Cenários Atuais Dos Estudos Linguísticos Da Libras

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Leandro Andrade Fernandes

Lucas Eduardo Marques-Santos


(Orgs.)

Cenários atuais dos estudos linguísticos


da Libras

TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
2021 - Editora Diálogos
Copyrights do texto - Autores e Autoras

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei no 9.610, de 19/02/1998. Esta


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Capa: Geison Araujo Silva / Shutterstock


Diagramação: Geison Araujo Silva
Revisão: Editora Diálogos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

C395
Cenários atuais dos estudos linguísticos da Libras [livro eletrônico]
/ Organizadores Leandro Andrade Fernandes, Lucas Eduardo Mar-
ques-Santos. – Tutóia, MA: Diálogos, 2021.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-22-2

1. Línguas e linguagem. 2. Língua brasileira de sinais. I.Fernandes,


Leandro Andrade. II. Santos, Lucas Eduardo-Marques.

CDD 419

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786589932222

Editora Diálogos
[email protected]
www.editoradialogos.com
Sumário

Apresentação............................................................................................. 7

Derivação na formação de sinais da Língua Brasileira de Sinais-


Libras...........................................................................................................11
Walber Gonçalves de Abreu
Marilia de Nazaré de Oliveira Ferreira

Expressões não manuais: a leitura labial como fator centralizador do


discurso......................................................................................................28
Eduardo Figueira Rodrigues
Geceilma Oliveira Pedrosa

A (in)efetividade de políticas públicas: uma análise linguístico-


sociodiscursiva de reivindicações e denúncias dos Surdos quanto à
sua educação............................................................................................47
Cleide Emília Faye Pedrosa
Alzenira Aquino de Oliveira
Juliana Barbosa Alves
Maiane Vasconcelos de Brito

Pequeno glossário bilíngue de animais em Libras/ELiS – Português ���65


Leandro Andrade Fernandes

Terminologias de educação no trânsito em Libras: uma proposta


preliminar de sinais-termo.....................................................................78
Victor Lopes Bezerra
Romário Lima de Sousa
Francisco Ebson Gomes-Sousa
João Batista Neves Ferreira

Língua portuguesa para surdos como L2: uma análise léxico-


gramatical segundo a Linguística Sistêmico-Funcional......................93
Lucas Eduardo Marques-Santos
Fernanda Gurgel Prefeito
Reflexões sobre o texto literário no ensino de português para surdos
como segunda língua..............................................................................112
Suelen Silva de Oliveira
Thainã Miranda Oliveira

O (Re)Conhecimento do “Eu Surda”: a atuação de forças centrípetas


e centrífugas nos relatos sobre a aquisição da Libras como L2...... 129
Daniele Caroline Gonçalves Lima
Marília Varella Bezerra de Faria

O processamento cognitivo do surdo.................................................. 141


Flávia Medeiros Álvaro Machado
Leidiane Dias da Silva
Lucas Gonçalves Dias

Análise da produção sinalizada de pessoas Surdas com diagnósticos


psiquiátricos............................................................................................166
Emiliana Faria Rosa
Felipe Venâncio Barbosa

De olho no whatsapp: O bilinguismo como ferramenta de interação


e comunicação digital............................................................................ 185
Aurinete Barbosa Mulato Pereira

Sobre os organizadores........................................................................ 200

Sobre os autores e autoras................................................................... 201

Índice remissivo......................................................................................207
Apresentação

Os estudos relacionados à Libras vêm ao logo dos últimos anos se intensifi-


cando, principalmente após a homologação da Lei 10.436/02 e do Decreto 5.626/05,
que deram visibilidade as comunidades surdas e abriram portas para a reflexão e a
formação de profissionais ligados a esta modalidade linguística viso-espacial.
Neste livro, são externadas pesquisas que visam compreender a contempo-
raneidade das pesquisas brasileiras associadas à surdez sob um panorama teóri-
co-metodológico diversificado que partem do uso da Língua Brasileira de Sinais
– Libras, bem como de sua estrutura, além da relação de indivíduos Surdos com a
língua portuguesa como sua segunda língua - L2.
De modo que, as abordagens apresentadas neste volume exploram, a partir
das temáticas, um olhar heterogêneo interativo e desafiador, no que tange o contex-
to já mencionado. Uma vez que, o entendimento sobre a língua, sua aquisição, sua
estrutura e as relações socioculturais nos permitem aprofundar o conhecimento
vinculado a inserção destes grupos minoritários outrora marginalizados historica-
mente.
A idealização desta organização de trabalhos envolve nossa trajetória aca-
dêmica e científica, posto que as pesquisas voltadas à Libras ainda caminham em
um sentido de reafirmação da capacidade das pessoas Surdas e do entendimento e
comprovação do status linguístico dessa língua.
O leitor, por meio do contato com os textos selecionados, perceberá que há
diferentes focos de destaque quanto às temáticas, porém vale ressaltar que há a
presença de um fio condutor em todas as pesquisas aqui apresentadas, sendo este:
a relação dos cidadãos Surdos brasileiros em situação de contato com duas línguas,
em que uma é viso-espacial e outra oral-auditiva, contudo esta última em sua mo-
dalidade escrita, pelo sistema Brasileiro de Escrita das Línguas de Sinais - ELiS.
Assim, a obra Cenários atuais dos estudos linguísticos da Libras traz a voga a
pluralidade acadêmica investigativa sob o olhar das produções científicas que estão
sendo desenvolvidas no Brasil acerca da Libras, sua organização e seus contextos.
De modo que, em seu primeiro capítulo intitulado Derivação na formação de sinais
da Língua Brasileira de Sinais-Libras os autores Walber Gonçalves de Abreu e Ma-
rilia de Nazaré de Oliveira Ferreira discutem o processo de formação morfológica
por meio do processo de derivação a partir do parâmetro movimento (MOV) ini-
SUMÁRIO

cialmente observado por Stokoe (1960).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 7


A segunda pesquisa aqui apresenta as Expressões não manuais: a leitura labial
como fator centralizador do discurso, em que Eduardo Figueira Rodrigues e Geceil-
ma Oliveira Pedrosa abordam questões discursivas associadas ao uso de máscaras
transparentes recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) devido
à pandemia causada pela Covid-19 ao atendimento de pessoas Surdas e a relação
entre o uso da Libras e a leitura labial.
Em A (in)efetividade de políticas públicas: uma análise linguístico-sociodiscur-
siva de reivindicações e denúncias dos Surdos quanto à sua educação elaborado pelos
autores Cleide Emília Faye Pedrosa, Alzenira Aquino de Oliveira, Juliana Barbosa
Alves e Maiane Vasconcelos de Brito analisam as redações escritas por candida-
tos Surdos que prestaram vestibular específico para ingressar no curso de Letras
Libras da Universidade Federal de Sergipe entre o ano de 2018 a 2020 sob uma
base teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD) e da Linguística
Sistêmico-Funcional focando especificamente no sistema de Avaliatividade e seu
subsistema de Atitude.
Já o quarto assunto é tratado por Leandro Andrade Fernandes em sua
investigação denominada Pequeno glossário bilíngue de animais em Libras/ELiS –
Português que a partir de uma abordagem teórica de cunho lexicográfico, apresenta
uma proposta de glossário que utiliza em caráter inovador uma proposta bilíngue
baseada no uso da Escrita de Línguas de Sinais (ELiS) e a Língua Portuguesa. O
texto é um estudo inicial que visa a criação do primeiro dicionário infantil que
representa o léxico da Libras em sua modalidade escrita.
O quinto capítulo Terminologias de educação no trânsito em Libras: uma pro-
posta preliminar de sinais-termos elaborado pelos pesquisadores Victor Lopes Be-
zerra, Romário Lima de Sousa, Francisco Ebson Gomes-Sousa e João Batista Neves
Ferreira nos traz uma reflexão à luz da lexicologia e da terminologia sobre os sinais
utilizados na certificação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por meio da
aplicação de questionários a tradutores e intérpretes de Libras e também a pessoas
Surdas da comunidade surda de Caraúbas – RN para avaliar as dificuldades ou fa-
cilidades da compreensão deste conteúdo específico.
No sexto texto, Língua portuguesa para surdos como L2: uma análise léxico-
-gramatical segundo a Linguística Sistêmico-Funcional, os autores Lucas Eduardo
Marques-Santos, Fernanda Gurgel Prefeito analisam a produção escrita como L2
em língua portuguesa de um aluno Surdo matriculado no ensino fundamental por
meio das metafunções, que formam a base teórico-metodológica da Linguística
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 8


Sistêmico-Funcional (LSF) e seus respectivos sistemas organizados no estrato léxi-
co-gramatical, sendo então, a metafunção Ideacional e o sistema de transitividade;
a metafunção Interpessoal e o sistema de MODO e a metafunção textual e seu sis-
tema de Tema e Rema.
No sétimo capítulo intitulado Reflexões sobre o texto literário no ensino de
português para surdos como segunda língua as autoras Suelen Silva de Oliveira e
Thainã Miranda Oliveira discutem as bases metodológicas do ensino de L2 para
educandos Surdos a partir de uma perspectiva sócio interacionista Vygotskyana
e de formação literária como uma atividade plausível à formação desses cidadãos
participantes de uma comunidade nacional minoritária, no que concerne sua lín-
gua, suas identidades e sua cultura.
A oitava investigação O (Re)Conhecimento do “Eu Surda”: a atuação de forças
centrípetas e centrífugas nos relatos sobre a aquisição da Libras como L2 produzida
pelas autoras Daniele Caroline Gonçalves Lima e Marília Varella Bezerra de Faria
aborda, baseada na Linguística Aplicada (LA) e dos pressupostos teóricos cunha-
dos por Bakhtin e Volóchinov, as vozes de Surdos oralizados que possuem uma
relação de L2 com a Libras. Além disso, por meio dos discursos apresentados as
autoras desvelam como esses indivíduos influem em suas relações consigo mesmo
e com a comunidade que participa.
Já em O processamento cognitivo do surdo, nono capítulo, desenvolvido pelos
autores Flávia Medeiros Álvaro Machado, Leidiane Dias da Silva e Lucas Gonçalves
Dias é possível observar a relação dos Surdos tanto com a Libras, quanto com a
Língua Portuguesa, por meio da compreensão de um microtexto e sua reelabora-
ção em Libras por parte desses participantes considerando o caráter polissêmico
das línguas. Neste sentido, os autores se nortearam pela Linguística Cognitiva (LC)
para compor as análises de seus dados.
O décimo e penúltimo capítulo Análise da produção sinalizada de pessoas
Surdas com diagnósticos psiquiátricos, escrito pelos autores Emiliana Faria Rosa e
Felipe Venâncio Barbosa explora a relação da produção linguística de Surdos sina-
lizantes e os distúrbios psiquiátricos, ou seja, como esses indivíduos diagnosticados
desenvolvem sua comunicação. Para isso, os autores analisam os níveis Pragmático,
Discursivo, Sintático e Fonético-Fonológico dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Por fim, o décimo primeiro capítulo De olho no whatsapp: O bilinguismo como
ferramenta de interação e comunicação digital da autora Aurinete Barbosa Mulato
Pereira que analisou as interações comunicativas bilíngues entre Surdos e ouvintes
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 9


em grupos de whatsapp indicando o salto qualitativo, bem como os entraves, a re-
organização das mensagens e o uso das duas línguas resultantes do acesso às novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).
Assim sendo, agradecemos primeiramente à Editora Diálogos que possibi-
litou a concretização deste projeto. Em segundo lugar, expressamos nossa imensa
gratidão aos companheiros de jornada que acreditaram, em meio a muitos afazeres
e um período pandêmico, e acolheram o convite lançando mão de tempo e dedica-
ção na escrita de seus capítulos. Temos a certeza, de que estas parcerias são e serão
profícuas para nossa área de investigação vinculada à Libras e à surdez de modo
geral.
Desejamos, por fim, que nossos leitores possam se apropriar das pesquisas
aqui selecionadas para continuar aprofundando as discussões sobre a nossa reali-
dade brasileira considerando os mais diversos contextos de inserção e inclusão da
Libras e das pessoas Surdas em uma sociedade majoritariamente ouvinte, que este
volume ressoe como um ato de resistência e luta contínua pela visibilidade de uma
língua e de corpos outrora marginalizados e invisibilizados.

Leandro Andrade Fernandes


Lucas Eduardo Marques-Santos
Organizadores
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 10


DOI: 10.52788/9786589932222.1-1

Derivação na formação de sinais da


Língua Brasileira de Sinais-Libras

Walber Gonçalves de Abreu


Marilia de Nazaré de Oliveira Ferreira

Considerações Iniciais1

A Língua Brasileira de Sinais (Libras), enquanto língua natural, cumpre seu


papel linguístico com suas características fonéticas, fonológicas, morfológicas, sin-
táticas, semânticas e pragmáticas. O que só foi possível de ser comprovado a partir
das pesquisas pioneiras sobre as Línguas de Sinais (LS), mais especificamente sobre
a Língua Americana de Sinais (ASL), elaboradas por Stokoe, em 1960. No Bra-
sil, as pesquisas de Libras tiveram início com os trabalhos de Ferreira-Brito (1995
[2010]), portanto 35 anos após o primeiro trabalho de Stokoe ser publicado. E os
trabalhos já feitos contabilizam cerca de 25 anos – o que corrobora com a informa-
ção de que ainda há muito a ser descrito.
Nesse sentido, o objetivo da presente pesquisa foi descrever aspectos morfo-
lógicos de formação de sinais a partir do processo de derivação na Libras, com base
na corpora sinais da videoprova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de
2017.
Com base nesses dados, foram elaborados 2 questionamentos:
(a) o processo de derivação é produtivo na Libras? e;
(b) quais tipos de processos derivativos podem ser identificados na Libras?
A fim de responder essas perguntas, em um primeiro momento, foi feita revi-
são da literatura tratando da morfologia, do processo derivacional de formação de
sinais e dos tipos de derivação nas LS. Em seguida, a metodologia para a realização
SUMÁRIO

1 Recorte de dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL/UFPA) - 2019.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 11


do trabalho e as análises dos dados coletados da videoprova do ENEM 2017 foram
apresentadas e discutidas, seguidas pelas considerações finais.

Morfologia e o processo derivacional de formação de sinais

Segundo Aronoff e Fudeman (2011) e Mithun (2014), a morfologia é a área


da linguística que estuda a estrutura interna e a formação das palavras a partir da
combinação de morfemas. Segundo Quadros e Karnopp (2004) e Johnston (2006),
nas LS, corresponderia ao estudo da estrutura interna e formação dos sinais.
Nesse sentido, a unidade máxima da morfologia é a palavra [e o sinal] e a
unidade mínima são os morfemas (Sandalo, 2012). Os morfemas são

unidades regulares, mínimas e significativas que funcionam como palavras ou partes


de palavras. Essas unidades, ao se anexarem a uma base, podem alterar o seu signi-
ficado e/ou provocar mudança em sua classe gramatical (derivação), ou ainda trazer
informações gramaticais para a base, tais como caso, número, pessoa, aspecto, inten-
sidade, etc (flexão) (JOHNSTON, 2006, p. 324, tradução nossa)2.

Nas diferentes línguas naturais existentes no mundo, a derivação consta como


um dos processos por meio do qual novos itens lexicais são criados. Nas línguas
sinalizadas, a derivação tem sido atestada por diversos pesquisadores (QUADROS
& KARNOPP, 2004; JOHNSTON, 2006; FELIPE, 2006; XAVIER; NEVES, 2016;
PFAU, 2016).
Nessas línguas, a alteração da raiz pela adição de pelo menos um parâmetro ao
sinal primitivo é um dos processos mais correntes. Esse parâmetro pode ser entendi-
do como um morfema gramatical (livre ou preso) que é adicionado de forma simul-
tânea ou sequencial a essa raiz. O resultado é a criação de um novo sinal. A produti-
vidade desse processo decorre não somente pela combinação de raízes e afixos, mas
também pela possibilidade de mudar a classe gramatical da raiz, ao fazer referência
a ações comuns e gerais. Portanto, essa alteração na raiz se correlaciona também ao
acréscimo de significados diversos como a ideia de negação, grau, designação de in-
divíduos e a criação de nomes abstratos (PETTER, 2014; MITHUN, 2014).

2 Morphology deals with the regular, minimal, meaningbearing units in language – morphemes – which are words or
parts of words. Morphemes can effect changes in meaning by signaling the creation of a new word or a change in word
SUMÁRIO

class (derivation), or by signaling grammatical information such as case, number, person, aspect, tense, etc., (inflection).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 12


Tipos de derivação nas línguas de sinais

Derivação simultânea

Os casos de derivação simultânea podem ser entendidos como aqueles em


que o sinal base é acrescido por um parâmetro de forma infixal, ou seja, esse é rea-
lizado simultaneamente à articulação do sinal base.
Xavier e Neves (2016) apresentam alguns casos de derivação que podem ser
entendidos como de derivação simultânea. No exemplo da figura (1a) podemos
constatar que a base do sinal (constituída pela configuração de mão - CM, orien-
tação da palma - OP e locação - LOC) é acrescida de um morfema derivacional
(movimento - MOV) para marcar a formação do sinal de FLORESTA a partir do
sinal primitivo ÁRVORE. Em (1b), o morfema derivacional no sinal EDUCAÇÃO-
-A-DISTÂNCIA é marcado também pelo parâmetro MOV, mais especificamente
a direcionalidade desse movimento. Por fim, o exemplo (1c) nos apresenta como
morfema derivacional a LOC no sinal de PROBLEMA-DE-COMUNICAÇÃO.

Figura 1 – Casos de derivação em Libras.


SUMÁRIO

Fonte: Xavier e Neves (2016, pp. 143-144).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 13


A negação é um exemplo de derivação que pode ocorrer tanto de forma si-
multânea quanto sequencial. A negação simultânea se dá por meio da articulação
síncrona de uma expressão facial juntamente com o sinal. Xavier e Neves (2016)
apresentam a expressão não manual , por meio da expressão facial ‘balançar da
cabeça’, como um caso em que a forma negativa é articulada junto com a raiz. Po-
de-se exemplificar esse tipo de marcação de negação por meio do sinal NÃO-CO-
NHECER (figura 2) em Libras. Comparando com o sinal afirmativo CONHECER,
constatamos que a expressão facial ‘balançar da cabeça’ se articula de forma simul-
tânea com sua base.

Figura 2 – Infixo de negação em Libras.

Fonte: Quadros e Karnopp (2004, p. 111).

Com o exposto, podemos constatar que a característica simultânea das lín-


guas sinalizadas pode favorecer o aparecimento de um número considerável de
casos de derivação formados por meio de um morfema infixal acrescido à base,
exemplo de uma morfologia não-concatenativa (KLIMA & BELLUGI, 1979; ARO-
NOFF et al, 2005).

Derivação sequencial

A derivação sequencial é um processo pelo qual um morfema é afixado à


uma base, podendo aparecer tanto antes (prefixo) quanto após o sinal-base (sufi-
xo). Esse morfema, por exemplo, pode carregar o sentido de negação, neste caso,
SUMÁRIO

uma negação sequencial.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 14


Felipe (2006) argumenta que a negação é adicionada à raiz de alguns verbos
por meio de um movimento oposto à articulação afirmativa do sinal. Ferreira-Brito
(1995 [2010], p. 77) afirma que: “através de vários processos, o item a ser negado
sofre alteração em um dos parâmetros, um item de estrutura ‘fonético-fonológico’
diferente daquele que é a sua base, ou seja, o aparecimento de sua contraparte ne-
gativa.”.
Esse processo de afixação foi atestado na ASL. Aronoff et al. (2005) identi-
ficaram nessa língua a ocorrência de um sufixo que marca negação. Os autores
afirmam que tal sufixo é adicionado sempre após a raiz verbal e nunca antes dela.
Além disso apresenta a restrição fonológica de ocorrer somente com raízes verbais
articuladas com uma mão, como demonstrado na figura (3).

Figura 3 – Sufixo -ZERO em ASL.

Fonte: Aronoff et al. (2005, p. 46).

Diante do exposto, podemos constatar que as LS apresentam produtividade


no processo de formação de sinais a partir de uma mesma base lexical, favorecendo
o processo de economia linguística.

Metodologia

Para entender o funcionamento da derivação na Libras, optou-se por descre-


ver e analisar os sinais da videoprova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
SUMÁRIO

em Libras do ano de 2017. Delimitamos essa coleta somente à área de Linguagens,

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 15


Códigos e suas Tecnologias, uma vez que, nesse contexto, possivelmente, haveria
mais ocorrências de sinais formados pelos processos de derivação.
Essa hipótese se justifica pelo advento de cursos de Letras-Libras em diversas
universidades brasileiras. Dessa maneira, o campo da linguagem vem sendo mais
debatido e, certamente, com um léxico mais produtivo em relação às demais áreas.
Antes da seleção do corpus, primeiramente fizemos um levantamento biblio-
gráfico sobre a derivação nas línguas naturais e, mais especificamente, na Libras.
Com base nesse conhecimento e em nossas reflexões pessoais, a tarefa de identi-
ficar as possíveis ocorrências de derivação presentes nos vídeos da videoprova do
ENEM 2017 foi bem menos complexa.
Foram analisados 45 vídeos do exame. Numa primeira coleta, selecionamos
83 sinais que demonstraram ter alguma relação com o processo morfológico em
questão. Em um segundo momento, recortamos esse corpus de 83 sinais, restrin-
gindo para 21 sinais, os quais foram descritos no presente artigo.
Para tal, foram organizados quadros descritivos em que estão demonstradas
a formação desses sinais até chegar à derivação. Nesses quadros, como exemplifica-
do no quadro (1), há a representação do sinal por SignWriting (círculo vermelho),
por imagem da articulação do sinal (círculo azul) e por um equivalente lexical da
Língua Portuguesa (círculo verde). No quadro, representamos também a forma-
-base do sinal, os morfemas que se unem a essa base e a forma derivada a partir da
afixação.

Quadro 1 - Quadro descritivo de derivação.


SUMÁRIO

Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 16


Optamos por dispor os dados dessa maneira para termos uma melhor organi-
zação e visualização, por parte do leitor, dos morfemas-base e afixos que compõem
os sinais. Na próxima sessão apresentamos a análise realizada sobre os casos de
derivação identificados nos dados.

Análise dos dados

Na análise, destacamos duas ocorrências de derivação produtiva identificada


nos dados: a derivação simultânea e a sequencial de negação, ambas marcadas pelo
parâmetro MOV.
Segundo Klima e Bellugi (1979), o MOV é uma unidade mínima complexa.
Os autores afirmam que são características desse parâmetro aspectos como as for-
mas, as direções, os movimentos internos da mão e os movimentos do pulso. Essas
características também são atestadas na Libras por Quadros e Karnopp (2004).
Constatamos, com base nos dados, que esses elementos podem funcionar
como morfemas gramaticais e marcar a formação de um novo sinal e até mesmo a
mudança de classe gramatical da base.
Nos quadros que seguem, temos exposta a base (morfema lexical ou raiz) que
identificamos a partir da análise das unidades mínimas que se repetem em todos os
sinais e em alguns quadros também apresentamos o sinal de origem identificado a
partir de características semânticas e estruturais3.

Derivação simultânea: o parâmetro movimento

Apresentaremos, nesta seção, quais categorias do parâmetro MOV podem ser


determinantes para marcações derivativas nos sinais da Libras.

3 Quanto a esse último ponto, escolhemos os sinais com estrutura e significado mais simples para ocuparem
a posição de sinal de origem e deles apresentamos as derivações que são criadas a partir da afixação de
MOV. A nossa não determinação precisa do sinal de origem se dá pelo fato de não termos base em nenhum
estudo de Linguística Histórica da Libras para elencarmos a ordem de surgimento dos sinais. Além disso,
entendemos que essa determinação não é um fator obrigatório de ser definido nessa análise, pois, com os
dados pesquisados, conseguimos indicar a base dos sinais e seus morfemas gramaticais afixados e, assim,
SUMÁRIO

analisar o processo derivacional.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 17


Direcionalidade do MOV

A derivação simultânea marcada pela direcionalidade do movimento é carac-


terizada por sinais que são formados a partir da adição do morfema movimento
direcional à base.
No quadro (2), estabelecemos como sinal de origem o termo referente à
CASA. Partindo desse sinal, identificamos a derivação de outros três:
(i) o primeiro é o sinal FAVELA, formado a partir do MOV de rotação do
antebraço para a diagonal direita;
(ii) o sinal seguinte, MORAR, é derivado a partir do MOV de depressão dos
ombros, juntamente com os braços;
(iii) por fim, temos a criação do sinal VIZINHO, por meio do MOV de abdu-
ção e adução dos braços.

Quadro 2 - Derivações do sinal referente à CASA.


SUMÁRIO

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 18


No quadro (3), temos a derivação de dois sinais a partir do sinal de origem re-
ferente a VALOR. Ambos os sinais derivados acrescentam em sua execução a mão
passiva. Além dessa marcação,
(i) temos no primeiro sinal o MOV de extensão do braço na direção diagonal
direita marcando a formação do sinal referente a CAPITALISMO;
(ii) no segundo sinal, o MOV de elevação do ombro e dos braços associado
a expressão facial de inflar as bochechas, anexam ao sinal-base o significado
de ‘rico’.

Quadro 3 - Derivação do sinal referente a VALOR.

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).

Diante do exposto, podemos constatar que a direcionalidade do MOV como


marcador afixal de derivação tem forte relação semântica na formação dos novos
itens lexicais. Analisamos que:
(i) a direcionalidade do sinal de MORAR tem relação semântica com a ideia
de pertencer a um lugar fixo;
(ii) em VIZINHO, a direcionalidade para os lados direito e esquerdo denota
SUMÁRIO

a proximidade entre casas, sendo, portanto, vizinhas e;

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 19


(iii) a derivação de sinais que denotam coisas socialmente negativas tende a
ser direcionadas para baixo, enquanto coisas socialmente ‘positivas’ tendem a
apresentar direção para cima, como RICO e CAPITALISMO.

Dinâmica do MOV

Com base nas classificações do SignWriting e nas pesquisas de Stumpf (2005)


sobre esse sistema de escrita da Libras, classificamos a dinâmica do movimento
como: simultâneo, alternado, uma mão move enquanto a outra está imóvel, lento,
suave, rápido, tenso e relaxado.
Dessa maneira, nos quadros de (4) a (6) apresentamos os morfemas grama-
ticais marcados pela dinâmica do MOV que são adicionados à base para derivar
novos sinais. O quadro (5) apresenta uma derivação que muda a classe gramatical
do sinal.
No quadro (4), apresentamos a derivação entre os sinais AUTÊNTICO e
VERDADE. Identificamos nesses sinais que a formação de um novo item lexical
é marcada pela diferença nas dinâmicas do MOV, um tem o MOV mais lento, en-
quanto outro apresenta um MOV mais rápido. Além disso, há um morfema grama-
tical referente ao número de contatos de toque, pois o sinal VERDADE apresenta
uma repetição desse tipo de contato.

Quadro 4 - Derivação dos sinais referentes a AUTÊNTICO e VERDADE.

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 20


Descrevemos, no quadro (5), a derivação do sinal LIVRO, a partir do sinal
FOLHEAR. Entendemos que a derivação parte do verbo para a criação do nome,
processo de nominalização, bastante comum nas LS, inclusive na Libras, descrito
por Quadros e Karnopp (2004). Dessa maneira, temos que a diferença entre os
sinais do quadro (6) se dá em relação à dinâmica do MOV, sendo o primeiro cons-
tituído pelo MOV relaxado e o segundo pelo MOV rápido.

Quadro 5: Derivação do sinal referente a FOLHEAR

Sinal de Origem
FOLHEAR

Base LIVRO
(Morfema Lexical) Morfema Gramatical Sinal Derivado Imagem do sinal

Fonte: Elaborado com base emVideoprova (ENEM, 2017).

No quadro (6) descrevemos a derivação entre os verbos PERGUNTAR e PES-


QUISAR. É interessante observar neste caso a derivação entre verbos. O processo
de mudança entre eles também ocorre pela dinâmica do MOV, sendo os sinais
constituídos pelos MOV relaxado e rápido, respectivamente.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 21


Quadro 6 - Derivação dos sinais referentes a PESQUISAR e PERGUNTAR.
Base
PERGUNTAR
(Morfema Lexical)
Morfema Gramatical Sinal Derivado Imagem do sinal

PESQUISAR
Morfema Gramatical Sinal Derivado Imagem do sinal

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).

Podemos concluir, com a análise dos dados acima, que as duas dinâmicas de
MOV prevalecem como marcas derivativas: a dinâmica lenta ou relaxada e a di-
nâmica rápida e repetida do MOV. É interessante observar que os sinais derivados
que apresentam uma dinâmica rápida e repetida demonstram um encurtamento na
execução do movimento no espaço. Vamos demonstrar essa característica a partir
dos sinais PERGUNTAR e PESQUISAR na figura (4).
Observe que o sinal PERGUNTAR apresenta um ponto de partida da execu-
ção do sinal próximo ao peitoral do sinalizante, enquanto que o ponto de chegada
se dá em uma área mais afastada do corpo. Por outro lado, quando ocorre a for-
mação do sinal PESQUISAR, temos que o ponto de partida e o ponto de chegada
são fixados na mão passiva. Justificamos este fato por conta de o sinal apresentar
uma dinâmica do MOV mais rápida, provocando, dessa maneira, o encurtamento,
característico da economia linguística das línguas naturais e a repetição do MOV
do sinal.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 22


Figura 4 – Sinais PERGUNTAR e PESQUISAR em Libras.

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).

Como já afirmado por vários pesquisadores das LS, o parâmetro MOV se


apresenta como uma unidade mínima bastante complexa. Além disso, a partir de
nossas análises, descrevemos o quanto o MOV é produtivo na criação de novos
itens lexicais. A partir dos dados, identificamos as categorias direcionalidade e di-
nâmica do movimento como responsáveis pelas marcações derivativas.

Derivação sequencial: pronação do antebraço

Com base em Felipe (2006), identificamos um grupo de sinais opostos (afir-


mativos e negativos). Os sinais afirmativos possuem um movimento que é alterado
em sua articulação final por outro movimento que marca a negação. Concordamos
com a visão de Felipe (2006) e entendemos que nestes casos estamos diante de sufi-
xos adicionados na articulação final dos sinais afirmativos, derivando assim, sinais
negativos.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 23


O que ocorre nesses sinais é um movimento de pronação do antebraço, no
qual ele é direcionado para a parte inferior do corpo (figura 5). Pelo fato de o movi-
mento ser um parâmetro fonológico e Felipe (2006) afirmar que essa unidade pode
constituir um morfema, entendemos que pela frequência de ocorrência do MOV
de pronação do antebraço nos sinais negativos estamos diante de um morfema.

Figura 5 – Pronação do antebraço.

Fonte: Elaborado com base em Calais-Germain (2010, p. 10 apud MARINHO, 2014, p. 23).

Justificamos a descrição desse morfema como sufixo por dois motivos: esse
movimento oposto ocorre somente em verbos e esses verbos em sua forma positiva
já possuem um MOV que, quando derivados para forma negativa, tem o MOV
seguido por outro MOV (pronação do antebraço) que o direciona para a parte infe-
rior. No exemplo da figura (6), podemos constatar esse fato com os sinais GOSTAR
e NÃO-GOSTAR.

Figura 6 – Sinais GOSTAR e NÃO-GOSTAR em Libras.

Fonte:Elaborado pelos autores (2019).


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 24


Em nossos dados podemos evidenciar um total de 4 sinais positivos que apre-
sentaram a formação do sinal negativo por meio do sufixo de -PRONAÇÃO-DO-
-ANTEBRAÇO. Os sinais criados são: NÃO-TER, NÃO-QUERER, NÃO-GOS-
TAR e NÃO-SABER, como apresentando no quadro (7).

Quadro 7 - Sinais que apresentam o sufixo de negação com o MOV de pronação do antebraço.
TER NÃO TER

QUERER NÃO QUERER

GOSTAR NÃO GOSTAR

SABER NÃO SABER

Fonte: Elaborado com base em Videoprova (ENEM, 2017).


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 25


Considerações finais

O presente trabalho foi uma oportunidade ímpar por meio da qual pudemos
constatar a relevância de estudos descritivos das LS. As pesquisas sobre esses aspec-
tos favorecem a identificação de elementos novos da gramática da Libras. Por meio
da descrição linguística torna-se possível a compreensão bem mais adequada da
língua, o que contribui para sua difusão no campo científico e educacional.
A análise dos dados evidenciou a produtividade do processo de formação de
sinais por meio do processo de derivação na Libras, cujas características paramé-
tricas comprovam essa produtividade.
No que diz respeito aos tipos de processos derivativos identificados na Li-
bras, nossa pesquisa descreveu a produtividade do parâmetro MOV adicionado
infixalmente à base, formando derivações do tipo direcional do MOV e dinâmica
do MOV. Além disso, descrevemos o marcador de negação sufixal que é afixado à
base: pronação do antebraço.
Os dados da Libras ora analisados refutam a afirmação de Johnston (2006)
de que os afixos encontrados nas LS são todos sufixos, uma vez que os afixos des-
critos, no presente texto, na sua maioria, são infixos. Essa propriedade da Libras se
justifica pelo fato dessa língua, como as demais LS, ser uma língua em modalidade
visual-gestual que prioriza a simultaneidade na articulação dos sinais.
Contudo, entendemos que a idade da língua possa influenciar na pouca exis-
tência de afixos do tipo prefixo e sufixo, uma vez que, com o decorrer do tempo,
sinais podem se gramaticalizar e desempenhar essa função de afixo, como já des-
crevemos possíveis sufixos da Libras em processo de gramaticalização em Abreu
(2019).
Justamente nesse ponto reside a relevância da pesquisa realizada: em sua con-
tribuição para a descrição mais completa do processo morfológico de derivação na
Libras. O trabalho ora apresentado identificou categorias novas de derivação na
Libras, marcadas principalmente pela produtividade do parâmetro MOV.
Portanto, muito mais do que apenas contribuir para os estudos descritivos das
LS, objetivamos trazer informações novas para as reflexões descritivas das línguas
naturais. Apesar de LS e LO serem realizadas em modalidades diferentes, há aspec-
tos que são compartilhados por ambas as modalidades e as teorias de linguística
devem abrir espaço para englobar as observações já feitas sobre línguas de sinais.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 26


Referências

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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 27


DOI: 10.52788/9786589932222.1-2

Expressões não manuais: a leitura labial


como fator centralizador do discurso

Eduardo Figueira Rodrigues


Geceilma Oliveira Pedrosa

Introdução

Neste momento de pandemia de covid-19 que o mundo está passando, as in-


formações científicas vêm chegando a todo instante. As adequações sociais, como
o distanciamento social e as máscaras, devem acontecer; é preciso acompanhar as
informações para que a saúde seja preservada e para que o sistema público de saúde
não entre em colapso.
Destarte, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso de
máscara em todos os lugares como forma preventiva contra a covid-19, mais co-
nhecida como novo coronavírus. No entanto, alguns surdos veem o uso da máscara
como um obstáculo na comunicação, pois não conseguem realizar a leitura labial.
A partir dessa reclamação, surgiu a curiosidade epistemológica em investigar se
esses discursos eram pertinentes em relação aos aspectos histórico, linguístico e aos
artefatos culturais.
Na visão da autora Strobel (2008, p. 23), um dos artefatos culturais do povo
surdo é o aspecto linguístico, reforçando a valorização da Língua Brasileira de Si-
nais-Libras enquanto língua e também incluído os sinais emergentes ou chamados
de home gest – os sinais caseiros . Entretanto, em nenhum momento a autora men-
ciona o uso da leitura labial como aspecto da cultura surda.
Isso faz com que cheguemos à pergunta problema: A leitura labial é o único
recurso dentro do parâmetro das expressões não manuais mais importantes neste
momento da pandemia de covid-19?
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 28


Tendo como objetivo geral compreender as vertentes históricas no uso da
leitura labial, correlacionando-as com o atual momento da pandemia em entre-
vistas midiáticas, foram traçados os objetivos específicos, quais sejam: mostrar a
história da educação de surdos de forma sucinta; apresentar as recomendações da
OMS no que tange o uso de máscaras para a prevenção da covid-19; e analisar as
críticas fomentadas dentro da comunidade surda acerca da utilização das máscaras
no momento comunicacional nas redes sociais como pressuposto de dificuldade
no entendimento da leitura labial e da compreensão comunicativa e; assim como
pontuar os parâmetros da língua sinais com o foco nas expressões não manuais.
Nesse sentido, como nas pesquisas que estão sendo desenvolvidas sobre a
imunidade, anticorpos, período de transmissão e pós-reinfecção, trazer essas ques-
tões culturais de quem se sente prejudicado no uso das máscaras é salutar, pois é
por meio das pesquisas que se torna evidente como o mundo pode estar interligado.

História da educação de surdos

A educação de surdos passou por vários momentos históricos, desde a inte-


gralização dos primeiros surdos ao acesso da educação até os dias de hoje e, por
meio desse acesso, começaram os postulados de como poderia ser melhor a didáti-
ca no ensino das disciplinas.
Cabral (2005, p. 35) faz um apontamento desses períodos históricos, partin-
do dos egípcios, no século XVI A.C.; passando pela Holanda, no século XV D.C;
chegando à Itália, no ano de 1500; Espanha, no ano 1620; Inglaterra; no ano 1644.
Vale ressaltar que, neste percurso histórico, a educação de surdos ainda não era
vista como algo formal, sendo esses sujeitos entendidos como divindades ou como
maldições advindas de pecados dos familiares, já no âmbito científico, os surdos
eram submetidos a experimentos clínicos, a fim de curá-los.
Portanto, em meados de 1776, com Michel L’Épée, na França, começa a es-
trutura do ensino. A luta de L’Épée era pela integralização de todos os surdos e não
somente daqueles que tinham dinheiro. Na ocasião, os olhares de alguns interessa-
dos na causa da surdez voltavam-se não somente para questões patológicas, mas,
SUMÁRIO

sobretudo, questionava-se sobre o melhor método de educação para os surdos. Sob

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 29


o prisma de L’Épée, cujas estratégias traçadas em relação à educação de surdos
incluíam o método oral, sendo esse o mais utilizado, mesmo com os trabalhos per-
ceptivos da língua de sinais.
Passados 41 anos após o posicionamento de L’Épée, surge, então, uma facul-
dade específica para os surdos nos EUA, denominada de Gallaudet 1, no qual o uso
da língua de sinais era o método principal, conforme Cabral (2005):

1817 - Gallaudet e Clerc abrem em Hartford o Connecticut Asylum for the Education
and Instruction of Deaf and Dumb Persons, primeira escola permanente nos EUA.
Começam por ensinar uma mescla de LSF (langue des signes française), francês ges-
tualizado e de inglês e acabaram por optar pela ASL (american sign language). Em
França, Bébian, no Instituto de Paris considerou os gestos metódicos pouco satisfa-
tórios para a compreensão das frases e adoptou a LSF na educação dos surdos (CA-
BRAL, 2005, p. 3).

Segundo Cabral (2005, p. 3), uma das datas mais importantes no ensino dos
surdos, lembrada pela comunidade surda como um período sombrio, foi o ano de
1880, ocasião em que ocorreu o Congresso de Milão. Contudo, antes de abordar-
mos sobre os assuntos discutidos no referido congresso, faz-se mister compreen-
dermos alguns acontecimentos que antecederam tal evento.
Na Europa Ocidental, sob a liderança de Samuel Heinick, começava a se dis-
cutir assuntos pertinentes à educação de surdos. Assim, defendia-se que o foco
deveria ser dado ao método oral, ou seja, ao treino da fala, havendo uma ojeriza
à língua materna de natureza linguística do surdo. Assim, em 1778, na Alemanha,
Heinick criou a primeira escola de surdos, na qual rejeitava-se a língua de sinais
como meio de instrução, alegando que a comunicação sinalizada comprometia e
dificultava ainda mais o treino da fala.
Cabral (2005, p. 3) pontua que o objetivo principal de Heinick, na verdade,
era fazer com que os surdos tivessem uma melhor experiência e vivência de mun-
do, a partir da concepção de que eles só conseguiriam tal feito se conseguissem
falar e, para isso, teriam de desenvolver habilidades, como a leitura labial2. A partir

1 1815 - Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851), americano, vem à Europa para conhecer os diferentes
métodos de educação dos surdos. Chegado a Londres, a família Braidwood recusa transmitir-lhe o seu
método, mas assiste a uma conferência de Sicard, que acompanha no regresso a Paris e com quem estuda.
No ano seguinte volta aos EUA acompanhado por Laurent Clerc, discípulo de Sicard e um dos primeiros
professores surdos, para o auxiliar na criação de uma escola (CABRAL, 2005, p. 3).
2 No dicionário Aurélio: A Leitura Labial consiste na observação do posicionamento dos lábios do falante
SUMÁRIO

para que, junto com os sons ouvidos (ou não), a pessoa com deficiência auditiva consiga ter uma maior

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 30


da filosofia apresentada por Heinick, ainda havia divergências sobre qual método
seria aplicado na educação de surdos, uma vez que a proposta de L’ Épée ganhava
força em toda a França.
Assim, para que se resolvesse tais impasses, foi organizado um congresso no
qual discutiram e unificaram o método de instrução para os alunos surdos, confor-
me argumenta Cabral (2005):

1880 - Em Milão, o II Congresso Mundial culmina todo este processo aprovando


duas resoluções que se vão repercutir durante quase um século: 1. O Congresso, con-
siderando a superioridade incontestável da fala para incorporar os surdos-mudos
na vida social e para lhes proporcionar uma maior facilidade de linguagem, declara
que o método da articulação deve ter preferência sobre os gestos na instrução e na
educação dos surdos e dos mudos. 2. Considerando que a utilização simultânea dos
gestos e da fala tem a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura labial e a precisão
das ideias, o Congresso declara que o método oral puro deve ser preferido (CABRAL,
2005, p. 4).

Após esse fato histórico, o método oral com o foco na leitura labial passou
a ser evidenciado como forma principal de ensino, deixando de lado a língua de
sinais, e isso sucedeu um retrocesso no ensino e aprendizagem, pois ficou notório
que a leitura labial é uma aproximação de equiparar o surdo ao ouvinte. Portanto,
equivale trazer a evolução dos métodos, pois a história avançou até chegarmos no
bilinguismo.

Oralismo

Perlin e Strobel (2008, p. 10) trazem o conceito do método que foi durante
muitos anos usado como forma de inserção das pessoas surdas na sociedade em
geral. As autoras pontuam que este método ganhou mais força após o congresso
de Milão, em 1880, momento triste e danoso, devido ao fato de que “a modalidade
oralista baseia-se na crença de que é a única forma desejável de comunicação para
o sujeito surdo, e a língua de sinais deve ser evitada a todo custo porque atrapalha
o desenvolvimento da oralização” (PERLIN e STROBEL, 2008, p. 10).
SUMÁRIO

facilidade para compreender a mensagem falada pelo outro.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 31


O discurso das autoras evidencia que a única força desejável era a fala, vale
ressaltar que o método oral sempre esteve presente desde o começo da organização
da educação dos surdos.

Essa concepção de educação enquadra-se no modelo clínico, esta visão afirma a im-
portância da integração dos sujeitos surdos na comunidade de ouvintes e que para
isto possa ocorrer-se o sujeito surdo deve oralizar bem fazendo uma reabilitação de
fala em direção à “normalidade” exigida pela sociedade (PERLIN e STROBEL, 2008,
p. 12)

Dessa forma, para que os surdos fossem considerados como "pessoas nor-
mais", precisariam, antes de tudo, adequar-se ao jeito ouvinte de ser, implicando,
assim, o apagamento total da cultura surda, oportunizando o surgimento de iden-
tidades que os distanciariam cada vez mais dos traços e laços compartilhados que
os definem como povo surdo, ou seja, a língua de sinais. Esse conjunto de ações de
imposição e subjugação em relação aos surdos passou a ser denominado por Perlin
e Strobel (2008) da seguinte maneira:

O ouvintismo deriva de uma proximidade particular que se dá entre ouvintes e sur-


dos, na qual o ouvinte sempre está em posição de superioridade. Uma segunda ideia
é a de que não se pode entender o ouvintismo sem que este seja entendido como
uma configuração do poder ouvinte. Em sua forma oposicional ao surdo, o ouvinte
estabelece uma relação de poder, de dominação em graus variados, onde predomina
a hegemonia através do discurso e do saber. Academicamente esta palavra – ouvin-
tismo – designa o estudo do surdo do ponto de vista da deficiência, da clinicalização
e da necessidade de normalização (PERLIN e STROBEL, 2008, p. 58).

Segundo Perlin e Strobel (2008, p. 58), a prática ouvintista pode ser entendida,
como uma “configuração do poder ouvinte”, cuja hegemonia não dava alternativas
para que os surdos pudessem decidir o que fosse melhor para si, limitando-os em
tomadas de decisões importantes para as suas vidas. Outro ponto importante cita-
do por Perlin e Strobel (2008, p. 59) e que merece destaque diz respeito à seguinte
menção “O ouvintismo deriva de uma proximidade particular que se dá entre ou-
vintes e surdos”, de fato, os que estiveram envolvidos na educação de surdos e que
determinaram sobre o método oralista eram educadores que tinham relações pró-
ximas com eles, isto é, conviviam e participavam do cotidiano do povo surdo, po-
rém com o intuito não de ajudá-los a desenvolver a sua forma natural de produção,
percepção e apreensão do mundo, mas revestidos com a máscara da benevolência,
que escondia os seus terríveis e verdadeiros propósitos em relação à comunidade
SUMÁRIO

surda (LANE, 1992, p. 15).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 32


Assim, a proposta da oralização deixou como resultado uma quantidade sig-
nificativa de surdos que desenvolveram novos mecanismos de apreensão de infor-
mações, conforme afirma Perlin e Strobel (2008, p. 12), entre os quais, o método
oralista, comumente chamado de oralismo, que consiste no treino da fala e na lei-
tura labial, que exigia as seguintes estratégias:

Essa técnica de leitura labial: ”ler” a posição dos lábios e captar os movimentos dos
lábios de alguém está falando é só útil quando o interlocutor formula as palavras
de frente com clareza e devagar. (...) a maioria dos surdos só conseguem ler 20% da
mensagem através da leitura labial, perdendo a maioria das informações. Geralmente
os surdos deduzem as mensagens de leitura labial através do contexto dito (PERLIN
e STROBEL, 2008, p. 14).

Perlin e Strobel (2008, p. 15) explicam que a filosofia oralista faz uso da comu-
nicação da criança para que ela seja aceita na comunidade dos ouvintes, em outras
palavras, para que uma criança seja aceita na comunidade dos ouvintes é necessá-
rio falar na produção de sons e este falar só é obtido por meio da leitura labial e
na emissão fonética das palavras da pessoa surda. Sendo assim, a leitura labial vai
assumir a função de audição e os balbucios da palavras na boca do surdo serão os
sons fônicos que os ouvintes fazem.

Comunicação Total

Essa segunda filosofia da educação de surdos contempla os gestos linguísti-


cos que são produzidos pelas crianças, os resquícios auditivos e a leitura orofacial3
como forma de aplicação na leitura e na escrita, pois entende-se que por meio des-
tes mecanismos a criança consegue ter a sua inserção garantida na sociedade.
Perlin e Strobel (2008, p. 21) explicam que o método comunicação total sur-
ge em meados de 1960, quando o oralismo fracassou na personificação da pessoa
surda em ouvinte. A estrutura desenvolvida nesse momento vai preponderar na
junção do oralismo com a língua de sinais falada, focando como alternativa comu-
nicacional.

3 A leitura orofacial (LOF) é feita de forma inconsciente ao se comunicar e atualmente tem sido utilizado
com freqüência na avaliação de deficientes auditivos. O deficiente auditivo é capaz de “ler” a posição dos
lábios e captar os sons da fala de um locutor, porém é provável que até o melhor leitor labial só consiga
SUMÁRIO

entender 50% das palavras articuladas (DELL’ARINGA, ADACHI,DELL’ARINGA, 2007, p. 5).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 33


Em outras palavras, a comunicação total, segundo Stewart (1993, p. 118), é “a
prática de usar sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital para fornecer
inputs linguísticos para estudantes surdos, ao passo que eles podem expressar-se
nas modalidades preferidas”. Ratificando, consiste basicamente na utilização de
inúmeros recursos linguísticos, tais como a linguagem oral, códigos manuais, lín-
gua de sinais, entre outros, como instrumentos facilitadores de comunicação com
as pessoas surdas.
Entretanto, Ciccone (1996, pp. 6-8) explica que a comunicação total não pode
ser limitada somente como um método de ensino:

Não é, tão somente, mais um método na área e seria realmente, um equívoco con-
siderá-la, inicialmente como tal (...). A comunicação total, entretanto, não é uma
filosofia educacional que se preocupa com ideais paternalistas. O que ela postula, isso
sim, é uma valorização de abordagens alternativas, que possam permitir aos surdos
ser alguém, com quem se possa trocar idéias, sentimentos, informações, desde a sua
mais tenra idade. Condições estas que permitam aos seus familiares (ouvintes, na
grande maioria das vezes) e às escolas especializadas, as possibilidades de, verdadei-
ramente, liberarem as ofertas de chances reais para um desenvolvimento harmônico.
Condições, portanto, para que lhe sejam franqueadas mais justas oportunidades, de
modo que possa ele, por si mesmo, lutar em busca de espaços sociais a que, inques-
tionavelmente, tem direito

Assim, entende-se que “a comunicação total não está em oposição à utilização


da língua oral, mas apresenta-se como um sistema de comunicação complementar”
(MARCHESI, 1995, p. 59. Apesar disso, Ciccone (1996) menciona que comunica-
ção total não apresenta “ideias paternalistas”. Ainda assim, tais abordagens alterna-
tivas propiciam condições e oportunidades para a inserção nos diferentes espaços
sociais.

