
204

Assim, a defesa dos interesses nacionais comportaria, para eles, o apoio do


empresariado, mas sem os políticos civis. A crise política escalava rapidamente com as reações
das classes e grupos alijados das instâncias decisórias, simultaneamente ao aprofundamento da
Guerra Fria. O chamado Escândalo Para-Sar veio a público em outubro de 1968 e revelou a
realização de ataques homicidas por parte de um destacamento de paraquedistas para
responsabilizar movimentos de esquerda. A oposição civil se organizava cada vez mais: a
“simpatia da população, o apoio da Igreja, da intelectualidade e do MDB, a influência da
rebelião de maio na França, a revolta gerada pela truculência das ações policiais, tudo contribuía
para que a agitação estudantil batesse às portas do mundo do trabalho” 746.
Foi nesse clima, com o fortalecimento do movimento estudantil, o esboço de greves
operárias e a ação social de setores progressistas da Igreja católica, que o deputado Márcio
Moreira Alves, jornalista eleito pelo MDB do Rio de Janeiro, veementemente se coloca contra
a invasão da Universidade de Brasília pelas tropas – outro episódio que marcou esse final
fatídico de 1968 –, o que o leva a acusar os militares de uma política fundada na repressão e na
tortura, e reitera seus ataques no plenário do Congresso no dia seguinte. Os militares radicais
se enfureceram com o episódio, no qual, segundo eles, o deputado atacou a honra das Forças
Armadas, e reiteraram que o Congresso era o feudo da classe política oligárquica. A crise com
o Poder Legislativo, então, foi um grande pretexto para o endurecimento do regime, construindo
um consenso militar e reforçando a identificação da classe política civil com o inimigo a ser
derrotado com urgência. A resposta do Poder Executivo foi o pedido de cassação dos direitos
políticos do deputado pelo Congresso. Em 13 de dezembro de 1968, o pedido foi derrotado em
plenário por uma diferença de 75 votos. Apesar de Costa e Silva ter afirmado pouco antes que
as decisões do Congresso eram irrevogáveis, ele não conseguiu conter a crise política que se
abateu sobre o governo. No fim do dia, estava suspensa a Constituição de 1967 e editado o AI-
5. O texto do Ato parece executar ipsis litteris as reivindicações da extrema-direita militar, e
sua edição foi precedida de uma operação midiática destinada a apresentar a medida como uma
punição à classe política.747
A unidade militar foi temporariamente reconstituída em torno da exclusão da classe
política civil dos espaços de debate e participação política, pois ela representava obstáculos à
execução dos programas do governo. Com a edição do AI-5, que conferiu um formidável
arsenal de poderes excepcionais ao presidente, os círculos de decisão se fecham em torno da
Presidência. A população não poderia estar mais longe dos processos de decisão e de toda

746
Cruz & Martins, 2008, p.42.
747
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012; Stepan, 1975.
205

informação sobre seu desenrolar. Nas palavras de Chirio, “[...] a ‘revolução’ se vê agora dotada
de um instrumento para se livrar dos ‘representantes do sistema deposto’, das ‘oligarquias’, e
de outras ‘elites ultrapassadas’, que então deixaram de estorvar, na esfera do Congresso, o poder
militar”748.
Apesar do “silêncio arquivístico”749 que caracteriza os anos de chumbo, inaugurados
com o AI-5, fontes numerosas atestam a persistência dos conflitos políticos no corpo dos
oficiais ao longo de 1969. No fim de agosto, Costa e Silva se torna incapaz de exercer o poder
em decorrência de problemas de saúde. O que acontece em seguida é sintomático: apesar de a
Constituição de 1967 conferir o poder ao vice-presidente Pedro Aleixo, ele carregava o estigma
de ser civil e, pior, de ter votado sozinho contra o AI-5 no Conselho de Segurança Nacional.
Sua posse era inaceitável para a grande maioria dos militares, o que levou à relegação da
legalidade constitucional ao segundo plano e ao apelo à legitimidade política dos quartéis,
atitude que, desde Castelo, era considerada um perigo para a instituição militar e para o próprio
poder dos militares. Foi editado o AI-12, que inaugurou o governo da Junta Militar, com
duração de dois meses. Doravante, os três ministros militares de que a Junta era composta
personificariam a revolução e seriam os depositários de sua soberania750.
A despeito da insatisfação de muitos militares em torno da imposição hierárquica, “[...]
o caráter rotineiro dessa configuração política, o consenso militar contra Pedro Aleixo e a
expectativa de escapar aos planos de liberalização, muito relativa, pretendidos por Costa e Silva,
dão à Junta um crédito passageiro, principalmente no que diz respeito ao generalato”751.
Rapidamente, no entanto, o poder da Junta Militar entrou em crise por conta da progressão da
chamada guerra revolucionária no país. O episódio do sequestro do embaixador dos Estados
Unidos por grupos de esquerda e a consequente troca de prisioneiros provoca a primeira
rebelião aberta desde o Golpe de 1964, realizada por algumas unidades paraquedistas da Vila
Militar no Rio de Janeiro, núcleo da oficialidade intermediária radical. O ato de desobediência
foi punido e não teve maiores consequências, mas evidenciou a fragilidade da Juntar Militar.
Para a eleição já prevista de um novo presidente, não era mais possível realizar o
tradicional ritual de submeter um candidato já aprovado pelos militares ao Congresso dominado
pela Arena. O Congresso estava fechado desde a edição do AI-5, e Costa e Silva teve seu
mandato subitamente interrompido antes que se cristalizassem candidatos militares ao próximo

748
Chirio, 2012, p.136.
749
Id., Ibid., p.136.
750
Cf. Stepan, 1975; Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
751
Chirio, 2012, p.149.
206

pleito presidencial. Naquele momento, houve um debate militar generalizado sem precedentes:
foi discutida e realizada uma consulta às Forças Armadas brasileiras durante as duas últimas
semanas de setembro de 1969. A tradição e a correlação de forças levaram ao predomínio das
opiniões do Exército. Essa eleição intramilitar parece decorrer de duas lógicas: em primeiro
lugar, a construção de um consenso sobre a participação e a representação políticas legítimas
das Forças Armadas; e, em segundo lugar e mais importante, a imposição de procedimentos
que permitissem designar o candidato do Alto Comando do Exército – “ou, antes, impedir a
designação do candidato que não tem sua aprovação, o general Afonso de Albuquerque
Lima”752.
Ao final, o pleito se materializou em uma consulta a pouco mais de uma centena de
generais do Exército. A solução de compromisso foi a eleição de Emílio Garrastazu Médici,
que contentou a todos com sua suposta neutralidade. Mais importante que sua neutralidade, no
entanto, é “o acordo final, presidido por Médici, [que] concederia aos principais atores um
espaço proporcional ao peso específico de cada qual. [...] O ‘sistema’ representa, em suma, a
conciliação finalmente lograda entre os interesses dominantes” 753. É dessa maneira que foi
sacramentada a mútua colaboração e refeita a coesão das forças situacionistas, consagrando a
predominância da solidariedade sobre os conflitos internos, lesivos à preservação do bloco no
poder. Nesse sentido, segundo argumentam Cruz e Martins, o que surgiu aí foi a garantia da
inserção no Estado para todas as frações das classes dominantes sob o guarda-chuva dos
militares754.
Ocorre também uma nítida e final divisão de tarefas no âmbito do Estado. De um lado,
havia o aparelho administrativo do Estado, incumbido da formulação e gestão das políticas
econômicas e social, unificado por um órgão colegiado (o CMN, Conselho Monetário
Nacional) sob o comando de Delfim Netto. O CMN era um “locus privilegiado de barganha e
negociação, onde as demandas das diversas frações de capital eram filtradas, hierarquizadas e
diferencialmente contempladas pela política estatal”755. De outro lado, havia os temas políticos,
afetos à área de segurança nacional e processados em agências específicas, no interior de uma
rede que continha o SNI e o Conselho de Segurança Nacional como pontos focais. A mediação
entre os temas políticos e o aparelho administrativo era realizado pela chefia da Casa Civil sob
a supervisão do presidente.756

752
Chirio, 2012, p.159. Para uma descrição mais detalhada do pleito, conferir a mesma autora.
753
Cruz & Martins, 2008, p.54-5.
754
Cf. Cruz & Martins, 2008; Chirio, 2012.
755
Cruz & Martins, 2008, p.56.
756
Cf. Cruz & Martins, 2008.
207

Vencidas as últimas resistências internas através das concessões aos diversos setores
das classes dominantes e aumentada a base de apoio do regime, a partir de 1970, o governo
Médici passa a acumular os dividendos políticos de seus repetidos sucessos, inclusive o milagre
econômico, cujos efeitos eufóricos foram potencializados pela propaganda estatal do Brasil
Grande. Nesse sentido, é possível afirmar que os chamados anos de chumbo, que coincidiram
com o milagre econômico, expõem a face mais acabada do regime militar precisamente porque
traduzem seu amadurecimento político. Portanto, a escolha de Delfim como o czar da
economia, que foi reafirmada sob Médici, não foi acidental ou incidental, mas antes evidencia
que ele era o representante aceito por essa coalizão finalmente cristalizada como uma
coalização propositiva.
Delfim foi chamado ao Ministério da Fazenda em 1967 por Costa e Silva, depois de
aproximadamente um ano à frente da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. Segundo
o próprio Delfim, a elite carioca pensava que “aquele caipira paulista não aguentaria até o fim
do ano”757. No entanto, segundo ele, isso não foi um problema, pois sempre teve “bons amigos
no mercado”. Dentre eles, os banqueiros: “sempre foram extremamente cooperativos com o
governo. Se o governo queria baixar a taxa de juros conversava com eles e o que a gente
prometia, cumpria”. Mas também tinha inimigos: segundo ele, se a linha dura tivesse tomado
o poder, “seria muito pior do que se o partido comunista tivesse tomado o poder”. Portanto, o
ministro não era de agrado nem da linha dura, nem do que ele considerava a elite carioca. Ele
atuava, como vimos, no setor paulista do IPES e era talvez o maior especialista brasileiro em
mercado cafeeiro, além de ter escrito ensaios sobre a inflação brasileira e ter sido secretário da
Fazenda em São Paulo. Todos esses elementos indicam sua associação mais íntima aos grupos
que parecem figurar, a título de hipótese, entre os mais importantes pilares sociais da ditadura
militar: a burguesia paulista e os financistas paulistas e internacionais.
A popularidade da ditadura militar, incluindo todos os projetos nacionais que
disputavam hegemonia em seu seio, era evidentemente pequena diante dos assalariados
organizados. Em 1967, uma declaração de Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e porta-voz
da posição governamental em relação aos sindicatos – mesmo ano em que Delfim assume seu
primeiro ministério ditatorial – é um exemplo episódico da relação entre ditadura militar e
classe trabalhadora. Ele afirmara que o movimento comunista desejava exacerbar a luta de

757
Delfim Netto, 2012. Nas palavras de Delfim: “No Rio, era o seguinte: chegou esse gordo, italiano e vesgo. Nós
vamos matá-lo em seis meses, tá certo? E além de tudo tem uns animais estranhos com ele, uns japoneses”. Ainda
hoje se fala nos Delfim boys.
208

classes e, para isso, utilizar-se-ia dos sindicatos como instrumentos de poder político nas mãos
de seu partido758. Poucos meses depois, declara que o sindicalismo só seria realmente livre
quando se afastasse das peias governamentais, da influência patronal e, sobretudo, quando
parasse de fazer política759. Propalava-se, assim, um discurso de despolitização da classe
trabalhadora através da identificação de suas instâncias políticas com o movimento comunista,
referido como ameaça aos interesses nacionais760.
É sob tais condições dramáticas que Delfim Netto realiza uma “gestão tecnocrática”761:
ao demonstrar sua conformidade com as instâncias políticas da cúpula através de seu trajeto
intelectual, recebeu livre acesso e, assim, pôde propor os meios adequados aos fins desejados
por essa cúpula. Delfim tinha consciência do fato e buscou junto ao governo, a partir de 1968,
limpar o caminho para que seus projetos econômicos pudessem ser postos em prática sem
maiores empecilhos. A votação para implementação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em
dezembro de 1968, que consta da epígrafe deste trabalho, reflete de maneira representativa a
participação do pensador agora já dentro das engrenagens do poder:

Senhor presidente, senhores membros do Conselho. Eu creio que a revolução


veio não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas,
principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de
estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico. Este é realmente o
objetivo básico. Creio que a revolução, muito cedo, meteu-se numa camisa-
de-força que a impede, realmente, de realizar esses objetivos.
Mais do que isso, creio que, institucionalizando-se tão cedo, possibilitou toda
a sorte de contestação que terminou agora com este episódio que acabamos de
assistir. Realmente, esse episódio é simplesmente o sinal mais marcante da
contestação global do processo revolucionário. É por isso, senhor presidente,
que eu estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada
no Conselho. E, se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio
que ela não é suficiente. Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar
a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar
certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que
este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez. Eram essas
as considerações que eu gostaria de fazer. 762

758
O Estado de S. Paulo. Comunistas ainda ameaçam sindicatos. 27 maio 1967, p.6.
759
O Estado de S. Paulo. Sindicatos: ministro aponta caminho. 11 ago. 1967, p.6.
760
O Estado de S. Paulo. Repercussões no país, do silêncio ao repudio. 20 jan. 1976, p.24: “As prisões de operários
não são novidade para os líderes sindicais do ABC, que desconheciam o destino do metalúrgico Manoel Fiel Filho
até o início da noite. Do final de 1968 até ontem, calcula-se que mais de 800 operários da região foram presos e
há denúncias de várias mortes, embora não se possa precisar o número. A que teve maior repercussão foi a morte
de Olavo Hansen em 1970: preso, torturado e depois jogado num terreno baldio em São Paulo; ele tinha problemas
renais que se agravaram com os espancamentos. No ABC, as prisões de operários intensificaram-se [...].
Ocorreram também inúmeras prisões de empregados da Mercedes-Benz, Philips e outras fábricas em São Bernardo
e São Caetano, principalmente no setor metalúrgico.”
761
Martins, 1974, p.20-21.
762
Delfim Netto, 2008a.
209

Dessa maneira, ao passo que o Golpe de 1964 jogou uma pá de cal sobre os projetos
nacionais democráticos, a edição do AI-5 enterrou os caminhos alternativos em termos de
projetos econômicos dentro da própria ditadura militar. O acordo foi fechado, e as fichas
estavam dadas. O período pós-64 assistiu ao acirramento das tensões sociais e, ao mesmo
tempo, ao enraizamento da complexa estrutura econômica que se erigiu ao longo da
industrialização e que tinha, cada vez mais, de catapultar mecanismos robustos de acumulação
de capital. Em termos da estrutura econômica nacional no sentido lato, portanto, cada passo
adiante carregava consigo o enfraquecimento da possibilidade de reordenamentos profundos,
“como se tivesse adquirido uma segunda natureza, quase espontânea, inscrita no seu DNA
conservador”763.
O governo Médici corresponde aos anos mais repressivos da ditadura, nos quais a classe
política civil é a menos influente, enquanto a censura é a mais severa, e o sigilo, o mais
opressivo. O ativismo dos oficiais de escalão intermediário, que deram corpo às primeiras
manifestações consideradas de linha dura, dá lugar a uma frente militar aparentemente unida,
engajada na luta contra os movimentos da esquerda armada e pacificada pela prosperidade
econômica inédita que agrada parte da opinião pública. Segundo Chirio, durante os anos de
chumbo, “a vida política, tanto civil quanto militar, parece em estado de suspensão” 764. Apesar
da falta de fontes escritas dificultar a análise histórica, os depoimentos de protagonistas da
época parecem conferir verossimilhança à tese da pacificação da oficialidade sob os anos de
chumbo: depois da agitação nos dois primeiros governos militares, “ela seria calma e submissa
aos superiores hierárquicos e à autoridade governamental”765.
O consenso se deu, sobretudo, por três razões. A primeira é a intensificação da Guerra
Fria, que proporcionou o agravamento das tensões políticas em nível mundial e, dessa forma,
refletiu-se na aglutinação dos militares em torno de um inimigo comum – a esquerda –, o que
reduziu o espaço para dissenções internas. A segunda razão, derivada da primeira, foi o
desprezo crescente dos militares pelos políticos civis, considerados corruptos e incapazes de
resolver as questões essenciais do desenvolvimento brasileiro, precisamente em um momento
em que se julgava que as revoluções socialistas estavam às portas da América Latina. A terceira
razão foi a popularidade de Médici junto à opinião pública por conta do forte crescimento

763
Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração, p. 136. Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
764
Chirio, 2012, p.167.
765
Cf. Id., Ibid.
210

econômico, o qual, a despeito do agravamento das desigualdades que provocou, ocultou


temporariamente as tensões sociais.
A Assessoria Especial de Relações Públicas (Alerp), agência de propaganda
governamental criada em 1968, encampou a campanha do Brasil Grande, cujos símbolos foram
as grandes obras de infraestrutura, particularmente a abertura da rodovia Transamazônica e a
construção da usina hidrelétrica de Itaipu. As pretensões de soberania vinculadas ao
crescimento econômico através do imaginário do Brasil Grande reforçaram a base militar de
Médici, que já desfrutava de popularidade nos quartéis, em decorrência de sua popularidade
junto à opinião pública. Pessoalmente, Médici apresentava na mídia a imagem de um homem
simples e próximo das preocupações dos mais desfavorecidos. A paixão de Médici pelo futebol
e suas idas aos estádios eram frequentemente mencionadas pelos militares, e a vitória do Brasil
na Copa de 1970 reforçou a eficácia dessa imagem. Tal popularidade “parece permitir à
‘revolução’ reatar com esse ‘povo’ imaginário que a teria apoiado, o que respaldava o
sentimento de legitimidade dos militares no exercício do poder” 766.
Todos esses elementos reforçam a tese de que os anos de chumbo apresentam a face
mais acabada do regime militar. O milagre econômico encarnou a suspensão temporária das
crises política e econômica, para cuja solução os militares assumiram o poder em 1964, ao
consolidar uma alternativa de desenvolvimento que passou na prova imediata da realidade e
adquiriu consistência. Por isso, trata-se aqui de compreender o pensamento e a atuação daquele
que esteve à sua frente e desvendar suas bases.

4.2 – O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), 1964-1967

Nessa seção, faremos uma breve exposição da política econômica do governo Castelo
Branco, realizada sob a liderança de Roberto Campos, ministro do Planejamento, e Octávio
Gouveia Bulhões, ministro da Fazenda. Seu espaço de atuação foi imenso dadas as condições
políticas proporcionadas pelo regime autocrático, ainda que tenha sido menor do que aquele
usufruído por Delfim Netto, que pôde atuar oportunamente sob o AI-5.
No final da seção 3.3.3 desta pesquisa, em que expusemos o modo como Delfim Netto
trata a questão agrária, fizemos a análise daquele que parece ser o único texto de Delfim
destinado a analisar diretamente alguns aspectos do PAEG. Durante a exposição seguinte,
então, apresentaremos ilações sobre o modo como Delfim avaliava a política econômica do
PAEG – e não o programa econômico –, o que nos ajudará a iluminar sua própria política
econômica a partir de 1967.

766
Chirio, 2012, p.169.
211

Em novembro de 1964, sete meses após o Golpe, apareceu o Programa de Ação


Econômica do Governo (PAEG), elaborado pelo recém-criado Ministério do Planejamento e
Coordenação Econômica e que vigoraria até março de 1967. O PAEG foi um programa de
estabilização econômica cujos objetivos anunciados eram a aceleração do ritmo de crescimento
econômico, que estava estagnado; a contenção progressiva do processo inflacionário,
objetivando um razoável equilíbrio de preços a partir de 1966; a atenuação das tensões sociais
através da melhoria das condições de vida da população; a expansão do mercado de trabalho de
modo a absorver a mão-de-obra que afluía a ele através da política de investimentos; e, por fim,
a correção da tendência aos déficits descontrolados no balanço de pagamentos767.
O PAEG tinha uma política salarial bem definida, assentada em três pontos básicos
conforme seus propositores: manter a participação dos assalariados no produto nacional;
impedir que os aumentos salariais desordenados realimentassem irreversivelmente o processo
inflacionário; e corrigir as distorções salariais, particularmente no serviço público federal,
autarquias e sociedades de economia mista.768
Para tanto, foi estabelecida uma fórmula de reajuste salarial para o serviço público
federal, recomendada também para os governos estaduais e municipais, e que foi estendida para
os casos de dissídio no setor privado em 1966 – ela seria ligeiramente modificada em 1968 sob
a chancela de Delfim Netto, mas mantida em todo seu período como ministro da Fazenda. Suas
diretrizes eram as seguintes: deveria ser restabelecido o salário médio real dos últimos 24 meses
anteriores ao mês do reajuste; sobre ele, deveria incidir a taxa de produtividade; a isso se
acrescentava a metade da inflação programada pelo governo para o ano seguinte, como resíduo
inflacionário; e ficava estabelecido o princípio da anuidade dos reajustes. 769
Com a quase nulidade do poder de barganha dos sindicatos por conta da repressão das
atividades sindicais e da proibição de greves em atividades essenciais – e cuja essencialidade
era definida pelo governo –, as negociações intrassetoriais foram substituídas pela fórmula de
reajuste fornecida pelo governo. A fórmula não recompunha o pico do salário real nos últimos
24 meses, mas sim o salário real médio. Por isso, o primeiro reajuste, de março de 1965, reduziu
o salário mínimo real em 11% com relação a seu valor em março de 1964. Em março de 1967,
o salário mínimo real já representava 71,9% desse valor. Os efeitos da política salarial não se

767
Cf. MPCE, 1964.
768
Cf. Id., Ibid.
769
Cf. Resende, 2014.
212

limitaram ao salário mínimo real médio: o salário anual real médio do pessoal ligado à produção
na indústria de transformação acompanhou a queda do salário mínimo real médio. 770
A política de contenção da espiral inflacionária, além disso, comportava também o
controle dos déficits governamentais e a política de crédito às empresas privadas. Com relação
ao primeiro, foram imediatamente aumentados os impostos diretos e indiretos, reduzindo o
déficit governamental como proporção do PIB de 4,2% em 1963 para 1,1% em 1966. Por sua
vez, a forma de financiamento do déficit, que desde 1960 era feita quase exclusivamente através
da emissão de papel-moeda, também foi alterada: em 1965, 55% do déficit foi financiado
através da venda de títulos da dívida pública, enquanto, em 1966, o déficit foi totalmente
financiado pela venda de títulos.771
As políticas monetárias e de crédito, por seu turno, foram, em alguma medida, erráticas
e flutuantes. O PAEG previa o crescimento de 30% dos meios de pagamento em 1965, mas esse
valor atingiu 83,5%, praticamente igual à expansão observada em 1964. A principal razão para
isso parece ter sido o resultado do balaço de pagamentos, com a entrada de recursos
provenientes das agências financeiras internacionais – os empréstimos e financiamentos
recebidos em 1965 aumentaram 65% em relação a 1964, enquanto os investimentos diretos
quase triplicaram –, e com a redução das importações, que resultou da redução da taxa de
crescimento global da economia, associada ao aumento das exportações, que se recuperaram
em 1964 e atingiram um nível recorde em 1965, com superávit de US$ 218 milhões no balanço
de pagamentos, resultando na duplicação das reservas (de US$ 244 milhões para US$ 483
milhões). As medidas de política monetária não foram ágeis o suficiente para esterilizar esse
influxo de moeda, e a liquidez real da economia esteve folgada até o primeiro trimestre de 1966.
A partir de então, a política monetária tornou-se mais restritiva.772
Num primeiro momento, ocorreu a chamada inflação corretiva: aumento das tarifas dos
serviços públicos, liberação de alugueres congelados e outros preços. Os dados trimestrais de
consumo de energia elétrica, que servem como indicador da produção industrial, revelam que
a atividade industrial entrou em recessão no segundo trimestre de 1963. No primeiro trimestre
de 1965, quebra-se a tendência de crescimento dos preços agrícolas. No primeiro trimestre de
1966, por fim, aparece a queda no ritmo de crescimento da moeda.773

770
Cf. Resende, 2014.
771
Cf. Id., Ibid.
772
Cf. Id., Ibid.
773
Cf. Id., Ibid.
213

A ordem cronológica dos fenômenos sugere o sentido da causalidade: em 1963, o aperto


na política monetária e creditícia paralisou a atividade industrial enquanto os preços aceleraram,
ao passo que, em 1964, o alívio da liquidez real até o terceiro trimestre permitiu alguma
recuperação industrial acompanhada de mais elevação nos preços. Em 1965, com a aplicação
de uma política fiscal restritiva – que aumentou os impostos em todos os níveis e reduziu a
despesa do governo desde o segundo semestre de 1961 – associada a novo aperto creditício no
último trimestre de 1964, fez com que a atividade industrial entrasse definitivamente em
colapso.774
Ao lado da recessão industrial, a fórmula salarial do PAEG entrou em vigor em 1965,
reduzindo o salário mínimo real em 26% em relação a fevereiro de 1964, e então os preços
industriais começaram a apresentar queda na tendência inflacionária. O preço relativo
agricultura-indústria também se reduziu, bem como os preços industriais. Enquanto isso, a
política monetária escapava ao controle. A moeda e o crédito se expandiram a taxas muito
superiores às taxas dos preços, e os índices de liquidez real atingiram seu auge no último
trimestre de 1965. O ponto de inflexão na liquidez real se apresentou no primeiro trimestre de
1966, quando o consumo de energia elétrica se elevou em 20% após dez trimestres em declínio
e se manteve crescendo a taxas elevadas durante todo o ano.775
Em 1966, em decorrência do crédito fácil em 1965 e da capacidade ociosa acumulada
após três anos de estagnação, houve crescimento industrial de 11,7%. Apesar dos preços
agrícolas em ascensão nos quatro trimestres de 1966, o novo reajuste salarial, que reduziu o
salário mínimo real no mês do reajuste e, consequentemente, o salário real médio anual na
indústria, a inflação voltou a baixar: a queda de 1965 foi de 33 pontos percentuais (de 90% para
56,8%), enquanto, em 1966, foi de 19 pontos (de 56,8% para 38%). Ainda no primeiro trimestre
de 1966, a política monetária sofreu uma alteração brusca, quando o governo se assustou com
a perda do controle monetário. O déficit do Tesouro foi reduzido a 1,1% do PIB através da
elevação dos impostos e do corte nas despesas, e seu financiamento foi realizado através da
venda de títulos e do levantamento de empréstimos externos. Foi a primeira vez em que o déficit
da União foi financiado integralmente sem recurso à emissão de papel-moeda.776
O índice de liquidez real tornou-se progressivamente negativo, mas a ação do Banco do
Brasil impediu que a política monetária restritiva atingisse, em toda sua amplitude, o crédito ao
setor privado, já afetado pela queda nos empréstimos junto aos bancos comerciais. A ação do

