O Evangelho e A Diversidade Cultural-142-171

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As Diferenças Culturais e a

Mensagem

S DIFERENÇAS CULTURAIS AFETAM NÃO SÓ OS MENSAGEIROS, MAS TAMBÉM A MENSAGEM.


Cada sociedade olha o mundo de maneira própria e codifica essa maneira em
sua língua e cultura. Nenhuma língua é imparcial, nenhuma cultura é teolo-
gicamente neutra. Conseqüentemente, a tradução e a comunicação
transcultural não são tarefas fáceis. Se não entendermos isso, estamos, na
melhor das hipóteses, em perigo de ser mensageiros ineficazes e, na pior, de
comunicar um evangelho mal-entendido e distorcido.
As diferenças culturais podem afetar uma mensagem de diversas manei-
ras. Primeira, a menos que os mensageiros utilizem formas de comunicação
que as pessoas entendam, elas não receberão a mensagem. De nada adianta
falar suaíle aos camponeses indianos ou adotar um ritual de dança, se as
pessoas rejeitam ou não se sentem familiarizadas com aquela forma de comu-
nicação. Segunda, a mensagem em si deve ser traduzida a fim de que as
pessoas a entendam com o mínimo de distorção. Isso não só implica transportá-
la para o idioma local, que possua significados semelhantes ao do original,
mas também cuidar para que os significados daquelas palavras, no contexto
mais amplo daquela cultura, não introduzam distorções. Terceira, a mensa-
gem deve ser contextualizada em formas culturais locais. Os templos, as for-
mas de louvor e os estilos de liderança devem ser adaptados para se ajustarem
aos padrões culturais. Os ritos de nascimento, casamento, funeral e outros
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rituais devem-se tornar nativos embora verdadeiramente cristãos. Finalmente,


as pessoas devem desenvolver uma teologia na qual as Escrituras lhes falem
em seu ambiente histórico e cultural particular.
Neste capítulo vamos tratar da primeira questão: Como podemos traduzir o
evangelho para novas formas culturais e comunicá-lo com eficiência?

Símbolos e Comunicação
A comunicação é a transmissão de informações de um "emissor" para um
"receptor". Isso pode ocorrer entre homens, animais e até mesmo máquinas.
As abelhas se comunicam com relação à direção onde está o mel. Os homens
acionam chaves para ligar carros e introduzir dados e operações nas calcula-
doras; os relógios disparam o sinal da escola; os semáforos regulam o tráfego;
cães avisam de ladrões; maestros regem orquestras; e os computadores fazem
voar os aviões.- Em todos esses casos, a informação é transmitida para gerar
mudança. Este é um dos principais objetivos de toda comunicação.
Neste momento, estamos preocupados não só com a comunicação num sen-
tido geral, mas com a comunicação interpessoal — entre Deus e os homens, e
entre os homens e outros homens — porque ela é o cerne da tarefa missionária.
A comunicação interpessoal é diferente porque tanto o "emissor" como o "recep-
tor" são seres inteligentes e suas mensagens incluem não só afirmações sobre
realidades concretas, mas também expressões de pensamentos e sentimentos
abstratos.
As idéias e emoções não podem ser comunicadas diretamente de uma mente
para outra. Elas devem primeiro ser expressas de maneira que os outros pos-
sam recebê-las através de seus sentidos (Figura 16). É nessa ligação dos signi-
ficados e sentimentos às formas que reside o cerne do que chamamos "símbolos".

A Natureza dos Símbolos


Os símbolos são coisas complexas. São a união dos significados com as
formas na mente de certas pessoas, que os utilizam para alcançar objetivos

FIGURA 16

As Idéias Devem ser Expressas em Formas Concretas para Serem Recebidas

Pessoa A Pessoa B

Idéia enviada
I I
I I
Símbolo em forma transmissão
concreta
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particulares em situações específicas. Em outras palavras, os símbolos unem


(1) significados, (2) formas, (3) pessoas, (4) funções e (5) contextos (veja Figu-
ra 17).
Por exemplo, em certas situações, dizemos a palavra árvore significando
um certo tipo de planta. Em outro contexto, utilizamos a palavra para signifi-
car descendência genealógica.
As pessoas de outras culturas utilizam formas diferentes para expressar
significados semelhantes. Os indianos dizem chetlu quando se referem às ár-
vores (plantas) mas santhanamu quando falam de sua genealogia.
A cultura torna a comunicação possível. Os símbolos devem ser comparti-
lhados por um grupo de pessoas para que ocorra a comunicação. As pessoas
devem associar as mesmas formas e significados em contextos semelhantes e
com objetivos semelhantes. Ao contrário, a comunicação cria grupos sociais
participantes nas mesmas culturas.

Tipos de símbolos. Os símbolos não são autônomos. Fazem parte de sis-


temas maiores dentro dos quais cada símbolo individualmente encontra seu
significado e utilização. Por exemplo, falamos uma linguagem constituída por
milhares de palavras, língua escrita composta de letras, códigos de cores como
os semáforos, formas designadas para sinais de tráfego e até mesmo aromas
que comunicam mensagens (Tabela 2). Como já vimos, nossa utilização do
tempo e do espaço possui um significado, como freqüentemente o silêncio tam-
bém o possui.
Cada um desses sistemas de símbolos é utilizado para comunicar certos
tipos de informação. Por exemplo, normalmente utilizamos palavras para es-
tabelecer mensagens cognitivas, mas gestos e tons de voz para comunicar
sentimentos. Na verdade, em grande parte do tempo, particularmente na co-
municação pessoal, utilizamos vários sistemas simultaneamente — língua fa-
lada, paralinguagem, expressão ou linguagem corporal e símbolos temporais
e espaciais. Mehrabian (1979:173) calcula que numa conversa média entre
duas pessoas na América do Norte, 38% do que se comunica é verbal. Mais de
60% é não-verbal!

FIGURA 17
Os Símbolos São um Conjunto Complexo de Relações

Pessoa

Contexto Função
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Significado dos símbolos. Por meio dos símbolos comunicamos idéias,


sentimentos e valores. Eles adquirem estes significados de duas maneiras di-
ferentes. Primeira, muitos símbolos se referem a fatos da vida diária. Eles se
referem a árvores, pássaros, pastagens, felicidade, inveja, roubo e milhares
de outras experiências específicas que as pessoas vivem, reunindo-as em cate-
gorias. Mas ao se referirem a algumas coisas, não o fazem para outras, ainda
que relacionadas. Por exemplo, em português quando dizemos "vermelho"
pensamos numa certa cor. Mas também estamos dizendo que "não é púrpu-
ra", "não é laranja" e assim por diante. Portanto, os símbolos ganham signifi-
cados em parte por sua relação com outros símbolos que pertencem ao seu
mesmo domínio ou campo. Esses significados aos quais os símbolos se referem
determinando ser algo específico às vezes são denominados significados
denotativos.
Segunda, os símbolos possuem significados conotativos. Estes são os que
damos aos símbolos que advêm de outros domínios do pensamento e do senti-
mento. Por exemplo, quando dizemos "vermelho de raiva", "ser vermelho" ou
"estar no vermelho" a palavra não significa mais a cor vermelha mas adquiriu
outros significados no campo da emoção, da política e da economia.
Ao mesmo tempo em que é fácil aprender os significados denotativos dos
símbolos, em outras culturas geralmente é difícil descobrir seus significados
conotativos, em parte porque, com freqüência, não estamos cientes de que eles
existam e também porque devemos olhar nas muitas maneiras que os símbo-
los são utilizados a partir de diferentes contextos, para aprender esses signifi-
cados. E importante que aprendamos os dois conjuntos de significados para os
símbolos que utilizamos. Se não o fizermos, nossas mensagens, que podem
estar denotativamente corretas, serão mal-entendidas por causa de suas
conotações, como na anedota norte-americana que conta de um banqueiro
que, ao ouvir que "Jesus saves" [Jesus salva], disse: "That's nothing. I do too".
[Isso não é nada; eu também faço isso].*
Até agora examinamos os significados explícitos dos símbolos. Mas os sím-
bolos se referem não somente à consciência do mundo dos pensamentos e dos
sentimentos humanos. Eles tambéni refletem os pressupostos implícitos que
as pessoas têm sobre a realidade; em outras palavras, sua cosmovisão. Isso é
particularmente verdadeiro nas palavras, porque a língua é o sistema mais
poderoso de símbolos. Esses significados ocultos geralmente criam os maiores
problemas na comunicação transcultural porque nós e as pessoas em geral
não temos consciência deles. Elas os têm por certo porque para elas essa é a
maneira de ser do mundo e nós achamos difícil descobri-los se elas não podem
verbalizá-los. Geralmente os aprendemos apenas observando como as pessoas

* O verbo to sove (salvar) significa também "economizar". (N. do T.)


