O Evangelho e A Diversidade Cultural-142-171
O Evangelho e A Diversidade Cultural-142-171
O Evangelho e A Diversidade Cultural-142-171
Mensagem
Símbolos e Comunicação
A comunicação é a transmissão de informações de um "emissor" para um
"receptor". Isso pode ocorrer entre homens, animais e até mesmo máquinas.
As abelhas se comunicam com relação à direção onde está o mel. Os homens
acionam chaves para ligar carros e introduzir dados e operações nas calcula-
doras; os relógios disparam o sinal da escola; os semáforos regulam o tráfego;
cães avisam de ladrões; maestros regem orquestras; e os computadores fazem
voar os aviões.- Em todos esses casos, a informação é transmitida para gerar
mudança. Este é um dos principais objetivos de toda comunicação.
Neste momento, estamos preocupados não só com a comunicação num sen-
tido geral, mas com a comunicação interpessoal — entre Deus e os homens, e
entre os homens e outros homens — porque ela é o cerne da tarefa missionária.
A comunicação interpessoal é diferente porque tanto o "emissor" como o "recep-
tor" são seres inteligentes e suas mensagens incluem não só afirmações sobre
realidades concretas, mas também expressões de pensamentos e sentimentos
abstratos.
As idéias e emoções não podem ser comunicadas diretamente de uma mente
para outra. Elas devem primeiro ser expressas de maneira que os outros pos-
sam recebê-las através de seus sentidos (Figura 16). É nessa ligação dos signi-
ficados e sentimentos às formas que reside o cerne do que chamamos "símbolos".
FIGURA 16
Pessoa A Pessoa B
Idéia enviada
I I
I I
Símbolo em forma transmissão
concreta
As Diferenças Culturais e a Mensagem 143
FIGURA 17
Os Símbolos São um Conjunto Complexo de Relações
Pessoa
Contexto Função
144 As Diferenças Culturais e a Mensagem
TABELA 2
Há Muitos Sistemas Diferentes de Símbolos
14 Rituais (Os rituais utilizam muitos dos sistemas acima, mas acres-
centam outra dimensão de símbolos, chamados de repre-
sentação ou performance simbólica.) Casamentos, funerais,
rituais de sacrifício, cultos, Ceia do Senhor
Adaptado em parte de uma lista sugerida por Donald Smith, Daystar Communications, Nairobi.
146 As Diferenças Culturais e a Mensagem
TABELA 3
As Palavras Têm Significados Implícitos e Explícitos
FIGURA 18
Categorias de Seres Vivos e de Seres Inanimados entre os Falantes de Inglês
Seres Sobrenaturais
Deus, anjos, demônios
Sobrenatural
Natural
Seres Humanos
mulher, homem, moça
Animais
leão, cão, boi
Plantas
árvore, arbusto, flor
Insetos
mosca, percevejo, formiga
Germes
bactéria, vírus
Objetos Inanimados
areia, rocha
Observação: O Mickey Mouse não se ajusta a este domínio de classificação. Ele pertence ao
domínio da "ficção".
Tradução
Deus
eterno
sobrenatural
Criador infinito
Criação
Homem
Natural, mas com alma
eterna.
A B
As relações entre os
homens são essencial-
mente horizontais.
Animais
temporais
Plantas
Mundo Inanimado
sem vida
De Paul G. Hiebert, "Missions and the Understanding of Culture", em The church in mission, org.
A. J. Klassen (Fresno: Board of Christian Literature, Mennonite Brethren Church, 1967), p. 254.
FIGURA 19
seres
humanos (casta superior, depois intermediária
e inferior)
Forma e Significado
Agora precisamos retornar à distinção que fizemos anteriormente entre for-
ma e significado nos símbolos e na cultura. Inicialmente, temos a tendência de
comparar os dois. Não paramos para distinguir entre os sons para "árvore" e os
significados que associamos a esses sons. Isso porque crescemos em uma única
cultura e precisa ser feita uma separação em nossas conversas com os outros
dentro dessa cultura. Além do mais, não precisamos fazer diferença entre os
significados conotativos e denotativos das palavras, novamente porque isso não
é necessário nas discussões com as pessoas de nossa própria cultura.
