O Contrato de Namoro No Ordenamento Juri

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ISSN 2179-1635

Revista SÍNTESE
Direito De Família
ano XiX – nº 109 – ago-Set 2018

repoSitório autorizaDo De JuriSpruDência


Superior Tribunal de Justiça – Nº 46/2000

Diretor eXecutivo
Elton José Donato

gerente eDitorial
Milena Sanches Tayano dos Santos

coorDenaDor eDitorial
Cristiano Basaglia

eDitora
Simone Costa Saletti Oliveira

conSelho eDitorial
Álvaro Villaça Azevedo, Daniel Ustárroz, João Baptista Villela, José Roberto Neves Amorim,
Priscila M. P. Correa da Fonseca, Sergio Matheus Garcez, Sergio Resende de Barros

colaboraDoreS DeSta eDição


Angélica Aparecida Ortolan, Caroline Ribas Sérgio, Claudio Gomes,
Felipe Cunha de Almeida, Isaque Soares Ribeiro, Lívia Copelli Copatti,
Marcela Maria Furst Signori Prado, Paulo Lins e Silva, Raissa Nacer Oliveira de Andrade,
Raphael Fernando Pinheiro, Rogério Tadeu Romano
1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.


Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito de Família.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.
Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-
tivos tribunais.
A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser
feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).
Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração
Distribuída em todo o território nacional.
Tiragem: 5.000 exemplares
Capa: Tusset Monteiro Comunicação
Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO DE FAMÍLIA


Nota: Continuação de REVISTA IOB DE DIREITO DE FAMÍLIA
v. 1, n. 1, jul. 1999
Publicação periódica
Bimestral

v. 19, n. 109, ago./set. 2018

ISSN 2179-1635

1. Direito de família – periódicos – Brasil


CDU: 347.6(05)(81)
CDD: 340

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

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05036‑060 – São Paulo – SP Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900
www.sage.com Demais localidades 0800.7283888
Carta do Editor
Escolhemos como Assunto Especial desta edição o tema “Contrato
de Namoro” com três relevantes artigos dos renomados juristas: Felipe
Cunha de Almeida, Angélica Aparecida Ortolan, Lívia Copelli Copatti e
Raphael Fernando Pinheiro.
E, nas Seções Especiais “Em poucas Palavras”, artigo de Isaque
Soares Ribeiro intitulado “Para Que Serve um Contrato de Namoro?
Pode Ser Feito em um Cartório de Notas?”; e “Acontece”, artigo de
Paulo Lins e Silva intitulado “Para Advogado, Contrato de Namoro Pode
Ser Facilmente Contestado”.
O contrato de namoro pode ser uma saída para quem quer pro-
teger seu patrimônio durante uma relação. Trata-se de um documento
assinado por ambas as partes em um relacionamento, no qual os envol-
vidos assumem a condição de namorados, mas sem intenção, por ora,
de constituir família.
Na Parte Geral selecionamos conteúdo, para mantermos a qua-
lidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes no-
mes do Direito, sendo eles: Marcela Maria Furst Signori Prado, Claudio
Gomes, Caroline Ribas Sérgio e Raissa Nacer Oliveira de Andrade
E, por fim, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, arti-
go de Rogério Tadeu Romano intitulado “Mudança de Sobrenome”.
Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que
traz sugestões de leitura complementar aos assuntos abordados na res-
pectiva edição da Revista.
Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos


Gerente Editorial
Sumário
Normas Editoriais para Envio de Artigos .................................................................... 7

Assunto Especial
Contrato de namoro

doutrinas
1. Contrato de Namoro: Efeitos?
Felipe Cunha de Almeida ...........................................................................9
2. O Contrato de Namoro no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Angélica Aparecida Ortolan e Lívia Copelli Copatti .................................34
3. “Namorar com Contrato?” A Validade Jurídica dos Contratos de
Namoro
Raphael Fernando Pinheiro ......................................................................46

em PouCas Palavras
1. Para Que Serve um Contrato de Namoro? Pode Ser Feito em um
Cartório de Notas?
Isaque Soares Ribeiro ...............................................................................62

aConteCe
1. Para Advogado, Contrato de Namoro Pode Ser Facilmente Contestado
Paulo Lins e Silva .....................................................................................65

Parte Geral
doutrinas
1. A Interdição e a Curatela Sob a Nova Ótica do Estatuto da Pessoa
com Deficiência
Marcela Maria Furst Signori Prado............................................................67
2. O Novo Código de Processo Civil e os Impactos no Direito da
Criança e do Adolescente
Claudio Gomes ........................................................................................71
3. O Instituto da Adoção à Luz da Legislação Brasileira
Caroline Ribas Sérgio ...............................................................................97
4. Efeitos Sucessórios Decorrentes da União Estável, após o
Julgamento do RE 878.694 no STF
Raissa Nacer Oliveira de Andrade ..........................................................109
JurisPrudênCia
Acórdãos nA ÍntegrA
1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................134
2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................140
3. Superior Tribunal de Justiça....................................................................146
4. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios..........................154
5. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ...................................................159
6. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais .......................................165
7. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro......................................168
8. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ...............................186
9. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina .....................................191
10.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................200

ementário
1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................204

Seção Especial
Com a Palavra, o ProCurador
1. Mudança de Sobrenome
Rogério Tadeu Romano ..........................................................................224

Clipping Jurídico..............................................................................................227
Bibliografia Complementar .................................................................................236
Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................237
Normas Editoriais para Envio de Artigos
1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-
cados em sua área temática.
2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação
do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas
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Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e,
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vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que
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Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem
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TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os
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ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-
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Assunto Especial – Doutrina
Contrato de Namoro

Contrato de Namoro: Efeitos?


FELIPE CUNHA DE ALMEIDA
Mestre em Direito Privado pela Universidade do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito
Civil e Processual Civil (com ênfase em Processo Civil), Professor convidado pela UniRitter,
Unisinos, IDC, Verbo Jurídico, ESA OAB/RS, URI – Erechim, UNESC, e de outros cursos de
pós-graduação e prática jurídica, Advogado em Porto Alegre/RS. Foi Professor de Graduação
da Ulbra e PUC/RS.

RESUMO: Este artigo analisou o denominado contrato de namoro e as suas eventuais implicações
para as relações afetivas.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato; contrato de namoro; uniões de fato.

ABSTRACT: This article analyzed the so-called dating contract and its possible implications for affec-
tive relationships.

KEYWORDS: Contract; dating contract; unions of fact.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contratos; 1.1 Requisitos de validade; 1.2 Vontade; 1.3 Autonomia privada;
1.4 Pacta sunt servanda; 2 Contrato de namoro; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
As relações afetivas entre as pessoas são dotadas de peculiaridades
e de características inerentes aos envolvidos na relação. Os problemas
de ordem moral, psicológica, por exemplo, são inerentes aos seres hu-
manos. Por exemplo: pode ocorrer que, em determinada relação, uma
das partes tenha em mente um compromisso sério, atrelado à união es-
tável; a outra, por sua vez, pode ver a união apenas como um namoro,
mesmo que com as melhores intenções, mas que atinentes ao momento,
sem um projeto futuro.
Temos relações que, embora muitas vezes longas, duradouras, não
são regidas pelo casamento civil, são, sim, relações de fato. Muitas des-
sas relações podem configurar a união estável ou um simples namoro.
Já, em relação ao casamento civil, este, para entrar no plano da exis-
10 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

tência, da validade e da eficácia, deve preencher certos pressupostos


submetidos à autoridade estatal, inclusive com a escolha do regime de
bens que, mesmo no silêncio do casal, ocorrerá, vigorando a comunhão
parcial, como determina o Código Civil1. Para a união estável, o mesmo
regime é aplicado quando não exista contrato escrito2. Caso haja disputa
judicial acerca do reconhecimento e da dissolução de união estável,
esta, se configurada, também acarreta na incidência do dito regime3.
Contudo, há hipóteses que um integrante de determinada relação
não tem qualquer interesse em ver seu relacionamento evoluir para um
compromisso mais sério, e mais: tem interesse em ver afastado qualquer
efeito jurídico, em especial o reconhecimento futuro de união estável.
Tal intenção, por assim dizer, pode vir a se materializar no denominado
contrato de namoro.
Não é por menos que Rosa Maria de Andrade Nery, dirigindo-se às
uniões de fato, ressalta que “a questão que desafia o doutrinador do Di-
reito de Família é a circunstância de os futuros companheiros decidirem-
-se pela celebração do contrato de convivência, antes de ela se concre-
tizar de fato”. Assim, a ilustre jurista indaga: “[...]: Qual seria a eficácia
do contrato de união estável entre pessoas que ainda não concretizaram

1 “Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial.”
2 “Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais,
no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”
3 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE
UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E DÍVIDAS – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL
– PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM – DÍVIDAS – ÔNUS DA PROVA (ART. 333, I e II, DO CPC/1973)
– INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.658, 1.664 E 1.666 DO CC – 1. Às uniões estáveis, salvo documento
escrito entre as partes, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, pelo qual se comunicam todos
os bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, independentemente da comprovação
da efetiva participação de cada um dos companheiros, presumindo-se o esforço comum, nos termos das
disposições contidas nos arts. 1.658 e 1660, I, do CCB. As causas de exclusão de bens da partilha,
elencadas no art. 1.659 do CCB, devem ser comprovadas por quem alegar. 2. As dívidas contraídas na
constância da união estável devem ser partilhadas desde que, além da comprovação da sua existência, seja
demonstrado que reverteram em benefício do casal, a teor do disposto no art. 1.664 do mesmo diploma
legal. O ônus da prova acerca da existência de dívidas a partilhar, contraídas na constância da convivência
e em prol do casal, é da parte que formula a alegação e o correspondente pedido. Apelação e recurso
adesivo desprovidos.” (BRASIL. TJRS, Apelação Cível nº 70075022053, 7ª Câmara Cível, Relª Desª Sandra
Brisolara Medeiros, J. 22.11.2017. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.
tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%
25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_
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8&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70075022053&comarca=Comarca%20de%20
Torres&dtJulg=22/11/2017&relator=Sandra%20Brisolara%20Medeiros&aba=juris>. Acesso em: 8 dez.
2017)
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 11
o efetivo convívio proposto?”4 Em analogia ao contrato de namoro, per-
guntamos: Teria aquele o efeito de afastar futura união estável que viesse
a se concretizar?
Portanto, o objeto deste artigo é analisar esse contrato aos olhos
da doutrina e da jurisprudência, no sentido de verificação de sua pratici-
dade e aceitação, ou não, no cenário jurídico e a incidência, ou não, de
seus efeitos. Como se trata de um contrato, vamos analisar, em sequên-
cia e de forma breve, os contratos em sua teoria geral, a vontade, a
autonomia privada e o pacta sunt servanda, para, então, enfrentarmos o
chamado contrato de namoro.

1 CONTRATOS

Como se verifica da introdução deste artigo, o foco central objeto


de estudo é a análise do contrato de namoro e as suas eventuais conse-
quências e os seus efeitos na vida dos casais. Para tanto, antes, é preciso
dar uma passada de olhos na teoria geral dos contratos. Em seguida, mas
não menos importante, o exame sobre a manifestação e declaração de
vontade e, logo a seguir, a verificação de um dos princípios basilares do
Direito: o da autonomia privada somado ao pacta sunt servanda.

Justificam-se esses estudos preliminares haja vista que o contrato


de namoro reflete vontade inequívoca e expressa dos casais, pelo menos
em um primeiro momento, acerca de sua intenção de afastar, por exem-
plo, a incidência da união estável.

Pois bem. Carlos Roberto Gonçalves explica que o contrato “[...]


é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas
múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico”. As fontes
das obrigações, ou o que geram as obrigações, segundo o jurista ora em
referência, são os contratos, as declarações unilaterais de vontade, os
atos ilícitos, dolosos e culposos. A lei, por sua vez, é que dá a eficácia
aos fatos, estes, por sua vez, transformados “[...] em fontes diretas ou
imediatas”, sendo aquela, a seu turno, “[...] fonte mediata ou primária

4 NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: direito de família. 1. ed. Coord. Rosa Maria de
Andrade Nery e Nelson Nery Junior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 181.
12 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

das obrigações”5. Para o nosso estudo o que interessa é o contrato de


namoro propriamente dito.
César Fiuza ensina que os contratos são negócios jurídicos, de-
pendendo “[...] de pelo menos duas atitudes, de pessoas diferentes [...]”,
observada a seguinte classificação, ou seja, bilaterais ou plurilaterais6:
Serão negócios bilaterais se a atuação das partes for antagônica, como
no contrato de compra e venda, em que o comprador quer comprar e
o vendedor quer vender. Serão negócios plurilaterais se a atuação das
partes não for antagônica, caminhando, ao revés, lado a lado, como no
contrato de sociedade, em que os sócios têm os mesmos interesses, quais
sejam, realizar o objeto da sociedade para vê-la prosperar.7

Flávio Tartuce também apresenta a unilateralidade como classi-


ficação contratual quando os deveres são assumidos apenas por uma
das partes em relação à outra, como no caso da doação pura e simples.
Mesmo havendo duas vontades (doador e donatário), “[...] do concurso
de vontades surgem deveres apenas para o doador; o donatário apenas
auferirá vantagens”. Ainda, o mestre refere a existência de contratos con-
sensuais, ou seja, o aperfeiçoamento verifica-se pela manifestação de
vontade dos interessados8. É aqui exatamente o caso dos contratos de
namoros.
O fato é que os contratos não são celebrados sem qualquer mo-
tivo, ou à toa, como bem acentua César Fiuza9. Portanto, em sede de
contratos de namoro, já percebemos que há a intenção de se afastar
os requisitos caracterizadores da união estável e, automaticamente, os
efeitos jurídicos dessa relação. Afinal, o que justificaria, ou melhor: Qual
seria a causa de um contrato de tal natureza?

1.1 Requisitos de validade


Se é bem verdade que as partes, ao redigirem determinado contra-
to, têm intenções, objetivos (como no presente estudo o contrato de na-

5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 10. ed. São Paulo, v. 3,
2013. p. 21.
6 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 391.
7 Idem, ibidem.
8 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, volume único, 2013. p. 521-523.
9 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 391.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 13
moro), também é verdade que, para que emane os devidos efeitos, deve
preencher certos requisitos. Para tanto, buscamos amparo na doutrina de
Caio Mário da Silva Pereira.
O ilustre jurista supracitado apresenta três requisitos de validade
do contrato: subjetivos, objetivos e formais. Para o primeiro (subjetivo),
vem a capacidade das partes, ou seja, devem os interessados estar aptos
a emitir vontade e de forma válida. Melhor dizendo, significa que “[...] o
requisito subjetivo pode ser enunciado como aptidão para consentir”10.
E mais:
O consentimento gerador do contrato, há de abranger seus três aspectos:
a) Acordo sobre a existência e natureza do contrato; se um dos contratan-
tes quer aceitar uma doação e o outro quer vender, contrato não há.
b) Acordo sobre o objeto do contrato; se as partes divergem a seu respei-
to, não pode haver contrato válido [...].
c) Acordo sobre as cláusulas que o compõem; se a divergência campeia
em ponto substancial, não poderá ter eficácia o contrato.11
De forma objetiva, Caio Mário da Silva Pereira, trazendo a dou-
trina francesa, explica que “[...] os requisitos do contrato envolvem a
possibilidade, liceidade, determinação e economicidade”. Define-se
como impossível a contratação cujo objeto é insuscetível de ser realiza-
do, dividindo-se em impossibilidade material e jurídica. Para a primeira
(material), a impossibilidade é no campo da execução da prestação, po-
dendo, ainda, ser absoluta, que por ninguém é suscetível de realização,
ou relativa12:
[...] relativa, quando o agente em determinado momento não consegue
superar o obstáculo à sua realização, mas outra pessoa, ou a mesma, em
momento diverso, teria meios de obtê-la. Somente a primeira tem como
efeito a nulidade do contrato (Código Civil, art. 106), já que a impossibi-
lidade relativa da prestação não chega a constituir óbice irremovível. Ao
revés, situa-se na dependência de circunstâncias pessoais do devedor,
e, conseguintemente, ao invés de liberá-lo, sujeita-o a perdas e danos.13

10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos: declaração unilateral de vontade:
responsabilidade civil. 19. ed. Atual. Caitilin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2015. p. 28.
11 Ibidem, p. 29.
12 Idem, ibidem.
13 Ibidem, p. 30.
14 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Contudo, ressalta o mestre que a impossibilidade deve vir no mo-


mento, ou concomitantemente à constituição, invalidando, dessa forma,
o contrato. Para a hipótese de a impossibilidade ser superveniente, tor-
nando inexequível a avença, pode ocorrer, ou não, as perdas e os danos
caso haja, ou não, a culpa do devedor14.
Sobre a impossibilidade material, podemos observar exemplo cla-
ro em caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com
debate envolvendo contratação de serviços de segurança:
A parte recorrente alega que o serviço contratado foi devidamente pres-
tado, remunerada e não causou qualquer prejuízo à massa, não havendo
que se falar em irregularidade nos pagamentos efetuados aos precitados
funcionários.
Verifica-se no presente feito que Ernestino e Lúcio foram contratados pela
parte agravante, na condição de administrador judicial das massas falidas
do Hospital Maia Filho e a de Radiadores Zago, para que exercessem a
atividade de vigia e resguardassem a propriedade daquelas. Entretanto,
os referidos vigias foram contratados para que prestassem serviço de vi-
gilância no mesmo horário nas duas empresas falidas, situadas em locais
diversos.
[...]
Portanto, resta claro que a contratação de Ernestino e Lúcio onerou injus-
tificadamente a massa falida, tendo em vista que não foi prestado adequa-
damente o serviço contratado, na medida em que não é possível alguém
exercer a função de vigilante em dois lugares distintos simultaneamente.
Por outro lado, somente é possível considerar como irregulares os paga-
mentos aos vigias durante o período em que houve a contratação simul-
tânea na qual havia conflito de horário e local diverso para prestação do
serviço, isto é, não todo o lapso temporal no qual prestaram os referidos
serviços de vigilância à massa falida do Hospital Maia Filho.15

14 Idem, ibidem.
15 “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA – CONTRATAÇÃO
DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE SEGURANÇA DE FORMA IRREGULAR – PACTO QUE ONEROU
EXCESSIVAMENTE A MASSA FALIDA – CONTRAPRESTAÇÃO INDEVIDA – IMPOSSIBILIDADE MATERIAL
DE CUMPRIMENTO – PERÍODO DE PRESTAÇÃO SIMULTÂNEA EM LOCAIS DIVERSOS – 1. Verifica-se no
presente feito que Ernestino e Lúcio foram contratados pela parte agravante, na condição de administrador
judicial das Massas Falidas do Hospital Maia Filho e a de Radiadores Zago, para que exercessem a atividade
de vigia e resguardassem a propriedade daquelas. Entretanto, os referidos vigias foram contratados para que
prestassem serviço no mesmo horário nas duas empresas falidas, situadas em locais diversos. 2. Assim,
a toda evidência, mostra-se impossível que os trabalhadores estivessem prestando serviço em dois locais
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 15
Em termos de impossibilidade jurídica, mesmo sendo a prestação
materialmente realizável, tal impossibilidade dá-se quando a norma é
o obstáculo, não podendo o devedor prestar o que foi combinado. Por-
tanto: “O cumprimento da obrigação importará em afronta ao ordena-
mento jurídico”. A iliceidade referida por Caio Mário Pereira da Silva
tem relação com a impossibilidade, mas que vedada pela lei, gerando a
ineficácia do contrato, atentando, inclusive, a prestação contra a ordem
pública e os bons costumes16.
A título de caso prático no sentido de exemplificar a teoria, a Corte
gaúcha entendeu pela ilicitude do seguinte contrato:
Aqui, para o que importa, foi declarado nulo o contrato, por ilicitude do
seu objeto, com fundamento no art. 166, II, do Código Civil.
[...].
No que diz respeito à aplicação do art. 1.147 do Código Civil e a proi-
bição da concorrência por cinco anos, afigura-se adequada e pertinente
ao administrador que se desliga da companhia, em razão do seu dever
de lealdade. No caso concreto, há o reforço da posição de acionistas
e o dever de não concorrência insculpido do código de conduta que
restou reconhecido, o que aqui ratifico pelos próprios fundamentos do
Juízo postos na fundamentação da sentença, aplicando-se o disposto no
art. 107 do Código Civil, embora não tenha sido o documento assinado.17

distintos ao mesmo tempo, de sorte a cumprir com os contratos firmados com as Massas. É evidente que
os referidos vigias não deviam desempenhar adequadamente as funções para as quais foram contratados,
ante o claro conflito de horários constatado. Portanto, resta incontroverso que a contratação de Ernestino
e Lúcio onerou injustificadamente a massa falida. 3. Por outro lado, somente é possível considerar como
irregulares os pagamentos aos vigias durante o período em que houve a contratação simultânea na qual
havia conflito de horário e local diverso para prestação do serviço, isto é, não todo o lapso temporal no qual
prestaram os referidos serviços de vigilância à massa falida do Hospital Maia Filho. 4. Por conseguinte,
deve ser dado parcial provimento ao agravo de instrumento, a fim de declarar a irregularidade das
contratações e pagamentos realizados pela parte agravada aos vigias Ernestino e Lúcio, durante o interregno
de tempo de 1º de abril de 2009 a outubro de 2010, podendo obter a remuneração devida no período
que não está compreendido neste lapso temporal. Dado parcial provimento ao agravo de instrumento.”
(BRASIL. TJRS, Agravo de Instrumento nº 70070996350, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luiz Lopes
do Canto, J. 19.12.2016. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.
br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a
%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_
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Porto%20Alegre&dtJulg=19/12/2016&relator=Jorge%20Luiz%20Lopes%20do%20Canto&aba=juris>.
Acesso em: 5 jan. 2018)
16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos: declaração unilateral de vontade:
responsabilidade civil. 19. ed. Atual. Caitilin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2015. p. 30-31.
17 “Ementa: Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de contrato. Caso concreto. Matéria de fato. Análise das
provas. Contrato de licenciamento de marcas declarado nulo. Prática de atos de concorrência desleal. Dever
16 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

O objeto também deve ser determinado, ou pelo menos determi-


nável no sentido de sobre o que deve incidir o cumprimento da obri-
gação, podendo ocorrer no momento da execução. “A determinação
dá-se pelo gênero, pela espécie, pela quantidade, pelas características
individuais da res debita”. Contudo, sendo o objeto do contrato definiti-
vamente indeterminável, é inválido justamente pela completa ausência
do referido objeto18.
Belo exemplo sobre o requisito objeto determinável é o contrato
de locação analisado pelo STJ, cuja indeterminabilidade levou à invali-
dade:
I – Forçoso reconhecer que os contratos de locação de bem imóvel junta-
dos aos autos não discriminam os imóveis que caracterizam o seu objeto,
donde se conclui tratar-se de negócio jurídico com objeto indeterminá-
vel, implicando, por isso mesmo, a nulidade dos contratos apresentados,
nos termos do art. 166, II, do CC/2002;
II – Com efeito, a autora não apresenta nenhuma prova de que o apelado
usufruiu os imóveis a ele supostamente alugados, não se desincumbin-
do, portanto, do ônus probatório, imposto pelo art. 333, I, do Código de
Processo Civil/1973;
[...].19

Caio Mário Pereira da Silva apresenta, também, o requisito econô-


mico, ou seja, a prestação deve ser economicamente apreciável, eis que

de lealdade e de boa-fé do acionista em não concorrer contra a própria companhia da qual era o administrador.
Objeto ilícito do contrato reconhecido, na forma do art. 166, II, do Código Civil. Sentença confirmada por seus
fundamentos. Apelo não provido.” (BRASIL. TJRS, Apelação Cível nº 70071190532, 6ª Câmara Cível, Rel. Des.
Ney Wiedemann Neto, J. 09.03.2017. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.
tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E
7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_
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8&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70071190532&comarca=Comarca%20de%20
Nova%20Prata&dtJulg=09/03/2017&relator=Ney%20Wiedemann%20Neto&aba=juris>. Acesso em: 5
jan. 2018)
18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos: declaração unilateral de vontade:
responsabilidade civil. 19. ed. Atual. Caitilin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2015. p. 31.
19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AREsp 1084432, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, decisão
monocrática, J. 01.08.2017. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=contrato
s+e+%22objeto+indetermin%E1vel%22&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 5 jan.
2018.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 17
entende e se alinha à corrente que defende o requisito da patrimoniali-
dade quanto ao objeto da obrigação20.
O terceiro e último requisito de validade é quanto à forma:
[...] em princípio, os contratos celebram-se pelo livre consentimento das
partes, salvo quando a lei impõe, como essencial, a obediência ao requi-
sito de forma (Código Civil, art. 107). Certos contratos têm de ser vazados
de forma escrita, como, por exemplo, a doação, salvo se de pequeno va-
lor (Código Civil, art. 541), e outros devem revestir a forma pública. Esta
pode ser adotada pela convenção, quando as partes ajustam-na em cláu-
sula expressa (Código Civil, art. 220), ou é determinada pela lei, como
se dá nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre
imóveis de valor determinado em lei.21

1.2 vontade
Em termos de interpretação contratual, o Código Civil é econômi-
co no tocante a tais regras, contendo, assim, um princípio geral estam-
pado nesses termos: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá
mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da lin-
guagem”. Vejamos as lições nesse sentido:
Aproximou-se do Código Civil alemão, e propendeu para a busca da
vontade, sem o feitichismo da expressão vocabular. Mas não quer, tam-
bém dizer, que o intérprete desprezará a linguagem para sair à cata da
vontade, nos meandros cerebrinos de sua elaboração. Cabe-lhe buscar
a intenção dos contratantes, percorrendo o caminho da linguagem em
que vazaram a declaração, mas sem se prender demasiadamente a esta.22

Silvio Venosa explica que


há ponderável paralelismo entre a interpretação da lei e a dos negócios
jurídicos. Em ambas as situações procuramos fixar o verdadeiro sentido
da manifestação de vontade. Só que a lei tem sentido geral, é dirigida a
número indeterminado de pessoas, enquanto o negócio jurídico é par-
ticular, dirigido apenas ao declarante e ao declaratário de vontade. O

20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos: declaração unilateral de vontade:
responsabilidade civil. 19. ed. Atual Caitilin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2015. p. 31.
21 Ibidem, p. 32.
22 Ibidem, p. 46.
18 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

hermeneuta, portanto, apesar de usar técnicas similares, deve ter em vista


sempre essa diferença.23

E sobre interpretar, assim posiciona-se o mestre:


Interpretar o negócio jurídico é determinar o sentido que ele deve ter; é
determinar conteúdo voluntário do negócio. Interpretar é, em última aná-
lise, aplicar o Direito. Interpretar e aplicar o Direito no caso concreto são
ações conjugadas. Não há outro interesse na interpretação senão buscar
a melhor aplicação da norma.24

Deve haver, portanto, a harmonia entre o querer e a declaração,


como objeto desejado na normalidade do negócio jurídico25. Inclusive,
como a vontade é elemento essencial, fundamental, dos negócios jurídi-
cos, prevalece sobre a declaração expressa, sobre a linguagem, quando
houver conflito com esta. Portanto26:
Nesse sentido, importa salientar o desprendimento da forma para pre-
valecer o fundo, ou seja, o conteúdo. A real intenção do agente será
perquirida quando por uma controvérsia qualquer se deva perscrutar a
real intenção contida na manifestação de vontade emitida. Nesse senti-
do, mister relevar a importância da qual se reveste a vontade, sendo sua
expressão o ponto fulcral do negócio jurídico.

Há expressa manifestação de vontade em determinado contrato de


namoro, isto é incontroverso. A problemática surge quando, por exem-
plo e no fim da relação, determinada parte busca o reconhecimento e a
dissolução judicial da união, entendo como união estável, mesmo que
no período do contrato de namoro. Aí começam os problemas: Como re-
solveria o juiz tal situação? Entenderia pela inequívoca manifestação de
vontade em contrato de namoro ou, mesmo considerando a existência
e validade do pacto, decidiria pela ausência de qualquer efeito, julgan-
do procedente a ação de reconhecimento e união estável cujas partes

23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 122.
24 Ibidem, p. 123.
25 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República: parte geral e obrigações (artigos 1º a 420). 3. ed. São Paulo: Renovar,
v. I, 2014. p. 229.
26 BENHAME, Mário. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. 3. ed. Coord. Jorge Shiguemitsu Fujita,
Luiz Antonio Scavone Jr., Carlos Eduardo Nicoletti Camillo e Glauber Moreno Talavera. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 19
são os contratantes e, a partir do julgado, com o resultado da ação, ex-
-companheiros?
Entendendo o magistrado pela primeira hipótese (força total do
contrato), a questão é resolvida tendo em vista o princípio da autonomia
privada e do pacta sunt servanda, mesmo com a caracterização da união
estável. Contudo, também caso venha a se configurar a união estável,
cujo ônus da prova é encargo de quem a alegar, a situação vai ter con-
tornos e consequências diferentes se o juiz entender que a realidade fá-
tica do casal tem status de família, circunstância essa que neutralizará os
efeitos do contrato. Vamos aos princípios mencionados neste parágrafo.

1.3 autonomia pRivada


Francisco dos Santos Amaral Neto ressalta a autonomia privada
“[...] como princípio fundamento do Direito privado”. O Direito Civil
tutela interesses e relações jurídicas de natureza privada. Há uma esfera
individual de soberania, “[...] cujas principais manifestações são a liber-
dade, com referência à pessoa; a propriedade, com referência aos bens;
e o contrato, com referência à atividade econômica dos indivíduos”.
Resumindo, é o ramo que reconhece aos indivíduos regularem os seus
próprios interesses27. É importante referir, também, segundo o autor su-
pracitado, que a autonomia privada não se confunde com a autonomia
da vontade:
Considere-se como ponto de partida que a autonomia privada é o po-
der jurídico dos particulares de regularem, pelo exercício de sua própria
vontade, as relações que participam, estabelecendo o seu conteúdo e a
respectiva disciplina jurídica. Por muitos considerado como sinônimo
de autonomia da vontade, a meu ver, não se confunde, pois a expressão
“autonomia da vontade” tem uma conotação subjetiva, psicológica, en-
quanto “autonomia privada” significa o poder particular de criar relações
jurídicas de que se participa. Assim, é o poder que nós, particulares,
temos de regular juridicamente as nossas relações, dando-lhes conteúdo
e eficácia juridicamente reconhecidos.28

27 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Autonomia privada. Revista CEJ: Conselho da Justiça Federal, Centro
de Estudos Judiciários, Brasília: CJF, n. 1, p. 26, 1997.
28 Idem, ibidem.
20 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Portanto, segue ensinando o mestre que é comum associar-se a au-


tonomia da vontade ao princípio da autonomia privada e à capacidade
que podem os entes privados firmar acordos bilaterais ou manifestações
unilaterais de vontade. É verdade que são conceitos distintos, mas inter-
ligados. A autonomia privada guarda relação com o exercício pleno da
liberdade da pessoa em decorrência, inclusive, da dignidade humana.
Ainda, quanto ao Direito de Família, sempre houve uma maior inter-
venção do Estado nas relações familiares, circunstância essa que acaba
impondo restrições à liberdade de ação dos cidadãos, com o objetivo de
defesa da célula familiar, esta como valor maior a justificar a dignida-
de da pessoa humana29. E o contrato de namoro, como fica situado na
questão referente à autonomia privada no sentido ora analisado? Produz
efeitos? É o que estamos estudando.
Portanto, podemos concluir, nesse momento e pelas lições trazi-
das, que o ser humano, de modo geral, é livre para estabelecer compro-
missos, pactos, ou seja, de viver como a sua consciência o leva, desde
que respeitando, evidentemente, o ordenamento jurídico o qual inse-
rido. Todavia, quando este o tolher sem justificativa, deve insurgir-se
como sujeito de direitos.
Como visto, a autonomia privada verifica-se na existência da atu-
ação do indivíduo no âmbito do direito privado. Assim, é concedido
àquele, enquanto próprio legislador dos seus interesses, espaço para de-
senvolver a sua atividade jurídica30. Conclusão a que se chega é que a
autonomia privada é capaz de produzir regras de conduta, mas desde
que obedecidos os limites impostos pela lei, de tal modo que os atos
possuem previamente efeitos estabelecidos. A manifestação da vontade
restringe-se apenas à escolha prática do ato, e não sobre as suas conse-
quências. Arnoldo Wald e Priscila da Fonseca trazem a autonomia como
princípio básico, eis que essa31
garante aos cônjuges a máxima liberdade na escolha do regime que con-
siderarem preferível, podendo as partes aceitarem um regime típico com
a regulamentação legal existente, ou modificá-los de acordo com as suas

29 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 91.
30 AMARAL, Francisco. Introdução ao direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 121.
31 WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Direito civil: direito de família. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 5, 2013. p. 164.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 21
conveniências, desde que não sejam violadas normas imperativas refe-
rentes ao casamento e à estrutura da família.

Contudo, Rolf Madaleno ensina que a possibilidade de se exer-


cer com amplitude a autonomia privada não caracteriza poder absoluto,
sem limites. Tal circunstância seria impensável, haja vista que nenhuma
pessoa age completamente livre ou com total autonomia32.
Segundo afirma Luis Felipe Brasil Santos, na maior parte dos siste-
mas contemporâneos, em respeito à autonomia da vontade dos cônju-
ges, o ordenamento jurídico brasileiro tem sido informado pelos princí-
pios da variedade dos regimes matrimoniais de bens, da livre estipulação
e da imutabilidade, como assim também o era nas Ordenações Filipinas.
Neste contexto, era oportunizado aos cônjuges quaisquer convenções
antenupciais, para a regulação, o modo de administrar e dispor dos bens.
Entretanto, importante ressaltar que essa ampla liberdade conferida pelo
velho Código Filipino, vedava e se opunha, como não poderia deixar
de ser, às ofensas às leis, aos bons costumes e aos fins naturais e sociais
do casamento. Tanto o revogado Código Civil de 1916 e quanto o atual
Código Civil mantiveram os princípios referidos, bem como restrições
similares33.

1.4 pacta sunt seRvanda


Bem, se há contrato de namoro, em princípio, aquele deve ser
cumprido. Temos agora, em conjunto com a autonomia privada, outro
dos princípios mais caros do direito contratual: o denominado pacta sunt
servanda.
Carlos Roberto Gonçalves alerta para o princípio da obrigatorie-
dade dos contratos, denominando, ainda, o princípio da intangibilidade
dos contratos e o princípio da força vinculante dos contratos, que “[...]
representa a força vinculante das convenções”. O princípio da autono-
mia revela que não existe a obrigatoriedade de as partes virem a contra-
tar, eis que é conferido a cada um a liberdade e o modo de se estabe-
lecer a avença. Todavia, em sendo estabelecido determinado contrato,

32 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 91.
33 SANTOS, Luis Felipe Brasil. Autonomia de vontade e os regimes matrimoniais de bens. Disponível em:
<http://direitodefamiliars.blogspot.com.br/2011/06/doutrina-autonomia-de-vontade-e-os.html>. Acesso em:
21 out. 2012.
22 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

claro que dotado de validade e de eficácia, deve ser cumprido34. E mais:


“Como foram as partes que escolheram os termos do ajuste e a eles se
vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade das cláusu-
las aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios
da equidade”35.
Mas o mestre supracitado ainda nos aponta para dois fundamen-
tos que guardam relação direta com o princípio ora em análise, quais
sejam36:
a) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se
os contraentes pudessem não cumprir a palavra empenhada, gerando
a balbúrdia e o caos; b) intangibilidade ou imutabilidade do contrato,
decorrente da convicção de que o acordo de vontade faz lei entre as par-
tes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser
cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. Qualquer modifica-
ção ou revogação terá de ser, também, bilateral. O seu inadimplemento
confere à parte lesada o direito de fazer uso dos instrumentos judiciários
para obrigar a outra a cumpri-lo, ou a indenizar pelas perdas e danos, sob
pena de execução patrimonial (CC, art. 389).

A respeito da força obrigatória dos contratos, Silvio Venosa é ta-


xativo37: “Os pactos devem ser cumpridos. Se a palavra emprenhada na
sociedade deve ser cumprida sob o prisma moral, a palavra inserida em
um negócio jurídico deve ser cumprida sob o prisma da paz social e
credibilidade do Estado”.

Via de regra, então, firmado um contrato de namoro, ele seguirá


com os efeitos para os quais os signatários assim projetaram e declara-
ram por meio de sua manifestação expressa de vontade. Pelo menos é
o que até aqui, em tese, poderia se concluir, tendo em vista a doutrina
trazida, no tocante, é claro, à teoria geral dos contratos.

34 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
v. 3, 2013. p. 48-49.
35 Idem, ibidem.
36 Ibidem, p. 49.
37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Atlas, v. 2,
2017. p. 360.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 23
2 CONTRATO DE NAMORO
Os estudos de Rolf Madaleno elucidam bem a questão sobre o
significado do namoro. Na verdade, tal condição revela, sim, o envolvi-
mento de determinado casal, mas de forma recente, além de “[...] basea-
do em pouco ou nenhum conhecimento um do outro, tratando-se, de
realidade, de um período experimental, que, posteriormente, nas gera-
ções que ficaram para trás, era substituído pelo noivado [...]”38.
Em tempos atuais, as uniões constituídas informalmente são ab-
solutamente aceitas e reconhecidas em nossa sociedade, sendo marca
presente de nosso tempo. Contudo, nem sempre foi assim. Para melhor
ilustrar essa premissa, trazemos as lições de Rolf Madaleno.
O ilustre jurista referenciado ensina que os relacionamentos, es-
pecialmente anteriores à Constituição de 1988, eram vinculados a clás-
sicos estágios inerentes ao seu desenvolvimento, ou seja: tinham início
com o namoro, passando ao noivado e, após, ao casamento. E mais: o
dito casamento era a forma única e legítima para fins de constituição de
família39. Portanto:
Para aqueles que estavam impedidos ou não queriam assumir compro-
missos afetivos formais e com efeitos jurídicos existia o antigo concubi-
nato, cuja instituição não era reconhecida e vivia à margem da lei, e se
dividia entre o concubinato puro ou impuro, conforme a ausência ou a
presença de impedimentos matrimoniais dos concubinos.40

A temática recebeu nova roupagem a partir da Carta de 1988,


como refere Rolf Madaleno. A união estável, segundo o mestre, “[...]
foi retirada de sua vida marginal, e, pioneiramente, na ausência de le-
gislação ordinária, os tribunais cuidaram de conferir aos conviventes
os efeitos jurídicos das dissoluções oficiais de suas uniões informais”41.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a seu turno, explicam
que a regulamentação da união estável, e de forma não rara, faz perce-
ber certo desconforto:

38 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2015. p. 1222.
39 Ibidem, p. 1221.
40 Idem, ibidem.
41 Idem, ibidem.
24 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

[...] entre pessoas que mantêm relações de namoro: o temor de que o


seu relacionamento seja confundido com uma união convivencial. Foi
exatamente com o propósito de utilizar algum mecanismo para obstar
a caracterização da união estável que se passou a difundir a celebração
de um contrato de namoro para que as partes, através de manifestação
expressa de vontade, esclarecessem o propósito de não estar vivendo em
união estável.42

Maria Berenice Dias, por sua vez, é clara e precisa:


Desde a regulamentação da união estável, levianas afirmativas de que
simples namoro ou relacionamento fugaz podem gerar obrigações de or-
dem patrimonial provocaram pânico. Diante da situação de insegurança,
começou a se decantar a necessidade de o casal de namorados firmar
contrato para assegurar a ausência de comprometimento recíproco e a
incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro. No entanto, esse
tipo de avença, com o intuito de prevenir responsabilidades, não dispõe
de nenhum valor, a não ser o de acabar monetarizando singela relação
afetiva.43

É certo que o namoro envolve sentimentos, confiança e planos


para o futuro. Contudo, ensina Maria Helena Diniz que a intenção da-
quela relação é diferente para o que ocorre com a união estável. Para
aquela hipótese, em que pese a existência de relação aberta, não há
qualquer intenção de constituição de família, que talvez venha a ocorrer
futuramente. Já, para esta (a união estável), a presença da entidade fami-
liar já se faz presente44.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho também anali-
sam o contrato de namoro e, no mesmo sentido da doutrina aqui trazida,
referem que o objetivo de tal pactuação é o de afastar a incidência das
normas do Direito de Família. Nesse sentido as relevantes lições:
E, precisamente por conta do receio de caírem na malha jurídica da
união estável, muitos casais brasileiros convencionaram celebrar, em li-
vro de notas de tabelião, o denominado “contrato de namoro”, negócio

42 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas,
v. 6, 2015. p. 485.
43 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
44 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5,
2012. p. 404.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 25
jurídico firmado com o nítido propósito de afastarem o regramento do
Direito de Família.
Mas, conforme já observado [...], a união estável é um fato da vida e,
como tal, se configurada, não será uma simples declaração negocial de
vontade instrumento hábil para afastar o regramento de ordem pública
que rege este tipo de entidade familiar.45

Os autores supracitados, analisando mais a fundo as eventuais


consequências do contrato de namoro, ponderam no sentido de não o
desconsiderar completamente, eis que tal instrumento pode servir, pode
auxiliar o magistrado “[...] a investigar o animus das partes envolvidas,
mas não é correto considerá-lo, numa perspectiva hermética e absoluta,
uma espécie de salvo-conduto dos namorados”46.
Maria Helena Diniz apresenta doutrina dizendo que pode ser in-
válido quando o pacto “[...] violar norma de ordem pública; gerar en-
riquecimento indevido a um dos contratantes; lesar terceiro de boa-fé,
apresentar, o relacionamento do casal, os elementos essenciais configu-
radores da união estável; houver fraude à lei etc.”47.
Em sede doutrinária podemos observar opinião diferente acerca
do contrato de namoro, como analisa Roberto Senise Lisboa:
Por outro lado, não há impedimento legal para que os interessados pro-
duzam documento cuja finalidade é obstar o reconhecimento da união
estável.
Trata-se do contrato de namoro, negócio jurídico por meio do qual os
interessados declaram consensualmente que não existe nenhuma affectio
para os fins de constituição de família a partir do seu relacionamento.48

O Superior Tribunal de Justiça analisou caso em que o debate gi-


rou em torno de pedido de pensão por morte. Contudo, foi constatada a
inexistência de união estável, caracterizada a relação como o denomi-

45 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Direito de família: as famílias em perspectiva
constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 435.
46 Idem, ibidem.
47 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5,
2012. p. 404-405.
48 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
v. 5, 2012. p. 200.
26 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

nado namoro qualificado. Em relação ao contrato de namoro, vejamos


as lições emanadas pela Corte, no ponto:
A primeira diz respeito à natureza jurídica da união estável. Trata-se de
fato jurídico que gera efeitos jurídicos. A união estável não e inaugu-
rada nem criada por um negócio jurídico. A essência da relação não
é definida pelo contrato, muito menos pelo olhar da sociedade, ou de
testemunhas em audiência. Essa modalidade de união é uma situação de
fato que se consolida com o decorrer do tempo (donde surgiu o requisito
“relação duradoura”, ou “razoável duração”) e não depende de nenhum
ato formal para se concretizar.
Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato
de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de
fato a união tiver sido estável. A contrário senso, se não houver união
estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma
união estável o “contrato de união estável” celebrado antecipadamente à
consolidação desta relação não será eficaz ou seja, não produzirá efeitos
no mundo jurídico.49

Sobre o namoro qualificado referido pelo voto do STJ, convidamos


o estudioso do tema a ler nosso artigo que trata a respeito50.
No Estado de São Paulo houve sentença de extinção pela impossi-
bilidade jurídica do pedido de reconhecimento e dissolução de contrato
de namoro. Os fundamentos do acórdão, no ponto, são suficientes e
esclarecedores:
No caso, o pedido posto na inicial é de ação de reconhecimento e dis-
solução de contrato de namoro consensual. Essa pretensão não encontra
amparo no ordenamento jurídico, não podendo ser posta em juízo para
solução pelo Poder Judiciário. Como bem salientou o i. magistrado “[...]
A impossibilidade jurídica do pedido decorre da ausência de previsão
legal que reconheça o denominado ‘contrato de namoro’. Ademais, a
hipótese não se assemelha ao reconhecimento e dissolução de sociedade
de fato para que os autos possam ser encaminhados a uma das Varas de
Família da Comarca, haja vista que se trata de ‘contrato’, diga-se, não

49 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AREsp 1149402, Rel. Min. Og Fernandes, decisão monocrática,
J. 12.09.2017. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=%22contrato+de+nam
oro%22&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 8 dez. 2017.
50 ALMEIDA, Felipe Cunha de. O Superior Tribunal de Justiça e a tese do namoro qualificado: afastando a
hipótese de união estável. Revista SíntESE Direito de Família, v. 98, p. 9-25, 2016.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 27
juntado aos autos, parecendo se tratar de contrato verbal [...] A preocu-
pação dos requerentes, notadamente a do autor, no sentido de encerrar a
relação havida de modo a prevenir outras demandas, o que o requerente
não quer que ocorra ‘em hipótese nenhuma’ [sic] (último parágrafo de
fl. 2) não basta para pedir provimento jurisdicional, desnecessário para o
fim colimado”.51

No Mato Grosso do Sul há decisão analisando pedido de dissolu-


ção e reconhecimento de união estável, com alusão à doutrina de Zeno
Veloso acerca do contrato de namoro:
Zeno Veloso, a quem este autor fez referência, em suas juriscrônicas pu-
blicadas no jornal eletrônico de sua terra natal, “O Liberal”, bem elucida
a questão:
“A Desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, minha querida
amiga e colega de diretoria do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito
de Família), enviou-me a 3ª edição de seu livro Manual de direito
das famílias, publicado pela Revista dos Tribunais. Já falei desta obra,
desde que apareceu, prevendo que teria grande sucesso, o que acon-
teceu. Trata-se de um dos melhores livros sobre a matéria.
Um dos capítulos mais notáveis é o dedicado à união estável, que
nosso Código Civil regula nos arts. 1.723 a 1.726. As características
da união estável, como entidade familiar, são: convivência pública,
contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição
de família. Temos, aí, o elemento objetivo, externo, a convivência, a
vida em comum, de forma notória, à vista de todo mundo e durante
um tempo mais ou menos longo, que não é logo definido de modo
fixo, mas vai depender do caso concreto, das circunstâncias, da deci-
são que o juiz der; e o elemento subjetivo, interior, o conteúdo fina-
lístico, moral e espiritual do relacionamento: a constituição de uma
família, com base no amor, no afeto.
[...]
É muito difícil, às vezes, estabelecer a diferença entre a união estável e
um namoro prolongado. Um homem e uma mulher podem estar convi-

51 “EMENTA: AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE CONTRATO DE NAMORO CONSENSUAL –


Falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. Inicial indeferida. Processo julgado extinto.
Sentença mantida. Recurso desprovido.” (BRASIL. TJSP, Apelação Cível nº 1025481-13.2015.8.26.0554,
3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Beretta da Silveira, J. 28.06.2016. Disponível em: <https://esaj.tjsp.
jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=9559002&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_
2ea5c4dcd1654a7a9a95d3a32b74a2fd&vlCaptcha=tzmwf&novoVlCaptcha=>. Acesso em: 8 dez. 2017)
28 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

vendo, tendo conta conjunta, fazendo viagens, mantendo um relaciona-


mento íntimo, sem desejar que isso passe disso, sem querer, absoluta-
mente, constituir família. Querem se amar, livremente, desejam namorar,
intensamente, sem deixar de ser somente namorados. Maria Berenice não
admite a hipótese de um casal de namorados firmar um contrato para ex-
primir, exatamente, que não têm, além do relacionamento afetivo, outro
compromisso, outro comprometimento, que possa gerar, por exemplo,
deveres pessoais e patrimoniais: alimentos, herança, etc. Eu penso di-
ferente e já escrevi sobre o tema neste espaço. Creio que o contrato de
namoro é possível, assim como a cautela e caldo de galinha não fazem
mal algum. Aliás, acabo de ler a escritura pública de pacto de convivên-
cia, lavrada no cartório do 26º Ofício de São Paulo, entre E.M., alemã,
médica, e H.C.M., brasileiro, engenheiro, solteiro. Eles dizem, no dito
contrato, que convivem, mas apenas isso, não formam, de jeito algum,
uma união estável.” (Edição: Ano LXIII – nº 32.316. Data: 16.09.2006.
Opinião: Juriscrônicas. Sem destaque no texto original. www.orm.com.
br/liberal, e-mail: [email protected])

É o que a prova destes autos revela: autora e réu tiverem um relaciona-


mento, mas sem intenção de constituir de família.
Aliás, em nenhum momento dos autos há prova no sentido de que sequer
tenha o falecido Oscar Salazar feito promessa de com ela conviver em
união estável com escopo de constituir família. Nem na petição inicial
há menção expressa de que o falecido Oscar Salazar tenha feito alguma
promessa nesse sentido ou de que o relacionamento, isto da parte dele,
teve como suposto esse escopo: iniciar o relacionamento amoroso com
a intenção de constituir uma família. Apenas relata, com certa minúcia
e entusiasmo, os detalhes que revelaram a existência do relacionamento
amoroso que teve com o réu. Todavia, nem o fato de, ao que tudo indica,
estarem freqüentemente juntos, consoante se extrai da narrativa contida
na referida peça, pode levar à conclusão de que objetivavam constituir
família.52
Em que pese seja possível juridicamente a elaboração de contra-
to dessa natureza (namoro), as lições de Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald são importantíssimas a respeito do tema, ou seja, se os

52 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – UNIÃO ESTÁVEL E SUA DISSOLUÇÃO – PROVA.” (BRASIL. TJMT, Apelação
Cível nº 0033037-35.2005.8.12.0001, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, J. 26.01.2009.
Disponível em: <https://www.tjms.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=137970&cdForo
=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_96df3609a47740a0872366ff07f5ec9a&vlCaptcha=ycz&
novoVlCaptcha=>. Acesso em: 8 dez. 2017)
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 29
fatos em determinada relação vierem a configurar união estável, tal ne-
gócio jurídico não tem o condão de afastar os efeitos jurídicos daquela
união. Em que pese seja válido o contrato (eis que o ordenamento não
exige forma prescrita e por ser lícito o objeto), não é idôneo53.
No mesmo sentido a posição de Maria Berenice Dias, ou seja,
“não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por
exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amea-
lhados bens pelo esforço comum”. A autora ressalta, inclusive, a hipó-
tese de enriquecimento sem causa caso os efeitos em contrato firmado
no início do namoro sejam preservados mesmo que desconsiderados os
fatos que caracterizam a união estável54.
Paulo Lôbo, com o brilhantismo que lhe é peculiar, aduz sobre
a necessidade de se identificar se determinada relação é caracterizada
pelo namoro ou, então, pela união estável, eis que as consequências
para a vida do casal dependerão de uma ou outra forma. Inclusive, res-
salta o mestre que a hipótese de namoro não se enquadra como entidade
familiar. Portanto, o namoro permanece apenas no mundo dos fatos, não
criando deveres e direitos, tal e qual ocorre para a hipótese de união
estável55.
As lições do mestre em referência são de suma importância para
este estudo. Ora, mesmo que o casal se apresente, declare-se como na-
morados em determinado contrato de namoro, mas se as circunstâncias
fáticas concluírem pela configuração de união estável, a manifestação
de vontade declarada não surtirá efeitos, eis que tanto o Código Civil
quanto a doutrina e a jurisprudência são unânimes acerca dos pressu-
postos caracterizadores da união estável, prevalecendo esta sobre qual-
quer manifestação de vontade em sentido diverso.

CONCLUSÃO
É verdade que, além do casamento, a Constituição Federal de
1988 reconhece a união estável como forma de família, nos termos do

53 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas,
v. 6, 2015. p. 485.
54 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
55 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 157.
30 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

§ 3º56 do art. 226. Inclusive Álvaro Villaça Azevedo comemora o fato


de “[...] o legislador constituinte substituir a palavra concubinato pela
expressão união estável, para inaugurar uma nova era de compreensão
aos conviventes, respeitando seus direitos e sua sociedade de fato [...]”,
está que sempre existiu, verificou-se57.
Contudo, quando se cogita de elaboração de determinado contra-
to, em especial o contrato de namoro, também entendemos que, quando
caracterizada a união estável, o dito pacto perde sua força, assim como
a doutrina trazida.
Aliás, precisas são as lições de Arnoldo Wald e Priscila Corrêa da
Fonseca, quando analisam a união estável e o contrato de convivência. É
que, mesmo quando registrado tal pacto, “[...] não se reveste de presun-
ção absoluta acerca de seu conteúdo, seja no que diz respeito à existên-
cia da união estável em si, seja em relação ao período de convivência”.
Inclusive, os mestres observam a dicção do art. 1.723 do Código Civil
quando dos requisitos comprovadores da união estável58.
As lições transcritas anteriormente são de suma importância para
o final deste trabalho, eis que nos autorizam, por analogia, a utilizá-las
para a questão do contrato de namoro. Ora, tal pacto, por si só e tendo
em vista o instituto da união estável, não é automático no sentido da
incidência de seus efeitos. É que, se o interessado provar os requisitos
configuradores daquela, evidentemente que virá a declaração da união
com todos os seus efeitos jurídicos.
E mais: imagine-se que determinada relação, já há certo tempo,
vem sendo estabelecida e, em um dado momento, venha a ser firmado o
contrato de namoro: se a união já estiver formada, não produz efeitos o
contrato. O contrato, ainda, pode ser assinado sem que as partes conti-
nuem a relação. Se o contrato de namoro é assinado mesmo na hipótese
de existência de um simples namoro e, posteriormente, a união se reves-

56 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
[...].”
57 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito de família: curso de direito civil. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 141.
58 WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Direito civil: direito de família. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 5, 2013. p. 411.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 31
tir dos pressupostos que a configuram, do mesmo modo o contrato não
terá qualquer efeito quando contrastado com a união de fato pública,
contínua, duradoura e com o intuito de constituição de família, que já se
revela no presente. Pode ocorrer, todavia, que a dissolução, o período,
não invada o tempo de namoro, aliás, vai ocorrer, justamente, pois, em
um período inicial, o relacionamento começa de forma simples, e não já
sobre o manto da união estável.
O fato é que o caso concreto é que deve ser analisado. Entende-
mos que não há como se impor um entendimento automático e objetivo
no sentido de bater o martelo e afirmar que o contrato sempre produzirá
efeitos ou, por outro lado, que sempre será ineficaz. As circunstâncias de
cada hipótese devem ser consideradas e, após a análise, aí sim decidido
sobre a natureza da relação: namoro ou, então, união estável.
No mais, não podemos autorizar que se desvirtuem institutos, ou
seja, namoro é um estágio dos relacionamentos que, por outro lado, não
significa ver emprestados os efeitos da união estável, esta, sim, que se
aproxima do casamento. A segurança jurídica deve ter voz e pacificar
as controvérsias, dando a cada situação (namoro, namoro qualificado,
união estável e casamento) os seus respectivos e inafastáveis efeitos.

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Assunto Especial – Doutrina
Contrato de Namoro

O Contrato de Namoro no Ordenamento Jurídico Brasileiro


ANGÉLICA APARECIDA ORTOLAN
Graduanda em Direito pela Faculdade IMED.

LÍVIA COPELLI COPATTI


Doutoranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), Mestre em Direito pela Uni-
versidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Docente na Faculdade Meridional (Imed), Advogada.

RESUMO: O presente trabalho analisa a problemática acerca do contrato de namoro no ordenamento


jurídico brasileiro. Para o desenvolvimento do trabalho, são utilizados os métodos dedutivo e biblio-
gráfico. O objetivo principal deste trabalho é esclarecer o que é contrato de namoro e apontar os seus
pontos de discussão: a validade do contrato de namoro e a invalidade jurídica do instrumento parti-
cular. Para atingir esse objetivo, primeiramente, o presente trabalho caracteriza a entidade familiar
denominada de união estável, apresentando os seus conceitos, os requisitos para a sua configuração
e os efeitos decorrentes de sua dissolução. A compreensão desse instituto é indispensável para o
melhor desenvolvimento da abordagem do contrato de namoro. Busca-se de certa forma com o con-
trato de namoro evitar partilha de bens e os direitos relativos a alimentos, entre outros concernentes
à união estável, uma vez que o casal de namorados não possuiria intenção de constituição de família.
Enfim, conclui-se, com base na análise bibliográfica, que existem duas posições doutrinárias diver-
gentes sobre o tema. Assim sendo, diante da inexistência de uma legislação regulamentadora e de
diversos posicionamentos jurídicos, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de encontrar
um fundamento para determinar a validade ou a invalidade jurídica do contrato de namoro.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de namoro; união estável; partilha de bens.

