Ebook Teorias Linguisticas
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Teorias Linguísticas:
tecendo reflexões sobre os estudos da linguagem
3
Copyright © Autoras e autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida
ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores.
Leandro de Amaro Rodrigues; Lucelia Cristina Brant Mariz Sá; Maíra Sueco
Maegava Córdula; Talita Aparecida da Guarda Alves [Orgs.]
DOI: 10.51795/9786526502488
CDD – 410
4
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 9
UMA INCURSÃO NO DOMÍNIO DAS TEORIAS
DA LINGUAGEM
Leandro de Amaro Rodrigues
Lucelia Cristina Brant Mariz Sá
Maíra Sueco Maegava Córdula
Talita Aparecida da Guarda Alves
.
CAPÍTULO 1 23
A CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DOS
FUNDAMENTOS SOBRE TEORIAS
LINGUÍSTICAS MODERNAS: UMA PROPOSTA
DE ENSINO NO FORMATO VIRTUAL
Maíra Sueco Maegava Córdula
.
CAPÍTULO 2 35
TEORIAS LINGUÍSTICAS: UMA ABORDAGEM
SOBRE A GRAMÁTICA
Maíra Cristina Passos Ferreira
Talita Aparecida da Guarda Alves
.
CAPÍTULO 3 53
CONSTRUINDO AS BASES TEÓRICAS
CHOMSKYANAS SOB UM VIÉS CRÍTICO
Edgar Correa Veras
Ellen Lopes de Paula von Glehn
Lucas Amâncio Mateus
.
.
.
5
CAPÍTULO 4 71
AS BASES QUE SUSTENTAM A ANÁLISE DO
DISCURSO FOUCAULTIANA
Kennedy José de Oliveira Júnior
Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira
.
CAPÍTULO 5 83
A LINGUÍSTICA ESTRUTURALISTA E A
PSICANÁLISE: RESSIGNIFICAÇÕES DE LACAN
DO ESTRUTURALISMO DE SAUSSURE
Carolina Antonia Goulart de Paula
Lara Cristina Batista Souza
.
CAPÍTULO 6 95
DISCUSSÕES SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA
EDUCACIONAL E A SOCIOLINGUÍSTICA
INTERACIONAL: DESDOBRAMENTOS DA
SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA
Gilberto Antonio Peres
Nauali Martins Alves
.
CAPÍTULO 7 111
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO: UM PARALELO ENTRE A
DIVERSIDADE E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Lorraine Caroline Nicomedes
Cecília Eugênia Rocha Rodrigues
Monithelli Aparecida Estevão de Moura
.
CAPÍTULO 8 123
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM PARA O ENSINO
DA LÍNGUA MATERNA NOS ANOS INICIAIS DA
ESCOLARIZAÇÃO
Fabiana Ferreira Freitas
Larissa Francine de Oliveira
Mara Rúbia Pinto de Almeida
6
CAPÍTULO 9 137
O SISTEMA DE ESCRITA NO PROCESSO DA
ALFABETIZAÇÃO: TECENDO REFLEXÕES
Adimara dos Santos Rocha Lotero
Elizângela Souto da Silva
.
CAPÍTULO 10 153
LÍNGUA E LINGUAGEM: UMA VISÃO ACERCA
DO LIVRO DIDÁTICO
Ana Clara Martins Resende dos Reis
Larissa Maciel Gonçalves Silva
Lavine R. Cardoso Ferreira
.
CAPÍTULO 11 165
REFLEXÕES SOBRE A AQUISIÇÃO DE LIBRAS
COMO L1 E AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
PORTUGUESA COMO L2 PELAS PESSOAS
SURDAS
Adrielle Bezerra Miranda
Geyse Araujo Ferreira
Viviane Barbosa Caldeira Damacena
.
SOBRE OS AUTORES 177
7
8
APRESENTAÇÃO
9
sociedade se comporta e se constitui por meio da linguagem e na
linguagem. Nessa perspectiva, a língua é vista como interação social
entre sujeitos que desempenham diversos papéis em uma
organização. Na interação social, a palavra é o principal elo entre
falante e ouvinte, locutor e interlocutor. Ela é dirigida e orientada para
quem é esse interlocutor, ou seja, qual o papel que ele desempenha na
sociedade e como ele se relaciona (mais próximo: irmão, pai, amigo,
etc., ou distante – chefe, autoridade, etc.) com o locutor.
Sobre a palavra como interação social, Volóchinov (2018 [1985-
1936], p. 205), nos apresenta, em um tom filosófico e poético, sobre
sua importância:
a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto por aquele de quem ela
procede como quanto por aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela
é justamente o produto das inter-relações do falante com o ouvinte. Toda palavra
serve de expressão ao “um” em relação ao “outro”. Na palavra eu dou forma
a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim, da perspectiva da minha
coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma
das extremidades em mim e a outra no interlocutor.
10
estudos comparados, a ideia de que a língua é viva e que se
modifica com a passagem do tempo.
Franz Bopp foi o linguista de renome na época, quando por
meio do método histórico-comparativo, evidenciou o parentesco
entre as línguas indo-europeias. Nesse sentido, os estudos
desenvolvidos no século XIX, levaram a percepção de que as
mudanças que ocorreram na língua escrita ao longo dos anos
aconteciam, primeiramente, na língua falada. Tal descoberta levou
ao atual objeto de estudo da linguística moderna, a língua.
(PETTER, 2010).
No século XX, foi lançado o livro do teórico Suíço, Ferdinand
Saussure, “Curso de Linguística Geral”, obra escrita a partir de
manuscritos de aulas, por seus alunos da Universidade de
Genebra, em meados de 1907 e 1911. Foi a partir dos pressupostos
saussurianos que a linguística passou a ser reconhecida como uma
ciência autônoma, tal qual a medicina, a física, a astronomia, etc. A
linguística foi definida como uma ciência que estuda a linguagem
humana, cujo foco seria “descrever e explicar os fatos, estudar as
expressões linguísticas” (PETTER, 2010, p. 17).
Para Saussure (1995 [1916]), o objeto da linguística é a língua,
“que seria a manifestação social da linguística, um conjunto de
convenções” (SAUSSURE, 1995 [1916], p. 17). Para o linguista, a
língua se classifica como parte essencial da linguagem, um
conjunto de convenções adotadas pelos falantes que os permitem a
comunicação/expressão do pensamento. Em sua teoria, a língua é
tida como sistema fechado de signos, com unidades isoladas que se
unem seguindo leis combinatórias dentro do próprio sistema para
formar uma unidade significativa. Ainda na relação língua-
linguagem, Saussure apresenta um outro elemento: a fala. Segundo
o autor, a fala é um ato individual:
11
A partir das ideias precursoras do linguista genebrino de que
a língua é um sistema, que possui uma organização interna, ou seja,
uma estrutura, é que surgiu o estruturalismo europeu, com grande
respaldo nas dicotomias saussurianas. Já o estruturalismo norte-
americano se deteve ao estudo descritivo das línguas naturais,
tendo como principal expoente Edward Sapir.
Ainda no século XX, na linguística, surgiu o gerativismo, cujo
precursor é o linguista e professor do Instituto de Tecnologia de
Massachussets- MIT, Noam Chomsky. Foi a partir do lançamento do
seu livro “Estruturas sintáticas” que essa corrente se estabeleceu. A
teoria gerativa explica, a partir de um modelo teórico formal, por meio
de cálculos matemáticos, o funcionamento da linguagem humana. O
gerativismo chega para romper com as ideias behavioristas de que a
linguagem humana é “um fenômeno externo ao indivíduo, um
sistema de hábitos, gerado como resposta a estímulos e fixado pela
repetição” (KENEDY, 2008, p. 128). Para Chomsky compreender e se
expressar a partir de uma língua é uma capacidade inata ao ser
humano. O linguista demonstrou o quão é instigante
12
(MARTELOTTA, 2011, p. 114). As lacunas deixadas por essa visão
começam a ser preenchidas a partir dos modelos funcionalistas que
estudam e analisam a língua dentro de um contexto de fala; e
formalistas que admitem a língua como uma entidade autônoma,
seu principal representante também é Chomsky, o pai do
gerativismo.
De acordo com Oliveira (2005), o formalismo estuda a língua
internalizada pelo indivíduo, ou seja, fora do contexto discursivo.
Já o funcionalismo, estuda a língua a partir do contexto
comunicativo, daí “a importância do papel do contexto, em
particular o contexto social na compreensão da natureza das
línguas” (DILLINGER, 1991, p. 400). Nesse sentido, Neves (1997)
lança mão dos dizeres de Martinet (1994) ao afirmar que “o que
deve constantemente guiar o linguista é a competência
comunicativa, pois toda língua se impõe, tanto em seu
funcionamento como em sua evolução, como um instrumento de
comunicação da experiência [do homem]” (MARTINET, 1994, p.14,
apud NEVES, 1997, p. 2).
Conforme os estudos foram avançando, surge também, na
década de 60, na França, a Análise do Discurso (AD). Mussalim
(2012), fazendo uma leitura de Maldier (1994), aponta a fundação
da AD por Jean Dubois e Michel Pêuchex, sendo o primeiro
linguista e lexicólogo, envolvido com as questões da Linguística na
época e o último um filósofo cujo envolvimento era tomado pelo
marxismo, pela psicanálise e pela epistemologia. Ambos os autores
tinham em comum o marxismo e a política como terreno profícuo
para o trabalho, “partilhando convicções sobre luta de classe, a
história e o movimento social” (MUSSALIM, 2012, p. 114).
Outro estudioso que recebe destaque na AD é Lacan,
psicanalista que assume o inconsciente estruturado como
linguagem, “com uma cadeia de significantes latente que se repete
e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as
palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre
atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente" (MUSSALIM,
13
2012, p. 119), para Lacan, o inconsciente é o lugar que emana essas
outras palavras, esses outros outros discursos.
Nesse campo, há uma ruptura epistemológica: se a língua, no
estruturalismo, estuda sua função dentro do próprio sistema, na
Análise do Discurso, temos questões teóricas que estão
relacionadas à ideologia e ao sujeito. Segundo Mussalim (2012, p.
122), o estudo do discurso para a Análise do Discurso,
14
assumem a concepção de linguagem como processo de interação,
constituída no consenso coletivo.
Para Benveniste (1989), a língua é vista como essencialmente
social, nisso ele difere dos estruturalistas, ao trazer a noção de
sujeito para o contexto de entendimento da língua que era vista
como algo secundário e externo ao sistema linguístico. Segundo o
autor, a “língua constitui o que mantém junto os homens, o
fundamento de todas as relações que por seu turno fundamentam
a sociedade. Poder-se-á dizer, nesse caso, que é a língua que contém
a sociedade” (p. 63).
De acordo com Benveniste, a enunciação é o momento em que
a língua é colocada em funcionamento, produzindo enunciados.
Cada enunciado é único e irrepetível, sendo ele um ato individual
de utilização. Ainda sobre a enunciação e suas condições de
produção, o autor assevera:
15
constituição dos sujeitos e para as relações sociais que se
estabelecem por meio da linguagem.
Assim, considerando as reflexões traçadas pelos mestrandos e
doutorandos durante as aulas de Teorias Linguísticas, surgiu o
interesse em elaborar esta obra para o registro do exercício
reflexivo realizado em sala de aula por seus participantes,
estudantes e docente. O primeiro capítulo aborda a concepção da
disciplina para o formato virtual. A obra ainda possui mais dez
capítulos construídos pelos pós-graduandos, estando dividida em
duas partes: os capítulos 2, 3, 4, 5 e 6 trazem uma abordagem de
bases teóricas para sustentação dos estudos linguísticos em suas
variadas vertentes. Já os capítulos 7, 8, 9, 10 e 11 possuem maior
relação com o processo de ensino e aprendizagem de línguas, a
partir de experiências vividas em sala de aula.
O primeiro capítulo desta obra, “A construção colaborativa
dos fundamentos sobre teorias linguísticas modernas: uma
proposta de ensino no formato virtual”, de autoria de Maíra Sueco
Maegava Córdula, apresenta o relato da elaboração da disciplina
“Teorias Linguísticas” dentro do programa de Pós-graduação em
Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Uberlândia
para o contexto remoto de ensino implantando durante a crise
sanitária provocada pela pandemia Covid-19. Nesse capítulo, faz-
se uma discussão sobre a seleção de conceitos e pensadores para a
construção colaborativa sobre a temática da disciplina, além de
uma reflexão sobre as propostas de atividade no contexto de ensino
da pós-graduação por meio do uso de ferramentas de novas
tecnologias de informação e comunicação.