No entanto, quando traduzimos uma mensagem para uma nova cultura,
somos forçados a lidar com a relação entre forma e significado, e entre signifi-
cados conotativos e denotativos. No falar, logo percebemos que as outras pes-
soas chamam as árvores de chetlu ou baurn, ou alguma outra coisa para de-
notar as mesmas coisas, e se quisermos nos comunicar com elas, devemos uti-
lizar suas palavras. Geralmente, também desprezamos o fato de que o mesmo
é verdadeiro em outras áreas da comunicação tais como os gestos, a arquitetu-
ra, as formas de adoração e o vestuário. Por exemplo, em algumas culturas, as
pessoas mostram reverência tirando o chapéu, em outras, tirando os sapatos.
Da mesma forma, precisamos de canções escritas em melodias e ritmos típicos
à cultura para que as pessoas possam entendê-las. Ainda que traduzamos as
palavras na língua local, se a música permanecer estrangeira, a mensagem
trazida por ela revelará uma religião para estranhos.
Enfrentamos uma questão mais difícil com respeito aos significados
conotativos. Qual é a sua importância para a tradução? Muitos dos primeiros
missionários enfatizavam os significados denotativos em sua comunicação.
Em conseqüência, suas traduções eram "literais" ou formais. Quando pensa-
As Diferenças Culturais e a Mensagem 151
Brahman Realidade
Espírito
Puro
Á
deuses elevados
deuses menores
demônios e espíritos
semideuses
santos e encarnações
Á Ilusão
As relações
são
essencial-
sacerdotes
mente
governantes
verticais
comerciantes
Misto
411.1.111•=1111 castas de artesãos
castas de trabalhadores
castas de serviçais
castas excluídas
animais elevados
animais inferiores
• plantas
Matéria mundo inanimado
Pura
Em certos casos, uma tradução literal é impossível por causa dos valores
simbólicos especiais associados a certos objetos culturais. Por exemplo, em
balinês, a víbora é associada a uma cobra do paraíso e, logo, "raça de víboras"
(Mt 3:7, 12:34, 23:33; Lc 3:7) raramente seria uma reprovação pública. No
entanto, é possível comunicar o significado dessa frase substituindo-a por
um termo mais genérico — por exemplo, "animal nocivo".
um chefe afirmou: "Se aquilo realmente aconteceu, então por que nossos avós
não nos contaram?". Na verdade, tornar o relato bíblico muito contemporâneo
pode destruir algo de sua credibilidade.
Do ponto de vista da teologia judeu-cristã, a entrada de Deus na história
em épocas e locais específicos é relevante e crucial. Portanto, é óbvio que os
acontecimentos registrados na Bíblia não podem ser alterados. No entanto, se
o significado de um certo acontecimento depende de um conjunto de postula-
dos visivelmente diferentes daqueles da cultura do receptor, o que o tradutor
faz para evitar sérios mal-entendidos? Em primeiro lugar, o tradutor não pode
esperar tornar a mensagem tão clara que qualquer leitor possa entendê-la ple-
namente sem nenhuma referência a algum dos postulados que são implícitos
ao relato bíblico. Isto quer dizer que não se pode esperar que o tradutor trans-
ponha a mensagem, lingüística e culturalmente, de maneira que ela se ajuste
completamente dentro da estrutura interpretativa da cultura do receptor. Fazer
isso significaria roubar a mensagem de seu ambiente temporal e espacial pró-
prios. Além do mais, o objetivo do tradutor não é fazer com que a mensagem
soe como se os acontecimentos ocorressem em uma cidade próxima, há ape-
nas poucos anos. Na verdade, o objetivo deve ser traduzir, de tal modo (e com
a tradução oferecer esses dados referenciais) que evite que os receptores
entendam mal o que os receptores originais entenderam quando receberam a
mensagem pela primeira vez.
