Material Didático 1 - Tópico 5

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS
CAMPUS URUAÇU
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM EDUCAÇÃO,
MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

TÓPICO 5
CIDADES INTELIGENTES, CIDADES RESILIENTES E CIDADES
SAUDÁVEIS

MATERIAL DIDÁTICO DA DISCIPLINA

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA URBANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO


Prof. Dr. FÁBIO DE SOUZA

URUAÇU 2023
1

INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico!

Nesta etapa, abordaremos as Cidades Inteligentes, Resilientes e Saudáveis, que


representam não apenas conceitos, mas aspirações coletivas que visam transformar as
áreas urbanas em ecossistemas vibrantes, adaptáveis e propícios ao meio urbano
construído, em acordo com o meio natural.
Antes de iniciarmos, vale ressaltar que é fundamental evitar limitar-se
exclusivamente ao conteúdo deste caderno. Procure complementar seus estudos
consultando outros autores para enriquecer sua compreensão.

Bom estudo!

SOUZA, Fábio. Material didático do curso de Desenvolvimento Sustentável na Urbanização do


Território. Tópico 5, cidades inteligentes, cidades resilientes e cidades saudáveis. Uruaçu:
IFG, 2023.
2

SUMÁRIO

TÓPICO 5 - CIDADES INTELIGENTES, CIDADES RESILIENTES E CIDADES SAUDÁVEIS ................. 03

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 03
1.1 Cidades Inteligentes ............................................................................................................................. 03
1.2 Cidades Resilientes .............................................................................................................................. 04
1.3 Cidades Saudáveis ............................................................................................................................... 05

MATERIAL COMPLEMENTAR – AS CIDADES SAUDÁVEIS ...................................................... 06

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 25


3

TÓPICO 5

CIDADES INTELIGENTES, CIDADES RESILIENTES E CIDADES


SAUDÁVEIS.

1. INTRODUÇÃO.

No cenário dinâmico e complexo das sociedades modernas, as cidades emergem


como epicentros vitais, refletindo o pulsar da vida urbana. Três pilares fundamentais se
destacam como imperativos para o desenvolvimento e bem-estar desses centros urbanos:
inteligência, resiliência e saúde.
As Cidades Inteligentes, Resilientes e Saudáveis representam não apenas
conceitos, mas aspirações coletivas que visam transformar as áreas urbanas em
ecossistemas vibrantes, adaptáveis e propícios à qualidade de vida. No epicentro dessas
aspirações, encontramos a convergência de inovações tecnológicas, estratégias
urbanísticas visionárias e um compromisso inabalável com o bem-estar da comunidade.
Esta jornada explora os alicerces desses ideais, delineando os caminhos que as
cidades do futuro estão trilhando para se tornarem verdadeiramente inteligentes,
resilientes e saudáveis.

1.1. Cidades Inteligentes.

As cidades inteligentes referem-se à aplicação de tecnologias da informação e


comunicação para melhorar a eficiência operacional, otimizar recursos, promover a
sustentabilidade e aprimorar a qualidade de vida dos habitantes urbanos. Segundo a
Carta Brasileira para Cidades Inteligentes (BRASIL, 2020), o termo “cidades
inteligentes” (“smart cities”)

nasceu há cerca de vinte anos. Na época, o setor de TICs (Tecnologias de


Informação e Comunicação) começou a perceber as cidades como um grande
mercado a ser explorado. Foi quando surgiu a oferta de soluções para melhorar a
prestação de serviços urbanos. O termo foi se popularizando. Passou a ser usado
com diferentes sentidos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Mostrou-
se útil para melhorar a visibilidade de alguns projetos e organizações. O tempo
passou e o termo evoluiu. Cidades inteligentes viraram “inteligentes e humanas”,
“inteligentes e sustentáveis”, “inteligentes, sustentáveis e humanas” e assim por
diante. (BRASIL, 2020).
4

Alguns de seus elementos-chave incluem:

➢ Tecnologias Avançadas: O uso de sensores, dispositivos conectados e análise de


dados para monitorar e gerenciar serviços urbanos, como tráfego, iluminação
pública, gestão de resíduos e segurança.
➢ Conectividade: Infraestruturas de comunicação robustas que possibilitam a
interconexão de sistemas e dispositivos, facilitando a comunicação eficiente entre
cidadãos, governos e empresas.
➢ Governança Digital: Plataformas online e aplicativos que promovem a
participação cidadã, facilitam o acesso a serviços públicos e melhoram a
transparência na administração municipal.
➢ Eficiência Energética: Soluções inteligentes para o gerenciamento de energia,
como iluminação pública eficiente, sistemas de transporte público sustentáveis e
edifícios inteligentes.

1.2. Cidades Resilientes:

Cidades resilientes são aquelas capazes de se adaptar, resistir e se recuperar de


desafios e adversidades, sejam eles naturais ou causados pelo homem. Aspectos
importantes incluem:

➢ Planejamento Urbano Sustentável: Considera riscos ambientais e climáticos na


expansão urbana, protegendo áreas propensas a desastres naturais e promovendo
o desenvolvimento sustentável.
➢ Infraestrutura Resistente: Construção e manutenção de infraestrutura robusta
que pode resistir a eventos extremos, como inundações, terremotos e
tempestades.
➢ Redes de Alerta e Resposta Rápida: Sistemas eficazes de alerta e resposta a
emergências que permitem uma reação rápida diante de desastres, reduzindo
impactos sobre a população.
➢ Participação Comunitária: Incentiva a participação ativa da comunidade no
planejamento e na implementação de medidas de resiliência, promovendo a
colaboração entre cidadãos, empresas e governos.
5

1.3. Cidades Saudáveis.

Cidades saudáveis buscam criar ambientes que promovam o bem-estar físico,


mental e social dos seus habitantes. Isso envolve:

➢ Acesso à Saúde: Garantir acesso igualitário a serviços de saúde de qualidade,


com a presença de centros de atendimento, hospitais e programas de prevenção.
➢ Planejamento Urbano Centrado no Ser Humano: Desenvolver espaços
urbanos que incentivem a prática de atividades físicas, como ciclovias, parques e
calçadas acessíveis.
➢ Qualidade do Ar e Meio Ambiente: Adotar políticas que reduzam a poluição
do ar, promovam áreas verdes urbanas e incentivem práticas sustentáveis para a
preservação ambiental.
➢ Inclusão Social: Abordar desigualdades sociais, promovendo a igualdade de
oportunidades e a inclusão de grupos vulneráveis.