Bilinguismo

O bilinguismo surge através do contexto em sala de aula. Nesse momento,


com o fracasso do bimodalismo, os surdos que já estavam inseridos nas salas de
aula viram a necessidade comunicacional entre os professores e alunos, então, a
partir dessa problemática o bilinguismo advém como proposta para dirimir tal si-
tuação.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 34


Conforme Perlin e Strobel (2008, p. 15), a ideologia do bilinguismo tem as se-
guintes características: a criança deve ter o primeiro contato com a língua de sinais.
Para as referidas autoras, a criança necessita ter o contato com a língua de sinais,
seja com os pais, professores ou outras pessoas que dominam a língua, para, depois,
ter contato com a língua portuguesa ou a língua alvo que pode estar em questão.
Andrade et al. (2020, p. 11) ressalta também que o bilinguismo trabalha na
perspectiva da língua materna (L1) e a língua posterior (L2), e isso depende do
PPP (Projeto Político Pedagógico) qual língua deve ser estudada primeiro. Perlin
e Strobel (2008, 16) pontuam que existe um bilinguismo tradicional, ele é caracte-
rizado como um pensamento retrogrado, em vez de pensarem na língua de sinais
como língua materna, usam a língua portuguesa como língua materna colocando
em foco os aspectos do oralismo especificamente com a leitura labial deixando
de lado todo um aspecto gramatical que existe, e sem levar em consideração os
parâmetros existentes tais como: configuração de mãos, ponto de articulação, mo-
vimento, orientação da mão e expressões não manuais.

Expressões não manuais

Como já vem sendo elencado, o bilinguismo, na comunidade surda, precisa


favorecer a língua de sinais como L1, que é composta por uma gramática própria
no qual é representada pelas configurações de mãos, ponto de articulação, movi-
mento, orientação da mão e expressões não manuais. Todas são muito importantes
na construção do sinal, mas o fator determinante aqui é em trazer um pouco mais
do conceito.
Araújo (2013, p. 18) enfatiza que as expressões não manuais são universais,
embora existam as influências culturais, mas os músculos faciais existentes são os
mesmos para demonstrarem as emoções isso traz à tona que muitas vezes não pre-
cisamos verbalizar, pois elas já denotam o que queremos dizer.
Já no âmbito da língua de sinais, Araújo (2013, p. 29) explica que são expres-
sões correlacionadas aos olhos, sobrancelhas, bochechas, lábios, movimento da ca-
beça, posição do corpo, tronco para trás e tronco para frente.
Diante do exposto, vamos nos ater apenas no conceito das expressões que
acontecem no rosto, Araújo (2013, p. 60) denomina que estão divididas em supe-
SUMÁRIO

riores e inferiores.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 35


Figura 1: Expressões superiores.

Fonte: https:// repositório.unb.br/handle/10482/14621.

Araújo (2013, p. 61) explica as expressões faciais superiores:

Como demonstra a figura acima, as expressões faciais superiores são realizadas pelos
olhos, sobrancelhas e a testa. Já as inferiores são constituídas pelas bochechas, boca
e língua. a) Expressões faciais superiores: Examinaremos, primeiramente, as expres-
sões faciais superiores que envolvem os olhos, a testa e as sobrancelhas. Olhos Foram
encontradas, nos nossos dados, três formas de usar os olhos no corpus desta disserta-
ção, que classificamos de acordo com as oposições significativas que encontramos: a)
olhos arregalados, b) olhos fechados e c) direção do olhar. Os olhos arregalados (OA)
servem para indicar surpresa, como marca intensificadora, ou são parte integrante de
um item lexical (função paramétrica) (ARAÚJO, 2013, p. 61).

Por conseguinte, cada sinal traz consigo uma das expressões superiores ou
inferiores, como Araújo denomina:

Como vimos, as expressões faciais inferiores, segundo Wilbur (2000), são aquelas
que definem que as expressões faciais inferiores são aquelas que estão localizadas nas
bochechas, na boca ou na língua, e conforme Brito (1995), são manifestas por exem-
plo na bochecha inflada, sobrancelha franzida (ARAÚJO, 2013, p. 65).

Em alguns casos, alguns surdos demonstram as pistas linguísticas, entretan-


to, isso só é percebido naqueles surdos que foram oralizado, mesmo com o advento
do bilinguismo, muitas escolas ainda continuaram ensinando o surdo “a falar”.
Sendo assim, pensar nas expressões não manuais é evidenciar a estrutura gra-
matical que a língua de sinais possui e, certamente, é contraditóri,o quando perce-
bido que alguns surdos ressaltam a relevância da leitura labial em tempo de pande-
mia da covid-19, pois seria necessário pensar principalmente em estratégias para
que as expressões não manuais tornassem cada vez mais ressaltadas nesse momen-
SUMÁRIO

to em que a OMS traz importância do uso de máscaras pela população mundial.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 36


Recomendação da OMS frente à COVID-19 no uso de máscaras

Desde o surgimento do coronavírus, houve uma crescente ocorrência nos ca-


sos da síndrome respiratória. Surgiram as recomendações de como as pessoas po-
deriam se prevenir, uma delas foi a quarentena. Nesse momento, as pessoas passa-
ram a ficar reclusas nas suas residências para que não houvesse muito contato e isso
despertou vários cuidados com a higiene, em lavar as mãos e utilizar álcool em gel.
Na China, onde foi o epicentro da doença o uso de máscaras passou a ser uma
prática recorrente, até que se tornasse obrigatória, já aqui no Brasil o uso das más-
caras passou a ser recomendado somente para pessoas que tinham o vírus, como
forma de prevenção no quesito de proliferação da doença.
Nos outros países, tais como EUA, Alemanha, França, as recomendações tam-
bém eram seguidas da seguinte maneira. Todavia, com um novo estudo publicado,
as máscaras passaram a ser recomendadas para todas as pessoas com sintomas ou
não. Inclusive, aqui no Brasil, essas recomendações foram aceitas e difundidas por
emissoras de rádios, televisivas e, principalmente, pelas redes sociais, como afirma
Serra e Melo (2020):

Atualmente, recomendação para o uso de máscaras por todas as pessoas, sintomá-


ticas ou não. Contudo, há um apelo das autoridades de saúde brasileiras para que a
população deixe as máscaras cirúrgicas e outras de uso hospitalar apenas para o uso
dos profissionais em saúde e que confeccione, em casa, uma máscara que cubra toda
a região do nariz e da boca (SERRA e MELO, 2020, p. 2)

Umas das formas de divulgação dessas medidas se deu por meio das tecno-
logias. Nesse momento, pessoas que não dominavam as tecnologias passaram a
ter um contato maior e começaram a desenvolver uma interação maior por meio
virtual, já que a população estava em quarentena.

Metodologia

O método utilizado na presente pesquisa é de natureza qualitativa, pois, con-


forme Marconi e Lakatos (2011), o método qualitativo preocupa-se em fazer ana-
lises e interpretações nos aspectos mais profundos, possibilitando a descrição do
SUMÁRIO

comportamento humano. Em consonância com o método qualitativo, o critério

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 37


utilizado na coleta do corpus baseou-se nas reportagens já produzidas através das
emissoras e redes sociais, no qual foram entrevistadas pessoas surdas acerca do uso
das máscaras, em que houve afirmativas acerca da leitura labial como foco efetivo
da comunicação. Também, nessas reportagens, buscamos evidenciar que não foi
citado à importância das expressões não manuais- faciais.
Os procedimentos técnicos utilizados foram dois: o primeiro foi a pesquisa
bibliográfica, pois, conforme Fonseca (2010), usar os recursos bibliográficos são
de extrema relevância devido a fundamentação teórica, assim como o decorrer de
toda pesquisa. O segundo procedimento é o ex-post-facto, “aplica-se quando o pes-
quisador não pode manipular as variáveis seja porque suas manifestações já ocor-
reram” (FONSECA, 2010, p. 71).
Como se trata de entrevistas cedidas aos veículos de imprensa, as notícias
acerca das máscaras já aconteceram. Em visão cronológica, as reportagens aconte-
ceram no ano de 2020, entre os meses de maio a outubro. Convém destacar a rele-
vância em nos atermos às reportagens nas quais os surdos enfatizam a dificuldade
na leitura labial quando estão usando as máscaras. Essa será, de fato, a natureza
cerne desta pesquisa. Como já foi sumariado neste artigo, cada método educacio-
nal foi sendo substituído a cada nova descoberta didática no ensino dos surdos.
Entrementes, buscou-se compreender o porquê, nas reportagens, de os surdos
afirmarem que o uso das máscaras prejudica a leitura labial, sendo que o recurso da
leitura labial foi contemplado no método do oralismo e ojerizado no bilinguismo,
pois se tratava da personificação do sujeito surdo no ouvinte, em outras palavras,
transformar uma pessoa que não fala e não escuta em uma pessoa que fala e escuta.
Vale ressaltar, como aporte do corpus, que o método netnográfico se fez pre-
sente através dos recortes feitos nos sites onde os surdos e a comunidade surda ce-
deram entrevistas. Dessa forma, não foi preciso entrar em contato com os integran-
tes da pesquisa, pois os mesmos já haviam concedido às permissões necessárias na
veiculação das suas imagens.

A escolha do ambiente virtual como um campo de coleta de corpus, dá-se a partir


do momento em que a pesquisa etnográfica ao descrever a cultura dos povos, língua,
raça, religião, hábitos não limita-se apenas geograficamente local, mas leva em consi-
deração que a popularização e o advento das tecnologias de informação e comunica-
ção viabilizam um novo panorama no que tange as relações sociais denominadas de
comunidades virtuais (PEDROSA, 2020, p. 50).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 38


Vale destacar que no ambiente virtual existe o modo público e privado. En-
tretanto, quando se trata de noticias jornalísticas as informações estão a público,
isso quer dizer que qualquer pessoa tem acesso a informação independente da
localização geográfica.

Análises e discussões

Foram selecionadas algumas das reportagens que evidenciam o discurso so-


bre a dificuldade de entender a leitura labial e foram dividas em categorias de efei-
tos de sentido, ou seja, como a conotação apresentada nos discursos é entendida de
fato e como acontece o vilipêndio para com a Libras.
A primeira imagem, mostra uma enfermeira falando sobre a máscara trans-
parente para leitura labial; segunda imagem traz uma narrativa de um entrevistado
acerca da máscara transparente como forma de entendimento da leitura labial; e a
última imagem mostra três pessoas influentes na comunidade que também retra-
tam o uso da máscara transparente para a leitura labial.

Imagem 1- Máscaras transparentes para surdos

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2020/05/13/interna_
cidadesdf,854108/covid-19-voluntarias-confeccionam-mascaras-transparentes-para-surdos.
shtml.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 39


A primeira reportagem, que foi postada no dia 13 de maio de 2020, mostrou
a preocupação com os surdos, colocando como forma principal a leitura a labial.
Para Perlin e Strobel (2008):

A modalidade oralista baseia-se na crença de que é a única forma desejável de comu-


nicação para o sujeito surdo, e a língua de sinais deve ser evitada a todo custo porque
atrapalha o desenvolvimento da oralização, [...]‘o oralismo’ é um dos recursos que usa
o treinamento de fala, leitura labial (PERLIN e STROBEL, 2008, p. 12).

Para as autoras, a leitura labial é um método que foi utilizado durante muito
tempo na filosofia educacional dos surdos denominada de oralismo. Nesse mo-
mento da história da educação de surdos, o conceito de que o surdo se tornasse
um sujeito com características dos ouvintes era primordial, pois a sinalização e as
expressões não manuais/faciais não eram valoradas como item gramatical, impor-
tando-se apenas com a forma o falar. Por isso, trouxe, nessa primeira reportagem,
esse item da leitura labial, dado que, mais uma vez, a comunidade ouvinte ainda
não conseguiu aprender a se comunicar com os surdos, recaindo no erro da leitura
labial.
Ainda nessa primeira reportagem, vale ressaltar que a criação dessa nova pro-
posta vai contra a máscara tradicional, pois no modelo tradicional nariz e boca
ficam totalmente cobertos, fazendo com que não se perceba o que pode estar sen-
do verbalizado. Por essa razão, a criação dessa nova proposta vem elucidar, assim
como facilitar as expressões não manuais localizadas na região da boca ou, até mes-
mo, identificar a prosódia e o morfema que está sendo sinalizado.
Entretanto, a reportagem menciona a seguinte frase “muitos deles dependem
de uma interpretação dos lábios”, ou seja, a necessidade de comunicar, nessa pri-
meira reportagem, está condicionada aos lábios e não à sinalização.
Para Foucault (2014), o discurso carrega uma ideologia política em que a
pessoa acredita e isso é identificado nas ações ou discursos. Sendo assim, pode-
mos presumir que, nessa primeira reportagem, o discurso ideológico está focado
evidentemente no oralismo, pois, em primeiro lugar, mostra-se a preocupação na
leitura labial
Na segunda reportagem, extraída do jornal digital Folha de Pernambuco, a
chamada da notícia “Surdos que leem lábios enfrentam dificuldade por causa das
SUMÁRIO

máscaras”. De forma instantânea, há notoriedade do discurso oralista presente.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 40


Imagem 2- Surdos que leem lábios enfrentam dificuldades

Fonte:https://www.folhape.com.br/NOTICIAS/2190-SURDOS-QUE-LEEM-LABIOS-
ENFRENTAM-DIFICULDADES-POR-CAUSA-MASCARAS/141806/

Nessa segunda noticia, veiculada no dia de 26 de maio de 2020, percebe-se


que a preocupação não está na condição gramatical da língua de sinais, que já foi
postulada neste artigo, a preocupação gira em torno da compreensão no entendi-
mento da pronuncia gesticulatória da boca do emissor para o interlocutor.

Essa técnica de leitura labial: ”ler” a posição dos lábios e captar os movimentos dos
lábios de alguém está falando é só útil quando o interlocutor formula as palavras
de frente com clareza e devagar. (...) a maioria de surdos só conseguem ler 20% da
mensagem através da leitura labial, perdendo a maioria das informações (PERLIN e
STROBEL, 2008, p.14).

Na citação das autoras fica claro que, na modalidade oralista, o importante


era fazer com que o surdo fale, tornando evidente que os surdos conseguem enten-
SUMÁRIO

der 20% da mensagem verbalizada.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 41


A reportagem traz um dado bem especifico no que tange à quantidade de sur-
dos que existem na República Federativa brasileira “No Brasil, existem 10,7 milhões
de pessoas com problemas auditivos, mas apenas 2% tem perda adutiva severa”.
Para afunilar, foi feito o cálculo em cima dessas pessoas que tem perda severa,
chegando a um quantitativo de 214 mil pessoas, pois é por meio delas que podemos
chegar a uma estimativa na usabilidade da língua de sinais, mas é necessário deixar
evidente que, talvez, nem todas usem a língua de sinais, por terem sido alfabetiza-
das no método oralista.
Todavia, mais uma vez a preocupação está em torno da leitura labial invali-
dando constantemente a língua brasileira de sinais em seus aspectos gramaticais,
principalmente quando é mencionado “surdos que leem lábios”. Então, os efeitos de
sentidos aplicados tornariam dizer que esses surdos não utilizam a língua de sinais?
Ou que não fazem parte da comunidade surda? E que a sociedade ainda não con-
seguiu aprender o básico da língua de sinais desde 2006, quando foi promulgada a
lei de Libras?

Imagem 3- Máscaras transparentes para surdos que se comunicam por meio da leitura labial

Fonte:https://www.facebook.com/dradamaresalves/photos/a.302339909973698/12848764083867
05/?type=3

Nessa terceira imagem, temos três autarquias governamentais, da esquerda


para direita: Priscila Gaspar (pessoa surda), que hoje atua como secretária nacional
dos direitos da pessoa com deficiência; no meio, Damares Alves, ocupando o cargo
de ministra da Mulher, da família e dos Direitos Humanos; e na direita, Michelle
SUMÁRIO

Bolsonaro, esposa do atual Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 42


A legenda da foto contém a seguinte informação: “[...] com máscaras transpa-
rentes para surdos que se comunicam por meio da leitura labial”. Interessante notar
que hoje a luta não é pela valorização da Libras, para que as pessoas aprendam a
língua e que seus parâmetros gramaticais/expressões não manuais sejam respeita-
das, e sim pelos surdos que se comunicam por meio da leitura labial.
Interessante observar que, na imagem dessa reportagem, existem duas pes-
soas extremamente engajadas na comunidade surda, além de fluentes na língua de
sinais brasileira, a primeira é a Michele Bolsonaro, esposa do presidente Jair Bol-
sonaro que, no dia da sua posse, em 2019, quebrando os protocolos presidenciais,
fez um discurso totalmente em Libras e não utilizou o método oral, trazendo um
efeito de sentido discursivo contraditório nesse momento em que o mundo passa
por uma pandemia.
A segunda pessoa se trata de Priscila Gaspar. Nos termos clínicos, é uma
pessoa com deficiência auditiva, e em termos socioantropológicos, é uma pessoa
surda, atuando na secretaria nacional dos direitos da pessoa com deficiência. Pris-
cila Gaspar defende o uso da língua de sinais como L1- (como língua materna do
surdo), entretanto, na reportagem, de modo público, em uma rede social, usa uma
máscara transparente na região da boca como forma de evidenciar a leitura labial
como o foco. Este posicionamento ressalta que há uma reversibilidade discursiva
no engajamento de sua luta, pois, como defensora da Libras como L1, o foco se-
ria em evidenciar as expressões não manuais, embora o mundo esteja passando
por este momento difícil de agravamento da covid-19. Este seria o momento, por
exemplo, de propor cursos em EaD para que a população aprendesse a Libras.
Todavia, a partir do momento em que a Priscila Gaspar usa a máscara trans-
parente traz um efeito de sentido contrário a toda a sua luta presente na comuni-
dade surda, mostrando ainda que o importante da língua de sinais é somente a lei-
tura labial, mesmo que isto seja apenas para alguns surdos utilitários desse recurso
oralista.
Souza e Santos (2019, p. 13) explicam que os oralistas, sempre que possível,
suscitam a leitura labial em qualquer espaço, seja ele por meio das tecnologias ou
não, e sempre trazem uma tendência a utilizar as características do oralismo: lei-
tura labial, treinamento auditivo e desenvolvimento da fala, por pensarem que a
Libras se resume apenas na linguagem.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 43


Considerações finais

Pensar em efeitos de sentidos é mostrar como um discurso tem impacto di-


reto na comunidade surda, pois quando as notícias veiculam, trazem um entendi-
mento da relevância a quem está lendo. Por isso, esses efeitos podem afirmar que a
língua de sinais brasileira se resume apenas em um ponto de articulação.
Assim sendo, como curiosidade epistemológica, esse artigo teve como objeti-
vo responder se estamos voltando ao momento em que o oralismo era mais impor-
tante do que a língua de sinais. Como forma de discussões, as notícias foram salutar
para os diálogos com os autores e, principalmente, para discutir como a pandemia
da covid-19 atenua um retrocesso aos parâmetros galgados pela Libras.
Essa terminologia “leitura labial” foi a chamada de muitas notícias acerca do
uso das máscaras e da dificuldade de alguns surdos de querer compreender o que
estava sendo pronunciado, esquecendo-se da língua de sinais, língua que foi fruto
de uma árdua luta da comunidade surda frente a sociedade oralista.
Como Souza e Santos (2019, p. 42) ressaltaram, “A Libras é considerada a
língua natural do surdo brasileiro, com um sistema linguístico legítimo, e seus usu-
ários são capazes de expressar tudo que uma língua oral conseguiria”. Os autores
deixam claro que existem mecanismos de compreensão tácita e clara na língua de
sinais que se equiparam as línguas orais. Hoje, o nosso maior exemplo são as lives
de cantores no Instagram e YouTube, que estão contratando Tradutores e Intérpre-
tes de Libras para a tradução de todo seu repertório, pois uma das maiores dúvidas
sobre a Língua de Sinais é se o que é abstrato é entendido pelo surdo.
Como um dos objetivos deste artigo foi baseado em compreender o porquê
de o povo surdo estar tão preocupado com a leitura labial, chegamos não em uma
conclusão, mas em algumas considerações que geraram dúvidas pertinentes: a ora-
lização ainda prevalece e o incentivo para aprender Libras ficou nesse momento
adormecido? Um fato curioso é que os surdos e pessoas da comunidade surda não
deixaram evidentes que a máscara encobre o morfema boca, que faz parte das ex-
pressões não manuais, morfema que já foi descrito nesta pesquisa.
Além disso, contrapondo o que Strobel (2008, p.105), descreveu “os povos
surdos hoje, mais abertos culturalmente não se submetem mais e gritam alto “chega
de mania de normalização, reabilitação” porque eles estão mais conscientes”.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 44


Vale destacar que existe uma grande maioria de surdos que acham primordial
o uso da leitura labial. Por isso, este artigo tem o viés de argumentar se a língua de
sinais se resume apenas a leitura labial, esquecendo-se das lutas que surgiram para
o uso da mesma como filosofia da educação de surdos.
As lutas hoje giram em torno em que os espaços possam utilizar a língua de
sinais respeitando a cultura e a herança e principalmente na consolidação das ex-
periências visuais denominadas ganhos surdos.

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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 46


DOI: 10.52788/9786589932222.1-3

A (in)efetividade de políticas públicas:


uma análise linguístico-sociodiscursiva
de reivindicações e denúncias dos Surdos
quanto à sua educação1

Cleide Emília Faye Pedrosa


Alzenira Aquino de Oliveira
Juliana Barbosa Alves
Maiane Vasconcelos de Brito

Introdução

Entendemos que os Estudos Surdos (ES) buscam a construção da “experi-


ência da equidade” em diálogo interdisciplinar com vários campos do saber. En-
tre os campos desse diálogo, mencionamos a Análise Crítica do Discurso – ACD
(WODAK; MEYER, 2015); a Luta por Reconhecimento – LR (HONNETH, 2009;
FUHRMANN, 2013), no âmbito da Filosofia Social; e os Direitos Humanos – DH
(MOREIRA; GOMES, 2012). O Povo Surdo é um dos muitos grupos marcados pela
vulnerabilidade, resultante do perfil de uma sociedade desigual.
Assim, abalizar as denúncias e as reivindicações do Povo Surdo em espaços
sociodiscursivos de produções textuais em Língua Portuguesa como segunda lín-
gua (L2)2 torna-se um objetivo que retrata também o compromisso das investiga-
doras, enquanto agentes sociais críticas de realidades sociais inquietantes, ao apre-
sentar novas diagnoses de velhos problemas.

1 Resumo expandido publicado nos Anais do Seminário Latino-Americano de Estudos em Cultura – SEMLACult, v. 3,
2020. ISSN: 2674-5879. Disponível em: https://tupa.claec.org/index.php/semlacult/3/paper/view/2410. Acesso em: 18
fev. 2020.
SUMÁRIO

2 Com bolsa de IC do CNPq.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 47


Por isso que o analista crítico do discurso tem sua leitura social orientada
para a emancipação dos grupos em situação de subalternidade, verificando o en-
torno político e cultural que envolve os sujeitos atingidos.
O desenho deste capítulo se apresenta a partir desta introdução com uma
visão geral do texto e o objetivo central a ser atingido; em seguida, discorreremos
sobre os Estudos Surdos, a Análise Crítica do Discurso, a Luta por Reconhecimen-
to e os Direitos Humanos. Nos Estudos Surdos, focaremos as perspectivas de suas
lutas sociais e o papel da Federação Mundial de Surdos (WFD). Da Análise Crítica
do Discurso, ressaltaremos, além de seu contexto histórico e suas Análises Textual-
mente Orientadas com base na Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)/Gramática
Sistêmico-Funcional (GSF), seus objetivos emancipatórios. Da Luta por Reconhe-
cimento, teoria vinda da Filosofia Social, direcionaremos o olhar para as esferas
do reconhecimento (amor, direito, solidariedade). Dos Direitos Humanos, por sua
vez, traremos a perspectiva intercultural do campo da Sociologia. Em continuida-
de, explicaremos os caminhos metodológicos a partir das concepções aceitas pela
ACD e aplicadas nesta investigação. Seguem, após isso, as análises, que respondem
às categorias sociais, discursivas e linguísticas selecionadas para a leitura crítica
engendrada. Por fim, buscamos refletir, a partir das análises, sobre as denúncias e
as reivindicações do Povo Surdo diante de suas experiências de vida.

Os diálogos interdisciplinares: Estudos Surdos, Análise Crítica


do Discurso, Filosofia Social e Direitos Humanos

A ACD, como paradigma ou escola, apresentou as suas primeiras bases na


década de 80. Foi em 1991, em Amsterdam, que um grupo de estudiosos como
Fairclough, Wodak, Van Dijk, entre outros, começou a propor uma investigação
para a linguagem que se comprometesse com a crítica social.
Assim, essa escola apresenta, em suas pesquisas, objetivos orientados pela
busca da emancipação e pelo empoderamento de grupos vulneráveis. Entre os ob-
jetivos, elencados a partir de Pedro (1998), Van Dijk (2008), Wodak e Meyer (2009)
e Resende (2017), destacamos: analisar, bem como revelar, a função do discurso
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 48


tanto na produção como na reprodução da dominação; cooperar para que ocorra
o empoderamento social de grupos dominados; fazer investigação crítica da de-
sigualdade social cuja legitimação aconteça no discurso; refletir sobre as práticas
emancipatórias e sua influência na mudança social contemporânea; denunciar re-
lações de dominação a fim de agenciar uma sociedade mais igualitária.
Resumidamente, os precursores e pioneiros da ACD propuseram caminhos
diferentes para fazer a leitura crítica da sociedade. Desse modo, temos Van Dijk
com a corrente sociocognitiva, a qual defende que a relação entre a linguagem e
a sociedade ocorre mediada pelo cognitivo. Fairclough propõe a corrente dialé-
tico-relacional, cujo objetivo é, através de uma Análise Textualmente Orientada
(ATDO), baseada na Linguística Sistêmico-Funcional, desenvolvida por Halliday
(2004), apontar a relação entre a linguagem e a sociedade. Já Wodak e Reisigl enca-
minham suas pesquisas para a retomada histórica do evento discursivo em análise,
desenvolvendo a corrente histórico-discursiva (WODAK; MEYER, 2015).
Esses caminhos são validados devido às múltiplas raízes que fundamentam
pesquisas em ACD, como a Linguística de Texto, a Linguística Aplicada, a Lin-
guística Sistêmico-Funcional; a Linguística, a Sociolinguística, a Pragmática, a An-
tropologia, a Filosofia, a Psicologia Social, a Ciência Cognitiva, entre outras áreas
do conhecimento. Por interesse da pesquisa, abordaremos a Linguística Sistêmico-
-Funcional/Gramática Sistêmico-Funcional mais adiante.
Da Filosofia Social, trazemos o autor Honneth (2009), através de sua obra
Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, a fim de, neste
capítulo, estabelecer o diálogo com a ACD. Na proposta da Luta por Reconheci-
mento, o filósofo e sociólogo da terceira geração da Escola de Frankfurt defende a
tese de que nossa intersubjetividade se manifesta, quando desrespeitada, em três
esferas: do amor, do direito e da solidariedade. A seguir, temos uma representação
das formas de reconhecimento:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 49


Ilustração 1 – Estrutura das formas de reconhecimento (HONNETH, 2009)

Fonte: Alves e Pedrosa (2020, p. 223).

A partir da ilustração acima, e considerando a tese de Honneth (2009) de que


essa Luta por Reconhecimento (LR) surge como resposta ao desrespeito (Maus-
-tratos e violação; Privação de direitos e exclusão; Degradação e ofensa) sofrido
pelo sujeito, logo ele lutará para ser reconhecido por seus pares. Ao alcançar o re-
conhecimento na esfera emotiva (do amor), o sujeito desenvolve a autoconfiança;
na esfera jurídica (do direito), o sujeito alcança o autorrespeito; já na esfera estima
social3 (da relação solidária), o sujeito obtém a autoestima.
Vejamos como o posicionamento crítico da ACD e da LR se fundamenta na
mesma fonte, pois ambos recebem influência da Escola de Frankfurt. Uma teoria
social crítica, segundo Wodak e Meyer (2009, p. 6)4, “deve ser orientada para cri-
ticar e mudar a sociedade como um todo, em contraste com a teoria tradicional
orientada apenas para a compreensão ou explicação”. Em seguida, os autores espe-
cificam alguns conceitos de compreensão da Teoria Crítica: esta deve considerar a
especificidade histórica da sociedade e deve, também, otimizar a compreensão da

3 Neste capítulo, a lexia “estima social” tem uso a partir da LSF e da LR. A estima social, na GSF, diz respeito a um julga-
mento ético sem implicações legais (ALMEIDA, 2010). Do mesmo modo, para a LR (HONNETH, 2009), na gramática
moral dos conflitos sociais, a estima social corresponde ao julgamento baseado em valores culturalmente definidos.
Destarte, sempre quando for usada relacionada à LR, utilizaremos o autor da teoria, Honneth (2009).
4 No original: “should be oriented towards critiquing and changing society, in contrast to traditional theory oriented
solely to understanding or explaining it”. “Critical theory should be directed at the totality of society in its historical
specificity”. “Critical theory should improve the understanding of society by integrating all the major social sciences,
including economics, sociology, history, political science, anthropology and psychology”. Agradecimentos a Iris Santos
SUMÁRIO

e Josefa Rodrigues, membros de nosso grupo de pesquisa, pela tradução.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 50


sociedade, incluindo todas as ciências sociais, além da sociologia, história, ciência
política, antropologia e psicologia, entre outras.
Como defendem os autores, a Teoria Crítica apresenta grande contribuição
para a ACD e para o entendimento do uso dos conceitos de “crítica” e “ideologia”.
Faz parte do posicionamento da ACD a necessidade de investir em diálogos inter-
disciplinares a fim de buscar um adequado entendimento do funcionamento da
linguagem, tanto na constituição como na transmissão de conhecimento, e, indo
mais além, o interesse em verificar como são constituídos as instituições sociais e
o exercício de poder em determinada sociedade (WODAK; MEYER, 2009). Por
essas e outras razões, os investigadores em ACD necessitam ter consciência de seu
papel ao desenvolverem trabalhos acadêmicos direcionados para a leitura crítica
do social, isto é, se nomearem “críticos”.
Tornar-se um investigador crítico, de nosso ponto de vista, é, sobretudo, lu-
tar pelos Direitos Humanos de grupos subalternos. No dizer de Santos (2010a, p.
441), é necessário haver uma “reconstrução intercultural dos direitos humanos”, ou
seja, os Direitos Humanos precisam ser recontextualizados para uma perspectiva
intercultural com o fito de evitar o choque das civilizações, garantindo uma visão
universal desses direitos. Para o autor, é tempo de admitirmos, de fato, uma diver-
sidade cultural, a exemplo das culturas dos ouvintes e dos Surdos.
A predominância de pessoas que ouvem em todos os países baliza o lugar de
direitos de uma representação do ouvinte – ouvintismo – numa posição de supe-
rioridade e de poder diante do "não ouvinte". Assinalamos propositalmente o sema
negativo de "não ouvinte" para ressaltar o "não lugar" dos Surdos na língua, na cul-
tura e na sociedade, constituída esta, majoritariamente, por ouvintes.
Em consequência dessas sequelas sociais é que os Surdos formam um grupo
caracterizado pela vulnerabilidade. Questões primárias como o direito linguístico e
o direito cultural definiram e ainda definem sua luta, indicando um povo que pre-
cisa ser respeitado quanto ao uso de sua língua minoritária de cunho viso-espacial,
um povo que enfrenta barreira comunicativa dentro de sua própria pátria.
Nesse sentido, Klein (2005) expõe que os movimentos Surdos se fundamen-
tam em uma política de resistência, com o objetivo de enfrentamento às práticas
ouvintistas que ocuparam e ocupam espaços educacionais, sociais e culturais. Esses
movimentos atuam em defesa da língua e das identidades Surdas, contudo não
de forma restritiva, considerando que as questões se expandem para atender de-
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 51


mandas locais, nacionais e internacionais. A exemplo do resultado de suas lutas
internacionais, surge a Federação Mundial de Surdos (Word Federation of the Deaf
– WFD), com sede na Finlândia.
Atualmente, a WFD, criada na cidade de Roma (Itália), em 23 de setembro
de 1951, apresenta em seu site o acesso a mais de cem (100) idiomas (escritos)5.
Cinco continentes, representados por 125 países, fazem parte da WFD. A Federa-
ção representa mais de 70 milhões de Surdos e mais de 200 línguas de sinais. Ela
surge porque reconhece as barreiras que os Surdos precisam enfrentar diariamente
e se coloca politicamente quando defende que os Surdos precisam participar das
decisões políticas que os afetam. Dessa forma, “seu amplo conhecimento sobre a
situação dos Surdos os torna um parceiro valioso para promover os direitos huma-
nos dos Surdos por meio dos direitos da língua de sinais em todo o mundo”6.
Destacamos que a WFD participa ativamente da Agenda 2030 da ONU, ado-
tada desde 2015. Devido ao total envolvimento da Federação nessa Agenda, há “11
referências diretas a pessoas com deficiência, incluindo as pessoas surdas”7. Entre
as referências, ressaltamos o que consta no objetivo 4, a saber, “assegurar a educa-
ção inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendiza-
gem ao longo da vida para todos”. Mais especificamente, vejamos o objetivo 4.5:

Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de


acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulnerá-
veis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação
de vulnerabilidade8.

O objetivo 4.5 apresenta metas que devemos perseguir, como a de garantia de


acesso tanto à educação quanto à formação profissional para os grupos vulneráveis
e, entre esses grupos, enfatizamos o Povo Surdo. Esse objetivo valida o que estamos
propondo neste capítulo, o objetivo de abalizar as denúncias e as reivindicações do
Povo Surdo em espaços sociodiscursivos de produções textuais em Língua Portugue-
sa como L2. Esses espaços sociodiscursivos se referem às produções textuais dos Sur-
dos candidatos ao curso de Letras Libras da Universidade Federal de Sergipe – UFS.
5 WORLD FEDERATION OF THE DEAF. Our mission, our values, our people. 2016. Disponível em: <https://wfdeaf.
org/who-we-are/our-story/>. Acesso em: 10 mar. 2021.
6 WORLD FEDERATION OF THE DEAF. Our mission, our values, our people. 2016. Disponível em: <https://wfdeaf.
org/who-we-are/our-story/>. Acesso em: 10 mar. 2021.
7 Idem.
8 ITAMARATY. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. s/d. Disponível
SUMÁRIO

em: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/Agenda2030-completo-site.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 52


Caminho metodológico

Por se tratar de uma pesquisa que baseia suas análises entre o linguístico e o
social, os fragmentos textuais/discursivos foram analisados segundo a metodolo-
gia proposta pela ACD, qual seja, uma metodologia qualitativo-interpretativista. O
cunho qualitativo dá conta dos fatos do mundo social, e a parte interpretativista,
das ações sociais dos sujeitos da pesquisa (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE,
2017).
Com isso, a ACD busca, em suas análises, expor práticas naturalizadas de po-
der presentes nos textos, “que privilegia certos grupos e indivíduos em detrimento
de outros, por meio de formas institucionalizadas de ver e avaliar o mundo (ide-
ologias) ou preservação de poderes (hegemonia) de grupos dominantes” (MELO,
2011, p. 1340). Com base nessas diretrizes, lançaremos nosso olhar sobre o corpus.
Com a finalidade de alcançar o objetivo proposto (abalizar as denúncias e as
reivindicações do Povo Surdo em espaços sociodiscursivos de produções textu-
ais em Língua Portuguesa como L2), coletamos vinte (20) redações de candidatos
Surdos que fizeram o vestibular especial para entrada no curso de Letras Libras
da Universidade Federal de Sergipe9 entre os anos 2018-2020 e selecionamos os
fragmentos textuais/discursivos que contemplaram as temáticas de reivindicações
e denúncias. Utilizaremos um código que identifica a coleta, sendo que LL indica
Letras Libras; UFS, a Universidade Federal de Sergipe, e como complemento o ano
de produção do texto, exemplo: 08-LL-UFS/2020.
Escolhemos o Sistema de Avaliatividade e o seu subsistema de Atitude para
indicar quais recursos léxico-gramaticais são recorrentes e caracterizam as temáti-
cas de denúncia e reivindicação evidenciadas no objetivo que desejamos alcançar
com o estudo. No entanto, enfatizamos que o uso do subsistema de Atitude da GSF
será tão somente para indicar a leitura discursiva e social que faremos dos discur-
sos escolhidos.
É inegável a influência do paradigma funcionalista em várias teorias linguísti-
cas na atualidade, entre elas a Linguística Sistêmico-Funcional. Esse paradigma de-
fende que a aceitabilidade e a gramaticalidade estariam no mesmo nível (EGGINS,
2002). A Linguística, segundo essa proposta, trabalha com funções.

9 Considerando que os textos foram produzidos para o vestibular, e não para este projeto, não se fez necessária a au-
torização do Conselho de Ética. E, para reforçar o anonimato, os fragmentos textuais foram utilizados sem identificar o
SUMÁRIO

número de inscrição dos candidatos.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 53


Essa Linguística trabalha com categorias macro e micro. Quando trabalha-
mos com categorias de análise mais específicas, costumamos nos referir à Gramá-
tica Sistêmico-Funcional (GSF); por sua vez, quando lidamos com macrofunções,
nos referimos à LSF. No entanto, vale ressaltar que quem trabalha com a LSF e a
GSF, muitas vezes usa os termos de forma intercambiável.
Vejamos como Gouveia (2009, p. 17) explica as metafunções/macrofunções:

Na literatura da LSF, estas funções da linguagem são referidas como metafunções, em


razão de dois aspectos fundamentais: por um lado, por ser tido em consideração o
seu carácter geral e o seu pendor abstracto, por oposição às funções que as unidades
dos sistemas linguísticos particulares realizam em estruturas particulares, e, por ou-
tro, porque a funcionalidade é intrínseca à linguagem.

De acordo com a concepção de Halliday (2004), as metafunções são: idea-


cional (experiência do mundo), interpessoal (interação entre falante e ouvinte ou
audiência) e textual (estrutura da informação).
No viés desta pesquisa, o foco será os aspectos avaliativos das produções es-
critas por candidatos Surdos no vestibular para o curso de Letras Libras da UFS.
Desse modo, especificamente, faremos uso da metafunção interpessoal. A avaliati-
vidade (appraisal) responde ao modo como utentes de uma língua, a partir de seus
conhecimentos linguísticos e respeitando, obviamente, os contextos de cultura e
situação, fazem uso dos recursos dessa língua (mesmo uma L2) para emitir avalia-
ção (MARTIN; WHITE, 2005).
O Sistema de Avaliatividade apresenta três subsistemas, são eles: atitude, gra-
dação e engajamento. Desses, priorizaremos a atitude, representado no esquema a
seguir:

Esquema 01 – Sistema de Avaliatividade


SUMÁRIO

Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Almeida (2010).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 54


O Sistema de Avaliatividade subdivide-se em três subsistemas: Atitude, gra-
dação e engajamento. Desses, priorizaremos o de Atitude. Os três tipos principais
de Atitude são: afeto (emoção) – responsável pela expressão de sentimentos e emo-
ções; julgamentos (ética) – categorização usada pela avaliação de pessoas; e apre-
ciação (estética) – classificação para indicar avaliação de coisas (ALMEIDA, 2010;
VIAN JR., 2010). Abaixo, ilustração do subsistema de Atitude.

Ilustração 2 – Subsistema de Atitude

Fonte: Elaborada pelas autoras com base em Almeida (2010).

O subsistema de Atitude é definido por Vian Jr. (2010) como um sistema da


semântica-discursiva, realizado léxico-gramaticalmente por meio de diferentes es-
truturas gramaticais, sendo possível, portanto, categorizar as avaliações positivas e
negativas por meio das emoções, da ética e da estética. A avaliação pode ser implí-
cita, sujeita à interpretação; ou explícita, quando é materializada no discurso por
meio de recursos léxico-gramaticais instanciados nos campos semântico-discursi-
vos de categorias da Atitude.
Arrematando esse tópico, julgamos pertinente apontar a visão englobante
que Halliday (2004, p. F55) tinha sobre sua proposta, indicamos algumas: entender
por que um texto significa o que significa e também compreender porque é valo-
rado como tal; como a linguagem varia devido ao usuário e às funções que atende;
a relação que há entre língua e contextos (cultura e situação); “a língua de sinais
dos surdos” (grifo nosso). Como se pode verificar, Halliday englobou os estudos da
língua de sinais em sua proposta de gramática descritiva.
Por fim, ressaltamos que utilizaremos as categorias afeto, julgamento e apre-
ciação para proceder a uma reflexão discursivo-social, logo os aspectos linguísticos
nos servirão para tal proposta e não como um fim em si mesmos.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 55


Análise crítica dos discursos de reivindicações e denúncias dos
Surdos quanto à sua educação formal

Ancoradas nos aportes teóricos Estudos Surdos, Análise Crítica do Discurso,


Filosofia Social, Direitos Humanos e Gramática Sistêmico-Funcional/Linguística
Sistêmico-Funcional e seguindo a metodologia qualitativo-interpretativa, selecio-
namos discursos de reivindicação e de denúncia contidos em redações de candida-
tos Surdos para análises e reflexões.

Discursos de reivindicação

Tendo em vista a história de denegação que os Surdos vivenciaram, eles apren-


deram, com o tempo e suas experiências sofridas, que reivindicar era necessário.
A partir desses fenômenos de reivindicação de grupos subalternos, o antropólogo
Ortúzar (2016) destaca que é necessário que a ordem social se centralize em seus
‘fracos’; se isso não acontece, os próprios grupos de oprimidos o fazem.
Desse modo foi que, segundo Garé (2016), os Surdos se mobilizaram e opera-
cionalizaram seus movimentos reivindicatórios, refletindo em sua conscientização
cidadã. A autora historiciza que desde 1979 o Brasil acompanha essas manifesta-
ções dos Surdos, mudando historicamente o curso de sua coletividade ao requerer
seus direitos. Após uma década, os grupos adquiriram um fortalecimento melhor,
organizando a base para diálogos com o Estado na década posterior (1990). Veja-
mos:

16-LL-UFS/2019 “Os surdos não falam e não entender, só falar o mão de ‘Li-
bras’, principalmente precisar um intérprete para ajudar com surdos, é muito
importante tradutor de interprete de linguagem de sinais própria cultura sur-
da”.

08-LL-UFS/2020 “Hoje Brasil ainda o pouco problema e porque precisar to-


dos os estados em escola bílingue para surdos, também surdos sempre lutar
querem um bilíngue”.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 56


No exemplo 16-LL-UFS/2019, evidencia-se o afeto como recurso semântico
que foi usado pelo produtor textual para materializar linguisticamente suas emo-
ções. Há expressões de como ele manifesta seus sentimentos em relação à falta de
Libras na escola, já que ele “só falar o mão”. Também se evidenciam seus sentimen-
tos negativos por não poder contar com intérpretes (“precisar um intérprete para
ajudar com surdos”). Destaca-se também o afeto como processo de uma atividade
mental (MARTIN; WHITE, 2005) quando o produtor do texto escreve que os Sur-
dos “não entender”.
O afeto pode se manifestar em felicidade/infelicidade; segurança/inseguran-
ça; satisfação/insatisfação (ALMEIDA, 2010). No excerto, observamos o sentimen-
to de infelicidade do Surdo ao expressar a incompreensão dos seus pares acerca da
particularidade linguística (“Os surdos não falam e não entender, só falar o mão de
‘Libras’”), e isso se reflete no bem-estar social dele, gerando uma insegurança (“não
entender”). Para além dos sentimentos de infelicidade e insegurança, percebemos
um sujeito surdo consciente dos seus direitos (“é muito importante tradutor de
interprete de linguagem de sinais própria cultura surda”), reivindicando pela sua
causa, o que é observado no exemplo acima através do sentimento de insatisfação
(“principalmente precisar um intérprete para ajudar com surdos”), tendo em vista
que “essas emoções lidam com o sentimento de alcance ou frustração em relação
às atividades em que está engajado” (ALMEIDA, 2010, p. 105), no caso em tela, a
causa surda.
Quanto ao recorte 08-LL-UFS/2020, podemos registrar que o produtor textu-
al começa com o subsistema de apreciação e uma gradação em relação à avaliação
negativa (“pouco problema”) no tocante à oferta de uma educação bilíngue para os
Surdos.
Na apreciação, temos uma subdivisão em três tópicos: reação, composição e
valoração. Observamos uma reação do produtor textual diante da apreciação ne-
gativa quanto à falta de uma educação bilíngue no Brasil (“surdos sempre lutar
querem um bilíngue”). Para o produtor textual, o Brasil precisa evoluir no que diz
respeito à efetividade do direito a uma educação bilíngue para Surdos (“Hoje Brasil
ainda o pouco”; “precisar todos os estados em escola bílingue”), notado, no exem-
plo, pelo sentimento concernente à forma como esse direito é arquitetado (compo-
sição).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 57


Por meio dos direitos garantidos, são possíveis a construção e a preservação
de identidades (MOREIRA; GOMES, 2012), o que gera um sentimento de pertença
e de direitos reconhecidos (HONNETH, 2009), tendo em vista que “o sujeito surdo
nas suas múltiplas identidades sempre está em situação de necessidade diante da
identidade surda” (PERLIN, 2016, p. 54).
Percebemos nos discursos de reivindicação a consciência dos sujeitos Surdos
quanto à sua cultura (“linguagem de sinais própria cultura surda; escola bílingue
para surdos”) e sua língua (“só falar o mão de ‘Libras’”). Esse é um sinal de mudança
social e cultural vivenciada pela comunidade surda, que já registrou em sua histó-
ria a proibição do uso de sua língua, determinada pelo Congresso de Milão, e uma
educação voltada para a reabilitação (SOFIATO; CARVALHO; COELHO, 2021).
Sobre essa temática temos ainda os posicionamentos de Lima e Pedrosa (2020) de
que os Surdos, à semelhança de outros grupos subalternos, alcançaram alguns di-
reitos prometidos em Leis e Decretos, porém negados na prática.
No campo da Filosofia Social, entendemos que através dos modos de reco-
nhecimento – Dedicação emotiva (amor), Respeito cognitivo (direito) e Estima so-
cial (solidariedade) (HONNETH, 2009) – a comunidade surda poderá consolidar
as mudanças sociais e culturais conquistadas por meio de lutas e, assim, vislumbrar
equidade de direitos.

Discursos de denúncia

Podemos observar, nos discursos dos Surdos, a consciência da comunidade


surda por seus direitos enquanto cidadãos, objetivo caro à ACD – conscientizar
grupos subalternos. Através de sua história cultural (STROBEL, 2009), o surdo foi
capaz de se ver de forma diferente da que sempre lhe foi imposta, isto é, a visão do
surdo como deficiente, assim esse sujeito pode construir uma identidade de resis-
tência (PERLIN, 2016).
Percebemos que a comunidade surda está mais consciente e ciente de seus
direitos e se engaja na Luta por Reconhecimento (HONNETH, 2009) de suas par-
ticularidades, trazendo isso para os seus discursos de denúncias, como uma forma
de resistência pela opressão da cultura dominante, a ouvinte, como mostraremos a
SUMÁRIO

seguir.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 58


03-LL-UFS/2018 “faltar Libras videos e interpretar ajuda sala só surdos (as)
[...] como passado surdos ter muito cobrar falta video Libras bom ufa lutar
coisa”.

10-LL-UFS/2020 “Crianças surdos não conseguir aprender, porque professo-


res é ouvir não saber nada Libras, ela ensinar só falar muito, Alunos surdos
não entender nada, sala aula não ter interpretes de Libras”.