A exegese pode ser descrita como o processo de reconstruir o aconteci-
mento da comunicação determinando seu significado (ou significados) para os
participantes da comunicação. Por sua vez, a hermenêutica pode ser descrita
como aquela que aponta paralelos entre a mensagem bíblica e os aconteci-
mentos atuais e que determina a extensão da relevância e a resposta apro-
priada para o crente. Tanto a exegese como a hermenêutica estão incluídas
numa categoria maior de interpretação.
A tarefa principal do pesquisador bíblico é oferecer os fundamentos para
os problemas da exegese e ajudar as pessoas a entender a relevância da
mensagem bíblica para os ambientes razoavelmente diferentes na língua e na
cultura dos nossos dias.
FIGURA 20
FIGURA 21
Cosmovisão dos Hebreus, dos Gregos e Moderna
Anjos
Demônios
Seres Humanos Seres Humanos Ciência:
Animais Animais —visão, experiências, ordem
Plantas Plantas natural, leis
Matéria Matéria —experiências normais
De Paul G. Hiebert, "Anthropological tools for missionaries" (Cingapura: Haggai lnstitute, 1983), p. 22
Em alguns poucos casos, talvez seja preciso criar novas palavras ou importá-
las de outra fonte. Por exemplo, na Bíblia, utilizamos as palavras siclo e côvado,
mas elas possuem pouco significado para a maioria dos leitores, particular-
mente os não-cristãos.
Em geral, devemos escolher a palavra mais adequada para aqueles da
língua local e então torná-la explícita por meio do ensino e da pregação onde
o significado bíblico da palavra é diferente de seu significado comum na cultu-
ra. No caso da tradução de "Deus" em telugu, podemos escolher usar devudu
porque ela fala de um deus pessoal, mas então devemos deixar claro que o
Deus da Bíblia é a principal realidade, não simplesmente o ser maior no uni-
verso, e que os homens são criações separadas, não simplesmente fragmentos
do espírito de Deus. Devemos continuar a esclarecer as diferenças porque a
palavra devudu continuará a ser usada pela maioria das pessoas telugu com
significados hindus.
As distorções que ocorrem quando os cristãos não tratam dos significados
implícitos de seus símbolos culturais podem rapidamente ser ilustradas pelo
cristianismo ocidental. Já vimos que a maioria dos cristãos do Ocidente ten-
dem a reunir "Deus", "anjos" e "demônios" como seres sobrenaturais e distin-
gui-los dos seres naturais como os homens e os animais. Mas essa é a principal
heresia do cristianismo. Se há uma distinção fundamental na Bíblia, ela está
As Diferenças Culturais e a Mensagem 159
entre Deus como Criador e todo o resto como criação. Nunca devemos colocar
Deus na mesma categoria de nenhuma outra coisa.
Então, como passamos a pensar em Deus, anjos e demônios como membros
de um só grupo? A resposta é a disseminação da cosmovisão grega no Ociden-
te durante a Renascença (Figura 21). Na cosmovisão hebraica, Deus é ele
mesmo. Todo o resto depende do ato contínuo de sua criação. Na verdade não
há palavra no hebraico para "natureza" como uma ordem cósmica auto-sus-
tentada. No entanto, na cosmovisão grega, os deuses (theoi) são parte de um
campo sobrenatural habitado por espíritos de muitos tipos. Por sua vez, o mundo
natural inclui homens, animais, plantas e matérias. Como o Ocidente adotou
essa mundividência grega, os cristãos ocidentais absorveram seus significa-
dos implícitos em suas teologias. O resultado é um duplo universo no qual
utilizamos a religião para descrever realidades sobrenaturais e uma ciência
secularizada para explicar a ordem natural.
