Avulsa-Direito Civil - Coisas-Apostila Aprenda A Advogar-Modulo Unico

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Aluno Olivia Oliveira Guimarães


DIREITO CIVIL – DAS COISAS CPF - 04326633123
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

DIREITO DAS COISAS

INTRODUÇÃO

O direito das coisas consiste no complexo de normas reguladoras das relações jurídicas
referente aos bens suscetíveis de apropriação pelo homem.

CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS E PESSOAIS

Dentre as diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais, enumeramos as seguintes:

a) os direitos reais são absolutos, oponíveis erga omnes, sendo providos de ação real que
possibilita a recuperação da coisa, esteja ela em poder de quem quer que seja, ao passo que os
direitos pessoais são relativos, podendo a ação ser movida apenas em face da pessoa com quem se
celebrou o negócio jurídico. Alguns civilistas criticam essa distinção entre direitos absolutos e
relativos, salientando que nenhum direito é absoluto, pois todos sofrem limitações sociais que os
conduzem à relatividade. Por outro lado, se se aceitar a existência de direitos absolutos, força
convir a existência de outros direitos absolutos fora dos direitos reais, como o status das pessoas,
seu nome, sua vida e integridade física (direitos da personalidade);
b) os direitos reais são regidos pelo princípio da taxatividade. O rol dos direitos reais é
numerus clausus, não podendo ser ampliado pelas partes e nem pela analogia. Somente a lei pode
criar novos direitos reais, além daqueles previstos no art. 1.225 do CC. Em contrapartida, os direitos
pessoais são numerus apertus, pois a lei os elenca de maneira meramente exemplificativa, podendo
outros ser criados livremente pelas partes, de modo que os direitos pessoais são ilimitados;
c) os direitos reais são regidos pelo princípio da legalidade ou tipicidade. É a chamada
imposição de tipos. Somente a lei pode criar direito real. Não existe direito real criado pelas partes.
No direito contratual existem os contratos típicos (criados pela lei) e os atípicos (criados pelas
partes). Os direitos reais são sempre típicos (criados pela lei). Washington de Barros, porém,
entende que o rol dos direitos reais não é taxativo, podendo as partes criar outros direitos reais,
desde que não contrariem os princípios de ordem pública;
d) os direitos pessoais são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, podendo ser
criados livremente pelas partes;
e) os direitos reais são regidos pelo princípio da publicidade, consistente no registro, quando
se tratar de bens imóveis, e na posse em relação aos bens móveis. Antes da posse ou do registro
não há direito real. Alguns direitos reais sobre bens móveis também exigem registro, como o
penhor. Alguns direitos reais sobre imóveis dispensam o registro, como o direito real de habitação
previsto em favor do cônjuge sobrevivente. Nos direitos pessoais, a publicidade é facultativa;
f) os direitos reais são regidos por normas de ordem pública; os direitos pessoais, em regra,
por normas de ordem privada;
g) as ações reais sobre imóveis dependem da autorização do cônjuge do autor e da citação do
cônjuge do réu e são movidas no local da situação do bem. As ações pessoais dispensam a
participação dos respectivos cônjuges e são movidas no domicílio do réu. As ações reais podem ser
movidas contra qualquer pessoa que viole o direito real, ao passo que as ações pessoais só são
cabíveis contra quem figura como sujeito passivo na relação jurídica;
h) o titular do direito real tem a faculdade de abandoná-lo se não suportar mais seus
encargos. No direito pessoal, não é possível o abandono, salvo na servidão em que o dono do
prédio serviente tem a opção de abandonar o imóvel caso não queira realizar as obras de

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conservação a que estava obrigado por força do contrato (art. 1382 do CC);
i) admite-se usucapião de direito real, mas é controvertida a usucapião de direito pessoal;
j) o direito real é dotado de seqüela, que é o direito de perseguir a coisa, reavendo-a, esteja
ela em poder de quem quer que seja. O direito pessoal só pode ser invocado em face do outro
contratante;
k) os direitos reais podem ser perpétuos e temporários, ao passo que os direitos pessoais são
sempre temporários, extinguindo-se instantaneamente com o cumprimento da prestação devida.
Os direitos reais perpétuos são a propriedade, a enfiteuse e a servidão, pois os demais direitos reais
são temporários. Registre-se, ainda, que os direitos pessoais são instantâneos, salvo a obrigação de
não fazer, que se reveste da característica de permanência;
l) os direitos reais têm por objeto uma coisa corpórea, isto é, tangível, ao passo que os direitos
pessoais têm por objeto uma prestação do devedor. Em algumas hipóteses é possível direito real
incidir sobre direito pessoal, refiro-me ao usufruto e ao penhor, que podem recair sobre créditos e
direitos;

Do exposto, conclui-se que as principais características dos direitos reais são:

a) direito de sequela;
b) direito de preferência: o direito real, em regra, prefere ao pessoal, salvo se houver lei em
contrário, v.g., na falência, o crédito trabalhista (direito pessoal) tem preferência sobre o contrato
garantido por hipoteca (direito real);
c) aderência ou inerência: adere imediatamente à coisa, independentemente do seu titular, e
se prendendo a ela não sofre mutação com a modificação da respectiva titularidade. É o caso da
servidão ou usufruto que não se vê prejudicado com a alienação da propriedade, pois o adquirente
deverá respeitar o direito real sobre coisa alheia constituído;
d) tipicidade;
e) taxatividade;
f) elasticidade: é característica dos direitos reais limitados. Corresponde ao movimento que o
direito real pode ter quando desmembrados os poderes sobre a propriedade. É o que ocorre no
usufruto ou na servidão, quando parte dos poderes é transferida ao usufrutuário ou serviente e,
com a extinção do usufruto ou servidão, voltam ao titular, consolidando a propriedade, em um
movimento que é exclusivo dos direitos reais;
g) especialidade: os direitos reais só podem ser constituídos sobre coisa certa e determinada,
individualizada de modo a não admitir confusão. Só pode ser objeto de direitos reais coisa
corpórea, segundo o critério da tangibilidade, encontrado no direito romano e que tem
fundamento na idéia de apropriação material da coisa;
h) exclusivo: não é possível instituir-se direito real de igual conteúdo onde outro já exista. É
possível recaírem sobre a mesma coisa dois direitos reais de espécies diferentes, como, por
exemplo, “no caso de usufruto ou de enfiteuse os direitos são de conteúdo variado, pois enquanto
o usufrutuário tem direito aos frutos e o enfiteuta, às utilidades da coisa, o nu-proprietário e o
titular do domínio direto só guardam o direito à substância da coisa” (Silvio Rodrigues). Também
poderá o direito real ser dividido em partes ideais, como no condomínio, mas nesse caso cada um
dos condôminos tem exclusividade sobre a sua parte;
i) absoluto.

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CONTEÚDO

O direito das coisas abarca o estudo da posse, propriedade e direitos reais sobre coisas
alheias.

POSSE

CONCEITO

Na abordagem do conceito de posse, duas teorias ganharam destaque: a teoria subjetiva e a


teoria objetiva.
Savigny, jurista genial, é o principal responsável pela formulação da teoria subjetiva. Define
posse como o poder físico sobre a coisa, com a intenção de tê-la para si. Exige, pois, dois requisitos
para a caracterização da posse, a saber: o corpus e o animus. O corpus seria o contato físico com a
coisa, isto é, a detenção, ao passo que o animus compreenderia a intenção de possuí-la como dono.
Imprescindível, para Savigny, o animus rem sibi habendi ou animus domini, sendo, pois, vedada a
posse corpore alieno. Assim, o locatário e o usufrutuário não seriam possuidores, pois detêm a coisa
em nome alheio, sem o animus domini. Sobremais, aquele que agisse com animus domini, para ser
possuidor, teria de ter o contato físico com a coisa; por consequência, um morador de São Paulo
não poderia possuir em Bauru.
Ihering, jurisconsulto célebre, principal responsável pela idealização da teoria objetiva, teceu
severas críticas a Savigny. Sustentou que a existência da posse dependeria exclusivamente do corpus,
dispensando-se a presença do animus, o qual, segundo ele, estaria implícito no corpus. O aspecto
subjetivo do animus fê-lo afirmar a desnecessidade de verificar a intenção do sujeito para saber se ele
tinha ou não posse. Ihering empregou novo conceito de corpus, diverso do preconizado pelos
subjetivistas. Corpus, para Ihering, é o comportamento de dono. Define posse como a exteriorização,
visibilidade da propriedade. Possuidor é todo aquele que se comporta como real proprietário.
Admite, portanto, a posse corpore alieno. Inquilino e usufrutuário, conquanto detenham a coisa em
nome alheio, são considerados possuidores, pois agem como se fossem donos. Não é, pois,
necessário o animus domini e nem o contato físico sobre a coisa. É possível morar em São Paulo e
possuir em Bauru. Para ser possuidor basta comportar-se como dono. O caçador tem a posse do
animal preso à armadilha, pois essa situação revela o comportamento de dono.
O Código Civil brasileiro de 1916 foi o primeiro a adotar a teoria de Ihering, muito embora,
como observava Washington de Barros Monteiro, revelasse ainda persistência de certas idéias de
Savigny, como ocorria no seu art. 493, ao prever a aquisição da posse pela apreensão da coisa, e no
art. 520, ao especificar desnecessariamente as diversas causas de perda da posse. O Código Civil de
2002 procurou impor maior rigor ao tratamento da posse, de acordo com as idéias de Ihering,
eliminando do seu texto aqueles dispositivos mencionados que eram influenciados pelo
subjetivismo de Savigny, mas ainda há alguns resquícios dessa teoria nos artigos 1204 e 1223, que
se referem à aquisição e perda da posse.
Foi no art. 1.196 que o CC consagrou a teoria objetiva, ao definir possuidor como todo aquele
que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio ou
propriedade.
Os poderes da propriedade são: usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa. Quem exerce um ou
alguns desses poderes já é considerado possuidor.

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AQUISIÇÃO DA POSSE

O Código Civil revogado fazia, no art. 493, uma disposição analítica dos meios de aquisição da
posse, enumerando-os. Afirmava que a posse era adquirida: I – pela apreensão da coisa, ou pelo
exercício do direito; II – pelo fato de se dispor da coisa ou do direito; III – por qualquer dos modos
de aquisição em geral.
Referido dispositivo, reminiscência das ideias savignyanas, era inútil e tecnicamente
impreciso. Ademais, elenca a apreensão como um dos modos de aquisição da posse, quando, na
verdade, nem toda apreensão constitui posse, assim como pode haver posse sem apreensão.
Como foi adotada a teoria objetiva de Ihering, bastaria o dispositivo enunciar que se adquire a
posse pelo exercício de alguns dos poderes inerentes ao domínio, pois a aquisição da posse é ato
jurídico de forma livre. Foi o que fez o Código Civil de 2002 ao dispor, no art. 1.204: “Adquire-se a
posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade”. Acrescente-se ainda que a posse pode ser adquirida pela
própria pessoa que a pretende ou por seu representante, outrossim, por terceiro sem mandato,
desde que seu ato seja ratificado pelo beneficiário (art. 1.205 do CC).
O Código Civil, ao contrário do anterior que proibia expressamente, é omisso sobre o fato do
incapaz poder ou não adquirir posse, sem representação ou assistência do representante legal. Uma
primeira corrente nega a possibilidade, invocando, para tanto, os arts. 166, I, e 171, I, do CC. Uma
segunda corrente trata a posse como ato-fato jurídico, dispensando em relação a ela o requisito da
capacidade, nos moldes do art. 185 do CC, admitindo-se, destarte, a aquisição pessoal da posse pelo
incapaz. Filiamo-nos a essa última corrente, porque a posse é uma relação entre pessoa e coisa, isto é,
analisada isoladamente, deve ser considerada como sendo um fato, desvinculando-se dos requisitos
inerentes aos negócios jurídicos. Ademais, o Código Civil adotou a teoria objetiva, afastando-se de
qualquer requisito subjetivo, isto é, relacionada à intenção do agente.
O constituto possessório ou cláusula constituti é o ato pelo qual, segundo a clássica lição de
Clóvis, aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome alheio. Por exemplo, o
proprietário aliena a casa, mas nela permanece como inquilino. Note-se que antes o proprietário
tinha a posse como dono, agora tem a posse como locatário. Verifica-se, no constituto possessório,
o fenômeno da bifurcação da posse em direta e indireta. O constituto não se presume, deve
constar expressamente do ato de alienação, sendo um modo de aquisição da posse. Com efeito,
dispõe o parágrafo único do art. 1.267 do CC: “Subentende-se a tradição quando o transmitente
continua a possuir pelo constituto possessório”. Conquanto o Código Civil preveja o constituto
possessório apenas para os bens móveis, a doutrina também o admite para os imóveis, aplicando
por analogia o artigo 1267 do CC. O enunciado 77 do CJF dispõe: “a posse das coisas móveis e
imóveis também podem ser transmitida pelo constituto possessório”.
Por outro lado, dispõe o art. 1.209 do CC que a posse do imóvel faz presumir, até prova em
contrário, a das coisas móveis que nele estiverem. Trata-se de mera aplicação da regra antiga no
sentido de que o acessório segue o principal. A presunção, porém, é relativa, juris tantum, cedendo
diante de prova em contrário.

DETENÇÃO OU MERA CUSTÓDIA

Posse é a exteriorização do domínio. Nem sempre, porém, a aparência de dono revela a


existência de posse. É o que acontece com o detentor, também denominado fâmulo ou servidor da
posse, que, malgrado a aparência de proprietário, a lei civil não considera possuidor.
Detentor é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a

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posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas, bem como aquele que
pratica os atos por mera permissão ou tolerância.
O detentor tem o contato físico com a coisa em situação de dependência para com outrem,
ou por mera permissão ou tolerância (arts. 1.198 e 1.208 do CC). Aquele que começou a comportar-
se como detentor, isto é, em situação de dependência ou por mera permissão ou tolerância, em
relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário, consoante
determina o parágrafo único do art. 1.198 do CC.
Situações de dependência como a do caseiro encarregado de zelar pela chácara do patrão e
do soldado, em relação às armas do quartel, caracterizam mera detenção.
Atos de permissão ou tolerância também não induzem posse. Trata-se da detenção física
momentânea do bem que o possuidor entrega a terceiro, mas mantém sobre a coisa o controle e a
vigilância.
Permissão é a concessão expressa, como por exemplo a visita de um amigo na casa;
tolerância, a concessão tácita, é a omissão a certos fatos sem que isso implique em cessão de
direitos, como na hipótese de se tolerar que o vizinho passe por um atalho ou jardim.
A pessoa que tolerou ou consentiu, a qualquer tempo, pode revogar unilateralmente a ordem,
pois se trata de mero favor. Por exemplo, tolero por gentileza a passagem do vizinho pelo meu
quintal.
Posse é assim, a exteriorização do domínio, excepcionando-se, porém, a hipótese de
detenção.
Só a posse produz efeitos jurídicos, sendo os principais o direito à proteção possessória e à
usucapião.
A proteção possessória, como veremos, compreende a defesa direta da posse e a
possibilidade de ajuizar os interditos possessórios.
A detenção não gera efeitos jurídicos. O detentor jamais poderá ser autor ou réu de uma ação
possessória. Jamais obterá a usucapião. Falta-lhe a posse. Se, por engano, alguém propor ação
possessória contra o detentor, este deverá, na contestação, alegar a sua ilegitimidade e indicar
quem é o verdadeiro possuidor sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas
processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação (art. 339 do
CPC). Se o autor aceitar a indicação, haverá a substituição do detentor pelo possuidor, esta
substituição se chama extromissão processual, consistente na saída do processo do réu nomeante
(detentor) para a entrada do réu nomeado (proprietário ou possuidor). Observe-se que, conquanto
ilegítima a parte (detentor), o processo não é extinto sem resolução do mérito.
O único efeito jurídico atribuído ao detentor é a possibilidade de fazer uso da defesa direta
para proteger a posse. Assim, por exemplo, o caseiro tem o direito de expulsar com as próprias
mãos os intrusos que pretendem invadir o imóvel do seu patrão.

ESPÉCIES DE POSSE

A posse pode ser:

➢ direta e indireta;
➢ justa e injusta;
➢ de boa-fé e de má-fé;
➢ jurídica e natural;
➢ nova e velha.

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POSSE DIRETA E INDIRETA

É a denominada bifurcação ou bipartição ou concorrência ou sobreposição de posses.


Ocorre quando duas pessoas têm posse sobre a mesma coisa, mas em graus diferentes,
ficando um dos possuidores privado do uso imediato da coisa.
Possuidor direto é o que detém materialmente a coisa, ao passo que possuidor indireto é o
proprietário que concedeu àquele outro o direito de possuir.
A posse direta deriva da posse indireta. Há um desdobramento da posse. Baseia-se essa
classificação no desmembramento do direito de propriedade.
A principal característica da posse direta é a temporariedade. Findo o prazo estipulado para
sua duração, deverá o possuidor direto restituir a coisa ao possuidor indireto, sob pena de sua
posse tornar-se precária.
O assunto é disciplinado no art. 1.197 do CC, ao dispor que a posse direta, exercida
temporariamente, não exclui a posse indireta do proprietário ou de quem eles a houveram.
A enumeração que o art. 486 do CC/1916 fazia, referindo-se ao usufrutuário, locatário e
credor pignoratício, era meramente exemplificativa, razão pela qual foi excluída da redação nova
encontrada no art. 1.197 do novo CC. É admissível a posse direta em outros casos, como, por
exemplo, do arrendatário, comodatário, depositário e mandatário.
Meditemos no exemplo do usufruto, em que a propriedade se desmembra para conferir a
posse ao nu-proprietário e usufrutuário. Este recebe daquele o uso e o gozo da coisa frutuária,
adquirindo a posse direta. O nu-proprietário conserva para si a posse indireta.
Ambos os possuidores, o direto e o indireto, têm o direito de invocar os interditos, se
molestados por terceiros.
Aliás, o possuidor direto pode intentar ação possessória contra o possuidor indireto, se este
praticar algum ato de turbação ou esbulho. Se, por exemplo, o locador invade o imóvel locado, o
inquilino expulso pode ajuizar a ação de reintegração de posse.
O possuidor indireto também pode intentar ação possessória contra o possuidor direto. Se,
por exemplo, findo o prazo contratual, o comodatário relutar em devolver o bem, o comodante
(possuidor indireto) pode ajuizar ação de reintegração de posse para recuperar a coisa emprestada.
Observe-se, porém, que no comodato por tempo indeterminado, antes de usar dos interditos, o
comodante precisa notificar o comodatário a entregar voluntariamente o bem.
Por outro lado, o locador não poderá ajuizar ação possessória contra o inquilino, pois, tratando-se
de relação ex locato, a medida judicial cabível é a ação de despejo. Mas, contra terceiros, o locador
pode intentar a ação possessória competente para sanar o esbulho ou turbação. O inquilino também
pode mover ações possessórias contra terceiros e em face do próprio locador.

POSSE JUSTA E INJUSTA

As purezas e vícios da posse deram origem a presente classificação.


Dispõe o art. 1.200 do CC: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. A
contrario sensu, posse injusta é a que apresenta um desses vícios.
São três os vícios da posse: violência, clandestinidade e precariedade.
Posse violenta (vis): é a adquirida mediante esforço físico ou grave ameaça. É o inverso da
posse mansa e pacífica. Nem toda posse violenta, como veremos, é adquirida de má-fé.
Posse clandestina (clam): é a adquirida às ocultas do proprietário ou possuidor. É o inverso da
posse pública, manifestada na presença de todos.
Posse precária: é aquela em que o possuidor direto, vencido o prazo de duração da relação

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jurídica (ex.: contrato de locação), se recusa a restituir a coisa ao possuidor indireto. Está
relacionada com a bifurcação da posse em direta e indireta. O possuidor direto é o que recebe a
coisa para restituí-la no momento devido. Não a restituindo, a sua posse que era justa passa a ser
injusta (precária).
Enquanto os vícios da violência e clandestinidade se manifestam no momento da aquisição da
posse, o vício da precariedade surge no final da posse.
Os vícios da violência e clandestinidade desaparecem com a cessação da violência e
clandestinidade (art. 1.208 do CC), ao passo que o vício da precariedade nunca se convalesce.
Modernamente, porém, tem-se sustentado a possibilidade de se convalescer o vício da
precariedade, desde que o possuidor direto, por meio de atos exteriores, altere o animus da posse.
Assim, por exemplo, o comodatário que se recusa a devolver o bem não poderá, futuramente,
argüir usucapião, diante da precariedade da sua posse, salvo se esta for alterada por atos visíveis,
como na hipótese de demolição do imóvel nele se construindo um estabelecimento comercial.
Cessa o vício da violência com o decurso do prazo de ano e dia, a contar do término da
violência. A partir de então, a posse passa a ser justa.
Cessa o vício da clandestinidade com o decurso do prazo de ano e dia, a contar da publicidade
da posse pelo proprietário ou possuidor. Anote-se, porém, que, conquanto conhecida pelos
vizinhos, persiste o vício da clandestinidade enquanto o proprietário ou possuidor não tomar
conhecimento da posse.
O prazo para a usucapião extraordinária na posse violenta ou clandestina é de quinze anos e um
dia, pois é preciso transcorrer ano e dia da cessação da vis ou clam para que a posse se torne justa.
Anote-se, contudo, que essa questão do decurso do prazo de ano e dia para a posse injusta
transmudar-se em justa não é pacífica. Diversos autores dispensam esse lapso temporal,
considerando a posse justa desde o momento de sua aquisição. Discordamos dessa exegese,
porquanto não se pode atribuir efeitos imediatos a uma posse conquistada à base da violência,
clandestinidade ou precariedade. Sobremais, os artigos 558, c/c 560 e 562, todos do CPC/2015,
preceituam que o possuidor só tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e
reintegrado no caso de esbulho, se a turbação ou esbulho for inferior a ano e dia. Antes deste
prazo, portanto, a posse ainda se revela injusta, tanto é que o novo possuidor a perderá
liminarmente.
Para ter direito à usucapião e às ações possessórias, basta que a posse seja justa; não se exige
a boa-fé, salvo na usucapião ordinária.
A posse precária será sempre injusta, pois este vício é insanável. Jamais, portanto, o possuidor
precário, v.g., arrendatário que se recusa a devolver o imóvel, obterá a usucapião.
Não se pode perder de vista que a noção de posse justa e injusta é relativa. A justiça ou
injustiça é aferida em função do adversário. Para ter direito às ações possessórias basta que a posse
seja justa em relação ao adversário. Costuma-se dizer que até mesmo o ladrão da coisa tem direito
de intentar os interditos contra terceiro que pretende apoderar-se da res furtiva, desde,
evidentemente, que não se apresente em juízo como ladrão.
Verifica-se, pois, que o possuidor injusto não tem ação possessória contra aquele de quem a
coisa foi tirada pela violência, clandestinidade ou precariedade. Mas, em relação a terceiros
molestadores ou esbulhadores, a sua posse é justa, ou melhor, podendo, assim, intentar a ação
possessória competente.

