Texto 4.2
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UMA ÚLCERA ARTERIAL E UMA VENOSA
RESUMO
Uma das confusões mais comuns que observamos no cuidado, realizado pelas enfermeiras, de uma lesão
vascular é a classificação que comumente se dá, de úlcera, sem diferenciá-la em arterial e venosa, oferecendo
as mesmas condutas para as duas. As características dessas lesões são distintas e devem ser reconhecidas
pelas enfermeiras para que possam traçar um diagnóstico preciso. A população do estudo foi composta por
pacientes vasculopatas com integridade da pele prejudicada relacionada a interrupção parcial ou total do fluxo
arterial e ou venoso internados na enfermaria vascular do “Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia” de janeiro
à abril de 1998, onde verificou-se as seguintes características nas úlceras: bordas, profundidade, dor, tamanho,
alterações adjacentes à lesão. Os resultados indicaram que as lesões venosas são superficiais, extensas, com
bordas irregulares e elevadas com presença de edema e a lesão arterial mostrou-se profunda, pequena, com
borda regular e rasa entre outros achados.
Palavras-chave: Úlcera. Ferida. Diagnóstico de enfermagem
1
Monografia apresentada no Curso de Residência em Enfermagem Cardiovascular do Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia.
*
Enfermeira - Pesquisadora Cientifica III - orientadora da monografia no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia,
atualmente no Núcleo de Investigação e Estudos em Epidemiologia do Instituto de Saúde.
**
Ex Residente de Enfermagem do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia ano (1998), atualmente Coordenadora de Enfermagem do
Serviço de Cardilogia Invasiva e Cirurgia Cardíaca do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão.
úlcera de contorno circular, atrofia da pele, Úlcera é uma chaga na pele ou na mucosa
claudicação, presença de gangrena, unhas secas com desintegração gradual e necrose dos tecidos
e quebradiças, alteração da pressão sangüínea (FERREIRA, 1997). Pode ser uma
nas extremidades e lento processo de descontinuidade circunscrita na superfície de um
cicatrização. A Integridade da Pele Prejudicada tecido qualquer, ocasionada pela ruptura das
é referida como um estado no qual o indivíduo camadas da pele que ocorrem comumente
apresenta lesão em mucosa, córnea e tecido quando há inflamação do tecido subcutâneo das
cutâneo, tendo como características definidoras extremidades, estando com freqüência associada
a solução de continuidade da pele, destruição com o suprimento sangüíneo inadequado ou
das camadas da pele e a invasão de estruturas do doenças sistêmicas tipo diabetes (ROBINS,
corpo. 1990).
Em nossa vivência a característica Segundo os autores Maffei (1995), Brunner;
evidenciada por ser talvez a que mais se observa Sudarth (1994), Olesfsky (1995), o termo úlcera
a olho nu e que necessita de um cuidado técnico quando visto com o olhar angiológico pode
especializado, é a úlcera, que surge em englobar duas categorias que incluem: úlceras
decorrência do déficit de suprimento sangüíneo por trauma e úlceras arterio-venosas. Na última
arterial e/ou venoso, levando perda da categoria as úlceras podem ser: arteriais,
integridade da pele, tornando assim um desafio venosas, diabéticas e hipertensivas.
para a equipe de saúde, pois é necessário um A fisiopatologia da úlcera venosa pode ser
acompanhamento multiprofissional para a sintetizada na seqüência observada no diagrama
recuperação e reabilitação deste paciente. a seguir.
As úlceras de origem venosa são uma das moderada, geralmente são únicas e
complicações da estase venosa e quase sempre circunscritas por um halo de celulite indurata.
estão localizadas no terço inferior da perna um Na área adjacente podemos notar uma
pouco acima do maléolo interno, as vezes no hiperpigmentação (ou com os nomes de:
externo e no dorso do pé ou mais raramente no dermatite ocre, púrpura de Gougerot e Favre);
terço médio da perna. Convém citar que este presença de veias tortuosas e dilatadas e
tipo de úlcera tem um desenvolvimento rápido cicatrizes visíveis de úlceras anteriores.
no início e que resulta de uma lesão que pode Sabemos ainda que o tratamento
ser necrótica dando lugar a um tecido farmacológico e o repouso do membro são de
amarelado e fibroso dentro do qual podem ser vital importância para o tratamento e o
observadas áreas de tecido de granulação de cuidado das mesmas (MAFFEI, 1995;
coloração avermelhada, sendo o seu aspecto BRUNNER; SUDARTH, 1994; OLESFSKY,
visual impressionante; suas bordas são 1995; BERSUSA, 1998; DOYLE, 1983).
elevadas mas raramente separadas; o fundo é As úlceras por interrupção do fluxo
plano e cianótico, mas quando a úlcera for de arterial parcial e ou total ocorrem com
longa duração elas costumam ter a aparência freqüência nos dedos e nos pés, pois neste
de um anel elevado sem sinais de local as artérias são únicas e distais, portanto
epidermização, a quantidade de exsudação é com menores chances do desenvolvimento de
variável e depende da extensão do edema, o plena e satisfatória formação de vasos com a
odor é nauseante sendo a infecção local uma finalidade colateral para atender a demanda
ocorrência freqüente, a dor manifestada é celular local. Nas pernas as lesões aparecem
arterial e/ou venoso, o que favorecerá o anotados na ficha de coleta de dados, seguido
discernindo entre uma e outra. de mensuração e registro fotográfico quando o
pesquisador encontrava características
OBJETIVO evidentes para usar de exemplo neste estudo.