A tradução da Bíblia obviamente é uma tarefa complexa, e aqueles que a
fazem precisam de um treinamento especializado. Mas uma vez que todos os
missionários estão envolvidos na tradução das idéias bíblicas em culturas lo-
cais, precisam saber das muitas facetas implicadas.
Comunicação Transcultural
Gastamos a maior parte do nosso tempo nos comunicando — falando, len-
do, ouvindo o rádio, assistindo à televisão, nos vestindo e (como alguns psicó-
logos nos lembram) falando sozinhos. Raramente damos muita atenção ao
processo porque nossa atenção está na mensagem enviada e recebida. Só quan-
do a comunicação não se estabelece é que normalmente paramos para olhar o
que está acontecendo e o que houve de errado.
Na comunicação, muitas coisas acontecem ao mesmo tempo (Figura 22).
FIGURA 22
A Comunicação
Compreende a Emissão e a Recepção de Mensagens
............................ ...
g Mensagem
' Significado Significado
,Pessoa Pessoa '
A B
Forma Forma •
Meio
g
•
........................
Contexto Função ou Objetivo
160 As Diferenças Culturais e a Mensagem
Um emissor que deseje comunicar uma mensagem, seja qual for a razão, codi-
fica-a em símbolos e a transmite a um receptor que os recebe, decodificando-os
para aprender a mensagem, e reage. Tudo isso ocorre dentro de contextos
específicos que afetam o resultado final. Como veremos, muitas coisas podem
acontecer de errado no processo, impedindo a comunicação, de forma particu-
lar nos ambientes transculturais.
Mensagens e Paramensagens
A comunicação ocorre ao longo de cada uma das três dimensões da cultura
que já examinamos. Cognitivamente, é a transmissão de informação e signifi-
cado; afetivamente, o partilhar de sentimentos; e da perspectiva da avaliação,
a transmissão de julgamentos, como aceitação e censura, por exemplo. Na
maior parte da comunicação, as três ocorrem simultaneamente, mesmo que
uma ou outra esteja em foco.
Há muitas maneiras de transmitir informações. As pessoas utilizam os rituais
e o teatro para comunicar idéias, representando-as. Também empregam signos
tais como os semáforos, ligam sirenes e tocam sinos para transmitir conheci-
mento. Mas o método que mais utilizam para comunicar mensagens cognitivas
é a língua, falada ou escrita, porque é através das palavras que o pensamento
humano abstrato é expresso com mais facilidade. Portanto, a fluência no idio-
ma local é crucial para o serviço missionário. Não adianta muito transpor as
barreiras transculturais se não pudermos comunicar o evangelho eficazmente
com o que dizemos.
Juntamente com as mensagens cognitivas, comunicamos sentimentos e
emoções e até mesmo se gostamos da pessoa com quem falamos. Indicamos rai-
va do assunto em discussão ou somos engraçados, sérios, tristes, sarcásticos,
reservados ou críticos. E mesmo a poesia, os comentários irônicos, as piadas, os
sermões e as propostas de casamento podem ser utilizados para comunicar nos-
sos sentimentos.
Também comunicamos nossos julgamentos. Pelas nossas palavras e ações
mostramos se estamos cientes ou não da veracidade do que os outros estão fa-
lando, se gostamos ou não do que dizem e se os julgamos corretos ou desonestos.
Durante uma comunicação normal, um desses três tipos de mensagem
está "em foco". Em outras palavras, é a mensagem principal que estamos ten-
tando transmitir. Por exemplo, o estilo ocidental de ensinar se concentra na
transmissão de idéias, enquanto na música, na poesia, na arte e no teatro
sempre estamos tentando comunicar humores e sentimentos. Por outro lado, a
pregação é utilizada para ensinar idéias e, em menor escala, expressar senti-
mentos. Mas seu principal objetivo sempre tem que ver com valores e decisões.
