É Garantido o Direito de Propriedade em Toda A Sua Plenitude
É Garantido o Direito de Propriedade em Toda A Sua Plenitude
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Uruguay
“It is guaranteed the property rights in its fullness”: property, domination and
hegemony in the Brazil National State construction.”
RESUMO: O artigo aborda a política e a ordem jurídica reguladoras da propriedade da terra no Brasil, no
período compreendido entre a suspensão da aplicação do regime das sesmarias (1822) e a promulgação da Lei
de Terras do Império (1850). Analisa o debate parlamentar e as diferentes propostas formuladas,
relacionando a discussão do problema com as transformações políticas e econômicas do período. O
entendimento sustentado é sobre a indissociabilidade da formulação jurídica do processo de construção do
Estado nacional e a constituição da hegemonia de seu grupo dirigente, das quais foi elemento central.
PALAVRAS CHAVES: 1. Brasil Império; 2. Propriedade; 3. Lei de Terras
ABSTRACT: The article addresses politics and legal order concerned to the land ownership regulation in
Brazil in the period between the abeyance of Sesmarias application (1822) and the Empire Land Law
promulgation (1850). It analyzes the parliamentary debate and the different formulated proposals relating the
subject discussion with the political and economic transformation of the period. The sustained understanding
refers to no disassociation between National State legal formulation process and the construction of the
hegemony of its leading group, a central entity in the hole process.
KEY WORDS: 1. Brazil Empire; 2. Property; 3 Land Law
A terra, sua exploração e as riquezas dela obtidas, sempre foi tema central da
historiografia. É mais recente, no entanto, a apresentação de estudos sobre as formas de
propriedade, sua legitimação e transmissão, dentro da perspectiva do direito como prática
social, na qual, o estudo das normas requer a consideração das hierarquias sociais e suas
relações de poder. O reconhecimento pleno da propriedade no texto constitucional de 1824,
como citado no título, foi constituído em sua formulação jurídica, em paralelo e como parte
integrante da formação da sociedade e do estado no Brasil oitocentista (SILVA, 1996, p.
338).
O nosso enfoque é analisar a transição entre a suspensão da aplicação do instituto da
sesmaria (1822) até a promulgação da Lei Terras, em 1850, nos quadros da formação do
Estado Imperial e da constituição de uma classe senhorial, profundamente arraigada a terra
não só como fator de produção, mas também como elemento distintivo da sua condição.
A proposta não se restringe a discussão jurídica formal sobre a definição da
propriedade da terra, mas sua interface com as ideias ilustradas e sua tessitura no contexto
1
Doutor em História Social. Professor Titular de História do Brasil da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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das relações sociais, nos quadros da constituição de classe já citada (MATTOS, 1990),
também considerando que a constituição da sociedade colonial em moldes senhoriais
(FERNANDES, 1976 e SCHWARTZ, 1988), teve na posse de escravos e da terra elementos
centrais da constituição das hierarquias sociais.
Partir da supressão do instituto da sesmaria, requer uma advertência preliminar.
Concretizada por José Bonifácio na Resolução nº 76, de 17.7.1822, determinava:
“suspendam-se todas as sesmarias futuras”, assegurava a posse das terras cultivadas e
remetia o problema à futura Assembleia Constituinte (CLB, 1822)2, No entanto, no caso do
instituto da sesmaria estamos diante de uma forma “imperfeita” de propriedade, distante da
sua formulação racional e absoluta na concepção liberal. A obtenção da sesmaria
materializava, no geral, a cessão do senhorio régio, preservando o soberano um poder
superveniente sobre o domínio.
No final do século XVIII, a propriedade e o direito sobre as coisas, em geral,
conheceram importante transformação. Se a “propriedade plena era a exceção, sendo a regra
constituída pelas situações de domínios divididos” ou ditos imperfeitos (enfiteuses,
aforamentos, usufruto, etc.), um processo de constituição de um “modelo proprietário” vinha
se desenvolvendo, embora só se efetivando de fato no século XIX (HESPANHA, 2005).
Não é simples a definição de propriedade tomando a sua concepção no direito civil
contemporâneo. A aquisição do domínio da terra escapava da lógica econômica do mercado,
absorvido pela dinâmica da sociedade estamental. A propriedade era um instituto relativo –
um “artifício verbal”, para dar conta de formas múltiplas e antitéticas de que se expressam
como “propriedades” (GROSSI, 2006), refletindo o jogo de poder entre os potentados da
região na exploração da terra e a “realização da propriedade” (CONGOST, 2007), ou seja,
os seus processos de constituição e legitimação na interface das orientações normativas com
as práticas sociais.