POSSE DE BOA-FÉ E DE MÁ-FÉ

Preceitua o Código, no art. 1.201, que a posse é de boa-fé se o possuidor ignora o vício ou o

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obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa.


A posse de boa-fé é a que o possuidor, mediante erro escusável, ignora o vício ou obstáculo
que impedia a sua aquisição.
A posse de má-fé, inversamente, surge quando o possuidor tem ciência do vício ou, então,
possibilidade de conhecê-lo empregando a diligência ordinária.
Para que a posse seja de boa-fé não basta a ignorância do vício que a macula; mister que o
erro quanto a este fato seja escusável. Tratando-se de erro inescusável, vencível pelo critério do
homem médio, dotado da prudência ordinária, conquanto ignorado o vício pelo agente, a posse
será de má-fé.
Aquele que adquirir um bem de menor púbere, sem que este esteja devidamente assistido pelo
representante legal, incidindo em erro escusável quanto à idade, será possuidor de boa fé. Se, porém, a
aparência infantil do menor for facilmente perceptível ao homem médio, a posse será de má-fé.
No parágrafo único do art. 1.201 do CC está contida a presunção de boa fé em favor de quem
tenha justo título, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admitir essa
presunção.
Justo título é o formalmente apto a transferir o domínio, mas que só não o transmite porque
contém um defeito intrínseco. Por exemplo, escritura pública de compra e venda outorgada por
quem não é o verdadeiro proprietário.
A presunção é relativa, juris tantum, admitindo prova em contrário.
Se o possuidor tem justo título presume-se a sua boa-fé, competindo à parte adversária o
ônus da prova da má-fé.
A boa-fé, porém, não perdura o tempo todo. Cessa a partir da citação. Se, contudo, o
possuidor de boa-fé for o autor da ação possessória, cessa a sua boa-fé a partir da contestação, pois
neste momento toma conhecimento do vício da posse. Independentemente do ajuizamento da
ação possessória, cessa também a boa-fé quando surgirem circunstâncias indicativas de que o
possuidor sabia que possuía indevidamente.
Importante salientar que para intentar ação possessória basta a posse justa. É desnecessária a
boa-fé. Esta é importante para o fim de direito de retenção, indenização pelos frutos, benfeitorias e
perda ou deterioração da coisa.

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CARÁTER DA POSSE

Estabelece o art. 1.203 do CC que “salvo disposição em contrário, entende-se manter a posse
o mesmo caráter com que foi adquirida”. É o princípio geral sobre a continuidade do caráter da
posse, que, salvo prova em contrário, mantém as mesmas características com que foi adquirida.
Provada a cessação da violência ou clandestinidade há mais de ano e dia a posse injusta
transforma-se em justa, de modo que admite-se a modificação do caráter da posse através de atos
exteriores, salvo quanto à posse precária, pois esta não se convalida.
É também perfeitamente admissível a posse de boa-fé injusta. O adquirente daquele que a
obteve pela violência, clandestinidade ou precariedade, ignorando, porém, esses vícios, terá uma
posse injusta e de boa-fé. Igualmente, admissível a posse justa de má-fé, como, por exemplo, a
daquele que adquire o bem de menor púbere desassistido do representante legal, com
conhecimento da idade do alienante. Note-se que, nesse último caso, a posse é justa, pois não
contém os vícios da violência, clandestinidade ou precariedade, porém, de má-fé, pois o adquirente
conhecia o obstáculo impeditivo da aquisição.

POSSE JURÍDICA E NATURAL

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Posse natural é a mera detenção. Na verdade, o detentor não é possuidor (art. 1.198 do CC).
Posse jurídica ou civil é a posse no sentido legal, isto é, a exteriorização da propriedade.

POSSE NOVA E VELHA

Posse nova é a de menos de ano e dia.


Posse velha é a de mais de ano e dia.
A classificação da posse em nova ou velha é baseada no tempo de posse, ao passo que a
caracterização de ação de força nova ou velha é determinada pelo tempo de turbação ou esbulho.
Portanto, cumpre não fazer confusão entre posse nova e velha com ação de força nova e velha.
O Código Civil de 2002 não repetiu as disposições dos arts. 507 e 508 que faziam expressa
referência à posse nova e à posse velha, preferindo deixar para o direito processual a disciplina dos
efeitos decorrentes do tempo da posse sobre a sua proteção judicial. Assim, é no Código de
Processo Civil que encontraremos a previsão de medida liminar em ação de força nova (contra
posse nova) e a negativa de liminar em ação de força velha (contra posse velha). Para alguns, não se
afasta, contudo, a possibilidade da antecipação da tutela nas ações possessórias de força velha, nos
termos dos arts. 294 a 311 do CPC, mas a corrente dominante nega a tutela provisória, pois o artigo
558 do CPC é norma especial em relação aos artigos 294/311 e ele só prevê a liminar para as
possessórias de força nova, trata-se assim de um requisito específico da concessão da liminar.

POSSE AD INTERDICTA E AD USUCAPIONEM

Posse ad interdicta é a que pode ser defendida pelas ações (interditos) possessórias. Basta
que seja justa, não se exigindo, como já dito, a boa-fé. Pode ser com animus domini ou nomine
alieno.
Posse ad usucapionem é a exercida com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e justa,
durante o lapso de tempo necessário à aquisição da propriedade. É a que possibilita a aquisição da
propriedade pela usucapião, sendo, por isso, exigível o animus domini.

POSSE PRO DIVISO E PRO INDIVISO

O assunto está intimamente relacionado à composse.


Composse é a posse em comum e do mesmo grau entre duas ou mais pessoas. Por exemplo:
os cônjuges no regime da comunhão universal e os herdeiros antes da partilha do acervo.
Distingue-se a composse da posse direta e indireta. Na composse pro indiviso os
compossuidores têm posse no mesmo grau, podendo, todos, simultaneamente, possuir
integralmente a mesma coisa, ao passo que na posse direta e indireta um dos possuidores (o
indireto) fica privado do uso imediato da coisa.
Dispõe o art. 1.199 do Código que “se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá
cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores”.
Posse pro indiviso é a composse de direito e de fato. A coisa ainda não foi partilhada, por
acordo ou acomodação natural, entre os compossuidores. Cada compossuidor tem o direito de
exercer a posse sobre o todo, mas um não pode excluir a posse do outro. Se o excluir admite-se a
ação possessória movida pelo compossuidor esbulhado ou turbado contra o compossuidor
esbulhador ou turbador. Se o esbulho ou turbação é praticado por terceiro, qualquer compossuidor

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pode se valer dos interditos possessórios para reapoderar-se da coisa.


Posse pro diviso é a composse de direito, mas não de fato. Cada compossuidor, por acordo ou
acomodação natural, já se apossou, com exclusividade, de uma parte determinada do imóvel. Um
compossuidor não tem o direito de possuir a parte da área reservada ao outro. Este pode impedir o
acesso daquele à sua área. Qualquer dos compossuidores, porém, pode mover ação possessória
contra terceiros para afastar o esbulho ou turbação, pois juridicamente ainda existe a composse,
que só deixará de existir com a sentença judicial prolatada na ação de divisão.

COMPOSSE SIMPLES E DE MÃO COMUM

Composse simples ou romana é aquela em que cada um dos compossuidores pode exercer
sozinho o poder de fato sobre a coisa. Pode ser: direta (ex.: vários inquilinos) e indireta (ex.: vários
locadores).
Composse de mão comum é aquela em que o poder de fato sobre a coisa só pode ser
exercido em conjunto por todos os compossuidores. Exemplo: posse de um armário que só abre
com duas chaves, sendo que cada uma se encontra em poder de um possuidor.

JUS POSSIDENDI E JUS POSSESSIONIS

Jus possidendi é o direito à posse, derivado do direito de propriedade.


Jus possessionis é a posse adquirida sem título de propriedade.
O proprietário, titular do jus possidendi, pode ingressar com ação possessória. Improcedente
esta ação, resta-lhe ainda a ação reivindicatória, cuja tutela é definitiva.
O simples possuidor, titular do jus possessionis, só tem direito à ação possessória, cuja
proteção é provisória. Vencendo a ação, mesmo assim poderá vir a perder a posse, caso o
proprietário ajuíze ação reivindicatória.
O proprietário tem mera faculdade de intentar ação possessória, podendo, se quiser, ajuizar
diretamente a ação reivindicatória.
Cumpre, porém, observar, desde já, que na ação possessória é vedada qualquer discussão
acerca da propriedade. Só se discute posse.

OBSTÁCULOS PARA AQUISIÇÃO DA POSSE

Atos de mera permissão ou tolerância, ainda que prolongados, não induzem posse (art. 1.208
do CC). Trata-se, como já visto, de mera detenção.
Atos violentos, clandestinos e precários também não induzem posse. Entretanto, cessada a
violência ou clandestinidade, convalida-se o vício que impedia a aquisição da posse.

ACESSÃO DA POSSE

É a soma do tempo de posse do atual possuidor com o de seus antecessores. É, pois, o direito
de somar as posses.
São duas as espécies de acessão:

➢ acessão por sucessão;


➢ acessão por união.

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A acessão por sucessão ocorre na sucessão a título universal. Nesse caso, opera-se
obrigatoriamente a soma das posses, isto é, o sucessor universal continua a posse de seu
antecessor; se esta era injusta, a dele também será, não havendo como se desvincular do vício que
a inquina. É o que dispõe o art. 1.207, 1.ª parte, do CC: “o sucessor universal continua de direito a
posse de seu antecessor”.
Sucessor a título universal, ensina Washington de Barros Monteiro, “é aquele que substitui o
titular primitivo na totalidade dos bens, ou numa quota ideal deles, como no caso do herdeiro”.
A acessão por união ocorre na sucessão a título singular. Nesse caso, a soma do tempo de
posse é facultativa. É o que dispõe a segunda parte do art. 1.207 do CC: “ao sucessor singular é
facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”.
Sucessor a título singular é o que adquire direitos ou coisas determinadas, como o comprador,
o donatário e o legatário. Evidentemente, só irá somar a sua posse à do antecessor se lhe convier.
Se fizer a soma, permanecerá a sua posse com as mesmas características da do possuidor
antecessor. Se, por exemplo, esta era injusta e de má-fé, continuará a posse com essas mesmas
vicissitudes. Se optar em não somar a sua posse à precedente, desligar-se-á desta, purgando o vício,
iniciando, pois, nova contagem do tempo de posse.
Existe divergência doutrinária acerca da posse adquirida pelo legatário. Alguns, com base no
art. 1.207, 1.ª parte, do CC, entendem que se trata de acessão por sucessão, enquanto outros, com
fulcro no art. 1.207, 2.ª parte, a enquadram na acessão por união. É que o legado é uma forma de
aquisição que se dá a título singular e não a título universal. Mas o Código Civil tratou, para efeito
da aquisição da posse, de forma igual a aquisição pelos herdeiros e legatários, como se vê do art.
1.206, visto que entende haver para o legatário também a continuidade da posse do antecessor.

EFEITOS DA POSSE

Os principais efeitos da posse são:

➢ defesa direta;
➢ direito ao uso dos interditos;
➢ percepção dos frutos;
➢ indenizações por benfeitorias;
➢ direito de retenção por benfeitorias;
➢ responsabilidade pelas deteriorações;
➢ usucapião.

A detenção, à exceção da defesa direta, não gera nenhum dos efeitos acima elencados.

DEFESA DIRETA

Dispõe o art. 1.210, § 1º, do CC: “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou
restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”.
Admite o legislador no aludido dispositivo a defesa direta como meio hábil à proteção
possessória.
Trata-se de reminiscência do período da vingança privada. A lei civil permite que o possuidor
esbulhado ou turbado faça justiça com as próprias mãos, sem precisar recorrer ao Poder Judiciário,
estando, assim, excluída a antijuridicidade do delito de exercício arbitrário das próprias razões,
previsto no art. 345 do CP.

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As duas espécies de defesa direta, no âmbito do direito possessório, são: a legítima defesa e o
desforço imediato.
Legítima defesa é a reação imediata e moderada à turbação da posse.
Desforço imediato é a reação imediata e moderada ao esbulho possessório.
Turbação é a molestação da posse, ao passo que esbulho é a perda da posse.
Mister a moderação dos meios empregados para legítima defesa ou desforço imediato, que
não podem ir além da violência necessária à manutenção ou restituição da posse.
Admite-se, inclusive, o emprego de armas, desde que necessário à manutenção ou restituição
da posse.
Na legítima defesa, a violência é empregada para impedir a perda da posse, ao passo que no
desforço imediato é empregada para recuperar a posse esbulhada.
Num e noutro caso a reação deve ser in continenti, isto é, imediata, em ato sucessivo, ou
então logo que lhe seja possível agir. Este é o verdadeiro significado da expressão “contanto que o
faça logo”, prevista na primeira parte do § 1.º do art. 1.210 do Código. O legislador facultou ao
possuidor esbulhado ou turbado maior espaço de tempo para reagir. Carvalho Santos cita o
seguinte exemplo: “alguém se encontra com o ladrão de sua capa, dias depois do furto. Em tal
hipótese, apesar do lapso de tempo decorrido, assiste-lhe o direito de fazer justiça por suas
próprias mãos, se presente não estiver a polícia”.
Observe-se, porém, que a reação tardia ao esbulho ou turbação constitui delito de exercício
arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).
Washington de Barros Monteiro ensina que “só o possuidor, direto ou indireto, tem direito de
lançar mão dessa defesa excepcional, excluindo, pois, o mero detentor, como o preposto. Por outro
lado, não importa que a posse seja justa ou injusta, de boa ou má-fé”. E adiante acrescenta que “é
preciso, porém, que o próprio possuidor, em pessoa, se coloque à testa da reação, assumindo-lhe a
responsabilidade”.
A melhor orientação, porém, entende que o detentor também pode fazer uso da defesa
direta, nos moldes do art. 25 do CP, amparado pela legítima defesa criminal.

A FACULDADE DE INVOCAR OS INTERDITOS

Indubitavelmente, o principal efeito da posse decorre da possibilidade de invocar os


interditos.
Interditos são as ações possessórias.
Para propor uma ação possessória basta que a posse seja justa. Todo possuidor, seja de boa
ou má-fé, direto ou indireto, tem direito de ser mantido na posse, no caso de turbação, e
reintegrado, no de esbulho.
É bom lembrar que o possuidor injusto tem também direito aos interditos, desde que a posse
seja justa em relação ao adversário.
Dissentem os juristas a respeito do fundamento da proteção possessória. Para Savigny a
proteção concedida à posse tem o escopo de reprimir a violência. Para Ihering a posse é protegida
em atenção à propriedade, isto é, para assegurar o gozo da propriedade.
Os dois ilustres jurisconsultos estão corretos. Acrescente-se, ainda, que os interditos, à
semelhança de outras ações, visam à preservação da paz social e à proibição da Justiça pelas
próprias mãos.
Os interditos tipicamente possessórios são os seguintes:

a) ação de manutenção de posse;

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b) ação de reintegração de posse;


c) interdito proibitório.

Outras ações ainda se prestam à proteção possessória, a saber:

a) ação de imissão de posse;


b) ação reivindicatória;
c) embargos de terceiro;
d) ação de nunciação de obra nova;
e) ação de dano infecto.

AÇÕES DE MANUTENÇÃO E REINTEGRAÇÃO DE POSSE

Dispõe o art. 1.210, caput, do CC que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse, em
caso de turbação, e restituído, no de esbulho”.
Turbação é a molestação da posse. O possuidor, malgrado a turbação, continua na posse; não
chega a perdê-la.
Esbulho é a perda da posse pela prática de atos violentos, clandestinos ou precários.
Esbulho não é apenas sinônimo de violência. Aquele que se apossa da coisa clandestina ou
precariamente também pratica esbulho. Assim, por exemplo, o comodatário que, findo o prazo
contratual, deixa de entregar a coisa, comete esbulho, por ter a sua posse se tornado precária.
Ocorrendo a mera turbação, o possuidor pode intentar ação de manutenção de posse. Agora,
no caso de perda da posse (esbulho), a ação cabível é a de reintegração de posse.
Nas ações de manutenção e reintegração de posse, incumbe ao autor provar (art. 561 do
CPC/2015):
a) a sua posse;
b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
c) a data da turbação ou do esbulho;
d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na
ação de reintegração.

Passemos à análise desses requisitos.


Posse, conforme já dito, é a exteriorização do domínio.
Adquire-se a posse pelos atos visivelmente reveladores da conduta de dono. É comum a
aquisição da posse por documento. Na lavratura da escritura pública de compra e venda, o
vendedor geralmente já transmite a posse ao comprador. Com a aquisição da posse, ainda que
documentalmente, torna-se possível o ajuizamento dos interditos. Se, porém, o comprador adquirir
a propriedade do bem, sem a transmissão da posse, ser-lhe-á vedada a via dos interditos, restando-
lhe tão-somente socorrer-se às ações dominiais.
Ao autor incumbe provar a data da turbação ou do esbulho para saber se a ação é de força
nova ou velha.
Questão controvertida é saber quando começa a contar o prazo de ano e dia na hipótese de
reiterados atos turbativos em que um é seqüência do outro. Para uns, o prazo começa a fluir do
primeiro ato, enquanto outros entendem que se deve contar a partir do último ato. Tratando-se,
porém, de atos turbativos distintos e autônomos, a cada turbação inicia o prazo de ano e dia.
Vicente Ráo ministra o seguinte exemplo: “um vizinho penetra na minha fazenda uma, duas, cinco
vezes, a fim de extrair lenha. Cada um desses atos, isoladamente, ofende minha posse e contra

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cada um deles posso pedir manutenção. Suposto que decorrido haja o prazo de ano e dia a contar
do primeiro ato turbativo, nem por isso perderei o direito de recorrer ao interdito, para me opor às
turbações subsequentes, verificadas dentro do prazo legal”.
Admite-se, também, a turbação de direito, embora haja opiniões em contrário (RT 115/65,
176/620 e 274/594).
O escopo da ação de manutenção é garantir o possuidor na posse do bem turbado, ao passo
que a ação de reintegração tem a finalidade de recuperar a posse perdida.

INTERDITO PROIBITÓRIO

O interdito proibitório é intentado quando houver justo receio de turbação ou esbulho


iminente.
Trata-se de proteção preventiva à posse. Tem a finalidade de impedir a consumação da
turbação ou esbulho. Consumando-se a turbação ou esbulho, a ação adequada é a de manutenção
ou reintegração de posse.
Dispõe o art. 567 do CPC: “O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente,
mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso
transgrida o preceito”.

O ajuizamento do interdito proibitório depende dos seguintes requisitos:


a) posse do autor;
b) ameaça de turbação ou esbulho por parte do réu;
c) justo receio de ser concretizada a ameaça.

A sentença que julgar procedente a ação determinará a expedição do mandado de proibição,


impondo multa diária pelos dias de transgressão.
Contra ato administrativo que ameace de turbação ou esbulho a posse do autor, é também
cabível o interdito proibitório. Porém, na prática, costuma-se impetrar mandado de segurança, o
que também é correto.
Constitui exercício regular do direito a ameaça de ingressar na Justiça para obter a posse da
coisa, não autorizando, por isso, o ajuizamento do interdito proibitório.

PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS AÇÕES TIPICAMENTE POSSESSÓRIAS

As ações de manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório estão sujeitas


a três princípios básicos:

➢ fungibilidade;
➢ natureza dúplice;
➢ proibição da exceptio proprietatis.

PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

O princípio da fungibilidade, também denominado conversibilidade dos interditos, significa


que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do
pedido, conferindo a proteção possessória necessária ao caso concreto. Em todos os interditos o

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pedido é de proteção possessória, variando apenas a situação fática. Se, por exemplo, o autor
ajuizar ação de manutenção de posse, quando o correto seria a de reintegração, o juiz dará a
proteção jurisdicional que a situação fática reclama, mandando, pois, expedir o mandado de
reintegração de posse.
Entretanto, somente as ações tipicamente possessórias (manutenção de posse, reintegração de
posse e interdito proibitório) são fungíveis entre si (art. 554 do CPC). Se o possuidor ingressar
equivocadamente com a ação de despejo ou ação reivindicatória, o juiz não poderá aproveitá-las como
interdito possessório, devendo extinguir o processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, do CPC).

NATUREZA DÚPLICE

Em regra, quem formula o pedido é o autor, limitando-se o réu, na contestação, a requerer a


improcedência da ação. Não pode o réu ampliar os limites do julgamento, pois é vedado ao juiz
julgar fora do pedido estampado na inicial. Se, porém, quiser que o juiz aprecie o seu pedido com
força de coisa julgada deverá oferecer reconvenção.
Excepcionalmente, porém, permite o legislador ao réu a formulação de seu pedido na própria
contestação, podendo o juiz apreciá-lo como se tratasse de reconvenção. Isto ocorre nas ações
dúplices.
Nas ações dúplices, os litigantes podem assumir, simultaneamente, a posição de autor ou réu.
Diante disso, falta ao réu interesse processual para reconvir, na medida em que poderá formular o
seu pedido na própria contestação. Por isso, não se admite a reconvenção.
Dispõe o art. 557 do CPC que “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em
sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da
turbação ou do esbulho cometido pelo autor”.
Se, por exemplo, o autor ingressar com ação de reintegração de posse, o réu, na contestação,
poderá formular contra o autor os pedidos de manutenção de posse e de indenização pelas perdas
e danos.

PROIBIÇÃO DA EXCEPTIO PROPRIETATIS

Dispõe o § 2º do art. 1.210 do CC que “não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a


alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”.
É conhecida no direito romano a máxima de Ulpiano: separata essa debet possessio a
proprietate.
A posse é protegida autonomamente, independentemente da propriedade. Em razão disso,
não se discute domínio em ação possessória.
Nas ações petitórias o debate processual gira em torno da questão dominial. Vencerá a ação
reivindicatória aquele que comprovar a propriedade.
Inversamente, nas ações possessórias vencerá o melhor possuidor, ainda que o adversário do
processo seja o proprietário.
Não se discute propriedade em ação possessória. Discute-se apenas posse. O melhor
possuidor vencerá a ação, ainda que ele não seja o proprietário. É que, explica Caio Mário da Silva
Pereira, não assiste ao proprietário, sob a alegação de propriedade, molestar a posse alheia. Não
fosse assim, o acolhimento da defesa possessória com fundamento na propriedade legitimaria o
ilícito praticado pelo proprietário contra o possuidor, lembrando que só pode ser admitido o uso da
força para recuperar a posse na hipótese de desforço imediato.
Excepcionalmente, porém, admitia-se a disputa da posse com base no título de propriedade

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por conta do que constava na segunda parte do art. 505 do CC/1916 (“Não se deve, entretanto,
julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”). Efetivamente, a
exceptio proprietatis, isto é, a defesa da posse com base na propriedade da coisa, era aceita em
duas hipóteses:

a) quando ambos os contendores disputavam a posse com base no título de propriedade.


Nesse caso, dispunha a Súmula 487 do STF que “será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver
o domínio, se com base neste for disputada”.
b) quando duvidosa a posse dos litigantes. De fato, não comprovada suficientemente a posse
pelas partes, o juiz decidiria em favor do proprietário, mas há uma corrente sustentando que, no
caso de dúvida, o juiz deveria julgar a ação improcedente.

A parte final do art. 505 do CC/1916 não foi reproduzida no Código Civil de 2002, mas ainda é
sustentável o posicionamento de se julgar a ação possessória em favor do proprietário nas duas
hipóteses acima.
Por outro lado, dispõe o art. 557 do CPC que: “Na pendência de ação possessória é vedado,
tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão
for deduzida em face de terceira pessoa”.

À primeira vista o dispositivo induziria a entender que no curso de processo possessório não
se poderia ingressar com ação dominial paralela para pleitear o reconhecimento da propriedade.
Vale lembrar que até mesmo o grande Frederico Marques defendeu essa interpretação literal.
Entretanto, a tese sufragada, corretamente, pelo Simpósio de Processualistas reunidos em Curitiba,
em outubro de 1975, na Universidade Federal do Paraná, foi no sentido de que a vedação do art.
923 do CPC anterior (atual artigo 557 do CPC/2015) só é aplicável quando a posse estiver sendo
disputada na ação possessória, com base no domínio, isto é, naquele caso em que se admite a
exceptio proprietatis. Fora dessa hipótese não tem sentido vetar o ajuizamento de ação petitória no
curso do processo possessório.

PROCEDIMENTO DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS

As ações possessórias são de força nova e de força velha. A primeira é a intentada dentro do
prazo de ano e dia, a contar do esbulho ou turbação. A segunda, após o decurso de ano e dia.
A ação possessória de força nova confere direito à liminar, tutela antecipada não verificada na
ação possessória de força velha, mas valiosas opiniões sustentam a possibilidade de se conceder às
ações possessórias de força velha a tutela antecipada prevista no art. 303 do CPC/2015. Discordo,
pois o citado art. 303 é uma norma geral, que não se aplica às ações possessórias, cuja liminar
encontra na lei um regramento específico.
A liminar é concedida de plano, sem ouvir o réu. Mas não estando a inicial devidamente
instruída com os documentos necessários, o juiz designará audiência de justificação, citando-se o
réu para comparecer à audiência, apreciando então a liminar. Nesta audiência de justificação
somente o autor tem direito a arrolar testemunhas, restando ao réu a faculdade de juntar
documentos e fazer reperguntas por intermédio de seu advogado. Se, contudo, o réu arrolar
testemunhas, ao juiz é facultado ouvi-las como testemunhas do juízo.
É, também, admissível a liminar em ação possessória de força nova movida contra o Poder
Público, desde que haja prévia audiência de seus representantes judiciais, sendo, no entanto,
terminantemente proibida a concessão de liminar inaudita altera pars (art. 562, parágrafo único, do

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CPC/2015). Demonstrado, porém, o interesse público no bem, a ação possessória converter-se-á


em desapropriação indireta.
Cabe agravo de instrumento da decisão que, em ação possessória, concede ou denega a
liminar. Não se admite mais a impetração de mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao
agravo de instrumento, pois este recurso, a critério do relator, terá ou não efeito suspensivo.
Concedida ou não a liminar, a ação possessória, nas suas três modalidades, seguirá o rito
comum, fluindo o prazo para contestação a partir da intimação da decisão que apreciou a liminar.
Na ação possessória de força velha inexiste a fase de liminar, seguindo ab initio o rito comum.
Ao autor é facultado cumular na ação possessória os pedidos de condenação por perdas e
danos, indenização dos frutos e outra medida adequada para evitar nova turbação ou esbulho ou
para que seja cumprida a tutela provisória ao final (art. 555 do CPC/2015). É, pois, cabível a multa
diária ou astreintes.
Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na
posse carece de idoneidade financeira para, no caso de decair da ação, responder por perdas e
danos, o juiz assinar-lhe-á o prazo de cinco dias para requerer caução sob pena de ser depositada a
coisa litigiosa, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente (art. 559 do
CPC/2015).

O réu da ação possessória é o responsável pelo ato de molestação da posse. Se for invasão de
terras feita por multidão de pessoas, no polo passivo não é preciso identificar os intrusos, figurando
como réus as pessoas incertas e desconhecidas. Assim, dispõe o § 1o do art. 554 do CPC/2015 que,
no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas
a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de
hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. Para fim da citação pessoal prevista no § 1o, o
oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não
forem encontrados (§ 2o do art. 554 do CPC/2015). O juiz deverá determinar que se dê ampla
publicidade da existência da ação prevista no § 1o e dos respectivos prazos processuais, podendo,
para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do
conflito e de outros meios (§ 3o do art. 554 do CPC/2015).

O foro competente para a ação possessória sobre bem imóvel é o da situação da coisa (art.
47, § 2o, do CPC/2015); versando, porém, sobre bem móvel é o domicílio do réu (art. 46 do
CPC/2015). Se o imóvel estender-se em mais de uma comarca, qualquer delas é competente.

AÇÃO POSSESSÓRIA QUE ENVOLVE LITÍGIO COLETIVO

No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição
inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da
medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que
observará o disposto nos §§ 2o e 4o. (art. 565 do CPC/2015).

Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de
distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação, nos termos dos §§ 2o a 4o deste artigo
(§ 1o do art. 565 do CPC/2015).

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O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública será
intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça (§2 o do art. 565 do
CPC/2015).

O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à
efetivação da tutela jurisdicional ( § 3o do art. 565 do CPC/2015).

Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do
Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a
audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de
possibilidade de solução para o conflito possessório (§ 4o do art. 565 do CPC/2015).

Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel (§ 5 o do art. 565 do
CPC/2015).

AÇÕES DOMINIAIS

As ações dominiais instauram o denominado juízo petitório, colocando-se em discussão o


direito de propriedade.
Evidentemente, vencerá a ação quem tiver o domínio da coisa litigiosa.

Dentre as ações petitórias, destacam-se as seguintes:

➢ ação de imissão de posse;


➢ ação reivindicatória;
➢ ação publiciana;
➢ ação negatória;
➢ ação declaratória.

A ação de imissão de posse é atribuída especificamente ao proprietário que adquire o


domínio da coisa que o alienante ou terceiros insistem em não lhe entregar. Trata-se de ação
conferida ao proprietário que nunca teve posse. Mister a prova do domínio para ajuizá-la. O simples
possuidor, titular do jus possessionis, não pode ajuizá-la. Aliás, a jurisprudência tem negado a ação
ao compromissário-comprador. Falta-lhe o título de propriedade. Não se trata de ação possessória,
pois, embora o seu escopo seja a obtenção da posse, toda discussão gira em torno do domínio.
O Código de Processo Civil de 1939 previa a ação de imissão de posse:

a) aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou


terceiros, que os detenham;
b) aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para
haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes a pessoa representada;
c) aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.

O Código de Processo Civil anterior e o atual não disciplinaram expressamente a ação de


imissão de posse, mas nem por isso ela deixou de existir, pois a todo direito corresponde uma ação,
que o assegura (art. 75 do CC/1916).
A ação existe independentemente de estar ou não prevista no Código de Processo Civil; o que

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importa é a existência do direito no campo do direito material. Não fosse assim poder-se-ia dizer
que não mais existe a ação de investigação de paternidade, já que não existe no Código de Processo
uma previsão legal para ela.
Na verdade, o que inexiste é um rito especial à ação de imissão de posse, de modo que deverá
seguir o rito comum.
Questão que tem suscitado polêmica é saber se adjudicatários e arrematantes dos bens
adquiridos em hasta pública ou leilão, para adquirir-lhes a posse, teriam que ingressar com ação de
imissão de posse ou poderiam simplesmente requerer ao juiz da execução a expedição do mandado
de imissão de posse (se imóvel o bem), ou busca e apreensão (se móvel o bem).
A solução mais correta é a seguinte:
a) é desnecessário o ajuizamento da ação quando a posse estiver em poder do depositário ou
executado, competindo ao arrematante ou adjudicatário requerer nos próprios autos do processo
de execução a expedição de mandado judicial de entrega do bem;
b) é necessária a ação de imissão de posse quando o bem estiver em poder de terceiro, pois,
não sendo este parte na execução, torna-se inviável a expedição de mandado judicial de entrega do
bem.
Por outro lado, cumpre ainda tecer algumas considerações sobre a ação reivindicatória.
Trata-se de ação assegurada especificamente ao proprietário, tendo por finalidade recuperar
a posse da coisa de quem injustamente a possua ou a detenha. Somente o proprietário pode mover
a ação, devendo juntar na inicial, se imóvel o bem, a prova do registro do título aquisitivo do
domínio. O proprietário, se preferir, poderá ajuizar ação de reintegração de posse. Vencido nesta
ação, resta-lhe ainda a ação reivindicatória.
Assim, enquanto a ação de imissão de posse é movida pelo proprietário que nunca teve
posse, a ação reivindicatória é proposta pelo proprietário que perdeu a posse. O Código de
Processo Civil não prevê rito especial para nenhuma dessas duas ações. Por isso, a expressão ação
reivindicatória deve ser tomada em sentido amplo para abranger também a ação de imissão de
posse. Em outras palavras, a troca de nome de uma ação por outra não deve inviabilizar o
prosseguimento do processo.
Por outro lado, a ação publiciana é movida pelo proprietário que, após completar o prazo de
usucapião, acabou perdendo a posse. A aludida ação visa à recuperação da posse. É movida pelo
proprietário, que não dispõe de título dominial. De fato, sendo a sentença de usucapião
meramente declaratória é forçoso convir que o domínio é adquirido pelo decurso da prescrição
aquisitiva, habilitando o usucapiente a mover a ação dominial denominada publiciana antes mesmo
de ver concretizada a usucapião em sentença específica.
A ação negatória, por sua vez, é movida pelo proprietário quando este sofrer atos de turbação
da posse. Visa à cessação da turbação, à semelhança do que ocorre com a ação de manutenção de
posse.
Finalmente, a ação declaratória positiva ou negativa tem por objetivo obter uma sentença que
torne incontroverso o direito de propriedade. É cabível quando paira dúvida sobre a autenticidade
do título de propriedade.

EMBARGOS DE TERCEIRO

É a ação conferida ao proprietário ou possuidor para recuperar a posse do bem apreendido


por ato judicial originário de processo de que não foi parte.
Assemelha-se à ação de reintegração de posse. Nesta o bem é apreendido por ato de
particular, ao passo que naquela, por ato judicial. Assim, é cabível embargos de terceiros quando o

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bem é apreendido por ato do juiz em penhora, arresto, sequestro, imissão na posse, etc.

AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA OU EMBARGO DE OBRA NOVA

A finalidade desta ação é suspender a construção de obra nova realizada no imóvel vizinho,
evitando a sua conclusão, propiciando-se, destarte, a preservação dos direitos de vizinhança.
A nunciação pressupõe a existência de dois prédios contíguos, sendo o primeiro prejudicado
por obra realizada no segundo. Inadmissível a ação se a obra nova vem a ser executada não no
prédio do nunciado, mas na rua ou num logradouro público, cabendo, em tal hipótese, mera
reclamação administrativa.
O objeto da presente ação é paralisar a obra que se encontra em andamento. Mister, pois, se
trate de obra nova, isto é, em construção. Estando a obra concluída ou já na fase de acabamento,
inviabiliza-se o exercício da ação em estudo, restando ao prejudicado a ação demolitória cumulada
com perdas e danos.
Obra nova não é apenas edificação, abrange também reforma, escavações, terraplanagens,
colheita ou qualquer outra atividade realizada em imóvel urbano ou rural violadora das normas de
direito de vizinhança e posturas municipais. Assim, por exemplo, admite-se a ação para impedir a
obra que pretende desviar um córrego. É cabível a ação antes mesmo do início da obra, desde que
hajam indícios de que a obra seja realizada.
Enquanto a ação possessória pressupõe esbulho ou turbação, como, por exemplo, construção
em terreno alheio, na ação de nunciação, a obra é realizada no imóvel vizinho, inocorrendo atos de
turbação ou esbulho. Acontecendo, porém, de uma parte da obra vizinha invadir terreno alheio,
cabível será tanto a ação de nunciação de obra nova como a ação de reintegração de posse,
facultando-se ao possuidor prejudicado o ajuizamento de uma ou outra ação.

AÇÃO DE DANO INFECTO

É cabível a ação ao proprietário ou possuidor que tiver justo receio de sofrer algum dano
proveniente de ruína de casa vizinha ou do vício de obras.
Nítido o seu caráter preventivo, pois o dano ainda não ocorreu. Baseia-se o pedido no justo
receio de que possa ocorrer no futuro.
Trata-se de ação cominatória, pedindo o autor na inicial que o réu faça ou deixe de fazer
alguma coisa, sob pena de multa diária.

EFEITOS QUANTO AOS FRUTOS

Frutos são as produções normais e periódicas da coisa, sem detrimento de sua essência.
Diferem dos produtos. Estes diminuem o valor da coisa à medida que vão sendo extraídos, como,
por exemplo, o carvão retirado da mina, ao passo que os frutos deixam-na intacta.
Os frutos podem ser naturais, industriais e civis. Naturais são os que se reproduzem
periodicamente pela própria força orgânica da natureza, como as colheitas e crias dos animais.
Industriais são os que se reproduzem periodicamente devido ao trabalho do homem, como a
produção de uma fábrica. Civis são os rendimentos produzidos por um determinado bem, como os
aluguéis e juros.
Quanto ao estado em que se encontram, os frutos podem ser: pendentes, percebidos,
estantes, percipiendos e consumidos.
Pendentes são os que ainda estão unidos à árvore que os produziu. Percebidos, os já colhidos.

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Estantes, os que já foram colhidos e estão armazenados ou acondicionados para venda.


Percipiendos, os que deviam ter sido, mas ainda não foram colhidos. Consumidos, os que não
existem mais.
Dispõe o art. 1.214, caput, do CC que o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar,
aos frutos percebidos.
Prevê, de fato, o Código o direito à percepção dos frutos percebidos (colhidos), consistente no
ato material pelo qual o possuidor de boa-fé se torna proprietário dos frutos.
Na verdade, porém, o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos colhidos tempestivamente. A
partir do instante em que cessar a boa-fé, não tem direito aos frutos pendentes e nem aos colhidos
antecipadamente (art. 1.214, parágrafo único, do CC). Caso os tenha colhido deverá restituí-los.
Estatui o art. 1.215 do CC que “os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e
percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se colhidos dia por dia”.
O possuidor só terá direito à percepção dos frutos naturais e industriais efetivamente colhidos
antes de cessar a boa-fé, ao passo que, no tocante aos frutos civis, não há necessidade de tê-los
efetivamente recebido, pois a lei, por presunção, os considera percebidos dia por dia, logo, terá o
direito de recebê-los até o dia em que cessar a boa-fé.
Por outro lado, dispõe o art. 1.216 do CC que “o possuidor de má-fé responde por todos os
frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o
momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas de produção e custeio”.
Verifica-se que o possuidor de má-fé não tem direito à percepção dos frutos, devendo ainda
restituir os frutos colhidos e consumidos, respondendo também pelos frutos que por sua culpa
deixou de perceber. Tem, contudo, direito às despesas de produção e custeio, corolário lógico do
princípio de que a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.
No tocante aos produtos, nem o possuidor de boa-fé tem direito. Deve restituí-los. E se não
for mais possível a restituição, indenizá-los.

EFEITOS EM RELAÇÃO ÀS BENFEITORIAS

Benfeitorias, na definição de Clóvis, são obras ou despesas efetuadas numa coisa para
conservá-la, melhorá-la ou, simplesmente, embelezá-la.
Cumpre então distinguir as três modalidades de benfeitorias: necessárias, úteis e
voluptuárias.
As necessárias são feitas para conservar a coisa, impedindo-lhe a deterioração, como a
construção de um muro de arrimo para evitar a queda da casa.
As úteis têm por fim aumentar ou facilitar o uso da coisa, como a construção de uma
garagem.
As voluptuárias ou suntuárias visam proporcionar mero recreio ou deleite, tornando a coisa
mais agradável ou luxuosa, como a construção de uma sauna.
Em relação às benfeitorias necessárias, têm direito à indenização os possuidores de boa-fé e
de má-fé (arts. 1.219 e 1.220 do CC). Cumpre, porém, observar que eles não têm direito à
benfeitoria, mas sim ao valor dela.
No tocante às benfeitorias úteis, apenas o possuidor de boa-fé tem direito à indenização do
seu valor.
No concernente às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé tem o direito de levantá-
las (jus tollendi), quando puder fazê-lo sem detrimento da coisa. O proprietário, porém, se quiser,
pode ficar com a benfeitoria, pagando o seu valor ao possuidor de boa-fé, que, nesse caso, não terá
o direito de levantá-la. Note-se que o proprietário desfruta da mera faculdade de pagar o valor da

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benfeitoria voluptuária. Se preferir não pagá-la, surge para o possuidor de boa-fé o jus tollendi,
desde que possa retirá-la sem danificar a coisa. Em suma, o possuidor de boa-fé só tem direito de
levantá-la se não for indenizado, e desde que não danifique a coisa. Se não der para levantá-la, ele
a perde sem direito à indenização.
O possuidor de má-fé não tem direito à indenização das benfeitorias úteis e nem o direito de
levantar as voluptuárias. Ele as perde. O proprietário as recebe gratuitamente.
Finalmente, dispõe o art. 1.222 do CC “que o reivindicante, obrigado a indenizar as
benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao
possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual”. Mais uma vez o Código trata o possuidor de má-fé
de forma diferente, facultando que o reivindicante possa escolher entre o custo e o valor atual da
benfeitoria, obviamente aquele de menor valor, escolha que ele não tem quando o possuidor é de
boa-fé.
Finalmente, as benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se
ao tempo da evicção ainda existirem (art. 1.221 do CC).