774
Cf. Resende, 2014.
775
Cf. Id., Ibid.
776
Cf. Id., Ibid.
214

BB, portanto, pode explicar o bom desempenho da indústria em 1966, mas, em 1967, o quadro
já era claramente recessivo, e a política monetária começava a se fazer sentir.
O PAEG não foi um programa totalmente ortodoxo, pois subjaz a ele a preocupação
com a manutenção das taxas de crescimento e, assim, alguma tolerância com a inflação, que
devia ser combatida através de uma estratégia gradualista. Antes de conceber o excesso de
moeda na economia como incompetência, clientelismo ou excessiva intervenção
governamental na economia, o PAEG concebe a expansão monetária como decorrente da
inconsistência da política distributiva – a incompatibilidade das parcelas reivindicadas pelo
governo, pelas empresas para investimento e pelos trabalhadores para consumo –, que, por sua
vez, seria sancionada pela inflação.777
Se isso, por um lado, significou que o governo aliviou a pressão do setor privado através
de uma política de expansão dos empréstimos por parte do Banco do Brasil, por exemplo, por
outro, levou ao mesmo resultado de uma política monetária ortodoxa no tocante aos
assalariados. As empresas privadas foram afetadas pela política monetária, mas em graus
diferentes – nesse espectro, as maiores perdedoras foram as pequenas e médias empresas –, ao
passo que o governo também reduziu suas despesas. Os mais afetados, no entanto, foram os
trabalhadores, que assistiram a perdas significativas no seu poder de compra.
Essa estratégia segue o princípio ortodoxo de que o mercado de trabalho em geral e o
poder de barganha dos sindicatos em particular são a fonte das dificuldades de qualquer
programa de estabilização, o que, em parte, explica por que o combate à inflação causa recessão
e desemprego. Nas palavras de Resende, “ao se corrigirem os excessos das políticas monetária
e fiscal, todos os mercados ajustam-se instantaneamente às novas condições. O mercado de
trabalho é a exceção”778 por conta da influência dos sindicatos e das expectativas salariais acima
do nível compatível com o equilíbrio inflacionário. Assim, reza a receita, os trabalhadores
teriam de passar pela decepção do mercado para que revissem suas expectativas e pretensões
salariais.
O PAEG introduziu o mecanismo de correção monetária, que permitiu a reforma e a
racionalização do sistema tributário, eliminou os impostos em cascata e coordenou os sistemas
tributários da União, dos estados e dos municípios. Além disso, o programa iniciou a reforma
institucional do sistema financeiro, começando pela criação do Banco Central, cujas funções
eram previamente divididas entre a SUMOC e o Banco do Brasil.779

777
Cf. Resende, 2014.
778
Id., Ibid, p.208.
779
Cf. Id., Ibid.
215

Surtindo efeitos a partir de 1965, o PAEG levou ao redesenho de todo o arcabouço


institucional do sistema financeiro ao delimitar as funções dos bancos comerciais, bancos de
investimentos e de desenvolvimento, sociedades de crédito e financiamento, sociedades
corretoras e distribuidores de títulos e valores, sociedades de crédito imobiliário etc., associado
à correção monetária nos contratos e títulos financeiros de médio e longo prazo, o que permitiu
a captação da poupança privada voluntária e sua canalização para o financiamento tanto do
Tesouro quanto do investimento privado. Em relação ao setor externo, ocorreu a simplificação
e unificação do sistema cambial, a modernização e dinamização das agências do setor público
e a maior integração com o sistema financeiro internacional como fonte de acesso a créditos de
médio e longo prazo.780
Dessa forma, os pilares do PAEG e da política desinflacionária foram inequivocamente
a política salarial e as reformas institucionais, que contornaram as supostas ineficiências e
restrições do mercado de trabalho e substituíram a negociação salarial pela fórmula oficial de
reajuste. Essa fórmula, embora levemente alterada por Delfim em 1967, reduziu o salário
mínimo a cada ano, de 1965 a 1974, enquanto o salário médio industrial caiu entre 10% e 15%
entre os anos de 1965 e 1967: “Desta forma, usando o poder, sobre a sociedade em geral e os
sindicatos em particular, de que dispõe o governo autoritário, foi possível fazer diretamente
aquilo que a ortodoxia pretende conseguir através da recessão e do desemprego: solucionar o
impasse distributivo através da redução da parcela salarial”781.
A diferença é que a ortodoxia se utiliza da restrição à liquidez, que distribuiria os custos
da estabilização, deixados a cargo do mercado por meio da seleção dos mais fracos, enquanto
os regimes autocráticos podem dispensar esse desvio inconveniente, como já tentamos
demonstrar ao longo desse capítulo.
As políticas fiscal e monetária restritivas, mais os reajustes salariais, levaram a graves
consequências sociais, como a concentração de renda observada ao longo da década de 1960:
entre 1960 e 1970, a participação na renda total dos 50% mais pobres reduziu-se de 17,7% para
14,9%, enquanto a dos 30% seguintes de 27,9% para 22,8%, levando a uma concentração
estarrecedora de 62,3% da renda nas mãos dos 20% mais ricos, situação que seria agravada ao
longo do milagre econômico. Os custos da política recessiva também passaram pelo aumento
do desemprego, particularmente dos trabalhadores de baixa qualificação e renda, e terminaram
por pesar sobre as pequenas e médias empresas, impossibilitadas de ter acesso ao crédito
racionado, enquanto as grandes empresas tinham poder de monopólio para sustentar os preços

780
Cf. Resende, 2014.
781
Id., Ibid, p.210.
216

e, como clientes privilegiados, mantinham acesso ao crédito – as grandes empresas estrangeiras


e as grandes empresas estatais recorreram cada vez mais a empréstimos externos, aos quais as
pequenas e médias empresas não tinham acesso, entre outras razões, pelas limitações
decorrentes do controle governamental sobre o balanço de pagamentos. Através de medidas de
austeridade, o governo fez uma demonstração inequívoca de sua opção pela ortodoxia,
buscando, assim, conquistar a confiança das agências financeiras internacionais.782
Tanto as reformas institucionais como as políticas de austeridade e a intervenção
governamental autoritária e direta sobre a determinação dos salários prepararam o terreno para
os anos de crescimento a partir de 1968. A taxa de lucro das grandes empresas foi aumentada –
inclusive das estatais através da inflação corretiva do preço de serviços como o fornecimento
de energia elétrica –, ao passo que o poder de barganha dos trabalhadores foi neutralizado. As
reformas institucionais, por sua vez, racionalizaram a captação e o direcionamento de recursos
para as áreas prioritárias sob os olhos dos planejadores, e a captação de recursos externos por
parte das grandes empresas privadas – nacionais e estrangeiras – e estatais selou seu predomínio
sobre o ciclo de crescimento do milagre.
Os próprios posicionamentos de Delfim levam a crer que ele seguiria um caminho
semelhante, senão idêntico, àquele que se desenhou com o PAEG caso tivesse assumido a
direção da economia naquele momento. Como já vimos, Delfim explicava a inflação brasileira
através de quatro causas, a saber, os déficits do setor público e a forma de seu financiamento;
as pressões de custo derivadas dos reajustes salariais; as pressões de custo derivadas das
desvalorizações cambiais necessárias para o aumento da receita com as exportações; e as
pressões derivadas do setor privado da economia através do aumento da velocidade-renda da
moeda quando da queda real dos ativos monetários ociosos. Todas essas causas foram
combatidas pelo PAEG. Os déficits do setor público foram reduzidos, e sua forma de
financiamento passou a se constituir exclusivamente da venda de títulos do Tesouro ao público.
A política dos reajustes salariais, os quais, segundo Delfim, eram mais problemáticos no Brasil
por conta do desenvolvimento derivado de necessidades, foi tomada em sua totalidade pelo
governo militar através do estabelecimento de uma fórmula de reajuste juntamente com a
repressão política da atividade sindical. As desvalorizações cambiais realizadas como única
alternativa para obter divisas suficientes para o pagamento das importações foram aliviadas
através da atração de recursos externos sob a forma de investimentos diretos e de empréstimos
de agências internacionais para as grandes empresas privadas e as grandes empresas estatais.

782
Cf. Resende, 2014.
217

As pressões derivadas do setor privado da economia, por fim, representam talvez a causa em
que houve o menor sucesso por parte da política governamental de estabilização por conta da
política monetária restritiva. No entanto, como vimos, a atuação do Banco do Brasil e a
contração de empréstimos externos impediu que o crédito ao setor privado fosse afetado de
forma mais intensa, ainda que as pequenas e as médias empresas tenham sido, juntamente com
os assalariados, as maiores vítimas da política restritiva.
Todas as soluções para as quatro causas da inflação brasileira foram explícita ou
implicitamente defendidas previamente por Delfim Netto: a coação política e uma fórmula de
reajuste como bases para a contenção salarial; a racionalização dos gastos públicos; a inflação
corretiva, particularmente dos serviços públicos; a entrada de recursos externos, inclusive para
as empresas estatais; a expansão das exportações, particularmente de bens manufaturados, com
a meta do equilíbrio no balanço de pagamentos e incluindo a seleção e o incentivo a setores
prioritários; a razoável manutenção da liquidez do setor privado como alternativa ao
agravamento da recessão, associada a uma política que evitasse as desvalorizações cambiais em
favor de outras formas de captação de recursos – em relação a esse ponto em particular, Delfim
Netto defendia a diversificação da pauta de exportações e a redução da propensão marginal a
consumir, em que ele incluía o consumo conspícuo, o que foi apenas parcialmente realizado
pelo PAEG.

4.3 – Delfim Netto: da academia ao poder (1967-74)

4.3.1 – O Ministério da Fazenda e a declaração de intenções

Em seu discurso de posse no Ministério da Fazenda, em 17 de março de 1967, Delfim


Netto louva o trabalho realizado por Octávio Gouvêa Bulhões, seu antecessor, que, segundo
Delfim, teria estado à frente da redução pela metade da taxa de inflação e da criação das
condições institucionais para a modernização do sistema econômico brasileiro: “Resta, agora,
aproveitar esta oportunidade para completar a tarefa que libertará o País das amarras que ainda
o prendem ao subdesenvolvimento”783.
Nessa ocasião, Delfim define os meios para a superação do subdesenvolvimento:

1º) conseguir a maior taxa possível de desenvolvimento econômico,


compatível com as disponibilidades de recursos;
2º) manter a maior estabilidade de preços possível, compatibilizando pela
política monetária e fiscal as disposições de poupar e investir da sociedade;
3º) continuar na criação de condições que garantam um desenvolvimento
econômico sem problemas de vulto no balanço de pagamentos

783
Delfim Netto, 1967b, p.3.
218

4º) reduzir, com o crescimento do produto nacional, a pressão tributária e,


simultâneamente, ampliar a participação dos trabalhadores e das emprêsas
naquele produto;
5º) reduzir as disparidades entre os níveis de renda regionais. 784
Ele explicita, assim, ser possível assegurar altas taxas de crescimento econômico em
virtude da existência de capacidade ociosa, ativando a poupança disponível, utilizando isenções
tributárias e monitorando seus desequilíbrios. A superação do subdesenvolvimento, assim,
dependeria da boa aplicação da política econômica numa economia capaz de abrigar um
processo endógeno de acumulação de capital.
Segundo ele, então, desenvolvimento e estabilidade monetária seriam complementares.
A antecipação das soluções para a economia brasileira seria tarefa da política econômica,
realizando-as “com o menor custo social possível”785. O problema, no entanto, seria a
“incompatibilidade entre recursos e necessidades” 786, insuperável através de “artifício
ideológico ou de política monetária”787. Que incompatibilidade seria essa?
Para Delfim, sempre que a coletividade quisesse consumir mais do que a quantidade
disponível de bens de consumo e sempre que tentasse investir mais do que estivesse disposta a
poupar, os objetivos de estabilização monetária seriam frustrados, e as pressões inflacionárias
ressurgiriam. A superação dessas contradições se daria através da mobilização de toda a
sociedade e de sua conscientização788. Isso se refletiria em sua política econômica, que veremos
na seção seguinte. O que os escritos de Delfim permitem compreender a respeito de seu desejo
de conscientização e mobilização de toda a sociedade? Trata-se aqui de seu diagnóstico – e de
Campos – a respeito da inflação: o produto nacional não era suficiente para atender às demandas
dos interesses sociais distintos, o que levaria ao agravamento da espiral inflacionária.
A resolução para tal dilema não era exatamente esperar o bolo crescer para depois dividi-
lo. Era mais do que isso: exercer o controle direto sobre as fatias do bolo de forma desigual,
permitindo que determinadas fatias crescessem mais do que outras. Do lado do capital, então,
o controle direto de preços aplicado a partir de 1968 foi compensado pelas isenções fiscais e
pela redução dos juros; do lado do trabalho, a brutal contenção dos salários atingiu mais
fortemente os trabalhadores sem qualificação.

784
Delfim Netto, 1967b, p.3.
785
Id., Ibid., p.3.
786
Id., Ibid., p.3.
787
Id., Ibid., p.3.
788
Cf. Id., Ibid.
219

Ainda em seu discurso inaugural, Delfim Netto reitera que o desenvolvimento


econômico é muito mais complexo que a simples elevação da renda per capita e se realiza
basicamente por mudanças qualitativas, “que alteram não apenas a estrutura do poder
econômico, mas também os valores básicos e as formas de comportamento tradicional da
sociedade. Por isso êle é doloroso e cheio de dificuldades”789. Para superar a dor e as
dificuldades do desenvolvimento, Delfim defenderia a descentralização do poder, mas, ao
contrário de sua afirmação descontextualizada de 1962, aqui ele avança na sua determinação
real: “uma das exigências necessárias é criar as condições para o pleno florescimento do setor
privado. É neste campo que se situa, hoje, a grande tarefa, pois a política de combate à inflação
cria sérias dificuldades aos trabalhadores e às empresas”790.
A grande tarefa, portanto, é o pleno florescimento do setor privado, o que andaria pari
passu com a descentralização política. Tomando-se em consideração a obra delfiniana em
conjunto, ele afirma, nas entrelinhas, que a sociedade brasileira precisa de tutela até que o
mercado esteja maduro o suficiente para assumir as funções então assumidas pelo Estado. Antes
de atingir a maturidade, portanto, já que o empresariado não passou por um processo de
acumulação endógena como nos casos clássicos de desenvolvimento capitalista, este seria
incapaz de liderar uma sociedade democrática.
E Delfim segue:

No decorrer dos últimos meses, a inflação foi alterando a sua feição que era
predominantemente de demanda para tornar-se predominantemente de custo.
Hoje, o setor privado está comprimido por duas dificuldades que devem ser
removidas: 1º) o aumento da pressão tributária e 2º) a elevação substancial
dos custos financeiros.791
Os custos financeiros e a pressão tributária causariam as maiores dificuldades ao setor
privado. Por isso, o governo trabalharia com o objetivo de redução da taxa de juros e a
concessão de isenções fiscais, de modo a evitar que as empresas assistissem à liquidação de
seus lucros na ausência de capital de giro adequado. A produção deveria ser paulatinamente
elevada, de modo a elevar, em tese, os salários pelo aumento da produtividade – o que Delfim
Netto parece sugerir que ocorreria quase de maneira espontânea – e os lucros pela redução dos
custos fixos por unidade do produto. Isso se ligaria intimamente à redução da taxa de juros 792.
A solução de Delfim para solucionar o problema da insuficiente poupança privada, enfim, é a

789
Delfim Netto, 1967b, p.3.
790
Id., Ibid., p.3, grifo nosso.
791
Id., Ibid., p.3.
792
Cf. Id., Ibid.
220

concessão de “facilidades” ao setor privado, que deveria ter acesso a formas alternativas de
captação de recursos.
Ele convoca os empresários, como indivíduos empreendedores e não como classe, e
trabalhadores, desprovidos de seus sindicatos – já que muitas de seus representantes
encontravam-se presos –, para a “vanguarda da luta” pelo desenvolvimento com o auxílio do
governo, que seria responsável pela preparação da infraestrutura e por uma política coerente e
estável, com a retaguarda do setor privado.793
Em novembro do mesmo ano, oito meses após seu discurso de posse, Delfim foi
homenageado por representantes das classes patronais em um almoço promovido pela Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro. Em seu discurso, assumiu como sua tarefa e das classes patronais a
descoberta da razão da taxa de juros ter se tornado o “grande demônio da economia
brasileira”794. A taxa de juros deveria ser controlada pelas perspectivas de inflação. Uma
interpretação maniqueísta, segundo Delfim Netto, da lei da oferta e da procura não daria conta
de solucionar o problema, pois dever-se-ia qualificá-la para cada caso particular:

Êsse maniqueísmo econômico parece ser suficiente para interromper a


curiosidade de muitas pessoas e lhes dar uma certa paz interior; os juros sobem
porque a demanda de dinheiro cresce mais depressa do que a oferta. Se é
assim, nada há a fazer, a não ser nos conformarmos com os resultados
inexoráveis da lei natural. 795
A oferta e a procura seriam condicionadas pela “estrutura institucional” 796, como, por
exemplo, o desenvolvimento das instituições financeiras não bancárias – aquelas não
autorizadas a captar recursos sob a forma de depósitos à vista, como bancos de investimento,
sociedades de crédito etc. –, que teria alterado profundamente, e de maneira ainda não
inteiramente compreendida, a estrutura da demanda e da oferta de dinheiro797. Delfim Netto
exemplifica uma situação problemática relativa a isto:

É o caso, por exemplo, da concessão de liquidez imediata aos papéis das


financeiras e dos depósitos a prazo fixo com correção monetária, que alguns
agentes oferecem. Em condições normais êsse aumento de liquidez trabalha
no sentido de reduzir a taxa de juros. Quando, entretanto, aparece qualquer
aplicação alternativa, as liquidações se precipitam e quebra-se o vínculo
desejável e imprescindível entre o prazo das aplicações e o prazo de captação
de recursos. De repente, as instituições financeiras encontram-se com uma
carteira importante de seus próprios títulos. Apertadas pelas liquidações
antecipadas, freqüentemente se lançam desesperadas ao mercado, oferecendo
um deságio maior. Isso dá início a todo um processo de reajustamento da taxa

793
Cf. Delfim Netto, 1967b.
794
Delfim Netto, 1967c, p.2.
795
Id., Ibid., p.2.
796
Id., Ibid., p.3.
797
Cf. Id., Ibid.
221

de juros extremamente desastroso para a economia nacional. A tolice, do


ponto de vista social, a que pode levar tal sistema pode ser apreciada quando
se considera que a curto prazo o volume total de poupanças líquidas é limitado
e que todos os agentes financeiros não bancários se lançam, ao mesmo tempo,
num mercado limitado, isto é, com oferta rígida, elevando a taxa de juros. Com
isso prejudica-se, de fato, o nível de investimento e, a um prazo um pouco
mais longo, todo o desenvolvimento econômico nacional. 798
Ainda que nem sempre se exprima dessa forma, toda a política fiscal e monetária, sob o
ponto de vista de Delfim, gira em torno da acumulação de poupanças para o investimento
produtivo. Por isso, as taxas de juros seriam a pedra de toque do desenvolvimento brasileiro.
Se fossem altas demais, não apenas o setor privado teria sua capacidade de investimento
comprometida, como também a aplicação financeira da poupança se tornaria mais atrativa que
sua aplicação produtiva. Isso seria claramente um caminho perigoso. Daí a necessidade
primordial do combate às altas taxas de juros, que podem redirecionar a poupança para fora do
processo produtivo. Assim, seria ainda extremamente deletério o direcionamento da poupança,
já limitada, para instituições financeiras em troca do pagamento de juros altos.
Delfim esclarece o problema para justificar a aplicação de uma política monetária global
discriminatória: as empresas maiores já teriam garantido seu financiamento, inclusive com
“garantias do exterior”799, fosse para fins produtivos, fosse para fins especulativos, e o peso de
restrições indiscriminadas recairia apenas sobre as pequenas e médias empresas. O problema
da taxa de juros teria que ser combatido em “suas bases estruturais e institucionais, definindo-
se com clareza e rigor a amplitude e a natureza da ação de cada agente financeiro” 800. As Bolsas
de Valores funcionariam como um “centro unificador do mercado de dinheiro” 801, ampliando
esse mercado e permitindo o estabelecimento de uma taxa de juros “compatível e adequada às
necessidades do nosso desenvolvimento econômico”802.
Em termos de política externa, Delfim Netto defende, já em 1968, a desvalorização da
moeda brasileira e afirma que o FMI ou a pressão estadunidense nada teriam a ver com isso.
Tratar-se-ia da necessidade de ajuste da taxa cambial por conta da inflação. Assim, a equipe
econômica defenderia a competitividade brasileira no exterior ao desvalorizar a moeda devido
à alteração das relações entre preços internos e externos, que havia tornado mais caros os

798
Delfim Netto, 1967c, p.3.
799
Id., Ibid., p.3.
800
Id., Ibid., p.3.
801
Id., Ibid., p.3.
802
Id., Ibid., p.3.
222

produtos brasileiros no exterior e mais baratos os produtos estrangeiros no Brasil, o que, por
sua vez, diminuiria o nível de renda e de emprego internos803:

Êste é o ponto importante: enquanto estamos aumentando as exportações e


reduzindo as importações, estamos realmente dando maior emprêgo à
coletividade brasileira, e possibilitando a utilização da capacidade ociosa da
economia e, conseqüentemente, aumentando o nível de consumo e do bem-
estar geral da coletividade. Muito ao contrário do que pensam os fantasiosos,
a manutenção de uma política cambial realista, isto é, que mantém as relações
entre os preços internos e externos, destina-se a elevar o nível de renda e
emprêgo no Brasil e não a beneficiar qualquer agência internacional. 804
Delfim retoma essa argumentação em texto de dezembro de 1968805, em que esclarece
mais cautelosamente o significado da alteração da taxa cambial para a compensação da inflação.
Explica que a taxa cambial nada mais é que o preço de uma moeda em relação à outra. Caso
houvesse inflação de 100% no Brasil e de zero na Alemanha, por exemplo, seria muito
interessante para o Brasil se a Alemanha aceitasse pagar o dobro de marcos pela mesma
quantidade de algodão, mas provavelmente eles prefeririam comprar de outro produtor no
mercado internacional.806
Em seu primeiro trabalho teórico do período, em coautoria com Andrade Pinto, O Café
do Brasil, Delfim Netto constatou o acerto do prognóstico de sua tese doutoral: ao manter altos
os preços do café, o Brasil rapidamente perdeu mercado para os concorrentes. O país deveria
mudar sua postura e aproveitar as condições internas favoráveis para recuperar o mercado e
abocanhar maiores fatias da demanda em expansão através de uma política de preços flexível.
Delfim combate os críticos da política cambial do governo não apenas ao evidenciar, de
seu ponto de vista, a catástrofe que decorreria da estabilidade cambial frente à alta inflação,
mas também ao afirmar que tais críticos tinham conseguido realizar uma inflação de 15% por
trimestre quando estiveram no poder: “Em outras palavras, em 1963 conseguiram o pior dos
mundos, o próprio mundo-cão: a maior taxa de inflação da História do Brasil e a menor taxa de
crescimento desde os tempos coloniais. Hoje discursam, escrevem artigos e exigem
explicações”807.
O ministro aproveita para avançar sobre as causas da inflação e expõe aquilo que ele
chama de “’servo-mecanismo’”, que controlaria a economia brasileira: “quando visualizamos

803
Cf. Delfim Netto, 1968a.
804
Id., Ibid., p.2.
805
Cf. Delfim Netto, 1968d.
806
Cf. Id., Ibid.
807
Id., Ibid., p.5.
223

os instrumentos de correção em vigor (política salarial, política de aluguéis, correção


monetária)” tender-se-ia “a sustentar a taxa de inflação anual entre 20 e 30%”808. Segundo ele,

Essa hipótese adquire maior verossimilhança quando os reajustes salariais


ultrapassam o aumento dos preços no período, o que significa que, sem a
repetição da taxa de inflação haveria uma redistribuição de renda inteiramente
incompatível com a funcionamento [sic] de uma economia com as estruturas
sociais da brasileira.809
O servo-mecanismo, então, seria um processo inflacionário autoalimentado e fora de
controle devido à reposição de custos que se reflete subsequentemente no aumento dos preços.
Em outros termos, Delfim evidencia a justeza do aumento de preços através de aumentos
salariais médios supostamente acima da inflação. Os assalariados, por piores que fossem suas
condições de vida, teriam de aceitar sua evolução vagarosa – na melhor das hipóteses,
acompanhando o aumento da produtividade da economia – a fim de que se erigisse um processo
de crescimento econômico sustentado. Sem os sindicatos dos trabalhadores, silenciados através
da repressão política, sua única opção seria a conscientização a respeito do problema e sua
mobilização nesse sentido.
Delfim Netto afirma, também, ser preciso enfatizar que o crescimento do setor industrial
brasileiro não poderia mais se dar através do processo de substituição de importações. A
moderna tecnologia determinaria a utilização de economias de escala que, “agora mais do que
nunca”810, exigiria a ampliação do mercado consumidor, possível apenas com a exportação. A
estrutura da oferta industrial interna não poderia ser sustentada apenas pelo mercado interno
brasileiro naquele momento, determinado pelo pequeno número de consumidores e por seu
baixo nível de renda per capita811,

[...] de forma que a plena utilização do capital já instalado (que representa o


recurso mais escasso do País) implica numa abertura para o exterior que
possibilite de um lado uma elevação substancial da produção e da
produtividade do setor agrícola (sem baixa dos preços relativos) e de outro
uma ampliação bastante razoável das exportações industriais. 812
Somente essa perspectiva poderia antever a elevação dos salários reais e do nível de
renda per capita. Desse modo, “ao contrário do que pode parecer aos ingênuos”813, a elevação
do nível de produção, de emprego e de salários reais internos estaria intimamente associada ao

808
Delfim Netto, 1968d, p.5.
809
Id., Ibid., p.5.
810
Delfim Netto, 1968a, p.2
811
Cf. Id., Ibid.
812
Id., Ibid., p.3
813
Id., Ibid., p.3
224

sucesso de uma política agressiva de comércio exterior814. Sua política econômica se desenha
e se complexifica aos poucos: já que os assalariados teriam de aceitar sua condição de
assalariados em um país onde o capital é escasso, a alternativa mais viável para o aumento do
consumo em escala seria a exportação. Esse caminho superaria vários empecilhos ao
desenvolvimento, resolvendo inclusive o problema da competitividade dos produtos brasileiros
no exterior através dos menores salários e da correção cambial.
Se Delfim não se esquivava dos problemas relativos à ausência de uma vigorosa
acumulação endógena de capital, como ele efetivamente via a capacidade de poupança
brasileira? Segundo afirma, a economia do país teria a capacidade de gerar internamente a taxa
de poupança necessária para crescer 7% ao ano. O maior empecilho seria o previsível déficit
no balanço de pagamentos, que sujeitaria o Brasil a pressões externas. Ele avança:

A política econômica e financeira do Govêrno é, assim, um todo coerente com


objetivos bem definidos que no primeiro trimestre podem resumir-se nos
seguintes pontos: 1) garantir o pleno funcionamento do sistema econômico;
2) estimular uma política agressiva de comércio exterior; 3) reduzir ao
máximo os efeitos sôbre os preços, das tensões de custo criadas pela
modificação da taxa cambial e da alíquota média do IPI; 4) criar tôdas as
condições favoráveis a uma ampliação rápida dos investimentos privados; 5)
proteger a indústria nacional.815
Com a realização desses objetivos, tudo indicaria a ampliação do nível de investimentos,
garantindo o crescimento do PIB no longo prazo.816
Por ocasião do 40º aniversário do Centro das Indústrias de São Paulo, em 1968, Delfim
realiza um discurso em que louva a ajuda fornecida à construção do “Brasil viável, que a
despeito de tudo cresce; o Brasil que ignorando os falsos intelectuais dos anos vinte e não se
sabendo mestiço e tropical, faz-se grande; o Brasil que contém em si o germe de um mundo
mais razoável, mais tolerante e mais ecumênico” 817. Dessa maneira, no arcabouço ideológico
de Delfim, como também já vimos no capítulo anterior, a diversidade cultural não é mais
empecilho para o desenvolvimento brasileiro – e pode inclusive ser seu potencializador –, e
entra em cena o Brasil Grande, onde há lugar para todos. Um novo mundo, permeado pela paz
social e ainda em estado latente, tornar-se-ia realidade através do desenvolvimento capitalista.
Paralelamente, Delfim manteve-se alerta para os desenvolvimentos recentes da teoria
econômica e a maior realização de pesquisas empíricas nos países centrais do capitalismo. Elas
teriam demonstrado compatíveis os vários objetivos da equipe econômica sob sua égide. Por

814
Cf. Delfim Netto, 1968a.
815
Id., Ibid., p.3
816
Cf. Id., Ibid.
817
Delfim Netto, 1968b, p.2.
225

exemplo, segundo Delfim, a curva de Philips, de 1958, revelaria a relação entre taxa de aumento
salarial e taxa de desemprego. Em outro exemplo interessante, o economista inglês Robert
Neild, em 1963, teria demonstrado que os preços industriais se formariam basicamente em
função das variações de salários e dos custos dos insumos básicos, dependendo muito pouco da
demanda. A combinação desses conhecimentos obrigaria os gestores da política econômica a
optar, a partir de certo ponto, entre a estabilidade de preços e o pleno emprego, o que teria seus
efeitos sobre o balanço de pagamentos, a taxa de investimento e a taxa de desenvolvimento 818.
Com isso, ficaram para trás os temas da chamada economia subdesenvolvida. O Brasil teria
uma economia capitalista usual na qual a capacidade endógena de acumulação estaria travada.
A princípio, Delfim Netto relativiza as afirmações baseadas nos autores estrangeiros,
que ele utilizou de forma instrumental: não se poderia portar-se diante delas como diante da lei
da gravidade. O exercício da política econômica sobre a parte que cabe ao comportamento dos
homens exigiria o estabelecimento de um sistema de valoração dos resultados, bem como a
construção de um programa que estabelecesse vínculos entre os objetivos desejados e os
instrumentos politicamente utilizáveis819:

Êste é um ponto importante e precisa ser enfatizado, porque qualquer aluno


de nossas escolas de economia é capaz de traçar um programa para acelerar o
desenvolvimento e terminar com a inflação. Se não restringirmos a escolha
aos instrumentos polìticamente utilizáveis os dois objetivos podem ser
fàcilmente atingidos separando-se o setor de bens de consumo do setor de bens
de produção.820
O discurso acima – no Centro das Indústrias de São Paulo – foi publicado em junho de
1968 e proferido entre abril e junho do mesmo ano, ou seja, aproximadamente seis meses antes
do AI-5, decretado em 13 de dezembro daquele ano, que buscou precisamente a garantia das
condições políticas consideradas necessárias ao desenvolvimento econômico.