A integração desses conceitos nas políticas urbanas pode resultar em cidades


mais equitativas, sustentáveis, adaptáveis e saudáveis, melhorando significativamente a
qualidade de vida de seus habitantes.





6

MATERIAL COMPLEMENTAR - AS CIDADES SAUDÁVEIS


SOUZA, Fábio de. Arborização urbana e cidades saudáveis: índice de supressão arbórea no
sistema viário e sua influência na valoração do imóvel comercial. 2019. 327 f. Tese (Doutorado em
Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2019. p. 78 a 96. Disponível em:
https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/27379/1/Arboriza%c3%a7%c3%a3oUrbanaCidades.p
df . Acesso em 16/11/2023.

Por analogia entre o urbano, a urbanização e a cidade ou urbe1, o juízo comum


suscita, às vezes, conflito sobre o assunto. É habitual o uso dos termos “urbano” e
“urbanização” no sentido de “cidade”. Porém, pela visão contemporânea, nem toda área
urbanizada pode ser alçada ao “status” de cidade, por não contemplar as intricadas
afinidades relacionadas ao urbano. O meio urbano sugere um agrupamento populacional
localizado em um espaço geográfico onde ocorre uma série de relações complexas, entre
outras, como as trocas sociais, comerciais, culturais, administrativas e educacionais. Uma
área urbanizada é uma área que sofreu uma ação antrópica pela construção de habitações e
que não necessariamente atende a todas essas relações modernas, podendo estar pautadas,
por exemplo, somente no extrativismo, como é o caso das vilas destinadas apenas à
moradia de trabalhadores de mineradoras.
Para o entendimento da urbe é essencial esclarecer, também, que a cidade e o
espaço urbano representam duas faces de uma mesma moeda, sendo igualmente “produto e
condição do trabalho humano”, sendo que “os indivíduos, com o seu trabalho, produzem o
espaço urbano e, através da divisão técnica e social deste, produzem espaços desiguais”
(MARINHO, 2006, p.114). Há de se considerar, sobre essa afirmação, os dois principais
atores sociais que constroem esse espaço: as pessoas, que constroem esses espaços pelo seu
trabalho, e o capital, elemento definidor dos espaços desiguais, pelas disputas econômicas,
que constroem modelos de exclusão na disputa pelo acesso à cidade (ROSA, 2016).
Nesse contexto, as urbes vêm sofrendo uma pressão contínua, pelas variantes
descritas, que findam em perda de ambiência e qualidade de vida, características
primordiais do movimento Cidade Saudáveis. Uma forma de reverter esse quadro é através
da valoração ambiental, tema contemporâneo e que cada vez mais tem atraído gestores
públicos, ambientais, estudantes e demais peritos da esfera ambiental, que esbarram em
conjunturas onde a valoração econômica ambiental é requisitada e/ou ambicionada
(MOTTA, 1997, prefácio).

1
Urbe é uma palavra em latim, que significa cidade. Vem do radical urbs, o mesmo que encontramos em todas as palavras
relacionadas, como urbano, urbanizado, subúrbio.
7

Cidade e qualidade de vida

Como visto, pela perspectiva atual depreende-se que a cidade é o local do urbano,
ainda que, nem toda área urbanizada possa ser uma cidade. Essa visão atualizada das
cidades, como nós às conhecemos, iniciou-se a partir da Revolução Industrial, no século
XVIII, a princípio na Inglaterra e depois se espalhando por outras localidades da Europa e
nos Estados Unidos, tendo por princípio um amplo agrupamento de pessoas conectadas a
intricadas relações sócio econômicas, referentes, entre outros fatores, à industrialização, ao
movimento de pessoas e mercadorias e aos fluxos de capitais (Figura 28).

Figura 1: Fábricas químicas na cidade de Ludwigshafen, Alemanha em pintura de Robert F. Stieler de 1881

Fonte: STIELER, 1881 in BASF, 2018

Todas essas características, ao analisarmos uma paisagem tipicamente urbana


marcada pelos equipamentos físicos que passaram a significar a cidade, tais como edifícios,
pavimentação, iluminação e obras estruturais, aliadas ao intenso individualismo que marca
a era da urbanização, se refletem de forma contundente na qualidade de vida de seus
8

habitantes (Figura 29, página seguinte).