DIREITO DE RETENÇÃO

O possuidor de boa-fé tem o direito de retenção das benfeitorias necessárias e úteis até o
recebimento do valor das mesmas.
O direito de retenção consiste na faculdade de conservar a coisa em seu poder, até receber o
valor da indenização devida.
É uma forma de compelir aquele que pretende receber a coisa de volta a pagar o valor do
débito.
O direito de retenção por benfeitorias é assegurado apenas ao possuidor de boa-fé, quanto às
benfeitorias necessárias e úteis (art. 1.219 do CC). Não lhe assiste este direito em relação às
benfeitorias voluptuárias.
O possuidor de má-fé, conquanto tenha direito à indenização das benfeitorias necessárias,
não tem direito de retenção (art. 1.220 do CC).
Nas possessórias, não invocando o direito de retenção na contestação, o réu perde o direito
de invocá-lo, não podendo depois, na fase de execução, ingressar com os embargos de retenção
por benfeitorias. Estes pressupõem título executivo judicial reconhecendo o direito à indenização
pelas benfeitorias. Mas, não exercendo oportunamente o direito de retenção, poderá o possuidor
intentar ação de indenização para cobrar a importância das benfeitorias necessárias e úteis.
Os embargos de retenção por benfeitorias só têm cabimento se o direito de retenção foi
postulado na contestação e fixado na sentença do processo de conhecimento. Estes embargos
devem descrever as benfeitorias realizadas, não se admitindo simples menção genérica à sua
existência, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa, ademais, o pedido deve ser certo e
determinado. Há, porém, julgados admitindo a invocação do direito de retenção somente em
execução, condicionando-se o recebimento dos embargos de retenção ao depósito da coisa (RT
501/123 e 541/79).
As acessões industriais (v.g., edificações) se equiparam às benfeitorias para efeito de direito
de retenção. Seria realmente ilógico admitir direito de retenção às benfeitorias e negá-lo às
acessões.
Por fim, dispõe o art. 1.221 do CC que o valor das benfeitorias pode ser compensado com o
dos danos causados pelo possuidor.

EFEITOS QUANTO À DETERIORAÇÃO E PERDA DA COISA

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O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa (art.
1.217 do CC.). A lei civil o isenta da responsabilidade pela deterioração e perda da coisa proveniente de
caso fortuito ou força maior, devendo, porém, arcar com a indenização na hipótese de ter dado causa
(por dolo ou culpa) ao perecimento ou deterioração.
O possuidor de má-fé responde pela perda e deterioração da coisa, ainda que acidentais,
salvo se provar que do mesmo modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante (art.
1.219 do CC). Trata-se de uma das raras hipóteses em que o Código não isenta de responsabilidade
o dano causado por caso fortuito ou força maior. Todavia, provando-se que a coisa se teria
danificado ainda que em poder do reivindicante (aquele que tem direito à restituição da posse),
isento de responsabilidade estará o possuidor de má-fé pelos prejuízos provenientes do caso
fortuito ou força maior. Por exemplo, a coisa é destruída por uma enchente, que também inundou
a casa do reivindicante, de modo que teria sido destruída de qualquer forma, ainda que estivesse
em seu poder.

AQUISIÇÃO PELA USUCAPIÃO

Usucapião é o modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais


(usufruto, uso, superfície, habitação, enfiteuse e servidão) pela posse prolongada da coisa.
Etimologicamente, a palavra é feminina (a usucapião), mas tem sido empregada no masculino
(o usucapião), inclusive pelas leis. Preferiu o novo Código Civil o gênero feminino.
Discute-se se a usucapião é modo originário ou derivado de aquisição de propriedade. Trata-
se, na verdade, de modo originário de adquirir a propriedade, pois a coisa não é transmitida ao
usucapiente pelo seu predecessor, não havendo qualquer vínculo entre eles. E, como não ocorre
ato de transmissão, inadmissível a cobrança do respectivo imposto (ITBI inter vivos). Como
conseqüência de ser considerado modo originário, extinguem-se os direitos reais que oneravam o
bem antes do início do prazo prescricional, desaparecendo, por exemplo, a hipoteca. Não pode
prevalecer a opinião de Philadelpho de Azevedo, segundo o qual a hipoteca não é extinta, pois é
registrada, presumindo-se que o adquirente sabia de sua existência. Ora, o credor hipotecário
quedou-se inerte, deixando de interromper a prescrição aquisitiva, razão pela qual não tem
cabimento salvaguardar os seus direitos. Carvalho Santos ressalva a manutenção da hipoteca na
usucapião ordinária, pois este exige justo título e boa-fé, descaracterizando-se a boa-fé diante da
publicidade do registro. Cremos deva ser extinta a hipoteca, ainda que se trate de usucapião
ordinária, porquanto a manutenção dos direitos reais é incompatível com a forma originária de
aquisição da propriedade, que deve ser entregue ao usucapiente límpida, livre de qualquer direito
real, diante da inexistência de vínculo jurídico com o anterior proprietário.
O Código Civil francês disciplina a usucapião como modalidade de prescrição. É a denominada
prescrição aquisitiva, segundo a qual o decurso do tempo cria o direito em favor do novo titular, ao
contrário da prescrição extintiva, pela qual o decurso do tempo extermina o direito de ação.
O Código Civil pátrio, porém, disciplina a usucapião como instituto autônomo, apesar de sua
afinidade com a prescrição, a ponto de o art. 1.244 estender-lhe as causas que obstam, suspendem
ou interrompem a prescrição. Assim, não é possível usucapir bem pertencente à absolutamente
incapaz, pois contra ele não corre prescrição. Igualmente, na constância da sociedade conjugal, o
cônjuge não pode usucapir bem do outro, pois a prescrição encontra-se suspensa.
A usucapião não se presta apenas à aquisição do direito de propriedade (arts. 1.238 e 1.260
do CC), mas também à aquisição dos direitos reais de servidão, enfiteuse, usufruto, uso, habitação
e superfície.

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Examinaremos apenas a usucapião como modo originário de aquisição do domínio.


Todos os bens podem ser objeto de usucapião, exceto os bens públicos e as coisas fora do
comércio, como o ar atmosférico. Aliás, a Excelsa Corte editou a Súmula 340: “Desde a vigência do
Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião”. Sobre usucapião de terras devolutas ainda há polêmica. Uma primeira corrente nega a
possibilidade, ainda que a terra seja improdutiva, pois a Constituição Federal proíbe usucapião de
bem público sem abrir qualquer exceção. Outra corrente admite usucapião especial rural, diante da
previsão expressa na lei 6969/81, fundamentando-se também no art. 188 da CF que exige que as
terras devolutas observem a política agrícola de reforma agrária, de modo que se trata de um bem
público afetado por destinação social, justificando-se o usucapião, para garantir a continuidade da
exploração econômica da terra, quando este destino não for observado.
Quanto ao bem gravado com cláusula de inalienabilidade, Carvalho de Mendonça sustenta
que não pode ser objeto de usucapião, asseverando que a simples inalienabilidade acarreta a
imprescritibilidade. Uma outra corrente, acertadamente, sustenta que não se confunde
inalienabilidade com imprescritibilidade, admitindo-se, destarte, a usucapião. Com efeito, a
inalienabilidade é uma proibição ditada ao proprietário, e não uma qualidade da coisa, ao passo
que a usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade que se realiza até contra a
vontade do dono.
É pacífico que o bem pertencente a absolutamente incapaz não pode ser objeto de usucapião,
conforme vimos anteriormente. Quanto ao bem imóvel pertencente à relativamente incapaz, vale
ressaltar que é legalmente inalienável, salvo mediante ordem judicial, razão pela qual alguns
autores sustentam a inadmissibilidade da usucapião, mas outros admitem a prescrição aquisitiva.
A usucapião, em todas as suas espécies, exige posse justa, exercida com ânimo de dono,
prolongada durante certo lapso de tempo, de maneira mansa, pacífica e ininterrupta.
Posse justa é a que não apresenta os vícios da violência, clandestinidade ou precariedade.
Assim, o comodatário que ao término do contrato se recusa a devolver o bem nunca poderá
usucapi-lo, pois o vício da precariedade não se convalida. Os vícios da violência e clandestinidade,
conforme já dito, se convalidam, a partir de então começa a fluir o prazo da usucapião.
A posse ad usucapionem é a exercida com ânimo de dono (animus domini). A posse em nome
alheio, como a do locatário ou arrendatário, não conduz à usucapião, por mais prolongada que seja.
Não se exige opinio domini, isto é, a crença, certa ou errada de que se é o dono da coisa ou do
direito.
O período de posse necessário à aquisição do domínio varia conforme a espécie de usucapião.
O possuidor que perdeu a posse, vindo a recuperá-la dentro de ano e dia, pela força ou via judicial,
poderá juntar, para efeito de usucapião, a posse do usurpador, mas não se somarão as posses se a
recuperação da coisa ocorrer após o decurso de ano e dia.
A posse deve ser mansa, pacífica e ininterrupta.
Posse mansa e pacífica é aquela exercida sem oposição por parte do proprietário do bem. É a
estabelecida sem o exercício de violência.
É mansa e pacífica a posse se houve interrupção por outrem, que não o dono? Sim, pois do
contrário haveria injustiça em se beneficiar o proprietário inerte com atos de terceiros não
interessados, permitindo, assim, que se invalidasse a posse por quem estivesse agindo sem
qualquer propósito legítimo. Assim, a posse mansa e pacífica significa a ausência de litígio judicial
contra o proprietário. Se houver litígios com terceiros, continua sendo mansa e pacífica com relação
ao proprietário.
Ocorrendo de o possuidor perder a posse, após ter preenchido o lapso temporal e demais
requisitos necessários à usucapião, poderá ingressar normalmente com a ação, citando-se

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pessoalmente o possuidor atual do bem, sob pena de nulidade do processo (Súmula 263 do STF).
Alguns autores exigiam que o usucapiente, antes do ajuizamento da ação de usucapião,
recuperasse a posse, por via da ação de reintegração de posse, reivindicatória ou publiciana. Na
ação publiciana, oriunda do direito romano, o autor visa obter a restituição da coisa e assim chegar
à usucapião, sendo praticamente idêntica à ação de reintegração de posse.
A posse ad usucapionem é interrompida da mesma forma como se interrompe a prescrição,
basicamente a notificação judicial e a citação. Enquanto a posse mansa e pacífica é a que se
estabelece e se exerce sem uma interrupção fática, a posse ininterrupta é ausência de interrupção
civil ou jurídica. A interrupção civil da posse do prescribente é relativa, pois só aproveita ao que a
promoveu. A interrupção feita por terceiro não beneficia o proprietário. Com efeito, a prescrição
interrompida por uma pessoa não beneficia a outra, salvo quando se tratar de direitos e obrigações
indivisíveis (art. 204 do CC). Assim, se a usucapião for interrompida por condômino ou
compossuidor pro indiviso todos os demais condôminos ou compossuidores se beneficiarão diante
da indivisibilidade.
A sentença de reconhecimento da usucapião tem natureza declaratória, pois o domínio é
conferido pela posse prolongada sem oposição e não pela sentença. Esta se limita a declarar uma
situação jurídica já existente, tanto é assim que a usucapião pode ser alegada em matéria de defesa
(Súmula 237 do STF). Se, por exemplo, o proprietário ingressar com a ação reivindicatória do bem, o
possuidor, que tenha consumado o tempo de posse necessário, pode, na contestação, argüir a
usucapião, gerando, destarte, a improcedência da ação. A exceção de usucapião não gera título de
propriedade, não dispensa assim a ação específica de usucapião, salvo no usucapião especial (art.
7º da lei 6969/81). Depois da contestação, ainda é possível alegar usucapião em defesa, pois é
matéria de ordem pública, passível de argüição a qualquer tempo à semelhança da prescrição, mas
o tema não é pacífico, porquanto valiosas opiniões sustentam que o momento máximo para
argüição de usucapião é a contestação, sob pena de renúncia abdicativa tácita, restaurando-se o
direito do proprietário. Em recurso especial ou extraordinário, contudo, não é possível argüir
usucapião se a matéria não foi prequestionada anteriormente.
Transitada em julgado a sentença prolatada na ação de usucapião, o próximo passo é registrá-la no
Registro Imobiliário (arts. 167, I, n. 28, da Lei 6.015/1973). Observe-se que o domínio é adquirido
independentemente da sentença ou do registro, servindo este apenas para regularizar a situação do imóvel
e permitir, assim, a eventual alienação, ou hipoteca.

No Brasil, existem as seguintes espécies de usucapião:


➢ usucapião extraordinária;
➢ usucapião ordinária;
➢ usucapião urbana;
➢ usucapião especial ou pró-labore;
➢ usucapião de aeronaves;
➢ usucapião coletiva.
Na usucapião extraordinária geral não se exige justo título e nem boa-fé. Basta a posse justa
com o ânimo de dono, exercida, de maneira mansa, pacífica e ininterrupta, durante 15 anos, se
bem imóvel, e cinco anos, se móvel. Na usucapião extraordinária abreviada, o prazo poderá ser
reduzido a 10 anos, “se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele
realizado obras ou serviços de caráter produtivo” (art. 1.238, parágrafo único, do CC).
Na usucapião ordinária geral, exige-se justo título e boa-fé, mas o tempo de posse é reduzido para
10 anos para os bens imóveis e a três anos para os bens móveis. O Código Civil não faz mais distinção no
prazo quando ele corre contra ausentes e contra presentes, mas o prazo será de cinco anos “se o imóvel

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houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado
investimentos de interesse social e econômico” (art. 1.242, parágrafo único, do CC). Essa hipótese é
conhecida como usucapião ordinária abreviada ou social.
Enquanto a boa-fé relaciona-se com a aquisição da posse, que consiste na crença do
possuidor na legitimidade de sua posse, por ignorar o vício ou obstáculo que impede a aquisição, o
animus domini relaciona-se com o exercício da posse e consiste na posse da coisa com a intenção
de dono. Nítida, portanto, a distinção entre boa-fé e animus domini. Observe-se que na usucapião
extraordinária há presunção absoluta de boa-fé, ao passo que na usucapião ordinária, o justo título
já é uma presunção relativa de boa-fé. Na verdade, usucapião extraordinário dispensa a boa-fé.
Na usucapião ordinária, não há necessidade de a boa-fé existir durante todo o decurso do
lapso prescricional, como preconiza o sistema canônico, pois o Brasil filiou-se ao sistema romano,
que exige a boa-fé apenas no início da prescrição (art. 1.202 do CC). Anote-se, ainda, que a posse
pode começar de má-fé e depois se tornar de boa-fé, cabendo ao possuidor, como esclarece Pontes
de Miranda, provar a boa-fé superveniente, mas, nesse caso, não se aproveita o tempo anterior.
Justo título é o documento que seria capaz de transferir o domínio, se proviesse do
verdadeiro dono do bem, ou estivesse isento de defeitos ou vícios. É, pois, o documento
formalmente adequado para transferir o domínio, mas que deixa de produzir tal efeito em virtude
de não ser o transmitente o dono da coisa ou lhe faltar o poder de alienar. Exemplos: aquisição a
non domino; cônjuge que aliena imóvel sem autorização do outro; procurador com procuração
falsa; alienante relativamente incapaz etc. Em princípio, o justo título compreende os atos
anuláveis. Modernamente, está superada a corrente que só considerava justo título aquele que
estivesse registrado. Todavia, para a usucapião ordinária, com o prazo reduzido a cinco anos, como
foi visto, o Código Civil exige um documento que tenha sido efetivamente registrado, embora
cancelado depois o registro, e decorrente de uma aquisição onerosa. O título inexistente ou que
contém nulidade absoluta impede a usucapião ordinária, pois não se trata de justo título, devendo
o usucapiente optar pela via extraordinária.
A usucapião especial urbana ou pro moradia, prevista no art. 183 da CF, é para aquele que
possuir como sua área urbana de até 250 metros quadrados, utilizando-a para sua moradia ou de
sua família. O tempo de posse necessária à usucapião é de cinco anos. Não se exige justo título e
nem boa-fé. O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Mister que
o imóvel usucapiendo se destine à residência do usucapiente ou de sua família. O imóvel objeto da
usucapião deve estar localizado em área urbana e não exceder a 250 metros quadrados. Se exceder
essa metragem, só caberá usucapião extraordinário ou ordinário, não se pode cindir o imóvel para
usufruir da usucapião especial. O usucapiente não pode ter sido beneficiado antes com esta
modalidade de usucapião. Portanto, aludida usucapião não será reconhecida ao mesmo possuidor
mais de uma vez (art. 1.240, § 2º, do CC). O novo Código Civil reproduziu, no art. 1.240, as
disposições constitucionais para esta espécie de usucapião. O título de domínio e a concessão de
uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil (art.
1.240, § 1.º, do CC).
O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10.07.2001) também regulou a usucapião urbana
especial (art. 9.º), para a qual exige os mesmos requisitos. Acrescentou a possibilidade de o
herdeiro legítimo continuar a posse do de cujus, para efeito de usucapião, “desde que já resida no
imóvel por ocasião da abertura da sucessão” (§ 3.º), seguindo o que já preconizava a doutrina e
reconhecia a jurisprudência. Salvo nesta hipótese, não se admite a soma de posses na usucapião
urbana, porquanto a lei exige que a posse seja pessoal. Também admitiu a alegação de usucapião
como matéria de defesa, valendo a sentença que o reconhecer como título para registro no

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Cartório de Registro de Imóveis (art. 13) e determinou a observância do rito sumário na ação de
usucapião (art. 14). O art. 11 do Estatuto da Cidade ainda determina que “na pendência de ação de
usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias,
que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo”.
A usucapião especial ou pro labore ou rural, prevista no art. 191 do CF, é para aquele que possuir
como sua área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu
trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. O tempo de posse necessário à usucapião é de
cinco anos. É preciso que torne a terra produtiva com o seu trabalho (função social de propriedade) e a
utilize como moradia habitual, propiciando-se, destarte, a fixação do homem no campo. O usucapiente
não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, mas não impede a usucapião que já tenha
sido beneficiado em outra oportunidade por esta modalidade de aquisição. O estrangeiro pode
requerer também esta modalidade de usucapião. O novo Código Civil reproduziu, no seu art. 1.239, as
disposições constitucionais para esta espécie de usucapião. Na usucapião pro labore, torna-se
inadmissível a soma de posses, pois a lei exige a posse pessoal do possuidor, e não de meros prepostos,
consistente no ato de tornar produtiva a terra e nela fazer a sua moradia. Portanto, o lapso de tempo
necessário à usucapião só se inicia quando o possuidor instala sua moradia e passa a cultivar a terra,
tornando-a por qualquer modo produtiva. Assim, o art. 1.243 do CC, que prevê a soma de posses às
usucapiões, deve ser interpretado restritivamente, excluindo-se do âmbito de sua incidência as duas
modalidades de usucapião especial (urbana e rural), pois, para essas espécies, a Magna Carta exige uma
posse pessoal. Não se pode reconhecer a usucapião pro labore quando a ocupação incide sobre área
superior ao limite de 50 hectares estabelecido na Constituição Federal. A usucapião especial rural
poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para
transcrição no Registro de Imóveis (art. 7.º da Lei 6.969/1981). O rito é o sumário (art. 5.º da sobredita
Lei).
A usucapião de aeronave exige justo título, boa-fé e cinco anos de posse (art. 116, III, da Lei
7.565/1986).

USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA

Conceito

Usucapião coletiva é a que recai sobre uma área ocupada por possuidores em núcleo urbano
informal.
A propósito, dispõe o art. 10 do Estatuto da Cidade, com redação dada pela lei 13.465/2017:
“Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área
total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados
por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.

Natureza jurídica

É uma modalidade de usucapião urbana.


Os usucapientes formarão um condomínio especial.
Neste condomínio, salvo acordo escrito entre todos os possuidores, cada um será titular de
uma fração ideal no registro de imóveis.

Requisitos

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Os requisitos são os seguintes:


a) que se trate de um núcleo urbano informal. Implicitamente, exige-se que seja
ocupado por uma população de baixa renda e que haja impossibilidade de demarcação das
posses, pois o núcleo urbano informal é aquele que não se encontra regularizado. A lei não
exige, entretanto, estes dois requisitos, podendo ensejar polêmica;
b) que o lote de cada possuidor seja inferior a 250 m². Toma-se a área total e divide-se
pelo número dos possuidores. Nenhum pode ter lote igual ou superior a 250 m², mas nada
obsta que a área total seja superior;
c) o tempo mínimo de posse é de 5 anos; basta a posse justa, pois a lei não exige boa-
fé;
d) que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Soma das posses

O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse
à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas (§1o do art. 10).

Sentença

A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a
qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis (§2º do art. 10).

Vias administrativas

É também possível a usucapião coletiva extrajudicial através das vias administrativas, pois não
há qualquer vedação no Estatuto da Cidade.

Condomínio especial

Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,


independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito
entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas (§3º do art. 10).
O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio (§4º do art. 10).
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria
de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes (§5º
do art. 10).

Suspensão das ações petitórias e possessórias

Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras


ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel
usucapiendo (art. 11).

Legitimidade para a ação

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São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana (art. 12):
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente
constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o
cartório de registro de imóveis (§ 2º).
A defensoria pública também tem legitimidade para propor ação civil pública como
substitutivo da usucapião coletiva, pois a hipótese se enquadra na lei 7.347/85.
Igualmente o Ministério Público. É uma ação civil pública onde se requer a declaração de
usucapião coletiva em favor dos substituídos.