Enquanto nos concentramos na transmissão de uma mensagem, inconsci-
entemente comunicamos muito mais. Por exemplo, numa conversa comum, nos
concentramos em expressar as idéias. Mas pelas nossas expressões faciais, ges-
tos, tons de voz, postura corporal, distância entre uma pessoa e outra e utilização
As Diferenças Culturais e a Mensagem 161
TABELA 4
dos cristãos lá são analfabetos e não podem ler as Escrituras. Mas eles possu-
em teologia que armazenam em canções — o que os autores chamam de uma
"teologia lírica". As pessoas se reúnem à noite e cantam de memória dez ou
doze versos de uma canção após a outra. Felizmente, a maioria dessas canções
tem mais conteúdo teológico sólido que muitas do Ocidente.
Emissores e Receptores
A comunicação envolve um emissor e um receptor. Em missões, os dois são
pessoas.
Os emissores iniciam o processo selecionando um meio e codificando sua
mensagem em formas simbólicas tais como a fala, o gesto, ou a escrita. O
processo é quase automático quando estamos em nossa própria cultura, e ra,
ramente temos consciência disso. A maior parte da nossa atenção é canalizada
na formulação da mensagem. Só quando o mecanismo falha — por exemplo,
quando tentamos falar em outra língua — é que ficamos conscientes da
codificação da mensagem.
A codificação depende de muitos fatores. Obviamente os emissores utili-
zam símbolos culturais para comunicar mensagens. Estes incluem não só pa-
lavras, mas os gestos, a utilização do tempo e do espaço, e assim por diante.
Menos óbvio é o fato de que codificamos nossas mensagens em termos de nos-
sas próprias experiências. Nossa escolha de palavras e pronúncia, os senti-
mentos que atribuímos aos símbolos e até mesmo as mensagens que comuni-
camos são determinadas por fatores como a nossa idade, nosso sexo, nossa
posição na sociedade, localização geográfica, nossas experiências passadas e
atitudes presentes. E importante lembrar que nem toda a comunicação é de-
terminada pela cultura. Há uma dimensão altamente pessoal nela.
A codificação também leva em conta o contexto. Cada um de nós, no curso
de apenas um dia, muda lentamente de um conjunto de símbolos para outro,
de um tipo de mensagem para outro, dependendo de onde estamos e a quem
estamos nos dirigindo. Comunicamo-nos de uma maneira com nossos amigos,
de outra com nossos cônjuges, e ainda de outra maneira com nossos professo-
res, pastores, policiais ou presidentes. Temos linguagens especiais para os tri-
bunais, a política, o comércio, para cada uma das ciências, para lazer e reli-
gião.
Finalmente, a codificação é multifacetada. Por exemplo, numa simples con-
versa, escolhemos uma mensagem colocando-a em palavras, cuidando para
modificá-las de acordo com o tempo, gênero e número e outras regras da gra-
mática; organizando-as numa ordem própria, produzindo sons falados com
precisão suficiente para que o ouvinte entenda. Ao mesmo tempo, inconscien-
temente, codificamos paramensagens que comunicam atitudes e valores por
meio do tom da voz, dos gestos e de outros parameios.
Os receptores precisam reverter o processo e decodificar as formas simbóli-
cas que recebem, em significados. Como os emissores, eles filtram a mensagem,
164 As Diferenças Culturais e a Mensagem
Filtros e Feedback
Pode haver uma grande diferença entre a mensagem que enviamos e a
maneira que as outras pessoas a recebem e a interpretam. James Engel (1984)
lembra que as pessoas têm a tendência de ver e ouvir o que desejam ver e ouvir.
Suas crenças mais profundas, seus sentimentos e valores agem como filtros que
se abrem quando querem ouvir a mensagem e se fecham quando não querem.
mais. As pessoas podem evitar a mensagem se souberem que está por ser trans-
mitida, ou não a ouvirem quando ela é transmitida. Também podem reinterpretar
seu significado para adequá-lo a seus objetivos, ou não conseguir mudar em
resposta a ela. Por outro lado, têm a tendência de ouvir quando acreditam que
a mensagem é relevante e útil para elas. Como Engel nos lembra, nossos ouvin-
As Diferenças Culturais e a Mensagem 1 65
tes são soberanos. Eles decidem em grande parte se a mensagem terá efeito ou
não. Portanto, é importante que tornemos nossa mensagem clara, digna de
crédito e relevante para aqueles com os quais estamos nos comunicando.