Figura 2: Melbourne, Austrália: arquétipo de apropriada qualidade de vida entre as cidades2

Fonte: Adaptado de MELBOURNE, 2018

Por qualidade de vida ou bem-estar de uma população entendem-se, de forma


genérica, suas condições de vivência, pela promoção de determinados bens e serviços
socioeconômicos como saúde, nutrição apropriada, saneamento, habitação, ofício e
remuneração, instrução, acesso a transporte de qualidade, bem como acesso a uma
arborização urbana adequada. Porém, é importante ressaltar que pode haver uma variação
no conceito de bem-estar, de uma coletividade para outra, conforme os parâmetros culturais
de cada sociedade. Habitualmente para os ocidentais, a democracia é um fator peremptório
na construção de um ambiente citadino benéfico. Para algumas sociedades essa construção
não passa, necessariamente, pela soberania popular. Tomemos por exemplo os casos de
Melbourne, na Austrália, e Cingapura. Situadas, respectivamente, na Oceania e na Ásia, e
com Índice de Desenvolvimento Humano - IDH3, acima de 0,9 (ORGANIZAÇÃO DAS

2
A cidade de Melbourne, na Austrália, foi eleita pelo sétimo ano consecutivo a melhor cidade do mundo para se viver pela
revista The Economist. O ranking da publicação é feito com 140 cidades e leva em consideração fatores como segurança,
sistema de saúde, infraestrutura, meio ambiente e educação. Segundo BRANCO (2017), “o passatempo do fim de semana
para boa parte dos 4,5 milhões de moradores de Melbourne, a segunda maior metrópole da Austrália, é flanar nos arredores
da Federation Square, uma praça de 32.000 metros quadrados em frente à maior estação de trens e bondes da cidade. A
inauguração da Federation Square, em 2002, marcou uma guinada na história de Melbourne. Após décadas de decadência
urbana, a cidade investiu em espaços públicos e flexibilizou as regras para incentivar a vinda de moradores para a área
central. As pessoas passaram a ocupar novamente as ruas, aumentando a sensação de segurança, gerando negócios e
aproveitando melhor as escolas e os hospitais que a região já tinha”.
3
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNDUD (2017), o “Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso em longo prazo, em três dimensões básicas do desenvolvimento
humano: renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito
utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento.
9

NAÇÕES UNIDAS - ONU, 2015), ambas possuem dos níveis de vida mais altos do
mundo. Corroborando com o supracitado, segundo o “Global Liveability Report 2017”,
estudo publicado pela revista inglesa The Economist (2017)4 que listou as melhores cidades
do mundo para se morar, essas urbes estão entre as de melhor qualidade de vida (Figura
30).

Figura 3: Marina Barrage5, em Cingapura, parque inaugurado em 2008

Fonte: Adaptado de THE INTERNATIONAL GREENROOF & GREENWALL PROJECTS, 2018

Contudo, enquanto Melbourne situa-se em uma das mais reconhecidas


democracias globais, Cingapura é uma Cidade-Estado cujo instituidor, Lee Kuan Yew,
apoiava que “o exemplo de democracia liberal ocidental não podia ser aplicado num país

Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a perspectiva sobre o
desenvolvimento humano, não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento”.
4
De acordo com a revista inglesa The Economist, em seu estudo anual intitulado “The Global Liveability Report 2017”, ou
“relatório global de habitabilidade”, em livre tradução, foram ponderados 30 critérios de averiguação fracionados em cinco
classes: educação, infraestrutura, estabilidade, meio ambiente e cultura.
5
“A Barragem da Marina é uma barragem de 350m de largura construída na confluência de cinco rios, através do Canal da
Marina para criar o primeiro reservatório urbano de Cingapura. O reservatório aumenta o abastecimento de água de
Cingapura, alivia as inundações em áreas baixas e proporciona uma nova atração de estilo de vida e local para atividades
recreativas. “Com uma área de captação de 10.000 hectares, ou um sexto do tamanho de Cingapura, a Marina é a maior e
mais urbanizada bacia da ilha”. Juntamente com outros dois reservatórios, a Marina Reservoir aumentou a captação de
Cingapura de metade para dois terços da área terrestre do país (THE INTERNATIONAL GREENROOF & GREENWALL
PROJECTS, 2018).
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em desenvolvimento” (SALVÁ, 2015). Segundo Salvá (2015), Yew estabeleceu um estado


com “férreo controle das liberdades individuais, o qual foi pouco abrandado desde então”,
sendo que o ”mesmo partido governa o país há meio século, tendo vencido todas as
eleições” (SALVÁ, 2015).
A despeito desse fato, segundo o “Relatório Mundial da Felicidade”, estudo
realizado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2017), que
listou as populações mais felizes do mundo em 2017, a população de Cingapura estava na
26ª posição entre as mais contentes do planeta, de um total de 140 países. De forma alguma
este autor pretende fazer apologia a um ou outro sistema, seja ele democrático ou
autocrático, mas apreende-se, pelo estudo citado, que valores intangíveis como a liberdade
de expressão, ficam, por vezes, em segundo plano, quando se trata da percepção de
qualidade de vida de uma população. Importante ressaltar que qualidade de vida e saúde
são dois conceitos que formam um elo. Adriano et al (2000, p.54) explicam que,

[...] em uma concepção moderna, saúde é o resultado de um processo de produção


social que expressa a qualidade de vida de uma população. A saúde é considerada
produto social, isto é, resultado das relações entre os processos biológicos,
ecológicos, culturais e econômicos sociais que acontecem em determinada
sociedade e que geram as condições de vida das populações. (ADRIANO et al,
2000, p.54).

Assim, nessa percepção ampliada, a saúde é “mais do que ausência de doença é


um estado adequado de bem-estar físico, mental e social que permite aos indivíduos
identificar e realizar suas aspirações e satisfazer suas necessidades” (ADRIANO et al,
2000, p.54). Segundo a carta de Otawa (1986), elaborada na I Conferência Internacional de
Promoção da Saúde realizada no Canadá,

[...] promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade


para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior
participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-
estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar
aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente.
A saúde deve ser vista com um recurso para a vida, e não como objetivo de viver.
Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e
pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é
responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida
saudável, na direção de um bem-estar global. (CARTA DE OTAWA, 1986).