Em uma análise textualmente orientada, notamos no recorte 03-LL-U-


FS/2018, além da apreciação negativa das instituições, representada por meio de
uma reação à falta de acesso à sua língua, a Libras (“faltar Libras videos e interpre-
tar”), percebemos o sentimento de insatisfação (afeto) (“muito cobrar”) que levou o
sujeito a “lutar” pela causa na qual está engajado, o acesso à Libras e seus intérpretes
em sala de aula. A expressão de afeto (“bom ufa lutar”) tem o sentimento de reco-
nhecimento através de suas lutas e a esperança de mudanças culturais e sociais que
levem à valorização de suas identidades e sua cultura.
No exemplo 10-LL-UFS/2020, observamos o julgamento por falta de interesse
ou empatia. A atitude de julgamento divide-se em dois sentimentos: “o julgamen-
to da estima social envolve admiração e crítica sem implicações legais, enquanto
que o de sanção social implica elogio e condenação, geralmente, com complicações
legais” (ALMEIDA, 2010, p. 106). Percebemos o julgamento por estima social im-
plicando uma crítica aos professores (“não saber nada Libras”; “ela ensinar só falar
muito”), o que gera um sentimento de insegurança (afeto) quanto ao futuro das
crianças surdas (“não conseguir aprender”; “não entender nada”), além de uma
apreciação negativa (“sala aula não ter interpretes de Libras”) por composição, ou
seja, relacionados à organização e à elaboração da efetividade do direito a intérpre-
tes em sala de aula.
A privação de direitos é uma realidade enfrentada pelo Povo Surdo há muito
tempo (“faltar Libras vídeos”; “professores é ouvir não saber nada Libras”; “Alunos
surdos não entender nada”). Essa realidade é manifestada em seus discursos, neste
caso em uma redação, espaço de que o sujeito surdo se apropriou para denunciar e
reivindicar os seus direitos, espaço utilizado para buscar reconhecimento (HON-
NETH, 2009) enquanto sujeito de direito.
Segundo Francesco Capotorti, antigo Relator Especial das Nações Unidas,
um grupo minoritário tem características “linguísticas diferentes das do resto da
população e demonstram, pelo menos de maneira implícita, um sentido de soli-
SUMÁRIO

dariedade, dirigido à preservação da sua cultura, das suas tradições, religião ou

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 59


língua” (CAPOTORTI apud MOREIRA; GOMES, 2012, p. 471, grifo nosso).
O Povo Surdo, hoje muito mais consciente dos seus direitos (“como passado
surdos ter muito cobrar”), utiliza espaços discursivos para expressar sua luta por
direitos (“cobrar falta”; “lutar coisa”), e não só isso – busca a conscientização dos
seus pares e clama à comunidade ouvinte por solidariedade em suas relações so-
ciais (HONNETH, 2009). Presenciamos, nesses discursos, um chamamento para
uma relação solidária entre minorias (comunidade surda) e maioria (comunidade
ouvinte), uma pauta cara à ACD, que “analisa a vida social em perspectivas discur-
sivas a partir de uma base comprometida com um conjunto de valores que prezam
a igualdade social, a justiça social e a democracia” (LIRA; ALVES, 2018, p. 113).
A Libras, língua natural dos Surdos brasileiros (GESSER, 2009), teve seu reco-
nhecimento em 2002 através da Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002). Diante do histórico
de opressão e direitos denegados, “o reconhecimento da Libras foi uma vitória para
a comunidade surda e para sua história cultural, social e educacional” (ALVES;
PEDROSA, 2020, p. 230). Portanto, como rege a Declaração Universal dos Direitos
Linguísticos10, a comunidade surda, como grupo linguístico, tem “o direito ao en-
sino da própria língua e da própria cultura; o direito a dispor de serviços culturais;
o direito a uma presença equitativa da língua e da cultura do grupo nos meios de
comunicação” (UNESCO, s/d), status não conferido à comunidade surda, como
constatamos por meio da categoria dos discursos de denúncia.

Considerações finais

Os resultados identificados através das temáticas reivindicações e denúncias


dos Surdos em suas produções em LP impactam diretamente na busca por políticas
públicas que ofereçam uma educação equitativa para eles, como resposta à sua luta
por uma aprendizagem cidadã no contexto da cidadania-humanização. O chama-
mento é para que nós ouvintes nos somemos a essa aprendizagem e procuremos a
seguridade e os direitos de todos os cidadãos (SANTOS, 2010a,b; 2020), pois “os
direitos dos cidadãos não estarão assegurados” enquanto outros cidadãos continu-
arem sendo denegados (SANTOS, 2010b, p. 48).

10 UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. 1996. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/
SUMÁRIO

deconu/a_pdf/dec_universal_direitos_linguisticos.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2020.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 60


Cada vez mais encontramos apoio teórico nas obras publicadas por pen-
sadores e pesquisadores críticos e reflexivos que investem em estudos de cunho
acadêmico, dentre os quais destacamos Sofiato, Carvalho e Coelho (2021); Lima
e Pedrosa (2020); Santos (2010a) e Honneth (2009). Tais autores foram evidencia-
dos, neste trabalho, por utilizarem abordagens e leituras críticas sobre a situação
vivenciada pelos grupos minoritários que compõem nossa sociedade e por, muitas
vezes, serem oprimidos e vitimizados por práticas excludentes e discriminatórias
(SANTOS, 2010a), o que acaba os tornando invisíveis.
No tocante aos direitos linguísticos das pessoas surdas, identificamos em seus
discursos a Luta por Reconhecimento como uma constante, como em “precisar
todos os estados em escola bilíngue para surdos, também surdos sempre lutar que-
rem um bilíngue”. Mesmo com muitas adversidades, demonstraram sua capacidade
de expressão na segunda língua quando escreveram em uma prova de redação em
Língua Portuguesa (LP) suas reinvindicações e denúncias, o que revela que, quan-
do tem oportunidade de visibilidade, o Povo Surdo reclama seus direitos garanti-
dos pelas leis, não obstante negados na prática efetiva das políticas públicas.
Por fim, com a análise da materialidade linguística, por meio das contribui-
ções da Gramática Sistêmico-Funcional (MARTIN; WHITE, 2005; ALMEIDA,
2010), percebemos e entendemos que as atitudes (afeto; julgamento; apreciação)
são externadas no discurso em uso até quando o registro é feito na L2 dos atores
envolvidos. Nesta pesquisa, as emoções identificadas através dos discursos de de-
núncia e reinvindicação remetem ao desrespeito, à dificuldade, à negação de direi-
tos, à falta de acesso e à ausência de reconhecimento.
Tal constatação nos encoraja a continuar nossos estudos e pesquisas emba-
sados nos pressupostos da Análise Crítica do Discurso e nos Estudos Surdos, na
medida em que dessa forma contribuímos com o reconhecimento do Povo Surdo
(HONNETH, 2009), compreendendo que todas as lutas por equidade devem ser
pautadas pelo fundamento do reconhecimento da diferença (SANTOS, 2010a).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 61


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DOI: 10.52788/9786589932222.1-4

Pequeno glossário bilíngue de animais


em Libras/ELiS – Português

Leandro Andrade Fernandes

Considerações iniciais

Os dicionários e, por extensão, os glossários, são obras lexicográficas que


objetivam o registro e a descrição do léxico de uma língua. Isso posto, autores como
Al-Kasimi (1977), Biderman (1984), Béjoint (2000), Welker (2004), dentre outros,
discorrem sobre as diferentes tipologias dos dicionários. A respeito dessa temática,
Biderman (1984, pp. 11-16) distingue as obras dicionarísticas em “1) dicionários
padrões ou dicionários de uso da língua; 2) dicionário ideológico; 3) dicionário
histórico; 4) dicionário especial; 5) dicionário inverso”, acrescentamos aqui os di-
cionários pedagógicos e escolares. Nesse mesmo caminho, Krieger (2006) aponta
que:

Diante da amplitude do tema, privilegiamos alguns aspectos do universo da prática


e da metodologia referentes à produção de dicionários que, longe de ser uniforme,
apresenta uma grande variedade tipológica – dicionário monolíngüe, bilíngüe, dicio-
nário geral, tipo thesaurus, tipo padrão, de usos, minidicionário, dicionário escolar,
– entre tantas outras possibilidades (KRIEGER, 2006, p. 143).

Contudo, conforme salienta Béjoint (2000, p. 32) “é impossível classificar di-


cionários de uma maneira que seja ao mesmo tempo bem ordenada e aplicável a to-
das as sociedades”, pois uma mesma estrutura pode não funcionar para diferentes
línguas e culturas. Até o presente momento, não temos em sociedade dicionários
monolíngues em Libras, mas sim obras bilíngues em Libras e seus equivalentes
em língua portuguesa. Esse fato é justificado, já que a lei 10.436 e o decreto 5.626
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viabilizam o direito dos surdos de se expressarem em sua própria língua, mas esta
mesma lei e decreto declaram a obrigatoriedade do aprendizado pelos mesmos da
língua portuguesa em sua modalidade escrita, deixando óbvio a superioridade da
língua portuguesa sobre a Libras.
Isso posto, as obras em Libras presentes em nossa sociedade são, em sua
maioria, dicionários gerais da língua, pois abarcam não apenas o léxico geral –
definido por Pavel e Nolet (2002, p. 124), como o “sistema de comunicação oral e
escrita de uso cotidiano e geral em uma comunidade linguística”, mas também os
termos técnicos-científicos – marcados por Krieger (2014, p. 327) como aqueles
“[...] relacionados a universos de saber especializado, sendo nódulos cognitivos es-
senciais das linguagens profissionais”. Os demais trabalhos intitulados glossários,
conforme excerto anterior, descrevem uma parcela do léxico, ou seja, específicos de
uma área do conhecimento. Em geral, as pesquisas oriundas de teses e dissertações
relacionadas à compilação do léxico da Libras são destinadas aos estudos termino-
lógicos, ou seja, objetivam a criação de glossários, realizando, assim, um recorte do
léxico, em geral de uma mesma área da ciência. Assim, é evidente, nas atuais obras
e pesquisas, o quanto a língua portuguesa se sobressai em relação à Libras, uma vez
que, de forma geral, a ordem alfabética, a paráfrase definidora e demais enunciados
referentes ao lema-entrada estão dispostas em língua portuguesa.
Destarte, entendemos a importância da presença da língua portuguesa no pro-
cesso de ensino-aprendizagem dos indivíduos surdos, mas defendemos a possibili-
dade da representação do léxico da Libras e da organização dos verbetes de modo a
proporcionar o status que a Libras merece, conforme aponta Fernandes (2018):

É comum em dicionários de LS a sua organização em ordem alfabética, que leva em


consideração elementos ortográficos das línguas LOs. Até o presente momento, não
há no mercado um dicionário de Libras que considere a organização do léxico da
Libras por seus elementos fonológicos. (FERNANDES, 2018, p. 74).

O desejo em dar à escrita de sinais o destaque merecido origina-se em 2018,


com a dissertação Bases linguísticas e lexicográficas para a construção de um glossá-
rio bilíngue em Libras-ELiS/Português e Português/Libras-ELiS. Naquele momento,
estabelecemos uma ficha lexicográfica para a elaboração de verbetes em Libras que
levasse em consideração a Libras em sua modalidade escrita pelo sistema ELiS.
Atualmente, intentamos, em pesquisa de doutorado, a criação de um dicionário
infantil bilíngue em Libras/ELiS.
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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 66


À vista disso, este trabalho tem como objetivo apresentar um pequeno glos-
sário relacionado aos animais. Para tanto, intentamos representar a Libras em sua
modalidade escrita, servindo-nos da escrita das línguas de sinais ELiS. Assim, le-
gitimamos não apenas a Libras como um sistema linguístico, mas também um re-
curso inerente a inúmeras línguas, sendo este a escrita, de modo a salientar sua
representação gráfica em um repertório lexicográfico que objetiva o registro e a
descrição da língua alvo, proporcionando a supramencionada língua o destaque
merecido em instrumentos lexicográficos.

A representação do léxico em obras lexicográficas

Bezerra (2004) aponta que o conjunto de palavras de uma língua é denomi-


nado como léxico, integrando, assim, tanto unidades do léxico comum quanto o de
especialidade. É a partir do léxico que denominamos e categorizamos os elemen-
tos da realidade que nos cerca. Essa denominação está estritamente relacionada
à cultura, pois, conforme alude Câmara Junior (1995), a função da língua e, por
extensão, de seu léxico, é expressar a cultura, permitindo, assim, as relações sociais.
Com a necessidade de registrar o léxico, surgem os repertórios lexicográficos como
as listas de palavras, os vocabulários, os glossários e os dicionário. Interessante ob-
servar que cada obra deve ser organizada levando em consideração seu objetivo e
seu público alvo. A Lexicografia, ciência que tem como escopo a criação de dicio-
nários, é uma prática antiga. No entanto, conforme denota Biderman (2001, p. 17),
“a Lexicografia só começou, de fato, nos séculos XVI e XVII com a elaboração dos
primeiros dicionários monolíngues e bilíngues (latim e uma língua moderna)”, ou
seja, inicialmente o objetivo de registro, descrição e tradução de unidades lexicais
de uma língua ou de mais de uma língua tinha o propósito de catequização, de
modo a proporcionar a codificação e a decodificação correta das passagens religio-
sas. Com o passar do tempo, a prática de registro do léxico torna-se uma ciência,
que vai além de seus objetivos iniciais, como evidencia Rey (1977):

É então a necessidade de preservar o uso ameaçado das línguas mortas e de facilitar a


aquisição das línguas vivas que determinou a elaboração de verdadeiros dicionários
bilíngues. Do mesmo modo, a preocupação de preservar o tesouro do passado da
língua ou de fazer prevalecer um “bom uso” sobre todos os outros possíveis levou ao
surgimento dos dicionários unilíngues (REY, 1977, p. 21).
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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 67


Logo, os dicionários passaram a ser a obra mais representativa do léxico de
uma língua e, por conseguinte, diversas línguas utilizam este recurso, seja para a
descrição de uma língua ou de mais de uma língua. Com as línguas de sinais não
é diferente, desde o início, listas, vocabulários, glossários e dicionários estão sen-
do elaborados. Contudo, diferentemente das línguas orais, as línguas de sinais, em
particular a Libras, não possuem uma escrita regulamentada por lei, por conse-
guinte, geralmente os dicionários utilizam unicamente fotos, imagens e ilustrações
para representar o léxico da referida língua, deixando de lado a forma gráfica desta.

A escrita ELiS

O Sistema Brasileiro de Escrita das Línguas de Sinais – ELiS foi criado pela
linguista Mariângela Estelita Barros. É um sistema de escrita de base alfabética e
linear. Alfabética por representar graficamente elementos fonológicos das línguas
de sinais e linear pelo fato de sua escrita ser grafada da esquerda para a direita,
obedecendo uma ordem, organizada de acordo com os parâmetros apresentados
por Quadros e Karnopp (2004), sendo estes: Configuração de Mão, Ponto de Arti-
culação, Movimento, Orientação da Palma e Expressões não Manuais e/ou Faciais.
A ELiS é composta por noventa e cinco visografemas1, divididos em quatro grupos:
Configuração de Dedos (CD), Orientação da Palma (OP), Ponto de Articulação
(PA) e Movimento (M). Importante ressaltar que o parâmetro Configuração de
Mão na ELiS é designado como Configuração de Dedos, pelo fato de que na ELiS,
não se considera uma configuração predefinida, mas sua escrita é realizada dedo a
dedo, resultando no final em uma configuração de mão. Esse artifício possibilitou
à ELiS a economia de muitos visografemas, além disso, os visografemas existentes
que representam as expressões não manuais e/ou faciais estão incorporados ao gru-
po de movimento, outras são inseridas pelo leitor.
Para escrever com o sistema ELiS é necessário respeitar sua estrutura base,
ocorrendo na respectiva ordem; CD, OP, PA e M. Dessa forma, aplicamos como
exemplo o sinal de ‘thçEÉ – passado’, no qual ‘th’ é a Configuração de Dedos,
‘ç’ a Orientação da Palma, ‘E’ o Ponto de Articulação e ‘É’ o Movimento. Com

1 Conforme Barros (2015, p, 21) “Os símbolos/letras utilizados na ELiS são denominados visografemas, por serem for-
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mas gráficas que representam elementos visuais, os quais compõem as línguas de sinais”.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 68


esta estrutura é possível escrever em qualquer língua de sinais, conforme aponta
Fernandes (2015, p. 17) “[...] devido ao fato de a ELiS ser uma escrita alfabética,
teoricamente deve ser possível seu uso com qualquer língua de sinais (LS) feitas as
devidas adaptações”, fato comprovado em sua pesquisa, ao testar a ELiS em vinte
outras línguas de sinais, na qual foi necessário realizar pequenas adaptações.
Ao caracterizar a Libras em sua modalidade escrita, apresentamos um instru-
mento que pode auxiliar o aluno surdo ou ouvinte no processo de ensino-aprendi-
zagem da Libras, seja como primeira ou segunda língua. Além de apresentar uma
estrutura lexicográfica diferenciada da comummente percebida em dicionários de
Libras. Destacamos que por ser a Libras uma língua viso-espacial, a representação
do seu léxico por ilustrações, fotos ou imagens proporciona ao consulente compre-
ender o lema-entrada. Contudo, defendemos a possibilidade da assimilação dos
mesmos unicamente com a decodificação a partir de um sistema de escrita, uma
vez que este sistema considera as características próprias da supramencionada lín-
gua. O presente trabalho se justifica, pois ainda são poucos os trabalhos lexicográfi-
cos alusivos à ELiS, assim como são exíguos os materiais didáticos disponíveis para
o auxílio no ensino da mesma.

Metodologia

Como estratégia metodológica, os lemas-entradas que compões a nomen-


clatura de nosso pequeno glossário de animais, foram recolhidos do Novo DEIT-
-Libras: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira.
Contudo, foram selecionados o total de cento e quarenta e três (143) sinais-entra-
das, dentre estas estão presentes os mais variados tipos de animais, além da pre-
sença de algumas espécies de peixes, pássaros e outros.
Após a seleção, os lemas candidatos a entradas foram escritos em ELiS e aque-
las unidades linguísticas que possuíam variação, foram arroladas como infralemas2
em uma mesma entrada. Como pode ser observado:

2 Conforme aponta Durão (2018, p 51-52) “Hausmann e Werner (1981, p. 2729) propuseram o termo infralema em
oposição ao termo sublema, que designa aquelas unidades léxicas formadas por palavras da mesma família léxica que
a cabeça do lema (como ‘carne’, ‘carnívoro’, ‘carnificina’, etc.), ao passo que o termo infralema incluiria unidades lexicais
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compostas e complexas qual constasse a palavra chave do lema principal”.

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Figura 1 – modelo do verbete do glossário.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Isso posto, no que se refere à microestrutura, indicamos a presença dos se-


guintes elementos: i) a nomenclatura está organizada em ordem estritamente vi-
sográfica3; ii) sinal-entrada: está representado em Libras pelo sistema ELiS e em
negrito; iii) categoria morfológica4: este elemento indica a estrutura que o sinal-
-entrada possui, está em sua forma abreviada e em itálico, sendo elas: sinal mono-
manual (s.m.), sinal bimanual simétrico (s.b.s.), sinal bimanual assimétrico (s.b.a.),
sinal quase simétrico (s.q.s.), sinal mão de apoio (s.m.a.), e Sinal composto (s.c.);
iv) sinal gráfico “♦” indicando suas possíveis variações; v) equivalente(s) em língua
portuguesa. Como optamos por um glossário bilíngue, compartilhamos a ideia de
Welker (2004) ao elucidar que o equivalente compensa a definição.

Glossário animais

kçcWãû s.m. ♦yhzrfvc#éèéèû s.b.q.s. qooqcG s.m. ♦qggqçSá s.m. ♦/eoqlzS s.b.s.
baleia 1. javali 2. porco selvagem
/eocvN-Ém s.b.q.s. 1. jacaré 2. crocodilo qqqqgzOÉmbrfgzDàmÌ s.c. (s.mbs.m.) porca
3. caimão 4. aligátor
/qoqqocvN-Ém s.b.q.s. hipopótamo
qqqqgzOÉm s.m. ♦thvGËm s.m. 1. porco
qoqlOb/thxvZÉm s.c. (s.m.bs.b.s.) águia
3 Para mais informações sobre a ordem visografica, ler Ordem Visográfica – colocando os dicionários de línguas de sinais
em ordem, disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/41435/25186.
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SUMÁRIO

do o sistema ELiS, disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/47669/28117.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 70


kçcWãû s.m. ♦yhzrfvc#éèéèû s.b.q.s. /qooqzDí s.b.s. capivara
baleia
qooqvBÉ s.m.a. ♦qgqqgqoqvl#N-Ém s.b.a.
/eocvN-Ém s.b.q.s. 1. jacaré 2. crocodilo ♦eoqoqvl#NàÄmà s.b.a. escorpião
3. caimão 4. aligátor
q¢qvGËm s.m. ♦q¹qlJàú s.m. ♦qgqlzJàÂm
qqqqgzOÉm s.m. ♦thvGËm s.m. 1. porco s.m. cobra
qooqcG s.m. ♦qggqçSá s.m. ♦/eoqlzS s.b.s. qgqlzJàÂm s.m. camarão
1. javali 2. porco selvagem
/qooqzç%ãön s.b.s. ♦/qooqzç%ônãí s.b.q.s.
qqqqgzOÉmbrfgzDàmÌ s.c. (s.mbs.m.) porca 1. bicho-preguiça 2. Preguiça (animal)
/qoqqocvN-Ém s.b.q.s. hipopótamo qooqzv#êö s.m.a. jiboia
qoqlOb/thxvZÉm s.c. (s.m.bs.b.s.) águia qgqeav$_àÂmà s.b.q.s. caracol
qoqvAÉmb/eagzU s.c. (s.m.bs.m.) /qgql_óòb/qgqzv_ì s.c. (s.b.q.s.bs.b.s.)
♦qoqlAb/eoqzU s.c. (s.m.bs.b.s.) coruja bacalhau
qoqçDáb/qgqz_óòb/qgqz_òó s.c. qgqvOb/thxvZÉm s.c. (s.m.bs.b.s.)
(s.m.bs.b.q.s.bs.b.q.s.) pirarucu (peixe) ♦rsqlAümbysgzOãm s.c. (s.m.bs.m.) 1.
beija-flor 2. colibri
qoqçDábeazJêÀ s.c. (s.m.bs.m.) piranha
(peixe) qgqv@àÂm s.m.a. 1. lagarta 2. minhoca 3. larva
thvJàè s.b.s. ♦qoqçDábthvJàè qgqv@ôãéÌ s.m.a. lesma
s.c. (s.m.bs.m.) ♦thzwhvç%N-êÊm s.b.a.
qgqlthzzç%-ám s.b.q.s. curimatã (peixe)
golfinho
qgqlthzzç%-âbeaglEbeagvL s.c.
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ûÒ l
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/q¢qzEöá s.b.s. ♦/qooqçEöáb/ vaga-lume 2. pirilampo
qooqçRöá s.c. (s.b.s.bs.b.s.) carneiro
qggqlTÄmbeaaqzvBêûm s.c. (s.m.bs.m.a.)
/qooqçEöáb/thlz@ s.c. (s.b.s.bs.b.s.) ♦qggqlTÄmbrfqvJômãé s.c. (s.m.bs.m.)
cordeiro gafanhoto
SUMÁRIO

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(s.m.bs.m.) 1. formiga
eolT s.m. ♦/tqlTãíû s.b.s. ♦/tolTìm
rfqlJäë s.m. ♦qggqlTÄmbrfglJãù s.b.s. ♦/tglT s.b.s. veado
s.c. (s.m.bs.m.) ♦qggqlTÄmbtgzJêü s.c.
eol#Vémü s.m.a. ♦rfl#Vë s.m.a.
(s.m.bs.m.) mosca
dinossauro
rfqv#ä s.m. ♦qggqlTÄmbyqwheutgqwgsqÌyq
eoçAám s.m. ♦eoçAámbealAûmÚ s.c.
s.c. (s.m.bs.s.) ♦rfqlQúÓbrfqzH>ê s.c.
(s.m.bs.m.) 1. cachorro 2. cão
(s.m.bs.m.) abelha
eoçAámbtgqzTám s.c. (s.m.bs.m.) pastor
qggqçT* s.m. cabra
alemão (cachorro)
qggqzçJéèb/epvzJäÙ s.c. (s.m.bs.b.s.)
/eoçÇè s.b.s. ♦/eozçvÇ<WÂm s.b.q.s.
tambaqui (peixe)
macaco
thqgqz@_-ãâ s.b.q.s. ♦q¢qlJãëb/
eovJàÄm s.m. ♦eozvBêÄm s.m.a. aranha
tglJãën s.c. (s.m.bs.b.s.) lagartixa
/eozçvÇ<WÂmb/eozcv@ s.c.
/q¢qçEÁm s.b.s. 1. coelho 2. lebre
(s.b.q.s.bs.b.q.s.) 1. mico 2. sagui
q¢qvGËmbeaaqlJÉmû s.c. (s.m.bs.m.)
/rszçDíü s.b.s. ♦eozvGbeagzKú s.c.
víbora (cobra)
(s.m.bs.m.) ♦/rszçDíübeagzKú s.c.
ÓSqgqlJÊm s.m. ♦q¢qvGËmbÓSqgqlJÊm s.c. (s.b.s.bs.m.) ♦/tgzçEÄbeagzKú s.c.
(s.m.bs.m.) cascavel (s.b.s.bs.m.) 1. onça 2. jaguar
q¬qvq¢qtgqyq s.s. mula eozvGb/rsqvçKäím s.c. (s.m.bs.b.s.) ♦/
tgzçEÄb/rsqvçKäím s.c. (s.b.s.bs.b.s.)
whzJàë s.b.s. ♦/whvzNàë s.b.q.s.
tigre
♦yhzwhçlN-é s.b.q.s. tubarão
eozvGËm s.m. ♦/tgzçEÄ s.b.s. leão
whlzJàë s.m. peixe
egazJãÂmbeoazJä s.c. (s.m.bs.m.) 1.
whlzJàëbeozwhlcz@%äÙ s.c.
cavalo-marinho 2. hipocampo
(s.m.bs.b.a.) pacu (peixe)
/eaaqlzJéÀ s.b.s. ♦/rooqlz_1àÂm s.b.s.
whlz-Jàëb/rsql%í s.c. (s.m.bs.b.s.)
♦/tjqv_àà s.b.s. caranguejo
traíra (peixe)
epzFám s.m. cotia
eoqzvW> s.m. ♦/eolZìä s.b.s. urso
eplrsqzlJ-ümbeplrfqzv&_-ä s.c.
eoqzvW>b/eoqzU s.c. (s.m.bs.b.s.) panda
(s.b.q.s.bs.b.a.) avestruz
eooqlAÀ s.m. ♦/thzvB-Ém s.b.q.s. castor
/epzç%H-ã s.b.q.s. girafa
eooqvBê s.m.a. falcão
/ehç$1 s.b.s. ♦/thl$1àÁm s.b.s. ♦/
/eolZì b/qggq çJí m s.c. (s.b.s.bs.b.s.)
ä z Ä
thxvZÉmbeozcGÙ s.c. (s.b.s.bs.m.)
♦eoçAámb/qggqzçJíÄm s.c. (s.m.bs.b.s.) ♦rsqlAümbqgqzvFäÌbqgqzçK s.c.
♦eozvGb/qggqzçJíÄm s.c. (s.m.bs.b.s.) (s.m.bs.m.bs.m.) pombo
♦eozvGb/tggqzçJíÄm s.c. (s.m.bs.b.s.)
/ehç&Ám s.b.s. borboleta
♦/tgzçEÄb/qggqzçJíÄm s.c.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 72


rsqlAümbtgçAâÄm s.c. (s.m.bs.m.) arara rgffgzJ s.m. lhama
rsqlAüm s.m. 1. passarinho 2. pinto (ave) tjqlIÁm s.m. ♦/rfqzTíã s.b.s. ♦/
rdlJôíü s.b.s. lagosta
rfqkz#-û s.b.q.s. ♦/yhzl@#ÊÃ s.b.q.s.
♦rsqlAümb/klJíû s.c. (s.m.bs.b.s.) rfqzDêm s.m. rato
♦rsqlAümb/yqlTíû s.c. (s.m.bs.b.s.)
rfqzDêmb/eoqzvW s.c. (s.m.bs.b.s.)
pavão
♦rfqzDêmbeoqxlJ s.c. (s.m.bs.m.)
rsqlAümbqgqzqggqvvç$_-äm s.c. camundongo
(s.m.bs.b.a.) pardal (ave)
rfqzDêmb/thlzJ s.c. (s.m.bs.b.s.)
/thxvZÉm s.b.s. ♦rsqlAümb/qggqzçJíÄm ratazana
s.c. (s.m.bs.b.s.) ♦rsqlAümb/thxvZÉm s.c.
rfqv#äë s.m.a. pernilongo
(s.m.bs.b.s.) 1. pássaro 2. ave
rfqzvEb/yqv_Ìm s.c. (s.m.bs.b.s.) piolho
rsqlAümbegazQä s.c. (s.m.bs.m.) canário
rfqzvOäm s.m. ♦rfgzvOäm s.m. peru (ave)
rsqlAümbrsql@ m s.c. (s.m.bs.m.a.) pinto
ü

(ave) rfglBõ s.m.a. 1. mosquito

rsqlAümbtgz#VÌmbrfqtgzç_Bém- s.c. rfl#VÉmbrfl#Võ s.c. (s.m.a.bs.m.a.)


(s.m.bs.m.a.bs.b.a.) pica-pau ema

/tgv$1à s.b.s. /rfzA<>í s.b.s. raposa


♦rsqlAümbthzvOÉmbqgqçOà s.c. /rfv_#ômãàômãàû s.b.q.s. polvo
(s.m.bs.m.bs.m.) urubu
r³qlAüm s.m. 1. pato 2. ganso
rsqlAümbyd vGÙbyd cKÙ s.c.
z z
tqqqgzOÎà s.m. rinoceronte
(s.m.bs.m.bs.m.) pelicano
/tqqqgvEÉ s.b.s. touro
/rsqzUíübeolzJêÉ s.c. (s.b.s.bs.m.)
guaxinim /tqqqgzvT s.b.s. ♦tqqqgvT>ÉbkvGäû s.c.
(s.m.bs.m.) ♦tqqqgvT>ÉbeogzçOü s.c.
rsqzA>éü s.m. ♦rfqzDéû s.m. gato
(s.m.bs.m.) búfalo
rsqzçWá s.m. gambá
tqqqgvT>ÉbeplzJämü s.c. (s.m.bs.m.) vaca
rsqvzÇ>éãü s.m. esquilo
tqqqgvT>ÉbrszcFäü s.c. (s.m.bs.m.) boi
rssq vBê m s.m.a. rã
z ü
/tqqqgzvO s.b.s. besouro
rsçOàü s.m. lobo
/tglE s.b.s. alce
rs çK<à btqqqgvT>É s.c. (s.m.bs.m.)
z ü
/tgcv@-ãmÁ s.b.q.s. estrela-do-mar
♦tqqqgvT>Éb/thlzJ s.c. (s.m.bs.b.s.)
bezerro tgvAàÄmÒm s.m. dragão

rgqzOàäü s.m. tucano /tgvLônãàÒm s.b.s. tiú

rgqzWáü s.m. ♦tgzQäÄ s.m. ♦yqzWáû /tpvJÉm s.b.s. preá


s.m. ♦Vè/kzK s.b.s. 1. galinha 2. galo 3. ÓSrfglJú s.m. ♦thr³qzçvB%-ãüm s.b.a.
frango cigarra
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 73


thçÇb/qgqzvÇìÂm s.c. (s.m.bs.b.s.)
♦thçÇb/qgqzvÇìÂm s.c. (s.m.bs.b.s.)
♦thçÇbqgqzvÇêÂm s.c. (s.m.bs.m.) 1.
lombriga 2. parasita 3. verme
/thzEÊm s.b.s. burro (animal)
thvGËmb/thlzJ s.c. (s.m.bs.b.s.) leitão
/thxlÉmbrsqçOàü s.c. (s.b.s.bs.m.)
codorna
/thxvMèn s.b.s. pinguim
/ydlJ<Z<-ôãàÉ s.b.q.s.
♦thvlK§byhlzJôãêÌ s.c. (s.m.bs.m.)
camelo
t¢qlEÁm s.m. cavalo
t¢qlEÁmbeazTàãü s.c. (s.m.bs.m.)
unicórnio
t¢qlEÁmb/rsqvçKäím s.c. (s.m.bs.b.s.)
♦t¢qlEÁmbtgzçKäém s.c. (s.m.bs.m.) zebra
t¢qlEÁmbrdzH>óÌü s.c. (s.m.bs.m.)
♦t¢qlEÁmbthvJ s.c. (s.m.bs.m.) pônei
yqqqgz#Vù s.m.a. coral
yqzyqçv_1Ì s.b.q.s. pulga
/yqzçKán s.b.s. gorila
/yqzvB-õéûÌ s.b.q.s. porco-espinho
/ypcvN_Én s.b.q.s. ostra
ypzyqlvz@$-Âm s.b.a. 1. tartaruga 2. jabuti
ypzvBêÙ s.m.a. sapo
/ydvJômãà s.b.s. canguru
yhqgqvN_-áú s.b.q.s. tatu
AàmepzcD<> s.m. jegue
AíeolAàm s.m. hiena
SÀqgqlW s.m. capote (ave)
Z>ãm/thvxJZ< s.b.q.s. lobo-guará
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 74


Considerações finais

O presente trabalho foi desenvolvido com o os seguintes objetivos, i) apre-


sentar a ELiS como sistema de escrita suficiente para representar a Libras em sua
modalidade escrita; ii) demonstrar que, apesar de ser a Libras uma língua viso-es-
pacial é possível a criação de obras lexicográficas sem a utilização de imagens, fotos
ou ilustrações; iii) corroborar para os estudos (meta)lexicográficos, de modo a co-
locar em evidência o léxico e a estrutura da Libras, utilizando a língua portuguesa,
unicamente para apresentar os equivalentes na língua alvo; iv) e, por fim, realizar
ensaios de verbetes, para que assim, tenhamos uma estrutura eficaz na construção
do dicionário ilustrado infantil em Libras/ELiS-Português.
Julgamos que, no item equivalente – língua portuguesa, em alguns casos, foi
necessária a inserção de uma informação referente à natureza do lema-entrada, não
o definimos aqui como uma marca de usos, mas como um complemento que espe-
cífica o campo semântico do lema-entrada. Não utilizamos o termo, marcas de uso,
pois não há um padrão. Como pode ser observado, quando necessário utilizamos
as informações “pássaro, cachorro e animal” de modo a proporcionar aos consu-
lentes a compreensão fiel do equivalente em língua portuguesa.
Contudo, intentamos aqui, contribuir para os estudos me(lexicográficos)
da Libras, apresentando uma estrutura diferenciada da comumente percebida em
obras dicionarísticas, sendo esta, a organização da nomenclatura em Libras desta-
cando a estrutura da referida língua, de modo a organizar a ordenação dos lemas-
-entradas em ordem estritamente visográfica a partir do sistema ELiS. Assim, al-
mejamos, a partir dessa pesquisa inicial, atingir a estrutura ideal do trabalho maior
que é a construção do dicionário infantil.

Referências

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BEZERRA, Maria Auxiliadora. Estudar vocabulário: como e pra que?. Campina Grande:
Bagagem, 2004.
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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 75


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[1994] 2000.
BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. O dicionário padrão da língua. Alfa. São Pau-
lo, v. 28. p. 27-43, 1984. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/
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BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria linguística. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
BRASIL. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial da União – publicado em 25 de
abril de 2002. Brasília, DF: Senado, 2002. Disponível em: www.leideLibras.gov.br. Acesso
em: 10 set. 2021.
BRASIL. Decreto 5.626, de 19 de dezembro de 2005. Diário Oficial da União - publicado
em 22 de dezembro de 2005. Brasília, DF, República Federativa, 2005. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso
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CAMARA-JUNIOR, Joaquim Mattoso. Língua e cultura. Revista Letras. v. 4, 1955. Dispo-
nível em: https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/20046/13227. Acesso em: 11 set. 2021.
CAPOVILLA, Fernando Cesar; RAPHAEL, Walkiria Duarte; MAURICIO, Aline Cristina
L. Novo DEIT-Libras: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Bra-
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DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri et al. Design de verbete de substantivo para um
dicionário bilíngue português-Libras. São Paulo: Editora Pontes, 2018.
FERNANDES, Leandro Andrade. Bases linguísticas e lexicográficas para a construção de
um glossário bilíngue em Libras/ELiS-Português x Português-Libras/ELiS. 2018. 153 f. Dis-
sertação (Letras e Linguística), Universidade Federal de Goiás – UFG: Catalão, 2018. Dis-
ponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/570/o/Disserta%C3%A7%C3%A3o_
Leandro_Andrade.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.
FERNANDES, Leandro Andrade; BARROS, Mariângela Estelita. Ordem Visográfica - co-
locando os dicionários de línguas de sinais em ordem. Domínios de Lingu@gem, v. 12, n. 4,
p. 2440-2465, 19 jan. 2019. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/dominios-
delinguagem/article/view/41435/25186. Acesso em: 2 set. 2021.
FERNANDES, Leandro Andrade. Sistema brasileiro de escrita das línguas de sinais: co-
nhecendo o sistema ELiS. Domínios de Lingu@gem, v. 14, n.1, p. 283-310, 2020. Disponível
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KRIEGER, Maria da Graça. Heterogeneidade e dinamismo do léxico: impactos sobre a le-
xicografia. Confluência, n. 46. p. 323-334, 2014. Disponível em: http://llp.bibliopolis.info/
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KRIEGER, Maria da Graça. Tipologias de dicionários: registros de léxico, princípios e tec-
nologias. Calidoscópio. v. 4, n. 3 p. 141-147, 2006. Disponível em: http://revistas.unisinos.
br/index.php/calidoscopio/article/view/6000/3176. Acesso em: 12 ago. 2021.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 76


PAVEL, Silvia; Nolet, Diane. Manual de terminologia. Tradução de Enilde Faulstich. Ga-
tineau: Quebec, 2002. Disponível em: https://linguisticadocumentaria.files.wordpress.
com/2011/03/pavelterminologia.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021.
REY, ALAN. Le lexique: images et modèles: du dictionnaire à la lexicologie. Paris: Coli,
1977.
WELKER, Herbert Andreas. Dicionários: uma pequena introdução à lexicografia. Brasília:
Thesaurus, 2004.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 77


DOI: 10.52788/9786589932222.1-5

Terminologias de educação no trânsito


em Libras: uma proposta preliminar de
sinais-termo

Victor Lopes Bezerra


Romário Lima de Sousa
Francisco Ebson Gomes-Sousa
João Batista Neves Ferreira

Introdução

No Brasil, ainda são escassos os materiais bilíngues ou mesmo adaptados para


surdos no que se refere à educação no trânsito em Libras. O site do Instituto Na-
cional de Educação de Surdos (INES) dispõe de um serviço de Educação de Trân-
sito para Surdos, direito civil reafirmado pela legislação brasileira em vigência que
assegura ao surdo a possibilidade de adquirir a Carteira Nacional de Habilitação
(CNH), com direito a tradutor intérprete durante o processo.
Entretanto, verifica-se escassez de terminologias e pouco desenvolvimento
de material terminológico específico em Língua Brasileira de Sinais - Libras para
designar inúmeros termos relacionados a esses processos, dos quais alguns ainda
atrelados ao léxico da Língua Portuguesa. É possível justificar os poucos recursos
disponíveis para consulta pelo fato de tratar-se de uma conquista recente da comu-
nidade surda, logo, uma área em plena expansão.
De acordo com Santos (2017, p. 92) a produção de dicionários, glossários e
vocabulários no contexto da Libras aumentou consideravelmente na última déca-
da, das quais possíveis justificativas sejam: o reflexo da política linguística da LS;
SUMÁRIO

a lacuna lexical e terminológica na esfera do discurso comum e de especialidade

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 78


em LSB; escassez de materiais específicos e estruturados para consulta em LS e, o
aumento das pesquisas realizadas no âmbito da Linguística, em especial, na área de
Lexicologia e Terminologia.
Este trabalho preliminar tem como objetivo viabilizar um estudo inicial vol-
tado a recolha de sinais entrada que possam compor futuras propostas de glossá-
rios e materiais terminológicos, na área de educação no trânsito em Libras com
terminologias que possam ser usadas pela comunidade usuária da Libras que sa-
tisfaça melhor a necessidade do surdo e as especificidades das LS. Na sua proposta
inicial traz algumas considerações de possibilidade de terminologias mais especí-
ficas, pensando no processo de comunicação e acessibilidade quando falamos em
educação no trânsito e no processo formativo de e para pessoas surdas.

Referencial Teórico

Sobre a inclusão de surdos no trânsito, Souza et al. (2016) apontam que, em-
bora existam as leis que lhes confiram direitos, elas não se efetivam, não havendo
clareza nem mesmo de como se dá seu ingresso. Amorim (2019) ao realizar entre-
vistas com surdos a respeito da formação do surdo para aquisição da CNH, coletou
dentre os relatos o sentimento de desamparo, o esforço necessário para que a Lei
seja cumprida e, ao perguntar como foi a experiência na autoescola, houve a men-
ção de uma sinalização “básica” por parte da maioria dos tradutores/intérpretes de
Libras.
Assim, Souza et al. (2016, p. 678) nos diz sobre a importância de “reforçar que
apesar de ser garantido o direito constitucional de ir e vir a todos os cidadãos, esta
"garantia" não é exposta claramente à população surda, portanto, há a necessidade
de uma maior conscientização para que possa garantir e aprimorar sua acessibili-
dade”. De encontro ao excerto anterior, defendemos o desenvolvimento da termi-
nologia especializada como um dos pilares para o direito linguístico e aprimora-
mento da acessibilidade dos surdos brasileiros.
A partir da Lei nº 13.146 (BRASIL, 2015), em vistas à Lei Brasileira de Inclu-
são da Pessoa com Deficiência, acessibilizar a comunicação para surdos e deficien-
tes auditivos durante o processo de obtenção da CNH foi previsto pela alteração do
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 79


Código de Trânsito Brasileiro e pela Resolução nº 558/2015 do Contran1 (BRASIL,
2016, p. 2), na qual “os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos estados e
do Distrito Federal deverão disponibilizar intérpretes de Libras às pessoas surdas
durante várias fases do processo de habilitação”, prevendo também profissionais
capacitados pelas empresas credenciadas.
Apesar disso, durante entrevistas realizadas por Souza et al. (2016, p. 682) foi
reforçada a atuação ética do intérprete no processo que estava

de acordo com a exigência do item II do artigo 140 do Código de Trânsito Brasileiro


que dispõe que a prova não pode ser interpretada na sua totalidade, pois não há como
um examinador que desconheça a Libras garantir a individualidade das respostas do
candidato surdo se o intérprete estiver interpretando as questões da prova.

Dessa forma, os autores atestam a interferência comunicativa nas etapas do


processo “desde o curso de formação de condutores, incluindo a inscrição, provas
e avaliações” (SOUZA et al., 2016, p. 682), compreendendo ainda que “o surdo
utiliza estratégias baseadas no treino e na memória para estudar e realizar a prova,
mas apresenta dificuldades quanto à compreensão da escrita em língua portugue-
sa”. (Ibidem). Os entrevistados surdos sugeriram além de intérpretes e capacitação,
prova gravada em vídeo em Libras como alternativa para amenizar dificuldades de
compreensão, eliminando, assim, “a desconfiança de intervenção e conduta inade-
quada do intérprete''(SOUZA et al., 2016, p. 683).
Considerando o cenário linguístico, no que diz respeito à existência de termi-
nologias específicas do campo de educação no trânsito, sua escassez no repertório
lexical da Libras e as necessidades de acessibilidade até então expostas, levando em
conta, também, o anseio por avaliações em vídeo conforme mencionado, salienta-
mos o aspecto demonstrado por Souza et al. (2016, p. 684) ao trazer a constatação
de San-Segundo e colaboradores quando avaliaram o sistema implantado em Tole-
do pelo governo espanhol:

Tem como objetivo valorizar a Língua de Sinais Espanhola (LSE) [reconhecida desde
o ano de 2007] fazendo uso de avatar. Os autores constataram um bom desempenho
desse sistema e boa aprovação dos usuários, porém ressaltaram a necessidade de me-
lhoras na interface visual e na padronização da LSE, havendo algumas discrepâncias
entre palavras e sinais correspondentes. Ressalte-se que, da mesma forma, no Brasil,
SUMÁRIO

1 Conselho Nacional de Trânsito.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 80


não há uma padronização da Libras, reforçando a já mencionada, necessidade de
regionalização da prova em vídeo (SAN-SEGUNDO et al, 2010 apud SOUZA, 2016,
p. 684)

Dessa forma, entendemos que ainda que se conte com a atuação de um profis-
sional tradutor/intérprete e com tecnologias apropriadas em atendimento a acessi-
bilidade, a língua em si, assim como qualquer outra, pode conter algumas preocu-
pações das quais são necessárias se atentar. Logo, dificilmente teria a construção de
propostas unânimes, assim como explica Souza et al. (2016, p. 683) sobre as provas
gravadas em vídeo, “em um único local do país e distribuída para os estados, mas
precisa ser interpretada localmente, a fim de garantir que os surdos daquela região
consigam compreender adequadamente o conteúdo”.
Muito além da natural variação linguística, na Libras há lacunas de termino-
logias de especialidade, dentre as quais têm se pesquisado e desenvolvido diversas
iniciativas somente nos últimos anos, propostas principalmente a partir da expan-
são dos estudos linguísticos de pós-graduação, como também à medida que os
surdos ocupam novos espaços.
O processo linguístico de expansão terminológica da Libras, seja científica,
técnica ou cultural, possibilita ainda uma correspondência concreta entre sinais e a
Língua Portuguesa na modalidade escrita, predominante nos materiais instrutivos
do domínio do trânsito. Logo, pode-se aprimorar o desempenho do tradutor/in-
térprete enquanto dispositivo de acessibilidade linguística, bem como, instrumento
linguístico para minimizar dificuldades de compreensão. Por meio do registro ade-
quado, pode permitir ainda o estudo autônomo do surdo aprendiz, pois viabiliza
uma possível consulta a materiais terminológicos específicos, seja durante a forma-
ção de condutores ou preparação mínima para a realização da avaliação em Língua
Portuguesa ou mesmo em Libras.
Nesse sentido, quando não há o desenvolvimento de materiais que preen-
cham as lacunas, seja em vista de sua incorporação ao léxico ou aperfeiçoamento
da eficiência tradutória, é mantida de uma maneira ou de outra a defasagem da
acessibilidade, da qualificação de intérpretes e da efetiva instrução de condutores
surdos. Imaginemos, por exemplo, sanada a necessidade de acessibilidade durante
a aplicação das provas, conforme ilustra Souza et al. (2016, p. 684):
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 81


Atualmente no Distrito Federal e em Santa Catarina, a prova teórica do Departa-
mento Estadual de Trânsito (DETRAN) tem sido disponibilizada para os surdos em
vídeo, em virtude disso, foram produzidos vídeos em Libras com as perguntas e as
opções de respostas. Com esse recurso, os Departamentos de Trânsito afirmam que
há uma diminuição no tempo de execução da prova, já que amenizam-se as dificul-
dades de comunicação e compreensão do surdo.

A partir disso e dos pressupostos da Terminologia e Lexicografia discutidos a


seguir, hipotetizamos que um vocabulário terminológico específico também pode
contribuir com a redução do tempo de realização de uma prova, assim como da
compreensão, tornando o processo tradutório/comunicativo mais eficiente durante
a formação do condutor surdo. Assim, conseguirá nomear significados de forma
direta e visual, dispensando uma permanente elaboração de estratégias tradutórias
adicionais (que dependem de diversas variáveis relacionadas ao profissional) para
esclarecer repetidamente conceitos, coisas ou ideias muitas vezes basilares.

Terminologia e Lexicografia na Libras

Para seguir adiante com a proposta preliminar, buscamos aporte teórico nos
saberes gerais da Terminologia e Lexicografia que se tem registrado na literatura
produzida por e a partir das pesquisas brasileiras. Em suma, dissertações e teses de
pós-graduações desenvolvidas com status de referência ou publicações acadêmicas
e científicas derivadas, uma vez que integram um arcabouço consistente, embora
ainda tímido quanto ao número de produções. Castro Júnior et al. (2018, p. 8) re-
afirmam que

os estudos da área de Lexicologia, Lexicografia, Terminologia e Terminografia das


Línguas de Sinais se consolidam na medida que os Surdos avançam no conhecimento
e a partir da sua vivência no mundo, é preciso que diferentes áreas do saber tenham
a expansão lexical.

Não é difícil enxergar que, quando pensamos em áreas de especialidade, tais


como a formação de condutores, chegamos a um ponto em comum com os autores
sobre estar “diante de uma diversidade de vocabulários que muitas das vezes par-
tem da Língua Portuguesa para a Libras e, por isso, é preciso pensar o registro da
SUMÁRIO

Libras com propriedade” (Ibidem).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 82


Mediante isso, aproveitamos para defender a participação ativa de pesquisa-
dores surdos para que tomem a dianteira principalmente na construção das unida-
des terminológicas e no envolvimento da comunidade durante o desenvolvimento
destes, pois concordamos com os autores a respeito do que significa propor traba-
lhos do tipo:

Estudar o Léxico da língua de sinais, em sua perspectiva mais relevante, significa


compreender a visão de mundo sob o olhar do sujeito Surdo, a constituição dos sig-
nos em línguas de sinais, os fatos e os espaços que ditam as manifestações e a visibili-
dade da Língua de Sinais. As pesquisas da área abrangem a diversidade e a variedade
da Língua em sua constituição e essência. Os pesquisadores [...] estão diante de infi-
nitas possibilidades que constituem o registro da Língua de Sinais Brasileira e com-
preender essas possibilidades é, em grande parte, compreender a história do sujeito
Surdo, da luta pelo reconhecimento da Libras, bem como dos marcos legais, políticos
e Linguísticos (JÚNIOR et al,, 2018, p. 8).