Como sabemos quando nossas mensagens são mal-entendidas? Em parte,
a resposta é o feedback — ouvir aqueles que recebem a mensagem. Geralmen-
te estamos tão empenhados em enviar a mensagem que não ouvimos as res-
postas de nossos ouvintes. Como Stephen Neill (1961) diz, uma boa comunica-
ção começa com a arte de ouvir.
Ouvir inclui estar atento às paramensagens. Precisamos ser sensíveis às
expressões faciais das pessoas, aos gestos, ao tom de voz e à postura corporal
que dizem muito mais sobre suas atitudes e respostas à mensagem.
Em muitos tipos de comunicação, tais como a pregação, o ensino, a radiodi-
fusão e distribuição de literatura precisamos de outros métodos formais de obter
o feedback. Um professor pode estimular a discussão e ouvi-la atentamente.
Um missionário pode perguntar às pessoas como elas entenderam a mensagem.
Pessoas da mídia podem utilizar métodos de pesquisa formal como questionários
e entrevistas para determinar quem está ouvindo ou lendo e o que entendem da
mensagem. Em todas essas situações, devemos aceitar a platéia como juiz. Se
ela não entender a mensagem, somos nós emissores que não a comunicamos
claramente.
O feedback deve modificar nossa comunicação, imediata e continuamente.
Se vemos que as pessoas não entendem a mensagem no nível cognitivo, preci-
samos diminuir o ritmo, simplificar o material, repeti-la, ilustrá-la com exem-
plos concretos ou parar e deixar que perguntem. Se forem hostis, tiverem
dúvidas ou rejeitarem, devemos parar de desenvolver a confiança e examinar
nossas próprias paramensagens quanto às possíveis fontes de mal-entendidos
no nível afetivo.
Os Ruídos e a Incoerência
Outra barreira para a comunicação é o "ruído de fundo", qualquer coisa
que pode distrair as pessoas de receber a mensagem. Se há muito ruído de
freqüência quando ouvimos o rádio, sintonizamos outra estação. Da mesma
forma, os estudantes perdem o interesse se a sala estiver muito quente ou
muito fria, se o ventilador estiver muito alto ou se a professora apresentar
meneirismos que distraiam ou um sotaque muito forte. Da mesma forma, as
pessoas podem distrair-se ao ouvir o evangelho por causa do vestuário e do
comportamento de um missionário estrangeiro, pela aparente magia de sua
tecnologia ou pela sua pouca fluência no idioma local.
A incoerência é um ruído de outro tipo. Quando um pregador fala sobre o
sacrifício e a simplicidade da vida cristã, mas dirige um carro de luxo e veste
ternos feitos sob medida — ou um missionário fala sobre amar as pessoas, mas
não as deixa entrar em sua casa — a paramensagem não apresenta coerência
166 As Diferenças Culturais e a Mensagem
FIGURA 23
A Boa Comunicação Ocorre nos Dois Sentidos
Mensagem
Paramensagens
- (Feedback).
.
•.
Mensagem
Paramensagens
Comunicação Bidirecional
Raramente a comunicação pessoal é um processo unidirecional. Em uma
conversa, logo que alguém começa a falar, começamos a pensar sobre o que
diremos. E quando falamos, a outra pessoa está aguardando para nos inter-
romper. Isso é bom porque, além da transmissão de informação, a comunicação
deve ser um diálogo no qual as duas partes ouvem e aprendem (Figura 23).
Mas há também o perigo de que nenhum dos lados realmente ouça o outro.
Numa boa comunicação devemos dar muita atenção e ouvir quem fala.