ABSTRACT: This paper analyzes the problem about the Dating Agreement in Brazilian law. For development
work, deductive and bibliographical method is used. The main objective of this work is to clarify
what is Dating Agreement and pointing their points of discussion: the validity of the Relationship
Agreement and the Legal invalidity of the particular instrument. To achieve this goal, this paper first
characterizes the family entity called Stable Union, presenting their concepts, the requirements for
your configuration, and the effects of its dissolution. The understanding of this institute is essential for
the optimal development of the approach to dating contract. Search up somehow with the Contract
Dating avoid division of property and the rights to food, among others concerning the Stable Union,
since such couples as having no intention of starting a family. Finally, we conclude, based on the lite-
rature review that there are two divergent doctrinal positions on the issue. Thus, given the absence
of a regulatory law and various legal positions, the present work is justified by the need to find a basis
for determining the validity or invalidity of legal dating contract.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 35
KEYWORDS: Dating contract; stable union; sharing of goods.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contextualização da união estável; 1.1 Histórico do concubinato; 1.2 Con-
ceito e requisitos para a configuração da união estável; 1.3 Direitos decorrentes da união estável;
2 Contrato de namoro; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO
O contrato de namoro é um tema que, atualmente, vem sendo
discutido, no âmbito jurídico, pela sua validade ou não. O mesmo en-
contra-se desprovido de alguma legislação regulamentadora, sendo visto
por alguns órgãos, juristas e profissionais como válido e, para outros,
como inválido.
Atualmente, os namoros são muito diferentes do que eram há al-
guns anos. Os casais dormem juntos, viajam, compartilham muito tem-
po em atividades conjuntas desde um simples almoço. Isso faz com
que o namoro, em alguns casos, muito se aproxime da união estável,
entendida conforme o art. 1.723 do Código Civil (Brasil, 2002) como
o relacionamento caracterizado pela “convivência pública, contínua e
duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família” e
que possui consequências para as partes envolvidas, como o direito a
alimentos, partilha de bens, entre outros.
Por esse motivo, muitas pessoas, preocupadas com o fato de, no
futuro, poder ter um namoro confundido com uma união estável, estão
namorando “de papel passado”.
Por fim, serão apresentadas as considerações finais do trabalho,
levando em conta todos os aspectos desenvolvidos e deixando abertos
dois posicionamentos jurídicos diversos para o contrato de namoro.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL


Este título destina-se a analisar uma das entidades reconhecidas
constitucionalmente e que maior relevância possui para o objetivo do
trabalho, sendo necessária a sua compreensão para o melhor desenvol-
vimento da abordagem do contrato de namoro.
Assim, o presente título apresentará o histórico do concubinato, o
contexto histórico da união estável, bem como a sua estruturação e os
seus efeitos patrimoniais e sucessórios.
36 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

1.1 HistóRico do concubinato


Para Gonçalves (2013, p. 605), “a união prolongada entre o ho-
mem e a mulher, sem casamento, foi chamada durante longo período
histórico de concubinato”. Neste contexto, Pereira traz a análise históri-
ca do concubinato e da união estável nos seguintes termos:
A união livre entre homem e mulher sempre existiu e sempre existirá,
enquanto houver desejo sobre a face da terra. Entendemos aqui por união
livre aquela que não se prende as formalidades exigidas pelo Estado,
ou seja, uniões não oficializadas e com uma certa durabilidade. Mesmo
antes do advento do CC/2002, podíamos denominá-la também união es-
tável, ou, às vezes, concubinato. Estas uniões, registra a História, às vezes
acontecem como relações paralelas às relações oficiais. Muitas vezes a
história do concubinato é contada como história de libertinagem, ligan-
do-se o nome concubina à prostituta, à mulher devassa ou à que se deita
com vários homens, ou mesmo a amante, a outra. (2012, p. 32)

De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira (2012), em Roma, o


concubinato era comum e frequente, mas não produzia quaisquer efei-
tos jurídicos. As mudanças começaram a ocorrer na Idade Contempo-
rânea, na França, sendo a mesma considerada a pátria do direito con-
cubinário, pois suas decisões apreciando as pretensões das concubinas
vieram a influenciar todo o direito ocidental, especialmente o brasileiro.
A sociedade brasileira do início do século XX repudiava a união
livre, não a considerava uma forma de concepção de família, e sim uma
relação ilícita, que deveria ser rejeitada e proibida, associando à mesma
ao adultério (Gagliano; Pamplona Filho, 2012).
Por longo tempo na história brasileira a instituição do concubina-
to/união estável foi ignorada pelo legislador, sendo que, na década de
1960, a doutrina e a jurisprudência foram aos poucos se modificando,
passando a reconhecer os efeitos patrimoniais de uma sociedade de fato,
mesmo quando esta tinha origens na coabitação, entre um homem e
uma mulher, que, embora não casados, viviam como se assim fossem
(Wald; Fonseca, 2013).
Assim, Pereira exemplifica esse momento da história legislativa
brasileira:
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 37
O desenvolvimento e a evolução de um “direito concubinário” no Brasil,
são muito recentes, apesar de sua existência como fato social marcante,
desde a colonização portuguesa. Muitos civilistas omitiram ou excluí-
ram de seus estudos esse assunto, alegando ser juridicamente irrelevante.
Outros proclamaram a imoralidade dessas relações e outros simplesmen-
te relegaram-nas o plano do ilegítimo. (2011, p. 36)

Posteriormente, advieram a Súmula nº 380 do Supremo Tribunal


Federal, que estabelece: “Comprovada a existência de sociedade de fato
entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha
do patrimônio adquirido pelo esforço comum”; e a Súmula nº 382, que
proclamava: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é
indispensável à caracterização do concubinato”.
A união estável verificada entre o homem e a mulher foi igual-
mente alçada à condição de entidade familiar, contando com especial
proteção do Estado, conforme o § 3º do art. 226 da Constituição Federal
de 1988.
No entanto, mesmo com o reconhecimento constitucional, a união
estável continuou a não ser aceita pela sociedade e, muito menos, pela
jurisprudência, sendo que, para que tal reconhecimento fosse possível,
foi necessária a promulgação da Lei nº 8.971/1994, que reconheceu a
convivência entre os companheiros e estabeleceu normas para a união
estável, tornou regra a convivência contínua e duradoura entre homem
e mulher durante cinco anos de duração da união ou a existência de
filhos, determinando, ainda, as regras no âmbito do direito sucessório
(Brasil, 1994).
Sobre isso, Wald e Fonseca referem:
O art. 1º dessa lei assegurou à companheira e ao companheiro o direito
aos alimentos, desde que o devedor destes fosse solteiro, separado, di-
vorciado ou viúvo e a união estável durasse mais de cinco anos ou dela
tivesse surgido prole. Esse direito se mantinha enquanto o credor provas-
se sua necessidade e não constituísse nova união e enquanto o devedor
pudesse fornecê-los. (2013, p. 377)

Foi aprovada, em 10 de maio de 1996, a Lei nº 9.278, que definiu


a entidade familiar denominada união estável, sem estabelecer um pra-
zo mínimo para o reconhecimento da sua existência; definiu também os
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direitos e deveres dos companheiros, que denominou de “conviventes”;


instituiu uma presumida comunhão de aquestos e conferiu direito aos
alimentos ao companheiro necessitado, no caso de dissolução da enti-
dade familiar por rescisão (Brasil, 1996).
Além disso, referida lei atribuiu o direito de habitação em rela-
ção ao imóvel destinado à residência familiar e, finalmente, converteu a
união estável em casamento por simples requerimento ao oficial do Re-
gistro Civil e deu competência às varas de família para resolver os litígios
referentes à união estável (Brasil, 1996).
Por fim, o Código Civil de 2002 sistematizou toda a matéria relati-
va à união estável, ainda que não revogando expressamente a legislação
anterior, mas embasando os dispositivos legais principalmente na Lei
nº 9.278/1996.

1.2 conceito e Requisitos paRa a configuRação da união estável


De acordo com Rodrigo Cunha Pereira (2012, p. 47), “união está-
vel é a relação afetivo-amorosa entre duas pessoas, não adulterina e não
incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto
ou não, constituindo família sem o vínculo do casamento civil”. Concu-
binato, por sua vez, é a relação na qual existem impedimentos para o
casamento, conhecida como a relação adulterina.
A união estável, como entidade familiar, é conceituada pelo
art. 1.723 do Código Civil, estabelecendo como pressupostos: a) diversi-
dade de sexo; b) convivência pública, contínua e duradoura; c) existên-
cia de relação estabelecida com o objetivo de constituição de família;
e d) ausência de impedimento para contrair matrimônio (Brasil, 2002).
O primeiro requisito é motivo de discussões e, embora ainda pre-
visto na lei, houve sua flexibilização, tendo em vista que o Supremo Tri-
bunal Federal (STF) reconheceu, em maio de 2011, a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, também denominada de união homoafetiva,
como família e, posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) re-
conheceu a possibilidade de converter essa união estável em casamento,
já tendo regulamentação para o procedimento pelo Conselho Nacional
de Justiça.
O segundo requisito para a configuração da união estável é o da
convivência pública, contínua e duradoura. De acordo com Coelho
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 39
(2011), a convivência pública dá-se quando os companheiros apresen-
tam-se perante a sociedade, como se casados fossem, de modo ostensivo
e notório. Os conviventes devem ser reconhecidos publicamente como
um casal.
Nesse sentido, Gonçalves esclarece que
não pode, assim, a união permanecer em sigilo, em segredo, desconhe-
cida do meio social. Requer-se, por isso, notoriedade ou publicidade no
relacionamento amoroso, ou seja, que os companheiros apresentem-se
à coletividade como se fossem marido e mulher (more uxorio). (2013,
p. 622)

Refere ainda o autor que, para que haja a convivência contínua,


não devem ocorrer interrupções longas no relacionamento que possam
descaracterizar a sua existência. As interrupções breves motivadas por
desentendimentos entre o casal não desconfiguram a união estável.
O terceiro requisito para a caracterização da entidade familiar está
previsto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, que é a existência
de relacionamento entre os companheiros com o objetivo de constitui-
ção de família. Coelho (2011, p. 143) menciona que “esse é o requisito
mais importante da união estável, o ânimo de criar uma família (affectio
maritalis)”.
Como quarto requisito, previsto no § 1º do art. 1.723, deve haver
ausência de impedimento para contrair matrimônio, consubstanciado
no art. 1.521 do CC. Portanto, não se configura união estável a relação
havida entre ascendentes e descendentes; afins em linha reta, ou seja,
sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado e
entre adotante com quem o foi do adotado e adotado com quem o foi
do adotante; irmãos e colaterais até terceiro grau; adotado com filho do
adotante; companheiro sobrevivente com o condenado por homicídio
ou tentativa de homicídio contra seu consorte. Excetua-se o inciso VI do
art. 1.521 do Código Civil, afastando o impedimento para os separados
de fato e separados judicialmente.
Assim, tais características e requisitos são necessários para que res-
te configurada uma união estável e, estando ausente algum deles, não se
poderá falar em relação familiar.
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1.3 diReitos decoRRentes da união estável


Quanto às causas suspensivas do casamento, previstas no
art. 1.723, § 2º, do Código Civil, estas não obstam a caracterização da
união estável. Esclarece Coelho (2011, p. 145): “Assim, poderá, ter iní-
cio uma união estável quando o viúvo une-se a outra mulher logo em se-
guida ao falecimento da esposa, sem esperar a conclusão do inventário”.
Determinados direitos para os companheiros são relacionados ao
patrimônio, uma vez que a mesma gera responsabilidades e, às vezes,
bens, pois, de acordo com os autores Cristiano Chaves de Faria e Nelson
Rosenvald (2010, p. 78), “os companheiros assumem os solidários en-
cargos de cuidar do sustento do lar, respondendo por despesas comuns
para a manutenção da família”.
Assim como no casamento, na união estável também haverá direi-
to à meação dos bens adquiridos por esforço comum durante a convi-
vência. Essa meação sobrevém de uma presunção absoluta do ordena-
mento jurídico brasileiro, de que ambos os companheiros contribuíram
para a aquisição do patrimônio (Farias; Rosenvald, 2010).
Esse direito encontra-se consubstanciado no art. 1.725 do Código
Civil, que dispõe: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os com-
panheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime
de comunhão parcial de bens”. No entanto, se as partes estipularam
contrato de convivência no qual este é contrário ao regime de bens ex-
presso anteriormente, ou se a na constância da união estável não houve
aquisição de patrimônio ou ampliação de capital, não há que se falar em
direito à meação.
No tocante à herança, os direitos sucessórios limitam-se “aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável”, conforme pre-
ceitua o art. 1.790, caput, do Código Civil. Preleciona Carlos Roberto
Gonçalves (2013) que, além de o Código Civil restringir o direito heredi-
tário aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, houve a
imposição por parte do mesmo da concorrência do cônjuge sobreviven-
te com os descendentes, ascendentes e até colaterais do falecido.
Esse dispositivo de lei é considerado, por vezes, como inconstitu-
cional, uma vez que há discriminação se este for comparado aos direitos
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sucessórios do casamento, e a Constituição Federal de 1988, Lei Maior,
recomenda a proteção jurídica à união estável, ao lado do casamento.
O direito dos companheiros em pleitear e/ou pedir alimentos está
assegurado no art. 1.694 do Código Civil, in verbis: “Podem os parentes,
os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Contudo, esse direito somente possuirá relevância quando o(a) ex-
-companheiro(a) comprovar as suas necessidades econômicas e que não
possui condições de manter-se, conforme se encontra preceituado no
art. 1.695 do Código Civil: “São devidos os alimentos quando quem os
pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho,
à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los,
sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
É importante ressaltar que os direitos supraelencados não fazem
parte de rol taxativo, sendo que outros direitos poderão surgir em decor-
rência da convivência em união estável, tudo dependendo do relaciona-
mento entre as pessoas.

2 CONTRATO DE NAMORO
Após a regulamentação da união estável como entidade familiar,
e seus efeitos patrimoniais advindos de sua dissolução, houve o estabe-
lecimento de situações de insegurança e temor em casais de namorados,
principalmente no que diz respeito a um futuro rompimento de seus
relacionamentos. Vislumbram, assim, a necessidade de regulamentar o
mesmo por meio de um contrato, para que não sofram problemas e dis-
cussões especialmente patrimoniais.
Contextualizando a questão do namoro, Maluf e Maluf referem o
seguinte:
Diferentemente, dos companheiros, cujos direitos pessoais e patrimo-
niais são resguardados pela lei, os namorados não têm direito a herança
nem a alimentos. Assim, com o fim do namoro, não há qualquer direito
na meação dos bens do ex-namorado. Aliás, nem há de se falar em regi-
me de bens ou em partilha de bens entre namorados. Os namorados não
têm nenhum direito, pois o namoro não é uma entidade familiar. (2013,
p. 376-377)
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De acordo com Maria Berenice Dias (2011, p. 178), o denomi-


nado “contrato de namoro” possui como objetivo evitar a incomuni-
cabilidade do patrimônio presente e futuro e assegurar a ausência de
comprometimento recíproco.
Assim, tal documento e/ou declaração é uma manifestação expres-
sa de vontade das partes, em que ambas esclarecem que não estão con-
vivendo em uma união estável (Farias; Rosenvald, 2010).
Segundo Lôbo (2011), determinados profissionais da advocacia,
diante das dificuldades para identificação da passagem de uma relação
fática (namoro) para uma relação jurídica (união estável), e instigados
por pessoas que os procuram desejando prevenirem-se das implicações
jurídicas decorrentes de união estável, adotaram o que se tem denomi-
nado de contrato de namoro.
Os requisitos para a celebração de contratos estão disponíveis no
Código Civil (Brasil, 2002). O art. 421 dispõe que “a liberdade de con-
tratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Porém, o art. 425 do mesmo diploma dispõe que “é lícito às partes es-
tipular contratos atípicos”. Porém devem observar as normas dispostas
para a sua realização.
Uma dessas normas está disposta no art. 422 do CC: “Os contra-
tantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como
em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Portanto, no
caso de eventuais declarações mentirosas que tentem descaracterizar a
união estável quando está já possui os requisitos para a sua configura-
ção, o contrato será nulo.
Há uma calorosa discussão acerca da validade do contrato de na-
moro. A posição majoritária é pela invalidade jurídica do contrato de
namoro, mas não se podem descartar as posições que reconhecem a sua
validade jurídica, bem como sua eficácia. Sustenta a posição minoritária
pela validade jurídica Zeno Veloso e pela posição majoritária da invali-
dade Sílvio de Salvo Venosa, Maria Berenice Dias, entre outros.
De acordo com Gonçalves (2013), o denominado “contrato de
namoro” possui eficácia relativa, pois a união estável é um fato jurídico,
um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que
decorrem da convivência humana. Contudo, se as aparências e a noto-
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riedade caracterizarem uma união estável, o contrato que estabeleça o
contrário e que busque neutralizar a incidência das normas cogentes,
de ordem pública, inafastáveis pela vontade das partes, não possuirá
validade.
Confirma esse entendimento Diego Oliveira da Silveira (2013),
afirmando que, mesmo existindo um contrato de namoro, se houver
prova substancial que confirme a existência de uma união estável, não
merecerá acolhimento o documento que dispor em sentido contrário à
realidade vivida pelo casal.
Assim, é possível verificar que o contrato de namoro poderá fazer
parte da realidade de casais que desejem a não caracterização de uma
união estável e resguardar seus patrimônios, muito embora haja discus-
são sobre os efeitos e a validade de tal pactuação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do presente trabalho foi analisar e compreender o con-
trato de namoro enquanto instrumento hábil para regulamentar o re-
lacionamento entre os namorados e quais seus efeitos e sua validade
perante o ordenamento jurídico nacional.
Para tanto, foi analisada a união estável, onde se observa que se
trata de um contexto social que, até a entrada em vigor do Código Ci-
vil de 2002, era rechaçada pela sociedade, apesar do reconhecimento
constitucional, sendo chamada de concubinato. Foram apresentados a
sua estrutura e os seus caracterizadores, bem como os direitos e deveres
dos companheiros.
Os efeitos patrimoniais da união estável foram analisados, assim,
como os efeitos sucessórios, a qual foi possível notar o tratamento dife-
renciado dado à união estável pelo Código Civil, o qual acaba por lesar
o companheiro sobrevivente no que diz respeito à sucessão.
Foi possível verificar que se busca com o contrato de namoro evi-
tar partilha de bens, direitos relativos a alimentos, entre outros concer-
nentes à união estável, uma vez que o casal de namorados não possuiria
intenção de constituição de família. Assim, diante da inexistência de
uma legislação regulamentadora e de diversos posicionamentos jurídi-
cos, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de encontrar um
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fundamento para determinar a validade ou a invalidade jurídica do con-


trato de namoro.
Conclui-se, assim, que o contrato de namoro pode até ser útil como
meio de prova da inexistência da união estável; contudo, havendo pro-
vas de existência de união estável, o contrato não será capaz de produzir
qualquer efeito jurídico, muito menos afastar os efeitos da união estável.

REFERÊNCIAS
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Brasília/DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-
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______. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos com-
panheiros a alimentos e à sucessão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/L8971.htm>. Acesso em: 4 ago. 2014.
______. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do artigo 226 da
Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9278.htm>. Acesso em: 4 ago. 2014.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 4 ago. 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 380. Comprovada a existência
de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial
com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Disponível em:
<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/
stf_0380.htm>. Acesso em: 4 ago. 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 382. A vida em comum sobre o
mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concu-
binato. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimen-
to_interno_e_sumula_stf/stf_0382.htm>. Acesso em: 4 ago. 2014.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: família, sucessões. 5. ed. rev. e
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FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:
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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. novo curso de di-
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MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas
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PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 8. ed. rev. e atual.
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família. 18. ed. reform. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2013.
Assunto Especial – Doutrina
Contrato de Namoro

“Namorar com Contrato?” A Validade Jurídica dos Contratos de


Namoro
RAPHAEL FERNANDO PINHEIRO
Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Pós-Graduando em Direito
Constitucional.

RESUMO: Cada vez mais casais tem procurado avençar entre si uma espécie de contrato que mol-
dure sua relação de namoro com intuito de impedir o reconhecimento da união estável. Quem con-
fecciona um “contrato de namoro” objetiva afastar a comunicabilidade do patrimônio – efeito jurídico
inerente à união estável – visando à proteção de sua órbita patrimonial da possível meação com o
outro. Assim, questionamentos têm surgido sobre a validade desses contratos no âmbito do Direito
de Família. Destarte, o objeto deste artigo científico é o contrato de namoro. O seu objetivo é verificar,
com base na legislação e doutrina pátrias, a validade jurídica do contrato de namoro. Foi utilizado
o método indutivo, operacionalizado, principalmente, pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do
referente.

PALAVRAS-CHAVE: Namoro; união estável; contrato de convivência; contrato de namoro.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Namoro: definição e história; 2 A união estável e o contrato de convivência;


3 Contrato de namoro: validade jurídica; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO
Em regra, o namoro é costume cultural em que o casal estabelece
um vínculo de afeto com base no respeito e amor, e que, caso se fortale-
ça, resulta no entrelaçamento total de vidas pela posse marital.
Não se confunde com a união estável, tendo em vista que não
apresenta os seus requisitos caracterizadores, disciplinados por excelên-
cia do Código Civil, sendo relação mais singela, onde prevalece o amor
impulsionado pela paixão da conquista.
Diante do fato de a união estável, na legislação atual, dispensar
prazo para a sua configuração, muitos namorados têm confeccionado
“contratos de namoro” para dar definição a sua relação, objetivando
evitar que se confunda com uma entidade familiar.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 47
Desse modo, faz-se necessário discorrer sobre a validade de tais
contratos no ordenamento jurídico pátrio.
Assim, para a confecção deste trabalho se partiu da análise concei-
tual e histórica do namoro, para seguidamente diferenciá-lo do instituto
da união estável.
Abordou-se também a figura do contrato de convivência, para
que, ao final, se discorrer sobre o “contrato de namoro”, sua validade
jurídica e demais caracteres.
Foi utilizado o método indutivo, operacionalizado, principalmen-
te, pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do referente.

1 NAMORO: DEFINIÇÃO E HISTÓRIA


Das muitas definições que os dicionários trazem para a palavra na-
moro, Housaiss elenca uma que está nitidamente em consonância com a
habitualidade desse termo para as gerações atuais, sendo a aproximação
física e psíquica entre duas pessoas em um relacionamento, fundamen-
tado na atração recíproca, que aspira continuidade para o futuro1.
No contexto jurídico, Maria Helena Diniz o situa como termo de
aplicação no Direito Civil, conceituando o namorado como aquele que,
de forma continua, requesta uma mulher com a intenção de desposá-la2.
Segundo o Teólogo Paul-Eugène Charbonneau, apesar de parecer
lógico que o namoro não é casamento, muitas pessoas vivem-no como
se fosse, de modo que as chances da relação vir a deteriorar-se é muito
grande3.
Nesse sentido, precisa é a observação do Psicoterapeuta Flávio
Gikovate ao afirmar que é muita mais difícil viver casado do que namo-
rar. Enquanto os namorados encontram-se limpos e perfumados, com
suas roupas lavadas e passadas por alguém, para ir ao cinema, tomar sor-
vete, passear de mãos dadas, transar e fazer planos para o futuro, quem
é casado tem que aprender a lidar com a irritação do outro cônjuge, o

1 PORTUGUESA, Instituto de Língua (Org.). Dicionário Housaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. p. 1993.
2 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 359.
3 GIKOVATE, Flávio. namoro: relação de amor e sexo. São Paulo: Moderna, 1993.
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cansaço de um longo dia, os problemas com o patrão, dinheiro curto,


como fazer para pagar o dentista, etc.4
Para o Psicoterapeuta, o namoro é uma fase ótima que deve ser
vista como a melhor fase da vida, pois se pode usufruir de todas as coisas
boas da vida, sem a necessidade de se preocupar com responsabilidades
e coisas pesadas5.
O namoro já assumiu diversas formas, começou timidamente na
cultura ocidental, até atingir hoje um status social de quase pré-requisito
para o casamento. Com epicentro no Cristianismo, a sociedade europeia
não valorizava essas relações, não existindo equivalente na Bíblia para
o mesmo, citando o exemplo de Isaque, que, estando pronto para casar,
seu pai Abraão enviou um servo a sua pátria com a missão de escolher
uma esposa, conhecendo a Rebeca, sua futura mulher, pouco antes de
seu casamento6.
Em uma breve linha do tempo, no ocidente, o namoro do século
XIX era marcado pelas juras de amor eterno e longas conversas, sendo a
idealização do amor cortês algo inalcançável, caracterizado muito bem
no romance Senhora, de José de Alencar, em que a heroína romântica só
podia encontrar seu par sob os atentos olhares da família, sem qualquer
direito à privacidade7.
Logo após a II Guerra Mundial, as conquistas femininas trouxeram
o namoro de portão, com horário predeterminado e vigilância constante
da família, de modo que o comportamento do casal não ia além de um
leve toque de mão8.
Nesse sentido, expõe Olga Inês Tessari que
o casal não podia ficar junto sozinho, sempre havia alguém da família
vigiando. É como se, quando o casal ficasse sozinho, fatalmente aconte-
cesse o pior (sexo talvez, até porque era norma da sociedade que as mu-
lheres de família de bem se casassem virgens). Mas a sexualidade é um

4 Idem.
5 Idem.
6 Bíblia Sagrada. Gênesis, Capítulo 24.
7 VILLA, Marco Antonio. O namoro ao longo do tempo, uma lição apaixonante. Disponível em: <http://
revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/namoro-ao-longo-tempo-licao-apaixonante-431289.shtml>. Acesso
em: 15 mar. 2011.
8 Idem.
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fator importante para a manutenção de um relacionamento, embora não
seja o fator preponderante. Havia toda uma série de regras e normas de
boa conduta que fazia com que o casal apenas revelasse algumas facetas
de si mesmo, até pela falta de intimidade e de tempo entre eles, porque
havia horários e dias restritos para o namoro.9

Na década de 50 do século XX, o casal já ganhava o direito de


atravessar o portão e relacionar-se na sala de estar da família, mas ainda
sob a égide inflexível da moral e dos bons costumes. A revolução contra-
cultural da década de 60 teve seus reflexos na forma em que o namoro
se apresentava, de modo que a permissividade sexual, bem exemplifi-
cada no Festival de Woodstock, e o surgimento de novos métodos con-
traceptivos ditaram a nova regra para o casal: “é proibido proibir”; os
beijos e abraços lascivos e até mesmo a gravidez precoce espelhavam a
rebeldia da época10.
Nas décadas de 70 e 80, com a propagação do vírus HIV o uso de
preservativos tornou-se obrigatório ao casal, exigindo um comportamen-
to diferente daquele praticado pela geração passada, os jovens ainda
não podiam manter relações sexuais em casa, com autorização dos pais,
mais a moral sexual da época já não recriminava a procura por motéis11.
Segundo o Psicólogo Alexandre Bez, o namoro, apesar das mu-
danças que sofreu ao longo da história, ainda é uma forma de prepa-
ração para o casamento, destacando sua importância para que o casal
possa se conhecer e aprender a conviver com alegrias e dificuldades. O
especialista em relacionamento pela Universidade de Miami aponta que
o período suficiente para que o casal trace metas e se conheça é de três
anos, promovendo maior segurança para adentrar no matrimônio12.
No mesmo diapasão, observa Olga Inês Tessari que
existe um conceito social de que namoro é o primeiro passo para o casa-
mento, embora este conceito esteja mudando. Muitas pessoas separadas/
divorciadas não querem se casar novamente, portanto, passam a vida a

9 TESSARI, Olga Inês. Existem diferenças no namoro atual? Disponível em: <http://www.olgatessari.com/
id230.htm>. Acesso em: 15 mar. 2011.
10 VILLA, Marco Antonio. O namoro ao longo do tempo, uma lição apaixonante.
11 Idem.
12 UOL. Namoro tem prazo de validade. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vyaestelar//namoro_ficar.
htm>. Acesso em: 14 mar. 2012.
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namorar, dormem com suas namoradas, mas cada um mora em casas


diferentes [...] Mas em geral, aqueles que iniciam um namoro, na medida
em que ele evolui, pensam em se casar.13

Bez orienta que a atitude de morar junto antes do casamento aca-


ba sendo benéfica, pois o casal tem a oportunidade de vivenciar novas
situações, como a divisão de contas, o aprendizado em respeitar o espa-
ço alheio e conviver com o outro diariamente. Ademais, no que concer-
ne à idade certa para o início de um relacionamento maduro, estabelece
Bez que para as mulheres seria a de 18 anos e para os homens por volta
de 21, tendo em vista que estes amadurecem um pouco mais tarde14.
No mesmo norte, a Psicóloga Olga Inês Tessari conceitua o na-
moro como a fase em que o casal percebe as diferenças e semelhanças
entre si, salientando que o namoro atual é mais aberto, em comparação
com os anos 50, em que os amantes só trocavam carícias e intimidades
após o casamento. Tal posicionamento dificultava que o casal se conhe-
cesse, exercendo a família vigília constante que impedia a intimidade
necessária para com quem se pretende construir um projeto de vida15.
Para Tessari, o namoro é a fase de conquista do outro, em que é
comum que o casal evite revelar facetas negativas de sua personalida-
de, tendo em vista que quem age para conquistar o outro quase sempre
esconde aspectos relevantes de sua personalidade, moldando-se aos de-
sejos de seu pretendente16.

2 A UNIÃO ESTÁVEL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA

Segundo leciona Maria Helena Diniz, ao matrimônio contrapõe-


-se o companheirismo, sendo forma de união livre e estável de pesso-
as, não ligadas entre si pelo vínculo do casamento civil17. Para Arnaldo
Rizzardo, trata-se de união sem maiores solenidades ou oficialização

13 TESSARI, Olga Inês. Existem diferenças no namoro atual?


14 UOL. Namoro tem prazo de validade.
15 TESSARI, Olga Inês. Existem diferenças no namoro atual?
16 Idem.
17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 360.
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pelo Estado, que não se submete a um compromisso ritual ou registro
em órgão próprio18.
A união estável foi reconhecida pela Constituição Federal de
1988, em seu art. 226, § 4º, como entidade familiar, caracterizada pelo
propósito de vida em comum entre os companheiros19, que se unem em
uma relação pública, contínua e duradoura, para formar uma família, vi-
vendo ou não sob o mesmo teto e dispensando o vínculo matrimonial20.
Euclides de Oliveira salienta que a conceituação legal da união es-
tável exclui os casos de relações eventuais, afastando de sua incidência
os simples namoros e o aconchego sexual esporádico – fonicatio sim-
ples – presente na relação de amantes21. Assim, o ordenamento jurídico
pátrio reconhece apenas como família o concubinato puro, que é aquele
presente na união duradoura, entre duas pessoas, independente do sexo
do casal conforme entendimento atual do Supremo Tribunal Federal na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, sem casa-
mento, constituindo família de fato, sem detrimento da família legítima22.
No mesmo lume, ensina Rizzardo que a união estável representa
a união de pessoas:
[...] em situação de inexistência de impedimentos para o casamento. Por
extensão abrange a união de pessoas separadas de fato com outra pessoa.
Ou corresponde à união entre pessoas já separadas de fato ou de direi-
to, ou viúvas, ou divorciadas, ou solteiras, apresentando-se à sociedade
como constituindo uma união, com as qualidades da exclusividade, fi-
delidade, vida em comum, moradia sob o mesmo teto, ostensividade e
durabilidade.23

São elementos essenciais para a configuração da união estável a


ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial en-
tre os conviventes, reconhecendo-se a entidade mesmo nos casos de um

18 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 886.


19 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 259.
20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 360.
21 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento antes e depois do novo Código Civil. São
Paulo: Método, 2003. p. 82.
22 AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Estatuto da família de fato. São Paulo: Atlas, 2003. p. 190.
23 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 892.
52 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

dos seus integrantes estiver separado de fato ou judicialmente24; a noto-


riedade de afeições recíproca, não sendo necessária que seja pública,
mas sim uma notoriedade perante amigos, familiares, vizinhos, etc.; a
honorabilidade, presente na união respeitável entre o casal pautada na
affectio; e a fidelidade ou lealdade, que demonstra a intenção de vida
em comum, sendo verdadeira posse de estado de casado25.
Ademais, boa doutrina já manifestou que são situações secundá-
rias para o reconhecimento da união estável as seguintes: dependência
econômica de um para com o outro; compenetração das famílias, pre-
sente nas relações de um com a família do outro; criação e educação
pelo convivente dos filhos de seu companheiro; casamento no estran-
geiro de pessoa separada judicialmente; gravidez e filhos da convivente
com o homem com quem vive; situação da companheira como empre-
gada doméstica do outro; e existência de contrato26.
O Código Civil, em seu art. 1.725, prevê a possibilidade de os
companheiros estipularem entre si contrato escrito para regular suas re-
lações patrimoniais, vigorando na sua falta o regime legal da comunhão
parcial de bens (eu p.155). Como bem aponta Diniz, por ele, estabele-
cem o casal a intenção de se unir, propondo a intenção de comungar
esforços e recursos mútuos ao encontro do melhor interesse da união27.
Francisco José Cahali conceitua o contrato de convivência como o
instrumento pelo qual o casal que compõe uma união estável promove
a regulamentação quanto aos reflexos patrimoniais da relação28. Pelo
contrato poderão os conviventes escolher qual dos regimes matrimoniais
de bens melhor se adéqua a sua relação ou criar disposições novas para
reger seu universo patrimonial.
É negócio jurídico de Direito de Família, pois não tem o condão
de gerar obrigações se os sujeitos não integrarem uma entidade família.
Desse modo, além da capacidade do contratante, deve estar presente

24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 365.


25 Ibidem, p. 367.
26 Ibidem, p. 369-370.
27 Ibidem, p. 370.
28 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 55.
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a legitimidade para a convenção, evidenciada na qualidade, atual ou
projetada, de conviventes29.
Ainda sobre o tema, disserta Diniz que
[...] Podem convencionar que os bens móveis e imóveis adquiridos one-
rosamente por eles, durante o relacionamento, não sejam tidos como fru-
to da colaboração comum, não pertencendo, portanto, a ambos, em con-
domínio, em partes iguais (CC, art. 1.725). Nada impede, por exemplo,
que coloquem cláusulas concernentes à administração desse patrimônio,
à previdência social, ao direito da companheira de utilizar o sobrenome
do convivente etc.30

Observa Álvaro Villaça Azevedo que o contrato de convivência,


para ter validade, não deve contrariar os bons costumes, as normas de
ordem pública e os princípios gerais de direito, como, por exemplo, afir-
mar o contrato que a relação objetiva o casamento civil31.
Para a validade do contrato de convivência, devem estar eviden-
ciados os elementos caracterizadores da união estável, representando
condição jurídica para sua eficácia, não sendo apenas condição resoluti-
va. Desse modo, é condição sine qua non de eficácia da convenção, es-
tar presente esta realidade jurídica cujos efeitos nela são estabelecidos,
criando, extinguindo ou modificando direitos nos limites respectivos32.
Sobre o tema leciona Francisco José Cahali:
Releva notar que, embora com enorme utilidade, não se mostra obrigató-
rio o contrato para a caracterização da união e muito menos para a irra-
diação de seus efeitos, pois, na sua falta, a verificação da relação faz-se
no mundo fático de acordo com qualquer meio de prova, e o seu reflexo
jurídico entre as partes e terceiros vem especificado expressamente na le-
gislação pertinente, com previsão expressa de direitos e obrigações entre
os conviventes, direitos sucessórios e alimentar, repercussão patrimonial,
possibilidade de invocação do imóvel residencial como bem de família,
sub-rogação locatícia, adoção, utilização do patronímico, benefício pre-
videnciário etc.33

29 Ibidem, p. 63.
30 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 370.
31 AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Estatuto da família de fato, p. 286.
32 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável, p. 59.
33 Ibidem, p. 60.
54 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Assim, o contrato de união estável contém disposição exclusiva


para servir os efeitos de uma união estável, não possuindo qualquer ou-
tra finalidade jurídica34.
Ressalta Euclides de Oliveira que o presente contrato se sujeita
aos requisitos essenciais de capacidade das partes, ilicitude do objeto e
forma prescrita e não defesa em lei (art. 104 do CC). Nesse norte, não
há na legislação forma específica para a celebração do contrato de con-
vivência, aceitando apenas a forma escrita, que poderá exteriorizar-se
como uma convenção, escritura de declaração, instrumento contratual
particular facultado seu registro em Cartório de Títulos e Documentos,
documento informal, pacto, etc.35
De outra banda, da mesma forma que a união estável não exige
para a sua configuração a confecção de contrato, sua dissolução não
precede de distrato, mas será esse indicado como meio de prova que
marca a data do fim da união para que se apure os direitos dela conse-
quente36.

3 CONTRATO DE NAMORO: VALIDADE JURÍDICA


Conforme afirma Helder Martinez Dal Col, a necessidade de se
determinar quando termina o namoro e começa a união estável tem
levado muitos casais a elaborarem “contratos de namoro”, visando asse-
gurar, para um ou ambos, a certeza de que não caracterizam uma união
estável, para que, com isso, se impeça os efeitos patrimoniais inerente a
essa relação37.
Sobre o tema, observa Dal Col que
tal preocupação parece ter-se intensificado após o advento do novo
Código Civil, encampando as legislações pretéritas que disciplinavam
a união estável. A razão disso, aparentemente, foi a maior divulgação
pela mídia das inovações do Código Civil. Muitas pessoas ainda desco-
nhecem a existência das Leis nºs 8.971/1994 e 9.278/1996. Outras, que

34 Ibidem, p. 62-63.
35 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento antes e depois do novo Código Civil,
p. 159.
36 Ibidem, p. 163.
37 COL, Helder Martinez da. Contrato de namoro. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: IBDFam,
p. 126-156, 1º abr. 2004, p. 141.
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delas já haviam ouvido falar, só passaram a prestar maior importância ás
suas disposições quando souberam que essas previsões agora estavam
“no Código”, o que denota quão pouco se conhece a legislação em meio
à grande massa da população brasileira.38

No mesmo sentindo, afirma Gladys Maluf, in verbis: “O tema ga-


nhou relevância na medida em que a união estável, em vez de trazer
segurança ao cidadão, está lhe causando temor e insegurança. Atemo-
rizados, as pessoas evitam qualquer comprometimento afetivo mais
profundo a fim de fugir da possibilidade de reconhecimento de união
estável”39.
Segundo Silvia Felipe Mazagão, diante da linha tênue entre casa-
mento e união estável, muitos casais procuram pactuar em documento
escrito sua relação de namorados, visando resguardar patrimônio, pois
é muito comum que um permaneça mais tempo na casa do outro, de
modo que objetos, roupas, e até animais de estimação, fiquem na casa
daquele, havendo, apesar de não se tratar de uma união estável, uma
rotina compartilhada40.
Assim, por ser tratar a incidência da união estável como preceito
de ordem pública, descabe reconhecer a validade jurídica dos contratos
de namoro. Apesar de a intenção do casal no começo da relação ser
apenas a de namorarem, pode ser que ao longo do tempo evidenciem-
-se os elementos caracterizadores da união estável. Nesse lume, leciona
Dall Col:
Aliás nenhuma união nasce já estável. Ela se torna estável. Nenhuma
união nasce duradoura, mas torna-se tal se persistir no tempo. Mesmo
os namoros “moderninhos”, que já começam íntimos, regidos pelo sexo,
possuem grande possibilidade de desfazimento, só se tornando efetivos,
estáveis e duradouros com a superação dos desencontros naturais de per-
sonalidade dos parceiros, ao longo do tempo.41

38 Idem, ibidem.
39 MENDONÇA, Camila Ribeiro de. Contrato de namoro previne risco de casamento. Disponível em: <http://
www.conjur.com.br/2011-jun-12/casais-fazem-contrato-poder-namorar-risco-casamento>. Acesso em: 15
mar. 2012.
40 Idem.
41 COL, Helder Martinez da. Contrato de namoro, p. 142.
56 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Leciona Maria Berenice Dias que essa avença entre os namorados


não tem o condão de afastar a responsabilidade patrimonial que venha a
surgir por decorrência da caracterização da união estável, sendo ato sem
validade jurídica, que apenas monetariza singela relação afetiva. Dias
salienta que visualizar nesse contrato efeitos jurídicos poderia proteger
o enriquecimento ilícito do convivente que tem o patrimônio em seu
nome, em razão do outro que ajudou a adquiri-lo42. A Jurista é precisa
ao afirmar que “o contrato de namoro é algo inexistente e desprovido de
eficácia no seio do ordenamento jurídico”43.
Ademais, não é o mero namoro capaz de gerar responsabilidade
patrimonial na seara do Direito de Família. Nesse norte, ensina Maria
Berenice Dias que,
para evitar temores infundados, é bom lembrar que somente geram res-
ponsabilidades e encargos os relacionamentos que, por sua duração, le-
vam ao envolvimento de vidas a ponto de provocar verdadeira mescla de
patrimônios. Só assim o Judiciário admite a partilha dos bens adquiridos
após o início do vínculo de convivência. Distingue-se o namoro da união
estável pelo nível de comprometimento do casal, e é enorme o desafio
dos operadores do direito para estabelecer sua caracterização.44

Pablo Stolze Gagliano aponta que se trata de contrato nulo pela


impossibilidade jurídica do pedido, pois, tendo em vista que as regras
que regulam a união estável são normas cogentes, de ordem pública, o
afastamento de sua incidência por pacto entre as partes não tem efeito
nenhum45.
Dissertando sobre o tema, Regina Beatriz Tavares não classifica o
ato pactuado entre os namorados como contrato, alegando que, para a
configuração deste, deve existir direitos e obrigações entre as pessoas, e
que um namoro, apesar de ter reflexos afetivos e emocionais, limita-se
apenas à vida social, não repercutindo no universo jurídico46. Nesse sen-
tindo afirma a Jurista: “Assim a declaração de namoro é ato lícito, per-

42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
43 Idem, ibidem.
44 Idem, ibidem.
45 GAGLIANO, Pablo Stolze. Contrato de namoro. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8319/contrato-
de-namoro>. Acesso em: 5 abr. 2012.
46 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal falado contrato de namoro. Disponível em: <http://www.reginabeatriz.
com.br/academico/artigos/artigo.aspx?id=130>. Acesso em: 15 mar. 2012.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 57
feitamente válido perante nosso ordenamento jurídico, desde que seja
firmada com a finalidade de refletir em documento escrito a realidade,
já que não viola diretos, que não existem nessa relação, não podendo,
portanto, causar qualquer dano”47.
Para Tavares, não há ilicitude no pacto, configurando uma decla-
ração de namoro, que pode ser feita por meio de documento público ou
particular, só possuindo caráter de ilícito quando for usado para afastar
regras de Direito de Família48.
Por sua vez, Zeno Veloso não vê impedimento na lei para o reco-
nhecimento dos “contratos de namoro”, sendo forma de o casal atestar
em documento escrito que está tendo um envolvimento amoroso, um
relacionamento afetivo, que se esgota nisso, não havendo o interesse
ou a vontade de constituir uma entidade familiar, com consequências
pessoais e patrimoniais inerente à união estável49.
Antônio dos Santos Damasceno aborda o referido contrato por
uma perspectiva comportamental, observando que as emoções, os so-
nhos e a beleza da convivência perdem a importância, pois, para iniciar
uma relação afetiva mais duradoura, caso o contrato de namoro entre
“na moda”, deve-se sentar e contratar as condições desse negócio. Se-
gundo Damasceno, o surgimento desses contratos é um indicativo de
mercantilização da vida e da diminuição da espontaneidade dos sen-
timentos dos sentimentos diante dos riscos da vida moderna, na qual
predomina o receio de ser enganado50.
Desafiam a jurisprudência as relações em que o casal vive sob o
mesmo teto, dorme na mesma cama, compartilha a convivência fami-
liar, sendo para um dos integrantes da relação um sinônimo de com-
promisso sério próximo à do estado de casado, mas que, para o outro,
é apenas um mero namoro, tendo em vista que seu estilo de viver, sem
hipocrisias, é desfrutando da máxima liberdade. Para isso, o contrato de

47 Idem.
48 Idem.
49 VELOSO, Zeno. Contrato de namoro. Disponível em: <http://www.soleis.adv.br/artigocontratodenamorozeno.
htm>. Acesso em: 15 mar. 2012.
50 DAMASCENO, Antônio dos Santos. É possível fazer um “contrato de namoro”? Disponível em: <http://
www.advocaciadamasceno.com.br/new/index.php/leitura-recreativa/112-e-possivel-fazer-um-contrato-de-
-namoro->. Acesso em: 15 mar. 2012.
58 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

namoro, mesmo sem validade jurídica, torna-se uma forma de exteriori-


zar o pensamento do casal51.
Para prejudicar terceiros, o “contrato de namoro” poderia ser uti-
lizado, por exemplo, no caso de um credor da mulher, que julgava estar
ela casada ou pelo menos vivendo maritalmente com o parceiro, caracte-
rizando notória relação de união estável; porém, ante o inadimplemento
desta, acaba descobrindo que todo patrimônio ostentado no momento
da concessão de crédito pertence tão somente àquele que agora intitula-
-se mero “namorado” e exibe o contrato para comprovar essa relação52.
No caso em tela, caberia a postulação de ineficácia das disposi-
ções do “contrato de namoro” pelo credor, visando ao reconhecimento
da união estável da credora, para buscar, então, a satisfação de seu cré-
dito na comunicação do patrimônio do casal. Nesse caso, não se trataria
de nulidade do avençado entre os conviventes, mas de ineficácia do ato
em relação ao terceiro de boa-fé53.
Já Alessandra Abate, em estudo à tendência dos “contratos de na-
moro”, visualiza sua origem na tenuidade entre um namoro e a configu-
ração de uma união estável, pois, para que esta fique caracterizada, não
se prescinde um marco legal, bastando apenas estar presente os elemen-
tos essenciais presentes no Código Civil e na CRFB. Assim, para a Jurista,
caso se aceite a validade desse ato, passaria a Justiça a reconhecer e
normatizar o afeto de pessoas que apenas namoram, caracterizando um
novo tipo de estado civil54.
Descabe reconhecer a validade jurídica de tais contratos, uma vez
que, evidenciada a existência da união estável, as normas regulamen-
tadoras dessa entidade familiar passam a imperar. Salienta Alessandra
Abate que, na inexistência de um contrato que defina a caracterização
da união estável, ou mesmo na existência de um contrato de namoro,
deverá o magistrado analisar todo o conjunto probatório para reconhe-

51 COL, Helder Martinez da. Contrato de namoro, p. 144


52 Idem, ibidem.
53 Idem, ibidem.
54 ABATE, Alessandra. Contrato de namoro. Disponível em: <http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/
artigos/documentos/Artigo%20-%20Contrato%20de%20namoro%20-%20Por%20Alessandra%20Abate.
pdf>. Acesso em: 15 mar. 2012.
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cer o estado de convivência, de modo que, na dúvida, a jurisprudência
tem se orientado no sentindo de negar o reconhecimento55.
Nesse diapasão, exemplificativamente, é a decisão a seguir, in
verbis:
A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo jul-
gou recurso em uma “ação movida a fim de se reconhecer a alegada
união estável havida entre as partes, para fins de direito à partilha de bens
e alimentos”. A câmara confirmou a sentença de primeiro grau e negou
provimento ao recurso da autora [...] O Desembargador Relator do caso
Grava Brasil entendeu não haver esse tipo de união “como bem apontou
o Juízo de origem, nas razões de decidir: ‘Verifica-se que os litigantes
convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em ja-
neiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir
família’ [...] A defesa da autora alegou em seu recurso que a relação, de
quatro anos, acabou por causa do temperamento agressivo do ex-namo-
rado. Argumentou que eles têm um filho, além de citar as provas, como
fotos do casal e do relacionamento ser de conhecimento público. Logo,
a autora teria direito a partilha de bens e fixação de alimentos [...] Pesou
na decisão do desembargador o fato deles só terem vivido juntos durante
6 meses. No mais, viviam em casas separadas, como ficou provado, só
vivendo juntos durante os finais de semana. O desembargador também
entendeu que a autora não depende economicamente do ex-namorado,
pois já trabalhou anteriormente, mostrando ser apta ao trabalho e por
fim, utilizou-se do contrato de namoro como meio de prova”.

Assim, a doutrina com reflexo na jurisprudência é quase unânime


em não reconhecer a validade jurídica dos “contratos de namoro”, para
que não configure forma de enriquecimento ilícito de um convivente em
razão do outro, tendo em vista que a função jurídica desses contratos é
buscar o não reconhecimento da união estável. Melhor será, então, que
o casal que queira proteger o patrimônio individual firme contrato de
convivência, estabelecendo o regime de bens ou a disposição patrimo-
nial que melhor se adequa à relação, pois, diante da inexistência dessa
disposição, vigorará o regime da comunhão parcial dos bens.

55 Idem.
60 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a configuração da união estável, na legislação atual, não é
necessário o requisito de prazo certo, razão que seu reconhecimento se
faz com base nos elementos ensejadores disciplinados no Código Civil
e na CRFB.
Assim, muitos namorados, com receio que sua relação, em uma
possível discussão judicial, seja reconhecida como união estável, estão
confeccionando “contratos de namoro” para afastar a comunicabilidade
de patrimônios.
Porém, quando confrontados com preceitos de ordem pública de
Direito de Família, esses contratos perdem qualquer fragmento de vali-
dade jurídica, pois, uma vez evidenciados os requisitos caracterizadores
da união estável, nenhuma avença entre os particulares consegue afastar
os efeitos patrimoniais dessa entidade familiar.
Desse modo, apesar de ser forma de exteriorizar o pensamento do
casal sobre sua relação afetiva, o contrato, como qualquer outro, não
tem o condão de afastar o império da vontade da lei.

REFERÊNCIAS
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com.br/preciviladm/modulos/artigos/documentos/Artigo%20-%20Contra-
to%20de%20namoro%20-%20Por%20Alessandra%20Abate.pdf>. Acesso em:
15 mar. 2012.
AZEVEDO, Álvaro Villaça de. estatuto da família de fato. São Paulo: Atlas,
2003.
CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo:
Saraiva, 2002.
COL, Helder Martinez da. Contrato de namoro. Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre: IBDFam, p. 126-156, 1º abr. 2004.
DAMASCENO, Antônio dos Santos. É possível fazer um “contrato de namoro”?
Disponível em: <http://www.advocaciadamasceno.com.br/new/index.php/
leitura-recreativa/112-e-possivel-fazer-um-contrato-de-namoro->. Acesso em:
15 mar. 2012.
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com.br/revista/texto/8319/contrato-de-namoro>. Acesso em: 5 abr. 2012.
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MENDONÇA, Camila Ribeiro de. Contrato de namoro previne risco de casa-
mento. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-jun-12/casais-fazem-
-contrato-poder-namorar-risco-casamento>. Acesso em: 15 mar. 2012.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento antes e
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SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal falado contrato de namoro. Dis-
ponível em: <http://www.reginabeatriz.com.br/academico/artigos/artigo.
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TESSARI, Olga Inês. Existem diferenças no namoro atual? Disponível em:
<http://www.olgatessari.com/id230.htm>. Acesso em: 15 mar. 2011.
VELOSO, Zeno. Contrato de namoro. Disponível em: <http://www.soleis.adv.
br/artigocontratodenamorozeno.htm>. Acesso em: 15 mar. 2012.
VILLA, Marco Antonio. O namoro ao longo do tempo, uma lição apaixonante.
Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/namoro-ao-
-longo-tempo-licao-apaixonante-431289.shtml>. Acesso em: 15 mar. 2011.
Assunto Especial – Em Poucas Palavras
Contrato de Namoro

Para Que Serve um Contrato de Namoro? Pode Ser Feito em um


Cartório de Notas?
ISAQUE SOARES RIBEIRO
Assistente Administrativo Jurídico do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo (CNB/SP),
Graduando pelo Curso de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Cada vez mais casais de namorados têm se preocupado com os


efeitos que o reconhecimento de uma união estável poderia trazer para
aquele relacionamento. Essa crescente preocupação veio, em grande
parte, após a edição da Lei nº 9.278/1996, que afastou o antigo prazo mí-
nimo de cinco anos de convivência que constava na Lei nº 8.971/1994.
Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3º,
nada dispôs em relação ao prazo mínimo para a configuração da união
estável. O Código Civil de 2002, da mesma forma, não trouxe qual-
quer inovação relevante, mas manteve a mesma sistemática da Lei
nº 9.278/1996 ao dispor, no art. 1.723, que “é reconhecida como enti-
dade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constitui-
ção de família”.
Dessa forma, percebe-se que um simples namoro poderá rapida-
mente se tornar uma união estável, independente do casal estar junto
há anos, meses ou até mesmo semanas. Ficou, portanto, a critério do
Judiciário a análise da situação de fato e documental para declarar que
aquela relação é pública, contínua e duradoura, e tem o objetivo de
constituir uma família, ou seja, uma união estável.
O reconhecimento de uma união estável pode trazer vários efeitos
indesejados para o casal, principalmente patrimoniais, como o direto
de repartir todos os bens adquiridos durante a convivência, o direito a
alimentos (no caso de dissolução da união) e o direito à herança, no caso
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS ���������������������������������������������������������������������������������������� 63
de falecimento do companheiro, recentemente equiparado ao casamen-
to pelo Supremo Tribunal Federal (RE 878694/MG).
Com receio dos efeitos mencionados, alguns casais de namorados
têm buscado os Cartórios de Notas para lavrar uma espécie de docu-
mento (chamado de Escritura Pública de Contrato de Namoro), em que
declaram de livre e espontânea vontade que aquela relação é um mero
namoro, e que não desejam que seja reconhecida como uma união es-
tável.
Mas muito se discute na doutrina e na jurisprudência sobre a va-
lidade desse instrumento, pois as regras que tratam da união estável são
consideradas normas de ordem pública, ou seja, inafastáveis pela sim-
ples vontade das partes. Então, qual seria a utilidade desse contrato de
namoro?
O eminente Professor e notário Zeno Veloso entende que o contra-
to de namoro poderá prevenir graves discussões patrimoniais:
Diante disso, pela insegurança que envolve o assunto, para evitar riscos
e prejuízos que podem advir de uma ação com pedidos de ordem patri-
monial, alegando-se a existência de uma união estável, com o rol imenso
de efeitos patrimoniais que enseja, quando, de fato e realmente, só havia
namoro, sem maior comprometimento, algumas pessoas combinam e ce-
lebram o que se tem denominado contrato de namoro. Já se vê que não é
acordo de vontades que tem por objeto determinar, singelamente, a exis-
tência de um namoro, que, se assim fosse, nem contrato, tecnicamente,
seria. Mas, deixando de lado a questão terminológica e indo direto ao
ponto, tal avença, substancialmente, é uma declaração bilateral em que
pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, co-
ações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relaciona-
mento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de
constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida,
sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só,
não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico.1
(grifos nossos)

Nesse sentido, a renomada Advogada Regina Beatriz Tavares da


Silva também defende o que ela chama de “declaração de namoro”, mas

1 VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável, 2016. Acesso em: 29 maio 2017.
64 ������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS

alerta que tal declaração deve retratar a realidade, não podendo ser um
instrumento para encobrir uma união estável:
Há quem diga que a celebração do equivocadamente chamado “contrato
de namoro” configura ato ilícito. Porém, quem faz esse tipo de afirmação
esquece de que a declaração de namoro serve para provar o que efetiva-
mente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa
declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira
relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que
há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável.2

Apesar de poucas decisões judiciais sobre o assunto, finalizamos


este artigo mencionando um relevante precedente do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, que, ao julgar o pedido de reconhecimento de
uma união estável, considerou como uma das provas a existência de um
contrato de namoro firmado entre o casal:
Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de
namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não re-
velam ânimo de constituir família. (g.n.) (TJSP, Apelação nº 9103963-
90.2008.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Grava Brazil,
J. 12.08.2008)

Conclui-se, portanto, que o contrato de namoro não tem o con-


dão, por si só, de afastar os efeitos da união estável, mas é perfeitamente
lícito e tem sido considerada uma importante prova para atestar que o
relacionamento se trata apenas de um namoro, sendo que a sua formali-
zação perante um Cartório de Notas dará mais credibilidade e seguran-
ça, pois o tabelião de notas tem a fé pública para confirmar a livre e certa
manifestação da vontade das partes que o procuram.

2 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro, 2016. Acesso em: 29 maio 2016.
Assunto Especial – Acontece
Contrato de Namoro

Para Advogado, Contrato de Namoro Pode Ser Facilmente


Contestado 1

PAULO LINS E SILVA


Advogado Diretor de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Para o Advogado Paulo Lins e Silva, diretor de relações internacio-


nais do Instituto Brasileiro de Direito de Família, o contrato de namoro é
um documento frágil, que pode ser facilmente contestado. Segundo ele,
o próprio conteúdo pode ser considerado como prova de que as partes
envolvidas viviam, de fato, uma união estável.
“O contrato de namoro nada mais é do que você prevenir uma
situação de futura lesão de um ou de outro a um ou a outro de comuni-
cação patrimonial ou de dever de sustento. Mas isso não impede que ele
seja uma pré-prova de união estável. É a mesma coisa que você fazer,
no direito brasileiro, um contrato pré-nupcial já prevendo a separação”,
compara.
Como lembra o advogado, o Direito brasileiro é calcado basica-
mente nos Códigos Civis francês, alemão e italiano. E esse documento
entra nos aspectos do Direito anglo-saxão, no qual é possível prever
sansões, caso o rompimento seja dele ou dela ou por adultério.
“Isso também existe muito nos Estados Unidos, como foi aplicado
no caso de Jacqueline Kennedy Onassis”, acrescenta.
Lins e Silva entende que o contrato de namoro é uma prova de
união estável, visto que o próprio documento pode atestar que o casal
vive sob um mesmo teto há anos e comparece a eventos sociais.

1 Fonte: Jornal O Globo.


66 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – ACONTECE

“Considero o contrato muito dúbio. Afinal, a união estável se con-


solida com a exteriorização e a publicidade. Fora isso, é aventura e não
namoro. E o namoro é um pré-requisito para um casamento”, pondera.
Se o casal preenche alguns requisitos, como exteriorização, temporali-
dade e intenção de constituição de família, não tem jeito de um contrato
de namoro prevalecer sobre isso.
Lins e Silva alerta, também, que o documento pode ser considera-
do fraudulento.
“É um documento, inclusive, que dá margem a aspectos fraudu-
lentos futuros. Se você faz um contrato de namoro hoje e depois de um
tempo compra um imóvel, por exemplo, está estabelecendo uma sepa-
ração de bens dentro de uma união estável”, descreve.
Parte Geral – Doutrina
A Interdição e a Curatela Sob a Nova Ótica do Estatuto da Pessoa
com Deficiência
MARCELA MARIA FURST SIGNORI PRADO
Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, na seção do Distrito Federal, Especia-
lista em Direito das Famílias, Procuradora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
do Distrito Federal (Apae/DF), Secretária Adjunta do Instituto Brasileiro de Direito de Família
do Distrito Federal (IBDFam), Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/DF, Vice-
-Presidente do Conselho Jovem da OAB/DF, Presidente da Jovem Advocacia da associação
Brasileira dos Advogados (ABA).

Destinada a assegurar e promover, em condições de igualdade,


o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, a Lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência,
trouxe alterações em dois artigos do atual Código Civil, que tratam da
personalidade e da capacidade das pessoas naturais.
O artigo que trata dos absolutamente incapazes ficou assim redi-
gido:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III – (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Ou seja, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como


única hipótese de incapacidade absoluta – que são aqueles que tem im-
possibilidade total do exercício de direito e devem ser representados –,
a do menor de 16 anos.
E o art. 4º, que cuida da incapacidade relativa, que são aqueles que
podem praticar por si atos da vida civil, desde que assistidos por quem
a lei encarrega desse ofício, também sofreu modificação. Permaneceu a
previsão dos menores entre 16 anos completos e 18 anos incompletos,
tirou a referência à deficiência mental e passou a tratar, apenas, das pes-
68 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

soas que, “por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a


sua vontade”:
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem expri-
mir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação
especial.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação
especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Dessa forma, se a incapacidade civil mudou e o instituto da inter-


dição trata da declaração dessa incapacidade, vamos falar sobre.
A ação de interdição é a ação que tem por fim a declaração da
incapacidade de determinada pessoa. Uma vez decretada a interdição
pelo juiz, o interditado não mais poderá comandar os atos na vida civil,
portanto, faz-se necessária a nomeação de um curador, que exercerá a
curatela dessa pessoa.
A interdição pode ser absoluta ou parcial. A absoluta impede que
o interditado exerça todo e qualquer ato da vida civil sem que esteja re-
presentado por seu curador. Já a interdição parcial permite que o interdi-
tado exerça aqueles atos a que não foi considerado incapaz de exercê-lo
nos limites fixados em sentença.
De acordo com o art. 1.768 do Código Civil e o art. 747 do atual
Código de Processo Civil, a interdição e o processo que define os termos
da curatela podem ser promovidos pelo cônjuge ou companheiro, pelos
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 69
parentes ou tutores, pelo representante da entidade em que se encontra
abrigado o interditando, pelo Ministério Público e pela própria pessoa.
Os arts. 749 e seguintes do novo Código de Processo Civil tratam
dos procedimentos e determina que o autor, na petição inicial, deve-
rá especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando
para administrar seus bens e para praticar atos da vida civil, bem como
o momento em que a incapacidade se revelou.
Bem, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a in-
terdição passa a ser exceção.
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos
de natureza patrimonial e negocial.
§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à
sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao tra-
balho e ao voto.
§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sen-
tença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses
do curatelado.