A construção de uma definição de propriedade, no entanto, extrapolava o campo do
direito, se apresentando como elemento fulcral do processo de constituição do Estado
Nacional e das relações de hegemonia na sociedade. O sistema sesmarial já acumulava
indícios do seu esgotamento ao longo do século XVIII, o que pode ser atestado pela
profusão de atos normativos, desde a imposição do foro, em 1695 até as tentativas de
2
BRASIL, Coleção de Leis do Império do Brasil - 1822, RJ, Imprensa Nacional 1887, doravante citada no
corpo do texto como CLB, seguida do ano da norma referida. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/colecao-anual-de-leis
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3
Arquivo Nacional. Coleção de Cartas Régias. Rio de Janeiro, 1906, Vol. 37, 43 e 44, respectivamente.
4
Disponível em:
http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/imagens_livros/30_colleccao_legislacao_portugueza/06_legislacao_179
1_1801/0242.jpg. Acesso 4.5.2020
5
Fragmentos de uma Memória sobre as Sesmarias da Bahia. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, Tomo 3, p. 373-388 1841, e Informação de D. Francisco de Souza Coutinho,
Governador e Capitão-General do Pará sobre as medidas que convinha adoptar-se para que a Lei das Sesmarias
de 5 de outubro de 1795 produzisse o Desejado efeito” In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro, Tomo XIX, Parte Primeira, p. 335-351, 1866.
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6
“Informação ...”, p. 347-348.
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155)7. Na Assembleia, a única menção à questão da terra foi provocada por requerimento de
Nicolau de Campos Vergueiro, representante de São Paulo, apresentado em 14 de julho de
1823 e reiterado seis dias depois. O constituinte propunha a suspensão das concessões e a
elaboração de um projeto de lei sobre terras públicas, intervindo em debates sobre o
problema das posses, as quais Vergueiro considerava consequência do abandono das
sesmarias (APB, V, p.47-48).
Esboçavam-se as duas tendências que, de certa forma, orientaram a discussão nos
anos seguintes: a primeira do Deputado Souza França (Rio de Janeiro), que defendia a
concessão de sesmarias ou a “divisão das terras entre a classe agricultora” como atribuição
dos Conselhos das Províncias, sendo rebatido por Arouche Rendom São Paulo),
representando a segunda tendência, que defendia a suspensão geral do regime sob a alegação
de que os litígios, cada vez maiores, dificultavam as concessões e de que a existência de
muitas terras sem cultivo, já apropriadas, “repeliam os lavradores pobres para o
sertão”(APB, I, 65-66).
O projeto de Constituição elaborado pela Assembleia não fazia qualquer referência à
questão, mas é explícito quanto ao problema correlato da escravidão, reconhecendo, no
Artigo 265, os contratos entre senhores e escravos e colocando sua fiscalização sob
responsabilidade do governo (BRASIL, s/d, Vol. 1, p.70).
José Bonifácio já relacionara os dois problemas nas “Lembranças...”, ao prever a
aplicação dos recursos obtidos com a venda de terra para a colonização na importação de
homens livres que receberiam pequenas porções de terreno. Posteriormente, ao tratar da
escravidão em Representação preparada para a Constituinte (SILVA, 1964, p. 47-70), voltou
a defender a agricultura “com braços livres dos pequenos proprietários”.
A omissão, no caso da Constituinte, era significativa, na medida em que ocorriam
paralelamente às intensas alterações fundiárias no país, sobretudo na região Centro-Sul, que
já se destacava como centro político do novo Império, onde desde a segunda metade do
século XVIII a expansão agrícola ensejara a ocupação de terras, em especial no eixo Rio de
Janeiro – São Paulo – Minas Gerais, com a expansão cafeeira.
As concessões foram crescentes na região a partir do início do século XVIII e
acompanhadas, na mesma proporção, pelas posses. No entendimento de Cirne Lima (LIMA,
1988, p.52), a extinção do sistema, em julho de 1822, sancionou um fato já consumado, e a
7
BRASIL, Annaes do Parlamento Brasileiro. Assembleia Constituinte - 1823, RJ, Imprensa Nacional, 1876-
1884, citado no corpo do texto como APB, seguido do volume e página, Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/2223
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8
BRASIL, Annaes do Parlamento Brasileiro - Câmara dos Srs. Deputados – 1835. Rio de Janeiro: Typografia
Viúva Pinto & Filho, 1883. Doravante citado entre parêntesis no corpo do texto como “ACD”, seguido do ano,
números do Tomo e da página.