Para a operacionalização da coleta de
Identificar características das úlceras nos dados, inicialmente foi solicitado o
pacientes com Integridade da Pele Prejudicada consentimento formal para participação do
relacionado à interrupção do fluxo sangüíneo estudo, seguido de exame físico da lesão e
arterial e/ou venoso parcial ou total . fotografia da mesma quando se julgava
necessário.
MATERIAL E MÉTODO
O exame físico para coleta de dados foi
realizado em etapas tendo como foco,
Optou-se por desenvolver um estudo
características da úlcera que são: borda da
transversal, que permite a análise de
lesão, coloração do fundo da úlcera, dor,
características das úlceras dos pacientes em
presença de secreção e gangrena especificando
um dado momento.
o seu tipo em seca, úmida e gasosa.
O estudo foi realizado no Instituto Dante
A dor foi mensurada através de um escore
Pazzanese de Cardiologia (IDPC), hospital
de 0 - 10 dado pelo paciente onde o zero
governamental especializado em doenças
significava ausência de dor e 10 a pior dor
cardiovasculares; com 10 leitos destinados a
imaginável.
internação de pacientes com moléstias
A mensuração da úlcera foi realizada
vasculares periférica.
levando-se em consideração: comprimento,
A amostra foi constituída de todos os
largura e profundidade. Para a largura e
pacientes internados, de janeiro à abril de
comprimento utilizamos uma régua graduada
1998, que apresentavam Integridade da Pele
em centímetros, esterilizada. Para a
Prejudicada em membros inferiores
profundidade adotamos o parâmetro do
relacionada à a interrupção parcial ou total do
comprometimento tecidual onde foi
fluxo sangüíneo arterial e/ou venoso,
considerada rasa, quando houve lesão da
caracterizada pela presença de úlcera e que
derme e/ou epiderme e profunda quando o
atendiam aos seguintes critérios: estar
comprometimento foi em nível de músculo,
consciente, consentir formalmente em
aponeurose e nervos.
participar da pesquisa, ser examinado e ter a
Com relação a área adjacente foi
úlcera fotografada, após explicação verbal dos
observado: a coloração, hidratação, quantidade
objetivos e justificativas do trabalho.
de pêlos, temperatura da pele e presença de
O instrumento de coleta de dados foi
edema que foi aferido através do sinal de
constituído de duas partes: dados de
cacifo (compressão da região afetada e
identificação que subsidiaram a caracterização
formação de uma fosseta depressível).
da amostra e dados relativos a lesão em si, tais
Os dados foram tratados de acordo com
como: caracterização e mensuração da úlcera e
sua freqüência e discutidos conforme literatura
aspecto da área adjacente à lesão.
pertinente e experiência dos autores, frente as
Para a aplicação do instrumento foram diferenças entre úlceras venosas e úlceras
respeitados os princípios da Resolução 196/96 arteriais.
da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(BRASIL, 1996), dando-se liberdade aos RESULTADOS E DISCUSSÃO
pacientes de optarem ou não pela participação.
Os participantes assinaram um termo de De um total de 17 pacientes, 9
consentimento, no qual declaravam terem sido apresentavam interrupção do fluxo arterial e 8
informados a respeito dos propósitos da interrupção do fluxo venoso.
pesquisa, concordando participarem da Quanto ao sexo observamos uma
mesma. freqüência mais alta de interrupção do fluxo
A coleta de dados foi realizada no período venoso no sexo feminino (6 mulheres e 2
de janeiro à abril de 1998, os achados foram homens) enquanto que na interrupção do fluxo
arterial observou-se apenas um discreto porta para a infecção local. Ademais, na busca
aumento no sexo masculino. Dos diagnósticos de um alívio da irritação, o paciente procura a
médicos identificados, a oclusão aorto-íliaca e automedicação por meio de cremes, pomadas,
femoro-poplítea direita ocorreu com maior cataplasmas de plantas e etc. Essas medidas
freqüência dos casos (7 pacientes). A idade acabam tendo uma adesão a pele dificultando a
média dos pacientes do estudo foi de 70,1 retirada com o banho, tornando – se assim um
anos. meio ideal para a perda da continuidade da
Quanto ao período apontado pelos pele, seja pela infecção que se instala, seja
pacientes para o início da Alteração da pela fricção necessária para a retirada do
Integridade da Pele variou de meses a anos; produto aderido na pele (BERSUSA, 1998;
sendo este período prolongado e crescente ALBERS, 1979).