Dessa forma, por ser uma medida extraordinária, existe uma outra
via assistencial de que pode se valer a pessoa com deficiência para que
possa atuar na vida civil, que é tomada de decisão apoiada.
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercí-
cio de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais
pessoas.
[...]
§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de toma-
da de decisão apoiada.

A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com


deficiência, dotada de certo grau de discernimento, elege pelo menos 2
(duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de
sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos
da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e as informações necessários
para que possa exercer sua capacidade.
Para a Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associa-
ção de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS),
70 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

a Síndrome de Down (SD) é a síndrome genética de maior incidência e


tem como principal consequência a deficiência mental. Desse modo, o
portador de Síndrome de Down se enquadra no Estatuto da Pessoa com
Deficiência – EPD. Conforme estudos científicos, não existem graus de
Síndrome de Down, no entanto há diferenças de desenvolvimento que
decorrem das características individuais referentes à herança genética,
à estimulação, à educação, ao meio ambiente, aos problemas clínicos,
entre outros.

Dessa forma, a autonomia na prática de atos da vida civil pela


pessoa com deficiência dependerá do grau dessa deficiência, a ser ava-
liada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, conforme dispõe o
referido dispositivo legal no seu art. 2º.
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimen-
to de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua parti-
cipação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial,
realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III – a limitação no desempenho de atividades; e
IV – a restrição de participação.

E, a partir de então, se tomará a medida judicial protetiva cabí-


vel, seja de curatela ou de tomada de decisão apoiada, prevalecendo a
norma mais benéfica à pessoa com deficiência, conforme determina o
art. 121 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Ademais, ressalte-se que, resguardando a segurança jurídica e so-
cial, não há que se considerar, a partir do Estatuto, inválidos e inefi-
cazes todos os termos de curatela existentes. De modo que os termos
de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua
eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, sendo interpretados sob
nova concepção.
Parte Geral – Doutrina
O Novo Código de Processo Civil e os Impactos no Direito da Criança
e do Adolescente
CLAUDIO GOMES
Advogado Especialista em Direito da Criança e do Adolescente, Família e Idoso pela UERJ,
atuante na área de Direito de Família, Cível e Sucessões.

SUMÁRIO: Introdução; I – Considerações iniciais; II – O sistema multiportas; III – Da contagem dos


prazos processuais; IV – Das ações de família; V – A prioridade absoluta na tramitação dos processos;
VI – A flexibilização procedimental prevista no artigo 153 do ECA; VII – O direito fundamental à educa-
ção; VIII – Procedimento de perda ou suspensão do poder familiar; IX – Regras do processo e procedi-
mentos diferenciados; X – Realização de estudo social ou perícia pela equipe interprofissional do juízo
e intervenção da Funai; XI – Prazo máximo para o procedimento; XII – Averbação da sentença no regis-
tro civil; XIII – Prévia destituição do poder familiar para adoção; XIV – Tutela de urgência; XV – Procedi-
mento de destituição da tutela e da colocação em família substituta; XVI – Procedimento para coloca-
ção em família substituta; XVII – Recursos no Estatuto da Criança e do Adolescente; XVIII – Reflexos
do novo Código de Processo Civil no Estatuto da Criança e do Adolescente; Referências.

INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como escopo a análise sistemática do Es-
tatuto da Criança e do Adolescente à luz do novo Código de Processo
Civil, mas, notadamente, no que tange aos recursos. Apresentando duas
partes, onde a primeira parte discorre sobre os recursos no novo Código
de Processo Civil, elencando as espécies de recursos previstos na vigente
legislação processual, bem como os pressupostos e o cabimento de cada
espécie de recurso. Já a segunda parte consiste na apresentação dos pro-
cedimentos processuais dispostos no Estatuto, principalmente em sede
recursal, e, após, adequação das normas do novo diploma processual
ao Estatuto, levando-se sempre em conta a subsidiariedade da aplicação
das normas do processo civil em relação aos procedimentos previstos na
legislação protetiva da criança e do adolescente.
No mesmo diapasão, cabe ressaltar que a referida subsidiariedade
das normas do processo civil na legislação da criança e do adolescente
é decorrente dos princípios da especialidade da legislação da criança e
do adolescente, da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança
e do adolescente.
72 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Ressaltando que a referida aplicação subsidiária do novo CPC será


naquilo em que não contrariar o procedimento disposto no Estatuto, ou
seja, quando o Estatuto for omisso em regulamentar determinado pro-
cedimento, poderá ser usado o procedimento disposto novo CPC, ob-
servando-se sempre a prioridade absoluta da crianças e do adolescente.
Por outra vertente, o presente estudo aborda também as várias pe-
culiaridades nos procedimentos que envolvam crianças e adolescentes,
admitindo inclusive a adoção, pelo juiz, de procedimentos não previs-
tos, chamados de procedimentos inominados. As referidas peculiarida-
des decorrem da vontade do legislador em otimizar e aumentar a eficá-
cia na proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescentes.
Por fim, a finalidade do presente estudo é proporcionar aos pro-
fissionais do Direito um conhecimento sobre o sistema de aplicação das
normas processuais, quando estiverem em questão os interesses e direi-
tos de crianças e adolescentes, bem como levar a eles o entendimento
de que toda a legislação processual deve ser aplicada sempre à luz da
doutrina da proteção integral (art. 227 da CRFB) e dos princípios fun-
damentais do direito da criança e do adolescente, em decorrência da
prioridade absoluta das crianças e dos adolescentes e da constituciona-
lização deste direito.
O presente estudo aborda, em seu segundo capítulo, a teoria geral
dos recursos, onde dispõe sobre o conceito e toda a matéria atinente
aos recursos em geral. Já o terceiro capítulo discorre sobre as espécies
de recursos, elencando todos que foram previstos pelo novo Código de
Processo Civil, ou seja, os que permaneceram e os que deixaram de
existir. O quarto capítulo discorre sobre o recursos de competência dos
Tribunais Superiores – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de
Justiça. O quinto capítulo aprofunda o estudo sobre os recursos especial
e extraordinário, relatando sobre o cabimento, os requisitos e as respec-
tivas matérias a serem julgadas por ambos.
Após o estudo de todos os recursos previstos pelo novo Código de
Processo Civil, passamos a segunda parte do estudo, onde são estudadas
as aplicações do NCPC no Estatuto da Criança e do Adolescente, ou
seja, o que mudou no âmbito do Estatuto com a nova legislação pro-
cessual, no que tange a prazos, competências e procedimentos, e o que
permaneceu inalterado, em face da especialidade do estatuto protetivo.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 73
Iniciando a segunda parte, o primeiro capítulo aborda o acesso à
justiça à luz do ECA, ou seja, o acesso à justiça de crianças e adolescen-
tes, bem como de todos os envolvidos no exercício ou na violação dos
direitos protegidos por aquele Estatuto.
O segundo capítulo trata da Justiça da Infância e Juventude, suas
normas e suas peculiaridade, na esteira da prioridade absoluta da crian-
ça e do adolescente. E, ainda, a sua estrutura e os seus atores, tendo
como finalidade a promoção e efetivação dos direitos das crianças e dos
adolescentes, garantidos pelo ECA.
O terceiro capítulo fala sobre os procedimentos processuais, ade-
quando os procedimentos trazidos pelo NCPC e os adaptando aos pro-
cedimentos dispostos no ECA, sempre que houver na lide direitos e inte-
resses inerentes a crianças e adolescentes. Não se podendo olvidar que,
em caso de incompatibilidade entre procedimento ditado pelo NCPC e
o ECA, deve prevalecer a legislação protetiva à criança e ao adolescente,
em face do princípio da especialidade e pelo fato de o estatuto tratar-se
de uma legislação protetiva, que tem como escopo a garantia e a promo-
ção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
O quarto capítulo aborda o tema sobre destituição do poder fami-
liar, apresentando várias peculiaridades, inclusive privilegiando o prin-
cípio do contraditório, tendo nuances distintas do NCPC, por tratar-se de
matéria altamente controvertida, tendo que ser dirimida no diapasão do
melhor interesse da criança e do adolescente.
O quinto capítulo trata da colocação da criança ou do adolescente
em família substituta, mais uma vez fazendo-se um cotejo entre as nor-
mas do novo diploma processual e o ECA, sempre à luz da prioridade
absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente.
O sexto e derradeiro capítulo discorre sobre os recursos no ECA,
ou seja, os recursos dispostos na legislação civil, e não na penal, im-
portante ressaltar esse detalhe, aplicando-se as peculiaridades do re-
ferido estatuto. Ressaltando-se, por fim, que as regras do NCPC são
aplicadas subsidiariamente ao ECA naquilo que for compatível, preva-
lecendo sempre as disposições estatutárias em caso de conflito (apa-
rente) de normas, haja vista o princípio da especialidade e o caráter
protetivo do estatuto.
74 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

O presente estudo teve como motivação a necessidade de adequar


o ECA à nova legislação processual, levando-se em conta as peculiari-
dades do estatuto, bem como prioridade absoluta da criança e do ado-
lescente.
Em breve síntese, o escopo do presente estudo consiste em um co-
tejo, até o momento inédito, entre o Estatuto da Criança e do Adolescen-
te e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Apresentando
as peculiaridades do ECA e o adaptando à nova legislação civil, naquilo
que não contrariar as disposições estatutárias.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O novo CPC inovou dispondo algumas mudanças, como proces-
sos mais céleres, desburocratizados, prestigiando-se a autonomia de
vontade das partes, com permissão para negócios processuais e a hu-
manização do processo civil. Implantou, ainda, um sistema multiportas,
onde a controvérsia apresentada ao Judiciário possa ser solucionada por
meio da conciliação, mediação e arbitragem, e aí só no caso do fracasso
das tentativas de acordo o juiz julgará a causa, através de um processo
justo, com o efetivo contraditório e a ampla defesa, sendo vedada, tam-
bém, a decisão surpresa para as partes, terminando o procedimento em
uma sentença justa e bem fundamentada, com a análise do mérito da
questão, aproveitando, o quanto possível, todos os atos processuais –
pas de nullité sans grief –, corolário do princípio da instrumentalidade
das formas, preocupando-se mais com a resolução do mérito do que
com formalidades, muitas vezes irrelevantes.
O novo CPC, quando dispõe sobre um contraditório efetivo, nos
termos do art. 10 do CPC/2015, refere-se ao fato de que, no processo,
as partes tenham condições de efetivamente manifestarem-se e ao mes-
mo tempo serem ouvidas. Assim sendo, o legislador preocupou-se em
melhor disciplinar o acesso à justiça por meio de assistência judiciária,
bem como o rigor no que tange à igualdade de condições dos litigantes
no processo, ou seja, a paridade de armas, tendo como pano de fundo
o princípio da isonomia. E, nessa toada, o novo CPC disciplinou a distri-
buição do ônus da prova, ou seja, o ônus da prova é daquele que melhor
tenha condições de produzi-la, levando-se em conta a hipossuficiência
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 75
da parte contrária na produção de determinada prova, sendo conhecido
como o princípio da carga dinâmica da prova.
O novo CPC também consagrou a obrigatoriedade imposta aos
magistrados de motivarem suas decisões, vedando argumentos genéri-
cos e citações jurisprudenciais sem demonstração de sua pertinência ao
caso concreto, conforme o art. 11 c/c o art. 489, ambos do CPC 2015.
Assim sendo, os procedimentos disciplinados pelo ECA, à luz do
novo CPC, asseguram uma maior efetividade no que tange aos direitos e
às garantias fundamentais da criança e do adolescente.

II – O SISTEMA MULTIPORTAS
O CPC vigente, em seu art. 3º, adota o modelo multiportas, ou
seja, dispõe, além da solução jurisdicional tradicional, os meios alterna-
tivos de solução de controvérsias. Assim sendo, a conciliação e a me-
diação, que antes eram meios alternativos de solução de litígios, passam
a condição de soluções previstas no CPC, proporcionando à parte a es-
colha do caminho mais adequado de acordo com as peculiaridades de
cada conflito.
O conciliador, em regra, atuará nas causas onde não haja um vín-
culo anterior entre as partes, podendo, então, sugerir soluções para so-
lução do conflito. Por outro lado, o mediador atuará nas situações onde
houver um vínculo anterior entre as partes, promovendo o entendimento
entre as partes, restaurando, quando possível, os vínculos anteriores, de
forma que os próprios litigantes cheguem, por eles mesmos, a uma solu-
ção satisfatória à ambos.
O sistema multiportas é totalmente adaptável aos processos que
tramitam nas Varas da Infância e Juventude, sendo aplicável em algumas
situações, como:
a) Na apuração de ato infracional, é possível a utilização dos mé-
todos inerentes à Justiça Restaurativa, com o incentivo à com-
posição do conflito entre o adolescente infrator, a vítima do ato
infracional e a sociedade, sendo as tratativas conduzidas por
um mediador. O mesmo ocorrendo no que tange à execução
das medidas socioeducativas.
76 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

b) Procedimento de destituição do poder familiar e a colocação


em família substituta, a mediação, também neste caso, pode
ser valorosa na solução de eventual conflito.

III – DA CONTAGEM DOS PRAZOS PROCESSUAIS


O novo CPC inovou na contagem dos prazos processuais ao
dispor que a contagem dos prazos será em dias úteis, nos termos do
art. 219, e não em dias corridos, como no CPC de 1973, salientando, po-
rém, que tal contagem só valerá para prazos processuais, o que nos leva
a concluir que não houve alteração na contagem dos prazos de prescri-
ção e decadência, uma vez que constituem prazos de direito material,
previstos na legislação civil.

IV – DAS AÇÕES DE FAMÍLIA


O CPC vigente trouxe felizes inovações no que tange às ações de
família, conforme disposto em seus arts. 693 e seguintes.
O disposto nestes artigos assegura que, nas ações onde estejam en-
volvidos crianças ou adolescentes, ou discutam matérias de seu interes-
se, será obrigatória a observância do procedimento específico disposto
na legislação especial, ou seja, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em que pese haja a influência das normas gerais e fundamentais
da legislação processual, o rito a ser seguido será o previsto no Estatuto
da Criança e do Adolescente, aplicando-se, in casu, o princípio da es-
pecialidade.

V – A PRIORIDADE ABSOLUTA NA TRAMITAÇÃO DOS PROCESSOS


Importante peculiaridade da Justiça da Infância e Juventude é a
prioridade absoluta na tramitação dos processos, bem como na execu-
ção de atos e diligências. Sendo tal prioridade corolário da doutrina da
proteção integral insculpida no art. 227 da CRFB, onde dispõe, também,
que as políticas públicas voltadas à infância e juventude têm prioridade
absoluta.
E, ainda, a mesma prioridade é assegurada no processamento dos
recursos, em função da previsão de que o Relator coloque em mesa para
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 77
o julgamento no prazo de 60 dias, conforme disposto no art.199-D do
ECA.

VI – A FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL PREVISTA NO ARTIGO 153 DO ECA


A regra de flexibilização, conforme disposta no art. 153 do ECA,
prevê, a critério do juiz, de que na hipótese de não haver um procedi-
mento específico no Estatuto, o mesmo poderá adotar aquele que enten-
der mais adequado ao caso concreto.
Tais procedimentos são conhecidos como “procedimentos inomi-
nados”, muito usados em situações de risco, para a retirada da criança
ou do adolescente da família natural ou substituta, em face da comuni-
cação oriunda do setor social do Judiciário ou pelo Conselho Tutelar.
Por outro lado, embora haja discricionariedade do juiz quanto à
flexibilização do procedimento, em nenhuma hipótese tal flexibilização
poderá suprimir o direito ao contraditório e à ampla defesa, pois, do
contrário, não teríamos discricionariedade, e sim arbitrariedade. Sendo
certo a obrigatoriedade da utilização criteriosa de tal expediente, sempre
no intuito de agilizar a proteção da criança e do adolescente, em situa-
ção de risco, sem que isso se transforme em uma prática banal a retirar
os filhos de seus pais.
Na mesma toada, o dispositivo em comento prevê a flexibilização
do procedimento, ou, melhor, adaptação do mesmo pelo juiz na falta de
um específico, e não a exclusão de um procedimento formal, onde se
assegure o contraditório e a ampla defesa, haja vista que a retirada da
criança ou do adolescente de sua família natural é medida excepciona-
líssima, impondo-se o controle judicial por meio de um procedimento
contencioso.
Assim sendo, foi inserido um parágrafo único no art. 153 do ECA,
que dispõe que o previsto no caput do dito dispositivo legal não se apli-
ca para o fim de afastamento da criança ou do adolescente de sua famí-
lia natural.
O que se deseja coibir não é a flexibilização, mas sim a má utiliza-
ção dos procedimentos de apuração, que, não raras vezes, são aplicados
como meros expedientes administrativos, sem a observância do contra-
ditório e da ampla defesa.
78 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Na inclusão de uma criança, por exemplo, em programa de acolhi-


mento familiar, com a consequente retirada da família de origem, exige-
-se observar o procedimento contraditório, com todas as suas garantias.

VII – O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO


Na legislação processual, o magistrado pode adotar medidas coer-
citivas para efetividade de suas decisões, e algumas medidas podem ser
adotadas de ofício, nos termos do art. 461 do CPC.
Cabe ressaltar que, para adoção de tais medidas, é necessário que
a tutela jurisdicional tenha sido previamente provocada, em decorrência
do princípio da inércia da jurisdição.
Já, em se tratando do Estatuto, nos termos do art. 152, temos uma
situação diferenciada, pois que tal dispositivo autoriza não somente o
deferimento, de ofício, de medidas coercitivas, bem como a aplicação
do direito sem a prévia provocação pelo interessado, por meio da ação
judicial cabível.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da atuação de
ofício do magistrado da Vara da Infância e Juventude, no sentido de de-
terminar a inserção de crianças específicas no sistema de ensino, diante
de notícia do Conselho Tutelar e mesmo sem postulação prévia do inte-
ressado. (RMS 36.949/SP,, Rel. Min. Humberto Martins, 13.03.2012)

VIII – PROCEDIMENTO DE PERDA OU SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

a) legitimidade ativa

A legitimidade ativa para propor a ação de destituição do poder


familiar, em face dos genitores, em conjunto ou isoladamente, é do Mi-
nistério Público, qualquer parente da criança ou do adolescente ou de
quem tenha o legítimo interesse ou dever de resguardar os direitos da
criança e do adolescente.
O Ministério Público, nos casos onde forem comprovados maus-
-tratos, negligência, violência ou qualquer situação que configure situa-
ção de risco para criança ou adolescente, o Parquet deve propor a ação
em 30 dias, nos termos do art. 101, § 10, do ECA, salvo se entender ne-
cessários estudos complementares da equipe interprofissional ou outras
providências indispensáveis à propositura da ação.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 79
Caso o juiz constate que o MP está incumbido do procedimento
verificatório, porém ainda não ofereceu a inicial da ação de destituição
do poder familiar, deverá comunicar ao Procurador-Geral de Justiça,
para a substituição do referido membro do MP, por outro que ofereça a
inicial ou ele próprio oferecer a inicial, dando-se tratamento análogo aos
casos em que o membro do MP conceder, indevidamente, a remissão ou
requer o arquivamento.
Por outra vertente, possuem legítimo interesse para propor ação de
suspensão ou destituição do poder familiar, além do Ministério Público,
cabendo antes ressaltar que o Conselho Tutelar não é investido deste
interesse, nos termos do art. 136, XI, do ECA, as pessoas estreitamente
ligadas à criança ou ao adolescente: a) guardião de fato; b) guardião
nomeado pelo juiz; c) o pretenso tutor (1.731 do CC); d) pretendente à
adoção; e) um genitor em relação ao outro. Por fim, todos aqueles que
demonstrarem legítimo interesse, ou seja, demonstrar ser a única pessoa
a falar pela criança ou pelo adolescente.
O pedido de perda ou suspensão do poder familiar pode ser proposto
pelo representante do Ministério Público ou por quem se achar investido
de legitimidade e interesse para agir, assim se qualificando os ascenden-
tes, colaterais ou parentes por afinidade do menor, bem como qualquer
pessoa que reúna condições para o exercício da ação, como, por exem-
plo, os pretendentes à tutela ou adoção. (Munir Cury (Org.), estatuto da
Criança e do Adolescente comentado, p. 777)
É óbvio que um dos pais pode e deve requerer a destituição em relação
ao outro, se houver motivo justificado. Entretanto, qualquer pessoa que
pretenda tutelar ou adotar o menor também terá legitimidade para re-
querer a inibição do poder familiar, ainda que seja pelo simples motivo
de pretender a guarda. (Roberto João Ellias, Comentários ao estatuto da
Criança e do Adolescente, p. 214)
O procedimento para perda do poder familiar terá início por provocação
do Ministério Público ou de pessoa dotada de legítimo interesse, que se
caracteriza por uma estreita relação entre o interesse pessoal do sujeito
ativo e o bem-estar da criança. [...] em que um dos cônjuges pretende
adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo
interesse para destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado
na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou
seja, à socioafetividade, [...] Com fundamento na paternidade responsá-
vel, “o poder familiar é instituto de interesse dos filhos e da família, não
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em proveito dos genitores”. Citando Laurent, “o poder do pai e da mãe


não é outra coisa senão a proteção e direção”. [...] ao padrasto é conferida
legitimidade ativa e interesse para agir para postular a destituição do po-
der familiar do pai biológico da criança. [...] é que deve ser concedido ao
padrasto “legitimado ativamente e detentor do interesse de agir” o direito
de postular em juízo a destituição do poder familiar – pressuposto lógico
da medida principal de adoção por ele requerida – em face do pai bioló-
gico, em procedimento contraditório, consoante o que prevê o art. 169
do ECA. [...]. (STJ, REsp 1.106.637/SP, 3ª T., Relª Nancy Andrigui,
01.06.2010)
O casal habilitado como candidato à adoção, que recebeu a guarda da
menor recolhida em abrigo, é parte legítima para pleitear a destituição
do poder familiar com respaldo no art. 155 do ECA. Admite-se a acumu-
lação do pedido de destituição do poder familiar com o de adoção, [...].
(TJMG, Apelação nº 1.0024.11.046598-6/001, 4ª C.Cív., Relª Heloisa
Combat, 20.02.2014, v.u.)
Não se verifica a ilegitimidade dos Adotantes para requererem a desti-
tuição, nos termos do art. 155 do ECA. (Apelação nº 1.0024.09452383-
4/001, 7ª C.Cív., Rel. Washington Ferreira, 31.01.2012, v.u.)

b) cuRadoR especial

A questão é controvertida quando o Ministério Público ajuíza ação


contra os pais no interesse da criança ou do adolescente. A polêmica
consiste na discussão se há ou não a obrigatoriedade da intervenção
da Defensoria Pública com a nomeação de um defensor para curador
especial da criança ou do adolescente, mesmo no caso de o Parquet
ter ajuizado a ação, zelando pelos direitos e interesses da criança ou
do adolescente, atuando, in casu, como fiscal da lei (custos legis) e, ao
mesmo tempo, no interesse destes, como terceiro legitimado, nos termos
do art. 201, III e VIII, do ECA.
A jurisprudência é dominante no sentido de que, no caso de o
Parquet propor a ação judicial no interesse da criança ou do adolescen-
te, não haverá necessidade de intervenção da Defensoria Pública como
curadora especial.
1. Compete ao Ministério Público, a teor do art. 201, III e VIII da Lei
nº 8.069/1990 (ECA), promover e acompanhar o processo de destituição
do poder familiar, zelando pelo efetivo respeito aos direitos e garantias
legais asseguradas às crianças e adolescentes. Precedentes. 2. Resguar-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 81
dados os interesses da crianças e do adolescente, não se justifica a no-
meação de curador especial na ação de destituição do poder familiar.
(AgRg-Ag 1.410.666/RJ, 4ª T., Relª Min. Isabel Galloti, 21.06.2012, v.u.)
1. A ação de destituição do poder familiar, movida pelo Ministério Pú-
blico, prescinde da obrigatória e automática intervenção da Defensoria
Pública. 2. Somente se justifica a nomeação de curador especial quando
colidentes os interesses dos incapazes e os de seu representante legal.
(REsp 114.310/SP)
[...] 2. “Suficiente a rede protetiva dos interesses da criança e do adoles-
cente em Juízo, não há razão para que se acrescente a obrigatória atua-
ção da Defensoria Pública” (REsp 1.177.636/RJ). (AgRg-Ag 1.369.745/RJ,
3ª T., Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, 10.04.2012, v.u.)

IX – REGRAS DO PROCESSO E PROCEDIMENTOS DIFERENCIADOS


Como já foi dito, os procedimentos são aplicados, de forma subsi-
diária, às normas procedimentais previstas no Estatuto, conforme dispos-
to no art. 152 do ECA.
No que tange ao procedimento nas ações de destituição ou sus-
pensão do poder familiar, podemos elencar algumas peculiaridades:

a) competência da vaRa da infância e Juventude

No caso da criança ou do adolescente encontrar-se em situação de


risco (art. 98 do ECA), a ação tramitará na Vara da Infância e Juventude
(art. 148, parágrafo único, do ECA). Caso contrário, não existindo tal
situação, a competência será da Vara de Família.

b) citação e pRazo paRa Resposta

Em primeiro lugar, a citação terá de ser pessoal, ainda que o ci-


tando esteja privado de liberdade, em função de decisão judicial. Em
segundo lugar, o prazo para resposta do réu será de 10 (dez) dias, nos
termos do art. 158 do ECA. Contando-se em dobro o prazo em caso de
litisconsórcio com patronos diversos, bem como do réu estar representa-
do pela Defensoria Pública.
E, ainda, nos casos em que não se souber o paradeiro do citando(s),
o juiz expedirá ofícios aos órgãos públicos e privados, e determinará to-
das as diligências necessárias para encontrá-lo(s). E após esgotados todos
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os meios de localização, o juiz determinará a citação por edital, nos


termos do art. 257 do CPC.
Porém, quando conhecido o domicílio ou residência do(s)
citando(s), e o oficial de justiça, após ir duas vezes ao local, não en-
contrá-lo(s), havendo suspeitas de que os mesmo(s) estão se ocultando,
procederá à citação por hora certa, nos termos do art. 252 do CPC.
Válida a citação por edital realizada com fundamento na declaração da
parte autora de ser desconhecida a localização do requerido e respalda-
da nos acompanhamentos assistenciais, que antecederam a propositura
da ação e se desenvolveram por vários anos, sem que se tivesse notícias
do paradeiro do genitor dos menores. [...]. Incorre em abandono matéria
e afetivo o pai que, deixando a guarda dos filhos para a genitora des-
tes, negligencia o dever de supervisionar os seus interesses e fiscalizar
a sua manutenção e educação, além do dever de sustento e de cuida-
do, manifestado na convivência familiar e no cultivo dos laços afetivos,
[...]. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0223.13.002650-1/001, 4ª C.Cív., Relª
Heloisa Combat, 12.03.2015)
Em pedido de destituição do poder familiar, a citação por edital pres-
supõe o esgotamento total dos meios para se localizar o pai biológico,
nos termos do art. 158 do ECA. (Apelação nº 1.0701.08.220820-1/001,
3ª C.Cív., Rel. Silas Vieira, 08.07.2010. v.u.)
1. Não afronta o disposto na Lei nº 8.069/1990 (art. 158) a citação por
edital, quando devidamente comprovado por meio de certidão do oficial
de justiça que os réus estão em lugar certo em não sabido e, também, por
se tratar de andarilhos, sem qualquer vínculo familiar na comarca. 2. É
de se manter a sentença que julga procedente o pedido de suspensão do
poder familiar quando comprovado nos autos que os menores se encon-
tram em situação de risco [...]. (Apelação nº 1.0194.03.033735-7/001,
8ª C.Cív., Rel. Edgard Penna Amorim, 08.02.2007, v.u.)

c) a nomeação de advogado poR RequeRimento diReto em caRtóRio

Se o réu não tiver condições financeiras de constituir um advo-


gado, poderá requerer ao cartório judicial que lhe nomeie um defensor
dativo, não sendo necessário que o réu procure a Defensoria Pública.
No caso de réu privado de liberdade, o oficial de justiça indagará,
no momento da citação, se o mesmo deseja um defensor. Nesse caso,
consoante ao art. 159 do Estatuto, o prazo para resposta fica interrompi-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 83
do até a nomeação do defensor, ou seja, só fluirá a partir do despacho
de nomeação do defensor ou do advogado.

d) não incidência dos efeitos da Revelia e pRodução de pRovas

A revelia produz efeitos de natureza material e processual: o mate-


rial consiste na presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial
pelo o autor. Já o efeito processual consiste na desnecessidade de inti-
mação do réu para os demais atos processuais.
Tratando-se de destituição ou suspensão do poder familiar, tem-se
direitos indisponíveis, irrenunciáveis e inalienáveis. Assim sendo, não
há incidência dos efeitos da revelia, sendo necessário que o autor faça
prova de todos os fatos aduzidos na inicial. Havendo necessidade de
audiência com a oitiva dos pais ou responsável, bem como a realização
de estudos sociais, o contraditório e a ampla defesa.
Sendo certo que, em face da gravidade da medida de suspensão
ou destituição do poder familiar, seria temerário se o juiz pudesse deci-
dir com base na presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial.
Seria extremamente danoso à criança ou ao adolescente, indo na
contramão do princípio do melhor interesse se um pai ou uma mãe per-
desse o poder familiar de seu filho, apenas porque não contestou a ação
de destituição do poder familiar.

e) necessidade de oitiva dos pais, da cRiança e do adolescente

Os pais da criança e do adolescente deverão ser ouvidos na audi-


ência de instrução, e, caso um dele esteja privado de liberdade, o juiz
ordenará sua condução para ser ouvido em audiência.
A criança ou o adolescente também deverão ser ouvidos, sempre
que possível, de acordo com seu estágio de desenvolvimento e compre-
ensão, prestigiando-se o princípio pelo qual a opinião da criança ou do
adolescente será considerada na tomada de decisões sobre sua vida.
Neste ponto existe controvérsia na doutrina, uma vez que alguns
doutrinadores entendem que a inclusão do § 4º no art. 161 do ECA vai
na contramão do melhor interesse da criança e do adolescente, pois
supervaloriza o interesse dos pais em detrimento da criança e do ado-
lescente. Os pais não contestam, ou seja, em muitos casos não possuem
o interesse em defender o seu poder familiar, e ainda sim é obrigatória
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sua oitiva, o que prejudica sensivelmente a celeridade do processo e,


por consequência, mantém, por mais tempo, a criança ou o adolescente
abrigado e longe da convivência familiar. Em suma, uma segunda vio-
lação do direito fundamental destes à convivência familiar, desta vez,
perpetrado por quem tem a obrigação legal de defendê-lo.
A doutrina infantojuvenilista não conseguiu explicar a contento a razão
de inclusão deste parágrafo. Menciona-se a importância dada pelo legis-
lador à perda do poder familiar, ao mesmo tempo em que se reconhece
não se poder adiar, indefinidamente, a destituição do poder familiar dos
pais, mormente quando eles não estão conectados ao filho, não contes-
taram, nem compareceram a audiência. (Nucci, 2016, p. 566)
Pensou mais em preservar direitos dos pais do que dos filhos. (BARROS,
Luiz Carlos. Comentários à nova lei nacional da adoção, p. 99)
Considerando que a requerida não foi ouvida em juízo, e nem sequer
foi intimada para audiência de instrução, resta violado o disposto no
art. 161, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe ser
obrigatória a oitiva dos pais sempre que esses forem identificados e es-
tiverem em local conhecido, devendo ser desconstituída a sentença, a
fim de que seja reaberta a instrução, para que se proceda à oitiva da
demandada. Acolheram a preliminar suscitada pelo Ministério Público,
desconstituindo a sentença. Unânime. (TJRS, Apelação nº 70052666195,
8ª C.Cív., Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, 04.07.2013, v.u.)
Ação de destituição do poder familiar. Procedência na origem. Recla-
mo dos réus. Genitores não foram ouvidos em audiência de instrução e
julgamento. Desatenção ao disposto no art. 161, § 4º, do ECA. Nulida-
de absoluta. Retorno dos autos à origem para regular processamento do
feito. Sentença desconstituída. Recursos prejudicados. (TJSC, Apelação
nº 2012.064992-6, 5ª C.Cív., Rel. Des. Odson Cardoso Filho)

X – REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL OU PERÍCIA PELA EQUIPE INTERPROFISSIONAL DO JUÍZO E


INTERVENÇÃO DA FUNAI
O estudo social é realizado por assistentes sociais, já a perícia
pode ser realizada por profissionais de várias áreas, sendo as mais co-
muns a psicologia, o serviço social e a medicina.
A intervenção da Funai ocorrerá, quando os pais do adolescen-
te ou da criança forem oriundos da comunidade indígenas. Cabendo
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ressaltar que embora a Funai seja um órgão federal, responsável pelas
comunidades e pela cultura indígena, a competência para ação de des-
tituição ou suspensão do poder familiar não se desloca para a Justiça
Federal.
E, ainda, a participação de antropólogos, em caso da criança ou
do adolescente ter sua origem em comunidades quilombolas (art. 28,
§ 6º, do ECA).

XI – PRAZO MÁXIMO PARA O PROCEDIMENTO


O prazo máximo para o encerramento do procedimento de perda
ou suspensão do poder familiar é de 120 (cento e vinte) dias, nos termos
do art. 163 do ECA. Todavia, em nenhuma hipótese o prazo poderá ser
empecilho ao contraditório e à ampla defesa.

XII – AVERBAÇÃO DA SENTENÇA NO REGISTRO CIVIL


A sentença, que decide pela perda ou suspensão do poder fami-
liar, deverá ser averbada no assento do registro civil da criança ou do
adolescente, sendo certo que o juiz deverá expedir o mandado de aver-
bação (art. 102, § 6º, da Lei nº 6.015/1973 – Registros Públicos).

XIII – PRÉVIA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR PARA ADOÇÃO


A destituição de poder familiar poderá ser requerida em ação autô-
noma, ou em pedido para colocação em família substituta, caso que será
cumulada com a ação de guarda, tutela ou adoção, sendo tal cumulação
imprópria sucessiva, pois que o segundo pedido só será possível caso
atendido o primeiro.
Entretanto, não será possível a ação visando à colocação em fa-
mília substituta da criança ou do adolescente, com o deferimento inci-
dental da destituição do poder familiar, caso não haja pedido formulado
para esse fim.
Direito civil. Adoção plena. Destituição prévia do pátrio poder {poder
familiar}. Necessidade de procedimento próprio com esse fim. Observân-
cia do Estatuto da Criança e do Adolescente. O deferimento da adoção
plena não implica, automaticamente, a destituição do pátrio poder [po-
der familiar], que deve ser decretada em procedimento próprio autôno-
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mo, com a observância da legalidade estrita e da interpretação normativa


restritiva. A cautela é imposta, não só pela gravidade da medida a ser
tomada, uma vez que importa na perda do vínculo da criança com sua
família natural, como também por força das relevantes repercussões em
sua vida socioafetiva. Sem isso, serão desrespeitados, entre outros, os
princípios do contraditório e do devido processo legal (arts. 24, 32, 39
a 52, destacando-se o art. 45, e, ainda os arts. 155 a 163 do Estatuto da
Criança e do Adolescente). Recurso especial provido, para julgar os auto-
res carecedores do direito à ação, por impossibilidade jurídica processual
do pedido, coma ressalva que a situação da criança não será alterada,
permanecendo ela na guarda dos ora recorridos. (REsp 476.382/SP, 3ª T.,
Rel. Min. Castro Filho, J. 08.03.2007, DJ 26.03.2007, p. 231)

XIV – TUTELA DE URGÊNCIA


O art. 157 do ECA determina que, em caso de motivo grave, pode-
rá o juiz determinar a suspensão do poder familiar, nos próprios autos,
em sede de tutela de urgência antecipatória ou por meio de tutela de
urgência cautelar, liminarmente.
Poderá, ainda, em casos de maus-tratos, violência ou abuso se-
xual, ser determinado pelo juiz o afastamento do agressor da moradia,
nos casos em que o agressor for os pais ou o responsável legal da criança
ou do adolescente vítima.
O exercício dos direitos inerentes ao poder familiar dos pais traz ínsi-
to consigo também os deveres de criação e sustento da prole, de for-
ma a propiciar aos filhos vida digna e saudável. Encontrada criança, de
tenra idade, em completo estado de abandono e com fortes indícios de
maus-tratos, deve ser mantida a medida liminar, concedida em ação de
destituição do pátrio poder, que suspendeu o poder familiar, mantendo-
-se a menor em lar substituto, para que sejam preservados os seus inte-
resses. (TJMG, AI 1.0517.08.008082-6/001, 5ª C.Cív., Relª Maria Elza,
05.03.2009, v.u.)

XV – PROCEDIMENTO DE DESTITUIÇÃO DA TUTELA E DA COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA

a) destituição da tutela

Na destituição da tutela, o procedimento encontra-se melhor dis-


ciplinado no Código Civil, aplicando-se no que couber o procedimento
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 87
utilizado na destituição ou suspensão do poder familiar, disciplinado
pelo Estatuto.
A legitimidade ativa para a propositura da ação de destituição da
tutela é do Ministério Público e de quem tenha o legítimo interesse.
A tutela de urgência antecipada poderá ser concedida pelo juiz,
em casos de urgência ou extrema gravidade, suspendendo o exercício
das funções de tutor ou curador e nomeando interinamente tutor subs-
tituto.
O prazo para resposta, conforme o disposto no art. 1.195 do CPC,
será de cinco dias. Contudo, nos casos de destituição da tutela em sede
de Juízo da Infância e Juventude, o prazo será de dez dias, por dois mo-
tivos: a uma, porque esse é o prazo usualmente utilizado para os proce-
dimentos disciplinados no Estatuto; e, a duas, por que se aplica, no que
couber, o procedimento para destituição do poder familiar.
A responsabilidade do juiz pelos danos causados em decorrência
da não remoção do tutor ou curador será subsidiária à responsabilidade
destes, nos termos do art. 1.744 do Código Civil.
Por fim, a destituição da tutela será processada na Vara da Infância
e Juventude, apenas nos casos de incidência de risco (art. 98 do ECA) à
criança ou ao adolescente, nos termos do art. 148 do ECA.

XVI – PROCEDIMENTO PARA COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA


O procedimento para colocação da criança ou do adolescente em
família substituta, nas formas de guarda, tutela e adoção, encontra-se
disciplinado nos arts. 165 a 170 do ECA.
Cabendo ressaltar que a competência para o processamento das
ações de guarda e tutela será exclusivamente da Vara da Infância e Ju-
ventude, no caso da criança ou do adolescente encontrarem-se em si-
tuação de risco (art. 98 do ECA), conforme dispõe o art. 148, parágrafo
único, a, do ECA.
Assim sendo, a regra é a competência das Varas de Família, para
processarem os procedimentos de guarda e tutela, notadamente quando
a criança ou o adolescente estiverem sob o poder de um dos genitores
ou de algum familiar.
88 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No que concerne à adoção, todavia, a regra é a competência da


Vara da Infância e Juventude, seja a adoção nacional ou internacional.
Porém, tratando-se de adoção de adulto, a competência será das Varas
de Família, aplicando-se as regras previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
A colocação em família substituta consiste em um procedimento
voluntário ou contencioso. Sendo voluntário em face da falta de resistên-
cia dos pais ou responsável legal do adotando, havendo consenso, nos
termos do art. 166 do ECA.
Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos do poder fami-
liar ou tiverem concordado expressamente, o pedido de colocação em
família substituta poderá ser feito diretamente em cartório, prescindindo
da presença de advogado.

a) o consentimento dos pais paRa colocação em família substituta

O consentimento dos pais para colocação da prole em família


substituta exige a presença das seguintes formalidades:
• O esclarecimento prévio dos genitores, pela equipe interprofis-
sional do Juízo da Infância e Juventude, das consequências do
ato, e, no caso de adoção, da sua irrevogabilidade;
• O consentimento obrigatoriamente será prestado perante o
juiz na presença do Ministério Público, mesmo que por escrito;
• Só poderá ser prestado após o nascimento da criança, pois, se
prestado antes, não será válido. Tal requisito, leva em conta a
possibilidade de durante a gravidez sejam criados laços de afe-
tividade, desistindo a mãe de abrir mão de seu poder familiar;
• A possibilidade de retratação do consentimento até a publica-
ção da sentença, pois, após esta tornar-se pública, instaurada
estará a irretratabilidade do consentimento, em face da segu-
rança das relações jurídicas.
Sendo certo que, para consentirem, faz-se necessário que os geni-
tores detenham o poder familiar.
I – Nos termos do art.166, § 1º do ECA, a homologação do acordo de
guarda depende da oitiva da mãe do menor, cuja diligência pode ser rea-
lizada por precatória. Infere-se dos autos que a genitora é pessoa humilde
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 89
e residente no estado do Piauí, sendo plausível a alegação de que não
tem condições financeiras para arcar com os custos da viagem e compa-
recer à audiência em São Sebastião/DF. II – O art.152 do ECA determina
aplicação subsidiária das normas gerais previstas na legislação processual
pertinente para os procedimentos regulados pelo estatuto. III – Agravo
de instrumento provido. (TJDFT, AGI 20140020042683/DF, 0004294-
41.2014.8.07.0000, 6ª T.Cív., Relª Vera Andrighi, DJ 28.05.2014)
O prévio atendimento da mãe biológica por equipe interprofissional, na
forma prevista no art. 166, § 2º do ECA, visa sanar eventuais dúvidas
existentes pela genitora em relação a adoção do filho, alertando sobre
os efeitos jurídicos da medida extrema de desfazimento do vínculo bio-
lógico impugnado judicialmente. Embora no caso concreto a mãe bio-
lógica do infante não tenha sido atendida pela equipe interprofissional
da Justiça da Infância e da Adolescência, teve a ascendente materna ci-
ência sobre os efeitos da adoção do filho, não havendo dúvidas sobre
sua real intenção de desfazimento do vínculo biológico existente, mere-
cendo ser mantida a sentença de procedência do pedido inicial. (TJMG,
Apelação Cível nº 1.0429.06.011567-3/001, 6ª C.Cív., Rel. Des. Edilson
Fernandes, DJ 27.08.2013).

Assim sendo, os pais concordando com a perda do poder familiar,


serão ouvidos pelo juiz, em audiência, com a presença do Ministério Pú-
blico, sendo que o dito preceito legal (art. 166, §§ 3º e 4º, do ECA) não fi-
cou imune à críticas de alguns doutrinadores, pois entendem ilógico que
genitores que já manifestaram seu desejo de abrir mão do poder familiar
sejam novamente ouvidos em audiência, como se fosse uma tentativa de
convencê-los a criarem os filhos que não desejam.
A teor do art. 166, § 4º do ECA, acrescentado pela Lei nº 12.010/2009,
a validade do consentimento dos pais sobre o pedido de guarda, moda-
lidade da colocação do menor em família substituta, quando pronun-
ciado por escrito, depende da ratificação em audiência. (TJMG, Apela-
ção Cível nº 1.0607.11.003634-2/001, 4ª C.Cív., Relª Heloisa Combat,
DJ 04.04.2013)

Outro ponto passível de críticas é a possibilidade de retratação do


consentimento dado pelos genitores (§ 5º do art. 166 do ECA) antes da
publicação da sentença. A crítica, no caso, é decorrente do risco da dita
retratação ocorrer quando a criança ou o adolescente já se encontrar
90 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

perfeitamente adaptado à família substituta, em função do estágio de


convivência, nos casos de adoção.
Se o adotando já estiver adaptado ao novo lar, havendo demora para
conclusão do processo de adoção, e os pais biológicos apresentarem
retratação ao consentimento outrora por eles concedido em audiência,
somente restará aos adotantes a possibilidade de propositura de ação de
destituição do poder familiar para solucionar esse impasse – alegando,
por exemplo, abandono vivenciado pelo adotando com relação aos pais
biológicos. (LAMENZA, Francismar. estatuto da Criança e do Adolescen-
te interpretado, p. 275)

XVII – RECURSOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

a) meios de impugnação das decisões Judiciais

Os recursos são meios para a impugnação das decisões judiciais,


onde o recorrente busca a reforma, a anulação ou o aperfeiçoamento da
decisão judicial. Em se tratando de Estatuto da Criança e do Adolescente,
todos os recursos previstos na legislação processual civil são admitidos.
Ressaltando, também, que, além dos recursos, existem ações im-
pugnativas como o mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009), servin-
do de sucedâneo recursal, quando interposto em face da decisão ainda
não transitada em julgado.
Um exemplo emblemático de sucedâneo recursal é o habeas
corpus, utilizado, muitas vezes, como substitutivo de recursos. Todavia,
o STF firmou posição no sentido de não mais admiti-lo como substitu-
tivo, quando se tem a previsão legal de cabimento do recurso ordiná-
rio. Logo, havendo recurso previsto para determinada decisão, não será
admitida a impetração do habeas corpus, salvo nos casos de flagrante
ilegalidade, onde poderá ser concedido de ofício.
PROCESSUAL PENAL – HABeAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECUR-
SO ORDINÁRIO – NÃO CABIMENTO – HOMICÍDIO QUALIFICADO
NA FORMA TENTADA (CP, ART. 121, § 2º, II E IV, C/C ART. 14, II) –
FURTO QUALIFICADO (CP, ART. 155, § 4º, II) E ART. 244-B, DA LEI
Nº 8.069/1990 – PRISÃO PREVENTIVA – GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA – POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO CRIMINOSA – SEGRE-
GAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – HABeAS
CORPUS NÃO CONHECIDO – I – A Primeira Turma do col. Pretório Ex-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 91
celso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas
corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordiná-
rio [...]. II – Portanto, não se admite mais, a perfilhando esse entendimen-
to, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso
próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contu-
do, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar
constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da or-
dem de ofício. III – [...]. Habeas corpus não conhecido. (HC 303.228/SC,
5ª T., Rel. Min. Félix Fischer, J. 12.022015, DJe 25.02.2015)

b) sistema RecuRsal

O Estatuto da Criança e do Adolescente encampou o sistema re-


cursal do processo civil, com adaptações pontuais, a despeito de tratar-
-se de procedimento civil, administrativo ou infracional, sendo que o
art. 198 do ECA traz adaptações dos recursos da lei processual civil aos
procedimentos inerentes às crianças e aos adolescentes.
Assim sendo, os procedimentos afetados pelo art. 198 de ECA são
os disciplinados nos arts. 152 a 197-E do ECA, como, por exemplo: a
destituição do poder familiar (civil), a apuração de atos infracionais (in-
fracional) e a apuração de irregularidades em entidades de atendimento
(administrativo).
De outro giro, o procedimento da ação civil pública não se enqua-
dra no procedimento adaptado pelo Estatuto, uma vez que possui pro-
cedimento próprio, disciplinado pela Lei nº 7.347/1985. Assim sendo, o
prazo para interposição de recurso em ação civil pública é de 15 (quin-
ze) dias, e não de 10 (dez) dias, conforme uniformização dos prazos para
interposição dos recursos, prevista no novo Código de Processo Civil.

XVIII – REFLEXOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE
O Estatuto previu que, para os procedimentos que tramitem peran-
te a Vara da Infância e Juventude, o sistema recursal a ser utilizado será
do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações estabelecidas
pelo Estatuto.
Assim sendo, por consequência lógica, a alteração na lei proces-
sual civil, pelo novo CPC, acarretará reflexos no Estatuto, conforme ve-
remos:
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Os recursos cabíveis são: apelação, agravo de instrumento, agravo


interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial,
recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e
embargos de divergência.
O agravo retido foi retirado do sistema recursal do novo CPC, e,
por consequência, decisões interlocutórias que não se amoldem às hipó-
teses de cabimento do agravo de instrumento elencadas no art. 1.009 do
NCPC não serão cobertas pelo manto da preclusão, podendo ser apre-
ciadas em sede de apelação.
Houve também a exclusão dos embargos infringentes, substituído
por uma nova forma de resolução da questão, prevista no art. 942 do
NCPC, que dispõe: quando o julgamento da apelação não for unâni-
me, hipótese que antes cabia os embargos infringentes, haverá outro
julgamento com julgadores diferentes a serem convocados de acordo
com o regimento interno do Tribunal, em número suficiente que permita
eventual inversão do resultado anterior. Sendo que, neste segundo julga-
mento, será novamente permitido às partes sustentarem oralmente suas
razões perante os novos julgadores.
Assim, no caso de o juiz deferir, liminarmente, a suspensão do
poder familiar, deferindo em seguida a guarda pleiteada, a parte interes-
sada poderá interpor o recurso de agravo de instrumento.

a) caRacteRísticas específicas

São peculiaridades dos recursos interpostos em face de decisões


proferidas nos procedimentos regulados pelo Estatuto.

b) dispensa de pRepaRo RecuRsal

Não há necessidade do recolhimento de custas (preparo) para a


interposição de recursos, regra da gratuidade, nos termos do art. 198,
I, c/c o art. 141, § 2º, ambos do ECA. Tal gratuidade beneficia apenas
crianças e adolescentes, não se estendendo a outros atores do processo,
conforme decidiu o STJ, nesse sentido.
Aos atores processuais não beneficiados com a gratuidade terão de
comprovar o recolhimento de custas (preparo) sob pena de deserção do
recurso, conforme disposto no art. 1.007 do NCPC.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 93
Processual civil-administrativo. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Infração. Apelação deserta. Isenção de custa e emolumentos. Pessoa ju-
rídica de direito privado. Impossibilidade. Art. 198, I, do Estatuto. Regra
dirigida a crianças e adolescentes. Divergência indemonstrada. 1. A isen-
ção de custas e emolumentos, prevista na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), deferida às crianças e adolescentes, na
qualidade de autoras ou rés, nas demandas ajuizadas perante a Justiça
da Infância e Juventude, não é extensível aos demais sujeitos processuais
que, eventualmente, figuram no feito. Precedentes do STJ [...]. 4. Recur-
so especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp
983.250/RJ, 1ª T., Min. Luiz Fux, J. 19.03.2009, DJe 22.04.2009)

c) pRazo paRa inteRposição do RecuRso

O prazo para interposição dos recursos será de 10 (dez) dias, ex-


ceto os embargos de declaração, que é de 5 (cinco) dias.
O NCPC uniformizou os prazos recursais, sendo de 15 (quinze)
dias o prazo para todos os recursos, salvo os embargos de declaração
que será de 5 (cinco) dias. Todavia, esses prazos não serão aplicados
aos procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente, em face
da existência de regra específica e do respeito ao princípio da especiali-
dade.

d) pRioRidade no Julgamento

Em função da prioridade de julgamento, os recursos em sede de


Justiça da Infância e Juventude não terão revisor, nos termos do art. 199-
C do ECA. Que determina, ainda, que os recursos de sentenças em ações
de destituição do poder familiar e adoção serão processados e julgados
com prioridade absoluta.

e) Juízo de RetRatação na apelação

O juízo de retratação nos termos da legislação processual civil


vigente só é possível em agravo de instrumento, sendo hipótese excep-
cional sua aplicação em apelação, haja vista que, ao proferir a sentença,
o juiz esgota sua jurisdição na fase de conhecimento, só cabendo a re-
forma da sentença pelos Tribunais de segunda instância ou de instâncias
superiores.
No caso do Estatuto, em face da sua essência protetiva e dos prin-
cípios do melhor interesse e da prioridade absoluta, o legislador permitiu
94 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

o juízo de retratação no âmbito da apelação, com o intuito de propor-


cionar maior celeridade e efetividade nos processos afetos à Justiça da
Infância e Juventude.

f) efeitos dos RecuRsos

No que tange os efeitos dos recursos, o ECA adotou o sistema


recursal disposto no CPC vigente com as modificações previstas no
art. 198 do ECA.
Nessa toada, o art. 108, VI, do ECA determinou que a apelação
será recebida no efeito devolutivo; porém, poderá ser concedido o efeito
suspensivo em casos de apelação à sentença em adoção internacional
ou sempre que o juiz entender que há perigo de dano irreparável ou de
difícil reparação.
Cabendo ressaltar que, com a edição da Lei nº 12.010/2009, hou-
ve a inversão da regra, ou seja, a apelação será recebida no duplo efei-
to, devolutivo e suspensivo, sendo que, em casos excepcionais, serão
recebidos apenas no efeito devolutivo, como, por exemplo, na adoção
nacional (art. 199-A do ECA), tendo-se por revogado o inciso VI do
art. 198 do ECA.
Recurso ordinário em habeas corpus. Ato infracional equiparado ao deli-
to de atentado violento ao pudor [anterior a Lei nº 12.015/2009]. Aplica-
ção de mediada socioeducativa de internação, por prazo indeterminado.
Recurso de apelação recebido sem efeito suspensivo. Regra prevista no
art. 198, VI do ECA. Possibilidade. Constrangimento ilegal não configu-
rado. Precedentes. Recurso improvido. 1. [...] “O recurso de apelação
terá, em regra, efeito devolutivo, podendo, entretanto, ser atribuído efeito
suspensivo em casos excepcionais, quando houver perigo de dano irre-
parável ou de difícil reparação” (RHC 20.530/SP, Rel. Gilson Dipp, 5ª T.,
DJ 02.03.2007). 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não exige
o trânsito em julgado da sentença para que se inicie o cumprimento da
medida socioeducativa aplicada, conforme preceitua a primeira parte do
inciso VI do art. 198 do ECA. [...] Recurso improvido. (RHC 21.380/RS,
5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 04.12.2008, DJe 02.02.2009)

No caso da ação socioeducativa, a mesma tem por objeto a apura-


ção da autoria e materialidade de ato infracional, e, ao final, a aplicação
ou não da medida socioeducativa ao adolescente, com o intuito de res-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 95
socialização do mesmo. Ou, ainda, em casos de adoção ou destituição
do poder familiar.
O recurso interposto pelo adolescente, em regra, terá duplo efeito,
ou seja, suspensivo e devolutivo. Logo, a sentença não produzirá efeitos
de imediato, e o adolescente não precisaria cumprir imediatamente a
medida socioeducativa.
Habeas corpus. ECA. Ato infracional equiparado a roubo. Medida so-
cioeducativa de semiliberdade. Apelação. Recebimento apenas no efeito
devolutivo. Possibilidade. Lei nº 12.010/2009. Revogação do inciso VI
do art. 198 do ECA. Interpretação sistemática do ordenamento jurídi-
co. Confirmação da antecipação dos efeitos da tutela. Ordem denegada.
1. [...]. 2. Com a revogação do mencionado dispositivo, realizado pela
Lei nº 12.010/2009, operou-se um retorno à sistemática geral do Códi-
go de Processo Civil, que oriente ao recebimento das apelações em seu
duplo efeito como regra, e somente no efeito devolutivo como exceção,
a teor dos arts. 520 do CPC e 199-A e 199-B do ECA. [...] 5. Habeas cor-
pus denegado. (HC 219.263/PA, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizez,
J. 22.11.2011, DJe 01.02.2012)
A sentença que defere a adoção e/ou destitui os genitores do poder fami-
liar produz efeitos desde logo, devendo a apelação ser recebida apenas
no efeito devolutivo. (TJRN, AI 2013.013979-6, 2ª C.Cív., Rel. Virgílio
Macêdo Jr., DJ 11.03.2014)

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a pos-


sibilidade de recebimento do recurso, somente no efeito devolutivo, em
face da sentença que determinar medida socioeducativa de internação,
quando for aplicada por tempo indeterminado, confirmando a interna-
ção provisória anteriormente concedida.
No que concerne às portarias expedidas pelo Juízo da Infância e
Juventude, para regulamentação de determinadas atividades, também
caberá o recurso de apelação ou mandado de segurança nos casos em
que a decisão cause lesão grave ao direito de crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil. 2. ed. Ed. Gen./Atlas,
2016.
96 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

DI MAURO, Renata Giovanoni. Procedimentos civis no estatuto da Criança e


do Adolescente. 2. ed. 2017.
FUX, Luiz. teoria geral do processo civil. 2. ed. Ed. Gen./Forense, 2016.
______. O novo Código de Processo Civil temático. Ed. Mackenzie, 2016.
MACIEL, Kátia Regina Lobo Andrade Maciel (Coord.). Curso de direito da
criança e do adolescente – Aspectos teóricos e práticos. 9. ed. Saraiva, 2016.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Direito processual civil. Forense, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. O estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed.
Ed. Gen./Forense, 2015.
PINHO, Humberto Bernardina Dalla. Direito processual civil contemporâneo
– Teoria geral do processo. 6. ed. Saraiva, v. 1, 2015.
______. Direito processual civil contemporâneo – Teoria geral do processo.
6. ed. Saraiva, v. 2, 2015.
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério
Sanches. estatuto da Criança e do Adolescente – Comentado artigo por artigo.
8. ed. Saraiva, 2016.
ROMÃO, Luis Fernando de França. A constitucionalização do direito da crian-
ça e do adolescente. Almedina, 2016.
Parte Geral – Doutrina
O Instituto da Adoção à Luz da Legislação Brasileira
CAROLINE RIBAS SÉRGIO
Advogada, Graduada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS em 2011/2, cursando Especialização em Direito Processual Civil pela
Uniritter.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O conceito de adoção e sua evolução; 2 Do procedimento de adoção no


Brasil; 3 Realidade brasileira da adoção: diferença entre o perfil desejado pelos adotantes e as crian-
ças disponíveis para ser adotadas; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
O presente estudo versará sobre o instituto da adoção, o qual pro-
põe-se, em um primeiro momento, a realizar uma análise sobre o tema,
a partir do seu surgimento, seu caráter conceitual, a constituição do seu
vínculo segundo a lei, seus efeitos e seus princípios.
Passada a análise da evolução histórica, será realizada uma análi-
se sobre as regras procedimentais que regulam a adoção, de acordo com
a legislação brasileira que regula a matéria. Nesse ponto, procura-se en-
fatizar os pontos principais e as regras básicas, muitas vezes desconhe-
cidas, as quais são válidas tanto para os adotantes quanto aos adotados.
Por último, após a análise procedimental, procura-se, então, trazer
ao conhecimento alguns pontos reflexivos sobre a realidade brasileira da
adoção. Neste tópico, que tem como base estudos e pesquisas realiza-
dos em diversos campos, procura-se, então, trazer a discussão o porquê,
muitas vezes, o procedimento de adoção, na prática, torna-se moroso.

1 O CONCEITO DE ADOÇÃO E SUA EVOLUÇÃO


O instituto da adoção no âmbito do Direito de Família é o ato pelo
qual alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de pa-
rentesco consanguíneo ou afim, um vínculo de filiação, trazendo para
sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha1.