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TABELA 2
Há Muitos Sistemas Diferentes de Símbolos

1 Língua Falada Fala, radiodifusão

2 Paralinguagem Ritmo, altura, ressonância, articulação, inflexão, andamento


e pausas da fala, tons emocionais

3 Língua Escrita Escrita, inscrições, cartazes

4 Pictórico Sinais de trânsito, guias de ruas, desenhos de magia, ma-


pas astrais, diagramas, gráficos, insígnias militares, decal-
ques, logotipos

5 Expressão Corporal Gestos corporais, movimentos de mãos e pés, expressões


faciais, olhares, posturas

6 Áudio Música (rock, jazz, valsa, etc.), sinos, gongos, tambores,


traques, salvas de tiro, trombetas

7 Espacial Distância entre uma pessoa e outra, multidão, proximidade


ou intimidade, separação entre o orador e a platéia, marcha
em fila (algumas vezes chamada de proxêmica)

8 Temporal Significado de "no horário" e "atrasado", importância dada


ao tempo, às festas de Ano Novo, à idade relativa dos
comunicadores, seqüência de acontecimentos em rituais.

9 Toque Abraços, cumprimentos de mão, condução de um cego, to-


car o pé de alguém, colocar as mãos sobre a cabeça de
alguém, tortura física, flagelação religiosa

10 Paladar Bolos e doces para comemorações, alimentos requintados,


alimentos étnicos e culturais, cachimbos da paz, alimentos
"quentes" e "frios" no sul da Asia, vegetarianismo, alimentos
sagrados

11 Aromas Perfume, incenso, defumação dos xamãs, odores corporais,


perfume das flores

12 Aspectos Ecológicos Montanhas sagradas, árvores sagradas, territórios proibidos,


rios sagrados, locais históricos

13 Silêncio Pausa em orações, página em branco, silêncio no tribunal


ou no templo, espaço vazio na arte japonesa, ausência de
resposta

14 Rituais (Os rituais utilizam muitos dos sistemas acima, mas acres-
centam outra dimensão de símbolos, chamados de repre-
sentação ou performance simbólica.) Casamentos, funerais,
rituais de sacrifício, cultos, Ceia do Senhor

15 Produtos do Homem Arquitetura, móveis, decoração, vestuário, cosméticos, sím-


bolos de riqueza como relógios, carros, casas e chapéus.

Adaptado em parte de uma lista sugerida por Donald Smith, Daystar Communications, Nairobi.
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utilizam esses símbolos no relacionamento mútuo em muitos contextos dife-


rentes (Tabela 3).
Os significados implícitos podem ser observados melhor por meio de uma
ilustração. Quando os missionários foram para o sul da índia, estavam curio-
sos para saber que palavra deveriam utilizar para "Deus". Havia várias pala-
vras em telugu que poderiam utilizar: parameshwara (Governante de Todos),
bhagavanthudu (Aquele que Merece Louvor), ishvarudu (O Xiva Supremo) e
devudu (Deus). As três primeiras tinham problemas porque, com freqüência,
eram associadas a deuses específicos do panteão hindu. Por isso, os tradutores
optaram por adotar a última palavra.
No entanto, uma análise dos significados implícitos dessas palavras nos
mostra alguns problemas na utilização de qualquer uma delas para a tradu-
ção do conceito bíblico de Deus. Se pedirmos aos falantes de inglês para orga-
nizarem uma lista de categorias relacionadas à natureza, eles tendem a fazê-
lo de certas maneiras (veja Figura 18). A maioria deles coloca mulher, homem
e moça juntos e os chama de "seres humanos". Colocam árvore e arbusto jun-
tos e os denominam "plantas". Colocam leão, cão e boi juntos e se referem a
eles como "animais". Classificam areia e rocha como "objetos inanimados" e
colocam Deus, anjos e demônios juntos e os designam "seres sobrenaturais".
Já que muitos não têm certeza do que fazer com bactéria, vírus, mosca e per-
cevejo, sempre criam outras categorias para eles. Recusam-se a colocar o Mickey
Mouse em qualquer um desses grupos alegando que ele pertence a um outro
domínio de categorias, chamado de "personagens de ficção" em contraposição
às "coisas reais".
Há pressupostos teológicos e filosóficos fundamentais implícitos nessa clas-
sificação. Primeiro, há uma distinção clara entre os seres sobrenaturais e os
naturais. A maioria dos ocidentais pensa nos primeiros em termos religiosos e
mentalmente os coloca em algum outro mundo, seja ele o céu ou o inferno.
Quanto ao restante eles pensam em termos científicos e os colocam na terra.

TABELA 3
As Palavras Têm Significados Implícitos e Explícitos

Significados Denotativos Significados Conotativos

Significados Explícitos Os significados das pala- Idéias, sentimentos e valores


vras, que as pessoas nos conscientemente associados
dão às palavras
Significados Implícitos Estrutura básica das pala- Crenças profundas, senti-
vras como sistemas de cate- mentos e julgamentos in-
gorias conscientemente associa-
dos às palavras
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Segundo, os seres vivos são divididos em categorias distintas, os quais se


considera terem diferentes tipos de vida. Por exemplo, podemos comer animais,
mas homens não, porque a vida desses últimos de alguma maneira é diferente
da dos primeiros. Da mesma maneira, adoramos a Deus, mas adorar a um
homem é sacrilégio porque a adoração está sendo dada a seres que não são
deuses. Finalmente, uma clara distinção se faz entre coisas "vivas" e "não-vi-
vas", entre o orgânico e o inorgânico, ou o animado e o inanimado.
Se solicitássemos aos falantes de telugu que organizassem as mesmas pala-
vras ou seus equivalentes conotativos em telugu, eles o fariam de maneira dife-
rente (veja Figura 19).
Os pressupostos fundamentais que permeiam essa classificação obviamente
são diferentes dos do falante em inglês. Primeiro, não há uma distinção exata
entre os tipos de vida. Na verdade, toda vida é considerada a mesma. Essa é a
crença fundamental do hinduísmo (eka jivam). Conseqüentemente, uma vez
que não há diferença real entre deuses e homens, pode-se adorar a um santo
ou um guru. Por outro lado, uma vez que não há distinção real entre a vida de
um animal e a de um ser humano, matar um boi, ou mesmo um cachorro ou
um inseto, para alguns é assassinato!
Segundo, todos os seres viventes, incluindo os deuses, são parte do mundo
"criado". A palavra criação na verdade é mal-entendida, porque esse universo e
seus deuses, espíritos, homens, animais e plantas são todos sonhos da mente do
grande deus Brahma, que em si mesmo é uma emanação de Brahman. Logo,
eles são maya, ou passageiros e ilusórios. No entanto, Brahman não é um ser
vivente, mas uma força impessoal fundamental. Finalmente, a própria terra
não é totalmente inanimada. Há um sentido no qual ela também é viva e, por-
tanto, deve ser respeitada.

Diferenças Culturais nos Sistemas de Símbolos


Culturas diferentes possuem símbolos diferentes. Sabemos que as línguas
são diferentes, mas não podemos perceber que também são símbolos os movi-
mentos, os tons de voz, os sabores e até mesmo o uso do silêncio. Samarin
(Smalley 1978:673-677) diz que os índios algonquinos dos Estados Unidos em
geral não falavam por cinco minutos, mesmo quando em reuniões da tribo.
Enquanto isso, os gbeya, da República Centro-Africana só iniciam uma con-
versa depois da refeição, e não durante. E ao visitarem um doente, assumem
uma expressão triste e se sentam em silêncio para mostrarem sua solidarieda-
de com o paciente. Samarin acrescenta: "Uma quantidade mínima de bate-
papo pode ocorrer entre as visitas, mas isso não envolve o paciente. Para um
ocidental, esse tipo de consolo pode ser extremamente inquietante, uma vez
que os consoladores fitam o vazio".
Também há variações culturais nos sistemas de símbolos que as pessoas
empregam para tipos diferentes de comunicação. Por exemplo, os protestantes
comunicam as mensagens religiosas principalmente por música e pregação.
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FIGURA 18
Categorias de Seres Vivos e de Seres Inanimados entre os Falantes de Inglês

1. Organize os termos a seguir em algumas categorias básicas


árvore cão mulher mosca leão
homem areia Deus vírus demônios
arbusto moça rocha boi flor
percevejo anjos bactéria formiga Mickey Mouse

2. Categorias normalmente utilizadas pelos falantes de inglês para classificar


estas palavras

Seres Sobrenaturais
Deus, anjos, demônios
Sobrenatural

Natural
Seres Humanos
mulher, homem, moça

Animais
leão, cão, boi

Plantas
árvore, arbusto, flor

Insetos
mosca, percevejo, formiga

Germes
bactéria, vírus

Objetos Inanimados
areia, rocha

Observação: O Mickey Mouse não se ajusta a este domínio de classificação. Ele pertence ao
domínio da "ficção".

Muitas culturas tribais o fazem através de dança, percussão, teatro, trovas e


principalmente por rituais em que as mensagens são interpretadas. Por exem-
plo, o método da pregação pode ter pouco significado religioso. Entretanto, é
importante para o missionário que utilize sistemas culturais de símbolos apro-
priados para a comunicação do evangelho.
As Diferenças Culturais e a Mensagem 149

Tradução

Se os símbolos, particularmente as palavras, tivessem apenas significados


explícitos, denotativos, a tradução de uma mensagem de uma cultura para
outra não seria tão difícil. Por exemplo, poderíamos apontar para uma árvore

Conceito Americano de Vida

Deus
eterno
sobrenatural
Criador infinito

Criação
Homem
Natural, mas com alma
eterna.
A B
As relações entre os
homens são essencial-
mente horizontais.