O capítulo 2 intitulado “Teorias Linguísticas: uma abordagem
sobre a gramática”, das autoras Maíra Cristina Passos Ferreira e
Talita Aparecida da Guarda Alves, é um estudo bibliográfico,
com recorte nos autores, Saussure (1916), Chomsky (1957), Neves
(1994), Martelotta (2011) e outros autores que contribuíram para os
estudos das correntes - estruturalismo, gerativismo e
funcionalismo. O artigo tem como objetivo fazer uma abordagem
da gramática sob a perspectiva das referidas correntes linguísticas.
16
Assim, discutem as principais características de cada uma delas e
trazem considerações sobre a gramática normativa.
No capítulo 3, “Construindo as bases teóricas chomskyanas
sob um viés crítico”, os autores Edgar Correa Veras, Ellen Lopes de
Paula von Glehn e Lucas Amâncio Mateus apresentam uma visão
geral do Gerativismo, contrapondo-o à corrente estruturalista e
examinando, em especial, as suas variadas teorias gramaticais. A
partir das teorias de Noam Chomsky, os autores refletem sobre as
perspectivas favoráveis e posições discordantes a respeito dos
principais aspectos relacionados à proposta Gerativa. Apresentam
conceitos, tais como a concepção de Gramática Gerativa-
Transformacional, Gramática Universal, teoria de Princípios e
Parâmetros, Programa Minimalista, além de analisarem aspectos
específicos dessas teorias. Discorrem quanto a competência e o
desempenho, estrutura profunda e superficial, gramaticalidade e
agramaticalidade, reforçando o recorte de análise estabelecido pelo
gerativismo numa perspectiva indutiva, sem desconsiderar a
existência de fenômenos importantes que podem ser percebidos
por outras abordagens.
Já no capítulo 4, “As bases que sustentam a Análise do
Discurso Foucaultiana”, os autores Kennedy José de Oliveira Júnior
e Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira utilizam a revisão
bibliográfica narrativa para demonstrar a influência do
pensamento foucaultiano nos estudos discursivos em geral e as
bases que sustentam tais estudos. Analisam, ainda, a subjetividade,
o poder e a história defendidos por Nietzsche e aprimorados por
Michel Foucault. Os autores se baseiam em pensadores das áreas
da análise do discurso para ampliar o olhar para os escritos. Assim
concluem que a discussão dá possibilidade de evidenciar o
primado da arqueologia e sugerem a continuidade da discussão
para aprofundar as teorias.
Em “A Linguística Estruturalista e a Psicanálise:
ressignificações de Lacan do Estruturalismo de Saussure”, 5º
capítulo desta obra, as autoras Carolina Antonia Goulart de Paula
e Lara Cristina Batista Souza destacam que a corrente da linguística
17
estruturalista influenciou os estudos das ciências humanas do
século XX e, para além disso, também os estudos psicanalíticos.
Relacionam as aproximações e distanciamentos do signo
linguístico e da significação no texto Curso de Linguística Geral
(1916), de Ferdinand Saussure, para a psicanálise na obra “A
instância da letra no inconsciente e a razão desde Freud (1957)” de
Jacques Lacan. As autoras entendem que o estruturalismo foi
importante para o desenvolvimento da teoria de Lacan no que diz
respeito à linguagem, seus significados e às significações.
O capítulo 6, “Discussões sobre a Sociolinguística Educacional
e a Sociolinguística Interacional: desdobramentos da
Sociolinguística Variacionista”, de autoria de Gilberto Antonio
Peres e Nauali Martins Alves, encerra a primeira parte da obra, que
traz abordagens teóricas que compõem o estudo da língua. O artigo
apresenta o surgimento da Sociolinguística e seu consequente
enfoque na abordagem da língua como um fenômeno heterogêneo,
social, o qual sofre variações em decorrência de condicionadores
internos e externos. Esta ciência tem apresentado os
desdobramentos por meio de diversas vertentes, entretanto, os
autores optaram por abordar, especificamente, a Sociolinguística
Educacional e a Sociolinguística Interacional. Apresentam o
embasamento teórico de cada vertente e refletem acerca das
propostas de análise da língua nos respectivos contextos, com
vistas a reconhecer o valor das variedades linguísticas, diferentes
da norma padrão.
Na sequência, iniciam os capítulos cujo foco principal é
direcionar os construtos teóricos para a prática do processo de
ensino e aprendizagem de línguas, tanto a língua materna quanto
a segunda língua. O capítulo 7, “Variações linguísticas no processo
de alfabetização: um paralelo entre a diversidade e o preconceito
linguístico”, das autoras Lorraine Caroline Nicomedes, Cecília
Eugênia Rocha Rodrigues e Monithelli Aparecida Estevão de
Moura, traz o propósito de colaborar com os estudos sobre a
temática alfabetização e variação. As autoras propõem uma
reflexão acerca de aspectos da variação linguística no processo de
18
alfabetização e as marcas do preconceito linguístico no período da
vida escolar dos aprendizes.
O capítulo 8, “Os estudos da linguagem para o ensino da
língua materna nos anos iniciais da escolarização”, das autoras
Fabiana Ferreira Freitas, Larissa Francine de Oliveira e Mara Rúbia
Pinto de Almeida, aponta reflexões sobre o processo do ensino da
língua materna nos anos iniciais da escolarização. Segundo as
autoras, documentos legais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular reconhecem que o
domínio da língua, oral e escrita, é indispensável para a
participação social efetiva das pessoas. As autoras compreendem
que o aprendizado da língua materna nunca é interrompido, sendo
os momentos de alfabetização relevantes para determinar o contato
da criança com a Língua Portuguesa, inclusive abrangendo outras
perspectivas, como o letramento. A escola é representada como
mediadora desse processo, pois conta com os modos de favorecer
ao estudante o contato com a leitura e a escrita, auxiliando-o no
processo de inserção da sociedade.
Já no capítulo 9, “O sistema de escrita no processo da
alfabetização: tecendo reflexões”, de autoria de Adimara dos
Santos Rocha Lotero e Elizângela Souto da Silva, tem o objetivo de
refletir sobre a cultura da escrita e os processos que envolvem seu
uso social e sua aquisição pelas crianças no processo de
alfabetização. Segundo as autoras, a sociedade vive cercada pela
escrita e seus sistemas foram construídos em torno da cultura
grafocêntrica, o que torna a escrita presente em diversos espaços
sociais, servindo a diferentes finalidades. Segundo as autoras, a
aprendizagem da escrita que ocorre em um ambiente de reflexão
sobre o funcionamento da língua, tanto no aspecto cognitivo como
na compreensão das funções sociais da linguagem, pode contribuir
na formação de leitores e escritores proficientes, como também no
desenvolvimento de cidadãos mais respeitosos com as
diversidades linguísticas e capazes de usar a linguagem na
construção da cidadania.
19
O capítulo 10, “Língua e linguagem: uma visão acerca do livro
didático”, das autoras Ana Clara Martins Resende dos Reis, Larissa
Maciel Gonçalves Silva e Lavine R. Cardoso Ferreira, aborda sobre
o uso do livro didático em sala de aula. Apresentam os conceitos
relacionados à língua e linguagem fundamentados nas concepções
de autores linguistas como repertório teórico para a proposição de
análises e reflexões sobre como a língua e a linguagem se
materializam em um livro didático utilizado no Ensino Médio.
O último capítulo da obra, “Reflexões sobre a aquisição de
Libras como L1 e aquisição de Língua Portuguesa como L2 pelas
pessoas surdas”, das autoras Adrielle Bezerra Miranda, Geyse
Araujo Ferreira e Viviane Barbosa Caldeira Damacena, tem o
objetivo de refletir acerca da aquisição de línguas por pessoas
surdas, com o foco na língua materna, a Libras (L1), e a segunda
língua, a Língua Portuguesa escrita (L2), em uma abordagem
funcionalista. Essa abordagem é focada nos fatores
extralinguísticos e sociais que influenciam e são influenciados pela
língua. Ela passa a ser vista como uma forma de interação verbal,
na qual se destaca a sua funcionalidade. Desse modo, na
perspectiva funcionalista, para a aquisição da língua do surdo, é
necessário que ele compreenda as funcionalidades que a sua língua
materna apresenta e suas particularidades.
É nessa linha de pensamento linguístico que esta obra se faz
presente. Os capítulos aqui colocados pretendem interagir, por
meio da palavra, com pesquisadores outros e leitores interessados
sobre as várias vertentes dessa ciência que é a linguística. Nesse
sentido, esperamos que os capítulos auxiliem os leitores no
refinamento dos conceitos tratados, à luz das teorias linguísticas,
bem como provoquem reflexões e instiguem o aprimoramento de
conhecimento acerca dos estudos da linguagem e suas abordagens
críticas no campo educacional.
20
Referências
21
22
CAPÍTULO 1
Introdução
1https://comunica.ufu.br/noticia/2020/03/ufu-suspende-aulas-e-atividades-acade
micas-partir-de-1803
23
Linguística. Fenômenos da linguagem e métodos de investigação”
(UFU, s.d., p. 1)
No segundo semestre de 2021 e primeiro semestre de 2022,
esta disciplina foi ministrada no contexto do ensino remoto com
aulas síncronas e atividades assíncronas. Como se trata de uma
disciplina obrigatória, foram oferecidas duas turmas em cada um
dos semestres. Eu tive a oportunidade de ministrar uma turma com
43 alunos em 2021 e uma turma com 29 alunos em 2022. A
disciplina foi ministrada de forma condensada em um intervalo de
12 semanas, com encontros semanais síncronos de 1 (uma) hora e
40 (quarenta) minutos e mais atividades assíncronas semanais
distribuídas em 6 (seis) módulos na plataforma Moodle. Assim, nas
seções a seguir, faço um relato da elaboração da disciplina Teorias
Linguísticas para o contexto remoto e discuto o desenho da
disciplina, a seleção e a organização de tempo e conteúdo, e as
propostas de ensino de caráter colaborativo.
O desenho da disciplina
2 https://conferenciaweb.rnp.br/home
3 https://ufu.br/tags/moodle
24
De caráter obrigatório no PPGEL, tanto alunos ingressantes no
mestrado quanto os que realizando seu doutorado, devem cursar a
disciplina. Sendo assim, os estudantes dessa disciplina apresentam
experiência diversa de estudos na área de concentração do
programa, a saber: Estudos em Linguística e Linguística Aplicada.
A diversidade de formação não se restringe somente ao grau de
envolvimento com a pesquisa na área específica até o momento de
cursar essa disciplina, mas também inclui a formação de cada um
na graduação em disciplinas relativas à temática da disciplina.
Dessa forma, pode-se dizer que a disciplina teve como um de seus
objetivos promover a discussão em tópicos essenciais para quem
desenvolverá pesquisa na área de estudos linguísticos.
Ao buscar o diálogo com os estudantes que desenvolvem
pesquisas nas três linhas de pesquisa do PPGEL: “LP1: Teoria,
Descrição e Análise Linguística, LP2: Linguagem Sujeito e
Discurso, LP3: Linguagem, Ensino e Sociedade” (CONPEP-UFU,
2018, p. 18), optamos por uma abordagem mais generalista e menos
específica dos pressupostos e dos fundamentos teóricos da
constituição da área de Linguística como Ciência e das perspectivas
teóricas provenientes dos estudos desenvolvidos,
majoritariamente, no início do século XIX.
A organização da disciplina foi feita em 6 módulos, que
abordaram os seguintes temas nas duas ofertas da disciplina:
Linguística Geral, Estruturalismo, Gerativismo, Funcionalismo,
Variação e Mudança e Enunciação. Vale ressaltar que o último
módulo foi dedicado à discussão de correntes teóricas atuais por
meio da interlocução com professores convidados4. A proposição
de leitura e de atividades de discussão buscaram relacionar as
proposições teóricas seminais com alguns desdobramentos atuais e
também com o desenvolvimento de diferentes perspectivas
teóricas dentro da área de Linguística. Por exemplo, no Módulo 1,
25
“Linguística Geral”, os estudantes receberam a proposta de leitura
de três textos: a) capítulo "Linguagem, língua, linguística" de
Margarida Petter, no livro "Introdução à linguística: objetos
teóricos" organizado por José Luiz Fiorin (2003), b) capítulos
capítulos I, II e III do Curso de Linguística Geral de Ferdinand
Saussure (1995, p. 7-25) e c) o capítulo "Uma breve retrospectiva da
pesquisa sociolinguística” de Roberto Gomes Camacho
(PARREIRA et al., 2015, p. 13-27). Para o desenvolvimento da
discussão, houve encontros síncronos e também uma atividade
colaborativa online: fórum de discussão. Na Figura 1, podemos
verificar o enunciado da proposta, que orienta os estudantes a
fazerem a conexão proposta entre os conceitos apresentados no
texto e sua repercussão para o desenvolvimento de estudos na área
de Linguística.
26
alunos tinham que elaborar a discussão de forma escrita, o que
também contribuía para o desenvolvimento da escrita acadêmica,
parte da formação para a pós-graduação, na qual há diversos
trabalhos finais apresentados na modalidade escrita.