Ao considerarmos a necessidade terminológica no que implica a atuação do


tradutor e intérprete de Libras, levamos em conta que, na esfera da formação de
condutores, estes profissionais atuam sobretudo no nível da interpretação. Pode-
mos relembrar ainda que “geralmente o grau de dificuldade é maior que na tra-
dução, pois o profissional tem pouco tempo para executar sua função e fazer suas
escolhas lexicais e nem sempre conta com algum apoio no momento de exercer seu
papel” (CHAIBUE; AGUIAR, 2016, p. 5).
Citam também que “o tempo é considerado o problema crítico na atividade
interpretativa” visto a necessidade de acompanhar o discurso da fala produzida em
Português e interpretada em frações de segundos (QUADROS, 2004, p. 78; ROSA,
2008, p. 115; ALBRES, 2010 apud CHAIBUE; AGUIAR, 2016, p. 05). Chaibue e
Aguiar destacam que “algumas características existentes nas LS contribuem ainda
mais para a discrepância no ritmo entre as duas modalidades de línguas'' (2016, p.
16).
Fundamentalmente, encontramos motivação científica na literatura linguís-
tica para seguirmos com a proposta terminológica preliminar, considerando além
da realidade regional a qual vivenciam os pesquisadores, alguns preceitos basilares,
pois, conforme Calvet (2007 apud CAMARGO, 2014, p. 3), “com o desenvolvi-
mento tecnológico e novos conceitos, poucas línguas têm a liberdade de usufruir
de um vocabulário que dê conta desses novos conceitos em sua própria língua”.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 83


Com os avanços da Libras por meio das conquistas dos sujeitos surdos também
ocorre que, assim como as línguas faladas, “as sinalizadas são constituídas por ele-
mentos lexicais, que se formam, conforme a presença da língua em um determina-
do meio sociolinguístico, que, por sua vez, determina a capacidade de aceitação e
ampliação deste léxico” (CAMARGO, 2014, p. 3). Nesse sentido:

No que diz respeito aos aspectos sociais e culturais, a comunidade surda e os falantes
de Libras necessitam diariamente, também, de sinais que, por vezes, são básicos e que
são cansativamente soletrados. Assim, como de fato a língua portuguesa é a segunda
língua para o surdo, chega-se ao consenso de que não basta apenas soletrar as pala-
vras e esperar confiantemente que ele compreenda seu significado, faz-se necessária
a criação de novos sinais para uma ampliação e conscientização do seu aprendizado
(CAMARGO, 2014, p. 5).

Acordamos que trata-se de um retrato comum partilhado por usuários da


Libras em diversos espaços contemporâneos por razões, até certo ponto, naturais,
compreendendo todo o árduo trajeto linguístico, social e político. Embora, na pers-
pectiva popular de parte do povo surdo, existam outras circunstâncias que geram
intensas discussões sobre questões da produção terminológica e lexical, não bus-
caremos focalizar esses aspectos, tampouco um consenso sobre assunto. Julgamos
que esta reflexão é cabível em outra ocasião e não contribuirá com o objetivo pri-
mordial de preencher as lacunas linguísticas que dificultam a aprendizagem no
processo de obtenção da CNH pela pessoa surda.
Para isso, partimos com maior rigor sob o rico aparato teórico compilado por
Martins (2018) e, de modo superficial, tomamos alguns dos procedimentos da sua
adaptação para a abordagem da Terminologia realizada a partir da base metodo-
lógica de Faulstich (1995). Portanto, com o intuito preliminar, aproximamo-nos
dos métodos de seleção dos termos em português, seleção dos juízes, organização
de questionários e avaliação/validação de sinais, dentro da proposição das termi-
nologias. Semelhante à pesquisa de registro e documentação da autora, a proposta
preliminar se justifica pela carência de sinais da área de formação de condutores
de trânsito, “o que interfere na negociação de sentido e dos conceitos utilizados”
(MARTINS, 2018, p. 8).
Antes de qualquer coisa, Martins (2018) reafirma o aspecto essencial para nos
dedicarmos a iniciativa, pois:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 84


[...] o trabalho terminológico desempenha uma dupla função, que foca no conheci-
mento técnico-científico e compartilha conhecimento no âmbito da comunicação
[...] Percebe-se que, mesmo no século XX, surgiram muitas novas mudanças no cená-
rio econômico, político e social que envolveram a ciência e o conhecimento prático,
sendo que qualquer pessoa, atividade ou domínio do saber aumentaram em grande
número os conceitos que exigem nomes para representá-los (MARTINS, 2018, p. 29).

A motivação de Martins (2018, pp. 32-33) tem alinhamento à nossa vivência


e proposta, pois assim como sua experiência relatou, ocorre que sinais são “con-
vencionados para não perder tempo com soletração” que por sua vez, conforme a
autora, “são mais usadas para expressar termos que não possuem sinal conhecido
ou, ainda, termos da língua portuguesa”. Em sua experiência de atuação enquanto
estagiária, ela se deparou com surdos em situações nas quais “havia muitos termos
que ela precisava explicar, embora fosse necessário usar o conceito dos termos, já
que não havia um sinal específico” (ibidem), de modo, então, a valorizar que se te-
nham sinais da área de especialidade para que todos possam acessá-los.
Reforçando a visão de criação a medida da necessidade, conta-nos que “mui-
tas vezes, os intérpretes-tradutores utilizaram sinais provisórios, porém, seus sig-
nificados são bem diferentes” (MARTINS, 2018, pp. 50-51), explicando ainda que:

Em qualquer ambiente de ensino [...], muitas vezes há discentes surdos, docentes e


tradutores/intérpretes integrando a sala de aula, sendo que, durante as aulas, sabe-
mos que tradutores/intérpretes não conseguem sempre soletrar os termos que não
possuem sinais. Às vezes, estes profissionais discutem e criam sinais, juntamente
com os discentes surdos, ou os discentes surdos criam os sinais para os conteúdos
da disciplina, ou seja, parece que há uma produção que se torna inevitável em sala
de aula,pois, uma vez que os sinais não foram encontrados nos dicionários ou nos
glossários de Libras, os sujeitos envolvidos no ato de tradução/interpretação criam os
próprios sinais (MARTINS, 2018, pp. 34-35).

Metodologia

Esta pesquisa inicial pretendeu analisar algumas possibilidades de uso de si-


nais voltados para a educação de trânsito em Libras, em que consistiu na aplicação
de um questionário para surdos habilitados e tradutores intérpretes atuantes em
autoescolas para compreensão dos aspectos e dificuldades de tradução em Libras
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 85


sobre a educação do trânsito. As perguntas envolviam os aspectos terminológicos
e as possíveis barreiras de tradução do vocabulário empregado durante as aulas
teóricas de habilitação.
Em nossa pesquisa participaram tradutores/intérpretes de Libras que atuam
em cursos e formações sobre educação de trânsito e quatro surdos da comunidade
surda de Caraúbas – RN, constituindo, assim, os nossos participantes e corpo de
juízes da pesquisa. O questionário para os tradutores/intérpretes e para os surdos
compreendia duas partes, a saber as impressões sobres as dificuldades ou não en-
contradas no processo de estudo, tradução e comunicação voltados aos temas de
trânsito e até mesmo dos aspectos técnicos e teóricos sobre a certificação da CNH
– Carteira Nacional de Habilitação.
Em sua primeira parte, perguntamos sobre: 01 - Sentiu dificuldade para en-
contrar vocabulário específico em Libras para as aulas teóricas na autoescola? 02 -
Conhece fontes de consulta de vocabulário, glossário ou lista de palavras em Libras
no contexto autoescola? 03 - Qual o nível de confiabilidade dessas fontes? 04 - Qual
sua avaliação pessoal em relação aos sinais em uso atualmente no contexto do en-
sino nas autoescolas?
Já na segunda parte, realizou-se a seleção aleatória de sete termos os quais
não possuem registro terminológico em nenhuma das principais fontes impressas
ou digitais (dicionários e manuais de Libras, internet). Para isso, compreendemos
como um registro terminológico qualquer versão em Língua Brasileira de Sinais
em alguma das fontes de nossa base de dados, como: o Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira – Libras vol. I e II (CAPOVILLA;
RAPHAEL, 2001); O Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais (HONORA;
FRIZANCO, 2009); as versões virtuais do Dicionário da Língua Brasileira de Si-
nais – versão 2.0, versão 2.1 – web e versão V3 (LIRA; SOUZA, 2005; 2008; 2011);
a plataforma gratuita de vídeos Youtube, e também a consulta geral na plataforma
de busca online.
Após a identificação e verificação dos termos, prosseguiu-se à etapa de enten-
dimento dos conceitos e criação dos sinais. Registrou-se as propostas em vídeo para
melhor clareza, considerando que este será o veículo para a apreciação dos juízes,
como também visto que devido ao caráter preliminar do estudo, não foi possível
registrar a definição do conceito nem os parâmetros de composição do sinal ainda.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 86


A etapa final consistiu em apresentar as propostas de sinais para surdos fluen-
tes em Libras de vários níveis de escolaridade e fluência em Libras que são integran-
tes da comunidade surda de Caraúbas/RN. A apresentação foi acompanhada de
uma avaliação simples compreendida por resposta positiva, mediana ou negativa.
As formas empregadas no registro em vídeo possuem grande diversidade,
dependendo da necessidade da pesquisa. Ainda conforme apontam Martins et al.
(2016, p. 30), é por meio do diálogo e avaliação dos surdos consultados, na conver-
sa informal e em interlocuções espontâneas, que os sinais podem ser inseridos ou
retirados da proposta deste trabalho.

Análise dos Dados

Por meio do questionário aplicado em sua primeira parte, podemos perce-


ber que os participantes da pesquisa, em nosso primeiro questionamento: “Sentiu
dificuldade para encontrar vocabulário específico em Libras para as aulas teóricas
na autoescola?”, afirmam que sentiam muita dificuldade em sua maioria, contudo,
uma participante relata não ter dificuldades, tendo em vista a sua oralização e uso
da língua portuguesa na modalidade oral, como nos explicou.
Já com o segundo questionamento, a respeito de “Conhece fontes de consulta
de vocabulário, glossário ou lista de palavras em Libras no contexto autoescola?”,
percebemos que, em sua maioria, não responderam a fontes específicas para este
campo linguístico específico, e relataram apenas fazer uso de estratégias tradutó-
rias. Caso houvesse a possibilidade de conhecerem as fontes, perguntamos sobre
“Qual o nível de confiabilidade dessas fontes?”, justamente para percebemos como
eles reagiriamm a essas indagações e, até mesmo, à concepção de uso e termos es-
pecíficos para esse fim.
Percebemos, assim, que ao não conhecerem fontes específicas de uso de al-
gumas terminologias, todos não deram respostas para esta pergunta realizada. Da
mesma forma que perguntamos a respeito da confiabilidade dos sinais utilizados
nas fontes que eles tinham, também questionamos: “Qual sua avaliação pessoal em
relação aos sinais em uso atualmente no contexto do ensino nas autoescolas?”, com
intuito de perceber a preparação e competências comunicativas quanto a este foco
SUMÁRIO

da educação de trânsito, autoescola e afins. Dessa forma, notamos que a maioria

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 87


dos entrevistados marca a opção de “Insatisfeito(a), muitos sinais parecem portu-
guês sinalizado, e a maioria não representam bem os conceitos”.
Assim, obteve-se a percepção da falta de terminologias específicas em Libras
no contexto das autoescolas e da educação no trânsito, o que causou uma baixa ou
nenhuma aprendizagem em relação a esse tipo de léxico em particular. Apesar da
possibilidade do uso de bons classificadores que suprimam a necessidade de um
sinal, não há como garantir que sempre serão feitas boas escolhas por parte dos
profissionais no uso deste recurso, ou garantia de uma cognição suficiente por par-
te do surdo.
Assim, a segunda etapa consistiu em apresentarmos as propostas que foram
todas pelos usuários de Libras surdos prioritariamente, sendo assim, pensamos em
trabalhar os aspectos terminológicos com estratégias que respeitassem a iconicida-
de, os parâmetros da Libras e trouxessem uma melhor aproximação com a realida-
de do campo analisado. Sendo assim, as categorias de votação para a pertinência do
sinal elaborado eram: positiva, mediana ou negativa.
Assim, os sinais elaborados para este momento do projeto preliminar foram:

Figura 1 – Propostas de alguns sinais em educação de trânsito em Libras


Proposta de Sinal Vídeo
Termo
Imagem /Escrita de Sinais QR Code e Link

1 Autoescola

2 Simulador
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 88


Categoria A -
3
Motocicletas

Categoria B -
4
Carros

Categoria C –
5 Caminhões de
pequeno porte

Categoria D -
6
Ônibus

Categoria E –
7 Caminhões de
grande porte

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Com isso, pudemos saber com os participantes da pesquisa o que acharam


sobre as propostas dos sinais pensados para a educação no trânsito. Os resultados
estão expressos no gráfico a seguir.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 89


Figura 2 – Respostas sobre as propostas de sinais

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Após a etapa de afirmação, seguiu-se à apresentação das propostas de sinais


em Libras elaborados para um material terminológico inicial específico e avaliação
da comunidade participante. Percebemos que conseguiu-se transmitir os conceitos
com uma menor quantidade de configurações de mãos, além da boa iconicidade e
aceitação, pois incorporou-se as ações nos movimentos que remetem aos equipa-
mentos e aos significantes que ainda não possuíam sinais específicos na LS. Des-
sa forma, essa proposta de pesquisa em andamento precisa ainda de melhorias e
aperfeiçoar os processos de criação e consulta da comunidade surda possivelmente
usuária destas terminologias.

Considerações finais

Este trabalho constituiu de forma satisfatória uma estudo inicial de recolha de


sinais entrada que incentiva estudos mais aprofundados e estruturados que adotem
metodologias específicas dos eixos de pesquisa de tradução, lexicografia e termino-
logia na Libras, focados na área de conhecimento relacionada ao trânsito.
Quando pensamos na terminologia específica para o trânsito, não queremos
aqui propor formas padrão de comunicação, mas sim pensar em possibilidades
de tradução/comunicação em áreas de conhecimento científico, técnico e outros.
Dessa forma, mesmo que em uma proposta embrionária, mas fundamentada em
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 90


aspectos gramaticais, de uso e até aceitação da comunidade surda é que pensamos
nesta proposta.
Vemos ainda grandes possibilidades de aplicação dessas propostas termino-
lógicas para uma maior aceitação da comunidade surda, tendo em vista que esta
pode apenas refletir sobre a participação de poucos usuários no contexto norte
riograndense. Visamos pensar em incorporar de forma mais específica as caracte-
rísticas das Línguas de Sinais (como línguas visuoespaciais e icônicas), priorizando
a percepção do surdo, com intuito de valorizar sua língua natural, independente da
Língua Portuguesa.
Apesar de uma proposta inicial, acreditamos que se contribuiu, assim, com o
desenvolvimento da Libras e do indivíduo surdo através da pesquisa, priorizando
as características naturais das LS como: modalidade visuoespacial, iconicidade e
sua valorização como língua própria, independente da Língua Portuguesa. Por fim,
esperamos, também, dar suporte ao trabalho dos profissionais tradutores/intérpre-
tes, da comunidade surda e demais usuários da LSB como fonte de consulta.

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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 91


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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 92


DOI: 10.52788/9786589932222.1-6

Língua portuguesa para surdos como L2:


uma análise léxico-gramatical segundo a
Linguística Sistêmico-Funcional

Lucas Eduardo Marques-Santos


Fernanda Gurgel Prefeito

Introdução

O ensino de língua portuguesa para Surdos no Brasil vem, de acordo com


Pereira (2014), sofrendo muitas transformações ao longo dos anos. Isso se deve, em
grande parte, por uma relação estabelecida em um contexto de cultura, em que as
línguas viso-espaciais foram rechaçadas desde a realização do congresso de Milão
em 1880, não apenas por serem línguas majoritariamente usadas, mas por uma
relação cultural, social e identitária de poder e de uma visão médica apoiada à uma
perspectiva de incapacidade.
O objetivo geral dessa investigação foi analisar, apoiados na Linguística Sistê-
mico – Funcional (LSF), um texto produzido em língua portuguesa por um Surdo,
sendo essa sua segunda língua (L2). Isso posto, como objetivos específicos, busca-
mos primeiramente identificar, por meio de elementos léxico-gramaticais, quais
foram os significados experienciais, interpessoais e textuais desenvolvidos em uma
produção escrita surda. Além disso, visamos ampliar a discussão teórico-metodo-
lógica acerca da estrutura e da produção escrita de Surdos em L2.
Buscou-se, também, verificar quais categorias de processos foram instancia-
dos em língua portuguesa, seguindo o contexto de situação em que estes educan-
dos elaboraram suas produções textuais. A seguir, abordaremos questões teórico-
-metodológicas que envolvem a escrita de Surdos como L2 e a LSF.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 93


Língua Portuguesa para Surdos como segunda língua (L2)

Para iniciar a discussão dessa seção, faz-se necessário conceituar em que con-
siste o estudo de Aquisição de Segunda Língua (ASL), pois, de acordo com Gass e
Selinker (2008, p. 1), o termo empregado anteriormente se volta à compreensão de
uma área vinculada ao aprendizado de línguas. Posto que o indivíduo já possui ou
partilha experiências em uma determinada língua que, neste caso, passa a ser sua
primeira língua (L1).

Em outras palavras, é o estudo da aquisição de uma língua não primária; ou seja, a


aquisição de um idioma além do idioma nativo. É o estudo de como os alunos criam
um novo sistema de linguagem com apenas exposição limitada a uma segunda lín-
gua. É o estudo do que se aprende de uma segunda língua e o que não é aprendido; é
o estudo de por que a maioria das segundas línguas os alunos não alcançam o mesmo
grau de conhecimento e proficiência em uma segunda língua como fazem em sua
língua nativa; é também o estudo de por que apenas alguns alunos parecem alcançar
proficiência nativa em mais de um idioma. Além disso, a aquisição de um segundo
idioma é preocupada com a natureza das hipóteses (sejam conscientes ou incons-
cientes) que os alunos propõem em relação às regras de segunda língua.

Nesse sentido, as pessoas participam do mundo por meio de suas experiên-


cias visuais e por esse motivo observa-se o uso das línguas de sinais – LS como na-
turais a estes indivíduos (QUADROS E KARNOPP, 2004) De modo que, no Brasil,
tem–se o início da educação de Surdos a partir da criação do Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos instituído por Dom Pedro Segundo e que ao longo dos anos contri-
buiu para a formação da língua Brasileira de Sinais como a conhecemos atualmen-
te. Vale destacar o empenho do professor francês Ernest Huet na formação inicial
do processo de formação acadêmica e cidadã dos Surdos brasileiros.
Com a chegada da normatização oralista, que se deu em âmbito mundial, a
partir do Congresso de Milão em 1880, a comunidade surda brasileira sofreu os
impactos do método oral, o que contribuiu para a marginalização da LS e para a
falta de aquisição de uma língua que atendesse a necessidade desse povo, o que im-
pediu durante anos o fortalecimento de sua cultura (STROBEL, 2008, 2009) contri-
buindo assim para o apagamento das identidades Surdas (PERLIN, 2016).
Foi então, após o fim da guerra fria, da derrubada do muro de Berlin, em um
mundo hegemonicamente capitalista que, no início dos anos 90, em Salamanca, na
SUMÁRIO

Espanha, que se deu início a uma nova perspectiva sobre a inclusão de pessoas com

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 94


deficiência, o que contribuiu para o estabelecimento do método de Comunicação
Total para Surdos.
Assim, o ensino de Língua Portuguesa – LP, enquanto L2, tem, no contexto
brasileiro para Surdos, atualmente, o respaldo de Leis como a Lei 10.436/02 e o De-
creto 5626/05 que preveem o ensino de LP em sua "modalidade escrita" (SOUZA,
2018).

Linguística Sistêmico-Funcional

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) possui o foco no uso da língua


como interação entre os falantes e é utilizada no meio social, a fim de que os indi-
víduos desempenhem papéis sociais. Para isso, tem-se que a língua é um sistema
de escolhas que, ao final, gerará uma significação. Dessa forma, entende-se que a
linguagem é um sistema semiótico baseada na gramática, com uma organização
em estratos e uma diversidade funcional. Barbara e Macêdo (2009, p. 90) afirmam
que a LSF é:

caracterizada como uma teoria social porque parte da sociedade e da situação de uso
para o estudo da linguagem; seu foco está em entender como se dá a comunicação
entre os homens, a relação entre indivíduos e desses com a comunidade. Caracte-
riza-se também como uma teoria semiótica porque se preocupa com a linguagem
em todas as suas manifestações. Procura desvendar como, onde, porque e para que
o homem usa a língua, bem como a linguagem em geral, e como a sociedade o faz
(BARBARA E MACEDO, 2009, 90).

Nesse sentido, a LSF compreende a língua através da sua função na sociedade,


o porquê uma construção foi realizada de uma forma e não de outra. Por exercer
um papel na sociedade a língua contém um potencial de significados, possuindo,
assim, um aspecto semântico que é realizado por estruturas gramaticais e itens
lexicais.
Essa teoria busca compreender a comunicação humana por meio do funcio-
namento da linguagem como um sistema. Para tal vale-se que a unidade semântica
é o texto em si. Para Fuzer e Cabral (2014, p. 21) o sistema “[...] é o ordenamento
paradigmático da linguagem: padrões ou regularidades, que respondem à pergunta
“o que pode figurar em lugar de quê?’. Com isso, nota-se que o sistema é um con-
junto de alternativas que podem construir um texto.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 95


Esse conjunto de alternativas será escolhido pelo falante mediante o contex-
to em que está inserido, são eles: contexto de cultura e contexto de situação, em
que o segundo está inserido no primeiro. Logo, o texto sempre estará nos dos dois
contextos. O primeiro contexto, segundo Halliday (1978, p. 109) é “[...] é todo o
sistema semântico da língua.”, ou seja, está relacionado a cultura de países, grupos
étnicos, grupos sociais, enfim é o ambiente mais amplo em que o sujeito está inseri-
do. Eggins (2004) afirma, ainda, que é o conjunto de procedimentos que as culturas
institucionalizam a fim de alcançar seus objetivos.
O contexto de situação, para Halliday (1978, p. 109) é “[...] o sistema semânti-
co particular, ou conjunto de subsistemas, que é associado com um tipo particular
de situação ou contexto social.” Assim, ele ocorre no momento em que o texto está
sendo produzindo, ou seja, é o “ambiente do texto” Halliday e Hassan (1989). Há
nesse contexto elementos que estão relacionados ao texto no momento em que está
sendo realizado, o que possibilita prever quais serão os significados trocados na
interação.
O contexto de situação possui variáveis de registro em que o texto se insere:
campo, relações e modo, que estão relacionadas as funções das linguagens deno-
minadas por Halliday (1994) e Halliday & Matthiessen (2004, 2014) de metafun-
ções da linguagem, sendo elas: ideacional, interpessoal e textual. Assim, o campo
realiza-se através da metafunção ideacional que segundo Gouveia (2009, p. 27) é
“à codificação da experiência, àquilo de que se fala, ao assunto do texto”, ou seja,
possui o foco nas ações verbais ou não verbais dentro do texto.
As relações são realizadas através da metafunção interpessoal, e diz respeito às
relações pessoais e aos participantes do texto. Para Barbara e Macedo (2009, p. 92),
as relações estão ligadas “[...] aos papeis desempenhados e às relações interpessoais
presentes no discurso”. O modo é expresso através da metafunção textual.Assim, re-
fere-se ao papel que a linguagem está sendo desempenhada na interação. Gouveia
(2009, p. 27) diz que é o “[...] modo como a linguagem funciona na interação verbal
particular, se é escrita ou falada, se é argumentativa, descritiva, etc.” Dessa forma,
este estudo focou em estudar as três metafunções dentro de um texto escrito por
um discente Surdo.
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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 96


Metafunção ideacional

A metafunção ideacional é a possibilidade de a linguagem falar sobre o


mundo físico e/ou mental. Possui o foco no conteúdo da mensagem transmitida e
na maneira como a língua opera para que os interactantes se comuniquem. Nela,
podem ser encontrados dois níveis, sendo eles o experiencial e a lógica. O primeiro
está relacionado com a experiência de mundo do indivíduo. O segundo é a maneira
como as partes de um texto se juntam para garantir a lógica dos conteúdos. Para
Gouveia (2009, p. 16), os dois níveis servem à representação na metafunção idea-
cional.
Dentro do nível experiencial na LSF, encontra-se o Sistema de Transitivida-
de que, diferente da gramática normativa, estuda a oração inteira e não apenas o
verbo. Halliday e Matthiessen (2014, p. 220) afirmam que a análise de transitivi-
dade é realizada através três componentes: processos (realizada tipicamente pelos
grupos verbais), participantes (realizada pelos grupos nominais) e circunstâncias
(realizada através dos grupos adverbiais ou orações preposicionais), de modo que
esses componentes são organizados em configurações que fornecem modelos para
construir a nossa experiência.
Halliday e Matthiessen (2004) descrevem seis tipos de processos, dos quais
três são considerados principais: materiais, mentais e relacional, enquanto os ou-
tros três são secundários, a saber: comportamentais, verbais e existenciais. Porém,
os autores deixam claro que “[...] não há prioridade de um tipo de processo sobre o
outro. Mas eles estão ordenados; e é importante que em nossa metáfora concreta e
visual, eles formem um círculo, e não uma linha” (HALLIDAY E MATTHIESSEN,
2004, p. 171).
Dito isso, o processo é o centro experiencial da oração, o participante é aquele
que está diretamente ligado ao processo, sendo afetado ou causando a mudança
dentro do tempo verbal, e a circunstância é a informação a mais sobre o que está
acontecendo.

Metafunção Interpessoal

Halliday (1994) estabelece a sua gramática, ainda, a partir de uma perspectiva


focada na funcionalidade das interações, pois, para ele, o participante, indivíduo
que produz uma determinada mensagem, desempenha uma espécie de papel so-
SUMÁRIO

cial, ou seja, o texto é utilizado como mecanismo interacional.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 97


Nesse sentido, os envolvidos no ato comunicativo visam gerar uma deter-
minada resposta, podendo expressar suas opiniões e/ou pontos de vista. Sob esse
prisma, o autor nos informa que as significações são ocasionadas pelos contextos,
sejam eles o de cultura e o de situação, como já evidenciamos acima. De acordo
com esse conceito apresentado, para Halliday, nessa metafunção há a operação do
sistema de MODO.
Apoiadas na LSF, Fuzer e Cabral (2014) afirmam que os interlocutores en-
volvidos em um ambiente comunicativo se apropriam de dois papéis ligados às
funções da linguagem, que são o Dar e o Solicitar. As ações que se voltam ao con-
ceito do Dar sugerem uma espécie de convite ou a receber algo ou alguma coisa de
alguém, seja em um nível concreto ou não. Enquanto que o conceito vinculado ao
Solicitar se firma no princípio de pedir e receber.
Vale destacar, também, que os mecanismos que envolvem essas trocas pro-
duzem duas espécies de grandezas, sendo elas: as Informações, pois através do uso
da linguagem um indivíduo estabelece uma espécie de canal comunicativo, consi-
derando que seu interlocutor tenha ciência e/ou gere algum tipo de resposta; e os
Bens e Serviços, enquanto há uma certa intencionalidade proposicional discursiva
que sugere influenciar determinados comportamentos dos envolvidos no diálogo
(FUZER; CABRAL, 2014).
Halliday (1994) indica que existiriam, ainda, duas formas de instanciação lin-
guística para que essas trocas possam ser realizadas, estas seriam as proposições,
que serviriam para promover inferências ao que foi expresso pelo indivíduo. De
modo que, quando há a proposta, esta responsabilizar-se-ia em fornecer ou ofertar
algum tipo de negação ou afirmação sobre o que foi proferido pelo participante em
sua interação comunicativa.
Esse sistema é constituído pela relação dada entre Modo, que é representado
pela união do Sujeito (grupo nominal) e do Finito (grupo verbal), sendo que esse
último pode ser associado à polaridade, e o Resíduo, que seria os outros elementos
restantes na oração e que se subdividem em três: o Predicador, que está presente
em orações que não aparecem o uso de elipses e se caracteriza por ser realizado em
grupos verbais ou temporais, uma vez que não se vincula ao Finito; o Complemen-
to, que constitui o Resíduo e se assemelha a um Sujeito; já os Adjuntos são realiza-
dos por grupos gramaticais, pois não podem se tornar sujeitos oracionais.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 98


Outro recurso interpessoal que também está ligado à metafunção interpesso-
al se dá entre os níveis de polaridade, pois mantém uma intrínseca relação com o
julgamento exercido, opinião expressa ou ponto de vista, sendo estes chamados de
Modalidade, que se subdivide em Modalização, inseridas nas estruturas proposicio-
nais; e em Modulação, referente às propostas.

Metafunção textual

A Metafunção textual está relacionada com a maneira como a linguagem é


organizada na mensagem. Dessa forma, organiza os significados ideacionais e in-
terpessoais dentro de um determinado texto de forma linear e coerente para que o
ouvinte/leitor reconheça o que está sendo transmitido. Pode-se dizer, assim, que a
Metafunção textual estrutura as outras duas para que a comunicação seja feita.
Esta organização é feita através de dois sistemas distintos e complementares:
estrutura temática (Tema e Rema) e estrutura de informação (informação Dada e
informação Nova). A Estrutura da Informação é organizada pelo o que é Dado e
o que é Novo, em que o Dado “é o elemento de conhecimento compartilhado ou
mútuo entre os interlocutores” (FUZER e CABRAL, 2014, p.128) e é considerado
previsível pelo contexto o qual está inserido. O Novo é aquele elemento que não é
conhecido, reconhecido ou recuperável pelo ouvinte/leitor.
Assim, para que o texto seja coerente e coeso, é necessário manter equilíbrio
entre esses dois elementos. Esse equilíbrio é dado através das escolhas do falante/
escritor para organizar seu texto, escolhendo o elemento que ocupará a posição ini-
cial da oração e o que dará a continuidade da oração, sendo dessa forma a Estrutura
Temática.
Para Olioni (2010, p. 42) a Estrutura Temática “[...] opera no nível da oração,
dando a esta seu caráter de mensagem: uma parte dela, que possui estatuto especial,
o Tema, se une ao restante da oração – o Rema -, parte para onde a oração se move
depois do ponto de partida.”
Assim, o Tema é o ponto de partida da mensagem. Porém, Halliday (1994)
deixa claro que esse não pode ser a forma com o que é definido, mas sim pelo meio
pelo qual será definido. Assim, Tema + Rema organizam a oração como enunciado.
SUMÁRIO

O Tema definirá sobre o que será a mensagem. Halliday (1994, p. 67) “na estrutura

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 99


Tema-Rema, é o Tema que é considerado o elemento proeminente”, normalmente,
sendo um grupo nominal exercendo a função de Sujeito na oração declarativa, cha-
mado de Tema não marcado. Outra opção para iniciar-se uma sentença é o Tema
marcado, quando não é o Sujeito da oração, já que os elementos se encontram em
ordem indireta.

Metodologia

Com a finalidade de elaboração deste artigo foi realizado um levantamento


bibliográfico, a fim de estabelecer uma discussão teórico-metodológica a respeito
da escrita de Surdos ,considerando que estes utilizam a LP enquanto L2, bem como
pesquisas voltadas para a área da LSF e as suas Metafunções (ideacional, interpes-
soal e textual).
Vale salientar que as análises aqui apresentadas foram elaboradas segundo o
estrato léxico-gramatical, no qual, respectivamente, tem-se o sistema de transiti-
vidade, o sistema de MODO e o sistema de organização da mensagem em Tema/
Rema, de modo que a identificação e classificação dos componentes de cada siste-
ma foram feitas separadamente, como evidenciado nas análises.
Assim, buscamos, primeiramente, identificar os processos, de acordo com o
sistema de transitividade, o que nos deu subsídios para apontar os participantes e
as circunstâncias, uma vez que, no texto, há a ausência de pontuação por parte do
discente. Portanto, as análises elaboradas por meio do sistema de MODO e de Tema
e Rema partiram desse mesmo princípio para que pudéssemos desenvolvê-las.
Para a seleção do corpus, foi realizada uma leitura dos seis textos produzidos
pelo discente Surdo referentes às imagens mostradas a eles. Assim, foi selecionado
o texto de número seis, uma vez que, por meio de uma leitura prévia, pareceu-nos
que este possuía maior quantidade de elementos léxico-gramaticais em vista dos
outros cinco.
Nossa premissa é realizar, neste artigo, um estudo inicial a cerca desse tipo
de texto a partir de um modelo analítico sistêmico-funcional, o qual sugere uma
perspectiva holística, contextual, permeada por relações socioculturais, em que os
participantes envolvidos, a partir do uso da léxico-gramática, constituem represen-
tações significativas para atingir a finalidade da comunicação (VIAN JR., 2014).
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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 100


Figura 1: sequência de Imagens para a construção do texto em L2.1

Fonte: Retirado de Meirelles; Spinillo, (2004, p. XX).

Posto isso, o texto apresentado na figura 2, a seguir, foi produzido por um dos
discentes pesquisados, transcrito e organizado de acordo com a metodologia de
análise sistêmico-funcional, como mencionado anteriormente. Enquanto contexto
de cultura, tem-se a realidade de inserção dos Surdos em um ambiente inclusivo e
a exigência de produção da LP, uma língua oral-auditiva, em sua modalidade escri-
ta. Já o contexto de situação é experienciado pelos participantes com o objetivo de
produção do texto a partir de uma organização visual de acontecimentos e o incen-
tivo à escrita em L2 vinculada às variáveis de registro que serão melhor descritas
no referencial teórico.

Figura 2: Texto produzido por um discente Surdo.2

Fonte: Retirado de Meirelles e Spinillo (2004, p.138).

1 As sequências de imagens apresentadas foram utilizadas a partir do método utilizado por Shapiro e Hudson (1997),
que foi aplicado a quarenta adolescentes surdos, sendo que eles possuíam faixa etária entre 14 e 19 anos e que estavam
cursando o ensino fundamental em escolas e centros de reabilitação em Recife e Fortaleza. MEIRELLES e SPINILLO
(2004).
2 “A mãe fazer cozinho biscoito a criança rolo bandeja colocou demorou minitos 15. Fica não bom pegou
fogo. Criança ficar chorar triste menina mãe falou calma não chorar e mãe vai compra ajuda qualquis você
SUMÁRIO

tem vontade pode menina BISTOITO” Meirelles e Spinillo (2004, p.138).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 101


Destaca-se, ainda, que todos os exemplos neste artigo foram codificados com
a seguinte legenda: (E#n), em que E indica exemplo, # é utilizada como símbolo de
separação, seguido pelo número do exemplo. Portanto, E#1, significa Exemplo 1.

Análise segundo a Metafunção Ideacional

Como visto acima, a Metafunção ideacional serve, segundo Halliday e Mat-


thiessen (2014), para indicar as experiências e o contato dos seres humanos com
o mundo em que esse se encontra inserido. Observamos o texto selecionado por
meio do Sistema de Transitividade e as representações encontradas.
De modo que, para a LSF, a representação é construída a partir da instancia-
ção da língua que se materializa em seu estrato léxico-gramatical, ou seja, é em sua
função experiencial que a oração nos permite “representar padrões de experiência”
(HALLIDAY, 1994, p.106).
A princípio, foi possível identificar no texto em LP como L2 que o educando
Surdo, considerando a sequência de imagens apresentada, busca realizar em sua
escrita a representação: a) da mãe; b) da criança/menina e c) do bolo/ biscoito. A
seguir veremos como a transitividade sistêmico-funcional revela o papel represen-
tacional exercido pela mãe, a partir dos processos encontrados nos trechos anali-
sados.

a) Representação da mãe

E#1 A mãe Fazer cozinho Biscoito


Ator Processo Material Meta

E#2 Mãe Falou Calma não chorar e mãe vai compra ajuda qualquis
você tem vontade pode menina BISTOITO3.
Dizente Processo Verbal Citação

3 A operação grafo-fonológica devido à característica do discente Surdo, pois não utiliza a oralidade da Língua Portu-
SUMÁRIO

guesa.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 102


Podemos notar, de acordo com os excertos acima, que em sua escrita o edu-
cando Surdo representa a mãe como participante, em que ela aparece assumindo o
papel de Ator, quando realiza atividades, sendo essas instanciadas pelo uso de pro-
cessos materiais: “fazer cozinho”, e de Dizente, quando o escritor utiliza o processo
verbal “falou”.
Desse modo, enquanto Ator ela (mãe), assume o papel de provedora ao fazer/
cozinhar um bolo/biscoito para a filha. Por isso, o produto de sua ação pode ser vis-
to como Meta. Já como Dizente, ela se torna orientadora, ao pedir que sua filha se
acalme, pois irá comprar um bolo/biscoito para ela, observa-se que, para expressar
esse ato, o autor Surdo faz ainda o uso de uma oração projetada do tipo citação que,
segundo Fuzer e Cabral (2014, p. 74), consiste em reproduzir a fala de alguém, nor-
malmente, introduzida por aspas ou travessão. Dito isso, a segunda representação
encontrada foi a da criança/menina, aparecendo três vezes no texto:

b) Representação da criança/menina

E#3 A criança Rolo4 Bandeja colacou5


Ator Meta Circunstância de localização (lugar) Proc. Material

Criança ficar chorar


E#4
Comportante Processo comportamental

Triste menina [processo]


E#5
Atributo Portador Processo relacional

De acordo com os excertos colocados acima, é possível observar que a escolha


léxico-gramatical do discente Surdo representa criança/menina como Ator, Com-
portante e Portador. Enquanto Ator, a criança auxilia a mãe no preparo do bolo.
Essa ação é evidenciada pelo uso do processo material “colocou”, que está vincu-
lado à Meta “bolo”, ou seja, o produto que a criança segura em uma das imagens
apresentadas o colocando na bandeja para ir ao fogo.

4 A operação grafo-fonológica devido a característica do discente Surdo, pois não utiliza a oralidade da Língua Portu-
guesa.
5 A operação grafo-fonológica devido a característica do discente Surdo, pois não utiliza a oralidade da Língua Portu-
SUMÁRIO

guesa.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 103


Já como Comportante e Portador, a criança expressa os sentimentos e ações
de seu comportamento vinculado ao resultado do bolo queimado, uma vez que
“ficar chorar” é um processo comportamental que configura uma emoção e uma
ação física, pois, ao mesmo tempo, pode ser ligado à classe dos processos mental e
material.
O discente Surdo, ao descrever as imagens, tenta, em sua escrita de L2, re-
presentar a menina e os sentimentos, porém seguindo os aspectos de que este edu-
cando não partilha experiências orais-auditivas. Por conseguinte, em sua L2, não
consegue organizar sintaticamente o texto em LP. Isso revela que ele ainda não
consegue, sob o ponto de vista do sistema de Transitividade, separar cada represen-
tação, quando consideramos o uso dos grupos nominais, verbais e circunstanciais
presentes em uma oração.
Por isso, o trecho “criança ficar chorar triste menina” possui o que chamamos
de complexo oracional, que é composto por duas orações e, consequentemente,
duas representações distintas da criança/menina, em que o atributo “triste” está re-
lacionado com o fato de o bolo ter queimado, ou seja, expressão de seus sentimen-
tos e o “ficar chorar” como comportamento. Entendemos, então, que na segunda
oração existe um processo relacional em elipse.

c) Representação do bolo/biscoito

O bolo/biscoito foi o participante principal do texto, pois através dele foi


criada a narrativa pelo educando, desde sua preparação até seu resultado. Nesse
sentido, vale destacar que, em relação às outras representações analisadas, o bolo/
biscoito, enquanto participante, é retomado ao longo do texto em elipse.

A mãe Fazer cozinho biscoito


E#6
Ator Processo Material Meta

A criança Rolo Bandeja colacou


E#7
Ator Meta Circunstância de localização (lugar) Proc. Material
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 104


[o bolo] Demorou Minitos6 15.
E#8
Ator Proc. material Circunstância de localização (tempo)

[o bolo] pegou
[o bolo] Fica Não bom
fogo.
E#9
Processo Adjunto modal de Atributo
Portador Oração encaixada
relacional polaridade negativa resultativo

[o bolo] Pegou fogo.


E#10 Ator Processo Material Escopo-processo
Oração encaixada

Calma não chorar e mãe vai compra ajuda qual-


Mãe Falou
E#11 quis você tem vontade pode menina BISTOITO.
Dizente Processo Verbal Citação

Sendo assim, o bolo/biscoito foi representado em sua grande maioria como


Ator, que aparece em elipse no desenvolvimento do texto, ou seja, mesmo que ele
não esteja instanciado por um item léxico-gramatical, nota-se que esse (bolo/bis-
coito) assume a posição de participante. Outro ponto que vale ser destacado é que,
enquanto Ator, encontra-se associado a processos materiais como “demorou” e
“pegou”, de modo que, quando o educando Surdo passa a considerá-lo como Meta,
o bolo/biscoito passa então a um status de produto que só é possível após a ação
seja da mãe ou da criança/menina.

Análise segundo a Metafunção Interpessoal

Como vimos, a Metafunção Interpessoal é determinada pela variante relações


dentro do contexto, é nela que ocorrem as relações entre as pessoas em que elas,
segundo Thompson (1996), trocam e negociam significados. Assim, para que os
interactantes interajam é necessário que o falante/escritor adote um determinado
papel discursivo (função de fala), a fim de fazer com que o ouvinte/leitor o respon-
da de forma negativa ou afirmativa.

6 A operação grafo-fonológica devido à característica do discente Surdo, pois não utiliza a oralidade da Língua Portu-
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guesa.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 105


A mãe fazer cozinh... ...o biscoito
E#12 Sujeito - Predicador complemento
Modo Resíduo

A criança Rolo bandeja Colac... ...ou


E#13
Sujeito Complemento Adjunto Finito Predicador

E#14 [o bolo] demor... ...ou minitos 15.


Sujeito Finito Predicador Adjunto modal de temporalidade

[o bolo] Fic... ...a não bom

E#15 Adjunto modal de complemento


Sujeito Finito Predicador
polaridade negativa
Modo Resíduo

[o bolo] peg... ...ou fogo.


Sujeito Finito Predicador Complemento
E#16
Modo Resíduo
Oração Encaixada

Criança ficar chor... ...ar


E#17 Sujeito - Predicador
Modo Resíduo

Triste menina [processo]


E#18 Complemento Sujeito ?
Resíduo Modo

e mãe vai compra ajuda


qualquis você tem
Mãe Fal... ...ou Calma não chorar
vontade pode menina
BISTOITO.
E#19
Função de
Fini- Predica- Função de fala: pergunta
Sujeito Expletivo fala: coman-
to dor Modulação de inclinação
do
SUMÁRIO

Modo Resíduo

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 106


Sob uma perspectiva vinculada à Metafunção Interpessoal, que está ligada,
como visto anteriormente, ao sistema de MODO, vemos que, apesar da falta de
pontuação, foi possível identificar a utilização do Modo oracional declarativo na
produção da narrativa em L2 escrita pelo educando Surdo.
Observamos, no texto acima analisado, que em consonância às suas expe-
riências interpessoais e inclusive em relação ao contexto de cultura, que para o
discente Surdo autor do texto, a mãe, para ele, sempre está posicionada a oferecer
bens e serviços e informação à criança/menina, que por sua vez assume o papel de
solicitante destes bens e serviços oferecidos por sua mãe.
Além disso, foi possível identificar o uso da polaridade negativa associada
à produção/resultado do bolo preparado pela mãe. Observou-se, também, que o
discente utilizou avaliações que analisamos segundo o sistema de Avaliatividade,
que se encontra no estrato semântico-discursivo (MARTIN E WHITE, 2005) e
que pode ser comprovado pelas seguintes orações “[Bolo] fica não bom”. Nota-se a
utilização de apreciação do tipo valoração, em que há uma carga negativa associada
ao produto. Já em “[bolo] pegou fogo”, o escritor Surdo usa uma apreciação do tipo
composição equilíbrio, uma vez que essa avaliação está associada ao “bolo” ante-
riormente também instanciado.
Outro ponto que merece destaque quando analisamos a relação do educando
Surdo com o texto é que, por meio dessa metafunção em sua escrita de LP como
L2, este discente conseguiu desenvolver um texto complexo e completo utilizando
o sistema de MODO (Modo + Resíduo). Nesse sentido, entendemos que esse se
tornou um estudo inicial acerca da escrita em L2 de pessoas surdas. Visto que, ao
longo dos anos, a comunidade surda brasileira vem sofrendo dentro das escolas
“inclusivas” quando a maioria dos professores marcam o texto de um Surdo como
errado, o que ocasiona um abandono escolar.

Análise segundo a Metafunção Textual

Será abordado neste capítulo a análise referente à Metafunção Textual, que


diz respeito a organização da mensagem para que a comunicação seja realizada de
SUMÁRIO

forma linear, coerente e coesa.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 107


A mãe Fazer cozinho biscoito
E#20
Tema não marcado Rema

A criança Rolo bandeja Colacou


E#21
Tema não marcado Rema

[o bolo] Demorou minitos 15.


E#22
Tema não marcado Rema

E#23 [o bolo] fica não bom


Tema não marcado Rema

[o bolo] Pegou fogo.


E#24 Tema não marcado Rema
Oração Encaixada

Criança ficar chorar triste menina


E#25
Tema não marcado Rema

Calma não chorar e mãe vai com-


Mãe Falou pra ajuda qualquis você tem vonta-
E#26 de pode menina BISTOITO.
Tema não marcado Rema

Como é possível notar, o discente Surdo consegue construir uma sequência


dentro do texto, organizando o fluxo discursivo e criando coesão e continuidade li-
near do texto. Assim, o enunciado é organizado de forma que existe a relação entre
as Metafunções ideacional e interpessoal. Para a construção do texto, o autor uti-
lizou o Tema como ponto de partida da oração seguido do Rema como o restante
da oração, fazendo, assim, uma sequência lógica para que o ouvinte/leitor pudesse
compreender o que está sendo produzido.
Mas, como visto no texto acima, nem sempre o Tema será expresso, ele tam-
bém poderá estar em elipse, como nos trechos “[o bolo] demorou minitos 15”, “[o
bolo] fica não bom” e “[o bolo] pegou fogo”, em que “o bolo” é o Tema em elipse nas
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 108


orações. Outro aspecto utilizado pelo Surdo foi o Tema não marcado, sendo ela-
borado por um grupo nominal que possui uma função interpessoal como: “mãe”,
“criança”, “o bolo”.

Considerações finais

É possível analisar escrita de Surdos em língua portuguesa como L2 por meio


das Metafunções (ideacional, interpessoal, textual) da LSF. O texto selecionado in-
dica alterações no padrão de analise dessa escrita se comparada às suas regras sin-
táticas de escrita.
Uma análise ideacional indica que a partir de suas experiências visuais os Sur-
dos conseguem instanciar em LP os processos que foram apresentados por meio de
sequência de imagens.
Já em uma análise interpessoal, foi apresentado que o excerto analisado con-
tém elementos léxico-gramaticais que expressam o uso do sistema de MODO e
os significados interpessoais em que se observou a presença do sujeito, do finito
e do resíduo, sendo esse último alcançado por meio de complementos e adjuntos.
Esses dados revelam que o escritor Surdo, em sua escrita de LP como L2, produz
um texto carregado de significação, o que desmistifica a premissa incapacitante das
pessoas Surdas quanto à LP.
Na análise textual foi possível verificar a completude do posicionamento e
organização dos significados experienciais e interpessoais do texto estudado,
que, segundo Halliday, é estabelecida a partir de uma organização do Tema e do
Rema.