A comunicação bidirecional é particularmente importante em missões. Te-
mos o evangelho a ser compartilhado, mas também temos muito a aprender. E
é nesse aprendizado que passamos a nos identificar com as pessoas e suas ma-
neiras, e a construir e desenvolver confiança.
As Diferenças Culturais e a Mensagem 167
Reinterpretação e Reação
O resultado do dar-e-receber da comunicação é, de alguma forma, uma
reação. Os receptores interpretam as mensagens dentro de seus contextos cul-
turais e pessoais. Eles descartam o que não gostam ou não entendem, geral-
mente sem ouvir atentamente. Acrescentam o que faz sentido ao seu conheci-
mento, mudando o significado para ajustá-lo a suas crenças. No processo, geral-
mente distorcem a mensagem para ouvirem o que desejam ouvir. Estima-se
que numa comunicação normal dentro da mesma cultura, as pessoas entendam
somente cerca de 70% do que é dito. Em situações transculturais, o nível prova-
velmente não passe de 50%. Assim, precisamos de feedback e devemos ser cla-
ros, explícitos, concretos e até mesmo redundantes se quisermos ser entendidos.
Informações novas geralmente levam a decisões. Se as pessoas obtiverem
informações precisas sobre o evangelho, estarão aptas a reagir significativa-
mente a ele. Mas a informação não é o único fator envolvido na tomada de
decisões. Os sentimentos desempenham um papel igualmente importante para
a maioria das pessoas. Como a maioria das pessoas instruídas, os missionários
são ensinados a tomar decisões com base na informação e na razão. No entan-
to, na sua vida diária, como comprar roupas novas ou um carro, eles são alta-
mente influenciados por seus gostos e preferências de estilo e cores. O mesmo
é verdade sobre aqueles que ouvem o evangelho. Seus sentimentos desempe-
nham um papel tão importante em sua resposta ao evangelho como o seu
conhecimento do conteúdo.
Os sentimentos que as pessoas têm em relação ao evangelho geralmente são
influenciados pela maneira e pelo contexto dentro do qual a mensagem é trans-
mitida. Pessoas recentemente alfabetizadas, por exemplo, sempre dão um alto
valor ao texto impresso. Por outro lado, espectadores inveterados de televisão
têm a tendência de desenvolver ceticismo em relação a esse meio de comunica-
ção mesmo que continuem a usá-lo para adquirir informações.
Os sentimentos das pessoas também são influenciados por seu grau de con-
fiança no comunicador. Se o mensageiro não tiver credibilidade em seus olhos,
a mensagem em si geralmente é rejeitada. Por outro lado, se elas sentem que o
missionário realmente as ama, ficam mais abertas ao evangelho.
As decisões mais profundas que as pessoas tomam são aquelas que mu-
dam suas vidas. São determinações de avaliação e formam o núcleo da con-
versão. As mudanças no conhecimento e nos sentimentos não são suficientes.
Só quando levam a mudanças na obediência e no comportamento podemos
falar do senhorio de Cristo e do discipulado cristão.
No entanto, depois de tomadas as decisões, geralmente elas são reavaliadas
à luz de acontecimentos posteriores. As pessoas que decidem tornar-se cristãs
podem achar muito grande a pressão de suas comunidades. Ou podem avaliar
sua resposta à luz de novas informações. Isso é particularmente verdade nos
168 As Diferenças Culturais e a Mensagem
novos convertidos que recebem pouco apoio para sua fé, por parte da comuni-
dade cristã local. Eles, como nós, constantemente reavaliam suas crenças den-
tro da estrutura de crenças daqueles mais próximos a eles; se houver pouco
reforço de seus pares, sua fé se enfraquece. Portanto, é importante que enten-
dam a comunicação e a tomada da decisão não só de um ponto de vista pes-
soal, mas também com a dinâmica social em mente.
