AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DAS INTERFACES ENTRE DIREITO E LITERATURA AO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO (Sem Autores)
AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DAS INTERFACES ENTRE DIREITO E LITERATURA AO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO (Sem Autores)
AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DAS INTERFACES ENTRE DIREITO E LITERATURA AO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO (Sem Autores)
RESUMO: Por mais que a epistemologia jurídica tenha caminhado cada vez mais rumo
à interdisciplinaridade e o diálogo com as mais diversas disciplinas, ainda é notável uma
certa resistência da ala tradicional voltada ao dogmatismo e ao positivismo de admitir
outras fontes possíveis de saber e suas contribuições, como é o caso da Literatura.
Diante desta problemática, o presente artigo tem como objetivo, por meio
principalmente de uma revisão da vasta bibliografia sobre o tema, propor uma análise
qualitativa sobre as possibilidades teóricas e práticas da dialógica entre estas duas áreas
do conhecimento, objetivando, por fim, verificar o quanto o uso da Literatura nas
academias jurídicas pode ser proveitoso na renovação e desenvolvimento do Direito.
Por etapas, primeiramente, o artigo proporá o delineamento da possível crise que assola
o ensino jurídico no Brasil, tal qual suas causas e suas consequências ao
desenvolvimento do campo, de modo que; num segundo momento, serão discutidas as
possibilidades teórico-metodológicas acerca da intersecção destas duas disciplinas para;
por fim fazer um levantamento dos trabalhos que já vêm sendo realizados no âmbito
acadêmico brasileiro e quais as contribuições até então alcançadas, bem como sinalizar
os possíveis caminhos a serem tomados para o melhor aproveitamento e consolidação
da abordagem.
PALAVRAS-CHAVE: Direito; Literatura; Ensino Jurídico; Positivismo;
Interdisciplinaridade.
ABSTRACT: Even as the legal epistemology has increasingly moved towards
interdisciplinarity and dialogue with the most diverse disciplines, there is still a certain
resistance from the traditional wing focused on dogmatism and positivism to admit
other possible sources of knowledge and their contributions, such as it is the case of
Literature. In view of this problem, the present paper pretend, through mainly a review
of the vast bibliography on the subject, to propose a qualitative analysis on the
theoretical and practical possibilities of dialogic between these two areas of knowledge,
aiming, finally, to verify the how much the use of Literature in the legal academies can
be useful in the renewal and development of the Law. In stages, first, the paper will
propose the outline of the possible crisis that plagues legal education in Brazil, as well
as its causes and consequences for the development of the field, so; in a second
moment, the theoretical and methodological possibilities about the intersection of these
two disciplines will be discussed for; finally, make a survey of the works that have
already been carried out in the Brazilian academic scope and what contributions have
been achieved so far, as well as signaling the possible paths to be taken for the best use
and consolidation of the approach.
KEYWORDS: Law; Literature; Legal education; Positivism; Interdisciplinarity.
INTRODUÇÃO
Diante disso, a proposta inicial do presente artigo visa não só analisar como a
crise do ensino jurídico – positivado, dogmático, voltado à normativa e ao Direito
pronto e posto – tem se desdobrado como um entrave à construção de um saber jurídico
e plural, bem como dificultado a emergência de novas propostas ao campo, de modo a
reduzi-lo, em muitos casos, ao ensino sintético, guiado pelos pesados manuais,
contribuindo, consequentemente, para uma visão cada vez mais precária não só do
próprio Direito, mas também da sua posição perante à sociedade e como esta também
lida com aquele. Como muito bem defende Boaventura de Sousa Santos, "o paradigma
jurídico-dogmático que domina o ensino nas faculdades de direito não tem conseguido
ver que na sociedade circulam varias formas de poder, de direito e de conhecimento que
vão muito além dos que cabem nos seus postulados” (SANTOS, 2008, p. 71), o que
acaba, igualmente, contribuindo com uma postura de absoluta frieza e indiferença frente
às mudanças constantemente em acontecimento na sociedade.
