População Indígena Um Primeiro Olhar Sobre o Fenômeno Do Índio Urbano Na Área Metropolitana de Brasília
População Indígena Um Primeiro Olhar Sobre o Fenômeno Do Índio Urbano Na Área Metropolitana de Brasília
População Indígena Um Primeiro Olhar Sobre o Fenômeno Do Índio Urbano Na Área Metropolitana de Brasília
SEPLAG
Secretaria de Estado de
Planejamento, Orçamento e Gestão
População indígena
Um primeiro olhar sobre o fenômeno do índio urbano na
Área Metropolitana de Brasília
Renato Santana
Vice-Governador
Aldo Paviani
Diretor de Estudos Urbanos e Ambientais
DIRETORIA DE ESTUDOS E POLÍTICAS SOCIAIS
Flávio de Oliveira Gonçalves – Diretor
Equipe Técnica
Maria Lúcia Marques Batista
Shirley de Fátima Rodrigues de Andrade
Revisão
Nilva Rios
Sumário
Introdução .................................................................................................................... 06
2. Migração ................................................................................................................. 12
4. Moradia ................................................................................................................... 15
5. Rendimento ............................................................................................................ 16
Introdução
Falar do povo indígena hoje é buscar na história do Brasil, desde a descoberta e colonização,
a saga vivenciada por essa comunidade. A historicidade é recheada de fatos que podem
causar perplexidade aos mais sensíveis.
O povo‐nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de
sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas,
mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e
progresso. Surge, isto sim, da concentração de uma força de trabalho
escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através
de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de
fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável (RIBEIRO, 1995, p.
23).
O Brasil é um país multicultural, graças ao patrimônio cultural dos diversos grupos sociais
formadores da sociedade nacional, dos quais se destacam os negros africanos e os indígenas
nativos das terras brasileiras.
Assim como os negros, a população indígena foi tratada de forma desrespeitosa, sem
preocupação com o atendimento de suas necessidades e com ações discriminatórias e
desumanas, conforme descrito por Darcy Ribeiro:
Mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação
de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam
em suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de fazer.
Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação mais
horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira. [...]
Os povos que ainda o puderam fazer fugiram mata adentro, horrorizados com
o destino que lhes era oferecido no convívio dos brancos, seja na cristandade
missionária, seja na pecaminosidade colonial. Muitos deles levando nos
corpos contaminados as enfermidades que os iriam dizimando a eles e aos
povos indenes de que se aproximassem (RIBEIRO, 1995, p. 43).
A relação de domínio e espoliação dos índios pelas classes dominantes perpetrou por
décadas e, apesar do extermínio sofrido, muitas dessas populações resistiram e, atualmente,
seus descendentes são reconhecidos como sujeitos de direitos, que devem ser promovidos e
protegidos pela ordem jurídica nacional. Há, assim, o reconhecimento dos seus direitos sobre
suas terras como direitos “originários”, pelo fato de terem sido os primeiros ocupantes do
Brasil. A legislação marca também o abandono da perspectiva assimilacionista, que entendia
os índios como uma categoria transitória destinada a desaparecer, com sua adequação a um
modelo de sociedade imposto, a partir da negação de suas identidades em nome de sua
inserção ao grupo dito civilizado.
A comunidade indígena passou por três momentos significativos: o do extermínio, o da
integração ou assimilacionista e, só depois da promulgação da Constituição Federal de 1988,
o de reconhecimento de direitos originários e ampliação de garantias. A última fase deu-se
após amplas discussões e atividades políticas entre entidades dedicadas à causa indígena
(SOUZA e BARBOSA, s.d.).
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Com os novos preceitos constitucionais, assegurou-se aos povos indígenas o respeito à sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. É o que reza o caput do artigo
231 da Constituição Federal (1988): “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos
os seus bens."
Apesar de várias tribos terem habitado a região antes da fundação de Brasília, hoje no Distrito
Federal não existem terras indígenas demarcadas e a sua população é composta por pequena
parcela desse segmento (0,24%), segundo o Censo Demográfico (IBGE, 2010).
O acesso às informações é dificultado pelo fato de o DF não contar com terras indígenas
delimitadas. O Censo Demográfico e outras pesquisas sobre a população indígena não
aprofundam as especificidades desse público quando fora de territórios demarcados. Além
disso, os serviços urbanos não são preparados para lidar com a questão indígena, muitas
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vezes deixando de coletar e de fornecer informações sobre o seu atendimento nas áreas de
saúde, educação, assistência social e outras.
