Não Adianta Esperar Milagre de Auxílio Brasil Diz Pesquisador Brasil Valor Econômico

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 5

“Não adianta esperar milagre” de Auxílio Brasil, diz

pesquisador
Fiscal é delicado, mas Bolsa Família precisa de recursos, defende ex-secretário do programa

Por Anaïs Fernandes — De São Paulo


06/10/2021 05h01 Atualizado há uma hora

Luis Henrique Paiva, do Ipea: Bolsa Família chegou às crianças vulneráveis como nenhum outro programa, mas elas ainda são o “elo
fraco” da proteção social — Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

O plano do governo, empacotado sob o nome de Auxílio Brasil, de elevar o pagamento médio
do Programa Bolsa Família (PBF) em cerca de 50% e ampliar os beneficiários de algo na casa
de 14 milhões para 17 milhões de famílias vai no caminho certo, mas é preciso ter em mente
que isso não deve provocar uma grande redução da pobreza e, principalmente, da
desigualdade no país, avalia Luis Henrique Paiva, atual coordenador de Estudos em
Seguridade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e que foi secretário
nacional do PBF de 2012 a 2015.

“Dobrar o valor do Bolsa Família produziria alguns bons impactos, mas nada excessivo. Teria
uma redução extra na desigualdade e, especialmente, na pobreza, mas nada comparado ao
auxílio emergencial. É um passo na direção correta, mas não provoca nenhuma grande
revolução na proteção social. Temos que ser realistas nas expectativas, não adianta esperar
milagre”, afirma.

PUBLICIDADE

Em termos anualizados, os gastos com auxílio emergencial correspondem a algo como 7% do


PIB, segundo Paiva, volume inédito na proteção social não contributiva brasileira. Já o Bolsa
Família consome de 0,4% a 0,5% do PIB, observa. “Por mais que o Bolsa Família tenha
gerado uma quantidade de indicadores extremamente positivos e os impactos sejam grandes,
considerando o volume de recursos aplicados, ainda é um programa muito modesto”, afirma.

Completando 18 anos neste mês, o Bolsa Família já passou por diversos governos e “tem uma
marca”, embora, recorrentemente, ainda haja “uma quantidade muito grande de discussão em
torno dele”, diz Paiva.
Antes da criação do PBF, em 2003, que representou a consolidação de uma série de outros
programas existentes, o Brasil “gabaritava” em termos de proteção social contributiva, como a
previdenciária, aponta o pesquisador. “Esse sistema, porém, acabou chegando a apenas uma
fração da força de trabalho brasileira, os formais, e conferiu um viés à proteção social do país
muito voltado aos idosos”, afirma. Parcela grande de trabalhadores informais, em geral mais
pobres e em idade ativa, e seus filhos ficavam desprotegidos, o que afetou muito a pobreza
das crianças, observa Paiva.

O Bolsa Família teve o mérito de ser um primeiro esforço coordenado de governo para
alcançar em grande escala e com capilaridade esse público, o que, segundo ele, colocou o
Brasil mais próximo de países que melhor combatem a pobreza e a desigualdade. “Ainda
assim, a taxa de pobreza das crianças é, pelo menos, o dobro da média da população
brasileira e algo entre oito a dez vezes a dos idosos”, diz Paiva. Segundo o pesquisador, as
crianças ainda são “o elo fraco da proteção social brasileira”.

O que se gasta com Previdência Social, um sistema que, no Brasil, ainda está
“hiperdimensionado”, segundo Paiva, é 30 vezes superior às despesas com o PBF. “É um
retrato de como o investimento que a nossa sociedade faz nas crianças ainda é muito pequeno
quando comparado ao que faz nos idosos”, diz. “O Bolsa Família é pequeno demais para
mudar isso.”

Em um estudo de maio deste ano, publicado pelo Ipea, Paiva e colegas já haviam analisado os
potenciais efeitos de se elevar o orçamento do PBF para 0,8% do PIB de 2019 (cenário de
neutralidade fiscal) para 2,5% (patamar médio dos países da OCDE) e, em um caso
intermediário, para 1,7%. “Todos entendem que o que aconteceu com o auxílio foi único e que
é impossível manter. Mas é ingênuo também achar que podemos melhorar dramaticamente o
Bolsa Família sem mais recursos substanciais. Países com maior capacidade de reduzir
pobreza e desigualdade gastam, de forma sistemática, mais com programas do mesmo tipo”,
afirma o pesquisador.

Ele reconhece que a situação não é fácil, considerando que o quadro fiscal brasileiro atual e
também de médio-longo prazo é complexo. “Provavelmente, na verdade, é muito difícil, porque
temos uma situação fiscal delicada. Mas entendo também que essa não é a única forma de
combater a pobreza, tem de haver crescimento econômico, agenda de desenvolvimento.”

Na sua avaliação, o PBF já é um programa eficiente e bem focalizado. Tornar suas regras
muito mais sofisticadas para tentar incluir ações e efeitos “mirabolantes” pode ser um risco, diz.
“Se você tivesse um volume fixo de recursos e precisasse escolher um programa para investir
no qual você tivesse o maior impacto no sentido de reduzir a pobreza, claramente você
escolheria o Bolsa Família. Hoje em dia, há um consenso sobre isso, tanto na academia
quanto nos órgãos de controle”, afirma, acrescentando que, provavelmente, nenhuma outra
política pública brasileira já foi tão avaliada como o Bolsa Família.

Ele cita, por exemplo, estudo recente da Fiocruz Bahia, em parceria com outras instituições,
que demonstrou como o PBF reduziu os casos de mortalidade infantil. “Tem impacto na
mortalidade infantil, melhora o atendimento de mulheres grávidas, tem impactos modestos na
tempestividade com que as crianças são vacinadas, acaba tendo alguns bons resultados em
educação, também modestos, na retenção de crianças pobres nas fases mais críticas de
abandono escolar”, menciona.

São exemplos de uma política mais estrutural e de longo prazo, diferentemente do auxílio
emergencial, cujos objetivos imediatos, que também foram importantes, eram cobrir a perda de
renda das famílias na pandemia e injetar recursos na economia, aponta Paiva. “Não dá para a
gente achar, claro, que vai mudar tudo no Brasil, incluindo educação e saúde, só usando um
instrumento que é o Bolsa Família”, pondera ele.

Se o auxílio emergencial foi criado a partir da base operacional já estabelecida pelo Bolsa
Família e pelo Cadastro Único, o PBF também tem a aprender com a experiência do auxílio em
termos tecnológicos, observa Paiva, que já foi diretor do Cadastro Único para Programas
Sociais em 2018.

“A discussão do auxílio emergencial ficou muito centrada no cadastramento on-line- que pode
ocorrer de forma complementar, mas não pode substituir o trabalho das assistências sociais - e
na poupança social digital da Caixa, que foi um sucesso, mas, claro, qualquer alternativa
apenas digital implica algum grau de exclusão. Mas o avanço que foi feito antes na Dataprev,
no sentido de aumentar a velocidade dos batimentos de dados, foi uma coisa fantástica. Eu
acho que agora falta pouco para a gente dar um passo adicional e integrar da melhor forma
possível os diversos registros administrativos”, afirma Paiva.

Você também pode gostar