Nós nos comunicamos por muitas razões. Por exemplo, numa classe, nosso
objetivo principal é transmitir e avaliar informações. Contamos piadas para
tornar o trabalho mais agradável, mas elas não são fundamentais aos nossos
propósitos. Por outro lado, os concertos ocorrem para entreter e exprimir sen-
timentos. As igrejas são, para a adoração e a comunhão, os tribunais para
imposição das normas sociais (veja Tabela 5).
E importante lembrar que meios específicos são utilizados para certas fun-
ções e eles diferem de cultura para cultura. Por exemplo, nas sociedades tribais,
a adoração religiosa e a instrução são comunicadas principalmente por meio
de rituais. Aos cultos de adoração, os camponeses africanos acrescentam dan-
ças e os camponeses indianos acrescentam o teatro e as trovas. A pregação,
como a conhecemos, é rara nessas sociedades e as pessoas ficam sempre confu-
sas e cansadas com os sermões evangelísticos. Por outro lado, quando na In-
dia o evangelho é apresentado de forma dramatizada, a maioria dos campo-
neses aparece e permanece até o final da história. Portanto, é importante
utilizar meios apropriados para os objetivos de nossa comunicação nessa cul-
tura.
TABELA 5
Contexto
Um elemento final da comunicação que precisa ser mencionado é o contex-
to. A comunicação sempre ocorre dentro de um ambiente e uma ocasião, os
quais formam a natureza e a interpretação da mensagem. As mesmas pala-
vras ditas num teatro apresentam significados diferentes quando são ditas na
vida real, assim como os gestos que utilizamos na igreja podem ser feitos em
tom de zombaria por um comediante. As palavras proferidas por um juiz no
tribunal carregam um peso diferente daquelas ditas em conversas com um
amigo. Da mesma maneira, o que os missionários dizem em particular será
entendido de forma diferente ao falarem no púlpito.
Uma parte importante de muitos contextos é a platéia. Até agora vimos a
comunicação entre dois indivíduos. No entanto, na vida real, há outras partes
direta ou indiretamente envolvidas no processo. Isso pode ser observado me-
lhor por meio de uma ilustração. Dois universitários podem estar envolvidos
numa conversa informal, quando uma professora passa por perto, e eles ime-
diatamente levantam o nível da discussão para impressioná-la. Embora su-
perficialmente os dois continuem a conversar, na verdade estão direcionando
sua conversa para uma platéia.
As platéias desempenham um papel importante, particularmente nas co-
municações públicas. Os missionários no exterior devem ter em mente os con-
selhos e as igrejas que o enviam, ao falarem com as pessoas. E quando apre-
sentarem seus relatórios a suas igrejas devem ser sensíveis a como seus rela-
tos podem parecer às pessoas entre as quais trabalham. As primeiras igrejas
no exterior não tinham muita ciência do que os missionários diziam sobre elas
quando estavam gozando de licença em seu país. Hoje, com as viagens e a
vasta disseminação de material impresso, isto não mais se dá.
A Comunicação e o Missionário
Quais são as implicações disso tudo para os missionários e seu trabalho?
Primeiro, precisamos reconhecer que a nossa tarefa principal é uma comuni-
cação eficaz. Há pouca importância em darmos nossa vida ou viajar milhares
de quilômetros se não pudermos completar os últimos dois metros. A comuni-
cação é um processo complexo e precisamos continuamente estudar sua eficá-
cia. Uma reflexão cuidadosa na maneira que nos saímos ao comunicar o evan-
gelho pode nos ajudar muito em nossa tarefa.
Segundo, precisamos estar mais alertas aos elementos implícitos da comu-
nicação. Estudamos o idioma, e talvez a cultura, mas raramente somos ensi-
nados sobre as dimensões mais implícitas da comunicação. Geralmente nem
mesmo refletimos sobre os meios estranhos à nossa própria cultura e treina-
mento, ou à questão de que meios são mais apropriados para a comunicação
170 As Diferenças Culturais e a Mensagem