ENTRE A CRUZ E A ESTRELA DE DAVI: DILUINDO FRONTEIRAS NAS TRAMAS DO COTIDIANO, Por ANTONIO GUTEMBERG DA SILVA
ENTRE A CRUZ E A ESTRELA DE DAVI: DILUINDO FRONTEIRAS NAS TRAMAS DO COTIDIANO, Por ANTONIO GUTEMBERG DA SILVA
ENTRE A CRUZ E A ESTRELA DE DAVI: DILUINDO FRONTEIRAS NAS TRAMAS DO COTIDIANO, Por ANTONIO GUTEMBERG DA SILVA
RESUMO
ISRAEL... ISRAEL...
O débito universal
jamais quitado.
Por não estar satisfeito com as abordagens acerca das tradições judaicas nas quais quase
sempre são apenas descritas em meio aos processos de Auto de Fé da Santa Inquisição
ou mencionada com bastantes lacunas em meio a recordações vagas quando lembramos
de possíveis costumes judaizantes optei pelo uso da Nova História Cultural, uma vez
que acredito que é, justamente, a Nova História Cultural, que mais consegue trazer
novos ares ao trabalho do historiador. Favorecendo uma contemplação e análise mais
apurada tanto das possíveis origens quanto das resignificações e hibridações ao que
podemos chamar de tradições do povo de Moisés ou criptojudeus.
Além de que estamos propondo nesta pesquisa um olhar sobre o passado histórico e
possíveis representações culturais dos marranos que possam ser análogas ao nosso cotidiano.
O que nos leva a fazer uma história por migalhas, buscando principalmente nos anônimos seus
valores e representações. Segundo Vainfas;
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Analisando ainda as idéias de Chartier podemos perceber que uma das questões
postas pelos historiadores e que se tornou, na verdade, um desafio a ser encarado, é a
compreensão das representações do real elaboradas pelos homens, ao longo do tempo,
em sua experiência histórica. As imagens figurativas, documentos, discursos poéticos,
textos literários, lendas, se oferecem ao historiador como as únicas possibilidades de
acesso a um passado definitivamente perdido. Essas representações são a porta de
entrada para um país estrangeiro, um mundo outro que se busca descobrir e conhecer.
Tradicionalmente, algumas correntes historiográficas consideraram, não sem uma certa
dose de ingenuidade, essas representações como reflexo da sociedade que as produziu.
A idéia era quase sempre a de que os objetos culturais funcionariam como “espelho do
tempo” refletindo a sociedade e o pensamento dos homens que as criaram.
Logo vemos que é por meio do estudo das representações que podemos perceber o
outro, ou seja, descobrir o diferente e compreender as mais variadas apropriações que os
homens vão tecendo seja para acomodarem-se ao meio social em que vivem, seja como
forma de marranismo, por exemplo, resistindo aos dogmas impostos pelo cristianismo
católico.
Entretanto, é bom perguntarmos: Até que ponto a cultura judaica foi silenciada? –
Se é que houve silenciamento.
Para Anita Novinsky, do ponto de vista psicológico, os brasileiros cristão-novos
mantiveram algumas características provenientes de sua condição de excluídos, que
marcou o seu comportamento e sua filosofia de vida. ( 2001, pp. 1-2). O que nos leva a
perceber que não houve um silenciamento, mas uma ruptura na identidade judaica (a
qual por sua natureza já seria variada). Transformando-se aqueles que resistiam à prática
cultural cristã em marranos. Na visão de Kaufman o que ocorreu é que devido a
condições históricas, esta memória coletiva foi silenciada, porém continuou a ser vivida
na intimidade dos lares. Os passos perdidos dos judeus na historiografia brasileira são
agora ‘recuperados’, porque eles referenciaram e estruturaram uma memória coletiva,
definindo o seu lugar na História e no quadro espacial onde eles ocorreram. Silenciaram
aparentemente enquanto os desajustamentos dos tempos e dos homens nas sociedades,
medieval e moderna, desmanchavam valores e tradições. Todavia, foram
suficientemente sólidos como grupo étnico-religioso para se lançar no futuro, trazendo
do passado resíduos culturais para, mais uma vez, com eles, recriarem suas tradições.