O fato de propor a discussão nos moldes apresentados orientou
o trabalho de reflexão dos discentes, mas, em alguns casos, foi
possível notar que os comentários eram feitos a partir da perspectiva
teórica aderida pelo estudante, sem considerar a perspectiva
apresentada no texto lido. Sendo assim, realizamos algumas
alterações nas orientações do Fórum de Discussão na plataforma
Moodle, com o intuito de promover a mobilização do conhecimento
apresentado nos textos-base. Assim, esperamos que o estudante não
apenas reproduzisse críticas a perspectivas teóricas diversas, mas
que as discutissem de forma embasada e circunstanciadas nos textos
propostos pela professora e os textos trazidos por eles. Nos outros
módulos, propusemos que o estudante elaborasse uma pergunta a
partir da leitura e interagisse com os colegas na busca de responder
à questão proposta (Figura 2).
27
conversassem com o texto base e a partir do texto lido e do exemplo
trazido, proporem uma discussão. Essa organização de discussão
também engajou mais a participação dos alunos e promoveu uma
construção colaborativa e uma discussão bastante interativa sobre
os tópicos selecionados para as aulas.
A discussão realizada nos fóruns de discussão também foi
complementada ou continuada nas aulas síncronas. No entanto, o
espaço para discussão era bem reduzido devido ao número grande
estudantes participantes e também ao tempo limitado. Nesse
sentido, vale destacar que a proposta de atividade síncrona foi mais
centralizada no professor, com grande parte da carga horária
dedicada a aulas expositivas, apesar de serem incluídas algumas
atividades interativas, utilizando algumas ferramentas de
colaboração online, como construção de nuvem de palavras (uso
do aplicativo Mentimeter5). Houve também a proposta de
atividades de interação especificamente elaboradas para as aulas
síncronas, com proposição de questões para discussão e a divisão
em grupos pequenos, com o uso de salas de apoio (MConf),
conhecidas como breakout rooms.
A leitura e discussão dos textos lidos, seja por meio das aulas
síncronas como por meio dos fóruns de discussão, foram essenciais
para o desenvolvimento do estudo na perspectiva da disciplina. No
entanto, para além da discussão sobre os tópicos e textos
selecionados, sentimos a necessidade de que os estudantes também
pudessem construir um conhecimento mais amplos das diferentes
abordagens teóricas da área de Linguística, já que os estudantes
atuavam em pesquisas diversas. O fato de termos alunos
desenvolvendo suas pesquisas nas diferentes áreas de pesquisa foi
considerada como um benefício da turma para que os alunos que
não conhecessem as diferentes áreas de estudo pudessem conhecer
mais e interagir academicamente em discussões com os colegas
investidos de perspectivas teóricas diferentes. Assim, foram
criadas algumas atividades ao longo dos módulos para que esse
5 https://www.mentimeter.com/pt-BR
28
conhecimento específico de cada um, de forma colaborativa
contribuísse para o repertório teórico de toda a turma.
A primeira atividade proposta foi a elaboração de uma lista
detalhada de pensadores da linguística moderna, por meio do uso
da ferramenta Glossário na plataforma Moodle. Cada aluno tinha
que preparar uma entrada sobre um pensador e também comentar
em alguma das entradas dos colegas. A Figura 3 apresenta a
instrução completa da primeira parte da atividade.
29
contribuição por meio de suas obras publicadas. Com o objetivo de
apresentar mais representatividade para os pensadores atuantes no
Brasil, dividimos a atividade em duas partes, uma realizada em
cada módulo. Uma parte somente com pensadores considerados
estrangeiros e uma com pensadores que atuavam no Brasil, não
necessariamente brasileiros. Fizemos uma lista buscando incluir
diferentes áreas de atuação, época de atuação, gênero, regiões
geográficas, etc. Essa lista, no entanto, teve o limite do
conhecimento da autora da lista no momento da elaboração da
atividade. Considerando esse limite, foi dada a opção aos
estudantes de sugerirem nomes expressivos de sua área de
interesse e foram solicitadas por exemplo, nomes da área de Libras,
que não havia sido contemplada na lista inicial, e um nome da
América Latina, região com poucos representantes na lista.
Também foram propostas mais duas atividades com o objetivo
de os estudantes se aprofundarem em uma abordagem teórica e
compartilharem seu conhecimento com os colegas. Foram
propostas duas atividades utilizando o recurso visual, uma linha
do tempo (Figura 4) e um mapa mental.
30
Ambas as atividades cumpriram com o papel de socializar
diferentes perspectivas teóricas, não necessariamente abordadas na
disciplina. Além disso, é importante ressaltar que as atividades
foram produzidas em formato visual que não podia ser lido por
aplicativos de leitura automática, portanto, na turma em que havia
alunos cegos, os estudantes também postaram a atividade em
formato de texto corrente no formato edição de texto (por exemplo,
Word) ou gravaram a leitura de seu texto elaborado como linha do
tempo ou mapa mental.
Além das atividades colaborativas, é preciso salientar que
também foram utilizadas atividades em que os estudantes fizeram
de forma individual, como as leituras e dois questionários
preparados com base nas leituras. Finalmente, os estudantes
também trabalharam em grupo na escrita de artigos e ou ensaios
acadêmicos no formato de um exercício de analítico sobre temáticas
de interesse comum do grupo e que apresentassem, de alguma
forma, o trabalho de reflexão conceitual do grupo sobre as teorias
linguísticas.
Consideração finais
31
aprofundamento e aperfeiçoamento de seus conhecimentos nas
suas pesquisas.
A disciplina “Teorias Linguísticas” tem caráter de introdução
aos estudos no mestrado e doutorado do programa, por isso
promoveu uma visão geral e a oportunidade de os estudantes
conhecerem linhas de pesquisas que não são exatamente as que
estão desenvolvendo em suas pesquisas, mas que podem estimular
a discussão por diferentes perspectivas ou prepará-los para novas
incursões em seus estudos de caráter contínuo e formativo na
grande área de Linguística, Letras e Artes.
Referências
32
século XXI: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. São
Paulo, SP: Cultura Acadêmica, 2015.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio
Chelini, José Paulo Paes, Isidoro Blikstein. 20a ed. São Paulo:
Cultrix, 1995.
UFU. Ficha de disciplina: Teorias Linguísticas. Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, s.d. Disponível em: http://
www.ppgel.ileel.ufu.br/sites/ppgel.ileel.ufu.br/files//media/do
cument//pel002_teorias_linguisticas.pdf Acesso em: 10 de dez. 2022.
33
34
CAPÍTULO 2
TEORIAS LINGUÍSTICAS:
UMA ABORDAGEM SOBRE A GRAMÁTICA
Introdução
35
interna ao organismo humano (e não completamente determinada pelo
mundo exterior, como diziam os behavioristas), a qual deve estar fincada na
biologia do cérebro/mente da espécie e é destinada a constituir a
competência linguística de um falante (MARTELOTTA, 2011, p. 129).
36
Abordagem da gramática na corrente estruturalista
37
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem
por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do
indivíduo, esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação
e é psico-física. (SAUSSURE, 2006, p. 27)
38
Na concepção saussuriana, a língua é definida como o objeto
de estudo da linguística, ficando a parole, fora do seu campo de
interesse. Para Saussure, a estrutura gramatical das línguas é
categorizada como sistema e a ciência só pode estudar o que é
recorrente e sistemático, o que não acontece com os atos
comunicativos, que são individuais, assistemáticos e ilimitados. É
interessante observar que Ferdinand Saussure lança mão da
terminologia "sistema" para demonstrar que os elementos
constitutivos de uma língua se unem para formar um todo
coerente, dotado de sentido e que se complementam. Os termos
gramática estrutural e estruturalismo surgiram do pressuposto de
que a língua é um sistema e à linguística estrutural compete
estudar, analisar e entender como se dá a organização interna desse
sistema (MARTELOTTA, 2011).
Nesse sentido, os estudos saussurianos foram de grande
relevância para a ciência do século XX. A noção de estrutura foi um
dos grandes marcos para o estudo do fenômeno da linguagem e
influenciou diversos cientistas, como Jacques Lacan, Claude Lévi-
Strauss, Louis Althusser, Roland Barthes, que destacam clara a
importância de Ferdinand Saussure no que se refere ao modelo
teórico estruturalista. A teoria estruturalista é focada no aspecto
abstrato da língua, considerando-a um sistema de signos.
As ideias pioneiras saussureanas revolucionaram os estudos
linguísticos da época, e levaram a reflexões sobre os estudos de
“análise descritiva” de diversas línguas e culturas. Contribuíram
para o entendimento de que não há línguas inferiores ou erradas,
por não pertencerem à cultura ocidental prestigiada. Nesse sentido,
Camacho (2015) ratifica a ideia de que os estudos da linguística
estrutural contribuíram para a consolidação do pensamento de que
toda língua ou variedade possui plenitude formal, possui sua
própria organização gramatical, com um sistema bem estruturado.
Camacho (2015) lança mão dos estudos de Sapir, quando este
afirma que cada língua deveria ser estudada, analisada de acordo
com a natureza de sua própria estrutura organizacional, não
conforme um paradigma de referência, que geralmente é dotado de
39
prestígio sociocultural. A plenitude formal de uma língua garante
que tanto a própria língua, quanto suas variedades, cumprem seu
papel social, de comunicação e interação (SAPIR, 1969, apud
CAMACHO, 2015).
Fica evidente a importância dos estudos estruturalistas para
desconstrução de estereótipos de que uma língua é melhor que a
outra, que é mais correta que a outra. O que existe são línguas que
possuem uma estrutura lógica, como postulado por Saussure, a
língua é “um sistema, ou seja, um conjunto de unidades que
obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um
todo coerente” (COSTA, 2011, p. 114).
Porém, quando Saussure deixa de lado a parole,
consequentemente, deixa de lado aspectos importantes da língua
como, por exemplo, a atuação do sujeito em diferentes contextos de
fala que, certamente, influenciam na formação da estrutura da
língua. Ao contemplar o estudo da língua em detrimento da fala,
Saussure exclui as
40
em Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT),
que trouxe e ainda traz muitas contribuições para o mundo
linguístico (KENEDY, 2008).
Suas ideias gerativistas surgiram também como rejeição às
ideias de Leonard Bloomfield que acreditava no modelo
Behaviorista. Bloomfield afirma que a linguagem é um fenômeno
externo que depende de estímulos e de comportamentos de
aprovação para continuar sendo realizada daquela maneira. Assim
como dispõe Kenedy (2008), para os behavioristas,
o conjunto das regras "do bem falar e do bem escrever". Repare que, nesta
acepção, apenas uma variedade da língua está em jogo: a norma culta ou
padrão; e é esse "padrão" que guiará os julgamentos do que é ‘certo’ ou
‘errado’ na língua. Consequentemente, se uma sentença se conforma ao
padrão, ela é considerada ‘certa’, caso contrário é ‘errada’. Isso implica
41
conceitos quase estéticos: se a estrutura está ‘certa’, é considerada ‘bonita’,
senão é ‘feia’. (MIOTO, 2007, p. 16)
42
conhecimento linguístico que o falante tem sobre a língua é o que
Chomsky chamou de competência linguística e é a base dos estudos
gerativistas. Entretanto, só se pode perceber a competência ao
analisar o desempenho – a execução do conhecimento linguístico
de cada falante nativo.
Conforme os estudos gerativistas foram evoluindo começaram
a pensar na possibilidade de uma Gramática Universal (GU) que é
um conjunto de regras linguísticas que se aplicam a todas as
línguas. Para exemplificar o funcionamento da GU, os gerativistas
criaram a teoria chamada de Princípios e Parâmetros. Os Princípios
seriam as características sintaticamente aceitas em todas as línguas,
como a de que toda frase tem sujeito. Já os Parâmetros são as
características específicas de cada língua, por exemplo: apesar da
regra universal de que toda frase tem sujeito, no Português há a
possibilidade do sujeito ser nulo, o que não acontece no inglês.
Após todas essas considerações sobre as hipóteses gerativistas,
baseado nas ideias de Kenedy (2007), pode-se concluir que o
objetivo da linguística gerativa padrão é explicar os fenômenos das
várias línguas humanas tendo como base a GU e a teoria dos
Princípios e Parâmetros. Após essas observações, é possível
entender a capacidade mental dos seres humanos ao produzir uma
língua, que é a Faculdade da Linguagem.