Participação do Ministério Público

É obrigatória a participação do MP, em razão do interesse social coletivo (§1º do art. 10).

Arguição em defesa

A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo
a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis (art. 13).

Outras situações

Sobre a legitimidade ativa, discute-se se o condômino pode usucapir. Lafayette responde


negativamente, invocando o princípio da imprescritibilidade do condomínio, mas a doutrina
dominante admite a usucapião, desde que o condômino exerça a posse com exclusividade, sobre
uma parte ou a totalidade do bem, revelando, por atos exteriores, a qualidade de possuidor pro
suo. Todavia, na dúvida, presume-se que a posse é exercida em nome de todos os demais
condôminos, inviabilizando a usucapião. Saliente-se, ainda, que o condômino, em regra, só pode
invocar a usucapião extraordinária, pois o título que o beneficia também beneficia os demais
condôminos. Excepcionalmente é possível a usucapião ordinária, desde que seja baseada em outro
título.
Por outro lado, o espólio, pelos seus co-herdeiros, também pode requerer a usucapião, desde
que o de cujus não tenha renunciado expressa ou tacitamente a prescrição aquisitiva.
A usucapião pode ser invocada não só pelo usucapiente, mas também por seus sucessores
legítimos ou testamentários. Igualmente pelos seus credores e demais interessados. Com efeito,
dispõe o art. 193 do CC, aplicado analogicamente, que “a prescrição pode ser alegada em qualquer
grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”. Ademais, o art. 191 do CC salienta que a renúncia
da prescrição só valerá quando não prejudicar terceiros. Portanto, o terceiro interessado, isto é,
aquele a quem a renúncia prejudica, pode anulá-la e invocar usucapião em nome do possuidor.
Na hipótese de ambos os cônjuges usucapirem o bem na constância do casamento, uma
primeira corrente sustenta que os dois devem figurar na ação de usucapião como litisconsortes
ativos necessários, mas outra corrente, com base no art. 73 do CPC/2015 admitem que a ação seja
proposta por um deles, desde que o outro autorize, sendo cabível o suprimento judicial da
autorização negada injustamente.
Acrescente-se ainda que o cônjuge ou companheiro pode usucapir a meação do outro que
abandonou o lar injustificadamente há mais de dois anos. Com efeito, dispõe o art.1.240-A do CC:

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“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com
exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural. § 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez”. Trata-se de uma modalidade especial de usucapião que recai sobre a
meação do cônjuge ou companheiro que abandonou o lar, restrito a imóvel urbano de 250m²
(duzentos e cinquenta metros quadrados). É, pois, uma punição ao cônjuge ou companheiro que
abandonou o lar.

USUCAPIÃO JUDICIAL

O CPC/2015 não prevê procedimento especial para a ação de usucapião que, diante disso,
seguirá o rito comum.
O foro competente para a ação de usucapião é o do local onde está situado o imóvel (art.47
do CPC/2015).
O juízo competente é a Vara de Registros Públicos, se não houver essa vara especializada,
distribuir-se-á ação a uma das varas cíveis da comarca.
Caso a União, justificadamente, ingresse no processo, a competência passará a ser da Justiça
Federal. Ingressando nos autos o Estado-membro ou Município, a ação será processada na Vara da
Fazenda Pública Estadual ou Municipal, se houver. Se na mesma ação ingressar a União, Estado-
membro e Município, a competência será da Justiça Federal. Se o imóvel confrontar com terra da
marinha, a competência é da justiça federal. Na usucapião constitucional especial urbana ou rural,
caso haja intervenção da União, mas no local do imóvel não houver justiça federal, a competência
será da justiça estadual de primeiro grau, por delegação dos §§ 3º e 4º do art. 129 da Constituição
Federal, todavia,quando se tratar de usucapião extraordinário e ordinário de interesse da União a
competência não se desloca para a justiça estadual, a ação tramitará na seção judiciária da justiça
federal que abranger o imóvel usucapiendo.
O usucapiente exporá na petição inicial o fundamento do pedido. E, juntando a planta do
imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem
como os confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e não sabido e dos eventuais
interessados (art. 259, I, do CPC/2015). É essencial a juntada da planta do imóvel, pois não podem
ser usucapidos os bens que não possam ser perfeitamente individualizados. De fato, não é possível
posse sobre coisa indeterminada, incerta, vaga, em que se desconhece até onde se estendem os
atos processuais. Urge, portanto, se descrevam as características e as confrontações do imóvel,
juntando-se ainda a respectiva planta.
Proprietário do imóvel, réus certos, incertos e seus confinantes são litisconsortes passivos
necessários.
Por aplicação analógica do §3º do art. 216-A da lei 6.015/73, serão intimados (e não citados)
por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios onde se situe o imóvel.
Aos réus certos, mas ausentes, citados por edital, caso não ofereçam contestação, o juiz
nomeará curador especial, função exercida por advogado e não mais pelo Promotor de Justiça. Não
se nomeia curador especial aos réus incertos, que foram citados por edital.
Por outro lado, cumpre frisar que as causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição também se aplicam à usucapião (art. 1.244 do CC). Assim, não corre o prazo de
usucapião contra os absolutamente incapazes (art. 198, I, do CC).

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Finalmente, não há previsão legal para a intervenção do Ministério Público nas ações de
usucapião, salvo quando configurada uma das hipóteses do art. 178 do CPC.

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Conceito

Usucapião extrajudicial é o requerido perante o cartório de registro de imóveis da


comarca em que estivar situado o imóvel usucapiendo.

Previsão legal

É disciplinado pelo art. 216-A da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que foi
introduzido pelo art. 1.071 do CPC/2015.

Facultatividade

O usucapiente pode optar em pleitear a usucapião através da via judicial ou da extrajudicial,


conforme art. 216-A, caput, da lei 6.015/73.

Procedimento

O requerente, que deverá estar representado por advogado, instruirá o requerimento com os
seguintes documentos:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus
antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de
anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos
titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel
usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do
requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a
natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre
o imóvel.
O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o
acolhimento ou a rejeição do pedido (§1o do art. 216-A).
Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de
outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos
imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo
correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze)
dias, interpretado o seu silêncio como discordância (§ 2o do art. 216-A).
O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao
Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo
correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido (§
3o do art. 216-A).

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O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande


circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se
manifestar em 15 (quinze) dias (§ 4o do art. 216-A).

Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas


diligências pelo oficial de registro de imóveis (§ 5o do art. 216-A).
Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma
do § 5o deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância
expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula
do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis
registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de
matrícula, se for o caso (§ 6o do art. 216-A).
Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos
desta Lei (§ 7o do art. 216-A).
Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de
imóveis rejeitará o pedido (§ 8o do art. 216-A).
A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião ( § 9o do
art. 216-A).
Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião,
apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum
dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os
autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a
petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (§10 do art. 216-A).

PROPRIEDADE

O direito de propriedade é complexo, pois confere os poderes de usar, gozar, dispor e reaver
a coisa de quem injustamente a possua:

a) direito de usar (jus utendi): é o direito de exigir os serviços que a coisa pode prestar, sem
alterar-lhe a substância. Exemplos: habitar a casa, montar no cavalo, guardar a coisa etc.;
b) direito de gozar (jus fruendi): é o direito de extrair os benefícios da coisa. Exemplos:
aquisição dos frutos e produtos; alugar a casa etc. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem,
ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a
outrem (artigo 1232 do CC);
c) direito de dispor (jus abutendi ou disponendi): é o direito de consumir a coisa (destruição
material), aliená-la ou gravá-la de ônus real (v.g., hipoteca). A inalienabilidade pode ser legal, isto é,
imposta pela lei (v.g., dote), e voluntária;
• Obs.: Inalienabilidade voluntária. A cláusula de inalienabilidade retira a disponibilidade do
bem, que não poderá mais ser alienado (vendido, doado etc.) e nem penhorado. Ocorre quando o
proprietário aliena a propriedade, mas ao mesmo tempo proíbe que o adquirente torne a aliená-la.
Só é possível nas transmissões gratuitas (testamento e doações puras), devendo estar estipulada a
inalienabilidade no título que transferiu a propriedade e constar no Registro Público. Essa cláusula
não é perpétua, só vale por certo tempo. Pode ser: temporária (quando fixa o termo ou condição
para sua extinção) ou vitalícia (cessa com a morte). Se vitalícia, é possível a alienação do bem, em
vida, mediante ordem judicial e desde que haja motivo justo, ocorrendo, nesse caso, a sub-rogação

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do vínculo, consistente na transferência da inalienabilidade para o bem adquirido com o produto da


venda. O bem com cláusula de inalienabilidade não se comunica ao cônjuge do adquirente,
conforme a Súmula 49 do STF e o art. 1.911 do CC.
d) direito de reaver (rei vindicatio) a coisa de quem injustamente a possua: consiste em
reivindicá-la por meio da ação reivindicatória. O artigo 1228 do CC admite a ação reivindicatória em
face de quem possui ou detenha a coisa. Entende-se que o dispositivo é inconstitucional, na parte
que permite a ação reivindicatória contra o detentor, pois a sentença será inócua em relação ao
possuidor, que não será atingido por ela, tendo em vista os limites subjetivos da coisa julgada, que
só atinge as partes. Assim, o detentor que figura como réu deve, na contestação, alegar a sua
ilegitimidade passiva e ao mesmo tempo indicar o verdadeiro possuidor que o teria contratado. Só
o proprietário pode ingressar com esta ação. Tratando-se de bem imóvel é preciso o registro do
título aquisitivo, não bastando a escritura pública. Nesta ação, reclama-se a restituição definitiva da
coisa, ao passo que na ação possessória, a proteção é provisória. A ação reivindicatória é
imprescritível. É cabível quando o proprietário é totalmente privado do seu bem (perda da posse).
Discute-se propriedade e não posse. Vencerá a ação quem provar a propriedade do bem. Se ainda
não ocorreu a perda da posse, mas mera turbação, o proprietário pode ingressar com a ação
negatória, que é uma ação de caráter defensivo para se obter a cessação da turbação. Se houver
fundado receio da ocorrência de prejuízo a ser causado pelo prédio vizinho, o proprietário pode
ingressar com ação preventiva, denominada ação de dano infecto. Observe-se a correlação entre
essas três ações petitórias (reivindicatória, negatória e dano infecto) e as ações possessórias
(reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório). O proprietário pode também
ingressar com as ações possessórias. Pode também propor ação declaratória positiva ou negativa a
fim de obter uma sentença que torne incontroverso seu direito de propriedade, eliminando a
dúvida. Enquanto na ação reivindicatória o proprietário visa reaver a posse da coisa, pressupondo,
portanto, a perda da posse, na ação declaratória, o proprietário, embora se mantendo na posse do
bem, quer tornar incontroverso seu direito de propriedade.

Quando todos esses poderes (usar, gozar, dispor e reaver) se acham reunidos nas mãos de um
único titular fala-se em propriedade plena ou perfeita ou alodial. A propriedade presume plena e
exclusiva até prova em contrário (artigo 1231 do CC). Havendo desmembramento de um ou de
alguns desses atributos a favor de outra pessoa, conservando o proprietário os demais atributos,
fala-se em propriedade limitada ou restrita, tal como ocorre no usufruto. Propriedade limitada é a
que tem ônus real ou é resolúvel. Essa classificação decorre da elasticidade do direito de
propriedade (possibilidade de se desmembrar da propriedade um ou alguns dos seus atributos e de
retornar automaticamente esses atributos tão logo venha a cessar a causa do desmembramento).
Assim, morto o usufrutuário, os poderes de usar e gozar retornam ao nu-proprietário,
consolidando-se a propriedade, que de limitada passa a ser plena.

CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito de propriedade é absoluto, exclusivo e irrevogável:


a) absoluto porque oponível erga omnes; e também porque o proprietário pode usar, gozar e
dispor da coisa como bem entender. Na verdade, porém, o direito de propriedade sofre tantas
restrições, impostas no interesse público e no interesse privado, que não é mais tão absoluto.
Vejamos algumas restrições: 1) desapropriação; 2) requisição em caso de perigo público iminente;
3) coisa tombada (o dono não pode destruí-la, pintá-la ou restaurá-la sem autorização da
autoridade competente); 4) doação universal (é proibida – art. 548 do CC); 5) direito de vizinhança

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etc. Modernamente, a propriedade tem função socioambiental. O direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que seja
preservados conforme lei especial o meio ambiente (flora, fauna, patrimônio histórico e artístico,
águas, etc.). O STJ já decidiu que o novo proprietário é obrigado a fazer a recuperação ambiental
mesmo não sendo o causador do dano, pois a reserva florestal é uma obrigação propter rem. O
Código Civil, ao contrário do direito romano, limita o direito de propriedade do solo à altura ou
profundidade úteis ao proprietário, não podendo este se opor a trabalhos ou empreendimentos de
terceiros a uma altura ou profundidade que não lhe prejudique (art. 1.229 do CC). A propriedade do
solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais e potenciais de energia hidráulica, os
monumentos arqueológicos e outros bens referidos em lei especial. As jazidas e demais recursos
minerais constituem propriedade distinta do solo para efeito de exploração ou aproveitamento;
não pertencem ao proprietário, mas sim à União (art. 176 da CF/1988). A avaliação da indenização
devida ao proprietário do solo em razão de alvará de pesquisa mineral é no juízo estadual da
situação do imóvel, conforme 238 do STJ. O proprietário do solo tem o direito de explorar os
recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não se submeta a
transformações industriais. Exemplo: venda de areia, desde que não prejudique o meio ambiente.
O § 2º do artigo 1228 do CC proíbe os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade
ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
b) exclusivo porque o proprietário é o único que pode exercer os poderes de propriedade
sobre a coisa, podendo impedir a interferência de terceiros. A mesma coisa não pode pertencer
com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. No condomínio, essa exclusividade
sobre o todo é exercida em conjunto pelos condôminos; o direito de propriedade é um só, tendo
cada um dos consortes uma parte ideal da coisa indivisível (divisão abstrata). No tocante a essa
parte ideal, o direito do condômino é absoluto, exclusivo e perpétuo. É possível, porém, o
desmembramento da propriedade quando se transfere a terceiros alguns dos seus atributos (v.g.,
usufruto);
c) irrevogável ou perpétuo porque tem duração ilimitada; é transmissível com a morte e não cessa
pelo não-uso. Os únicos direitos reais perpétuos (transmissíveis post mortem) são: o direito de
propriedade (salvo a propriedade resolúvel, que é temporária) e a enfiteuse. A servidão também é
perpétua no sentido de ser transmissível post mortem, porém cessa com o não-uso durante 10 anos
consecutivos. Já a propriedade intelectual (direito autoral) é temporária no que tange à sua exploração
econômica exclusiva, e perpétua no concernente aos direitos morais (paternidade da obra).

PROPRIEDADE URBANA E RURAL

A distinção reside na destinação dada à coisa, independentemente de sua localização. Imóvel


rural ou rústico é o que se destina à exploração extrativa, agrícola ou pecuária ou agroindustrial,
pouco importa se situado em zona urbana ou rural. Não se destinando a essas atividades, o imóvel
é urbano.

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

Pode a propriedade ser adquirida pelos seguintes modos: registro do título, acessão,
usucapião, direito hereditário (sucessão causa mortis, regulada pelo direito das sucessões).
Mas, além desses quatro modos, há ainda outros: casamento sob o regime de comunhão
universal, sentença em ação de reivindicação e desapropriação.

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AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DO TÍTULO

A Lei 6.015/1973 usa indistintamente a palavra registro para abranger os casos de transcrição
e inscrição. Transcrição é o registro do título aquisitivo da propriedade. Inscrição é o registro de
certos atos como a hipoteca e outros direitos reais limitados. Averbação é a anotação no registro
de certos dados ou alterações. Matrícula é o ato realizado por ocasião do primeiro registro de cada
imóvel.
A transcrição do título é a tradição solene. No Brasil, o simples contrato não transfere o
domínio; é preciso a transcrição do título no Cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel
para que se adquira a propriedade, entre vivos. Enquanto não se registrar o título translativo, o
alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Em contrapartida, enquanto não se
promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. Acrescente-se, ainda, que
o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o
prenotar no protocolo. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar
que se retifique ou anule. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel,
independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente (parágrafo único do art. 1.247 do
CC).
Em regra, só o registro do título gera transmissão da propriedade imóvel; sem ele a pessoa
não é proprietária. Há, porém, certos casos em que o registro do título não funciona como ato
transmissor da propriedade, mas sim como ato declaratório de sua disponibilidade, v.g., o formal
de partilha e usucapião. Efetivamente, com a morte já existe o direito de propriedade dos
herdeiros, mas sem o registro do formal de partilha os herdeiros não podem alienar os bens, em
razão do princípio da continuidade dos Registros Públicos.
O registro é ato unilateral, sem prazo certo para sua realização. Com o contrato, o adquirente está
implicitamente autorizado a fazer o registro em seu nome. Assim, o adquirente pode registrar o título
após a morte do alienante. Qualquer interessado (v.g., o credor) pode promover o registro.
Se houver dois registros do mesmo imóvel, prevalecerá o que foi protocolado primeiro (art.
1.246 do CC). O registro deve ser feito no Cartório da situação do imóvel; se o imóvel se situar em
várias comarcas o registro deve ser feito em todas elas.

São atributos do registro:


➢ princípio da publicidade: qualquer interessado tem acesso ao registro,
devendo o oficial fornecer certidão a quem a pedir;
➢ princípio da legalidade: significa que se há registro é porque o título não
contém irregularidade, pois já foi examinado (conferido);
➢ princípio da continuidade: só é possível o registro se houver registro anterior
em nome do alienante;
➢ princípio da fé pública: presume-se pertencer o direito real à pessoa que
consta do registro. Essa presunção é relativa (juris tantum);
➢ princípio da obrigatoriedade: somente o registro transfere a propriedade nos
negócios jurídicos inter vivos.

AQUISIÇÃO POR ACESSÃO

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A acessão contínua ocorre quando uma coisa se une à outra por força externa. A acessão
discreta ocorre quando a união se dá por força interna da própria coisa, v.g., os frutos. O Código
Civil refere-se à acessão contínua.
Na acessão, a coisa acessória (acedente) se une à principal (coisa acedida). O proprietário da
coisa principal adquire a propriedade da coisa acessória.
A acessão pode ser:
a) por obra da natureza: a união provém da força da natureza, sem a intervenção do homem.
São as seguintes: aluvião, avulsã, álveo abandonado e formação de ilhas;
b) industrial ou artificial: a união é produzida pelo homem. São as construções de obras;
c) mistas: a união provém da conjugação da força da natureza e da intervenção do homem.
São as plantações.

Aluvião é o acréscimo vagaroso e imperceptível de um trecho de terra que o rio anexa às


margens de um terreno. A aluvião formada nas bordas de águas públicas ou dominiais é
considerada bem público (arts. 16 e 17 do Código de Águas – Decreto 24.643/1934). Formando-se à
margem das correntes comuns ou das correntes públicas de uso comum, pertence ao proprietário
marginal. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-
se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem. O proprietário que
teve o terreno diminuído não tem direito à indenização (fato fortuito). A aluvião pode ser: própria
(é a que se forma com os acréscimos nos terrenos marginais do rio) e imprópria (quando parte do
álveo se descobre em razão do afastamento ou desvio das águas). Reputa-se formada a aluvião
desde que ultrapasse o nível das águas, na época das grandes cheias. Aluvião é obra da natureza,
não podendo ser produzida pelo homem. O Poder Público pode impedir a aluvião e a formação de
ilhas, mediante drenagem e limpeza das margens.
Avulsão é o desprendimento repentino de um trecho de terra por força das águas. É diferente
da aluvião em que o acréscimo de terra é vagaroso, imperceptível, sem que se possa saber a quem
pertenciam as terras trazidas pelas águas. A avulsão pode ser por justaposição (porção de terra de
um imóvel se destaca e adere a outro imóvel) ou por superposição (a porção de terra vai parar no
solo de outro imóvel). O proprietário que sofre avulsão tem um ano (prazo decadencial) para
reclamar a remoção da parte desmembrada; ele não pode pedir indenização (fato fortuito). O
proprietário beneficiado pode escolher entre concordar com a remoção ou pagar o valor da porção
de terra, sem outras indenizações.
Ao desmoronamento de morro ou montanha aplicam-se as mesmas regras da avulsão.
Todavia, se a coisa não for suscetível de aderência natural não há avulsão, mas sim coisa achada,
v.g., furacão lança roupas do varal ao imóvel, o proprietário do imóvel deve restituí-las ao dono,
aplicando-se por analogia o disposto no art. 1.234 do CC.
Álveo abandonado (arts. 9.º, 10 e §§ 1.º e 2.º, do Código de Águas – Decreto 24.643/1934). O
álveo definitivamente abandonado pelo rio, quer seja público ou particular, pertence aos
proprietários ribeirinhos das duas margens, seguindo a linha mediana que o dividir em duas partes
iguais, tal como a repartição de ilha. Nenhuma indenização é devida aos donos dos terrenos por
onde as águas abriram novo leito (força maior). Se o rio volve ao antigo leito recompõe-se a
situação dominial anterior. Evidente que, se o desvio se deu por obra pública, o dono do imóvel
atravessado pelo novo álveo tem direito à indenização, mediante desapropriação, mas o álveo
abandonado, neste caso, pertencerá ao Poder Público para compensá-lo das despesas feitas.
Qual a diferença entre aluvião imprópria e álveo abandonado? Na aluvião apenas parte do
álveo se descobre em razão do afastamento das águas. No abandono do álveo há total e
permanente abandono do antigo leito, isto é, o leito do rio fica inteiramente descoberto.

