Seminário LETA20 (1007)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 32

LETA20: Introdução à semântica

Notícias sobre um estudo


cognitivo sócio-histórico
da polissemia de "vacina"

Integrantes: Larissa Brandão, Larissa Cruz,


Omar Reis, Ralph Oliveira e Silwan Brito
S u m á r i o

Introdução
O marco teórico
Metodologia
Análise dos elementos
Considerações finais
INTRODUÇÃO

~"Experiências que culminaram nas vacinas


tais como conhecemos hoje iniciaram-se no
século XIX. De lá para cá, os imunizantes
tornaram-se a principal forma de prevenção
contra várias doenças. podendo proteger o
indivíduo, como também uma comunidade."
(ALMEIDA;SANTOS; SANTANA, 2021, p.191)
INTRODUÇÃO

~Além do contexto da saúde, com o avanço da tecnologia


e do surgimento dos computadores e da internet, não tem
sido difícil encontrar o termo em contextos discursivos Vacina
de informática para designar ferramentas capazes de
proteger os equipamentos de ataques cibernéticos.

~"Diante da sua recorrência em diferentes domínios da


vida do ser humano, julgou-se ser necessário discutir a S1 S2 SX
constituição da rede semasiológica de vacina para
compreender sua polissemia e considerou-se pertinente
procurar entender como dá a construção dessa rede no
tempo." (ALMEIDA; SANTOS; SANTANA, 2021, p.190)
O marco teórico

Planta Fenômeno semântico: polissemia


~ Pensar além da descrição, identificação e
quantificação dos sentidos assumidos;
~ Ulmann (1964): Princípio da economia linguística;
~ A constituição de sentidos da rede semasiológica
advém por meio da mente corporificada, das
experiências e do conhecimento enciclopédico;

A polissemia não pode ser entendida como


fenômeno apenas linguístico
O marco teórico
A polissemia não pode ser entendida como fenômeno apenas linguístico
O marco teórico
Atuação da história, a cultura e a subjetividade no estudo da
significação (ALMEIDA; SANTOS; SANTANA, 2021)

"Vá catar coquinho!"


"Tá a preço de banana"
"Vou ali resolver um pepino"
"Essa prova tá mamão com açúcar!"
"Rapaz, não me chame pra laranjada não"
O marco teórico

Significado: flexível, instável e variável


~ Significados são ativados e "desativados";
~ Interagimos e experienciamos o mundo de
diferentes maneiras;
~ Como organizar esse mundo caótico?
Categorização (continuum) e conceptualização.

Mecanismos propulsores da polissemia:


processos metafóricos e metonímicos
percurso metodológico

Estudo cognitivo sócio-histórico


~ Abordagem qualitativa e interpretativa;
~ Natureza documental, exploratória e descritiva do corpus;
~ Utilização do corpora da Linguateca, busca em textos autênticos, em PB,
entre os séculos XIX a XXI;
~ Objetivo: descrição dos sentidos atribuídos ao item "vacina" no tempo;
~ Buscas em dicionários etimológicos (Cunha, Pinho, Aulete, Houaiss, Michaelis);
~ Levantamento no corpora > Constituição do corpus > Busca para averiguar
comportamento semântico do item léxico > Análise (resultados)
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico

Não possuem verbete definindo o Também no século XVIII...


item léxico "vacina" - século XVIII
~ Edward Jenner (1789)
~ Bluteau (1712-1728)
~ Moraes (1789) - primeiro
dicionário moderno da língua
portuguesa
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico

"Conforme informações constantes do site da Fiocruz: 'Em 1789, ele [Edward


Jenner] começou a observar que as pessoas que ordenhavam vacas não contraíam
a varíola, desde que tivessem adquirido a forma animal da doença. O médico
extraiu o pus da mão de uma ordenhadora que havia contraído a varíola bovina e o
inoculou em um menino saudável, James Phipps, de oito anos, em 4 de maio de
1796. O menino contraiu a doença de forma branda e, em seguida, ficou curado.'"
(ALMEIDA; SANTOS; SANTANA, 2021, p. 197)
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico

Pinto (1832)
“Vaccina s.f. [T. Med.] Especie de beixigas a que são sujeitas as vaccas en alguns
paizes com cujo vírus se inocula à gente, para se preservar das beixigas.”