Animais
temporais

Plantas

Mundo Inanimado
sem vida

De Paul G. Hiebert, "Missions and the Understanding of Culture", em The church in mission, org.
A. J. Klassen (Fresno: Board of Christian Literature, Mennonite Brethren Church, 1967), p. 254.

e perguntar às pessoas como elas a chamam. Então, usaríamos aquele termo


para nos referir às árvores. É claro que precisaríamos reorganizar as palavras
para ajustá-las às regras gramaticais. Mas as palavras também possuem sig-
nificachis conotativos, muitos dos quais são implícitos. Isso é o que torna a
tradução tão difícil.
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FIGURA 19

Categorias de Seres Vivos e de Seres Inanimados na Língua Telugu


Brahman (a principal força cósmica)

Maya (mundo deuses (devas, parameshwara, etc.)


passageiro
anjos
de ilusões)
demônios (rakshasas, apsaras, etc.)

seres
humanos (casta superior, depois intermediária
e inferior)

animais (vacas, depois leões, cães, etc.)


plantas
objetos inanimados

Forma e Significado
Agora precisamos retornar à distinção que fizemos anteriormente entre for-
ma e significado nos símbolos e na cultura. Inicialmente, temos a tendência de
comparar os dois. Não paramos para distinguir entre os sons para "árvore" e os
significados que associamos a esses sons. Isso porque crescemos em uma única
cultura e precisa ser feita uma separação em nossas conversas com os outros
dentro dessa cultura. Além do mais, não precisamos fazer diferença entre os
significados conotativos e denotativos das palavras, novamente porque isso não
é necessário nas discussões com as pessoas de nossa própria cultura.
No entanto, quando traduzimos uma mensagem para uma nova cultura,
somos forçados a lidar com a relação entre forma e significado, e entre signifi-
cados conotativos e denotativos. No falar, logo percebemos que as outras pes-
soas chamam as árvores de chetlu ou baurn, ou alguma outra coisa para de-
notar as mesmas coisas, e se quisermos nos comunicar com elas, devemos uti-
lizar suas palavras. Geralmente, também desprezamos o fato de que o mesmo
é verdadeiro em outras áreas da comunicação tais como os gestos, a arquitetu-
ra, as formas de adoração e o vestuário. Por exemplo, em algumas culturas, as
pessoas mostram reverência tirando o chapéu, em outras, tirando os sapatos.
Da mesma forma, precisamos de canções escritas em melodias e ritmos típicos
à cultura para que as pessoas possam entendê-las. Ainda que traduzamos as
palavras na língua local, se a música permanecer estrangeira, a mensagem
trazida por ela revelará uma religião para estranhos.
Enfrentamos uma questão mais difícil com respeito aos significados
conotativos. Qual é a sua importância para a tradução? Muitos dos primeiros
missionários enfatizavam os significados denotativos em sua comunicação.
Em conseqüência, suas traduções eram "literais" ou formais. Quando pensa-
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O Conceito Indiano de Vida

Brahman Realidade

Espírito
Puro
Á
deuses elevados
deuses menores
demônios e espíritos
semideuses
santos e encarnações
Á Ilusão

As relações
são
essencial-
sacerdotes
mente
governantes
verticais
comerciantes
Misto
411.1.111•=1111 castas de artesãos
castas de trabalhadores
castas de serviçais
castas excluídas
animais elevados
animais inferiores
• plantas
Matéria mundo inanimado
Pura

De Paul G. Hiebert, "Missions and the understanding of culture", p. 255.

vam em "pastor" escolhiam um termo local que se relacionava às pessoas que


cuidavam de ovelhas. Ou quando traduziam "porta" utilizavam o termo local
com o significado denotativo mais próximo. Quase nunca percebiam que os
significados conotativos dessas palavras eram bem diferentes na nova língua.
Em telugu, por exemplo, "pastores" cuidam de ovelhas (significado denotativo),
mas são vistos como bêbados debochados (significado conotativo). Por conse-
guinte, a mensagem que as pessoas ouviam geralmente era bem diferente da
mensagem que os missionários pensavam que estavam comunicando.
Nas afirmações de fatos, os significados denotativos geralmente são os mais
importantes. Dizemos, por exemplo: "Maria foi para a cidade". A tradução
disso em outra língua geralmente é direta. Mas em grande parte de nossa
comunicação, particularmente aquela que tem que ver com analogias, alego-
rias, metáforas, o humor, os idiomas e o gosto, os significados conotativos são
iguais, se não até mesmo de maior importância. E, uma vez que essas várias
formas desempenham um papel importante no pensamento religioso, não pode-
mos ignorá-las. Por exemplo, em certas partes da América Latina os "pais" ge-
ralmente são vistos como omissos, distantes e autoritários (Nida 1978:46-54).
152 As Diferenças Culturais e a Mensagem

As "mães" por sua vez são comprometidas, amáveis e benevolentes. Em tais


situações, é fácil perceber os mal-entendidos que surgem quando falamos de
Deus com nosso Pai, porque quando dizemos isso, não estamos pensando em
Deus como o nosso genitor biológico, mas como no papel de "pai", uma palavra
que tem mais conotações positivas para nós.
Para minimizar os mal-entendidos, os tradutores recentes têm enfatizado
interpretações dinâmicas na qual se dá ênfase à preservação dos significados
conotativos. Em alguns casos, isso pode significar mudar o símbolo ou a pala-
vra. A Bíblia fala do coletor de impostos "batendo no peito" como um sinal de
arrependimento. Como Nida (1981:2) diz, isso pode parecer estranho para as
pessoas da Africa Ocidental, em cuja língua a expressão "bater no peito" só
pode significar ter orgulho nas realizações de alguém. Quando se fala de arre-
pendimento, eles diriam: "Ele bate sua cabeça".
Até agora estivemos falando de tradução em geral. Na pregação, no ensi-
no, na composição e tradução de livros cristãos fazemos um grande esforço na
flexibilidade de escolha de palavras e símbolos que transmitam melhor os sig-
nificados (conotativos ou denotativos) que desejamos comunicar. Mas e a
Bíblia? Não podemos tomar liberdades indevidas quando a traduzimos ainda
que desejemos que ela seja entendida com clareza pelos leitores.
Aqui, Eugene Nida e William Reyburn (1981) oferecem alguma orienta-
ção sobre até onde podemos mudar as formas e os significados denotativos a
fim de manter os significados conotativos e ainda permanecer verdadeiros
para com o texto. Por exemplo, eles dizem que o tradutor não deve alterar o
texto original quando ele se refere a acontecimentos históricos. Não podemos
mudar o fato de que Jesus foi circuncidado no oitavo dia, embora algumas
sociedades considerem isso uma forma cruel de tratar um bebê recém-nascido.
Em alguns casos, precisamos oferecer às pessoas informação adicional através
de comentários e ensino para que elas entendam os costumes judaicos daque-
la época. Da mesma maneira, lançar sortes, freqüentemente mencionado nas
Escrituras, é totalmente desconhecido em algumas culturas e precisa de al-
gum tipo de explicação adicional para que as pessoas entendam as passagens.
Mas não temos liberdade de adicionar tais informações no texto.
A questão das expressões idiomáticas e das figuras de linguagem é mais
difícil. Por exemplo, como devemos traduzir frases do tipo "branco como a neve",
"pedra de moinho" ou "camelo" para as pessoas que não sabem nada sobre
elas? Podemos ser obrigados a utilizar termos como "muito, muito branco",
"uma pedra pesada" e "um animal chamado camelo". Da mesma maneira, em
algumas partes da Africa Ocidental o "assento real" é equivalente a um "tro-
no", e em outros lugares, "lobo" pode ser traduzido como "chacal" ou "um ani-
mal como a hiena". Nida e Reyburn (1981:54) dizem:
As Diferenças Culturais e a Mensagem 153

Em certos casos, uma tradução literal é impossível por causa dos valores
simbólicos especiais associados a certos objetos culturais. Por exemplo, em
balinês, a víbora é associada a uma cobra do paraíso e, logo, "raça de víboras"
(Mt 3:7, 12:34, 23:33; Lc 3:7) raramente seria uma reprovação pública. No
entanto, é possível comunicar o significado dessa frase substituindo-a por
um termo mais genérico — por exemplo, "animal nocivo".