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CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 109


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DOI: 10.52788/9786589932222.1-7

Reflexões sobre o texto literário no


ensino de português para surdos como
segunda língua

Suelen Silva de Oliveira


Thainã Miranda Oliveira

Introdução

Utilizar textos literários como recurso metodológico no ensino de segunda


língua (L2) é usual no campo da linguística aplicada. Considerando isso, esse tra-
balho propõe refletir as possíveis contribuições desse método no ensino de Língua
Portuguesa (LP) para surdos. As questões que permeiam o ensino de LP como
L2 na modalidade escrita para surdos são complexas, pois as comunidades surdas
brasileiras vivem em contextos de subordinação linguística, em que a língua utili-
zada - a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – difere da língua majoritária do país.
Logo, a Libras é utilizada por uma minoria linguística e, como tal, enfrenta desafios
políticos comuns a outras comunidades linguísticas minoritárias.
Entretanto, diferente de outras comunidades linguísticas minoritárias, por
exemplo, indígenas e imigrantes, os indivíduos surdos não adquirem de forma na-
tural e espontânea a língua majoritária, no caso do Brasil, a LP. Isso porque os
surdos adquirem naturalmente línguas de modalidade viso-espacial e apresentam
barreiras, dado a condição da surdez, ao adquirirem línguas de modalidade oral-
-auditivo, sendo o aprendizado da LP um processo sistemático.
Somado a essas questões, embora a LP seja considerada a segunda língua dos
Surdos, essa é apresentada e imposta às crianças Surdas anteriormente ao ensino
de Libras, evidenciando outra forma de dominação linguística. Isso ocorre devido
SUMÁRIO

à maioria das crianças surdas serem filhas de pais ouvintes e, consequentemente,

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 112


adquirem Libras tardiamente. Esse fenômeno educacional contradiz a Declaração
Universal dos Direitos Linguísticos, a qual promulga que todos os indivíduos têm
direito “ao ensino da própria língua e da própria cultura” (BARCELONA, 1996, p.
5). Portanto, os surdos têm direito ao ensino da Libras e da cultura surda imediata-
mente ao ingresso escolar, evitando, assim, uma sobreposição de importância entre
Libras e LP.
Além do problema acima levantado, sobre os surdos não serem alfabetizados
em sua língua natural, ainda há outra questão enfrentada por todos: surdos e ou-
vintes, que é a forma como o ensino de LP tradicionalmente é abordado nas escolas.
A metodologia atual tem mostrado problemáticas, pois os estudantes não alcançam
a compreensão textual necessária para analisar criticamente as informações expos-
tas nos textos (BRAGGIO, 1992). Um dos aspectos que contribui para tal situação
se deve à abordagem utilizada pelas escolas. Elas não privilegiam a leitura crítica
e “baseando-se em uma visão já tradicional de leitura e escrita, continua a ver o
aprendizado dessas práticas como decifração de signos linguísticos transparentes”
(MATENCIO, 1994, p. 17). Essa abordagem estruturalista desconsidera que a leitu-
ra e escrita caminham juntas, pois não há leitura sem texto e nem texto sem leitura.
Matencio (1994) também discute sobre as consequências da abordagem tra-
dicional e afirma que as dificuldades do aluno de ler e de escrever um texto coeren-
te o transformam em um símbolo do fracasso e abandono do sistema público de
educação. No mesmo sentido, Vygotski (2001), ao refletir sobre o desenvolvimento
cognitivo define que a leitura e a escrita formam a base para todas as outras disci-
plinas escolares “a aprendizagem da escrita é uma das matérias mais importantes
da aprendizagem escolar em pleno início da escola” (VYGOTSKI, 2001, p. 332).
Assim, o estudante com déficit no domínio da leitura e da escrita, dificilmente terá
sucesso em qualquer outra disciplina escolar. O fracasso escolar inicia-se a partir
do fracasso textual.
A autora Braggio (1992), apresenta um modelo de leitura alternativo à abor-
dagem tradicionalista – o Modelo Interacionista de Leitura. Alinhado com as prer-
rogativas Vigotskiana, nessa metodologia “o texto é visto como uma unidade básica
da língua, onde é tomada holisticamente” (BRAGGIO, 1992, p. 61). Nesse sentido,
a utilização de textos descontextualizados e sem finalidade significativa, prática
comum na abordagem tradicionalista, agora é substituída por textos com inten-
SUMÁRIO

cionalidade comunicativa, como é o caso dos textos literários. As narrativas literá-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 113


rias, para o Modelo Interacionista de Leitura, constituem um texto real complexo e
completo suficiente para estimular a aquisição da escrita, proporcionando, assim, a
formação de leitores críticos.
Os entraves metodológicos explanados também afetam, como afirmado ante-
riormente, o ensino de LP para surdos, pois em grande parte das escolas regulares
não existem classes separadas para surdos e ouvintes. Ainda que o português seja a
segunda língua do ser surdo e a língua materna do ouvinte, a prática em sala prio-
riza metodologias de língua materna, pois a maioria são ouvintes. Devido a tais
problemáticas metodológicas sobre o ensino de LP e levando em consideração as
especificidades linguísticas das comunidades surdas brasileiras os contextos tradi-
cionais de ensino apresentam falhas em vários pontos, já que além de não levarem
o indivíduo à compreensão linguística e à reflexão necessária, diante do texto, tam-
bém não utilizam de abordagens focadas no ensino desta língua como segunda.
Portanto, este trabalho procura investigar possíveis contribuições do texto literário
como recurso metodológico para o ensino/aprendizagem da LP na modalidade
escrita para surdos.
Para tanto, esta pesquisa busca refletir, por meio de textos teóricos, as possí-
veis contribuições pedagógicas dos textos literários no ensino de português para
surdos como segunda língua. Assim, primeiramente, é apresentado um panorama
geral das concepções de educação, a fim de delimitar a abordagem pedagógica a ser
considerada nesta proposta metodológica. Em seguida, são abordada as principais
metodologias de ensino de língua e suas respectivas bases linguísticas, pois, como
dito anteriormente, o objetivo é identificar a metodologia de ensino de língua em
que cabe a utilização de textos literários como método de ensino de língua. Por
último, são dissertadas as contribuições da utilização de textos literários para a for-
mação holística, cognitiva e crítica no ensino de LP para surdos. Tais reflexões são
baseadas em livros e artigos teóricos que tratam do assunto. Portanto, a pesquisa
tem caráter bibliográfico como procedimento metodológico.
Nomeia-se como "abordagem" os pressupostos teóricos que envolvem ques-
tões filosóficas educacionais. Já em relação ao termo "metodologia", são considera-
das as concepções linguísticas que influenciam o ensino de língua. Por fim, "méto-
do" são os recursos utilizados para colocar em prática uma metodologia de ensino
de língua.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 114


Abordagens pedagógicas

A partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a caminhada histó-


rico-política da educação no Brasil mudou e nas últimas décadas passou a atender
todas as pessoas com necessidades educacionais especiais, um marco histórico. Se-
gundo Loureiro (2006), o termo "necessidades educacionais especiais" não se refere
apenas a estudantes com deficiências, mas também a estudantes marginalizados
por questões financeiras, raciais, psicológicas, linguísticas, culturais ou quaisquer
outros quadros que configurem necessidades especiais educacionais. Essa traves-
sia é humanisticamente necessária, sendo o próximo passo privilegiar a qualidade
educacional a esses novos perfis estudantis.
Dentro desse quadro, a educação de surdos tomou um novo rumo. Antes
eles eram agrupados e recolhidos em instituições próprias para deficientes. Hoje,
como defende Loureiro (2006) a eficácia desse novo modelo de ensino preconiza
que “[...] todos, sem exceção, devem participar da vida acadêmica, em escolas ditas
comuns, nas classes ditas regulares, onde deve ser desenvolvido o trabalho pedagó-
gico que sirva a todos, indiscriminadamente” (LOUREIRO, 2006, p. 13).
Apesar dessas mudanças epistemológicas terem sido benéficas ao público sur-
do as comunidades surdas reivindicam outras demandas pedagógicas, dentre elas a
educação bilíngue. Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), caminha com
outras legislações anteriores estabelecendo que todo o sistema educacional, público
ou privado, deve aceitar e disponibilizar os recursos necessários para a educação de
pessoas surdas. Essa lei ainda garante a pessoas surdas “oferta de educação bilín-
gue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa
como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas” (BRA-
SIL, Lei 13.146/2015, art. 28).
Essas graduais transformações no cenário educacional foram possíveis graças
a avanços culturais, estando o conceito de educação continuamente em crise e re-
significação. No campo ideológico, discute-se duas distintas abordagens-base para
se compreender o processo educacional, a racionalista e a humanista (GAUTHIER;
TARDIF, 2010). Assim, a partir dessas duas grandes abordagens surgiram várias
outras vertentes que buscam definir a educação. Entretanto, esse trabalho se limita
a discutir apenas duas abordagens: tradicional e/ou comportamentalista e intera-
cionista e/ou sócio-construtivista.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 115


Para a abordagem tradicional e a comportamentalista (vertentes do raciona-
lismo), o conceito de educação se mostra estático, pois está relacionado à trans-
missão de saberes. Essas formas de abordagem não consideram o saber pessoal
ou qualquer característica do indivíduo. Segundo Mizukami (1986), a abordagem
tradicional, encontrada em diferentes momentos históricos e ainda utilizada em
algumas situações atuais, entende a educação como um produto, com modelos
pré-estabelecidos. Já os preceitos da abordagem comportamentalista estabelecem
que a educação está “intimamente ligada à transmissão cultural. A educação, pois,
deverá transmitir conhecimentos, assim como comportamento éticos, práticas so-
ciais, habilidades consideradas básicas para a manipulação” (MIZUKAMI, 1986, p.
27).
Para a abordagem cognitivista (vertente interacionista, decorrente do huma-
nismo), segundo supramencionado autor, a educação é indissociável e considera o
intelectual e o moral como elementos fundamentais. Nesse paradigma, “o objetivo
da educação, portanto, não consistirá na transmissão de verdades, informações.
Demonstrações, modelos etc., e sim em que o aluno aprenda, por si próprio, a con-
quistar essas verdades [...]” (MIZUKAMI, 1986, p. 71).
Além das diferenciações conceituais discorridas por Mizukami (1986), uma
maneira mais didática de diferenciar as visões educacionais envolve metaforizar al-
gumas das conhecidas narrativas gregas. A primeira história destacada por Araújo;
Araújo (2009), fazem referência a visão racionalista. Pigmalião é um homem que
esculpe a mulher perfeita a seus olhos e de tanto admirá-la a deusa Vênus dá vida à
escultura amada. Esse mito metaforiza a visão mecanicista da educação relacionan-
do os seres a serem educados (os alunos) como figuras a serem moldadas de acordo
com a vontade do ser educador (o professor) ou do sistema educativo.
O segundo conto selecionado pelos autores é o mito de Teseu e casa com
ideias interacionistas. Após uma guerra entre Creta e Atenas, essa sai perdedora
e, a cada nove anos, é obrigada a enviar à Creta sete moças e sete rapazes que são
lançados em um labirinto para serem devorados pelo Minotauro. Teseu se propõe
a encontrar o monstro e matá-lo, com a ajuda de Ariadne, filha do rei de Creta, que
entrega a Teseu um novelo de lã para ele se orientar em sua busca, matar o Mino-
tauro e regressar com sucesso.
Na metáfora educacional, o professor é um orientador, e oferece a seu aluno
SUMÁRIO

o fio de Ariadne para que ele possa, sozinho, enfrentar suas provas e construir

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 116


seu conhecimento. O educando é um ser animado, pensante, com sentimentos e
questionamentos e não um ser inanimado, bruto, como um bloco de pedra pronto
para ser esculpido. O papel do professor é, no meio da vastidão de conhecimentos
a serem adquiridos, orientar o aluno a desenvolver suas capacidades (ARAÚJO;
ARAÚJO, 2009).
No mesmo pensamento, a teoria sociointeracionista de Vygotsky (2001) dis-
corre que a função do professor é mediar o processo de aprendizagem do aluno.
Isso porque, a formação do indivíduo se constitui através do contexto histórico-
-social no qual está inserido. Para ele há conhecimentos que se consegue alcançar
sozinho, através da reflexão, e há conhecimentos que só podem ser obtidos através
da interação. Nesse momento é que o professor deve se disponibilizar para orientar
o educando em sua jornada educacional.
Os profissionais envolvidos na educação de surdos também estão imersos em
práticas educacionais ideológicas. As fundamentais abordagens educacionais refle-
tem, direta ou indiretamente, em todas as práticas pedagógicas e por consequên-
cia influenciam a educação de surdos. Pensar nas comuns generalizações adotadas
pela abordagem racionalista ressalta o caráter inanimado dos estudantes surdos. As
escolas inclusivas ao colocar os alunos surdos na mesma sala de aula que os alunos
ouvintes, na disciplina de LP, desconsideram as especificidades linguísticas deste
público.
Todavia, procurar fios de Ariadnes e se embasar em noções que consideram
os momentos de desenvolvimentos individuais e entendem as interações educacio-
nais específicas do contexto linguístico-social dos estudantes surdos perpassa polí-
ticas e ideologias educacionais que valorizem o ensino de português como L2, em
classes e/ou escolas bilíngues. Assim, a abordagem humanista apresenta caminhos
e ganhos graduais, pois aos poucos as escolas implantam práticas bilíngues.

Metodologias de ensino de línguas

Após discorrer, mesmo que de forma sucinta e geral, sobre algumas concep-
ções e ideologias da educação, torna-se palpável visualizar suas influências, diretas
e indiretas, nas práticas, espaços e contextos pedagógicos. No contexto do ensino
SUMÁRIO

de línguas, não apenas do ensino de Libras ou LP para surdos, mas no macrocon-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 117


texto que envolve o ensino-aprendizado de diferentes línguas, pode-e classificar
algumas abordagens. Especialmente nas últimas décadas, o ensino de língua sub-
dividiu-se, basicamente, em três abordagens, estruturalista, funcionalista e intera-
cionista (Salles et al., 2004). Elas compreendem formas distintas para os seguintes
conceitos: língua, linguagem e processo educativo.
Ao conceituar a visão de língua para o estruturalismo, Salles et al., (2004)
afirmam que a língua “é concebida como um sistema de elementos relacionados es-
truturalmente, usados para a codificação e decodificação do significado" (SALLES
et al., 2004, p. 94). O ensino, dessa forma, estuda a estrutura padrão da língua. Ma-
tencio (1994),expõe que o processo de alfabetização para essa metodologia ocor-
re em três níveis: “o primeiro deles relacionado às unidades lexicais, o segundo,
aos mecanismos de agrupamento textual e, o terceiro, à interpretação semântica.”
(MATENCIO, 1994, p. 39). Observa que a leitura é considerada como decodifica-
ção das unidades semânticas e a compreensão crítica de textos é desconsiderada.
Os textos utilizados são agrupamentos de palavras trabalhadas anteriormente não
há um texto contextualizado, coeso e intencionalmente comunicante, ou seja, não
há um texto real.
É perceptível que a metodologia utilizada na maioria das escolas para o ensi-
no de LP deriva das concepções comportamentais de educação e aplica-se para o
ensino de língua, principalmente, a abordagem estruturalista. Ensina-se língua de-
monstrando sua estrutura gramatical, desconsiderando o contexto social, político
e cultural que a língua está inserida. Nas escolas o material didático utilizado para
a alfabetização eram as famosas cartilhas que, se analisadas, é a materialização do
modelo estruturalista (BRAGGIO, 1992).
Em contrapartida, “em meados dos anos 50 um grande número de pesquisa-
dores e teóricos começaram a rejeitar o comportamentalismo” em detrimento do
funcionalismo. Esse considera a língua como um sistema social de comunicação.
De acordo com essa corrente, “o conhecimento de uma língua implica não somen-
te os princípios organizacionais (estruturas e itens lexicais), mas inclui também
as regras pragmáticas e sociais da língua. (SALLES et al., 2004, p. 95). Além disso,
um dos princípios dessa corrente é o critério de criatividade, no qual se observa a
capacidade do indivíduo de produzir sentenças linguísticas inéditas.
Braggio (1992) nomeia de Modelo Psicolinguístico de Leitura a metodologia
SUMÁRIO

de ensino de língua baseado nas ideias funcionalistas. A maior contribuição desta

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 118


metodologia foi implantar no sistema de ensino de língua uma proposta de inser-
ção de contextos sociais. Embora as ideias funcionalistas tenham revolucionado
os campos de estudo da aquisição da linguagem e da análise linguística, a autora
observa que nas práticas dos ensinos de línguas as premissas básicas do modelo
anterior ainda permanecem “[...] embora toque no contexto social onde um ato de
leitura ocorre, este não é incorporado” (BRAGGIO, 1992, p. 26).
Por volta dos anos 80, baseando-se na noção de língua como sistema social,
solidificou-se a abordagem interacionista (SALLES et al, 2004). A língua passa a
ser considerada como a expressão da linguagem e utilizada tanto para a interação
social como para o desenvolvimento de nossas capacidades mentais. Assim como
no humanismo, essa abordagem considera as características singulares do aluno.
Coloca-se o humano como objeto central do processo educativo, pois compreen-
de-se as interações sociais como indispensáveis nas construções de conhecimentos.
Novamente, defende-se que, para o modelo ideal de ensino de LP para surdos,
contextos bilíngues de segunda língua, conscientes das especificidades linguísticas,
essa metodologia se mostra a mais adequada.
O principal teórico da abordagem interacionista é Lev Vygotsky (1896-1934),
um dos mais importantes pesquisadores da Psicologia. Sua teoria sociointeracio-
nista influencia fortemente a pedagogia e a linguística. Para o pesquisador, o mo-
mento histórico que a pessoa está vivenciando e as características da comunidade
da qual pertence, motivam diretamente a sua formação. É através dessas experiên-
cias que o indivíduo constitui sua linguagem, ou seja, seu processo de significação
do mundo. Como estabelece um fundamental conceito vygotskiano, “é pela lingua-
gem que o homem se constitui sujeito” (BRASIL, 2006, p. 23).
Interessante comentar também a incorporação dessa teoria interacionista nas
orientações oficiais do Ministério da Educação (MEC). Para o ensino de LP tal
órgão considera a abordagem interacionista como adequada para alcançar os seus
objetivos educacionais, como: “propiciar ao aluno o refinamento de habilidades de
leitura e de escrita” (BRASIL, 2006, p. 18). A instituição também valoriza o “apri-
moramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento
de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico” (BRASIL, 2006, p. 7).
Entretanto, o ensino de LP para surdo adotado nas escolas se difere da pers-
pectiva humanista aceita teoricamente e prevista nas orientações nacionais. Esta
SUMÁRIO

discrepância entre a metodologia recomendada e a metodologia aplicada ocorre

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 119


devido às características históricas educacionais. Existe certa condição histórica
ao sistema estruturalista. Somente através de uma lenta mudança da cultura edu-
cacional brasileira que as alterações das diretrizes poderão ser vistas nas práticas
escolares.
Na tentativa de alcançar tal contexto humano e interacionista no ensino-
-aprendizagem de línguas, ressalta-se a importância da utilização do texto literário,
pois as temáticas literárias são impregnadas de valores culturais e morais e con-
tribuem para a formação humana dos educandos. Dessa forma, as literaturas são
necessárias para suprir um dos objetivos da educação humanista que, além de uma
formação profissional, visa o desenvolvimento pessoal dos estudantes.
Além disso, a utilização de textos literários no ensino interacionista de línguas
possibilita aos estudantes conhecerem as variações da língua e todo seu sistema
dinâmico e complexo, não se limitando a normas padrões. Nesse sentido, a lingua-
gem dos textos literários apresenta as variantes da língua, demonstrando toda sua
complexidade. O contato dos estudantes com esses textos, além de levá-los a uma
atmosfera lúdica, traz grandes contribuições para o vocabulário, facilita a interpre-
tação textual, o conhecimento de mundo e a produção de textos, constituindo-se,
assim, na principal ferramenta para o ensino de língua.
Para os estudantes surdos, apenas casar e defender a prerrogativas do ensino
de LP via textos literários não basta. Como já mencionado pela a natural comuni-
cação espacial, pelo atraso na aquisição da língua de sinais, por falhas metodologias
no ensino de LP e outros fatores, utilizar textos literários requer conhecimentos
pedagógicos e linguísticos, tanto de LP, como de Libras. Requer refletir sobre como
é possível um estudante surdo aprender a modalidade escrita de uma língua oral
se ele sequer adquiriu sua língua natural. Requer também encarar que o resultado
dessa problemática se limita a representações gráficas das letras que, mais tarde,
transformam-se em decodificações mecânicas.
Retornando aos conceitos da abordagem interacionista, Vygotsky (1991) cita
as consequências do atual ensino para surdos: “A atenção tem se concentrado in-
teiramente na produção de letras em particular, e na sua articulação distinta. Nesse
caso, [...] o resultado é a produção de uma língua morta” (VYGOTSKI, 1991, p. 70).
Tais reflexões do pesquisador, reitera a necessidade dos surdos serem alfabetizados
em sua língua sinalizada e em um sistema de escrita de sinais. Posteriormente a
SUMÁRIO

isso, serem alfabetizados em português escrito.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 120


Contribuições do texto literário como recurso metodológico

Este trabalho mostra a importância da compreensão textual para o apren-


dizado de língua, isto é, ir além da decodificação mecânica de textos para alcan-
çar uma formação crítica. Por isso, faz-se necessário a mediação do professor, no
sentido de estimular o estudante a refletir sobre o texto, além de seus enunciados
objetivos, fazendo-o alcançar o terceiro nível de leitor. Silva (2009) discorre sobre
o leitor ideal, aquele que compreende informações implícitas através da associação
de informações antes conhecidas. Tal estímulo pode ser realizado através da utili-
zação de textos diversos, como jornalísticos, quadrinhos e cartuns, revistas, artigos
científicos e textos literários. Este trabalho, porém, atém-se às contribuições que o
texto literário traz para o ensino de LP para surdos.
Nos textos literários, encontram-se diversas formas de se utilizar a língua,
pois, ao contrário dos minitextos, descontextualizados, utilizados na metodologia
racionalista, as manifestações literárias espelham contextos humanos de intera-
ções, sejam realistas ou ficcionais. Por equivalência, Zyngier (1997) dispõe sobre
a importância da literatura para o ensino de língua estrangeira e língua materna e
questiona se a literatura seria “uma das múltiplas formas de se usar a linguagem, se
o ensino de literatura busca sensibilizar o aluno para o texto escrito, faz-se neces-
sário discutir de que forma avanços em outras áreas de estudo podem lançar nova
luz sobre esta área” (ZYNGIER, 1997, p. 1).
A literatura, como forma de expressão da língua escrita, torna-se indispen-
sável para o ensino de LP para surdos. Como já se sabe, ao contrário dos ouvintes,
que o tempo todo compartilham da língua em sua modalidade oral-auditiva, os
surdos só têm contato claro com a LP via textos. Pois, embora as pessoas em sua
volta se comuniquem oralmente, eles conseguem ter uma compreensão nula ou
precária do português falado (GOLDFELD, 2002, p. 37).
A ideia de que os textos literários se afastam da língua falada, de tal modo
que sua utilização para o ensino de língua torna-se inviável, é uma ideologia es-
truturalista, que tem por finalidade afastar a possibilidade de questionarem seus
métodos. Ao contrário, a literatura é completa e complexa como a própria língua
e cultura de um povo. Sobre essa questão, Zyngier (1997) afirma que esta noção
de desvio “foi introduzida pelos formalistas russos na década de 20. Estudos mais
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 121


recentes mostram que, na verdade, nenhum texto é intrinsecamente literário e que
a literariedade não é uma essência natural” (ZYNGIER, 1997, p. 3). Independente
do conteúdo que o professor de língua almeja lecionar, este poderá ser encontrado
em algum texto literário, assim como utilizamos em nosso cotidiano.
Alguns surdos conseguem compreender em algum nível textos da norma cul-
ta, assim como é ensinado na escola, mas ao depararem-se com gírias, figuras de
linguagens e metáforas sua compreensão textual é afetada e o contexto da narrativa
é perdido, ocasionando uma má interpretação. Desse modo, por meio do texto lite-
rário é possível ensinar tais variantes. Caso seja guiado pelo professor, o estudante
saberá, por meio de sua capacidade crítica, distinguir a linguagem utilizada em
diferentes textos literários, sendo capaz de (re)produzir cada uma delas no texto
escrito, conforme a ocasião.
O educando é capaz de compreender tais linguagens, pois sua leitura irá além
da decodificação. Muda-se a linguagem e até mesmo o sentido da narrativa através
de elementos textuais, muitas vezes singelos. Zyngier (1997) reflete sobre essa ca-
pacidade linguística do texto literário e afirma que “o aluno pode se dar conta de
que determinados padrões linguísticos em quaisquer de seus níveis (fonológico,
morfo-sintático, lexical ou do discurso) são responsáveis por um efeito que o texto
causa no leitor” (ZYNGIER, 1997, p. 3). Caso o surdo consiga detectar, mesmo que
inconscientemente, as nuances do texto, sua escrita e compreensão da LP serão
mais eficazes.
A totalidade da literatura possibilita que o estudante internalize as regras gra-
maticais de uma língua sem que seja preciso um estudo sistemático de memoriza-
ção da estrutura gramatical da chamada “norma culta da língua”. A respeito Braggio
(1992) afirma: “a medida que as crianças interagem com as histórias infantis, elas
vão construindo seus esquemas cognitivos com relação às estruturas de histórias,
os quais são adicionadas às outras estruturas textuais já existentes em seu cérebro.”
(BRAGGIO, 1992, p. 52).
As narrativas são ricas em estruturas gramaticais, sendo para os surdos as
preposições, artigos e mudança de tempo e modo verbal as estruturas com maior
dificuldade de internalização. Essa dificuldade é compreendida se notarmos que a
estrutura gramatical da Libras é diferente da gramática da LP. Diferente, por exem-
plo, do Espanhol em que sua estrutura se aproxima da LP. A internalização dos
SUMÁRIO

conceitos gramaticais, por meio dos textos literários, leva o leitor a ser um bom es-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 122


critor, pois além de saber dominar a escrita, saberá utilizar as muitas possibilidades
de linguagem do texto.
Além do texto literário como recurso metodológico no ensino de línguas com
contribuições em domínios linguísticos e gramaticais, compreende-se a Literatura
como possibilidade de formação humana, em momentos desassociados da educa-
ção formal, ou seja, ela pode, sim, ser utilizada como método, mas também possui
seus próprios elementos instrutivos. Desse modo, baseados na abordagem huma-
nista (primeira sessão), e na vertente interacionista (segunda sessão), organiza-se,
para fins teóricos, três contribuições dos textos literários para a formação de edu-
candos: formação humanística, cognitiva e críticas, porém elas são indissociáveis.

Formação humanística

A educação humanística, dentre seus objetivos, busca a formação pessoal dos


educandos. Dessa forma, precisa-se propiciar alternativas para contribuir para a
formação interpessoal dos estudantes, que engloba formação psicológica e moral.
É necessária uma reflexão mais ampla sobre a formação humanística. O que carac-
teriza o humano? O que o diferencia dos animais? Houston (2010) afirma que a
realidade é formulada através da ficcionalização e a compreensão das experiências
ocorre através da capacidade imaginativa. Desse modo, as características indivi-
duais são determinadas pelas narrativas contadas durante as vivências e são dessas
interações imagéticas com o mundo que se forma a subjetividade humana.
Zyngier (1997) afirma que a literatura “encoraja o desenvolvimento pessoal
levando a experiências emocionais e intelectuais que muitas vezes não podem ser
realizadas no dia-a-dia” (ZYNGIER, 1997, p. 4). Ao considerar que o indivíduo é
constituído por narrativas, pode-se compreender que a realidade por meio da ima-
ginação e como as narrativas literárias contribuem diretamente para nossa forma-
ção holística humana. Paulo Freire (2011) afirma que “a leitura de mundo precede
a leitura da palavra” (FREIRE, 2011, p. 19), essa leitura de mundo são as experiên-
cias pessoais que influenciam na compreensão do texto. Da mesma maneira, para
Freire, a aprendizagem de uma leitura crítica da palavra, transforma a percepção de
mundo. Assim, uma leitura influencia e contribui com a outra.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 123


Ao finalizar as contribuições da literatura para a formação humana, resgata-se
uma das funções da literatura. Segundo Umberto Eco (2003), uma das principais
funções da literatura é a “educação ao Fado e à morte” (ECO, 2003, p. 21). Ainda
em textos infantis, percebemos que a presença da morte é uma necessidade real da
consciência, que precisa compreender de forma profunda que a vida é passageira e
que, mesmo sendo jovens e saudáveis, somos mortais.

Formação cognitiva

Na perspectiva da formação cognitiva, reafirma-se as contribuições teóricas


de Vygotsky (2001, 1991). Dessa forma, o desenvolvimento cognitivo constitui-se
através da interação social. Essas interações são mediadas através da linguagem,
seja oral, ou escrita e no caso de pessoas surdas, sinalizada. Assim, podendo a li-
teratura ser uma forma de expressão da linguagem escrita contribui em vários as-
pectos no desenvolvimento intelectual do leitor. Vygotsky (2001) discorre em como
a escrita contribui para a formação de conceitos científicos “a linguagem escrita
requer para o seu transcurso pelo menos um desenvolvimento mínimo de um alto
grau de abstração” (VYGOTSKI, 2001, p. 312).
Baseada na teoria de Vygotsky, Coelho (2011) esclarece que a alfabetização
é relevante “para a inserção dos indivíduos nas esferas não-cotidianas da vida so-
cial, como a ciência e a arte, ou seja, representações da vida humana” (COELHO,
2011, p. 15). Para possibilitar essa inserção, o processo de alfabetização carece de
concepções humanísticas com compreensões de textos escritos. A escrita, ao des-
pertar para os conceitos científicos e abstratos, possibilita aos alunos obter sucesso
em outras disciplinas que não a LP, pois, para compreensão dessas, é necessária a
compreensão textual.
A autora ainda afirma que o papel da escola é propiciar o processo de “[...]
aquisição dos conceitos científicos pelos alunos, proporcionando por meio dos di-
ferentes campos de saberes, como História, Geografia, Física, Química, Biologia,
Matemática etc” (COELHO, 2011, p. 15). Caso o estudante não desenvolva suas
funções superiores ligadas à abstração, por meio da leitura e escrita, não conse-
guindo, assim, compreender textos científicos, não obterá sucesso em quaisquer
SUMÁRIO

outras disciplinas consideradas puramente “racionais”.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 124


A prática de leitura é aparentemente estática, realizada em estado de repouso,
geralmente sentados, porém exercita-se o pensamento a cada palavra, frase, sen-
tença e acontecimentos. Isso porque além de decodificar os signos linguísticos, é
necessário relacionar o conteúdo das narrativas com conhecimentos anteriores, a
fim de compreender profundamente o enredo exposto. Esse exercício árduo pro-
porciona o desenvolvimento de capacidades cognitivas como as que a autora enu-
mera. Outra contribuição é a noção de tempo e espaço, pois toda história tem prin-
cípio, meio e fim. Embora a noção de temporalidade pareça ser simples, ao elaborar
uma narrativa de qualquer natureza, é necessária a clareza a fim de constituir um
texto coerente.

Formação crítica

Já a formação crítica, embasada nas noções de Paulo Freire (2011), defende


que o ato de educar é um ato político: “Do ponto de vista crítico, é tão impossível
negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo
do ato político” (FREIRE, 2011, p. 34). Foi exposto neste trabalho, diversas vezes,
que a educação tradicionalista objetiva formar estudantes para o mercado de tra-
balho. Para o ensino de língua, utiliza a abordagem estruturalista, que privilegia a
decodificação de textos e não sua compreensão. Porém, ainda não se refletiu sobre
o objetivo mascarado desta abordagem educacional ao aplicar tais métodos de en-
sino.
Ao negar um ensino que instiga a compreensão crítica dos textos, o sistema
educacional treina os alunos a se enquadrarem nas normas sociais e aceitá-las de
forma pacífica. Dando continuidade às suas ideologias meritocráticas, em que se
desconsideram as condições socioculturais e econômicas das pessoas no caminho
de suas realizações profissionais e pessoais, transfere a culpa da desigualdade social
aos indivíduos.
Paulo Freire (2011) realizou um trabalho de alfabetização de adultos nas ilhas
africanas São Tomé e Príncipe. A metodologia de ensino utilizada baseava-se em
utilizar as experiências e conhecimentos dominados previamente pelos alunos
como base para o processo de alfabetização. As técnicas freirianas objetivam não
SUMÁRIO

só alfabetizar, mas a formar cidadãos conscientes e críticos. Para alcançar tais obje-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 125


tivos era utilizado como material didático os Cadernos de Cultura Popular. Nessas
publicações havia contos da tradição oral. Freire (2011) relata suas experiências
sobre esses Cadernos: “Na página 22, se encontra integralmente transcrita uma
das muitas estórias populares que, em culturas cuja memória está sendo ainda pre-
ponderantemente oral, passam de geração a geração e têm um papel pedagógico
indiscutível” (FREIRE, 2011, p. 67).
Assim como na experiência de Freire, a leitura crítica de textos literários leva
o leitor a refletir sobre as bases de nosso sistema, Zyngier (1997) afirma que a litera-
tura estimula a reflexão e “contribui para a formação de um indivíduo mais emba-
sado filosoficamente e com capacidade de questionar e buscar entender as relações
complexas entre o ser humano, a sociedade e a linguagem” (ZINGIER, 1997, p. 14).
Dessa forma, o texto literário é uma ferramenta libertadora e instigante. A litera-
tura como prática libertadora pode transformar o pensamento do senso comum e
constituir uma sociedade mais justa e democrática.

Considerações finais

Nesse capítulo foi apresentado uma síntese das várias questões que envolvem
o ensino de português para surdos, das quais perpassam discussões teóricas, ide-
ológicas, metodológicas, culturais, educacionais, políticas e, por fim, linguísticas.
Por abranger tantos aspectos, o ensino de português como segunda língua para
surdos é uma temática complexa e, por vezes, polêmica e discordante. Desse modo,
ao trazer uma síntese das principais correntes pedagógicas e linguísticas, a inten-
ção foi demonstrar que a prática em sala de aula é o resultado de forças invisíveis,
todavia presentes e constantes.
Nenhum ato educacional é autêntico, no sentido de ser nulo de influências
teóricas/políticas, logo, nenhum ato educacional é desprovido de intencionalidade.
Assim, como foi dissertado, as práticas pedagógicas são norteadas, primeiramente,
por uma abordagem pedagógica, isto é, uma concepção filosófica sobre o que é a
educação, o que é o aluno e qual é a função do professor. O ensino de língua nas
escolas, por sua vez, além de estar inserido em um contexto educacional/político,
advém de concepções que teorizam sobre o que é língua e de como se adquire a
SUMÁRIO

linguagem.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 126


As reflexões teóricas dissertadas apontam que os textos literários podem ser
um excelente recurso metodológico, ou seja, um método de ensino de português
para surdos, pois, as contribuições do texto literário escrito estão em conformidade
com as concepções humanistas e interacionistas de educação e ensino de língua.
Por fim, as ideias destacadas podem servir como ponto de partida para futuras
reflexões e, principalmente, soluções de questões relacionais como: Quais ativida-
des podem ocorrer utilizando textos literários? Quais gêneros literários são mais
difundidos na educação de surdos? A Literatura Surda sinalizada e escrita encontra
terreno como método de ensino de português para surdos? Dentre outras produ-
ções científicas relacionadas ao ensino de língua para pessoas surdas.

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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 127


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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 128


DOI: 10.52788/9786589932222.1-8

O (Re)Conhecimento do “Eu Surda”:


a atuação de forças centrípetas
e centrífugas nos relatos sobre a
aquisição da Libras como L2

Daniele Caroline Gonçalves Lima


Marília Varella Bezerra de Faria

Introdução

Historicamente, o sujeito Surdo encontrava-se vinculado ao discurso ouvin-


tista que o localizava no campo da anormalidade. Desse modo, como estratégia
de sobrevivência, a pessoa Surda/Surdo/Surda oralizada/Surdo oralizado passou
a lutar para alcançar o ideal ouvinte com o objetivo de ser aceito e reconhecido
como outro igual. Com o avanço das pesquisas voltadas para os Estudos Surdos, as
línguas de sinais, cultura e identidade(s) surda(s), percebeu-se que a comunidade
surda é tão heterogênea quanto qualquer outro grupo social. Tal percepção contri-
buiu para que possamos pensar o sujeito social que constitui e, ao mesmo tempo,
é constituído pela linguagem. Dessa maneira, oportuniza-se que ouvintes e, prin-
cipalmente, Surdos ampliem a compreensão do(s) sujeito(s) Surdo(s) enquanto ser
construído sempre provisoriamente, de forma dinâmica, contingente e carregado
de valorações.
Assim, observamos o surgimento cada vez maior de deficientes auditivos
(DAs) que se identificam como Surdos oralizados usuários da Língua Brasileira de
Sinais (Libras) como segunda língua. Vale destacar que esses sujeitos, antes de assu-
mirem a identidade surda, não tinham contato e/ou encontros com a comunidade
surda. Apesar dessa aparente aproximação com a comunidade ouvinte, também
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 129


vivenciaram diversas barreiras comunicacionais, tanto em casa quanto com a so-
ciedade ouvinte em geral, igualmente àqueles que se identificavam como Surdos.
Essa trajetória em uma sociedade predominantemente ouvintista acaba gerando
uma série de transtornos para os DAs, pois na tentativa de seguir o padrão de uma
cultura oral e auditiva torna-se um ser amorfo construindo uma relação de subor-
dinação, passividade e mesmidade (HAN, 2018).
Porém, quando esse sujeito social tem a oportunidade de conhecer outros
Surdos, comunicando-se em todo o seu potencial de linguagem numa modalidade
visual e espacial, descobrindo um lugar de conforto e acolhimento, identifica-se
enquanto outro centro de valor, participativo e não indiferente. Aos poucos, circula
entre os diversos usos da linguagem, não mais preso a um padrão instituído pela
ideologia dominante ouvintista, mas como um sujeito inacabado da linguagem. Na
relação de alteridade com a comunidade surda, o deficiente auditivo tem a possi-
bilidade de reconhecer-se enquanto pessoa surda oralizada, portanto, um sujeito
que se localiza não mais no grupo de deficientes auditivos e nem como identidade
surda pura. Entretanto, não mais preso a uma imagem discursiva relacionada à
deficiência, mas torna-se o mistério da diferença expressa em cada ato singular que
reflete e refrata o seu viver-agir no mundo (BAKHTIN, 2010).
Ao realizarmos uma pesquisa sobre produções que consideram as especi-
ficidades das intersubjetividades de Surdos Oralizados usuários da Libras como
segunda língua, percebemos o quanto os estudos ainda são incipientes. Assim,
observamos a necessidade de visibilizar as vozes sociais desses sujeitos, entre as
quais inclui a de uma das pesquisadoras (doravante D1), também Surda oralizada,
como forma de produzir conhecimento “a partir” del@s2 (NÓS-TOD@S3)” e “com”
el@s(NÓS-TOD@S).
Este estudo se insere na área da Linguística Aplicada, e para que possamos
adensar as nossas discussões utilizamos como nossa base teórica a compreensão de
linguagem do Círculo de Bakhtin, os Estudos Surdos e os estudos sobre a aquisição
da Libras como segunda língua para Surdos. Ao adentrarmos nesse terreno com o
olhar interessado de pesquisadora Surda Oralizada, esperamos ajustar nossas pró-
prias lentes para atender às demandas contemporâneas da comunidade Surda.

1 A pesquisadora em questão foi assim nomeada para facilitar a leitura, a fluidez do texto que está escrito
em coautoria de duas pesquisadoras.
2 Na representação da escrita em Libras o @ representa o gênero neutro.
SUMÁRIO

3 Representação da escrita em Libras NÓS-TOD@S representa o pronome pessoal “nós”

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 130


O artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente, trazemos as prin-
cipais reflexões teóricas que contribuem para a compreensão do Surdo Oralizado
em sua singularidade e contingência. Em seguida, destacamos os procedimentos
metodológicos, bem como apresentamos as vozes dos nossos sujeitos de pesquisa,
buscando pistas que nos possibilitassem maior proximidade das problemáticas en-
frentadas por essa comunidade, a partir de questões formuladas na entrevista. Por
fim, nossas discussões finais apresentam evidências da (re)existência do Eu Surd@
Oralizad@ em meio ao terreno de embates da linguagem, posto não mais em rela-
ção de subalternidade, mas como protagonista no mundo da vida.

O olhar amoroso para (re) existência da(s)


intersubjetividade(s) surda(s)

A Linguística Aplicada (LA) problematiza o sujeito social em suas dimensões


éticas, políticas, intersubjetivas e contingentes por meio de outras lentes, num esteio
teórico INdisciplinar (MOITA LOPES, 2006). Isso significa que está posicionada
nas fronteiras entre as disciplinas de maneira transgrediente, num constante “desa-
prender”, propiciando que aflorem novos modos de dizer e de fazer para construir
conhecimento em uma outra lógica. Apresenta-se como uma forma de pesquisar
problematizadora, que dialoga com diversas teorias, sem relação de subalternida-
de, para além de limites disciplinares próprios do pensamento modernista.
A LA possibilita que outros sujeitos - com suas vozes sociais ignoradas, silen-
ciadas, marcadas pelo sofrimento – tenham um espaço para expressarem quais são
as suas próprias questões. Ao propormos enfatizar as vidas marginalizadas e suas
singularidades na produção das epistemes, de acordo com Moita Lopes (2006),
estamos próximos de uma LA de “nossos tempos”. Desse modo, as composições
híbridas dos campos do conhecimento, que provocam o colapso das demarcações
teóricas, oportunizam que a compreensão da vida social de nosso objeto de pesqui-
sa ocorra por meio de um processo de renarração e redescriação numa coligação,
chamada pelo autor, de “anti-hegemônica”.
Diante desse cenário, Kleiman (2013) advoga que as pesquisas possuam uma
agenda de fronteira sustentada por uma epistemologia do Sul que fortalece os su-
jeitos e as suas histórias locais, geralmente, esquecidas e atravessadas pelo conhe-
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 131


cimento ocidentalizado. Nesse território, encontram-se os sujeitos Surdos Oraliza-
dos, foco de nossa pesquisa, compreendidos como aqueles que têm como primeira
língua o português oral e como segunda língua a Língua Brasileira de Sinais (Li-
bras). Ao trazer para o centro das discussões esses sujeitos, que se constituem e são
constituídos nas práticas sócio-históricas, em terrenos considerados periféricos,
espera-se responder às demandas epistemológicas contemporâneas e alcançar o
objeto de pesquisa com outros olhos, outras lentes.
Ao integrarmos esse movimento de atuação além das fronteiras, oportuniza-
mos o questionamento acerca do discurso unificador de que a comunidade surda
se encontra constituída por sujeitos idênticos. Tal imagem discursiva provoca a
restrição de nosso horizonte de experiências e a “dor” da transformação da infor-
mação em conhecimento.

Se uma flor tivesse em si mesma a sua plenitude ôntica, não teria a necessidade de
que a contemplassem. O que significa que a flor tem uma carência, uma carência ôn-
tica. O olhar amoroso, esse “conhecimento guiado pelo amor”, redime-a do estado de
indigência, fazendo com que esse conhecimento venha a ser “análogo à redenção”. O
conhecimento é redenção (HAN, 2018, p. 13).

Assim, para apreendermos os contornos mais específicos de nosso objeto de


pesquisa, torna-se necessário submetê-lo à contemplação amorosa. Para tanto, par-
timos da compreensão de linguagem do Círculo de Bakhtin, que nos possibilita
situar o Surdo Oralizado enquanto centro valorativo do mundo percebida em sua
totalidade somente por meio de uma atenção amorosa e interessada. À vista dis-
so, o entendimento da linguagem nesses termos contribui para considerarmos as
práticas discursivas desses sujeitos sociais vinculadas às problemáticas complexas
e periféricas da sociedade, sendo, portanto, entendida como posição responsiva e
valorativa, plena de ecos e tonalidades dialógicas (VOLÓCHINOV, 2017).
Tais reflexões coadunam-se com os Estudos Surdos que orientam suas dis-
cussões por intermédio de uma visão sociocultural acerca da pessoa Surda levando
em conta o lugar que esse sujeito ocupa responsavelmente em sua existência única.
Isto significa que “alinham-se com as discussões do círculo de Bakhtin ao situar
a alteridade como centro de valor, ou seja, o sujeito em toda sua complexidade e
singularidade relaciona-se reciprocamente com o outro de forma distinta e não
indiferente" (PEREIRA; CASADO ALVES, 2019, p. 175).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 132


A ênfase valorativa nas relações construídas pelo homem mortal, segundo
Bakhtin (2010), reflete a diversidade do existir na concretude da vida. Entretanto, a
supressão do tom emotivo-volitivo dos Surdos Oralizados por meio do discurso de
incapacidade e da imposição de um modo correto para se comunicarem tornaram
esses sujeitos em abstração. Por conseguinte, a experiência da linguagem transfor-
mou-se na assimilação de um sistema monológico de formas linguísticas normati-
vas e idênticas desprovidas dos seus conteúdos ideológicos.

Na língua materna, o sinal e o reconhecimento são eliminados dialeticamente, ou


seja, isso ocorre precisamente na consciência linguística do membro de dada coletivi-
dade linguística. No processo de assimilação de uma língua estrangeira, o momento
do sinal e do reconhecimento são percebidos, porém ainda não estão superados, pois
a língua ainda não se tornou completamente ela mesma. O ideal da assimilação da
língua é a incorporação do sinal pelo signo puro e do reconhecimento pela compre-
ensão pura (VOLÓCHINOV, 2017, pp. 179-180).

Desse modo, o ideal de assimilação da língua pelos Surdos Oralizados en-


contra-se entremeado, histórica e ideologicamente, pelas forças discursivas que
constituem a linguagem. De acordo com Bakhtin (2002), existem forças que atu-
am na contenção e centralização das ideologias verbais no sentido de fortalecer
uma verdade absoluta (força centrípeta); e forças que buscam resistir e subverter
a ordem imposta compreendendo a língua como ideologicamente saturada (força
centrífuga).

[...] acreditamos que pela transmissão da palavra autoritária e de autoridade, os dis-


cursos históricos de reprovação sobre a língua de sinais perduraram por muito tempo
formando ideologicamente nos surdos a consciência de que a linguagem deles era
inadequada. Encontramos na literatura vários depoimentos que mostram os cons-
trangimentos a que muitos surdos vivenciaram e que reforçaram uma imagem nega-
tiva em relação ao uso da linguagem de sinais (ARCOVERDE, 2011, p. 123).

Então, no momento em que o Surdo Oralizado se apresenta como usuário


da língua portuguesa oral como primeira língua e a língua de sinais como segun-
da língua, causa a desordem no discurso normalizador e fortalece a potência do
terreno de embates próprios da linguagem. Insubordinado, esse sujeito resiste à
centralização verbo-ideológica e vivencia os conflitos presentes nos pontos de vis-
ta sociolinguísticos. O Surdo Oralizado, por conseguinte, (re)existe multifacetado,
SUMÁRIO

encarnado e vivente, pois

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 133


o desamor e a indiferença nunca geram forças suficientes para nos deter e nos demo-
rarmos sobre o objeto, de modo que fique fixado e esculpido cada mínimo detalhe e
cada particularidade sua. Somente o amor pode ser esteticamente produtivo, somen-
te em correlação com quem se ama é possível a plenitude da diversidade (BAKHTIN,
2010, p. 129).

Isso posto, evocamos a metáfora da “leveza de pensamento”, de Rojo (2006),


para rearranjarmos nosso pensamento de acordo com as exigências de nosso obje-
to de pesquisa e, assim, talvez, minimizar o sofrimento da invisibilidade produzida
pela discursivização da comunidade surda enquanto sujeitos idênticos e naturali-
zados, segundo o padrão estabelecido pelas ideologias ouvintistas dominantes.

O reconhecimento d@ “Eu Surd@” Oralizad@

O presente artigo representa um recorte da pesquisa de mestrado de D, e tem


por objetivo analisar como o processo de aquisição da Libras como segunda lín-
gua (L2) por usuários Surdos contribui na identificação desta e no distanciamento
do Português como primeira língua (L1), especialmente, na visão do Surdo como
Deficiente Auditivo (DA). A elaboração dos dados ocorreu por meio da realização
de uma entrevista semiestruturada em Libras com quatro licenciandos Surdos do
Curso de Letras-Libras/Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte (UFRN), que tiveram o português como primeira língua. Foram reali-
zadas nove perguntas e, dentre elas, foram selecionadas três, correlacionadas com a
temática tratada em nosso artigo. Além disso, buscamos enriquecer o estudo com a
experiência pessoal de D no processo de aquisição da Libras como L2, desvelando
as angústias, dificuldades e o desconforto dos DAs em se adaptarem fisiologica-
mente à primeira língua.
A primeira questão referiu-se a como o Surdo Oralizado está vivenciando o
processo de aquisição da Libras como segunda língua. De forma geral, os sujeitos
sentiram-se confortáveis no uso da Libras mesmo enfrentando algumas dificulda-
des no processo de aquisição devido ao aprendizado tardio do português. É inte-
ressante notar que a busca pela produção de sentido possibilitou a proximidade de
interlocuções entre os participantes e a comunidade Surda e, ainda, ampliação dos
modos de comunicação por meio da Libras. A necessidade da linguagem também
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 134


levou D a aprender a língua de sinais que, em virtude do contato com outros Sur-
dos, ocorreu naturalmente no seio da cadeia da criação e da compreensão ideoló-
gica (VOLÓCHINOV, 2017).

Essa cadeia se estende entre as consciências individuais, unindo-as, pois o signo sur-
ge apenas no processo de interação entre consciências individuais. E a própria cons-
ciência individual está repleta de signos. Uma consciência só passa a existir como
tal na medida em que é preenchido pelo conteúdo ideológico, isto é, pelos signos,
portanto apenas no processo de interação social (VOLÓCHINOV, 2017, p. 95).

A questão seguinte tratou sobre a língua com a qual os sujeitos possuem mais
afinidade, três responderam “Libras” e um indicou “Libras e português” justifican-
do a convivência diária com uma e com outra. Percebemos, no discurso dos en-
trevistados, como a língua de sinais apresenta-se enquanto uma linguagem leve,
confortável e com potencial de comunicação rápido e de imediata compreensão.
De modo que a visualidade se apresenta como a principal influência para a for-
ma como os Surdos apreendem o mundo. Essa experiência de um dizer mais livre
aparenta ser uma característica que torna a língua de sinais mais atraente para os
Surdos, diferentemente do português que, geralmente, apresenta-se como língua
imóvel e cuja função seria apenas repetir as regras de um sistema linguístico. Con-
forme Volóchinov (2017, p. 199) “a língua como sistema de formas normativas e
idênticas é uma abstração que pode ser justificada de modo teórico e prático ape-
nas do ponto de vista da decifração e ensino de uma língua alheia e morta.”
Em sua experiência pessoal, D percebeu o quanto existe uma enorme barreira
comunicacional quando está conversando com ouvintes por meio do português
oral, principalmente, quando o tema da conversa exige uma linguagem mais for-
mal. É necessário um esforço muito grande para (não) alcançar o sentido, o que
torna aquele momento desconfortável acarretando em perdas da bidirecionalidade
do signo ideológico e da singularidade do existir. Prosseguindo em seu relato, D
afirma que “enquanto, nesse contexto, nos sentimos “imobilizados”, quando encon-
tramos outros Surdos reconhecemos nossa capacidade de expressar o “indizível”,
o “impossível”, independentemente do nível de linguagem, usufruindo, finalmen-
te, da compreensão emotivo-volitiva que constitui o existir-evento (BAKHTIN,
2010).”
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 135


A última questão estava voltada para conhecer como os participantes con-
sideravam a comunicação sinalizada (Libras): confortável ou cansativa. Todos
afirmaram que se sentiam à vontade para interagirem em língua de sinais, pois
a percepção visual é compreendida de forma clara e leve. Um tempo extenso de
leitura labial, por exemplo, incomoda e cansa, além de ocasionar alguns equívocos
no entendimento das informações. A respeito desse tópico, Lodi (2004) destaca os
embates que surgem nas práticas de leitura em língua portuguesa realizadas por
Surdos devida às diferenças sociais, culturais e linguísticas.