4.3.2 – A defesa da política econômica

No mesmo discurso, ainda, Delfim Netto defende que a economia brasileira teria se
recuperado no primeiro semestre de 1968 graças às políticas fiscal e monetária do governo, com
recuperação da produção industrial e safra agrícola superior à de 1967. Além disso, os
investimentos privados estariam crescendo e, assim como os públicos, atingindo patamares sem
precedentes. A taxa de inflação estaria sendo mantida sob controle e tenderia a decrescer. As

818
Cf. Delfim Netto, 1968b.
819
Cf. Id., Ibid.
820
Id., Ibid., p.3.
226

exportações teriam sido intensamente estimuladas. O movimento de capitais teria sido


facilitado e se verificava um aumento das reservas externas do Brasil.821
Após citar Voltaire, “trabalhar sem muito teorizar é a única forma de transformar a vida
em algo suportável”822, Delfim Netto afirma o seguinte:

É evidente que tanto os objetivos quanto os instrumentos da política


econômica precisam ser criticados. A crítica inteligente e honesta deve ser
feita, precisa ser feita, pois ela é um dos pólos na dialética infinita que nos
move aos objetivos fixados. Há, entretanto, dois tipos de crítica que têm de
ser rebatidos em seu nascedouro, pois encerram – pela ilogicidade e pela
promessa do impossível – perigos para a consecução de tôda a política
econômica.823
A primeira delas seria aquela que ignora o fato de que a soma das partes não pode ser
maior que o todo, aquela do empresário que pede o combate à inflação, mas reclama por não
poder aumentar sua margem de lucro, dos produtores agrícolas que querem elevar seus preços
e, ao mesmo tempo, que desejam que caiam os preços dos consumidores, dos que querem mais
verbas para saúde, educação e pesquisa, mas exigem a manutenção dos investimentos em
infraestrutura e debatem contra o déficit orçamentário, dos que desejam aumentos salariais
acima dos aumentos de produtividade e insistem no combate à inflação, dos que desejam
maiores investimentos e maior consumo, mas criticam o déficit no balanço de pagamentos. 824
A segunda seria aquela que pede aumento dos empréstimos para os chamados “negócios
legítimos”825, recriminam o aumento nos meios de pagamento, solicitam proteção tarifária
indiscriminada e exigem amplo programa de exportações, dos que se queixam da pressão
tarifária, mas querem maiores investimentos em infraestrutura, dos que exigem crédito ao setor
rural mas se queixam do aumento de aplicações do Banco do Brasil, em suma, “dos que
acreditam sèriamente que o longo prazo pode ser feito sem curto prazo” 826 e que se arrogam o
“monopólio do ‘bom-senso’, que em geral representa sofismas esclarecidos há mais de um
século. Como disse Keynes êsses ‘homens práticos’ são, via de regra, escravos do pensamento
de algum ‘economista defunto’”827.
Esse tipo de crítica não poderia conduzir a nenhum resultado sério, segundo Delfim
Netto, e apenas evidenciaria a necessidade de o governo encontrar formas de colaboração mais
profundas e eficazes com organismos como o Centro das Indústrias:

821
Cf. Delfim Netto, 1968b.
822
Voltaire apud Delfim Netto, 1968b, p.4.
823
Delfim Netto, 1968b, p.4.
824
Cf. Id., Ibid.
825
Id., Ibid., p.5.
826
Id., Ibid., p.5.
827
Id., Ibid., p.5.
227

Estamos convencidos de que o estabelecimento de um sistema de


comunicações melhor do que o atual, em que muitos organismos
independentes possam dar a sua contribuição para uma visão multifária do
sistema econômico nacional é absolutamente necessário para o engajamento
mais profundo dos vários segmentos da sociedade brasileira na execução do
projeto nacional. Sem êsse engajamento, sem que os vários setores
metabolizem a estratégia global da política econômica e sem que cada um
compreenda o seu papel dentro do sistema, não passaremos de parceiros
ocasionais na grande aventura do desenvolvimento nacional, desgastando-nos
em atritos adjetivos sem conseguirmos somar nas questões substantivas. 828
Assim, Delfim Netto deixa claro mais uma vez que, das diferentes classes sociais e suas
variadas frações, esperava-se a metabolização da estratégia global e a compreensão de seu
papel dentro do sistema, ou seja, a colaboração com a política econômica do governo, a
aceitação de suas decisões, que necessariamente envolviam a reconfiguração das relações entre
as classes sociais no país, sem que se questionasse em demasia a parte que lhes cabia. Para ele,
a sociedade civil é o empresariado, que realiza o processo de acumulação de capital e gera
empregos. Havendo inflação controlada, então, juntamente com o progresso do empresariado,
aos trabalhadores resta a máxima do Dr. Pangloss: tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos
possíveis829.
Em agosto de 1968, em pronunciamento na VII Conferência Brasileira de Comércio
Exterior, na sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Delfim Netto oferece a seguinte
concepção de desenvolvimento econômico. Ele afirma que o fenômeno

[...] consiste num ajustamento entre a estrutura da demanda de bens de serviço


e da oferta dêles, isto é, o desenvolvimento consiste numa modificação de tôda
a sociedade, que vai pouco a pouco ajustando seu aparelho produtivo, para
atender à demanda, diversificando-se cada vez que a renda cresce e altera a
própria distribuição. De um lado, nós temos a modificação da demanda, de
outro lado temos a modificação da oferta. O desenvolvimento se completa
quando o aparelho produtivo da sociedade, isto é, a estrutura de emprêsa da
sociedade é capaz de ir-se ajustando às modificações da demanda.830
Nesse discurso, o desenvolvimento econômico deixa de ter como pilar fundamental o
planejamento, tese defendida fortemente por Delfim Netto em seu trabalho de 1962. Aqui o
desenvolvimento econômico praticamente se reduz a um processo de ajustamento. Essa
concepção se encontra no limiar entre a tutela estatal e o amadurecimento do setor privado e,
assim, do mercado, que cria e atende novas necessidades. Delfim, assim, afirma que “a
estrutura da demanda se altera por simples contágio, por simples modificação. Todos nós

828
Delfim Netto, 1968b, p.5.
829
Cf. Voltaire, 2012.
830
Delfim Netto, 1968c, p.3.
228

aprendemos, todos os dias, pelos jornais, pelas revistas, a consumir novos bens, a utilizar novos
serviços. Nós nos ajustamos a uma sociedade que se industrializa rapidamente”831.
A industrialização e a alteração da estrutura da demanda são apresentadas por Delfim
Netto tal como aparecem – ou como se espera que apareçam – ao setor privado: fenômenos
inevitáveis, aos quais se pode ajustar bem ou mal: “Ora, se a estrutura da oferta não fôr
suficientemente elástica, que vai acontecer?” 832. Em um trecho esclarecedor que optamos por
descrever na íntegra, Delfim Netto afirma o seguinte sobre o processo de desenvolvimento
econômico:

[...] é basicamente uma luta. [...] Êste processo não é òbviamente de luta entre
coisas. É um processo de luta entre pessoas. Essa luta não é luta, no sentido
comum. Em sentido figurado, é processo de contradição de interêsses. Os
processos de contradição de interêsses emergem naturalmente na forma de um
processo político, onde os vários grupos da sociedade se exprimem, se opõem,
ou estão a favor do próprio processo. Mas o que eu queria dizer aos senhores
é que o processo do desenvolvimento econômico não é processo pacífico, não
é processo tranqüilo, calmo, não é processo onde não haja irritação e atritos.
Um processo de desenvolvimento é exatamente o processo onde há atritos
entre setores, entre grupos, entre aquêles que estão instalados e aquêles que
precisam instalar-se. Entre aquêles que têm certas regalias dentro do sistema
social e aquêles que estão emergindo e vão disputar estas regalias. É portanto
apenas natural que num processo de desenvolvimento econômico, todo o
sistema social demonstre êste atrito numa forma e num processo político que
está emergindo, que emerge junto com essa modernização da sociedade. Isso
para mostrar aos senhores que não há nada de extraordinário, que quanto mais
rápido fôr o processo de desenvolvimento econômico, tanto mais veemente
será a disputa política de como realizar êste processo. O processo realizado
consiste em decidir quem vai emergir dêle e quem vai ficar para trás. Isto não
é problema puramente econômico, é problema sociológico. É problema
político que abrange tôda a sociedade. Da essência do processo de
desenvolvimento produz-se alteração na distribuição da renda. Êsse processo
produz algumas dificuldades e cria problemas políticos bastante notáveis.
Portanto, na medida em que êle funciona, na medida de desenvolvimento que
realiza não devemos esperar maior paz. Nós devemos esperar maiores
complicações, maiores atritos, maior disputa em tôrno do bolo que está
crescendo. Cabe ao governo, neste sistema, ordenar êste processo de disputa
social. Cabe ao govêrno criar condições para que, dentro das instituições
vigentes, se processem as adaptações e se perpetuem essas condições de auto-
estímulo entre oferta e demanda e demanda e oferta. Se por alguma forma o
processo se estanca, todo o sistema entra em estado de murchidão. Êle hiberna
e fica esperando nôvo momento para emergir. 833
Levando-se em consideração a ocasião do pronunciamento, o objetivo específico de
Delfim era alertar o setor exportador a respeito da política econômica que seria adotada.
Segundo ele, as alterações na estrutura da demanda levariam à necessidade de importações que

831
Delfim Netto, 1968c, p.3.
832
Id., Ibid., p.3.
833
Id., Ibid., p.4.
229

deveriam ser substituídas o mais rápido possível por produção interna, mas que, num primeiro
momento, deveriam ser sustentadas pelas divisas provindas das exportações. O mercado
externo seria um “amortecedor”, ou melhor, esperava-se que se o tornasse através de alterações
na estrutura produtiva da sociedade834, isto é, por conta das limitações da demanda de consumo
e pela capacidade produtiva em expansão, aumenta-se a produtividade através da capacidade
produtiva ociosa, mas, para isso, precisa-se da demanda externa. Assim, a utilização da
capacidade produtiva das grandes empresas estrangeiras e a expansão do nível de emprego
através das exportações, o que inclusive cria novos nichos de atuação para o capital nacional,
configura uma nova forma de integração da economia brasileira com a economia internacional.
Os três fatores limitadores do desenvolvimento, para Delfim, seriam a disponibilidade
de mão-de-obra, a capacidade de poupança e a capacidade para importar. No Brasil, as duas
primeiras não seriam problemas, nem mesmo a capacidade de poupança, pois ele afirma que o
governo seria capaz de gerar a poupança para que o crescimento girasse em torno de 7% ao
ano, sabendo-se que a taxa da poupança não poderia ultrapassar os 19% ou 20% do PIB. Com
investimentos no setor educacional, poder-se-ia preparar a mão-de-obra para trabalhar o
acréscimo anual de capital na economia do país. Mas a única forma de cobrir o déficit no
balanço de pagamentos brasileiro de modo a se atingir crescimento de 7% ao ano seria através
do crescimento da capacidade de exportação da ordem de iguais 7% ao ano. A relação
necessária seria de um para um. Assim, a ampliação das exportações seria a única forma de
cobrir o déficit. Isso seria um problema pelo fato de que a pauta de exportações brasileira se
reduziria a “cinco ou seis grandes produtos de grande importância e de uma centena de produtos
de pequena importância”835.
Levando em conta primeiramente o café, Delfim afirma que haveria condições para que
suas exportações se expandissem 3% ou 4% ao ano – a mesma expansão do comércio
internacional do café –, o que se poderia dar, entre outras coisas, graças ao Convênio
Internacional do Café836:

Representa isto [os cinco principais produtos] aproximadamente um vigésimo


de 1 bilhão e 100 milhões de dólares. Assim, nossa necessidade é
relativamente pequena e depende muito pouco da relação de preços externos
e preços internos. Vê-se, pois, que é sôbre os setecentos milhões de dólares
adicionais que deve recair a expansão necessária para as exportações, o que
dará uma dimensão ao esfôrço interno. Sôbre um bilhão e cem milões de
dólares, nós temos a probabilidade de crescimento da ordem de 2,5 a 3% a.a.
Sôbre os outros setecentos milhões de dólares nós devemos prever que êsse

834
Delfim Netto, 1968c, p.4.
835
Id., Ibid., p.5.
836
Cf. Id., Ibid.
230

crescimento seja da ordem de 15% a.a., para que seja possível chegar à
capacidade de importar da ordem de 7% a.a. [...] Não se trata de ampliar 6 ou
7% a.a. as exportações dos produtos da faixa de 1 bilhão e cem milhões de
dólares. Trata-se realmente de ampliar as exportações dos produtos não
tradicionais [...].837
A estratégia, então, deveria recair sobre a diversificação da pauta de exportação. Os
incentivos dados até o momento teriam se mostrado insuficientes já no primeiro momento de
expansão da economia, revelando-se deficiente a capacidade para importar. A geração de
exportações seria talvez mais importante ainda, segundo Delfim Netto, no que tange às
possibilidades relativas à abundância de mão-de-obra e de terras. Seria preciso mobilizar todo
o setor agrícola para a exportação, e isso empregaria muitas mãos e ocuparia muitas terras. Por
isso, praticamente não havia limites, segundo ele, para a expansão do crédito ao setor agrícola,
de modo a transformar a sociedade brasileira em uma sociedade exportadora838:

Pode-se afirmar, portanto, que a geração desta capacidade para importar, ou


seja, a mobilização da sociedade para o setor exportador é hoje um dos
aspectos mais críticos do desenvolvimento econômico. Se não conseguirmos
transformar a sociedade brasileira em uma sociedade exportadora, abri-la para
o exterior, nós não poderemos gozar dos benefícios dêste processo de auto-
sustentação, em que a demanda anula a oferta, a oferta cria novas condições
de demanda, altera-se a distribuição de renda, enfim criam-se novas reduções
de atração da oferta, e assim por diante. 839
Apesar disso, um sistema de expansão econômica constante não poderia ser construído
sobre a redução das importações, embora Delfim Netto admita, frente aos críticos, que as
facilidades para importar tenham talvez sido excessivas. Entretanto, dificultar as importações
significaria criar dificuldades no volume de investimentos e, portanto, na taxa de crescimento
do produto. A substituição de importações não reduziria o volume total de importações, mas
alteraria sua qualidade. Esse processo ocorreria quase naturalmente à medida que a economia
se desenvolvesse. Processo irreversível e incontornável, portanto, que se pode enfrentar apenas
com a expansão das exportações:

É preciso, portanto, – e é neste ponto que volto a chamar a atenção de uma


conferência com esta – é preciso que a sociedade brasileira e especìficamente
os empresários brasileiros se compenetrem de que além de todos os papéis que
vão exercer no processo do desenvolvimento econômico, têm ainda um muito
mais importante, que é a necessidade de voltarem suas vistas para o exterior,
de se organizarem individualmente ou em grupos, para agredir o mundo, de
levar suas mercadorias para fora dêste País, de montar linhas regulares de
comércio que sustentem uma expansão da capacidade de importar ao longo
dos anos. Sem isso será impossível manter realmente a taxa de crescimento O
gargalo do desenvolvimento brasileiro, na medida em que o desejarmos, será

837
Delfim Netto, 1968c, p.5.
838
Cf. Id., Ibid.
839
Id., Ibid., p.5.
231

a capacidade para importar. Êste é um fato sôbre o qual já existem hoje


bastantes pesquisas empíricas. Algumas dessas pesquisas podem ser
encontradas no IPEA, assim como em alguns documentos que publiquei antes
de assumir o Ministério, e estão agora no Plano Estratégico. 840
Em suma, a relação do setor externo com o desenvolvimento brasileiro é o suprimento
de divisas para importação:

Precisamos, portanto, desesperadamente, de uma forma bastante profunda,


que a sociedade compreenda, que os empresários entendam que chegou a hora
de exportar, não em decorrência dos problemas do balanço de pagamento, não
pelas exigências dos problemas de taxa cambial; é preciso exportar porque
esta é a única forma de pagar as importações necessárias para realizar o
crescimento que desejamos. Não há substituto para essas importações. Se
formos incapazes de mobilizar a sociedade brasileira para pagar essa demanda
de importações, que será da ordem de 6 a 7% ao ano, não conseguiremos
realmente realizar o desenvolvimento econômico. Poderemos dar um salto,
mas quando tudo estiver a pleno valor, teremos dificuldade, o sistema
murchará e será incapaz de voltar-se sôbre si mesmo e se auto-alimentar. Êste
processo de auto-alimentação exige, apresenta como sendo problema básico a
ampliação das exportações. [...] O papel importante de uma reunião desta
natureza é promover um levantamento cartográfico de todos os problemas.
Estão congregados aqui empresários de todos os Estados e Territórios dêste
País. Cada um conhecendo o seu problema pessoal, o seu problema básico. É
preciso que ninguém tenha realmente pejo de expor a sua dificuldade, porque
é do levantamento dêsses pequenos problemas que se acabará formulando
uma política econômica de exportação capaz de mobilizar a sociedade
brasileira.841
Relativamente às crescentes remessas de lucros das empresas transnacionais em
processo de expansão no Brasil, Delfim afirma que elas representariam apenas uma pequena
parte dos estoques investidos, ou seja, a produção anual dessas empresas geraria grandes massas
salariais, pagamento de impostos etc. Portanto, não seria o caso de controlar essas remessas
com o objetivo do equilíbrio no balanço de pagamentos, mas, antes, de colocar na balança o
peso de cada um desses elementos no processo de desenvolvimento. Assim, segundo ele, “o
que se remete [...] é uma pequena parcela do aumento da produção anual, tornada possível pela
entrada do capital, sendo a comparação entre a soma das remessas e o valor [da produção]
completamente irrelevante”842. E avança:

Sem aumento das exportações, não há desenvolvimento; pelo menos, não há


desenvolvimento com liberdade. O fundamental não é, portanto, impedir a
entrada do capital estrangeiro, porque êle poderá vir a causar problemas no
balanço de pagamentos, mas manter um fluxo de entrada de capitais e uma
política cambial coerentes com os objetivos a serem atingidos. Para superar o
problema da remessa, não devemos impedir a entrada do capital, mas
aumentar as exportações. É desagradável, mas parece que chegamos à verdade

840
Delfim Netto, 1968c, p.6.
841
Id., Ibid., p.7.
842
Delfim Netto, 1970b, p.4.
232

fundamental: para crescer, temos de adotar políticas que conduzam ao


crescimento. Tanta lógica para uma tautologia! [...] Devolvo aos leitores
aquilo que postulei no início desta exposição: a paciência para pensar
corretamente, tendo em vista não as conveniências ideológicas, mas os
objetivos nacionais. Sò assim seremos um dia desenvolvidos e livres. 843
Para o Brasil crescer, portanto, era preciso que fossem adotadas políticas que
conduzissem ao desenvolvimento do capitalismo, o que proporcionaria o alcance da liberdade
nacional. Delfim Netto, dessa maneira, revela a assimilação de posicionamentos dos militares
e lhes confere um sentido econômico: ele é parte da construção ideológica do regime militar.
Portanto, não apenas adere ao regime, mas desenvolve seu discurso.
Delfim concebe que a diversificação da estrutura produtiva da economia passa pelo
incentivo ao comércio externo e decorre da demanda externa por produtos potencialmente
produtíveis no Brasil por meio da utilização de recursos ociosos ou da introdução de novas
tecnologias. Isso contribuiria para a elevação do nível de produtividade em todos os setores e
regiões do país, realizando crescimento econômico desconcentrado com “integração
nacional”844 como parte do projeto político da ditadura militar ao qual o “sistema econômico”845
é chamado a contribuir:

[...] a expansão do sistema econômico não é um fim em si mesmo, mas um


instrumento auxiliar na construção do poder nacional. Devemos cuidar,
portanto, de utilizar em cada momento não apenas as linhas de maior
rentabilidade econômica, mas de balancear a utilização dessas linhas, de
maneira a compatibilizar a maior taxa de expansão econômica possível, com
o objetivo mais amplo e igualmente fundamental, da integração nacional. 846
A expansão da demanda externa possibilitaria, então, o aumento da especialização na
produção de certos artigos – devido à disponibilidade dos recursos naturais –, o que traria
consigo incrementos de produtividade, com uma “política tarifária inteligente” 847 que não
reduziria o volume de comércio ou protegeria a ineficiência, mas que permitiria que as empresas
instaladas no país superassem as “desvantagens iniciais de um mercado estreito” 848 ou
utilizassem “recursos sem usos alternativos” 849:

Êsse fato é evidente quando se considera que os países que têm hoje o maior
volume de comércio (EUA, Alemanha Ocidental e Japão) sempre praticaram
políticas tarifárias coerentes com o objetivo de fortalecer o seu poder nacional.
Ainda hoje a leitura do Report on Manufactures, apresentado em dezembro de

843
Delfim Netto, 1970b, p.4.
844
Id., Ibid., p.5.
845
Id., Ibid., p.5.
846
Id., Ibid., p.5.
847
Delfim Netto, 1971b, p.7.
848
Id., Ibid., p.7.
849
Id., Ibid., p.7.
233

1791 (há dois séculos, portanto) por Hamilton ao Congresso Americano é


recompensadora; na Alemanha desde o início do século as tarifas exerceram
um papel importante na expansão e diversificação da produção industrial, sob
a influência do pensamento e List e Schuller e no Japão, depois da segunda
década desde século, cumpriram o mesmo papel.850
Isso corrobora nossa afirmação anterior de que Delfim vê o capitalismo brasileiro como
isento de particularidades e singularidades históricas, mas também esclarece que, para ele, as
diferenças seriam desvios em relação ao capitalismo ideal. A tutela estatal, nesse ínterim,
aparece como promotora da superação das imperfeições da economia capitalista no Brasil. Em
uma palavra, o protecionismo, desde que seja eficiente e potencialize a acumulação interna de
capital e esteja relacionado a uma política de longo prazo, independentemente das
particularidades históricas, pode ser vantajoso.
A observação desse ponto é importante e permite compreender seu projeto nacional:

O mercado interno é o que interessa, mas ele não pode ser construído sem o
mercado externo. E por que não pode? Porque dos vários inibidores que um
país pode ter no seu processo de desenvolvimento, a escassez de poupança, a
deficiência de mão-de-obra e a insuficiência de poupança externa, o Brasil
tem apenas um desses inibidores ainda funcionando em nível razoável. 851
Assim, a insuficiência da poupança externa seria a última imperfeição remanescente do
capitalismo no Brasil – que não é o capitalismo brasileiro propriamente, já que o modo
capitalista de produção não assumiria formas particulares. Em 1972, em discurso em Nova
Iorque, Delfim afirmou que o Brasil estava fomentando a abertura da economia para
investimentos externos no sentido de atração de “capital, tecnologia e experiência gerencial” 852.
Com base nisso, Delfim Netto clama por “um trabalho conjunto”853 entre os países “para
o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional”854 em que “o comércio e os
negócios financeiros deveriam se desenvolver num estilo dinâmico, com maior justiça para os
países em desenvolvimento”855. A reforma do sistema monetário internacional que estava
ocorrendo naquele momento não deveria se transformar, para Delfim, em obstáculo ao fluxo de
comércio e capitais.
Nessa nova ordem defendida por Delfim, dois resultados básicos deveriam ser
alcançados:

[...] 1) controle racional da liquidez internacional, que deve repousar nos


direitos especiais de saque e não mais depender da situação do balanço de

850
Delfim Netto, 1971b, p.7.
851
Delfim Netto, 1972a, p.1
852
Delfim Netto, 1972b, p.8.
853
Id., Ibid., p.9.
854
Id., Ibid., p.9.
855
Id., Ibid., p.9.
234

pagamentos de um ou mais países, ou do suprimento de ouro; 2) melhor


funcionamento do processo de reajuste do balanço de pagamentos. Isso
poderia ser alcançado mediante acordo sobre objetivos compatíveis do
balanço de pagamentos por um esforço de coordenação das políticas
monetárias dos países mais importantes e através de reajuste imediato das
taxas de câmbio, tanto dos países deficitários como dos países superavitários,
sem prejuízo dos sistemas de paridades ou da utilização de políticas internas
quando se fizerem convenientes. 856
Nas novas regras de comércio e política internacional em favor das quais Delfim Netto
se posiciona, “todos os países devem procurar a eliminação das barreiras não-tarifárias ao fluxo
de mercadorias”857. Em seguida, a incitação à colaboração dos Estados Unidos toma quase um
tom de ameaça:

É interessante assinalar, entretanto, que mesmo países de pequeno significado


econômico podem atingir, através de ações ou reações, setores sensíveis da
economia americana. Embora disso não possa resultar maior impacto à
economia americana, por causa de sua espetacular dimensão, podem porém
surgir reações políticas por parte dos setores atingidos. Estes poderiam acionar
seus instrumentos de representatividade política ou administrativa e causar
assim dificuldades na administração da política econômica exterior. 858
Ele sugere que o Brasil poderia ocasionar dificuldades na administração da política
externa dos EUA através de ações e reações que atingissem setores sensíveis da economia
americana. Mas o que Delfim Netto, como representante do governo brasileiro, espera dos
países desenvolvidos?