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FORMAÇÃO DE ILHAS

Só pertencem aos particulares as ilhas que emergirem em rios particulares, isto é, não
navegáveis (arts. 1.249 do CC e 23 do Código de Águas). No mar territorial, a ilha pertencerá à
União. Em alto-mar, pertencerá ao primeiro país ocupante. Em rios navegáveis ou que banhem
mais de um Estado pertencerá ao Poder Público a quem tais correntes pertencerem.
As ilhas que se formam no meio do rio pertencem aos proprietários ribeirinhos de ambas as
margens na proporção de suas testadas. As que se formam entre a referida linha e uma das
margens pertencem aos proprietários ribeirinhos desse lado. As ilhas que se formam pelo
desdobramento de um novo braço do rio pertencem aos proprietários dos terrenos às custas dos
quais se constituíram.
As ilhas previstas no artigo 20, IV, da CF são da União, outras ilhas pertencem ao Município.

CONSTRUÇÕES E PLANTAÇÕES (arts. 1.253 a 1.259 do CC)

Em regra, toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo


proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário (art. 1.253 do CC). Se o proprietário planta
com semente alheia ou constrói com material alheio, em terreno próprio, adquire a propriedade
destas; mas, se agiu de má-fé, fica obrigado a pagar-lhes o valor e as perdas e danos (art. 1.254 do
CC); se agiu de boa-fé, fica obrigado apenas a pagar o valor da semente ou do material.
Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as
sementes, plantas e construções (art. 1.255 do CC). Se, porém, agiu de boa-fé, terá direito à
indenização. Em contrapartida, se estava de má-fé, poderá ser compelido a repor as coisas no
estado anterior, pagando todos os prejuízos que causou.
Por outro lado, o princípio de que o acessório segue o principal sofreu algumas modificações
no Código Civil de 2002, na hipótese de a plantação ou construção exceder consideravelmente o
valor do terreno. É a chamada acessão inversa ou invertida. Com efeito, dispõe o parágrafo único
do art. 1.255 do CC que “se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do
terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”. O aludido dispositivo só se
aplica às acessões, isto é, construções ou plantações novas, não abrangendo as benfeitorias, que
são os melhoramentos em coisas já existentes. Nesse aspecto, cumpre distinguir acessão industrial
(construções e plantações) e benfeitorias. Benfeitorias são as despesas feitas em coisa já existente,
com o fito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Acessões são obras que criam coisas novas.
Benfeitorias são reparações, reconstruções em obra já existente. Construção em terreno vazio é
acessão. Reforma da casa ou construção de edícula é benfeitoria.
Se a construção ou plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, mas ambas as
partes estiverem de má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo
ressarcir o valor das acessões (art. 1.256 do CC). Presume-se a má-fé do proprietário, quando o
trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua (parágrafo único
do art. 1.256 do CC). Tal situação, há de se presumir a boa-fé do edificador ou lavrador, diante do
consentimento tácito do proprietário.
Quando terceiro de boa-fé planta ou edifica com semente ou material de outrem, em terreno
igualmente alheio, a construção ou a plantação passa a pertencer ao proprietário do solo, mas o
dono da semente ou dos materiais poderá cobrar do proprietário a indenização devida, quando não
puder havê-la do plantador ou construtor (art. 1.257 e seu parágrafo único do CC).

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Por outro lado, se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em
proporção não superior HJ adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido,
se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente,
também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente (art. 1.258 do CC).
Quanto ao construtor de má-fé, poderá também adquirir a propriedade da parte do solo invadido
em proporção não superior à vigésima parte, desde que: a) efetue o pagamento em décuplo das
perdas e danos; b) o valor da construção exceda consideravelmente o da parte invadida; c)
impossibilidade de se demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Esses
requisitos, que são cumulativos, encontram-se no parágrafo único do art. 1.258 do CC. Alguns
civilistas acrescentam mais um requisito, que é a necessidade de proteger terceiro de boa-fé.
Acrescente-se, ainda, que se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo exceder à
vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido e responde por perdas e
danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da
desvalorização da área remanescente (art. 1.259, 1.ª parte, do CC). Denota-se que a construção
passa a ser o principal e o solo o acessório. Se, porém, o construtor estiver de má-fé, será obrigado
a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro
(art. 1.259, 2.ª parte, do CC).

PERDA DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O art. 1.275 do CC aponta as seguintes causas de perda da propriedade: alienação, renúncia,


abandono, perecimento do imóvel e desapropriação. Mas, além dessas, há outras: usucapião,
morte, confisco, posse pro labore ou posse-trabalho, requisição administrativa da propriedade
particular etc. No caso de alienação e renúncia, a perda só se dá com o registro no Registro de
Imóveis (parágrafo único do artigo 1275 do CC).
Alienação é o ato pelo qual o proprietário transfere a propriedade a outra pessoa. Pode ser
gratuita (doação), onerosa (compra e venda), voluntária (ex.: dação em pagamento) e compulsória
(desapropriação e adjudicação). A perda da propriedade se dá no momento da transcrição do título
aquisitivo.
Renúncia é o ato unilateral pelo qual o proprietário expressamente abre mão do direito de
propriedade. Para produzir efeitos a renúncia precisa ser registrada no Registro Imobiliário
(parágrafo único do art. 1.275 do CC). Não existe renúncia tácita. De acordo com Maria Helena
Diniz, a renúncia deve ser feita em favor de terceira pessoa, que não precisa manifestar sua
aceitação, data venia, esse ato não é renúncia e sim doação.
Abandono ou derrelição (res derelicta) é o ato unilateral pelo qual o proprietário larga a coisa
com intenção de abandoná-la (animus derelinquendi). Se o abandono for tácito é preciso ficar bem
evidenciada a intenção do abandono. Mera negligência não é abandono. A casa pode permanecer
fechada e nem por isso haverá abandono. O imóvel abandonado é bem vago e passa ao domínio do
Poder Público três anos depois. Se o imóvel abandonado for urbano, pertencerá ao Município ou ao
Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. Se estiver situado em zona rural,
pertencerá à União, onde quer que ele se localize (art. 1.276 e § 1.º do CC). Presumir-se-á de modo
absoluto a intenção de abandonar o imóvel, quando, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais (§ 2.º do art. 1.276 do CC). Anote-se, contudo, que
enquanto não decorrer o prazo de três anos não haverá a perda da propriedade, podendo o titular
da propriedade reaver o bem de terceiros. O abandono só se configura após o decurso deste prazo.
Só pode ser arrecadado como bem vago se presentes os seguintes requisitos: a) cessar a posse do
proprietário; b) o bem não se encontrar na posse de outrem; c) decurso do prazo de três anos.

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Enquanto na renúncia o proprietário expressamente abre mão do direito de propriedade,


exigindo a transcrição no Registro Imobiliário, no abandono, o proprietário apenas larga o que é seu
(derrelição da coisa) com o propósito de não a ter mais para si (animus derelinquendi), ele abre mão
tacitamente do direito de propriedade. Saliente-se, ainda, que, de acordo com Maria Helena Diniz,
a renúncia deve ser feita em favor de alguém, ao passo que no abandono o proprietário não
especifica o beneficiário. Abandono de coisa móvel confunde-se com renúncia, não há diferença.
Perecimento. Ex.: a casa definitivamente tomada pelas águas do mar.

POSSE PRO LABORE OU POSSE-TRABALHO

Dispõe o § 4.º do art. 1.228 do CC: “O proprietário também pode ser privado da coisa se o
imóvel urbano ou rural reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé,
por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado,
em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante”. Acrescenta o § 5º que “O juiz fixará a justa indenização devida ao
proprietário; pago o preço valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores”. A indenização não abrange juros compensatórios, pois esta desapropriação não é
feita pelo poder público. Trata-se de uma hipótese de desapropriação privada judicial, baseada no
princípio da função social da propriedade. Logo não há qualquer inconstitucionalidade em razão da
violação da propriedade, que não é um direito absoluto. O registro da sentença só é feito após o
pagamento no prazo fixado pelo juiz. Sem o pagamento não se registra a sentença, salvo se
prescrever a ação de cobrança. Distingue-se do usucapião, pois este não é indenizável. O Código é
omisso sobre quem tem a obrigação de indenizar o proprietário. Cremos que a indenização deva
ser paga pelos reivindicantes. Não tem cabimento atribuir esta obrigação ao Município da situação
do bem, por força do princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Todavia, há quem entenda
que o Estado deve indenizar quando se tratar de ocupantes de baixa renda. Preceitua o art. 2.030
das Disposições Transitórias do Código Civil que o prazo de cinco anos deve sofrer o acréscimo de
mais dois anos, após a entrada em vigor do novo Código, se a situação que lhe deu origem teve
início antes da vigência do novo Código ou durante a vacatio legis.
É necessária a intervenção do Ministério Público no processo, tendo em vista a presença de
interesse coletivo. A ação reivindicatória movida pelo proprietário deve ser julgada improcedente
quando os réus alegarem e comprovarem os requisitos da desapropriação privada judicial. Vê-se
assim que a desapropriação judicial é matéria de defesa em ações reivindicatórias ou possessórias.
Quanto aos bens públicos, não podem ser objetos de usucapião e por isso não se submetem à
desapropriação privada judicial, mas uma corrente admite tanto o usucapião quanto essa
desapropriação em relação às terras devolutas.

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MOBILIÁRIA

A aquisição da propriedade de coisa móvel pode se dar pela ocupação, especificação,


comistão, confusão, adjunção e tradição. Há, ainda, outros modos: sucessão hereditária, usucapião
etc.
A ocupação apresenta-se sob três formas:

a) ocupação propriamente dita: é a apropriação de res nullius (coisa que jamais teve dono,
v.g., caça, pesca) ou res derelictae (coisa abandonada ou renunciada pelo dono). Quem se
assenhorear de coisas sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação

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defesa por lei (artigo 1263 do CC). Coisas públicas de uso comum podem ser apropriadas em parte,
mas não no todo. Exemplo: quem recolhe água do rio torna-se dono. Não existe ocupação de
imóvel porque todas as terras têm dono; o imóvel abandonado pertence ao Poder Público; inexiste
imóvel que seja res nullius. O único caso de aquisição de imóvel por ocupação ocorre no
loteamento, quando, desde a data do registro do loteamento, o Município adquire, mediante
ocupação, o domínio das ruas e praças abertas para servirem a lotes vendidos (art. 22 da Lei
6.766/1979). Dá-se o nome de res hostilis à ocupação bélica, matéria relacionada ao direito
internacional público.
b) descoberta (ou invenção, conforme denominava o Código Civil de 1916): é o achado de
coisa perdida (art. 1.233 do CC). O descobridor (aquele que acha a coisa) não adquire a
propriedade; ele deve devolver a coisa ao dono ou legítimo possuidor e não o conhecendo deverá
tentar encontrá-lo e se não conseguir deverá entregar para a autoridade competente (arts. 1.233,
parágrafo único, do CC, e 169, parágrafo único, II, do CP); tem direito à recompensa pelos gastos
que fez para devolver e conservar a coisa; esta recompensa é denominada achádego; se passados
sessenta dias não aparecer o dono, a coisa passa a pertencer ao Estado e será vendida em hasta
pública. É importante destacar que “Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo
antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a 5% (cinco por cento) do seu valor, e à
indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono
não preferir abandoná-la” (art. 1.234, caput, do CC). Outrossim, “Na determinação do montante da
recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o
legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de
ambos” (parágrafo único do art. 1.234 do CC). “O descobridor responde pelos prejuízos causados ao
proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo” (art. 1.235 do CC). “A
autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de
informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar” (art. 1.236 do CC).
“Decorridos 60 (sessenta) dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se
apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e,
deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao
Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido” (art. 1.237, caput, do CC). “Sendo de
diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou” (parágrafo único
do art. 1.237 do CC).
c) tesouro: é o depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não se guarde
memória. O tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o inventor que o
encontrou casualmente (art. 1.264 do CC). Todavia, o tesouro pertencerá por inteiro ao
proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não
autorizado (art. 1.265 do CC). Achando-se em enfiteuse, o tesouro será dividido por igual entre o
descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor (art.
1.266 do CC). O usufrutuário tem direito à metade do tesouro quando se tratar de usufruto
universal, a outra metade pertence ao inventor, mas no usufruto particular metade do tesouro
pertence ao nu- proprietário a outra ao inventor, conforme §3º do artigo 1392 do CC.

Especificação é a transformação de coisa móvel em espécie nova, em virtude do trabalho ou


da indústria, desde que não seja possível reduzi-la à forma primitiva. Exemplo: o escultor que da
pedra cria a estátua. Se o especificador lança mão de matéria-prima alheia a quem pertencerá a
coisa? O especificador é dono: a) quando a matéria-prima lhe pertença, ainda que em parte
somente (art. 1.269 do CC), pouco importa esteja de boa ou má-fé; b) quando a matéria-prima é
alheia, mas o especificador se achar de boa-fé (art. 1.270 do CC). Em ambas as hipóteses, o

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especificador só será o dono da espécie nova, se esta não puder voltar à forma primitiva, caso
contrário, o objeto novo pertencerá ao dono da matéria-prima. Se o especificador agiu de má-fé o
objeto novo pertencerá ao dono da matéria-prima, quer seja ou não passível a redução à forma
primitiva. Em qualquer caso, haja ou não boa-fé, se o preço da mão-de-obra exceder
consideravelmente o valor da matéria-prima, o objeto novo será do especificador (art. 1.270, § 2.º,
do CC), que apenas terá que indenizar o valor do material que empregou (Washington de Barros
Monteiro).

➢ Acessão é a junção, incorporação de uma coisa a outra;


➢ Especificação é a transformação de matéria-prima em espécie nova.
➢ Confusão é a mistura entre líquidos.
➢ Comistão é a mistura entre coisas sólidas. O artigo 1272 comete erro gráfico,
faz menção a comissão, mas o correto é comistão.
➢ Adjunção é quando uma coisa se justapõe a outra e não pode mais ser
separada. Exemplo: tinta na parede.

Sobre a confusão, comistão e adjunção, dispõe o art. 1.272 e parágrafos do CC que “as coisas
pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles,
continuam a pertencer-lhes, sendo possível separá-las sem deterioração”. O § 1.º dispõe que “Não
sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo,
cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a
mistura ou agregado”. O § 2.º, por sua vez, determina que “Se uma das coisas puder considerar-se
principal, o dono sê-lo-á do todo, indenizando os outros”.
De acordo com o art. 1.273 do CC, “Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à
outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a
indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado”.
Se da mistura surgir espécie nova, como na hipótese de surgir um novo mineral pela mistura de
minerais, aplica-se as normas da especificação (artigos 1269 a 1271 do CC). O artigo 1274 se equivoca
ao mandar aplicar os artigos 1272 e 1273, que nada tem a ver com a especificação.

Tradição é o ato de entrega da coisa ao adquirente com o intuito de transferir-lhe a


propriedade. Simples entrega não é tradição; é preciso intenção de transferir o domínio da coisa.
Quem entrega é o tradens. A tradição só transfere a propriedade quando feita pelo proprietário.
Aquisição a non domino é negócio inexistente em face do proprietário; se, porém, este ratificar o
negócio, ou se o vendedor se tornar proprietário, o ato se convalesce se o adquirente estava de
boa-fé (§ 1.º do art. 1.268 do CC). Igualmente, a tradição feita por quem não seja proprietário só
produz efeito quando a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for
transferida ao adquirente de boa-fé (art. 1.268, caput do CC). Outra exceção é a alienação onerosa
feita pelo herdeiro aparente, que não é proprietário, mas a propriedade é transferida, por força do
artigo 1817 do CC. Acrescente-se, ainda, que a tradição realizada por quem não é dono configura
crime de estelionato (art. 171, § 2.º, I, do CP), além disso, não gera a transmissão da propriedade.
A propriedade da coisa não se transfere pelo negócio jurídico, e sim pela tradição (artigo 1267
do CC). O §2º salienta que não transfere a propriedade a tradição que tem por título um negócio
jurídico nulo.
A tradição pode ser: real, simbólica e ficta.
A tradição é real quando há a efetiva entrega da coisa pelo alienante ao adquirente ou ao
terceiro designado pelo adquirente.

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Simbólica ou presumida ou consensual é a tradição em que há um ato que representa a


entrega da coisa. A entrega não é real. Exemplo: entrega das chaves do imóvel vendido. Outro
exemplo é a venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título
representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos
(art. 529 do CC).
Tradição ficta ou jurídica é a decorrente do constituto possessório ou cláusula constituti
(tradição convencional); a tradição jurídica se opera por força de lei, sem a entrega material.
Como regra geral, é pela tradição, e não pelo contrato, que se opera a transferência do
domínio (art. 1.267 do CC).

Exceções:

1. alienação fiduciária (Dec.-lei 911/1969). Há, porém, quem sustente a ocorrência da tradição
ficta;
2. na compra e venda de títulos da dívida pública, a celebração do contrato transfere
imediatamente ao comprador a propriedade do título (art. 8.º do Dec.-lei 3.545/1941);
3. na compra da coisa de que já tinha a posse;
4. no matrimônio realizado sob o regime de comunhão universal, onde a transferência do
domínio efetua-se independentemente da tradição; decorre do próprio casamento (art. 1.667 do
CC);

PROPRIEDADE RESOLÚVEL OU REVOGÁVEL

Propriedade resolúvel ou revogável é aquela que se extingue se ocorrer certa condição ou


termo extintivo, previsto no próprio título que a constituiu. Exemplo: contrato de compra e venda
com pacto de retrovenda, pelo qual o vendedor pode reaver o imóvel alienado, dentro de três
anos, mediante a devolução do preço e reembolso das despesas contratuais. O proprietário
resolúvel é dono da coisa enquanto não ocorrer o termo ou a condição extintiva, podendo vendê-
la, doá-la e hipotecá-la; só não pode destruí-la. A propriedade resolúvel é temporária. Trata-se de
uma exceção à perpetuidade do direito de propriedade.
Ocorrida a condição ou termo extintivo revoga-se (extingue-se) seu direito de propriedade. A
revogação é ex tunc, isto é, desde a prática do ato. É o princípio da retroatividade das condições; é
como se ele nunca tivesse sido proprietário; o proprietário terá direito de reivindicar a coisa ainda
que alienada a terceiros, pois todos os direitos reais concedidos medio tempore são extintos (art.
1.359 do CC). A venda e a hipoteca são válidas, mas ineficazes perante o proprietário; o terceiro
adquirente do bem terá apenas direito à indenização contra o proprietário resolúvel.
Outros exemplos de propriedade resolúvel: fideicomisso, doação com cláusula de reversão em
que o bem volta para o doador no caso de morte do donatário e alienação fiduciária em garantia.

PROPRIEDADE AD TEMPUS

Propriedade ad tempus (art. 1.360 do CC) é aquela que se extingue em virtude de causas
supervenientes não previstas no título. Exemplo: revogação da doação por ingratidão. É espécie de
propriedade resolúvel. Todavia, o possuidor que a adquirir antes da causa de extinção será
considerado proprietário perfeito, não perderá o bem.
Enquanto na propriedade resolutiva a causa extintiva consta no próprio título aquisitivo da
propriedade, na propriedade ad tempus a causa extintiva é estranha ao título. Na propriedade

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resolutiva a revogação é ex tunc. Na propriedade ad tempus a revogação é ex nunc, isto é, desde


agora; logo, serão válidas as alienações e ônus, recaídos sobre o imóvel. Assim, a ingratidão revoga
a doação, extinguindo-se o direito de propriedade. Entretanto, será válida a alienação ou hipoteca
feita pelo donatário ingrato antes da sentença que lhe reconhece a ingratidão, ressalvando-se ao
doador o direito à indenização contra o donatário.
Na propriedade resolutiva, a pessoa a quem aproveita a revogação tem ação real, isto é,
direito de sequela (poderá reaver a coisa, esteja em poder de quem quer que seja); na propriedade
ad tempus, se a coisa não puder ser restituída em espécie, por ter sido alienada, a ação será pessoal
(não poderá reaver a coisa, devendo se contentar com a mera indenização).

DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS

INTRODUÇÃO

Enquanto o direito de propriedade ou domínio incide sobre coisa própria (jus in re propria), os
demais direitos reais incidem sobre coisa alheia (jus in re aliena).
Os direitos reais sobre coisas alheias nascem do desmembramento do direito de propriedade.
São três as espécies:

a) direitos reais limitados de gozo ou fruição: enfiteuse, superfície, servidão, usufruto, uso,
habitação, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito real de uso.
b) direitos reais de garantia: penhor, hipoteca, anticrese, alienação fiduciária em garantia e
cessão fiduciária de direitos creditórios oriundos do contrato de alienação de imóveis, previsto na
lei 9.514/97. Na verdade, a alienação fiduciária é um direito real sobre coisa própria, pois o titular é
o proprietário do bem.
c) direito real de aquisição: compromisso irretratável de compra e venda.