O Significado nas Culturas


Eugene A. Nida e William D. Reyburn
... Os postulados e valores de uma cultura são mencionados como se
formassem um todo único coerente. No entanto, de forma alguma esse é o
caso. Dentro da Bíblia há postulados razoavelmente diferentes. O henoteísmo
(um Deus superior a todos os outros) de certas partes do Antigo Testamento
dá lugar ao monoteísmo que nega totalmente a existência de outros deuses. O
sistema sacrificial do Antigo Testamento é completamente rejeitado no Novo
Testamento. A poligamia do Antigo Testamento é colocada de lado, no Novo
Testamento. Jesus se referiu a certos aspectos da lei como "ouvistes o que foi
dito", e então continuou a dar à lei interpretação e relevância um tanto diferen-
tes. Foram exatamente as diferenças nos postulados que fizeram surgir o
primeiro conflito dentro da igreja — a saber, a maneira que os gentios seriam
admitidos à comunhão dos fiéis.
A Bíblia não só reflete os diferentes conjuntos de postulados da vida pales-
tina antiga. Ela também contém referências a certos postulados greco-roma-
nos do mundo antigo. Os escritos joaninos revelam com clareza a luta da
igreja primitiva contra as crenças do gnosticismo que se baseava no dualismo
primordial do espírito e da matéria e que procurou interpretar a encarnação e a
ressurreição em termos dualistas, permitindo, assim, a morte de Jesus e a
ressurreição de Cristo.
Se alguém estiver preparado para reconhecer as diferenças de postulados
na Bíblia, é ainda mais necessário perceber que há conjuntos bem diferentes
de postulados culturais na maioria das sociedades atuais. Dentro do mundo
ocidental, por exemplo, o "ponto de vista cientifico" supõe representar o pensa-
mento do "homem moderno", mas isso está longe de ser totalmente verdadeiro.
Talvez a maioria dos intelectuais tenha uma "visão secular científica do mundo",
que pode ser caracterizada grosso modo como (1) uma explicação da vida com
base na evolução biológica, (2) uma interpretação mecanicista do universo, que
não necessita de "inteligência suprema", (3) uma interpretação da história com
base essencialmente nas forças puramente humanas que operam dentro de
certos limites ecológicos e (4) um conjunto de valores étnicos originários da
natureza humana, essencialmente humanísticos. Juntamente com essas vi-
sões de mundo estão a rejeição dos seres sobrenaturais, o repúdio à mágica e
a ausência de interesse pelas atividades religiosas.
Porém, para a maioria das pessoas do mundo moderno, essa visão científi-
ca da vida é bem estranha. Elas podem ter rejeitado religiões estabelecidas,
154 As Diferenças Culturais e a Mensagem

mas certamente não abandonaram a clarividência, a astrologia, os médiuns, as


bruxas e os amuletos (tais como pés de coelho, moedas da sorte e imagens).
Algumas podem até alegar uma "visão científica" em certos contextos da vida,
mas temem uma praga lançada por uma pessoa decente e buscam a cura
daqueles que defendem "curas miraculosas". Na verdade, muitas pessoas, a
despeito de sua adesão formal a um ou outro sistema de pensamento, têm
misturas estranhas de crenças e, raramente, ou se algum dia o fizerem, procu-
ram resolver as contradições implícitas. Elas acreditam naquilo que querem
acreditar. De certo modo, elas "assumem um risco"; parecem estar tão conten-
tes com as dúvidas de segunda mão como com a fé de segunda mão também.
Em vista das importantes diferenças de postulados que possam existir den-
tro de uma única sociedade, não é de surpreender que haja grandes diferenças
entre a cultura bíblica e as outras culturas do mundo. Alguém pode achar que as
diferenças seriam particularmente conflitantes se alguém comparasse a cultura
da Bíblia com a de alguma sociedade atual da África Central. No entanto, em
verdade, elas têm muito em comum: poligamia, crença em milagres, prática da
bênção e do rogar pragas, escravidão, sistemas de vingança, sacrifício e comu-
nicação através de sonhos e visões. Os navajos pastoris vêem muitas coisas
na Bíblia que são paralelas ao seu próprio estilo de vida: apascentar ovelhas,
expulsar espíritos demoníacos, responsabilidade corporativa, previsões de tem-
po apenas olhando o céu, premonição de acontecimentos e a expectativa pelo
fim do mundo (depois do qual grandes mudanças ocorrerão).
Em certo sentido, a Bíblia é o livro religioso mais traduzido que já se tenha
escrito, porque se origina de uma época e de um lugar em particular (o extremo
ocidental do Crescente Fértil) pelos quais passaram mais padrões culturais e
dos quais irradiaram-se mais aspectos e valores distintos do que ocorreu em
qualquer outro lugar na história do mundo. Se alguém comparasse os traços
culturais da Bíblia com os de todas as culturas hoje existentes (teria de consi-
derar mais de dois mil grupos de pessoas significativamente diferentes), veri-
ficaria que, em certos aspectos, a Bíblia é surpreendentemente mais familiar
a muitas delas do que a cultura tecnológica do mundo ocidental. Aberrante ao
mundo é esta cultura "ocidental". E é exatamente no mundo ocidental, junta-
mente com um número crescente de pessoas em outras partes do mundo que
compartilham seu ponto de vista, que as Escrituras aparentemente têm tido
menos aceitação imediata.
Um dos desenvolvimentos importantes do cristianismo que reflete esta
diferença no panorama cultural é o número rapidamente crescente de "igrejas
nativas". Estima-se que só na Africa, nos últimos vinte anos, mais de quinze
milhões de pessoas passaram a fazer parte das igrejas "independentes" ou
"separatistas", que em sua maioria se sentem à vontade com a Bíblia, mas
distantes das instituições tradicionais do cristianismo ocidental. Instintivamente,
essas pessoas encontram uma identidade com a Bíblia, mas se sentem mal
dentro das igrejas ocidentais tradicionais que de muitas maneiras não refletem
mais "a vida e a fé da Bíblia".
As Diferenças Culturais e a Mensagem 155

Uma vez que não podemos enfrentar devidamente os problemas do tradu-


tor sem considerar as muitas e sempre conflitantes diferenças entre a cultura
da Bíblia e a das outras sociedades, seria errado exagerar as diversidades
como algumas pessoas têm feito. Como os antropólogos têm dito, normalmen-
te há muito mais coisas que unem pessoas diferentes em uma humanidade
comum que aquelas que as separam em grupos distintos. Estes elementos
universais culturais, como a percepção da reciprocidade e da igualdade nas
relações interpessoais, a resposta à bondade e ao amor do homem, o desejo
por significado na vida, o conhecimento da enorme capacidade da natureza
humana para o mal e para a autodesilusão (ou racionalização do pecado) e sua
necessidade de algo maior e mais importante que ele mesmo, são todos eles
temas que constantemente aparecem na Bíblia. Esses são os elementos das
Escrituras que apareceram a um número incontável de pessoas através dos
séculos e através das fronteiras culturais.
A importância sobre o recente interesse na Bíblia pelo mundo ocidental é
o fato de que as Escrituras originaram-se de uma outra era e de uma cultura
distante. Por muito tempo foi ensinado às pessoas modernas que seus proble-
mas são o resultado direto de uma vida fundamentada e caracterizada
tecnologicamente pela urbanização e industrialização. Mas agora elas estão
descobrindo que as pessoas apresentadas na Bíblia tinham exatamente os
mesmos problemas e necessidades que as pessoas hoje — a inclinação ao
pecado, mesmo quando desejam ser corretas, o sentimento de culpa, neces-
sidade de perdão, o poder de resistir à tentação e o desejo de amar e ser
amado. O fato de que essas necessidades universais são exemplificadas den-
tro do contexto de acontecimentos históricos concretos envolvendo a vida real
é que torna a Bíblia tão viva e atraente para as pessoas em muitas socieda-
des
Quando comparada aos documentos básicos ou às tradições verbais de
outras religiões, a Bíblia é singular em sua apresentação de acontecimentos
atuais envolvendo seres humanos específicos. Enquanto os documentos reli-
giosos do hinduísmo se preocupam principalmente com o heroísmo dos deu-
ses, a Bíblia está preocupada essencialmente com a atividade de Deus na
história humana. Em contraste com os tratados religiosos do budismo (que
contêm principalmente princípios éticos de origem filosófica) e do Corão (que
se concentra nas exortações e advertências do profeta), a Bíblia está enraizada
na história e consiste principalmente em relatar como Deus entrou nela para
revelar seu poder divino, sua vontade e sua pessoa. A fé bíblica está por sua
vez firmemente enraizada em acontecimentos — em um Deus que age.
Além disso, o Deus da Bíblia é apresentado agindo em momentos especí-
ficos, e não meramente de maneira generalizada. Logo, o contexto histórico
específico do relato bíblico adquire implicações teológicas muito importantes,
e os cristãos têm quase instintivamente reagido contra quaisquer tentativas
de transportar o contexto cultural e histórico dos relatos bíblicos. Em reação a
uma tentativa de transportar a mensagem bíblica para um ambiente africano,
156 As Diferenças Culturais e a Mensagem

um chefe afirmou: "Se aquilo realmente aconteceu, então por que nossos avós
não nos contaram?". Na verdade, tornar o relato bíblico muito contemporâneo
pode destruir algo de sua credibilidade.
Do ponto de vista da teologia judeu-cristã, a entrada de Deus na história
em épocas e locais específicos é relevante e crucial. Portanto, é óbvio que os
acontecimentos registrados na Bíblia não podem ser alterados. No entanto, se
o significado de um certo acontecimento depende de um conjunto de postula-
dos visivelmente diferentes daqueles da cultura do receptor, o que o tradutor
faz para evitar sérios mal-entendidos? Em primeiro lugar, o tradutor não pode
esperar tornar a mensagem tão clara que qualquer leitor possa entendê-la ple-
namente sem nenhuma referência a algum dos postulados que são implícitos
ao relato bíblico. Isto quer dizer que não se pode esperar que o tradutor trans-
ponha a mensagem, lingüística e culturalmente, de maneira que ela se ajuste
completamente dentro da estrutura interpretativa da cultura do receptor. Fazer
isso significaria roubar a mensagem de seu ambiente temporal e espacial pró-
prios. Além do mais, o objetivo do tradutor não é fazer com que a mensagem
soe como se os acontecimentos ocorressem em uma cidade próxima, há ape-
nas poucos anos. Na verdade, o objetivo deve ser traduzir, de tal modo (e com
a tradução oferecer esses dados referenciais) que evite que os receptores
entendam mal o que os receptores originais entenderam quando receberam a
mensagem pela primeira vez.
A exegese pode ser descrita como o processo de reconstruir o aconteci-
mento da comunicação determinando seu significado (ou significados) para os
participantes da comunicação. Por sua vez, a hermenêutica pode ser descrita
como aquela que aponta paralelos entre a mensagem bíblica e os aconteci-
mentos atuais e que determina a extensão da relevância e a resposta apro-
priada para o crente. Tanto a exegese como a hermenêutica estão incluídas
numa categoria maior de interpretação.
A tarefa principal do pesquisador bíblico é oferecer os fundamentos para
os problemas da exegese e ajudar as pessoas a entender a relevância da
mensagem bíblica para os ambientes razoavelmente diferentes na língua e na
cultura dos nossos dias.