Há generalizada expectativa no sentido de que os Estados Unidos e outros


países industriais possam se unir na adoção de um sistema expressivo de
preferências gerais para as exportações de manufaturados dos países em
desenvolvimento. Mas, acima de tudo, é essencial que todos os países
industriais se abstenham de impor novas restrições às importações dos países
em desenvolvimento. [...] Não nos esqueçamos de que a nova ordem terá de
refletir novas realidades, inteiramente diferentes das que prevaleciam no final
da Segunda Guerra Mundial, e que propiciaram um sistema que garantiu ao
mundo vinte e cinco anos de progresso. Agora, parceiros mais fortes terão
lugar à mesa, novas vozes se ouvirão e, entre estas, a voz do mundo em
desenvolvimento, cujos interesses deverão ser tratados de forma mais
compreensiva. O funcionamento tranqüilo do sistema monetário internacional
e um comércio exterior mais liberal exigirão concessões de todas as partes
interessadas. Não tenhamos medo dessas concessões. Elas beneficiarão a
todas as nações na sua luta por bem-estar, e farão uma preciosa contribuição,
para a cooperação internacional e para a paz mundial. 859

856
Delfim Netto, 1972b, p.9
857
Id., Ibid., p.9
858
Id., Ibid., p.8
859
Id., Ibid., p.10.
235

Assim, em benefício da cooperação internacional e da paz mundial, Delfim clama pelo


auxílio dos países desenvolvidos, que deveriam importar manufaturados preferencialmente dos
países em desenvolvimento, assim como se abster de novas restrições comerciais.
Apesar disso, no mesmo ano, Delfim dirá que o déficit no balanço de transações
correntes se trata de algo a ser comemorado, pois significa crescimento econômico:

A economia brasileira é uma devoradora de importações. Se crescem as


exportações a uma taxa realmente significativa, crescem também as
importações. Isto significa, nada mais, nada menos, que estamos crescendo
aceleradamente. Tivemos um crescimento das importações no primeiro
semestre da ordem de 22%, passando para o nível de 1.880 milhões de dólares.
Isso mostra que deveremos ter uma importação, este ano, da ordem de US$
3,9 bilhões. E deveremos ter um deficit no balanço de comércio da ordem de
US$ 300 milhões. [...] Um país que deseja utilizar o capital estrangeiro para
complementar sua poupança interna tem que ter deficit no balanço em conta
corrente, porque esta é a única fórmula de absorver o capital estrangeiro. De
forma que, ao contrário do que freqüentemente se diz com uma certa ênfase e
uma certa elegância, o deficit no balanço do comércio não significa nada; é
um instrumento pelo qual nos estamos apropriando da poupança externa. Se
fosse ao contrário, significaria que estaríamos financiando o resto do mundo,
o que, realmente, o milagre não permite isso.860
Em 1968, Delfim Netto tenta realizar, entre outras coisas, um panorama das medidas de
política econômica e financeira tomadas pelo governo em 1967-68. Ele comemora os bons
resultados que apontariam para o controle da inflação e o aumento do crescimento econômico,
reafirmando as potencialidades da economia brasileira. Delfim defende que o Brasil possuiria
as condições necessárias para um “desenvolvimento auto-sustentável”861 com base na
ampliação de seu mercado interno; seria condição básica para isso, como já vimos, a ampliação
do mercado externo. A retomada da aceleração do desenvolvimento econômico dependeria de
o governo garantir a estabilidade econômica através de três condições necessárias: a elevação
relativa das taxas de lucro de modo a garantir a canalização da poupança ao setor produtivo, a
disposição de fundos excedentes para investir por parte dos empresários e a ampliação da
demanda de modo a “assegurar a plena utilização da capacidade produtiva gerada nos
momentos subsequentes”862.
Já em 1971, Delfim afirma, em relação à inflação, que a tentativa de controle brusco
sobre a taxa de inflação seria “desaconselhável” sob o ponto de vista dos “custos sociais” 863 e

860
Delfim Netto, 1972c, p.23, grifo nosso.
861
Delfim Netto, 1968f, p.3.
862
Id., Ibid., p.4.
863
Delfim Netto, 1971a, p.8.
236

“dramas individuais”864, com redução da taxa de crescimento do PIB por alguns anos – crise
que duraria por três ou quatro anos – e liquidação de empresas despreparadas para enfrentar um
programa “radical e conseqüente”865 que eliminasse as tensões inflacionárias. Ele já considera
o processo inflacionário sob controle em 1971, ou seja, o chamado “combate gradualista à
inflação”866 teria obtido sucesso: “[...] tudo indica que pelo mesmo tratamento gradualista
continuaremos reduzindo a taxa inflacionária”867.
Em 1973, último ano do milagre, Delfim pouco se pronuncia. Quando o faz em palestra
na Escola Superior de Guerra (ESG), ressalta o aumento na demanda resultante da abertura do
Brasil ao exterior:

Porque sem o aumento rápido da demanda externa, onde iríamos colocar 5


milhões de toneladas de soja, quando há três anos só produzíamos 600 mil?
Como estimular a ampliação da escala de produção industrial, sem a poderosa
alavanca da demanda? Sem o advento da Taxa Flexível de Câmbio e sem os
estímulos fiscais de exportação, quem haveria de tomar os riscos da aventura
do mercado externo? Nesse ponto está o exemplo de como o homem pode
ficar prisioneiro de certos fantasmas ideológicos; por mais de vinte anos os
países subdesenvolvidos, especialmente na América Latina, mantiveram-se
inibidos em seu relacionamento com o comércio exterior, porque uns
iluministas na CEPAL provaram – com base num pretenso determinismo
histórico – que o aumento das exportações somente conduziria à deterioração
dos “termos de intercâmbio”. Que de nada adiantaria forçar as exportações,
porque sempre seriam aviltados os preços de nossos produtos agrícolas
enquanto estaríamos obrigados a pagar mais caro pelos bens industriais. [...]
Os países que ficaram com medo de perder nas relações de troca
permaneceram onde estavam. Já o Brasil apoiou toda a sua política na crença
de que somos um povo capaz de produzir aqui dentro qualquer produto, a
preços de concorrência no mercado mundial. [...] Quem quiser entrar no
mercado mundial terá de produzir a preços mais baixos, vender a preços de
concorrência, perdendo mesmo em “termos de intercâmbio” mas ganhando
em volume, suplantando os competidores menos eficazes. Foi assim,
vendendo tudo mais barato que o Japão saiu de uma exportação de 900
milhões de dólares em 1950, para 30 bilhões agora. E é assim que o Brasil
deixou vinte anos de exportação estagnada ao nível de 1,5 bilhões para 5
bilhões e meio de dólares este ano. Com dois bilhões de produtos
industrializados.868
A política externa, portanto, teria sido um sucesso. As exportações permitiriam a melhor
utilização da capacidade de importar do país, tornando, assim, mais elástica a oferta interna de

864
Delfim Netto, 1971a, p.8
865
Id., Ibid., p.8
866
Id., Ibid., p.8
867
Id., Ibid., p.8
868
Delfim Netto, 1973, p.7.
237

bens e ajudando a combater a inflação, ou seja, “uma espécie de amortecedor para as tensões
internas de preços”869, conforme já foi largamente apontado neste trabalho.

4.3.3 – O projeto político nacional segundo Delfim Netto

Por que Delfim Netto joga, continuamente, sua artilharia contra a CEPAL? Em sua
concepção, o planejamento foi substituído pela operacionalização de curto prazo da política
econômica. Ao passo que ele não menciona mais os problemas intersetoriais, concebe que a
inflação está controlada com a Comissão Interministerial de Preços, a política monetária,
definida, e o problema do câmbio, resolvido. Não é preciso planejamento para resolver a
questão regional, mas sim o oferecimento de incentivos fiscais para a expansão capitalista nas
áreas prioritárias. O que Delfim passou a chamar de planejamento, nesse sentido, é um governo
capaz de arbitrar as variáveis econômicas. Assim, houve uma sutil mudança de
posicionamentos em relação às suas concepções como acadêmico, que atentava aos mais
variados detalhes setoriais da economia brasileira e os problematizava em função dos
desenvolvimentos regionais e nacional. Esse método de análise da realidade brasileira foi
substituído, enfim, pelo manejo das variáveis econômicas para superar os gargalos da
economia. De acordo com essas variáveis, o Brasil parecia estar superando o
subdesenvolvimento, ou seja, Delfim Netto considera isso como a prova de que os intelectuais
cepalinos estavam igualmente superados pela realidade. Seu planejamento havia superado o
tipo de planejamento cepalino – que havia sido parcialmente dele próprio no passado e que se
enraizava na análise dos desequilíbrios intersetoriais, regionais e sociais. Delfim se engajou,
assim, na defesa do projeto nacional que ajudou a construir.
Assim, em 1970, Delfim argumenta contra a “futurologia”870 proveniente da produção
teórica dos representantes da CEPAL:

[...] como é possível prever a longo prazo no campo econômico, sem uma idéia
nítida sôbre a evolução política da sociedade? É um fato meridianamente claro
que a resposta do sistema econômico aos estímulos depende, bàsicamente, da
estrutura social mais ampla em que êle está inserido (da organização do poder,
dos valôres fundamentais da sociedade, da estrutura da propriedade etc.). A
organização do sistema econômico condiciona e é condicionada pela
organização social global, sendo, portanto, uma simples ilusão (ou a revelação
de um grande primarismo sociológico) a crença de que se pode projetar as
variáveis econômicas para períodos maiores do que dois ou três anos, mesmo
assim, com erros consideráveis. 871

869
Delfim Netto, 1973, p.8.
870
Cf. Delfim Netto, 1970a.
871
Id., Ibid., p.17-8, grifo do autor.
238

Com isso, a CEPAL é criticada por Delfim por ter estimado, em 1950, o volume da
produção de café no Brasil até 1960. Ao não levar em consideração o problema político, ou
seja, a “vontade política da sociedade”872, a CEPAL teria estimado a produção de 1960 em 20,8
milhões de sacas, quando, na realidade, foi de 43,8 milhões. Os “futurólogos”873 da CEPAL
teriam previsto em 1949 que o Brasil estaria em situação semelhante à do México, com graves
entraves ao desenvolvimento econômico por conta do rápido crescimento demográfico, das
enormes necessidades potenciais de capital, da alta taxa de utilização de mão-de-obra na
agricultura e exportações baixas per capita. Delfim Netto afirma o que segue:

Isso foi escrito há vinte anos [...]. Hoje, o México e o Brasil estão em
desenvolvimento acelerado, o primeiro mantém e o segundo luta para
conseguir equilíbrio monetário interno e nenhum dos dois tem qualquer
problema no balanço de pagamentos. [...] A realidade não conta. A sociedade
tem memória curta. Os futurólogos podem continuar a falar sôbre a taxa de
crescimento da população... Segundo entendo, uma sociedade pode dar-se ao
luxo de manter algumas pessoas especulando sôbre o futuro, porque isso,
inegàvelmente, produz certa satisfação estética, mas não deve levá-las muito
a sério. Aliás, os futurólogos do presente não sabem a que perigos estão
expondo os futurólogos do futuro. Caso se queira, com Kahn, “pensar” o “não
pensável”, suponha-se que os detentores do poder político no século XIX
tivessem levado Malthus a sério. Então, a aplicação de algum método
anticonceptivo (dentro da maior moralidade, como queira o bom Malthus)
poderia ter agarrado pelas pernas o avô de algum dos atuais futurólogos (ou,
o que é bem pior para mim, o meu próprio avô), com evidente prejuízo para
todos. Só dizendo como minha avó: “Vão brincar de cientista noutra
freguesia”!874
Delfim Netto é o cientista do poder, o tecnocrata, aquele que operacionaliza as variáveis
e percebe os movimentos da sociedade, interferindo sobre eles. Cientistas que partam de
posições distintas, para ele, seriam ideólogos. Poderíamos dizer, sob perspectiva diversa, que
Delfim é o ideólogo do capital nacional tentando ampliar seus espaços possíveis de atuação em
uma economia cujo mercado interno foi transnacionalizado.
Todo esse ataque aos futurólogos teve o objetivo de apontar que a década de 1970
brasileira dependeria do projeto político nacional, “isto é, depende do que se pretende fazer
com a sociedade brasileira encarada globalmente e não do projeto econômico, que há de ser
mero instrumento (ainda que importante) para a construção daquela sociedade” 875. Enquanto o
projeto político da “Revolução”876 não é definido por Delfim Netto, ele está implícito em suas

872
Delfim Netto, 1970a, p.18, grifo do autor.
873
Id., Ibid., p.18.
874
Id., Ibid., p.19-20.
875
Id., Ibid., p.20.
876
Id., Ibid., p.20.
239

afirmações. Delfim é artífice desse projeto ou, pelo menos, cria as condições para que esse
projeto possa se estabilizar. O czar da economia enuncia aquilo que se espera do “setor
econômico”877:

a) criar as condições para a aceleração do desenvolvimento econômico


nacional com: 1. relativa estabilidade monetária, sem o que não há sistema
político viável; 2. relativo equilíbrio do balanço de pagamentos, sem o que
não pode haver independência com relação ao mundo externo; 3. relativo
equilíbrio na distribuição pessoal e regional da renda, sem o que não pode
haver segurança interna. b) tornar viável um sistema político descentralizado
ajustado à realidade nacional, o que significa: 1. manter e estimular o sistema
econômico no caminho da descentralização e da eficiência; 2. liberar o
Govêrno das decisões que possam, sem prejuízo do desenvolvimento e da
segurança nacional, serem tomadas pelo setor privado; 3. estimular a criação
de uma verdadeira economia de mercado; onde os empresários tenham os seus
lucros, mas tenham também as suas responsabilidades (inclusive a da
falência); 4. estimular o fortalecimento de grandes emprêsas nacionais e criar
uma consciência empresarial completamente identificada com os problemas
do desenvolvimento e da segurança. 878
Assim, indo além da visão que se tem do tipo-ideal de tecnocrata, Delfim Netto encarna
o projeto político da Revolução, que também é seu. Sua atuação não foi perpassada por
estranhamento, mas, pelo contrário, foi marcada pela identificação e participação na definição
de seus rumos. Seu estatuto de czar da economia, não obstante, tem de ser relativizado. A
atuação de Delfim Netto também foi constrangida por demandas importantes. Foi como se,
como contrapartida à carta branca que recebeu para atuar na economia, tivesse de orquestrar o
crescimento econômico e a ampliação das taxas de lucro para garantir a estabilidade política do
regime.
Como parte de tal processo de construção de um projeto nacional, Delfim revela sua
maleabilidade para trabalhar em função de diferentes projetos políticos. Isso já ficava claro em
seus escritos como acadêmico. A novidade é que, a partir de 1966, ele torna cada vez mais
palpável o conteúdo concreto de suas concepções, abandonando os níveis teóricos mais
abstratos que poderiam se encaixar em diferentes arranjos políticos.
De todo modo, em seu papel assumido e atribuído de demiurgo de uma sociedade
burguesa moderna sem os elementos nacionais e democráticos dos países desenvolvidos,
Delfim faz uso de conceitos vagos como “sociedade pluralística” 879, que teria, como condição
necessária, a “descentralização do poder político e econômico”880. Pluralismo e

877
Delfim Netto, 1970a, p.20, grifo do autor.
878
Id., Ibid., p.20.
879
Id., Ibid., p.21
880
Id., Ibid., p.21
240

descentralização, nesse contexto, podem ser interpretados como uma maior diversificação da
plutocracia que Delfim Netto encarna.
Mas o que isso significa no arcabouço teórico de um tecnocrata como Delfim Netto?
Para ele, caso surja uma maioria socialmente unificada, seja em torno de uma ideologia, seja
pela existência de um forte e comum interesse econômico, apenas razões de ordem ética
poderiam fazer com que essa maioria respeitasse os direitos da minoria. Isso significaria “o fim
da atividade política como instrumento de mediação e convivência entre as partes da
sociedade”881. Quando controlada por uma ideologia ou por um demagogo, então, a democracia
poderia ser o contrário do que pretende. “E é certamente por isso que a genuína atividade
política tem de ser defendida contra tal democracia [...]. Essa ênfase na descentralização e no
papel do mercado corre o risco de ser classificada com um ‘resquício liberal’ por economistas
‘científicos’”882.
Assim, a genuína atividade política se identificaria com a concepção liberal de que,
grosso modo, os indivíduos contribuiriam para o interesse coletivo através da busca de seus
interesses privados, que teriam de ser necessariamente contraditórios de modo a evitar a
unificação majoritária em torno de uma ideologia ou, por extensão, em torno de interesses de
classe. Novamente, entretanto, Delfim não se constrange ao afirmar as palavras seguintes, que
apontam para a concentração do poder político nas mãos de um grupo social que ele considera
como classe (as Forças Armadas seriam uma classe média), mas sem objetivos econômicos
próprios como classe. Ele afirma isso com base na suposta distância dos militares em relação
aos detentores do poder econômico, que seria débil nacionalmente em decorrência da ausência
de um processo significativo de acumulação endógena de capital. Surge, assim, novamente a
proposição da tutela estatal para determinar um projeto nacional sofisticado e eficiente, de modo
que a unificação de interesses majoritários fosse evitada e, ao mesmo tempo, a meritocracia e
o lucro individual fossem estimulados e cultivados:

O Brasil talvez seja um dos poucos países em desenvolvimento no mundo que


se pode dar ao luxo de formular um projeto nacional tão sofisticado como o
anterior. Isso se deve, na minha opinião: 1. Ao fato de que o poder político
está, hoje, concentrado nas mãos de uma classe média (as fôrças armadas) sem
compromissos com a antiga oligarquia política e que não tem objetivos
econômicos próprios como classe (ou seja, não objetiva utilizar o poder
político como instrumento para vantagens econômicas da classe, mas sim de
tôda a sociedade); 2. ao fato de que existe uma separação muito profunda entre
os detentores do poder político e os detentores do poder econômico;
3. ao fato de que o poder econômico é extremamente débil em têrmos
nacionais, não tendo o empresariado tido tempo para produzir fortunas

881
Delfim Netto, 1970a, p.21, grifo do autor.
882
Id., Ibid., p.21, grifo do autor.
241

realmente significativas e sólidas, nem para obter a integração do setor


industrial com o setor financeiro (o que, freqüentemente, os coloca em
posições antagônicas); 4. ao fato de existir, realmente, uma classe empresarial
bastante ativa e extremamente sensível ao lucro (como se vê agora, à medida
que se criam os estímulos à exportação; como se viu no setor agrícola, tão
logo se criaram condições favoráveis de preços mínimos e créditos; como se
viu com a substituição de importações; como se viu nos espetaculares ciclos
cafeeiros etc.).
É preciso insistir que é a existência desta classe empresarial sensível ao lucro
e rezoàvelmente [sic] agressiva que torna viável, no Brasil, a realização do
projeto desenvolvimento-liberdade-segurança, que parece ser a síntese das
aspirações nacionais, porque é a descentralização do poder econômico que
torna possível a descentralização do poder político, condição essencial para a
realização do exercício da atividade política genuína.883
Dessa maneira, Delfim Netto justifica a existência do governo militar pela ausência de
um processo endógeno significativo de acumulação de capital no Brasil. Em outros termos, ele
afirma que os militares tomaram o poder político em suas mãos em detrimento da oligarquia
política, e a nova elite dirigente militar não teria relação com a classe dominante. O projeto
nacional da ditadura se arrogou a encarnação daquilo que a burguesia nacional não foi capaz de
fazer por si só: a acumulação em níveis suficientes para a autopropulsão do processo de
desenvolvimento e a integração do setor industrial com o setor financeiro, passos importantes
para sua efetivação como classe social.
A ação do governo no “campo econômico”884, para Delfim Netto, deve ser “meramente
instrumental”885, “porque tôda a formulação da política econômica tem de ser subordinada aos
grandes objetivos políticos e informada pela filosofia do projeto de desenvolvimento-liberdade-
segurança”886. O governo busca, assim, a descentralização econômica e a atribuição de
responsabilidades ao empresário brasileiro, que deve ser libertado das “regulamentações
sibilinas, da política econômica contraditória e da prepotência do burocrata despreparado” 887 e
deve assumir a busca por boas oportunidades de investimento e aproveitar os recursos
disponíveis. Assim, o governo pretende “deixar funcionar o mercado, estimulando a
concorrência e criando as condições para que o sistema de preços reflita, efetivamente, a
escassez relagiva [sic] dos fatôres de produção”888.

Essas são as regras do jôgo. O Govêrno deve cumprí-las. O setor privado que
represente o seu papel. Se isso acontecer, a economia crescerá até o limite
físico de suas possibilidades, que é o melhor que se pode conseguir. Eu

883
Delfim Netto, 1970a, p.21-2, grifo do autor.
884
Id., Ibid., p.22.
885
Id., Ibid., p.22.
886
Id., Ibid., p.22, grifo do autor.
887
Id., Ibid., p.23.
888
Id., Ibid., p.23.
242

suspeito que aquêle limite é muito superior ao que os futurólogos têm ousado
enunciar.889
Tais seriam as regras do jogo criadas pela ditadura militar. Em poucas palavras, a
ditadura prometeu garantir que nenhuma maioria unificada virasse o tabuleiro antes que o
empresariado tivesse condições de moderar o jogo.

4.3.4 – A crise política e a repressão: a imposição do desenvolvimento

Antes de se avançar nas concepções de Delfim Netto a respeito da crise política que
tomou conta do país em 1968, buscar-se-á oferecer as linhas gerais de movimentos episódicos
que ajudam a ilustrar o clima político da época.
Em 28 de março de 1968, o assassinato, no Rio de Janeiro, do estudante Edson Luís,
com 18 anos de idade, foi o estopim dos conflitos entre o movimento estudantil e o governo
militar e, ao mesmo tempo, o primeiro grande incidente que mobilizou a opinião pública em
favor da luta estudantil. A ocasião foi mais uma das manifestações da Frente Unida dos
Estudantes do Calabouço contra o aumento do preço da refeição, considerado abusivo, e pela
melhoria e conclusão das obras do restaurante890. Segundo relato do jornal O Metropolitano, da
União Metropolitana dos Estudantes (UME),

Com a chegada desses policiais, os comensais do Calabouço, sabidamente


combativos, já que sentem na própria pele as injustiças sociais, resolveram
revidar. Com pedras e paus avançaram resolutos contra aqueles que
encarnavam naquele momento, a manutenção das injustiças que presenciavam
e que sentiam. Após uma primeira refrega, os guardas viram que não poderiam
conter somente com seus enormes cassetetes a massa que exigia liberdade de
manifestação [...]. Recebendo ordens do general Niemeyer, superintendente
da Política Executiva, o tenente Raposo, que comandava o choque, foi
obrigado a avançar. E avançou furiosamente, de armas na mão. 891
A Assessoria de Relações Públicas da Secretaria de Segurança afirmaria que o esquema
de segurança do governo estava ciente da realização da manifestação dos estudantes no
Calabouço com quase 15 dias de antecedência. No local, naquele dia, estavam presentes a
Polícia Militar, a Polícia Civil e agendes do DOPS “para impedir a passeata, que não tinha
licença para ser realizada por ser ‘contra o governo’”892.
Houve uma série de outros casos similares ao longo do ano de 1968, como aquele que
ficou conhecido como a Sexta-Feira Sangrenta: o episódio começou com a organização de uma
manifestação estudantil contra a falta de verbas na universidade, o acordo entre Ministério da

889
Delfim Netto, 1970, p.23-4, grifo do autor.
890
Cf. Valle, 2008.
891
O Metropolitano. Estopim. nº 7, 1968.
892
Cf. Valle, 2008.
243

Educação e a United States Agency for International Development (acordo chamado de MEC-
USAID), a criação de fundações e a política educacional do governo. O protesto acabou se
transformando em uma passeada por conta da intensa repressão policial que impedia a
concentração dos estudantes893. O jornal O Correio da Manhã noticiaria que a Secretaria de
segurança havia informado que a ordem era reprimir qualquer manifestação estudantil que se
realizasse, mesmo que no MEC, local combinado de concentração, já que o objetivo era o
diálogo com Tardo Dutra, ministro da Educação894.
O governo respondeu com violência à tentativa de diálogo dos estudantes, colocando
em circulação, em seguida, um noticiário sobre um suposto plano de “agitação operária que
abarcaria simultaneamente a Guanabara, o Estado do Rio, São Paulo e Minas, que seriam
sacudidos com greves sucessivas a partir de manifestações estudantis.”895
Em 19 de junho, uma semana depois, os estudantes realizaram nova concentração no
pátio do Ministério da Educação e, tentado o diálogo com o ministro Tarso Dutra, porém,
“foram recebidos a cassetete, bombas de gás e jatos de água, e revidaram a pedradas e
pauladas”896. Após o ocorrido, a cidade de Guanabara teria se transformado em campo de
batalha. No dia seguinte, dois mil estudantes teriam se reunido na praia Vermelha para debater
os resultados do movimento estudantil contra a política educacional do governo. O Jornal da
União Estadual dos Estudantes narra o resultado da reunião:

Os primeiros que deixaram o cerco saíram pelas ruas em passeata,


denunciando a repressão policial. Os restantes, percebendo as ameaças, se
refugiaram no campo do Botafogo, onde foram caçados como criminosos.
Cenas de guerra foram vistas então. A polícia não se contentou em espancar,
insultar, prender. Chegou ao sadismo e à brutalidade sexual contra as moças.
Resultaram 311 presos e esta agressão foi quase a convocação para as
manifestações do dia seguinte, a sexta-feira do sangue. 897
O governador do estado da Guanabara, Negrão de Lima, declarou em seguida a respeito:
“Era o seguimento de uma ação policial com o objetivo de impedir desordens. A ordem tem
que ser mantida pelo governo. A desordem só existe quando não há governo.” 898
No dia seguinte, desenrolou-se a Sexta-Feira Sangrenta. Em nova passeata de protesto
e denúncia da conduta do governo, os estudantes foram encurralados pela polícia e houve, pela
primeira vez, a adesão de setores populares, que também entraram em confronto com a PM.