O mesmo documento ressalta que são pré-requisitos basilares para a promoção da


saúde a paz, a educação, a moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, a
11

justiça social e a equidade, sendo as pessoas consideradas sujeitos determinantes do método


e potencialmente adequadas no domínio dos fatores decisivos com relação à sua saúde.
Nele foram, ainda, deliberados cinco campos funcionais para a promoção da
saúde, que são a “elaboração de políticas públicas saudáveis, criação de ambientes
favoráveis, fortalecimento da ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e
mudanças nos estilos de vida e a reorientação dos serviços de saúde” (ADRIANO et al,
2000, p.54).
Nesse contexto o movimento “Cidades Saudáveis” pressupõe, para além de apenas
uma conceituação, estratégias de ascensão da saúde urbana com a finalidade de melhoria da
condição de vida da população.

O “Movimento Cidades Saudáveis”

Matérias recentes em sistemas de saúde de todo o mundo deram um novo


paradigma às abordagens de promoção à saúde. O foco crescente nas implicações que o
bem-estar tem sobre a condição qualitativa de existência reconfirma a prioridade sobre
investimento nos peremptórios da saúde pública para a ascensão dela. De forma contínua
vem à mente a pergunta “onde a saúde é criada”?
O movimento “Cidades Saudáveis” principia a partir dos debates globais acerca do
tema “qualidade de vida”. Tendo como cenário a constatação do valor de determinantes
abrangentes da saúde, a Organização Mundial de Saúde - OMS, o governo canadense e a
Associação Canadense de Saúde Pública organizaram, em 1986, a 1ª Conferência
Internacional pela Promoção da Saúde cujo produto final foi a Carta de Ottawa, com 38
nações signatárias. Agregando políticas urbanas implantadas pela ONU, essa proposta teve
suas raízes no Canadá em 1978 (MENDES, 2000, p.18).
Por cidades saudáveis a OMS (1995) considera, para além dos índices de saúde
identificáveis pelos indicadores de enfermidades e mortalidade, as municipalidades
empenhadas em proporcionar desde a plena satisfação das necessidades essenciais de seus
habitantes - serviços de saúde, educação e lazer, trabalho e domicílio – até pressupostos
mais saudáveis, justos e igualitários, como espaços físicos higiênicos, segurança pública,
biossistema estável e sustentável; alto suporte social, sem exploração; alto grau de
participação social; acesso a experiências, recursos, contatos, interações e comunicações;
economia local diversificada e inovativa; orgulho e reverência pelo legado biológico e
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cultural; serviços de saúde acessíveis a todos e; alto nível de saúde (OMS, 1995). Uma
cidade saudável é aquela que continuamente cria e melhora os ambientes físicos e sociais e
expande os recursos da comunidade permitindo às pessoas apoiarem-se mutuamente na
realização de todas as funções da vida e no desenvolvimento de seu potencial máximo. O
programa da OMS para cidades saudáveis

[...] é uma iniciativa de desenvolvimento internacional de longo prazo que visa


colocar a saúde no topo das agendas dos tomadores de decisão, bem como
promover estratégias locais abrangentes para a proteção da saúde e o
desenvolvimento sustentável. Os recursos básicos incluem participação e
empoderamento da comunidade, parcerias intersetoriais e equidade dos
participantes (OMS, 2018).

Segundo o site da OMS (2018), uma cidade saudável tem por objetivos
primordiais: criar um ambiente de apoio à saúde; alcançar uma boa qualidade de vida de
seus habitantes; fornecer saneamento básico e necessidades de higiene; e fornecer acesso a
cuidados de saúde (OMS, 2018).
Assim, a partir de 1986, os primeiros programas de Cidades Saudáveis foram
lançados em países desenvolvidos (Canadá, E.U.A., Austrália, muitos países europeus) e,
por volta de 1994, os países periféricos passaram a utilizar os recursos e as estratégias
implantados pelos países centrais para iniciar seus próprios programas. As estratégias de
implantação são bem singulares por cidade, embora sigam a ideia fundamental de envolver
muitos membros da sociedade, diversas partes interessadas e compromissos das
governanças municipais, visando alcançar mobilização e eficácia generalizadas. Hoje,
centenas de urbes por todo o planeta fazem parte da rede de Cidades Saudáveis, existindo
em todas as regiões da OMS (OMS, 2018).
As avaliações dos programas de Cidades Saudáveis “provaram que elas são bem-
sucedidas em aumentar a compreensão dos vínculos entre a saúde e o meio ambiente e na
criação de parcerias intersetoriais para garantir um programa sustentável e generalizado”
(OMS, 2018). Foram constatados que os programas mais bem sucedidos eram aqueles que
cultivavam o comprometimento dos membros da comunidade local, um diálogo objetivo e
claro, uma ampla gama de partes interessadas e um método de institucionalização desses
programas. A OMS (2018) verificou, também, que a falta de permanência no programa de
Cidades Saudáveis, bem como outras questões relacionadas a resultados abaixo do
esperado, se desenvolveram pelo insuficiente comprometimento de agentes públicos ou
instabilidade dos coordenadores locais. Além disso, muitos estudos identificaram que as
13

cidades,

[...] particularmente nos países em desenvolvimento, carecem de recursos para


desenvolver uma boa orientação para liderar o projeto, através do
desenvolvimento de perfis de saúde e tempo de avaliação suficiente antes do
início. Embora existam várias redes regionais e nacionais para facilitar o
compartilhamento de estratégias, pouca informação foi publicada sobre os perfis
dos países e os planos reais de implementação fora da Região Européia da OMS.
(OMS, 2018).