Os direitos reais sobre imóveis, por ato inter vivos, só se constituem com o registro (art.
1.227). O usufruto legal (decorrente do direito de família), o usufruto sobre coisas móveis, o uso
sobre coisas móveis e a habitação legal (decorrente do direito de família) dispensam, porém, o
registro. Os direitos reais sobre bens móveis, por ato inter vivos, dispensam o registro, eles se
constituem com a tradição (art. 1.227).
Os direitos reais, por ato causa mortis ou herança, se constituem a partir da morte, antes,
portanto, do registro. O formal de partilha deve ser registrado para eventual alienação do direito.

DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO

SUPERFÍCIE OU CONCESSÃO DE USO DE SUPERFÍCIE

CONCEITO

É o direito real pelo qual o proprietário do imóvel atribui a outrem o poder de construir ou de
plantar em seu terreno urbano ou rural.
O superficiário não é dono, mas tem sobre a coisa alheia o direito de construir ou plantar. O
Código Civil não prevê a superfície por cisão, que é a atribuída para o terceiro conservar, reformar
ou ampliar a construção já existente, mas o estatuto da cidade não limita o direito real de superfície

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à construção ou plantação, ao contrário do Código Civil, e por isso uma corrente admite a superfície
por cisão, com base no princípio da taxatividade elástica dos direitos reais, outra nega a
possibilidade, por força do princípio da taxatividade dos direitos reais, que só pode ser instituído
nas hipóteses que a lei autoriza.

OBJETO

O direito de superfície pode recair sobre imóvel urbano ou rural. Impossível a sua constituição
sobre bem móvel.
O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da
concessão (parágrafo único do art. 1.369 do CC), como, por exemplo, uma concessão para
construir. A utilização do subsolo ou espaço aéreo, além dos limites do objeto da concessão, só é
possível mediante cláusula expressa. Quanto ao espaço aéreo, o parágrafo único é omisso, mas a
sua utilização é possível, como salienta Joel Dias Figueira Júnior, dentro dos limites definidos no
contrato para as plantações ou construções, ou seja, é possível desde que em sintonia com o objeto
da concessão.

SERVIDÃO

CONCEITO

“É o direito real constituído em favor de um prédio (o dominante), sobre outro prédio (o


serviente), pertencente a dono diverso” (Lafayette).

PRINCÍPIOS

A servidão é regida pelos seguintes princípios:

a) não há servidão sobre coisa própria (neminem res sua servit). De fato, pertencendo os dois
prédios ao mesmo proprietário, este poderá utilizar a coisa como bem quiser, tornando-se inócua a
idéia jurídica de servidão. O que pode ocorrer é uma mera serventia entre os prédios.
b) a servidão é uma relação entre dois prédios. Evidentemente, toda relação jurídica se
estabelece entre pessoas, e não entre coisas, que são meros objetos de direito. O que se quer dizer
com a assertiva “servidão é relação entre dois prédios” é que a servidão se transmite a quem quer
que seja o titular do prédio dominante e onera a quem quer que seja o proprietário do prédio
serviente. Com a alienação dos prédios persiste a servidão, pois se trata de direito real (adere à
coisa e a acompanha). O proprietário do prédio dominante é automaticamente o titular da
servidão. Aliás, como observa Silvio Rodrigues, “as obrigações do proprietário do prédio serviente
são propter rem, isto é, decorrem da relação da pessoa com a coisa, seguem esta última vinculando
seu dono, seja ele quem for”.
c) a servidão envolve uma obrigação negativa. Assim, o proprietário do prédio serviente fica
obrigado a tolerar o uso de seu prédio pelo dono do prédio dominante. É nítida, porém, a distinção
entre servidão e obrigação de não fazer. Servidão só se constitui se inscrita no Registro Imobiliário.
E, tratando-se de direito real que grava o imóvel, em face do direito de sequela, subsiste, ainda que
haja alienação da propriedade. Já a obrigação de não fazer é vínculo pessoal entre credor e
devedor, extinguindo-se a obrigação na hipótese de alienação do imóvel sobre o qual incidia a

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abstenção. Assim, por exemplo, a estipulação por via da qual o proprietário se obriga a não edificar
além de certa altura para não interceptar a vista do vizinho, pode constituir servidão (se houver
intenção de criá-la seguida de inscrição no Registro Imobiliário) ou mera obrigação de não-fazer.
d) a servidão não se presume (art. 1.378, 2ª parte, do CC). Quem alega servidão tem o ônus da
prova. Na dúvida, o juiz decide contra a servidão. A servidão só se constitui pelos modos previstos
na lei, seguida da inscrição no Registro Imobiliário. Os atos de mera tolerância são precários,
podendo ser revogados a qualquer tempo, pois não geram servidão. Assim, não há servidão se um
vizinho por mera cortesia permite que o outro transite pelo seu quintal; a servidão é interpretada
restritivamente, pois se trata de uma limitação ao direito de propriedade.
e) não se pode de uma servidão constituir outra. O dono do prédio dominante não pode
estender ou transferir a servidão para outras propriedades. Assim, por exemplo, concedida a
servidão para tirada de água não pode ampliá-la para irrigamento. Porém, dispõe o § 2.º do art.
1.385 do CC que nas servidões de trânsito ou de passagem a de maior inclui a de menor ônus, e a
menor exclui a mais onerosa. Por exemplo, se pode passar de veículo é porque também poderá
passar a pé, mas se a servidão é para passar a pé não poderá fazê-lo de veículo. Observe-se, porém,
que o dono do prédio serviente pode conceder novas servidões em favor de outros prédios, desde
que não prejudique as antigas servidões. Vale ressaltar que o § 3.º do art. 1.385 do CC, visando
estimular a produção, possibilita ao dono do prédio dominante exigir a ampliação da servidão,
mesmo contra a vontade do dono do prédio serviente, se o reclamarem as necessidades de cultura
ou de indústria daquele. Todavia, terá direito à indenização pelo excesso de encargo que suportará.
f) a servidão envolve, em regra, prédios vizinhos. Há porém, certos casos em que os prédios
não são vizinhos, embora um necessite do outro. Por exemplo, servidão de aqueduto, em que o
proprietário do prédio dominante tem o direito de passar a água por diversos prédios, dos quais só
um deles lhe é vizinho contíguo; assim a contiguidade entre os prédios não é requisito essencial da
servidão.
g) a servidão é indivisível, pois não se adquire nem se perde por partes. Não se pode instituir
servidão em favor da parte ideal do prédio dominante nem sobre parte ideal do prédio serviente. A
servidão é um todo único (direito indivisível), subsistindo integralmente, no caso de partilha, a favor
de cada um dos quinhões do prédio dominante, continuando, também, a gravar cada um dos
quinhões do prédio serviente. A ação proposta por um dos condôminos do prédio dominante
aproveita aos demais.

NATUREZA JURÍDICA

A servidão é um direito real imobiliário, perpétuo e inalienável:

a) direito real imobiliário: só há servidão sobre bens imóveis. Sua natureza e finalidade são
incompatíveis com as coisas móveis;
b) direito acessório: porque a existência da servidão depende da existência do direito de
propriedade. Servidão não tem existência autônoma;
c) direito indivisível;
d) direito inalienável: a servidão não pode ser alienada separadamente do prédio principal;
não pode ser objeto de transferência e nem de outros direitos reais. Por consequência, não pode
ser hipotecada e nem penhorada;
e) direito perpétuo: no sentido de durar indefinidamente, sendo, pois, transmissível post
mortem. Os direitos de propriedade e de enfiteuse também são perpétuos, não se extinguindo pelo
não uso, ao passo que o não uso durante 10 anos consecutivos é causa de extinção da servidão. É

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possível, também, constituição de servidão por tempo limitado, mediante convenção entre as
partes. É a chamada servidão ad tempus, que é a instituída sob termo ou condição, trata-se de
exceção à perpetuidade da servidão.

CLASSIFICAÇÃO

As servidões classificam-se em:

a) servidões contínuas: são aquelas que, uma vez estabelecidas, podem ser exercidas
independentemente de ato humano. Exemplo: servidão de passagem de água ou de energia
elétrica. Como se vê, as servidões contínuas são exercidas ininterruptamente;
b) servidões descontínuas: são aquelas cujo exercício depende de algum ato do proprietário
ou possuidor do prédio dominante. Exemplos: servidões de trânsito e de tirada de água;
c) servidões aparentes: são as que se revelam por obras exteriores. Essas servidões são
visíveis. Exemplo: servidão de aqueduto;
d) servidões não-aparentes: não são visíveis, pois não se revelam por obras exteriores.
Exemplo: não construir além de certa altura;

POSSE DAS SERVIDÕES

A posse dos direitos reais é denominada quase-posse. Como posse é a exteriorização da


propriedade, força convir que somente as servidões aparentes podem ser objeto de posse e, por
consequência, serem protegidas pelos interditos possessórios. Servidões não-aparentes, ainda que
contínuas, não podem ser objeto de posse.
As servidões descontínuas, desde que aparentes, como as servidões de passagem, podem ser
objeto de posse. Com efeito, dispõe a Súmula 415 do STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas
tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente,
conferindo direito à proteção possessória”.
O art. 1.213 do CC só nega a proteção possessória à servidão não-aparente. Esta servidão não
pode ser defendida pelos interditos possessórios, salvo quando o respectivo título provier do
possuidor do prédio serviente, ou daquele de quem este o houver.

USUFRUTO

CONCEITO

É o direito real de usar e fruir temporariamente de uma coisa alheia.


O usufrutuário não é dono, mas tem sobre a coisa alheia os atributos do uso, fruição,
administração e a posse direta. Ao proprietário resta a “nua propriedade”, isto é, o domínio
despojado do jus utendi e jus fruendi.
Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos
(art. 1392 do CC). Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o
usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente
em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da
restituição (§1º do art. 1.392).

INALIENABILIDADE DO USUFRUTO

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O usufruto é inalienável (art. 1.393 do CC). Há, porém, dois casos em que se admite a
alienação: a) o usufrutuário pode alienar o usufruto ao nu-proprietário (art. 1.410, VI, do CC); b)
usufruto impróprio (incide sobre coisa fungível e consumível). Em consequência da inalienabilidade
resulta a impenhorabilidade do usufruto. Aliás, nem por herança o usufruto é transmissível.
Conquanto inalienável, o usufrutuário pode ceder, a título oneroso ou gratuito, o exercício do
usufruto, isto é, o usufrutuário pode celebrar contrato de locação, comodato, arrendamento, etc,
mas lhe é vedado alterar a destinação econômica do bem sem anuência expressa do nu-
proprietário, sendo assim o usufrutuário não pode unilateralmente permitir que uma fazenda de
criação de gado se transforme em plantação. O exercício do usufruto pode ainda ser objeto de
penhora. O direito real de usufruto é impenhorável, mas o exercício do direito do usufruto é
penhorável, salvo quando se tratar de usufruto legal.

OBJETO

O usufruto pode recair sobre bens móveis, imóveis, patrimônio e direitos. Quando incide sobre
bens imóveis é necessário o registro no Cartório de Registro de Imóveis, salvo o usufruto legal. O
usufruto de bens móveis é adquirido com a mera tradição, sendo desnecessário o registro. O usufruto
que recai sobre o patrimônio ou parte alíquota de um patrimônio é chamado universal. O usufruto
pode, também, recair sobre direitos, como, por exemplo, usufruto sobre títulos de crédito, ações de
sociedades anônimas, direitos autorais, etc. o usufruto que recai sobre títulos de crédito confere ao
usufrutuário o direito de perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas (art. 1.395 do CC). O
dinheiro dessa cobrança deverá ser aplicada em títulos da mesma natureza ou em títulos da dívida
pública federal.

DIREITO REAL DE USO

É também denominado usufruto restrito ou usufruto anão ou usufruto reduzido. No direito


real de uso, tal como no usufruto, o usuário tem o jus utendi (usar) e o jus fruendi (percepção dos
frutos). No entanto, o jus fruendi é restrito a uma certa porção de frutos, tantos quantos bastem
para suas necessidades pessoais e das pessoas de sua família. As necessidades pessoais do usuário
são aferidas conforme sua condição social e o lugar onde viver. As necessidades da família do
usuário abrangem as de seu cônjuge, as dos filhos solteiros e as das pessoas de seu serviço
doméstico. Essas necessidades podem oscilar com o tempo, isto é, aumentar ou diminuir, conforme
a situação concreta (exemplo: o usuário concluiu uma faculdade e por isso aumentaram as suas
necessidades devido à ascensão social).
O direito real de uso pode recair sobre bens móveis (desde que infungíveis e inconsumíveis) e
imóveis, bem como sobre bens corpóreos ou incorpóreos (que são os direitos).
Enquanto o usuário serve-se da coisa na medida de suas necessidades pessoais e de sua
família (cônjuge, companheiro, filhos solteiros, pessoas do serviço doméstico, dependentes
econômicos que moram na mesma casa, etc), o usufrutuário retira da coisa todas as utilidades que
ela pode produzir, ainda que excedam a essas necessidades. Todavia, o direito real de uso não
abrange as necessidade empresariais do usuário.

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

É o direito real de residir ou abrigar-se, gratuitamente, sozinho ou com a família, em casa

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alheia. Para a constituição do direito real de habitação é necessário o registro do título no Registro
Imobiliário. É espécie de direito de uso restrito à casa de moradia. O imóvel não precisa servir
necessariamente de domicílio, isto é, residência com ânimo definitivo, basta que sirva como
moradia, que é a mera habitação.
Só recai sobre bens imóveis, ao passo que o usufruto e o uso também podem recair sobre
bens móveis. A casa alheia não pode servir para fins de comércio ou indústria. Deve ser utilizada
como moradia própria e de sua família, sob pena de extinção do direito real. Sendo vários os
titulares do direito de habitação, quem morar no imóvel não precisa pagar aluguel, todavia, não
poderá impedir que os outros também o habitem. Trata-se de um direito indivisível.
Tem por características:
a) é um direito real sobre coisa alheia. Os frutos do imóvel pertencem na íntegra ao
proprietário.
b) direito personalíssimo;
c) direito temporário ou vitalício;
d) direito indivisível;
e) direito intransmissível ou incessível (não pode alugar e nem emprestar a casa). Inexiste
também o direito de acrescer.
f) direito gratuito. É possível hospedar na casa, parentes, amigos, desde que gratuitamente.
Todavia, o titular do direito real de uso é o responsável pelo pagamento dos tributos que recaem
sobre o imóvel.
Enquanto o direito real de habitação incide só sobre bem imóvel, o usufruto e uso são direitos
reais que podem incidir sobre bens móveis ou imóveis. O usufruto ou uso pode ser instituído de
forma gratuita ou onerosa, o direito real de habitação só pode ser instituído gratuitamente. Quanto
aos frutos produzidos pelo imóvel, no direito real de habitação pertencem ao proprietário, o titular
do direito real de habitação limita-se a ter o direito de moradia. No usufruto, todos os frutos
pertencem ao usufrutuário, salvo se houver alguma limitação no ato de instituição. No direito real
de uso, ao usuário pertence os frutos necessários à satisfação de suas necessidades pessoais ou de
sua família.
Existe, ainda, o direito real de habitação legal, que se constitui independentemente de
registro, atribuído ao cônjuge sobrevivente, casado em qualquer regime, sobre o imóvel destinado
à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar (art. 1.830 do
CC). O aludido direito é vitalício, extinguindo-se apenas com a morte do cônjuge beneficiado. Não
haverá direito de habitação se ao tempo da morte os cônjuges estavam separados judicialmente ou
separados de fato há mais de 2 anos, salvo prova, neste caso, de que esta convivência se tornara
impossível sem culpa do sobrevivente. O cônjuge, no divórcio, não tem direito real de habitação.
Na união estável, no caso de morte do companheiro, o sobrevivente tem direito real de
habitação por força da lei 9.278/96, que alguns autores consideram revogada pelo Código Civil, que
disciplinou totalmente a matéria de união estável e é omisso sobre o direito real de habitação.
Ainda que se considere revogada a lei citada, persiste o direito real de habitação, por isonomia
entre a união estável e o casamento.

DIREITO REAL DE LAJE

CONCEITO

O direito real de laje, também chamado de direito de sobrelevação ou superfície de segundo

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grau, consiste no fato de o proprietário de uma construção permitir que um terceiro edifique uma
nova unidade imobiliária autônoma sobre a superfície superior ou abaixo da superfície inferior
daquela construção.
Esta prática surgiu nas favelas do Rio de Janeiro, onde é comum os moradores alienarem a
terceiros, a título oneroso ou gratuito, o direito de construir sobre a sua laje.
Com a medida provisória 759, de 22 de dezembro de 2.016, que cuida da regularização
fundiária rural e urbana, foi instituído legalmente o direito real de laje, acrescentando-se ao Código
Civil o art. 1.510-A.
Antes disso, uma parcela da doutrina negava a existência do referido direito real de laje,
enquanto outra aceitava com base nos arts. 21 do Estatuto da Cidade e 1.369 do CC, considerando-
o como um desdobramento do direito real de superfície. Este último ponto de vista foi consagrado
no Enunciado 568 da IV Jornada de Direito Civil.
Com a medida provisória 759/2016, o direito real de laje revela-se autônomo e distinto do
direito real de superfície.

OBJETO

O direito real de laje tem por objeto uma construção que é realizada acima ou abaixo de outra
construção. Abrange, portanto, tanto o espaço aéreo quanto o subsolo de terrenos públicos ou
privados (§2º do art. 1.510-A do CC).
Só pode ser instituído quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, isto
é, sobre núcleos urbanos informais.
Entende-se por núcleos urbanos informais:
a) os clandestinos: assentamentos de moradias criados sem autorização do
poder público;
b) os irregulares: assentamentos de moradias que não atenderam às exigências
legais;
c) assentamentos de moradia que atenderam à legislação vigente à época da
implantação ou regularização, mas que não foi possível realizar a titulação de seus
ocupantes, sob a forma de parcelamentos do solo, de conjuntos habitacionais ou
condomínios, horizontais, verticais ou mistos;
d) assentamentos de moradia situados em áreas qualificadas como rurais, desde
que a unidade imobiliária tenha área inferior à fração mínima de parcelamento, prevista
na lei 5868/1.972.

O direito real de laje restringe-se a conferir a titularidade sobre a construção realizada em


cima ou abaixo de outra, não contemplando as demais áreas, edificadas ou não, pertencentes ao
proprietário do imóvel original (§2º do art. 1.510-A do CC).

NATUREZA JURÍDICA

O direito real de laje, em relação ao solo e à construção originária, revela-se como sendo um
direito real de fruição sobre coisa alheia, mas no tocante à construção erguida por seu titular
enquadra-se como um direito real de propriedade, tanto é que a aludida construção é dotada de
matrícula própria.

REQUISITOS

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O direito real de laje, consoante §1º do art. 1.510-A, só pode ser constituído quando se
constatar os seguintes requisitos:
a) a impossibilidade de individualização de lotes. Verifica-se esta impossibilidade
quando se tratar de núcleos urbanos informais. O direito real de laje é um dos
instrumentos de regularização fundiária. A regularização fundiária é o conjunto de
medidas destinadas a resolver a situação dos assentamentos urbanos informais,
conferindo-se titulação aos seus ocupantes. Não poderá ser instituído sobre os
assentamentos de moradia em que seja possível a individualização dos lotes, através da
abertura de matrículas autônomas. Trata-se de um direito real cuja finalidade é servir de
instrumento de regularização fundiária.
b) a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos. A sobreposição
é o fato de uma construção ser erguida sobre a outra. A solidariedade de edificações é o
fato de uma construção se sustentar na estrutura de outra. A solidariedade de terrenos é
o fato de a construção se estender sobre mais de um terreno.
c) projeção vertical das construções. A construção deve ser feita acima ou
abaixo de outra construção, sempre na linha vertical.
d) que a construção, objeto do direito real de laje, constitua uma unidade
imobiliária autônoma, isto é, seja dotada de isolamento funcional e acesso independente,
em relação à outra construção. Assemelha-se, neste aspecto, ao condomínio edilício.

INSTITUIDOR

O concedente do direito real de laje é o proprietário da construção, que não é


necessariamente o proprietário do solo.
Denota-se assim que a propriedade pode ser desdobrada em três níveis:
a) propriedade do solo;
b) propriedade superficiária, isto é, da construção;
c) propriedade da laje, isto é, da construção realizada acima ou abaixo da
construção anterior.
Ainda que a construção tenha sido erguida sobre um terreno público, será possível ao
proprietário da construção conceder a um terceiro o direito real de laje, conforme §2º do art.
1.510-A do CC.

LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA

Como o direito real de laje só pode ser instituído quando se constatar a impossibilidade de
individualização de lotes, força convir que o proprietário da primeira construção, que é o
concedente do direito real de laje, também não possui título de propriedade, isto é, a matrícula.
Diante disso, a medida provisória 759/2016 criou também o instituto de legitimação fundiária,
que é uma forma originária de aquisição do direito real de propriedade, conferido por ato
discricionário do poder público àquele que detiver área pública ou possuir área privada, como sua,
unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo informal consolidado (art. 21).
Assim, o proprietário da primeira construção obtém o direito real de propriedade através da
legitimação fundiária, ao passo que o terceiro, a quem se deferiu o direito de construir acima ou
abaixo da construção, obtém o direito real de laje.