A crise que atravessa o ensino jurídico tem relação direta com a necessidade
de construir uma nova significação para o saber jurídico, apontando para
conteúdos universalistas com propostas humanistas em torno de problemas
que afetam a democracia e a promoção dos direitos do homem. É colocar
novamente o homem no centro do saber, o que pressupõe a transformação do
conhecimento exegéticonormativista em sabedoria de vida. É o (re)fazer
emancipatório do senso comum teórico pela educação jurídica. Por tais
razões, assume absoluta relevância (re)orientar o aluno a pensar. (HUPFFER,
2008, p. 70).
Desse modo, com publicações diversas deste caráter ao longo das décadas, nos
anos 1970 surge, nos Estados Unidos, o Law and Literature Movement, que fomenta o
questionamento do excesso de formalismo jurídico (MINDA, 1995) e contribui para a
afirmação da relevância da interdisciplinaridade entre Direito e Literatura na construção
de conhecimento crítico. Na mesma década, as análises ganham uma perspectiva
diferente, partindo de uma nova concepção do Direito (TRINDANDE, GUBERT,
2008), que deixa de ser visto a partir de uma ótica engessada e passa a ser admitido,
também, como um fenômeno cultural, fruto de movimentações sociais e criatividade.
Segundo Junqueira (1998), o Law and Literature Movement resultou em duas vertentes:
Literature in Law e Law in Literature. A primeira consistiria em ler e interpretar obras
jurídicas como literárias, admitindo interpretações variadas. A segunda propõe a análise
de obras literárias que possuam, em seu conteúdo, questões de teor jurídico. Desta
forma, a união do Direito e da Literatura enriqueceriam o saber jurídico ao trazer novas
possibilidades de análise e interpretação de suas fontes e, ainda, acrescentar novas
fontes aos estudos e debates.
O Direito na Literatura seria o uso desta para enriquecimento daquele, uma vez
que a Literatura possui horizontes mais amplos no que se refere a discursos,
possibilidades e contato com as mais diversas realidades humanas, conforme defende o
autor: “o jurista conhecedor da literatura seria íntimo com os problemas da alma
humana” (GODOY, 2008, p. 10). Tratar-se-ia de uma espécie de teoria do Direito
contado, em contraposição à teoria do Direito estritamente analisado (TRINDADE,
GUBERT, 2008), tão abundante ainda na atualidade. Um Direito construído fora dos
moldes positivistas, contemplando realidades distintas e particularidades, seria
potencialmente coerente e verdadeiramente adequado às situações que o provoquem.
O Direito como Literatura, por sua vez, é pautado pela comparação do texto
jurídico ao literário, tendo como foco o estudo dos aspectos retóricos, estilísticos,
narrativos e hermenêuticos (TRINDADE, GUBERT, 2008), visando, também, livrar-se
das amarras positivistas. Uma vez que Direito e Literatura possuem a linguagem como
meio de promover a persuasão, a aproximação daquele com uma construção narrativa
elevaria o potencial interpretativo dos juristas e contribuiria com a construção de um
cenário jurídico não mais pragmático, mas plural e inovador.
Por fim, o Direito da Literatura seria a corrente que objetiva estudar a norma
jurídica relativa ao mundo literário, relativa a questões sobre, por exemplo, o plágio, a
criptomnésia (POSNER apud GODOY, 2008) e direitos autorais. O Direito da
Literatura é, portanto, a intersecção entre a norma jurídica e questões literárias.
Em sua obra A ciência jurídica e seus dois maridos, um clássico aos que
pretendem se aprofundar nos estudos do Direito e Literatura, Warat apresenta, em forma
de metáfora com referência na Obra de Jorge Amado, Dona Flor e seus dois maridos, as
duas faces do Direito, representadas pelos dois maridos de Dona Flor: a dogmática,
racional e positivada, representada por Teodoro, e a ousada, destemida e aberta a
possibilidades, representada por Vadinho. Seguindo o mesmo padrão de relevância,
publicado em 1988, no Manifesto do surrealismo jurídico, o autor apresenta a Literatura
como instrumento para a libertação, dos juristas, de seus duros moldes: “Juntar o Direito
à poesia já é uma provação surrealista [...] o crepúsculo dos deuses do saber [...] a queda
de suas máscaras rígidas [...] a morte do maniqueísmo juridicista” (WARAT, 1988, p.