[...] um outro aspecto discutido na educação de surdos: “claras em neve” constitui


uma metáfora em língua portuguesa, mas não em Libras [...] Dessa forma, mesmo
sendo uma metáfora contexto dependente, ou seja, usa-se claras em neve apenas
quando se está realizando práticas de leitura de receitas, a leitura realizada por Dé-
bora e Adriana considerou cada palavra isoladamente e a elas foi atribuído sentido
literal (LODI, 2004, p. 135).

Desta maneira, observamos a importância da orientação social da vivência,


pois influencia diretamente em quais moldes o enunciado concreto será constru-
ído. Ao compartilhar a sua experiência, D afirma: “Sou bilíngue, me comunico nas
duas modalidades (português oral e Libras), mas a língua de sinais é mais natural
para mim refletindo num agir mais confiante e menos inseguro para exprimir meu
projeto de dizer já que a aquisição da língua oral foi forçada e treinada. Assim, ao me
comunicar visualmente, a sensação é de que o cérebro se organiza mais rapidamente,
o que considero extraordinário visto que, as experiências anteriores com a língua oral
foram traumáticas. Desse modo, convivo mais com a comunidade surda, com quem
compartilho o conjuntamente vivido há onze anos, tempo em que me tornei usuária
da Libras”.
Ao sinalizar, por exemplo, não há necessidade de lembrar de palavras, regras,
se preocupar com falhas ou ter o medo do desconhecido, apenas experienciar os
desdobramentos da linguagem na relação de alteridade. Isso demonstra como a
transição linguística dos deficientes auditivos vêm permeados por conflitos (dis-
cursos de normalização e discursos de resistência) que expressam a manifestação
das forças centrípetas e centrífugas, atuando reciprocamente.

Cada enunciação concreta do sujeito do discurso constitui o ponto de aplicação seja


SUMÁRIO

das forças centrípetas, como das centrífugas. Os processos de centralização e descen-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 136


tralização, de unificação e desunificação cruzam-se nesta enunciação, e ela basta não
apenas à língua, como sua encarnação discursiva individualizada, mas também ao
plurilinguismo, tornando-se seu participante ativo (BAKHTIN, 2002, p. 82).

Para compreendermos de forma mais clara a ocorrência de tais embates, com


base nas entrevistas, compomos um cenário das relações construídas, geralmente,
entre Surdos puros, deficientes auditivos e implantados, representados por meio da
metáfora das epistemologias de fronteira entre o Norte e Sul (KLEIMAN, 2013).
Desse modo, na perspectiva dos que se identificam enquanto Surdos puros, que
fazem parte de uma família surda e/ou da comunidade surda e que tem a língua
de sinais como primeira língua, circunscrevem-se na linha de cima, em terrenos
pertencentes ao Norte. Nesse contexto, os deficientes auditivos são considerados
inferiores, pois não conhecem a Libras e preferem usar o português oral, ficando
localizados em territórios do Sul. Nessa espécie de intermezzo, de disputa de luga-
res de autoridade, aqueles que se reconhecem como Surdos Oralizados constroem
uma imagem discursiva que não se localiza nem na parte Sul e nem no Norte, mas
assumem uma nossa posição que chamaremos de “centro”.
No momento em que os sujeitos Surdos Oralizados decidem transitar entre
tais fronteiras, exacerbam-se os atritos não somente com a comunidade ouvinte,
mas também junto à comunidade Surda. Logo, passam a transgredir a canonização
de sistemas ideológicos, pois no grupo dos ouvintes são aqueles que não ouvem e
nem falam direito; no grupo dos Surdos puros, não sinalizam adequadamente e
oralizam demais; no grupo dos deficientes auditivos, são obrigados a oralizar e não
utilizam a língua de sinais, tornando-se novos sujeitos imersos em práticas discur-
sivas dialógicas e axiológicas, pois “existem diferentes graus da "vivência do nós" e
suas formas ideológicas podem se manifestar de vários modos” (VOLÓCHINOV,
p. 209, 2017).
A vivência, segundo o autor, constitui-se ideologicamente, sendo, desse modo,
concebida por meio de uma orientação social valorativa. Daí a importância de que
especialmente os ouvintes compreendam as escolhas ideológicas realizadas pelos
Surdos Oralizados ao interagirem por meio da língua de sinais, pois, dessa forma,
a linguagem preenche-se das forças vivas da realidade concreta.
Vale destacar que, em tempos da contemporaneidade, o português encontra-
-se na fronteira linguística e discursiva presentes na movência e no hibridismo do
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 137


mundo globalizado. Então, a ideologia majoritária, que defende a obrigatoriedade
de o Surdo alcançar a proficiência oral e escrita da língua portuguesa igualmente a
um nativo, já encontra, de forma mais patente, seu reverso. Em razão disso, ao dire-
cionarmos nosso olhar para o sujeito da linguagem, problematizamos o destrona-
mento do plano do sistema enquanto centro direcionador das discussões epistemo-
lógicas, e enfatizamos a presença de um outra lógica que possibilite a consideração
das diversas forças sociais que orientam a vivência.
O Surdo Oralizado usuário da Libras como segunda língua figura enquanto
uma espécie de recordação da imprescindibilidade da negatividade dos outros - di-
ferentes entre si, repletos da força vivificante da linguagem - para o enfraquecimen-
to do vazio monótono do discurso do idêntico. Assim, o registro das entrevistas
realizadas com os estudantes Surdos e da narrativa de D desvelam a importância de
discutirmos a aquisição da Libras como L2 por pessoas Surdas em outros termos.
Ao discorrermos acerca da existência das forças centrípetas e centrífugas que cons-
tituem a linguagem, compreendemos que o Surdo Oralizado está sempre atuando e
respondendo ao mundo, ora silencia(n)do, ora subvertendo padrões. Assim, apro-
ximamo-nos das vivências dos sujeitos sociais que se identificam de forma diferen-
te, como os deficientes auditivos e os Surdos oralizados, situados historicamente
e imersos em terrenos sociais distintos, mas (re)existentes na concretude da vida.

Discussões finais

De fato, encontramos relações paradigmáticas que sobrepõem a cultura ou-


vinte à cultura surda e à luta dos DA(s) em se assemelharem aos ouvintes. Essa si-
tuação deve ser considerada dentro da área da Linguística Aplicada (LA), pela im-
portância de trazer da margem as vozes de pessoas Surdas de diversas identidades
(como deficientes auditivos, Surdos Oralizados, Surdos implantados), ou seja, pelo
direito de os sujeitos sócio-históricos de nossa realidade social terem conhecimen-
to da língua de sinais. Isso irá proporcionar uma nova visão com relação à segunda
língua dessas pessoas, sendo o Português a primeira língua dos Surdos Oralizados
e a Libras a segunda língua.
Isso posto, ao assentarmos nossas discussões na Linguística Aplicada, com-
SUMÁRIO

preendemos que o conhecimento produzido pela comunidade NÓS-TOD@S,

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 138


SURD@S ORALIZAD@S4, tem voz/sinalização reconhecidamente do Sul, ou seja,
possui valores importantes para serem compartilhados. Assim, o entendimento de
que a linguagem e o sujeito se constituem incessantemente traz o conforto de que
ser diferente é o que nos torna gente. Conforme D, “estar do lado de dentro do grupo
pesquisado, implicada, foi uma experiência de catarse ao perceber quantas angústias
tínhamos guardado em torno do mesmo tema: a linguagem.” Encerramos, embora
provisoriamente, afirmando que analisar um grupo localizado na periferia da pe-
riferia possibilita que possamos compartilhar outras histórias, seja oralmente ou
em sinais, pois a escolha de como iremos responder ao mundo responsavelmente,
pertence a NÓS-TOD@S.

Referências

ARCOVERDE, Rossana Delmar de Lima. Dos desencontros com a linguagem escrita


a um encontro plurilinguístico. In: DOZIART, Ana. Estudos Surdos: diferentes olhares.
Porto Alegre: Mediação, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M.M. Questões de Literatu-
ra e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec Annablume, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2010.
HAN, BYUNG-CHUL. A expulsão do outro. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2018.
KLEIMAN, Angela. Agenda de Pesquisa e Ação em Linguística Aplicada: Problemati-
zações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Linguística Aplicada na modernidade recente:
festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013.
LODI, Ana Claudia Balieiro. A leitura como espaço discursivo de construção de sentidos:
oficinas com surdos. 2004. 257 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
<http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Teses/ana_claudia_lodi.pdf>. Acesso em:
03/08/2021.
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Linguística Aplicada e vida contemporânea: problema-
tização dos construtos que tem orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da
(Org.). Por uma linguística aplicada Indisciplinar: São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio
de Janeiro: DP&A, 2003.
SUMÁRIO

4 Representação da escrita em Libras.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 139


PEREIRA, S. L. S; CASADO ALVES, M. P. A estratificação axiológica e o objeto discursi-
vo do surdo em Língua Portuguesa como segunda língua (LP/L2S). Relendo Bakhtin, v. 7,
n. 3, out-dez, 2019.
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Fazer linguística aplicada em perspectiva sócio-histó-
rica: privação sofrida e leveza de pensamento. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (Org.).
Por uma linguística aplicada Indisciplinar: São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 140


DOI: 10.52788/9786589932222.1-9

O processamento cognitivo do surdo

Flávia Medeiros Álvaro Machado


Leidiane Dias da Silva
Lucas Gonçalves Dias

Introdução

O desenvolvimento cognitivo do surdo desperta interesses de pesquisa para


a ciência. Quando as ações são realizadas, a cada momento são tomadas decisões
sobre diferentes situações. Pensando a todo instante sobre algo, não atenta-se para
o fato de que há um processo cognitivo acontecendo em nosso cérebro (SILVA,
2015). Essa habilidade para assimilar e processar as informações que recebemos
de diferentes fontes faz parte do processo chamado cognição, nome definido para
representar uma atividade cerebral que é realizada em nossas ações.
Compreende-se, então, que toda interpretação das informações armazenadas
pelo cérebro é de competência cognitiva para o ser humano. Esse processo permite
compreendermos as situações que experimentamos e vivenciamos, como também
nos posicionar em relação a cada uma delas de alguma forma, pois sem esse pro-
cessamento não seria possível assimilar e interpretar sobre tudo que está ao nosso
dia a dia (PICCIATO, 2020).
Esse capítulo, é um ensaio para destacar a construção de diálogo específi-
co sobre as habilidades e competências do processo cognitivo do surdo e, como
isso, influencia diretamente no uso da língua e nas suas manifestações culturais.
Para responder a essa proposta, elencamos o arcabouço teórico da abordagem da
linguagem cognitivista e, como referência, os Estudos da Linguística Cognitiva
(LAKOFF, 1987), pois compreende-se que todo o desenvolvimento cognitivo da
pessoa surda envolve elementos que transcendem as suas habilidades de comunica-
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 141


ção visuo-espacial. Com isso, a proposta dessa pesquisa visa descrever os processos
cognitivos básicos da pessoa surda, como a percepção, atenção e memória, poden-
do estar ou não relacionados diretamente com os processos cognitivos superiores
da linguagem, inteligência, tomada de decisão, raciocínio, entre outros.
O processamento cognitivo de quando aprendemos algo, seja por tarefas
simples, como calçar uma meia, até uma tarefa mais complexa, como dirigir um
automóvel, envolve operações mentais e isso é conhecido como desenvolvimento
cognitivo do ser humano (RADANOVIC; KATO-NARITA, 2016). Todavia, esse
processo é um aperfeiçoamento de habilidades geradas e armazenadas pelo cére-
bro, o que permite criar autonomia em relação a diferentes processos de aprendi-
zagem, como a leitura e a compreensão de um texto escrito, em que para o surdo
envolve diversas habilidades cinestésicas e não apenas sinapses cognitivas neurais,
pois as atividades cognitivas se processam pelo potencial de ação, sinapse, pré-si-
náptico e pós-sinapse (BATISTA, 2019).
De acordo com Lakoff (1987), argumenta-se que a Linguística Cognitiva (LC)
é construída através de recortes com a experiência de mundo, ou seja, a compreen-
são de como vemos esse mundo, criando categorias, dando nomes, além de estabe-
lecer semelhanças ou analogias entre as coisas como é possível notar nas metáforas.
A pesquisa se justifica pela necessidade de ampliar o conhecimento sobre
como ocorre o processo cognitivo individual na pessoa surda e como se concre-
tiza a tomada das decisões, tida como uma operação particular que está determi-
nada pela reação e entendimento pessoal frente a uma determinada situação. A
participação no Grupo de Pesquisa LingCognit1, que dialoga sobre a linguagem e
a cognição, num processo de escolhas tradutórias/interpretativas, impulsionou a
motivação de pesquisar sobre o “processamento cognitivo da linguagem do surdo”.
Considerando-se que uma leitura de um texto escrito em língua portuguesa
para o sujeito surdo é um “esforço cognitivo” que exige muito do leitor, pois vi-
sualmente o surdo lê em língua portuguesa e cognitivamente traduz para Libras
e, assim, vice-versa, ou seja, envolve duas línguas interpretantes de modalidades
distintas (MACHADO, 2017), o processamento cognitivo do surdo envolve um
“ritmo cognitivo” no processo de aprendizagem, e consequentemente, a cognição
do aprendiz (ALVES, 2005).

1 Grupo de Pesquisa LingCognit – Linguagem & Cognição: escolhas tradutórias e interpretativas – CAPES/
SUMÁRIO

CNPq/PRPPG/PPGEL/UFES. Disponível em: www.lingcognit.com

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 142


Atualmente encontram-se muitos estudos voltados à cognição, porém muitos
estão focados no âmbito da psicologia ou neurolinguística entre outras perspecti-
vas. Netsa pesquisa, percebe-se a carência de estudos cognitivos relacionados ao
processamento cognitivo da linguagem do surdo. Dessa forma, destaca-se que a
partir dos estudos cognitivos e das pesquisas realizadas no Grupo de Pesquisa Lin-
gCognit2, pelo ponto de vista do da Linguística Cognitiva, identificou-se que a base
teórica responde com propriedade e contribui especificamente para a problema-
tização deste estudo. Ressalta-se que a questão problema da pesquisa foi a tentativa
de responder o que hipotéticamente: “[c]omo se estabelece o processo cognitivo da
pessoa surda quando realizado a leitura de um texto escrito em Língua Portugue-
sa?”. Assim, o objetivo é analisa o processo cognitivo do surdo e a compreensão da
leitura da língua portuguesa na modalidade escrita na versão em Libras. Acredi-
ta-se que com essa pesquisa será possível contribuir com a área de Libras quando
apresentado os resultados obtidos, destacando a capacidade de compreensão de
textos escritos em língua portuguesa, traduzidos para Libras, por outros sujeitos
surdos.
Mediante esta pesquisa, foram identificados elementos de como a pessoa sur-
da compreende a leitura escrita da língua portuguesa sem um conhecimento prévio
dos sentidos das palavras (lexemas) apresentados no microtexto ou se é necessário,
quando o leitor surdo, ao ler um texto, precisa, ao mesmo tempo que realiza essa
leitura, fazer simultaneamente conexões de conhecimento empírico/acadêmico,
análises linguísticas ou outras habilidades de leitura. Durante as análises perce-
beu-se que na compreensão do surdo em relação à leitura do microtexto da língua
portuguesa, houve escolhas tradutórias que evidenciam dificuldades de leitura em
relação à língua materna do surdo e exprime a compreensão e o pensamento da
leitura realizada por meio da Libras.
Os surdos participantes desta pesquisa foram escolhidos a partir de níveis
diferentes de escolaridade, destacando-se o nível acadêmico, e ponderando as fases
da vida do surdo, a fim de perceber se houve alguma interferência em relação ao
conhecimento enciclopédico ou de mundo que ele possui. De forma hipotética, a
maioria dos surdos, ao ler a língua portuguesa, têm lacunas cognitivas, dificuldades
de entendimentos e compreensão do enunciado. Mesmo que os estímulos recebi-
SUMÁRIO

2 Liderado pela Profa. Dra Flávia Medeiros Álvaro Machado – PPGEL/PRPPG/CCHN/DLL/UFES.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 143


dos na tenra idade sejam satisfatórios socialmente, podem ocorrer inferências du-
rante o processo de leitura do leitor surdo. De acordo com Machado (2017), todo
o ambiente linguístico leva à experiência linguística e cultural, conforme a vivência
de cada um e do entorno social em que ele vive. De acordo com a situação do surdo,
a cognição se estabelece com um ambiente, conceptualizando, com o uso da língua,
sinapses de duas línguas distintas.

Leitura e Compreensão: processamento cognitivo do surdo

O cérebro humano é um órgão biológico que depende de estímulos e que


geram as sinapses elétricas nas diferentes áreas do saber. Ele é o órgão mais volu-
moso e importante do sistema nervoso e está dividido em duas partes simétricas: o
hemisfério direito e o hemisfério esquerdo. O córtex cerebral é a camada mais ex-
terna, sendo responsável por várias habilidades como o pensamento, tato, paladar,
visão, audição, fala, entre outras (PICCIATO, 2020).
Esses hemisférios cerebrais estão divididos em quatro lobos anatomicamente
distintos: o frontal, o parietal, o occipital e o temporal. A capacidade sobre o fun-
cionamento dessas áreas pode ocorrer de forma parcialmente independente, mas
o funcionamento adequado ocorre quando há diversos estímulos decorrentes da
interação entre corpo, mente e ambiente durante a vida do indivíduo (SANTOS,
2002). Segundo Fischer e Pruyne (apud PAPALIA, 2013, p. 467), “um ambiente
estimulante e com várias informações pode impulsionar o desenvolvimento de co-
nexões corticais, ocorrendo as sinapses e conexões dendríticas”.
De acordo com Lopes (1999), as sinapses são pontos de comunicação pelos
quais os neurônios pré-sinápticos, mediante os seus axônios, passam sinais para
pontos alvos pós-sinápticos, que podem ser os dendritos, o axônio ou o corpo ce-
lular de outro neurônio, células musculares ou células glandulares. Há dois tipos
de sinapses: as elétricas e as químicas, que se diferem em estrutura e função. Os
neurônios que se comunicam mediante sinapses elétricas são conectados por jun-
ções comunicantes (gap junction), através das quais os impulsos elétricos passam
diretamente da célula pré-sináptica à pós-sináptica.
Ressalta-se que as sinapses são junções entre a terminação de um neurônio
e a membrana de outro neurônio. São elas que fazem a conexão entre células vizi-
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 144


nhas, dando continuidade à propagação do impulso nervoso por toda a rede neu-
ronal, permitindo a comunicação neural ou a transmissão sináptica. Elas se proje-
tam permitindo várias funções em que o sistema nervoso age, por exemplo, para
desenvolvimento da comunicação (BATISTA, 2019).
A diferença entre as áreas no córtex cerebral ocorre em relação a limites e
funções relativamente definidos. Portanto, o sistema nervoso é formado por de-
terminadas áreas cerebrais que estão diretamente ligadas a certas funções. Assim,
podem ser distinguidas a área motora principal, a área sensitiva principal, centros
encarregados da visão, audição, tato, olfato, gustação entre outras. Em relação à
função de linguagem, temos, no hemisfério esquerdo, as regiões da área de Broca e
área de Werneck3.
O surdo precisa de estímulo. De acordo com Skinner (1972), o aprendizado
da linguagem, como qualquer outro aprendizado, baseia-se na experiência com o
outro. Segundo a Teoria Clássica da Aprendizagem (VIGOTSKI, 2003), a criança
aprende a linguagem por meio de condicionamento operante, em forma de repeti-
ções, imitando a fala, ou seja, nesse caso, os bebês surdos imitando os sinais.
Sem estímulo, o cérebro não trabalha e tudo isso precisa ocorrer para a com-
preensão da língua, pois possibilita as conexões dendríticas, necessárias para que
tudo isso aconteça, principalmente se esses estímulos estiverem dentro do contexto
familiar (ABREU, 2010). Soma-se a isso a habilidade de compreender a língua e ser
capaz de fazer uma tradução da Libras para o português escrito ou do português
escrito para Libras.
O surdo, ao olhar (ler) para uma palavra na língua portuguesa, é capaz de en-
tender seus significados. Diante desta pesquisa, considerou-se haver a identificação
de alguma(s) falha(s) dentre fases da vida do indivíduo, visto que um estímulo leva
a ter conexões dendrítica que, por sua vez, levam ao desenvolvimento da língua, o
que é essencial para a construção da identidade do sujeito (PAPALIA; FELDMAN,
2013).
O mapeamento das conexões cognitivas e a importância delas na determi-
nação das ações dos sujeitos são desenvolvidos em larga escala, na busca do en-
tendimento para o pensamento e linguagem. Verificando o desenvolvimento ao
longo da evolução da espécie humana, percebe-se que o cérebro agrega mudanças
e condições processadas individualmente (SILVA, 2011).

3 De acordo com Radanovic e Kato-Narita (2016, p. 260) a área de Broca analisa os estímulos auditivos,
para posterior ativação do sistema conceitual, realiza construção gramatical, fonética e controle motor
articulatório, essa área de Broca fica no giro frontal inferior. A área de Wernicke se localiza na parte posterior
SUMÁRIO

do giro temporal e é responsável pelo aspecto léxico-semântico da linguagem.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 145


Em relação “à aquisição de linguagem, é um processo bastante complexo e que
envolve inúmeros aspectos cognitivos, comportamentais e sociais” (GABRIOTTI;
ZOMIGNAN, 2021).
A Libras é uma língua específica da comunidade surda brasileira e esse é o
código linguístico-visual utilizado como primeira língua, embora nem todos os
surdos tenham o mesmo acesso e adaptação a ela. Porém, é considerada uma língua
natural da pessoa surda. (MACHADO, 2017).

Procedimentos Metodológicos

A metodologia utilizada é exploratória e de campo. Nesse sentido, foi possí-


vel coletar e identificar os dados para construção do corpus da pesquisa de forma
remota, pela plataforma G-suíte, do google. De acordo com Gonçalves (2001, p.67):

[a] pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação dire-
tamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais
direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou
ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...] (GON-
ÇALVES, 2001, p. 67).

Para a pesquisa desenvolvida, devido ao atual cenário pandêmico, foi neces-


sário um contato via Google Meet com os sujeitos surdos que aceitaram participar
voluntariamente do estudo. Entendemos que com essa proposta metodológica, foi
possível reunir as informações concretas para serem analisadas. Assim, os procedi-
mentos metodológicos de pesquisas foram realizados da seguinte forma: (1) con-
tato via WhatsApp para convite aos participantes surdos; (2) envio do microtexto
na modalidade escrita da língua portuguesa aos participantes surdos para leitura,
compreensão e escolhas tradutórias; (3) solicitação aos participantes surdos para
traduzir o microtexto escrito em português para Libras; (4) transcrição os vídeos
elaborados pelos surdos na versão em Libras para glosas em português das escolhas
tradutórias dos participantes; (5) análise a tradução em Libras realizada do micro-
texto apresentado em português.
Utilizou-se tal metodologia para, inicialmente, identificar a problemática da
pesquisa, correlacionando-a com as hipóteses elencadas, além de buscar, junto à
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 146


literatura clássica e contemporânea, o aporte teórico que sustenta os dados investi-
gados nesta pesquisa. Dessa forma, problematizou-se e aprofundou-se a questão do
processamento cognitivo da linguagem do surdo e o funcionamento das escolhas
tradutórias, empenhando-se em buscar referências que contribuam para o tema em
investigação.
Para esse estudo, apresenta-se como amostra o conjunto de dados constituí-
do ao longo de todas as etapas da coleta. Assim, quanto ao perfil dos pesquisados
foram: (a) cinco (5) participantes surdos de ambos os sexos (masculino/feminino);
(b) idades variando entre 17 e 70 anos; (c) escolaridade nos níveis de graduado,
pós-graduado e mestre, de diferentes instituições de ensino superior, residentes da
Grande de Vitória - Espírito Santo; (d) observação direta da experiência pessoal e
acadêmica, como também de conhecimento de mundo de cada participante.
O microtexto utilizado para aplicação da pesquisa foi selecionado de um ex-
certo retirado da obra de Machado (2017), “Conceitos Abstratos: escolhas inter-
pretativas do Português para Libras, a qual elenca o conceito abstrato CRÍTICO4.
Observe o microtexto no Quadro 1.

Quadro 1: Microtexto do Conceito Abstrato CRÍTICO


Desde o início do ano letivo, os alunos são incentivados a pensar a respeito de temas de problemáticas
inerentes à adolescência. O propósito é o desenvolvimento de um cidadão CRÍTICO¹, e consciente da
conjuntura social que cerca. Nesse ínterim, a direção escolar, organiza semestralmente encontros entre
turmas de 7ª e 8ª séries com o objetivo de abordar tais problemas cotidianos enfrentados costumeira-
mente pelos adolescentes. Nesses encontros, os alunos manifestam seu pensamento CRÍTICO² sobre
os temas apresentados. Percebe-se que um dos maiores desafios que os alunos enfrentam diariamente é
o olhar CRÍTICO³ que os pais lançam sobre algumas atitudes comportamentais equivocadas na escola;
como também o pensamento CRÍTICO4 que o professor dirige sobre seus alunos em sala de aula. Essas
situações são consideradas por alguns alunos como algo extremamente CRÍTICO5.
Fonte: Machado (2017, p. 104).

A autora (2017) destaca em suas pesquisas que é essencial correlacionar o


significado pelo ponto de vista dicionarista, mas evidenciando o conhecimento de
mundo que se encontra em cada informação linguística e tradutória no sentido
mais semântico e pragmático do uso da língua portuguesa e, consequentemente,na
Libras. Com base nos argumentos da autora, apresenta-se os sentidos de cada con-
ceito abstrato CRÍTICO, dividido no texto em cinco (5) lexemas, dos quais fez uso
em suas pesquisas. Observe o Quadro 2 que destacam os sentidos de cada ocorrên-
O lexemática:
4cia conceito abstrato escrito em caixa alta – CRÍTICO, se refere ao sentido de um conceito polissêmico
SUMÁRIO

(MACHADO, 2017).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 147


Quadro 2: Sentidos para cada ocorrência de ‘crítico’
• CRÍTICO1 – v.i. Refletir/pensar - reflita antes de decidir;
• CRÍTICO2 - s.f. Opinião - modo de ver, pensar, deliberar, parecer, conceito, juízo, reputação,
ideia e princípio de alguma coisa ou pessoa;
• CRÍTICO3 – v.t. Observar/avaliar/reclamar – cumprir, respeitar, obedecer, examinar, analisar,
verificar, espiar, vigiar, advertir, notar, ver, objetar, replicar, ponderar, calcular, apreciar, estimar.
• CRÍTICO4– s.f. Opinião - modo de ver, pensar, deliberar, parecer, conceito, juízo, reputação,
ideia e princípio de alguma coisa ou pessoa;
• CRÍTICO5 – adj. Incômodo - que causa mal-estar, que causa inquietação, importuno, que causa
dificuldade, embaraço, estorvo.
Fonte: Machado (2017, p. 105).

O suporte teórico correspondente à coleta de dados e às análises foi de auto-


res renomados da Linguística Cognitiva, como os clássicos e os contemporâneos:
Lakoff (1987), Abreu (2010), Pires (2014) e Machado (2017); em conjunto com
autores da Linguística Cognitiva, entre os quais destacam-se autores dos Estudos
da Neurociências e Desenvolvimento Humano, tais como: Radanovic, Kato-Narika
(2016); Batista (2021); Papalia; Feldman (2013); e Picciato (2020).
Com essa literatura, é possível argumentar teoricamente sobre o processo
cognitivo da linguagem do surdo no uso da língua portuguesa escrita, em relação à
língua materna, que é a língua natural da pessoa surda. Com isso, Abreu (2010, p.
12) discute que “um princípio básico da linguística cognitiva e a gramática de uma
língua é o resultado de conceptualizações que envolvem a maneira de como vemos
e recortamos o mundo [...]”.

Análises do Corpus

A coleta dos dados foi realizada com 5 pessoas surdas que se comunicam
fluentemente em Libras e têm diferentes níveis de escolaridade. Os participantes
com graduação demonstraram mais dificuldades na tradução da LP e, durante as
análises, identificou-se que não conseguiram fazer nenhuma escolha tradutória do
conceito abstrato CRÍTICO do microtexto para Libras. Sendo assim, levanta-se um
ponto de discussão do acesso comunicacional que há na educação dos surdos em
relação ao que interfere na comunicação, leitura e interpretação das pessoas surdas
em relação ao português escrito. As diferentes idades também foram consideradas
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 148


como um fator relevante nesta pesquisa, visto que a Participante Surda E (PSE),
com 70 anos e ensino fundamental, demonstrou um maior grau de dificuldades
durante a leitura das informações do microtexto.
Baseado na obra de Machado (2017, p. 104), de que fora retirado o microtexto
com o conceito abstrato CRÍTICO, elaborado em português escrito como a lín-
gua de partida desta pesquisa. Após aplicar a pesquisa com os surdos convidados,
foi necessário transcrever para glosas a tradução realizada em Libras pelos surdos
que participaram da pesquisa. Observa-se que a partir dos resultados apresentados,
identificou-se que o Participante Surdo A (PSA), Participante Surdo B (PSB), Par-
ticipante Surdo C (PSC), Participante Surdo D (PSD) e Participante Surdo E (PSE)
também demonstraram escolhas tradutórias distintas como registrado nos Qua-
dros 3, Quadro 4, Quadro 5, Quadro 6 e Quadro 7, a seguir:

Quadro 3 – Transcrição em glosas do registro da Libras do participante surdo A:


PSA – Ensino Superior – tecnólogo
<ANO PASSADO RESPEITO TEMA PROBLEMA ADOLESCENTE DISCUTIR C-R-Í-T-I-C-A
JUNTO SOCIEDADE DIREITO ESTUDO> <ORGANIZAR ENCONTRAR GRUPO ALUNO
PROBLEMA C-R-Í-T-I-C-O ADOLESCENTE> <ENCONTRAR ALUNO PENSAR C-R-Í-T-I-C-O
TEMA APRESENTAR> <PERCEBER MAIS ALUNO OLHAR C-R-Í-T-I-C-O ESCOLA OLHAR
C-R-Í-T-I-C-O TEMA ALUNO SALA ESCOLA> <S-I-T-U-A-Ç-Õ-E-S E-X-T-R-E-M-A-M-E-N-T-E
C-R-Í-T-I-C-O>
Fonte: elaborado pelos autores (2021).

Nessa coleta de dados, o Participante Surdo A (PSA) com formação em tec-


nólogo – ensino superior - realizou as escolhas tradutórias da língua portuguesa
(LP) de forma arbitrária para Libras. Como se percebe nos registros das glosas que
foram transcritas e divididas em cinco excertos extraídos do microtexto do Quadro
1, observando o Quadro 3 do registro em Libras transcritos em glosas, apresenta-se
os resultados da seguinte forma:

Excerto 1 - Participante Surdo A (PSA)

LP: Desde o início do ano letivo, os alunos são incentivados a


pensar a respeito de temas de problemáticas inerentes à adoles-
Libras: Sem registros
cência. O propósito é o desenvolvimento de um cidadão CRITI-
CO, e consciente da conjuntura social que cerca.

No excerto 1, o PSA não registra elementos lexicais com os quais fosse possí-
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 149


vel realizar uma análise do processo da tradução apresentada pelo PSA em Libras,
omitindo, assim, o enunciado da língua de partida – LP. Na sequência, observa-se
o excerto 2:

Excerto 2 - Participante Surdo A (PSA)


LP: Nesse ínterim, a direção escolar organiza semes- Libras: <ANO PASSADO RESPEITO
tralmente encontros entre turmas de 7ª e 8ª séries com TEMA PROBLEMA ADOLESCEN-
o objetivo de abordar tais problemas cotidianos en- TE DISCUTIR C-R-Í-T-I-C-A JUNTO
frentados costumeiramente pelos adolescentes. SOCIEDADE DIREITO ESTUDO>

No excerto 2, o PSA não registra elementos linguísticos no sentido do enun-


ciado da língua de partida (LP), porém percebe-se que o PSA procurou cogniti-
vamente equivalências da ideia do excerto 2 para realizar em Libras, fazendo o
empréstimo linguístico datilológico <C-R-Í-T-I-C-A> para referenciar o sentido
na sentença. Na sequência, observa-se o excerto 3:

Excerto 3 - Participante Surdo A (PSA)


Libras: <ENCONTRAR ALUNO PEN-
LP: Nesses encontros, os alunos manifestam seu pensa-
SAR C-R-Í-T-I-C-O TEMA APRESEN-
mento CRÍTICO sobre os temas apresentados.
TAR>

No excerto 3, o PSA realizou escolhas tradutórias que foram semelhanças da


sentença. No entanto, o lexema do conceito abstrato CRÍTICO da língua portugue-
sa fora também realizado o empréstimo linguístico datilológico <C-R-Í-T-I-C-O>,
ou seja, o PSA não referenciou o sentido conceitual no processo tradutório. Na
sequência, observa-se o excerto 4:

Excerto 4 - Participante Surdo A (PSA)


LP: Percebe-se que um dos maiores desafios que os
alunos enfrentam diariamente é o olhar CRÍTICO Libras: <PERCEBER MAIS ALUNO
que os pais lançam sobre algumas atitudes compor- OLHAR C-R-Í-T-I-C-O ESCOLA
tamentais equivocadas na escola; como também o OLHAR C-R-Í-T-I-C-O TEMA ALU-
pensamento CRÍTICO que o professor dirige sobre NO SALA ESCOLA>
seus alunos em sala de aula.

No excerto 4, o PSA omitiu informações indispensáveis para coesão e coerên-


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 150


cia da leitura visual do leitor-surdo relacionadas ao enunciado do texto escrito em
LP para a Libras. Novamente, o lexema do conceito abstrato CRÍTICO da língua
portuguesa fora realizado com o empréstimo linguístico datilológico <C-R-Í-T-I-
-C-O> também não referenciando ao sentido conceitual do processo tradutório
das línguas envolvidas. Na sequência, observa-se o excerto 5:

Excerto 5 - Participante Surdo A (PSA)


LP: Essas situações são consideradas por alguns alu- Libras: <S-I-T-U-A-Ç-Õ-E-S E-X-T-R-
nos como algo extremamente CRÍTICO. -E-M-A-M-E-N-T-E C-R-Í-T-I-C-O>

No excerto 5, o PSA se apropriou do empréstimo linguístico datilológico em


todas as escolhas tradutórias, ou seja, em todo enunciado nota-se que o PSA não
compreendeu o sentido do enunciado do texto escrito em LP. Todavia, não há re-
gistros linguísticos de sinais manuais para a língua de chegada - Libras.
Observando o Quadro 4 das transcrições em glosas do registro em Libras,
apresenta-se os resultados apresentados pelo PSB divididos em excertos 1, 2, 3, 4 e
5, que fora registrado da seguinte forma:

Quadro 4 - Transcrição em glosas do registro da Libras do participante surdo B:


PSB - Graduado/Ensino Superior
<PERÍODO ANO COMEÇA PENSAR COMO PROBLEMA ADOLESCENTE MOSTRA GE-
RAL COMPORTAMENTO OPINIÃO> <GRUPO SOCIAL DIREITO ESCOLA ORGANIZAR
ENCONTRO ESTUDAR GRUPO FUNDAMENTAL ENCONTRA MOSTRAR QUAL PRO-
BLEMA GRUPO COMO COMEÇAR> <ALUNO PENSAR OPINIÃO APRESENTA PRO-
POSTA TEMA> <PERCEBER ESTÍMULO MAIOR ALUNO OLHAR OPINIÃO QUAL SEU
EXEMPLO COMPORTAMENTO ESCOLA TAMBÉM PENSAR O QUE OPINIÃO QUE,
QUAL PROFESSOR PENSAR QUE ESTRATÉGIA COMO ALUNO DENTRO ESCOLA>
[pausa] <ACONTECE> [pausa] <ACONTECE> [pausa] <ACONTECE> [pausa] <PRÁTICA>
[pausa] <ALUNO PENSAR OPINIÃO>
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

O Participante Surdo B (PSB), com graduação completa, realizou as escolhas


tradutórias da língua portuguesa (LP) que foram transcritas em glosas (ver qua-
dro 4) e analisadas em cinco excertos do microtexto. Nesta coleta de dados, o PSB
traduziu o microtexto de forma mais linguística e cultural para Libras, como se
percebe no excerto 1:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 151


Excerto 1 - Participante Surdo B (PSB)
LP: Desde o início do ano letivo, os alunos são in- Libras: <PERÍODO ANO COMEÇA PEN-
centivados a pensar a respeito de temas de proble- SAR COMO PROBLEMA ADOLESCEN-
máticas inerentes à adolescência. O propósito é o TE MOSTRA GERAL COMPORTAMEN-
desenvolvimento de um cidadão CRITICO, e cons- TO OPINIÃO>.
ciente da conjuntura social que cerca.

No excerto 1, as escolhas tradutórias foram registradas de forma resumida da


LP para Libras, visto que as omissões em algum grau não obtiveram o sentido do
conceito CRÍTICO em LP com a equivalência <OPINIÃO> em Libras que significa
refletir antes de decidir o desenvolvimento de um cidadão CRÍTICO, como apre-
sentado no excerto. Na sequência observa-se o excerto 2:

Excerto 2 - Participante Surdo B (PSB)


Libras: <GRUPO SOCIAL DIRETOR@
LP: Nesse ínterim, a direção escolar, organiza
ESCOLA ORGANIZAR ENCONTRO
semestralmente encontros entre turmas de 7ª e 8ª
ESTUDAR GRUPO FUNDAMENTAL
séries com o objetivo de abordar tais problemas
[séries] ENCONTRAR MOSTRAR QUAL
cotidianos enfrentados costumeiramente pelos
PROBLEMA GRUPO COMO COME-
adolescentes.
ÇAR>

No excerto 2 nota-se uma tradução em que foram dadas equivalências com


elementos cognitivos de uso semântico-pragmático da LP escrita para Libras. Na
sequência observa-se o excerto 3:

Excerto 3 - Participante Surdo B (PSB)


LP: Nesses encontros, os alunos manifestam seu Libras: <ALUNO APRESENTA PRO-
pensamento CRÍTICO³ sobre os temas apresenta- POSTA TEMA PERCEBER ESTÍMULO
dos. MAIOR ALUNO OLHAR OPINIÃO>

No excerto 3, a tradução do enunciado teve elementos cognitivos, linguísti-


cos e culturais da língua de partida para a língua de chegada. O conceito abstrato
CRÍTICO apresentou o sentido semântico-pragmático da LP escrita para Libras,
conforme destacado no lexema CRÍTICO³, que enquanto verbo transitivo signifi-
ca “observar/avaliar/reclamar”, o que não houve sentido na escolha tradutória do
lexema manual <OPINIÃO>. Na sequência observa-se o excerto 4:
SUMÁRIO

Excerto 4 - Participante Surdo B (PSB)

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 152


LP: Percebe-se que um dos maiores desafios que os Libras: <QUAL SEU EXEMPLO COM-
alunos enfrentam diariamente é o olhar CRÍTICO PORTAMENTO ESCOLA TAMBÉM
que os pais lançam sobre algumas atitudes compor- PENSAR O QUE OPINIÃO QUE [?] [pau-
tamentais equivocadas na escola; como também o sa] QUAL [?] PROFESSOR PENSAR QUE
pensamento CRÍTICO que o professor dirige sobre ESTRATÉGIA COMO ALUNO DENTRO
seus alunos em sala de aula. ESCOLA>

No excerto 4, houve omissões que não mudaram o sentido semântico da LP


para Libras, porém o PSB não traduziu a sentença de forma afirmativa, mas se
apropriou da expressão interrogativa para versão Libras. Contudo, quando rea-
lizou a escolha lexemática para <OPINIÃO> dando sentido ao “olhar CRÍTICO
que os pais lançam [...]” o PSB registrou o sentido linguístico em ambas as línguas,
mesmo que dando ênfase para a compreensão de questionamento do enunciado,
o qual não havia interrogação na língua de partida. Na sequência, observa-se o
excerto 5:

Excerto 5 - Participante Surdo B (PSB)


Libras: [pausa] <ACONTECE> [pausa]
LP: Essas situações são consideradas por alguns <ACONTECE> [pausa] <ACONTECE>
alunos como algo extremamente CRÍTICO. [pausa] <PRÁTICA> [pausa] <ALUNO
PENSAR OPINIÃO>

No excerto 5, percebe-se que o PSB repetiu três vezes o sinal manual <ACON-
TECE> adicionado à expressão de “pensar”, observada nas pausas. Nota-se que du-
rante a leitura o PSB buscava compreender o enunciado do texto em LP para reali-
zar a tradução na Libras. Sendo assim, verifica-se que o PSB não realizou elementos
equivalentes que dessem sentido linguístico. Apenas ao final da sentença o PSB
escolhe sinais como <ALUNO PENSAR OPINIÃO>, na tentativa de recuperar a
informação da língua de partida, mas o conceito CRÍTICO da sentença “[e]ssas si-
tuações são consideradas por alguns alunos como algo extremamente CRÍTICO”, tem
o sentido de um adjetivo que se relaciona ao incômodo, isto é, que causa mal-estar,
que causa inquietação, importuno, dificuldade, embaraço, estorvo, demonstrando
que não houve compreensão para registro linguístico.

O Participante Surdo C (PSC), com pós-graduação Lato Sensu, realizou esco-


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 153


lhas tradutórias com mais sentido semântico-pragmático do enunciado da língua
portuguesa (LP) registradas nos cinco (5) enunciados. Observando o Quadro 5 das
transcrições em glosas do registro em Libras, apresentam-se os resultados dividi-
dos em excertos 1, 2, 3, 4 e 5, registrados da seguinte forma:

Quadro 5 - Participante Surdo C (PSC)


PSC - Pós-Graduação em Lato Sensu
<COMEÇO ANO L-E-T-I-V-O ALUNO ESTÍMULO PENSAR TEMA PROBLEMA P-R-O-
-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O GERAL JOVEM PROBLEMA FOCO JOVEM PROBLEMA
P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O FOCO JOVEM DESENVOLVER C-I-D-A-D-Ã-O C-R-
-I-T-I-C-A CONSCIÊNCIA GRUPO SOCIAL> <I-D-A-D-E DENTRO ESCOLA ORGANI-
ZAR G-R-U-P-O GRUPO ENCONTRO GRUPO FUNDAMENTAL FOCO PENSAR COMO
PROBLEMA C-O-G-N-I-Ç-Ã-O TEM GRUPO JOVEM AGRUPAMENTOS> <ALUNO
PRECISA ESFORÇAR MUITO BATALHA OPINIÃO TEMA APRESENTAR PERCEBER
ÁREA PROBLEMA P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O ESTÍMULO ALUNA I-N-C-L-U-
-S-Ã-O OPINIÃO PRÁTICA ATITUDE COMPORTAMENTO ESCOLA GERAL PENSAR
OPINIÃO TAMBÉM PROFESSOR ALUNO DENTRO SALA ESTUDAR GERAL>
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Nesta coleta de dados o PSC realizou escolhas tradutórias da Língua Portu-


guesa (LP) de forma mais linguística e cultural em Libras, como se percebe nos re-
gistros das glosas que estão divididos em cinco (5) sentenças do microtexto escrito
em LP:

Excerto 1 - Participante Surdo C (PSC)


Libras: <COMEÇO ANO L-E-T-I-V-O ALU-
NO ESTÍMULO PENSAR TEMA PROBLE-
LP: Desde o início do ano letivo, os alunos são
MA P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O GE-
incentivados a pensar a respeito de temas de pro-
RAL JOVEM PROBLEMA FOCO JOVEM
blemáticas inerentes à adolescência. O propósito
PROBLEMA P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-
é o desenvolvimento de um cidadão CRÍTICO, e
-Ã-O FOCO JOVEM DESENVOLVER C-I-
consciente da conjuntura social que cerca.
-D-A-D-Ã-O C-R-I-T-I-C-A CONSCIÊN-
CIA GRUPO SOCIAL>

No excerto 1, o PSC realizou escolhas tradutórias de acordo com a leitura


literal, isto é, apropriou-se do empréstimo linguístico datilológico da LP para lexe-
mas, como <L-E-T-I-V-O>, <P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O> e <C-I-D-A-
-D-Ã-O C-R-I-T-I-C-A>. De qualquer forma, nota-se que as escolhas tradutórias
se distanciaram da informação da língua de partida para a língua de chegada. Na
sequência, observa-se o excerto 2:
SUMÁRIO

Excerto 2 - Participante Surdo C (PSC)

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 154


LP: Nesse ínterim, a direção escolar, organiza se- Libras: <I-D-A-D-E DENTRO ESCO-
mestralmente encontros entre turmas de 7ª e 8ª LA ORGANIZAR G-R-U-P-O GRUPO
séries com o objetivo de abordar tais problemas co- ENCONTRO GRUPO FUNDAMENTAL
tidianos enfrentados costumeiramente pelos ado- [séries] FOCO PENSAR FUNDAMEN-
lescentes. TAL [séries] COMO PROBLEMA C-O-
-G-N-I-Ç-Ã-O TEM GRUPO JOVEM
AGRUPAMENTOS>

No excerto 2, entre todas as escolhas tradutórias, o que se destacou foi a leitu-


ra que o PSC teve com o lexema "cotidiano", referenciando-o,, na datilologia como
<C-O-G-N-I-Ç-Ã-O> em relação ao sentido da língua de partida da LP, o que se
distanciou do sentido original. Na sequência, observa-se o excerto 3:

Excerto 3 - Participante Surdo C (PSC)


LP: Nesses encontros, os alunos manifestam seu
pensamento CRÍTICO sobre os temas apresenta- Libras: Sem registros
dos.

No excerto 3, o PSC não fez escolhas tradutórias da LP para Libras. Portanto,


não foi possível fazer uma análise por falta de elementos linguísticos. Em seguida,
observa-se o excerto 4:

Excerto 4 - Participante Surdo C (PSC)


LP: Percebe-se que um dos maiores desafios que os Libras: <ALUNO PRECISA ESFORÇAR
alunos enfrentam diariamente é o olhar CRÍTICO MUITO BATALHA OPINIÃO TEMA
que os pais lançam sobre algumas atitudes compor- APRESENTAR PERCEBER ÁREA PRO-
tamentais equivocadas na escola; como também o BLEMA P-R-O-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-
pensamento CRÍTICO que o professor dirige sobre -Ã-O ESTÍMULO ALUN@ I-N-C-L-U-
seus alunos em sala de aula. -S-Ã-O OPINIÃO PRÁTICA ATITUDE
COMPORTAMENTO ESCOLA GERAL
PENSAR OPINIÃO TAMBÉM PROFES-
SOR ALUNO DENTRO SALA ESTUDAR
GERAL>

No excerto 4, observa-se que o PSC fez acréscimos de sinais manuais como


<ESFORÇAR> e <BATALHA>, para dar sentido “um dos maiores desafios” apre-
sentado no excerto da LP. Na sequência, as escolhas tradutórias passaram a ter ou-
tro sentido linguístico, quando fora traduzida a expressão “enfrentar diariamente’’
com os lexemas <ÁREA PROBLEMA> além do empréstimo linguístico <P-R-O-
-B-L-E-M-A-T-I-Z-A-Ç-Ã-O>. É notável a mudança de sentido da sentença da LP.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 155


Todavia, na expressão “pensamento CRÍTICO”, o PSC compreendeu o sentido do
lexema CRÍTICO com a escolha para Libras como <OPINIÃO>. Assim, observa-
-se o excerto 5:

Excerto 5 - Participante Surdo C (PSC)

LP: Essas situações são consideradas por alguns Libras: Sem registros.
alunos como algo extremamente CRÍTICO.

No excerto 5 o PSC não fez escolhas tradutórias da LP para Libras. Portanto,


não foi possível fazer uma análise por falta de elementos linguísticos.
O Participante Surdo D (PSD) possui duas graduações e uma pós-graduação
Lato Sensu na sua formação acadêmica. No entanto, ao analisar os registros, per-
cebe-se que nos excertos 2, 3 e 5 o PSD não realizou nenhuma escolha tradutória
referente ao enunciado da língua portuguesa (LP). Observando o Quadro 6 das
transcrições em glosas do registro em Libras, apresentam-se os resultados dividi-
dos em excertos 1, 2, 3, 4 e 5 registrados da seguinte forma:

Quadro 6 - Participante Surdo da pesquisa (PSD)


PSD – Graduação e Pós-Graduação em Lato Sensu
<JOVEM DENTRO DA ESCOLA DENTRO ESCOLA FUNDAMENTAL OPINIÃO ALUNO
PENSAR MAS, PRECISA AMPLIAR ESFORÇO TEM CONTROLE SENTIDO CORPO JO-
VEM PODE IGUAL TIRA> < EXEMPLO: ALUNO SENTE PODE PROPRIO CONTROLE
TAMBÉM SOFRE ENSINO RESPEITO PROFESSOR NÃO RESPEITA NADA TEM DENTRO
PROFESSOR, PRECISA ESTRATÉGIA TEM VÁRIOS PERFIS ALUNO> <ENSINO FUNDA-
MENTAL 7ª e 8ª CONTROLE OLHA PESSOA OPINIÃO C-R-Í-T-I-C-A OPINIÃO PESSOA
PENSA COGNITIVO>
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Nesta coleta de dados, o PSD realizou escolhas tradutórias que de algum


modo se distanciaram da informação da língua portuguesa para Libras, como se
percebe nos registros das glosas divididos nas cinco (5) sentenças do microtexto
escrito em LP:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 156


Excerto 1 - Participante Surdo D (PSD)
LP: Desde o início do ano letivo, os alunos Libras: <JOVEM DENTRO DA ESCOLA
são incentivados a pensar a respeito de temas DENTRO ESCOLA FUNDAMENTAL OPI-
de problemáticas inerentes à adolescência. O NIÃO ALUNO PENSAR MAS, PRECISA
propósito é o desenvolvimento de um cidadão AMPLIAR ESFORÇO TEM CONTROLE
CRÍTICO, e consciente da conjuntura social SENTIDO CORPO JOVEM PODE IGUAL
que cerca. TIRA>

No excerto 1, o PSD compreendeu o conceito CRÍTIC, na tradução, quando


escolheu a expressão <PENSAR>, dando o sentido de refletir antes de decidir em
relação a “conjuntura social que cerca” o aluno. Todavia, o PSD, antes da expressão
"pensar" fez uma inferência linguística com o lexema <OPINIÃO>, com a inten-
ção de enfatizar, na compreensão do leitor-surdo, o pensamento do aluno. Abaixo,
observam-se os excertos 2 e 3:

Excerto 2 - Participante Surdo D (PSD)


LP: Nesse ínterim, a direção escolar, organiza se-
mestralmente encontros entre turmas de 7ª e 8ª
Libras: Sem registros.
séries com o objetivo de abordar tais problemas co-
tidianos enfrentados costumeiramente pelos ado-
lescentes.