893
Cf. Valle, 2008.
894
Correio da Manhã. Concentração estudantil hoje põe exército de meia prontidão. 11 jun. 1968.
895
Correio da Manhã. Apelo inútil. 12 jun. 1968.
896
Correio da Manhã. Sete horas de gás lacrimogêneo para reprimir os estudantes. 19 jun. 1968.
897
Jornal da UEE, Rio de Janeiro, jul. 1968.
898
Correio da Manhã. Sítio: rumor não se confirma. 22 jun. 1968.
244

Teria sido uma verdadeira batalha com várias mortes, inclusive a de um policial, em cuja cabeça
caiu um dos objetos que estavam sendo lançados dos prédios no entorno da região do confronto.
Só se via, segundo relatos, uma cortina de gás lacrimogêneo899:

Num semestre marcado pela rotina diária de choques violentos, o que teria
ocorrido de extraordinário para que a população se revoltasse com tanto ódio?
Na mesma crônica em que narrou os acontecimentos, Carlinhos Oliveira
explicava: “Os cariocas amanheceram hoje com as mãos trêmulas; no café da
manhã, os jornais lhes serviram fotografias hediondas. Moças e rapazes
deitados de bruços, com a cara enfiada na grama: moças forçadas a andar de
quatro diante de insolentes soldados da PM; dezenas de estudantes encostados
a um muro e com as mãos segurando a nuca. Ou na mesma atitude, mas
deitados de bruços”. Ele se referia aos episódios ocorridos na véspera, quinta-
feira, no campo do Botafogo, para onde foram tangidos pela PM cerca de 400
estudantes depois de uma assembléia na Faculdade de Economia. O que
ocorreu ali, no grama do time que iria conquistar, naquele ano, o seu único
campeonato nos últimos 20 anos, chocou a cidade – uma cidade que, desde a
morte e as missas de Edson Luís, achava que já tinha assistido a tudo em
matéria de violência.
Mais do que pela agressão física, as fotos “hediondas” indignavam como
símbolos do ultraje. A descrição de soldados urinando sobre corpos indefesos
ou passeando o cassetete entre as pernas das moças, junto às imagens de
jovens de mãos na cabeça, ajoelhados ou deitados de bruços com o rosto na
grama, eram uma alegoria da profanação. 900
As declarações de Delfim Netto ficarão mais claras ao se levar em conta o contexto de
crise política pela qual passava o Brasil. Por ocasião do Seminário sôbre Economia Brasileira,
em agosto de 1968 na USP, Delfim palestrou para professores e alunos da universidade. A
palestra foi publicada tanto pela Revista de Finanças Públicas quanto pela Associação Brasileira
da Indústria Elétrica e Eletrônica/ Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e
Similares do Estado de São Paulo. Utilizar-se-á esta segunda edição, inclusive por oferecer uma
apresentação, em nome das mesmas entidades, que é sincera e ilustrativa:

Com o escalpêlo de uma lógica tão simples quanto amargamente


irrespondível, coloca êle à análise da opinião pública, as contradições, a
insinceridade de propósitos, os equívocos e as distorções que povoam os dias
que vivemos e que perturbam e, às vezes, quase comprometem, o difícil
trabalho de recuperação nacional empreitado pelos Governos
Revolucionários. O Brasil tem perdido, muitas vêzes, o seu passo no correr da
história, pela omissão, pelo comodismo, ou pelo mêdo dos seus homens
públicos de dizer a verdade.901

899
Cf. Valle, 2008.
900
Cf. Ventura, 1988.
901
Apresentação. In: Delfim Netto, 1968e, p.5.
245

Delfim Netto inicia sua palestra com a evocação de “cinco problemas básicos que
perturbam uma avaliação correta da situação e tendem a colocar permanentemente em xeque a
autoridade e a ação governamentais”902:

[...] 1. a crença de que a democracia consiste em permitir que a minoria destrua


de forma irrecuperável o trabalho da maioria;
2. uma contradição profunda entre os desejos verbalizados e as atitudes
concretas para realizá-los;
3. a exigência obstinada de “diálogo” onde não se diz que dois e dois são
quatro, porque isso produz complexos no número três e fecha a “abertura
política”;
4. a paixão (firme, praiana e escocesa) pelas soluções ideológicas que, por
suposição, produzem o desenvolvimento sem sacrifícios; e
5. a revolta contra a aritmética, que considera absurda injustiça que, neste
mundo de Deus, a soma das partes não possa ser maior do que o todo.903
Aqui há uma clara inversão da concepção de que a maioria se tornaria tirana ao impor
seus interesses à minoria. O czar da economia oportunamente afirma que a minoria não pode
destruir de forma irrecuperável o trabalho da maioria. Confortável o suficiente para denominar
minoria os opositores ao regime, agora o czar busca incutir nos universitários que os desejos
do governo correspondem aos desejos gerais, mas que é necessária a disposição de cortar na
própria carne e de ouvir aquilo que é supostamente óbvio: o desenvolvimento não se faz sem
sacrifícios, independentemente das soluções ideológicas que porventura se apresentem ao
problema. Mais uma vez, Delfim apresenta a noção de que o bolo tem de crescer para que possa
ser, posteriormente, dividido.
O governo brasileiro, que procuraria trabalhar com seriedade, segundo Delfim Netto,
seria, a cada momento, caracterizado como inerte e insensível aos problemas nacionais. E
continua seu diagnóstico:

A não ser para um grupo muito restrito que nunca entendeu o Brasil, a
revolução de 31 de março foi uma manifestação maciça da sociedade contra o
estado de coisas vigente. Resultou, portanto, do consenso da coletividade
nacional. Lamentàvelmente, ela não trouxe consigo um modêlo nítido do que
se deveria fazer, de maneira a possibilitar uma formulação do projeto
brasileiro. A rigor não se pode dizer que o simples combate à corrupção e à
subversão seja um programa, uma vez que constituem condições mínimas para
uma estruturação adequada de qualquer sociedade. Foi assim que, a pouco e
pouco, foram emergindo novos objetivos, consubstanciados inicialmente no
chamado PAEG.904
Desse modo, novamente se repõe o fato de que o projeto brasileiro não teria se
apresentado de imediato quando da manifestação maciça da sociedade, em 1964, como nossa

902
Delfim Netto, 1968e, p.7.
903
Id., Ibid., p.7.
904
Id., Ibid., p.8.
246

análise no início do capítulo 4 buscou demonstrar. Segundo Delfim, prestando o papel de


tecnocrata, o PAEG teria sido elaborado tecnicamente e teria obtido os resultados esperados no
campo econômico, levando-se em consideração as “limitações naturais”905. Para ele, entretanto,
isso não foi suficiente: “O que não se compreende é que a revolução, uma vez no poder, não
tivesse aprofundado as modificações da sociedade brasileira, o que afinal resultaria em grande
benefício para todo o sistema econômico”906. E continua:

O mesmo acontece agora com o segundo govêrno da revolução. Poucas vêzes


na história deste país houve um governo como êste, sem compromissos de
qualquer natureza com classes sociais ou grupos econômicos, sem o menor
interesse na defesa ou na permanência de instituições sociais que entravam a
atividade econômica. O seu único engajamento é com o futuro deste país, com
a preparação de estruturas sociais e econômicas que permitam ao Brasil
metabolizar as mudanças que inevitâvelmente se vão procedendo no mundo à
velocidade crescente. Ao contrário do que se pretende fazer crer, a revolução
não tem nenhum compromisso com o passado.907
O compromisso do governo seria com os capitalistas, com a acumulação de capital e
com a modernização econômica. Os criadores do projeto nacional em construção buscam,
efetivamente, livrar-se de qualquer tipo de instituição que entrave a atividade econômica –
como exemplifica a criação do FGTS como substituto da estabilidade no emprego ou o
imperativo de que as elites latifundiárias têm de se modernizar.
Ele avança em sua descrição das tarefas políticas e econômicas da ditadura militar: de
acordo com a Constituição brasileira, ou seja, “dentro dêsses limites a que se impôs a própria
revolução – porque deseja o desenvolvimento dentro de uma sociedade aberta”908, a revolução
deve realizar “as modificações estruturais de que o Brasil carece”909:

A modificação profunda de todo o sistema de ensino, orientando-o um pouco


mais pela demanda, exigindo o pagamento de quem pode pagar,
modernizando a estrutura das escolas, eliminando os privilégios da cátedra,
forçando as disciplinas a se reunirem em departamentos, reduzindo os prazos
de formatura e encurtando as férias; a modificação da estrutura agrária, sem
pretender que o básico seja o problema da terra e sem esquecer as tolices
contidas no atual Estatuto da Terra, que terminarão por produzir uma
agricultura rica com trabalhadores miseráveis; a modificação da estrutura
tributária, para redistribuir tarefas entre os três níveis de govêrno, onde até
agora apenas redistribuímos a receita, para corrigir a quase ridícula
distribuição de renda, onde o impôsto de rendimentos sôbre as pessoas físicas
é pago pelos assalariados; a modificação da estrutura tarifária, introduzindo
o conceito de tarifa efetiva e reservando realmente o mercado interno para as

905
Delfim Netto, 1968e, p.8.
906
Id., Ibid., p.8-9.
907
Id., Ibid., p.9, grifo do autor.
908
Id., Ibid., p.9.
909
Id., Ibid., p.9.
247

emprêsas nacionais sempre que o tamanho do mercado o permita, sem abusos


monopolísticos e desde que haja garantia suficiente de intercomunicação
tecnológica com o mundo externo; a aceleração da reforma administrativa,
que é tarefa básica do govêrno, diante da ineficiência medular da burocracia
brasileira, mal remunerada, mal preparada e sem nenhuma perspectiva em
têrmos de acesso. Todos êsses problemas estão sendo atacados pelo
govêrno.910
Dessa forma, Delfim Netto dá como superada a reivindicação da reforma agrária e
garante uma classe trabalhadora mais barata – devido à formação escolar que se pretende mais
rápida e confere maior especialização –, de modo a não restarem dúvidas de que, em ambos os
casos, o objetivo fundamental era fornecer capital e força de trabalho à indústria 911. Para esses
objetivos, o presidente Costa e Silva desejaria “o mais estrito respeito aos estatutos legais
recebidos da própria revolução e [...] só estará disposto a alterá-los se êles se demonstrarem
inadequados”912. E prossegue:

Quem duvida que todos desejam o desenvolvimento? Mas quantos trabalham


com maior afinco, quantos estão dispostos a um sacrifício maior, representado
por um aumento de trabalho? Todos querem o equilíbrio do balanço de
pagamentos, mas quantos estão dispostos a reconhecer que isso é inatingível
se exigirmos, simultâneamente, maior consumo e maior investimento? 913
À exigência de um diálogo feita pela oposição a respeito das políticas traçadas pela
ditadura, Delfim Netto responde de um modo que sugere a adequação, cada vez mais forte, de
seu discurso à posição política tomada pelo governo:

O “diálogo” é a simples transigência com o que não se pode transigir, é a


astúcia de reunir o filosòficamente oposto com o desejo de manter – ainda que
efêmeramente o poder político. A “abertura política” desejada não passa,
freqüentemente, da nostalgia do tempo em que o govêrno e oposição gozavam,
mùtuamente, dos benefícios distribuídos às suas respectivas áreas eleitorais.
O “diálogo”, enfim, é a arte de contentar a todos, quando governar –
infelizmente – é árdua tarefa de descontentar alguns, talvez muitos, mas nunca
enganar a todos... [...] Um grupo bastante restrito – que alguns crêem que
sejam os intelectuais – cultiva uma paixão ideológica, que o leva a pensar que
o caminho mais fácil para o desenvolvimento é uma mudança “radical e
completa das atuais estruturas arcaicas”. Se isso não representasse uma forma
realmente superada de falso intelectualismo, que coloca como pólos dialéticos
o capitalismo (que humildemente reconheço não saber bem o que é) e o
socialismo (um substantivo tão rico de conotações, que é sempre mais do que
eu sei), seria de um ridículo incrível, pois qual o povo suficientemente tolo

910
Delfim Netto, 1968e, p.9-10, grifo do autor.
911
“Da agricultura, portanto, se espera que ela cumpra essas quatro tarefas fundamentais: aumentar a oferta de
alimentos; aumentar a oferta de produtos exportáveis; liberar recursos humanos; e fornecer capital para o setor que
está precisando dele [a indústria].” (DELFIM NETTO, 1979, apud IANNI, 1981, p. 90)
912
Delfim Netto, 1968e, p.10.
913
Id., Ibid., p.11.
248

para não adotar imediatamente o sistema que produz o desenvolvimento sem


sacrifício?914
Não seria possível, portanto, o diálogo entre os opostos com o objetivo de atingir
soluções ou, ao menos, estabelecer objetivos comuns, e sua relação estaria fadada a manter e
tensionar as contradições. O governo não enganaria todos, mas certamente descontentaria
alguns, talvez muitos. O grupo bastante restrito que alguns creem ser os intelectuais, que
demandava mudanças estruturais, estaria cego para o fato de que um povo sempre persegue os
próprios interesses dentro do campo de possibilidades e toma o melhor caminho possível. Por
isso, as crenças desse grupo estariam baseadas em uma utopia, e suas tentativas de diálogo
apontariam para seu interesse em manter, ainda que efemeramente, o poder político.
Os episódios sobre os quais falamos no início dessa seção, relativos à crise política, que
culminaram na Sexta-Feira Sangrenta, são chamados por Delfim Netto de “perturbações
estudantis de junho”915. Segundo ele, teriam prejudicado a receita pública federal em cerca de
40 milhões de cruzeiros novos, “todo o custo dos projetos de irrigação que alterarão a feição do
Nordeste, quase todo o custo final de Boa Esperança, quase 40 quilômetros de estrada” 916. Foi
“um prejuízo irrecuperável para a economia brasileira, ou seja, para a maioria e mesmo para a
minoria da população”917.
As chamadas reformas estruturais de Delfim Netto se mostraram bem diferentes
daquelas propostas pelos desenvolvimentistas nacionalistas no poder anteriormente ao Golpe
de 1964 e tomaram um caminho contrário a alterações estruturais reais da economia brasileira,
que passariam pela resolução dos problemas via inclusão social, com projetos públicos e
democráticos de desenvolvimento nacional – o que foi ensaiado no governo de João Goulart. O
objetivo do governo sob a égide de Delfim Netto era a chamada modernização, ou seja, a
incrementação das taxas de acumulação de capital através da retração relativa do consumo, da
abertura ao mercado externo e do maior controle sobre a classe trabalhadora e sobre o processo
de trabalho, assim como a privatização do ensino da classe média associada à abreviada e
direcionada formação educacional da classe trabalhadora.
Os sucessivos acontecimentos da crise política sugerem que, ao longo de 1968, Delfim
Netto se afirma como depositário da vontade nacional em torno de sua pessoa como ministro
da Fazenda. Às portas da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o conflito estava aberto e

914
Delfim Netto, 1968e, p.12.
915
Id., Ibid., p.13.
916
Id., Ibid., p.13.
917
Id., Ibid., p.13.
249

acirrado. Em uma palestra a professores e alunos da USP que já citamos acima, Delfim Netto
declare o seguinte:

A democracia não é nem o domínio das minorias pela maioria, nem o direito
das minorias de perturbar a maioria, mas sim um processo onde oposição e
consenso se vão integrando de forma a permitir que as disputas políticas –
necessárias, essenciais mesmo para a realização da sociedade aberta – não
perturbem o funcionamento e as modificações do sistema econômico. 918
As disputas políticas sob a forma de conflitos eram esperadas. A discussão e a
formulação da política econômica do governo, por outro lado, estavam vetadas. O projeto de
nação que Delfim representa viabilizou-se precisamente por não ser democrático – ainda que
as falas de Delfim violentem o significado de democracia em busca de apoio popular,
especialmente do setor privado –, e não poderia tolerar perturbações ao funcionamento e às
modificações do sistema econômico. A economia brasileira era responsabilidade de Delfim e
tinha de ser tecnicamente manejada para se adequar ao projeto nacional surgido da ditadura
militar.
Para Delfim Netto, a crise política é fácil de se compreender: “a chamada ‘crise política’,
[...] significa, em têrmos simples, que a produção total realizada em cada ano pela coletividade
é um número finito e só pode ter um número finito e alternativo de usos”919. Apesar disso, todos
desejariam uma participação maior na produção:

[...] o govêrno quer aumentar a carga tributária, os empresários querem


maiores lucros e os assalariados maiores salários. Todos têm razão! De fato,
precisamos de maiores investimentos públicos, de maiores investimentos
privados e de melhores salários. Mas todos não podem, fìsicamente, ter razão
ao mesmo tempo, pela simples e boa razão que se tentarmos consumir e
investir mais do que produzimos, apenas podemos fazê-lo por um período
restrito, apelando para os “deficits” do balanço de pagamentos, que a pouco e
pouco vão transferindo para o exterior os centros das decisões econômicas
nacionais.920
Escamoteados os termos do debate, Delfim enuncia a crise política como um conflito
distributivo originado das insuficiências na esfera de acumulação. Com base nisso, ele busca, a
partir de 1968, limpar o caminho para que os projetos econômicos governamentais pudessem
ser postos em prática sem empecilhos. Na seção de votação para a aprovação do AI-5, em
dezembro de 1968, como já lemos na epígrafe do trabalho, o czar da economia reitera a
necessidade de a revolução criar as condições que facilitassem o desenvolvimento econômico.
A esfera política, enquanto não estivesse totalmente suspensa, envolveria a revolução em uma

918
Delfim Netto, 1968e, p.13.
919
Id., Ibid., p.14.
920
Id., Ibid., p.14.
250

camisa-de-força. A contestação global do processo revolucionário, assim, teria de ser superada


através das proposições do AI-5 e, para além disso, da possibilidade de o presidente alterar a
Constituição quando o julgasse necessário.
Ao assumir o papel de depositário da vontade nacional na função de comandante da
economia brasileira, a Delfim Netto restou o recurso à coação política contra seus opositores.
Estava claro que a sociedade civil não aceitaria calada as modificações em curso. Seria
importante, assim, conter a contestação do projeto nacional da ditadura militar, chamado por
Delfim de processo revolucionário, e o presidente deveria ter a prerrogativa de alterar e
suspender a Constituição, outorgada em janeiro de 1967 por Castelo Branco, quando isso fosse
necessário para a implementação desse projeto nacional. Todos os meios estavam finalmente
nas mãos de Delfim, e ele se mostrou hábil em traduzir fins políticos nos termos do projeto
econômico.

4.4 – O milagre econômico brasileiro (1968-73)

Delfim permaneceu à frente do Ministério da Fazenda de 15 de março de 1967 a 15 de


março de 1974. A manutenção das orientações gerais para a condução da economia, assim,
permite o tratamento dos anos do milagre como um único período sob o ponto de vista da
política econômica.
Delfim concordava com o diagnóstico de seus predecessores em relação ao fato de que
a inflação decorreria da escassez do bolo face ao tamanho desejado das fatias. Quando ele
assume o posto de ministro, a inflação de demanda já parecia em boa medida enfrentada em
suas causas básicas. Por isso, mantendo a lógica que fora estabelecida pelo PAEG no combate
à inflação, o czar da economia reapresentou os outros objetivos já apresentados por Campos e
Bulhões, ciente de que eles não haviam sido alcançados: o crescimento econômico promovido
pelo aumento dos investimentos em setores diversificados; o estímulo ao crescimento do setor
privado; incentivos à expansão do comércio exterior; e, por fim, o aumento do nível de emprego
e a diminuição das desigualdades sociais e regionais. 921
A retomada do crescimento era uma exigência para a legitimação do regime – que se
encontrava desde 1964 envolto em crises de toda ordem922 – e da correlacionada repressão aos
opositores, isto é, dos atores sociais que questionavam o projeto nacional da ditadura militar
como um todo – a flexibilização do regime trabalhista acompanhada de repressão dos

921
Cf. Lago, 2014.
922
Cf. Skidmore, 1988.
251

sindicatos, facilidades de demissão, diminuição do salário mínimo real e, simultaneamente,


concentração de renda e aumento das taxas de lucro923.
Depois do plano de estabilização que durou de 1964 a 1966, o alcance da legitimação
do regime só seria possível através de um programa que incrementasse a acumulação de capital,
com altas taxas de retorno dos investimentos. A incrementação da acumulação foi amplamente
defendida por Delfim Netto como potência geradora de um processo contínuo de incrementação
da produtividade e, assim, motor do desenvolvimento.924
Após o PAEG, era preciso que a redução da inflação remanescente não resultasse em
contenção indevida da demanda. A existência de grande capacidade ociosa no setor industrial
sugeria que o crescimento poderia ser retomado através de estímulos adequados, ao passo de
que a nova equipe econômica estava convencida que a inflação remanescente derivava dos
custos, particularmente o custo do crédito. Por isso, já a partir de 1967, foi dado maior estímulo
à demanda por meio de políticas monetária, creditícia e fiscal mais flexíveis e, nos anos
seguintes, expansionistas. A expansão do crédito foi patente, especialmente ao consumidor e à
agricultura – com o objetivo de assegurar a oferta adequada de alimentos (uma das causas da
inflação), aumentar a renda rural e, assim, corrigir desequilíbrios regionais e reduzir o êxodo
rural.
Recursos significativos também foram destinados à construção civil através do Sistema
Financeiro de Habitação (SFH). Além disso, outros subsídios, facilidades creditícias e redução
dos entraves burocráticos foram realizados para aumentar as exportações e diversificar os
mercados, particularmente dos produtos manufaturados, que também foram beneficiados pelo
regime de minidesvalorizações cambiais adotado em 1968. Isso também atraiu investimentos
externos e melhorou o acesso das empresas brasileiras a empréstimos externos.925
Com as finanças públicas “saneadas” pela administração anterior, o governo continuou
recorrendo à emissão de títulos para o financiamento do déficit público e, assim, realizou novos
investimentos em infraestrutura, o que se refletiu positivamente no setor privado – exatamente
aquilo que Delfim defendeu até então, isto é, o fortalecimento de uma burguesia nacional que
fosse capaz de enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais globalizado. As empresas
estatais, como já dissemos, recorreram de forma crescente aos empréstimos externos, o que
causou o efeito colateral de garantir a acumulação de divisas. Com as contas públicas mais

923
Cf. Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração. Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
924
Cf. Delfim Netto, 1962; Lago, 2014.
925
Cf. Lago, 2014.
252

equilibradas, então, o governo colocou em prática um amplo plano de subsídios e incentivos


fiscais para promover setores e regiões específicos. Esse plano passou a fazer parte da política
industrial do governo. Adicionalmente, o BNDE manteve seu papel importante no
financiamento do setor público, mas ampliou a concessão de empréstimos ao setor privado, que
passou a receber mais da metade do total de financiamentos a partir de 1968.926
A política salarial foi mantida, mas a fórmula do reajuste foi ligeiramente modificada
conforme já vimos. Por sua vez, houve a contenção da taxa de juros, inclusive através do
incentivo ao setor privado, da fixação temporária de tetos e através do estímulo à concentração
bancária por conta das economias de escala – essas medidas deveriam diminuir o custo do
investimento direto na economia. A contenção dos custos, os novos culpados pela inflação, foi
feita através do controle direto sobre os preços dos insumos e de produtos selecionados. Tal
expediente havia começado no governo anterior de forma voluntária através da Comissão
Nacional de Estímulo à Estabilização de Preços (CONEP), mas foi transformado em
compulsório pela Comissão Interministerial de Preços (CIP), no final de 1967. A nova equipe,
com isso, considerou encerrado o período de inflação corretiva que havia envolvido o reajuste
dos preços e tarifas do setor público entre 1964 e 1967, enquanto a correção monetária foi
mantida na ordem do dia.927
Com isso, a equipe econômica sob a liderança de Delfim Netto utilizou o espaço criado
pela administração anterior e o crescimento econômico mundial para estimular abertamente o
crescimento928. Se, por um lado, defendia-se o setor privado e seu fortalecimento, por outro,
houve a proliferação de incentivos, novos subsídios e isenções específicas que viabilizaram
certas operações do setor privado.
A evolução dos indicadores macroeconômicos agrupados por período (Quadro 5)
fornece um parâmetro de comparação para a economia brasileira sob os anos do PAEG e do
milagre:

926
Cf. Lago, 2014.
927
Cf. Id., Ibid.
928
Cf. Barbosa, A. F. O Brasil Desenvolvimentista (1946-64) na Longa Duração, Tese de livre-docência em
elaboração a ser apresentada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
253

Quadro 5. Fonte: Hermann, 2011.

O Quadro 6 permite a comparação, ano a ano, da evolução do PIB e do Balanço de


Pagamentos:

Quadro 6

Variação do Produto Interno


Bruto real (PIB) e do saldo no
Balanço de Pagamentos (BP)
em milhões de dólares

PIB (% a.a.) BP
1964 3,4 4
1965 2,4 331
1966 6,7 -153
1967 4,2 245
1968 9,8 -32
1969 9,5 -549
1970 10,4 -545
1971 11,3 -530
1972 11,9 2439
1973 14,0 2177
Quadro 6. Fonte: IBGE, Estatísticas do Século XX.