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5,
1996.
98 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Inicialmente, a adoção encontrava-se particularmente relacionada


aos anseios de ordem religiosa, de forma de que ter filhos era garantir a
continuidade do culto familiar, visando, dessa forma, atender aos inte-
resses do adotante. Nessa época, em razão de anseios religiosos, como
já dito, era necessário o culto dos ancestrais, para que a família não se
extinguisse.
A adoção introduziu-se no Brasil em 22 de setembro de 1828,
sendo a primeira lei a tratar do assunto, de forma não ordenada, promul-
gada com características do Direito português.
Nesse período, o procedimento para adoção era judicializado e,
consequentemente, cabia aos juízes de primeira instância o dever de
confirmar o ânimo dos interessados em audiência.
Com a promulgação do Código Civil de 1916, foi disciplinado, de
forma sistematizada, o instituto da adoção, dedicando exatamente onze
artigos (368 a 378) acerca do tema2.
Contudo, permaneceu com a idêntica função anteriormente exis-
tente, originada do Direito romano, que era atender aos interesses dos
adotantes. Já, em relação aos interesses do adotado, o legislador não se
preocupou, tanto que previu a possibilidade de dissolução da adoção.
Os procedimentos eram diferentes, sendo por meio de escritura
pública, para os maiores, ou processo judicial, para os menores. Mas
os efeitos da adoção deveriam ser os mesmos, não importava a idade
do filho adotado, em vista do princípio constitucional da igualdade dos
filhos.
Além disso, o Código de 1916 determinava que somente aqueles
que não possuíam prole, legítima ou legitimada, poderiam adotar. Tal
dispositivo, contudo, foi eliminado pela Lei nº 3.133/1957. Em relação
ao adotante casado, era requisito que o matrimônio houvesse ocorrido
há, pelo menos, cinco anos, a não ser que o homem fosse maior de 50
e a mulher maior de 40 anos. Caso o adotante tivesse filhos, o adotado
não seria incluído na sucessão hereditária.

2 Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9729>.


RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 99
Outra imposição é a diferença de idade entre adotante e adotado.
O adotante havia de ser pelo menos 18 anos mais velho do que o ado-
tado.
A Lei nº 4.655, de 2 de junho de 19653, nasceu com a pretensão
de integrar o adotado no meio familiar que o recebia, sob o nome de
legitimação adotiva. Visava equiparar o filho adotivo ao natural, trazen-
do, entretanto, uma série de restrições que continuaram a obstaculizar o
instituto por muito tempo.
Considerando o teor do antigo ordenamento, os adotantes viram-
-se forçados a partilhar o filho com a família biológica, o que levava os
pais a registrar o filho adotivo como se natural fosse (adoção à brasilei-
ra), o que constitui, até hoje, crime de falsidade ideológica.
Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente,
surgiu a possibilidade de adoção por ambos os cônjuges ou concubinos,
desde que um deles tivesse completado 21 anos de idade, comprovada
a estabilidade da família e respeitada a diferença de idade de 16 anos
entre o adotante e o adotando (art. 42, §§ 2º e 3º)4.
A mesma lei permitia, ainda, adoção conjunta pelos separados ju-
dicialmente ou divorciados, sob a condição de que acordassem sobre a
guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência com
o adotando tivesse sido iniciado na constância da sociedade conjugal
(art. 41, § 4º). Por analogia, entendia-se que, nas mesmas circunstâncias
de início da convivência durante a união estável, seria possível adoção
por ex-companheiros, em hipóteses de dissolução da vida em comum.
Muito embora tivessem sido efetuadas várias alterações no sistema
jurídico, a finalidade de integrar irreversivelmente o adotado à nova fa-
mília não havia sido atingida, especialmente no que tange à concessão
dos mesmos direitos assegurados aos demais filhos.
No ano de 1988, com o advento da Constituição Federal, a de-
mocracia voltara e a força das normas constitucionais também. Novos
princípios foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio.

3 BRASIL. Lei nº 4.665, de 2 junho de 1965. Dispõe sobre a legitimidade adotiva. Diário Oficial da União,
Poder Legislativo, Brasília/DF, 3 jun. 1965, p. 5258.
4 BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília/DF, 16 jul. 1990, p. 13563.
100 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

A situação dos filhos adotados foi reparada, vedando, assim, qual-


quer distinção entre filhos legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos,
inclusive no que diz respeito aos direitos sucessórios.
Vale ressaltar que, com o Código Civil de 2002, o instituto da
adoção compreendeu tanto crianças e adolescentes quanto maiores, exi-
gindo procedimento judicial em ambos os casos.
Sendo assim, a adoção passou a ter natureza jurídica de negócio
bilateral e solene. Os principais requisitos passaram a ser a idade míni-
ma de dezoito anos para o adotante, a diferença de dezesseis anos entre
adotante e adotado, a concordância de quem se deseja adotar contar
mais de doze anos, o processo judicial e o efetivo benefício ao adotante.
O consentimento seria dispensado, então, no Código Civil de
2002, em relação à criança ou ao adolescente cujos pais fossem desco-
nhecidos ou tivessem sido destituídos do poder familiar. Ou seja, a pró-
pria lei não falava da questão da opção sexual do adotante individual.
Não proibia, desse modo, a adoção individual por um homossexual.
Com a Lei nº 12.010/2009, denominada de Lei da Adoção, perma-
neceu sendo possível a chamada adoção unilateral, que se dá por parte
de um dos cônjuges ou companheiros relativamente ao filho do outro.
Nesse caso, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o côn-
juge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.
São amplos e irrestritos os efeitos da adoção, determinando a ple-
na integração do filho adotivo na família do adotante. Isso porque a ado-
ção desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais naturais.
A Lei nº 12.010/2009, que alterou o Estatuto da Criança e Ado-
lescente, dispôs, em seu art. 41, § 2º, que, “para adoção conjunta, é
indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham
união estável, comprovada a estabilidade da família”.
Ademais, a referida legislação também exige a comprovação de
vantagens reais para a criança ou o adolescente com o deferimento da
adoção, bem como a fundamentação em motivos legítimos. Dessa for-
ma, essa determinação mostra realmente a função social da adoção que
é a de dar um lar para o adotado, além de possibilitar ao julgador a apre-
ciação do que seja melhor para o menor.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 101
Com o passar do tempo, em meio a progressos e retrocessos, a
adoção ganhou a imagem de algo positivo, em que tanto adotantes
como adotados ganhariam com a sua concretização.

2 DO PROCEDIMENTO DE ADOÇÃO NO BRASIL


Em relação ao procedimento de adoção no Brasil, são envolvidas
muitas regras básicas, ainda que desconhecidas por muitos.
Há cerca de três ou quatro anos, a adoção no Brasil mudou muito
por diversas razões, e uma delas, a que mais teve força para que as mu-
danças ocorressem, veio a partir do Estatuto da Criança e do Adolescen-
te5 promulgado e por meio da Lei da Adoção6.
O procedimento para adoção, hoje em dia no Brasil, acontece
com duas filas paralelas andando independente uma da outra, mas com
a finalidade de se unirem em algum ponto.
Isso porque existe a fila de crianças que estão para adoção, ou
seja, sua família biológica perdeu o direito sobre ela, conhecido como
destituição do pátrio poder. Isso só ocorre após muitos recursos e tenta-
tivas de restabelecer o equilíbrio no relacionamento familiar e a seguran-
ça absoluta para a criança. Quando isso não é possível, a criança entra
para a fila de aptos à adoção.
Simultaneamente à fila de crianças aptas à adoção, encontra-se
a fila de pretendentes à adoção, que pode ser uma só pessoa, um casal
sem filhos, uma família já com filhos biológicos ou adotivos.
Importa salientar que, para que a pessoa entre na fila de adoção,
há um caminho a ser percorrido que vai desde a intenção da adoção até
a avaliação final para se estar apto a adotar.
O primeiro passo é a procura por um defensor público ou um ad-
vogado particular, o qual terá de providenciar uma petição para dar iní-
cio ao processo, perante a Vara da Infância e Juventude. Nesse momen-
to, os documentos necessários já devem ser apresentados, tais como:
RG, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de resi-
dência, comprovante de renda, declaração médica de sanidade e saúde

5 Lei nº 8.069, de junho de 1990.


6 Lei nº 12.010, de agosto de 2010.
102 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

mental, certidão civil e criminal. Apenas depois de aprovado o nome do


interessado, passará a ser habilitado para adoção.
Posteriormente, o candidato para adoção precisa participar de um
curso de preparação psicossocial e jurídica; depois disso, passará por
uma avaliação que consiste em entrevistas e visitas realizadas por uma
equipe especializada. Por fim, o resultado da avaliação é encaminhado
para o Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância.
Durante as entrevistas, o candidato deverá descrever o perfil da
criança que deseja adotar, sendo possível escolher a idade, o sexo, o
estado de saúde, se estão dispostos ao entrar no Cadastro Nacional de
Adoção ou somente no Cadastro Estadual. Torna-se necessário também
informar se aceita crianças com doenças curáveis, crônicas ou incurá-
veis, com lesão física e intelectual leve, média ou severa. Pergunta-se
também aos interessados se aceitam irmãos e, em caso positivo, até
quantos. Isso porque, conforme previsão legal, consta a determinação
que irmãos não sejam separados, sendo que, nesses casos, a família ado-
taria duas ou mais crianças. Ressalta-se, nesse ponto, que, quanto menos
restrições, mais rápida acontecerá a adoção.
Com a apresentação da documentação, é aberto, então, o proces-
so judicial. Porém o pretendente ainda não está na fila de adoção, antes
terá que passar por cursos promovidos pelas áreas da psicologia e pelo
serviço social. Após os cursos, o pretendente deverá aguardar contato
para as entrevistas, que serão feitas tanto por profissionais da psicologia
quanto do serviço social, as quais avaliarão a real intenção e capacidade
do pretendente.
Assim que for emitido o laudo da Vara e o parecer do Ministério
Público, o juiz dará a sentença. Se a resposta for positiva, o candidato
entrará na fila de cadastros válidos em território nacional.
O candidato, então, aguardará na fila até que o perfil da criança
seja compatível com o exigido por ele. Assim que isso acontecer, a Vara
da Infância entra em contato para avisá-lo. Feito isso, o candidato e a
criança são apresentados e, a partir desse ponto, visitas e passeios moni-
torados pela justiça e equipe técnica podem acontecer com frequência.
A criança também é entrevistada após os encontros, a fim de que se
posicione se deseja ou não levar o processo adiante.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 103
Se der tudo certo no relacionamento entre ambos, o pretenden-
te receberá a guarda provisória, a qual tem validade até o término do
processo. Durante esse período de adaptação, a equipe técnica realiza
visitas periódicas para acompanhar a qualidade de vida da família.
Por fim, o juiz profere a sentença de adoção. Depois disso, a fa-
mília passa a ter todos os direitos sobre a criança, sendo possível emitir
um novo registro de nascimento com o sobrenome atualizado e o nome
também poderá ser trocado.
No Brasil, não é permitido contato com crianças da fila antes que
seja feita indicação do Cartório. A fila é fielmente respeitada, pois pode
ter outra pessoa que o perfil daquela criança se encaixe e que já esteja
na fila antes do conhecido da criança ter se manifestado, a não ser que
o pretendente seja integrante da família imediata ou próximo à criança
comprovando consanguinidade.
Passada essa análise do caráter procedimental da adoção, será
analisado o instituto perante a realidade brasileira, o qual apresenta mui-
tos desafios.

3 REALIDADE BRASILEIRA DA ADOÇÃO: DIFERENÇA ENTRE O PERFIL DESEJADO PELOS ADOTANTES


E AS CRIANÇAS DISPONÍVEIS PARA SER ADOTADAS
A adoção, no Brasil, mostra-se, a cada dia, um grande desafio.
Apesar de, na teoria, o procedimento possa parecer simples; na prática,
tanto os adotantes quanto os adotados passam por um longo procedi-
mento.
Isso acontece, muitas vezes, em razão da expectativa por perfis
muito específicos, o qual encontra discrepância entre o perfil da maioria
das crianças do cadastro e o perfil de filho, ou filha, imaginado pelos que
aguardam na fila da adoção. Tais informações são obtidas por meio de
análise de dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA)7 e do Cadastro
Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA)8, administrados
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

7 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude/20530-cadastro-nacional-de-adocao-cna>.


8 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/m/sistemas/infancia-e-juventude/20545-cadastro-nacional-de-criancas-
-acolhidas-cnca>.
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O Cadastro Nacional de Adoção foi criado antes mesmo da lei


que regula a adoção, no ano de 2008, com o objetivo dar mais rapidez
e transparência aos processos.
A análise dos perfis do CNA indica que a questão racial apresenta-
-se como um dos diversos obstáculos na demora para o procedimento
de adoção. No ano de 2010, como exemplo, cerca de um terço dos pre-
tendentes só aceitava crianças brancas, que representavam exatamente
três em cada dez das cadastradas. Além disso, 38,72% se declaravam
indiferentes em relação à raça do futuro filho ou filha9.
Ressalta-se, nesse ponto, em nova pesquisa realizada pelo Cadas-
tro Nacional de Adoção no ano de 2016, que, apesar da resistência que
ainda enfrentam na sociedade, os dados apresentados mostram que a
discriminação racial dos pretendentes à adoção caiu significativamente
desde 201010.
A redução foi constatada porque, ao se inscreverem no CNA, os
futuros pais adotivos precisam responder, entre outras exigências, se
possuem restrições em relação à cor da criança, ou seja, se aceitam ado-
tar uma criança negra ou parda.
Apenas a título de caráter elucidativo, das 6.592 crianças e ado-
lescentes aptos à adoção que constavam no CNA no ano de 201611,
16,99% eram negras, 48,86% eram pardas, 33,48% eram brancas, 0,3%
pertencem à raça amarela e 0,36% eram indígenas.
Nos últimos seis anos, o número de pretendentes que somente
aceitavam crianças de raça branca tem diminuído: em 2010, eles re-
presentavam 38,73% dos candidatos a pais adotivos, enquanto que, em
2016, são 22,56% de pretendentes que fazem essa exigência. Paralela-
mente, o número de candidatos que aceitam crianças negras subiu de
30,59% do CNA em 2010 para os atuais 46,7% do total de pretendentes
do cadastro. Da mesma forma, o número de pretendentes que aceitam

9 Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-a


-docao.aspx>.
10 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82321-cai-numero-de-pretendentes-a-adocao-que-so-que-
-rem-criancas-brancas>.
11 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82321-cai-numero-de-pretendentes-a-adocao-que-so-querem-
-criancas-brancas>.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 105
crianças pardas aumentou de 58,58% do cadastro em 2010 para 75,03%
dos candidatos, atualmente12.
Incompatibilidade difícil de ser suplantada é, na verdade, o fato
de que apenas um em cada quatro pretendentes admite adotar crianças
com quatro anos ou mais, enquanto apenas 4,1% dos que estão no ca-
dastro do CNJ à espera de uma família têm menos de 4 anos. Por isso,
cada dia que passam nos abrigos afasta as crianças ainda mais da chance
de encontrar um novo lar13.
Outro fator que costuma ser sério entrave à saída de crianças e
adolescentes das instituições de acolhimento, de acordo com as esta-
tísticas do CNJ, é a baixa disposição dos pretendentes para adotar mais
de uma criança ao mesmo tempo ou para receber irmãos. Entre os aptos
à adoção do CNA14, 76,87% possuem irmãos e a metade desses tem
irmãos também à espera de uma família na listagem nacional. Como os
Juizados de Infância e Adolescência dificilmente decidem pela separa-
ção de irmãos que foram destituídos das famílias biológicas, as chances
de um par (ou número maior) de irmãos achar um novo lar é muito
pequena.
A demora no procedimento de adoção no Brasil também leva mui-
to tempo. Muitas vezes, conforme foi exposto no presente estudo, isso
acontece entre a expectativa pela criança desejada e as crianças disponí-
veis na fila de adoção. É comum aguardar cerca de quatro ou cinco anos
para conseguir adotar, e, por outro lado, as crianças e os adolescentes
passarem a vida toda em abrigos aguardando para serem adotados.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), adminis-
trado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a maioria dos pretenden-
tes a adotar deseja bebês, com até três anos, brancos, sem irmãos e com
nenhuma doença ou deficiência, seja ela física ou mental. O problema
é que essa não é a realidade dos abrigos brasileiros15.

12 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82321-cai-numero-de-pretendentes-a-adocao-que-so-que-


rem-criancas-brancas>.
13 Disponível em: <https://brambillaeoliveira.jusbrasil.com.br/artigos/451913151/adocao-x-realidade-brasileira-
-saiba-como-adotar-uma-crianca>.
14 Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-ado-
cao.aspx>.
15 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/07/lentidao-da-justica-e-exigencias-dos-pais-travam-adocao/>.
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Os dados informados anteriormente apenas demonstram algumas


das dificuldades enfrentadas, as quais acarretam, por muitas vezes, a
demora no Judiciário em todo o processo de adoção.
Cabe a reflexão nesse ponto, pois necessitamos, por muitas ve-
zes, que a lei não seja apenas uma força que obrigue as condutas dos
seres humanos, mas sim uma força que tenha como uma de suas bases
o bem-estar das relações sociais e a conscientização da população em
geral. Percebe-se que, em muitos casos, impera ainda a expectativa das
famílias em encontrar a criança “perfeita” que desejam adotar, em frente
a diversas que esperam por uma oportunidade.
O que importa verdadeiramente, durante todo o processo de ado-
ção, é o fato de amar e ser amado, o fato de a criança ou o adolescente
ser visto como um ser importante dentro do seu ambiente familiar, de-
vendo ser deixado de lado qualquer tipo de preconceito.

CONCLUSÃO
De acordo com o estudo realizado, percebe-se, com o passar do
tempo, uma grande evolução histórica e também procedimental em re-
lação à adoção.
Todavia, a realidade mostra-se diferente. Isso porque muitas pes-
soas podem até ter o sonho de adotar uma criança, mas enfrentam obs-
táculos que vão muito além das próprias capacidades de superá-los. Por
exemplo, os encargos financeiros referentes à criação de um filho. A
situação econômica dos pretendentes à adoção é um dos itens cuidado-
samente avaliados pelas equipes das Varas de Infância e Adolescência
antes de incluí-los no cadastro nacional.
Ainda, verifica-se que as expectativas criadas pelos candidatos à
adoção, muitas vezes, afastam as chances de o procedimento tornar-se
mais ágil. Isso porque, ao listarem as suas preferências quanto à criança
a ser adotada, muitos são os critérios que, por muitas vezes, destoam da
verdadeira realidade dos abrigos.
Deve-se pensar neste ponto, se, afinal, não deveria sempre pre-
valecer o amor, a vontade maior de constituir uma família as questões
raciais, de faixa etária, de crianças portadoras de doenças crônicas, entre
outras que aguardam anos em uma fila sem fim. Fica o questionamento
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 107
nesse ponto, se, hipoteticamente, o preconceito e as preferências dos
candidatos fossem deixados de lado nesse momento, todo o procedi-
mento não se tornaria mais célere.
Devemos ter em mente, por meio dos estudos realizados, pesqui-
sas e, principalmente, diante da realidade vivenciada que a concepção
de adoção é uma questão humanitária acima de tudo e deve ser tratada
em qualquer situação com muito respeito e seriedade. O ato de uma
pessoa se dispor a adotar não pode ser exigido, pois essa ação deve par-
tir do coração. A educação de um filho, legítimo ou não, nunca será uma
tarefa fácil, pois exige muita paciência, perseverança, firmeza e amor,
sendo necessária, principalmente, a mudança na mentalidade daquele
que pretende adotar.

REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção: do abandono à garantia do di-
reito à convivência familiar e comunitária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010.
BRASIL. Lei nº 12.010, de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>.
______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Poder Legislativo, Brasília/DF, 16 jul. 1990, p. 13563.
______. Lei nº 4.665, de 2 junho de 1965. Dispõe sobre a legitimidade adoti-
va. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília/DF, 3 jun. 1965,
p. 5258.
DIAS, Maria Berenice. Adoção sem preconceito. ArpenBrasil. Disponível em:
<http://www.arpenbrasil.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id
=1791&Itemid=83>. Acesso em: 10 maio 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família.
11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 1996.
Sites
<https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-
-brasileira-sobre-adocao.aspx>.
<https://brambillaeoliveira.jusbrasil.com.br/artigos/451913151/adocao-x-reali
-dade-brasileira-saiba-como-adotar-uma-crianca>.
108 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

<http://reporterbrasil.org.br/2013/07/lentidao-da-justica-e-exigencias-dos-pais-
-travam-adocao/>.
<http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude/20530-cadastro-nacio-
-nal-de-adocao-cna>.
<http://www.cnj.jus.br/m/sistemas/infancia-e-juventude/20545-cadastro-nacio-
-nal-de-criancas-acolhidas-cnca>.
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
-leitura&artigo_id=9729>.
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82321-cai-numero-de-pretendentes-a-ado-
-cao-que-so-querem-criancas-brancas>.
Parte Geral – Doutrina
Efeitos Sucessórios Decorrentes da União Estável, após o
Julgamento do RE 878�694 no STF
RAISSA NACER OLIVEIRA DE ANDRADE
Advogada (devidamente inscrita na OAB/SE), Especialista em Direito Material e Processual do
Trabalho pela UNIT/SE, Pós-Graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Estácio – Fase.

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de analisar os efeitos sucessórios entre os companheiros,
decorrentes da existência de uma união estável, principalmente no tocante à concorrência suces-
sória com os descendentes, ascendentes e colaterais, após o julgamento do Recurso Extraordinário
nº 878.694, onde o STF reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil
de 2002, equiparando a união estável com o casamento no que concerne aos direitos sucessórios.
Com isto, o companheiro(a) passa a ter os mesmos direitos do cônjuge na sucessão legítima, o
que aproxima a família matrimonial, ou seja, a proveniente do casamento, das demais modalidades
familiares existentes, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade
de constituir família. Também será discutida no presente artigo a omissão do STF em declarar se o
companheiro(a) sobrevivente passa a ser incluído no rol de herdeiros necessários e o descumprimen-
to ao art. 1.787 do CC/2002.

PALAVRAS-CHAVE: União estável; sucessão mortis causa; inconstitucionalidade; Supremo Tribunal


Federal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações acerca do conceito da união estável no Direito Civil brasilei-
ro; 2 A sucessão do companheiro, de acordo com o artigo 1.790 do CC/2002; 3 O reconhecimento
da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC/2002, com o julgamento do Recurso Extraordinário
nº 878.694 do Supremo Tribunal Federal; 4 A atual sucessão do companheiro e a inaplicabilidade do
artigo 1.790 do CC/2002; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
Todos os ramos do Direito devem ser norteados por segurança ju-
rídica, principalmente o direito das sucessões, vez que trata da transmis-
são patrimonial do autor da herança para os seus sucessores, após a sua
morte; e do reconhecimento de herdeiros e legatários, ou seja, das pes-
soas que receberão esse patrimônio, com a finalidade de evitar longas
batalhas judiciais e, com isso, perecimento do patrimônio do de cujus.
Daí a importância de que o direito das sucessões não seja envol-
vido por normas de difícil compreensão, e sim por regras claras, objeti-
vas e protetivas. Qualquer dúvida na interpretação da norma dá entrada
110 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

para diversos desacordos entre aqueles que tem o direito ao patrimônio


do falecido, ou seja, os seus sucessores.
O Código Civil brasileiro de 2002 desviou-se dessa importante
premissa, trazendo muitas normas de redação ambígua e difícil inter-
pretação no campo do direito das sucessões e um grande exemplo dis-
so foi o polêmico e criticado art. 1.790, que trata da sucessão do(a)
companheiro(a), com regras próprias e diferenciadas das regras sucessó-
rias do cônjuge sobrevivente. O referido artigo colocava o companheiro
em posição inferior à do cônjuge.
Tanta polêmica existe porque, segundo o autor e doutor em Di-
reito Civil Flávio Tartuce (2015), no Brasil, um terço dos casais vivem
em união estável, e, quando um dos companheiros vem a óbito, o so-
brevivente muitas vezes ficava em situação de desamparo, vez que, de
acordo com o art. 1.790 do CC/2002, o companheiro nada herdava dos
bens particulares do falecido e ainda concorria na herança dos bens co-
muns, com os parentes colaterais, a exemplo de irmãos, sobrinhos, tios
e primos, resguardada a ordem de vocação hereditária.
Para muitos aplicadores do Direito Civil brasileiro, a recente de-
cisão do Supremo Tribunal Federal, referente ao Recurso Extraordiná-
rio nº 878.694, foi bastante comemorada, por finalmente dar um trata-
mento igualitário entre cônjuges e companheiros, no tocante aos efeitos
sucessórios, por meio do reconhecimento da inconstitucionalidade do
art. 1.790 do CC/2002.
A renomada autora Maria Berenice Dias (2017) faz uma importan-
te observação para o tema em questão:
Diante do atual conceito de família – “vínculo de afeto que gera res-
ponsabilidades” –, os direitos e os deveres são os mesmos. Quer o par
resolva casar ou viver em união estável. Quem decide constituir uma
família assume os mesmos e iguais encargos. É indiferente se forem ao
registro civil ou ao tabelionado, ou simplesmente tenham o propósito de
viverem juntos. A pessoa é livre para permanecer sozinha ou ter alguém
para chamar de seu. Ao optar por uma vida a dois, as consequências de
ordem patrimonial e sucessória precisam ser iguais.
Se toda a forma de amor vale a pena, deve gerar as mesmas e iguais
consequências. A responsabilidade por quem se cativa – na surrada, mas
verdadeira frase de O Pequeno Príncipe – traça o perfil ético do afeto.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 111
Embora o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 tenha
sido concluído em maio de 2017, a decisão trouxe graves dúvidas que
ainda necessitam de esclarecimentos.
Não ficou claro se o(a) companheiro(a) passa a fazer parte do rol
de herdeiros necessários. Tal dúvida é bastante grave, vez que as pessoas
que convivem em união estável necessitam saber se podem livremente
dispor de seus bens, por meio de testamento, bem como esclarecer os
reais direitos em relação à herança do companheiro falecido, principal-
mente na concorrência com ascendentes, descendentes e colaterais.
Com a finalidade de esclarecer a recente decisão do STF acerca da
sucessão do companheiro, o presente artigo foi dividido em 6 capítulos,
sendo que o primeiro é uma introdução, onde foi realizada uma noção
geral acerca do tema, demonstrando a importância do mesmo para o
universo da Ciência Jurídica e os métodos de pesquisas realizados para
a elaboração do presente trabalho; o segundo capítulo traça uma análise
sobre o conceito, as regras e os requisitos da união estável; o terceiro ca-
pítulo traz uma análise crítica acerca do art. 1.790 do CC/2002; o quarto
capítulo discorre sobre o reconhecimento da inconstitucionalidade do
art. 1.790 do CC/2002, com o julgamento do Recurso Extraordinário
nº 878.694 do Supremo Tribunal Federal; o quinto capítulo traz um es-
tudo de como ficou a atual sucessão do companheiro, após a decisão da
Suprema Corte brasileira; e, por último, traz, nas considerações finais, a
importância da referida decisão para as famílias brasileiras e as críticas
oriundas da decisão do STF, abordando os pontos que precisam de po-
sicionamento por parte do Supremo Tribunal Federal, como maneira de
efetivar a segurança jurídica da decisão.
Este trabalho é de grande relevância tanto para o universo da
Ciência Jurídica quanto para a sociedade, vez que esclarece como são as
novas regras sucessórias das pessoas que vivem em união estável.
Nos procedimentos metodológicos, foi utilizado o método de revi-
são de literatura, sendo a abordagem qualitativa e descritiva.
Com isso, este trabalho traz como objetivo geral demonstrar a nova
regra de sucessão para os que convivem em união estável, explanado
o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002
pelo STF e, como objetivos específicos, demonstrar como serão divi-
112 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

das as heranças dos companheiros falecidos, de acordo com a regra do


art. 1.829 do CC/2002.

1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO


Durante muitos séculos, a única instituição familiar protegida pelo
Direito e reconhecida pela sociedade foi o casamento, ou seja, a família
matrimonial. As pessoas unidas sem o casamento e apenas pela união
de fato sofriam rejeição social e eram desprotegidas pela legislação pá-
tria. O Código Civil de 1916 era omisso em regular qualquer relação
extramatrimonial. As relações sem o selo do casamento eram denomi-
nadas de concubinato e não possuíam a devida proteção legal, vez que,
quando ocorria o seu rompimento, seja por morte ou por separação, os
conviventes não possuíam direitos à herança, à partilha de bens ou a
alimentos.
Pouco a pouco, começou-se a conceder à mulher, que não tinha
renda, com o fim da união de fato, “uma indenização por serviços pres-
tados”. Mais tarde, tais uniões passaram a ser reconhecidas como uma
sociedade de fato, que gerava direitos obrigacionais. Em 1964, o STF
editou a Súmula nº 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato
entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha
do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Até o momento, os di-
reitos de família e sucessórios eram exclusivos da relação matrimonial.
A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o
núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qual-
quer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma insti-
tuição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do
Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e esta-
belecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez que não há
identidade de conceitos tanto no ramo do Direito como no da Sociologia.
(Dias, 2016, p. 54)

Diante do clamor social e da evolução dos costumes, as uniões


extramatrimoniais passaram a ser reconhecidas com a promulgação da
Constituição Federal de 1988.
No art. 226 da CF/1988, o conceito de família foi ampliado e, mais
precisamente no § 3º, a união estável teve seu merecido reconhecimento
como entidade familiar, in verbis:
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 113
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento.

Com a CF/1988, as uniões de fato entre homens e mulheres foram


reconhecidas como entidades familiares, com a devida proteção legal,
sob a denominação de união estável.
Posteriormente, foram publicas legislações infraconstitucionais,
que regulamentavam direitos às pessoas que viviam em uniões estáveis:
a Lei nº 8.971/1994, que assegurou o direito a alimentos e à herança; e
a Lei nº 9.278/1996, que não quantificou prazo mínimo de convivência
e admitiu como estáveis as relações entre pessoas separadas de fato,
como também fixou a competência das varas de família para o julga-
mento de litígios oriundos dessas relações e reconheceu o direito real de
habitação.
Mais tarde, com a publicação do Código Civil de 2002, este trouxe
em seu bojo o reconhecimento e a regulamentação da matéria, em seus
arts. 1.723 a 1.726, onde, nestes, trouxe o conceito da referida união,
os seus requisitos de configuração, as suas relações patrimoniais e a fa-
cilitação da sua conversão em casamento. O mesmo CC/2002 também
trouxe a regulamentação do direito sucessório dos companheiros no po-
lêmico art. 1.790.
Finalmente, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um
importante passo na disciplina da união estável, reconhecendo a união
homoafetiva, por meio dos julgamentos da ADIn 4.277 e da ADPF 132,
dando à CF/1988 a interpretação sistemática que lhe é devida, pois a
mesma proíbe discriminação de sexo, traz a proteção da dignidade da
pessoa humana e, ainda, equipara homens e mulheres em direitos e de-
veres, bem como não limita as possibilidades de formações familiares.
Há um projeto de lei em tramitação no Senado Federal, de autoria
da Senadora Marta Suplicy (PL 612/2011), que trata do reconhecimento
legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de
alterar a redação do art. 1.723 do CC/2002, in verbis:
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Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre


o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do
art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pes-
soa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização
da união estável.

O projeto legaliza a união estável homoafetiva ao promover al-


terações no Código Civil de 2002. Atualmente, a legislação reconhece
como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, con-
figurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família. Com o projeto da Senadora
Marta Suplicy, a lei será alterada para estabelecer como família “a união
estável entre duas pessoas”, sem mencionar o sexo, mantendo o restante
do texto do citado artigo.
Diante de todo o narrado anteriormente, faz-se mister esclarecer
o atual conceito de união estável e, para tanto, os nobres doutrinadores
Elpídio Donizetti e Felipe Quintela (2017, p. 977) o trazem, in verbis: “É
a união de pessoas que atam um vínculo conjugal no intuito de dividir
uma vida de afeto”.
Para Álvaro Villaça de Azevedo (2017, p. 205), a união estável
é “a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e
contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial,
convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, consti-
tuindo, assim, sua família de fato”.
De acordo com o art. 1.723, § 1º, do CC/2002, para a caracteriza-
ção da união estável é importante esclarecer que não podem estar pre-
sentes nenhum dos impedimentos matrimonias elencados no art. 1.521
do CC/2002, in verbis:
Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou
civil;
II – os afins em linha reta;
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 115
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem
o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro
grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentati-
va de homicídio contra o seu consorte.

Já, de acordo com o § 2º do art. 1.723, a presença das causas


suspensivas, elencadas no art. 1.523 do mesmo Código, não impede a
caracterização da união estável, apenas devendo ser aplicado nesses
casos o regime da separação obrigatória de bens.
Devem estar presentes na relação, para a configuração da união
estável, os seguintes requisitos: convivência more uxorio, notoriedade,
publicidade, continuidade e intenção de constituir família. A coabitação
não configura como requisito para a caracterização da união estável,
mas a convivência sob o mesmo teto pode ser um meio de prova do re-
lacionamento. Assim, inexistindo a coabitação, não resta desqualificada
existência da união estável. O legislador não estabeleceu lapso temporal
para a caracterização da união estável, incumbindo ao juiz reconhecer
em cada caso específico a existência ou não de união estável, indepen-
dentemente do prazo da sua duração.
Não há a obrigação de ser realizada uma escritura pública de
união estável ou um escrito particular para a sua configuração, mas os
mesmos podem existir para estabelecer direitos e obrigações entre os
companheiros, bem como para afastar o regime legal, escolhendo outro
regime de bens, conforme explana o art. 1.725 do CC/2002, in verbis:
“Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-
-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão par-
cial de bens”.
Caso não haja uma escritura pública de união estável, existem
outros meios de provar a sua existência, tais como: dependência em de-
claração de dependência em imposto de renda, conta conjunta, certidão
de casamento religioso, certidão de nascimento dos filhos comuns, entre
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outros. Importante esclarecer que é necessário um conjunto probatório e


cumprimento dos requisitos legais.
O reconhecimento da união estável e da união homoafetiva obe-
decem ao princípio da liberdade de constituir família, da afetividade
e da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento dessas uniões
possibilitam aos casais a liberdade de constituir uniões baseadas unica-
mente no afeto e sem a burocracia do casamento.

2 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO, DE ACORDO COM O ARTIGO 1.790 DO CC/2002


A sucessão após a morte trata como se dará a disposição do patri-
mônio das pessoas após a sua morte, ou seja, como se dará a transmissão
patrimonial para os seus herdeiros e/ou legatários.
O momento da transmissão da herança acontece no mesmo mo-
mento da morte, ainda que presumida nos termos da lei (CC/2002,
arts. 6º e 7º), pois as relações jurídicas não podem ficar privadas de
um titular. Assim, a transmissão da herança, no plano jurídico, ocorre
automaticamente e sem formalidade, com fundamento no princípio da
saisine, ainda que, no plano fático, a morte seja desconhecida pelos su-
cessores (Cahali; Hironaka, 2014, p. 37).
No Brasil, o direito à herança é resguardado constitucionalmente
por meio do art. 5º, inciso XXX, e integra o rol dos direitos e das garan-
tias fundamentais. A sucessão mortis causa poderá se dar por meio da
sucessão testamentária e/ou da sucessão legítima (CC/2002, art. 1.786).
A sucessão testamentária resulta de ato de última vontade do falecido.
Nela, o herdeiro é aquele indicado no testamento como suces-
sor. De outro lado, a sucessão legítima, também denominada sucessão
legal ou ab intestato (sem testamento), se dá em observância à ordem
de vocação hereditária prevista na legislação, mais precisamente nos
arts. 1.829 e seguintes do CC/2002. Nela, o herdeiro é aquele indicado
na lei como sucessor, e, além dos ascendentes, descendentes, cônjuge,
colaterais, também existem os companheiros. Estes últimos possuem, no
atual Código Civil, uma disciplina sucessória própria e que por muito
tempo foi alvo de duras críticas pelos aplicadores do Direito.
Os direitos sucessórios do companheiro(a), ou seja, o direito à he-
rança das pessoas que conviviam entre si em união estável eram disci-
plinados pelo polêmico art. 1.790 do CC/2002, com a seguinte redação:
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Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente
à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço
da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da he-
rança”.

A autora Stela Maris Vieira Mendes (2017, p. 189) esclarece a su-


cessão do companheiro por meio dos ditames do art. 1.790 do CC/2002:
“O companheiro participa da sucessão quanto aos bens adquiridos one-
rosamente na vigência da união estável (art. 1.790 CC/2002). A base de
cálculo são os aquestos, tanto para apurar a meação, quanto para iden-
tificar a quota sucessória”.
Em breve análise do artigo supracitado, clara é a diferença em
relação à sucessão do cônjuge.
Ainda segundo Mendes (2017, p. 194), “somente na união estável
existe concorrência com os parentes colaterais, porque a lei os inseriu
em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, relegando ao com-
panheiro o último lugar”.
A regra foi erroneamente introduzida entre as disposições gerais
do direito das sucessões. Isso se deu pelo fato de o tratamento relativo à
união estável ter sido incluído no CC/2002 nos últimos momentos de sua
elaboração e sem a devida atenção do legislador. Ressalta-se também
que, apesar de o atual CC ter entrado em vigor em 2003, o projeto do
mesmo é dos anos 70, onde os costumes da sociedade eram outros e não
se tinha tantas famílias informais.
Pelo mesmo fato, o companheiro não consta da ordem de vocação
hereditária, trazida pelo art. 1.829 do CC/2002, não sendo incluído no
rol de herdeiros necessários, constante do art. 1.845 do mesmo diploma
legal, apenas sendo tratado como um herdeiro especial em um outro
artigo.
118 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Pelo fato de o atual Código Civil ser um projeto anterior à Cons-


tituição Federal de 1988, mas apenas ter entrado em vigor em 2003, o
companheiro(a) não veio elencado no rol de vocação hereditária, de
acordo com a redação do art. 1.829 do CC/2002, in verbis:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sal-
vo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou
no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se,
no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.

A ordem de vocação hereditária é o chamamento das pessoas com


direito à herança, para que recebam o patrimônio deixado pelo de cujus.
É uma ordem de preferência estabelecida entre aqueles que possuem o
direito à herança. A vocação hereditária pode ocorrer por sucessão legí-
tima, ou seja, a que decorre da lei, ou por disposição de última vontade
do falecido, por meio do testamento.
O art. 1.829 do CC/2002 traz o rol das pessoas legitimadas à su-
cessão, que são elas: os descendentes, os ascendentes, o cônjuge sobre-
vivente e os colaterais até o 4º grau.
Dentro dessa ordem, ainda existe a classificação entre herdeiros
legítimos necessários e herdeiros legítimos facultativos, conforme os
arts. 1.845 e 1.850, ambos do CC/2002. Por herdeiros legítimos neces-
sários, ou seja, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, entende-
-se que esses têm direito ao mínimo de 50% (cinquenta por cento) do
acervo hereditário, não podendo ser afastados da sucessão, conforme
regra do art. 1.846 do CC/2002, exceto nos casos de indignidade e de-
serdação, devidamente arbitrados nos arts. 1.814 e seguintes e 1.961 e
seguintes, todos também do CC/2002.
Os herdeiros necessários somente poderão ser privados da he-
rança legítima nas hipóteses específicas de indignidade e deserdação,
estabelecidas de forma taxativa na lei. Em relação a eles, a legítima é
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 119
inatingível, “não podendo ser diminuída na essência, ou no valor, por
nenhuma cláusula testamentária” (Nevares, 2015, p. 21).
Quanto ao restante dos bens, o autor da herança poderá dispor da
maneira que quiser, por meio do testamento. Ainda, nessa esfera, deve
ser levada em consideração a regra do art. 1.833 do CC/2002, onde
diz que os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de
representação.
Já, na classificação dos herdeiros legítimos facultativos, temos os
colaterais até o 4º grau, ou seja, irmãos, tios, sobrinhos, tios-avós, so-
brinhos-netos e primos, sendo que os parentes de graus mais próximo
excluem os mais remotos, salvo o direito de representação a favor dos
filhos de irmãos, também são considerados herdeiros dentro da ordem
do art. 1.829 do CC/2002, porém estes não tem metade da herança res-
guarda, podendo ser afastados de todo o acervo hereditário, por meio de
testamento, sem nenhuma motivação.
Observa-se que em nenhum momento o art. 1.829 do CC/2002 faz
menção ao companheiro(a) como herdeiro. Os conviventes, por meio
da união estável, eram considerados herdeiros especiais e a sucessão era
regulamentada unicamente pelo art. 1.970 do CC/2002.
O referido artigo colocava o companheiro em situação inferior
à situação do cônjuge sobrevivente. A Constituição Federal concede a
mesma e igual proteção à família, independentemente da sua formata-
ção: se por meio do casamento ou da união estável.
Importantes são as palavras de Maria Berenice Dias (2017): “A
simples recomendação – aliás, para lá de inútil – de ser facilitada a con-
versão da união estável em casamento não hierarquiza os dois institutos.
Não coloca o casamento como modelo”.
Ainda assim, de modo para lá de desarrazoado, a lei insiste em
deferir-lhes tratamento distinto, principalmente em sede de direito su-
cessório. O Código Civil considera o cônjuge herdeiro necessário, e o
companheiro, não. Ao atribuir a quem compartilhou a vida uma parte do
que cabe aos filhos, estabelece outra e desarrazoada distinção.
A situação sucessória do cônjuge sobrevivente tinha uma situação
muito mais protetiva, vez que este tem as seguintes regras:
120 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Quando concorre com descendentes, caso seja casado pelo regime da


comunhão universal de bens, é meeiro e não herdeiro; quando casado
pelo regime da comunhão parcial de bens, é meeiro dos bens comuns e
herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação legal,
é herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação
obrigatória de bens, é meeiro dos bens adquiridos com o esforço comum
e se casado pelo regime da participação final nos aquestos, segue a regra
do regime da comunhão parcial de bens.

Já, quando concorre com ascendentes, a regra muda. Diante dessa


regra, o cônjuge sobrevivente herda, independente do regime de bens.
Se casado no regime da comunhão universal de bens, é meeiro dos bens
comuns e herdeiro dos bens particulares; quando casado pelo regime da
comunhão parcial de bens, é meeiro dos bens comuns e herdeiro dos
bens particulares; se casado pelo regime da separação legal, é herdeiro
dos bens particulares; se casado pelo regime da separação obrigatória de
bens, é meeiro dos bens adquiridos com o esforço comum; e, se casado
pelo regime da participação final nos aquestos, segue a regra do regime
da comunhão parcial de bens.
O cônjuge herda isoladamente, ou seja, todo acervo hereditário,
caso o falecido não tenha deixado ascendentes e nem descendentes.
Os colaterais só herdariam caso o falecido não tivesse descenden-
tes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente.
O art. 1.790 do CC/2002, como primeira regra, traz que, para o
reconhecimento do direito sucessório do companheiro ou companhei-
ra, o caput enuncia que somente haverá direitos em relação aos bens
adquiridos onerosamente durante a união. Desse modo, comunicam-se
os bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência
da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doa-
ção ou sucessão, bem como os adquiridos anteriormente à união. Deve
ficar claro que a norma não está tratando de meação, mas de sucessão
ou herança, independentemente do regime de bens adotado. Por isso,
em regra, pode-se afirmar que o companheiro é meeiro e herdeiro dos
mesmos bens.
Em linhas gerais, o art. 1.790 do CC/2002 restringe o direito do(a)
companheiro(a) aos bens adquiridos onerosamente da constância na
união, nada tendo direito aos bens particulares (adquiridos anteriormen-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 121
te à união, ou adquiridos durante a vigência da união, porém por meio
de doação ou herança), faz distinção entre a concorrência do compa-
nheiro com filhos comuns ou só do falecido, prevê o direito apenas à
metade do que couber aos que descenderem somente do autor da he-
rança e estabelece um terço na concorrência com herdeiros de outras
classes que não os descendentes do falecido, a exemplo dos colaterais,
e só é chamado a concorrer com a totalidade da herança na falta destes;
o cônjuge, porém, prefere aos parentes colaterais e, por último, não o
inclui como herdeiro necessário e nem com um quinhão mínimo.
Diante de tal análise, verifica-se que, de acordo com o CC/2002, o
companheiro tem uma posição sucessória inferior à do cônjuge.
O grande problema da sucessão do companheiro, conforme a re-
gra do art. 1.790 do CC/2002, era quando concorria com outros parentes
(ascendentes ou colaterais), tinha direito a apenas 1/3 (um terço) da he-
rança. A diferença gritante é que o cônjuge não concorre com colaterais
e herda também dos bens particulares.
Diante de tal regra, diversos questionamentos doutrinários surgi-
ram: o companheiro terá que dividir herança, tendo direito a apenas
1/3 se concorrer inclusive com colaterais, fato este que pode deixá-lo
em situação de desprovimento, por colocar o companheiro em posição
desfavorável em relação a parentes distantes, com os quais muitas vezes
não se têm vínculo familiar. O companheiro apenas herda os bens co-
muns, adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável; en-
tão, caso o falecido somente tenha deixado bens particulares, seja pelo
modo de aquisição (doação ou herança), ou pelo regime de bens esco-
lhido, o companheiro não tinha direito à herança, ficando desprotegido.
Por fim, consagra o inciso IV do art. 1.790 do CC que somente se
não houver parentes sucessíveis – descendentes, ascendentes e colate-
rais até o quarto grau – é que o companheiro teria direito à totalidade da
herança. Essa regra era a mais criticada, pois o companheiro só herdar a
totalidade da herança na falta de colaterais, o deixava em situação bas-
tante inferior à do cônjuge, vez que este herda a totalidade na falta de
ascendentes e descendentes.
Ao dispor sobre o regime sucessório aplicável ao cônjuge no
art. 1.829 e ao companheiro no art. 1.790, o Código Civil acabou por
desequiparar, para fins sucessórios, cônjuges e companheiros, ao outor-
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gar a estes últimos direitos sucessórios distintos e inferiores dos conferi-


dos aos cônjuges, impondo uma hierarquização das entidades familiares
totalmente dissonante da previsão constitucional e em total descumpri-
mento aos princípios da liberdade de constituir família e da afetividade.
Ao analisar o Direito de Família brasileiro e as regras da CF/1988,
observa-se que existe uma equiparação do casamento à união estável,
como núcleo familiar, devendo ser abolida qualquer regra que trate o
companheiro em situação inferior e desfavorável à do cônjuge.
Diante disto, diversos tribunais estaduais reconheceram a incons-
titucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, por afrontar os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade de
constituir famílias e afetividade, uma vez que o art. 226, § 3º, CF/1988
deu tratamento paritário ao casamento e à união estável. Além disso, o
mesmo entendimento deve prevalecer para as uniões estáveis de casais
homoafetivos, estendendo-se os mesmos efeitos da decisão, indepen-
dente da orientação sexual dos casais. As uniões homoafetivas possuem
os mesmos direitos e obrigações das uniões heteroafetivas.

3 O RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CC/2002, COM O


JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 878.694 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Supremo Tribunal Federal finalizou, no dia 10 de maio de 2017,
o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil,
por meio do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, que
teve como Relator o Ministro Luís Roberto Barroso. No caso concreto, a
decisão do julgador de primeira instância reconheceu ser a companheira
de um homem falecido a herdeira universal dos bens do casal, vez que o
falecido não tinha descendentes e nem ascendentes vivos, aplicando ao
caso o inciso III do 1.829 do CC/2002, portanto, dando tratamento igual
ao instituto da união estável em relação ao casamento. No caso em tela,
o falecido possuía irmãos vivos (colaterais de 2º grau), que, se aplicado
o art. 1.790 do CC/2002, de acordo com o inciso III, estes concorreriam
à herança junto com a companheira, ficando ela apenas com um terço
da massa patrimonial do falecido.
No entanto, os irmãos do falecido, inconformados e querendo ter
direito a uma boa parte da herança, recorreram da decisão a quo para o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), e este reformou a decisão de
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 123
primeira instância, dando à companheira sobrevivente o direito a ape-
nas um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando
o restante com os três irmãos do falecido, por aplicar e reconhecer a
constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Buscando a reforma
do acórdão publicado pelo TJMG, a companheira sobrevivente interpôs
recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal.
Tal julgamento, no STF, teve início em agosto de 2016, tendo,
desde o começo da sua tramitação, sete votos pelo reconhecimento
da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002. Votaram pela in-
constitucionalidade do artigo os Ministros Luiz Edson Fachin, Teori
Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, e o
próprio Ministro Relator Luís Roberto Barroso. A tramitação do processo
foi interrompida com o pedido de vista realizado pelo Ministro Dias
Toffoli, somente voltando para a pauta de julgamento no ano de 2017.
O Ministro Dias Toffoli proferiu voto com posicionamento diverso, ou
seja, pela constitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, alegando que a
Constituição Federal de 1988 não igualou a união estável e o casamen-
to; se fosse assim, não teria facilitado a sua conversão em casamento.
O Ministro Marco Aurélio também pediu novas vistas, unindo tam-
bém o julgamento do Recurso Extraordinário nº 646.721/RS, que tratava
da sucessão de companheiro homoafetivo, do qual era Relator, vez que
não havia motivo para distinção e que o próprio STF já havia reconhe-
cido a união homoafetiva por meio da ADPF 132/RJ, dando tratamento
igualitário em relação à união estável. Para o Ministro Marco Aurélio,
também não havia qualquer inconstitucionalidade, devendo ser preser-
vado todo o teor do art. 1.790 do Código Civil, vez que o art. 226, § 3º,
da CF/1988 não igualou a união estável e o casamento, principalmente
porque trouxe a possibilidade da conversão da união estável em casa-
mento. Alega o Ministro, ao proferir o seu brilhante voto, que a CF/1988
reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares. Ricardo
Lewandowski também votou pela constitucionalidade do art. 1.790 do
CC/2002.
Segue a ementa do Recurso Extraordinário nº 876.894, publicada
em novembro de 2017:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL – RECURSO EXTRAOR-
DINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – INCONSTITUCIONALIDADE DA
124 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPA-


NHEIROS
1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legíti-
ma, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável.
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os
companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por
união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatí-
vel com a Constituição de 1988.
3. Assim sendo, o art. 1.790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nºs 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o compa-
nheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à
esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualda-
de, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à prote-
ção deficiente, e da vedação do retrocesso.
4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não te-
nha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas
extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão ge-
ral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucio-
nal a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no
art. 1.829 do CC/2002”.

Ao final, o placar foi de 8 a 3 votos, pela inconstitucionalidade do


art. 1.790 do CC/2002, afirmando os Ministros vencedores que a Cons-
tituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do
casamento, não havendo nenhuma hierarquização entre elas, devendo
todas terem os mesmos direitos e obrigações. Nesse rol incluem-se as
famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo de-
sequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é,
a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal
hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com
o disciplinado na Constituição Federal de 1988, bem como também é
incompatível com os princípios norteadores do Direito brasileiro.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 125
O art. 1.790 do Código Civil de 2002 entra em desacordo com os
princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcio-
nalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente, da vedação
ao retrocesso, à afetividade e à liberdade de constituir família.
Por fim, ficou decidido que, com a finalidade de preservar a se-
gurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do
art. 1.790 do Código Civil deve ser aplicado apenas aos inventários judi-
ciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às
partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. A tese
teve reconhecimento de repercussão geral, ou seja, efeito erga omnes.
O companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de
sucessão legítima (art. 1.829). Desse modo, concorre com os descenden-
tes nos moldes do regime de bens adotado. Concorre também com os
ascendentes, o que independe do regime de bens. Na falta de descen-
dentes e de ascendentes, o companheiro recebe a herança por inteiro,
como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau
(irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). Ressalta-se
que o regime de bens adotado passará a ser fundamental não só para a
meação, como também para a sucessão. Não haverá mais a restrição
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união.
A decisão tema possui enorme repercussão na sociedade, em vir-
tude dos diversos casais que vivem em união estável e das diversas su-
cessões em andamento, tanto nas varas de família e sucessões quanto
nos cartórios de notas.
De acordo com o Ministro Relator Luís Roberto Barroso:
Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a
solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais
em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de par-
tilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido
lavrada escritura pública. (STF, Recurso Extraordinário nº 878.694/MG)

Em suma, a tese da repercussão geral aplica-se, sim, aos proces-


sos de inventário em curso, desde que não haja decisão transitada em
julgado. Por outra via, em havendo sentença ou acórdão aplicando o
art. 1.790 do CC/2002, que ainda esteja pendente de julgamento por
instância superior, deve ser revisto e aplicadas as regras do art. 1.829
126 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

do Código Civil. Em relação aos inventários extrajudiciais pendentes, as


escrituras públicas devem ser elaboradas com o novo tratamento dado
pelo STF. Essa decisão vem causando outro grande problema e dúvidas
no cenário jurídico, dando origem a diversos debates entre os aplicado-
res do Direito, vez que houve a inobservância da regra do art. 1.787 do
CC/2002, in verbis: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a
lei vigente ao tempo da abertura daquela”.
Ou seja, de acordo com a referida regra, a decisão do STF somen-
te poderia abranger os casos futuros, de pessoas que ainda não tenham
falecido, pois a lei aplicada à sucessão deve ser a vigente no momento
da morte.
Além da problematização apresentada, algumas outras questões
ficaram pendentes no julgamento do STF. A primeira delas diz respei-
to à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no
art. 1.845 do Código Civil, com grandes consequências. O julgamento
nada relata sobre isso.
Todavia, mesmo sem uma posição expressa por parte dos Minis-
tros do STF, diante da leitura detalhada do inteiro teor do acórdão, este
dá a entender que sim, o companheiro passa a adentrar no rol de herdei-
ros necessários; porém, não há nada expresso neste sentido, e, por isso,
é importante o posicionamento claro da Suprema Corte brasileira, vez
que, ao ser reconhecido como herdeiro necessário, o companheiro não
poderá ser afastado da legítima, salvo casos expressos em lei, bem como
poderá arguir bens sonegados e exigir colação.
No que concerne ao direito real de habitação do companheiro,
também não mencionado nos julgamentos, não resta dúvida da sua exis-
tência.

4 A ATUAL SUCESSÃO DO COMPANHEIRO E A INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CC/2002


Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790
do CC/2002, que pregava um regime sucessório diferenciado entre o
companheiro e o cônjuge, por meio do julgamento do RE 878.694 do
STF, diante do qual teve reconhecida, também, a repercussão geral da
questão suscitada, com efeito erga omnes e imediato, para os processos
de inventário em andamento, onde não tenha transitado em julgado,
para os inventários administrativos, onde não tenha sido realizada a es-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 127
critura pública de partilha e para as uniões estáveis vigentes, caso um
dos companheiros venha a óbito, para o sobrevivente, no tocante à he-
rança, serão aplicadas as regras do art. 1.829 do CC/2002.
O art. 1.790 do CC/2002 não foi revogado, vez que essa tarefa
cabe unicamente ao Poder Legislativo brasileiro, e o que houve foi uma
decisão de reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 1.790 do
CC/2002, por meio de uma decisão da Suprema Corte brasileira. Diante
disto, o referido artigo perdeu aplicabilidade prática, não cabendo ne-
nhuma distinção no âmbito sucessório entre cônjuges e companheiros,
diante da obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana e da
liberdade de constituição familiar.
O resultado, entretanto, não parece ter agradado os principais es-
pecialistas e doutrinadores na matéria. Muitos contrários à decisão da
Suprema Corte alegam que acabou a liberdade de não casar e que a
CF/1988 jamais igualou a união estável ao casamento.
Em análise da decisão do STF, pode-se perceber que, apesar de ter
igualado o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, impondo
a aplicação do art. 1.829 do CC/2002, em nenhum momento o referido
tribunal reconheceu o companheiro como herdeiro necessário, deixan-
do uma grande omissão na decisão proferida. Diante disto, a Associação
de Direito das Famílias e Sucessões (ADFAS) interpôs, em setembro de
2017, embargos de declaração, para que o Supremo Tribunal Federal
decida se o companheiro na união estável deve ser reputado como her-
deiro necessário e no sentido também de esclarecer a aplicabilidade da
referida decisão, apontando a notória afronta ao art. 1.787 do CC/2002.
Ainda não há julgamento acerca do referido embargo declaratório.
Importantíssima é a alegação da Jurista Regina Beatriz Tavares da
Silva, presidente da ADFAS, manifestada no próprio site da associação:
Ocorre que, segundo o STF, a decisão que modificou os direitos suces-
sórios do companheiro deve ser aplicada a todos os inventários não fin-
dos, ou seja, às heranças de quem faleceu antes da publicação daquela
decisão. E, segundo o voto condutor do Ministro Luís Roberto Barroso
do STF, esse efeito retroativo da decisão teria a finalidade de preservar a
segurança jurídica.

Mas aplicar a decisão a todos os inventários ainda abertos ao tem-


po de sua publicação com base na segurança jurídica, com todo o res-
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peito, é uma evidente contradição. Isso porque segurança jurídica é a


circunstância de um cidadão conhecer, ou ao menos poder conhecer,
a lei e agir e reagir com base nesse conhecimento. Quem quer viver em
união estável deve ter a possibilidade de conhecer o ordenamento legal,
para decidir se lhe convém ou não constituir essa entidade familiar, ou,
até mesmo, mantê-la até a morte.
Assim, se quem faleceu antes da modificação do ordenamento ju-
rídico quisesse que seu irmão herdasse, ou quisesse que a maior parte
dos bens que adquiriu durante sua vida fossem destinados a um filho e
não ao companheiro, sequer teve a oportunidade de realizar um testa-
mento, por acreditar que o ordenamento que vigoraria em sua herança
seria o da época de sua morte.
Sendo a preservação da segurança jurídica o objetivo do STF, a
única alternativa possível para atingi-lo seria a aplicação da decisão do
julgamento somente em relação às sucessões abertas após a data de pu-
blicação da decisão, ou seja, às heranças decorrentes de falecimentos
posteriores à divulgação pública do que foi alterado por aquele Tribunal.
Além disso, o STF acabou por desrespeitar o Código Civil, que es-
tabelece, em seu art. 1.787, que a lei que regula a sucessão é a lei vigen-
te ao tempo de sua abertura, ou seja, ao tempo da morte do indivíduo.
Ora, por óbvio, os inventários ainda abertos ao tempo da publicação da
decisão do STF se referem a sucessões abertas antes da publicação da
decisão do STF, ou seja, às heranças dos que faleceram antes disso.
Ao tempo da abertura dessas sucessões, o art. 1.790 do Código
Civil, que fixava os direitos hereditários do companheiro, não fora de-
clarado inconstitucional. Isso só aconteceu com a publicação da decisão
do STF, ocorrida em 11.09.2017. Em relação a todas as sucessões envol-
vendo união estável abertas antes dessa data, os direitos sucessórios dos
companheiros viúvos deveriam ser regulados pelo art. 1.790 do Código
Civil, pois esse artigo estava vigente ao tempo das mortes de seus respec-
tivos companheiros.
Se a segurança jurídica é a circunstância de poder o indivíduo
conhecer qual é a lei vigente em um dado momento e quais são os seus
efeitos jurídicos, agindo e reagindo conforme esse conhecimento, então
a segurança jurídica só pode ser preservada se os efeitos da decisão do
STF se produzirem a partir das sucessões abertas a partir da publicação
da decisão, pois, como muito bem advertiu o Ministro Ricardo Lewan-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 129
dowski, com voto vencido no julgamento do RE 646.721/RS: “Os que
já estão mortos, evidentemente, não têm mais como interferir e reagir
relativamente à decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Por essas razões, entre outras, a ADFAS – que foi admitida como
amicus curiae no referido recurso extraordinário – interpôs embargos de
declaração para que o STF elimine a contradição e determine a aplica-
ção da decisão às heranças daqueles que vierem a falecer depois de sua
publicação. de Direito de Família e das Sucessões): Diversos ainda serão
os debates acerca da matéria.
Para tanto, o que se tem é a certeza da aplicação do art. 1.829 do
CC/2002 também para a união estável e que este, por enquanto, deverá
ser aplicado para todas as futuras sucessões e inclusive as em curso.
Portanto, os companheiros, para fins de sucessão, terão os mesmos
direitos que os cônjuges, de acordo com o art. 1.829 do CC:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sal-
vo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou
no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se,
no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.