Observa-se que a cultura religiosa judaica, mesmo após muitas gerações, resistiu
na memória coletiva, em grande parte pela atuação das mulheres, que assumiram para si
a função de continuadoras das tradições e costumes do povo judeu, em princípio
conscientemente e depois como algo natural da vida cotidiana. A situação dos cristão-
novos no Brasil colonial era instável, e apenas após algumas gerações estas famílias se
estabeleceram mesmo em algum sítio geográfico, pois tinham que mudar
constantemente e, por isso mesmo, acabaram por se espalhar por todo o país.
Ao estudarmos a influencia dos costumes marranos nas tradições culturais
nordestinas vemos que os valores pertencentes do judaísmo Ibérico já sofreriam
transformações no momento em que passaram a ser praticados de forma clandestina
pelos judeus. Sendo assim, a forma judaizante de viver na Espanha ou em Portugal já
seriam modificadas aqui no Nordeste colonial em meio às perseguições Inquisitoriais,
promovendo uma readaptação das práticas e consequentemente nova representações que
pudessem permear uma nova identidade para esses indivíduos. Pesavento nos mostra
que as representações são construções simbólicas e que carregam valores reais, nos
quais se transformam em ações práticas, sentimentais e até mesmo morais: “A
representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas
uma construção feita a partir dele” (2004:40). Sendo assim, vemos que os marranos
então viviam uma crise quanto a sua identidade14, pois acabavam não sendo mais aceitos
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e nem vistos como cristãos e nem como judeus. Suas práticas nas quais acabaram se
miscigenando a valores cristãos lhe moldaram uma nova identidade carregada de novas
interpretações e representações. No espaço entre o público e o privado seus costumes
iriam corroborar para influenciar até mesmo os cristãos-velhos. Segundo Kaufman:
Faz-se mister, no entanto, ver que nem todos os judeus eram secretos e que na
distância dos inquisidores e das malhas do clero colonial bem como na própria distância
de Roma, muitos princípios das Leis de Moisés eram praticados abertamente até mesmo
por cristãos-velhos. É o caso dos cuidados e medos com o parto, do zelo com os objetos
tidos como sagrados, por exemplo, que em meio a um sincretismo religioso iam sendo
apregoados e contribuiriam para nossa formação cultural nordestina.
Diante destas colocações, refletir a casa cristã como um espaço gestado por
práticas culturais marranas, sugere, em um primeiro momento a discussão do conceito
de lugar e espaço a partir de CERTEAU18 (2007). O lugar estaria para o instituído, o
planejado, uma indicação de estabilidade. A casa cristã seria regida, assim como os
sujeitos que a habitam, apenas por simbologias e práticas cristãs. Já o espaço se
configura em lugar praticado, jogo das relações mutáveis. A casa cristã propunha
símbolos gestados por práticas dos Anussins, a exemplo da Cruz e amuletos colocados
por trás das portas tendo uma forte semelhança com a Mezuzah 19 marrana e que
guardava secretamente as Leis de Moisés. Daí uma das justificativas e costume
cotidiano dos florestenses de não varrer a casa colocando o lixo de dentro para fora,
pois o lixo seria conduzido a Mezuzah.
No âmbito da casa cristã, é interessante ainda notar como costumes que buscam
ser passados de geração em geração vão sendo significados no cotidiano dos sujeitos do
Município de Nova Floresta – PB, bem como no cotidiano da casa, embora estes
cristãos pratiquem, mas não distingam que tais práticas são de influência marrana.
Dona Cilene20, afirma:
Esta fala de Dona Cilene, nos faz refletir, assim como ALBUQUERQUE
JÚNIOR21 (2007), que “[...] o costume não é algo que se impões de forma completa a
cruzamento entre a cultura cristã simbolizada pela cruze a cultura marrana representada
pelos seixos ou ‘pedrinha’.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, trata-se de pensar sobre esses sujeitos de Nova Floresta, que
embora digam-se “fixos”, enquanto suas práticas do cristianismo se colocam como
plurais, na medida em que as práticas religiosas marranas fazem parte do seu cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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4ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de janeiro DP & A., 2001.
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Brasil nos séculos XVI e XVII). São Paulo: Brasiliense, 1969.
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MENDONÇA, Heitor furtado de. Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil.
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MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São
Paulo: Contexto, 1992. (Caminhos da História).
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