O movimento na América Latina e Brasil


Através de extenso planejamento estratégico deliberado, por vezes, definidos a
datar da realização de grandes eventos internacionais, importantes cidades dos países
centrais, mediante vastos planos estratégicos, investiram em proeminentes planos urbanos
diletos às questões relacionadas ao movimento “Cidades Saudáveis”. Um bom exemplo é o
de Barcelona, na Espanha que, no embalo dos Jogos Olímpicos de 1992, requalificou o
Port Vell, uma região portuária degradada adjunta ao seu centro histórico, dignificando
esses espaços públicos, estabelecendo uma relação entre as duas áreas e restabelecendo o
contato da metrópole com o mar aberto (Figura 31).
Figura 4: O antes e o depois de Port Vell, em Barcelona, em 1986 e 1992

Fonte: NITÉROI, 2013.


Já as cidades da América Latina, inseridas em uma problemática diferente,
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encaram distintas questões peremptórias, como o “crescimento demográfico, o peso da


marginalidade social, o déficit de infraestrutura moderna e a fraqueza dos governos locais”
(MENDES, 2000, p.8). Segundo Mendes (2000),
Na América Latina a introdução da reconceituação da Promoção da Saúde e o
estabelecimento de estratégias de desenvolvimento de ações nos países em
desenvolvimento, deu-se com a Conferência de Promoção da Saúde realizada em
Santa Fé de Bogotá em 1992. A iniquidade sem precedentes da América Latina,
agravada pela crise econômica e pelos programas das políticas de ajuste macro-
econômico, a situação política que limita o exercício da democracia e a
participação pela cidadania, foram considerados fatores determinantes na garantia
de condições de saúde e vida das populações. (MENDES, 2000, p.13).
Corroborando com a dificuldade de implantação de políticas urbanas de efetivo
impacto social no continente, é fundamental destacar o processo vertiginoso de urbanização
pelo qual, nos últimos 50 anos, os países da região vêm lidando. Tal fenômeno fez com que
essas nações deixassem suas seculares peculiaridades rurais para transmutarem em
civilizações urbanas em um curto espaço de tempo (Gráfico 2).

Gráfico 1: Evolução comparativa da taxa de urbanização na América Latina, Brasil, E.U.A. e Europa
Ocidental; no período de 1800 a 2020

Fonte: SOUZA, 20186

6
Elaborado pelo autor, Fábio de Souza, a partir de: BAIROCH, 1985, p.551; BRETAGNOLLE, 2006, p.48;
MENDONÇA, 2011; SIMÕES, 2016, p.27; ONU, 2018
15

Conforme demonstrado na comparação anterior, enquanto a Europa Ocidental e os


E.U.A. levaram aproximadamente um século para transformarem-se em nações
majoritariamente urbanas, este fenômeno ocorreu em apenas cinquenta anos, na América
Latina.
Em países como o Brasil, a urbanização foi tardia e demorou mais tempo para se
concretizar influenciado, sobretudo, pelo modelo colonial adotado por sua metrópole,
Portugal. Limitadas ao provimento de matérias-primas, essas cátedras coloniais adiaram a
modernização das urbes brasileiras, uma vez, ao protetorado, não era admitido alcançar
uma condição organizacional análoga ao da metrópole.
Esse modelo estendeu-se por todo o período imperial brasileiro e início da
república. Somente a partir dos anos 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder,
durante o Estado Novo, principiou-se uma difusão da atividade industrial no Brasil,
solidificada após a 2ª Guerra Mundial, originando, doravante, o modelo da urbanização
brasileira, acelerada e caracterizada pela falta de planejamento (Gráfico 3).

Gráfico 2: Evolução da taxa de urbanização do Brasil, 1950-2010

Fonte: SOUZA, 20187

7
Elaborado pelo autor, Fábio de Souza, a partir de: IBGE, 2010.
16

O êxodo do campo, sobretudo a datar da década de 1950, forjou uma precipitada


taxa de urbanização, incorrendo em desafios urbanos que as políticas públicas não foram
capazes de solucionar, como a ocupação irregular do território, carência de moradias,
escassez de saneamento básico, inundações, violência urbana, mobilidade ineficiente,
aumento da informalidade e a segregação socioespacial. Os índices ruins de qualidade de
vida resultante bem como as singularidades de poluição e deterioração do meio ambiente
estão intimamente atrelados ao imaginário de panorama das grandes cidades do mundo em
desenvolvimento (Figura 32).

Figura 5: Ocupação irregular e degradação ambiental na Área I do Jardim Goiás, em Goiânia – GO,
contrastando com elegantes arranha-céus no mesmo bairro, ao fundo

Fonte: O POPULAR in BOPPE, 2010

Desde 1986, quando o movimento “Cidade Saudável” iniciou a instrumentalização


dos fundamentos de promoção à saúde em uma esfera local, essa promoção passou a ser
inserida, progressivamente, nas políticas de bem-estar de numerosos países, inclusive na
América Latina, onde foi adotada pela Organização Mundial de Saúde/Organização Pan-
Americana de Saúde - OMS/OPAS, como uma das estratégias para orientar os trabalhos de
cooperação técnica na década de 1990” (ADRIANO et al, 2000, p.54).
Segundo Adriano et al (2000):

No princípio dos anos 90, a OMS/OPAS tomou para si a tarefa de impulsionar o


movimento na América Latina, que hoje acumula uma rica experiência. No
México, em novembro de 1993, se constituiu a primeira Rede Nacional de
Municípios pela Saúde, que conseguiu estender a idéia a 11 municípios em 1993,
17

e a uns 150 municípios no final de 1994. Cuba iniciou com a experiência de


Cienfuegos e se estendeu a outros 11 municípios, constituindo uma rede nacional
de municípios saudáveis. Ainda podemos citar: Colômbia (Manizales, Cali e
Versalles); Venezuela (Zamora); Chile (Valdivia); Costa Rica (Cantón de San
Carlos); Panamá (San Miguelito); Guatemala (Cuilco); El Salvador (Santa
Ana,Metapán e Ciudad Barrios); Honduras (Comayagua e Choluteca) e
Nicarágua (León e Nandaime). (ADRIANO et al, 2000, p.55).