43
fora de contexto; e os funcionalistas que definem a língua como
instrumento de comunicação e consideram o contexto de uso. A
diferença desses pólos pode ser facilmente exemplificada pelo
quadro de Neves (1994):
44
Ainda sobre as diferenças desses dois polos, Batista e Silva
(2019) trazem algumas dicotomias em relação à gramática formal
e à gramática funcional:
[…] admite uma interação entre forma e função, de modo que as funções
externas atuariam concomitantemente com a organização formal inerente ao
sistema linguístico, influenciando-a em certos pontos, sem
fundamentalmente definir suas categorias básicas. [...] reconhecendo a
inadequação do formalismo, propõem a incorporação da semântica e da
pragmática à análise sintática. (CUNHA, 2011, p. 159)
45
Dessa forma, Halliday (apud NEVES, 1994) estabelece que
todas as línguas seguem duas funções: a (1) ideacional, a linguagem
que compõe a experiência humana dos fenômenos do mundo real;
e a (2) interpessoal, a consideração dos papéis comunicativos entre
falante e ouvinte. Pode-se ainda considerar uma terceira função: a
(3) textual, que é a mensagem em si, mas Halliday não considera
essa terceira função quando a investigação é extrínseca, pois a
linguagem é algo interno. De acordo com Neves (1994),
46
estrangeira e organizar a língua conforme um modelo foram
fatores que levaram à criação da GN. No Brasil, esse processo de
gramatização tem início após a Independência do Brasil, em 1822,
com o intuito de evidenciar as características do Português do
Brasil, diferenciando-as do Português de Portugal. Mais adiante, a
GN vai se tornando oficialmente um conjunto de regras linguísticas
que separam socialmente os falantes da Língua Portuguesa. Então,
aqueles que têm acesso e fazem uso da língua de acordo com suas
regras normativas são considerados superiores àqueles que não
têm esse acesso.
Essa elitização da língua que transforma a norma padrão ou
culta, que é a construção que faz uso das regras da GN, como única
maneira correta de uso, gera discussões. Sobre isso, Petter (2003)
afirma que:
47
equivocado e que apenas a variedade prestigiada é sistemática e
regular. Mesmo assim, a gramática normativa ainda é a maneira
ensinada nas escolas e é a maneira cobrada na escrita, tratando
como errado qualquer outra forma que não se adeque a essas
regras, ainda que seus falantes não as reconheçam.
Para melhor elucidar as principais características apresentadas
das três correntes linguísticas, assim como na Gramática
normativa, apresentamos o quadro:
48
exterior ao
indivíduo.
Característi “Tendência de Gramática Gramática A
cas descrever a Universal: Funcional: a gramática
estrutura todas as língua em normativa
gramatical línguas do uso. Deve-se tem a
das línguas, mundo têm um considerar função de
vendo-as conjunto de os papéis estabelecer
como um regras básicas comunicativ construçõe
sistema (Princípios) e os (falante e s
autônomo, regras ouvinte), as linguísticas
cujas partes se específicas de intenções de certas ou
organizam em cada língua fala e a erradas
uma rede de (Parâmetros). mensagem. baseadas
relações de nas
acordo com normas
leis internas, teóricas de
ou seja, uma
inerentes ao língua.
próprio
sistema”
(MARTELOT
TA, 2011, p.
53).
Visão geral O “O projeto da “Uma “Visa
estruturalism linguística gramática unicament
o compreende gerativa é funcional é ea
que a língua, observar essencialme formular
uma vez comparativame nte uma regras para
formada por nte as línguas gramática distinguir
elementos humanas, com "natural", no as formas
coesos, inter- os seus sentido de corretas
relacionados, milhares de que tudo das
que fenômenos nela pode incorretas;
funcionam a morfofonológic ser é uma
partir de um os, sintáticos, explicado, disciplina
conjunto de semânticos e em última normativa,
regras, sua suntuosa instância, muito
constitui uma complexidade, com afastada
organização, com o objetivo referência a da pura
um sistema, de descrever os como a observação
uma Princípios e os língua é e cujo
49
estrutura. Parâmetros da usada. Seus ponto de
Essa GU que objetivos vista é
organização subjazem à são, forçosame
dos elementos competência realmente, nte
se estrutura linguística dos os usos da estreito”
seguindo leis falantes, para, língua já que (SAUSSUR
internas, ou assim, poder são estes E,
seja, explicar como é que, através 1916/1995,
estabelecidas a Faculdade da das p. 7)
dentro do Linguagem, gerações,
próprio essa parte têm dado
sistema. notável da forma ao
(MARTELOT capacidade sistema”.
TA, 2011, p. mental (NEVES,
114). humana”. 1994, p. 118)
(KENEDY,
2008, p. 140)
Fonte: Elaboração nossa.
Considerações Finais
50
de cada indivíduo, não sendo necessário receber instruções
exteriores para reproduzi-las.
O funcionalismo, baseado nos estudos de Halliday, foca na
parte social e pragmática da língua. Seus referentes se dividiram
em duas vertentes: formalistas, que consideram a língua por si só,
e funcionalistas, que consideram a língua como instrumento de
interação social. Nessa teoria devem ser considerados os contextos
sociais de comunicação: falante, ouvinte e mensagem.
Já a gramática normativa é o conjunto de regras teóricas de
certa língua. Ela dita a forma “correta” de se usar a língua, mesmo
que, na maioria do tempo, ela não seja usada por seus falantes.
Assim, ela é considerada uma forma culta e de prestígio da língua.
É importante entender que não há teoria linguística melhor
que outra, pois cada uma delas tem suas características e objetos de
estudos bem delimitados. Outro fato importante a ser considerado
seria o momento em que seus estudos deram início, marcados pela
necessidade de seu estudo e sua colocação na linha do tempo, pois
uma teoria pode ser continuação de outra teoria ou até mesmo de
uma perspectiva diferente. É interessante saber que esses conceitos
podem nos mostrar diferentes formas de abordar e compreender as
gramáticas das línguas.
Referências
51
CUNHA, A. F. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.)
Manual de linguística. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2011.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando
alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
HALLIDAY, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar.
London: Edward Arnold, 1994.
KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.)
Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 127-140.
LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 49ª
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de Linguística. 2ª ed. São
Paulo: Contexto, 2011.
MIOTO, C; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. O estudo da
gramática. In: _______. Novo manual de sintaxe. 3a. ed.
Florianópolis: Insular, 2007.
NEVES, M. H. M. Uma visão geral da gramática funcional. Alfa,
São Paulo, v. 38, p. 109- 127, 1994.
PAVEAU, M.; SARFATI, G. As grandes teorias linguísticas: da
gramática comparada à pragmática. Trad. de Maria do Rosário
Gregolin, Vanice Oliveira Sargentini, Cleudemar Alves Fernandes.
São Carlos: Claraluz, 2006.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua linguística. In: FIORIN, J.
L. (org). Introdução à linguística – objetos teóricos. 6ª ed., São
Paulo: Contexto, 2010.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN,
J. L. Introdução à Linguística: objetos teóricos. São Paulo:
Contexto, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução:
Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 27ª edição.
São Paulo: Editora Cultrix, [1916] 2006.
SURDI, Marcia Ione. Gramática Normativa: movimentos e
funcionamentos do “diferente” no “mesmo”. Santa Maria, RS. 20
52
CAPÍTULO 3
Introdução
53
O Behaviorismo não permitia a criatividade linguística,
enquanto o Gerativismo se apresentava como um modelo
revolucionário, uma revolução cognitivista, com o propósito de
superá-lo e substituí-lo, revitalizando a concepção racionalista dos
estudos da linguagem em oposição direta à concepção de Skinner
e Bloomfield.
Para explicar sua teoria, Chomsky (1978) concebe a Gramática
Gerativa, que pretende explicar a capacidade inata de um
indivíduo produzir ou poder realizar inúmeras sentenças a partir
de finitas regras que ele reconhece como gramaticais. De modo
sucinto, a essa capacidade inata e intuitiva, o autor a nomeia
Faculdade da Linguagem, e dela advirão muitos termos
consagrados que permeiam seu trabalho, como competência,
inatismo, mentalismo, mecanismo ou dispositivo de aquisição de
linguagem, sistema de hábitos, formalismo universal, gramática
universalizada, evolução biológica, dentre tantos outros que
vieram a ser conhecidos desde então.
Por meio de pesquisas sintáticas da linguagem, o consagrado
autor pretendeu compreender as propriedades comuns e
universais das línguas, através da chamada Gramática Universal
(GU). Um formalismo constituído de regras abstratas, quase que
matemáticas, subjazem ao seu método hipotético-dedutivo.
Após nossa breve explanação do tema, temos como objetivo
principal com o presente ensaio refletir sobre as perspectivas
favoráveis e posições discordantes a respeito dos principais tópicos
relacionados à proposta Gerativa e defendida pelo linguista Noam
Chomsky. Tomamos como objeto para a análise textos
introdutórios que buscam apresentar de maneira didática e
abrangente esses tópicos, e que foram selecionados, considerando
o acesso e a afinidade com o objetivo proposto, além de traduções
de obras seminais do próprio autor.
Assim, faz-se necessário abordar suas teorias mais conhecidas,
como a Gerativo-Transformacional, Gramática Universal,
Princípios e Parâmetros e Programa Minimalista, assim como insta
analisarmos tópicos específicos dentro desses programas,
54
elucidando os aspectos relacionados às teorias supramencionadas
que foram propostas por essa corrente linguística. São elas: a
Faculdade da Linguagem, falante-ideal, inatismo, mentalismo,
recursividade e as seguintes polarizações: competência/
desempenho, estrutura profunda/superficial e gramaticalidade/
agramaticalidade.
Outrossim, veremos não somente como meio século de
gramática gerativa trouxe um assentamento teórico categórico para
a corrente linguística gerativa chomskyana, como também,
suscitou críticas de outros teóricos que serão mencionadas no
presente trabalho.
55
espécie humana, não sendo necessário nenhum estímulo para que
venhamos a desenvolver a linguagem, já que somos dotados de
criatividade neurobiológica.
Com essa proposição, surge a Gramática ou teoria Gerativa,
deixando de observar o sistema, a estrutura, e sim observar frases
possíveis de serem geradas a partir das regras que constituem o
sistema. Concentra-se nesse momento no aspecto mental da
linguagem, por isso o termo mentalismo está vinculado a esse
movimento, sendo um de seus princípios.
Chomsky deixa claro que, a tal capacidade inata e biológica,
ou mesmo o próprio conhecimento que o falante-ouvinte tem de
sua própria língua, dá-se o nome de Competência, e o uso real da
língua em situações concretas, ele nomeia Desempenho ou
Performance. Devemos lembrar que “a disposição inata para a
competência linguística é o que ficou conhecido como faculdade da
linguagem” (KENEDY, 2011, p. 129, grifo do autor).
O mecanismo interno da mente humana também permite que
façamos distinção entre estruturas aceitáveis dentro do sistema
gramatical de nossa língua, portanto são sentenças que podemos
chamar de gramaticais (e.g. o anel é azul; eu comprei um carro).
Consideramos como agramaticais aquelas estruturas que, pela
intuição, sabemos que não se encaixam no padrão aceito pelos falantes
(nativos) da língua (e.g. azul é anel o; carro um comprei eu).
O objeto de estudo do Gerativismo passa a ser a Competência,
que vem posteriormente associar-se equivalentemente à Estrutura
Profunda, sendo essa isenta de alterações por fatores
extralinguísticos, de influências e desvios por fatores subjetivos.
Assim corrobora Chomsky (1976, p. 6, tradução nossa) ao afirmar
que “uma gramática de uma língua pretende ser uma descrição da
competência intrínseca do falante-ouvinte ideal”.1
Depreende-se daí que os gerativistas ignoram o contexto
comunicativo em que se dá o uso linguístico, priorizando os
1No original: Una gramática de una lengua pretende ser una descripción de la
competencia intrínseca del hablante-oyente ideal.
56
estudos gramaticais das estruturas que a capacidade inata,
intuitiva, mental e abstrata do ser humano é formalmente apta a
gerar num contexto ideal e homogêneo. Assim como Saussure
priorizou o sistema e a língua como objeto de estudo, como
conjunto de signos estáticos que repousam em eixos
paradigmáticos, e deixou de lado a fala e seus contextos reais de
uso, Martelotta (2011) afirma que:
57
fundamental entre Estrutura Profunda e Estrutura Superficial, que
serão vistas a seguir.
58
Figura 1: Transformação ativa em passiva
Gramática Universal
59
Universal, doravante GU, que investiga quais são as características
comuns a todas as línguas naturais. Essa gramática universal é
composta por uma base cognitiva, uma base biológica e uma
hipótese inatista, e sustenta a existência de princípios comuns a
todas as línguas naturais.
A base cognitiva trata do que as pessoas sabem sobre as
línguas, ou seja, é a intuição dos falantes de uma língua sobre como
devem ser formadas as sentenças, como produzir e compreender
sua própria língua e como identificar as sentenças que são possíveis
ou não de serem formadas.