De Eugene A. Nida e William D. Reyburn, Meaning across cultures (Maryknoll, N. Y; Orbis,


1981, p. 26-30.

Traduzindo os Significados Implícitos


O problema mais fundamental que enfrentamos, no entanto, é o fato de
que as palavras em qualquer cultura possuem significados implícitos que re-
fletem a visão de mundo daquela cultura. Como já vimos, não há palavras em
telugu que possuam exatamente os mesmos significados que os das palavras
As Diferenças Culturais e a Mensagem 1 57

bíblicas para "Deus", "homens", "pecado", "salvação" e similares. O que fazer


então para preservar a mensagem da revelação divina?
Por exemplo, tomemos a palavra devudu utilizada pelos primeiros missio-
nários para "Deus" em sua tradução da Bíblia telugu. Como já vimos, essa
palavra significa ser supremo, mas não a realidade principal. Há muitos de-
vas, e todos pertencem a este mundo passageiro de ilusão. Além do mais, não
há diferença real entre eles e os homens. Se utilizamos a palavra devudu,
perdemos muito dos significados bíblicos associados a Deus. Ele não é mais o
Criador principal, e sua encarnação simplesmente se refere a uma criatura
maior que ajuda uma inferior. Obviamente, a palavra devudu traz problemas
para os nossos objetivos. E as palavras parameshwara, bhagavanthudu e
ishvarudu? Estas também pertencem a este universo e, como os devas, deixa-
rão de existir no final dos tempos e voltarão para Brahman, a fonte. E
Brahman? Não é um ser pessoal a quem podemos nos relacionar; ele é uma
força suprema.
O que os tradutores devem então fazer? Podem utilizar as palavras que
falem de deuses como pessoas, como devudu, mas estes não são eternos e oni-
potentes; eles podem usar Brahman, mas este não é uma pessoa; ou podem
trazer um termo estrangeiro como "Deus" ou "Teos", mas então ninguém irá
entendê-los. Este é sempre o dilema da tradução.
O fato é que não há uma correspondência simples entre as palavras em
línguas diferentes. Conseqüentemente, na tradução, sempre há alguma
distorção da mensagem. Primeiro, há alguma perda de significado encontrado
na primeira língua; segundo, há a adição de significados que não são encon-
trados no original (Figura 20).
Como evitarmos a perda de significados ou a adição de significados não-
intencionais na tradução da Bíblia, ou neste caso na pregação e no ensino?

FIGURA 20

As Categorias em Diferentes Línguas não são as Mesmas


Significado de uma Significado de uma Palavra
Palavra na Língua A Cognata na Língua B

perda de significados adição de significados


significados compartilhados não intencionais
158 As Diferenças Culturais e a Mensagem

FIGURA 21
Cosmovisão dos Hebreus, dos Gregos e Moderna

Hebreus Gregos Moderna

Deus Deus Sobrenatural:


Anjos —religião, invisível
Demônios —fé, milagres, visões
Vácuo

Anjos
Demônios
Seres Humanos Seres Humanos Ciência:
Animais Animais —visão, experiências, ordem
Plantas Plantas natural, leis
Matéria Matéria —experiências normais

De Paul G. Hiebert, "Anthropological tools for missionaries" (Cingapura: Haggai lnstitute, 1983), p. 22

Em alguns poucos casos, talvez seja preciso criar novas palavras ou importá-
las de outra fonte. Por exemplo, na Bíblia, utilizamos as palavras siclo e côvado,
mas elas possuem pouco significado para a maioria dos leitores, particular-
mente os não-cristãos.
Em geral, devemos escolher a palavra mais adequada para aqueles da
língua local e então torná-la explícita por meio do ensino e da pregação onde
o significado bíblico da palavra é diferente de seu significado comum na cultu-
ra. No caso da tradução de "Deus" em telugu, podemos escolher usar devudu
porque ela fala de um deus pessoal, mas então devemos deixar claro que o
Deus da Bíblia é a principal realidade, não simplesmente o ser maior no uni-
verso, e que os homens são criações separadas, não simplesmente fragmentos
do espírito de Deus. Devemos continuar a esclarecer as diferenças porque a
palavra devudu continuará a ser usada pela maioria das pessoas telugu com
significados hindus.
As distorções que ocorrem quando os cristãos não tratam dos significados
implícitos de seus símbolos culturais podem rapidamente ser ilustradas pelo
cristianismo ocidental. Já vimos que a maioria dos cristãos do Ocidente ten-
dem a reunir "Deus", "anjos" e "demônios" como seres sobrenaturais e distin-
gui-los dos seres naturais como os homens e os animais. Mas essa é a principal
heresia do cristianismo. Se há uma distinção fundamental na Bíblia, ela está
As Diferenças Culturais e a Mensagem 159

entre Deus como Criador e todo o resto como criação. Nunca devemos colocar
Deus na mesma categoria de nenhuma outra coisa.
Então, como passamos a pensar em Deus, anjos e demônios como membros
de um só grupo? A resposta é a disseminação da cosmovisão grega no Ociden-
te durante a Renascença (Figura 21). Na cosmovisão hebraica, Deus é ele
mesmo. Todo o resto depende do ato contínuo de sua criação. Na verdade não
há palavra no hebraico para "natureza" como uma ordem cósmica auto-sus-
tentada. No entanto, na cosmovisão grega, os deuses (theoi) são parte de um
campo sobrenatural habitado por espíritos de muitos tipos. Por sua vez, o mundo
natural inclui homens, animais, plantas e matérias. Como o Ocidente adotou
essa mundividência grega, os cristãos ocidentais absorveram seus significa-
dos implícitos em suas teologias. O resultado é um duplo universo no qual
utilizamos a religião para descrever realidades sobrenaturais e uma ciência
secularizada para explicar a ordem natural.
A tradução da Bíblia obviamente é uma tarefa complexa, e aqueles que a
fazem precisam de um treinamento especializado. Mas uma vez que todos os
missionários estão envolvidos na tradução das idéias bíblicas em culturas lo-
cais, precisam saber das muitas facetas implicadas.

Comunicação Transcultural
Gastamos a maior parte do nosso tempo nos comunicando — falando, len-
do, ouvindo o rádio, assistindo à televisão, nos vestindo e (como alguns psicó-
logos nos lembram) falando sozinhos. Raramente damos muita atenção ao
processo porque nossa atenção está na mensagem enviada e recebida. Só quan-
do a comunicação não se estabelece é que normalmente paramos para olhar o
que está acontecendo e o que houve de errado.
Na comunicação, muitas coisas acontecem ao mesmo tempo (Figura 22).

FIGURA 22

A Comunicação
Compreende a Emissão e a Recepção de Mensagens
............................ ...
g Mensagem
' Significado Significado
,Pessoa Pessoa '
A B
Forma Forma •
Meio
g

........................
Contexto Função ou Objetivo
160 As Diferenças Culturais e a Mensagem

Um emissor que deseje comunicar uma mensagem, seja qual for a razão, codi-
fica-a em símbolos e a transmite a um receptor que os recebe, decodificando-os
para aprender a mensagem, e reage. Tudo isso ocorre dentro de contextos
específicos que afetam o resultado final. Como veremos, muitas coisas podem
acontecer de errado no processo, impedindo a comunicação, de forma particu-
lar nos ambientes transculturais.