O referido autor (2000, p.55) alude, ainda, que a dispersão da “estratégia de


cidades saudáveis” acelerou-se quando da “criação de redes”, formadas em diversas nações
latino-americanas, com quatro papéis basais:

1) difundir os conteúdos do projeto entre as autoridades municipais, os


promotores potenciais e a própria comunidade, estimulando desta maneira a
criação e a ampliação do movimento; 2) ser uma instância de credenciamento e
de incorporação dos municípios à rede; 3) acumular e trocar experiências e
informações mediante reuniões periódicas e através da utilização de diferentes
meios de comunicação; 4) reconhecer e estimular aos municípios que executem
seus projetos com eficiência e eficácia. (ADRIANO et al, 2000, p.55).

É certo que são características comuns para a edificação de cidades saudáveis o


pacto com a saúde, deliberações políticas a favor dessa saúde, planejamento articulado
entre os setores responsáveis por políticas públicas e sociais com a cooperação coletiva,
assim como o são a renovação e aperfeiçoamento dessas políticas públicas.
Contudo, como salientado, as afinidades programáticas e de objetivo imediato são
divergentes entre as cidades dos países desenvolvidos e as demais, haja vista que nas
primeiras as intervenções buscam mudanças do estilo de vida, traduzidas em hábitos mais
saudáveis e com requalificações urbanas mais sofisticadas, ao passo que nos outros são
“priorizados aspectos quantitativos de melhoria dos níveis de saúde e dos serviços, do
acesso ao saneamento básico, moradia etc.”, considerando os baixos índices de
desenvolvimento humano. Não obstante sem abandonar, mesmo que de forma utópica,
demais variáveis concernentes à qualidade de vida e à conservação ambiental (ADRIANO
et al, 2000).
No Brasil, influência desses novos conceitos tem gerado experiências
significativas que vêm sendo implantadas, porém de forma dispersa e sem um planejamento
público comprometido, tendo, por vezes, seus processos interrompidos devido às mudanças
políticas no âmbito governamental.
Geralmente os ensaios bem sucedidos e contínuos partem de iniciativas não
governamentais, como é o caso do Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação
18

(CEPEDOC Cidades Saudáveis), organização não governamental que atua como centro
colaborador da OMS na área da promoção e conhecimento da saúde e cidades saudáveis8
ou da “Rede de Municípios Potencialmente Saudáveis” 9, entre outros.
De acordo com Adriano et al (2000), “a maior dificuldade encontrada no
enquadramento de municípios em uma experiência de Municípios/Cidades Saudáveis, no
Brasil, é a falta de critérios ou parâmetros para a aplicabilidade do termo”.
De forma ocasionalmente populista, as governanças municipais têm se declarado
alusivas ao movimento conforme apresentam iniciativas de execução de políticas públicas
que congregam determinadas pressuposições implícitas no movimento, tais como
“participação popular e intersetorialidade” (ADRIANO et al, 2000, p.57).
Dentro do contexto apresentado, as cidades latino-americanas, incluindo as
brasileiras, se esforçam para fomentar projetos mais coerentes com o âmbito local e suas
necessidades imediatas, suscetíveis ao desaparecimento “em função da descontinuidade
administrativa e da frágil participação da sociedade civil” (ADRIANO et al, 2000, p.57).
Considerando o conceito abordado de cidade saudável, mais amplo e que envolve
não só a capacidade de proporcionar as necessidades básicas de seus habitantes, mas
também pressupostos como mobilidade, segurança pública, biossistema estável e
sustentável e, especialmente, considerando o exercício de um poder coletivo para remodelar
os processos de urbanização, visando qualidade de vida pela inclusão, um exemplo
revolucionário na América Latina é a cidade de Medellín10, na Colômbia.

8 Um exemplo disso é a parceria do CEPEDOC com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(FSP/USP), ao desenvolver uma base de dados – CIDSAÚDE – especializada em promover a saúde, onde mais de dois mil
documentos, entre revistas, livros, artigos e outras publicações, foram catalogados com o objetivo de “contribuir, com
ferramentas conceituais, para o trabalho de promoção da saúde empreendido por pesquisadores, estudantes, gestores
públicos e outros atores sociais” (CEPEDOC, 2018). Um dos projetos finalizados pela CEPEDOC promoveu a articulação
entre setores que ocorreu na esfera do Programa de Saúde da Família (PSF) em todo o território de São Paulo, durante o
período de 2005 a 2008, e que resultou no “Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis – PVAS”. Através do PVAS se
observou que a integração das agendas da saúde e meio ambiente provoca desafios à política pública da cidade, bem como
a necessidade de fortalecer práticas comprometidas com os processos de desenvolvimento humano e urbano. Segundo o
CEDOC “a experiência proporcionou diversas oportunidades de aprendizagem e seu registro e sistematização poderão
permitir a disseminação e replicabilidade em outros contextos, como o desenho da formação, e a aquisição de um repertório
teórico e prático” (CEPEDOC, 2018).
9
Criada em 2003, a Rede já realizou 53 encontros e oito seminários; propiciou o intercâmbio com três missões
internacionais (Equador e Japão) e viabilizou a publicação de cinco livros, com o registro do conhecimento de diversos
especialistas colaboradores, assim como o registro de ações de Municípios participantes na construção de políticas públicas
saudáveis. É formada por 40 Municípios membros, em cinco Estados (SP, MG, RJ, AM e PR) e conta com o apoio técnico
da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/ Faculdade
de Ciências Médicas/ Departamento de Medicina Preventiva e Social), do Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade
(IPES). (Rede, 2018).
10
Medellín é a segunda maior cidade da Colômbia e a capital do departamento de Antioquia. Está localizada no Vale do
Aburrá, uma região central da Cordilheira dos Andes na América do Sul. De acordo com o Departamento Administrativo
Nacional de Estatística da Colômbia, a cidade tinha uma população estimada em 2,5 milhões em 2017. Com sua área
circundante que inclui nove outras cidades, a área metropolitana de Medellín é a segunda maior aglomeração urbana da
Colômbia em termos de população e economia, com mais de 3,7 milhões de habitantes.
19