Excerto 3 - Participante Surdo D (PSD)


LP: Nesses encontros, os alunos manifestam seu
Libras: Sem registros.
pensamento CRÍTICO sobre os temas apresenta-
dos.

Nesse excertos, o PSD não fez escolhas tradutórias da LP para Libras. Por-
tanto, não foi possível fazer uma análise por falta de elementos linguísticos. Já no
excerto 4, temos:

Excerto 4 - Participante Surdo D (PSD)


LP: Percebe-se que um dos maiores de- Libras: <EXEMPLO: ALUNO SENTE PODE PRO-
safios que os alunos enfrentam diaria- PRIO CONTROLE TAMBÉM SOFRE ENSINO
mente é o olhar CRÍTICO que os pais RESPEITO PROFESSOR NÃO RESPEITA NADA
lançam sobre algumas atitudes com- TEM DENTRO PROFESSOR, PRECISA ESTRA-
portamentais equivocadas na escola; TÉGIA TEM VÁRIOS PERFIS ALUNO> <ENSINO
como também o pensamento CRÍTICO FUNDAMENTAL 7ª e 8ª CONTROLE OLHA PES-
que o professor dirige sobre seus alunos SOA OPINIÃO C-R-Í-T-I-C-A OPINIÃO PESSOA
em sala de aula. PENSA COGNITIVO>
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 157


No excerto 4, o PSD, em suas escolhas tradutórias, mesclou a informações
do enunciado da LP do excerto 2 nesta sentença. No entanto, o PSD trouxe ele-
mentos que identifica o “olhar CRÍTICO que os pais lançam sobre algumas atitudes
comportamentais equivocadas na escola” dando o sentido para escolha do sinal ma-
nual <OPINIÃO> como o “modo de ver, pensar, deliberar, parecer, conceito, juízo,
reputação, ideia e princípio de alguma coisa ou pessoa”. Contudo, nota-se que o
PSD fez o empréstimo linguístico da LP <C-R-I-T-I-C-A> dando o acréscimo de
<OPINIÃO> quando procurou traduzir a expressão em LP “o pensamento CRÍTI-
CO que o professor dirige sobre seus alunos em sala de aula”, percebeu-se que omitiu
o conceito CRÍTICO, referindo-se como um adjetivo na sentença, no sentido de
“incômodo”, aquilo que causa mal-estar, inquietação, importuno, dificuldade, em-
baraço, estorvo”. Abaixo, observa-se o excerto 5:

Excerto 5 - Participante Surdo D (PSD)


LP: Essas situações são consideradas por alguns
Libras: Sem registros.
alunos como algo extremamente CRÍTICO.

No excerto 5, o PSD não fez escolhas tradutórias da LP para Libras. Portanto,


não foi possível fazer uma análise por falta de elementos linguísticos.
O Participante Surdo E (PSE) possui 70 anos e tem formação de ensino fun-
damental completo e ensino médio incompleto. No entanto, ao aplicar a pesquisa o
PSE teve muita dificuldade de leitura do microtexto apresentado em LP. Com isso,
não foi possível dividir os excertos em 1, 2, 3, 4 e 5 pois não houve nenhuma esco-
lha tradutória referente ao enunciado, como observado no Quadro 6:

Quadro 7 - Participante Surdo E (PSE)


PSE – Ensino Fundamental completo e Ensino Médio incompleto
<NÃO CONSIGO ENTENDER>
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Nesta coleta de dados, decidiu registrar as análises por último, pois o PSE não
conseguiu compreender o texto em LP. O PSE possui 70 anos e informou em Libras
os seguintes sinais manuais: <NÃO CONSIGO ENTENDER>. Todavia, não foi
possível obter elementos linguísticos para realizar uma análise com o participante
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 158


surdo E. O PSE não conseguiu compreender o microtexto, o qual ela foi orientada
a traduzir para Libras conforme seu entendimento e compreensão do microtex-
to. Após aplicar a pesquisa o PSE expôs a dificuldade com a leitura de textos em
português e acrescentou que como surdo a compreensão que adquire de qualquer
texto em LP precisa ser interpretado por um profissional na área, pois mesmo ten-
do estudado a alfabetização em LP não foi eficiente. Vale ressaltar que se permitiu
um maior tempo de leitura do microtexto para que o participante pudesse realizar
a leitura e compreensão do texto.

Discussão das análises

De maneira geral, compreender um texto significa ser capaz de fazer uma


leitura objetiva e entender o que está escrito de forma objetiva, decodificando e
analisando as sentenças presentes no corpo textual. A compreensão é o momento
no qual você percebe quais são as principais palavras de cada ideia e quais são os
dados e as informações possíveis de serem coletadas. A tradução de um texto vai
um pouco além da compreensão da leitura, é necessário que o leitor realize uma
análise mais subjetiva do que o escritor do texto quis dizer com o que escreveu.
Trata-se, portanto, do que o escritor quis deixar registrado ou subentendido para
o leitor durante a leitura, ou seja, do que podemos concluir para além do que está
escrito. (PIAGET, 1973).
Dessa maneira, a compreensão da leitura de um texto é um processo com-
plexo que envolve o que o leitor conhece sobre a sua própria língua, sobre a vida,
sobre a natureza dos textos que irá ler e sobre os processos de leitura, bem como de
estratégias específicas para que o leitor obtenha o sentido da informação registrada
por meio da escrita.
De acordo com Navas, Pinto e Dellisa (2009), para ocorrer a compreensão de
uma leitura, o leitor necessita fazer uso de habilidades cognitivas que envolvem a
realização de inferências do conteúdo que está sendo lido, o domínio linguístico e
semântico e o conhecimento do vocabulário. Com isso, ler um texto e manifestar a
compreensão do que o leitor leu é uma tarefa complexa, pois a leitura exige muito
mais do que a decodificação das palavras, ressaltando o propósito essencial que é
a compreensão do sentido do texto. Por isso, a decodificação das palavras pode ser
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 159


entendida como uma ação necessária, mas por si só não seria o suficiente para que
a compreensão ocorresse no processo cognitivo do leitor. Para Machado (2017, p.
112)

identifica que os conceitos abstratos são, de fato, problemáticos tanto para os TILS
como para os sujeitos surdos, dada a variedade de escolhas de sinalização que pro-
curam encontrar com sinônimos aproximados ou paráfrases para que o significado
de ‘crítico’ em LP seja passível de entendimento por parte do sujeito surdo. Essas
escolhas ora se ajustam, em algum grau, ao significado contextual, ora se distanciam,
em cada versão. Porém, para o sujeito surdo, a expressão da compreensão ainda se
revela altamente complexa devido a fatores ainda a serem investigados (MACHADO,
2017, p. 112).

Percebe-se que os conceitos abstratos podem ser apropriados pelos surdos de


acordo com o contexto da utilização do discurso em Libras e a quem se destina essa
informação, ou seja, saber utilizar de forma assertiva os recursos verbo-visuais,
pois estes facilitam o desenvolvimento das propriedades cognitivas e imagéticas
aos surdos. Portanto, através das funções psicológicas superiores, pode-se observar
que a ideia da comunicação se concretiza pela necessidade do uso de signos lin-
guísticos (MACHADO, 2017).
Piaget (1973) é considerado o pioneiro do enfoque construtivista à cognição
humana e as propostas que ele apresenta configuram com a teoria construtivista do
desenvolvimento cognitivo humano.
Segundo Hall (1989), há quatro concepções que fundamentam as pesquisas
sobre os processos de leitura e compreensão, trata-se da: (a) habilidade de leitura
associada a uma complexa interação da cognição, da linguística e dos processos
perceptuais; (b) emoção como um aspecto que se relaciona diretamente à compre-
ensão; (c) defende a habilidade de processamento textual da informação para que
se estabeleça à compreensão; e por fim, (d) a compreensão via leitura é adquirida
por meio do uso de estratégias direcionadas ao aprendizado do leitor. Sendo assim,
o quadro 8 evidencia as escolhas tradutórias do microtexto apresentado em LP e
com cinco lexemas do conceito abstrato CRÍTICO, retirado da obra de Machado
(2017), e apresentado aos leitores-surdos que participaram dessa pesquisa:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 160


Quadro 8 - Ocorrências lexemáticas da tradução do português para Libras
PS – Participantes CRÍTICO1 CRÍTICO2 CRÍTICO3 CRÍTICO4 CRÍTICO5
Surdos v.i s.f. v.t. s.f. adj.
PSA – Tecnólogo C-R-I-T-I-C-O C-R-I-T-I-C-O C-R-I-T-I-C-O C-R-I-T-I-C-O C-R-I-T-I-C-O
PSB – Graduado OPINIÃO OPINIÃO PENSAR OPINIÃO OPINIÃO
PSC - Pós-Graduado C-R-I-T-I-C-O OPINIÃO OPINIÃO. OPINIÃO OPINIÃO

PSD – Graduado e
PENSAR OPINIÃO C-R-I-T-I-C-A OPINIÃO OPINIÃO
Pós-Graduado

PSE - Ensino
Fundamental e Sem registro Sem registro Sem registro Sem registro. Sem registro
Médio

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Analisando o quado 8, nota-se que a leitura e compreensão dos participantes


surdos da pesquisa foram apresentadas de forma que deram a tradução, na qual
omitiram ou se distanciaram do sentido original. No entanto, alguns dos regis-
tros foram compreendidos pelo leitor-surdos. Observando o PSA, foi registrado
<C-R-I-T-I-C-O> por meio do empréstimo linguístico da LP em todos os cincos
lexemas do conceito abstrato CRÍTICO. O PSB e o PSC realizaram o uso do lexema
<OPINIÃO> somente nos excertos 2 e 4 para dar o sentido de CRÍTICO apresen-
tado no microtexto em LP, porém, nos demaisn excertos ambos se distanciaram da
informação do texto de partida. O PSD realizou sua escolha tradutória nos excertos
1, 2 e 4 dando sentido para os lexemas CRÍTICOS como <PENSAR> (refletir antes
de decidir), <OPINIÃO> (modo de ver) e <OPINIÃO> (deliberar), o excerto 3 foi
realizado pelo empréstimo linguístico da LP <C-R-I-T-I-C-O> e no excerto 5 se-
guiu do lexema em Libras <OPINIÃO> dando o sentido diferente de “incômodo”.
Essa pesquisa destaca a importância do contexto, das estratégias e da ativida-
de do leitor-surdo para a compreensão leitora de um texto escrito em LP. De acordo
Kintsch (1988) o modelo cognitivo de integração e construção do conhecimento,
estabelece a representação mental que o leitor-surdo possui em relação ao texto
de partida (LP-escrito) para o texto de chegada (Libras). A compreensão e o reco-
nhecimento rápido e automático da palavra escrita em LP são fundamentais para
a leitura. Esse reconhecimento é o resultado não só do conhecimento consciente
dos aspectos fonéticos da língua de escolarização. Para McKenne e Stahl (2003), a
“consciência fonológica” e a relação com os grafemas correspondem à capacida-
de de identificar as palavras como unidades mínimas estabelecendo os aspectos
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 161


morfossintáticos gráficos que destaca o sentido do que está lendo o leitor-surdo.
Os autores argumentam que a consciência fonológica requer o reconhecimento
global dos lexemas na modalidade escrita e estão intimamente ligados ao conheci-
mento linguístico do leitor, bem como à particularidade do conhecimento lexical
e à capacidade de elaboração tradutória do texto escrito. Todavia, toda e qualquer
elaboração linguística mobiliza no leitor-surdo, obrigatoriamente, um léxico rico e
variado, com uso de estruturas sintáticas ,que possibilita a capacidade para analisar
e refletir sobre a língua que usamos para nos comunicarmos.
Contudo, toda a construção de uma representação mental significativa exige
do leitor surdo um conhecimento prévio sobre o assunto (tema), relacionado a
um conjunto de crenças, motivações e atitudes em relação ao leitor-surdo (MA-
CHADO, 2017). Sendo assim, entende-se que toda a atribuição de significado ao
input linguístico ocorre de maneira estratégica da leitura com o leitor, isto é; todo o
sistema cognitivo utiliza diferentes recursos de leitura com o objetivo de criar uma
representação efetiva da leitura e compreensão, quando tão logo a informação é
processada cognitivamente.

Considerações finais

A pesquisa revela que todo o processamento cognitivo do surdo envolve as


bases da leitura e compreensão textual da microestrutura, ou seja, é tudo aquilo
que está caracterizado pelos conhecimentos mais específicos e refinados acerca de
um determinado assunto, enquanto o processamento da macroestrutura da leitura
e compreensão textual é mais ampla para o leitor. Dessa maneira, a composição da
coerência textual envolve conexões significativas entre sentenças sucessivas do tex-
to escrito e são utilizadas micro-estratégias que atuam diretamente na memória de
curto prazo por meio da intervenção do sistema de controle relacionado à leitura.
Sendo assim, toda a compreensão da leitura pode ser concebida como um processo
cognitivo que envolve dois processadores como bottom-up que é a compreensão
decodificada e de reconhecimento linguístico e top-down que exige a contextuali-
zação e atribuição de sentido à leitura (NICHOLSON, 1998).
De acordo com os resultados desta pesquisa, percebe-se que a investigação foi
SUMÁRIO

um ensaio do quanto ainda necessita de pesquisas na área da leitura e compreensão

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 162


do leitor-surdo, pois não é tarefa fácil ao surdo conviver numa sociedade em que
a língua dominante é a LP e não a sua língua materna – Libras. Considerando-se
os múltiplos aspectos do processo cognitivo do surdo,seria necessário mais tem-
po para mensurar com maior aprofundamento, por meio das formas utilizadas, a
compreensão da leitura. Desse modo, neste capítulo, não foi possível aprofundar-
nos em outras habilidades ou comportamentos relacionados ao reconhecimento
de palavras e a decodificação de sentidos pelo leitor-surdo. Outro ponto é a habi-
lidade de compreensão leitora feita por meio de testes diagnósticos, construídos a
partir de parâmetros da psicometria, mas a partir de tarefas/atividades que visam
à observação qualitativa dessa habilidade de leitura e compreensão cognitiva do
leitor-surdo. Dessa forma, como opção metodológica, esta pesquisa se centra ape-
nas em apresentar o processamento cognitivo do leitor surdo diante de textos não
complexos, mas que de algum grau exige elementos linguísticos e tradutórios do
surdo como leitor da LP.
Em suma, sabemos que toda linguagem é de suma importância para a socie-
dade, pois é o meio de comunicação do sujeito, é também uma função cognitiva
que os diferencia como espécie humana que expõe seus pensamentos e sentimen-
tos, e naturalmente, essa habilidade possibilita a comunicação entre as pessoas e a
transmissão de conhecimento. A linguagem humana é uma função cognitiva mais
complexa e sofisticada da vida social (RADANOVIC; KATO-NARIKA, 2016).
Considera-se que essa pesquisa satisfatória desde as orientações iniciais, a
construção metodológica, os procedimentos, a coleta de dados e desenvolvimento
de análises que resultou parcialmente o desenvolvimento do processo cognitivo
que o surdo em diferentes graus de formação acadêmica enfrenta diante de textos
escritos em LP.
Enfim, percebe-se por meio dessa pesquisa a necessidade de se avaliar a com-
preensão em leitura do leitor-surdo, pois assume importância para aqueles que se
comprometem com as dificuldades inerentes ao processo de aprendizagem, no en-
sino da leitura e compreensão de textos, sobretudo quando se trata de fazer com
que o aluno se torne um bom leitor.
Nesse sentido, o maior número de contribuições sobre a mensuração da com-
preensão em leitura está nas áreas de psicologia, linguística, educação e fonoau-
diologia, fatores que motivam a continuidade da pesquisa. Também se constatou
SUMÁRIO

a presença de mais estudos sobre a avaliação da compreensão em leitura, mas que

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 163


pelo curto prazo de tempo manteve o objetivo da pesquisa em mensurar a compre-
ensão em leitura e não trazer outros estudos que também impactam na compreen-
são da leitura, como os fatores: sexo, idade, ano escolar ou relações com outras va-
riáveis psicoeducacionais, ítens que ficarão para dar continuidade as pesquisas. Em
suma, ter uma boa compreensão em leitura é de extrema relevância no contexto
da aprendizagem, mas, para isso, é necessário que o sistema educacional contribua
desde as séries iniciais às séries finais, assegurando um desempenho escolar satis-
fatório, gerando no ensino médio a habilidade se aprimorar ao longo da escolariza-
ção, superando toda e qualquer dificuldade de leitura e compreensão que envolve o
processo cognitivo do leitor-surdo. Assim sendo, reforça-se a necessidade de mais
estudos que possam construir formas eficazes de se avaliar a compreensão em lei-
tura do leitor-surdo, apresentando evidências de validade e precisão

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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 164


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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 165


DOI: 10.52788/9786589932222.1-10

Análise da produção sinalizada de


pessoas Surdas com diagnósticos
psiquiátricos

Emiliana Faria Rosa


Felipe Venâncio Barbosa

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar as características de sinalização


em Língua Brasileira de Sinais (Libras) de surdos com diagnósticos psiquiátricos.
A pesquisa e observação foco deste trabalho foram feitas com surdos sinalizantes,
usuários da Libras. Por sinalizante compreende-se a pessoa que utiliza a língua de
sinais como forma de comunicação e compreensão do mundo em que vive.
É importante lembrar que todo e qualquer indivíduo possui uma língua, oral
ou de sinais, e o direito de comunicar-se por ela. Sendo assim, o surdo sinalizante
tem o direito de que esta comunicação aconteça pela Libras em qualquer situação.
Esse direito nem sempre é garantido às pessoas surdas e, muitas vezes, a sinaliza-
ção como a primeira língua, usada como meio de comunicação não está disponível
nos diversos serviços prestados à sociedade, incluindo os serviços de saúde.
Por muitos anos, pacientes surdos tiveram diagnósticos realizados sem pre-
cisão porque a língua de sinais não era conhecida e/ou reconhecida pelos profis-
sionais da área da saúde. Apesar de ainda hoje isso acontecer, há uma pequena e
visível compreensão da essencialidade da presença, em alguns serviços de saúde,
da língua de sinais, através de intérpretes de língua de sinais (ILS) e de profissionais
conscientes do surdo, sua cultura, identidade e língua.
Compreende-se, com isso, que a necessidade de articulação entre saúde e as
SUMÁRIO

demandas da comunidade surda ainda é uma área que precisa de crescente pes-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 166


quisa e discussão. Silva e Carmo (2006) sinalizam isso ao dizer que a sociedade
não disponibiliza de forma ampla os mecanismos e equipamentos sociais que abar-
quem as necessidades das pessoas com deficiência. Essa escassez é percebida tam-
bém na pequena produção e divulgação de pesquisas e/ou nas modificações dos
serviços essenciais. Se a Libras é língua natural, por que não é respeitada como tal
em espaços clínicos e por profissionais da saúde?
A língua de sinais é uma língua natural e possui um sistema linguístico com
estrutura gramatical formada por regras morfológicas, sintáticas, semânticas e
pragmáticas próprias. A língua de sinais se apresenta na modalidade visuoespacial,
ou seja, a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos;
assim, tem-se que, de acordo com Quadros e Karnopp (2004), as línguas de sinais
são línguas naturais e possuem uma série de características que lhes atribui caráter
específico, diferenciando-se de outras possibilidades comunicativas.
Entende-se que a língua de sinais é uma língua como toda e qualquer outra
e, portanto, sofre influências e modificações com o que o sinalizante vivencia. Se-
gundo Rosa (2013), é preciso saber que uma língua não se refere somente à comu-
nicação ou transmissão de conhecimentos: para o surdo, a língua de sinais equivale
a sua parte fundamental. Equivale à naturalidade, ser e estar em um ambiente em
que ele possa se identificar, ser surdo sinalizante, sem precisar requerer seu direito
linguístico de usar sua língua natural, a língua de sinais; mas para que esta natu-
ralidade ocorra, é necessário que o ambiente esteja preparado e consciente sobre a
Libras.
A língua de sinais é o mais visível e influente traço identitário e cultural na
construção do surdo. Mudanças comportamentais observadas no sujeito são basea-
das em elementos presentes na língua e na interação, em várias combinações. Estas
combinações acontecem principalmente entre sujeito, língua, sociedade e cultura.
O combinar, o viver, é um meio de experiência, de participar de um ambien-
te e nele interagir. A combinação dita aqui refere-se às possibilidades interativas
diversas que acontecem em diferentes locais e seus correspondentes momentos.
Sendo assim, observa-se a necessidade de compreensão do que acontece diaria-
mente com os pacientes surdos para que se compreenda suas condições linguísticas
e socioculturais.
Para este trabalho, define-se como objetivo geral analisar a sinalização de sur-
SUMÁRIO

dos com diagnósticos psiquiátricos. Pretende-se contribuir para um melhor conhe-

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 167


cimento do tema a partir das análises efetuadas neste trabalho, visando compreen-
der como ocorre o desdobramento da sinalização do surdo e como se manifesta a
língua de sinais em surdos com diagnósticos psiquiátricos, associando à relação
entre língua e sujeito.
Consequentemente, é possível observar, partindo de uma análise geral, que
o surdo pode vir a modificar sua sinalização por conta de influências internas e/
ou externas. O processo de aquisição de linguagem, tardia ou não, a ocorrência
de queixa, diagnósticos, medicamentos psiquiátricos podem vir a ser meio que
influencia a sinalização, assim como a evolução ou atraso do quadro clínico e o
ambiente em que vive. Analisar a sinalização do surdo pode auxiliar no acompa-
nhamento da sua evolução clínica, observando se o tratamento teve ou não efeito,
se houve ou não melhora do paciente.
Analisar a sinalização do surdo leva a compreender como a língua de sinais
se manifesta, ou não, e como é processada, produzida, no caso de distúrbios psi-
quiátricos. Observar como o surdo interage, vivencia e expõe sua língua. Expor
sobre a língua de sinais irá contestar velhos valores, rever conceitos linguísticos,
destacar possibilidades da língua de sinais, sinalizar as necessidades e possibilida-
des do surdo. Acredita-se que a importância de analisar a sinalização do surdo com
diagnósticos psiquiátricos irá promover uma melhor compreensão de quem é esse
paciente, sua língua e sua sinalização.

Surdos, língua de sinais e atendimento

O surdo referido neste trabalho é um sujeito que possui experiências linguís-


ticas e sociais. Para compreender sobre essa interação, é preciso entender que a
percepção – visuoespacial -, a comunicação e a língua de sinais, são diferenças. São
parte de uma experiência, de um cotidiano diferente de outros indivíduos ouvintes.
As interferências sociais são vistas no cotidiano como produtos existentes ou
não, da interação social. São interferências culturais, educacionais, situacionais.
São possíveis negociações, nem sempre efetuadas, do contexto vivido pelo surdo.
Interferências que podem, em sua maioria, modificar a vida do surdo, sua identi-
dade e desenvolvimento social.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 168


O surdo é um indivíduo que possui várias identidades dependendo do con-
texto vivenciado e do conhecimento cultural. As marcas identitárias podem seguir
uma ou várias trajetórias referentes ao meio em que estão e de suas necessidades
momentâneas. A palavra "indivíduo" leva a pensar no lado individual de cada pes-
soa, individualidade, que gera uma multiplicidade de sinais, de experiências, de
possibilidades, do e no que se vive.
A língua de sinais é vista pelos surdos como uma língua flexível, versátil, um
espaço múltiplo, aberto, uma língua capaz de exprimir diversas situações. Língua
de sinais como lócus de referência teria as características de língua de instrução, de
interação, um direito dos surdos; língua como referência de mundo e de ampliação
de conhecimentos. A língua de sinais também é parte essencial da relação do surdo
com a família, o trabalho, cultura, aprendizagem, identidade, educação, profissão,
comunicação e sociedade.
O surdo participa de uma comunidade que dispõe de uma cultura e uma lín-
gua, que, por vezes, são negadas ou não valorizadas como deveriam pela sociedade.
Essa, segundo o tradicional modelo clínico, volta-se mais para o lado patológico
em detrimento do lado cultural e identitário do surdo. Cultura surda apreendida
e aprendida no convívio, na educação (familiar, escolar ou em outro meio social),
nas vivências e convivências com o outro. Essa cultura, além da experiência e da
língua devem ser levadas em consideração durante o diagnóstico e tratamento psi-
quiátrico.
Após especificar sobre o surdo e sua língua de sinais, percebe-se que o si-
nalizar é muito mais do que o ato de se expressar em uma língua. É uma forma de
expressão de toda vivência do surdo. Ao sinalizar, o surdo passa a dispor de pos-
sibilidades comunicativas que o auxiliam a expor o que sente, pensa e observa a
situação em que vive.
Essa sinalização pode sofrer influências internas e externas. Influências pelo
contato com outra pessoa sinalizante, meio socioeducacional, tratamento, entre
outros. Como antes dito, neste trabalho, a pesquisa se relaciona com a sinalização
do surdo, o que representa, como ela se mantém ou se modifica.
Ampliando a identificação de como ocorre a comunicação entre o paciente
surdo e o profissional de saúde, observa-se que “a comunicação é uma importante
ferramenta para os profissionais de saúde no diagnóstico e no tratamento, pois faz
SUMÁRIO

parte deles instruções verbais de variados procedimentos, cujo resultado pode ser

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 169


comprometido pela não compreensão das partes envolvidas” (CHAVEIRO, BAR-
BOSA & PORTO, 2007, p. 580).
Em termos legais, o Decreto 5626/2005, capítulo VII, expõe sobre a garantia
do direito à saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva.

Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saú-
de - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de
assistência à saúde, na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com defi-
ciência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente
aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à
sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:
[...]
IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços
do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de
assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua
tradução e interpretação;
X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para
o uso de Libras e sua tradução e interpretação.
§ 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou
com deficiência auditiva não usuários da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do
Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permis-
são de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas re-
feridas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamen-
te, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da
educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade
e especialidades médicas (BRASIL, 2005).

O Decreto acima citado dispõe sobre a garantia do direito à saúde de pessoas


surdas, logo, tem-se a afirmação ede que o surdo sinalizante dispõe de sua língua,
a língua de sinais, para comunicar-se. Direito linguístico é um direito básico, mas,
mesmo assim, ainda é comprometido e não totalmente posto em prática. Segundo
Queiroz (2011), o direito de acesso integral à saúde é negligenciado frequentemen-
te no Brasil. Mesmo que esta negligência ocorra por questões econômicas, o acesso
integral à saúde é muitas vezes comprometido por questões de barreiras linguísti-
cas.
Sobre esse comprometimento e quebra do direito linguístico, é necessário
lembrar que, embora haja o decreto supracitado, nem todos, sejam médicos, tera-
SUMÁRIO

peutas, residentes ou enfermeiros, possuem conhecimentos, mesmo que básicos,

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 170


sobre surdos e língua de sinais, assim como nem sempre haverá intérprete de lín-
gua de sinais capacitado disponível para o atendimento ao surdo. É preciso lembrar
que “programas especializados de saúde mental para pacientes surdos são raros
[...]” (LANDSBERGER & DIAZ, 2010, p. 196, tradução nossa) e, portanto, mais
raros ainda são os que possuem atendimento em língua de sinais.
Mas por que essa raridade? Por que há falta, se existem tantos pacientes sur-
dos quanto ouvintes necessitando de atendimento? São perguntas que somente po-
dem ser respondidas com a prática e uma análise do que acontece na realidade dos
hospitais.
Isso precisa ser repensado, uma vez que, como cita Barbosa (2016), existe
uma grande variedade de síndromes, sendo algumas biológicas, outras percebidas
pela observação, algumas permanentes, outras transitórias. Tamanha diversidade
leva-nos a ter a certeza da necessidade da identificação e a intervenção precoce. E
para uma identificação ou intervenção, é preciso que se ‘escute’ o paciente.
Esta falta acontece quando não há profissionais capacitados, linguística e cul-
turalmente; quando não há adaptação dos testes linguísticos e psiquiátricos para
surdos; no momento em que o diagnóstico e/ou tratamento é comprometido pela
falta de conhecimento da língua do surdo. A falta de programas de saúde mental
para surdos acarreta um acréscimo do número de pacientes surdos não diagnos-
ticados ou com tratamento errado. Isso afeta diretamente o próprio paciente, seu
desempenho escolar, linguístico e emocional.
Ainda sobre a relação médico-paciente: “[...] 'escutar’ e se comunicar são prá-
ticas imprescindíveis para a atenção psicológica, portanto compreender a cultura
e meios de comunicação de surdos [...] é um fator necessário [...]” (SILVA & CAR-
MO, 2016).
Nem todos têm consciência da essencialidade da língua. Esses “nem todos”
são profissionais que não compreendem os surdos enquanto sujeitos linguísticos e
culturais, acreditando que saber a língua de sinais e tudo o que ela representa seja
supérfluo. Infelizmente, os profissionais de saúde não se disponibilizam a olhar o
paciente surdo. Sim, olhar. Muitos destes profissionais mal olham o paciente, dei-
xando "a escuta" a cargo do intérprete ou de um familiar ouvinte ou das poucas
coisas expressadas pelo surdo.
Em uma das observações em um instituto de psiquiatria, aconteceu justamen-
te isso. A terapeuta em questão mal olhou o paciente surdo, não retirou os olhos
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 171


do papel, somente escutando o intérprete interpretar a queixa do paciente. Ela, a
terapeuta, realmente "escutou" a paciente? Não. Houve um real atendimento? Não.
Silva e Carmo (2016) dizem que a presença do intérprete abre a discussão
sobre o modelo terapêutico e seu binômio terapeuta-paciente, colocando uma ter-
ceira pessoa no momento do atendimento, no caso, o intérprete; o que pode modi-
ficar esse processo. Há quem se sinta desconfortável com a presença do intérprete
no consultório, seja o paciente ou o terapeuta. Este por questões éticas que podem
interferir ou comprometer o atendimento e aquele, por vezes, por perceber que o
intérprete não é qualificado, não confiável ou ter pouca fluência; ou mesmo por
vergonha.

Imagina-se que a presença do intérprete nos serviços de saúde solucionaria todos os


problemas de comunicação entre o paciente e o profissional de saúde, entretanto, ve-
rifica-se que nem sempre é assim que ocorre[...]. Os surdos valorizam a presença do
intérprete, mas com algumas ressalvas: desconfiança, constrangimento de se expor
frente ao intérprete, sentimento de piedade e dificuldade de encontrar intérpretes
disponíveis (CHAVEIRO, BARBOSA & PORTO, 2007, p. 581).

Se nem sempre a presença do intérprete resolve, se o médico/terapeuta não


compreende o surdo por não saber a língua de sinais, como poderemos ter um me-
lhor atendimento a este paciente? É necessário que se observe as reais necessidades
dele e, sempre que possível, que se tenha atendimento diretamente em Libras com
profissionais capacitados.
Seria isso possível? Sim. É possível que se tenham profissionais qualificados.
Como exemplo, na visita internacional que fiz ao Springfield University Hospital
(SUH), em Londres, em novembro de 2017, durante o período do Pós-Doutorado.
Pude observar a presença de um corpo médico fluente na língua de sinais britânica,
além de facilitadores de comunicação surdos1 e intérpretes presentes o dia todo,
tanto nas alas de atendimentos quanto nas reuniões dos médicos, terapeutas e faci-
litadores de comunicação.

1 Facilitadores de comunicação aqui apontados são surdos que atendem surdos e famílias que sabem pouco
ou quase nada da língua de sinais britânica, facilitando a comunicação destes entre si e com o terapeuta ou
SUMÁRIO

médico que atenderá ao surdo. Os próprios profissionais se auto denominam facilitadores de comunicação.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 172


Distúrbios psiquiátricos, surdos e atendimento

Como dito, nem sempre haverá intérpretes ou médicos fluentes em língua


de sinais nos locais de atendimento, ou seja, mesmo com uma necessária atenção
ao atendimento do paciente surdo, ainda se tem o problema de que existe pouca
investigação e o pouco oferecimento do que o surdo precisa em termos de comu-
nicação. Os surdos, muitas vezes, deixam de procurar assistência médica por conta
da língua.

O fracasso de um ato comunicativo nunca é responsabilidade exclusiva do paciente,


assim como o sucesso da comunicação não é mérito só do terapeuta. As falhas co-
municativas produzem reações tanto do paciente quanto do terapeuta e essas reações
também devem ser consideradas em seu contexto. Por outro lado, o que determina
o sucesso ou fracasso da comunicação no processo terapêutico não é a produção de
uma resposta adequada pelo outro elemento da díade, mas sim o estabelecimento de
uma situação de interação em que ambos exerçam trocas significativas (FERNAN-
DES, 1996, p. 60).

Fernandes (1996) ainda diz que uma interação efetiva envolve código com-
partilhado, convenção conversacional. Assim, para realmente acontecer um bom
atendimento ao surdo, é necessário que a língua de sinais seja conhecida por quem
presta atendimento.
Compreender a necessidade comunicativa do paciente auxilia no entendi-
mento da queixa e nos resultados obtidos no processo terapêutico. Se o médico não
compreender o surdo, aquele não irá realmente atender este. “A observação das
funções comunicativas, por outro lado, contribui para que o terapeuta tenha uma
perspectiva abrangente e objetiva a respeito dos elementos que estarão em jogo no
processo terapêutico” (FERNANDES, PASTORELLO & SCHEUER, 1995, p. 25).
Ressalta-se que reconhecer a necessidade comunicativa do surdo não é só
de saber sinais básicos da língua de sinais, mas também ter conhecimento da cul-
tura surda e o quanto de fluência for possível. Deve-se, assim, segundo Fernandes,
Pastorello e Scheuer (1995), levar em consideração não somente a performance
linguística, mas todo o contexto social e afetivo em que se encontra. E ainda:

não deve ser voltada apenas para as manifestações linguísticas da comunicação, mas
deve incluir todo o contexto comunicativo, a interferência de elementos externos (ru-
SUMÁRIO

ídos, cheiros, estado emocional e físico da mãe), internos (postura física, mudanças

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 173


no ambiente, estado emocional e físico) e, principalmente, a história do paciente e
do processo terapêutico. (FERNANDES, PASTORELLO & SCHEUER, 1995, p. 203)

Somente assim o médico poderá concluir um diagnóstico mais eficaz ao tra-


tamento do paciente surdo, ou seja: “as atitudes comunicativas [....] envolvem se-
melhanças claras e resultam em possibilidades de atitudes terapêuticas também
semelhantes” (FERNANDES, PASTORELLO & SCHEUER, 1995, p. 102).
Sobre a compreensão do contexto da vivência do surdo e da língua de sinais,
Landsberger e Diaz dizem que a “avaliação e tratamento preciso de pacientes sur-
dos envolve mais do que simplesmente fornecer um intérprete [...]. É fundamental
que os médicos compreendam que trabalhar com pacientes surdos transforma o
processo típico de entrevista” (LANDSBERGER & DIAZ, 2010, p. 198).
Não basta contratar intérpretes, é preciso que o terapeuta compreenda quem
é o surdo e o que ele representa. “Mesmo em centros de tratamento de internação
especializado em surdos, encontrar um adequado ambulatório que atenda às ne-
cessidades psiquiátricas, intelectuais e linguísticas e culturais de pacientes surdos é
um desafio”. (LANDSBERGER & DIAZ, 2010, p. 198)
Atenta-se ao fato de que “no passado, os distúrbios psicóticos eram provavel-
mente usados como diagnósticos gerais quando os clínicos não conseguiam fazer
avaliações precisas como resultado da ignorância do impacto da disfluência da lín-
gua e da cultura surda” (LANDSBERGER & DIAZ, 2010, p. 198). Ainda segundo
esses autores, há pouca literatura sobre o tema e sobre as características clínicas e
diagnósticas de pacientes surdos.
Se falta atendimento específico e o médico, por falta de comunicação, gene-
raliza o diagnóstico, o que acontece com a situação do paciente? Um diagnóstico
de forma generalizada ou ainda errada, uma vez que o médico não fala a língua do
paciente surdo, pode acontecer. Esse pouco atendimento, por conta da comunica-
ção, prejudica uma solução à queixa desse paciente, fazendo-o se sentir incompre-
endido e ainda mal atendido.
Sobre quadros clínicos e a necessidade de compreensão linguística, Landsber-
ger e Diaz (2010, p. 199) dizem que, por anos, os pacientes surdos foram incorreta-
mente diagnosticados como psicóticos:
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 174


No entanto, quando os pacientes internados são avaliados por clínicos culturalmente
competentes que são menos propensos a patologizar as diferenças culturais e são
capazes de distinguir com precisão os desvios na comunicação [...] o número de diag-
nósticos psicóticos diminui significativamente.

Para que erros de diagnóstico não aconteçam é preciso que ocorra a distin-
ção cultural que Landsberger e Diaz sugerem. Barbosa (2016) também afirma que
é preciso que aconteça uma mudança no atendimento aos surdos, passando do
modelo médico para o modelo social, levando à quebra do paradigma clínico, de
modo a enfatizar a Libras e incentivar a aquisição da fluência necessária para o
diagnóstico e atendimento adequado às pessoas surdas.

Pragmática, língua de sinais e interação

A pragmática pode ser considerada como uma série de fenômenos linguís-


ticos que envolvem os atos de fala, pressuposições e inferências, ou ainda, uma
série de regras sobre o uso da linguagem em um contexto. Barbosa (2016) coloca
a pragmática enquanto área de processamento linguístico que engloba os níveis de
processamento citados e o uso social. Fernandes (1996) explica que a abordagem
pragmática permite formas alternativas e complementares de comunicação, moti-
vação para a comunicação, diferentes papéis comunicativos e uma série de outros
aspectos que enriquecem a prática.
Dessa forma, a língua de sinais favorece, para surdos sinalizantes, uma efetivi-
dade na comunicação. Como dito anteriormente, o surdo, durante o atendimento,
ao ter a possibilidade de sinalizar, seja com um terapeuta que saiba Libras ou pela
presença de intérprete, sentir-se-á mais motivado a expor sua queixa e livre para se
expressar. O uso da língua de sinais representa a possibilidade de atender o surdo
em sua língua e, com isso, perceber desenvolvimentos, possibilidades e dificulda-
des referentes a sua queixa.
Analisando as possibilidades e dificuldades ditas acima, “Bates (1976) afirma
que a pragmática ocupa o limite entre o desenvolvimento linguístico, cognitivo e
social, pois estuda os índices linguísticos e estes só podem ser interpretados quan-
do usados. [...] O significado da palavra é construído através de seu uso” (FER-
SUMÁRIO

NANDES, 1996, p. 50).

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 175


Priorizando a língua de sinais, o significado do sinal é construído através do
uso e do contexto usado. Lembrando que o sinal sozinho não possui um significado
completo e precisa do uso da expressão facial para uma melhor compreensão. Além
disso, “expressões faciais podem ser parte de ‘morfemas sensório-motores’, repre-
sentam um sistema de categorias pragmáticas e o significado depende do conceito
e contexto utilizado” (FERNANDES, 1996, p. 52). Isso pode ser compreendido com
a afirmação de Rosa e Pontin (2012), sobre a expressão facial e corporal, quando di-
zem que todas as pessoas têm expressões, exceto aquelas por motivo de doença, pa-
ralisia e outros tipos de impedimentos, e, ainda, que na comunicação humana, em
algumas situações, usa-se outros recursos para se fazer entender como um olhar
diferenciado, levantar as sobrancelhas, fazer algum movimento na mão, braços e
outros. Não só isso, a expressão facial e corporal também evidencia os sentimentos.
Observa-se que na língua de sinais a expressão facial e corporal têm papel funda-
mental para efetivar a comunicação de forma clara e precisa.
Portanto, “mesmo que não se conheça a língua de sinais, é fundamental in-
terpretar seus aspectos suprassegmentais que incluem gestos, expressões faciais e
corporais" (CHAVEIRO, BARBOSA & PORTO, 2007, p. 582). O profissional que
reconhece a importância das expressões terá uma melhor interação com o pacien-
te e compreensão do que ele sente ou deseja transmitir. Isso leva a entender que
o atendimento ao paciente surdo vai além do "escutar" o que ele diz, abrangendo
"olhar" ao que ele expressa.
A interação é ativada pela língua e suas variações culturais. Podemos dizer
que há diversas variações linguísticas e culturais na língua de sinais, cada surdo
que é atendido pode ter quaisquer um desses níveis. É preciso reconhecer que a
linguagem é uma troca de significados e conhecimentos a fim de que ocorra uma
compreensão e, portanto, uma interação viável, ou seja, “linguagem como produto
do processo de socialização, compreender o outro através de discursos, textos, tro-
cas de significados" (FERNANDES, 1996, p. 48).
Segundo Fernandes (1996), as teorias de desenvolvimento de linguagem pri-
vilegiavam o treino como forma de aquisição. Treinar palavras, estruturas e frases
complexas era a única forma para um "bom" desenvolvimento da linguagem. Po-
rém, observa-se que utilizar padrões e estruturas complexas não garante efetivida-
de funcional da comunicação.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 176


E como isso acontece para com o surdo? Sabemos que a primeira língua do
surdo sinalizante é a Libras. Portanto, treinar palavras com base na oralidade é
inválido. Podemos, sim, dizer que quanto antes o surdo tiver acesso à língua de si-
nais, melhor será sua fluência e compreensão linguística. Numa produção linguísti-
ca do surdo, esse tipo de terapia deve ser feito em sinais. Palavras, frases, expressões
devem respeitar a ordem natural, a língua natural, a língua de sinais.

Metodologia

Esta pesquisa utilizou a abordagem qualitativa e quantitativa, as quais se vin-


culam aos objetivos que se têm e a maneira de formular o problema ao alcance dos
resultados pretendidos. A metodologia desta pesquisa se desdobrará na análise das
fichas de triagem de pacientes surdos com caso de diagnósticos psiquiátricos, fo-
cando o uso da língua de sinais e suas habilidades.
Para análise, foram utilizadas as fichas de triagem de avaliação de atendi-
mentos de um serviço clínico de saúde mental da cidade de São Paulo. Essas fichas
contêm análises sobre produção linguística e habilidades dos pacientes avaliados
em se tratando da língua de sinais.
O serviço de saúde referido desenvolve um trabalho ambulatorial que atende
pessoas surdas com um fluxo de aproximadamente 30 pacientes surdos, adultos e
com diagnósticos de doenças psiquiátricas. Esses sujeitos estão em atendimento
ambulatorial semanal com médicos psiquiatras e psicólogos do serviço em ques-
tão. Há, uma vez por semana, intérpretes nos atendimentos. Os sujeitos serão aqui
denominados com A, B, C, D, E e F.

Análise dos dados obtidos

Os pacientes surdos submetidos aos testes e avaliados nas fichas de triagem


possuem o diagnóstico de desordem psiquiátrica. As fichas de triagem serão ana-
lisadas com base em Barbosa (2017) e Levelt apud Barbosa (s/d). Abaixo constam
dois quadros. O primeiro se refere às análises contidas nas fichas das triagens dos
pacientes. O segundo apresenta a análise do processamento de linguagem de acor-
do com a classificação de Levelt.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 177


Por ter características linguísticas semelhantes a qualquer língua, sinalizantes
podem apresentar distúrbios assim como qualquer falante. Estes sinalizantes po-
dem surgir em qualquer espaço, independente da faixa etária.
O distúrbio de linguagem, segundo Barbosa (2017), manifesta-se no proces-
samento da língua de sinais. Essa disfunção linguística não possui ligação com a
surdez. Não é pela perda auditiva que acontece a atipia do processamento linguísti-
co, mas sim por causa de fatores existentes nesse processamento da língua de sinais
e resultam em uma língua de sinais atípica.

Quadro 1 - dados das fichas de triagem dos pacientes.


Produção de história Transmissão de
Passa no nível Falha no nível
em sequência mensagem
Sem alterações. Sina-
Pragmático
Narrativa sob estímulo lização pouco precisa,
Discursivo
A Nenhum visual produzida sem mas não compromete
Sintático
alterações. a compreensão por
Fonético-Fonológico
parte do interlocutor.
Na narrativa sob estí-
mulo visual, o paciente
apresentou produção
compreensível, respei-
tando a ordem
cronológica dos even-
Pragmático Fonético- Desordem fonético-
tos e usando estruturas
B Discursivo Fonológico -fonológica devido ao
adequadas da língua
Sintático quadro motor.
de sinais. A desordem
motora
dificultou a produção
adequada de movimen-
tos e das expressões
faciais.
Com relação à quali-
Na produção de narrati- dade da transmissão
va sob estímulo visual, o da mensagem, foi
paciente, embora tenho observada tensão exa-
organizado a narrativa de gerada e execução rá-
forma compreensível pida e curta de movi-
e respeitando a ordem mentos. C. apresenta
cronológica dos even- perseveração temática
tos, inclusive com os de e repetição de sinais
Pragmático
marcadores de tempo da que ela mesma reali-
C Fonético-Fonológico Discursivo
Libras, não apresentou za. Embora não tenha
Sintático
estruturas sintáticas de apresentado proble-
forma adequada, com a mas de ordem foné-
produção de sentenças tico- fonológica nos
incompletas, pouco uso resultados da triagem,
de verbos espaciais e uso a execução prosódica
inadequado da espaciali- da sua sinalização es-
zação da língua. tava inadequada
no momento da ob-
SUMÁRIO

servação.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 178


Pragmático
Paciente produziu narra- Produção e compre-
Discursivo
D Nenhum tiva sob estímulo visual. ensão da língua de
Sintático
Sem alterações. sinais sem alterações.
Fonético-Fonológico
A sequência temporal
dos eventos foi apresen-
Paciente apresenta
tada de forma adequada,
uso da língua atípico,
com detalhamento de
com produção discur-
itens presentes nas figu-
siva confusa e perse-
ras, entretanto o paciente
veração de tópico.
não apresentou marca-
Compreensão da
ções linguísticas de orga-
língua preservada.
nização discursiva relati-
Sinalização aparen-
vas a tempo.
temente com tensão
A gramática espacial, tí-
Sintático Pragmático aumentada, com rea-
pica da Libras, também
E Fonético-Fonológico Discursivo lização de movimen-
não foi executada de for-
tos curtos e rápidos.
ma adequada, com
Esses achados foné-
sobreposições de perso-
tico-fonológicos não
nagens e sem a presença
comprometem a men-
de fixação de referência.
sagem que o paciente
Uso excessivo de gestos.
expressa, entretanto
Com relação às caracte-
não são comuns na
rísticas suprassegmentais
produção típica da
da sinalização, apresen-
língua de sinais.
tou produção rápida de
sinais, com gestos articu-
latórios curtos e tensão.
Na produção de narrati-
Não apresentou estru-
va sob estímulo visual, o
tura narrativa adequa-
paciente, embora tenho
da em suas estruturas
organizado a narrativa de
sintáticas, entretanto
forma compreensível e
é eficaz
respeitando a ordem cro-
Sintático Pragmático em sua comunicação.
nológica dos eventos que
F Fonético-Fonológico Discursivo Os achados pragmá-
recuperou, não retomou
ticos referentes ao res-
todos os personagens e
peito ao turno comu-
eventos. Não apresen-
nicativo podem não
tou estruturas sintáticas
indicar desordem de
completas esperadas para
linguagem.
uma pessoa
surda de sua faixa etária.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nas fichas de triagem.

É possível observar que os seis pacientes surdos possuem diferentes habili-


dades na produção linguística e que os níveis de produção se diferenciam. Os pa-
cientes A e D passam em todos os níveis, do pragmático ao fonético-fonológico.
Enquanto os outros pacientes apresentam falhas em um ou mais desses níveis.
As narrativas produzidas tiveram estímulo visual, ou seja, para cada paciente
havia (em geral uma figura com muitos detalhes ou uma história em quadrinhos)
algo que o estimulasse visualmente e que o permitisse contar sinalizando o que viu.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 179


Essa sinalização aberta leva a uma naturalidade de expressar-se. O paciente surdo
pode assim vir a usar seus níveis linguísticos. Não há regras: ele somente precisa
contar o que vê e o terapeuta analisa a produção linguística.
Na análise de vídeos disponibilizados pelo serviço, é possível perceber que,
por mais que haja um padrão no estímulo visual, em sua maioria, os surdos irão
contar a história com sua experiência e seu vocabulário, o que leva a perceber que
nenhum conhecimento é idêntico a outro. Assim, mesmo que um ou outro pacien-
te surdo tenha habilidade em níveis iguais, ele irá descrever a prancha de estimula-
ção visual de forma diferente.
É observado que o paciente B possui desordem motora, o que dificulta a
sinalização e, portanto, tem o nível articulador comprometido, de acordo com Le-
velt, .
Fazendo outra análise, Levelt (1984) apud Barbosa (s/d) propõe três termos
para o processamento da linguagem: conceituador, formulador e articulador. De
forma enfática, o conceituador refere-se ao conhecimento e à consciência da si-
tuação em que se encontra, à compreensão da mensagem recebida. O formulador
corresponde à organização e formulação da sentença, uma transformação do pen-
samento em sinais. O articulador se refere à forma como se diz, e à sinalização da
sentença. Barbosa (s/d) ainda apresenta a organização proposta por Levelt (1984)
nos três níveis, de acordo com o quadro abaixo:

Quadro 2- caracterização dos termos de processamento de linguagem de acordo com Levelt

Fonte: Barbosa (s/d)


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 180


Analisando as fichas de triagem com base nos níveis de processamento de
linguagem de Levelt (1984), temos o quadro abaixo:

Quadro 3 - análise das fichas de triagem de acordo com Levelt


A B C D E F
Conceituador Sim Sim Não Sim Sim Não
Formulador Sim Sim Não Sim Não Não
Articulador Sim Não Não Sim Não Não
Fonte: Elaborada pelos autores com base em Levelt (1984).