Tem-se que o regime de bens não servirá apenas para separar a


meação, mas também produzirá efeitos quanto a herança companheiro
sobrevivente, na concorrência com descendentes do falecido, excluin-
do-se o direito a herdar, em regra, quando a união estável estiver subme-
tida ao regime de comunhão universal, de comunhão parcial somente
com bens adquiridos durante da constância da união estável (particula-
res – nesse caso será apenas meeiro) e da separação obrigatória de bens.
Nos casos antes apontados, a herança é transmitida apenas aos
descendentes.
Caso os companheiros tenham optado, por meio de escritura pú-
blica ou contrato de convivência, pelo regime de comunhão universal
130 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA

de bens, já será garantida ao companheiro sobrevivente metade do pa-


trimônio, a título de meação. Por isso que, em regra, não haverá herança
para aquele que optar por esse tipo de regime, na concorrência com
os descendentes do de cujus. Em regra, porque, mesmo no regime de
comunhão universal, existem bens que não compõem a meação (exce-
ções previstas no art. 1.668 do Código Civil). Somente se existirem esses
bens, o que é incomum, de acordo com parte da doutrina, é que haverá
herança.
O mesmo raciocínio segue para a comunhão parcial sem bens
particulares, caso existam bens excluídos da comunhão, a exemplo de
bens adquiridos com cláusulas de incomunicabilidade, doutrinariamen-
te, seria possível a herança, somente em relação a esses bens, quando a
concorrência for com os descendentes.
Quanto ao regime de separação obrigatória de bens, a regra legal
também indica que não haverá herança, uma vez que a intenção do re-
gime é separar os patrimônios, deixando-os todos como particulares de
cada cônjuge. Exceto o direito à meação sobre os bens adquiridos one-
rosamente na constância da relação, fruto do esforço comum do casal,
conforme a Súmula nº 377 do STF.
Se os companheiros optarem pelos demais regimes, quais sejam:
comunhão parcial com bens particulares, participação final nos aques-
tos, separação convencional de bens e nos regimes escolhidos pela livre
vontade dos envolvidos, haverá concorrência sucessória com os descen-
dentes.
Convém lembrar que se os companheiros silenciarem sobre o re-
gime de bens ou mesmo se esta não for formalizada, será aplicado o
regime de comunhão parcial de bens, exceto quando a união estável for
estabelecida nas hipóteses previstas no art. 1.641 do CC, onde vigerá o
regime da separação obrigatória de bens.
Na concorrência com os descendentes do falecido, o compa-
nheiro, quando for herdeiro, receberá quinhão igual aos descendentes,
e, se for ascendente dos descendentes herdeiros, a sua quota não pode
ser inferior à quarta parte da herança. Se não existirem descendentes,
o companheiro sobrevivente irá concorrer com os ascendentes do fa-
lecido.
Nesse caso, depois de separada a meação (conforme o regime de
bens), o companheiro dividirá com os ascendentes todo o patrimônio
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 131
deixado pelo falecido, de maneira que o regime de bens, nesse caso,
não afetará a herança, mas tão somente servirá para separar a meação
e, nesse caso, o cálculo está estabelecido no art. 1.837 do Código Civil.
Na concorrência com os ascendentes, o companheiro será herdeiro
independente do regime de bens adotado e resguardada a meação. Na
falta de ascendentes e descendentes, os bens deverão ser destinados intei-
ramente ao companheiro sobrevivente, nada cabendo aos colaterais.
Os colaterais somente herdarão na falta de companheiro sobrevi-
vente.
Diante do exposto, pode-se verificar que a recente decisão do STF
igualou cônjuges e companheiros para fins de recebimento de herança
ou legado (fins sucessórios), sendo aplicadas aos companheiros as mes-
mas regras anteriormente aplicadas aos cônjuges.

CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se verificar que a recente decisão do STF
igualou cônjuges e companheiros para fins de recebimento de herança
ou legado (fins sucessórios), sendo aplicadas aos companheiros as mes-
mas regras aplicadas aos cônjuges, ou seja, tanto para a união estável
quanto para o casamento, no tocante à divisão de herança, serão apli-
cadas as regras do art. 1.829 do CC/2002, devido ao reconhecimento
da inconstitucionalidade do art. 1.970 do CC/2002, que regia o efeito
sucessório entre os companheiros.
Diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 876.894 do
Supremo Tribunal Federal, o art. 1.970 do CC/2002 perdeu a aplicabi-
lidade e, tanto para os processos judiciais de inventário em andamento
quanto para os inventários administrativos que ainda não tenham a es-
critura de partilha, as novas regras deverão ser aplicadas de imediato.
Para os processos com trânsito em julgado e para os inventários admi-
nistrativos, já com escritura de partilha, respeitar-se-á a coisa julgada. A
nova regra também vale para as uniões homoafetivas, vez que o mesmo
tribunal, em 2011, já havia reconhecido a sua proteção legal.
O STF reconheceu a inconstitucionalidade da referida norma cí-
vel, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, da liber-
dade e da igualdade, alegando que a CF/1988 não fez distinção entre
as modalidades familiares, devendo todas as formas de constituição de
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família receberem a mesma proteção legal. No entanto, a polêmica de-


cisão da Suprema Corte deixou diversas dúvidas, ao não mencionar se o
companheiro(a) passa a ser reconhecido(a) como herdeiro(a) legítimo(a)
necessário(a).
A decisão foi bastante polêmica e criticada por diversos doutri-
nadores, pois eles alegam que a CF/1988 jamais igualou o casamento à
união estável, tanto que facilita a sua conversão em casamento. E, ainda,
diante do princípio da liberdade de constituição familiar, ao igualar os
efeitos sucessórios de ambos os institutos, retirou das pessoas o direito
de escolher a união informal, pela diferença na herança.
Grande parte da doutrina defendia a inconstitucionalidade ape-
nas do inciso III do art. 1.790, ao dizer que o companheiro teria direito
apenas a 1/3 da herança, quando concorria com colaterais, sendo que,
no caso do cônjuge, este sequer concorria com essa classe de parentes.
Essa seria a decisão mais acertada, ou seja, o reconhecimento da in-
constitucionalidade apenas desse inciso III; porém, cabe agora a todos
os aplicadores seguirem as novas regras, vez que tem efeito imediato e
para todos.
Com a recente decisão, as uniões afetivas passaram a gozar da
absoluta igualdade, sem qualquer distinção, com a devida proteção pa-
trimonial. Porém, ainda há a importante necessidade do STF esclarecer
se o companheiro passará a integrar o rol de herdeiros necessários e isso
ocorrerá por meio do julgamento do embargo declaratório interposto
pela ADFAS, que foi admitida como amicus curiae no referido recurso
extraordinário, para que o STF elimine a contradição no tocante à inclu-
são no rol de herdeiro necessário e determine a aplicação da decisão
às heranças daqueles que vierem a falecer depois de sua publicação,
em obediência à segurança jurídica e em cumprimento ao art. 1.789 do
CC/2002.

REFERÊNCIAS
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Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8333

Superior Tribunal de Justiça


AgInt no Recurso Especial nº 1.414.222 – SC (2013/0352142‑4)
Relator: Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região)
Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Agravado: J. V. W. S.
Advogado: Luiz Fernando Guareschi – SC014714
Interes.: W. C. (menor)
Repr. por: S. A. da S. C.

ementa
AGRAVO INTERNO – RECURSO ESPECIAL – CIVIL E PROCESSO CIVIL – INVESTIGAÇÃO
DE PATERNIDADE – AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA – EXAME DE DNA NÃO REALIZADO
– COISA JULGADA – RELATIVIZAÇÃO – AÇÃO DE ESTADO – PREVALÊNCIA DA VERDADE
REAL – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA – AGRAVO NÃO PROVIDO
1. Deve-se dar prevalência ao princípio da verdade real, nas ações
de estado, como as de filiação, admitindo-se a relativização da coisa
julgada, quando na demanda anterior não foi possível a realização do
exame de DNA.
2. O Poder Judiciário não pode, sob a justificativa de impedir ofensa
à coisa julgada, desconsiderar os avanços técnico-científicos ineren-
tes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por meio de exame
genético, o conhecimento da verdade real, delineando, praticamen-
te sem margem de erro, o estado de filiação ou parentesco de uma
pessoa.
3. Agravo interno não provido.

acóRdão
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indi-
cadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao
agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Minis-
tros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira
(Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 21 de junho de 2018 (data do Julgamento).
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 135
Ministro Lázaro Guimarães
(Desembargador Convocado do TRF 5ª Região)
Relator

RelatóRio
O Exmo. Sr. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convo-
cado do TRF 5ª Região) (Relator):
Trata-se de agravo interno interposto contra decisão de fls. 130/133
e-STJ que negou provimento ao recurso da parte recorrente, em razão
da incidência da Súmula nº 83 deste Sodalício, ante a possibilidade de
relativização da coisa julgada em ação de investigação de paternidade.
Nas razões recursais, a agravante sustenta ser “inaplicável, a nosso
sentir, o óbice da Súmula nº 83 do STJ, pois o acórdão prolatado pela
Câmara Especial Regional de Chapecó do TJSC não se encontra em con-
formidade com o posicionamento do STJ a respeito da matéria” (e-STJ,
fl. 146).
Não foi apresentada impugnação ao agravo interno.
É o relatório.

voto
O Exmo. Sr. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convo-
cado do TRF 5ª Região) (Relator):
O recurso será examinado à luz do Enunciado 2 do Plenário do
STJ, nos seguintes termos: “Aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) de-
vem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista,
com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça”.
Conforme salientado na decisão agravada, a Corte de origem ad-
mitiu a relativização da coisa julgada, expressamente consignando o se-
guinte, in verbis:
“No caso em tela, como na ação de investigação de paternidade pretérita
correu à revelia do réu e pautada tão somente em provas fictícias e ou
136 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

em indícios, o instituto da coisa julgada não preponderar ante a possibi-


lidade de realização de exame científico (DNA) que expressa 99,99% de
certeza acerca da paternidade. Portanto, ante a possibilidade científica
de certeza da paternidade, tenho por inequívoca a possibilidade de rela-
tivização da coisa julgada quando a decisão judicial por ela acobertada
está pautada em presunções processuais e/ou em indícios probatórios.”
(e-STJ, fls. 69/70)

Segundo o que consta dos autos, a ação de investigação de pater-


nidade anteriormente ajuizada pela ora recorrente, correu à revelia do
recorrido e pautada tão somente em provas fictícias e ou em indícios.
A controvérsia, portanto, cinge-se a saber se admissível a relativi-
zação da coisa julgada estabelecida em ação de investigação de pater-
nidade.
Sustenta-se que o Poder Judiciário não pode, sob a justificativa
de impedir ofensa à coisa julgada, desconsiderar os avanços técnico-
-científicos inerentes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por
meio de exame genético, o conhecimento da verdade real, delineando,
praticamente sem margem de erro, o estado de filiação ou parentesco
de uma pessoa. Com a utilização desse meio de determinação genética,
tornou-se possível uma certeza científica (quase absoluta) na determina-
ção da filiação, enfim, das relações de ancestralidade e descendência,
inerentes à identidade da pessoa e sua dignidade.
De fato, na esteira da jurisprudência hoje consolidada nos tribu-
nais superiores, tratando-se de ação de estado, na qual o dogma da coi-
sa julgada deve ser aplicado com prudência, não se pode justificar a
adoção da res iudicata, a pretexto de se garantir a segurança jurídica,
quando isso possa criar uma situação aberrante entre o mundo fático-
-científico e o mundo jurídico.
Outrossim, no que se refere à possibilidade de relativização da
coisa julgada em ação de investigação de paternidade, a jurisprudência
do Superior Tribunal Justiça tende a admiti-la, consoante se infere dos
seguintes julgados:
“CIVIL E PROCESSUAL – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RE-
CURSO ESPECIAL – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE
DNA – COISA JULGADA – RELATIVIZAÇÃO – PRECEDENTES DO SU-
PREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
– 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Su-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 137
perior Tribunal de Justiça, nas ações de investigação de paternidade, há
de se relativizar ou flexibilizar a coisa julgada, de modo a dar prevalência
ao princípio da verdade real, permitindo a universalização do acesso do
jurisdicionado ao exame de DNA. Precedentes.
2. A existência de ação rescisória extinta por decadência, sem pronun-
ciamento sobre o mérito da lide (existência ou não do vínculo de pater-
nidade), não tem o condão de afastar a aplicação dos precedentes das
Cortes Superiores sobre a relativização da coisa julgada nas ações de
investigação de paternidade.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt-AREsp 665.381/SP, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T.,
J. 27.04.2017, DJe 04.05.2017)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL –


AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA NÃO
REALIZADO EM AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE – RELA-
TIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES
– AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO
1. Nas ações de investigação de paternidade, a jurisprudência desta Casa
admite a relativização da coisa julgada quando na demanda anterior não
foi possível a realização do exame de DNA, em observância ao princípio
da verdade real.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt-REsp 1417628/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T.,
J. 28.03.2017, DJe 06.04.2017)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INVESTIGA-


ÇÃO DE PATERNIDADE – AUSÊNCIA DE EXAME DE DNA – COISA
JULGADA – MITIGAÇÃO – POSSIBILIDADE – DECISÃO MONOCRÁTI-
CA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO – INSURGÊNCIA
DO DEMANDADO
1. Configura inovação recursal a matéria que não foi objeto de análise
anteriormente e é suscitada apenas no agravo regimental/interno. Invia-
bilidade de exame diretamente por esta Corte, mesmo em se tratando de
tema de ordem pública. Precedentes.
2. Nas ações de estado, como as de filiação, deve-se dar prevalência ao
princípio da verdade real, admitindo-se a relativização ou flexibilização
da coisa julgada.
138 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

3. Agravo interno desprovido.


(AgInt-REsp 1.155.302/PB, Relator o Ministro Marco Buzzi, 4ª T.,
J. 25.10.2016, DJe 03.11.2016.)

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RE-


CURSO ESPECIAL – DIREITO DE FAMÍLIA – EXAME DE DNA – COISA
JULGADA – MITIGAÇÃO – POSSIBILIDADE
1. Nas ações de estado, como as de filiação, deve-se dar prevalência ao
princípio da verdade real, admitindo-se a relativização ou flexibilização
da coisa julgada.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 363.889/DF, de
relatoria do Ministro Dias Toffoli, DJe de 16.12.2011, reconheceu a re-
percussão geral da questão e, no mérito, consolidou o entendimento
de que “deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de
investigação de paternidade em que não foi possível determinar- se a
efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência
da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer
segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”.
3. É possível, com base na Súmula nº 168/STJ, inadmitir embargos de
divergência quando a jurisprudência da Corte estiver no mesmo sentido
do acórdão embargado.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg-EREsp 1.201.791/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª S.,
DJe de 19.11.2014)

Diante do exposto, nega-se provimento ao agravo interno.


É como voto.

ceRtidão de Julgamento
quaRta tuRma
Número Registro: 2013/0352142-4
Processo Eletrônico AgInt-REsp 1.414.222/SC
Números Origem: 00458935420128240000 017100007356
017100007356001 17100007356 17100007356001 20110289693
20110289693000100 20110289693000200 458935420128240000
Pauta: 21.06.2018 Julgado: 21.06.2018
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 139
Segredo de Justiça
Relator: Exmo. Sr. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convoca-
do do TRF 5ª Região)
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Min. Antonio Carlos Ferreira
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Solange Mendes
de Souza
Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação
Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Recorrido: J. V. W. S.
Advogado: Luiz Fernando Guareschi – SC014714
Interes.: W. C. (menor)
Repr. por: S. A. da S. C.
Assunto: Direito civil – Família – Relações de parentesco – Investigação
de paternidade

agRavo inteRno
Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Agravado: J. V. W. S.
Advogado: Luiz Fernando Guareschi – SC014714
Interes.: W. C. (menor)
Repr. por: S. A. da S. C.

ceRtidão
Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti,


Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8334

Superior Tribunal de Justiça


AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.263.805 – SP (2018/0060954‑8)
Relator: Ministro Sérgio Kukina
Agravante: G. D. L. M.
Advogados:Marta Maria Ruffini Penteado Gueller – SP097980
Vanessa Carla Vidutto Berman – SP156854
Agravado: Instituto de Previdência Municipal de São Paulo – Iprem
Procurador: Marco Antonio Sales Stivanin e outro(s) – SP371279

ementa
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PENSÃO POR MORTE – SOBRINHO
– CONTROVÉRSIA RESOLVIDA COM BASE EM LEGISLAÇÃO LOCAL – IMPOSSIBILIDADE
DE EXAME EM RECURSO ESPECIAL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 280/STF – DISSÍDIO
PREJUDICADO
1. O exame da controvérsia, tal como enfrentada pelas instâncias or-
dinárias, exigiria a análise de dispositivos de lei local, pretensão in-
suscetível de ser apreciada em recurso especial, conforme a Súmula
nº 280/STF (“Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordi-
nário.”).
2. Ademais, “a desconformidade da legislação local com o disposto
na Lei nº 9.717/1998 e na Lei nº 8.213/1991 converge à existência
de conflito entre lei local e lei federal, questão que só pode ser resol-
vida pelo Supremo Tribunal Federal, pois trata-se, em última análise,
de matéria constitucional relacionada ao pacto federativo (art. 102,
III, alínea d, da CF)” (AgRg-REsp 1.366.339/MS, Rel. Min. Humberto
Martins, 2ª T., J. 04.06.2013, DJe 10.06.2013).
3. Pelos mesmos motivos, segue obstado o recurso especial pela alí-
nea c do permissivo constitucional, sendo certo que não foram aten-
didas as exigências dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255,
§§ 1º e 2º, do RISTJ.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 141
acóRdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa (Presidente), Gurgel de
Faria, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 21 de junho de 2018 (data do Julgamento).

Ministro Sérgio Kukina


Relator

RelatóRio
Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Trata-se de agravo in-
terno manejado por G. D. L. M. desafiando decisão de fls. 537/540, que
negou provimento ao agravo em recurso especial, com base nos seguin-
tes fundamentos: (I) incidência da Súmula nº 280/STF; (II) “a desconfor-
midade da legislação local com o disposto na Lei nº 9.717/1998 e na Lei
nº 8.213/1991 converge à existência de conflito entre lei local e lei fe-
deral, questão que só pode ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal,
pois trata-se, em última análise, de matéria constitucional relacionada
ao pacto federativo”; e (III) o dissídio jurisprudencial restar prejudicado.
Em suas razões, a parte agravante sustenta que “o recurso interpos-
to, no entanto, não pretende o reexame da legislação estadual ou muni-
cipal. Nota-se da peça interposta pela a divergência está interpretativa
está no art. 5º da Lei nº 9.717/1998 e no art. 16, inciso I e § 2º, da Lei
nº 8.213/1991. São duas leis federais. Ora, a violação de lei federal, que
é o que se alega no recurso, deve ser examinada pelo Superior Tribunal
de Justiça, que é o defensor da lei federal” (fl. 549). Afirma, ainda, que
restou demonstrado o dissídio jurisprudencial.
É o relatório.

voto
Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): A irresignação não me-
rece acolhimento, tendo em conta que a parte agravante não logrou de-
142 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

senvolver argumentação apta a desconstituir os fundamentos adotados


pela decisão recorrida.
Como antes asseverado, destaca-se do acórdão recorrido a seguin-
te fundamentação (fls. 458/461):
Conforme mencionado nos autos, T. D. L., tia do autor, faleceu no dia
29.10.2010 (fl. 75). A legislação vigente nesta data, então, é a aplicável
para regular a concessão dos benefícios de pensão, em respeito ao direito
adquirido.
Em que pese a argumentação deduzida em sede de razões de apelação,
não é possível afastar a aplicação da Lei Federal nº 9.717/1998, a qual,
em caráter geral, como bem assinalou a Exma. Magistrada sentenciante,
impediu a concessão dos benefícios previdenciários àqueles que não es-
tivessem abarcados no rol previsto em suas disposições.
Em assim sendo, no caso em comento, não há base legal para a concessão
de pensão por morte. Lembre-se do veto legal para que haja a competên-
cia legislativa estadual e municipal na previsão de quem pode ser bene-
ficiário de pensão, nos termos do art. 5º da Lei Federal nº 9.717/1998:
[...]
A Lei Federal nº 8.213/1991 especificou a matéria, prevendo os tipos de
benefícios, inclusive pela qualidade do beneficiário, de que a lei muni-
cipal não pode se distanciar. Senão, vejamos o seu art. 16, que assim
determina:
[...]
Note que não há na lei federal menção alguma à possibilidade de sobri-
nho de servidor falecido ser beneficiário da pensão.
Ainda tratando das previsões normativas sobre a matéria, cumpre trazer,
à baila, a Lei Municipal nº 15.080/2009, a qual, entre outras disposições,
versa sobre o benefício da pensão por morte. Em seu art. 2º, assim prevê:
[...]
Observa-se que a legislação municipal – como, diga- se, deveria ser – tra-
tou da matéria de maneira harmônica às disposições contidas na legisla-
ção federal supracitada. Assim, também à luz das normas municipais de
regência o apelante não encontra amparo para sua pretensão. De rigor,
portanto, a manutenção da r. sentença.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 143
Nem se diga, no mais, que o autor deve receber a pensão por morte em
função de eventual dependência econômica. O § 4º do art. 21 da referida
Lei Municipal é claro ao dispor que se equiparam aos filhos para todos
os efeitos desta lei, comprovada a dependência econômica, o enteado e
o menor sob tutela judicial” (grifei); como se sabe, o autor não é menor
de idade.
Em suma, a r. sentença ataca deve subsistir, pelos seus próprios e bem
lançados fundamentos.

Diante do contexto, reitere-se que o exame da controvérsia, tal


como enfrentada pelas instâncias ordinárias, exigiria a análise de dispo-
sitivos de legislação local, pretensão insuscetível de ser apreciada em
recurso especial, conforme a Súmula nº 280/STF (“Por ofensa a direito
local não cabe recurso extraordinário.”).
Ademais, cumpre asseverar que “a desconformidade da legislação
local com o disposto na Lei nº 9.717/1998 e na Lei nº 8.213/1991 con-
verge à existência de conflito entre lei local e lei federal, questão que
só pode ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, pois trata-se, em
última análise, de matéria constitucional relacionada ao pacto federati-
vo (art. 102, III, alínea d, da CF)” (AgRg-REsp 1.366.339/MS, Rel. Min.
Humberto Martins, 2ª T., J. 04.06.2013, DJe 10.06.2013).
Em reforço:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – LEI LOCAL,
CONTESTADA EM FACE DA LEI FEDERAL – HIPÓTESE DE CABIMENTO
DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ART. 102, III, D, DA CF/1988 – GA-
RANTIA DO RECEBIMENTO DO PECÚLIO POSt MORteM, PELO TRI-
BUNAL DE ORIGEM, À LUZ DA LEI Nº 285/1979 – EXAME DE LEGIS-
LAÇÃO ESTADUAL – IMPOSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA
Nº 280/STF, POR ANALOGIA – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO
I – No caso dos autos, o recorrente aduziu negativa de vigência ao
art. 5º da Lei nº 9.717/1998, diante da impossibilidade de o Estado pa-
gar pecúlio post mortem aos beneficiários de ex-servidor público, tendo
em vista que as disposições da Lei Estadual nº 285/1979, que previam
o pagamento de pecúlio post mortem, pela entidade previdenciária do
Estado do Rio de Janeiro, tiveram sua eficácia suspensa, com a edição
da Lei nº 9.717/1998, que regulamentou as mudanças inauguradas pela
EC 20/1998.
144 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

II – Por sua vez, o Tribunal de origem decidiu a controvérsia com funda-


mento na Lei Estadual nº 285/1979, que agora é contestada, em face da
Lei Federal nº 9.717/1998.
III – No entanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004,
a competência para julgar as causas decididas, em única ou última ins-
tância, quando a decisão recorrida julgar válida lei local, contestada, em
face de lei federal, foi transferida para o STF, nos termos do art. 102, III,
d, da CF/1988.
IV – Ademais, o Tribunal a quo apreciou o tema à luz da sucessão de
Leis estaduais – Lei Estadual nº 285/1979 e Lei Estadual nº 5.109/2007 –,
para concluir que seria aplicável a legislação vigente à época do óbito do
segurado, de modo a afastar a competência desta Corte para o deslinde
do desiderato contido no Recurso Especial, pelo que incide, na espécie,
a Súmula nº 280 do STF.
V – Agravo Regimental improvido.
(AgRg-REsp 1456225/RJ, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T.,
J. 17.09.2015, DJe 28.09.2015)

Por fim, o recurso especial não pode ser conhecido no tocante à


alínea c do permissivo constitucional. Isso porque o dissídio jurispru-
dencial não foi demonstrado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo
único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo interno.
É o voto.

ceRtidão de Julgamento
pRimeiRa tuRma
Número Registro: 2018/0060954-8 AgInt-AREsp 1.263.805/SP
Números Origem: 00476359520128260053 2906/2012 29062012
476359520128260053
Pauta: 21.06.2018 Julgado: 21.06.2018
Relator: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina
Presidente da Sessão: Exma. Sra. Min. Regina Helena Costa
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Aurélio Virgílio Veiga
Rios
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 145
Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

autuação
Agravante: G. D. L. M.
Advogados: Marta Maria Ruffini Penteado Gueller – SP097980
Vanessa Carla Vidutto Berman – SP156854
Agravado: Instituto de Previdência Municipal de São Paulo – Iprem
Procurador: Marco Antonio Sales Stivanin e outro(s) – SP371279
Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Ser-
vidor público civil – Pensão

agRavo inteRno
Agravante: G. D. L. M.
Advogados: Marta Maria Ruffini Penteado Gueller – SP097980
Vanessa Carla Vidutto Berman – SP156854
Agravado: Instituto de Previdência Municipal de São Paulo – Iprem
Procurador: Marco Antonio Sales Stivanin e outro(s) – SP371279

ceRtidão
Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Regina Helena Costa (Presidente), Gurgel de


Faria, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8335

Superior Tribunal de Justiça


Habeas Corpus nº 420.022 – SP (2017/0262538‑2)
Relator: Ministro Sérgio Kukina
Impetrante: D. S.
Advogado: Danielle Sales – SP0354352
Impetrado: Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública
Paciente: I. C. S.
Interes.: União

ementa
ADMINISTRATIVO – HABEAS CORPUS CÍVEL – EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO VISITANTE –
PACIENTE GENITOR DE FILHA BRASILEIRA DE TENRA IDADE – DEPENDÊNCIA SOCIOAFETIVA
COMPROVADA – INVIABILIDADE DA EXPULSÃO – APLICAÇÃO DO ART. 55, II, A, DA NOVA
LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017) – PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA NO
ATENDIMENTO DOS DIREITOS E INTERESSES DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ART.
227 DA CF) – DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 1º DO ECA) – CONCESSÃO DO
REMÉDIO HERÓICO
1. Não se viabiliza a expulsão de estrangeiro visitante ou migrante
do território nacional quando comprovado tratar-se de pai de criança
brasileira, que se encontre sob sua dependência socioafetiva (art. 55,
II, a, da Lei nº 13.445/2017).
2. O princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e
interesses da criança e do adolescente, em cujo rol se inscreve o di-
reito à convivência familiar (art. 227 da CF), direciona, in casu, para
solução que privilegie a permanência do genitor em território bra-
sileiro, em harmonia, também, com a doutrina da proteção integral
(art. 1º do ECA).
3. Habeas corpus concedido, com a consequente revogação da por-
taria de expulsão.

acóRdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros
da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conceder a ordem de habeas corpus, com a consequente revogação da
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 147
portaria de expulsão, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra.
Min. Regina Helena Costa e os Srs. Ministros Gurgel de Faria, Herman
Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Assusete
Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e, oca-
sionalmente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Brasília (DF), 20 de junho de 2018 (data do Julgamento).

Ministro Sérgio Kukina


Relator

RelatóRio
O Senhor Ministro Sérgio Kukina: Cuida-se de habeas corpus, com
pedido de medida liminar, impetrado por D. S., em favor do paciente I.
C. S., contra ato atribuído ao Ministro de Estado da Justiça.
A impetrante alega que o paciente, natural da Guiné-Bissau, foi
condenado, pelo Juízo Federal da 5ª Vara de Guarulhos – Seção Judiciá-
ria de São Paulo, pela prática de tráfico internacional de entorpecentes,
à pena de 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de re-
clusão, cuja sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª
Região e seu cumprimento integral se deu em 2015.
Ainda de acordo com a exordial, no ano de 2010, após procedi-
mento administrativo, foi editada, pela autoridade apontada como coa-
tora, a Portaria Ministerial nº 3.619, de 17.11.2010 (fl. 374), por meio da
qual foi determinada a expulsão do ora paciente do território nacional.
Ocorre que, em 18.06.2013 (ou seja, após a edição da portaria de
expulsão), nasceu a filha brasileira do paciente, de nome K. T. S. (certi-
dão à fl. 26), fruto de relacionamento com a também brasileira C. T. dos
S. Desde então, o paciente “está sempre presente em passeios e viagens”
e “contribui mensalmente com as despesas da prole e ainda ajuda na
compra de roupas, sapatos e inclusive remédios quando necessário”.
Por isso, no entender da impetrante, “resta comprovada a dependência
econômica e socioafetiva da prole” (fls. 4/5).
148 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Nesse diapasão, a impetrante sustenta que, nos termos da alínea


b do inciso II do art. 75 da Lei nº 6.815/1980, o paciente não pode ser
expulso do território nacional. Cita precedentes judiciais em abono a
essa tese e discorre a respeito do direito à convivência familiar e da tu-
tela dos interesses da criança e do adolescente. Pede, liminarmente, seja
determinada “a permanência do paciente em território nacional até o
julgamento final do presente writ” (fl. 15). No mérito, solicita “a extinção
do processo administrativo de expulsão e revogação do decreto expul-
sório, para determinar a permanência do paciente em território nacional
de forma definitiva” (fl. 16).
Prossigo para anotar que, por meio do despacho de fl. 74, deter-
minei a intimação da parte impetrante para que promovesse a correta
instrução do habeas corpus, juntando aos autos o inteiro teor do proce-
dimento administrativo de expulsão, sob pena de indeferimento do writ.
Atendendo a essa determinação, a impetrante fez juntar aos autos
a Petição nº 559.448/2017 (fls. 79/389).
Na sequência, deferi a liminar para determinar que a expulsão do
paciente não se concretizasse até o julgamento final deste habeas corpus
(decisão de fls. 396/400).
Foi então que a autoridade impetrada prestou informações
(fls. 406/560), sustentando, em síntese, que: (I) o procedimento admi-
nistrativo de expulsão não padece de irregularidade, pois “foi conferido
ao paciente o direito de ampla defesa, sendo que na época não alegou
nenhuma causa para inexpulsabilidade”; (II) “segundo a Lei nº 6.815,
art. 75, § 1º, ‘Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o re-
conhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar’”;
(III) “a intenção do legislador, com as excludentes de expulsão, é a da
proteção da família presente constituída, e não a de evitar a consumação
da retirada compulsória do país de estrangeiros que se casam ou têm
filhos numa daquelas ‘uniões de arranjo’ tão somente com o objetivo de
permanecer no Brasil”; (IV) “a impetrante também não comprova que o
paciente tem a guarda de seu filho, muito menos que o filho depende
afetiva e economicamente do paciente, na forma do art. 75, II, b, da Lei
nº 6.815/1980”; (V) o habeas corpus pressupõe prova pré-constituída,
inexistente na hipótese em exame; (VI) “expulsão é ato político, porque
a autoridade competente para decretá-la tem ampla liberdade para de-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 149
cidir sobre a conveniência e oportunidade de exercitar o poder que lhe
é conferido”.
A seu turno, a União interpôs agravo regimental contra a decisão
que deferiu o pedido de concessão de liminar, o qual se encontra pen-
dente de julgamento.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocura-
dor-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho, opinou “pelo
não conhecimento e improvimento do habeas corpus” (fls. 604/607).
É o relatório.

voto
O Senhor Ministro Sérgio Kukina (Relator): Inicialmente, convém
registrar que o ato apontado como coator (Portaria Ministerial nº 3.619,
de 17.11.2010 – fl. 374) foi editado sob a égide da Lei nº 6.815/1980 (Es-
tatuto do Estrangeiro), a qual veio de ser revogada pela Lei nº 13.445/2017
(Lei de Migração), cujo novo diploma entrou em vigor no semestre pas-
sado, mais precisamente em 24 de novembro de 2017.
Pois bem, no que importa especificamente ao equacionamen-
to jurídico do presente caso, vale destacar que a mencionada Lei
nº 6.815/1980 dispunha, no seu art. 75, que: (I) não se procederia à
expulsão se o estrangeiro tivesse filho brasileiro sob sua guarda e de-
pendência econômica (caput); e (II) o reconhecimento de filho brasileiro
posterior ao fato motivador da expulsão não impedia a medida de retira-
da compulsória (§ 1º).
Ocorre que, ainda na vigência do agora revogado Estatuto do Es-
trangeiro, era firme nesta Corte o entendimento segundo o qual não se
fazia possível a expulsão de estrangeiro que possuísse filho brasileiro,
quando evidenciada a dependência econômica ou afetiva, sendo irrele-
vante que o nascimento de filhos tivesse ocorrido em momento posterior
à data da prática do crime ou do ato expulsório. Confiram-se, a propósi-
to, as seguintes ementas:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – HABeAS CORPUS – EXPUL-
SÃO DE ESTRANGEIRO DO TERRITÓRIO NACIONAL – CONDENA-
ÇÕES CRIMINAIS – FILHA NASCIDA NO BRASIL APÓS A CONDENA-
150 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

ÇÃO PENAL E A EXPEDIÇÃO DO ATO EXPULSÓRIO – ART. 75 DA


LEI Nº 6.815/1990 – CONVIVÊNCIA SÓCIO-AFETIVA E DEPENDÊNCIA
ECONÔMICA DEMONSTRADAS – OCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DE EX-
CLUSÃO DE EXPULSABILIDADE – ART. 75, II, DA LEI Nº 6.815/1980
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a interpre-
tação do art. 75, inciso II, da Lei nº 6.815/1980, para manter no país o es-
trangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente
à condenação penal e ao decreto expulsório, no afã de tutelar a família,
a criança e o adolescente.
2. [...]
3. [...]
4. As provas evidenciam estar o paciente abrigado pelas excludentes de
expulsabilidade, previstas no inciso II do art. 75 da Lei nº 6.815/1980, ra-
zão pela qual a ordem deve ser concedida. Precedentes: HC 157.829/SP,
Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., DJe 14.09.2010; e AgRg-HC
115603/DF, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJ de 18.09.2009.
5. Ordem concedida.
(HC 289.637/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., J. 11.06.2014,
DJe 20.06.2014)

HABeAS CORPUS – ADMINISTRATIVO – EXPULSÃO DE ESTRANGEI-


RO DO TERRITÓRIO NACIONAL – CONDENAÇÃO PELO CRIME DE
TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – FILHOS NASCI-
DOS NO BRASIL APÓS A CONDENAÇÃO PENAL E O ATO EXPULSÓ-
RIO – CONVIVÊNCIA SOCIOAFETIVA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS – OCORRÊNCIA DA HIPÓTESE
DE EXCLUSÃO – ART. 75, II, B, DA LEI Nº 6.815/1980 – PRECEDENTES
DO STJ (HC 182.834/DF, REL. MIN. CASTRO MEIRA, DJe 11.05.2011;
HC 166.496/DF, REL. MIN. HERMAN BENJAMIN, DJE 01.02.2011; HC
157.829/SP, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJE 14.09.2010; HC
157.829/SP, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJe 14.09.2010) – PA-
RECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM – ORDEM CONCEDI-
DA, TODAVIA, PARA REVOGAR A PORTARIA MINISTERIAL DE EXPUL-
SÃO Nº 1.030/2003 (PUBLICADA NO DJ DE 09.07.2003) – AGRAVO
REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA O DEFERIMENTO DA LIMINAR
JULGADO PREJUDICADO
1. Em situações como a que se apresenta nos presentes autos, a jurispru-
dência do STJ firmou entendimento no sentido da impossibilidade de ex-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 151
pulsão de estrangeiro que possua filho brasileiro, desde que evidenciada
a dependência econômica ou afetiva. Verifica-se a juntada aos autos de
certidão de nascimento de dois filhos, comprovando que o ora paciente
é genitor dos menores em questão. Além disso, consta dos autos docu-
mentos que demonstram a existência de efetiva dependência econômica
dos menores em relação ao paciente.
2. Desimportante o fato de os nascimentos dos filhos ter ocorrido após a
condenação penal e o ato expulsório. Precedentes.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem concedida, nada obstante o parecer ministerial, com arrimo no
art. 75, II, b da Lei nº 6.815/1980, para revogar a Portaria Ministerial de
Expulsão nº 1.030/2003 (publicada no DJ de 09.07.2003).
Agravo regimental interposto contra o deferimento da liminar julgado
prejudicado.
(HC 212.454/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª S.,
J. 28.09.2011, DJe 26.10.2011)

Essa orientação jurisprudencial do STJ foi incorporada pela nova e


recente Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que, em seu art. 55, am-
pliou as chamadas hipóteses de inexpulsabilidade. Veja-se:
Art. 55. Não se procederá à expulsão quando:
I – a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira;
II – o expulsando:
a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econô-
mica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação
alguma, reconhecido judicial ou legalmente;
c) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo
desde então no País;
d) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais
de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão;

No caso concreto ora examinado, as provas pré-constituídas dão


conta de que, após condenação pelo delito de tráfico internacional de
entorpecentes e a instauração do procedimento administrativo de ex-
152 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

pulsão, o paciente I. C. S., natural da Guiné-Bissau, estabeleceu um re-


lacionamento com a brasileira C. T. dos S., com quem teve uma filha,
nascida em 18.06.2013, de nome K. T. de S. (certidão de nascimento,
devidamente autenticada, à fl. 26).
Ainda no que respeita ao conjunto probatório dos autos, merecem
destaque as fotografias de fls. 36 a 69, que bem atestam a convivência
entre o paciente e sua pequena filha, em diferentes fases da vida da
criança (desde o seu nascimento até período mais recente), corroboran-
do a afirmação de que a impúbere está sob dependência socioafetiva
de seu pai. Ademais, os comprovantes de depósitos em nome da mãe
da menor (fls. 27/35) certificam a participação do paciente no próprio
sustento da menor.
Nesse contexto, demonstrado se acha ambiente capaz de inibir
a expulsão do paciente, consubstanciado na circunstância de ser ele
o pai de pequenina filha brasileira que, comprovadamente, está sob
sua dependência socioafetiva e mesmo financeira (art. 55, II, a, da Lei
nº 13.445/2017).
Ademais disso, considero que, na espécie, a permanência do
paciente em território nacional é medida que prestigia o texto consti-
tucional de 1988, no passo em que confere absoluta prioridade no
atendimento dos interesses fundamentais da criança e do adolescente
(art. 227 da CF), dentre os quais se destaca o direito à “convivência
familiar”, tudo isso devidamente regulamentado no âmbito do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e, portanto, em confor-
midade com a universal doutrina da proteção integral da infância e da
juventude (art. 1º do ECA).
Ante o exposto, malgrado o contrário entendimento, em uníssono,
da autoridade coatora, da União e do Parquet federal, hei por bem em
conceder a reivindicada ordem de habeas corpus para revogar a Portaria
Ministerial nº 3.619, de 17.11.2010 (fl. 374), do Ministro de Estado da
Justiça, restando prejudicado o agravo interno de fls. 562/597, manejado
pela União contra a pretérita decisão deferitória da medida liminar.
É como voto.

ceRtidão de Julgamento
pRimeiRa seção
Número Registro: 2017/0262538-2
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 153
Processo Eletrônico HC 420.022/SP
Em Mesa Julgado: 20.06.2018
Relator: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina
Presidente da sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Sandra Verônica
Cureau
Secretária: Belª Carolina Véras

autuação
Impetrante: D. S.
Advogado: Danielle Sales – SP0354352
Impetrado: Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública
Paciente: I. C. S.
Interes.: União
Assunto: Direito Internacional – Estrangeiro – Admissão/entrada/perma-
nência/saída

ceRtidão
Certifico que a egrégia Primeira Seção, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, com a
consequente revogação da portaria de expulsão, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator.

A Sra. Min. Regina Helena Costa e os Srs. Ministros Gurgel de


Faria, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito
Gonçalves e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e, oca-
sionalmente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8336

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios


Poder Judiciário da União
Órgão: 4ª Turma Cível
Processo: Agravo de Instrumento nº 0713035‑24.2017.8.07.0000
Comarca de Goiânia
Agravante(s): H. B. dos S.
Agravado(s): E. F. dos S.
Relator: Desembargador Sérgio Rocha
Acórdão nº 1111876

ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO CIVIL – ACORDO – ALIMENTOS – CUMPRIMENTO
PARCIAL – PROSSEGUIMENTO EM RELAÇÃO AO DÉBITO REMANESCENTE – PRESTAÇÕES
PRETÉRITAS – INEXISTÊNCIA DE URGÊNCIA – RITO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
1. Se houve descumprimento apenas parcial do acordo firmado entre
as partes, a execução de alimentos deve ser retomada apenas quanto
ao débito remanescente.
2. A execução deve prosseguir pelo rito do cumprimento de sentença
e não pelo rito da prisão, uma vez inexistente o caráter de urgência
de que são revestidas as verbas alimentares, por se tratar de cobrança
de prestações alimentícias pretéritas.
3. Deu-se parcial provimento ao agravo.

acóRdão
Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 4ª Turma Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Sérgio Rocha
– Relator, James Eduardo Oliveira – 1º Vogal e Luís Gustavo B. de
Oliveira – 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
Fernando Habibe, em proferir a seguinte decisão: dar parcial provimento
ao recurso, unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taqui-
gráficas.
Brasília (DF), 25 de julho de 2018.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 155
Desembargador Sérgio Rocha
Relator

RelatóRio
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela exequente
contra a r. decisão que, em execução de alimentos pelo rito da prisão,
suspensa por acordo entre as partes, determinou que, em razão do seu
descumprimento, o feito fosse retomado pelo rito do cumprimento de
sentença, in verbis:
“[...] Considerando que para o cumprimento de obrigação de fazer é ne-
cessária a intimação pessoal da outra parte, sendo que no caso, não hou-
ve tal intimação, tampouco houve qualquer pedido do réu para intimar
a autora para cumprir a sua obrigação de fazer, entendo que a discussão
sobre quem descumpriu em primeiro lugar torna-se inócua, na medida
em que ambas as partes não promoveram os meios necessários para que
fosse dado início à fase de cumprimento de sentença homologatória de
acordo.
Portanto, indefiro o pedido de ‘explicações’ formulado pelo réu; indefiro
o pedido de cobrança de multa formulado pela autora. Expeça-se alvará
em nome da autora para que esta possa registrar o imóvel dado no acor-
do em seu nome, no cartório de registro de imóveis respectivo. [...]
Na forma do art. 513, § 2º, I, do NCPC, intime-se o executado para que,
no prazo de 15 (quinze) dias, pague o valor indicado no demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito, acrescido de custas, se houver.
Transcorrido o prazo previsto no art. 523 do NCPC, sem o pagamento
voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que, independen-
temente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos,
sua impugnação.
Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do art. 523, o débito será
acrescido de multa de dez por cento e de honorários de advogado de
10% (dez por cento). [...]”

RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO


A exequente/agravante, Helena Barbosa dos Santos, alega que:
1) trata-se de execução de alimentos firmados em separação judicial,
no valor mensal de R$ 9.000,00; 2) celebrou acordo com o executa-
156 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

do, que foi descumprido, ensejando a sua prisão; 3) novo acordo foi
firmado com o executado, em que este reconheceu uma dívida de
R$ 750.000,00, comprometendo-se a pagá-la mediante a entrega das
chaves de um imóvel avaliado em R$ 650.000,00, no prazo de 10 dias,
sob pena de multa de 30% e honorários de 20%, além de R$ 100.000,00
em dinheiro, em três parcelas; 3) descumprido o acordo pelo executado/
agravado, a execução de alimentos deveria ter sido retomada pelo rito
original da prisão, com a cobrança da multa e dos honorários pactuados,
e não pelo rito do cumprimento de sentença; 3) deve ser deferida ante-
cipação da tutela recursal, a fim de dar prosseguimento à execução de
alimentos pelo rito da prisão, nos termos do acordo celebrado.
Deferi o pedido de antecipação da tutela recursal (ID 2465969).
Contrarrazões (ID 2648382).

votos
O Senhor Desembargador Sérgio Rocha – Relator:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo
de instrumento interposto por Helena Barbosa dos Santos.
Com razão, em parte, a exequente/agravante.
Compulsando os autos, verifico que a entrega do imóvel no va-
lor de R$ 650.000,00 e o pagamento de R$ 100.000,00, constantes da
cláusula terceira do acordo de ID 2411096, referem-se à quitação dos
débitos existentes (R$ 473.000,00 – cláusula segunda, parágrafo primei-
ra – sic), com “moratória” de 24 meses quanto à pensão alimentícia, nos
termos da cláusula nona.
Tendo a agravante recebido o imóvel, conforme termo de ID
2411513 e, considerando que o bem está localizado em comarca diver-
sa (Vila Velha/ES), que ele estava disponível para a Canal Imóveis rea-
lizar a transferência em 17.07.2017, data acordada (ID 2411457, p. 3),
mesmo que ainda ocupado neste dia (17.07.2017 – ID 2411532, p. 3), e
que não há qualquer informação da exequente/agravante quanto à razão
de ela ter recebido o bem somente em 03.08.2017 (ID 2411463, p. 1),
reputo tempestivamente cumprido o acordo quanto à entrega do imóvel,
não devendo incidir qualquer penalidade quanto ao alegado atraso.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 157
Assim, a execução deve prosseguir apenas quanto à cláusula oita-
va do acordo de ID 2411096 (pagamento de R$ 100.000,00), em razão
da não comprovação de sua quitação pelo executado/agravado, com
incidência de juros, correção monetária, multa de 30% e honorários de
20% somente sobre este valor, estando quitados os débitos até agosto
de 2017, conforme cláusula décima primeira, parágrafo primeiro, do
acordo mencionado.
De outra parte, deve-se seguir o rito do cumprimento de sentença,
conforme decidido na r. decisão agravada, pois a verba remanescente
do acordo perdeu seu caráter urgente, por se tratar de prestações preté-
ritas, tendo natureza indenizatória.
Nesse sentido:
“[...] 1. A execução de dívida alimentar pelo rito da prisão exige a atua-
lidade da dívida, a urgência e a necessidade na percepção do valor pelo
credor e que o inadimplemento do devedor seja voluntário e inescusável.
2. Na hipótese, a alimentanda, ex-cônjuge do paciente, é maior e eco-
nomicamente independente, inexistindo situação emergencial a justificar
a medida extrema da restrição da liberdade sob o regime fechado de
prisão.
3. A obrigação, porquanto pretérita, poderá ser cobrada pelo rito me-
nos gravoso da expropriação. [...].” (RHC 95.204/MS, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 24.04.2018, DJe 30.04.2018) – Grifei.
“1. A jurisprudência entende ser possível o pagamento de verbas alimen-
tícias em atraso, excluído, apenas, o caráter de urgência de que se reves-
tem em situação de normalidade, haja vista que passam a ter cunho in-
denizatório. [...].” (Acórdão nº 347302, 20080020117287AGI, Rel. João
Mariosi, Rel. Desig. Mario-Zam Belmiro, 3ª T.Cív., Data de Julgamento:
10.12.2008, Publicado no DJe 30.03.2009, p. 81) – Grifei.

DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento
interposto por H. B. dos S., para, revogando a antecipação de tutela re-
cursal inicialmente concedida, determinar o prosseguimento da execu-
ção de alimentos apenas quanto ao débito remanescente do acordo, de
R$ 100.000,00 (cem mil reais), mais multa de 30% e honorários advoca-
158 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

tícios de 20% sobre o referido valor de R$ 100.000,00, mais acréscimos


legais, mantendo o rito do cumprimento de sentença.
É como voto.
O Senhor Desembargador James Eduardo Oliveira – 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador Luís Gustavo B. de Oliveira – 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO
Dar parcial provimento ao recurso, unânime.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8337

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás


Agravo de Instrumento nº 5408691.31.2017.8.09.0000
Comarca de Goiânia
Agravante: J. L. F. N.
Agravado: S. F. N. de P.
Relator: Desembargador Jeová Sardinha de Moraes

ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO C/C GUARDA, ALIMENTOS
E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – ALIMENTOS PROVISÓRIOS DEVIDOS AO FILHO
MENOR – 30% (TRINTA POR CENTO) DO SALÁRIO-MÍNIMO – PEDIDO DE ACRÉSCIMO –
OBSERVÂNCIA DO TRINÔMIO NECESSIDADE – POSSIBILIDADE – PROPORCIONALIDADE
1. Para a fixação dos alimentos provisórios, mister considerar a ne-
cessidade da pessoa alimentanda e a possibilidade econômica do
alimentante, à luz do princípio da proporcionalidade (art. 1.694,
§ 1º, do Código Civil). 2. Na espécie, não evidenciada a incapacida-
de do agravado em arcar com os alimentos provisórios em valores
mais expressivos ao filho menor em idade escolar, mister a majoração
do quantum fixado, para acrescentar-lhe o importe correspondente a
50% (cinquenta por cento) das despesas com saúde, medicamentos,
materiais escolares e uniforme do filho do casal. Agravo de instru-
mento conhecido e provido. Decisão reformada.

acóRdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
nº 5408691.31.2017.8.09.0000, acordam os componentes da Primeira
Turma Julgadora da Sexta Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de Goiás, à unanimidade dos votos, em conhecer do agravo
de instrumento e dar-lhe provimento nos termos do voto do relator.
Votaram com o relator o Desembargador Fausto Moreira Diniz e o
Desembargador Norival Santomé.
Presidiu a sessão a Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis.
160 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Fez-se presente como representante da Procuradoria Geral de Jus-


tiça, a Dra. Eliete Sousa Fonseca Suavinha.
Goiânia, 17 de abril de 2018.

Desembargador Jeová Sardinha de Moraes


Relator

voto
Presentes os pressupostos de admissibilidade da insurgência em
apreço, dela conheço.
Conforme relatado, cuida-se de Agravo de Instrumento, com pedi-
do de antecipação dos efeitos da tutela recursal, interposto por J. L. F. N.
contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara de Família
e Sucessões da Comarca de Goiânia/GO, Dr. Mábio Antônio Macedo,
nos autos da ação de divórcio litigioso c/c guarda, alimentos e regula-
mentação de visitas ajuizada em desfavor de S. F. N. de P.
Na espécie, o magistrado a quo indeferiu o pedido de fixação,
no âmbito dos alimentos provisórios, do pagamento de 50% (cinquenta
por cento) das despesas com saúde, medicamentos, materiais escolares
e uniformes, consoante reclamado na exordial, ante a ausência de de-
monstração, de plano, do binômio necessidade/possibilidade – evento
19.
Sabe-se que, com relação aos filhos, compete aos pais o dever
de criá-los e educá-los, dando-lhes uma formação moral e intelectual
digna, adequada à realidade familiar, sendo certo que o dever alimentar
deriva dessas obrigações, porquanto a criação e educação dos filhos
implicam em gastos necessários à sua subsistência, como alimentação,
vestuário, saúde, lazer, educação, dentre outros.
Segundo a lição doutrinária de Rolf Madaleno é “ilimitado o dever
dos pais de prestarem alimentos ou sustentarem os filhos, assim como
seriam infindos e imensuráveis os esforços e sacrifícios dos pais em favor
da prole, [...] sobrepondo-se aos interesses pessoais, quando em con-
fronto com as necessidades de seus descendentes menores, ou incapa-
zes de por si buscarem o seu efetivo sustento” (in Curso de Direito de
Família. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 907).
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 161
A verba alimentar, ainda que provisória, resulta de cognição su-
mária no que diz respeito à possibilidade do alimentante e à necessidade
do alimentando, assegurando-se a fixação de importe adequado às par-
tes, conforme preceituam os arts. 1.694, § 1º, e 1.695, do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns
aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compa-
tível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades
de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do
reclamante e dos recursos da pessoa obrigada?.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem
bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria manten-
ça, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do
necessário ao seu sustento.

Para a fixação dos alimentos, portanto, é necessária a conjugação


dos pressupostos inerentes à obrigação: necessidade do alimentando e
possibilidade do alimentante, de acordo com sua proporcionalidade, a
fim de permitir o necessário equilíbrio entre o valor pleiteado e o patri-
mônio disponível da pessoa obrigada.
Sobre o tema, eis o entendimento jurisprudencial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS – FIXAÇÃO DE
ALIMENTOS PROVISÓRIOS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU – PE-
DIDO DE MAJORAÇÃO ACOLHIDO, EM PARTE – 1. A fixação dos
alimentos provisórios deverá levar em consideração a necessidade do
alimentando e a possibilidade econômica do alimentante, sempre à luz
do princípio da proporcionalidade (art. 1.694, § 1º, CC). 2. Apontando as
provas coligidas aos autos no sentido de que o agravado pode contribuir
com um maior valor para o sustento do agravante, seu filho, a majoração
dos alimentos provisórios fixados pelo juízo de 1ª instância se impõe,
mas em patamar inferior àquele postulado neste recurso. Agravo parcial-
mente provido. (TJGO, 2ª C.Cív., AI 5279991-37.2017.8.09.0000, Rel.
Dr. Maurício Porfírio Rosa, DJe de 23.11.2017)

No caso em estudo, diante dos argumentos das partes e da docu-


mentação acostada aos autos, verificada a necessidade (presumida) do
filho menor em receber a verba alimentícia – conta com 05 (cinco) anos
de idade –, e a capacidade contributiva do alimentante, vê-se que o
162 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

valor dos alimentos provisórios fixados pelo juiz de 1º grau (30% do sa-
lário-mínimo) mostra-se ínfimo, irrisório, não sendo suficiente nem para
a metade das despesas mensais do infante, muito menos para cobrir as
extraordinárias (saúde, medicamentos, materiais escolares e uniforme).
Importante ressaltar, por oportuno, que embora devidamente in-
timado a apresentar contrarrazões – evento 11, o recorrido quedou-se
inerte, ou seja, sequer refutou o pedido da agravante ou demonstrou
impossibilidade financeira de arcar com o pagamento pleiteado.
Com efeito, não há dúvidas de que o menor exige dispêndios fi-
nanceiros indispensáveis à sua educação e alimentação, além de outras
atenções que os pais devem dedicar aos filhos, sendo certo que os ali-
mentos provisórios devem compreender tudo o que for indispensável à
garantia de sua sobrevivência.
Sobre o assunto, veja-se a orientação jurisprudencial do Superior
Tribunal de Justiça:
“[...]. Os alimentos decorrem da solidariedade que deve haver entre os
membros da família ou parentes, visando garantir a subsistência do ali-
mentando, observadas sua necessidade e a possibilidade do alimentante.
Com efeito, durante a menoridade, quando os filhos estão sujeitos ao
poder familiar – na verdade, conjunto de deveres dos pais, inclusive o de
sustento – há presunção de dependência dos filhos, que subsiste caso o
alimentando, por ocasião da extinção do poder familiar, esteja frequen-
tando regularmente curso superior ou técnico, todavia passa a ter funda-
mento na relação de parentesco, nos moldes do art. 1.694 e seguintes do
Código Civil. Precedentes do STJ (STJ, 4ª T., REsp 1312706/AL, Rel. Min.
Luís Felipe Salomão, DJe 12.04.2013).

Disso não destoa o posicionamento desta Corte Estadual de Justi-


ça, senão vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE ALIMENTOS – DECISÃO
LIMINAR QUE FIXOU ALIMENTOS PROVISÓRIOS – BINÔMIO NECES-
SIDADE-POSSIBILIDADE – NÃO OBSERVADO – MAJORAÇÃO CON-
CEDIDA – 1. O arbitramento do valor da pensão alimentícia é aferido
pelo binômio necessidade possibilidade, através do qual se constatam
as reais necessidades do alimentando e a disponibilidade do alimentan-
te, isto feito à luz do caso concreto e sob parâmetros de razoabilidade.
Inteligência do § 1º do art. 1.694 do Código Civil. 2. Em observância ao
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 163
art. 229 da Constituição Federal, que dispõe ser mútua, isto é, tanto do
pai quanto da mãe, a obrigação de sustento, assistência e criação dos
filhos, infere-se, em um juízo de cognição sumária, próprio dos alimen-
tos provisórios, que tanto o valor fixado na origem a título de alimen-
tos, quanto aquele pleiteado no presente recurso, são desproporcionais
e não atendem ao binômio necessidade-possibilidade. 3. Compulsando
os documentos até então colacionados, levando-se em conta, ainda, a
capacidade financeira do autor/agravado e a necessidade de seus seis
filhos menores, e em atenção ao art. 229 da Constituição Federal, é ra-
zoável a majoração dos alimentos fixados no decreto judicial objurga-
do para o montante de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), sendo
R$ 600,00 (seiscentos reais) para cada um de seus 6 (seis) filhos, bem
como o dever de arcar com 50% (cinquenta por cento) do valor dos
medicamentos e despesas médicas adicionais, discriminadas pelo plano
de saúde. 4. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido”
(TJGO, 4ª C.Cív., AI 5190121-78.2017.8.09.0000, Relª Desª Elizabeth
Maria da Silva, DJ de 14.12.2017).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO C/C


PEDIDO LIMINAR DE AFASTAMENTO DE CÔNJUGE DO LAR – ALI-
MENTOS PROVISÓRIOS A EX-CÔNJUGE – NECESSIDADE NÃO COM-
PROVADA – ALIMENTOS AOS FILHOS MENORES – MAJORAÇÃO
– GUARDA COMPARTILHADA – ADEQUAÇÃO – 1. Comprovada, a
princípio, a possibilidade da ex-esposa de manter o próprio sustento,
não há como imputar ao ex-cônjuge a obrigação de arcar com alimentos
provisórios. 2. Não evidenciada a incapacidade do Agravado em arcar
com os alimentos provisórios, em valores mais expressivos, aos filhos
(crianças), em idade escolar, mister a majoração do quantum fixado,
sopesando-se o binômio necessidade/possibilidade, conf. intelecção do
art. 1.694, § 1º, do CC. 3. Mantém-se a guarda compartilhada, no entan-
to, adequando-se as visitas, conf. medida protetiva concedida à ex-expo-
sa. Agravo de Instrumento Conhecido e, parcialmente, provido. Decisão
reformada” (TJGO, 5ª C.Cív., AI 5062544-20.2017.8.09.0000, Rel. Des.
Olavo Junqueira de Andrade, DJ de 20.10.2017).