A experiência de Medellín e sua influência no Rio de Janeiro

Segundo a socióloga holandesa Saskia Sassen (2016), em seu discurso de abertura


do seminário internacional “Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da
Equidade”, ocorrido em São Paulo, as cidades [...]

[...] são o único espaço em que mesmo aqueles que não têm poder social são
capazes de construir uma história, uma cultura e uma economia. Por isso, são
também os espaços mais críticos (SASSEN, 2016).

Por isso o simbolismo de Medellín, na disputa pelo acesso à cidade, é importante


no contexto das urbes em países em desenvolvimento. A capital de Antioquia é considerada
um modelo a ser adotado no continente quando se versa da gestão de investimentos e
serviços públicos como instrumento para o arrefecimento das segregações territoriais e
sociais.
É difícil imaginar que, em um prazo de apenas vinte anos, a cidade tenha
conseguido reverter essa condição. Afinal, nos anos 1980 e 1990, seus habitantes
experimentaram o auge da desordem e violência urbana, sobretudo em função dos conflitos
com o narcotráfico e a média de homicídios atingiu o absurdo número de quase sete mil ao
ano (CESTAROLLI, 2016). Foi necessária uma política pública, contígua ao combate
promovido pelas forças armadas, que privilegiou os educadores, como forma de alterar a
visão e as ações dos habitantes acerca dessa condição. Dessa forma, enquanto a segurança
era restaurada nos bairros mais perigosos, o impulso de “projetos tecnológicos,
pedagógicos e culturais despertava uma mentalidade empreendedora” nas pessoas
(CESTAROLLI, 2016).
Duas décadas depois a cidade colhia os frutos dessa iniciativa. Graças a parcerias
do governo com empresas e instituições que vêm promovendo a inovação e cunhando
soluções para costumeiros problemas locais, Medellín recebeu em 2013, segundo Cestarolli
(2016), o título de “Cidade Mais Inovadora do Planeta”, segundo o Wall Street Journal e o
Urban Land Institute. Assim, a cidade colombiana, que por muito tempo foi perfilhada pelo
espectro do tráfico mundial de drogas, nos dias atuais é exemplo de inclusão social por
meio de projetos urbanísticos inovadores e saudáveis, como o "metrocable"11 (Figura 34) e

11
De acordo com Rosa (2016), em 2004 foi implantado o primeiro metrocable - uma espécie de teleférico, como os
sistemas de gôndolas usados em parques de esqui - com 1,8 km de extensão. Ele ligou um bairro do leste da cidade à rede
20

o sistema de escadas rolantes, atendendo à necessidade de políticas urbanísticas


progressistas demandadas pela população ao utilizar a mobilidade urbana como ferramenta
de equidade (ROSA, 2016).

Figura 6: Metrocable com panorâmica de Medellin, desde o bairro Santo Domingo, na região nordeste da
cidade

Fonte: ROSA, 2016

Com a instalação do metrocable e das escaleras electricas da Comuna 13, os


habitantes, que antes consumiam até três horas para sair da Comuna, não se sentem mais
"visitantes" em sua própria cidade.
A circulação diária dos residentes se dá por passagens em que as artes estão
presentes nas paredes próximas, grafitadas por artistas da região e um sentimento de
pertencimento firmou-se, seja pelos espaços de convívio para apreciar a vista da cidade,
seja pelo fato de que os funcionários da manutenção e segurança local são os próprios
moradores.
Marcada pelo acelerado processo de urbanização que a América Latina vivenciou

de metrô municipal. Quatro anos depois, foi a vez de uma instalação assim na área da Comuna 13. A etapa seguinte do
projeto foi ainda mais criativa: escadas rolantes urbanas. As escaleras electricas da Comuna 13 ajudam os mais de 130 mil
moradores do local a subir o equivalente a um prédio de 30 andares. Mas elas têm um papel ainda mais importante quando
se trata da autoestima da população. Os seis lances de escada substituíram os degraus irregulares e íngremes
autoconstruídos e permitiram a acessibilidade, principalmente das crianças, idosos e pessoas com deficiência física.
21

nos últimos cinquenta anos, a migração massiva do campo para a área urbana de Medellín
incorreu na ocupação irregular das montanhas, em torno da cidade, por bairros carentes e
deficientes de infraestrutura que contrastam com a região central da cidade, a cidade
formal.
É uma urbe em que as casas são impelidas sobre as áreas montanhosas, como
ocorre no Rio de Janeiro. E também como na capital fluminense nos dias atuais, ela
também já foi considerada uma das mais perigosas cidades do mundo, nas décadas de 1980
e 1990. Existem, lá, “comunas, termo pelo qual os moradores se referem às suas 16 favelas,
que estão a mais de 1.800 metros acima do mar” (ROSA, 2016).

A Comuna 13, por exemplo, é a maior favela da cidade e a região que mais sofreu
com a guerra entre o narcotráfico e o poder militar. Hoje, ela chega a ser um
ponto turístico por sua vista, mas também por ter sido o cenário e guardar as
histórias de uma série de crimes que depois se tornaram narrativas de Hollywood
sobre a vida de Pablo Escobar (ROSA, 2016).