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FORMA DE CONSTITUIÇÃO

A medida provisória 759/2016 é omissa sobre a forma de constituição do direito real de laje e,
diante disso, aplica-se o art. 108 do CC, que exige escritura pública para a constituição de direitos
reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) salários mínimos. Abaixo desse valor, admite-se a
escritura particular.
A instituição pode ser a título oneroso ou gratuito.
Deve ser aberta uma matrícula própria para a construção que é objeto do direito real de laje,
separando-a, destarte, da matrícula que abarca a outra construção.
Dessa forma, as unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas
e gravadas livremente por seus titulares (§5º do art. 1.510-A do CC). É, pois, possível tanto a
hipoteca quanto a penhora do direito real de laje, mas caso constitua bem de família não poderá
ser penhorado.
O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua
unidade (§4º do art. 1.510-A do CC).
Quanto ao usucapião do direito de laje, creio seja perfeitamente possível, malgrado o silêncio
da lei. De fato, usucapião é módulo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos
reais, de modo que a posse prolongada de uma construção feita sobre ou sob a laje, com animus
domini, ensejará a aquisição deste direito real, quer pela via da usucapião extraordinária ou pela via
da usucapião ordinária.

DIREITO DE PREFERÊNCIA

Em caso de alienação do imóvel, o titular do direito real de laje não tem preferência para
adquiri-lo. Igualmente, na hipótese de alienação do direito real de laje, o proprietário ou
superficiário também não tem direito de preferência.
Em suma, o direito de preferência não foi contemplado pelo legislador.

SOBRELEVAÇÕES SUCESSIVAS

O titular do direito real de laje não pode instituir sobrelevações sucessivas, isto é, conceder a
um terceiro um outro direito real de laje (§5º do art. 1.510-A do CC).
Entretanto, a construção feita sobre ou sob a laje pode até ter mais de um pavimento, posto
que o limite de altura será aquele previsto nas normas de posturas municipais.
Com efeito, dispõe o §8º do art. 1.510-A do CC:
“Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas
associadas ao direito real de laje”.
Vê-se assim que a construção realizada com base no direito real de laje deve observar as
normas de posturas municipais ou distritais.

DISTINÇAO ENTRE DIREITO REAL DE LAJE E CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Em ambos, uma construção é erguida acima ou abaixo de outra, com matrículas próprias,
isolamento funcional e acesso independente. No condomínio edilício, entretanto, o condômino é
proprietário da área comum e de uma fração ideal do terreno, ao passo que o direito real de laje
não implica atribuição de fração ideal de terreno nem participação proporcional em áreas já
edificadas.

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Não se pode instituir o direito real de laje em condomínio ordinário ou edilício (§7º do art.
1.510-A do CC).

DISTINÇAO ENTRE DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE E DIREITO REAL DE LAJE

O direito real de superfície atribui a outrem o poder de construir ou de plantar em imóvel


alheio. Também é possível a superfície por cisão, que atribui a terceiro uma construção já existente,
que ele deverá conservar, reformar ou ampliar. Este direito de construir, através do direito real de
superfície, não pode abranger o subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão. Trata-se de
um direito real temporário, isto é, com prazo de vigência determinado.
O direito real de laje, por sua vez, atribui o direito de construir sobre ou sob uma construção
já existente. Este direito de construir pode ser feito no espaço aéreo ou no subsolo. Trata-se de um
direito real perpétuo.

DIREITOS REAIS DE GARANTIA

INTRODUÇÃO

O patrimônio do devedor responde por suas dívidas, constituindo, pois, a garantia do credor
no recebimento do crédito.

ESPÉCIES DE GARANTIA

Garantia é o meio assecuratório do recebimento do crédito. Quando o crédito é garantido


pelo patrimônio geral do devedor, sem nenhuma garantia específica, fala-se em credor
quirografário.
Quando a dívida é garantida por uma terceira pessoa estranha à obrigação, fala-se em credor
com garantia fidejussória ou pessoal. Exemplos: fiança e aval, nessas hipóteses, todo o patrimônio
do terceiro responde pela dívida alheia.
Quando a dívida é garantida por um ou vários bens que se vinculam ao pagamento, fala-se em
credor com garantia real ou credor titular de um direito real de garantia.

ESPÉCIES DE DIREITOS REAIS DE GARANTIA

São direitos reais de garantia: o penhor, a hipoteca, a anticrese e a alienação fiduciária em


garantia.

CONCEITO E FUNÇÃO

Direito real de garantia é o que confere ao credor a pretensão de obter o pagamento de uma
dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação (Orlando Gomes).
Tem a função de garantir o recebimento da dívida, colocando o credor a salvo da insolvência
do devedor, pois a coisa dada em garantia fica vinculada ao cumprimento da obrigação.
Qualquer dívida, seja obrigação de dar, fazer ou não fazer, pode ser objeto de garantia real.

CARACTERÍSTICAS

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Os direitos reais de garantia apresentam as seguintes características:

a) direito de sequela: é o vínculo de natureza real que confere ao credor o direito de seguir
coisa, esteja ela em poder de quem quer que seja. Por exemplo: alienando o devedor a coisa
hipotecada, persiste a hipoteca em favor do credor, seja quem for o adquirente. A súmula 308 do
STJ prevê uma exceção ao direito de sequela, ao dispor que: “A hipoteca firmada entre a
construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e
venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
b) direito de excussão: é o direito de promover pela via judicial, após o vencimento da dívida,
a venda (jus vendendi) do bem dado em garantia, para com o preço obter o pagamento do crédito.
Assim, vencida a dívida, operando-se o inadimplemento, o credor pode ajuizar ação de execução,
com base no contrato de penhor e hipoteca, que são títulos executivos extrajudiciais. Quando,
excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para o pagamento da dívida e
das despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante (art. 1.430 do
CC). O credor anticrético (titular do direito real de anticrese) não tem o direito à excussão, não
podendo vender o bem em juízo. Em contrapartida, titulariza, durante o prazo de 15 anos, o direito
de retenção da coisa dada em garantia, isto é, enquanto a dívida não for paga ele pode reter a
coisa.
c) direito de preferência ou prelação ou preempção: consiste no privilégio de obter o
pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação (Orlando
Gomes). O credor com garantia real tem preferência sobre o valor da coisa, em relação aos demais
credores. O crédito real prefere o pessoal, ainda que privilegiado. Assim, com o preço da venda
judicial do bem, paga-se primeiro o credor com garantia real; o que sobrar é rateado entre os
demais credores. Observe-se, porém, que a preferência real existe somente em relação ao valor da
coisa dada em garantia; sendo esta insuficiente o credor pode executar, nos próprios autos, os
demais bens do devedor, mas em relação a estes bens será mero credor quirografário. A prioridade
do registro marca a preferência do direito real. Na anticrese, não há direito de preferência. O
credor anticrético pode reter o bem e retirar os frutos até que a dívida seja paga, mas se não for
paga em quinze anos extingue-se a anticrese.
d) Em regra, o crédito real prefere ao pessoal, salvo se houver lei no sentido contrário. De
fato, há certos credores privilegiados que, por força da lei, têm preferência sobre os credores com
garantia real. Por exemplo: créditos trabalhistas de até 150 salários mínimos e os créditos de
acidentes de trabalho (art. 83, I, da Lei 11.101/2005 – nova Lei de Falências). Observe-se que, de
acordo com a nova Lei de Falências, os créditos com garantia real têm preferência sobre os créditos
tributários. Qual a diferença entre credor privilegiado e credor com garantia real? O primeiro tem
privilégio sobre todo o patrimônio do devedor e não apenas sobre uma coisa específica, mas não
tem o direito de sequela, ao passo que o segundo tem privilégio apenas sobre o valor da coisa dada
em garantia (coisa específica), desfrutando, também, do direito de sequela. Assim, a morte do
proprietário do bem não extingue a garantia real.
e) indivisibilidade do direito real de garantia: significa que o pagamento de uma ou mais
prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta
compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título, ou na quitação. Assim, caso haja
pagamento parcial, a garantia real sobrevive por inteiro. Por exemplo, alguém dá em hipoteca dois
imóveis para garantia de uma dívida parcelada em duas vezes; pagando uma parcela, mesmo assim
os dois imóveis continuam inteiramente hipotecados. Outro exemplo: morto o devedor, o bem
hipotecado é partilhado entre os herdeiros, persistindo, porém, a hipoteca sobre todo o imóvel. A
indivisibilidade vigora até mesmo no silêncio das partes, pois decorre da lei (art. 1.421 do CC), só

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podendo ser excluída por acordo expresso. A indivisibilidade dos direitos reais apresenta três
exceções. Primeira, quando há cláusula expressa prevendo que o pagamento parcial gera a
liberação dos bens gravados. Segunda, perecimento ou desapropriação de um ou mais bens dados
em hipoteca, conforme §2º do art. 525, nesse caso, remanescendo intactos outros bens
hipotecados, que sejam insuficientes para garantir a dívida, ocorrerá o vencimento antecipado
apenas em relação aos bens que pereceram, mas o vencimento continuará sendo o normal, quanto
aos bens que permaneceram intactos, persistindo a hipoteca sobre eles; se os bens que sobraram
foram suficientes para garantir toda a dívida, não há falar-se em vencimento antecipado. Terceira,
se o imóvel hipotecado vier a ser loteado ou nele se constituir condomínio em edifício de
apartamentos, é possível com autorização do juiz constituir várias hipotecas sobre a parte ideal de
cada um, conforme art. 1.488 do CC, nesse caso, o promissário comprador que paga a sua dívida
libera o bem da excussão; cada proprietário pode isoladamente requerer o desmembramento da
hipoteca e o credor terá que se submeter ao exercício desse direito potestativo; o legislador utilizou
a expressão loteamento equivocadamente, na verdade quis referir-se a parcelamento, que é a
divisão de lotes destinados à edificação, que se desdobra em duas espécies: loteamento e
desmembramento, na primeira espécie há a abertura de novas vias de circulação pública, na
segunda não.
f) acessoriedade: os direitos reais de garantia visam assegurar o cumprimento de uma
obrigação. Extinta a obrigação pela prescrição, pagamento ou outra causa qualquer, desaparece o
direito real de garantia. É, pois, acessório no sentido de que não tem existência autônoma, só
podendo existir e sobreviver se houver uma obrigação principal.

CLÁUSULA OU PACTO COMISSÓRIO

É a que confere ao credor o direito de apropriar-se da coisa dada em garantia em caso de não
ser cumprida a obrigação. Esta cláusula é nula, mas a nulidade atinge apenas a cláusula e não todo
o contrato (art. 1.428 do CC). É nula a cláusula que autoriza os credores pignoratícios, hipotecários
e anticréticos a ficarem com o bem objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento (art.
1.429 do CC). Todavia, após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida,
conforme preceitua o parágrafo único do art. 1.428 do CC. Assim, o pacto comissório não pode ser
previsto previamente no contrato, mas pode emanar de um ato unilateral do devedor, após o
vencimento da dívida, desde que, é claro, haja também a concordância do credor. Trata-se de uma
dação em pagamento.
É, ainda, possível ao credor com garantia real a adjudicação judicial do objeto empenhado,
por preço igual ao do maior lance, ou se não houver licitante, pelo valor da avaliação (art. 1.436, V,
do CC).
Pode o credor hipotecário, para pagamento de seu crédito, requerer a adjudicação do imóvel
avaliado em quantia inferior àquele, desde que dê quitação pela sua totalidade (parágrafo único do
art. 1.482 do CC).

QUEM PODE DAR GARANTIA REAL

Só o proprietário da coisa pode dá-la em garantia real, pois só ele pode aliená-la. Se quem não era
dono der coisa alheia em garantia, vindo a adquirir o domínio da mesma, convalidar-se-á o vício (art.
1.420, § 1º, do CC).

SITUAÇÕES ESPECIAIS

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Em alguns casos, a oneração do bem por algumas pessoas está sujeita a certas restrições, a
saber:

a) menores sob o poder familiar, isto é, não emancipados: os seus bens só podem ser dados
em garantia mediante alvará judicial, ouvindo-se sempre o promotor de justiça. Tratando-se de
menor de 16 anos, o pedido de alvará judicial é formulado pelo representante legal; tratando-se de
menor entre 16 a 18 anos, o pedido é formulado pelo próprio menor assistido pelo representante
legal. É válida, embora não precedida de licença judicial, a hipoteca instituída como pacto adjeto
em contrato de compra e venda pelo adquirente menor (RT 101/127).
b) menores sob tutela e interditos: o Código Civil é omisso. Todavia, mediante autorização
judicial, o tutor ou curador pode vender os bens móveis e imóveis do incapaz (arts. 1.748, IV, e
1.781 do CC). Se pode o mais, que é vender, pode o menos, isto é, hipotecar, empenhar e dar em
anticrese bens do incapaz, desde que haja autorização judicial. Tratando-se de pródigo, não há
necessidade de autorização judicial, mas de mera assistência do curador (art. 1.782 do CC).
c) cônjuge: em relação à hipoteca e à anticrese é necessário o consentimento do outro
cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, salvo no regime da separação absoluta de bens (art.
1.647, I, do CC). O penhor, em regra, incide sobre bens móveis, podendo o cônjuge empenhar sem
o consentimento do outro.
d) ascendente em favor do descendente: o art. 496 do CC prevê que o ascendente não pode
alienar ao descendente, sem que os outros descendentes expressamente consintam. Com base
nesse dispositivo legal, parte da doutrina sustenta que o ascendente não pode constituir garantia
real em favor de um descendente, sem o consentimento dos demais. Há, porém, uma outra tese no
sentido de que a vedação do art. 496 do CC não se aplica ao penhor, à hipoteca e à anticrese, pois,
tratando-se de norma restritiva de direitos, deve ser interpretada restritivamente.
e) condômino: o condômino pode constituir direito real de garantia sobre toda a coisa
comum, desde que haja o consentimento de todos os demais. Sem o consentimento destes, só
poderá o condômino dar em garantia real a parte ideal que possui na coisa comum, pouco
importando que a coisa seja divisível ou indivisível (§ 2º do art. 1.420 do CC). Entretanto, de acordo
com Maria Helena Diniz, o condômino de bem divisível pode dar em hipoteca a sua parte, sem a
autorização dos demais, mas se o bem for indivisível é vedada a hipoteca da sua quota-parte, salvo
mediante anuência dos outros condôminos. Esta interpretação colide com a redação do §2º do art.
1.420.

QUAIS COISAS PODEM SER DADAS EM GARANTIA

Somente as coisas alienáveis podem ser dadas em penhor, hipoteca ou anticrese. As coisas
fora do comércio, tais como o bem de família, previsto pelo Código Civil, e os bens gravados com
cláusula de inalienabilidade, não podem ser dadas em garantia. O bem de família legal, previsto na
Lei 8.009/1990, pode ser dado em hipoteca (art. 3º, V), perdendo, nesse caso, o atributo da
impenhorabilidade em relação à dívida garantida. Há julgados no sentido que somente se a dívida
for em benefício da família, o bem hipotecado voluntariamente poderia ser penhorado, mantendo-
se a impenhorabilidade nas dívidas que nada tem a ver com a família. Ora, a lei não distingue e por
isso o intérprete não pode distinguir.

PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO

Consiste na individualização da coisa dada em garantia. Assim, o contrato, além de descrever

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a coisa dada em garantia, com as suas especificações, deve conter ainda o total da dívida, sua
estimação, ou o valor máximo, o prazo fixado para pagamento e a taxa de juros, se houver (art.
1.424 do CC).
A falta de um desses requisitos descaracteriza o direito real, que não mais valerá contra
terceiros, persistindo, porém, o direito em relação às partes contratantes.
A necessidade de individualização da coisa torna inadmissível dar em garantia bens futuros,
isto é, ainda não existentes. Entretanto, o penhor agrícola pode recair sobre colheitas ainda não
existentes ou em formação, sendo, pois, exceção à regra de que o direito real não incide sobre
coisas futuras.

RESERVA PRELATÍCIA

Reserva prelatícia é o fato de o registro do direito real retroagir à data da prenotação. Se dois
títulos são apresentados sobre o mesmo bem, prevalece o que foi prenotado primeiro.

GARANTIA REAL OUTORGADA POR TERCEIRO

O terceiro pode prestar garantia real em favor do devedor. Este terceiro, porém, não é fiador,
pois somente a coisa dada em garantia fica vinculada ao pagamento da dívida, permanecendo ileso
o restante do seu patrimônio, caso a coisa dada em garantia seja insuficiente para saldar o débito,
ao passo que, na fiança, todo patrimônio do fiador se vincula ao cumprimento da obrigação. Em
contrapartida, o terceiro, ao contrário do fiador, não tem direito ao benefício de ordem.
Por fim, salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica
obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize
(art. 1.427 do CC).

VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA

A dívida considera-se vencida antes do termo normal, nos seguintes casos (art. 1.425 do CC):
1) pela depreciação ou deterioração da coisa dada em garantia, se o devedor intimado não a
reforçar ou substituir. Exemplo: desvalorizando-se o imóvel hipotecado, tornando-se o seu valor
inferior ao do débito, o devedor deve ser intimado a reforçar a garantia, dando outros bens em
hipoteca, sob pena de vencimento antecipado da dívida. Pouco importa a origem da desvalorização
do bem, ainda que decorrente de caso fortuito ou força maior, o devedor deverá reforçar a
garantia, ao ser intimado, sob pena de vencimento antecipado. A simples desvalorização não
provoca o vencimento antecipado; é preciso que o devedor seja intimado e se recuse a reforçar ou
substituir a garantia. Se, contudo, no momento da constituição da garantia real, o bem já era
insuficiente para garantir a totalidade do débito, não há falar-se em vencimento antecipado;
2) falência ou insolvência do devedor. É preciso sentença declaratória de falência ou
insolvência para que se opere o vencimento antecipado (art. 77 da Lei 11.101/2005 – nova Lei de
Falências). Também há vencimento antecipado quando se decreta a liquidação de instituições
financeiras e companhias seguradoras;
3) se a obrigação se satisfizer em prestações, a mora do devedor no cumprimento de uma
delas, provoca o vencimento antecipado da dívida toda. O recebimento posterior da prestação
atrasada importa renúncia ao credor ao seu direito de execução imediata. O atraso no pagamento
mensal dos juros provoca também o vencimento antecipado de toda a obrigação (cf. jurisprudência
pacífica);

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4) perecimento do objeto dado em garantia, quando a garantia não é substituída. Exemplo:


incêndio no automóvel empenhado. Só há o vencimento antecipado se o credor não optar pelo
inciso I do art. 1.425 do CC (intimação do devedor para reforçar ou substituir a garantia). Se, porém,
a coisa perecida estava no seguro, persiste a garantia real (no caso de penhor e hipoteca) em
relação ao valor da indenização, operando-se, destarte, a sub-rogação. O mesmo acontece na
hipótese de indenização paga por terceiro civilmente responsável pela perda do objeto da garantia,
sendo certo que o credor tem preferência para receber esses valores. Observe-se, porém, que na
anticrese não há sub-rogação;
5) desapropriação da coisa dada em garantia. Esclarece Washington de Barros que, a exemplo
do que acontece nos casos do inciso anterior, expropriada a coisa dada em garantia, vence-se a
dívida desde logo. Da indenização paga pelo expropriante deduzir-se-á soma suficiente para
imediato reembolso do credor. Assim, com a desapropriação, deposita-se a parte do preço que foi
necessária para o pagamento integral do credor.

O § 2º do art. 1.425 dispõe que nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do
prazo estipulado, se o perecimento ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e
esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva
garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos. Assim, se houver mais de um
bem hipotecado e a destruição não recair sobre todos, não há falar-se em vencimento antecipado
quando as demais garantias forem suficientes para o pagamento da dívida. Se elas forem
insuficientes, vence-se antecipadamente a dívida em relação aos bens destruídos, mas não quanto
aos que sobraram. Referida norma aplica-se apenas à hipoteca, e não ao penhor e anticrese.
Além desses casos legais de vencimento antecipado, as partes podem, no contrato,
convencionar outros, como, por exemplo, vencimento antecipado pela alienação do imóvel
hipotecado ou pela constituição de nova hipoteca sobre o imóvel.
Finalmente, nas hipóteses de vencimento antecipado da dívida, não se compreendem os juros
correspondentes ao tempo ainda não decorrido (art. 1.426 do CC).

REMIÇÃO DO PENHOR E DA HIPOTECA

Remição, em matéria de direitos reais de garantia, é a liberação da coisa gravada, mediante


pagamento do credor. Pagando totalmente a dívida, surge para o devedor o direito de remição. O
pagamento parcial da dívida não gera a remição do bem. Inexiste a remição parcial em virtude do
princípio da indivisibilidade do direito real de garantia. Assim, com o pagamento parcial subsiste
integralmente a garantia real. A remição parcial, consistente na redução da garantia mediante o
pagamento parcial da dívida, só é possível por ato voluntário do credor.
Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou hipoteca na proporção
dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo. O herdeiro ou sucessor que o fizer
fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito (art. 1.429, parágrafo
único, do CC).
Remissão, em matéria de direito das obrigações, é a extinção da obrigação pelo perdão da
dívida.

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