Já a base biológica e a hipótese inatista são partes do
pressuposto de que todo ser humano é dotado da faculdade da
linguagem, e as crianças já nascem com uma estrutura linguística
inata dentro do aparelho cognitivo, com um condicionamento
biológico que permite não somente a aquisição de linguagem, mas
também que as línguas mundiais compartilhem de características
comuns, defendendo assim que se possa encontrar um formalismo
universal válido para todas as línguas. Isso é explicado por Souza
(2014, p. 40) ao comentar:
60
línguas naturais, como também as diferenças previsíveis nessas
línguas dentro das regras presentes e disponíveis na GU.
Diante disso, ainda de acordo com Kenedy (2011, p. 135), a
hipótese da gramática universal defende a ideia de que
Princípios e Parâmetros
61
aquisição da linguagem, o que faz com que aprendam a falar
rapidamente, em contato com os dados primários da língua a que
são submetidas. Embora muitas crianças estejam expostas a falas
fragmentadas, por herdarem geneticamente um conhecimento
linguístico prévio, essas são capazes de internalizar as regras da
gramática de uma língua em um curto espaço de tempo devido a
esse dispositivo inato.
Além disso, ainda quanto ao foco que é dado à área da sintaxe,
conforme Kenedy (2011), dentro do gerativismo há um conceito de
Gramática Modular, segundo o qual os componentes da gramática
– morfologia, fonética, léxico, semântica – devem ser estudados de
forma independente entre si, cada um com suas próprias regras,
mas mantendo pontos de ligação entre esses módulos, uma vez que
a sintaxe utiliza-se do léxico para formar as sentenças que precisam
da fonética para serem pronunciadas e da semântica para terem
uma interpretação de seu sentido. O autor representa a relação
entre os módulos a partir do seguinte esquema:
62
Dessa forma, analogamente à matemática, podemos entender
que uma estrutura pode ser recursiva, quando ela é formada a
partir da aplicação de operações que sejam produtos de outra
aplicação da mesma operação. Em outras palavras, esse processo
ocorre ao produzirmos uma sentença simples que se encaixa em
outra maior, exercendo determinada função sintática e esta, por sua
vez, exerce essa mesma função sintática em outra sentença ainda
maior, e assim poderia ser feito sucessivamente.
Guimarães (2017, p. 130) exemplifica o uso da recursividade
na formulação de sentenças com função de objeto direto, da
seguinte forma:
63
recursividade seja uma explicação plausível para a gramática
gerativa, ela não é consensual, uma vez que há quem critique essa
teoria, como veremos mais adiante.
Programa Minimalista
64
Central para o programa minimalista é a noção de uma língua como um
léxico somada a um sistema computacional que juntos geram representações
para expressões linguísticas. Essa noção tem origem em Chomsky (1965),
onde o léxico é analisado como uma entidade separada do sistema de regras
gramaticais, ou seja, um conjunto de regras de estrutura frasal e
transformações. Esta proposta é motivada metodologicamente por permitir
uma simplificação das regras gramaticais, especificamente a eliminação das
regras de estrutura frasal sensível ao contexto do componente regra de
estrutura frasal. (FREIDIN; LASNIK, 2010, p. 2, tradução nossa)2
Análise crítica
65
propostas gerativas e aquelas diretamente relacionadas aos princípios
subjacentes da linguagem depreendidos da proposta gerativa.
Divergências na compreensão teórica parecem evidenciar-se
na inconsistência das diversas definições e escopo da teoria
apresentada pelos textos analisados: corrente de estudos,
abordagem, convergência metodológica, campo disciplinar. Se a
própria natureza complexa dos conceitos justificaria a falta de
clareza nas definições, é mister destacar também, tal como
Maximiliano Guimarães (2017), que a constante leitura
fragmentada do autor, ou de terceiros que o resenham, promove
uma desvalorização e reproduções equivocadas sobre aquilo que
Chomsky postula.
Quanto às críticas que atacam pontos estruturais da teoria
gerativa, conforme vimos anteriormente, teriam sua gênese na
concepção estática, homogênea e idealizada de língua depreendida
da teoria. A análise da língua em uso e da mudança e variação
linguística, como fatores determinantes e norteadores dos ajustes
internos e biológicos e, portanto, definidores da face a ser analisada
do objeto, seria a base da crítica fundamentada pelos empiristas.
Quanto a isso, Chomsky esclarece:
66
principal expoente o linguista Daniel Everett, em seus estudos
sobre o idioma dos índios pirahã, do Amazonas. Segundo ele, esse
seria um idioma que não apresenta recursividade, invalidando a
tese de “universais linguísticos” proposta por Chomsky. O
pesquisador afirma que não é possível formar sentenças
infinitamente longas, com o encaixe de certos elementos em outros
(IDOETA, 2019).
Chomsky, por sua vez, contra-argumenta que há aí uma
compreensão errada dos postulados da GU, uma vez que a não
apresentação de sentenças incorporadas, que demonstrariam
recursividade, não anularia o aspecto genético universal da
gramática proposta por ele.
Atualmente, no entanto, argumenta-se, a partir do trabalho de
Nevins, Pesetsky e Rodrigues (2009), que o equívoco se deve à
interpretação dos dados da língua e não a uma falha na teoria. De
fato, é o que sustentam os autores ao afirmar que:
3 No original: Much of our report concerns claim 1a about embedding, since this
67
pelo próprio Chomsky, o que nos leva às considerações finais das
reflexões propostas até aqui.
Considerações Finais
68
Referências
69
70
CAPÍTULO 4
Introdução
71
também um símbolo, um exemplo, um emblema vivo de uma nova
concepção do pensamento e do filósofo.
Sendo assim, neste modelo, o mestre não transmite um dogma,
uma doutrina ou um sistema, que o aluno tem que tornar seu e
defender, ele atua de tal forma que o aluno seja levado a questionar
todos os valores recebidos e se afirmar num novo caminho.
Esse estudo tem por objetivo geral apresentar as influências do
pensamento foucaultiano nos estudos discursivos. Para isso,
optamos pelo enfoque metodológico de natureza descritivo, cuja
abordagem é qualitativa, uma vez que esse olhar teórico permitirá
uma investigação sobre os modos de constituição da Análise do
Discurso de linha francesa. Como forma de justificar a nossa
filiação metodológica, citamos Charaudeau, que reflete sobre a
definição dos procedimentos de execução da pesquisa a partir da
problemática levantada, no caso deste trabalho – uma problemática
dita representacional e interpretativa:
72
Essa concepção pode ser compreendida pelos movimentos de
reflexão acerca da estrutura institucional, histórica e política dos
discursos. Conforme Júnior (2019), “na arqueologia de Michel
Foucault, a articulação entre Discurso e História parece ganhar
certa autonomia em relação à Linguística e às questões textuais"
(JÚNIOR, 2019, p. 165).
Nesse sentido, é válido destacar que Foucault foi um leitor de
Nietzsche, com isso, pode-se dizer que suas teorias conversavam
com o que ele consumia na época. Sua “fidelidade infiel” a
Nietzsche é uma atitude muito mais nietzscheana do que a atitude
de alguns comentadores que se arvoram em guardiões do texto
sagrado do mestre e se esgotam em inúteis polêmicas.
Para Corrêa (2000), Foucault, a partir dos escritos de Nietzche
propôs, por exemplo, uma análise crítica sobre o sujeito e a
subjetividade. À vista disso, o processo de subjetivação não é como
um retorno ao sujeito, mas como criação de modos de vida, de
novas possibilidades de existência, concepção cuja origem está nos
gregos. Na estética vitalista de Nietzsche, era a afirmação da
vontade de potência como “querer- artista” e em Foucault a dobra
da força sobre si mesma, seu poder de se afetar a si mesma
(RIBEIRO, 2018).
Conforme explicado acima, um exemplo é a análise que
Foucault faz do “poder pastoral”. Nietzsche teria feito uma
psicologia do sacerdote, que trata a comunidade como um
“rebanho” e nela inocula o veneno do ressentimento. Foucault
utiliza o mesmo tema, mas define o poder do pastor sobre o
rebanho como um poder “individualizante”, ou seja, como uma
apropriação pelo sacerdote dos mecanismos de individuação dos
membros do rebanho (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
É assim que Foucault tem com Nietzsche uma relação, ao
mesmo tempo, de aproximação e distanciamento, de identidade e
diferença. Sua recepção criativa, que transforma o que recebe,
distingue em Nietzsche o atual e o inatual, o útil e o desvantajoso
para a formulação de seu próprio pensamento. É que, para
Foucault, o pensador tem que ser utilizado como “caixa de
73
ferramentas” e não como modelo a ser imitado, sem receio de
transformar o que foi recebido (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
Ainda conforme Corrêa (2020), toda a obra de Foucault baseia-
se numa leitura de determinados conceitos nietzscheanos, tais como
genealogia, sentido histórico, vontade de verdade e além-do-
homem, conceitos que permanecem implícitos na construção do
texto foucaultiano e que, por isso, precisam ser explicitados por meio
de um comentário. Com o auxílio desses conceitos, e principalmente
pelo método crítico, que foi primeiro chamado de Arqueologia,
depois de Genealogia, Foucault pretende dar continuidade ao
projeto nietzscheano de uma transvariação dos valores da
necessidade do cuidar de si, que leva à liberdade do sujeito.
Na fronteira entre a filosofia, a historiografia e as ciências
humanas, Foucault é talvez um dos únicos a ter feito um “uso
sério” do pensamento de Nietzsche, ou seja, considerando-o em seu
conteúdo positivo, como um projeto, e não como mera inspiração
literária. Por isso, equivocam-se os comentadores que pretendem
subestimar essa referência maior na trajetória de Foucault,
argumentando que Nietzsche seria apenas um ícone transgressivo,
servindo mais a título de bandeira, ou para conferir um efeito
retórico ao discurso de Foucault, do que na pesquisa efetiva
(AZEREDO, 2014).
Nietzsche desempenharia mais o papel de emblema do que de
fonte teórica para Foucault, pois apesar do empréstimo dos
conceitos de genealogia e vontade de verdade, sua perspectiva de
análise seria fundamentalmente diferente da de Nietzsche.
Ademais, pretenderia realizar uma crítica totalizante da razão,
propondo em seu lugar o retorno ao mito dionisíaco da potência e
da criação e negando a modernidade como projeto, enquanto
Foucault procuraria conciliar a crítica da modernidade com a
proposta de uma nova teoria da subjetividade, calcada na ideia da
autonomia subjetiva (DREYFUS; RABINOW, 2010).
A contradição performativa, na qual ambos teriam
naufragado, consiste em negar implicitamente o que se afirmar
explicitamente. Para entender o que significa a contradição
74
performativa, tome-se a seguinte proposição: “Afirmo (ponho
como verdade) que não existe verdade”. A proposição negaria a si
mesma, pois há um julgamento implícito de verdade; eu não posso
negar toda pretensão à verdade e, ao mesmo tempo, defender que
meu discurso seja verdadeiro (DREYFUS; RABINOW, 2010).
A crítica de Habermas merece uma refutação, pois ela
desfigura e caricaturista tanto o pensamento de Foucault, quanto o
de Nietzsche (CORRÊA, 2020). Ela só é válida se se partir do
princípio de que uma “pretensão à validade universal” é necessária
para o discurso filosófico, pressupondo que sempre haja uma
separação clara entre o verdadeiro e o não-verdadeiro e que o
discurso filosófico seja sempre obrigado a resolver suas
contradições lógicas. Habermas cai, portanto, numa petição de
princípio: pressupõe como dado aquilo que está sendo disputado.
Ele retoma ainda uma vez na história da filosofia o debate Sócrates-
Cálices, a oposição entre o relativismo sofista e o universalismo
platônico, o duelo entre duas concepções de verdade: verdade
como jogo e verdade como exigência normativa (AZEREDO, 2014).
Além disso, Habermas é maniqueísta, ao desqualificar o outro
lado sob a acusação de irracionalismo e niilismo teórico;
defendendo o diálogo, ele se recusa a dialogar, acusando o
pensamento pós-estruturalista francês em bloco de extremismo,
apenas por recorrer ao pensamento de Heidegger e Nietzsche. Sua
postura é arrogante e ele comete vários erros interpretativos, sobre
os quais não poderemos entrar em detalhe aqui. Basta dizer, em
defesa de Foucault, que o seu objetivo é fazer uma crítica imanente
da racionalidade, uma autocrítica da razão pela própria razão,
denunciando os efeitos que a difusão universal da técnica e a
expansão do aparelho estatal sobre a sociedade causaram no
mundo moderno. Projeto que já era o de Kant e que se pode atribuir
também a Nietzsche (GIACOIA JUNIOR, 2013).
Foucault é um dos primeiros pensadores das humanidades a
ter levado a sério o perspectivismo nietzscheano, realizando com
isso uma verdadeira revolução copernicana nas ciências humanas,
que talvez ainda demore em ser completamente assimilada. Ele
75
historiciza todas as categorias que levam à naturalização do
comportamento humano na história. Na análise crítica das
condições históricas da experiência, são rejeitadas abstrações como
a razão e a natureza humana, teorias gerais, utopias políticas, assim
como qualquer recurso a primeiros princípios ou fundamentos
fixos (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
Portanto, procuraremos inutilmente em Foucault por uma
teoria da história, uma teoria do sujeito ou uma teoria do poder.