Nesse diapasão, numa cognição sumária e incompleta, pautada


pelo trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade, verifica-se
prudente incluir nos alimentos provisórios devidos pelo agravado ao fi-
lho 50% (cinquenta por cento) das despesas com saúde, medicamen-
tos, materiais escolares e uniforme, além dos 30% (trinta por cento) do
164 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

salário-mínimo já fixados, que melhor se amolda à realidade vivenciada


nos autos, atendendo, prima facie, as necessidades do menor sem sobre-
carregar em demasia ou causar privações ao alimentante.
Noutro vértice, mister destacar que, à vista de novos elementos, o
juízo de primeiro grau poderá proceder à reavaliação do decisum, para
estabelecer um justo equilíbrio da pensão alimentícia. Somente após a
instrução do processo originário é que restarão comprovadas a real ne-
cessidade alimentar da criança e a possibilidade do genitor na prestação
do encargo, de modo a assegurar a necessária proporcionalidade.
Isso porque o caráter rebus sic stantibus das decisões proferidas
em ações que envolvem alimentos autoriza a revisão do seu conteúdo,
quando ocorre alteração das circunstâncias fáticas regularmente com-
provadas, com vistas à manutenção do equilíbrio entre a necessidade de
quem os recebe e a possibilidade de quem os presta (arts. 1.694, § 1º e
1.699, ambos do Código Civil).
Na confluência do exposto, conheço do presente recurso e dou-lhe
provimento para, reformando a decisão objurgada, acrescer à obrigação
do pagamento dos alimentos provisórios já fixados, correspondentes a
30% (trinta por cento) do salário-mínimo, a obrigação do pagamento
de 50% (cinquenta por cento) das despesas com saúde, medicamentos,
materiais escolares e uniforme do filho do casal.
É como voto.
Goiânia, 17 de abril de 2018.

Desembargador Jeová Sardinha de Moraes


Relator
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8338

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais


Conflito de Competência nº 1.0000.18.058563‑0/000
Comarca de Contagem
Suscitante: Juiz de Direito da 2ª Vara Fazenda Pública, Falências/Concordatas, Reg. Público de Contagem
Suscitado(a): Juiz de Direito da 2ª Vara de Família e Sucessões de Contagem
Interessado: J. S. C., M. G. F. S.
Numeração 0585630‑
Relator: Des.(a) Belizário de Lacerda
Data do Julgamento: 24.07.2018
Data da Publicação: 25.07.2018

ementa
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – VARA DE REGISTROS E VARA DE FAMÍLIA –
AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DE CASAMENTO – COMPETÊNCIA DA VARA DE
FAMÍLIA
A competência é o critério para distribuição entre os órgãos judiciá-
rios das atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.
A competência para processar a ação de modificação do regime de
bens do casamento, prevista no Código Civil, art. 1.639, § 2º, é da
vara de família e, na sua ausência, será competente a vara cível.
O pedido de alteração do regime de casamento não está afeto à vara
especializada em registros públicos, uma vez que a procedência da
pretensão irá gerar, apenas como consequência, a averbação do re-
gime na certidão de casamento, mas não a retificação do registro pú-
blico.

acóRdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julga-
mentos, em acolher o conflito e dar pela competência do juízo suscitado.

Belo Horizonte, 24 de Julho de 2018.

Des. Belizário de Lacerda


Relator
166 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto
Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juiz
de Direito da 2ª Vara Fazenda Pública, Falências/Concordatas, Reg. Pú-
blico de Contagem em razão da decisão prolatada pelo Juiz de Direito
da 2ª Vara de Família e Sucessões de Contagem, o qual alegou que em
razão da ação versar apenas sobre mudança do registro de casamento
declinou da competência para o julgamento da ação de retificação de
registro com alteração de regime de bens.
Aduz o Suscitante, em síntese, que a pretensão deduzida pelos
requerentes não se trata apenas da retificação do registro, mas sim a alte-
ração do regime de casamento constante na certidão de Id 3538608 qual
seja, separação de bens, conforme art. 1.641, I, do CC/2002, de forma
que a competência é do Juízo Suscitado.

voto
Entendo que a competência para julgar a presente ação ordinária é
de ser atribuída ao digno Juízo suscitado, qual seja, a 2ª Vara de Família
e Sucessões da Comarca de Contagem.
O pedido dos interessados encontra respaldo legal no ordenamen-
to material civil.
Vejamos o dispositivo:
“Art. 1.639 [...] § 2º – É admissível alteração do regime de bens entre os
cônjuges, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos
os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados
os direitos de terceiros.”

Verifica-se do teor da norma que, para alterar o regime de bens


adotado quando da celebração do casamento, os cônjuges necessitam
de autorização judicial, a qual, por sua natureza, será prestada por meio
de jurisdição voluntária, pois inexiste lide a ser dirimida. Os interessados
vão a juízo pleitear, em conjunto, um direito material que só pode ser
concedido pelo Poder Judiciário.
Assim, o cerne da questão está em averiguar se a competência
para conceder esta autorização judicial é do juízo da vara especializada
em registros públicos ou, da vara de família na comarca de Contagem.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 167
Nesse contexto, a competência a ser dirimida neste conflito é a do
critério objetivo, qual seja, em razão da matéria, sendo que sua inobser-
vância gera a incompetência absoluta.
Ocorre que, conforme ficou delimitado na petição inicial, o pedi-
do, ou seja, o direito material pleiteado pelos interessados é a alteração
do regime de bens do casamento. Logo, a competência em razão da
matéria, está afeta diretamente àquilo que se pleiteia, e não às conse-
quências que a decisão pode gerar no mundo jurídico.
Assento, como exemplo, que a procedência de uma ação de in-
vestigação de paternidade também gera a modificação em um registro
público, certidão de nascimento, nem por isto, deve ser decidida pela
Vara Especializada em Registros Públicos, mas, sim, por uma Vara de
Família ou, se essa não existir, por uma Vara Genérica.
Resta claro, pois, que a competência para julgar a ação de retifi-
cação de registro de casamento é da 2ª Vara de Família e Sucessões da
Comarca de Contagem.
Pelo exposto, dou pela competência do juízo suscitado.
Des. Oliveira Firmo – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Wilson Benevides – De acordo com o(a) Relator(a).
Súmula: “Acolheram o conflito e deram pela competência do juí-
zo suscitado”.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8339

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


26ª Câmara Cível
Processo: 0043147‑12.2016.8.19.0002
Apelante: M. A. da C.
Apelado: Ministério Público
Juízo de Origem: Niterói Vara Inf. Juv. Ido.
Jds. Des. Relator: Ricardo Alberto Pereira

APELAÇÃO CÍVEL – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – AÇÃO DE DESTITUIÇÃO


DO PODER FAMILIAR – SENTENÇA PROFERIDA SOB A ÉGIDE DO CPC/2015
Suspendido liminarmente o exercício do poder familiar em desfavor
da genitora, que é adicta de drogas e álcool.
Meninas acolhidas em instituição assistencial, desde 02.10.2015, a
requerimento da própria genitora, e desde então lá permanecem, não
tendo sido visitadas nem pela mãe nem por familiares.
A sentença, fundamentada na revelia da Requerida, julgou proceden-
te o pedido. Apelo da Requerida.
Juízo de primeira instância exerceu o juízo de admissibilidade do re-
curso, declarando-o intempestivo e, em juízo de retratação, manteve
a sentença combatida.
A sentença foi proferida sob a égide do CPC/2015, e não tendo o Esta-
tuto da Criança e da Adolescente norma específica a respeito do juízo
de admissibilidade de recurso, adota-se a determinação contida no
CPC/2015 de remessa dos autos à segunda instância para que, então,
seja esse exercido pelo Relator (art. 1.010, § 3º do CPC).
Apelo tempestivo. As Leis nºs 12.594/2012 e 13.509/2017, que al-
teraram o Estatuto da Criança e do Adolescente, não têm o condão
de mitigar o prazo em dobro conferido à Defensoria Pública pela Lei
Complementar nº 80/1994. Somente é vedado o cômputo do prazo
em dobro para o Ministério Público e à Fazenda Pública, a teor do
inciso II do art. 198 e do § 2º do art. 152, ambos da Lei nº 8.069/1990.
Entendimento esposado pelo STJ.
Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença. Efeitos da revelia. Re-
querida, apesar de revel, não sofre os efeitos da revelia, seja porque se
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 169
trata de ação na qual se discutem direitos indisponível, seja porque a
contestação por negativa geral pressupõe uma impugnação genérica
de todos os fatos narrados pelo autor, que impede que o juiz presuma
verdadeiros os fatos por ele alegados.
Manutenção da ordem de destituição do poder familiar, em atendi-
mento ao princípio do melhor interesse do menor, já que não com-
provada a efetiva mudança na conduta da mãe das meninas a justifi-
car a sua restituição à genitora.
Recurso conhecido e parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível


nº 0043147-12.2016.8.19.0002, em que é Apelante M. A. da C. e Ape-
lado Ministério Público.
Acordam, por unanimidade de votos, os Desembargadores que
compõem a Vigésima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Esta-
do do Rio de Janeiro, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso.

RelatóRio
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro propôs ação em
face de M. A. da C., objetivando a destituição da Requerida do poder
familiar em relação às crianças F. da C., nascida em 25.10.1999, R. da
C., nascida em 08.05.2011 e F. da C., nascida em 28.02.2007.
Ocorre que, após um incêndio na residência familiar, a Requerida
solicitou o abrigamento de suas três filhas em instituição de assistência e
as crianças lá permanecem, desde 02.10.2015, sem serem visitadas pela
mãe e sem qualquer outra assistência familiar, em estado de abandono,
conforme relatado pela equipe técnica da instituição de acolhimento.
Aduziu que a Requerida, segundo relatos de familiares, é usuária
de entorpecentes e álcool e, apesar de lhe ter sido oferecido auxílio para
reorganizar a sua vida, não houve alteração na situação de vulnerabili-
dade vivenciada pela família.
Acrescentou o Ministério Público que o grupo de trabalho de as-
sistência social e psicologia do juízo concluiu pela impossibilidade de
reintegração familiar das crianças, seja porque sua mãe, a ora Requeri-
da, não atendeu às convocações da equipe técnica do juízo e não visitou
170 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

as meninas com frequência, seja porque os membros da família extensa


das crianças não se mostraram disponíveis a assumir os cuidados das
meninas.
Pleiteou seja a Requerida destituída do poder familiar em relação
às filhas F. da C., R. da C. e F. da C. Requereu a concessão de liminar
(fls. 02/07 dos autos originários em índex 02).
Decisão suspendeu, liminarmente, o poder familiar da Requerida
em relação às filhas (fls. 49/50 dos autos originários em índex 49).
Relatório informativo da equipe técnica acerca da impossibilidade
da realização do estudo social determinado pelo juízo porque não loca-
lizada a Requerida tampouco foi por ela atendida a convocação feita por
aquele setor (fls. 56/58 dos autos originários em índex 60).
Diante do não aperfeiçoamento da citação da Ré (fl. 80 dos autos
originários em índex 84), requereu o Ministério Público a citação da De-
mandada por edital (fl. 82 dos autos originários em índex 89).
Localizados novos endereços em nome da Requerida, foi renova-
da a diligência de citação, contudo, sem sucesso, conforme fls. 99, 101
e 103 dos autos originários em índex 106.
A Requerida, citada por edital (fl. 105 dos autos originários em
índex 118), não se manifestou nos autos (fl. 107 dos autos originários
em índex 120), tendo lhe sido nomeado Curador Especial para defesa de
seus interesses (fl. 121 dos autos originários em índex 139).
Contestação do Curador Especial por negativa geral (fl. 125 dos
autos originários em índex 145).
Alegações finais do Ministério Público às fls. 127/130 dos autos
originários em índex 149 e da Curadoria Especial à fl. 130 vº dos autos
originários em índex 153.
A Requerida compareceu à Defensoria Pública e veio a se manifes-
tar no feito, consoante fls. 131/133 dos autos originários em índex 154,
sustentando que atualmente constituiu nova família, com novo compa-
nheiro e filho, e que objetiva o restabelecimento do vínculo familiar com
as filhas. Postulou seja julgado improcedente o pedido.
Audiência concentrada, conforme fls. 140/141 dos autos originá-
rios em índex 166, na qual foi determinada: (1) a manutenção das meno-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 171
res em regime de acolhimento; (2) a disponibilização de vagas em escola
próxima ao abrigo onde estão acolhidas; (3) a realização de visita ao
domicílio da genitora das meninas tanto por Conselheiro Tutelar quanto
pela equipe técnica do juízo para apuração da situação do irmão mais
novo das mesmas, bem como se houve algum investimento no fortaleci-
mento da figura materna, com propostas de emprego e se houve adesão
ao tratamento antidrogas,
Estudo social no qual é questionado o comportamento da Reque-
rida na demora da retomada de contato com as crianças e indagada a
ausência de contato com sua quarta filha, N., oriunda de outro relacio-
namento, a qual se encontra abrigada em outra instituição (fls. 146/148
dos autos originários em índex 177).
Laudo psicológico, em fls. 149/157 dos autos originários em índex
180, o qual opinou pela manutenção das três menores sob abrigamen-
to. O estudo foi instruído com relatórios de acompanhamento social e
psicológico em fls. 158/163 dos autos originários em índex 189 e em
fls.164/167 dos autos originários em índex 195.
Manifestação do Ministério Público à fl. 169 dos autos originários
em índex 202, no qual alegou estar ciente acerca dos laudos apresenta-
dos, e reiterou o teor de seu parecer às fls. 127/130 dos autos originários
em índex 149.
A Requerida, a fl. 169 vº dos autos originários em índex 203, ale-
gou estar ciente dos laudos apresentados e informou estar no aguardo da
realização das audiências concentradas.
Sobreveio a sentença, proferida em 12 de março de 2018, que
julgou procedente o pedido e determinou a destituição do pátrio poder
da Requerida em relação a suas três filhas, F., R. e F., com fulcro no
art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c art. 1638, incisos II
e III do Código Civil e arts. 155 e ss. c/c 169 do ECA (fls. 170/174 dos
autos originários em índex 204).
Inconformada, a Requerida apelou argumentando error in
procedendo, uma vez que em se tratando de direito indisponível não
pode ser decretada a revelia da Ré tampouco ser julgada antecipada-
mente a causa e, no mérito, pugnou pela improcedência do pedido já
que a Demandada é capaz de retomar a convivência com as filhas em
172 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

face da notória mudança em sua vida (fls. 180/185 dos autos originários
em índex 217).
Cópia da audiência de reavaliação da medida de acolhimen-
to às menores, realizada em 12.04.2018, nos autos dos Processos
nºs 0044537-51.2015.8.19.0002, 0047934-21.2015.8.19.0002 e
0047935-06.2015.8.19.0002 (fl. 186 dos autos originários em índex
224).
Certificada a intempestividade da apelação interposta pela Ré
(fl. 189 dos autos originários em índex 227).
Contrarrazões pugnando pelo não conhecimento do recurso, dada
a sua intempestividade e, no mérito, pugnou pela manutenção da sen-
tença proferida (fls. 192/205 dos autos originários em índex 231).
Decisão declarou a intempestividade do apelo e manteve a sen-
tença, em juízo de retratação (fls. 209/210 dos autos originários em ín-
dex 252).
Manifestação da Demandada, insurgindo-se contra a decretação
da intempestividade da apelação, já que a admissibilidade recursal é rea-
lizada pela segunda instância, a partir do advento da Lei nº 13.105/2015
(fls. 212/219 dos autos originários em índex 255).
É o relatório.

voto

1 DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Entendeu a ilustre magistrada prolatora da sentença ser intempes-
tiva a apelação, exercendo o juízo de admissibilidade do recurso conco-
mitantemente com o juízo de retratação do julgado, consoante previsão
do inciso VII do art. 198 da Lei nº 8.069/1990, que preconiza: “VII – an-
tes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de
apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária
proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão,
no prazo de cinco dias”.
Considerando-se que a sentença foi proferida já sob a égide do
CPC/2015, e que o Estatuto da Criança e do Adolescente não tem norma
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 173
específica a respeito do juízo de admissibilidade de recurso, adota-se
a determinação contida no CPC/2015 de remessa dos autos à segunda
instância para que, então, seja esse exercido pelo Relator (art. 1.010, § 3º
do CPC). Tal dispositivo afirma que não é mais responsabilidade do Juiz
de 1º grau analisar os requisitos de admissibilidade do recurso.
Assim, deveria ter a ilustre magistrada se resignado e não te ser
manifestado acerca da intempestividade do recurso, haja vista ser in-
compatível a declaração de intempestividade com o juízo de retratação,
segundo lição de Fredie Didier: “Diante de apelação intempestiva, o
juiz deve limitar-se a não retratar-se (a intempestividade da apelação
pode ser o único fundamento da decisão de não retratação) e remeter a
apelação ao tribunal, a quem compete decidir pelo não conhecimento
do recurso, se for o caso. O juiz não tem competência para inadmitir
a apelação, frise-se” (in Curso de Direito Processual Civil. Introdução
ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento.
17. ed. Bahia: JusPodivm. 2015, p. 709) (g.n.)
Passo então à análise do juízo de admissibilidade recursal.
O juízo de admissibilidade exige o preenchimento dos requisi-
tos intrínsecos (cabimento, interesse processual, legitimidade recursal e
inexistência de fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito de
recorrer) e dos requisitos extrínsecos (tempestividade, preparo e regula-
ridade formal).
Há controvérsia nos autos acerca da eventual intempestividade do
apelo e a esse respeito passo a discorrer.
A Defensoria Pública recebeu o processo, em remessa no dia
02.04.2018, e interpôs a apelação em 18.04.2018. Por sua vez, o car-
tório da serventia de primeira instância certificou a intempestividade do
recurso.
O presente apelo refere-se à ação de destituição de poder fami-
liar, procedimento afeto à Justiça da Infância e Juventude, na forma dos
arts. 155 a 163, de natureza especial, imediatamente anterior à regra do
prazo decenal susomencionada, estando consolidada a orientação do
E. Superior Tribunal de Justiça de que: “[...] Os procedimentos especiais
expressamente enumerados pelo eCA submetem-se ao prazo recursal
decenal do art. 198 daquele diploma. Por outro lado, os reclamos inter-
174 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

postos nos âmbitos de outras ações deverão observar as normas gerais


do CPC de 2015, aplicando-se-lhes, portanto, o prazo quinzenal do § 5º
do art. 1.003” (REsp 1697508/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T.,
J. 10.04.2018, DJe 04.06.2018) (g.n.).
Portanto, não há dúvidas de que o prazo recursal aplicado à ape-
lação contra sentença proferida em ação de destituição de poder familiar
é decenal.
Questiona-se, agora, se o cômputo do prazo deveria ou não ser
efetuado em duplicidade em relação à Defensoria Pública.
Observo que o art. 198, II da Lei nº 8.069/1990 foi alterado através
da Lei nº 12.594/2012, lei de natureza ordinária:
Redação originária:
Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude
fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado
pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores,
com as seguintes adaptações: ();
II – em todos os recursos, salvo o de agravo de instrumento e de embar-
gos de declaração, o prazo para interpor e para responder será sempre
de dez dias;
[...].
Redação dada pela Lei nº 12.594/2012:
Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude,
inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-
-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Códi-
go de Processo Civil), com as seguintes adaptações: pela Lei nº 12.594,
de 2012)
[...]
II – em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração, o prazo
para o Ministério Público e para a defesa será sempre de 10 (dez) dias;
(Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012)
[...].

A despeito disso, mister se faz ressaltar que foi editada a Lei


nº 13.509/2017 que promoveu alteração no Estatuto da Criança e do
Adolescente e a ele acrescentou o § 2º ao art. 152, prevendo expressa-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 175
mente que os prazos são contados em dias corridos e que não há prazo
em dobro para a Fazenda Pública e o Ministério Público, o qual ora
transcrevo:
Art. 152. [...]
§ 2º Os prazos estabelecidos nesta Lei e aplicáveis aos seus procedimen-
tos são contados em dias corridos, excluído o dia do começo e incluído
o dia do vencimento, vedado o prazo em dobro para a Fazenda Pública
e o Ministério Público.

Infere-se da leitura da redação originária do art. 198, II do ECA e


da que foi posteriormente modificada, bem como da leitura do art. 152
§ 2º do mesmo diploma legal, que não há qualquer menção específica
excepcionando a prerrogativa funcional do Defensor Público inserta na
lei orgânica de abrangência nacional, a Lei Complementar nº 80/1994,
nos arts. 44, inciso I, 89, inciso I e 128, inciso I, que ora transcrevo:
Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:
I – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição,
contando-se-lhe em dobro todos os prazos;
[...]
Art. 89. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Distrito
Federal dos Territórios:
I – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição,
contando-se-lhe em dobro todos os prazos;
[...]
Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Esta-
do, dentre outras que a lei local estabelecer:
I – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição,
contando-se-lhe em dobro todos os prazos;

Desse modo, conclui-se que a Defensoria Pública possui pra-


zo em duplicidade, já que as Leis Ordinárias, em nenhum momento,
excepcionaram a Lei Complementar que rege esse órgão, já que “[...]
2. A alteração inserida pela Lei nº 12.594/2012 no art. 198, inciso II, do
estatuto da Criança e do Adolescente, não tem o condão de mitigar o
prazo em dobro conferido à Defensoria Pública pela Lei Complemen-
176 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

tar nº 80/1994 e pela Lei nº 1.060/1950, pois não trata de matéria que
guarde relação temática com as prerrogativas trazidas nos mencionados
diplomas legais. 3. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a assistência jurídica integral
dos necessitados. Portanto, mostra-se patente que as prerrogativas que
lhe são asseguradas visam, precipuamente, concretizar o direito consti-
tucional de acesso à Justiça, principalmente em virtude da desigualdade
social do país e da deficiência estrutural das Defensorias Públicas...”
(HC 265.780/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., J. 14.05.2013,
DJe 21.05.2013) (g.n.).
Assim sendo, infere-se que a apelação é tempestiva, já que in-
terposta em 18.04.2018, considerando como termo de início do prazo
de 20 dias corridos para apelar a data de remessa ao Defensor Público
(02.04.2018), encerrando-se referido prazo no primeiro dia útil seguinte
à data de 21.04.2018, dia de feriado nacional de Tiradentes, uma vez
que os autos do processo em questão eram processos físicos até a data
em que foram remetidos a esse instância recursal.
Logo, estando presentes os requisitos extrínsecos e intrínsecos do
recurso de apelação, deve ser ele analisado à luz do Estatuto da Criança
e Adolescente, lei de natureza extravagante em comparação ao Código
de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), aplicando- se esse diploma legal
de maneira supletiva, uma vez que a sentença foi proferida após a data
de sua vigência.

2 ALEGAÇÃO DE ERROR IN PROCEDENDO


Sustentou a Apelante a ocorrência de error in procedendo por en-
tender que ocorreu “grave violação ao contraditório e ampla defesa, vez
que inaplicável o art. 355, II, do CPC, porquanto não ocorre a hipótese
do art. 344, não sendo possível decretar a revelia da ré, por se tratar de
direito indisponível, conforme preconiza o art. 345, II, CPC, não poden-
do ser julgada a causa antecipadamente, tal como determinou o Juízo a
quo na sentença, em especial às fls. 172...” (fl. 182 dos autos originários
em índex 217).
Entendo que, ao contrário do que fora decidido pela magistrada
de primeira instância, não há que se falar em ocorrência de revelia. O
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 177
art. 344 do CPC/2015, prevê que a revelia decorre da ausência de con-
testação.
In casu, frustradas todas as tentativas de localização da Ré por ofi-
cial de justiça, foi esta citada por edital e nomeado para defesa de seus
interesses um Curador Especial, que ofereceu contestação por negativa
geral, na data de 29.07.2017.
A contestação, por negativa geral, parte da premissa de que a au-
sência de contato com o Réu impede que o Curador Especial possa im-
pugnar os pontos da petição inicial, e está prevista no art. 341, parágrafo
único do CPC/2015, que ora transcrevo:
Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as
alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadei-
ras as não impugnadas, salvo se:
[...]
Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos fatos não se
aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.

Segundo leciona Daniel Amorim Assumpção Neves sobre a con-


testação por negativa geral:
“O ônus da impugnação específica não se aplica ao advogado dativo,
curador especial e ao defensor público, que podem elaborar a contesta-
ção com fundamento em negativa geral, instituto que permite ao réu uma
impugnação genérica de todos os fatos narrados pelo autor, sendo tal
forma de reação o suficiente para tornar todos esses fatos controvertidos
(art. 341, parágrafo único, do Novo CPC). Na realidade, mesmo que não
haja a expressa indicação de que o réu está se valendo da negativa ge-
ral, uma interpretação lógica desse benefício impede que o juiz presuma
verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Basta, portanto, a apresentação
da contestação para que os fatos se considerem controvertidos, cabendo
ao autor, ao mesmo em regra, o ônus da prova” (in novo Código de Pro-
cesso Civil Comentado. 2. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017,
p. 621) (g.n.).

Destarte, não se considera a possibilidade de ocorrência dos efei-


tos da revelia na presente ação, seja porque se trata de direito indisponí-
vel, seja porque oferecida a contestação por negativa geral pelo Curador
178 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Especial, capaz de controverter todos os fatos, impondo ao Autor o ônus


de comprovar o que foi por ele narrado.
A ação de destituição de pátrio poder está regulada nos arts. 155 a
163 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Requerida, após a apresentação dos laudos da equipe técnica do
juízo (índexes 177 a 195), alegou estar ciente a respeito desses e infor-
mou estar no aguardo da realização das audiências concentradas, con-
forme sua manifestação a fl. 169 vº dos autos originários em índex 203.
A realização de audiência de instrução e julgamento, na hipótese,
mostrou-se prescindível diante da farta prova documental produzida nos
autos, o que acarretou o denominado o julgamento antecipado.
Cristiane Dupret, ao analisar a possibilidade de julgamento ante-
cipado da lide em ações de destituição do poder familiar, assim leciona:
“Havendo resposta, consoante o art. 162 [do eCA], a autoridade judiciá-
ria dará vistas ao Ministério Público por cinco dias, designando audiên-
cia de instrução e julgamento. Nessa, serão ouvidas as testemunhas, ha-
verá colheita da prova documental por meio de estudo social ou perícia,
alegações orais por 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, A decisão será
proferida em audiência ou no prazo máximo de cinco dias.
O termo ‘designando’, utilizado no art. 162 [do eCA], gera controvér-
sia acerca da possibilidade de julgamento antecipado da lide. Há quem
entenda que a designação da audiência de Instrução e Julgamento é
obrigatória, sob pena de se caracterizar cerceamento de defesa. Para um
segundo posicionamento, havendo provas fartas de motivos que ense-
jem a perda ou a suspensão do Poder Familiar, a designação obrigatória
importaria em afronta ao melhor interesse da criança ou adolescente,
assim como aos princípios da celeridade e economia processual...” (in
Curso de direito da criança e do adolescente. 3. ed. Belo Horizonte: Le-
tramento, 2015, p. 261).

A propositura de ação de destituição de poder familiar reclama


a observância do contraditório, posto que se trata de medida extrema,
sendo necessária a realização de sério estudo acerca dos motivos que
ensejaram a perda do poder familiar.
É indubitável que os estudos sociais e psicológicos realizados pela
equipe interdisciplinar do juízo, em conjunto com o Conselho Tutelar
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 179
e a equipe técnica do Instituto das Missionárias de Santo Antonio, são
prova mais do que cabal de que não cessaram os motivos que deram
ensejo à perda do poder familiar pela Requerida, não sendo possível a
sua restituição à Demandada, sob pena de subverter-se o princípio do
melhor interesse da criança ou adolescente e se comprometer a celeri-
dade e economia processual, como mencionado acima, e será efetuada
análise aprofundada a esse respeito, mais adiante.
Assim, afasto o argumento da ocorrência de cerceamento de de-
fesa, merecendo reparo a sentença proferida ao julgar o feito com base
em pretensa revelia, cujos efeitos não podem ser aplicados seja porque
a presente ação trata de direito indisponível, seja porque foi ofertada
contestação por negativa geral pela Curadoria Especial.

3 MÉRITO
Da leitura detida dos autos, não é possível o provimento do apelo
da Requerida.
A sentença combatida decretou a destituição do poder familiar
da Demandada em relação a suas três filhas por entender que esta não
apresenta condições de atender às demandas emocional, psicológica,
material e intelectual das meninas. O procedimento de destituição do
poder familiar se encontra regulado pelos artigos 155 a 163 do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
A criança e o adolescente passaram a ser sujeitos de direitos com o
advento da Carta Constitucional de 1988 que, em seu art. 227, prevê “É
dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao ado-
lescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig-
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
Essa norma constitucional introduziu a doutrina da Proteção Inte-
gral em nosso ordenamento jurídico e, com fundamento nesta, foi regu-
lamentado o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse contexto da Doutrina da Proteção Integral prevalece o in-
teresse das crianças e adolescentes sobre o de seus pais que, se estão
180 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

sendo submetidos ao procedimento de destituição do poder familiar,


provavelmente estão atuando de modo a prejudicar seus filhos porque
infringem os deveres que lhe são inerentes.
O art. 1.638 do Código Civil enumera as hipóteses em que o pai
ou a mãe perderá o poder familiar, in verbis:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente;
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
(Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

Compulsando-se os autos da presente ação, proposta em


13.05.2016 (índex 01), verifica-se da leitura dos relatórios de acompa-
nhamento da equipe técnica do juízo que instruem a petição inicial (ín-
dex 08) que a atitude da Requerida, demonstrava omissão em relação à
obrigação de cuidar das três filhas, que segundo relatos colhidos pelos
profissionais do juízo, ficavam sozinhas em casa por longo tempo, sem
comida e cuidados de higiene. Tanto que chegaram à instituição de aco-
lhimento em estado de saúde comprometido pela total falta de cuidados,
especialmente falta de higiene.
Está patente para essa Relatoria o abandono definitivo praticado
pela Requerida ao deixar as filhas relegadas ao cuidado do Instituto das
Missionárias de Santo Antonio, desde 02.10.2015, após um incêndio ter
reduzido a cinzas a residência familiar em razão de uma das filhas da
Requerida ter riscado acidentalmente um fósforo.
Diante da gravidade dos fatos narrados na petição inicial da ação de
destituição familiar e dos documentos que o instruíram, em 17.05.2016,
houve a suspensão do poder familiar da genitora e a determinação de
inclusão das crianças no cadastro de adoção.
Durante o processo judicial de acolhimento das três filhas na refe-
rida instituição assistencial, várias foram as tentativas de localização da
Requerida, havendo relatos que ela “não tem atendido a convocações
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 181
da equipe técnica do abrigo, além de visitar suas filhas de forma irregular
e esporádica” (fls. 24 dos autos originários em índex 08).
Asseverou a psicóloga do Juízo que sequer houve a possibilidade
de realizarem estudo técnico com a genitora, naquele momento, uma
vez que a Requerida não atendeu às convocações para seu compareci-
mento para se entrevistar com o grupo interdisciplinar (fl. 150 dos autos
originários em índex 180).
A dificuldade de localizar a Requerida está evidenciada diante das
várias tentativas de sua citação por oficial de justiça, sem sucesso, e a
necessidade de sua citação por edital, ocorrida consoante certidão data-
da de 10.02.2017 (fls. 106 dos autos originários em índex 119).
Realizada audiência de avaliação e determinado que se procedes-
se ao Estudo Técnico Social e Psicológico, realizado pela Equipe Téc-
nica Multidisciplinar do Juízo, questionou a assistente social do juízo
em seu relatório: “tendo em vista todo o histórico já apresentado pela
referida senhora e a aparente mudança fica a dúvida quanto a sua real
capacidade de reassumir suas filhas. Porque demorou tanto tempo para
buscar retomar os contatos com as filhas acolhidas? Porque não tem a
mesma demanda para com a filha que está no Lar da Criança?” (fl. 148
dos autos ordinários em índex 177).
Esse questionamento deve-se ao fato de as menores, como dito,
estarem abrigadas desde 02.10.2015 na instituição assistencial, sem vi-
sita de familiares, com visitas esporádicas de sua genitora durante todo o
período que este tramitou na primeira instância.
Em que pesem os argumentos da Apelante de que não estariam
mais presentes os motivos que ensejaram a presente ação, não se conclui
das provas produzidas nos autos sobre a possibilidade de suspensão da
medida já decretada e a reintegração das meninas ao convívio materno.
O estudo psicológico narrou que “Verifica-se ainda que a genitora
admitiu para o CT ser usuária abusiva de álcool e drogas ilícitas. Somen-
te F. estava matriculada em escola regular; F. nunca tinha frequentado
escola, pois não tinha RCn [Registro Civil de nascimento] porque a mãe
perdera a DnV [Declaração de nascido Vivo] e R., com três anos, estava
fora da escola. Ainda verificamos nos relatórios presentes nos autos que
as crianças ficavam sozinhas em casa por longo tempo, sem comida e
182 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

cuidados de higiene, tendo chegado à instituição de acolhimento em es-


tado de saúde comprometido pela total falta de cuidados, especialmente
falta de higiene. Observamos ainda que há uma irmã menor, n. V. da
C., a qual encontra-se acolhida no Lar da Criança Padre Franz neu-
mair e cujo genitor manifestou interesse em reintegrar esta criança...”
(fls. 149/150 dos autos originários em índex 180).
Além das crianças cuja destituição do pátrio poder são objeto da
presente ação, a Requerida tem outra filha, ainda menor, de outro rela-
cionamento, acolhida em instituição assistencial com quem, nos parece,
não ter a Demandada qualquer vínculo emocional, deixando a cargo do
genitor daquela as tentativas de reintegração familiar.
Além das quatro meninas, a Apelada admitiu que constituiu nova
família com outro companheiro, e desta já adveio o nascimento de um
quinto filho. Sustentou que sua vida está mudada, que deixou os vícios
e que passa o dia a cuidar desse filho mais novo e dos dois enteados,
ambos adolescentes.
Um fato que nos chamou a atenção foi o fato de que a Requerida
sequer indicou à equipe técnica do juízo o seu correto endereço, o que
foi noticiado por pessoa de sua convivência e que se qualificou como
líder comunitária, a Sra. Claudia Pinto durante entrevista (fls. 154 dos
autos originários em índex 180). O local onde residiria a Apelante e sua
atual família, segundo Claudia Pinto, é área de conflagração do tráfico
de drogas, com meninos de 12 anos integrando facções e meninas sen-
tadas pelas ruas, sem fazer nada, restando caracterizada para essa Rela-
toria o completo abandono e ausência de estímulo à melhoria em suas
vidas através da escolarização.
O que mais causa espécie acerca do pleito de reversão da medi-
da decretada é a ausência de demonstração pela Apelante de que ela
buscou tratamento adequado, por ser adicta no uso de entorpecentes e
álcool e não admitir a sua condição de dependência.
A colocação de crianças sob seus cuidados, diante das condições
ora mencionadas, é um ponto que também gera inquietação, dadas as
condições de facilidade de consumo de drogas e álcool no ambiente
onde reside, conforme relatado no estudo psicológico.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 183
Nesse sentido, se ela não apresenta condições de se auto sustentar,
como pode ela se comprometer em dar suporte emocional, intelectual,
emocional e psicológico às três filhas durante o processo de integração
delas no novo núcleo familiar formado por ela, seu companheiro, Sr. M.,
pelo filho em comum dos dois e pelos dois enteados adolescentes?
Concluiu a Sra. Psicóloga do juízo em fls. 155/157 dos autos ori-
ginários em índex 180:
“nem mesmo o acolhimento institucional de suas quatro filhas fez com
que ela se sentisse motivada para tentar mudar de vida, uma vez que não
aderiu a nenhum tipo de tratamento para tentar parar o uso abusivo de
drogas e ter suas filhas de volta. Em seu relato e de seu companheiro,
sua alegada mudança de vida ocorre a partir de seu encontro com o
atual companheiro, porém verificamos que M. A. só voltou a procurar
F., F. e R. depois de já estar morando com M. há mais de um ano e já ter
outro filho, além de vê-Ias a caminho da escola, a qual era a mesma de
seus enteados e próxima a localidade onde passou a residir com o atual
companheiro.
A Sra. M. A. não procurou nenhum tratamento ou acompanhamento para
drogadição, engravidou do atual companheiro e teve outro filho, M.,
atualmente com um ano de idade, e durante este período não procurou
suas filhas acolhidas. Por outro lado, o Sr. M. tem cinco filhos de outros
relacionamentos, sendo uma filha adolescente que já é mãe de um bebê
e permanece com a mãe, e tem dois filhos, um de 12 e outro de 10
anos que ora ficam com a mãe, ora ficam com ele. O Sr. M. alega que o
problema era o companheiro da mãe que batia em seus filhos, contudo
o relato da líder comunitária traz um cenário no qual os meninos ficam
andando pela localidade onde moram e “fazem besteiras”. neste senti-
do, podemos concluir que o Sr. M. não consegue dar limites aos filhos
e mantê-los sob vigilância para evitar que eles próprios se coloquem em
risco. ele também tem uma filha adolescente que teve uma gravidez pre-
coce, indicando falta de orientação familiar, seja parte do pai ou da mãe.
tanto M. A. como M. disseram que este não deixa faltar nada em casa
e tem trabalho que permite sustentar a família, porém M. A. necessita
receber Cesta Básica mensal e leite para o filho M., segundo a senhora
Cláudia da Pastoral Social da igreja que fornece tais alimentos. Tal neces-
sidade evidencia que a situação financeira da família não é tão tranquila
e que já falta recursos para sustentar o casal e três crianças.
184 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Por conseguinte, podemos questionar como o casal M. A. e M. conse-


guirão manter financeiramente mais três crianças, sendo uma já pré-ado-
lescente e como conseguirão dar limites para tantas crianças juntas e
protegê-las dos riscos que podem correr, se não conseguem fazê-lo com
os filhos do Sr. M.. Outra preocupação seria a convivência próxima dos
filhos do Sr. M. em idades próximas da adolescência com as filhas de M.
A. também na pré-adolescência, sem uma supe(r)visão adequada. O ca-
sal afirma estar tendo uma vida organizada e estar lidando bem com três
crianças, porém a entrada de mais três crianças, mudaria totalmente a
configuração familiar e certamente trará mais estresse e demandas, além
do aumento de despesas. Mesmo que a Sra. M. A. não esteja mais usan-
do drogas ilícitas, a presença de mais três crianças irá modificar o atual
arranjo familiar e tais mudanças trarão maiores obrigações e prováveis
situações de conflitos. Vale ressaltar que a genitora afirma que parou de
usar drogas por causa do relacionamento com M., porém este relaciona-
mento pode sofrer rupturas por diversos motivos, inclusive pela presença
de crianças que o Sr. M. nunca conheceu, e uma separação conjugal
poderia desestruturar não apenas M. A., mas todo grupo familiar.
Diante do exposto, consideramos a mudança de vida alegada pela geni-
tora está apoiada em seu relacionamento conjugal, sendo ela totalmente
dependente do companheiro, tanto emocional como financeiramente. A
situação apresentada pela genitora é muito frágil, podendo voltar aos há-
bitos passados por qualquer acontecimento estressante, principalmente
por conflitos conjugais e separação.
Dificilmente a Sra. M. A.a conseguirá sustentar sua alegada mudança de
vida e cuidar de quatro filhos sem a presença de um companheiro prove-
dor e sem alguém que lhe propicie limite ao uso de drogas. Cabe ainda
ressaltar que M. A. reconhece seu passado de uso abusivo de drogas,
mas não reconhece sua dependência e acredita que possa superar tal si-
tuação sem ajuda profissional, permanecendo sem sustentação própria e
vulnerável a qualquer possibilidade de uso de drogas, principalmente no
ambiente onde reside, no qual tais substâncias são oferecidas e podem
ser conseguidas com muita facilidade.
Por fim, vale ainda questionar porque a Sra. M. A. não solicitou reapro-
ximação de sua filha mais nova, n., que se encontra acolhida em outra
instituição, mesmo que saiba que o pai manifestou desejo de permanecer
com ela. A genitora alega sentir falta das filhas, mas não demonstra sentir
qualquer falta de n.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 185
Entendemos, portanto, que apesar da alegada mudança de hábitos (não
confirmada pela líder comunitária), a Sra. M. A. apresenta situação de
vida e emocional consideravelmente frágeis, tornando a possibilidade
reintegração familiar de suas três filhas um risco, tanto para o seu arranjo
familiar atual, mas também para as crianças em questão, que podem vol-
tar a ser negligenciadas e voltariam a ser expostas a ambiente dominado
por traficantes de drogas [...].”

Não obstante os princípios mencionados na Lei nº 8.069/1990,


que buscam resguardar, na medida do possível, a manutenção do po-
der familiar e a convivência do menor no seio de sua família natural,
entendo pela plausibilidade do requerimento formulado pelo Ministério
Público, já que o que interessa na destituição do poder familiar não é,
isoladamente, a intenção ou não dos pais em permanecerem com seus
filhos, mas o efetivo cumprimento do múnus do poder familiar, manifes-
tado em ações efetivas e concretas, capazes de demonstrar a real capa-
cidade de deter o poder familiar, capacidade essa não encontra uma vez
que não comprovada a efetiva mudança na conduta da mãe das meninas
a justificar a sua restituição à genitora, ora Apelante.
Ante o exposto, conheço e dou parcial provimento ao recurso da
parte ré unicamente para afastar a decretação de sua revelia. no mais,
permanece a sentença tal como foi proferida.
Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

Jds. Des. Ricardo Alberto Pereira


Relator
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8340

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul


Agravo de Instrumento nº 70076800655
CNJ: 0045277‑05.2018.8.21.7000
Sétima Câmara Cível
Comarca de Quaraí
Agravante: H. F. W.
Agravados: E. C. M. B.
A. V. M.
Espolio de H. W.
Interessados: R. F. W.
J. C. F. W.r
N. T. F. W.
J. T. F. W.
B. F. W. T.
J. F. W.
Ministério Público

INVENTÁRIO – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – INVESTIGADO FALECIDO – PETIÇÃO


DE HERANÇA – ABERTURA DE NOVO INVENTÁRIO – DESCABIMENTO – EXTINÇÃO DO
PROCESSO
1. Comprovada a condição dos autores de herdeiros necessários, que
foram excluídos da partilha no processo de inventário já transitado
em julgado, imperioso buscar a desconstituição da partilha, a fim
de receberem os quinhões legitimários que lhes cabem. 2. Como a
sentença lançada na ação de investigação de paternidade cumulada
com petição de herança não desconstituiu a partilha, limitando-se
a declarar a condição de herdeiros legítimos do investigado, deve a
desconstituição ser postulada mediante a propositura de ação de nu-
lidade de partilha e não mediante a mera abertura de novo processo
de inventário, que deve ser extinto. Recurso provido.

acóRdão
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cí-
vel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao
recurso.
Custas na forma da lei.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 187
Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Se-
nhoras Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Desª Sandra Brisolara
Medeiros.
Porto Alegre, 25 de julho de 2018.

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,


Relator

RelatóRio
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (Relator):
Trata-se da irresignação de H. F. W. com a r. decisão que afastou a
alegação de coisa julgada, por já ter sido feito o inventário, e determinou
a restituição de todos os bens da herança para readequação da partilha
do inventário anteriormente realizado, nos autos da nova ação de inven-
tário dos bens deixados por morte de H. W.
Sustenta o recorrente que A. e É. tiveram a sua paternidade reco-
nhecida em ação de investigação de paternidade, e, tendo vista o faleci-
mento pretérito de seu genitor, ajuizaram o processo de inventário dos
bens deixados por este, mas desconsideraram que já havia sido reali-
zado inventário dos bens deixados pelo seu genitor, havendo homolo-
gação da partilha, que transitou em julgado em 18.09.2015, conforme
documentos acostados aos autos. Alega que, após os recorridos terem
sua paternidade reconhecida, a sua cota parte, referente a um bem par-
tilhado e vendido após o trânsito em julgado da ação de investigação
de paternidade, já lhe foi repassada, sendo impossível abrir novo in-
ventário sem a anulação da partilha de inventário já realizada, diante
da ocorrência da coisa julgada. Aduz que, para ser declarada nula a
partilha, se faz necessária sentença judicial que declare a nulidade, não
podendo ser anulada por simples despacho nos autos do segundo in-
ventário ajuizado. Aponta que os termos da sentença do processo de
investigação de paternidade cumulado com petição de herança, que foi
julgado procedente, declarando Heitor como genitor dos recorridos, se-
quer menciona a anulação da partilha. Conclui que a decisão do Magis-
trado singular deve ser reformada, diante da inadequação de via eleita
para a declaração de nulidade da sentença que homologou a partilha
dos bens, onde os recorridos não foram contemplados em razão de que
188 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

ainda não tinham sido reconhecidos como filhos do falecido, haja vista
que inventário já foi realizado e as partilhas devidamente registradas,
sendo necessária a declaração de nulidade da sentença em procedimen-
to próprio. Pretende seja extinto o processo de inventário atuado sob o
nº 061/1.17.0000364-3, tendo em vista que a partilha dos bens deixa-
dos por H. foi anteriormente realizada através do processo de inventário
tombado sob o nº 061/1.15.0000549-9, devendo a nulidade ser arguida
em procedimento próprio. Pede o provimento do recurso.
O recurso foi recebido em seu efeito meramente devolutivo.
Intimadas, as partes deixaram transcorrer in albis o prazo legal
para apresentar contrarrazões.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça declinou da
intervenção.
É o relatório.

votos
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (Relator):
Estou dando provimento ao recurso.
Com efeito, uma vez comprovada a condição dos recorridos de
herdeiros necessários, que foram excluídos da partilha no inventário dos
bens deixados pelo seu genitor, com sentença já transitada em julgado,
torna-se imperiosa a desconstituição da partilha, a fim de que recebam
os quinhões legitimários que lhes cabem.
É que a sentença lançada na ação de investigação de paternidade
proposta limitou-se a declarar os recorridos filhos do investigado e, em
consequência, herdeiros necessários, fazendo jus ao quinhão hereditá-
rio, mas nada referiu acerca da partilha, pois os autores nada informaram
a respeito do processo de inventário. Ou seja, não houve pronunciamen-
to judicial acerca da petição de herança.
Por oportuno, penso ser pertinente tecer algumas considerações
acerca da ação de petição de herança, que veio cumulada com a ação
de investigação de paternidade, mas o pleito não foi devidamente exa-
minado.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 189
Lembro, pois, que é perfeitamente viável a cumulação da ação de
investigação de paternidade com a petição de herança, pois é através
desta ação que o herdeiro omitido ou preterido deve reclamar não ape-
nas o reconhecimento judicial da sua condição sucessória, mas também
a restituição dos bens da herança que lhe cabem. A petição de herança
é uma ação real com finalidade condenatória, enquanto a ação investi-
gatória de paternidade é ação de estado, pois a qualidade sucessória é
pressuposto da petitio hereditatis.
A ação de petição de herança é exclusiva do herdeiro real – ou
seja, aquele que tem a capacidade sucessória e precede (ou, como no
caso, concorre) na ordem de vocação hereditária aquele que recebeu
efetivamente a herança – contra o herdeiro aparente, que possui indevi-
damente a herança ou parte dela.
No caso em exame, os outros sete filhos do investigado assumem
a condição de herdeiros aparentes relativamente à parte da herança que
não lhes cabia e que foi por eles recebida.
Considera-se, pois, herdeiro aparente aquele que é considerado
por todos como genuíno herdeiro, por força de erro comum, ainda quan-
do esteja de má-fé. E existe essa condição de herdeiro aparente quando:
(a) o herdeiro detentor da herança é declarado indigno; (b) o testamento
que o institui herdeiro é anulado; (c) é encontrado testamento que o ex-
clui; (d) quando houver sido reconhecido o título de herdeiro a alguém
que o pretere (ex.: filho reconhecido através de ação investigatória frente
a outros descendentes, aos ascendentes, ao cônjuge ou aos colaterais).
No caso, os outros sete herdeiros filhos receberam a parte que tocava
aos recorridos e é, precisamente, essa parte que está sendo reclamada
neste processo inventário.
No entanto, como a sentença que julgou a ação de investiga-
ção de paternidade, onde foi formulada petição de herança, não anu-
lou a partilha já realizada no inventário dos bens deixados por H. W.
(fls. 20/21), deve tal pedido ser deduzido em ação de nulidade de par-
tilha com petição de herança, pois na ação investigatória houve apenas
o reconhecimento da condição de herdeiros necessários, não havendo
exame acerca do processo, pois nada foi informado a respeito.
Assim, a questão deve ser resolvida em ação própria declarando
nula a sentença que homologou a partilha, e não em novo processo de
190 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

inventário, como fizeram os herdeiros recorridos, devendo ser o novo


inventário extinto, sem julgamento do mérito, pois existe coisa julgada.
Isto posto, dou provimento ao recurso.
Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro – De acordo com o(a)
Relator(a).
Desª Sandra Brisolara Medeiros – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Jorge Luís Dall’Agnol – Presidente – Agravo de Instrumento
nº 70076800655, Comarca de Quaraí:
“Proveram. Unânime.”
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8341

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina


Apelação Cível nº 0000941‑35.2009.8.24.0019, de Concórdia
Relator: Des. Subst. José Maurício Lisboa

APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA – SENTENÇA


DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – RECURSO DA AUTORA – PLEITO ÚNICO DE MAJORAÇÃO DA
PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA DA FILHA DO EX-CASAL FUNDADO NA REVELIA E CAPACIDADE
ECONÔMICA DO GENITOR – TESES AFASTADAS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE
DOS FATOS NARRADOS NA PEÇA EXORDIAL – LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO
“A simples decretação da revelia não conduz, inexoravelmente, ao
acolhimento do pedido inicial, pois a presunção dela decorrente, de
veracidade dos fatos alegados, é relativa, não desonerando o autor da
produção de prova bastante para convencer o juiz da prevalência de
sua versão acerca dos fatos.” (TJSC, Apelação Cível nº 2010.036620-8,
de São Francisco do Sul, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben,
J. 15.07.2010).

CARÊNCIA DE PROVA DA CAPACIDADE ECONÔMICA FINANCEIRA DO ALIMENTANTE QUE


REVELE CONDIÇÕES DE ARCAR COM ALIMENTOS EM VALOR SUPERIOR – BINÔMIO
POSSIBILIDADE X NECESSIDADE ATENDIDO – SENTENÇA MANTIDA
“O encargo alimentar deve sempre ser estabelecido de acordo com
a capacidade contributiva de quem paga e com as necessidades de
quem recebe, mediante critério de absoluta proporcionalidade. Essa,
aliás, a linguagem do § 1º do art. 1.694 da Lei Substantiva Civil.”
(TJSC, Agravo de Instrumento nº 4000614-64.2018.8.24.0000, de
Araranguá, Rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, Primeira Câmara de Di-
reito Civil, J. 14.06.2018).
Recurso conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível


nº 0000941-35.2009.8.24.0019, da comarca de Concórdia Vara da Fa-
mília Órfãos, Sucessões Inf. e Juventude em que é/são Apelante(s) S. S.
M. e Apelado(s) V. M.
A 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos decidiu, por votação
unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
192 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos.


Srs. Des. Guilherme Nunes Born, presidente com voto, e Des. Carlos
Roberto da Silva.
Florianópolis, 04 de julho de 2018.

José Maurício Lisboa


Relator

RelatóRio
De pronto, tenho por bem adotar o relatório da sentença, pois
além de refletir fielmente a narrativa fática em apreço, garante celeri-
dade ao trâmite processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), in
verbis:
S. S. M. propôs ação de separação litigiosa em face de V. M., alegando,
em síntese, as partes são casadas pelo regime de comunhão universal
de bens desde 07.08.1996; que desta união resultou uma filha, H. S.
M., nascida em 16.04.1996; que durante a constância do casamento
adquiriram dois veículos, sobre os quais incidem financiamentos; que
além dos financiamentos possuem outras dívidas contraídas durante a
união. Sustentou que o réu abandonou o lar conjugal em 14.12.2008,
usufruindo sozinho dos caminhões pertencentes ao casal e deixando de
auxiliar a autora e a filha. Requereu a concessão de tutela antecipada
para determinar o bloqueio de metade de valores percebidos pelo réu
em serviços prestados à pessoa jurídica Grupo Cortês Transportadora e
Armazéns Gerais. Ao final, requereu a decretação da separação judicial
do casal, retornando a autora a usar o seu nome de solteira; a fixação de
alimentos em favor da filha; a regulamentação da guarda da filha do casal
em favor da autora e do direito de visitas do réu à infante; a partilha dos
bens e dívidas. Valorou a causa e juntou documentos.
Foi deferida à autora a tutela antecipada requerida, a guarda provisória
da filha do casal, fixados alimentos provisórios à infante e determinada a
citação do réu (fls. 58/60).
Devidamente citado, o réu apresentou contestação (fls. 92/97), alegando,
preliminarmente, inépcia da inicial. No mérito suscitou que vem cum-
prindo com suas obrigações para com a filha; que os valores auferidos
nos fretes realizados pelo réu eram depositados na conta do cunhado da
autora, sendo que se tais valores não foram gastos com despesas do casal
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 193
não foi por culpa do réu; que um dos caminhões pertencente ao casal,
o caminhão Mercedez Bens, foi pego pela autora em fevereiro de 2009,
o qual foi vendido sem a anuência do réu. A seu turno, arrolou bens a
serem partilhados, assim como dívidas, confirmando as dívidas apresen-
tadas pela autora na exordial e arrolando outras. Por fim, afirmou não se
opor à decretação do divórcio do casal, à concessão da guarda da filha à
autora, bem como ao pagamento de alimentos à menor, contudo não na
proporção pleiteada pela autora.
Manifestação da autora às fls. 119/125.
Foi designada audiência de conciliação (fl. 141), na qual foi determinada
a conversão da ação de separação em ação de divórcio (fl. 156).
Em seguida, foi proferida decisão rejeitando a preliminar defensiva e de-
signando audiência de instrução e julgamento (fls. 181/182), sendo que
na data aprazada o réu não compareceu ao ato, assim como a autora
dispensou a oitiva das testemunhas por si arroladas (fl. 236).
Finalmente, as partes apresentaram alegações finais às fls. 261/263 e
266/268.
Instado, o Ministério Público se manifestou às 269/270 pela decretação
do divórcio, atribuindo a guarda da filha do casal à autora, estabelecen-
do o direito de visitas do réu à menor de forma livre e fixando a verba
alimentar em um salário mínimo (fls. 269/270).

Após, sobreveio a parte dispositiva da sentença (fls. 271-279), nos


seguintes termos:
Ante o exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado
por S. S. M. em face de V. M., em consequência:
I – Decreta-se o divórcio do casal, com fundamento no art. 226, § 6º, da
Constituição da República Federativa do Brasil e Emenda Constitucional
nº 66, de 13.07.2010.
Expeça-se o competente mandado de averbação, constando que a autora
voltará a utilizar o nome de solteira.
II – Fixa-se os alimentos devidos pelo autor à filha H. S. M. no valor de
01 (um) salário mínimo, que devem ser pagos até o dia 10 de cada mês
mediante depósito bancário, mantendo-se a liminar outrora deferida.
III – Concede-se a guarda da filha do casal à autora;
IV – Fixa-se o direito de visitas do réu à filha de forma livre;
194 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

V – Determina-se a partilha do Tra/C Trator Volvo/NL10 340 4 X 2, placas


LXP-4689 (fl. 26), na proporção de 50% para cada litigante, bem como
das dívidas apresentadas, na forma da presente sentença, limitando-se às
dívidas descritas nos itens “1.c” à “1.m” e “2.f” (fundamentação), deven-
do ser apurado os seus valores em liquidação de sentença;
VI – Resolve-se o mérito da presente ação, na forma do art. 269, inciso
I, do CPC.
Tendo em vista a sucumbência recíproca:
a) Condena-se a autora ao pagamento das custas processuais, na impor-
tância de 50%, e dos honorários advocatícios em favor do procurador
do réu, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), a teor do art. 20,
§ 4º, do CPC, ficando isenta de seu pagamento, pois beneficiária da
Justiça Gratuita, que ora se defere; e
b) Condena-se o réu ao pagamento das custas processuais, na importân-
cia de 50%, e dos honorários advocatícios em favor do procurador da
autora, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), a teor do art. 20,
§ 4º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação cível


(fls. 282-296), onde destacou a revelia do apelado, a qual afirma que,
por si só, presume a concordância com os fatos.
Sustentou que “está fartamente comprovado nos autos que o
Apelado é proprietário e motorista de carretas, auferindo uma renda de
aproximadamente R$ 10.000,00 (dez mil reais), e que, muito antes da
própria separação de fato do casal até os dias atuais continua a usufruir
sozinho de todo o patrimônio amealhado pelo casal, tendo mesmo, sim-
plesmente abandonado a Apelante e sua filha, sem quaisquer auxílio,
vez que o mesmo nem ao menos vem pagando os alimentos devidos à
filha, que estão desde 2009 sendo executados judicialmente, sem lograr
êxito a Apelante”.
Disse que “a situação financeira da Apelante e sua filha, só piorou,
considerando a exemplo a idade da menor que exige gastos cada vez
maiores, bem como, que ambas não mais residem na casa da avó mater-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 195
na, tendo as mesmas obrigadas a alugar uma casa, estando pois a passar
por graves necessidades [...] (fl. 286).
Assim, pugnou pela reforma parcial da sentença, no que se refere
ao valor fixado a título de alimentos à filha do casal, pleiteando pela sua
majoração para 4 (quatro) salários mínimos.
Sem contrarrazões (fl. 300), os autos foram encaminhados ao Ór-
gão Ministerial, o qual se manifestou pelo conhecimento e provimento
do recurso, para majoração do valor da verba alimentar equivalente a 2
(dois) salários mínimos (fls. 305-310).
Após, os autos ascenderam a esta Corte.
Este é o relatório.

voto
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por S. S. M. pug-
nou pela reforma parcial da sentença proferida na ação de separação
judicial litigiosa, no que se refere ao valor fixado a título de alimentos
à filha do casal, pleiteando pela sua majoração para 4 (quatro) salários
mínimos.
Para tanto, destacou de início a revelia do apelado, a qual afirma
que, por si só, presume a concordância com os fatos.
Sustentou que “está fartamente comprovado nos autos que o
Apelado é proprietário e motorista de carretas, auferindo uma renda de
aproximadamente R$ 10.000,00 (dez mil reais), e que, muito antes da
própria separação de fato do casal até os dias atuais continua a usufruir
sozinho de todo o patrimônio amealhado pelo casal, tendo mesmo, sim-
plesmente abandonado a Apelante e sua filha, sem quaisquer auxílio,
vez que o mesmo nem ao menos vem pagando os alimentos devidos à
filha, que estão desde 2009 sendo executados judicialmente, sem lograr
êxito a Apelante”.
Disse que “a situação financeira da Apelante e sua filha, só piorou,
considerando a exemplo a idade da menor que exige gastos cada vez
maiores, bem como, que ambas não mais residem na casa da avó mater-
196 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

na, tendo as mesmas obrigadas a alugar uma casa, estando pois a passar
por graves necessidades [...] (fl. 286).
Pois bem.
Prima facie, cumpre ressaltar que não obstante o réu tenha dei-
xado transcorrer in albis o prazo para a apresentação da contestação,
sabe-se que a presunção dos efeitos da revelia é relativa, pois não induz,
necessariamente, a procedência da pretensão inaugural.
Retira-se da doutrina:
A presunção de veracidade decorrente da revelia não é absoluta. Se
há elementos nos autos que levem a conclusão contrária não está o
juiz obrigado a decidir em favor do pedido do autor. (GRECO FILHO,
Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 2,
2003. p.144).