13).
Por outro lado, vale trazer à tona o que diz o professor Cristiano Paixão (UnB),
em um artigo intitulado O lugar da literatura na educação jurídica: três urgências
contemporâneas (PAIXÂO, 2020), quando volta os olhares para a atualidade da
proposta e, igualmente, sinaliza as possibilidades de caminhos que poderiam ser
trilhados a partir de então: defendendo a importância das obras de autores como Giorgio
Agamben, François Hartog e Hans Ulrich Gumbrecht no ressalte das transformações a
percepção do contemporâneo pelo próprio contemporâneo (PAIXÃO, 2020), Cristiano
toma emprestadas reflexões de Gumbrecht (GUMBRECHT apud PAIXÃO, 2020) para
explicar como o sujeito consegue, por meio dos variados meios de comunicação, ser
contemporâneo de cada vez mais espaços e tempos distintos e, consequentemente,
abrindo margem para muito mais possibilidades ao futuro.
Deste modo, se num dado momento o estudo do Direito voltar os olhos para
obras literárias tidas como clássicas já apresentava grande contribuição ao saber jurídico
– ainda que tais narrativas literárias não houvessem emergido, naturalmente, do
contexto atual onde se propõe as respectivas discussões – ter como base obras
contemporâneas às discussões propostas pode apresentar outro nível de contribuição em
decorrência da sua historicidade e abrangência cada vez maior, dados os recursos de
trânsito de informação que a elas se dispõem enquanto uma ampliação nas relações do
presente mas que, da mesma forma, também redefine decisivamente as relações entre
passado, presente e futuro (PAIXÃO, 2020). Entretanto, o professor reitera a
inexistência de qualquer relação direta entre a literatura e a história, ou a literatura e a
realidade material: “Ela não é – e nunca foi – um espelho da realidade concreta dos
sujeitos e da vida social. [...] a literatura nos dá oportunidades, fornece material para o
estar-no-mundo” (PAIXÃO, 2020, p. 248).
Na mesma toada, é possível citar diversos grupos de pesquisa sobre o tema nas
mais variadas instituições de ensino superior do país, como é o caso do grupo SerTão –
Grupo Baiano de Direito e Literatura, coordenado pelos professores Dr. André Karam
Trindade e Dra. Henriete Karam; o Grupo de Pesquisa Direito, Arte e Literatura,
vinculado à Universidade Federal de Sergipe (UFS); o Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Direito e Literatura Legis Literae, da Universidade de Uberaba (UNIUBE); o grupo
de estudo e pesquisa Direito e Literatura, que segue suas atividades na Universidade de
São Paulo (USP), sob a coordenação da professora Dra. Iara Ribeiro 1; o grupo de
pesquisa Direito, História e Literatura: tempos e linguagens, vinculado à Universidade
de Brasília (UnB), sob a liderança o professor Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto,
responsável pela disseminação do conteúdo e engajamento da discussão no centro-oeste
do país2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse modo, a Literatura se apresenta não como uma saída certa e definitiva,
mas como uma possibilidade de caminho que visa romper com esta estrutura
cristalizada abrindo novos horizontes de compreensão do real e de reflexão do que
poderia a vir a ser – o que ainda se encontra no campo das ideias. Conforme defendido
por Trindade e Gubert (2008), a Literatura seria capaz de ampliar as concepções do
mundo através de outras realidades – as literárias –, havendo igualmente a possibilidade
de maiores aproximações com as questões sociais do seu tempo e espaço, de modo que
a narrativa literária seria capaz que proporcionar ao jurista uma sensibilidade que não é
propícia no campo tecnicista e dogmático onde hoje este se encontra; da mesma forma
que seria através desta que o Direito também exerceria seu papel criativo na propositura
de novas formas de ser e de agir, já que a este é cabido a faculdade de prescrever e
delimitar condutas por meio do seu papel mediador.
REFERÊNCIAS