9
BRASIL (Relatório do Ministério do Império). Relatório do Ministro do Império apresentado à Assembleia
Geral Legislativa em 1832, Nicolau de Campos Vergueiro, RJ, Tipografia Nacional, 1833,
p.20. Doravante designado como RMI, seguido do nome do Ministro e do ano correspondente. Disponíveis em:
https://bndigital.bn.br/acervo-digital/brasil-ministerio-imperio/720968
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compromisso de cultivar as terras com braços livres (RMI, Joaquim Vieira da Silva e Souza.
1834, p. 20-24).
A iniciativa de regular a questão foi obra do breve “interregno” conservador do início
do Segundo Reinado (Gabinete de 20.1.1843), e sua conclusão se arrastou durante a década,
até o retorno do Partido ao poder (Gabinete de 29.9.1848). Anteriormente, no contexto do
Regresso, o mesmo grupo político criara uma Comissão para levantamento das terras
devolutas (Lei 60 de 20.10.1838), mas da sua ação não se conhecem resultados concretos,
assim como o projeto sobre sesmarias apresentado por Soares de Souza (Rio de Janeiro), em
1835, não teve andamento.
No mesmo contexto, outras iniciativas merecem referência. Em 1837, o ministro do
Império, Bernardo Vasconcelos, chamava ao Estado a responsabilidade pelo “grande
impulso” necessário para tirar a agricultura do “estado estacionário” em que se encontrava,
pela falta de braços, reclamando para isso “amplos meios” e “ilimitada liberdade” à ação da
administração (RMI, Bernardo Pereira de Vasconcelos. 1837, p. 31).
Proposta mais precisa foi formulada por Cândido Araújo Viana (1840), que criticava
a forma como se deu o fim do tráfico, “arruinando a fortuna” de muitos particulares, “sem
que se providenciasse sobre a maneira de suprir a falta de braços”. Propunha a retomada das
concessões pelo Estado em duas situações: para novas culturas com braços livres e para os
agricultores já existentes, desde que compromissados com a substituição gradativa da mão-
de-obra escrava (RMI, Cândido Araújo Viana. 1840, p. 28).
A relevância da questão pode ser percebida na origem do projeto – o Conselho de
Estado, que o preparou por solicitação do governo, através dos Avisos Ministeriais de 6 de
junho e 7 de julho de 1842. Elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos
principais ideólogos do Regresso, e José Cesário de Miranda Ribeiro, o projeto seguia a
orientação do governo, que associava a necessária “reforma legislativa sobre sesmarias” à
colonização.
Agendado para debate na sessão de 1º de setembro, o projeto recebeu emendas, só
voltando à pauta na sessão de 15 de setembro. Das emendas se destacam: a de Silva Torres,
que propunha uma definição mais ampla de terra devoluta (a parte cultivada, mais outro
tanto de terreno que o posseiro tiver forças e meios para cultivar), e a de Carneiro Leão, que
invertia a ordem dos Artigos 1º e 3º. A primeira foi rejeitada e a segunda, aprovada, ambas
na sessão do dia 29 (BRASIL, 1973, vol. 3, p. 8-15).
A posição do governo estava explícita, desde o ministério anterior, no Relatório do
Ministro do Império, para quem “a necessidade de regular a concessão de terras e de se
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organizar uma lei sobre sesmarias” era “matéria conexa com a da colonização”. Anunciava,
ainda, o preparo de uma proposta para fazer frente à “necessidade de braços, cuja falta
ameaça de morte a nossa indústria” (RMI, Cândido Araújo Viana, 1841, p. 35-36). O
ministro seguia o mesmo raciocínio do futuro projeto do Conselho de Estado e deve se
registrar que o seu Relatório e a “Exposição” de Vasconcelos apresentam trechos
rigorosamente iguais como na definição do principal objetivo do projeto: “promover a
imigração de trabalhadores pobres e robustos”, entendendo que sesmarias e colonização
estrangeira são “matérias tão inteiramente conexas, que huma não pode se separar da outra”.