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de


Justiça:
“Os efeitos da revelia – presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor – são relativos e não conduzem, necessariamente, ao julgamento
de procedência dos pedidos, devendo o juiz atentar-se para os elemen-
tos probatórios presentes nos autos, para formação de sua convicção”
(STJ, REsp 1633399/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 10.11.2016,
DJe 01.12.2016).
Esta Corte já decidiu:
“[...] ainda que haja revelia, não colacionando o autor, elementos de
fácil alcance que demonstrem, ao menos perfunctoriamente, o prejuí-
zo passível de indenização, é lícito ao juiz, ante o princípio do livre
convencimento, rejeitar os fatos por ele alegados” (TJSC, Apelação Cí-
vel nº 2003.001107-2, de Biguaçu, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato,
J. 29.09.2003).

PROCESSUAL CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REVELIA – PRESUN-


ÇÃO RELATIVA DE VERDADE DOS FATOS ALEGADOS PELO AUTOR
– LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO – REQUISITOS LEGAIS
INDEMONSTRADOS – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SENTENÇA
DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – A sim-
ples decretação da revelia não conduz, inexoravelmente, ao acolhimento
do pedido inicial, pois a presunção dela decorrente, de veracidade dos
fatos alegados, é relativa, não desonerando o autor da produção de pro-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 197
va bastante para convencer o juiz da prevalência de sua versão acerca
dos fatos. É do autor o ônus de provar a sua posse, o esbulho praticado
pelo réu, a data da moléstia e a perda da posse. À falta de algum desses
requisitos (CPC, art. 927), deve o pleito reintegratório ser julgado impro-
cedente. (TJSC, AC 2010.036620-8, de São Francisco do Sul, Rel. Des.
Luiz Carlos Freyesleben, J. 15.07.2010)

Nesse mesmo viés, considerando-se que a revelia não induz à pro-


cedência imediata dos pedidos, carece de acolhimento referida tese.
Com efeito, convém ressaltar que o dever de sustento, a quem de
direito, não consiste só a prestação alimentar, mas também, a habitação,
o vestuário, a assistência médica, a educação e o lazer. A propósito,
conforme enunciado no art. 1.694, do Código Civil, aos cônjuges recai
o dever de sustento. Vejamos:
Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua
condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

E ainda, nesta mesma linha, o art. 1.695 do Código Civil:


São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens sufi-
cientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aque-
le, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário
ao seu sustento.

Assim, para a fixação dos alimentos devem-se levar em conside-


ração o binômio da necessidade/possibilidade, ou seja, a necessida-
de do alimentado e a possibilidade do alimentante, conforme prevê o
art. 1.694, § 1º, do Código Civil, in verbis: “os alimentos devem ser fi-
xados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da
pessoa obrigada”.
Nesta linha, discorre Yussef Said Cahali:
Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do recla-
mante e dos recursos da pessoa obrigada; é a regra do art. 1.694, § 1º do
Código Civil de 2002 (art. 400 do CC revogado), e que se encontra na
generalidade das legislações.
Tal como os pressupostos da necessidade e da possibilidade, a regra da
proporção é maleável e circunstancial, esquivando-se o Código, acerta-
damente, em estabelecer-lhe os respectivos percentuais, pois a final se
resolve em juízo de fato ou valorativo o julgado que fixa a pensão.
198 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Conforme bem assinala Sílvio Rodrigues, o dispositivo do art. 400 “Não


significa que, considerando essas duas grandezas (necessidade e possibi-
lidade), se deva inexoravelmente tirar uma resultante aritmética, como,
por exemplo, fixando sempre os alimentos em um terço ou em dois quin-
tos dos ganhos do alimentante. Tais ganhos, bem como as necessidades
do alimentado, são parâmetros onde se inspirará o Juiz para fixar a pen-
são alimentícia. O legislador daqui, como o de alhures, quis deliberada-
mente ser vago, fixando apenas um standard jurídico, abrindo ao Juiz um
extenso campo de ação, capaz de possibilitar-lhe o enquadramento dos
mais variados casos” (Dos alimentos. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 502).

É o entendimento desta Corte Catarinense:


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C
ALIMENTOS – INSURGÊNCIA DA ALIMENTANDA QUANTO AO PER-
CENTUAL ARBITRADO (30% DO SALÁRIO MÍNIMO), EM CASO DE
DESEMPREGO DO ALIMENTANTE – PLEITO DE MAJORAÇÃO PARA
50% DO SALÁRIO MÍNIMO – ALIMENTANTE QUE ADIMPLE PENSÃO
ALIMENTÍCIA PARA OUTRO FILHO, NO REFERIDO VALOR – ATENDI-
MENTO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – ART. 227, § 6º, DA CONSTI-
TUIÇÃO FEDERAL – RECURSO PROVIDO
A fixação dos alimentos deve ser amoldada ao binômio necessidade x
possibilidade, com a sua majoração se revelando viável quando demons-
trada a violação ao princípio da isonomia, visto que o Alimentante possui
filho que percebe verba alimentar em percentual maior que o arbitrado.
(TJSC, Apelação nº 0020068-28.2011.8.24.0038, de Joinville, Rel. Des.
João Batista Góes Ulysséa, J. 28.04.2016, grifo nosso).

Na hipótese, ainda que a apelante afirme que a capacidade eco-


nômica do apelado seja muito superior do alegado, não existe nada nos
autos nesse sentido, uma vez que resta demonstrado que este é motorista
e possui um caminhão em seu nome, o que, por si só, não podemos au-
ferir com segurança que o mesmo dispõe de aparato financeiro capaz de
arcar com o valor ora pleiteado (4 salários mínimos).
Ademais, não há qualquer comprovação de que a alimentada ne-
cessita de gastos extraordinários, mesmo porque atualmente conta com
22 (vinte e dois) anos de idade; logo, entendo ser adequado o valor fi-
xado pelo juízo singular (1 salário mínimo), vez que atende ao binômio
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 199
possibilidade x necessidade aqui configurados/exigidos (art. 1.694, § 1º,
do CC).
E, sendo assim, atenho-me ao princípio da confiança no juiz da
causa, que conduzindo o processo e estando mais próximo das partes,
possui maior sensibilidade para ponderar as consequências dos fatos,
partilhando, inclusive, do entendimento de que “não pode um dos pais
se eximir de dita responsabilidade, legalmente garantida, recaindo a am-
bos os genitores o dever de sustento da prole” (fl. 276).
A jurisprudência desta Corte não destoa:
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – ALIMENTOS – AÇÃO
DE ALIMENTOS – PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM – PEDIDOS
AVIADOS EM CONTRARRAZÕES – MINORAÇÃO DA VERBA ALIMEN-
TAR – PRETENSÃO NÃO CONHECIDA – VIA ELEITA INADEQUADA
– REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE VISITAÇÃO – INOVAÇÃO –
PRETENSÃO NÃO DISCUTIDA NO CURSO DA LIDE – PLEITO QUE
DEVE SER POSTULADO EM AÇÃO PRÓPRIA – IMPUGNAÇÃO À AS-
SISTÊNCIA JUDICIÁRIA – DESCABIMENTO – AUSÊNCIA DE PROVAS
QUE COMPROVEM A DESNECESSIDADE DO BENEFÍCIO – MANU-
TENÇÃO – INSURGÊNCIA RECURSAL DO ALIMENTADO – PReten-
SÃO De MAJORAÇÃO DA VeRBA ALIMentAR – IMPOSSIBILIDADe
– AUSÊnCIA De PROVAS QUAntO AS eFetIVAS neCeSSIDADeS DO
DeVeDOR, BeM COMO DAS ReAIS COnDIÇÕeS eCOnÔMICAS DO
ALIMentAnte – VeRBA FIXADA COM ADeQUAÇÃO AO BInÔMIO
neCeSSIDADe-POSSIBILIDADe – SentenÇA MAntIDA – RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO AUTOR/
APELANTE – PEDIDO DE CONDENAÇÃO FORMULADO EM CON-
TRARRAZÕES – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS CONCRETOS DE ATITUDE
DOLOSA DO DEMANDANTE – OCORRÊNCIA QUE NÃO PODE SER
PRESUMIDA – PLEITO AFASTADO. (TJSC, Apelação Cível nº 0304155-
89.2016.8.24.0091, da Capital, Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves,
Quinta Câmara de Direito Civil, J. 06.02.2018, grifo nosso)

Desse modo, não restando demonstrada a necessidade de percebi-


mento de valor maior da verba alimentar, tampouco a possibilidade de
o apelado arcar com os valores almejados, a manutenção do decisum é
medida que se impõe.
Pelo exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento.
Este é o voto.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
8342

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


8ª Câmara de Direito Privado
Agravo de Instrumento nº 2061879‑47.2018.8.26.0000
Agravantes: S. B. D. L. e outro
Agravados: M. C. D. L. e outros
Interessados: F. F. de A. M. e outros
Voto nº 19.736
Registro: 2018.0000563885

ementa
INVENTÁRIO – DECISÃO QUE DEFERIU O PROCESSAMENTO DOS LEGADOS AOS HERDEIROS
SOBRINHOS E CONFERIU O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO A UM DOS SOBRINHOS –
FALECIDA DEIXOU TESTAMENTO – IRRESIGNAÇÃO DE PARTE DOS HERDEIROS – AÇÃO
ANULATÓRIA DE TESTAMENTO EM CURSO QUESTIONANDO A HIGIDEZ MENTAL DA
TESTADORA – INVALIDADE DA CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA QUE NÃO PODE SER DECRETADA
DE OFÍCIO – EFEITOS PRODUZIDOS ATÉ A DECLARAÇÃO DE ANULABILIDADE (CC,
ART. 177) – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão


proferida em sede de embargos de declaração (fls. 48/49), a qual mante-
ve pronunciamento anterior que determinou o acréscimo do direito real
de habitação em favor de R. V. Z. D. L. (fls. 43/44).
Irresignados, pretendem os agravantes a concessão de efeito sus-
pensivo e a reforma do r. pronunciamento sustentando, em síntese, a
nulidade do decisum, uma vez que o testamento teria conferido o direito
real de habitação ao sobrinho da de cujus; o art. 1.831 do CC assegura-
ria o direito real de habitação apenas ao cônjuge sobrevivente; R. jamais
teria residido no imóvel em questão; o MM. Juiz a quo havia indeferido
anteriormente o pleito de R. por falta de amparo legal; será expedida
carta de sentença em prejuízo aos agravantes; há ação anulatória do
testamento em curso fundada na higidez mental da testadora.
O recurso foi regularmente processado, tendo sido negado o efeito
suspensivo pleiteado, consoante decisão de fls. 176/181.
Contrarrazões às fls. 184/186 e 187/192.
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Não houve oposição ao julgamento virtual do presente recurso
(fl. 193).
É o relatório.
1. Consoante decidido anteriormente,
“O exame dos autos revela o processamento do inventário dos bens dei-
xados por I. E. E. V., a qual deixou testamento (fls. 35/40, origem).
No curso do processo de inventário, R. pleiteou a concessão do direito
real de habitação, assim disposto no testamento à fl. 33, dos autos de
origem: ‘Para o Grupo I, ou seja, R. B. D. L., S. B. D. L. e R. B. D. L. re-
ceberão em conjunto e em quotas iguais: casa e terreno, na Rua Mário
Amaral nº 314, bairro do Paraíso, nesta Capital. Por fim, recebem em
legado casa e terreno, na Rua Galeão Coutinho nº 321, antiga 303, Praia
de Itaguá, em Ubatuba com o encargo de respeitar a moradia de R. V.
Z. D. L., sem cobrar-lhe qualquer valor a título de locação, de modo vi-
talício, por se tratar de direito real de habitação que deve ser registrado.
Quando R. falecer, a posse da casa e terreno serão transmitidas integral-
mente ao Grupo I’.
O MM. Juiz de primeiro grau rejeitou o pedido de Raul por falta de am-
paro legal (fls. 523, origem).
Posteriormente, deferiu a entrega antecipada dos legados não contesta-
dos (fls. 2.166/2.179), mas deixou de atribuir a Raul o direito real de
habitação, conforme consignado no testamento.
Ato contínuo, expediu-se carta de adjudicação.
Em seguida, o MM. Juiz a quo reviu a decisão e deferiu o direito real de
habitação em relação ao imóvel situado em Ubatuba/SP, à Rua Galeão
Coutinho, nº 321, em favor de Raul e determinou a expedição de nova
carta de adjudicação.
Disso resultaria a justificativa para o pedido de reforma da r. decisão
agravada.
2. É fato que os herdeiros são sobrinhos da falecida e que litigam em
torno dos legados.
No que pertine ao decisum objeto deste recurso, o Magistrado observou
ter havido erro material quando do pronunciamento anterior.
Por isso, acabou deixando de apreciar o pedido de concessão do direito
real de habitação feito por R.
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A situação somente veio a lume após manifestação de parte dos herdeiros


(fls. 2.265/2.266).
Por outro lado, é certo que a falecida deixou dois testamentos e que há
demanda em curso que tem em vista a anulação do segundo deles.
Na verdade, quando deferida a entrega dos legados, a ação anulatória
já havia sido ajuizada e os agravantes já sabiam que eventual sentença
favorável repercutiria nos direitos dos sobrinhos aos legados recebidos
da testadora.
Ainda assim, não se opuseram à expedição de carta de adjudicação.
E, posteriormente, com a revisão do que fora decidido inicialmente pelo
MM. Juiz de primeiro grau, a única alteração que se operou no tocante
aos legados foi quanto ao reconhecimento do direito real de habitação
do sobrinho R.
Diante disso, e em que pesem as alegações dos agravantes, até que a
questão seja decidida na ação anulatória, o respectivo testamento confi-
gura negócio jurídico perfeito, insuscetível de modificação e que produz
efeitos no processo de inventário.
Daí, a manutenção das cláusulas desta manifestação de vontade, até que
eventual invalidade venha a ser reconhecida.
Afinal, não pode ser declarada de ofício pelo Juiz.
‘As hipóteses de anulabilidade protegem interesses individuais; a in-
validade decorrente do erro, dolo e coação, por exemplo, não podem
ser decretadas de ofício; devem ser requeridas por quem tenha inte-
resse na decretação da invalidade do negócio jurídico; tem eficácia
ex nunc, pois não retroagem, produzindo efeitos até ser anulado (CC,
art. 177)’, consoante já tive oportunidade de afirmar em sede doutri-
nária (cf. Inexistência, invalidade e ineficácia do testamento. In Gran-
des temas de direito de família e sucessões. Coord. Regina Beatriz
Tavares da Silva e Theodureto de Almeida Camargo Neto. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 354).
Ao menos por ora, pois, não vislumbro as irregularidades apontadas pe-
los agravantes no r. pronunciamento.
3. Conclusão – Daí por que se nega provimento ao recurso.”

Na hipótese de apresentação de embargos de declaração contra


o presente acórdão, ficam as partes intimadas a se manifestarem, nas
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próprias razões recursais, a respeito de eventual oposição ao julgamen-
to virtual, nos termos do art. 1º da Resolução nº 549/2011 do Órgão
Especial deste Eg. Tribunal de Justiça, entendendo-se o silêncio como
concordância.

Theodureto Camargo
Relator
Assinatura Eletrônica

acóRdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
nº 2061879-47.2018.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são
agravantes S. B. D. L. e R. B. D. L., são agravados M. C. D. L., R. S. L.
(inventariante), J. O. O. de A., M. M. F., C. A. D. L., R. B. D. L., M. M.,
R. V. Z. D. L., M. F. D. A., A. C. D. L., M. M. M. S., J. S. M. e G. M. N.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
Silvério da Silva (Presidente sem voto), Alexandre Coelho e Clara Maria
Araújo Xavier.
São Paulo, 31 de julho de 2018.

Theodureto Camargo
Relator
Assinatura Eletrônica
Parte Geral – Ementário de Jurisprudência
8343 – Abandono afetivo – conhecimento prévio da paternidade – prescrição – ter-
mo inicial – maioridade
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação reparatória. Abandono afetivo. Co-
nhecimento prévio da paternidade. Prescrição. Termo inicial. Maioridade. 1. A eg. Quar-
ta Turma desta Corte já decidiu que, sendo a paternidade biológica do conhecimento do
autor desde sempre, o prazo prescricional da pretensão reparatória de abandono afeti-
vo começa a fluir a partir da maioridade do autor (REsp 1298576/RJ, DJe 06.09.2012).
2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.270.784 – (2018/0072605-1) –
4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 15.06.2018 – p. 1769)

8344 – Ação de alimentos – redução


“Agravo de instrumento. Família. Ação de alimentos. Redução de alimentos. Observado
o binômio possibilidade/necessidade, cabível redução dos alimentos, mas não no pata-
mar pretendido. Recurso parcialmente provimento.” (TJRS – AI 70077757482 – 8ª C.Cív.
– Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 19.07.2018)

8345 – Ação de investigação de paternidade – alimentos – exame de DNA realizado


com a genitora – comprovação de vínculo genético
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de investigação de paternidade
cumulada com alimentos. 1. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. 2.
Investigado que reside no exterior. Exame de DNA realizado com a genitora. Compro-
vação de vínculo genético. Desnecessidade de realização de nova perícia. Pensão ali-
mentícia. Revisão de valor. Impossibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo
interno desprovido. 1. Todas as questões suscitadas pelas partes foram devidamente
apreciadas pela Corte estadual, não havendo que se falar em negativa de prestação ju-
risdicional. 2. A assertiva de que é desnecessária a realização de novo exame de DNA,
considerando que o realizado nos autos é idôneo e suficiente para o reconhecimento
de paternidade, bem como a questão acerca do binômio necessidade e possibilidade,
deu-se com base nas provas colacionadas aos autos, e infirmar as conclusões do ares-
to a quo demandaria o reexame de provas, atraindo a incidência da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.165.040 – (2017/0219107-4)
– 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 24.05.2018 – p. 1914)

8346 – Ação de investigação de paternidade c/c alimentos – exame de DNA – não


realizado pelo investigado – inversão do ônus da prova
“Apelação cível. Ação de investigação de paternidade c/c alimentos. Exame de DNA.
Não realizado pelo investigado. Inversão do ônus da prova. Art. 373, II, do CPC. Pa-
ternidade declarada por presunção. Súmula nº 301/STJ. Alimentos. Fixados. Sentença
reformada. Recurso provido. A inexistência de prova pericial capaz de proporcionar cer-
teza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da
recusa em submeter-se ao exame, a paternidade pode se comprovar mediante a análise
de indícios e presunções existentes nos autos (STJ, REsp 1531093/RS). Dispõe o art. 373,
do CPC, ao autor e réu são direcionadas normas objetivas, quanto ao ônus da prova, sua
distribuição e consequente produção. Desta forma, cabe ao réu, provar os fatos extinti-
vos, impeditivos e modificativos do direito da autora, nos termos do art. 373, II do CPC.
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A rigor do art. 1.694, § 1º do Código Civil, o valor arbitrado a título de alimentos deverá
ser fixado com base no binômio necessidade/possibilidade, de modo a atender tanto às
necessidades do alimentado, quanto respeitar as condições financeiras do alimentante.”
(TJMT – Ap 1499/2018 – Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias – DJe 30.07.2018 – p. 99)

8347 – Ação de investigação de paternidade post mortem – relação de parentesco


“Apelação. Direito civil. Relação de parentesco. Ação de investigação de paternidade
post mortem. Tratando-se de ação de estado, em que se busca a verdade real, e sendo
inviável a realização da prova pericial, deveria a parte autora ter produzido prova dos
fatos alegados na petição inicial. Nas hipóteses de revelia não se consideram verdadeiras
as alegações do autor de forma absoluta, inexistindo a presunção de veracidade, não
há como decretar seus efeitos, nos termos do art. 345, II, do CPC. Recurso desprovido.”
(TJRS – AC 70077756773 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro –
J. 20.06.2018)

8348 – Alimentos – alteração de guarda


“Ação de alimentos. Alteração de guarda. 1. O encargo de prover o sustento da prole
comum é de ambos os genitores. 2. Os alimentos devem ser fixados de forma a atender
as necessidades dos filhos menores, mas dentro das possibilidades do genitor, não deten-
tor da guarda, que constitui o binômio alimentar de que trata o art. 1.694, § 1º, do CC.
3. Restando evidente que a guarda definitiva do menor está com o pai, não compete a
ele prestar alimentos in pecunia, pois, já alcança in natura ao filho, motivo pelo impro-
cede a ação. Recurso provido.” (TJRS – AC 70078193240 – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves – J. 25.07.2018)

8349 – Alimentos – extinção do processo – abandono de causa


“Apelação cível. Ação de alimentos. Processual civil. Extinção do processo sem resolu-
ção do mérito por abandono de causa da autora, nos termos do art. 267, inciso III do
CPC/1973. Ausência de prévia intimação pessoal. Requisito imprescindível. Precedentes
do STJ. Sentença cassada. Autos devolvidos ao juízo de origem. Recurso conhecido e
provido. 1. Trata-se de apelação cível em que busca a recorrente reformar a decisão a
quo, proferida nos autos de ação de alimentos, que julgou o processo sem resolução do
mérito por abandono da causa, nos termos do art. 267, inc. III, do CPC/1973. 2. Compul-
sando os autos, constata-se que não há qualquer certidão de intimação pessoal da parte
autora para manifestar-se na presente ação acerca do seu interesse no prosseguimento do
feito. 3. O art. 267, § 1º do CPC/1973, exige a intimação pessoal da parte autora, previa-
mente à extinção por abandono. Inexistindo tal intimação, a fim de comprovar-se o real
abandono da causa, deve a decisão monocrática ser cassada, vez que proferida de modo
prematuro. Precedentes do STJ. 4. Sentença cassada com o consequente retorno dos au-
tos à origem. 5. Recurso conhecido e provido.” (TJCE – Ap 0115731-87.2009.8.06.0001
– Relª Lira Ramos de Oliveira – DJe 16.07.2018 – p. 100)

8350 – Alimentos – maioridade – curso técnico – término – exoneração


“Exoneração de alimentos. Maioridade. Curso técnico. Término. A exoneração do dever
de prestar alimentos em decorrência do advento da maioridade do alimentando depende
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da oportunização do alimentado se manifestar e comprovar, se for o caso, a impossibili-


dade de prover a própria subsistência. Inexistindo prova de que o alimentado necessita
dos alimentos, por ser maior de idade, com o término do curso técnico, se extingue o
dever de alimentar.” (TJRO – Ap 7002440-87.2016.8.22.0004 – Rel. Juiz Conv. Johnny
Gustavo Clemes – DJe 03.08.2018 – p. 21)

8351 – Alimentos provisórios – execução


“Execução de alimentos provisórios. Sentença que extinguiu a execução, por conta da
reversão da guarda dos exequentes em favor do executado durante o processo. Legitimi-
dade da genitora em prosseguir com a demanda. Precedente do E. STJ. Executado que
não pode se beneficiar de seu inadimplemento. Continuidade da execução. Recurso
provido.” (TJSP – Ap 0021550-82.2016.8.26.0554 – Santo André – 7ª CDPriv. – Relª
Mary Grün – DJe 23.07.2018)

8352 – Alimentos provisórios – obrigação avoenga


“Agravo de instrumento. Direito de família. Alimentos provisórios. Avoenga. Decisão
que fixa os alimentos a serem pagos mensalmente. Ausência de fundamentação. Ofensa
ao art. 93, IX da CF/1988. Nulidade da decisão. Agravo de instrumento conhecido e
provido. Decisão anulada.” (TJCE – AI 0622292-58.2018.8.06.0000 – Rel. Jucid Peixoto
do Amaral – DJe 20.07.2018 – p. 66)

8353 – Casamento – ação de anulação – danos morais


“Ação de anulação de casamento combinada com indenização por danos morais. In-
deferimento, na origem, de pedido de tutela de urgência destinada a obrigar um dos
cônjuges a continuar adimplindo metade do valor de prestação de imóvel adquirido
na constância da união. Impossibilidade. Obrigação solidária que pode ser exigida de
ambos os cônjuges pela totalidade da dívida. Codevedor solidário que solve a parte
do outro devedor. Pretensão indenizatória que deve ser buscada em ação de regresso,
não por meio de tutela de urgência, com cognição limitada. Recurso desprovido.”
(TJSC – AI 4007788-27.2018.8.24.0000 – Relª Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta –
J. 17.07.2018)

8354 – Casamento – empresas familiares – separação – partilha de bens


“Sociedade. Empresas familiares constituídas durante casamento das partes. Separação.
Partilha de bens. Réu que permaneceu como sócio das empresas e deveria ter promovi-
do alterações societárias para anotação da retirada da autora. Obrigação não cumprida.
Pretensão da autora à tutela cominatória, bem como reparação por danos morais pela
cobrança de dívidas das empresas partilhadas. Alegação de que a sentença seria extra
petita, pois foi concedida indenização de valor superior ao requerido. O valor da re-
paração por danos morais está sujeito ao arbitramento do Magistrado que, de acordo
com os elementos presentes nos autos, quantifica a indenização ajustada ao prejuízo
causado. Vício não caracterizado. Preliminar afastada. Autora que passou a ser deman-
dada por dívidas sociais que não poderiam ser dela exigidas diante do teor da partilha
realizada. Constrição de imóvel. Bloqueio de valor em conta bancária da autora, contra
a qual foram também ajuizadas reclamações trabalhistas. Dano moral caracterizado.
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Redução do valor da reparação. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 1026317-
30.2014.8.26.0001 – São Paulo – 2ª C.Res.DEmp. – Rel. Alexandre Marcondes – DJe
30.07.2018)

8355 – Casamento – retificação de registro civil


“Retificação de registro civil. Certidão de casamento. Mudança da profissão indicada no
registro. Dado não essencial. Fins previdenciários. Falta de interesse de agir. Sentença
mantida.” (TJMG – AC 1.0486.17.002695-0/001 – 6ª C.Cív. – Rel. Audebert Delage –
DJe 10.07.2018)

8356 – Casamento celebrado antes de decorridos 10 (dez) meses do falecimento do


cônjuge anterior – ação declaratória de nulidade de pacto antenupcial
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação declaratória de nulidade de pacto
antenupcial. Casamento celebrado antes de decorridos 10 (dez) meses do falecimento
do cônjuge anterior. Inaplicabilidade das causas suspensivas para realização do segundo
casamento. Revisão das conclusões estaduais. Impossibilidade. Necessidade de reexame
do acervo fático-probatório. Súmula nº 7/STJ. Agravo interno desprovido. 1. A revisão
das conclusões estaduais. Acerca da ausência das nulidades suscitadas por serem inapli-
cáveis as causas suspensivas alegadas – demandaria, necessariamente, o revolvimento
do acervo fático-probatório dos autos, providências inviáveis na via estreita do recurso
especial, ante o óbice disposto na Súmula nº 7/STJ. 2. Razões recursais insuficientes para
a revisão do julgado. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.273.437
– (2018/0076027-7) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 29.06.2018 –
p. 1443)

8357 – Comunhão parcial de bens – bem adquirido exclusivamente pelo autor antes
do casamento – ex-cônjuge
“Reintegração de posse. Ex-cônjuge. Bem adquirido exclusivamente pelo autor antes
do casamento. Regime da comunhão parcial de bens. Posse precária exercida pela ex-
-cônjuge do autor, pois se originou em ato de mera liberalidade dele, que permitiu que
ela usufruísse o bem sem, contudo, renunciar à condição de titular dos direitos sobre
o imóvel. Recurso provido.” (TJSP – Ap 1040993-90.2014.8.26.0224 – Guarulhos –
17ª CDPriv. – Rel. Afonso Bráz – DJe 10.07.2018)

8358 – Divórcio – partilha de bens – casamento realizado pelo regime da comunhão


parcial – exceção ao princípio da comunicabilidade
“Apelação cível. Ação de divórcio. Partilha de bens. Casamento realizado pelo regime
da comunhão parcial. Exceção ao princípio da comunicabilidade. Ônus da prova. Pelo
regime da comunhão parcial de bens, comunicam-se todos os bens adquiridos onero-
samente na constância do matrimônio, presumindo-se o esforço comum (art. 1.658 do
CCB). O ônus de comprovar o implemento de alguma das hipóteses de exceção ao prin-
cípio da comunicabilidade elencadas na Lei Civil (art. 1.659) incumbe ao cônjuge que
veicular alegação nesse sentido. No caso concreto, a sentença deve ser ratificada por
falta de prova da existência dos semoventes alegados pelo apelante, ou mesmo da anun-
ciada alienação de animais pela virago após a separação de fato. O provimento judicial
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vergastado também determinou a divisão igualitária da dívida do Pronaf, inexistindo


interesse recursal quanto ao ponto. Quanto ao bem imóvel descrito nos autos, não há
falar em propriedade, mas apenas em posse indireta deferida aos litigantes pelo Estado
do Rio Grande do Sul, através de Termo de Concessão de Uso. O descumprimento ou
irregularidades dos concessionários (ou especificamente da concessionária), ou mesmo
o desvio de uso, é matéria estranha ao presente feito, competindo ao concedente, o Po-
der Público, a sua fiscalização para fins de cancelamento ou manutenção da concessão.
Apelo desprovido.” (TJRS – AC 70077610368 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Sandra Brisolara
Medeiros – J. 20.06.2018)

8359 – Divórcio consensual – acordo sobre partilha dos bens – homologação por
sentença – posterior ajuste consensual acerca da destinação dos bens – viola-
ção à coisa julgada – inocorrência
“Civil. Processual civil. Divórcio consensual. Acordo sobre partilha dos bens. Homologa-
ção por sentença. Posterior ajuste consensual acerca da destinação dos bens. Violação à
coisa julgada. Inocorrência. Partes maiores e capazes que podem convencionar sobre a
partilha de seus bens privados e disponíveis. Existência, ademais, de dificuldade em cum-
prir a avença inicial. Aplicação do princípio da autonomia da vontade. Ação anulatória.
Descabimento quando ausente litígio, erro ou vício de consentimento. Estímulo às solu-
ções consensuais dos litígios. Necessidade. 1. Ação distribuída em 14.09.2012. Recurso
especial interposto em 20.10.2015 e atribuído à relatora em 15.09.2016. 2. Os propósitos
recursais consistem em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e se é possível
a homologação de acordo celebrado pelas partes, maiores e capazes, que envolve uma
forma de partilha de bens diversa daquela que havia sido inicialmente acordada e que fora
objeto de sentença homologatória transitada em julgado. 3. Ausentes os vícios do art. 535,
II, do CPC/1973, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional. 4. A coisa
julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e capazes,
versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado
judicialmente por ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo ajuste
consensual sobre o destino dos referidos bens, assentado no princípio da autonomia da
vontade e na possibilidade de dissolução do casamento até mesmo na esfera extrajudicial,
especialmente diante da demonstrada dificuldade do cumprimento do acordo na forma
inicialmente pactuada. 5. É desnecessária a remessa das partes à uma ação anulatória
quando o requerimento de alteração do acordo não decorre de vício, de erro de con-
sentimento ou quando não há litígio entre elas sobre o objeto da avença, sob pena de
injustificável violação aos princípios da economia processual, da celeridade e da razoável
duração do processo. 6. A desjudicialização dos conflitos e a promoção do sistema Multi-
portas de acesso à justiça deve ser francamente incentivada, estimulando-se a adoção da
solução consensual, dos métodos autocompositivos e do uso dos mecanismos adequados
de solução das controvérsias, tendo como base a capacidade que possuem as partes de
livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos. 7. Recurso espe-
cial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.623.475 – (2016/0230901-2) – 3ª T. – Relª Min.
Nancy Andrighi – DJe 20.04.2018 – p. 2009)

8360 – Divórcio litigioso – alegação de construções em imóvel na constância do


casamento – ausência de comprovação – partilha indevida
“Apelação cível. Ação de divórcio litigioso. Alegação de construções em imóvel na
constância do casamento. Ausência de comprovação. Partilha indevida. Alegação de
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veracidade do fato alegado em razão da revelia do apelado. Presunção relativa. Autora
não comprovou fatos constitutivos de seu direito. Art. 373, I, do CPC. Sentença mantida.
Recurso conhecido e não provido.” (TJAL – Ap 0732711-61.2015.8.02.0001 – Rel. Des.
Domingos de Araújo Lima Neto – DJe 30.07.2018 – p. 100)

8361 – Execução – bem de família – imóvel – impenhorabilidade – preclusão


“Agravo interno em agravo em recurso especial. Execução. Bem de família. Imóvel. Im-
penhorabilidade. Preclusão. Discussão posterior. Pequena propriedade rural. Impossibi-
lidade. Arts. 474 do CPC/1973 e 508 do CPC/2015. 1. Exercitada previamente a tentativa
de reversão da penhora sob alegação de tratar-se o imóvel constrito de bem de família,
transitando em sentido oposto ao pretendido pelos recorrentes, não se admite a discus-
são posterior da questão nos próprios autos ou em processo diverso. 2. A imutabilidade
da decisão judicial transitada em julgado, em que oferecida a ampla defesa e cumprido
o devido processo legal, conta com proteção constitucional em nível de direito funda-
mental, equivalendo-se a quaisquer outros princípios. 3. Transitada em julgado a sen-
tença, reputam-se deduzidas todas as alegações tanto ao acolhimento como à rejeição
do pedido, nos termos dos arts. 474 do revogado Código de Processo Civil e 508 do
vigente. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 643.785 –
(2014/0339237-2) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.04.2018 – p. 2027)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo interno contra decisão que negou provimento a agravo.
Afirmam que em “um primeiro momento, a impenhorabilidade era buscada sob funda-
mento de que o imóvel servia como bem de família, destinado à moradia da unidade
familiar dos Agravantes. Já no segundo momento, a pretensão de impenhorabilidade se
sustentava na tese de que o imóvel configurava pequena propriedade rural destinada ao
sustento dos Agravantes”, daí porque não se poderia falar em coisa julgada ou litispen-
dência.
Insistem, assim, na omissão do acórdão local e pedem o provimento do recurso.
Impugnação do agravado no sentido de que a nova causa de pedir na tem o condão de
afastar os efeitos da decisão transitada em julgado.
O STJ negou provimento ao agravo interno.
Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:
“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças
e acessórios, destinando-se ao domicílio familiar, podendo, ainda, ser constituído por
valores mobiliários.
O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo
se provenientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção
perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a
maioridade, vale dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.
[...]
No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenho-
rabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respec-
tivos incisos, quais sejam:
a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;
b) crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;
210 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

c) crédito decorrente de pensão alimentícia;


d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;
e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;
f) aquisição do imóvel com produto de crime;
g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma
civilista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanên-
cia, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família.
Repertório de Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, n. 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov.
2005)

8362 – Inventário – testamento – Código Civil de 1916 – inobservância quanto ao


número de testemunhas
“Apelação cível. Inventário. Testamento. Código Civil de 1916. Inobservância quanto
ao número de testemunhas. Óbice à confirmação do testamento em juízo. Sentença
mantida. Recurso improvido. 1. Considerando a data de sua celebração, tem-se que o
ato de disposição de última vontade deixado pelo de cujus deve ter seus requisitos de
validade analisados na esteira das disposições contidas no Código Civil de 1916. 2. Em
se tratando de testamento particular, a exigência de intervenção de cinco testemunhas,
que devem presenciar o ato, além do testador, configura requisito essencial à solenidade,
e não meio de prova. Dessa forma, a inobservância do número exigido na lei representa
óbice à confirmação do testamento em juízo. 3. O legislador admite a ausência de so-
mente duas testemunhas, por morte, ausência ou por encontrar-se em lugar não sabido,
podendo ser confirmado o testamento se ouvidas, ao menos, três testemunhas. 4. Na
hipótese discutida, apenas duas testemunhas foram ouvidas, o que constitui óbice ao
registro da disposição de última vontade, por estar em desacordo com as formalidades
legais. 5. Sentença mantida. 6. Recurso improvido.” (TJPI – AC 2016.0001.008282-6 –
2ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. José James Gomes Pereira – DJe 30.07.2018)

8363 – Investigação de paternidade – reconhecimento do vínculo biológico e preser-


vação da paternidade registral pré-existente socioafetiva – multiparenta-
lidade
“Apelação cível. Investigatória de paternidade. Reconhecimento do vínculo biológico
e preservação da paternidade registral pré-existente socioafetiva. Multiparentalidade.
Inexistência de defeito de congruência entre pedido e sentença. Caso em que não
há defeito de congruência entre o pedido e a sentença, pois o reconhecimento da
multiparentalidade (dupla paternidade) se insere no âmbito do pedido do autor (pai
biológico) que se limita à inclusão, no registro de nascimento da filha, da paternidade
biológica, no qual já consta registrada uma paternidade socioafetiva. Nesse passo, es-
tando bem provada a relação de afeto existente entre a menor e o pai registral socioa-
fetivo, a sentença que reconheceu a paternidade biológica, preservando a paternidade
registral pré-existente, julgou conforme a jurisprudência da Corte, pois possível e ade-
quado o reconhecimento da dupla paternidade (multiparentalidade), em casos como o
presente. Negaram provimento.” (TJRS – AC 70076327162 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rui
Portanova – J. 28.06.2018)
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 211
8364 – ITCD – Lei nº 3.804/2006 – regime de casamento – comunhão parcial de
bens – doação entre cônjuges
“ITCD. Lei nº 3.804/2006. Regime de casamento. Comunhão parcial de bens. Doação
entre cônjuges. Fato gerador. Inocorrência. O cancelamento da exigência do ITCD, que
incidiu sobre a transferência de valores entre cônjuges, é medida que se impõe, a consi-
derar o regime da comunhão parcial de bens adotado pelo casal, hipótese em que não
ocorre o fato gerador do tributo. Reexame Necessário que se desprovê.” (TARFDF – RN
60/2017(127.006.218/2015) – (103/2018) – 1ª C. – Rel. Cons. Rudson Domingos Bueno
– DOE 13.07.2018 – p. 2)

8365 – Locação de imóvel – fiança – garantia prestada sem a outorga uxória – inefi-
cácia total
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Locação de imóvel. Negativa de pres-
tação jurisdicional. Não ocorrência. Fiança. Garantia prestada sem a outorga uxória.
Ineficácia total. Súmula nº 332/STJ. Recurso não provido. 1. Não se viabiliza o recurso
especial pela indicada violação do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. Isso
porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devida-
mente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma funda-
mentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. ‘A fiança
prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia’
(Súmula nº 332/STJ). 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.252.047 –
(2018/0036913-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.05.2018 – p. 2543)

Comentário Editorial SÍNTESE


Cuida-se de agravo interno interposto sob a vigência do Novo Código de Processo Civil,
contra decisão deste relator, que negou provimento ao agravo em recurso especial, com
base nos seguintes fundamentos:
a) ausência de violação ao art. 1.022 do Novo Código de Processo Civil, pois o Eg. Tribu-
nal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha
examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes;
b) ausência de violação ao art. 489 do CPC/2015, pois o acórdão tratou de forma clara
e suficiente a controvérsia apresentada, lançando fundamentação jurídica sólida para o
desfecho da lide; e,
c) incidência da Súmula nº 83 do STJ, uma vez que é pacífico o entendimento desta Corte
no sentido de que a ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido
invalida o ato por inteiro, sendo nula a garantia.
Inconformada, a parte ora agravante, em apertada síntese, reitera que as omissões apon-
tadas nos embargos de declaração não foram sanadas.
Alegou que a fiança foi prestada por empresário, para garantir contrato de locação comer-
cial, em favor de empresa da qual é sócio, no âmbito da sua atividade comercial, devendo
ser afastada a incidência das Súmulas nºs 332 e 83, do STJ.
O STJ negou provimento ao agravo interno.
O Código Civil de 1916 tornava a fiança com ausência de outorga uxória ato nulo, e o novo
regramento torna o ato anulável.
O Código Civil de 2002 restringe a prática de atos que exigem a outorga uxória por apenas
um dos cônjuges e permite a possibilidade aos casados sob o regime de separação de
bens, disposto no art. 1.647, como veremos:
212 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem auto-
rização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar
futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou
estabelecerem economia separada.”
Washington de Barros Monteiro ensina:
“Não basta que a mulher tenha tido ciência da fiança prestada pelo marido; exige a lei,
para a respectiva validade, haja ela dado sua outorga.
Poderá a mulher casada alegar nulidade da fiança, prestada sem seu consentimento,
quer como defesa direta, na própria ação movida pelo credor, quer em recurso de ape-
lação, quer, ainda, através de embargos de terceiro, não sendo necessário ajuizamento
de ação especial, visando a tal objetivo.” (Curso de direito civil – Direito das obrigações.
São Paulo: Saraiva, v. 5, 1997-1999. p. 358-359.)

8366 – Maternidade socioafetiva – não comprovação – tese do recurso especial


“Embargos de declaração em agravo interno. Maternidade socioafetiva não comprova-
da. Tese do recurso especial que demanda reexame de contexto fático e probatório dos
autos. Súmula nº 7/STJ. Omissão. Obscuridade. Contradição. Inexistência. Embargos re-
jeitados, com aplicação de multa. 1. Os embargos de declaração só se prestam a sanar
obscuridade, omissão ou contradição porventura existentes no acórdão, não servindo
à rediscussão da matéria já julgada no recurso. 2. A tese defendida no recurso espe-
cial demanda reexame do contexto fático e probatório dos autos, vedado pela Súmula
nº 7/STJ. 3. Embargos de declaração rejeitados, com aplicação de multa, nos termos do
art. 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil.” (STJ – EDcl-AgInt-Ag-REsp 1.039.119 –
(2017/0001870-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 01.06.2018 – p. 1477)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo interno interposto em face de decisão em que negou-se provimento ao
agravo em recurso especial.
Nas razões do agravo, o recorrente reiterou os argumentos despendidos no recurso es-
pecial, sustentando a existência de omissão no acórdão estadual e a possibilidade de
enquadrar a filiação socioafetiva como modalidade de parentesco, de modo a declarar o
estado de filiação entre a ora recorrente e o de cujus.
O STJ negou provimento ao agravo interno.
Em artigo publicado no Repertório de Jurisprudência IOB, Tereza Rodrigues Vieira dispôs
sobre a alteração do nome, vejamos:
“O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto. Em nossa jurisprudência notamos
uma determinada propensão à influência do uso, como força suficiente para modificar ou
alterar o registro de nascimento. São em grande número os julgados que possibilitam a
mudança do assento de nascimento devido ao uso de prenome e sobrenome diversos:
[...]
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 213
Prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não conste do registro; e não
o constante do registro e nunca usado. O que a lei não quer é que haja alteração do pre-
nome, no meio social, e não no livro de registro.” (Revista dos tribunais, v. 185, p. 424)
“O princípio da imutabilidade do prenome estabelecido em lei não é absoluto cedendo
ante circunstâncias imperativas, principalmente quando se impõe a correção de equívocos
prejudiciais à vida do indivíduo.” (Jurisprudência e doutrina, 12/214, 1953 – Ementário
Forense)
“Retificação em termo de nascimento. Concede-se autorização para que se adite, posposto
ao prenome, o nome pelo qual foi conhecida, a fim de que não fique quebrada a segu-
rança das relações jurídicas, de que a identidade é uma garantia precisa. Não deve ser
apreciada inflexivelmente a regra da imutabilidade do prenome. (AP 10.416, 2ª C.Cív.,
da Guanabara)
[...]
Entendemos que se a pessoa é conhecida por nome diverso do que consta no assento de
nascimento, deve permitir-se a alteração, acrescentando-se o freqüentemente usado ao
do registro, uma vez que é por meio dele conhecido no trabalho, na escola, na família
etc.” (Uso de prenome e sobrenome diversos dos inscritos no registro civil. Repertório de
Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 17, p. 306, n. 3/12382, 1ª quinz. set. 1996)
As juristas Alessandra Cristina Furlan e Daniela Braga Paian assim disciplinam sobre o
instituto da adoção:
“Em uma síntese bastante apertada, é possível elencar os seguintes requisitos da adoção:
a) efetivação por adotante capaz, independente do estado civil, no caso da adoção singu-
lar; e se a adoção for conjunta, que estejam ligados os adotantes pelo matrimônio ou pela
união estável, comprovada a estabilidade familiar e desde que um deles tenha mais de 18
anos de idade; b) diferença mínima de idade entre o adotante e o adotado de pelo menos
16 anos (se casal, pode ser a diferença de apenas um dos cônjuges ou companheiros);
c) consentimento do adotante, do adotado, de seus pais ou de representante legal (tutor
ou curador), dos pais biológicos, se possível; d) intervenção judicial; e) estágio de convi-
vência com o adotando.
Diz-se que a adoção é singular quando realizada por apenas uma pessoa; conjunta, quan-
do por casal, unidos os adotantes pelo matrimônio ou união estável (divorciados ou sepa-
rados só podem adotar conjuntamente se o estágio de convivência já tenha se iniciado à
época da sociedade e seja comprovado o vínculo de afinidade e afetividade); unilateral,
quando realizada por um dos cônjuges/conviventes adota o filho do outro; homoafetiva,
quando realizada conjuntamente por pessoas do mesmo sexo, póstuma, quando já faleci-
do o adotante (desde que inequívoca manifestação de vontade no curso do procedimento
e antes da sentença) e adoção à brasileira, em que casais registram filho alheio como
próprio.
A adoção à brasileira, última espécie acima mencionada, embora não prevista em lei, faz
parte da realidade cultural brasileira. Embora seja uma ‘modalidade de crime de falsida-
de ideológica, os adotantes não são apenados pela atitude altruísta e afetiva’. Trata-se
de modalidade que sempre existiu. Dessa forma, as tentativas de punição do legislador
quando da elaboração da Lei nº 12.010/2009 não obtiveram êxito, sob o fundamento da
solidariedade dos adotantes.
Elencados os requisitos para a adoção, passa-se à análise de alguns aspectos relevantes,
iniciando-se pelos legitimados a adotar.
4 LEGITIMADOS A ADOTAR
Inicialmente, são legitimados a adotar os maiores de 18 anos, podendo se dar de forma
singular ou conjunta, se ligados os adotantes pelo matrimônio ou pela união estável e
comprovada a estabilidade familiar. A finalidade da restrição é realizar o princípio cons-
214 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

titucional da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da Constituição Federal). O reque-


rimento para o pedido de adoção só poderá ser feito pelos próprios interessados, não
se admitindo procuração formulada por brasileiros ou estrangeiros. Trata-se de um ato
pessoal, expresso pelo art. 39, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os divorciados, os separados e os ex-companheiros poderão adotar conjuntamente se
o estágio de convivência com o adotado houver iniciado na constância do período de
convivência do casal, comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade que
justifiquem a excepcionalidade da medida. Neste caso, é necessário o acordo sobre a
guarda do menor e o regime do direito de visitas, assegurando-se, assim, a continuidade
da convivência familiar. Também pode ocorrer a adoção unilateral, se um dos cônjuges ou
conviventes adotar filho do outro.
Tutor ou curador poderão adotar seu tutelado ou curatelado se prestarem, judicialmente,
contas de sua administração, sob a fiscalização do Ministério Público, e saldarem o seu
alcance. Por incompatibilidade, não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotan-
do. Não há, pois, que se falar em adoção pelos avós. Estes apenas poderão ter a guarda
ou a tutela.
Se apenas um dos cônjuges ou companheiro adotou, desponta-se o problema da moradia
do adotado na residência do casal, aplicando-se, por analogia, a regra do art. 165, I, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, há a necessidade de anuência do outro
cônjuge ou companheiro para a adoção individual.
Importante considerar que a exigência legislativa de matrimônio ou união estável para
adoção conjunta aparentemente afasta a adoção por pessoas do mesmo sexo. Como afir-
ma Dias, ‘perdeu o legislador uma bela chance de explicitamente admitir – como já vem
fazendo a jurisprudência – a adoção homoparental’, o que é decorrente da ‘bancada evan-
gélica conservadora do Congresso Nacional’ que não aceitou a inovação.
Referida opção do legislador não foi bem recebida por diversos doutrinadores, como Pae
Kim que, com base no neoconstitucionalismo, princípio da igualdade e direito fundamen-
tal de constituir uma família sem discriminação da preferência sexual, reconhece o direito
de um dos membros ou de ambos que compõe o casal homoafetivo de adotar a criança,
constando no registro o nome dos pais, bem como o nome dos ascendentes.
Igualmente, Silva reconhece a possibilidade de estabelecer ‘o vínculo de filiação e pater-
nidade socioafetiva entre uma criança ou um adolescente e um casal homoafetivo’, desde
que respeitado o pressuposto do melhor interesse do menor.
Nessa esteira, após o primeiro caso de repercussão nacional que ocorreu em Catanduva/SP,
em que ‘um casal homossexual masculino obteve a adoção de uma menina de cinco anos,
bem como a autorização judicial para registrarem conjuntamente a paternidade dela em
seu assento de nascimento’, outros julgados se seguiram nesse sentido.
Apesar dos argumentos contrários à possibilidade de adoção conjunta por casal homoa-
fetivo e do conservadorismo do legislador que deixou de positivar situação de fato ampla-
mente reconhecida pelos tribunais, desde que respeitado o princípio do melhor interesse
da criança ou adolescente, não há óbice que casais homoafetivos continuem constituindo
família com filhos por meio da adoção; aliás, como bem explica Pae Kim:
Ademais, há que se salientar que desde a época de setenta, pesquisadores americanos
vêm realizando estudos em famílias consideradas como não convencionais e, entre elas,
as famílias que vivem em comunidades com casais homoafetivos, e já concluíram que
as crianças com os pais do mesmo sexo são tão ajustadas, em termos comportamentais,
quanto as crianças com pais heterossexuais. Também as meninas demonstraram ser femi-
ninas, assim como os meninos se mostraram tão masculinos como os demais.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 215
Nesse sentido, também Lôbo afirma não haver fundamentação científica para a não
concessão, pois pesquisas e estudos nos campos da psicologia infantil e da psicanálise
demonstraram que as crianças que foram criadas na convivência familiar de casais ho-
mossexuais apresentaram o mesmo desenvolvimento psicológico, mental e afetivo das que
foram adotadas por homem e mulher casados.
Conforme os argumentos acima transcritos pela doutrina e seguindo a jurisprudência em
todo o território nacional, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou, pela primeira
vez, recurso sobre adoção por casal homossexual feminino, com base no parecer favorável
do Ministério Público Federal e laudo da assistência social recomendando a adoção. Trata
de decisão inédita para o Direito de Família, voltada a decisão para o melhor interesse
das crianças.
Em recente notícia publicada no Informativo da IOB, uma juíza de Santa Catarina conce-
deu a guarda a um casal homossexual, levando em conta a vontade dos pais biológicos
de entregar a criança, o melhor interesse do menor e o recente julgamento do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) em conceder a adoção a um casal homossexual. Esta é a ten-
dência da jurisprudência nacional.
Enfim, considere-se que, apesar de a adoção desligar o menor de qualquer vínculo com
os pais e parentes (salvo impedimentos matrimoniais), o art. 48 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, após alteração legislativa, possibilita ao adotado o direito de conhecer
sua origem biológica, além de obter acesso ao processo quando completar 18 anos. Ao
menor de 18 anos, referido direito é igualmente concedido, assegurada a orientação e a
assistência jurídica e psicológica.” (Nova lei de adoção: principais alterações. Disponível
em: http://online.sintese.com)

8367 – Paternidade – ação negatória – inexistência de vício de consentimento capaz


de justificar a modificação do registro de nascimento – vínculo socioafetivo
demonstrado
“Apelação cível. Direito de família. Ação negatória de paternidade. Inexistência de vício
de consentimento capaz de justificar a modificação do registro de nascimento. Vínculo
socioafetivo demonstrado. Paternidade reconhecida. 1. A força que ganhou a afetividade
no moderno Direito de Família deve-se ao alargamento do conceito de família ao longo
dos tempos, por influência das fortes mudanças socioeconômicas e culturais a que se
submeteu e se submete dia a dia a sociedade brasileira. 2. A seara do Direito de Famí-
lia se conscientizou de que o melhor genitor ou genitora nem sempre é quem se liga à
prole pela via consanguínea, mas sim aqueles que, de fato, vivem a condição de pai e
mãe na melhor acepção das palavras. 3. Tem entendido o STJ que o reconhecimento
voluntário da paternidade é ato irrevogável, sendo indispensável a comprovação de que
houve engano na manifestação da vontade de registrar para que haja a possibilidade
de modificação dessa situação jurídica, o que não se verifica no caso em deslinde. 4.
No presente caso, restou demonstrado que o reconhecimento da paternidade foi feito
de forma voluntária e que havia laços de afetividade entre as partes, o que caracteriza
a paternidade socioafetiva. 5. No presente caso, restou demonstrado que o reconheci-
mento da paternidade foi feito de forma voluntária e que havia laços de afetividade entre
as partes, o que caracteriza a paternidade socioafetiva. Recurso conhecido e não pro-
vido. Decisão unânime.” (TJAL – Ap 0700100-21.2014.8.02.0056 – Relª Desª Elisabeth
Carvalho Nascimento – DJe 23.07.2018 – p. 131)
216 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

8368 – Paternidade – ação negatória – retificação do registro civil – impossibilidade


“Apelação. Direito civil. Família. Ação negatória de paternidade. Retificação do regis-
tro civil. Impossibilidade. Prevalência da paternidade socioafetiva. Estando demonstrada
nos autos a filiação socioafetiva, esta relação impera sobre a verdade biológica. Incabí-
vel, assim, alteração no registro civil e qualquer repercussão patrimonial decorrentes da
investigatória. Recurso desprovido.” (TJRS – AC 70077577161 – 7ª C.Cív. – Relª Desª
Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 20.06.2018)

8369 – Paternidade – negatória – vício de consentimento – inexistente – socioafetiva


“Negatória de paternidade. Vício de consentimento. Inexistente. Paternidade socioafe-
tiva. A paternidade biológica feita constar em registro civil a contar de livre manifesta-
ção emanada do próprio declarante não pode ser afastada quando as provas existentes
confirmam laços socioafetivos entre o pai falecido e o filho.” (TJRO – Ap 0010376-
22.2015.8.22.0005 – Rel. Juiz Conv. Johnny Gustavo Clemes – DJe 19.07.2018 – p. 11)

8370 – Paternidade – reconhecimento – exclusão do pai registral – exame de DNA


que atestou a paternidade biológica
“Civil e processo civil. Apelação cível. Reconhecimento de paternidade. Sentença pro-
cedente. Exclusão do pai registral. Exame de DNA que atestou a paternidade bioló-
gica do apelado. Insurgência do pai registral. Estabelecimento de vínculo socioafetivo
com a criança desde o seu nascimento. Multiparentalidade reconhecida. Paternidade
socioafetiva que não exclui a paternidade biológica. Precedentes do STF e STJ. Sentença
reformada. Recurso parcialmente conhecido e provido.” (TJRN – AC 2017.012399-1 –
1ª C.Cív. – Rel. Des. Dilermando Mota – DJe 16.07.2018 – p. 43)

8371 – Petição de herança – prescrição – termo inicial – reconhecimento da paterni-


dade
“Agravo interno no recurso especial. Petição de herança. 1. Julgamento monocrático. Sú-
mula nº 568/STJ. 2. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. 3. Prescrição.
Termo inicial. Reconhecimento da paternidade. Entendimento adotado pelo acórdão re-
corrido em harmonia com a jurisprudência desta corte. Súmula nº 83/STJ. 4. Prescrição aqui-
sitiva. Ausência de impugnação dos fundamentos do acórdão a quo. Súmula nº 283/STF.
5. Agravo desprovido. 1. Súmula nº 568/STJ: ‘O relator, monocraticamente e no Superior
Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver enten-
dimento dominante acerca do tema’. 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou
todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não ha-
vendo que se falar em negativa de prestação jurisdicional. 3. Tratando-se de filho ainda
não reconhecido, o início da contagem do prazo prescricional só terá início a partir do
momento em que for declarada a paternidade, momento em que surge para ele a pre-
tensão de reivindicar seus direitos sucessórios. Acórdão a quo em harmonia com a ju-
risprudência desta Corte Superior. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 4. A manutenção de
argumento que, por si só, sustenta o acórdão recorrido torna inviável o conhecimento do
apelo nobre, atraindo a aplicação do Enunciado nº 283 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal. 5. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.695.920 – (2017/0192697-8)
– 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 01.06.2018 – p. 1433)
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 217
8372 – Regime de bens de casamento – ação de alteração – competência da vara de
família
“Conflito negativo de competência. Vara de registros e vara de família. Ação de alteração
de regime de bens de casamento. Competência da vara de família. A competência é o
critério para distribuição entre os órgãos judiciários das atribuições relativas ao desem-
penho da jurisdição. A competência para processar a ação de modificação do regime
de bens do casamento, prevista no Código Civil, art. 1.639, § 2º, é da vara de família
e, na sua ausência, será competente a vara cível. O pedido de alteração do regime de
casamento não está afeto à vara especializada em registros públicos, uma vez que a
procedência da pretensão irá gerar, apenas como consequência, a averbação do regi-
me na certidão de casamento, mas não a retificação do registro público.” (TJMG – CC
1.0000.18.058563-0/000 – 7ª C.Cív. – Rel. Belizário de Lacerda – DJe 25.07.2018)

8373 – Registro – retificação – certidão de casamento – erro na qualificação profis-


sional – exercício de atividade diversa
“Apelação. Ação de retificação de registro. Certidão de casamento. Erro na qualificação
profissional. Exercício de atividade diversa. Ausência de comprovação. Pedido julgado
improcedente. Sentença mantida. Deve ser mantida a sentença que julga improcedente
o pedido inicial contido em ação de retificação de registro de casamento, visando à
alteração da profissão dela constante, diante da ausência de comprovação de labor di-
verso, bem como, por se tratar de circunstância transitória e não essencial à validade do
registro.” (TJMG – AC 1.0878.16.002235-5/001 – 2ª C.Cív. – Rel. Afrânio Vilela – DJe
26.06.2018)

8374 – Registro civil – certidão de casamento – erro na profissão – informação tran-


sitória – retificação – impossibilidade
“Apelação cível. Registro público. Registro civil. Certidão de casamento. Erro na pro-
fissão. Informação transitória. Retificação. Impossibilidade. O objetivo dos registros
públicos é assegurar autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conferindo
publicidade aos dados de interesse geral, como no caso relativo ao estado de pessoas,
devendo-se obedecer, em regra, ao princípio da imutabilidade, a fim se conferir segu-
rança jurídica às relações interpessoais. O erro, que justifica a retificação do registro,
deve estar ligado a dado essencial, não autorizando a jurisprudência a modificação de
informações transitórias do ato, como a profissão e o endereço. Incumbe à parte buscar
a via processual própria para a obtenção de início de prova com o objetivo de assegurar
futuro benefício previdenciário.” (TJMG – AC 1.0417.16.000720-5/001 – 3ª C.Cív. – Rel.
Juiz Conv. Adriano de Mesquita Carneiro – DJe 24.07.2018)