~ Sentido monossêmico
~ Termo restrito à medicina
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico


Cunha (1986) - sentido etimológico, mas também já o apresenta como um elemento polissêmico

Sf. ‘orig. doença infecciosa, contagiosa, que acomete o gado, sob a forma de
pústulas, e cuja transmissão acidental ao homem o imuniza contra varíola’
‘ext. substância de origem microbiana que se introduz no organismo a fim de
obrigá-lo a formar anticorpos que o defendam contra determinada doença’/ -
cci- 1844 | Do fr. Vaccine, do adj. Vaccin, deriv. do lat. Vaccinus, ‘de vaca’ [...]
Cp. VACA. (CUNHA, 1986)
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico


Além de passar da monossemia para a polissemia, o item do léxico passa, também, por "flutuações",
se comparando edições diferentes de um mesmo dicionário.

Aulete (2021 [1980])


s. f. || humor ou vírus especial, dotado de propriedade de preservar da varíola, e assim
chamado por ter sido primitivamente tirado das pústulas que algumas vezes sobrevém às
tetas das vacas. || Vacinação. || (P. ext.) Inoculação de germes patogênicos mortos ou de
virulência atenuada (bactérias, fungos, protozoários) com fins preventivos (imunização) ou
curativos (vacina terapêutica). || A substância que se Inocula: Vacina antipiogênica, vacina
contra a difteria. F. lat. Vaccina. (AULETE 2021 [1980])
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico


Além de passar da monossemia para a polissemia, o item do léxico passa, também, por "flutuações",
se comparando edições diferentes de um mesmo dicionário.

Aulete (2021)
1. Farm. Imun. Substância (microrganismos patogênicos fracos ou mortos) que se introduz
no organismo (de pessoa ou animal) para suscitar reação imunológica e com isso proteger
da doença transmitida por esses microrganismos ativos 2. p.ext. Inf. Programa com o qual
se protege o computador do ataque de vírus; ANTIVÍRUS (X) [...] [F.: Do lat. vaccina.
Hom./Par. vacina (sf.), vacina (fl. de vacinar)]. (AULETE, 2021)
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico


Comparando as flutuações acerca do item léxico nas diferentes edições dos dicionários, as autoras
presumiram que, se por um lado sentidos haviam sido deixados de ser usados, por outro, outros
sentidos haviam sido convencionalizados pela dicionarística.

Houaiss (2021)
1 pus de vesículas que vêm às tetas das vacas e cuja inoculação no homem produz uma
pústula que preserva da erupção variólica (vacínia) 2 farm, imun suspensão de
microrganismos patogênicos, mortos ou atenuados, introduzida num organismo a fim de
provocar a formação de anticorpos contra determinado agente infectante 3 p. metf.; INF
programa destinado a impedir a contaminação do computador por um ou mais tipos de
vírus determinados.
análise dos elementos

O item léxico "vacina" nos dicionários e o contexto sócio-histórico


Analisando os dois dicionários mais recentes, o Houais (2021) e o Michaelis (2021), ficou evidente
que ambos possuem o mesmo sentido para o item do léxico, diferenciando-se apenas na sua
redação.

Michaelis (2021)

FARM, MED 1 Suspensão de microrganismos patogênicos mortos ou atenuados que,


introduzida no organismo, determina a formação de anticorpos capazes de torná-lo imune
contra o vírus utilizado. 2 Pus de pústulas encontradas nas tetas das vacas e que,
inoculado em uma pessoa, a torna imune à erupção variólica.
análise dos elementos

A Linguateca é um centro de recursos


para o processamento computacional
da língua portuguesa. Para uma breve
descrição dos corpora que a compõe,
pode-se consultar o seguinte site:
https://www.linguateca.pt/
análise dos elementos
Sentidos formadores da rede semasiológica de "vacina"
~ Sentido I
Pus de pústulas encontradas em tetas de vacas, inoculado, no ser humano, com a finalidade de
torná-lo imune à erupção variólica (vacina).
~ Sentido II
Suspensão de patógenos, mortos ou atenuados, que é introduzida em um organismo, a fim de
formar anticorpos para imunização contra doença transmitida por um microrganismo infectante.
~ Sentido III
Programa utilizado para impedir a contaminação do computador por vírus. ANTIVÍRUS.
~ Sentido etimológico
“‘orig. doença infecciosa, contagiosa, que acomete o gado, sob a forma de pústulas, e cuja
transmissão acidental ao homem o imuniza contra varíola’ [...]”. (CUNHA, 1986).
análise dos elementos
Relação entre sentidos mencionados:
~ Relação entre sentido etimológico e sentido I:
Inicialmente, ponderou-se que, para o sentido I ter sido originado do sentido etimológico,
ocorreram os processos metonímicos PARTE-TODO e CAUSA CONSEQUÊNCIA. Esse novo sentido
I foi criado a partir da experiência de se usar parte do problema de saúde de um animal, a vaca,
para sanar um problema de saúde de outro animal, o ser humano.