Os pacientes A e D possuem compreensão da mensagem recebida, formu-


lam respostas de acordo com a situação e a sinalizam adequadamente. O paciente B
não possui boa articulação, mas compreende e responde de forma eficaz. O pacien-
te C não se sai bem em nenhum nível de processamento. O paciente E, apesar de
compreender a situação, não possui boa formulação nem articulação de resposta.
O paciente F não compreende a situação, não narra respostas adequadas, embora
se articule de forma aceitável, mas não articula de forma compreensível.
Analisa-se, assim, que mesmo que o indivíduo compreenda o que vê, a sina-
lização que vê, ele pode não conseguir processar a informação e nem a articular.
Pode acontecer, da mesma forma, que ele possa articular falas soltas, sem compre-
ender o que viu e, ainda, sem formular respostas coesas.
Para compreender, entender e analisar casos de distúrbio de linguagem é es-
sencial que o terapeuta conheça a língua de sinais. Caso o terapeuta não tenha a
fluência necessária ele não conseguirá perceber elementos que podem passar des-
percebidos por olhos mais atentos, que conheçam mais a língua de sinais e suas
nuances. Analisar esses distúrbios pode auxiliar o surdo no processamento da
aquisição e desenvolvimento da linguagem, favorecer tratamento terapêutico em
casos de distúrbios psiquiátricos e auxiliar em seu desenvolvimento psico-sócio-e-
ducacional e linguístico.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 181


Conclusão

Finalizo este capítulo com a compreensão de que o tema que me predispus


a estudar e pesquisar é tão amplo que me motiva a continuar pesquisando e am-
pliando conhecimentos sobre ele. Observações feitas, compreensões e experiências
que me fizeram pensar em caminhos necessários e essenciais para o surdo neste
ambiente terapêutico, seja uma simples consulta, um teste linguístico ou uma in-
tervenção terapêutica mais profunda.
É possível que exista atendimento, testes linguísticos e intervenções de quali-
dade para com o surdo, respeitando sua língua, sua cultura e suas habilidades co-
municativas. Essa possibilidade vem de um atendimento em língua de sinais (com
o próprio terapeuta atendendo) ou com a presença de intérpretes fluentes e capaci-
tados para interpretar em ambiente de saúde.
Neste capítulo, a conclusão que se pode ter é a de que ainda há muito o que
se compreender e colocar em prática sobre o atendimento ao surdo com distúrbio
psiquiátrico. Como diz Fernandes (1996), é preciso considerar todos os elementos
que envolvem o paciente no momento da intervenção terapêutica. Não adianta só
saber que o paciente é surdo, é preciso que se saiba como compreendê-lo. A autora
ainda completa que a linguagem é desenvolvida em termos orgânicos, emocionais,
cognitivos e sociais, só sendo significativa no contexto em que se manifesta.
Compreende-se que não basta analisar a língua, mas sim toda a estrutura dela
e com o que e com quem o surdo interage. Assim como não basta analisar somente
a queixa do paciente, é preciso observar o que o paciente traz. Uma análise eficaz da
queixa até do tratamento precisa ser feita com a língua de sinais em primeiro nível.
Necessidade de um conhecimento prévio, mesmo que pequeno, sobre sur-
dos e a Libras. Não para a comunicação em si, mas para uma maior compreensão,
melhor atendimento do paciente surdo. Um conhecimento negativo pode levar a
um diagnóstico errado ou faltante, já que o terapeuta pode confundir sintomas/
queixas/posicionamentos do paciente. Um conhecimento prévio pode auxiliar o
terapeuta a entender que a ‘dificuldade de aprendizado’ que surge em alguns pa-
cientes não se refere ao paciente em si. É necessário saber como acontece o cotidia-
no escolar, se há intérprete, se há professor capacitado, suas relações na escola, etc.
Só assim pode ter um diagnóstico preciso.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 182


Neste trabalho, propor analisar a produção sinalizada do paciente surdo le-
vou-me a perceber as diferenças de sinalização do surdo e suas habilidades comu-
nicativas em diversos níveis. Nas análises aqui descritas, tivemos a compreensão de
que há várias possibilidades de verificação sobre a sinalização do surdo.
Os distúrbios psiquiátricos e os distúrbios de linguagem ainda devem ser pes-
quisados em função da língua de sinais, valorizando esta como meio de expressão
do surdo. Por vezes, é possível que o surdo não manifeste alguma destas habilida-
des, o que leva o terapeuta a diagnosticar este paciente de acordo com sua produção
linguística.
Compreendendo que as habilidades comunicativas do paciente surdo depen-
dem de fatores internos e externos; dependem de compreender o que interlocutor
sinaliza, estruturar respostas, argumentá-las de forma clara e manter-se interagin-
do com este interlocutor.
Finaliza-se aqui afirmando que mesmo que o paciente surdo possua algum
distúrbio, psiquiátrico ou linguístico, ou ambos, é necessário de que se respeite a
língua de sinais. visto que é um indivíduo possuidor de características culturais,
linguísticas e individuais; o que interfere em sua compreensão, sinalização e articu-
lação do pensamento e expressão. Atendendo-o, avaliando-o ou ainda tratando o
surdo em sua língua. Facilitando assim uma interação e intervenção eficaz.

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BARBOSA, Felipe V. et al. Língua de sinais e Cognição (LISCo): Estudos em avaliação
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SUMÁRIO

24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o art. 18 da

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 183


Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005. Disponível em: http://www.
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SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 184


DOI: 10.52788/9786589932222.1-11

De olho no whatsapp: O bilinguismo


como ferramenta de interação e
comunicação digital

Aurinete Barbosa Mulato Pereira

Introdução

Durante muito tempo, atribuiu-se as dificuldades de comunicação do sujeito


Surdo à incapacidade física da audição. Contudo, com os avanços na educação,
atualmente compreende-se que as barreiras comunicativas estão relacionadas
às necessidades linguísticas específicas desses sujeitos e de sua cultura, que se
diferencia consideravelmente da cultura do ouvinte.

A cultura surda é o jeito de o sujeito Surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim


de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das 'almas' das comunidades
surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os há-
bitos do povo Surdo (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 22).

Nesse prisma, surge a necessidade de pesquisar as maneiras como os Surdos


compreendem o mundo, bem como instrui-los, junto de ouvintes, em Língua
Brasileira de Sinais (Libras), promovendo comunicação social. Da mesma forma
que o ouvinte precisa entender sua linguagem materna para estudar outro idioma,
os Surdos também precisam aprender primeiramente Libras para depois aprender
o Português como segunda língua. Os estudos sobre a inclusão de pessoas surdas
mostram que é necessária a adoção das duas línguas – Libras como primeira (L1)
e português como segunda (L2) - para que o Surdo consiga se comunicar de forma
plena e satisfatória, configurando a chamada “perspectiva bilíngue”.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 185


Partindo desse pressuposto, esta pesquisa busca entender o processo de
comunicação entre facilitadores, sendo eles ouvintes e Surdos em grupos de
whatsapp. A hipótese sustenta que, para a comunicação fluir nesse processo,
torna-se necessário que as pessoas ouvintes aprendam Libras e os Surdos tenham
conhecimentos básicos de escrita em Língua Portuguesa.
Para desenvolver esse argumento, será apresentado, a seguir, o perfil
dos participantes de um grupo no Whatspp. Esse foi criado com o objetivo de
sanar dúvidas relacionadas a dinâmica cotidiana de trabalho docente, fornecer
informações relacionadas a encontros presenciais para planejamentos, reuniões,
compartilhar ideias e materiais pedagógicos e assim, minimizar a distância
geográfica (cada professor é de uma escola diferentes, localizada em lugares
distintos) que há entre os participantes, professores instrutores de Libras e dessa
forma colaborar com a otimização das demandas educacionais desses sujeitos
envolvidos no processo educacional dos alunos surdos. No grupo foi acordado
não postar informações fora do objetivo do grupo e não mandar informações
através de áudio.
No intuito de evidenciar as características que são importantes para o
entendimento da comunicação entre usuários Surdos e ouvintes, como método,
realizamos uma observação participante no período de fevereiro a junho de 2019,
focando nos elementos usados para mediar a comunicação. As conversas foram
organizadas e apresentadas em um quadro descritivo relacionado aos assuntos
abordados no grupo, como também o período e a língua utilizada no processo
comunicativo.
Optamos por escrever Surdo usando o S maiúsculo em respeito àqueles
que consideram esta grafia uma forma de designar identidade a esses sujeitos. As
pessoas Surdas refutam a ideia de que a surdez conota deficiência, pelo contrário,
se afirmam como sujeitos praticantes de uma linguagem própria.

Fundamentação teórica

A inclusão social da pessoa Surda decorre da aceitação de que existe uma


comunidade com língua, cultura e identidade próprias. Para a autora Surda, Strobel
SUMÁRIO

(2008, pp. 30-31):

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 186


[...] uma cultura é um conjunto de comportamentos apreendidos de um grupo de
pessoas que possuem sua própria língua, valores, regras de comportamento e tradi-
ções; uma comunidade é um sistema social geral, no qual um grupo de pessoas vivem
juntas, compartilham metas comuns e partilham certas responsabilidades umas com
as outras.

Dessa forma, aqueles que irão viver e compartilhar responsabilidades com a


pessoa Surda precisam conhecer sua cultura. Nos aspectos educacionais, a principal
apreensão deve ser o domínio da língua de sinais, que irá possibilitar os processos
de comunicação. Na mesma direção destacada por Willians (2011), que aponta
para a importância crucial do idioma comum em uma determinada cultura, a
linguagem pode ser considerada elemento central na comunidade Surda.

A comunidade surda organizada vem procurando alterar essa designação: eles que-
rem ser chamados de Surdo. Para isso são realizadas campanhas, impressos cartazes
no sentido de riscar a palavra mudo. Mudo é quem não pode se comunicar: a surdez
não interfere nos órgãos da fala. Para o surdo a forma natural de se comunicarem é
através da língua de sinais, a partir dela, os surdos se comunicam, interagem, expres-
sam seus sentimentos, suas opiniões (SKLIAR, 2001, p. 80).

Por compartilharem o mesmo espaço público, Surdos e ouvintes podem


interagir de diferentes maneiras, culminando em uma fragmentação da identidade
Surda em face da existência do poder ouvinte, que lhe impõe suas regras (PERLIN,
1998, p. 54). Apesar disso, é válido mencionar que,

(...) as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso implica
o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação
com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta,
com aquilo que tem sido chamado de seu exterior constitutivo, que o significado
'positivo' de qualquer termo – e assim, sua 'identidade' - pode ser construído (HALL,
2005, p. 110).

Existem duas diferenças marcantes entre Surdos e ouvintes, que são a língua
e, consequentemente, a identidade. A partir destas diferenças que o sujeito Surdo
vai se construindo, se adaptando às relações de múltiplas culturas e identidades.
Na concepção sociológica do sujeito, defendida por Stuart Hall:

A identidade é formada na 'interação' entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem


um núcleo ou essência interior que é o 'eu real', mas este é formado e modificado
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 187


num diálogo contínuo com os mundos culturais 'exteriores' e as identidades que esses
mundos oferecem. (2005, p. 11).

É interessante notar que, neste processo de comunicação, há uma dinamicidade


de intersecção de culturas. Mas, embora se misturem e se multipliquem, cada uma
tem o seu lugar próprio e que exigem de cada sujeito o domínio dos elementos
básicos das culturas presentes na interação, pois esses são sujeitos identitariamente
fragmentados, que se completam na ação comunicativa. Para dar conta do seu
papel profissional, enquanto instrutores de Libras, um depende do outro.
O instrutor ouvinte precisa entender o mundo do Surdo porque irá transmitir
a Libras para pessoas Surdas e ouvintes. Nesse contexto,

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e ex-


pressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gra-
matical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos,
oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002).

O instrutor Surdo necessita compreender o mundo do ouvinte, porque


ensinará sua língua, a Libras, para ouvintes e Surdos. Em outras palavras, Instrutores
Surdos e Ouvintes convivem com sujeitos desses dois universos com cultura e
identidades distintas. Como o foco de ensino aprendizagem é a Libras, ensinada
e apreendida por pessoas ouvintes e Surdas, necessariamente, o domínio dos dois
idiomas é indispensável. Nessa configuração, nasce uma filosofia educacional que
visa mediar a comunicação e a educação dos Surdos de forma bilíngue.
O bilinguismo é a ponte entre esses sujeitos e suas atividades. Essa filosofia
compreende a proposta como sendo:

O bilinguismo é a proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar


acessível à criança duas línguas no contexto escolar. [...] essa proposta é apontada
como a mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que consi-
dera a língua de sinais como a língua natural e parte do pressuposto para o ensino da
língua escrita (QUADROS, 1997, p. 27).

A proposta bilíngue ainda é muito nova na educação e tem por objetivo


ensinar os conteúdos através da Libras e do português, simultaneamente, focando
na leitura e escrita do português. As duas línguas andam juntas. Ao trabalhar
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 188


com uma proposta bilíngue, necessariamente, adota-se uma postura bicultural. O
Surdo, portanto, deve estar preparado para realizar a leitura e escrita em português,
quando houver necessidade de se comunicar com o ouvinte, que por sua vez precisa
saber Libras para se comunicar com o Surdo.
A aquisição da língua portuguesa escrita pode passar pela aquisição da Libras
(QUADROS, 1997), embora não seja garantia de quem sabe Libras irá saber se
expressar em português. É um processo dependente, mas não é determinante.
O grande desafio da educação bilíngue é viabilizar a aprendizagem do Surdo na
Língua Portuguesa escrita, dada a complexidade da língua e limitações dos sujeitos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Metodologia

Para responder o objetivo geral desta pesquisa, realizou-se o acompanhamento


de processos comunicativos, compostos por narrativas de sujeitos Surdos e ouvintes,
oriundos de um grupo de Whatsapp, professores instrutores de Libras. O grupo é
formado por vinte (20) participantes, sendo dez (10) Surdos e dez (10) ouvintes.
Entre os dez ouvintes, está a pesquisadora, que também faz parte do grupo. O grupo
de whatsapp é formado por professores ouvintes fluentes na Libras e professores
Surdos, que dominam razoavelmente (eles não se consideram fluentes, dizem
possuir conhecimentos básicos e intermediários da língua) o português. Esses
conhecimentos são a base de todo o processo comunicativo.
O estudo foi fundamentado nos teóricos da abordagem qualitativa, que tem
por objetivo analisar os processos de interação entre professores Surdos e ouvintes,
identificando os elementos usados para garantir a comunicação.
A escolha pela pesquisa qualitativa se deu por conceber o ambiente natural
como fonte de dados e o pesquisador como instrumento chave, visto que,

A pesquisa qualitativa também é conhecida como pesquisa naturalística, uma vez


que para estudar um fenômeno relativo ás ciências humanas e sociais, é necessário
que o pesquisador entre em contato direto e prolongado com o ambiente no qual o
fenômeno está inserido. (MARTINS e THEÓPHILO, 2016, p. 141).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 189


Nesse sentido, a pesquisadora está no ambiente em que o fenômeno acontece
e interagindo com os participantes que darão subsídios à composição deste corpus.
Para alcançar os objetivos específicos, optou-se por uma pesquisa descritiva que,
de acordo com Gil (2010), busca descrever características de uma determinada
população ou fenômeno. Nesse caso, a pretensão é descrever os processos de
interação comunicativa entre sujeitos do mesmo grupo virtual.
O procedimento de coleta de dado centrou-se no instrumento de observação
participante.

A observação participante, ou observação ativa, consiste na participação real do co-


nhecimento na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada. Nes-
te caso, o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro
do grupo. Daí por que se pode definir observação participante como a técnica pela
qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo
(GIL, 2008, p. 103).

Essa técnica se apresentou como estratégia mais adequada aos objetivos desta
pesquisa, posto que possibilitou observar os processos comunicativos, a partir
das interações práticas nos diálogos. Isso permitiu uma compreensão profunda
dos elementos necessários para mediar a inclusão das pessoas surdas nos espaços
sociais virtuais.
A participação no grupo ajuda a compreender como o Surdo percebe e lida
com a comunicação ouvintista.

Resultados e Discussão

De acordo com o site oficial do aplicativo consultado (2020), o WhatsApp


Messenger é um aplicativo que permite enviar e receber mensagens pelo celular sem
pagar por SMS. Está disponível para iPhone, BlackBerry, Android, Windows Phone,
e Nokia. Nesse sentido, possibilita trocar, além de mensagens básicas, mensagens
ilimitadas com imagens, vídeos e áudio, além de criar grupos. Ele surgiu em 2009,
nos Estados Unidos, e foi criado por Brian Acton e Jan Koum. Surgiu como uma
alternativa para as mensagens via SMS, o aplicativo se consagrou em todo o mundo
como uma das plataformas de comunicação mais populares entre os usuários.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 190


Focados no propósito de possibilitar que o grupo de professores se
comunicasse sem barreiras em tempo hábil, os envolvidos no estudo começaram a
usar o aplicativo em janeiro de 2019, com o nome “Instrutores de Libras”, composto
por 22 participantes, 50% ouvintes e 50% surdos.
Com o objetivo de descrever a experiência vivenciada no grupo de whatsap e
estimular a reflexão sobre a necessidade de ambientes bilíngues, apresentaremos a
seguir os dados coletados e as percepções que a comunicação bilíngue proporciona.
Para isso, é importante destacar elementos que compõem o perfil dos participantes,
a periocidades das conversas, conteúdos e formas comunicativas:

Tabela 1: Perfil dos membros do grupo


Sujeito Número Porcentagem
Ouvinte 12 55%
Surdo 10 45%
Idade
De 20 a 29 anos 7 32%
De 30 a 39 anos 6 27%
De 40 a 49 anos 9 41%
Sexo
Feminino 16 73%
Masculino 6 27%
Escolaridade
Graduado(a) 8 36%
Especialista 14 64%
Conhecimento em Língua Portuguesa- Surdos1
Básico 8 80%
Intermediário 2 20%
Fluente 0 0%
Conhecimento em Libras-Surdos e ouvintes
Básico 2 9%
Intermediário 1 5%
Fluente 19 86%
Experiência em Libras- Surdos e ouvintes

1 Os dados relacionados aos conhecimentos em língua portuguesa foram considerados apenas os dos
SUMÁRIO

participantes Surdos. Vvisto que, os ouvintes são naturalmente fluentes.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 191


De 1 a 5 anos 3 13%
De 6 a 10 anos 12 55%
De 11 a 15 anos 5 23%
De 16 a 20 anos 2 9%
Fonte: a autora.

O grupo de professores instrutores de Libras é composto, na sua maioria, por


mulheres com idade entre 20 e 49 anos. Todos têm formação em nível superior,
sendo alguns especialistas na área, com experiências no ensino da língua brasileira
de sinais.
De acordo com os depoimentos, 86% dos participantes se consideram
fluentes na Libras. Porém, quando os Surdos foram questionados sobre o nível de
conhecimento na Língua Portuguesa escrita, apenas duas professoras responderam
que estão no nível intermediário, os demais declararam possuir nível básico na
referida língua.
Esses dados são importantes para compreender as dificuldades que eles têm
no processo de aquisição, domínio e uso da língua portuguesa na modalidade
escrita. Vale ressaltar que a maioria dos Surdos nasceram Surdos. Isso significa que
nunca tiveram contato auditivo com a Língua Portuguesa, tornando a aquisição
dessa Língua mais difícil.
Quando o sujeito nasce ouvinte e perde a audição durante sua infância, alguns
conseguem adquirir a língua portuguesa e, mesmo depois da perda auditiva, esse
sujeito terá mais facilidade para compreender a estrutura da sua segunda língua.
A tabela 1, com o perfil dos professores possibilita uma noção geral da
formação, tempo de experiência, nível de conhecimentos nas línguas Portuguesa
e de Sinais.
O fato de que eles tenham nascido Surdos e/ou perderem a audição antes de
serem alfabetizados na língua portuguesa, justifica, de certa forma, suas limitações
na aquisição da referida língua. Isto porque a aprendizagem dos Surdos ocorre,
exclusivamente, pelo gestual/visual.
Como a língua portuguesa é oral-auditiva, a aquisição dos Surdos é
limitada porque sua aprendizagem é visual. Muitas questões de ordem gramatical
e ortográficas não fazem sentido para as pessoas que não ouvem. Assim,
SUMÁRIO

“respeitar a pessoa Surda e sua condição sociolinguística implica considerar seu

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 192


desenvolvimento pleno como ser bicultural a fim de que possa dar-se um processo
psicolinguístico normal” (SKLIAR,1998, p. 16). A aquisição e uso da língua
portuguesa escrita materializa-se de forma diferente.
A seguir, será apresentado um segundo quadro com os assuntos mais
discutidos durante os meses de observação. Nele, foram considerados elementares,
apenas aqueles conteúdos que possibilitaram diálogos no grupo. A observação
durou quatro meses.

Quadro 1: dos assuntos mais discutido no grupo

Assuntos Língua Mês


Comunicado sobre a reunião pedagógica- explicando a Português Fev.
pauta.
Informação sobre o falecimento de um Surdo Português Fev.
Justificativa de falta no trabalho. Libras Fev.
Conversas sobre a confecção de um fardamento para o Português/Libras Fev.
grupo de professores.
Organização das aulas- atividades. Português Fev.
Mudanças de horários de trabalho. Português Fev.
Lembretes de ações pedagógicas Português/Libras Fev.
Compartilhamentos de materiais pedagógicos. Português/Libras Fev.
Informações sobre o concurso público municipal para Libras Fev.
instrutores e intérpretes de Libras
Convite para uma reunião Português/Libras Fev.
Sobre materiais didáticos para o ensino da Libras. Libras Mar.
Sobre oficinas de Libras Libras Mar.
Convite para um evento da área Português/Libras Mar.
Reunião de formação pedagógica Libras Mar.
Felicitações Português/Libras Mar.
Brincadeira entre colegas Libras Mar.
Instruções para o atendimento no departamento de Português Mar.
recursos humanos.
Regras complementares para o curso de Libras- Português Mar.
formulários, fichas...
Informes da Gerência Regional de Educação. Libras Mar.
Apresentação de apostilas para o curso de Libras. Português/Libras Mar.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 193


Convite para um evento da área. Libras Mar.
Convite para formação continuada ofertada pela Gerência Português Mar.
Regional de Educação – GRE
Propagandas dos cursos de Libras. Português/Libras Mar.
Acordos internos sobre o funcionamento dos cursos de Português/Libras Mar.
Libras.
Repasse do noticiário sobre inclusão. Português/Libras Abr.
Compartilhamentos de experiências exitosas. Português/Libras Abr.
Divulgação de um congresso Libras Abr.
Conversas informais entre os membros do grupo. Português/Libras Abr.
Sinal de autoridades políticas Libras Mai.
Orientação sobre conteúdo a ser trabalhado no curso de Libras Mai.
Libras
Dúvidas e indicação de atividades pedagógicas para o Libras Mai.
curso de Libras
Conversas informais entre os membros do grupo Português/Libras Mai.
Compartilhamentos de materiais pedagógicos. Português/Libras Mai.
Organização das bancas de avalição do curso de Libras Português/Libras Jun.
Atividade avaliativa ao os alunos do curso. Português/Libras Jun.
Explicação sobre a prova da banca Libras Jun.
Datas e horários das bancas Português/Libras Jun.
Organização da logística e dos participantes da banca Português/Libras Jun.
Esclarecimento sobre impedimentos na Participação nas Português/Libras Jun.
bancas
Reunião com a Gerência Regional Português/Libras Jun.
Ata de avaliação Português Jun.
Divulgação dos resultados das bancas de avaliação Português/Libras Jun.
Informações sobre o recadastramento dos servidores de Português Jun.
educ. de Pernambuco.
Registros da realização das bancas. Português/Libras Jun.
Fonte: a autora.

Alguns assuntos como: notas de esclarecimentos, divulgação de eventos,


convites para eventos da área, formação continuada, justificativas de faltas, materiais
didáticos, etc., são temas que se repetem no decorrer dos meses. É importante
destacar que a dinâmica do grupo depende do momento, das atividades, da
SUMÁRIO

necessidade e do humor. Às vezes, o grupo fica dias sem conversar.

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 194


Quando está ativa, a comunicação é feita nas duas línguas: Libras e Português,
sendo que não há uma orientação específica que determine a hora de usar português
ou Libras. As línguas vão sendo usadas de acordo com a necessidade do momento.
Mas, foi acordado que nas reuniões presenciais a comunicação aconteceria apenas
em Libras. Com exceção de momentos em que houvessem convidados externos
presentes no encontro. Nesse caso, usariam-se as duas línguas.
A medida adotada tem por objetivo facilitar o entendimento dos Surdos em
todos os assuntos discutidos e ampliar o vocabulário dos instrutores Ouvintes.

Comunicação bilíngue: prática e percepção

O quadro de assuntos em destaque são temas relacionados às atividades


cotidianas dos professores instrutores em Libras. Ao analisá-lo, percebe-se que os
sujeitos comunicantes Surdos recorrem à sua primeira língua sempre que sentem
dificuldades de se expressar em Língua Portuguesa.
Quanto ao assunto/conversa, nota-se que quando este é empregado por
parte do professor ouvinte e a comunicação começa sempre em português escrito,
porém quando parte de um professor Surdo, começa em Libras. Isso porque cada
indivíduo está de posse de sua língua materna.
Todavia, em ambiente virtual, ou seja, no grupo de Whatsapp, quando o
professor ouvinte não se faz entendido em Língua Portuguesa, devido às limitações
dos professores Surdos, quanto ao domínio do português, ele se apropria da língua
materna do Surdo e faz os esclarecimentos em Libras, de modo que o colega Surdo
compreenda a mensagem. Não é diferente com o professor Surdo, quando ele
começa falando usando a Língua Portuguesa escrita e percebe que outros colegas
igualmente Surdos não compreenderam a mensagem, ele lança mão de recursos
da Libras e esclarece a questão através da chamada de vídeo ou o uso de vídeo. Ele
grava a mensagem e coloca no grupo.
É mais fácil os professores instrutores ouvintes acompanharem o processo
comunicativo em Libras, que os professores instrutores Surdos acompanharem em
Português. O nível de conhecimento de um Surdo na língua portuguesa, mesmo
aqueles considerados bem instruídos, não é igual ao domínio do ouvinte. As
SUMÁRIO

línguas de sinais não têm artigo, as classes das preposições e conjunções inexistem

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 195


(FERNANDES, 2003, p. 42), por isso os Surdos não conseguem compreender
plenamente a estrutura do português. Então, na hora de escrever, a escrita do
português de um Surdo é diferente da escrita de um ouvinte.
É interessante notar que quando o assunto é comum, recorrente, simples
e o texto é curto com palavras comuns, já ditas em outros momentos, o Surdo
usa o português sem dificuldade. Isso, porque seus conhecimentos no português
são básicos, como já foi dito. Além disso, o que se observou foi que eles não se
sentem seguros para elaborar uma conversa mais complexa, que envolva palavras e
expressões que não sejam de seu cotidiano.
Quando se trata de um tema mais longo, complexo, eles preferem fazer ou
que seja feito o comunicado sempre em Libras, de modo que eles usam muito a
chamada de vídeo e/ou grava pequenos vídeos com a situação em questão e enviam
ao grupo.
Os resultados mostram que, o sujeito Surdo utiliza o whatsapp como uma
ferramenta de comunicação importante para suas necessidades, sejam elas:
comunicacional, formal e informal, para resolver tanto suas questões de ordem
prática, quanto na vida profissional e pessoal.
Nesse contexto, o domínio da língua de sinais por parte de professores
ouvintes e Surdos é de fundamental importância, razão da política do bilinguismo.
No Art. VI do Decreto 5.626/05 apela para:

I - As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garan-


tir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização
de: escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com
professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
(BRASIL, 2005).

As experiências digitais estabelecem interação entre Surdos e ouvintes,


fortalecendo a ideia de que o Bilinguismo, atualmente, é a melhor opção para
garantir a qualidade no processo de inclusão da pessoa surda, como afirmam os
autores [...]. O bilinguismo ajuda os Surdos no grupo de trabalho a resolver todas
as questões profissionais.
Existe um desejo por parte de algumas pessoas da comunidade Surda brasileira
de acessar todos os bens sociais, por meio da Libras. Porém, para que isso aconteça
é necessário reformular a lei 10.436/2002 que diz “a Língua Brasileira de Sinais -
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 196


Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa” (BRASIL,
2002).
Isso significa que há uma necessidade de o Surdo aprender o português escrito,
mas impulsiona a disseminação à Libras, na tentativa de fazer com que a sociedade
possibilite a acessibilidade com a maior abrangência possível.
Independentemente do desejo dos Surdos, é necessário disseminar a Libras e
possibilitar, de forma qualitativa, a aprendizagem do Surdo na Língua Portuguesa,
buscando tornar a sociedade bilíngue, para que o Surdo seja atendido em qualquer
espaço social.
Para facilitar a compreensão do leitor e como forma de resumir o que foi
discutido neste capítulo, será apresentado a seguir um gráfico com os dados mais
relevantes da pesquisa.

Gráfico 1- Língua da comunicação

Fonte: Elaborado pela autora.

Considerações finais

O objetivo de análise desse estudo serve para ampliar a discussão sobre a


interação comunicativa profissional, ou não, entre pessoas Surdas e ouvintes, bem
como aprofundar os estudos sobre os elementos, que viabilizam a comunicação
entre esses sujeitos. Neste caso, refere-se à relação entre os usuários de Libras e de
Língua Portuguesa, em sua modalidade escrita, para as pessoas Surdas e seus pares
ouvintes que possuem a Libras como L2.
O que se depreende desta análise é que o domínio da Libras foi fundamental
SUMÁRIO

para garantir a compreensão real das mensagens. Já o conhecimento da Língua

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 197


Portuguesa, por parte do Surdo, ajuda este a entender seu colega ouvinte. Nessa
dinâmica, todos têm a ganhar. No processo de ensino da Libras, os professores-
ouvintes e Surdos, trabalham com dois públicos distintos de alunos Surdos e
ouvintes.
Nesse processo de ensino aprendizagem, é importante conhecer e respeitar a
cultura e identidade surda, tornando possível a convivência entre pessoas distintas
que vivem no mesmo espaço e compartilham das mesmas metas e experiências.
Ao observar o nível de conhecimento do Português, por parte dos Surdos,
percebe-se que mesmo tendo conseguido aquisição básica, é necessário que a
escola repense suas práticas, para possibilitar a chegada do aluno Surdo ao nível
de fluência em Português, afinal esse grupo é composto por professores com nível
superior completo e/ou especialistas.
Esta pesquisa buscou trazer uma reflexão sobre as formas como a língua
portuguesa está sendo ensinada, que tem limitado a aquisição dos alunos Surdos.
Observando a escrita em português das professoras instrutoras Surdas que se
consideram no nível intermediário da referida língua, é possível afirmar que elas
podem chegar à fluência, assim como os que estão no nível básico, intermediário e
avançado, caso recebam o ensino adequado.
Uma das metas desta pesquisa foi mostrar que a tecnologia modificou
qualitativamente os processos comunicativos entre os Surdos e entre Surdos e
ouvintes, mas não aboliu a necessidade de dominar a língua escrita. Por isso, é
preciso pensar em um ensino bilíngue que considere as especificidades do Surdo
quanto à aprendizagem da Língua Portuguesa escrita. Um ensino que garanta a
aquisição da língua. Isso continua sendo uma meta para aqueles que defendem a
inclusão das pessoas com surdez.
Apesar disso, o que se pode observar foi que, ainda, há um grande
distanciamento entre, o que determina a Lei e a realidade das escolas públicas
regulares, tendo em vista a ineficiência da perspectiva inclusiva e os desafios
da efetivação das políticas públicas de educação bilíngue, pode-se afirmar que
pesquisas realizadas nessa área servirão para melhoria da qualidade no atendimento
educacional à pessoa Surda.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 198


Referências

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abr. de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
- Libras e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 14 jul. 2019.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dez. de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de
abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no
10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em <https://presrepublica.jusbrasil.com.
br/legislacao/96150/decreto-5626-05>. Acesso em: 14 jul. 2019.
FRANCO, M. Análise do conteúdo. 3. ed. Brasília, DF: Líber Livro, 2008.
FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre, RS: Artmed, 2003.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo, SP: Atlas, 2008.
MARTINS, G. A.; THEÓPHILO, C. R. Metodologia da investigação científica para ciên-
cias sociais aplicadas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
NUVENS, Eduardo. WHATSAPP: história, dicas e tudo que você precisa saber sobre o
app. Olhar Digital. Disponível em: https://olhardigital.com.br/noticia/whatsapp-historia-
-dicas-e-tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-o-app/80779. Acesso em: 14 set. de 2020, às
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PERLIN, G. G.; STROBEL, K. História cultural dos surdos: desafio contemporâneo Edu-
car em Revista, Curitiba, Edição Especial n. 2, p. 17, 2014.
QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre, RS:
Artmed, 1997 – reimpressão 2008.
SKLIAR, C. (org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre, RS: Mediação,
1998.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 199


Sobre os organizadores

Leandro Andrade Fernandes

Doutorando em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Catalão


– UFCAT. Mestre em Estudos da Linguagem e graduado em Letras: Libras pela
Universidade Federal de Goiás – UFG. Docente do Instituto de Ciências Humanas
do Pontal, da Universidade Federal de Uberlândia – ICHPO/UFU. Coordenador
de área em Estudos Lexicográficos do Laboratório de Leitura e Escrita das Línguas
de Sinais – LALELiS da UFG. Participa do GEPLELL – Grupo de Estudos e
Pesquisas em Leitura, Escrita, Livros e Linguagens vinculado ao Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Gênero, Educação e Diversidade – NEPGED, UFU/Pontal.

Lucas Eduardo Marques-Santos

Doutorando pelo programa de Pós-graduação Stricto-sensu Mestrado e Doutorado


em Estudos da Linguagem- PPGEL pela Universidade Federal de Catalão (UFCAT).
Mestre pelo programa de Pós-graduação Stricto-sensu Mestrado e Doutorado
em Estudos da Linguagem- PPGEL pela Universidade Federal de Goiás Regional
Catalão. Possui graduação em Letras - Libras pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Atualmente é tradutor e intérprete em linguagem de sinais e coordenador do
Núcleo de Acessibilidade da UFCAT. Participa dos Grupos de Estudos e Pesquisas
GEPLAEL e SAL. E-mail: [email protected].
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 200


Sobre os autores e autoras

Alzenira Aquino de Oliveira

Docente do Departamento de Letras Libras na Universidade Federal de Sergipe;


Doutoranda em Linguística na Universidade Federal de Sergipe. E-mail:
[email protected].

Aurinete Barbosa Mulato Pereira

Mestra em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos pela Universidade do Estado


da Bahia – UNEB. Especialização em Psicopedagogia, pela Universidade Estadual
de Pernambuco-UPE. Especialização em Metodologia da Educação Básica, pela
Faculdade Adventista de Educação do Nordeste. Especialização em Libras, pela
Faculdade Latino Americana de Educação-FLATED. Especialização em Gestão
Pública, pela Universidade Federal do Vale do São Francisco- UNIVASF. Possui
graduação em Pedagogia, Habilitação em Educação Infantil, pela Universidade do
Estado da Bahia- UNEB. Atualmente, Analista em Gestão Educacional na Escola
de Referencia em Ensino Médio Clementino Coelho e professora de Libras, na
mesma instituição. Tem experiência na área de Educação e Gestão, com ênfase
em Educação Especial, atuando principalmente nos seguintes temas: Libras,
educação especial, educação inclusiva, dificuldade de aprendizagem, coordenação
pedagógica e gestão escolar. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1634153950625675. Email:
[email protected].

Cleide Emília Faye Pedrosa

Docente do Departamento de Letras Libras e do Programa de Pós-Graduação


em Letras da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: cleideemiliafayepedrosa@
gmail.com.br.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 201


Daniele Caroline Gonçalves Lima

Especialista na área de Libras (2012), graduada em Letras Libras/Língua Portuguesa


(2018) e Mestre na área de Estudos da Linguagem (2020). Atualmente, é professora
efetiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde leciona disciplinas
na área de Ensino de Libras, e diretora de Formação Educacional, na Associação de
Surdos de Natal - ASNAT (RN-Brasil).

Eduardo Figueira Rodrigues

Graduado em Pedagogia pela Uninorte 2012, Graduado em Letras-Libras pela


UFAM 2019, Especialista em língua portuguesa pela Uniasselvi 2014, Especialista
em Libras 2015, pela UCDB, Mestre em Ciências da Educação pela UPE 2019.
Doutorando em Educação pela Universidade de Integração da América - UNIDA
2020. Atua como professor tradutor interprete da SEDUC- AM. Email: Eduardo.
[email protected].

Emiliana Faria Rosa

Graduada em Letras (Português/Literaturas) pela Universidade Estácio de Sá


(2005). Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade Candido Mendes
(2006). Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2009). Doutora
em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (2013). Possui Pós-
Doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2018). Professora
Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Faced/UFRGS).

Felipe Venâncio Barbosa

Possui graduação em Fonoaudiologia (2001) pela Faculdade de Medicina da


Universidade de São Paulo, especialização em Ativação de Processos de Mudança
no Ensino Superior de Profissionais da Saúde (2006) pela Fundação Oswaldo Cruz e
doutorado direto em Ciências da Reabilitação - Comunicação Humana (2007) pela
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Realizou pós-doutorado no
Deafness, Cognition and Language Centre (DCAL) da University College London
(2012-2013, 2019-2020). Atualmente é professor doutor do Departamento de
Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
SUMÁRIO

São Paulo, atuando como professor da graduação e do Programa de Pós-Graduação

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 202


em Linguística. É responsável pelo Grupo de Pesquisa em Língua de Sinais e
Cognição (Lisco) do Laboratório Theorodo Henrique Maurer do Departamento de
Linguística. Possui atuação voltada à surdez e à Língua de Sinais Brasileira (Libras)
com ênfase nos estudos em Linguística Clínica, com foco na descrição e análise
da compreensão e produção atípica das línguas de sinais. Atua também com o
ensino de língua de sinais como segunda língua e com estudos da cognição. Possui
experiência na elaboração de currículos de Libras e Língua Portuguesa como
segunda língua para surdos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas:
surdez, língua de sinais, linguagem, cognição, distúrbios de linguagem em língua
de sinais, linguística clínica, ensino de língua de sinais.

Fernanda Gurgel Prefeito

Advogada e licenciada em Letras (habilitação Português e Inglês) pela Unidade


Acadêmica Especial de Letras e Linguística - UAELL - da Universidade Federal de
Goiás/Regional Catalão - UFG/RC. Foi bolsista PIBID - Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência, financiado pela CAPES, nos anos de 2014 a
2016. Atuou como professora de inglês no Centro de Línguas na UFG- Regional
Catalão. É membro do GEPLAEL. Atualmente é aluna do Programa de Doutorado
em Estudos da Linguagem na Universidade Federal de Catalão e bolsista FAPEG.
E-mail: [email protected]

Flávia Medeiros Álvaro Machado

Doutora em Letras – UCS (2013-2017); Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade


– UCS (2012); Proficiente em uso e ensino (2009) e Tradutor/intérprete de Libras
e Português (2007) – UFSC (PROLibras). Atuação profissional: assessoria e
consultoria de Libras, Tradução/interpretação de Libras e Português. Docente nas
modalidades a distância (EaD) e presencial nas áreas da pedagogia, letras e Libras.
Atuou por 15 anos como coordenadora e docente no Programa de Libras (PLibras),
e no Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) na Universidade de Caxias do Sul – UCS.
Atualmente é professora do Magistério Superior na UFES, no quadro permanente,
no Departamento de Línguas e Letras (DLL) e do Programa de Pós-Graduação
de Stric Sensu em Linguística (PPGEL) e editora de seção da Revista (Con)texto
da UFES. Líder Grupo de Pesquisa LingCognit- Linguagem e Cognição: escolhas
tradutórias e interpretativas - PRPPG/CNPq/Capes/UFES.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 203


Francisco Ebson Gomes-Sousa

Professor Mestre do curso de Licenciatura em Letras Libras da UFERSA –


Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Membro do Grupo de Pesquisa
Linguagens e Internet (GLINET) e Oralidade e Letramentos (ORALE), atua
principalmente nos seguintes temas: multiletramentos, tecnologias digitais, ensino
de línguas, português para surdos, educação de surdos e Libras. E-mail: ebson.
[email protected].

Geceilma Oliveira Pedrosa

Graduada em Língua Portuguesa pela Uniasselvi 2014, Graduada em Letras-


Libras pela UFAM 2019, Especialista em Libras pela Uniasselvi 2016, Mestre em
Letras pela UFAM 2020. Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de
Uberlândia - UFU, 2021. Atua como professora tradutora interprete da SEDUC -
AM. Email: [email protected].

João Batista Neves Ferreira

Professor Mestre surdo do curso de Licenciatura em Letras Libras da UFERSA –


Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Doutorando em Linguagem e Ensino
pela UFCG – Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: joaob.Libras@
ufersa.edu.br.

Juliana Barbosa Alves

Graduanda em Letras Libras na Universidade Federal de Sergipe, bolsista de


Iniciação científica (CNPq). E-mail: [email protected].

Leidiane Dias da Silva

Graduanda em Letras-Libras – bacharelado em tradução e interpretação, bolsista


da Iniciação Científica – PIBIC/PRPPG/UFES e membra do Grupo de Pesquisa
LingCognit- Linguagem e Cognição: escolhas tradutórias e interpretativas -
PRPPG/CNPq/Capes/UFES.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 204


Lucas Gonçalves Dias

Mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia


(UFU) ; Bacharel em Letras-Libras: Tradução e Interpretação – Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Proficiente em Tradução e Interpretação de
Libras/Português – ProLibras (INES/UFSC/INEP/MEC). Técnico em Tradução
e Interpretação de Libras/Português (SEDU/ES). Docente no Curso Técnico
de Tradução e Interpretação de Libras/Português (SEDU/ES). Perito Tradutor-
Intérprete de Libras/Português (TILSP) em Contexto Jurídico no Sistema Judiciário
do Estado do Espírito Santo . Consultor de Acessibilidade comunicacional em
diferentes Contextos: Comunitário (âmbito educacional ,clínico e jurídico),
Conferência (TV, Palestras, reunião de cúpula, debates, entre outros). Membro do
Grupo de Pesquisa – LingCognit: escolhas tradutórias e interpretativas das línguas
naturais (UFES/PRPPG/PPGEL).

Maiane Vasconcelos de Brito

Doutoranda em Linguística na Universidade Federal de Sergipe. E-mail:


[email protected].

Marilia de Nazaré de Oliveira Ferreira

Professora Titular do Instituto de Letras e Comunicação, vinculada à Faculdade de


Letras e ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Doutora em Linguística (UNI-CAMP e La Trobe University, Austrália,
2003). Mestre em Linguística pela Univer-sidade de Brasília (UnB, 1995). Graduada
em Letras pela Universidade Federal do Pará (Belém, 1990).

Marilia Varella Bezerra de Faria

Doutora na área da Linguística Aplicada (2013/2014). Mestre em Linguística


Aplicada (1996), graduada em Engenharia Química (1981) e em Letras - Habilitação
Inglês e Português (1992). Atualmente, é professora associada do Departamento
de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 205


Romário Lima de Sousa

Graduando em Licenciatura em Letras Libras pela UFERSA – Universidade Federal


Rural do Semi-Árido. E-mail: [email protected].

Suelen Silva de Oliveira

Graduada em Letras-Libras (UFG), Especialista em Educação Especial (FABEC)


e Mestre em Letras (UFT). Docente no curso de Letras-Libras da Universidade
Federal do Tocantins (UFT). Atua, principalmente, nas áreas de Aquisição da
Linguagem e Linguística Aplicada.

Thainã Miranda Oliveira

Graduada em Letras-Libras (UFG), Especialista em Docência no Ensino Superior


(FASAM) e Mestre em Letras (UFT). Docente no curso de Letras-Libras da
Universidade Federal do Tocantins (UFT). Atua, principalmente, nas áreas de
Literatura, Ensino de Literatura Surda e Ensino de Língua.

Victor Lopes Bezerra

Surdo graduando em Licenciatura em Letras Libras pela UFERSA – Universidade


Federal Rural do Semi-Árido, vice-presidente da Associação de Surdos de Pau dos
Ferros-RN. E-mail: [email protected].

Walber Gonçalves de Abreu

Professor assistente da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) –


Campus Tomé-açu. Mestre e Doutorando em Letras – estudos linguísticos (PPGL/
UFPA). Graduado em Letras Libras / Português co-mo L2 para surdos. Tradutor e
Intérprete de Libras-Português (MEC/PROLibras).
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 206


Índice remissivo
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 207


A
Aquisição da língua 121, 137, 166, 190, 199
C
Cognição 88, 129, 142, 143, 144, 145, 161, 204
D
Derivação 7, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 26, 27

Discurso 5, 8, 28, 32, 39, 40, 43, 44, 45, 48, 49, 55, 61, 63, 78, 83, 96, 110, 123, 130, 133,
134, 136, 137, 139, 140, 161
E
ELiS 5, 7, 8, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 75, 76

Escrita 7, 8, 10, 20, 33, 66, 67, 68, 69, 70, 75, 76, 80, 81, 93, 95, 96, 100, 102, 103, 104,
105, 108, 110, 113, 114, 115, 116, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 128, 131, 139, 140, 144,
147, 149, 153, 160, 162, 163, 187, 189, 190, 193, 194, 196, 197, 198, 199
G
Glossário 5, 8, 65, 66, 67, 69, 70, 76, 86, 87, 92
I
Identidade 9, 58, 130, 131, 146, 167, 169, 170, 185, 187, 188, 199
L
Leitura 5, 8, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 48, 49, 51, 53, 100,
114, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 127, 131, 137, 140, 143, 144, 145, 147, 150, 152, 154,
155, 156, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 189, 190

Leitura labial 5, 8, 28, 29, 30, 31, 33, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 137

Léxico 5, 8, 9, 16, 53, 55, 65, 66, 67, 68, 69, 75, 76, 78, 81, 84, 88, 93, 100, 103, 104, 106,
110, 146, 163

Libras 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 39, 42, 43, 44,
46, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 83,
84, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 111, 113, 114, 116, 118, 121, 123, 130, 131, 133, 135, 136, 137,
138, 139, 140, 143, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159,
160, 161, 162, 164, 166, 167, 168, 171, 173, 176, 178, 179, 180, 183, 185, 186, 187, 189, 190,
SUMÁRIO

192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 208


Língua Brasileira de Sinais 5, 7, 11, 28, 62, 78, 86, 113, 130, 133, 167, 184, 186, 189, 197,
200

Língua portuguesa 7, 8, 35, 62, 64, 65, 66, 70, 75, 80, 84, 85, 87, 93, 110, 116, 134, 137,
139, 143, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 155, 157, 190, 192, 193, 194, 196, 198,
199, 203

Linguística Aplicada 9, 49, 111, 131, 132, 139, 140, 206, 207

Linguística Sistêmico-Funcional 5, 8, 48, 49, 53, 56, 93, 95, 110, 111, 112
O
Ouvinte 10, 31, 32, 33, 38, 40, 46, 51, 54, 58, 60, 69, 99, 106, 109, 115, 130, 131, 138, 139,
172, 186, 188, 189, 190, 193, 196, 197, 199
P
Pessoas Surdas 6, 7, 8, 9, 10, 110, 139, 167, 187, 189, 198

Processamento cognitivo 6, 9, 142, 143, 144, 145, 148, 163, 164, 166
S
Segunda língua 6, 7, 9, 47, 61, 69, 84, 93, 94, 111, 113, 115, 116, 120, 127, 130, 131, 133,
134, 135, 139, 141, 186, 193, 204

Sistema de MODO 9, 98, 100, 108, 110

Surdos sinalizantes 9, 167, 176


T
Texto 4, 6, 8, 9, 26, 48, 53, 55, 57, 93, 95, 96, 97, 99, 100, 102, 103, 104, 105, 106, 108,
109, 110, 113, 114, 115, 119, 121, 122, 123, 124, 126, 127, 128, 131, 143, 144, 148, 152,
154, 159, 160, 162, 163, 165, 197, 204

Tradutor e Intérprete de Libras 8, 83


V
Visibilidade 7, 10, 61, 83

Viso-espacial 7, 51, 69, 75, 113


W
Whatsapp 6, 9, 10, 186, 187, 190, 197, 200
SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 209


SUMÁRIO

CENÁRIOS ATUAIS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS 210

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