Assim, entre 1968 e 1973, o PIB real cresceu, em média, 11,1% ao ano (Quadro 5), com
um pico de 14% em 1973 (Quadro 6). A média histórica no pós-guerra foi de 7% até o início
da década de 1960, e a média do período do PAEG foi de 4,2%. A designação “milagre
econômico” se deveu não apenas às taxas médias de crescimento nos seis anos em questão, mas
também à queda nas taxas de inflação e à melhora do balanço de pagamentos (Quadro 5). O
nome sagrado atribuído ao fenômeno se deveu, em outras palavras, à suspensão temporária da
254

relação direta entre crescimento e inflação, bem como da relação inversa entre crescimento e
saldo no balanço de pagamentos, desafiando modelos coetâneos que ressaltavam o dilema da
política econômica entre equilíbrio interno e externo, o chamado “trade off”929. Discutiremos o
problema adiante.
O crescimento industrial durante o milagre foi significativo, e a indústria de
transformação cresceu 13,3% ao ano em média, chegando a 16,6% em 1973. A indústria de
construção, que absorve grande quantidade de mão-de-obra, cresceu à taxa média de 15% ao
ano, ao passo que os serviços industriais de utilidade pública, em sua maioria sob controle
estatal, com destaque para a geração de energia elétrica, apresentaram crescimento anual da
ordem de 12,1% ao ano. Enquanto a taxa de crescimento da população foi de 3% ao ano entre
1968 e 1973, o setor primário da economia cresceu à taxa de 4,5%. O setor terciário, por sua
vez, também se expandiu em um nível expressivo: entre 1967 e 1973, o comércio cresceu à taxa
média anual de 11,1%, e o setor de transportes e comunicações, mais de 13%.930
Esses números expressivos refletem uma série de políticas governamentais específicas:
a agricultura recebeu um grande volume de crédito – uma das principais causas da expansão
monetária do período – a taxas subsidiadas, e a soja ganhou espaço tanto na pauta de
exportações como no consumo interno paralelamente à perda do peso relativo do café. Houve
também um processo significativo de mecanização da agricultura, o que, por sua vez, teve
efeitos de demanda importantes sobre o setor industrial.931
A concessão de crédito agrícola fácil é considerada um elemento essencial do
desenvolvimento nas formulações do Delfim acadêmico, que via o crédito como saída para a
incrementação da produtividade tanto para as regiões atrasadas como para as desenvolvidas
como parte de uma política agrícola consistente932. O mesmo vale para o processo de
mecanização, que determinaria a capacidade de expansão do setor agrícola 933.
Através de novos incentivos, houve a crescente exportação de bens manufaturados, o
que contribuiu para o crescimento industrial, particularmente nos ramos tradicionais, como
têxteis e calçados. Para Delfim, essa era a forma mais efetiva de se diminuir a propensão média
a consumir da coletividade sem que as restrições ao consumo – impostas pela política salarial,
por exemplo – afetassem as taxas de crescimento934. Apesar disso, o principal elemento

929
Cf. Hermann, 2011, p.83.
930
Cf. Lago, 2014.
931
Cf. Id., Ibid.
932
Cf. Delfim Netto, [1965?].
933
Cf. Delfim Netto, 1962.
934
Cf. Delfim Netto et. al., 1965.
255

responsável pelo dinamismo industrial do período foi a demanda interna, estimulada pelas
políticas setoriais do governo, sobretudo em relação à agricultura e aos bens de consumo
duráveis, como também à indústria de construção fomentada pela Política Nacional de
Habitação.935
Uma das maiores razões para a rápida expansão da economia foi, como já fora no
passado, a existência de capacidade ociosa na indústria, herdada do período de fraco
crescimento (1962-67). O Delfim acadêmico, que já refletira sobre essa questão, reconhecia a
existência de capacidade ociosa industrial, e enfatizava a necessidade de utilização dessa
capacidade para a expansão das exportações. De todo modo, o fato dos empresários não terem
de repor capital fixo levou a uma maior agilidade na retomada do crescimento, pois o
investimento não depende inicialmente nem de crédito, nem de expectativas de longo prazo.
Assim, por exemplo, na indústria de transformação, o índice de utilização da capacidade
instalada era de 76% em 1967 e passou para 93% em 1971, atingindo 100% em 1972-73.936
Nesse ínterim, como evoluiu a taxa global de investimentos? A participação da
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no PIB permaneceu na média de 15,2% durante o
PAEG, mas mostrou tendência ascendente a partir de 1967, alcançando 16,2% nesse ano. Até
1970, passou para 18,7%, e alcançou 20,5% no período 1971-73. A expansão de 5,3 pontos
percentuais levou aproximadamente ao nível que ele admitia como possível após assumir o
Ministério da Fazenda – em torno de 20%.937
Apesar disso, a expansão da taxa de investimentos, ainda que tímida, não deixou de ser
significativa, e foi influenciada substancialmente pela política industrial iniciada em 1964,
coordenada pelo CDI (Comissão e depois Conselho de Desenvolvimento Industrial), e que
consistiu, entre 1968 e 1973, na concessão indiscriminada de incentivos em conjunto com o
BNDE e o FINAME (Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária do BNDE), o
que teve papel importante na expansão da demanda interna e no crescimento do setor de bens
de capital.938
Por outro lado, como já vimos, Delfim Netto defendia a atuação do setor público no
sentido da viabilização do desenvolvimento do setor privado. Como isso se efetivaria durante
o milagre? Ao passo que não houve tendência de inchaço dos gastos da administração pública,
os investimentos das estatais cresceram, em termos reais, à taxa anual de 20% entre 1967 e

935
Cf. Lago, 2014.
936
Cf; Delfim Netto et. al., 1965; Lago, 2014; Hermann, 2011.
937
Cf. Id., Ibid.
938
Cf. Id., Ibid.
256

1973. Esse ponto é importante e reafirma a prioridade do crescimento sobre a estabilização: já


em 1965, Delfim defendia que, apesar do componente inflacionário presente nos gastos
públicos, a diminuição dos investimentos governamentais poderia levar o sistema econômico a
uma crise. O ponto seria realizar essa expansão sem o desperdício de recursos, o que, entre
outras maneiras, deveria se realizar através da incrementação da competitividade das estatais. 939
Delfim Netto sempre enfatizou a necessidade da realização de crescimento econômico
sustentado com efeitos sobre toda a economia, o que é, em essência, sua definição de
desenvolvimento econômico. Por isso, inicialmente a equipe econômica enfatizava o
crescimento sobre a inflação contanto que essa apresentasse tendência decrescente. No início
da nova administração, ela se encontrava entre 20% e 30%. Já entre 1967 e 1968, a inflação
passou a apresentar tendência crescente. Por isso, em 28 de dezembro de 1967, através do
Decreto nº 61.993, os reajustes de preços das empresas foram subordinados à análise prévia e
avaliação do Conep – substituído pela CIP através do Decreto-lei º 63.196 de 29 de agosto de
1968. O controle compulsório dos preços, dessa maneira, tornou-se elemento coadjuvante de
combate à inflação. A avaliação por parte do Conap e depois da CIP era realizada com base nas
variações de custos, níveis de rentabilidade, influência na formação dos custos de outros setores,
existência de situações monopolísticas ou oligopolísticas e anomalias de comportamento dos
setores, empresas ou estabelecimentos capazes de perturbar os mecanismos de formação de
preços. Tais princípios gerais de atuação permaneceram inalterados até 1973 e foram
compatíveis com a concepção do Delfim acadêmico de que, ao contrário do que ocorreria nas
economias desenvolvidas, o sistema de preços não poderia orientar adequadamente, em si, os
fatores de produção940. Através disso, o controle de preços parece ter tido efeitos dignos de nota
na contenção da inflação, mas as taxas oficiais passaram a refletir o processo inflacionário
decorrente da ausência de capacidade ociosa. O que ocorreu a partir de então, portanto, foi
consequência da função social da inflação, que é o reajuste da distribuição do produto entre os
diferentes setores de atividade produtiva. Dessa forma, mesmo o controle de preços
representava apenas o adiamento dos efeitos do impacto da rentabilidade de setores específicos
sobre os índices de preços, e a existência de mercados paralelos que não se submetiam ao
tabelamento do governo se agravou a partir de então, sobretudo em 1974, com o primeiro
“’choque do petróleo’”. O crescimento da inflação associada ao nível de atividade da economia
já não poderia mais ser encoberto por meios artificiais.941

939
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto et. al., 1965.
940
Cf. Delfim Netto, 1962.
941
Lago, 2014, p.219.
257

Em 1967, a nova equipe econômica reverteu inicialmente a política monetária e


creditícia anterior. Ainda que a moeda e o crédito tenham se expandido, houve aparente
alinhamento do aumento médio real de sua oferta com o crescimento do PIB real até 1971. Em
1972, no entanto, o crescimento real dos meios de pagamento foi de 18%, e, em 1973, de 28%.
Assim, o crédito à agricultura e ao setor exportador, bem como a acumulação de reservas
internacionais, levaram à expansão da base monetária, que seria parcialmente contrabalanceada
através da venda de títulos federais junto ao público, um fator já defendido por Delfim tanto
como fonte de financiamento dos investimentos como de contenção da inflação 942.
Enquanto o compulsório em espécie dos bancos foi utilizado como instrumento de
barganha com os bancos comerciais – passou de 70% do recolhimento total em 1967 para 36%
em 1973 –, o governo passou a atuar no sentido da redução das taxas de juros, consideradas
como um elemento de custo das empresas que precisava ser reduzido, e concebia o sistema
bancário, em seu conjunto, como ineficiente. Para Delfim, isso não representava um desafio,
como já vimos no início do capítulo 3943. A política de juros do governo, então, se baseou no
controle direto das taxas de juros – com tetos de aplicação e captação, em setores específicos
das finanças, e redutores sobre as taxas médias observadas no ano anterior – e nos incentivos
aos bancos comerciais através da manipulação dos coeficientes e da composição dos depósitos
compulsórios em troca de uma contenção dos níveis de juros dos empréstimos bancários. No
que tange ao crédito concedido por instituições públicas, as taxas de juros foram usadas como
instrumento de incentivo a setores específicos e prioritários, o que foi realizado paralelamente
ao incentivo à eliminação de deficiências e ao aproveitamento de economias de escala através
da concentração bancária e da obstrução da proliferação de agências. A concentração bancária
e a formação de conglomerados, assim, foram efetivamente promovidas pelas autoridades
monetárias, que ofereciam vantagens relativas a fusões e incorporações, particularmente a partir
de 1971. Os dados do Banco Central confirmam o vertiginoso decréscimo do número de sedes
de bancos entre 1967 e 1973. Como se pode imaginar, o resultado dessa política não foi uma
saudável competição entre um número grande de instituições fortes, mas a concentração
expressiva da captação e das aplicações em poucos conglomerados financeiros, minando boa
parte da concorrência que poderia induzir à redução das taxas de juros reais. Portanto, em 1973,
o sistema bancário estava fortalecido e oligopolizado. 944

942
Cf. Delfim Netto et. al., 1965; Lago, 2014.
943
Delfim Netto, 2012, s.p.: “[Banqueiros] sempre foram extremamente cooperativos com o governo. Se o governo
queria baixar a taxa de juros, [eu] conversava com eles e o que a gente prometia, cumpria”.
944
Cf. Lago, 2014.
258

Não obstante a nova organização do sistema financeiro, que incluiu a criação de uma
série de instituições (como o Banco Nacional de Habitação, BNH), o impacto sobre o sistema
econômico se deu de forma diferenciada. Os créditos de longo prazo para investimento fixo
foram concedidos unicamente pelas agências públicas e bancos oficiais (BNDE, Finame, BNB,
Banco do Brasil e BNH), e os créditos de curto e médio prazo para capital de giro foram
concedidos pelos bancos comerciais e, crescentemente, pelo Banco do Brasil, financeiras e
bancos de investimento. Como já salientamos, no entanto, as empresas estatais passaram a
utilizar créditos externos com maiores prazos, enquanto as grandes empresas estrangeiras
podiam recorrer a suas sedes e a outras fontes de crédito945. Esse era um ponto importante para
Delfim Netto: a utilização de linhas de crédito no exterior permitiria a superação de limites
físicos na economia, ou seja, a economia poderia se expandir através do suprimento suficiente
de importações sem que o déficit no balanço de pagamentos se tornasse fator impeditivo do
crescimento, afastando assim o limite representado pelo setor externo946.
Além disso, a equipe econômica de Delfim se aproveitou das reformas tributária e
administrativa realizadas pelo governo anterior para buscar o aumento da eficiência da máquina
administrativa, atingindo um raro superávit de 0,06% em 1973 – e com a criação de apenas um
novo tipo de tributo, o imposto sobre operações financeiras (1972). Foram mantidos
instrumentos de renúncia fiscal (dos governos federal e estaduais) em todo o período. O
aparente equilíbrio das contas do governo era contrabalançado pela crescente importância de
gastos públicos que não eram incluídos nas despesas do Tesouro e que passaram a fazer parte
do orçamento monetário, com peso especial para os juros e a correção monetária da dívida
pública, bem como para os onerosos subsídios embutidos no crédito, em particular para a
agricultura e a exportação.
Por sua vez, a carga tributária apresentou leve tendência ascendente, o que correspondeu
timidamente ao papel de “redistribuição de renda” reservado ao regime fiscal por Delfim Netto:
passou de uma carga líquida de 15,3% em 1965-69 para 16,6% em 1970-73, ao passo que a
proporção das despesas correntes do governo sobre o PIB diminuiu. Essa diminuição se deveu,
antes de mais nada, à redução do gasto com pessoal no nível federal: passou de 24,6% da
despesa total em 1967 para 18% em 1973, processo que foi defendido por Delfim como
essencial para o controle inflacionário.947

945
Cf. Id., Ibid.
946
Cf. Delfim Netto, 1962.
947
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto, 1962; Delfim Netto et. al., 1965.
259

O AI-5 permitiu a intervenção federal nos estados e municípios, o que levou à


diminuição da parcela de certos tributos diretos e indiretos que era repassada a eles. A proporção
de 20% passou para 10% da arrecadação com esses tributos, o que foi parcialmente contornado
em relação ao Norte e ao Nordeste através de incentivos fiscais destinados à Sudene, à
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e ao Programa de Integração
Nacional (PIN). A ênfase no Nordeste envolveu a promoção de seu desenvolvimento através
de incentivos fiscais e ocasionalmente obras de infraestrutura. Com o governo Médici, no
entanto, a ideia de que o Nordeste tinha excesso populacional e que seus problemas não
poderiam ser resolvidos localmente se popularizou nas esferas de governo, e a abertura da
Amazônia foi apresentada como alternativa. O PIN previa a irrigação de amplas áreas do
Nordeste, a criação de corredores de exportação na região e a abertura da região amazônica
através de rodovias (a famigerada Transamazônica e a Cuiabá-Santarém). Os recursos
provieram dos incentivos fiscais antes alocados para o Nordeste. Apesar das justificativas
econômicas questionáveis para o programa na Amazônia, elementos de ordem política e militar
parecem ter prevalecido. A colonização da região se mostrou um fracasso, ao passo que os
incentivos fiscais ao Nordeste promoveram alguma industrialização no período, mas não houve
nem significativa criação de empregos, nem qualquer aumento na participação da renda do
Nordeste na renda total do país.948
As empresas estatais federais e estaduais proliferaram no período do milagre,
constituindo o período de maior intensidade de criação de empresas estatais na história
brasileira: entre 1968 e 1974, foram criadas 231 empresas públicas – 175 no setor de serviços,
42 na indústria de transformação, 12 em mineração e 2 na agricultura. Isso se deu por uma série
de causas, como o Decreto-lei nº 200 de 1967, que permitia a criação de subsidiárias de
empresas estatais existentes; a criação de holdings setoriais para centralizar a administração das
empresas de cada setor (como a Eletrobras, a Telebrás e a Embratel); e o aumento da eficiência
da administração das empresas do governo, o que levou à geração de excedentes e, assim, à
expansão natural das empresas – que teriam usufruído de alguma autonomia para contornar as
restrições salariais dos serviços públicos em geral. Essas novas empresas estatais se instalaram,
via de regra, em setores já controlados pelo Estado, mas a exceção foi o surgimento de empresas
estatais em setores de ponta, como a indústria aeronáutica. Dessa maneira, o Estado supria
insumos e serviços básicos à economia e, simultaneamente, gerava importantes economias
externas em benefício do setor privado. A expansão das estatais também foi favorecida por

948
Cf. Lago, 2014.
260

conta do aumento da liquidez internacional na passagem da década de 1960 para 1970 e o já


aludido recurso aos empréstimos externos, o que explica parcialmente o aumento da dívida
externa brasileira no período do milagre, tendo ajudado a expandir a participação do
investimento das estatais no PIB. Apesar disso, em 1973, o setor público empregava (nas três
esferas de governo e nas empresas estatais) 8,5% da PEA brasileira (e 19,4% dos assalariados
urbanos), taxa muito inferior à dos EUA na época, que respondia por um quinto dos empregos
da economia.949
Nas áreas de comércio exterior, dívida externa e investimento estrangeiro no Brasil,
houve mudanças significativas no período que vai de 1967 a 1973. O comportamento da balança
comercial foi muito influenciado pela política econômica do governo. Houve um grande
aumento das exportações, diversificação da pauta e crescente participação dos produtos
manufaturados no total, elementos já defendidos na produção acadêmica de Delfim. Houve
também mudança na importância relativa dos parceiros comerciais do país. As importações
igualmente cresceram, particularmente de bens de capital, favorecidos pelas isenções e
incentivos específicos da política industrial. Esses resultados correspondem aos objetivos
estabelecidos pelo governo em 1968: o aumento da competitividade dos produtos brasileiros, a
diversificação dos produtos em direção a bens manufaturados, a diversificação e expansão dos
mercados externos e a manutenção de um suprimento adequado de matérias-primas importadas,
bens intermediários e de capital a preços estáveis, de modo a não colocar em risco o crescimento
econômico.950
Para isso, a política de exportação passou a incluir medidas fiscais e creditícias diretas,
incluindo isenções e créditos de impostos; política fiscal flexível através das
minidesvalorizações cambiais, que substituíram as desvalorizações com espaçamento médio de
um ano por desvalorizações menores, geralmente entre um e dois meses, com oscilações
menores, de modo a minimizar as incertezas e especulação vinculadas às oscilações anuais; e
medidas indiretas, tais como a desburocratização administrativa, a promoção de produtos
brasileiros no exterior, a melhoria da infraestrutura e a formação de empresas comerciais
exportadoras. Tal ênfase na política exportadora levou o valor das exportações de US$ 1,654
bilhão em 1967 para US$ 6,199 bilhões em 1973.951
Paralelamente a isso, foi promulgada, em 1967, uma nova tarifa alfandegária preparada
durante o governo Castelo, baixando a alíquota média de imposto de importação para todos os

949
Cf. Lago, 2014.
950
Cf. Id., Ibid.
951
Cf. Lago, 2014.
261

produtos de 47% em 1966 para 20% em 1967, e a taxa para a indústria de transformação caiu
de 58% para 30%. As isenções de impostos de importação continuaram importantes em relação
a certos bens, e havia clara discriminação entre os bens que eram produzidos interna e
externamente – com taxação mais pesada daqueles produtos que eram produzidos no Brasil. No
entanto, como o país consumia matérias-primas e bens intermediários que não produzia em
quantidade suficiente, o crescimento do valor total das importações superou o crescimento do
valor total das exportações, com a taxa anual média de 27,5% (e expansão anual média de
18,5% em seu volume). A balança comercial, que havia sido positiva entre 1964 e 1970, passou
a ser negativa em 1971 e 1972, e equilibrada em 1973952.
A participação dos produtos manufaturados nas exportações brasileiras passou de 16,8%
em 1966 para 31,3% em 1973, tendência que foi favorecida pela atuação de empresas
transnacionais que iniciaram ou ampliaram suas atividades no período. Outros produtos
também responderam pelo aumento no valor das exportações, tais como a soja (que passou de
1,9% do valor total em 1967-68 para 14,8% em 1973), a carne, o algodão, o açúcar e o milho,
declinando-se a participação do café no total, de 42% em 1967-68 para 27,8% em 1972-73.
Delfim Netto, especialista em café, criticava fortemente a dependência brasileira em relação a
esse produto, cuja importância para o processo de desenvolvimento no Brasil representaria um
grande fator de risco953. Houve evolução positiva nos termos de troca para o Brasil, crescendo,
assim, o valor unitário das exportações, estimulado pelo crescimento da economia mundial.
Através de todos esses movimentos, aumentou a participação do Brasil no total das transações
mundiais de bens, passando de 0,88% do total mundial em 1967-68 para 1,2% em 1972-73. As
exportações de bens e serviços, que representavam 5,8% do PIB brasileiro em 1967-68,
passaram a representar 7,8% do PIB em 1972-73. Dessa maneira, a abertura da economia
brasileira para o exterior se elevou, mas era ainda baixa em termos mundiais.954
O Mercado Comum Europeu substituiu os Estados Unidos como o maior comprador de
produtos brasileiros. A participação do Japão também aumentou, impulsionada pelas maiores
exportações de minério de ferro. Houve também aumento da participação de países em
desenvolvimento no total. A importação, por outro lado, fez o movimento inverso: aumentaram
as importações dos países do mercado europeu, dos EUA e do Japão em detrimento do resto do
mundo, o que se explica pela composição das importações brasileiras, na qual os bens de

952
Cf. Id., Ibid.
953
Cf. Delfim Netto, 2009.
954
Cf. Lago, 2014.
262

consumo tinham participação reduzida – em 1972-73, as importações de produtos minerais,


químicos, de metais comuns e manufaturados, equipamentos elétricos e material de transporte
responderam por 77% do valor total das importações e, exceto o petróleo, provinham
basicamente dos países desenvolvidos. 955
A dívida externa líquida do Brasil passou de US$ 3,245 bi em 1966 para US$ 6,156 bi
em 1973. Sua composição também mudou: em 1967, a participação dos empréstimos de fontes
de financiamento privadas na dívida pública externa era de 26,9%, passando para 64,1% em
1973. Isso se deve ao crescimento das operações de crédito externo fornecido tanto a empresas
estatais e a administrações públicas como a empresas privadas por instituições nãos oficiais
(bancos comerciais ou fornecedores) ou bancos estrangeiros estabelecidos no Brasil. As
empresas transnacionais viram um aumento crescente dos empréstimos internos concedidos por
suas matrizes no exterior. O crescente envolvimento de fontes privadas de financiamento, no
entanto, aumentou o custo médio da dívida externa (isto é, a taxa dos juros líquidos em relação
à dívida líquida total): os pagamentos anuais de juros passaram de US$ 164 milhões em 1967-
68 para US$ 514 milhões em 1973. Não obstante, não foi apenas o aumento dos empréstimos
e financiamentos o responsável pelo desempenho positivo da conta de capital em todo o período
do milagre – que apresentou um saldo líquido médio de US$ 1,615 bi. Houve a retomada dos
investimentos externos diretos no Brasil: o valor triplicou entre 1966 e 1973, passando de US$
1,632 bi para US$ 4,579 bi, com 77% do total investidos na indústria de transformação. Os
principais investidores diretos foram os EUA (37,5% do total), Alemanha Federal (11,4%),
Canadá (7,9%), Suíça (7,8%), Reino Unidos (7,1%), Japão (7%) e França (4,5%). Em seu
período como ministro da Fazenda, Delfim Netto prestou o papel de delegado brasileiro junto
aos países desenvolvidos e reafirmava continuamente o fomento, pelo Estado brasileiro, da
abertura da economia para investimentos externos de modo a se atrair capital, tecnologia e
experiência gerencial.956
Em 1972, por exemplo, Delfim Netto clamava por “um trabalho conjunto”957 entre os
países “para o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional”958 em que “o
comércio e os negócios financeiros deveriam se desenvolver num estilo dinâmico, com maior
justiça para os países em desenvolvimento”959. O crescimento dos investimentos estrangeiros
contribuiu para a expansão das exportações de manufaturados, para o desenvolvimento de

955
Cf. Id., Ibid.
956
Cf. Lago, 2014; Delfim Netto, 1972b.
957
Delfim Netto, 1972b, p.9.
958
Id., Ibid., p.9.
959
Id., Ibid., p.9.
263

novas atividades através da importação de máquinas e para o desenvolvimento tecnológico, e


se deveu, internamente, principalmente aos seguintes fatores: a nova política cambial, que
facilitava as remessas de lucros e dividendos ou repatriações a taxas de câmbio realistas, com
uma programação de exportação mais estável por parte das transnacionais; a política de
incentivo à exportação; a retomada do crescimento; a existência de um programa de
investimentos públicos e de uma política industrial favorável; e a aparente estabilidade política
do país com a edição do AI-5.960
Externamente, houve a atuação de fatores importantes no sentido do aumento de fluxos
de investimento para o Brasil, o que, em última instância, explica a suspensão do trade-off entre
crescimento e equilíbrio externo. Tais fatores foram, grosso modo, a abundância de liquidez a
juros baixos no mercado externo; a melhoria dos termos de troca devido ao aumento dos preços
das commodities; e a expansão do comércio mundial. Nas décadas de 1960 e 70, o tabelamento
dos juros nos Estados Unidos ampliou a liquidez doméstica e, assim, estimulou sua economia,
que passou a registrar déficits comerciais crescentes. Esse processo levou ao acúmulo de
reservas nos países superavitários, principalmente Japão, Alemanha e outras economias
europeias, e, assim, ao surgimento do chamado “mercado de eurodólares”: enquanto o capital
estadunidense buscava aplicações mais rentáveis em outros países, houve simultâneo aumento
da liquidez internacional, o que originou depósitos em dólares mantidos em bancos fora dos
Estados Unidos. Parte dos recursos foi canalizada para (1) países em desenvolvimento (2) com
perspectivas de crescimento e (3) regimes políticos correspondentes aos posicionamentos
estadunidenses na Guerra Fria, o que condizia com a situação brasileira. A política deliberada
de captação desses recursos foi o fator determinante para a suspensão do trade-off e foi
facilitada pelas modificações realizadas em 1964 no Estatuto do Capital Estrangeiro, de 1962,
que eliminaram, entre outras coisas, as limitações até então impostas a remessas de lucros. 961
A mecanização da agricultura, por sua vez, foi estimulada pela concessão de crédito
fácil. A equipe econômica do governo buscou solucionar vários pontos de estrangulamento
simultâneos. A facilitação na importação de máquinas era necessária, entre outras coisas, para
deitar as bases da mecanização da agricultura. Sua mecanização, por sua vez, teve a função de
baixar os custos de produção e, assim, os preços para o consumidor, de modo a contribuir para
a contenção da inflação. Além disso, o processo melhorou a inserção do Brasil no mercado
mundial como um exportador competitivo de produtos primários – o que se refletiu na já
mencionada diversificação das exportações agrícolas e no ganho de espaço de culturas como a

960
Cf. Lago, 2014.
961
Cf. Hermann, 2011; Almeida, 2007.
264

soja na pauta de exportações. A ideia por trás do processo era que a melhoria da posição
brasileira no mercado mundial de produtos primários era necessária para o fornecimento
contínuo de divisas para continuar o processo de crescimento econômico sustentado. A íntima
conexão entre a indústria e agricultura foi uma das pedras de toque da produção teórica de
Delfim Netto já desde a década de 1950, como vimos no capítulo 3.
Em relação à política salarial, as diretrizes do PAEG foram mantidas sem alterações
significativas até 1974. A única alteração pela qual passou foi em 1968, possivelmente
refletindo as preocupações com a manutenção de um nível adequado de demanda interna,
quando passou a contabilizar as variações do resíduo inflacionário real (em comparação com o
resíduo estimado) do ano anterior ao mês do reajuste. O que essa política salarial significou na
prática? Nas palavras de Lago, as “várias séries de salários e de índices de preços não resultam
em uma evolução uniforme do salário real, mesmo abstraindo de problemas metodológicos
envolvendo os índices de preços”962. Os dados disponíveis sobre a evolução do salário real, na
verdade, apresentam um quadro muito mais complexo do que uma simples evolução uniforme.
No Rio de Janeiro, o valor real do salário mínimo em 1970 era 34,5% menor do que seu valor
em 1964. Em São Paulo, a perda de poder aquisitivo do salário mínimo entre 1964 e 1974 foi
maior que 40% – a perda foi de 25,2% entre 1964 e 1967 e 15,1% entre 1967 e 1973. Apesar
do forte crescimento da economia e do aumento da produtividade do trabalho, portanto, houve
graves danos ao poder aquisitivo do salário mínimo real. Por outro lado, houve queda relativa
do número de trabalhadores ganhando apenas um salário mínimo, bem como aumento do
coeficiente entre o salário médio e o salário mínimo, particularmente no setor industrial. De
todo modo, a massa salarial não cresceu proporcionalmente à renda interna e nem ao aumento
da produtividade do trabalho, que era o que Delfim permanentemente preconizava, o que
manteve taxas de lucro e capacidade de investimento elevadas. A média global da evolução
salarial foi positivamente influenciada pelos aumentos de salários de certas categorias de
trabalhadores, notadamente os empregados mais qualificados, que foram bem superiores aos da
média dos trabalhadores. Na indústria de transformação, por exemplo, houve uma tendência de
aumento da relação salário do pessoal total/salário do pessoal ligado à produção, e tal aumento
esteve associado ao crescimento da remuneração relativa de ocupações administrativas e de
supervisão. Em suma, entre 1967 e 1973, houve contenção do salário real, manutenção de altas
taxas de lucro e uma política de remuneração seletiva para os trabalhadores mais
qualificados.963