Apesar de todo o seu trabalho ter o presente como referência,
Foucault simula uma atitude irônica e distanciada com relação à
atualidade, colocando-se no exterior do presente e recusando
justificar suas posturas teóricas ou práticas por intermédio de uma
teoria fechada ou de pretensões normativas universais. Seu
pensamento tem, assim, um forte caráter antimetafísico e
antiontológico, mas jamais antirracional (RIBEIRO, 2018).
A trajetória de Foucault é tradicionalmente dividida em três
períodos distintos (SOUZA; FURLAN, 2018), no primeiro período,
que vai de 1961 a 1970, percebe - se um pensador mais preocupado
com a emergência e a dinâmica dos discursos em contextos
históricos claramente definidos. Para Chaves (2006), “As perguntas
principais são: a) como os discursos surgem e constituem-se em
atos dotados de seriedade? e b) quais são as possibilidades de
emergência de novos discursos; e c) dentro de quais mecanismos
eles operam?” (CHAVES, 2006, p. 67).
A leitura da História da loucura evidencia tanto a preocupação
de Foucault com a construção social do louco dentro de espaços de
internação como a formação de um novo discurso psiquiátrico
dotado de autoridade e – o que para ele é mais caro – seriedade.
Fica claro ao ler História da loucura, que Foucault estava
preocupado em como construir normas sociais para o louco em
espaços de internação, bem como em criar todo um novo discurso
psiquiátrico repleto de autoridade e – talvez o mais importante –
sinceridade. Da mesma forma, o surgimento da clínica demonstra
o interesse do autor pela percepção de uma estrutura da qual
emergem os sujeitos, os objetos da realidade e os discursos como
76
práticas, como aponta na obra de Dreyfus e Rabinow (2010),
identificam uma tendência estruturalista.
Além disso, na obra História da loucura 1961, não é traçada
apenas uma crítica à psiquiatria, mas produz uma reviravolta em
nossa posição, diante de nossos costumes e das maneiras como se
deve viver no mundo. Já nas As palavras e as coisas, há um forte
interesse pelo surgimento de novas formas discursivas, a partir de
novas formas de construção do conhecimento, o mundo de
representação da era clássica está sendo substituído por outro
modelo, o do homem (FOUCAULT, 2016).
Ainda que fosse possível um desdobramento mais
aprofundado dos primeiros trabalhos de Michel Foucault, a leitura
direta dos textos revela a perspectiva teórica articulada pelo autor
em 1969, com a publicação de A arqueologia do saber (FOUCAULT,
2012). Neste livro, que pode ser visto como uma apresentação de
dados metodológicos de análises anteriores, neste livro consagra a
proposta foucaultiana para o trabalho do filósofo e,
principalmente, do historiador. Caberia a Foucault a descrição dos
eventos discursivos como ponto de partida para suas pesquisas das
unidades que neles se criam. Ou seja, o mais importante na tomada
em conta de um objeto não é o seu aspecto “documental”, para
conectar sua representação discursiva aos fatos da realidade e
entender como essa relação se desenvolve. Pelo contrário, Foucault
define os objetos como “monumentos” que devem ser tomados em
conta sem o apelo às coisas. Pretende com isso relacioná-los ao
conjunto de regras que os possibilitaram em determinada formação
discursiva e às circunstâncias de seu surgimento histórico.
As formações são de onde emergem os objetos discursivos, e a
arqueologia seria a melhor maneira segundo Foucault de 1969, de
vascularizar as positividades e nelas para analisar a rede de regras
e relações que eles conferem um valor verdadeiro e sério no
discurso. Ao criar o conceito de enunciado, Foucault restringe-se
quase que exclusivamente ao discurso como seu campo de
investigação. Já se percebe, no entanto, um prenúncio de mudança.
77
O autor exibe, nesta síntese de método, um ponto
necessariamente posterior ao trabalho arqueológico, que é o estudo
das práticas discursivas dentro de um conjunto de práticas não-
discursivas. Para ele, são essas últimas que definem as estratégias
de produção da verdade. Se por um lado existe uma transição, é
também possível observar a constatação de Foucault sobre a
restrição da arqueologia à teoria, o que exigiria uma reforma para
que se compreenda também a prática.
Ainda marcado pela linguagem de influência estruturalista
pela qual foi estigmatizado, há agora uma guinada em andamento
sobre a crítica francesa da época. Seria melhor, no entanto, estipular
como ponto de partida para uma nova fase sua aula inaugural de
02.12.1970 no “Collège de France”, por ele denominada de A ordem
do discurso, segundo Foucault (1996, p. 10):
78
b) restituir a ele o caráter de acontecimentos; e c) suspender a soberania do
significante e retornar às práticas de fora. (CHAVES, 2006, p. 71).
Conclusão
79
Baseando-nos em autores das áreas da Análise do Discurso –
Corrêa (2020) e Azeredo (2014), por exemplo, nos dá oportunidade
de olhar para os escritos de Michel Foucault de uma forma
ampliada, já que podemos entender a ampliação, (re)formulação de
conceitos que são de grande relevância para as investigações
discursivas. Ante o exposto e a partir de pressupostos teóricos que
selecionamos, concluímos que a discussão elencada dá
possibilidade de evidenciar o primado da arqueologia.
Para finalizar, considerando os resultados da presente
pesquisa, acreditamos que seja necessário ampliar, futuramente, a
discussão que iniciamos neste trabalho de conclusão da disciplina
de Teorias Linguísticas. Sendo assim, tomaremos esse trabalho
como ponto de partida, haja vista que essa temática reverbera nas
constituições da própria análise discursiva.
Referências
80
FERREIRINHA, I. M. N.; RAITZ, T. R. As relações de poder em
Michel Foucault: reflexões teóricas. Revista de Administração
Pública, v. 44, p. 367–383, abr. 2010.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso: Aula inaugural no Collège
de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. Edições
Loyola, 1996.
__________. A Arqueologia do Saber. 8a edição ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012.
__________. As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das
Ciências Humanas. 10a ed. São Paulo: Martins Fontes - selo
Martins, 2016.
GIACOIA JUNIOR, O. Sobre Jürgen Habermas e Michel Foucault.
Trans/Form/Ação, v. 36, p. 19–32, 2013.
JÚNIOR, Antônio Fernandes Júnior Fernandes; DRUMMOND,
Carine Caetano. Pensar a análise do discurso “com” Michel
Foucault: a arqueologia como possibilidade. Revista Interfaces, v.
10, n. 3, p. 260-277, 2019.
RIBEIRO, C. Nietzsche. A genealogia, a história: Foucault, a
genealogia, os corpos. Cadernos Nietzsche, v. 39, p. 125–160, 1 ago.
2018.
SOUZA, P. F. DE; FURLAN, R. A questão do sujeito em Foucault.
Psicologia USP, v. 29, p. 325–335, dez. 2018.
81
82
CAPÍTULO 5
Introdução
83
corrente Estruturalista e, por conseguinte, influenciou estudos e
pesquisas do ramo das ciências humanas em geral. Para além da
antropologia, sociologia, filosofia, história e demais áreas das
ciências humanas, a noção de língua e linguagem iluminada pelo
Estruturalismo também achou espaço nos, até então recentes,
estudos psicanalíticos. Com isso, os autores tornaram possível a
abertura do Estruturalismo linguístico para a antropologia, devido
a influência de Roman Jakobson nos estudos de Lévi-Strauss (1957),
sendo que ambos, em certas áreas, como os assuntos de parentesco,
som e sentido, acompanhavam e debatiam seus estudos entre si. O
Estruturalismo, portanto, chega, por meio da influência de Lévi-
Strauss (1957), em Jacques Lacan (1957), cujos trabalhos, agora,
encontram sustentação nos avanços no campo estruturalista feitos
por Lévi Strauss (1957), Roman Jakobson e, é claro, Ferdinand de
Saussure (1916), o qual é apresentado ao médico psicanalista por
meio do célebre Curso de Linguística Geral, em meados da década de
50. (ALTOÉ; MARTINHO; 2012).
Destarte, o que, em primeira instância, tornou-se um
interessante ponto de pesquisa para Lacan veio logo, em seus anos
seguintes, ser incorporado, por meio de uma releitura, ao
aprofundamento que o acadêmico fazia do que Freud tinha
chamado de inconsciente. Em 1953, Lacan dá os primeiros passos
em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, pois enfatiza
a perspectiva da linguagem pelo viés estruturalista proposto por
Saussure (1916). Posteriormente, em 1957, Lacan debate, em seu
texto A instância da letra no inconsciente ou razão desde Freud, os
conceitos saussurianos de língua, fala, signo, significado,
significante, dentre outros, a fim de dar suporte aos estudos
psicanalíticos sobre sujeito, psicose, neurose, afasia e o
inconsciente.
É justamente sobre e nesses encontros e desencontros da teoria
de Saussure (1916) e da releitura lacaniana que este trabalho se
propõe a ocupar, tendo por ponto de partida a importância dos
estudos linguísticos para o desenvolvimento dos estudos
psicanalíticos como o temos hodiernamente. Em vista disso, por
84
um lado, as limitações deste ensaio mostram-se imbricadas à
extensão da natureza deste texto que, em sua brevidade, não é
capaz de comportar um aprofundamento devido em questões tão
complexas que envolvem a releitura lacaniana dos conceitos de
Saussure (1916) em sua totalidade. Por outro lado, a fim de
pleitearmos uma argumentação sobre a incidência da linguística
estrutural na psicanálise, dispusemo-nos em tratar de um corpus
delimitado e de termos específicos de ambas as concepções (ou seja,
lacanianas e saussurianas), para propormos uma discussão
introdutória no que tange à articulação dessas duas teorias.
Assim sendo, temos por escopo relacionar as aproximações e
distanciamentos da significação no Estruturalismo, levando em
consideração o signo linguístico e, a certo ponto, a teoria do valor.
Portanto, selecionamos a obra de Ferdinand de Saussure, Curso de
Linguística Geral (1916), para resgatar esses termos e suas
concepções, e, na psicanálise, buscaremos a releitura de Jacque
Lacan sobre os supracitados na obra A instância da letra no
inconsciente ou a razão desde Freud (1957). Nas próximas páginas,
optamos por organizar a nossa análise em uma abordagem
cronológica dos fatos, portanto, iniciaremos a partir das
contribuições de Saussure (1916) para, em seguida, retomar os
conceitos na releitura de Lacan (1957).
85
métodos de pesquisa para essa nova ciência e fazer um recorte de
seu interesse de estudo. Como aponta o autor:
Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem: é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto
de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos. [...] a linguagem é multiforme e
heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física,
fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao
domínio social. (SAUSSURE, 2006 [1916], p. 17)
86
são conhecidos como significados e referem-se às ideias evocadas
pelo signo, sendo que as imagens acústicas, sob o nome de
significantes, ligam-se aos fonemas que permitem a sua
materialização vocal.
Cabe acrescentar a isso os princípios que compõem o signo,
sendo eles: a arbitrariedade e a linearidade. Ao primeiro, Saussure
(1916) demonstra que não há nenhuma razão específica que una o
significante ao seu significado, resulta, assim, “que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não
tem nenhum laço natural na realidade" (SAUSSURE, 2006 [1916], p.
83). No que tange ao segundo princípio, a fim de ser materializado,
por causa da imagem acústica e sua natureza auditiva, o signo só se
desenvolve em uma dimensão, sendo o fonema pronunciado em
sequência de outro fonema, em uma linha encadeada.
Torna-se pertinente evidenciar que, por se tratar de sistema, a
língua é composta por vários signos, não somente por um. Os
valores desses signos e, portanto, de seus significados, se dão
justamente na relação que os signos estabelecem entre si, o que
instaura a complexidade em que impera certo movimento na
significação dos signos o qual, não, em sua totalidade
arbitrariamente feito. É nesse ponto que Saussure (1916) evoca a
metáfora do tabuleiro de xadrez, a fim de demonstrar o efeito e
relação que os signos travam entre si, segundo o trecho:
87
tabuleiro em um jogo de xadrez justamente pela relação que aquela
peça ocupa mediante às demais, quando tratamos do signo
linguístico percebemos que a sua significação é posta justamente
em contraste no sistema, de maneira que o valor do signo é um
apenas porque já não é outro. Dessa forma, os valores estão ligados
aos conceitos, à significação, e relacionam-se com os demais
conceitos primordialmente pelo diferencial, visto que “sua
característica mais exata é ser o que os outros não são”
(SAUSSURE, 2006[1916], p. 136).