Essa dificuldade ora identificada no âmbito da pesquisa reflete a forma como o índio urbano
vem sendo invisibilizado na sociedade. Pouco se discute sobre as necessidades dos
indígenas egressos de suas terras, bem como de seus descendentes. A cultura indígena,
diretamente vinculada à sua relação com a natureza, na cidade vê-se reduzida a um conjunto
de crenças consideradas estranhas, sendo ignorados os seus hábitos alimentares, de
convivência, de moradia, de educação, de lazer e de esporte.
Este estudo apresenta o primeiro olhar sobre o índio urbano no Distrito Federal, demonstrando
a realidade dessa população que se declara indígena e vive sob a ameaça da perda da sua
identidade cultural. São analisados alguns aspectos demográficos da população indígena do
Distrito Federal, ora comparando-o à Periferia Metropolitana de Brasília, ora a outras unidades
da federação da Região Centro-Oeste e à realidade nacional.
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1. Características da população
Em 2010, segundo o Censo Demográfico (IBGE), o Brasil possuía uma população de mais de
800 mil indígenas. O censo revelou ainda que o Centro-Oeste era a terceira região com maior
concentração de indígenas, estando o Distrito Federal colocado na terceira posição em
número de indígenas por mil habitantes, na frente do estado de Goiás.
Tabela 1 - Razão de pessoas indígenas por mil habitantes – Região Centro-Oeste - 2010
Unidade Indígena Total 1.000X1
Mato Grosso do Sul 77.025 2.449.024 31,5
Mato Grosso 51.696 3.035.122 17,0
Goiás 8.583 6.003.788 1,4
Distrito Federal 6.128 2.570.160 2,4
Centro-Oeste 143.432 14.058.094 10,2
Fonte: IBGE, Censo Demográfico - 2010
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Na Área Metropolitana de Brasília (AMB) verifica-se que a maior população indígena está
localizada no município de Cidade Ocidental, com três indígenas por mil habitantes. Em
segundo lugar está o Distrito Federal (2,38) seguido dos municípios de Luziânia (1,82) e
Planaltina (1,78). Por outro lado, os municípios com menos residentes indígenas são:
Cocalzinho de Goiás (0,86), Cristalina (1,18) e Padre Bernardo (1,37).
Masculino Feminino
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Observa-se que a pirâmide etária indígena do Distrito Federal tem as maiores proporções nas
faixas intermediárias, de 25 a 39 anos (29,3%) e de 40 a 59 anos (27,8%) e as menores nas
extremidades, que correspondem à faixa de crianças de 0 a 9 anos (8,4%) e à de idosos de
60 anos e mais (10%). No caso do Distrito Federal como um todo, a proporção incluída na
faixa etária de 0 a 9 anos é quase o dobro da apurada entre os indígenas na mesma faixa,
15,2%.
O baixo percentual de crianças indígenas pode indicar baixa fecundidade ou sub-registro, por
parte dos familiares ou responsáveis que não classificam as suas crianças como sendo
indígenas. Trata-se de uma questão que requer maior aprofundamento e novos estudos.
Na faixa de 60 anos e mais, os dados revelam haver, proporcionalmente, mais idosos entre
os indígenas (10,1%) do que no DF como um todo (7,7%).
Embora haja semelhança entre as pirâmides etárias da Periferia Metropolitana de Brasília e
do Distrito Federal, nota-se que, nas faixas de 0 a 9 anos e de 60 anos e mais, os dados se
opõem: na PMB há mais crianças entre 0 e 9 anos (10,4%) e menos idosos (9,2%) do que no
Distrito Federal.
Na Periferia Metropolitana de Brasília, os municípios com as maiores proporções de crianças
de 0 a 9 anos são Luziânia (13,8%), Padre Bernardo (13,2%) e Cristalina (12,7%). Já
Cocalzinho de Goiás, Alexânia e Santo Antônio do Descoberto contabilizam menores
percentuais (0%, 5,1% e 6,3%, respectivamente).
As localidades que apresentam as maiores populações indígenas com 60 anos e mais são
Alexânia (28,2%), Padre Bernardo (13,2%) e Novo Gama (12,4%). Nota-se que Alexânia é a
localidade cuja população indígena é a mais envelhecida, com mais da metade de pessoas
nas faixas acima de 40 anos.
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População indígena: um primeiro olhar sobre o fenômeno do índio urbano na Área Metropolitana de Brasília
25,0
20,0
5,0
0,0
0 a 9 anos 10 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos e mais
Faixas Etárias
Distrito Federal PMB
2. Migração
14,2
28,2
17,3
40,2
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12,7
9,3
78,0
Verifica-se que, entre indígenas advindos de outras localidades, o percentual mais expressivo
chegou ao Distrito Federal na década de 1990 (30,2%), seguido dos que migraram na década
de 1970 (19,6%) e 1980 (18,6%). A década de 1960, marcada pela implantação da capital do
país em Brasília, foi o período de menor imigração de indígenas.