Mensagens e Paramensagens
A comunicação ocorre ao longo de cada uma das três dimensões da cultura
que já examinamos. Cognitivamente, é a transmissão de informação e signifi-
cado; afetivamente, o partilhar de sentimentos; e da perspectiva da avaliação,
a transmissão de julgamentos, como aceitação e censura, por exemplo. Na
maior parte da comunicação, as três ocorrem simultaneamente, mesmo que
uma ou outra esteja em foco.
Há muitas maneiras de transmitir informações. As pessoas utilizam os rituais
e o teatro para comunicar idéias, representando-as. Também empregam signos
tais como os semáforos, ligam sirenes e tocam sinos para transmitir conheci-
mento. Mas o método que mais utilizam para comunicar mensagens cognitivas
é a língua, falada ou escrita, porque é através das palavras que o pensamento
humano abstrato é expresso com mais facilidade. Portanto, a fluência no idio-
ma local é crucial para o serviço missionário. Não adianta muito transpor as
barreiras transculturais se não pudermos comunicar o evangelho eficazmente
com o que dizemos.
Juntamente com as mensagens cognitivas, comunicamos sentimentos e
emoções e até mesmo se gostamos da pessoa com quem falamos. Indicamos rai-
va do assunto em discussão ou somos engraçados, sérios, tristes, sarcásticos,
reservados ou críticos. E mesmo a poesia, os comentários irônicos, as piadas, os
sermões e as propostas de casamento podem ser utilizados para comunicar nos-
sos sentimentos.
Também comunicamos nossos julgamentos. Pelas nossas palavras e ações
mostramos se estamos cientes ou não da veracidade do que os outros estão fa-
lando, se gostamos ou não do que dizem e se os julgamos corretos ou desonestos.
Durante uma comunicação normal, um desses três tipos de mensagem
está "em foco". Em outras palavras, é a mensagem principal que estamos ten-
tando transmitir. Por exemplo, o estilo ocidental de ensinar se concentra na
transmissão de idéias, enquanto na música, na poesia, na arte e no teatro
sempre estamos tentando comunicar humores e sentimentos. Por outro lado, a
pregação é utilizada para ensinar idéias e, em menor escala, expressar senti-
mentos. Mas seu principal objetivo sempre tem que ver com valores e decisões.
Enquanto nos concentramos na transmissão de uma mensagem, inconsci-
entemente comunicamos muito mais. Por exemplo, numa conversa comum, nos
concentramos em expressar as idéias. Mas pelas nossas expressões faciais, ges-
tos, tons de voz, postura corporal, distância entre uma pessoa e outra e utilização
As Diferenças Culturais e a Mensagem 161

do tempo comunicamos sentimentos e valores como desconfiança, preocupação,


desdém, desatenção, concordância e amor. No entanto, nem sempre estamos
cientes dessas mensagens secundárias.
As mensagens secundárias ou paramensagens oferecem o contexto ime-
diato dentro do qual a comunicação ocorre e determinam a maneira que a
mensagem principal deve ser entendida. Elas nos dizem, por exemplo, se de-
vemos interpretar os significados das palavras como ironia, sarcasmo, humor
ou ambigüidade, ou se devemos tomá-las ao pé da letra. As paramensagens
nos dizem o que o falante pensa do receptor.
Normalmente, estamos menos conscientes das paramensagens porque elas
estão fora de foco. Mas não são menos reais. Na verdade, retrospectivamente
nos lembramos mais vividamente e com maior freqüência dos sentimentos
comunicados do que das idéias. Também acreditamos mais nas paramensagens
do que nas mensagens principais. E mais difícil dizer uma mentira numa
mensagem secundária porque não estamos cientes do que estamos dizendo
nesse nível. Por exemplo, uma criança se recusa a confessar que roubou um
biscoito de uma lata, mas lemos a culpa estampada em sua face. E por isso que
gostamos de ver as pessoas quando conversamos.
As paramensagens desempenham um papel importante em missões. Na
comunicação do evangelho, podemos dizer que amamos as pessoas, mas as
nossas paramensagens podem proclamar em alta voz que não podemos suportá-
las. Podemos nos considerar corretos visitando suas casas, mas nos recusamos a
convidá-las às nossas. Nossas mensagens mais fundamentais são as nossas
paramensagens, e quando não são coerentes com a nossa mensagem explícita,
as pessoas não confiam em nós.
Meio e Parameio
Como já vimos, podemos utilizar muitos meios ou sistemas de símbolos dife-
rentes para comunicar nossas mensagens —palavras, tons, gestos, espaço, tempo,
etc. Nossa escolha depende da ocasião, das preferências pessoais e da nossa
cultura. Em algumas culturas, o contato físico é uma maneira comum de mos-

TABELA 4

Porcentagem das Coisas que Lembramos

Depois de Três Horas Depois de Três Dias

O que ouvimos 70% 10%


O que vemos 72% 20%
O que vemos e ouvimos 86% 65%

De Jack Dabner, "Notes on communication" (Cingapura: Haggai Institute, 1983), p. 4.


162 As Diferenças Culturais e a Mensagem

trar afeição; em outras, é um tabu. Em algumas, os rituais e a dança são


importantes; em outras, não.
Normalmente, empregamos diversos meios ao mesmo tempo — um para
comunicar a mensagem, outro para transmitir paramensagens. No entanto,
em algumas situações, utilizamos diversos meios para reforçar a mesma men-
sagem. Essa abordagem multivalente é particularmente poderosa para nos
ajudar a lembrar mensagens (Tabela 4). Depois de três dias nos lembramos
duas vezes mais o que vemos do que o que ouvimos. Mas quando dois meios, a
visão e o som, são utilizados juntos, nos lembramos seis vezes mais. Isso tem
uma grande importância em como comunicamos o evangelho.
Os sistemas de símbolos servem a uma segunda função importante cha-
mada de armazenamento da informação. Todas as sociedades armazenam
seu conhecimento de diferentes maneiras. Aquelas que são instruídas depen-
dem muito da página escrita, quase excluindo os outros métodos de
armazenamento da informação. Fazemos lembretes, escrevemos nossas idéias,
lemos livros, revistas, sinais e escrevemos com fumaça no céu. Construímos
bibliotecas e arquivamos pilhas infindáveis de papel. Na igreja, cantamos de
memória mas sabemos apenas os primeiros versos da maioria dos hinos. Sem
a escrita, a maioria de nós fica perdida.
Nas sociedades de tradição oral, as pessoas dependem da memória e a
reforçam por vários meios. Elas armazenam informação em canções, poemas,
provérbios, adivinhações, canções e histórias, tudo auxiliando o funcionamento
da memória. Elas utilizam a repetição e diversos meios para reter seu conhe-
cimento, cantando as mesmas músicas e reinterpretando suas histórias por
meio do teatro, das danças e dos rituais. Usam objetos culturais como casas,
templos, imagens e pinturas para se lembrarem de suas crenças religiosas. E
como já vimos, associam seu conhecimento cultural ao mundo natural ao re-
dor delas.
Há muitas implicações nisso para a comunicação do evangelho. Primeira,
devemos escolher os meios apropriados para a mensagem que vamos comuni-
car e para a cultura na qual estamos localizados. Nós que somos alfabetizados
temos a tendência de pensar somente em termos de armazenamento e comu-
nicação do evangelho nas formas falada e escrita. Falhamos em não perceber
que as sociedades de tradição oral não são "analfabetas". Na verdade, elas
têm um suprimento rico de conhecimento cultural e muitas maneiras diferen-
tes de armazená-lo. Em tais sociedades, devemos aplicar esses meios de apre-
sentar o evangelho de maneiras concretas de que as pessoas se lembrarão.
Embora não devamos ignorar toda a educação formal, precisamos empregar o
meio que já exista dentro da sociedade se quisermos alcançar agora as pessoas
pelo que podem entender.
P. Y. Luke e John Carman (1968) apontam a importância do cântico para
a comunicação e apreensão do evangelho em sociedades de tradição oral. Du-
rante sua pesquisa nas igrejas de aldeias na índia, verificou que a maioria
As Diferenças Culturais e a Mensagem 163

dos cristãos lá são analfabetos e não podem ler as Escrituras. Mas eles possu-
em teologia que armazenam em canções — o que os autores chamam de uma
"teologia lírica". As pessoas se reúnem à noite e cantam de memória dez ou
doze versos de uma canção após a outra. Felizmente, a maioria dessas canções
tem mais conteúdo teológico sólido que muitas do Ocidente.