- Relação entre sentido I e Sentido II:


O sentido II, por sua vez, foi criado pela metonímia TODO-PARTE e CAUSACONSEQUÊNCIA, mas
já não ocorre uma ligação direta com o etimológico, visto que foi gerado a partir da extensão do
sentido I, isto porque a experiência de imunização com a varíola possibilitou pensar e agir, no
sentido de expandir o processo de prevenção para outras doenças decorrentes de outros
patógenos, elaborando, assim, o sentido II.
análise dos elementos
Relação entre sentidos mencionados:
Curiosidade histórica:

~ No século XVIII, Edward Jenner descobriu a vacina antivariólica, a primeira de


que se tem registro.
~ Jenner desenvolveu a vacina a partir de outra doença, a cowpox (tipo de
varíola que acometia as vacas), pois percebeu que as pessoas que ordenhavam
as vacas adquiriam imunidade à varíola humana. Consequentemente, a palavra
vacina, que em latim significa “de vaca”, por analogia, passou a designar todo o
inóculo que tem capacidade de produzir anticorpos.
análise dos elementos
Relação entre sentidos mencionados:
~ Relação entre sentido II e sentido III:
"No sentido III, ocorre um processo metafórico em que um domínio-alvo é parcialmente
entendido em termos de um domínio-fonte. No caso, a metáfora viabilizou que a experiência
com programas que se instalam disfarçadamente em computadores para lhe causar danos
fosse entendida em termos do mecanismo de prevenção usado contra patógenos que
contaminam humanos e outros seres vivos, causando-lhes danos à saúde" (ALMEIDA;
SANTOS; SANTANA, 2021, p.200)
"MALWARE É PATÓGENO e PROGRAMA DE PROTEÇÃO DO COMPUTADOR É VACINA"

~ "Apesar dessas semelhanças, o sentido III não se vincula diretamente nem ao étimo
semântico de vacina, nem ao sentido I. Assim sendo, essa vertente da polissemia de vacina já
não possui conexão aparente com a etimologia, assim como não é aparente a conexão do
sentido II com o etimológico." (ALMEIDA; SANTOS; SANTANA, 2021, p.201)
análise dos elementos
Usos recorrentes

A vacina nada mais é do que uma infecção por vírus atenuada, ou seja, com sua força
bastante enfraquecida. (Sentido II) (Linguateca, ECI-EBR, v. 11.4)

No Brasil, o juro é como uma vacina para não ficar doente; para os dois outros países é
um remédio para não morrer, diz o economista do Banco de Boston, José Antônio
Pena Garcia. (Linguateca, Colecção CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)

RIO DE JANEIRO (Reuters) - A Polícia do Rio de Janeiro e o Conselho Regional de


Enfermagem do Estado (Coren-RJ) abriram investigações sobre profissionais de saúde
suspeitos de desvios de doses de vacina contra o coronavírus que aplicaram a
chamada "vacina de vento" em idosos que foram a locais de vacinação para serem
imunizados contra a Covid-19.
análise dos elementos
A vacina nada mais é do que uma infecção por
vírus atenuada, ou seja, com sua força bastante
enfraquecida. (Linguateca, ECI-EBR, v. 11.4)

A vacina Covid-19 utiliza a tecnologia de vetor viral


não-replicante de adenovírus de chimpanzé.
O genoma do adenovírus de chimpanzé é
manipulado geneticamente para que ele não possa
mais se replicar e para inserir o gene da proteína da
espícula (do inglês “Spike” ou proteína “S”) do
SARS-CoV-2.
análise dos elementos
"No Brasil, o juro é como uma vacina para não ficar
doente."