13,5 6,7
19,6
11,3
18,6
30,2
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3. Cultura e escolarização
Os dados sobre a língua usada por pessoas indígenas maiores de 5 anos no Distrito Federal
revelam que a quase totalidade, 96,9% não falavam língua indígena no domicílio. Em todo o
país, os indígenas residentes fora de terra demarcada utilizam menos a língua de seu povo,
12,7%, enquanto nos territórios reconhecidos pela União 63,7% falam a língua materna em
sua residência.
Gráfico 6 - Percentual de indígenas de 5 anos ou mais de idade que falam
língua indígena no domicílio – Distrito Federal - 2010
3,1
96,9
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População indígena: um primeiro olhar sobre o fenômeno do índio urbano na Área Metropolitana de Brasília
23,3
25,0
20,0
13,2
15,0
10,0
6,0 5,3
4,3
5,0 2,4
0,0
Não negros Negros Indígenas
DF Brasil
4. Moradia
1,2
8,2
33,8
56,8
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5. Rendimento
Outro aspecto do perfil da população indígena no Distrito Federal diz respeito à renda
individual. Mais da metade dessa população, 55%, declarou perceber, individualmente, mais
de um a três salários mínimos mensais. 24,8% estão na faixa que compreende renda de até
um salário mínimo. Apenas 4,7% desse grupo têm rendimento superior a cinco salários
mínimos.
Na população total do Distrito Federal, verificam-se proporções bastante diferentes, em
especial na faixa de rendimento mais alta, na qual estão 23,8% das pessoas. 9,7% da
população total do DF apresentam rendimento superior a 10 salários mínimos, faixa em que
não se encontra qualquer percentual de indígenas.
55,0 57,1
60
50
40
30 24,8 23,8
15,5
20
10,4
8,7
10 4,7
0
Até 1 SM Mais de 1 a 3 SM Mais de 3 a 5 SM Mais de 5 SM
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15,2
16,00
12,6
14,00
12,00
10,00
8,00 5,5
6,00
4,00
2,00
Não Negra Indígena Negra
Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS, MTE), o mercado de trabalho tem
acolhido a população indígena no Distrito Federal. Enquanto na população eles aparecem em
proporções inferiores a 1%, no mercado de trabalho sua participação variou entre 2% e 2,7%
no setor público e entre 3,1% e 4,8% no setor privado entre 2008 e 2012. A área privada, em
todos os anos considerados, foi responsável por cerca de 95% do emprego dos indígenas,
acompanhando a proporção das demais designações de raça/cor.
4,1
4,0
3,5
3,1
3,0 2,7
2,5 2,6
2,1
2,0
2,0
1,0
0,0
2008 2009 2010 2011 2012
Público Privado
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Considerações finais
Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados.
Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre
marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças.
Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra
esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui,
neste país, uma sociedade solidária.
Darcy Ribeiro
Não há, no Distrito Federal, terras indígenas demarcadas oficialmente. Por essa razão, a
população indígena que reside na capital do país é, muitas vezes, ignorada pela sociedade e
pelo poder público. O fenômeno do índio na cidade é um tema a ser discutido na academia e
na política, configurando um aspecto da questão social relevante para a cultura nacional. O
Brasil deve muito àqueles que compuseram originalmente sua população.
As informações existentes sobre os indígenas no Distrito Federal revelam uma situação de
desvantagem desse grupo em relação ao restante da população no que se refere à
alfabetização e à renda. Nesses indicadores, os indígenas apresentam números piores que
os da população negra, conhecida por raramente superar os indicadores da população
autodeclarada branca ou amarela.
O maior desafio identificado quanto a esse público é o de obter informações a fim, até mesmo,
de conhecer a relação que as pessoas que se declaram indígenas têm com a cultura indígena.
Para isso, é necessário organizar esforços no sentido de melhorar o registro de informações
e o atendimento das especificidades dos povos indígenas nos serviços públicos e privados do
Distrito Federal.
É preciso também criar espaços de acolhimento de demandas da comunidade indígena,
compreendendo que, ainda que seja inevitável a perda de alguns aspectos de sua cultura
quando da migração para a cidade, esta seja capaz de dar respostas àquilo de que os
indígenas necessitem pelo fato de o serem.
Espera-se com este trabalho contribuir com a reflexão sobre os indígenas que residem no
meio urbano, provocando uma sensibilização das diversas instâncias que abordam
transversalmente o tema para a causa de um povo cuja única exigência explícita é a de ser.
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Referências bibliográficas
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro - A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
SOUZA, Manuel Nascimento de, e Erivaldo. BARBOSA. Direitos indígenas fundamentais e sua tutela
na ordem jurídica brasileira. s.d. http://tinyurl.com/lev93gg (acesso em 13 de abril de 2015).
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