Haja vista esses termos e concepções da linguística
estruturalista, resta ressaltar que, no que tange ao caráter psíquico,
apesar de ter sido mencionado diversas vezes em sua obra,
Saussure (1916) incube à Semiologia e à Psicologia a tarefa de
perscrutá-los. A isso, dizemos que Lacan (1957) pôde ir mais
afundo, pois não se conteve apenas com o que Saussure (1916)
intitulou de fala, mas ressignificou os conceitos de linguagem,
signo, significante e, especialmente, a significação no campo da
psicanálise, como pretendemos discutir a seguir.
1 Freud fundou a Psicanálise que conforme traz em seu texto Dois Verbetes de
Enciclopédia (1922) que se define como um procedimento para investigação de
acesso ao inconsciente, um método de tratamento e uma ciência.
88
a Psicologia do Eu. Nessa elaboração, os preceitos freudianos
fundamentam uma psicologia que seria focada na adaptação do
ego às circunstâncias sociais, o que Lacan compreende que seria
totalmente desvinculada com a proposta de Freud (DARRIBA,
2020). Essa foi uma das críticas em que Lacan se baseia ao tecer o
seu texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953).
Além disso, a oposição lacaniana receberá novas elaborações em
seus primeiros seminários e se fundamentará em uma importante
base da sua construção que será a Ética em Psicanálise.
Para que essa fundamentação fosse possível, Lacan faz a
releitura dos textos de Freud, buscando, a partir do pai da
Psicanálise, esclarecer e elaborar novas significações para que a
Psicanálise se proponha através do seu método bordejar a verdade
do sujeito. Dessa forma, Lacan introduziu o campo da Linguagem
na instância de análise a partir do Estruturalismo. Ao longo do seu
texto A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957),
Lacan utiliza noções apreendidas e reformuladas para a Psicanálise
em torno de Saussure (1916), Lévi Strauss e Jakobson.
89
Lacan faz dos estudos de Saussure (1916), ele fundamenta que na
disciplina linguística a partir do algoritmo:
ௌ
௦
, em que se
compreende significante sobre significado. Lacan menciona em seu
texto que, no Curso de Linguística Geral, Ferdinand Saussure não
grifou dessa forma o algoritmo em suas aulas, todavia Lacan
retorna que: “Eis por que é legítimo lhe rendermos homenagem
ௌ
pela formalização ௦ , em que caracteriza, na diversidade das escolas,
a etapa moderna da linguística" (LACAN, 1957, p. 500).
Para Lacan, o significante (S) e o significado (s) são de ordem
distintas e separadas por uma barra de significação. O signo
linguístico para Saussure, como citado acima, é indissociável,
composto por conceitos (significado) e imagens acústicas
(significantes). Portanto, nota-se que essa unidade do signo
linguístico concebido por Saussure não é remetida por Lacan, mas
configura-se em “ordens distintas”. Outro ponto fundamental dito
por essa divisão é a possibilidade em que significantes estejam
separados de significados, o que promove uma dissociação que
será fundamental na elaboração psicanalítica. Todavia, Lévi-
Strauss também apresentou que há muito mais significantes que
significados, apontando para inadequação dessa indissociação
saussuriana (LÉVI-STRAUSS, 1957).
A dissociação do significante e do significado é apontada pela
ௌ
barra em que Lacan (1957) elabora para ser algoritmo ௦ . A significação
não comporta estar associada ao significante. Dessa forma, a função
do significante será relevada pela sua estrutura na transferência2,
outrossim, ele será composto pela articulação no discurso. Condiz,
portanto, a enunciação sobre a ordem fechada dessa anunciação, uma
concepção importante sobre a cadeia de significante em que a
estrutura constituída entre significante (S) e significante (S) possibilita
a significação. A partir disso, Lacan postula que a relação de
90
significantes permite essa construção: “Donde se pode dizer que é na
cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos
elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse
momento” (LACAN, 1957, p. 506).
Pensando em Saussure (1916), como trouxemos nas páginas
iniciais deste trabalho, alguns princípios são possíveis de serem
notados em Lacan, que constrói seu pensamento a partir da
definição de linearidade proposta pelo linguista, apesar de não o
chamar assim em seu texto. Lacan constata que a forma estrutural
em que o significante se encontra com outro significante constitui a
cadeia de significantes. A diferenciação de Saussure encontra-se,
principalmente, na definição dessa elaboração relacionada aos
signos linguísticos que compõem um sistema de uma única
dimensão em linhas encadeadas. Nessa concepção, é importante
notar a influência da teoria de valor também presente nessa
colocação lacaniana. Outro ponto que Lacan também parece
compor, tendo por base Saussure e o Estruturalismo, é sobre a
arbitrariedade do signo. Haja vista que concebe em seu texto:
91
formulações, sendo essa a construção do inconsciente. Para isso,
retornemos a instância primordial da Psicanálise.
O inconsciente, descoberto por Freud (1922), que funda a
Psicanálise, acontece a partir da escuta, ou seja, da fala de mulheres
que tinham sintomas histéricos. Freud, ao longo do seu percurso,
começa a perceber que nas falas dessas mulheres havia atos falhos,
chistes, esquecimentos. Por meio desses lapsos ou omissões, Freud se
propôs analisar esses indícios como uma instância inconsciente que
constitui os indivíduos. Os sonhos também eram materiais que
contavam também na análise dos seus pacientes, principalmente, na
forma em que se contavam os sonhos durante o processo analítico,
buscando não a significação e simbolização dos elementos, mas a
forma que compunham o discurso (FREUD, 1969 [1922]). Lacan (1957)
apresenta essas elaborações, buscando referenciar, em Freud, a
própria estrutura da fala, de como ela é enunciada, contemplando,
inclusive, suas omissões ou lapsos para propor que a análise da língua
(ou letra) sempre foi fundamento para a Psicanálise, chamando assim,
de instância da cadeia significante.
Portanto, Lacan (1957), no texto em que estamos tratando,
começa a elucidar o aforisma que mais tarde seria contemplado em
vários dos seus seminários: “O inconsciente é estruturado como
linguagem”. Fazendo uma paráfrase sobre a famosa elaboração
saussuriana, o jogo de xadrez (ou jogo de palavras) pode dar o
acesso ao inconsciente, em que há regras não ditas ali, mas que
compõem parte do jogo, imutáveis e persistentes a cada jogada.
Todavia, no tabuleiro lacaniano, propõe-se descobrir o inconsciente
através dos “erros ou lapsos” dos jogadores.
Considerações finais
92
constitui a Ciência-Piloto que marca e introduz uma concepção
revolucionária para as Ciências Humanas. Visto que as aulas
saussurianas elegeram um campo e objeto estudo limitado para a
Linguística, essas possibilitaram que alterações e influências dessa
Ciência se tornassem férteis para influenciar diversos outros
campos que também se servem da Linguagem, como menciona
Saussure em seu Curso de Linguística Geral.
Em uma das primeiras considerações, a separação entre língua
e fala determina que o campo da língua seria o que o linguista se
ocuparia em analisar. A fala seria ato individual em que imprimiria
o pensamento pessoal em sua elaboração, por isso estaria fora do
objeto de estudo da linguística. Servindo-se disso, Lacan (1957)
propõe que a linguagem, e não apenas a fala, mas através dela, é o
fundamento da Psicanálise, pois pela linguagem funda-se o sujeito.
Portanto, a partir das considerações de Freud (1922) e outros vários
pensadores, Lacan (1957) pôde instaurar que o sujeito, submetido
à linguagem, ao usá-la, comporia o ponto fundador social e
instaurador de uma marca subjetiva.
Dentro da perspectiva das elaborações lacanianas, em nosso
ensaio, propusemos retratar como Lacan (1957) utilizou do
Estruturalismo para conceber toda sua obra. Todavia, atentemo-
nos a analisar apenas um dos textos em que ele mais fundamenta
essa influência. Com base nisso, percebemos que o signo linguístico
indissociável, conforme consolidado por Saussure (1916), não é
comportado por Lacan (1957). Este sobrepõe o significante ao
significado, consolidando o significante ao estatuto constituinte do
inconsciente, devido a sua tamanha importância. Outros conceitos
estruturalistas mostram-se engendrados na composição da obra
lacaniana, apesar de não haver citação direta desses conceitos.
Há de deixar claro que a proposta de Lacan (1957) era
constituir uma releitura freudiana em que o estatuto da Psicanálise
servisse para buscar o inconsciente e construir uma clínica
psicanalítica. Todavia, as contribuições da Psicanálise, assim como
as de Saussure (1916), não servem apenas aos psicanalistas e nem
apenas aos linguistas, respectivamente. Ambos os campos circulam
93
na Linguagem, mas ela os escapa, pois compõe “um cavaleiro de
muitos domínios (...) em que não se sabe inferir sua unidade”
(SAUSSURE, 2006 [1916], p. 16).
Referências
94
CAPÍTULO 6
Introdução
95
antes de desempenhar papel importante no estudo da linguagem
em sua relação com a sociedade: a variação social na comunidade
de fala. Em 1966, juntamente com Herzoq, aceitou o desafio de seu
professor Weinreich para a escrita de um ensaio sobre os
fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística.
Na introdução do ensaio, destaca-se a não-harmonização dos fatos
da heterogeneidade com a abordagem estrutural da língua,
propondo o rompimento da identificação de estruturalidade com
homogeneidade.
A partir desse pressuposto, considerar a língua como um fato
heterogêneo, variável, reconhecer que uma mesma coisa pode ser
dita de maneiras diferentes, não significa reconhecer que o
universo da língua falada seja caótico. Há sistematicidade na
variação: “o binômio variação-e-mudança é uma propriedade
constituinte da linguagem” (CAMACHO, 2013, p. 30). As
regularidades encontradas na variação são justamente o principal
foco da área da Sociolinguística, que “busca desvendar o
comportamento de fenômenos variáveis dentro da própria língua
e fora dela, em seu contato com a sociedade” (COELHO et. al., 2015,
p. 8). A língua não é uma estrutura pronta, varia em decorrência de
fatores internos e externos, considerando também a rede de
relações do falante.
Tais comportamentos variáveis são condicionados por fatores
que influenciam ao mesmo tempo os sistemas linguísticos. Mollica
(2020) se refere a esses fatores como variáveis internas e variáveis
externas. As variáveis internas são aqueles fatores de natureza
fonomorfossintáticos, os semânticos, os discursos e os lexicais,
enquanto as variáveis externas são os fatores inerentes ao
indivíduo (como etnia e sexo), os propriamente sociais (como
escolarização, nível de renda, profissão e classe social) e os
contextuais (como grau de formalidade e tensão discursiva).
Dessa forma, corroboramos Calvet (2002): “O objeto de estudo
da linguística não é apenas a língua ou as línguas, mas a
comunidade social em seu aspecto linguístico” (CALVET, 2002, p.
108). Entende-se que toda ciência precisa apresentar a definição de
96
seu objeto de estudo. No entanto, apenas isso não é suficiente para
a realização de estudos investigativos. Faz-se necessário que seja
delimitada a perspectiva de estudo (o recorte), o olhar sobre esse
objeto. No caso da Linguística, o objeto é a língua; mas o
entendimento de que ela, sendo um fato social, reflete as
características socioculturais específicas da comunidade de falantes
nos impele a estudá-la como um fenômeno no qual estão inseridas
as identidades de seus usuários.
Destacam-se, portanto, os desdobramentos dos estudos
sociolinguísticos os quais levam a vertentes como Sociolinguística
Cognitiva, Sociolinguística Paramétrica, Sociolinguística
Interacional, Sociolinguística Educacional, dentre outras
possibilidades, cujos conceitos apresentamos a seguir.
97
comunicativa face a face, apoia-se no pressuposto de que a
interação humana é constitutiva da realidade social, conforme
expõe Bortoni-Ricardo (2017).
Dentre as quatro vertentes mencionadas e conceituadas,
apresentamos nossas discussões acerca da Sociolinguística
Educacional e da Sociolinguística Interacional.
Sociolinguística Educacional
98
professores devem possuir o conhecimento teórico (formação
sociolinguística) para que possam dinamizar sua prática
pedagógica de forma a permitir que o aluno reflita sobre a
legitimidade da variedade linguística que usa, mesmo antes de
frequentar a escola. Isso pode impactar positivamente na possível
solução de outro entrave diante da proposta de trabalho exitoso
conforme os pressupostos da Sociolinguística Educacional. Trata-
se das crenças equivocadas a respeito do próprio trabalho com a
língua portuguesa no espaço escolar em uma situação de
confronto entre linguistas e a própria escola.
Segundo Bortoni-Ricardo (2017) “os linguistas diziam: as
variantes não padrão presentes na língua não são erros, mas, sim,
diferenças, mais produtivas na modalidade oral da língua e em
estilos não monitorados.” O estudo dos linguistas, ao defenderem a
noção de “diferenças” no lugar de “erros” pode ter incomodado
bastante aqueles profissionais e instituições cuja prática pedagógica
primava pelo ensino de língua como ensino de gramática normativa.