A forma tradicional de o BC controlar a inflação é


pelo aumento da taxa básica de juros. Na prática, a
alta da Selic encarece o custo do crédito para
famílias e empresas, o que contribui para 'esfriar' a
atividade econômica e, consequentemente, a
inflação tende a perder força – menos
investimentos e menos consumo desincentivam a
alta de preços.
análise dos elementos

Como os sentidos não estão nas palavras e como a linguagem


é uma bússola que orienta a construção dos sentidos nos
discursos online, considerou-se que as diversas atualizações
do sentido I não se encontram dicionarizadas, porque não
passaram pelo crivo da convencionalização, sendo
consideradas usos criativos do cotidiano. Concluiu-se que
essas atualizações são possíveis, porque, em alguns contextos,
o domínio-fonte VACINA pode ser usado metaforicamente
para a compreensão de outros domínios-alvo.
análise dos elementos

Com o estudo do corpus, constatou-se que se recorre à VACINA, como domínio-


fonte, para a conceptualização dos seguintes domínios-alvo:

LINGUAGEM;
ADMINISTRAÇÃO;
ECONOMIA;
QUALIDADE;
SENTIMENTOS;
ATOS;
MOVIMENTO CULTURAL.
análise dos elementos

LINGUAGEM:
(10) Uso as mentiras como vacina contra as essências das ilusões e das mentiras que prevalecem
e encobrem a essência da verdade. (Linguateca, Corpus Brasileiro, v. 6.1, 19--)

(11) «Droga é como Aids: informação é a vacina, prevenção é a cura." (Linguateca, Colecção
CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)

(12) A vacina das opiniões é difícil, não como operação, mas como aceitação do princípio.
(Linguateca, OBras, v. 10.4, 1892)

ADMINISTRAÇÃO
(13) “É mais fácil descobrir uma vacina contra a influenza (gripe) do que contra a burocracia.”
(Linguateca, Colecção CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)
análise dos elementos

ECONOMIA
(14) Nunca é demais repetir que o capital e o capitalista são imunes à inflação pela vacina da
correção monetária. (Linguateca, Colecção CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)

(15) Hoje, nossas reservas vão a 40 bilhões de dólares e são uma vacina contra fracasso.
(Linguateca, Colecção CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)

16) No Brasil, o juro é como uma «vacina para não ficar doente; para os dois outros países é um
remédio para não morrer», diz o economista do Banco de Boston, José Antônio Pena Garcia.
(Linguateca, Colecção CHAVE, v. 9.2, 1994-1995)
análise dos elementos

QUALIDADE
(17) Essa prudência é como vacina contra possíveis frustrações. (Linguateca, Colecção CHAVE,
v. 9.2, 1994-1995)

EMOÇÕES (“alma”) e ATOS (“costumes”)


(18) Mas a vacina não se deve limitar ao corpo; é preciso aplicá-la à alma e aos costumes,
começando na palavra e acabando no governo dos homens. (Linguateca, OBras, v. 10.4, 1892)

MOVIMENTO CULTURAL
(19) Mas a antropofagia brasileira continua portando devires através de sua «vacina
antropofágica», prescrita por Oswald em um dos Manifestos, 219 Rolnik faz essa observação
sem nomear qualquer grupo que seja. (Linguateca, Corpus Brasileiro, v. 6.1, 19--)
conclusão

~Por meio dos processos metonímicos e metafóricos, o item


léxico sofreu mudança e variação no tempo;
~Sentido etimológico: usado em contextos específicos, sem uso
no cotidiano;
~Sentido I: restrição a contextos técnicos, tendendo ao desuso;
~Sentido II: usos criativos (conceptualização), caminhando a
convencionalização;
~Sentido III: baixa produtividade no corpus selecionado
(concorrência com 'antivírus');
~Produção de (possíveis) sentidos novos, ampliando a rede
semasiológica existente.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, A. A. D.; SANTOS, E. S. dos; SANTANA, N. M. O. Notícias sobre um estudo cognitivo


sócio-histórico da polissemia de “vacina”. Laborhistórico. v. 7, p. 190-209, 2021. Disponível
em: https://revistas.ufrj.br/index.php/lh/article/view/42818/25058. Acesso em: 01 jul. 2023.

Você também pode gostar