962
Lago, 2014, p.234-5.
963
Cf. Lago, 2014.
265

No período em questão, além disso, consolida-se a redução da participação da


agropecuária no PIB a custo de fatores (10-11% do total no início da década de 1970), enquanto
a participação do setor secundário esteve por volta de 37% a 38%, e do setor terciário, de 51%
a 53%. O mesmo se observou em relação à PEA: o setor primário absorvia 54% desse
segnmento em 1960, razão que passou para 40,8% em 1973 (refletindo, entre outras coisas, a
mecanização agrícola); no setor secundário, de 12,9% para 20,2%; e, no setor terciário, de
31,5% para 39%. A distribuição regional de renda, por sua vez, não sofreu alterações dignas de
nota, e manteve-se a predominância do Sudeste e do Sul na renda total.964
Em linhas gerais, então, entre 1967 e 1973, o PIB per capita cresceu à taxa anual média
de 7,6%; entre 1968 e 73 o nível de emprego cresceu à taxa anual média de 4,3%; a formação
bruta de capital fixo passou para 20,2% do PIB, excedendo as metas estabelecidas pelo governo;
o produto industrial se expandiu à taxa anual média de 12,5% entre 1967 e 1970, e de 14,3%
entre 1971 e 1973; a meta inflacionária não foi atingida por conta dos problemas na economia
real, que já vimos anteriormente; ao passo que houve aumento tanto das exportações como das
importações, mas acompanhado de aumento do endividamento externo e interno. Com isso, a
inflação e a dívida externa se apresentavam ao final do período como problemas crescentes da
economia brasileira a serem enfrentados pelos governos seguintes. Assim, o primeiro choque
do petróleo já no final de 1973 não pode ser apontado como a causa do fim do ciclo do milagre,
mas evidenciou os problemas subjacentes ao processo de crescimento durante o período: a
necessária correção monetária subsequente causaria efeitos perversos sobre o sistema de preços;
além disso, evidenciar-se-ia a dependência externa decorrente dos caminhos adotados durante
o milagre, a saber, a dependência no setor industrial (bens de capital, petróleo e seus derivados)
e financeiro (reflexo da política de endividamento).965
Passando a um outro nível de abstração, qual foi a dinâmica que alimentou o processo
que ficou conhecido como milagre? Enquanto, nos anos 1950, o grande capital internacional se
interessou pelo Brasil principalmente por conta de seu mercado interno, a situação da economia
mundial mudou a partir dos anos 1960. Com o esgotamento da reserva de mão-de-obra europeia
após a expansão do pós-guerra, tais empresas passaram a buscar na periferia capitalista países
que assegurassem sua expansão industrial sem que incorressem em custos proibitivos, isto é,
países com mão-de-obra abundante e, por isso, barata. O relativamente grande mercado interno
brasileiro, associado à disponibilidade de recursos naturais e a políticas atrativas, coroou o
Brasil como um destino prioritário desses investimentos. No entanto, essa situação gerou uma

964
Cf. Id., Ibid.
965
Cf. Lago, 2012; Hermann, 2011.
266

duplicidade na economia brasileira: do lado do capital, o agravamento das distâncias entre um


setor moderno e um setor atrasado na economia; do lado do trabalho, os assalariados associados
ao grande capital recebiam salários maiores, financiando parte da expansão econômica interna,
ao passo que os setores não modernizados – tanto capitalistas como não-capitalistas – permitiam
que esse nível relativamente alto de salários não fosse alto em termos absolutos, isto é,
barateavam os custos de reprodução da força de trabalho no setor moderno da economia966.
Quando a exportação de capitais para países periféricos se avoluma, na década de 1960,
os países centrais do capitalismo abrem parcialmente seus mercados para a importação de
produtos manufaturados e semimanufaturados vindos dos países periféricos. Grosso modo, o
capital estrangeiro se instala no Brasil devido ao baixo custo da força de trabalho e exporta para
os países centrais. A imigração em massa de trabalhadores europeus não qualificados para os
mais importantes centros econômicos da Europa simultaneamente se avoluma, estimulada pelo
barateamento dos bens de consumo não duráveis.967
Foi em 1964, após o Golpe, que o governo brasileiro passou a enxergar um caminho
alternativo à substituição de importações – voltada para dentro – com base nesse movimento
do grande capital internacional associado às imigrações na Europa. A partir de 1969, sobretudo,
o governo passa a oferecer grandes incentivos à exportação de manufaturados. As
transnacionais incluíram rapidamente o Brasil como base de produção industrial para o mercado
mundial. A expansão explosiva das exportações, por sua vez, possibilitou a alteração na
estratégia de desenvolvimento, e se baseou na atração maciça de recursos externos. Isso
permitiu, à economia brasileira, a abertura de pontos de estrangulamento mediante o incremento
da importação de produtos escassos e a suplementação da poupança interna. A nova estratégia,
portanto, fundou-se na abertura da economia para fora, o que desloca o eixo prioritário do
desenvolvimento do mercado interno para o mercado mundial. Essa lógica faz com que a
aplicação dos recursos limitados disponíveis seja condicionada pela integração da economia
brasileira na divisão internacional do trabalho não apenas como fornecedor de matérias-primas,
mas também como produtor de bens manufaturados. Os desequilíbrios que se agravam ao longo
do processo são contornados através das importações; mas não se busca sua resolução através
da substituição de importações.968
Assim, qual foi a base do boom ocorrido a partir de 1968? Em primeiro lugar, a demanda
interna por bens de consumo duráveis em expansão através da concentração de renda e da

966
Cf. Oliveira, 2008; Singer, 1982.
967
Cf. Singer, 1982.
968
Cf. Singer, 1982.
267

expansão do crédito ao consumo; em segundo, a expansão da demanda externa por conta da


liberalização do comércio internacional e facilitada pelo subsídio das exportações; por fim, a
grande entrada de recursos externos, que complementaram a poupança interna e permitiram,
assim, eliminar focos inflacionários por meio de uma capacidade muito mais elástica de
importação.
Em termos gerais, portanto, o milagre brasileiro dependeu de condições externas
favoráveis e representou o amadurecimento de um caminho de desenvolvimento alternativo ao
desenvolvimentismo. A substituição de importações no Departamento I da economia foi deixada
de lado em benefício de taxas maiores de crescimento, que, de todo modo, não se baseou na
expansão do consumo dos assalariados em geral. Não apenas as disparidades de renda – sociais
e regionais – aumentaram em níveis impressionantes, mas também o processo de substituição
de importações foi parcialmente interrompido entre 1964 e 1974. Tanto a concentração de renda
como o abandono do processo de substituição de importações no Departamento I da economia
foram resultados desejados, e não efeitos colaterais do crescimento econômico. Assim, o
agravamento da desigualdade social não foi fator impeditivo do crescimento econômico. 969
Nesse ínterim, conforme já aventamos, o papel do primeiro choque do petróleo na
passagem entre 1973 e 1974 (o segundo aconteceria em 1979) foi o de acelerar o fim do milagre
brasileiro. O nível de gravidade com que o choque afetou a economia brasileira se deve
majoritariamente ao projeto nacional que tomou forma sob o milagre. Ao deixar de lado a
substituição de importações do Departamento I, a autossuficiência na produção do petróleo (e
de outras matérias-primas) não foi o objetivo prioritário. A mea culpa implícita por parte da
ditadura militar é facilmente reconhecível através dos esforços, a partir de 1974, de repor em
marcha forçada o movimento de ampliação do Departamento I da economia. Os esforços se
concentrariam, a partir de então, no aumento mais rápido possível da produção de petróleo e na
substituição do produto por alternativas viáveis, o que se materializou em massivos
investimentos na prospecção e produção de petróleo por parte da Petrobras, no programa
PROÁLCOOL e em investimentos crescentes em outras matrizes energéticas, como a energia
nuclear970.

4.5 – O criador e a criatura: Delfim defende seu projeto

Delfim Netto não fez uma análise detalhada do milagre no período tratado nessa
pesquisa, isto é, até meados da década de 1980. Após passar os anos 1974-78 como embaixador

969
Cf. Singer, 1982; Oliveira, 2008.
970
Cf. Delfim Netto, 1982; 1983a.
268

na França, Delfim retorna e rapidamente assume o Ministério da Agricultura e, em seguida, a


Secretaria do Planejamento. O único texto originado neste interregno – entre seu retorno ao
Brasil e o convite para assumir a pasta da Agricultura – chama-se “A Reforma e a Organização
Política Brasileira”971. Já mencionado no início do capítulo, o texto resulta de um debate sobre
a organização política brasileira na Associação Comercial de São Paulo no início de 1979, entre
janeiro e fevereiro, na qual transparece a intenção delfiniana de capitalizar a suposta reforma
política no horizonte para se candidatar ao Governo do estado de São Paulo, projeto que já
cultivava desde a década de 1960. A conferência de Delfim por ocasião desse debate é rica em
conteúdo, sobretudo quando se buscam as intersecções, em seu pensamento, entre economia e
política. Entretanto, como trata-se aqui de examinar a interpretação do czar a respeito do
milagre econômico, tal debate não faz parte do conteúdo desta seção.
Para além desse debate, o que Delfim produziu entre 1974 e 1985? Não encontramos
textos, discursos ou correlatos produzidos antes do referido texto que versa sobre a organização
política brasileira, de 1979, nem no ano de 1985. Assim, o conteúdo da seção se restringe aos
anos 1979-1984, ou seja, ao período em que Delfim estava à frente do Ministério da Agricultura
e, depois de seis meses, da Secretaria do Planejamento. Como tal, sua produção se associa antes
à discussão da política econômica coetânea e seus dilemas do que à discussão do passado.
Apesar de não tratar detidamente do milagre econômico, Delfim é forçado pelas
circunstâncias a fornecer uma interpretação sumária daquilo que causou seu esgotamento em
1973-74. Essa interpretação sumária será exposta adiante, mas nos interessa ir além dos
posicionamentos explícitos relativos ao milagre. Os posicionamentos implícitos são também
interessantes por revelarem efetivamente a interpretação que está nas bases de sua atuação a
partir de 1979. Eles estão, portanto, embutidos na sua atividade como ministro de Figueiredo.
Passemos, então, à análise do discurso de Delfim.
Para Delfim Netto, a princípio, a crise do milagre se explica exclusivamente por causas
externas. Quais seriam elas? Segundo Delfim,

A crise que a economia brasileira vem atravessando, desde 1973, depois do


primeiro “maremoto” produzido pela alta dos preços do petróleo, complicada
com a segunda crise do petróleo, e ainda mais complicada com a elevação da
taxa de juros dos mercados internacionais, é uma crise que nos é imposta de
fora972.
Dessa maneira, esse pequeno parágrafo fornece a interpretação que Delfim confere
publicamente à crise ocorrida a partir de 1973: as duas altas no preço do petróleo provocadas

971
Cf. Delfim Netto, 1979.
972
Delfim Netto, 1982, p.5, grifo do autor.
269

pela OPEP e a elevação decorrente da taxa de juros nos mercados internacionais, e ainda, em
1971, o fim do padrão-ouro: “o Brasil [...] fica constrangido, fica contido no seu
desenvolvimento por causa das dificuldades que lhe são impostas pelo mundo externo” 973.
Assim, num primeiro momento, o fim do padrão ouro, em 1971, “por motivos que não importa
como aconteceu”974, e a drástica elevação dos preços do petróleo (multiplicados
aproximadamente por seis) teriam desorganizado a economia brasileira. Qual é a lógica que
subjaz à análise de Delfim?
Para que possamos compreendê-la, é forçoso segui-la passo a passo. Delfim Netto
explica que sempre entendeu o endividamento externo como instrumento adicional da poupança
interna. Como o desenvolvimento econômico depende fundamentalmente do nível de
investimentos, que, por sua vez, está ligado ao nível de poupança interna, o endividamento
proporciona a incrementação da poupança interna através da poupança externa. Foi isso,
segundo ele, o que ocorreu no Brasil entre 1964 e 1973: o país se endividou para ampliar o
nível da poupança interna de modo a acelerar o desenvolvimento econômico, atingindo “uma
taxa de formação de poupança da ordem de 27%, 28% com relação ao Produto, taxa comparável
àquelas que realizaram os países de maior sucesso nos últimos 40 ou 50 anos” 975.
Para Delfim, isso foi possível apenas em razão da fase de desenvolvimento rápido pela
qual atravessava “o Mundo” 976, o que proporcionou o rápido crescimento das exportações
brasileiras. Com isso, de 1964 a 1973, o saldo da balança comercial teria sido “da ordem de 2,3
bilhões de dólares”977. O balanço em conta corrente, por outro lado, teria sido negativo “da
ordem de 5,6 bilhões de dólares”978. Esse déficit seria, assim, a explicitação da entrada de
recursos externos, o que teria possibilitado “um desenvolvimento bastante acelerado” 979 sem
nenhum problema no balanço de pagamentos.
Esse equilíbrio no balanço de pagamentos, segundo Delfim, foi proporcionado pelo
crescimento das exportações a uma taxa da ordem de 18% ao ano entre 1964 e 73, maior que o
crescimento de 8% ou 9% ao ano do comércio mundial. Isso significaria a ampliação, por parte
do Brasil, de seu poder de competição e de ajustamento às condições internacionais,
possibilitando o financiamento do endividamento externo “sem qualquer problema” 980. Assim,

973
Id., Ibid., p.5.
974
Delfim Netto, 1983a, p.5.
975
Delfim Netto, 1984, p.4.
976
Id., Ibid., p.4.
977
Id., Ibid., p.4.
978
Id., Ibid., p.4.
979
Id., Ibid., p.5.
980
Id., Ibid., p.5.
270

o ano de 1973 terminou em equilíbrio: exportações e importações tiveram o mesmo valor, US$
6,2 bi. A dívida anterior a 1964, que, segundo Delfim, teria sido de US$ 4 bi, expandiu-se, em
1973, para US$ 12,6 bi. As reservas foram expandidas a US$ 6,4 bi e, assim, a dívida líquida
era de US$ 6,2 bi, o valor de um ano de exportações.
A política de redução da inflação, por sua vez, teria sido um grande sucesso. Em uma
palavra, “tínhamos conseguido um equilíbrio interno e externo de uma forma bastante
satisfatória”981. Junto ao crescimento econômico acelerado, as condições do desenvolvimento
teriam se mostrado sólidas. Então, Delfim indaga: “E o que aconteceu em 1974?”982.
Já no fim de 1973, houve a primeira manifestação concreta da cartelização da oferta do
petróleo. O preço do barril foi elevado de US$ 2,5 para US$ 12, valor em que permaneceu
constante até 1978. Com isso, “nós, que gastávamos, em 1973, 10% de nossa receita de
exportação com o petróleo, gastamos, em 1974, 20% dessa receita de exportação com o
petróleo”983; simultaneamente, as exportações brasileiras cresceram 28% entre 1973 e 1974 –
2% através do aumento da quantidade exportada e 26% através do aumento de preços das
matérias-primas e produtos exportados pelo Brasil. O problema, então, foram as importações,
que passaram de US$ 6,2 bi, em 1973, para US$ 12,6 bi em 1974, ou seja, um aumento da
ordem de 104%. Dessa maneira, o equilíbrio conquistado desde 1964 teria sido quebrado de
forma violenta precisamente por conta da ampliação do preço do petróleo. Do aumento de 104%
nas importações, 51%, segundo Delfim Netto, deveu-se à elevação de preços, ao que se adiciona
35% devidos à tentativa de acumular estoques de petróleo e outras matérias-primas. “E foi isso
que combinou um aumento de importação física da ordem de 35% com um aumento de preço
da ordem de 51%. E a combinação desses dois efeitos deu um aumento de 104% nas
importações”984.
Dessa forma, “depois de mais de dez anos de equilíbrio”985, teria havido um
desequilíbrio muito superior à capacidade de absorção de qualquer sistema de preços. O
superávit de 1973, então, transformou-se num déficit de US$ 4,7 bi. Delfim insiste no problema:
“em nove anos, havíamos acumulado um déficit de 5 bilhões e 600 milhões de dólares,
destinado, todo ele, a investimento para o crescimento econômico. Em contrapartida, apenas no
decorrer de 1974 registrou-se um déficit em conta corrente de 7,1 bilhões de dólares” 986. Essa

981
Delfim Netto, 1984, p.5.
982
Id., Ibid., p.5.
983
Id., Ibid., p.5
984
Id., Ibid., p.5.
985
Id., Ibid., p.5.
986
Id., Ibid., p.6.
271

teria sido a magnitude do desequilíbrio produzido pela ampliação do preço do petróleo. Tal
desequilíbrio levou a crise até a década de 1980 por conta dos sucessivos saldos negativos na
balança comercial e ainda maior em contas correntes. Para Delfim, o quadro da década de 1970
é o seguinte: o déficit de US$ 5,6 bi foi integralmente destinado a investimentos, ao passo que,
de 1974 a 1978, acumulou-se um déficit de 34 bilhões de dólares, “todo ele destinado a pagar
o acréscimo dos preços do petróleo”987. Assim, “estávamos [...] à mercê de um processo que se
realizava externamente e sobre o qual tínhamos muito pouco controle” 988.
Segundo a interpretação de Delfim, a expansão das exportações “foi a estratégia mais
adequada para o momento [...] em que vivíamos”989, de modo que, em 1978, após constante
deterioração das relações de troca do Brasil, atingiu-se novamente o equilíbrio, quando, em
1979, um segundo choque de petróleo atinge a economia internacional – o preço do petróleo
passa de US$ 12 por barril em 1978 para US$ 33 em 1982. Nesse ínterim, entre 1974 e 1978,
os eurodólares haviam prestado o papel de financiar a dívida dos países em desenvolvimento,
uma espécie de reciclagem ou crediário. Em 1979, no entanto, segundo Delfim, com o segundo
choque, as taxas de juros se elevaram, revelando supostamente o temor dos banqueiros e a
compreensão de que o processo de reciclagem de eurodólares era finito e, ainda, as taxas de
inflação em todos os países. A crise, portanto, resume-se ao que segue:

A combinação desses dois efeitos, a combinação de uma acumulação do


déficit em conta corrente destinado a produzir os recursos para que a economia
continuasse funcionando, somada a esta elevação da taxa de juros, produziu,
realmente, um resultado desastroso para os países em vias de
desenvolvimento. Produziu uma enorme dificuldade para esses países, da qual
nenhum deles se livrou, até agora. 990
Como prova do bom desempenho da economia brasileira, que Delfim redime de
qualquer efeito causal na crise, ele compara o Brasil com os países da OCDE:

Peguemos o primeiro período, de 1964 e 1973. Enquanto o Brasil cresceu


8,7% ao ano, os países da OCDE cresceram 4,5% ao ano. Tomemos o período
de crise mais aguda, o período mais difícil, de 1974/78, da primeira crise do
petróleo. O Brasil cresceu 6,9% ao ano e os países da OCDE, 2,4%. No
período 1979 a 1982, quando visivelmente vivemos uma situação ainda mais
dramática, ainda mais difícil [...], o Brasil cresceu, em média, 3,5% tendo
revelado decréscimo em apenas um ano, enquanto os países da OCDE
cresceram 1,6%. Ora – meu Deus do céu! – isto significa que, a despeito de
todas as dificuldades, a despeito de todas as complicações derivadas do
mercado internacional, a despeito de todas as dificuldades derivadas de um
processo de endividamento que não foi nosso apenas, nós conseguimos ir

987
Delfim Netto, 1984, p.6.
988
Id., Ibid., p.6.
989
Id., Ibid., p.6.
990
Id., Ibid., p.8.
272

crescendo; o Brasil continuou crescendo um pouco mais rapidamente do que


os seus parceiros. Certamente esta é uma das causas, ou seria uma das causas
de desequilíbrio, se as exportações brasileiras não crescessem com o
dinamismo que cresceram. As exportações brasileiras [...] cresceram 84%,
entre 1979 e 1982. Haveria um caminho melhor? [...] Teria algum país,
desenvolvido ou subdesenvolvido, capitalista, socialista, comunista, golpista,
seja lá o que for, encontrado alguma fórmula diferente de realizar o seu
processo? [...] Não! Ninguém. O Mundo não-produtor de petróleo acumulou
um déficit de 700 bilhões de dólares. 991
Para Delfim Netto, portanto, a crise do milagre foi apenas a manifestação nacional de
uma crise de escala mundial desencadeada pelos dois choques do petróleo. No entanto, quando
fazemos um breve exercício de leitura daquilo que Delfim sugere ser a resolução final da crise,
é possível captar melhor o sentido do projeto nacional que ele representa. Se a crise foi mundial,
e se a política econômica adotada teria sido efetiva no modo como lidou com ela, a reação, a
partir de 1974, toma dois caminhos determinantes. Por um lado, isso se deu através do apoio
financeiro e tecnológico à agricultura – em seu setor moderno –, alcançando seguidas safras
recordes. Por outro lado, e mais significativo, a substituição de importações voltou à pauta do
dia: “Estamos, agora mesmo, continuando a fazer a substituição na importação de petróleo [...].
Nós não estamos simplesmente administrando esta crise de pagamentos; nós estamos mudando
profundamente a estrutura da dependência energética deste país”992. Com isso, o Programa do
Álcool, o Programa do Carvão, a produção de gás, a substituição do petróleo por eletrotermia
e energia nuclear e, enfim, a expansão da produção de petróleo representam parte significativa
dos passos finais para a internalização do Departamento I da economia. O que isso significa,
enfim? Delfim responde: “[...] estamos trabalhando para alterar as condições estruturais da
economia brasileira; significa que outras crises de petróleo, se elas vierem, encontrarão o Brasil
muito menos vulnerável do que foi encontrado no passado”993.
Que forma assume, portanto, o projeto nacional de que Delfim presumivelmente
continua sendo depositário?

Há, em marcha, uma substituição de importações, não só de energia, mas de


pequenas partes de componentes, que representam quase 1 bilhão de dólares
por ano, que é uma substituição muito eficaz. Temos, portanto, condições de
continuar crescendo, se pudermos continuar nesta linha de não agravar as
dificuldades do balanço de pagamentos. [...] Para alguém como eu,
comprometido com o processo de desenvolvimento econômico, para alguém
como eu, que a vida inteira procurou realizar o desenvolvimento econômico,
é extremamente importante encontrar, e encontrar depressa, as formas de
superar essas dificuldades emergentes. Elas estão aí, à vista. Nós vamos
realmente superar essas dificuldades. Seria ingênuo pensar que o Mundo vai

991
Delfim Netto, 1984, p.10.
992
Id., Ibid., p.11.
993
Id., Ibid., p.11.
273

mudar com rapidez. O Mundo não vai mudar com rapidez. O mundo vai
prosseguir nas dificuldades existentes hoje; ele está melhorando lentamente,
caminha na direção que deve ser conveniente à economia brasileira, e nós
temos de aproveitar esse movimento. Temos de aproveitar esse movimento
para voltar a realizar o desenvolvimento de que precisamos. [...] É preciso
perseverar, empurrando a economia na direção das exportações, empurrando
a economia na direção da substituição dos energéticos derivados do petróleo,
empurrando a economia na direção de uma ampliação do setor agrícola. 994
Esse parágrafo resume a concepção de que, se as economias centrais capitalistas
passaram por modificações que parecem ser duradouras, o Brasil tem de reafirmar as suas
potencialidades de crescimento ao dispor de uma base maior de expansão para a economia,
buscando a independência em relação a recursos energéticos externos ao promover a
substituição de importações e simultaneamente promovendo o crescimento das exportações e
das safras agrícolas. Tratava-se, enfim, de “reduzir a dependência externa”995. Para continuar
esse padrão de desenvolvimento, entretanto, seria necessário captar sempre mais recursos
externos para financiar a dívida crescente, parcialmente destinada ao novo salto produtivo.
Nesse período, então, recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) parece ser uma
opção cada vez mais forte para financiar o desenvolvimento sobre tais bases. De modo a
defender o desenvolvimento materializado no projeto nacional da ditadura militar, Delfim
chega mesmo a “deserdar” o milagre:

O que aconteceu com o Brasil depois de 64? Cresceu tanto, que se dizia que
era um “milagre”. Eu não aceito isso, porque o milagre seria um efeito sem
causa, e o desenvolvimento foi produto do trabalho de todos nós. Mas o Brasil
quadruplicou, quintuplicou, em quatorze ou quinze anos. Isso tudo mostra que
nós não devemos temer o Fundo Monetário. O Fundo pede apenas que os
países ponham suas finanças em ordem.996
Apoiando-se no mesmo padrão de desenvolvimento, a saber, o endividamento externo
como forma de complementação da poupança interna, a ditadura militar busca alçar o Brasil a
um novo salto produtivo. O reconhecimento da necessidade de tal salto decorre da
interpretação, a partir de 1973/74, de que o Brasil estava incapacitado de produzir a
autossuficiência energética. A interpretação para o esgotamento do milagre econômico, então,
é esta: “O nosso problema é que nós somos pobres. O nosso problema está no seguinte: nós
tínhamos dado o ‘take-off’, nós estávamos no ar realmente, e os ‘tipos’ tiraram o combustível
da gente”997.