Portanto, a inversão entre os dois artigos citados não nos parece uma simples questão
formal, sugerindo a prioridade dada pelo legislador à ordenação do sistema fundiário
existente. O Artigo 3º, que passava a ser o primeiro, proibia a concessão de sesmarias e as
posses, se respeitando as últimas “somente na parte cultivada, e em dois tantos mais,
havendo terreno devoluto no mesmo lugar, de extensão suficiente”. Na “Exposição” que
acompanhava o projeto, as posses eram vistas como prejudiciais aos interesses públicos,
devendo “cessar o abuso das posses, com que ainda se costuma expropriar terras devolutas,
ou suppostas taes, com grande prejuízo público”.
No Artigo 1º, que passava a ser o 3º, o governo ficava autorizado a vender as terras
devolutas, sendo o sistema de venda entendido como um pré-requisito para atender às
necessidades de mão-de-obra:
E como a profusão de terra tem mais que outras causas, contribuindo para a
dificuldade que hoje se sente, de obter trabalho livre, he seo parecer que d’ora em
diante, sejão as terras vendidas sem exceção alguma. Augmentando-se assim o valor
das terras, dificultando-se consequentemente sua acquisição, he de esperar que o
emigrado pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de obter
meios de se fazer proprietário10.
Clara estava a articulação entre a definição de uma política fundiária e a questão base
da substituição do trabalho escravo, preservando-se suas estruturas produtivas. Explícita no
projeto do Conselho de Estado e em seu debate no Parlamento, a relação orientadora do
projeto tornar-se-ia cada vez menos visível, na execução da nova política de terras, após
1850.
O Parecer de Vasconcelos, além de associar a venda como instrumento viabilizar a
imigração, chegava a propor um prazo de carência de três anos para que os estrangeiros
estabelecessem negócios próprios no Império. No entanto, desde esta época (1842), já se
10
Exposição e Projeto de Colonização e Sesmarias, aprovado na sessão de 8 de agosto de 1842. Arquivo
Nacional. Parecer do Conselho de Estado, Códice 49, vol. 1.
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com foro perante os juizados municipais, recursos aos presidentes das províncias, e destes
para o governo imperial11.
A proposta aprovada no Conselho de Estado deu origem ao projeto do governo
apresentado na Câmara, em 10 de junho de 1843, por Rodrigues Torres, com caráter de
“projeto ministerial”, diferindo de projeto anterior, de 1841, apresentado pouco antes da
dissolução da Câmara, de maioria liberal.
A Quinta Legislatura (1843-1844), que se instalara sob a repressão aos liberais, se
mostrava atenta ao projeto. Dias antes da apresentação do projeto do governo (3.6.1843), o
deputado Joaquim Manuel Pereira da Silva (Rio de Janeiro) propunha projeto de Resolução
para que, em “regime de urgência”, a Comissão de Justiça elaborasse texto contemplando o
direito dos posseiros de terras devolutas, a regularização das sesmarias e o estabelecimento
de um “diminuto” imposto capaz de financiar a demarcação de terras, estatísticas e outros
procedimentos.
A Legislatura se compunha de 127 deputados, dos quais 122 presentes na Corte,
sendo 50 representantes das quatro províncias do Sudeste (Rio de janeiro, São Paulo, Minas
Gerais e Espírito Santo) e 68, maioria absoluta, representando o norte e o nordeste, tendo as
demais regiões presença inexpressiva (três deputados do Centro-Oeste e um do Sul). Apesar
da generalização sobre a composição do Parlamento, formado “basicamente de proprietários
de terras e escravos” e do projeto cuidar do ordenamento da propriedade e da colonização
sistemática, como substitutiva do trabalho escravo, apenas 41 parlamentares intervieram no
debate, sendo que metade deles fez apenas uma única manifestação.
O projeto, desde a sua gestação no Conselho de Estado, adaptava à realidade
brasileira a teoria da “colonização sistemática”, formulada por Edward Gilbon Wakefield.
confirmando a avaliação de José Murilo de Carvalho sobre a “altamente educada” elite
dirigente do Império (CARVALHO, 1981, p. 63), apesar de vários parlamentares declararem
desconhecer o autor e sua teoria.