Mas, ainda de acordo com Rosa (2016), na cidade também reside um diferente
homônimo, Pablo Maturana. Ex-diretor da área de relações locais e internacionais da
agência de cooperação da cidade, a ACI, Maturana esteve presente quando do
estabelecimento dos planos de mobilidade urbana que converteram a capital do narcotráfico
em cidade modelo da ONU.
Em 2011, influenciado pelo modelo de Medellín, a cidade do Rio de Janeiro
implantou um sistema teleférico no Complexo do Alemão. A rede, de 3,5 km, se tornou
uma das grandes atrações turísticas do Rio e também foi muito utilizada pelos moradores da
comunidade, que evitavam assim as ruas tortuosas e íngremes do Alemão. Quase nove mil
pessoas circulavam pelo teleférico todos os dias (ISTOÉ, 2017).
Projetado como um símbolo de esperança, assim como as Unidades de Polícia
Pacificadora - UPPs12, o serviço passa por um período de abandono e seu fechamento, em
2017, foi atribuído, segundo a revista Istoé (2017) a danos inesperados que requeriam
grandes trabalhos de manutenção e reparos.
Porém os responsáveis ainda não explicitaram em que momento tais reparos serão

12
A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi um dos mais importantes programas de Segurança Pública realizado no
Brasil nas últimas décadas. Implantado pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, no fim de 2008, o
Programa das UPPs - planejado e coordenado pela Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional - foi elaborado
com os princípios da Polícia de Proximidade, um conceito que vai além da polícia comunitária e tem sua estratégia
fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública.O Programa engloba parcerias
entre os governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores da sociedade civil organizada e tem como objetivo a
retomada permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como a garantia da proximidade do Estado com a
população (RIO DE JANEIRO, 2018).
22

efetivados, e os morados demostram descrença, já que o estado do Rio se encontra em


iminente falência, com as taxas de criminalidade ascendentes e as remunerações de
servidores públicos pagos com atraso. Para além de um sistema de mobilidade urbana, os
terminais do sistema de teleféricos se transformaram em pontos movimentados que
concentrava serviços médicos, sociais, correios e bibliotecas, além de impulsionar o
comércio local, em uma demonstração da capacidade que os indivíduos possuem de, com o
seu trabalho, produzir o espaço urbano (Figura 35).
Figura 7: O teleférico de uma das comunidades do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2016. Acesso em 28/05/2018

É importante abordar plausíveis variantes, deduzidas, que possam ter motivado o


insucesso do modelo implantado no Rio. Inicialmente a municipalidade, de forma subjetiva,
priorizou o turismo à comunidade, ou seja, a imagem que se pretendia a despeito da
realidade local, que o projeto deveria auxiliar a transformar.
Depois, ao contrário do ocorrido em Medellín, não houve uma presença de
educadores quando da implantação das UPPs e do sistema de teleférico, objetivando a
inserção dos moradores no processo e, quiçá, repassando-lhes conhecimento para
empreender dentro da nova realidade proposta. Também, tratou-se de mais uma política
pública de cima para baixo, sem a participação popular. Desta maneira, o sentimento de
pertencimento observado na cidade colombiana não teve embasamentos junto à população
23

da comunidade do Alemão, “que considerava não ter suas necessidades atendidas com o
projeto” (ISTOÉ, 2017).
Ademais, aparentemente essa implantação foi apropriada mais como uma
promoção política dos gestores públicos, que pretendiam projetar uma imagem, durante os
eventos da Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos de Verão 2016, de um Rio de Janeiro
inovador e livre do palco de lutas entre narcotraficantes e policiais, a despeito da finalidade
de inclusão socioeconômica observada no caso de Medellín.
Com relação ao programa de UPPs, em 2018 o Ministro da Segurança Raul
Jungman confirmou que quase a metade das 38 unidades será suprimida, a fim de reforçar o
policiamento de outras regiões do estado do Rio de Janeiro e das unidades que
permaneceram em funcionamento. Declarou, ainda, que parte das UPPs já não cumpriam
suas funções originais (NOGUEIRA, 2018). Essa situação denota a omissão dos gestores
públicos no Brasil e demonstra, também, sua inoperância, considerando que iniciativas
inovadoras e saudáveis carecem de suporte político para se perpetuarem ao longo do tempo,
uma vez que o movimento se propõe permanente.
É certo que a América Latina e os países em desenvolvimento em geral têm muito
a aprender com o exemplo bem-sucedido de Medellín, assim como com os infortúnios
ocorridos no Rio de Janeiro. Depreende-se, das ações ocorridas nessas metrópoles latino-
americanas, que uma cidade saudável é igualmente uma cidade com justiça social, pois as
desigualdades se destacam entre as causas de degradação da saúde. As iniciativas citadas
aqui são só algumas, mas não há dúvidas: o trabalho de construção de cidades saudáveis,
justas e inovadoras está só começando.
24

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) – Carta Brasileira para


Cidades Inteligentes. Edição revisada, Brasília, 2020. Disponível em:
file:///C:/Users/FABIO/Downloads/Carta%20Brasileira%20para%20Cidades%20Intel
igentes.pdf . Acesso em 16/11/2023.

SOUZA, Fábio de. Arborização urbana e cidades saudáveis: índice de supressão


arbórea no sistema viário e sua influência na valoração do imóvel comercial. 2019. 327 f.
Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia,
2019. p. 78 a 96. DOI http://dx.doi.org/10.14393/ufu.te.2019.2182. Disponível em:
https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/27379/1/Arboriza%c3%a7%c3%a3oUr
banaCidades.pdf . Acesso em 16/11/2023

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