para pacientes com interrupção do fluxo Qualquer tipo de trauma por menor que
venoso. seja, é muitas vezes a porta de entrada para o
Com relação às queixas para o início da início das complicações do paciente com
alteração da Integridade da Pele Prejudicada interrupção do fluxo arterial, potencializando a
foram agrupadas as categorias: traumatismo infecção da pele. Os traumas mais comum de
local, irritação cutânea e presença de sujidade serem relatados são: corte de unha, retirada de
na pele examinada (higiene ineficaz); destes a cutícula, topadas, uso de sapatos apertados,
irritação cutânea e higiene ineficaz foram as trombadas em móveis e às vezes até mesmo
queixas mais comuns citadas pelos pacientes uma simples picada de inseto e o coçar pode
com interrupção do fluxo venoso, enquanto o dar o inicio da lesão cutânea (BERSUSA,
traumatismo local constituiu a principal causa 1995).
citada pelos pacientes com interrupção do Quanto às características da úlcera a
fluxo arterial. primeira abordagem foi sobre a regularidade
O prurido é um dos sinais comuns da da borda da lesão, que pode ser compreendida
dermatite de estase provocada pela interrupção como o contorno que vem a demarcar o tecido
do fluxo venoso. Nestes casos, o paciente lesado continuo e integro (VIN, 1998).
“desesperado” acaba coçando e provocando
ruptura das estruturas da pele abrindo uma
Venoso Arterial
Regular Irregular
40% 42%
Irregular Regular
60% 58%
N = 17 pacientes
Figura 2 - Característica do contorno das bordas das úlceras vasculares dos pacientes internados na enfermaria vascular no
IDPC de janeiro a abril de 1998, São Paulo, 2002.
Na leitura obtida das figuras anteriores 58% dos pacientes com interrupção do fluxo
podemos notar que 60% dos pacientes com arterial tem úlceras com contorno regular.
interrupção do fluxo venoso apresentam Doyle (1983) diz que o contorno irregular
úlceras com bordas irregulares, enquanto que é uma característica marcante da úlcera venosa
e o arredondado da úlcera arterial. Na prática, venosas que são arredondadas, ovais e úlceras
o contorno da úlcera venosa talvez é um dos arteriais com contorno irregular. Por isso este
aspectos visuais que mais chama a atenção indicador por si só não pode ser considerado
depois da extensão, suas bordas são sempre um “diferenciador” entre os dois tipos de
mais elevadas e tortuosas em comparação com úlcera, porém auxilia bastante quando
as arteriais que exibem um arredondamento associado a outras características destas
peculiar (por vezes nos parece que um lesões.
compasso demarcou a lesão, de tão correto que Quanto a manifestação de dor na úlcera
é o seu contorno) com bordas rasas que observamos na Figura 3 que a maior parte dos
chegam a ficar planas com o tecido integro. As pacientes avaliam sua dor como a pior das
vezes podemos também observar úlceras imagináveis:
pacientes
5
5
4
2 2 2 2
2,5
0
Ausente 4a6 8 a 10 Pior dor imaginável
ARTERIAL VENOSO
Figura 3 - Avaliação da dor nas úlceras dos pacientes internados na enfermaria vascular no IDPC de janeiro à abril de 1998,
São Paulo, 2002.
pacientes 4
4
3
2 2 2 2
2
1 1
0 0
0
Arterial Venoso
<de 3 cm de 3 a 5 cm de 6 a 9 cm de 10 a 12 cm > de 12 cm
Figura 4 - Largura das úlceras dos pacientes internados na enfermaria vascular no IDPC de janeiro a abril de 1998, São
Paulo, 2002.
pacientes 4
4
3
2 2 2 2 2
00 0
0 0
0
Arterial Venoso
> de 12 cm de 10 a 11 cm de 7 a 9 cm de 5 a 6 cm de 4 cm < de 3 cm
Figura 5 - Comprimento das úlceras dos pacientes internados na enfermaria vascular no IDPC de janeiro a abril de 1998,
São Paulo, 2002.
7
pacientes
7 5
6
5 3
4 2
3
2
1
0
Arterial Venoso
Superficial Profunda
Figura 6 – Avaliação da profundidade das úlceras dos pacientes internados na enfermaria vascular no IDPC de janeiro à abril
de 1998, São Paulo, 2002.
crônica que em alguns casos pode estar eficaz tem-se todo um comprometimento
compensada por uma rede de colaterais tecidual que é ascendente ou seja: de dentro
eficiente, porém, na ausência de uma rede para fora (ALBERS, 1979).
Tabela 1 – Características da pele adjacente à úlcera dos pacientes, com interrupção do fluxo sangüíneo arterial, internados
na enfermaria vascular atendidos no período de janeiro à abril de 1998 no IDPC, São Paulo, 2002
Características Freqüência
Rarefação de pêlos 6
Atrofia muscular 4
Pele brilhante 2
Pele atrófica
Ausência de edema (brilhante)
Edema Depósito de
hemossiderina
Endereço para correspondência: Ana Aparecida Sanches Bersusa. Instituto de Saúde – Núcleo de Investigação
e Estudos em Epidemiologia - Rua Santo Antônio, 590 – Bela Vista CEP 01314-000 São Paulo Telefone
32932241 E-mail [email protected].
Recebido em: 16/02/2004
Aprovado em: 26/04/2004