994
Delfim Netto, 1984, p.12.
995
Id., Ibid., p.62.
996
Delfim Netto, 1983b, p.10, grifo do autor.
997
Delfim Netto, 1981, p.84.
274

Assim, o esgotamento ou crise do milagre brasileiro levaram à compreensão, por parte


de Delfim e do projeto que representou, de que era necessário aprofundar a substituição de
importações. Os outros elementos fundamentais do modelo de desenvolvimento concentrador
colocado em prática a partir de 1964, e particularmente a partir de 1968, não foram postos em
cheque.
De qualquer modo, não deixa de ser irônico que aquele que pretendia superar o
subdesenvolvimento brasileiro entregasse um país com níveis descontrolados de inflação e
endividamento externo, mais elevados do que a ditadura militar encontrara, ainda que tivesse
deixado um processo de acumulação de capital e uma estrutura produtiva mais dinâmicos.
275

Considerações Finais

Delfim Netto foi um homem público que conciliou sua atuação acadêmica – pesquisa,
ensino e formação de equipes – com sua atuação na área de assessoria para o governo,
destacando-se em ambas. Daí surgiu sua notoriedade cada vez maior na vida pública e a sua
construção como personagem importante durante a ditadura militar. Apesar de uma formação
convencional, seu pensamento está na fronteira da teoria econômica da época e não se filia à
concepção liberal: sua discussão sobre os fundamentos científicos das ciências econômicas
revela um arsenal teórico vasto e bem refletido, que lhe torna capaz de discutir em detalhes
autores coetâneos relevantes e, simultaneamente, traçar seus posicionamentos de forma sólida.
Sobre esse pano de fundo, o desenvolvimento e o planejamento são as categorias
centrais na produção de Delfim Netto. Delas surgem as interpretações delfinianas a respeito do
subdesenvolvimento. Em seu arsenal teórico, o ponto de chegada é a maximização do
desenvolvimento econômico brasileiro e sua extensão tão rápida quanto possível a todos os
cidadãos que, através de um sistema político que lhes garantisse suas liberdades fundamentais,
pudessem desfrutar livremente desse desenvolvimento. Não obstante, Delfim Netto transforma
a política uma variável interveniente, um fator que afeta o fenômeno observado, mas que, ao
contrário de outras variáveis, não pode ser manipulado ou medido pelo economista.
Para ele, o problema dos países subdesenvolvidos estaria não apenas na esfera da
distribuição, como seria o caso dos países desenvolvidos, mas também na esfera da acumulação.
É aí que se encontra a chave para se compreender o subdesenvolvimento sob a ótica de Delfim.
A maximização da taxa de acumulação nos países subdesenvolvidos, apesar de essencial para
o surgimento de um processo efetivo de desenvolvimento na medida em que influenciaria a
capacidade empresarial de realizar investimentos, não seria um processo automático. Tanto a
incrementação da acumulação de capital como sua canalização para o processo produtivo,
então, teriam de ser realizadas ou através do sistema tributário ou através de coação política,
segundo a capacidade governamental de construir uma coalizão em torno dos fins almejados e
do caminho para se chegar a eles, isto é, do planejamento. Mas, afinal, o que são
desenvolvimento e planejamento?
O desenvolvimento é definido por Delfim Netto como um fenômeno multidimensional
que teria causas qualitativas e, como consequências, a alteração de estruturas, valores e formas
de comportamento. Resume-se a um fenômeno dinâmico e autoalimentado em que se aumenta
a produtividade de cada unidade de mão-de-obra na unidade de tempo e em que a produção
276

total de bens e serviços cresce em nível superior ao aumento populacional. O processo seria
causa e consequência da incorporação de novas técnicas produtivas e, nas sociedades
subdesenvolvidas, tratar-se-ia sobretudo da criação e ampliação da atividade industrial. Para se
alcançar um processo autossustentado de desenvolvimento, no entanto, alguns obstáculos
teriam de ser superados de forma radical, já que muito raramente o desenvolvimento seria um
processo espontâneo. Isso significa que, via de regra, ele seria o resultado de um esforço
consciente por parte da sociedade. Tal esforço consciente poderia se dar de duas formas: ou a
coletividade teria de se convencer da necessidade de aceitar o sacrifício do crescimento
econômico acelerado através da redução do consumo per capita ou o Estado teria de assumir a
tarefa em suas mãos e, através da coação política – destinada a manter a política (como variável)
dentro de parâmetros aceitáveis –, fornecer as condições necessárias para o empresariado fazê-
lo. Afinal, para Delfim Netto, não existe nenhum outro fator limitante de desenvolvimento a
não ser a quantidade de capital. É assim que ele se alça ao nível tecnocrático e suplanta a
discussão dos fins.
Nesse contexto, entra em cena o planejamento, que seria capaz de absorver as
positividades e minimizar as negatividades do capitalismo liberal e do socialismo. Delfim Netto
explica a razão pela qual o capitalismo liberal não poderia dar certo no Brasil: nos países hoje
desenvolvidos, as modificações tecnológicas e a incrementação da acumulação em cada setor
teriam se processado de forma gradual, por absorções infinitesimais durante a revolução
industrial, sujeitando o sistema de preços a pressões contínuas e manejáveis e, assim, orientando
adequadamente os fatores de produção. Nos países subdesenvolvidos, a introdução da
tecnologia se faria de forma descontínua, aos saltos, o que produziria desequilíbrios de
magnitudes dificilmente absorvíveis pelo sistema de preços, resultando em altas e baixas muito
violentas, que tornariam insuportável o custo social do desenvolvimento. Para o sistema de
preços funcionar adequadamente, então, as modificações estruturais mais importantes teriam
de ser previstas e superadas antes que se tornassem um fator impeditivo do processo de
desenvolvimento.
O planejamento surge, assim, como uma ferramenta neutra que pode ser utilizada para
diferentes fins: segundo Delfim Netto, é a minoria que detém o poder político em todos os
sistemas que decide quais os objetivos a serem alcançados. Seria insensato, por isso, combater
o planejamento em si: o comportamento presente de uma administração determinaria suas
alternativas futuras, o que significa, em outros termos, que o planejamento proporcionaria a
escolha dos meios mais adequados para atingir os fins desejados. Assim, enquanto a finalidade
está pré-determinada – surgida da interpretação de Delfim Netto de que o subdesenvolvimento
277

é sinônimo de insuficiências na esfera de acumulação –, importa discutir os meios para


maximizar a taxa de acumulação de capital. É nesse âmbito que cada componente da
coletividade tem de cumprir o papel que lhe cabe, a saber, não impedir a maximização das taxas
de lucro. Para o tecnocrata, em última instância, o maior objetivo seria definir os interessantes
compatíveis com a máquina de acumulação de capital. Não se trata, portanto, de alterar
estruturas sócio-históricas, mas de superar gargalos impeditivos à acumulação e ativar o setor
privado. A análise de Delfim Netto desemboca no economicismo e no etapismo de referencial
rostowiano: dado o arranque inicial com base em algumas condições, a economia engata em
um processo de desenvolvimento por etapas. Os aspectos qualitativos se resumem à descrição
das mudanças tecnológicas em termos de crescimento industrial, mecanização do campo,
transferência de mão-de-obra do campo para as cidades e assim por diante.
O modelo de acumulação proposto por Delfim Netto ficou amplamente conhecido como
teoria do bolo. O próprio Delfim não admite que tais palavras tenham sido ditas por ele 998. De
todo modo, a teoria do bolo é a simplificação de um padrão de acumulação no qual uma parcela
do produto global da sociedade é subtraída ao consumo e reinvestida no setor de bens de
produção. Delfim Netto destrincha em detalhes esse modelo, estabelecendo taxas ótimas de
investimento que representariam uma grande fatia do produto total e levariam à retração
drástica do consumo – especialmente nos casos mais extremos, a coletividade teria de ser
contida à força para superar os sacrifícios do desenvolvimento econômico acelerado –, o qual
voltaria a crescer após 12 ou 15 anos a níveis a princípio extraordinários. É problemático dizer
que a solução autocrática estava em seu modelo, mas não é possível negar que a política é a
variável interveniente que dá sentido a ele: como Delfim Netto não caracteriza a coação política,
a centralização do poder político para manusear as variáveis econômicas pode se dar de
diferentes formas e se processar em diferentes regimes políticos, contanto que o denominador
comum seja a incrementação da acumulação.
É importante notar que Delfim Netto não desenvolve suas ponderações embrionárias
sobre as particularidades do desenvolvimento capitalista no Brasil, que se revelam, por
exemplo, numa efêmera defesa da reforma agrária no Nordeste, e se limita a considerar as
imperfeições debilitantes da economia brasileira. Nesses termos, segundo Delfim Netto, os três
maiores problemas no Brasil seriam o déficit no balanço de pagamentos, a inflação e a falta de
entrosamento entre agricultura e indústria. Para o primeiro problema, a solução seria a expansão
anual das exportações com base em uma taxa determinada através modelos matemáticos. Para

998
Delfim Netto, 2008b.
278

o segundo problema, agravado pelo chamado desenvolvimento derivado, a solução seria a


criação de uma poupança forçada através do sistema tributário ou, alternativamente, da coação
política999, diminuindo os déficits de caixa do governo federal sem comprometer os
investimentos e melhorando a produtividade dos fatores de produção no setor público. Para o
terceiro problema, a solução seria o incremento da produtividade agrícola e a ampliação da área
cultivada – dependendo da região brasileira –, ambos em função da expansão do setor industrial.
Ao se alçar a instâncias determinantes da vida pública através de sua atividade teórica e
prática, que lhe possibilitaram o estabelecimento de laços com atores sociais que adquiriram
cada vez mais importância após o Golpe de 1964, Delfim Netto teve uma oportunidade única
de colocar suas reflexões em prática. A ditadura militar lhe proporcionou o melhor dos mundos
ao ser capaz de influenciar a variável interveniente – a política –, empenhando-se em uma
batalha destinada a forçar a realidade a se comportar como nos modelos teóricos em nome do
desenvolvimento econômico.
Esse esforço por parte da ditadura militar foi realizado primeiramente através do
isolamento da política, por um lado, e da economia, por outro, característica já presente no
governo Castelo Branco que deixaria suas marcas no desenrolar histórico. A economia deveria
ficar a encargo dos detentores do saber, os tecnocratas. A política teria de ser mantida dentro
de parâmetros aceitáveis de modo que não bloqueasse o processo de desenvolvimento. Isso
incluía a neutralização dos sindicatos dos trabalhadores, com a escusa de que estavam
infiltrados pelo comunismo, e a cassação dos políticos civis, com a escusa da corrupção e de
sua incapacidade de resolver os desafios do desenvolvimento nacional. A transformação dos
sindicatos trabalhistas e dos políticos civis em espantalhos que bloqueavam o desenvolvimento
nacional deitou as bases para a aplicação dos modelos de Delfim Netto, que já tinha levantado
a necessidade de se resolverem dois problemas essenciais na economia brasileira: a inflação,
um dos três grandes obstáculos do desenvolvimento e em cujas causas preponderavam os
aumentos salariais, e a incrementação dos investimentos de modo sustentável, isto é, a elevação
perene das taxas de lucro, de modo a fornecer recursos e incentivos ao empresariado, através
da contenção do consumo per capita.
O acirramento das pressões políticas no interior da ditadura militar levou à hegemonia
de um projeto que, apesar de semelhante, não era aquele de Castelo Branco, mas sim um projeto
mais autoritário, com menos ingerência dos políticos civis, menor tolerância aos sindicatos de

999
Em seu trabalho de 1965 sobre a inflação em coautoria com alguns dos Delfim Boys, por exemplo, Delfim Netto
conclui que as maiores causas para a expansão dos meios de pagamento decorriam da demanda monetária de
fatores como os aumentos salariais e as variações nos custos de câmbio.
279

trabalhadores e reafirmação do poder militar das Forças Armadas. O discurso de Costa e Silva
ainda durante a Presidência de Castelo Branco, em que afirma publicamente que, se o presidente
estava fraco politicamente, estava forte militarmente, reitera o processo de suspensão da esfera
política. A mediação de interesses, assim, foi totalmente sufocada em favor da negociação direta
com os atores relevantes para a ditadura militar, o que Delfim Netto revela, por exemplo, em
entrevista posterior sobre sua boa relação com os banqueiros, papel reiterado por sua
participação ativa em encontros patronais quando esteve à frente do Ministério da Fazenda. A
construção de um consenso militar em torno de uma guinada autoritária e a transformação da
ditadura em um regime de generais testemunham o surgimento de um projeto nacional que
Delfim Netto refinou através da sua interpretação do desenvolvimento. Não é por acaso que ele
permaneceria, por muito tempo após o milagre econômico, um ator ativo nas instâncias
determinantes do poder.
O acordo entre os atores da coalizão foi selado através do AI-5, que enterrou os
caminhos de desenvolvimento alternativos no interior da ditadura militar. É por isso que,
durante os anos de chumbo, a vida política, tanto civil como militar, parece em estado de
suspensão. O projeto nacional em torno do qual surgiu um consenso se transmuta na propaganda
oficial do Brasil Grande veiculada pela Assessoria Especial de Relações Públicas, a agência de
propaganda oficial criada em 1968. Delfim Netto se propôs, com sucesso, a dar um salto adiante
em relação ao PAEG com base em suas reflexões prévias, depositárias de elegância e
sagacidade ímpares no tratamento da política e das classes sociais, reduzidas a uma coletividade
moldável por meios extraeconômicos.
É importante compreender, no entanto, que as reflexões prévias de Delfim Netto foram
apenas uma parte de sua produção. Ao longo dos anos 1966-74, analisados aqui, Delfim
desenvolveu e refinou seu discurso em sintonia, por um lado, com sua produção precedente,
mas também, por outro, com a realidade que ele enfrentava como superministro. Ele analisa em
detalhes elementos que não estavam presentes na sua produção anterior, oferecendo caminhos
explícitos para a solução de uma série de problemas práticos, como os custos financeiros e a
pressão tributária sobre o setor privado, o servo-mecanismo – um processo inflacionário
autoalimentado, derivado principalmente dos aumentos salariais – e a tutela estatal. Definiu,
assim, os caminhos para a superação das imperfeições do capitalismo no Brasil como parte de
um processo de orquestração do crescimento econômico e da ampliação das taxas de lucro,
destinadas, ademais, a conferir estabilidade política ao regime, o que, por sua vez, era condição
necessária para o alcance da liberdade nacional, identificada com o amadurecimento do
280

empresariado como classe social. Confrontada com a realidade, a criatura manteve os desígnios
essenciais do criador, mas cresceu e adquiriu vida própria.
O agravamento das desigualdades sociais não foi fator impeditivo do crescimento, mas
antes sua alavanca. Aproveitando-se de condições externas favoráveis, a economia brasileira
cresceu com inflação declinante e equilíbrio externo através da redistribuição da renda de baixo
para cima, da expansão dos empréstimos a estratos qualificados dos assalariados para o
consumo de bens duráveis e da entrada maciça de recursos externos. Como a substituição de
importações no Departamento I da economia foi deixada de lado, a crise do milagre foi dupla:
a dívida externa se multiplicara enquanto os choques do petróleo levaram à percepção da
necessidade da autossuficiência no setor energético.
Apesar disso, sob o risco de deslegitimar seu projeto, Delfim Netto não realiza uma
autocrítica pública. Seu discurso posterior indica, nas entrelinhas, seu reconhecimento parcial
das deficiências do projeto nacional durante o milagre, mas, publicamente, ele se limita a
atribuir a crise a fatores externos: as duas altas do petróleo promovidas pela OPEP, o aumento
decorrente das taxas de juros internacionais e o fim do padrão-ouro, que tornaram o Brasil
constrangido no seu desenvolvimento. A partir de 1974, ele estaria pronto para oferecer novos
caminhos, como se revela na bibliografia produzida ao longo dos anos em que ele esteve à
frente da pasta do Planejamento (1979-85): a substituição de importações no Departamento I
voltou à pauta do dia como parte da estratégia de redução da dependência externa e como
manifestação da necessidade do Brasil reafirmar suas potencialidades.
A despeito disso, no arcabouço teórico de Delfim, a substituição do Departamento I da
economia nunca foi condição sina qua non do desenvolvimento. A questão seria antes a
estabilização no balanço de pagamentos. A inclusão social, por sua vez, decorreria do aumento
do nível de emprego, que seria alcançado através da expansão controlada das exportações e do
ingresso de recursos externos, acompanhados de políticas públicas por meio das quais o capital
nacional pudesse, de acordo com suas capacidades, ocupar os espaços abertos pelo processo de
desenvolvimento. Ao considerar que a quantidade de capital era o único fator limitante do
desenvolvimento e, com base nessa interpretação, promover a incrementação da acumulação,
Delfim acreditou que o empresariado brasileiro cumpriria sua tarefa e abandonou o
planejamento global da economia. Sua reavaliação veio tarde demais.
281

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289

Apêndice – Obras completas de Delfim Netto até 1990

Abaixo se encontra uma listagem da bibliografia encontrada de autoria de Antônio


Delfim Netto até 1990. Temos ciência de que essa não é toda a bibliografia existente. A pesquisa
revelou, por exemplo, que o autor produziu textos ligados à sua função quando trabalhava no
Departamento de Estradas e Rodagem (DER), mas, com exceção referências indiretas, não
encontramos esses textos. A bibliografia abaixo é composta de livros, artigos, discursos,
palestras, pronunciamentos, entrevistas, prefácios, relatórios, compilação de um curso
ministrado, documentos, uma participação em banca examinadora, suas teses de doutorado e
de livre docência. Na tabela, além do título e ano de publicação, constam observações relativas
a cada publicação nos casos em que havia informações disponíveis e consideramos pertinente
fazê-lo e a localização física do texto. Onde não há localização conhecida, a coluna foi deixada
em branco.
290

Antônio Delfim Netto - Obras completas (até 1990)


Ano Título Observação Onde encontrar

Uma Estimativa de Custos


19xx de Operação dos
Equipamentos Rodoviários

Alguns Métodos Estatísticos


para Cálculos de
19xx
Depreciação numa
Economia Sujeita à Inflação

Biblioteca Embrapa Algodão


1953 O Problema do Algodão
(Campina Grande-PB)

Discurso de paraninfo da turma


de formandos de 1956 na
Discurso proferido pelo Prof. Acervo pessoal do prof. Flávio
1957 FCEA-USP, in: O Canguru
Antonio Delfim Netto Azevedo Marques de Saes
(órgão do Centro Acadêmico
“Visconde de Cairu”)

A Economia Cafeeira no
1957 Biblioteca da FEA-USP
Brasil

O Método na Ciência
1958 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Econômica

O Problema do Café no
1959 Tese de doutorado Biblioteca da FEA-USP
Brasil

Biblioteca da FEA-USP; Biblioteca


da Escola Politécnica-USP;
1960 O Trigo no Brasil
Biblioteca do Instituto de Estudos
Brasileiros-USP etc.
Alguns Problemas do
1962 Planejamento para o Tese de livre docência Biblioteca da FEA-USP
Desenvolvimento Econômico
Análise do
Participação em banca
trabalho: "Balanço completo
1962 examinadora. Análise de tese Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
das empresas industriais" do
de doutorado.
prof. Hironda Simões Luders
Sugestões para uma Política
1962 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Cafeeira
O Progresso Econômico e o
1963 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Progresso Social

Problemas econômicos da Biblioteca do IPEA (Brasília/Rio);


[1965?] Série: Boletim USP FEA ; 40
agricultura brasileira Biblioteca da FEA-USP
291

Alguns Aspectos da Inflação


1965 Biblioteca da FEA-USP
Brasileira

Tentativa de explicação das


causas que determinaram a
1966 Folheto Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
expansão dos meios de
pagamento em 1964 e 1965
Reedição de Alguns Problemas
do Planejamento para o
Planejamento para o Bibliotecas da FEA-USP e da
1966 Desenvolvimento Econômico,
Desenvolvimento Econômico FFLCH-USP (entre outras)
de 1962, sem alterações
perceptíveis

Biblioteca do IPEA (Brasília/Rio) e


1967 O café do Brasil Série: Estudos ANPES ; 3
da FEA-USP

1967 600 dias de política cafeeira Biblioteca do IPEA (Brasília/Rio)

Discurso de posse do Ministério


Convocação para o
1967 da Fazenda em 17 de março de Biblioteca da FE-USP
Desenvolvimento
1967

Discurso para empresários em


1967 A Taxa de Juros almoço promovido pela Bolsa de Biblioteca da FE-USP
Valores do Rio de Janeiro

1968 1967: os fatos Biblioteca do IPEA (Brasília/Rio)

A Política Econômica do
1968 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Governo: 1967-1968
Documento confidencial "Para
1967/68: Política Econômica
1968 uso exclusivo dos membros do Biblioteca da FEA-USP
e Financeira do Governo
Congresso Nacional"

1968 Realidade na Taxa Cambial Biblioteca da FE-USP

Política Econômico-
1968 Biblioteca da FE-USP
Financeira

O Desenvolvimento e o
1968 Biblioteca da FE-USP
Comércio Externo
292

Texto integral publicado também


em Análise do Momento
1968 O Momento Brasileiro Biblioteca do IPEA (Brasília/Rio)
Brasileiro e em O Sacrifício do
Desenvolvimento

Texto integral publicado também


Análise do Momento
1968 em O Momento Brasileiro e em Biblioteca da FE-USP
Brasileiro
O Sacrifício do Desenvolvimento

Texto integral publicado também


O Sacrifício do
1968 em O Momento Brasileiro e em Acervo da FEBRABAN
Desenvolvimento
Análise do Momento Brasileiro

O Processo de Ajustamento
1968 Biblioteca da FE-USP
Cambial

In: 1968 - Ato Institucional nº 5:


Os personagens. São Paulo:
Folha de S.Paulo, 2008a. 1 Disponível em:
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terceira sessão do Conselho de
Segurança Nacional. [1968].

1969 Conferência Acervo Delfim Netto (FEA-USP)

Estimativa do Volume de
1969 Biblioteca da FE-USP
Investimentos em 1968

Vicissitudes da Política
1969 Biblioteca da FE-USP
Econômica no Brasil

A Alegria da
1970 Biblioteca da FE-USP
Irresponsabilidade

1970 Brasil em Expansão Biblioteca da FE-USP

Brasil – Reformas
1970 Intensificam Biblioteca da FE-USP
Desenvolvimento
293

Capital de Giro e Sistema


1970 Biblioteca da FE-USP
Bancário

Novas Motivações para


1970
Investimentos Internacionais

Política Creditícia –
1970 Biblioteca da FE-USP
Objetivos

Entrevista realizada pelo editor


de Economia da Folha de
Programa de Integração
1970 S.Paulo e transmitida pela Biblioteca da FE-USP
Social
televisão a respeito doo
Programa de Integração Social

1970 Realismo e Racionalidade

1970 Redução da Taxa de Juros Biblioteca da FE-USP

Reprodução do curso de
Curso de Economia
1970 Economia Brasileira ministrado Biblioteca da FEA-USP
Regional
por Delfim Netto na FCEA-USP

A Lógica e o
1970 Biblioteca da FE-USP
Desenvolvimento

A Lógica e o
1970 Texto no Estado de S.Paulo
Desenvolvimento

Realismo, Racionalidade e
1970 Acervo da FEBRABAN
Política Econômica

Dêem-me o ano e fiquem


1970 Acervo da FEBRABAN
com a década

Comércio Exterior -
1971 Instrumento de Realização Acervo da FEBRABAN
do Poder Nacional

1971 Experiência nova no Brasil Biblioteca da FE-USP


294

Mobilidade e carreira dos


1972 dirigentes das empresas
paulistas

A importância do setor
1972 exportador no processo do Acervo da FEBRABAN
desenvolvimento brasileiro

Mesmo texto de Discurso do


Estímulos-Incentivos à
Ministro Delfim Netto, na
1972 exportação de Acervo da FEBRABAN
Revista de Finanças Públicas,
manufaturados
n.309, maio-jun. 1972.

O Ministro da Fazenda na
1972 Acervo da FEBRABAN
Escola Superior de Guerra

1972 Bolsas de Valores Acervo da FEBRABAN

Pronunciamento na Convenção
Reforma do Sistema de
1972 Nacional do Comércio Exterior Acervo da FEBRABAN
Relações Comerciais
em Nova Iorque

Discurso do Ministro Delfim Discurso na Sociedade Hípica


1972 Acervo da FEBRABAN
Netto Paulista em 7 de julho de 1972

Mesmo texto de "Estímulos-


Discurso do Ministro Delfim
1972 Incentivos à exportação de Acervo da FEBRABAN
Netto
manufaturados, 1972.

Problemas da Economia
1973 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Brasileira

1973 Exposição na Câmara Relatório Acervo Delfim Netto (FEA-USP)

O Problema do Café no
1973 Biblioteca da FEA-USP
Brasil

Café do Brasil: vinte anos de


1973 substituição no mercado Biblioteca da ESALQ-USP
internacional

Aspectos da Economia
Brasileira Destacados em
Palestra do Ministro da
1973 Fazenda Antonio Delfim Biblioteca da FE-USP
Netto, na Escola Superior de
Guerra em 15 de Agosto
deste Ano
295

Palestra do Ministro da
Fazenda na Federação dos
1973 Biblioteca da FE-USP
Indústrias do Estado de São
Paulo
Prefácio ao livro "Distribuição da
Renda e Desenvolvimento Biblioteca do Ministério da
1973 Prefácio
Econômico do Brasil", de Carlos Fazenda; FAU-USP; FEA-USP.
Geraldo Langoni
Prefácio ao livro "Commodities:
Biblioteca do Ministério da
1974 Prefácio o preço do futuro", de Noênio D.
Fazenda
Spínola

Em defesa da sociedade
1975 Acervo da FEBRABAN
aberta

Prefácio ao livro "O Bibliotecas da FEA-USP, da


1977 Prefácio Desenvolvimento Brasileiro em FFLCH-USP, da FD-USP; Acervo
Debate", de Stefan H. Robock Delfim Netto (FEA-USP)

A reforma e a organização Acervo da FEBRABAN; Acervo


1979
política brasileira Delfim Netto (FEA-USP)

1979 Agricultura e inflação Acervo da FEBRABAN

Diretrizes do Ministério da
1979 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Agricultura
Manter o desenvolvimento e
Palestra na Escola Superior de
1980 reduzir a dependência Biblioteca da FEA-USP
Guerra, maio de 1980
externa
Some aspects of Brazilian
1980 "Translation of speech" Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
economy
Discurso do Ministro Delfim
1980
Netto
Conferencia no Estado Maior
Análise da política
1980 das Forças-Armadas, EMFA, no Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
econômica nacional
dia 2 de setembro de 1980
First work is an interview with
Poupar, produzir mais,
journalist Ana Am elia de Lemos
exportar: a receita do
for the journal Zero Hora on
Ministro Delfim Netto para o
1981 Dec. 11, 1980; 2nd work is an Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Brasil continuar a crescer em
interview with journalist Paulo
1981; & A explicação para o
Francis for the journal Folha de
milagre que não houve
Sao Paulo.
A Recuperação da
1981 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Economia em 1980/1981
296

Pronunciamento do Ministro A.
Delfim Netto, dia 30 de julho de
1982, no Rio Palace Hotel, no
Rio de Janeiro, a convite da
Federação Nacional dos
A Resposta do Ministro Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Bancos. Saudações dos
1982 Delfim Netto às Críticas à Biblioteca do Ministério da
Representantes das Entidades
Política Econômica Fazenda (DF)
Financeiras, Confederação
Nacional da Indústria,
Confederação Nacional da
Agricultura, Confederação
Nacional do Comércio.
Entrevista a jornalistas da
Apesar da Seca, Nordeste Biblioteca do Ministério da
1982 Paraíba em 22 de setembro de
Não Deixou de Crescer Fazenda (DF)
1982
Palestra de Delfim Netto na
Política e Estratégia do
1982 Escola Superior de Guerra, Rio Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Desenvolvimento Brasileiro
de Janeiro, 2 de junho de 1982.
Palestra de Delfim Netto na
Brasil 82, a Grande Luta Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Escola de Guerra Naval, Rio de
1982 para Manter o Espaço para Biblioteca do Ministério da
Janeiro, 15 de setembro de
Crescer Fazenda (DF)
1982.
Biblioteca Embrapa Amazônia
1983 Delfim Explica a Maxi
Oriental (Belém-PA)
Apresentação ao livro "Aprendiz
1983 Apresentação de Empresário", de Ernane Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Galvêas
Exposição do ministro A. Delfim
1973/1983, Dez Anos de Netto, do Planejamento, no
1983 Crise e, Apesar de Tudo, plenário do Senado Federal, na Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Crescimento sessão vespertina de 17 de
maio de 1983.
Entrevista do Ministro A. Delfim
Netto, do Planejamento, aos
Não Olhe Só a Dívida, Veja
jornalistas Joelmir Beting,
o que Ela Representa: Itaipu,
Alberto Tamer, Salomão Ésper
Tucuruí, O Programa
1983 e José Paulo de andrade, do Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Siderúrgico, Os Metrôs,
programa "Gente" da Rede
Caraíba, A Petroquímica,
Bandeirantes de Rádio, em 31
Tubarão...
de dezembro de 1982, em São
Paulo
Exorcizado o "Fantasma" de Publicação em dezembro de
1983 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
1984 1983
Mudanças na Lei Salarial Entrevista ao jornalista Thássilo
1983 Protegem o Emprego do Mitke, do jornal "O Dia", em 2 de Acervo da FEBRABAN
Trabalhador fevereiro de 1983
297

Entrevista do ministro do
Planejamento, Delfim Netto, ao
jornalista Luís Garcia, de "O
Globo", em 26 de dezembro de
1982. Em anexo, texto dos
Delfim, o Brasil e a Crise pronunciamentos no Conselho
1983 Acervo Delfim Netto (FEA-USP)
Mundial de Pagamentos Monetário Nacional, em Brasília,
16 de dezembro de 1982, e em
Nova York, Plaza Hotel, em 21
de dezembro de 1982, durante
reunião com banqueiros
internacionais.

Pronunciamento efetuado no
1983 Endividamento Externo plenário do Senado Federal em Acervo da FEBRABAN
17 de maio de 1983
Cinco Anos de Política
1984 Econômica Brasileira, Acervo da FEBRABAN
segundo Delfim Netto
Mudanças Estruturais da Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Palestra de Delfim Netto na
1984 Economia no Governo Biblioteca do IEB-USP; Acervo da
Escola Superior de Guerra
Figueiredo FEBRABAN
Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
Só o Político Pode Salvar o
1986 Biblioteca da Escola Politécnica da
Economista
USP (Eng. Civil)
Moscou, Freiburg e Brasília: Acervo Delfim Netto (FEA-USP);
1990
ensaios Biblioteca da FEA-USP

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