A aplicação da teoria de Wakefield sugere, de certa forma, o entendimento da lei de
terras como uma modernização conservadora, entendendo-a, como fez Marx, como uma
estratégia de acumulação capitalista, “aniquilando a propriedade privada baseada no próprio
trabalho” (MARX, 1988, cap. XXV), Para Wakefield, as colônias sofriam um “bárbaro
sistema de depressão dos produtores e da riqueza” nacionais, faltando-lhe o trabalho
assalariado como complemento necessário ao desenvolvimento capitalista:
11
Exposição e Projeto...”, idem.
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“a oferta de trabalho tem que ser constante e regular; primeiro, não estando
nenhum trabalhador em condições de conseguir terra, antes de ter trabalhado
em dinheiro, todos os trabalhadores imigrantes, pelo fato de trabalharem
combinadamente por salário, produziriam para seus empregadores capital para
o emprego de mais trabalho; segundo, cada um que abandonasse o trabalho
assalariado e se tornasse proprietário de terra asseguraria, exatamente pela
compra de terra, um fundo para a importação de novo trabalho...” (WAKEFIELD, p. 33
e 192 apud MARX, 1988, Cap. XXV).
Entre julho e setembro de 1843, durante as três discussões do projeto que na prática
monopolizou os trabalhos da Câmara, apenas nove deputados se manifestaram mais de
quatro vezes nos debates, se destacando entre os defensores do projeto: Rodrigues Torres,
deputado pelo Rio de Janeiro, ministro de Estado e responsável por sua apresentação,
secundado por Bernardo Souza Franco (Pará), o melhor conhecedor da teoria da colonização
sistemática de Wakefield, e Francisco Pereira de Vasconcelos (Minas Gerais), irmão do
autor da proposição no Conselho de Estado. Pela oposição, ganharam destaque os deputados
da Bahia Manuel Galvão e Muniz Ferraz.
A discussão do Artigo primeiro, que estabelecia o princípio fundamental da lei - a
venda como forma de aquisição das terras devolutas - revela-nos alguns matizes do debate.
Souza Franco, rejeitava as concessões gratuitas na fronteira, argumentando que a prioridade
seriam os terrenos “próximos às vilas e cidades”, não precisando o governo “se preocupar já
com as fronteiras”. Enquanto para Franco a colonização era o grande objetivo, se devendo
“evitar proprietários sem recursos”, e sendo preferível “vender poucas terras por alto preço”
(ACD, 1843, II, 400-406), os representantes do governo conservador não abriam mão do
objetivo político de consolidação da soberania do Estado Imperial sobre a totalidade do
território.
Rodrigues Torres, na defesa do projeto, ressaltava o seu “fim colonial”, aproveitando
o colonizador que tem capital, inibindo os que não o possuíssem. Defendia a ordenação legal
como uma “segurança ao agricultor” e considerava a gratuidade das concessões como
prejudicial aos proprietários já estabelecidos, que se ressentiam da falta de braços. Criar
condições - “encarecendo as terras” - para a introdução do trabalho livre era o eixo da defesa
de Torres, pois “só assim se resolveria o problema da mão-de-obra” (ACD, 1843, II, 380-
383). Na defesa do objetivo político do projeto merece menção a posição de Eusébio de
Queiróz (Rio de Janeiro), que rejeitava todas as emendas apresentadas e defendia o
estabelecimento de uma política de fronteira chegando a propor a instituição de Morgados
para impedir as transmissões de propriedade nesta faixa (ACD, 1843, II, 351 e 383-386).
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12
BIBLIOTECA NACIONAL. Jornal do Comércio. Ver por exemplo as edições de 25 de julho e 3 a 7 de
setembro de 1850. A tramitação do projeto no Senado foi acompanhada através do periódico citado. Disponível
em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=364568_04&pasta=ano%20185&pesq=&pagfis=0,
Acesso 7.8.2020.
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13
ARQUIVO NACIONAL. Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro (RPRJ), João Caldas
Vianna, 1843.
14
BRASIL, Anais do Senado do Império do Brasil - 1848, Brasília: Senado Federal, 1978, p. 396
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O Estado deixava de deter o domínio da terra para exercer uma relação impessoal
entre o domínio público e o provável proprietário. Os defensores do projeto, vistos como
representantes de um setor mais moderno, visavam a eliminar “a disparidade entre o excesso
de terra e a escassez de trabalho”. Emília Viotti ressaltava que o objetivo mais amplo da lei
era o de “fomentar o desenvolvimento do sistema de plantation” (COSTA, 1979, p.127-
148), dando ao governo o controle da terra e do trabalho, dentro da proposta de “direção
saquarema” do Estado Imperial (MATTOS, 1990, p.129), pois como ensina Weber “o
direito não garante apenas os interesses econômicos” mas, reforça o monopólio do Estado
(WEBER, 1991, p. 211 e 224).