8375 – Sociedade anônima familiar – ação de exclusão de acionistas minoritários


“Recurso especial. Ação de exclusão de acionistas minoritários. Sociedade anônima fa-
miliar. Embargos de declaração. Omissão e contradição. Inocorrência. Data-base de apu-
ração dos haveres da dissolução parcial de sociedade. Reexame de fatos e provas. Inad-
missibilidade. Sucumbência. Modificação. Embargos de declaração protelatórios. Multa
afastada. 1. Ação ajuizada em 07.10.2013. Recurso especial interposto em 17.06.2016
e concluso ao gabinete em 06.07.2017. Julgamento: CPC/2015. 2. O propósito recur-
218 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

sal consiste em definir: i) se há vícios de omissão e contradição no acórdão recorrido;


ii) a data-base de apuração de haveres com a retirada das acionistas minoritárias da com-
panhia; iii) a fixação da sucumbência na demanda; iv) se deve ser afastada a multa por
embargos de declaração protelatórios aplicada a todos litigantes. 3. Ausentes os vícios
de omissão e contradição no julgamento, rejeitam-se os embargos de declaração. 4. De-
vidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente
o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em
negativa de prestação jurisdicional. 5. O reexame de fatos e provas em recurso especial
é inadmissível. 6. Pelo princípio da sucumbência, o vencido deverá pagar ao vencedor
as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. 7. Afasta-se a multa do pará-
grafo único do art. 538 do CPC/1973 quando não se caracteriza o intento protelatório
na interposição dos embargos de declaração. 8. Recurso especial principal conhecido
e parcialmente provido. Recurso especial adesivo conhecido e provido.” (STJ – REsp
1705965/MG – Relª Min. Nancy Andrighi – 3ª T. – DJe 25.06.2018)

8376 – Sucessão – casamento e união estável – filhos comuns e exclusivos – bem


adquirido onerosamente na constância da união estável – regimes jurídicos
diferentes
“Agravo interno no recurso especial. Direito civil. Sucessão. Casamento e união estável.
Filhos comuns e exclusivos. Bem adquirido onerosamente na constância da união está-
vel. Regimes jurídicos diferentes. Art. 1.790, incisos I e II, do CC/2002. Inconstitucionali-
dade declarada pelo STF. Equiparação. CF/1988. Nova fase do direito de família. Varie-
dade de tipos interpessoais de constituição de família. Art. 1.829, inciso I, do CC/2002.
Incidência ao casamento e à união estável. Marco temporal. Sentença com trânsito em
julgado. Assistência judiciária gratuita. Ausência dos requisitos. Súm 7/STJ. Violação ao
princípio da identidade física do juiz. Não ocorrência. 1. A diferenciação entre os regi-
mes sucessórios do casamento e da união estável promovida pelo art. 1.790 do Código
Civil de 2002 é inconstitucional. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento
havido em 10.05.2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS. 2. Considerando-se que
não há espaço legítimo para o estabelecimento de regimes sucessórios distintos entre
cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade
do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto
no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de com-
panheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no
art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, Rel. Min. Luis Roberto Barroso). 3. Na hipótese,
há peculiaridade aventada por um dos filhos, qual seja, a existência de um pacto ante-
nupcial – em que se estipulou o regime da separação total de bens – que era voltado ao
futuro casamento dos companheiros, mas que acabou por não se concretizar. Assim, a
partir da celebração do pacto antenupcial, em 4 de março de 1997 (fl. 910), a união está-
vel deverá ser regida pelo regime da separação convencional de bens. Precedente: REsp
1.483.863/SP. Apesar disso, continuará havendo, para fins sucessórios, a incidência do
1829, I, do CC. 4. Deveras, a Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que ‘o
cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a
condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do
que dispõe o art. 1.829, I, do CC/2002, e de que a exceção recai somente na hipótese
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 219
de separação legal de bens fundada no art. 1.641 do CC/2002’. 5. Agravo interno que se
nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.318.249 – (2011/0066611-2) – 4ª T. – Rel. Min.
Luis Felipe Salomão – DJe 04.06.2018 – p. 1292)

8377 – Sucessão – cônjuge sobrevivente – única herdeira do de cujus


“Agravo interno no agravo em recurso especial. Agravo de instrumento contra a decisão
que reconheceu o cônjuge sobrevivente como única herdeira do de cujus. Desprovimen-
to. Irresignação dos agravantes. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência.
Inaplicabilidade do precedente utilizado para fundamentar a decisão. Improcedência.
Demais argumentos são estranhos à decisão. Razões recursais insuficientes. Agravo des-
provido. 1. Não assiste razão aos agravantes, quando defendem a ocorrência de negativa
de prestação jurisdicional, porquanto a questão relativa ao regime de bens foi apreciada
pelo órgão julgador, com fundamentação clara, coerente e suficiente. 2. O precedente
utilizado na decisão agravada guarda similitude fática com o presente caso, sendo plena-
mente aplicável. 3. Os demais argumentos lançados no presente agravo são estranhos à
decisão agravada. 4. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 5. Agravo
interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.248.601 – (2018/0034602-5) – 3ª T. – Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 24.05.2018 – p. 1952)

8378 – Testamento – ação de abertura, registro e cumprimento – procedimento de


jurisdição voluntária
“Ação de abertura, registro e cumprimento de testamento. Procedimento de jurisdição
voluntária. Apelação. 1. Cuida-se de procedimento de jurisdição voluntária, destina-
do a conhecer a declaração de última vontade do falecido, cuja cognição é sumária,
cingindo-se a verificar o magistrado a regularidade formal do testamento e ordenar seu
cumprimento. 2. A sentença recorrida determinou o cumprimento do testamento dos
bens deixados por Hiro Bueno, por entender terem sido observadas as formalidades
legais, havendo concordância do Curador de Resíduos. 3. Apelou Larissa de Araújo
Bueno, suposta herdeira, pugnando pela reforma da sentença, alegando que esta deixou
de considerar o Instrumento Público de Revogação ou sobre o rompimento em razão da
superveniência de descendente sucessível do testador, na forma do art. 1.973 do Código
Civil. 4. O procedimento de confirmação de testamento, de jurisdição voluntária, obje-
tiva unicamente a verificação da regularidade formal do testamento apresentado, com
posterior prolação de provimento jurisdicional que permita a produção de seus efeitos,
nos termos do art. 735 CPC. 5. Nega-se provimento ao recurso.” (TJRJ – AC 0486665-
24.2015.8.19.0001 – 3ª C.Cív. – Rel. Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva – DJe
09.07.2018)

8379 – Testamento – ação de registro e ação anulatória – prejudicialidade


“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Direito civil. Testamento. Ação de registro
e ação anulatória. Prejudicialidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Inviabilidade de alterar a con-
clusão do Tribunal de origem – no sentido de ser necessária a suspensão do processo
anulatório até que fosse trazido comprovante de cumprimento do RAC do testamento,
pois importante para que o juiz analisasse eventual não cumprimento das formalidades
extrínsecas essenciais do testamento – por imperial necessidade de incursão na seara
220 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

fático-probatória. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 2. Ausência de similitude fática para


configuração de dissídio pretoriano, pois, apesar de ambos tratarem de prejudicialidade
entre ação de registro de testamento e ação anulatória de testamento, outros detalhes
fáticos os distanciam. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.000.627 –
(2016/0273037-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 20.04.2018 – p. 2037)

8380 – Testamento – anulação – governanta


“Anulação de testamento. Autor que pretende a anulação do testamento deixado por seu
pai, contemplando sua governanta. Sentença de improcedência. Apelo do requerente.
Preliminar de cerceamento de defesa que deve ser acolhida. Não só a parte vencida,
mas também a parte vencedora requereram a oitiva de testemunhas, tendo sido ainda
postulado pela última o depoimento pessoal do autor. Desaconselhável a supressão da
prova oportunamente requerida. Sentença que deve ser anulada. Recurso provido.” (TJSP
– Ap 1098419-39.2017.8.26.0100 – São Paulo – 7ª CDPriv. – Relª Mary Grün – DJe
04.07.2018)

8381 – União estável – dissolução – comunicação de bens – imóvel adquirido com


produto de herança
“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. União estável. Disso-
lução. Comunicação de bens. Imóvel adquirido com produto de herança. Análise da
questão apresentada. Reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Inadmissibilida-
de. Incidência da Sumula nº 7 do STJ. Divergência jurisprudencial não comprovada. De-
cisão mantida. 1. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem
revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula
nº 7 do STJ. 2. No caso dos autos, a modificação das conclusões do acórdão recorri-
do – a respeito da ausência de comprovação de que o bem imóvel teria sido adquirido
com herança recebida por um dos companheiros – demandaria a análise de matéria de
prova. 3. O conhecimento do recurso especial, interposto com fundamento na alínea c
do permissivo constitucional, exige demonstração da divergência, mediante verificação
das circunstâncias que assemelhem ou identifiquem os casos confrontados e realização
de cotejo analítico entre elas (art. 541, parágrafo único, do CPC/1973). 4. Agravo interno
a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.178.969 – (2017/0250162-0) – 4ª T.
– Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 20.04.2018 – p. 2066)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo interno interposto contra decisão desta relatoria que negou provimento
ao agravo nos próprios autos, mantendo a inadmissibilidade do recurso especial.
Em suas razões, com relação ao art. 3º da Lei nº 8.971/1994, o agravante alega que “o
fato de a Corte estadual não haver examinado a aplicabilidade do dispositivo mesmo em
face dos aclaratórios opostos não prejudica o prequestionamento da matéria, conforme
avocado art. 1.025 do CPC”.
Sustenta ainda que “a arguição de divergência entre a conclusão alcançada no acór-
dão e o entendimento sumular não carece da demonstração analítica exigida no § 1º do
art. 1.029, CPC”.
Além disso, aduz que o julgamento teria sido contrário à prova dos autos, o que permitiria
melhor valoração probatória em recurso especial, reiterando a argumentação referente à
prova testemunhal.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 221
Ao final, pede a reconsideração da decisão monocrática, ou a apreciação do agravo pelo
Colegiado.
O STJ negou provimento ao agravo interno.
O Relator assim considerou:
“No caso dos autos, porém, mesmo reconhecendo a ausência de prequestionamento do
art. 3º da Lei nº 8.971/1994, considerando que o mencionado dispositivo legal versa
sobre a possibilidade de comunicação, na união estável, dos bens advindos da herança, a
decisão agravada enfrentou a questão ao tratar da aquisição dos bens pelos companhei-
ros, tratando da matéria sob outra perspectiva.
Nesse contexto, mantém-se a conclusão da decisão agravada quanto à incidência da Sú-
mula nº 7/STJ no que se refere à falta de comprovação de ter-se adquirido o imóvel com
produto de herança do agravante, valendo ressaltar que nova avaliação dos depoimentos
das testemunhas, como pretende o agravante, demandaria necessariamente revolvimento
de matéria de fato.
Por fim, não demonstrada a similitude fática entre o julgado paradigma e o recorrido e não
realizado o necessário cotejo analítico, inafastável a inadmissibilidade do recurso especial
fundado na alínea c do permissivo constitucional.
Assim, não prosperam as alegações apresentadas, incapazes de alterar os fundamentos
da decisão impugnada.”
Sobre a diferença entre união estável e concubinato no novo Código Civil, vejamos as
lições de Marco Túlio Murano Garcia:
“Da mesma forma, o NCCB fez clara distinção entre união estável e concubinato, a primei-
ra materializada pela união entre pessoas que abraçam o relacionamento de fato livremen-
te, por opção, a despeito de poderem se casar, se quiserem, ou seja, a união entre pessoas
não impedidas de se casar e o segundo caracterizado pela união de pessoas impedidas
de se casar, que então optam pelo relacionamento de fato diante da impossibilidade de
contraírem núpcias.
A distinção é mais relevante do que pode parecer num primeiro espasmo. O legislador
fez clara distinção entre as figuras do ‘concubinato puro’ (= união de pessoas livres para
o casamento) e do ‘concubinato impuro’ (= união de pessoas impedidas), definindo o
‘concubinato puro’ como união estável, digna de toda proteção como instituto de direito de
família e o ‘concubinato impuro’ simplesmente como concubinato, cujos efeitos parecem
estar fora do âmbito do direito de família, aplicando-se a tal espécie de relação às teorias
da sociedade de fato e da indenização por serviços prestados, forte no princípio que veda
o enriquecimento sem causa.
De fato, o primeiro problema que se apresenta diante da distinção claramente efetivada
pelo NCCB é este: como será tratado o concubinato. Isto porque o NCCB criou 2 (dois) in-
stitutos que são distintos. A união estável, cujos efeitos vieram definidos e o concubinato,
para o qual não houve nenhuma previsão de eficácia ou de tratamento, o que ficará por
conta da jurisprudência.
Antes de prosseguir referindo esta questão da regulação da eficácia do concubinato, pedi-
mos vênia para abrir um parêntese e mencionar que concordamos com esta distinção
entre união estável e concubinato, inclusive do ponto de vista do seu principal efeito, que
é o de excluir o concubinato da proteção que se dá à família oriunda do casamento, da
união estável e também à monoparental. Tenho, principalmente no que diz com os relac-
ionamentos que envolvem pessoas casadas, e neste tanto forte na opinião de Rodrigo da
Cunha Pereira, que o primado da monogamia exige tal postura do legislador. Ou abolimos
a monogamia ou negamos eficácia aos relacionamentos adulterinos ou paralelos, sob pena
de instalarmos a insegurança jurídica, que deve ser evitada a todo custo.
222 ��������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Houve um tempo em que era justificável a proteção de relações adulterinas, diante da


dificuldade que representava dissolver um casamento, seja do ponto de vista da moral
social (resistência e preconceito), seja do ponto de vista jurídico (acesso muito estreito,
primeiro apenas à separação e depois ao divórcio), de sorte que muitas pessoas só encon-
travam o caminho da felicidade e da realização pessoal por meio de relações adulterinas.
Não por sua vontade, e sim por imposição legal e social.
Hoje, todavia, as coisas não se passam mais desta maneira. A sociedade é muito mais
tolerante e o direito, sobretudo depois do advento da CF/1988, consagrou enorme aber-
tura para a separação e para o divórcio, não se justificando mais, sob nenhum prisma, que
uma determinada pessoa escolha o caminho de um relacionamento clandestino. Se faz
esta escolha, o faz livremente, não sendo lídima a intenção de, posteriormente, pretender
extrair efeitos desta relação, sobretudo em detrimento da posição do cônjuge, quase sem-
pre ignorante quanto ao relacionamento paralelo.
E não vai aqui nenhuma carga de preconceito. Muito pelo contrário, posto que somos
mesmo a favor da poligamia institucionalizada, da qual poderão ser adeptos aqueles que
livremente escolherem. Tudo é uma questão de liberdade e autodeterminação. Ou você se
casa ou não se casa! Admitimos mesmo, sem maiores considerações, que alguém possa
viver um relacionamento paralelo ao casamento, se isto lhe trouxer satisfação pessoal,
mas daí a querer extrair efeitos jurídicos, pessoais (ex.: alimentos) e patrimoniais (ex.:
partilha de bens) de tal relacionamento é outra coisa.
O que não se pode admitir, tanto do ponto de vista do cônjuge ignorante (que desconhece
o relacionamento paralelo) quanto de terceiros que travem relações negociais com qual-
quer dos partícipes de uma relação com esta marca, é que possam vir a ter seus negócios
questionados ou afetados, por exemplo, por uma demanda de índole patrimonial entre
os concubinos, nos quais se possa questionar a alienação de bens imóveis adquiridos
durante o concubinato e mediante esforço comum. Também não parece legítimo obrigar
o cônjuge alheio ao relacionamento paralelo a dividir patrimônio e/ou um benefício de
aposentadoria com o concubino sobrevivente.
Admissível, em tese, seria proteger – até mesmo sob os auspícios da união estável (no
mínimo quanto à partilha de patrimônio que tivesse auxiliado a adquirir, direta ou indire-
tamente) – o concubino de boa-fé, ou seja, aquele que vivesse uma relação paralela igno-
rando o estado de casado do outro, aplicando-se, nesta hipótese, a teoria do casamento
putativo, que socorre o cônjuge que ignorar vício capaz de implicar na nulidade ou na
anulação do casamento. Isto em nome da boa-fé.
O TJRS, em recente julgado, que muito embora prolatado antes da vigência do NCCB, ai-
nda se mostra atual ante o raciocínio que desenvolvemos, decidiu exatamente o seguinte:
‘A união estável é entidade familiar e o nosso ordenamento jurídico sujeita-se ao princípio
da monogamia, não sendo possível juridicamente reconhecer uniões estáveis paralelas,
até porque a própria recorrente reconheceu em outra ação que o varão mantinha com
outra mulher uma união estável, que foi judicialmente declarada. Diante disso, o seu
relacionamento com o de cujus teve cunho meramente concubinário, capaz de agasalhar
uma sociedade de fato, protegida pela Súmula nº 380 do STF. Essa questão patrimo-
nial esvaziou-se em razão do acordo entabulado entre a autora e a sucessão. Recurso
desprovido, por maioria.’ (AC 70001494236, 7ª C.Cív., Rel. Des. Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, DOERS 14.02.2001)
Importante também foi a consagração pelo NCCB da ressalva há muito acolhida pela
doutrina e jurisprudência, no sentido que a separação de fato e a separação judicial de
um dos partícipes da união estável, em que pese o impedimento formal para o casamento
determinado por tais situações, não inibe o aperfeiçoamento ou caracterização da união
estável.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 223
Com efeito, em que pese o separado de fato ainda ser formalmente casado e, portanto, im-
pedido de se casar, o fato é que a separação de fato, sobretudo depois do lapso de 2 (dois)
anos após o qual é possível o divórcio direto, na prática, produz efeitos tão densos quanto
à separação judicial, não sendo justificável que um casamento, que nesta altura está
relegado a uma mera reminiscência cartorial, possa ser obstáculo para a caracterização
da união estável.” (GARCIA, Marco Túlio Murano. União estável e concubinato no novo
Código Civil. Juris SíntESE, Porto Alegre: IOB-Thomson, maio/jun. 2005. 53 CD-ROM)
Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador
Mudança de Sobrenome
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado, Professor de Processo Penal e Direito Penal,
Advogado.

Noticiou o site do STJ, datado de 1º de junho de 2018, que o res-


tabelecimento do nome de solteira também é possível com a morte do
cônjuge.
Como o divórcio e a viuvez são associados ao mesmo fato – a
dissolução do vínculo conjugal –, não há justificativa para que apenas
na hipótese de divórcio haja a autorização para a retomada do nome
de solteiro. Em respeito às normas constitucionais e ao direito de perso-
nalidade próprio do viúvo ou viúva, que é pessoa distinta do falecido,
também deve ser garantido o restabelecimento do nome nos casos de
dissolução do casamento pela morte do cônjuge.
O entendimento foi fixado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao autorizar que uma viúva retome o seu nome de solteira.
De forma unânime, o colegiado concluiu que impedir a retomada do
nome de solteiro na hipótese de falecimento representaria grave vio-
lação aos direitos de personalidade, além de ir na direção oposta ao
movimento de diminuição da importância social de substituição do pa-
tronímico por ocasião do casamento.
A Relatora do recurso especial, Ministra Nancy Andrighi, apontou:
A despeito da inexistência de previsão legal específica acerca do tema
(eis que a lei apenas versa sobre uma hipótese de retomada do nome de
solteiro, pelo divórcio) e da existência de interesse público estatal na ex-
cepcionalidade da alteração do nome civil (porque é elemento de cons-
tante identificação social), deve sobressair, a toda evidência, o direito
ao nome enquanto atributo dos direitos da personalidade, de modo que
este deverá ser o elemento preponderante na perspectiva do intérprete
do texto legal.

A Ministra Nancy Andrighi destacou que o direito ao nome é um


dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da digni-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – SEÇÃO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR ����������������������������������������������������������������������� 225
dade da pessoa humana. Mesmo assim, lembrou, a tradição brasileira
admite que uma pessoa, geralmente a mulher, abdique de grande par-
te de seus direitos de personalidade para incorporar o patronímico do
cônjuge após o casamento, adquirindo um nome que não lhe pertencia
originalmente.
“Os motivos pelos quais essa modificação foi – e ainda é – social-
mente aceita com tamanha naturalidade, aliás, são diversos: vão desde a
histórica submissão patriarcal, passam pela tentativa de agradar ao outro
com quem se pretende conviver e chegam, ainda, em uma deliberada
intenção de adquirir um status social diferenciado a partir da adoção do
patronímico do cônjuge”, apontou a relatora.
Apesar dessa característica, a Ministra lembrou que a evolução
da sociedade coloca a questão nominativa na esfera da liberdade e da
autonomia da vontade das partes, justamente por se tratar de alteração
substancial em um direito de personalidade.
Os arts. 57 e 109 da Lei nº 6.015/1973 expressamente dispõem
sobre a necessidade de intervenção do Ministério Público nas ações que
visem, respectivamente, à alteração do nome e à retificação do registro
civil.
O procedimento de retificação de registro civil, disciplinado no
art. 109 da Lei nº 6.015/1973, além de admitir a produção de prova
testemunhal para amparar o requerimento, não faz qualquer exigência
quanto à obrigatoriedade de início de prova documental para que a re-
querente possa fundamentar seu pleito. Trata-se de procedimento de ju-
risdição voluntária, não fazendo coisa julgada material, somente formal.
Dentro do direito absoluto à chamada personalidade, há o direito
ao nome.
Qualquer indivíduo tem o direito de usar o nome, pessoal e fami-
liar, que segundo a lei lhe pertence, isto é, segundo o registro civil.
Mas o STJ já entendeu que não é possível alterar ou retificar re-
gistro civil em decorrência de adoção da religião judaica. No caso, a
esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa natural alegando que,
ao casar, optou por acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Este,
por sua vez, converteu-se ao judaísmo após o casamento, religião que é
praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp 1.189.158).
226 ��������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – SEÇÃO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR

O casal sustentou que o sobrenome do marido não identificava


a família perante a comunidade judaica, razão pela qual pediram a su-
pressão do sobrenome do esposo e sua substituição pelo da mulher. Em
seu voto, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais
compreensíveis que sejam os fundamentos de ordem religiosa, é preciso
considerar que o fato de a família adotar a religião judaica não necessa-
riamente significa que os filhos menores seguirão tais preceitos durante
toda a vida.
A Corte Especial do STJ também já enfrentou a questão. No caso,
um cidadão brasileiro, naturalizado americano, pediu a homologação
de sentença estrangeira que mudou seu sobrenome de Moreira de Souza
para Moreira Braflat. Ele alegou que, nos Estados Unidos, as pessoas são
identificadas pelo sobrenome e que, por ser o sobrenome Souza muito
comum, equívocos em relação à identificação de sua pessoa eram quase
diários, causando-lhe os mais diversos inconvenientes (SEC 3.999).
Para o Relator, Ministro João Otávio de Noronha, é inviável a al-
teração de sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na le-
gislação brasileira. “O art. 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em
hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a
exclusão do sobrenome”, afirmou o ministro.
Clipping Jurídico
Por ver discriminação, juiz inclui netas de relação não matrimonial em
testamento
Se a Constituição veda aos pais discriminação entre filhos havidos ou não no
casamento, essa proteção também se estende aos avós em relação aos netos.
Com esse entendimento, o juiz Milton Biagioni Furquim, de Guaxupé/MG, de-
terminou que duas netas sejam incluídas na partilha da avó, que tinha excluído
ambas do testamento por serem fruto de relacionamento não matrimonial do
pai. De acordo com o juiz, ainda que a autora do testamento possa dispor
livremente da parte disponível da herança, esse direito encontra limitações
constitucionais, devendo o Poder Judiciário afastar esses abusos. Na ação, as
duas netas afirmaram que foram excluídas do testamento por serem fruto de
relacionamento não matrimonial do pai. Dos sete netos, a avó deixou de fora
apenas as duas. O valor atribuído a causa é de 35 milhões de reais. Ao proferir
sentença parcial de mérito, Furquim reconheceu que houve abuso de direito
por parte da avó e que é possível a intervenção do Judiciário. “A última vontade
da testadora, assim como todos os atos jurídicos, de esfera pública ou particular,
devem ser compatíveis com os instrumentos normativos de hierarquia superior,
podendo sofrer controle de legalidade, supra legalidade e/ou constitucionalida-
de”, afirmou. O juiz lembrou que a Constituição Federal de 1988 aboliu toda
diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados, sem qualquer res-
salva de situações preexistentes. “A igualdade e a não discriminação dos filhos,
havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, é imperativo imposto
pela ordem constitucional vigente que o intérprete da lei civil não pode ignorar
quando se confronta com uma questão como a sob foco”. Para o magistrado,
não haveria discriminação se a avó tivesse aquinhoado terceiros ou apenas um
ou dois entre tantos netos. No entanto, explicou, houve disposição em favor
de cinco dos sete netos, deixando de fora apenas as duas netas concebidas por
um de seus filhos em relação não marital. “O princípio constitucional que im-
pede a discriminação dos filhos para todo e qualquer fim, especialmente para
fins sucessórios, é proteção que, em relação aos avós, obviamente se estende
aos netos, que são filhos dos filhos daquela. Até porque, o caput do art. 227,
da CF/1988, confere um dever a que a família coloque seus membros a salvo
de sofrerem discriminação ou lesão à sua dignidade e/ou aos seus direitos, in-
clusive patrimoniais”, registrou o juiz. Na decisão, ele disse ainda que chama
a atenção o fato de o testamento contemplar exatamente os cinco netos e, ao
mesmo tempo, de forma indisfarçavelmente discriminatória, não contempla as
outras duas netas. “Ora, o direito não tolera o abuso. Não tolera que, no exercí-
cio de um direito reconhecido, o agente, ao exercê-lo, exceda manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”, complementou. Furquim afirmou também que o tratamento discri-
228 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO

minatório, além de contaminar a essência da igualdade familiar, acarretará em


discrepância ainda maior em razão da magnitude do patrimônio. “No seio da
mesma família, por força da discriminação imposta, um verdadeiro abismo se
formará entre os primos, uns milionários, e outras, em petição de miséria”. Se-
gundo o magistrado, essa situação atenta contra a dignidade da pessoa humana,
além de desvirtuar o instituto do testamento para, por meio dele, dar vazão aos
chamados planejamentos sucessórios. Assim, reconhecendo o tratamento dis-
criminatório dispensado pela avó, o juiz declarou o direito das netas de serem
incluídas na partilha (Processo nº 0058435-49). (Conteúdo extraído do site do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

Denúncia por atraso no pagamento de pensão deve ser motivada, diz TJSC
É preciso apresentar os motivos pelos quais um réu deixou de pagar pensão ali-
mentícia antes de criminalizar o atraso ou a inadimplência. Com esse entendi-
mento, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve
decisão que rejeitou denúncia contra um homem por abandono material. O
Ministério Público afirmou que o denunciado não honrou com o pagamento da
pensão alimentícia, mas não indicou as razões que motivaram o réu a faltar com
sua obrigação temporariamente. O argumento do juiz de primeira instância,
mantido pelo colegiado, é o de que os fatos criminosos imputados não foram
descritos suficientemente na peça acusatória. Para o desembargador Alexan-
dre D’Ivanenko, relator do caso, não é possível reconhecer a denúncia sem
ferir princípios como o da ampla defesa. “Assim, forçoso reconhecer a inépcia
da denúncia, porque não foram descritos suficientemente os fatos criminosos
imputados ao denunciado, violando, por conseguinte, os princípios do devido
processo legal, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana, já que o
réu se defende dos fatos especificamente narrados”, afirmou. Seguido de forma
unânime pelos demais membros da câmara, o relator ainda ressaltou que não
basta dizer que o inadimplemento se deu sem justa causa, se tal circunstância
não está demonstrada nos autos com elementos concretos. “Do contrário, toda
e qualquer inadimplência alimentícia será crime e não é essa a intenção da Lei
Penal”, concluiu (Recurso em Sentido Estrito nº 0002159-40.2014.8.24.0014).
(Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

Bens de um cônjuge não respondem por obrigação de ato ilícito do outro


Os bens de um cônjuge não podem ser utilizados para pagar uma obrigação
que surgiu por ato ilícito praticado pelo outro companheiro. Com esse entendi-
mento, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região afastou a meação
do autor no imóvel adquirido pelo casal e que foi objeto de penhora em ação
de execução movida contra sua mulher (embargante). Ela, na condição de ex-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 229
-servidora do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social,
teria causado danos patrimoniais à autarquia, sendo condenada ao ressarci-
mento pelo Tribunal de Contas da União. A decisão foi tomada após a análise
de recurso da União contra a sentença do Juízo da 18ª Vara Federal da Bahia,
que julgou procedente embargos de terceiros opostos pela autora para afastar
sua meação no imóvel. Na apelação, a União alegou incorreção da interpreta-
ção acolhida no juízo de origem. O juiz decidiu que era do Estado o ônus de
provar que o imóvel penhorado não teria sido adquirido com ganhos derivados
da lesão cometida pela executada. “O ônus da prova mencionado deve ser do
embargante, na qualidade de cônjuge da executada no processo principal, no
sentido de demonstrar que os ganhos ilícitos não tenham sido convertidos em
benefício da família e, assim, comprometendo a integralidade do bem imóvel
penhorado”, argumentou a União. A instituição financeira ainda afirmou que,
mesmo se fosse o caso de afastar a meação do embargante do imóvel penhora-
do, a circunstância não impediria que fosse o bem imóvel em referência levado
a hasta pública, reservando-se para o meeiro metade do valor apurado para
pagamento do débito como ressarcimento. Na decisão, a relatora, juíza federal
convocada Rosana Kaufmann, citou orientação jurisprudencial do Superior Tri-
bunal de Justiça, segundo a qual a meação só responde pelo ato ilícito quando
o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante apro-
veitou ao casal. “Não há nem mesmo indícios de que o ato ilícito em questão
tenha gerado acréscimo patrimonial em benefício da unidade familiar. Portanto,
o patrimônio correspondente à meação da embargante não responde pela obri-
gação exequenda”, explicou (Processo nº 0025577-33.2005.4.01.3300). (Con-
teúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal 1ª Região)

Mulher que não sabia de união anterior do marido deve ser indenizada
Sem o divórcio na união anterior, uma pessoa não pode se casar novamente.
Isso porque a separação judicial provoca apenas o fim da sociedade, permane-
cendo o vínculo. Com esse entendimento, a juíza Tricia Navarro Xavier Cabral,
da 1ª Vara Cível de Vitória/ES, concedeu indenização de 10 mil reais a uma
mulher que descobriu que seu ex-marido era casado quando a relação termi-
nou. A mulher ajuizou ação de indenização por danos morais e patrimoniais
contra o ex-marido sob a alegação da prática do crime de bigamia. Ela pediu
o pagamento de 30 mil reais, afirmando ter sido enganada pelo réu durante os
doze anos que o casamento durou, já que só soube que ele era casado no Brasil
quando entrou com o pedido de divórcio da união firmada nos Estados Unidos.
O ex-marido negou ter mantido dois casamentos ao mesmo tempo. Sua defesa
alegou incompetência da Justiça brasileira em julgar a demanda, uma vez que
o casamento com a autora aconteceu em Boston. Também afirmou que a ação
230 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO

deveria ir à Justiça do Trabalho, porque a mulher envolveu méritos que seriam


vínculos de trabalho, como “labuta do lar”, “serviços sexuais” e “serviços pes-
soais”. O homem ainda alegou prescrição da pretensão de reparação civil, uma
vez que ele foi citado mais de seis anos após o fim do casamento, que aconte-
ceu em 2008. Ao analisar o caso, a juíza Tricia Cabral afirmou que a compe-
tência é da Justiça brasileira, assim como o processo não é trabalhista, mas de
natureza cível, uma vez que os dois eram casados com apresentação de certi-
dão comprovando a união. Sobre a prescrição, a juíza ressaltou o entendimento
dominante segundo o qual o prazo se interrompe por despacho do juiz que or-
denar a citação e retroage à data da propositura da ação, com base no art. 202,
I, do Código Civil e no art. 291 do Código de Processo Civil de 1973. Em sua
decisão, Tricia constatou que o réu se casou em 1970 e que entrou com uma
solicitação de conversão de separação judicial consensual em divórcio consen-
sual em 1992. Apesar disso, não apresentou documentação que comprovasse
que esse pedido tenha sido confirmado à época que ele formalizou sua segunda
relação. “Isso porque, como se sabe, a separação judicial provoca apenas o fim
da sociedade, permanecendo, todavia, o vínculo. Ou seja, pessoas separadas
não poderiam se casar novamente, que é o caso do demandado”, afirmou a
juíza. Além disso, Tricia não constatou provas sobre a autora da demanda ter
tido ciência do casamento anterior de seu ex-marido. Com base nos princípios
da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, a juíza confirmou a existência
de dano moral, mas baixou o valor de indenização para 10 mil reais. Quanto
ao dano material, a magistrada afirmou que não houve demonstração concreta
necessária para tal caracterização. “A mera estimativa de um dano não gera o
dever ressarcitório”, ressaltou. “Como a demandante não juntou nenhum tipo
de comprovação do seu real prejuízo, não há que se falar em dano material.
Além disso, a referência da qual a autora utiliza-se para tal pleito não é algo que
pode ser mensurável, tendo em vista que se trata do íntimo da pessoa, do afeto
que ambos possuíam um pelo outro”, concluiu sobre as alegações da mulher
relacionadas aos serviços do lar, sexuais e pessoais. (Conteúdo extraído do site
do Tribunal de Justiça do Espírito Santo)

Juiz do DF reconhece a existência de duas uniões estáveis simultâneas


Uma decisão da Justiça do Distrito Federal levantou questões em relação aos
novos conceitos de família. Isso porque o juiz substituto da Vara Cível, Família,
Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante, Wellington da Silva Medeiros, re-
conheceu a existência de duas uniões estáveis para um homem que manteve,
concomitantemente, relacionamento com duas companheiras. Na decisão, o
juiz entendeu que a existência da união anterior não impede o reconhecimento
simultâneo da segunda relação, que foi devidamente comprovada nos autos.
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 231
Ele registrou ainda que, por um longo período, elas ocorreram paralelamente.
Para o julgador, do ponto de vista legal, constitucional e filosófico, é possível
reconhecer mais de uma união simultânea, uma vez que o ordenamento consti-
tucional prevê o livre planejamento familiar como princípio regente da família.
A autora da ação pediu o reconhecimento da união estável após a morte do
companheiro, que já tinha um relacionamento estável anterior, por mais de dez
anos, com outra companheira, e registrado em cartório. Segundo a presidente
da Associação de Direito de Família e das Sucessões, Regina Beatriz Tavares
da Silva, a decisão é um equívoco. “O fundamento usado não pode ser colo-
cado dessa forma. O planejamento familiar diz respeito apenas aos filhos do
casal da união estável, e não em relação a possível amante em uma relação
não oficial”, explicou. A especialista ainda afirma que o juiz não se atentou ao
art. 226 da Constituição. “Além disso, acredito que o magistrado se esqueceu
da Constituição, onde afirma que é reconhecida a união estável com monoga-
mia entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento. Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem
e pela mulher”, salientou. Regina citou ainda decisão do Supremo Tribunal
Federal de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar,
estendendo a essa relação a mesma proteção destinada à união estável prevista
no art. 226. “Na decisão, o STF reconheceu os casais, mas deixou claro que a
monogamia é essencial para o casal, não admitindo que haja outra família con-
comitante”. Já, para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família,
Rodrigo da Cunha Pereira, a decisão é normal e faz parte do futuro do Judiciário
nas questões de família. “Não podemos ser hipócritas. É claro que é uma de-
cisão comum e temos de aceitar. Não estamos em anos passados, em que o
filho fora do casamento não era reconhecido. Eles viveram as relações e sabem
o que, de fato, foi sentido”. Segundo Pereira, já houve decisões nesse sentido
em São Paulo, Maranhão, Rio de Janeiro e Minas Gerais. “O TJMG, conheci-
do pelo conservadorismo, já decidiu pela simultaneidade das uniões estáveis.
Atualmente, o planejamento familiar é diverso, não tem mais pai e mãe apenas.
Devemos respeitar e agir com menos hipocrisia”, concluiu. A decisão da Vara
do DF não é definitiva e cabe recurso. O número do processo não foi divulga-
do por estar em Segredo de Justiça. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal)

Bebê prematuro justifica prorrogação de salário-maternidade, decide juiz


A licença-maternidade existe para assegurar a saúde e o bem-estar da mãe e
da criança, proporcionando convivência entre os dois. Por esse motivo, o be-
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nefício de salário-maternidade deve ser estendido nos casos em que o recém-


-nascido permanece internado em UTI. “Situação envolve direitos fundamentais
à convivência do filho recém-nascido com a mãe”, disse juiz. Assim entendeu
o juiz Alexandre Ferreira Infante Vieira, da Justiça Federal em Minas Gerais, ao
determinar a ampliação da licença-maternidade para mulher que teve o filho
recém-nascido internado durante 63 dias. De acordo com o processo, a crian-
ça nasceu prematura em fevereiro de 2018, pesando 800g, e precisou ficar no
hospital para receber cuidados especiais no ganho de peso. A ação é assinada
pelo advogado Eduardo de Albuquerque Franco, sócio do escritório Monteiro
de Andrade, Diniz, Galuppo, Albuquerque e Viana Advogados. Para o juiz, a
situação envolve direitos fundamentais à maternidade e à convivência do filho
recém-nascido com a mãe. O magistrado considerou que, em situação análoga,
de crianças que nasceram com sequelas decorrentes de doenças transmitidas
pelo Aedes aegypti, a Lei nº 13.301/2016 ampliou a duração do salário-ma-
ternidade de 120 para 180 dias. Dessa forma, por analogia, o juiz determinou
que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) garanta o pagamento do
salário-maternidade durante o prazo total de 180 dias (Processo nº 0000458-
12.2018.4.01.9380). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais)

Judiciário deve ouvir as duas partes para definir data de divórcio, decide
TJSP
Para definir a data de um divórcio, é necessário ouvir as duas partes envolvi-
das no processo. Assim entendeu a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça de São Paulo, ao anular uma sentença, que havia alterado a data de
separação de um casal ouvindo apenas um lado da história. A sentença con-
siderou apenas uma parte e fixou a data do divórcio entre o final de 2016 e
início de 2017. O agravo foi interposto contra a sentença do juízo de Birigui,
que fixou o período do divórcio entre o final do ano de 2016 e início de 2017,
o que causaria reflexos na divisão de uma série de bens. Os advogados Ricardo
Amim Abrahão Nacle e Renato Montans de Sá sustentaram que a sentença é
nula, já que acolheu os embargos de declaração sem prévia intimação da outra
parte. Os advogados alegaram, também, que houve violação do contraditório e
do princípio da cooperação processual. Ao analisar o caso, o relator, desembar-
gador Fábio Podestá, seguiu o entendimento previsto no art. 1.023 do Código
de Processo Civil, que prevê a intimação da parte embargada para se manifestar
nesses casos. “A falta de intimação do agravante, para manifestação em relação
aos embargos, implica na violação dos princípios do contraditório/ampla defe-
sa”, afirma o magistrado. Citando como precedente o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, no sentido que deve haver prazo para que a parte embar-
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 233
gada possa se manifestar sobre os embargos de declaração, o desembargador
acolheu o agravo e anulou a sentença. (Conteúdo extraído do site do Tribunal
de Justiça de São Paulo)

STJ reconhece pensões distintas a filhos de relacionamentos diferentes


O princípio da igualdade absoluta de direitos entre os filhos não tem natureza
inflexível. Por isso, pensões destinadas a crianças de relacionamentos diferentes
podem ter valores distintos caso uma das mães tenha maior capacidade finan-
ceira do que a outra. Assim entenderam os ministros da 3ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça ao manterem percentuais definidos pelo Tribunal de Justiça
de Minas Gerais. Nancy Andrighi afirmou que valores de pensões devem acom-
panhar capacidades financeiras das mães, assim como as reais necessidades
dos filhos. A Corte havia reduzido uma das pensões alimentícias de 20% para
15% dos rendimentos líquidos do pai. A mãe da criança com menor percentual
recorreu, alegando que a decisão teria dado tratamento discriminatório para o
seu filho, já que o outro herdeiro continuaria recebendo o percentual anterior.
A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, disse que a norma geral pode ser
afastada porque “é dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção
dos filhos na proporção de seus recursos”. “Assim, poderá ser justificável a fi-
xação de alimentos diferenciados entre a prole se, por exemplo, sendo os filhos
oriundos de distintos relacionamentos, houver melhor capacidade de contri-
buição de um genitor ou genitora em relação ao outro”, entendeu a ministra.
Ela disse que o TJMG verificou que a autora tem mais recursos do que a mãe
da outra criança que recebe um valor maior. Também ressaltou a importância
de serem avaliadas as reais necessidades dos filhos. Na concepção da ministra,
um recém-nascido, por exemplo, é incapaz de desenvolver qualquer atividade
que um adolescente poderia exercitar. “Seria possível cogitar de uma potencial
violação ao princípio da igualdade entre filhos se houvesse sido apurado que
eles possuem as mesmas necessidades essenciais e que as genitoras possuem
as mesmas capacidades de contribuir para a manutenção de tais necessidades,
mas, ainda assim, houvesse a fixação em valor ou patamar distinto”, concluiu
a ministra. O voto foi seguido por unanimidade. O número do processo não foi
divulgado porque tramita em segredo judicial. (Conteúdo extraído do site do
Superior Tribunal de Justiça)

Avós paternos podem ser obrigados a pagar pensão alimentícia se pai se


recusar
Diante da recusa de um pai em prestar alimentos ao filho e da falta de condi-
ções de a mãe arcar sozinha com a subsistência do menor, essa obrigação é ex-
tensiva a todos os ascendentes paternos. Com esse entendimento, uma juíza da
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Comarca de Itapuranga, em Goiás, condenou uma avó a pagar pensão à neta.


O pai nunca pagou qualquer quantia à criança, segundo a mãe dela, mesmo de-
pois de duas ações judiciais ajuizadas com esse pedido. Ela afirmou que, em ra-
zão do desinteresse do pai em cumprir com a obrigação alimentar, e por não ter
condições financeiras de arcar com as despesas da filha sozinha, resolveu mirar
a cobrança à avó, que teria como ajudá-las. Segundo a juíza Julyane Neves, a
obrigação de pagar pensão pode recair sobre os ascendentes mais próximos em
grau. Ela disse que esse dever “tem caráter subsidiário/complementar e não so-
lidário, sendo cabível somente quando cabalmente demonstrada a insuficiência
de recursos dos genitores, nos termos do art. 1.698, do Código Civil”. Além do
dispositivo apresentado pela magistrada, o Superior Tribunal de Justiça mantém
a Súmula nº 596, editada em novembro de 2017, que afirma existir a obrigação
alimentar dos avós somente em caso de “impossibilidade total ou parcial de seu
cumprimento pelos pais”. Embora a complementariedade não seja aplicada em
casos de inadimplência do responsável direto, os ministros da Corte entendem
que é possível ajuizar ação solicitando o pagamento por parte dos avós quando
esgotados os meios processuais disponíveis para obrigar o alimentante primário
a cumprir sua obrigação. De acordo com a decisão de Julyane, como a menor
não tem nenhuma deficiência, não é necessário fixar os alimentos em patamar
superior às necessidades presumidas. Por isso, a juíza decidiu que a avó deverá
destinar 15% de um salário-mínimo à neta e se comprometer com 25% das
despesas médicas, educacionais e de vestimentas. A decisão e o número do
processo não foram divulgados porque a ação tramita em Segredo de Justiça.
(Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Goiás)

Doação remuneratória para a viúva deve preservar direitos dos sucessores


Embora os cuidados dispensados ao cônjuge não sejam passíveis de remune-
ração ou indenização, o marido pode reservar bens para ajudá-la na sobrevi-
vência, mesmo quando o regime for de separação total dos bens, desde que
os herdeiros fiquem com 50%. Com esse fundamento, a 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu parcialmente um termo
de “doação remuneratória” a uma viúva, a título de gratificação, assinado pelo
marido antes de morrer. Os bens se resumem à cessão de valores de precatórios
que o homem havia ganhado em ações contra o Estado e a Previdência gaúcha
(Ipergs). A controvérsia reside no fato de que o homem só poderia dispor de
50% dos seus bens, já que deixou uma filha, considerada sua única e legítima
herdeira diante do casamento sob o regime de separação total de bens. Confor-
me o art. 1.846 do Código Civil, pertence aos herdeiros necessários, de pleno
direito, a metade dos bens da herança. O juiz Dalmir Fraklin de Oliveira Júnior,
da 1ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo, no entanto, não viu erros na
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – CLIPPING JURÍDICO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 235
formatação do documento, que atende à redação do art. 288 do Código Civil.
O dispositivo diz que a cessão de crédito por instrumento particular é eficaz
com relação a terceiros se estiver em conformidade com o § 1º do art. 654 do
mesmo Código. Além disso, no corpo do documento, consta que se trata de
uma “doação remuneratória”, o que também seria válido, na medida em que
a doação admite instrumento particular, conforme o art. 541. Apesar de não
observar a meação de 50%, o documento não foi declarado nulo. O julgador
disse que poderia ser aproveitada a parte que garante o “máximo de realização
da vontade do falecido”, destinando 50% dos bens – como autoriza a lei – à
viúva, para garantir-lhe segurança financeira. E a outra metade seria destinada
à filha, que é herdeira legítima. “Dito isso, se torna desnecessária a análise da
existência de patrimônio comum decorrente do regime de bens do casamento
(separação obrigatória de bens, art. 258, parágrafo único, II, CC/1916, vigente
ao tempo da celebração do matrimônio) a ser objeto de meação, já que o valor
é de direito da viúva pela cessão de crédito realizada”, determinou no despa-
cho. A decisão não agradou à viúva, que interpôs recurso no TJRS. Ela alegou,
entre outros argumentos, que os valores fixados em “doação remuneratória”,
para compensar os serviços prestados ao longo da vida do casal, não poderiam
ser incorporados como “colação de bens” ao inventário. O relator no TJRS, de-
sembargador Luiz Felipe Brasil Santos, manteve o entendimento. Ele destacou
que, independentemente de qual seja o regime de bens a vigorar no casamento,
o art. 1.566 do Código Civil estabelece deveres de ambos os cônjuges, entre os
quais a mútua assistência e a consideração mútua. Santos afirmou que a doação
remuneratória visa pagar algo que alguém prestou ao doador graciosamente,
sem que houvesse regra legal impositiva. No entanto, cuidados eventualmente
prestados ao cônjuge derivam do dever matrimonial. Daí, não é possível falar
em remuneração ou mesmo indenização. “A circunstância de a agravante estar
ao lado do marido, prestando-lhe amparo quando já debilitado, constitui dever
inerente ao casamento”, concluiu o relator. “Muito mais, ao que parece, pre-
tendeu o falecido contemplar a agravante [viúva] com algum valor, porquanto
o casamento se deu pelo regime da separação de bens. Há que se preservar os
direitos da filha herdeira em 50% daqueles valores, que representam a totali-
dade do patrimônio deixado pelo de cujus”, definiu o desembargador, em voto
seguido por unanimidade (Processo nº 1.15.0005286-0). (Conteúdo extraído do
site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)

Fechamento da Edição: 08�08�2018


Bibliografia Complementar
Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados
nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Danos Psíquicos da Alienação Parental no Litígio Familiar


Lenita Pacheco Lemos Duarte
Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET
disponíveis em: online.sintese.com

• A Síndrome de Alienação Parental: Uma Visão Jurídica e Psi-


cológica
Ana Maria Frota Velly
Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET
disponíveis em: online.sintese.com

• Reflexões Acerca do Direito Fundamental do Filho à Convi-


vência com o Genitor Que Não Detém sua Guarda
Helena de Azeredo Orselli
Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET
disponíveis em: online.sintese.com
Índice Alfabético e Remissivo
Índice Assunto Especial Autor

Paulo lins e silva


DOUTRINAS
• Para Advogado, Contrato de Namoro Pode Ser
Assunto Facilmente Contestado ........................................65

Contrato de namoro
• “Namorar com Contrato?” A Validade Jurídica Índice Geral
dos Contratos de Namoro (Raphael Fernando
Pinheiro) ..............................................................46 DOUTRINAS
• Contrato de Namoro: Efeitos? (Felipe Cunha de
Almeida) ................................................................9 Assunto
• O Contrato de Namoro no Ordenamento Jurí-
dico Brasileiro (Angélica Aparecida Ortolan e adoção
Lívia Copelli Copatti) ...........................................34 • O Instituto da Adoção à Luz da Legislação Bra-
sileira (Caroline Ribas Sérgio) ..............................97
Autor
direito da Criança e do adolesCente
angéliCa aPareCida ortolan e • O Novo Código de Processo Civil e os Impac-
lívia CoPelli CoPatti tos no Direito da Criança e do Adolescente
• O Contrato de Namoro no Ordenamento Jurí- (Claudio Gomes)..................................................71
dico Brasileiro .....................................................34
interdição
FeliPe Cunha de almeida • A Interdição e a Curatela Sob a Nova Ótica do
• Contrato de Namoro: Efeitos? ................................9 Estatuto da Pessoa com Deficiência (Marcela
Maria Furst Signori Prado)....................................67
lívia CoPelli CoPatti e
angéliCa aPareCida ortolan união estável
• O Contrato de Namoro no Ordenamento Jurí- • Efeitos Sucessórios Decorrentes da União Es-
dico Brasileiro .....................................................34 tável, após o Julgamento do RE 878.694 no
STF (Raissa Nacer Oliveira de Andrade).............109
raPhael Fernando Pinheiro
• “Namorar com Contrato?” A Validade Jurídica Autor
dos Contratos de Namoro ....................................46
Caroline ribas sérgio
• O Instituto da Adoção à Luz da Legislação Bra-
EM POUCAS PALAVRAS
sileira ...................................................................97
Assunto
Claudio gomes
Contrato • O Novo Código de Processo Civil e os Impac-
tos no Direito da Criança e do Adolescente .........71
• Para Que Serve um Contrato de Namoro? Pode
Ser Feito em um Cartório de Notas? (Isaque marCela maria Furst signori Prado
Soares Ribeiro).....................................................62
• A Interdição e a Curatela Sob a Nova Ótica do
Autor Estatuto da Pessoa com Deficiência .....................67

isaque soares ribeiro raissa naCer oliveira de andrade

• Para Que Serve um Contrato de Namoro? Pode • Efeitos Sucessórios Decorrentes da União Está-
Ser Feito em um Cartório de Notas? .....................62 vel, após o Julgamento do RE 878.694 no STF ...109

ACONTECE COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto Assunto

Contrato sobrenome
• Para Advogado, Contrato de Namoro Pode • Mudança de Sobrenome (Rogério Tadeu Romano)
Ser Facilmente Contestado (Paulo Lins e Silva) ....65 ..........................................................................224
238��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO
Autor regime de bens de casamento – Competência
da Vara de Família (TJMG).......................8338, 165
rogério tadeu romano
• Mudança de Sobrenome ....................................224 seParação
• Apelação cível – Família – Ação de separação
judicial litigiosa – Sentença de parcial proce-
ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA dência – Recurso da autora – Pleito único de
majoração da prestação alimentícia da filha
Assunto do ex-casal fundado na revelia e capacidade
econômica do genitor – Teses afastadas – Pre-
sunção relativa de veracidade dos fatos narra-
alimentos
dos na peça exordial – Livre convencimento do
• Agravo de instrumento – Processo civil – Acor- magistrado – Carência de prova da capacidade
do – Alimentos – Cumprimento parcial – Pros- econômica financeira do alimentante que reve-
seguimento em relação ao débito remanes- le condições de arcar com alimentos em valor
cente – Prestações pretéritas – Inexistência de superior – Binômio possibilidade x necessidade
urgência – Rito do cumprimento de sentença atendido – Sentença mantida (TJSC).........8341, 191
(TJDFT) ....................................................8336, 154
soCioaFetividade
divórCio
• Administrativo – Habeas corpus cível – Expul-
• Agravo de instrumento – Ação de divórcio liti- são de estrangeiro visitante – Paciente genitor
gioso c/c guarda, alimentos e regulamentação de filha brasileira de tenra idade – Dependên-
de visitas – Alimentos provisórios devidos ao cia socioafetiva comprovada – Inviabilidade da
filho menor – 30% (trinta por cento) do salário- expulsão – Aplicação do art. 55, II, a, da Nova
-mínimo – Pedido de acréscimo – Observân- Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) – Prin-
cia do trinômio necessidade – Possibilidade cípio da prioridade absoluta no atendimento
– Proporcionalidade (TJGO).....................8337, 159 dos direitos e interesses da criança e do ado-
lescente (art. 227 da CF) – Doutrina da prote-
inventário ção integral (art. 1º do ECA) – Concessão do
• Inventário – Investigação de paternidade – In- remédio heróico (STJ) ..............................8335, 146
vestigado falecido – Petição de herança – Aber-
tura de novo inventário – Descabimento – testamento
Extinção do processo (TJRS) .....................8340, 186
• Inventário – Decisão que deferiu o processa-
mento dos legados aos herdeiros sobrinhos e
investigação de Paternidade
conferiu o direito real de habitação a um dos so-
• Agravo interno – Recurso especial – Civil e brinhos – Falecida deixou testamento – Irresig-
processo civil – Investigação de paternidade – nação de parte dos herdeiros – Ação anulatória
Ação anteriormente ajuizada – Exame de DNA de testamento em curso questionando a higidez
não realizado – Coisa julgada – Relativiza- mental da testadora – Invalidade da cláusula
ção – Ação de Estado – Prevalência da verda- testamentária que não pode ser decretada de
de real – Jurisprudência consolidada – Agravo ofício – Efeitos produzidos até a declaração de
não provido (STJ) .....................................8333, 134 anulabilidade (CC, art. 177) – Decisão mantida
– Recurso desprovido (TJSP).....................8342, 200
Pensão Por morte
• Agravo interno no agravo em recurso especial EMENTÁRIO
– Pensão por morte – Sobrinho – Controvérsia
resolvida com base em legislação local – Im- Assunto
possibilidade de exame em recurso especial
– Incidência da Súmula nº 280/STF – Dissídio abandono aFetivo
prejudicado (STJ) .....................................8334, 140 • Abandono afetivo – conhecimento prévio da
paternidade – prescrição – termo inicial – maio-
Poder Familiar ridade ......................................................8343, 204
• Apelação cível – Estatuto da Criança e do
Adolescente – Ação de destituição do poder ação de alimentos
familiar – Sentença proferida sob a égide do • Ação de alimentos – redução...................8344, 204
CPC/2015 (TJRJ) .......................................8339, 168
ação de investigação de Paternidade
regime de bens • Ação de investigação de paternidade – alimen-
• Conflito negativo de competência – Vara de re- tos – exame de DNA realizado com a genitora
gistros e vara de família – Ação de alteração de – comprovação de vínculo genético ........8345, 204
239
RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������

• Ação de investigação de paternidade c/c alimen- investigação de Paternidade


tos – exame de DNA – não realizado pelo in-
• Investigação de paternidade – reconhecimento
vestigado – inversão do ônus da prova ....8346, 204
do vínculo biológico e preservação da pater-
• Ação de investigação de paternidade post nidade registral pré-existente socioafetiva – mul-
mortem – relação de parentesco ..............8347, 205 tiparentalidade.........................................8363, 210

alimentos itCd

• Alimentos – alteração de guarda ..............8348, 205 • ITCD – Lei nº 3.804/2006 – regime de casa-
mento – comunhão parcial de bens – doação
• Alimentos – extinção do processo – abandono entre cônjuges .........................................8364, 211
de causa ..................................................8349, 205
• Alimentos – maioridade – curso técnico – tér- loCação
mino – exoneração ..................................8350, 205 • Locação de imóvel – fiança – garantia pres-
• Alimentos provisórios – execução............8351, 206 tada sem a outorga uxória – ineficácia total
................................................................8365, 211
• Alimentos provisórios – obrigação avoenga
................................................................8352, 206 maternidade soCioaFetiva
• Maternidade socioafetiva – não comprovação
Casamento – tese do recurso especial ........................8366, 212
• Casamento – ação de anulação – danos morais
................................................................8353, 206 Paternidade

• Casamento – empresas familiares – separação • Paternidade – ação negatória – inexistência de


– partilha de bens ....................................8354, 206 vício de consentimento capaz de justificar a mo-
dificação do registro de nascimento – vínculo
• Casamento – retificação de registro civil ... 8355, 207 socioafetivo demonstrado ........................8367, 215
• Casamento celebrado antes de decorridos 10 • Paternidade – ação negatória – retificação do
(dez) meses do falecimento do cônjuge ante- registro civil – impossibilidade.................8368, 216
rior – ação declaratória de nulidade de pacto
antenupcial..............................................8356, 207 • Paternidade – negatória – vício de consenti-
mento – inexistente – socioafetiva ...........8369, 216
Comunhão ParCial de bens • Paternidade – reconhecimento – exclusão do
• Comunhão parcial de bens – bem adquiri- pai registral – exame de DNA que atestou a pa-
do exclusivamente pelo autor antes do casa- ternidade biológica ..................................8370, 216
mento – ex-cônjuge .................................8357, 207
Petição de herança
divórCio • Petição de herança – prescrição – termo ini-
cial – reconhecimento da paternidade .....8371, 216
• Divórcio – partilha de bens – casamento reali-
zado pelo regime da comunhão parcial – exce-
regime de bens
ção ao princípio da comunicabilidade.....8358, 207
• Regime de bens de casamento – ação de alte-
• Divórcio consensual – acordo sobre partilha
ração – competência da vara de família ... 8372, 217
dos bens – homologação por sentença – pos-
terior ajuste consensual acerca da destinação
registro
dos bens – violação à coisa julgada – inocor-
rência ......................................................8359, 208 • Registro – retificação – certidão de casamen-
to – erro na qualificação profissional – exercí-
• Divórcio litigioso – alegação de construções
cio de atividade diversa ...........................8373, 217
em imóvel na constância do casamento – au-
sência de comprovação – partilha indevida • Registro civil – certidão de casamento – erro
................................................................8360, 208 na profissão – informação transitória – retifi-
cação – impossibilidade ..........................8374, 217
exeCução
soCiedade
• Execução – bem de família – imóvel – impe-
nhorabilidade – preclusão .......................8361, 209 • Sociedade anônima familiar – ação de exclusão
de acionistas minoritários ........................8375, 217
inventário
suCessão
• Inventário – testamento – Código Civil de 1916
– inobservância quanto ao número de teste- • Sucessão – casamento e união estável – filhos
munhas ....................................................8362, 210 comuns e exclusivos – bem adquirido one-
240��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 109 – Ago-Set/2018 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO
rosamente na constância da união estável – • Testamento – ação de registro e ação anula-
regimes jurídicos diferentes .....................8376, 218 tória – prejudicialidade ............................8379, 219
• Sucessão – cônjuge sobrevivente – única her- • Testamento – anulação – governanta .......8380, 220
deira do de cujus .....................................8377, 219

testamento união estável


• Testamento – ação de abertura, registro e cum- • União estável – dissolução – comunicação de
primento – procedimento de jurisdição volun- bens – imóvel adquirido com produto de he-
tária .........................................................8378, 219 rança .......................................................8381, 220

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