Emissores e Receptores
A comunicação envolve um emissor e um receptor. Em missões, os dois são
pessoas.
Os emissores iniciam o processo selecionando um meio e codificando sua
mensagem em formas simbólicas tais como a fala, o gesto, ou a escrita. O
processo é quase automático quando estamos em nossa própria cultura, e ra,
ramente temos consciência disso. A maior parte da nossa atenção é canalizada
na formulação da mensagem. Só quando o mecanismo falha — por exemplo,
quando tentamos falar em outra língua — é que ficamos conscientes da
codificação da mensagem.
A codificação depende de muitos fatores. Obviamente os emissores utili-
zam símbolos culturais para comunicar mensagens. Estes incluem não só pa-
lavras, mas os gestos, a utilização do tempo e do espaço, e assim por diante.
Menos óbvio é o fato de que codificamos nossas mensagens em termos de nos-
sas próprias experiências. Nossa escolha de palavras e pronúncia, os senti-
mentos que atribuímos aos símbolos e até mesmo as mensagens que comuni-
camos são determinadas por fatores como a nossa idade, nosso sexo, nossa
posição na sociedade, localização geográfica, nossas experiências passadas e
atitudes presentes. E importante lembrar que nem toda a comunicação é de-
terminada pela cultura. Há uma dimensão altamente pessoal nela.
A codificação também leva em conta o contexto. Cada um de nós, no curso
de apenas um dia, muda lentamente de um conjunto de símbolos para outro,
de um tipo de mensagem para outro, dependendo de onde estamos e a quem
estamos nos dirigindo. Comunicamo-nos de uma maneira com nossos amigos,
de outra com nossos cônjuges, e ainda de outra maneira com nossos professo-
res, pastores, policiais ou presidentes. Temos linguagens especiais para os tri-
bunais, a política, o comércio, para cada uma das ciências, para lazer e reli-
gião.
Finalmente, a codificação é multifacetada. Por exemplo, numa simples con-
versa, escolhemos uma mensagem colocando-a em palavras, cuidando para
modificá-las de acordo com o tempo, gênero e número e outras regras da gra-
mática; organizando-as numa ordem própria, produzindo sons falados com
precisão suficiente para que o ouvinte entenda. Ao mesmo tempo, inconscien-
temente, codificamos paramensagens que comunicam atitudes e valores por
meio do tom da voz, dos gestos e de outros parameios.
Os receptores precisam reverter o processo e decodificar as formas simbóli-
cas que recebem, em significados. Como os emissores, eles filtram a mensagem,
164 As Diferenças Culturais e a Mensagem

usando de crenças e valores de sua cultura e de suas próprias experiências


pessoais. Se pertencem a uma cultura na qual o cristianismo é visto como um
inimigo, podem encontrar dificuldade para dar ouvidos ao evangelho. E, ainda,
eles podem ter tido uma experiência ruim com um cristão, o que tonaliza sua
reação ao evangelho.
Os receptores também decodificam as paramensagens e as utilizam para
avaliar a mensagem principal. O que dissemos pode ser verdade, mas outros
podem não acreditar se transmitimos atitudes de superioridade e desdém. Por
mais que tentemos disfarçá-los, esses sentimentos serão comunicados.
Como medimos o sucesso da comunicação? Geralmente, achamos que nos
comunicamos quando enviamos uma mensagem. Por exemplo, como missio-
nários, medimos nossa comunicação pelo número de sermões que pregamos,
pelas aulas que damos, ou pelo número de vezes que testemunhamos. Quan-
do as pessoas nos entendem mal dizemos: "Mas eu falei ..." ou "Vocês não
estavam ouvindo". Em todos esses casos, nós presumimos que a comunicação
implica somente enviar a mensagem.
No entanto, uma pequena reflexão nos mostra a falácia dessa abordagem.
Há mais a comunicar do que o simples envio de uma mensagem. A comunicação
ocorre só quando o emissor e o receptor têm algo em comum, e ambos compreen-
dem o que o comunicador intenta dizer. Como salienta Charles Kraft (1979), a
comunicação deve ser medida não pela mensagem que entregamos, mas pela
mensagem que as pessoas recebem. Em outras palavras, nossa comunicação
deve ser orientada para o receptor. Há pouco proveito em pregar se as pessoas
não compreendem a mensagem, assim como há pouco proveito em mensagens
evangelísticas radiodifundidas quando todos os ouvintes já são cristãos.
Na comunicação orientada para o receptor, não para a platéia, deve-se ter a
responsabilidade de tornar a mensagem entendida. Há ocasiões em que os ou-
vintes deliberadamente distorcem seu significado, mas, na maioria dos casos,
são os emissores que devem deixar a mensagem clara. Como comunicadores
devemos testar e ver se as pessoas nos entendem e, se não, devemos assumir a
culpa e refazer o processo.

Filtros e Feedback
Pode haver uma grande diferença entre a mensagem que enviamos e a
maneira que as outras pessoas a recebem e a interpretam. James Engel (1984)
lembra que as pessoas têm a tendência de ver e ouvir o que desejam ver e ouvir.
Suas crenças mais profundas, seus sentimentos e valores agem como filtros que
se abrem quando querem ouvir a mensagem e se fecham quando não querem.
mais. As pessoas podem evitar a mensagem se souberem que está por ser trans-
mitida, ou não a ouvirem quando ela é transmitida. Também podem reinterpretar
seu significado para adequá-lo a seus objetivos, ou não conseguir mudar em
resposta a ela. Por outro lado, têm a tendência de ouvir quando acreditam que
a mensagem é relevante e útil para elas. Como Engel nos lembra, nossos ouvin-
As Diferenças Culturais e a Mensagem 1 65

tes são soberanos. Eles decidem em grande parte se a mensagem terá efeito ou
não. Portanto, é importante que tornemos nossa mensagem clara, digna de
crédito e relevante para aqueles com os quais estamos nos comunicando.
Como sabemos quando nossas mensagens são mal-entendidas? Em parte,
a resposta é o feedback — ouvir aqueles que recebem a mensagem. Geralmen-
te estamos tão empenhados em enviar a mensagem que não ouvimos as res-
postas de nossos ouvintes. Como Stephen Neill (1961) diz, uma boa comunica-
ção começa com a arte de ouvir.
Ouvir inclui estar atento às paramensagens. Precisamos ser sensíveis às
expressões faciais das pessoas, aos gestos, ao tom de voz e à postura corporal
que dizem muito mais sobre suas atitudes e respostas à mensagem.
Em muitos tipos de comunicação, tais como a pregação, o ensino, a radiodi-
fusão e distribuição de literatura precisamos de outros métodos formais de obter
o feedback. Um professor pode estimular a discussão e ouvi-la atentamente.
Um missionário pode perguntar às pessoas como elas entenderam a mensagem.
Pessoas da mídia podem utilizar métodos de pesquisa formal como questionários
e entrevistas para determinar quem está ouvindo ou lendo e o que entendem da
mensagem. Em todas essas situações, devemos aceitar a platéia como juiz. Se
ela não entender a mensagem, somos nós emissores que não a comunicamos
claramente.
O feedback deve modificar nossa comunicação, imediata e continuamente.
Se vemos que as pessoas não entendem a mensagem no nível cognitivo, preci-
samos diminuir o ritmo, simplificar o material, repeti-la, ilustrá-la com exem-
plos concretos ou parar e deixar que perguntem. Se forem hostis, tiverem
dúvidas ou rejeitarem, devemos parar de desenvolver a confiança e examinar
nossas próprias paramensagens quanto às possíveis fontes de mal-entendidos
no nível afetivo.

Os Ruídos e a Incoerência
Outra barreira para a comunicação é o "ruído de fundo", qualquer coisa
que pode distrair as pessoas de receber a mensagem. Se há muito ruído de
freqüência quando ouvimos o rádio, sintonizamos outra estação. Da mesma
forma, os estudantes perdem o interesse se a sala estiver muito quente ou
muito fria, se o ventilador estiver muito alto ou se a professora apresentar
meneirismos que distraiam ou um sotaque muito forte. Da mesma forma, as
pessoas podem distrair-se ao ouvir o evangelho por causa do vestuário e do
comportamento de um missionário estrangeiro, pela aparente magia de sua
tecnologia ou pela sua pouca fluência no idioma local.
A incoerência é um ruído de outro tipo. Quando um pregador fala sobre o
sacrifício e a simplicidade da vida cristã, mas dirige um carro de luxo e veste
ternos feitos sob medida — ou um missionário fala sobre amar as pessoas, mas
não as deixa entrar em sua casa — a paramensagem não apresenta coerência
166 As Diferenças Culturais e a Mensagem
FIGURA 23
A Boa Comunicação Ocorre nos Dois Sentidos

Mensagem
Paramensagens

- (Feedback).
.
•.

Emissor/Receptor Emissor/Rec ptor


4
..
" • - (Feedback)...

Mensagem
Paramensagens

com a mensagem. Em tais casos, as pessoas geralmente acreditam na


paramensa gem.
Ser estrangeiro é um tipo de incoerência particular em situações transcul-
turais. Nossas mensagens podem ser entendidas, mas nossas maneiras são
estranhas e dispersantes. Por exemplo, uma missionária na índia usava saias
na altura do joelho, sem perceber que naquelas aldeias deixar a barriga da
perna à mostra é considerado indecente. E na Nova Guiné, alguns missioná-
rios não repartiam liberalmente suas propriedades pessoais como alimento,
lâmpadas, máquinas de escrever e armas com as pessoas da mesma maneira
que elas compartilhavam as suas, umas com as outras.