Os resultados limitados da lei, principalmente em relação à imigração, já eram
prenunciados nas “dúvidas de sinceridade” do futuro Barão do Cotegipe, que, no entanto,
nela reconhecia a importância para pôr fim aos conflitos ligados à terra, assegurando o seu
monopólio pelos setores dominantes15 .
Os resultados limitados da Lei ou o seu “fracasso” expõe um problema estrutural. O
ordenamento não avançara além das terras devolutas para um conceito geral de propriedade
no campo do direito civil, que só foi sistematizado no século XX. Os Registros então criados
eram de caráter declaratório e não se revestiam de formalidades (registro, transcrição,
titulação, etc.) que pudessem fazer prova do direito.
A legislação de 1850 reflete uma conjuntura complexa e nenhuma das explicações
citadas – O interesse ou “veto” da elite, a transformação da terra em mercadoria ou o
processo de transição para o capitalismo se tomadas isoladamente, não dão conta do
processo. O Estado não é simplesmente um objeto de classes, mas sua ação resulta da
relação sociedade civil e sociedade política, nem a lei é simples complemento da Lei
Euzébio de Queirós.
Trata-se de superar o caráter frouxo de conceitos como propriedade e terras devolutas
e ao mesmo tempo, legitimar as “terras criadas”, na expressão de Fania Fridman
(FRIDMAN, 1999) ou os “direitos inventados”, como utiliza Marcia Motta (MOTTA,
2004). Contemporâneo da regulamentação, o projeto de um Código Civil elaborado por
Augusto Teixeira de Freitas, sob a encomenda do Ministro Nabuco de Araújo não foi
formalizado como Lei (RODRIGUES, 2017, p. 69-85) e o Ministro ciente da necessidade de
revestir a propriedade de formalidades jurídicas incluiu o registro de imóveis no projeto de
Lei Hipotecária em 1854, mas só promulgado dez anos depois (RODRIGUES, 2016).
15
BRAZIL, Annaes do Parlamento Brazileiro, Câmara dos Srs. Deputados - 1850, Vol. II, p. 736-744
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réis.
C Instaurados pelo Juiz Prevalência das Posses em sesmarias só dão
O Municipal com recursos sesmarias. direito à indenização de
N ao Presidente da benfeitorias, salvo se: houver
FL Província e ao Governo sentença favorável à posse; for
IT Central. anterior à medição da sesmaria;
O Rito sumário e verbal ou posterior, mas não perturbada
S (para todo processo por 10 anos.
derivado da Lei).
L Obriga a titulação para Registro por Freguesias nas
E posseiros e sesmeiros, Paróquias, por declaração do
G com pagamento de próprio.
A direitos. Titulação obrigatória só para os
LI Com a finalidade da posseiros.
Z ------------------------------ cobrança do imposto
A ---- territorial, os proprietários
Ç deveriam, em 6 meses,
à declarar o que possuíam
O às autoridades
competentes.
I Todos os recursos Todo o produto da venda Governo autorizado a importar
M arrecadados nas vendas e da arrecadação de imigrantes.
IG e sobre a hipoteca de impostos e direitos
R terras devolutas reservados a imigração.
A aplicados na imigração. Os colonos importados
Ç com tais recursos ficavam
à proibidos de trabalhar nas
O cidades.
ES Proibidos de comprar Até a naturalização em 3 Os estrangeiros que comprarem
T terras e estabelecer anos, proibidos de terras podem ser naturalizados
R negócios próprios por comprar, aforar e arrendar com isenção do serviço militar, à
A três anos. terras; estabelecer ou exceção da Guarda Nacional.
N Podem ser naturalizados administrar casa de
E após o prazo. negócio.
G
R
O
S
I Incidente sobre terrenos
M cultos e incultos 500 réis
P por meio quarto de légua
O ------------------------------ nas terras de cultura e 125 ----------------------------------
S --- réis nas de criação.
T
O
S
Direito de Chancelaria: 1 Titulação: 5 mil réis por título e 4
T real por 100 braças mil réis de selos.
A ------------------------------ quadradas em terras de Arrecadação aplicada em
X --- cultura e 1 real por 400 medição e importação de
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