Comunicação Bidirecional
Raramente a comunicação pessoal é um processo unidirecional. Em uma
conversa, logo que alguém começa a falar, começamos a pensar sobre o que
diremos. E quando falamos, a outra pessoa está aguardando para nos inter-
romper. Isso é bom porque, além da transmissão de informação, a comunicação
deve ser um diálogo no qual as duas partes ouvem e aprendem (Figura 23).
Mas há também o perigo de que nenhum dos lados realmente ouça o outro.
Numa boa comunicação devemos dar muita atenção e ouvir quem fala.
A comunicação bidirecional é particularmente importante em missões. Te-
mos o evangelho a ser compartilhado, mas também temos muito a aprender. E
é nesse aprendizado que passamos a nos identificar com as pessoas e suas ma-
neiras, e a construir e desenvolver confiança.
As Diferenças Culturais e a Mensagem 167

Reinterpretação e Reação
O resultado do dar-e-receber da comunicação é, de alguma forma, uma
reação. Os receptores interpretam as mensagens dentro de seus contextos cul-
turais e pessoais. Eles descartam o que não gostam ou não entendem, geral-
mente sem ouvir atentamente. Acrescentam o que faz sentido ao seu conheci-
mento, mudando o significado para ajustá-lo a suas crenças. No processo, geral-
mente distorcem a mensagem para ouvirem o que desejam ouvir. Estima-se
que numa comunicação normal dentro da mesma cultura, as pessoas entendam
somente cerca de 70% do que é dito. Em situações transculturais, o nível prova-
velmente não passe de 50%. Assim, precisamos de feedback e devemos ser cla-
ros, explícitos, concretos e até mesmo redundantes se quisermos ser entendidos.
Informações novas geralmente levam a decisões. Se as pessoas obtiverem
informações precisas sobre o evangelho, estarão aptas a reagir significativa-
mente a ele. Mas a informação não é o único fator envolvido na tomada de
decisões. Os sentimentos desempenham um papel igualmente importante para
a maioria das pessoas. Como a maioria das pessoas instruídas, os missionários
são ensinados a tomar decisões com base na informação e na razão. No entan-
to, na sua vida diária, como comprar roupas novas ou um carro, eles são alta-
mente influenciados por seus gostos e preferências de estilo e cores. O mesmo
é verdade sobre aqueles que ouvem o evangelho. Seus sentimentos desempe-
nham um papel tão importante em sua resposta ao evangelho como o seu
conhecimento do conteúdo.
Os sentimentos que as pessoas têm em relação ao evangelho geralmente são
influenciados pela maneira e pelo contexto dentro do qual a mensagem é trans-
mitida. Pessoas recentemente alfabetizadas, por exemplo, sempre dão um alto
valor ao texto impresso. Por outro lado, espectadores inveterados de televisão
têm a tendência de desenvolver ceticismo em relação a esse meio de comunica-
ção mesmo que continuem a usá-lo para adquirir informações.
Os sentimentos das pessoas também são influenciados por seu grau de con-
fiança no comunicador. Se o mensageiro não tiver credibilidade em seus olhos,
a mensagem em si geralmente é rejeitada. Por outro lado, se elas sentem que o
missionário realmente as ama, ficam mais abertas ao evangelho.
As decisões mais profundas que as pessoas tomam são aquelas que mu-
dam suas vidas. São determinações de avaliação e formam o núcleo da con-
versão. As mudanças no conhecimento e nos sentimentos não são suficientes.
Só quando levam a mudanças na obediência e no comportamento podemos
falar do senhorio de Cristo e do discipulado cristão.
No entanto, depois de tomadas as decisões, geralmente elas são reavaliadas
à luz de acontecimentos posteriores. As pessoas que decidem tornar-se cristãs
podem achar muito grande a pressão de suas comunidades. Ou podem avaliar
sua resposta à luz de novas informações. Isso é particularmente verdade nos
168 As Diferenças Culturais e a Mensagem

novos convertidos que recebem pouco apoio para sua fé, por parte da comuni-
dade cristã local. Eles, como nós, constantemente reavaliam suas crenças den-
tro da estrutura de crenças daqueles mais próximos a eles; se houver pouco
reforço de seus pares, sua fé se enfraquece. Portanto, é importante que enten-
dam a comunicação e a tomada da decisão não só de um ponto de vista pes-
soal, mas também com a dinâmica social em mente.
Nós nos comunicamos por muitas razões. Por exemplo, numa classe, nosso
objetivo principal é transmitir e avaliar informações. Contamos piadas para
tornar o trabalho mais agradável, mas elas não são fundamentais aos nossos
propósitos. Por outro lado, os concertos ocorrem para entreter e exprimir sen-
timentos. As igrejas são, para a adoração e a comunhão, os tribunais para
imposição das normas sociais (veja Tabela 5).
E importante lembrar que meios específicos são utilizados para certas fun-
ções e eles diferem de cultura para cultura. Por exemplo, nas sociedades tribais,
a adoração religiosa e a instrução são comunicadas principalmente por meio
de rituais. Aos cultos de adoração, os camponeses africanos acrescentam dan-
ças e os camponeses indianos acrescentam o teatro e as trovas. A pregação,
como a conhecemos, é rara nessas sociedades e as pessoas ficam sempre confu-
sas e cansadas com os sermões evangelísticos. Por outro lado, quando na In-
dia o evangelho é apresentado de forma dramatizada, a maioria dos campo-
neses aparece e permanece até o final da história. Portanto, é importante
utilizar meios apropriados para os objetivos de nossa comunicação nessa cul-
tura.

TABELA 5

A Comunicação Serve a Diferentes Funções


Função Comunicação
Cognitiva —para pedir e receber informações
—para coordenar atividades
—para transmitir uma herança cultural

Afetiva —para divertir


—para expressar sentimentos e humores
—para adorar

Avaliadora —para fazer e impor regras sociais


—para mostrar posição e prestígio
—para determinar posições sociais e recursos
As Diferenças Culturais e a Mensagem 169

Contexto
Um elemento final da comunicação que precisa ser mencionado é o contex-
to. A comunicação sempre ocorre dentro de um ambiente e uma ocasião, os
quais formam a natureza e a interpretação da mensagem. As mesmas pala-
vras ditas num teatro apresentam significados diferentes quando são ditas na
vida real, assim como os gestos que utilizamos na igreja podem ser feitos em
tom de zombaria por um comediante. As palavras proferidas por um juiz no
tribunal carregam um peso diferente daquelas ditas em conversas com um
amigo. Da mesma maneira, o que os missionários dizem em particular será
entendido de forma diferente ao falarem no púlpito.
Uma parte importante de muitos contextos é a platéia. Até agora vimos a
comunicação entre dois indivíduos. No entanto, na vida real, há outras partes
direta ou indiretamente envolvidas no processo. Isso pode ser observado me-
lhor por meio de uma ilustração. Dois universitários podem estar envolvidos
numa conversa informal, quando uma professora passa por perto, e eles ime-
diatamente levantam o nível da discussão para impressioná-la. Embora su-
perficialmente os dois continuem a conversar, na verdade estão direcionando
sua conversa para uma platéia.
As platéias desempenham um papel importante, particularmente nas co-
municações públicas. Os missionários no exterior devem ter em mente os con-
selhos e as igrejas que o enviam, ao falarem com as pessoas. E quando apre-
sentarem seus relatórios a suas igrejas devem ser sensíveis a como seus rela-
tos podem parecer às pessoas entre as quais trabalham. As primeiras igrejas
no exterior não tinham muita ciência do que os missionários diziam sobre elas
quando estavam gozando de licença em seu país. Hoje, com as viagens e a
vasta disseminação de material impresso, isto não mais se dá.

A Comunicação e o Missionário
Quais são as implicações disso tudo para os missionários e seu trabalho?
Primeiro, precisamos reconhecer que a nossa tarefa principal é uma comuni-
cação eficaz. Há pouca importância em darmos nossa vida ou viajar milhares
de quilômetros se não pudermos completar os últimos dois metros. A comuni-
cação é um processo complexo e precisamos continuamente estudar sua eficá-
cia. Uma reflexão cuidadosa na maneira que nos saímos ao comunicar o evan-
gelho pode nos ajudar muito em nossa tarefa.
Segundo, precisamos estar mais alertas aos elementos implícitos da comu-
nicação. Estudamos o idioma, e talvez a cultura, mas raramente somos ensi-
nados sobre as dimensões mais implícitas da comunicação. Geralmente nem
mesmo refletimos sobre os meios estranhos à nossa própria cultura e treina-
mento, ou à questão de que meios são mais apropriados para a comunicação
170 As Diferenças Culturais e a Mensagem

do evangelho em outra cultura. Conseqüentemente também desprezamos com


freqüência as maneiras mais eficazes de alcançar as pessoas.
Em terceiro lugar, devemos nos tornar orientados para o receptor, em nos-
so pensamento. É natural pensarmos em comunicação em termos do que fala-
mos. Precisamos aprender a avaliar pelo que as pessoas ouvem. Se elas não
ouvem ou se nos entendem mal, somos nós que devemos mudar nossos méto-
dos. O evangelho é a mensagem da salvação de Deus, mas as pessoas devem
entendê-lo dentro de seus próprios contextos culturais e pessoais para que
reajam.
Finalmente, quando comunicamos o evangelho, nunca devemos despre-
zar o fato de que Deus está trabalhando por meio de seu Espírito no coração
dos que ouvem, preparando-os para as boas novas. Sem isso, a conversão
verdadeira é impossível. Deus utiliza os meios imperfeitos da comunicação
humana para tornar sua mensagem conhecida a nós, e então, por nosso inter-
médio, para os outros. E mesmo quando não estamos habilitados a transmitir
a mensagem, ele sempre a utiliza para transformar a vida das pessoas. Isso
não tem o objetivo de justificar nossa negligência na boa comunicação, mas de
dizer que, no final, a comunicação do evangelho depende do trabalho de Deus
no coração das pessoas preparadas por ele, e que a comunicação cristã deve
sempre ser acompanhada por oração e obediência à direção do Espírito Santo.

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