Ainda segundo Bortoni-Ricardo, “A escola concluiu erroneamente
que, não sendo essas variantes erros, não deveriam ser corrigidas sob
pena de se criar insegurança linguística nos alunos” (BORTONI-
RICARDO, 2017, p. 158). Ou seja, instaura-se um dilema que, para
ser superado, precisa superar os desafios da escola brasileira, no que
se refere ao ensino da língua portuguesa, os quais estão ligados
principalmente à necessidade de reconhecer a heterogeneidade
linguística, exigindo reflexões no sentido de respeitar tanto essa
heterogeneidade quanto seus falantes.
Nesse sentido, há contribuições documentais que norteiam a
atuação profissional do docente.
Contribuições Documentais
99
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), definida como “um
documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos
devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 7).
Nestes dois documentos, as orientações para o ensino de
língua portuguesa na escola se apresentam de forma convergente
com os pressupostos da Sociolinguística Educacional. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados há seis anos antes
de Bortoni-Ricardo cunhar a denominação Sociolinguística
Educacional, já preconizavam que “A língua portuguesa é uma
unidade composta de muitas variedades” (BRASIL, 1998, p. 81).
Portanto, a heterogeneidade linguística já estava contemplada na
escola, exigindo da comunidade, dessa instituição, uma atitude de
ensino da língua para além da norma padrão, o que pressupunha
desconsiderar a concepção de homogeneidade linguística, além de
acolher e respeitar as diferenças.
Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais propunham que
100
1. Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social,
variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como
meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que
pertencem.4. Compreender o fenômeno da variação linguística,
demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e
rejeitando preconceitos linguísticos (BRASIL, 2017, p.85) (grifos nossos).
101
Sociolinguística Interacional
102
Como objeto de estudo,
103
Preconceito Linguístico
104
e os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a
língua ensinada na escola. (BAGNO, 1999, p. 16) 1 .
105
Figura 1: Diálogo entre funcionário do asilo e cuidadora
106
estabelecimento comercial onde a cuidadora busca uma
oportunidade de se colocar no mercado de trabalho.
Além da situação exemplificada, cotidianamente percebemos
as limitações impostas aos falantes de língua portuguesa no Brasil,
que sofrem preconceito linguístico não somente ao serem
constrangidos ou humilhados, mas também deixam de ter acesso a
informações, como aquelas da área médica, que se tornam
inacessíveis aos que dominam apenas a língua não-padrão, sendo
que os diálogos ali traçados ultrapassam o jargão da profissão e
limitam o acesso a um sistema de saúde de qualidade.
O preconceito linguístico também afasta parte de seus falantes
do acesso ao direito à justiça, uma vez que o vocabulário jurídico é
comumente considerado incompreensível e limitado aos
profissionais da área.
Nessas situações, observamos que o preconceito linguístico
não se restringe a um mero aborrecimento, mas cria obstáculos para
que indivíduos usufruam plenamente de seus direitos, garantidos
legalmente, mas que estes não tomam conhecimento,
principalmente por não dominarem o uso da norma padrão.
Por isso, é necessário que tomemos iniciativas para impedir a
recorrência do preconceito linguístico. Como primeiro passo,
Bagno (1999) cita que é necessária constante reflexão dentro do
contexto escolar, em que seja possível admitir a existência dos
diferentes meios de se utilizar a língua portuguesa, de modo que a
norma padrão não seja considerada a única correta e aceitável.
Para tanto, o mesmo autor sugere que, para combater o
preconceito linguístico, é necessária uma ampla mudança de atitude,
em que
107
paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado
(e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e
intolerantes (BAGNO, 1999, p. 115).
Conclusão
108
influências, que fazem dela um rico instrumento de expressão e
comunicação social entre nós, mas que jamais poderá ser
ferramenta de segregação entre seus falantes.
Referências
109
DUARTE, M. E. Sociolinguística “Paramétrica”. In: MOLLICA, M.
C.; JUNIOR, C. F. (orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma
introdução. São Paulo: Editora Contexto, 2016, p. 33-44.
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Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São
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Sociolinguística, sociolinguísticas: uma introdução. São Paulo:
Editora Contexto, 2016, p. 111-122.
TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1990.
110
CAPÍTULO 7
Introdução
111
apresentado no processo de alfabetização e letramento. Bagno
(1999) aponta que “um professor de português quer formar bons
usuários da língua escrita e falada, e não prováveis candidatos ao
Prêmio Nobel de literatura!” (BAGNO, 1999, p. 60).
Por certo, é deveras importante alçar a compreensão do espaço
sociocultural que as crianças pertencem, tendo como base suas
experiências, valores para articular a metodologia pedagógica do
ensino da língua padrão, possibilitando ao ambiente escolar um
olhar amplo acerca das variações linguísticas trazidas pelas
crianças. Dessa forma, ao considerar o contexto social de cada
criança, mais precisamente o seu primeiro grupo, o familiar, é
necessário que o projeto de alfabetização da escola busque o ensino
da língua em consonância com inúmeras variações e diversidades
linguísticas existentes. A escola, por sua vez, tem o papel de
mediadora da relação entre escola e família, amparando alunos e
professores e exigindo que a aprendizagem e o respeito ocorram.
No contexto desse novo projeto o qual há a inclusão do ensino
da língua com inúmeras variações e diversidades linguísticas
visando ao ensino/aprendizagem mais acolhedor(a) das
diversidades e consciente como pluralidades linguísticas
brasileiras, cabe trazer os conceitos de Faraco (2008) de norma
padrão e norma culta da língua, o que não são sinônimas. Vejamos:
Norma culta “é o conjunto de fenômenos linguísticos que
ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações
mais monitoradas fala e escrita”, “é a expressão viva de certos
segmentos sociais determinadas situações.”. Diferentemente da
norma padrão, que é "um construto sócio histórico, tomada como
referência para estimular um processo de uniformização, (...) e uma
codificação relativamente abstrata” (FARACO, 2008, p. 73, 75).
Segundo Abaurre (1984), a escola não se preocupa, exatamente,
com a conquista em plenitude da língua padrão, mas com uma
forma de comparação de desempenhos. Assim, nesse papel, a
instituição acaba reforçando diferenças sociais ao invés de buscar
uma solução para tais dicotomias. A reflexão não visa abordar a
norma culta, mas tratar sobre as variações existentes. Contudo, é
112
importante apontar o papel e posicionamento de cada sujeito
participante na formação das crianças.
Para que o planejamento de ensino se encaixe às necessidades,
respeite a diversidade linguística, o professor precisa estar em
constante formação. A chamada e “rejeitada” formação continuada
e a capacitação para lapidação de sua prática pedagógica se tornam
mais que necessárias, como apontam Diniz e Ferraz (2015):
113
da estrutura linguística estão implicados na variação sistemática que reflete
tanto a mudança no tempo quanto os processos sociais extralinguísticos.
(LABOV, 1994, p.12)
114
ciclo de compreensão do ensino da língua portuguesa apenas como
gramática normativa.
Bagno (1999) afirma que a variação linguística é característica
de todas as línguas. Sabendo que a língua é falada pelas pessoas de
diferentes espaços e em diferentes contextos, ela nunca será falada
de forma idêntica. Todavia, as escolas cobram, na alfabetização das
crianças, a fala e escrita normativa de forma tradicional, gerando
aversão pelas crianças do ensino que lhes é imposto e preenchido
pela falta de significado.
Esse mesmo autor diz que:
Esta relação complicada entre língua falada e língua escrita precisa ser
profundamente reexaminada no ensino. Durante mais de dois mil anos, os
estudos gramaticais se dedicaram exclusivamente à língua escrita literária,
formal. Foi somente no começo do século XX, como nascimento da ciência
linguística, que a língua falada passou a ser considerada como o verdadeiro
objeto de estudo científico (BAGNO, 1999, p.50).
115
experiências e valores para o ensino da língua, possibilita a
apropriação significativa por parte dele. Bagno (1999) acredita que
enquanto não se entender as especificidades da variação linguística
brasileira ainda haverá contradições no ensino da língua:
116
saúde e à habilitação, ao transporte de boa qualidade, à vida digna
de cidadão merecedor de todo respeito.” (BAGNO, 1999, p. 91)
Assim, abordar-se-á na próxima sessão o preconceito
linguístico, omotivo da sua existência e as suas vertentes negativas.
O preconceito linguístico
117
consideravelmente preconceituosa. Sobre tais considerações, Mário
Perini (1999) pontua que:
118
pelos professores nas séries iniciais da alfabetização, etapa
abordada neste ensaio. Crianças, mesmo que de forma inata, se
apresentam críticas e preconceituosas sobre variações de falas
diferentes das suas, seja por aspectos sociais, regionais, históricos
ou estilísticos. Aspectos estes, que nem ela mesma consegue
compreender e categorizar, mas que por ser diferente do falar que
compreendem como “correto e normal”, já se veem na posição de
criticar e menosprezar.
Sobre isso, Bagno (1999) ainda discorre que:
Considerações finais
119
territorial e fluxo (i)migratório entre estados e suas cidades. Cada
um dos estados brasileiros ou cidades fronteiriças carrega fortes
características de sua comunicação, os chamados dialetos, como
por exemplo: o mineirês, o paulistano, o carioca, o pernambucano.
Vários autores foram apresentados para enriquecer a
compreensão acerca do preconceito linguístico. Fora possível
refletir e perceber que ele ainda existe e é tão deflagrado no
ambiente escolar e fora dele por não serem considerados três
aspectos apontados pelos autores apresentados neste construto: o
primeiro aspecto, para Bagno (1999) o preconceito linguístico existe
e está presente em sala de aula e em diversas outras esferas da
sociedade; o segundo, de acordo com Perini (1999), há uma
aprendizagem língua no uso e não só no ensino formal escolar; o
terceiro, de acordo Labov (1994), que ressalta o contexto social de
utilização da língua.
Dados os três aspectos citados acima, considerá-los e inseri-los
nas reflexões de planejamento do projeto de alfabetização escolar de
maneira a serem articulados com as práticas de ensino da escola
auxiliam no ensino da língua portuguesa em consonância com as
variações e diversidade linguísticas presentes no Brasil. O
aprendizado sem preconceito deve considerar o conhecimento
implícito altamente elaborado da língua que cada criança já possui e
que não foi sistematizado e nem instruído na formalização escolar,
mas que já foi adquirido fora da sala de aula no contexto familiar.
Da perspectiva tanto do surgimento quanto da evolução dos
estudos linguísticos, especialmente da área da sociolinguística
tratada aqui, levar em consideração a língua em relação à sociedade
de maneira descritiva em junção ao seus efeitos de forma de uso
dentro sociedade possibilitará mais reflexões, caminhos de solução
como o reforço de que não existe uma língua no mundo que seja
uniforme e que elas sempre serão passíveis de dicotomias,
diferenças e variações.
O entendimento e a compreensão da variedade linguística se
fazem necessários para se valer de um ensino da língua coerente
com a realidade cotidiana de uso dela mesma, que seja menos
120
temerosa e relacionada ao discurso de ciência esotérica. O papel e
dever principais desse cenário seriam o de inclusão e não exclusão,
ou seja, deve-se incluir e considerar o aprendizado que acontece
fora da escola, no ambiente escolar, já que norma padrão e norma
culta não são sinônimas.
Em vista dos argumentos apresentados, concluímos, assim
como diz Faraco (2008), que a língua é heterogênea construída por
um conjunto de variedades, um conjunto de normas, e “não há,
como muitas vezes imagina o senso comum, a língua, de um lado,
e, de outro, as variedades.” (FARACO, 2008, p.75). Além disso,
incluir no processo de alfabetização as variantes linguísticas do
meio familiar fora da escola, do ambiente formalizador,
contribuem para a tolerância e menos preconceito linguístico visto
que a língua é viva e seus falantes a mantém.
Referências
121
CAPÍTULO 8
Introdução
123
sua entrada no ambiente escolar, além de refletir esse processo no
contexto educacional que envolve e muito o papel do professor.
Segundo Mioto (2007, p. 11), “toda criança adquire (ao menos)
uma língua quando pequena e qualquer criança pode adquirir da
perspectiva da aquisição – bastando para tanto que esteja exposta
a uma dada língua”. Neste sentido, pensando na aquisição da
linguagem de crianças sem nenhum treinamento especial, mas que
elas, nas diferentes fases do desenvolvimento, desenvolvem
sistemas gramaticais equivalentes aos utilizados pela comunidade
em que estão inseridas, então, qual seria o papel da escola e dos
professores para que a aquisição da língua materna ultrapasse os
muros do simples ato de alfabetizar?
Outrossim, sabe-se que as línguas se apresentam sob duas
modalidades principais, a oral e a aquisição da fala, ambas são de
suma importância para o estabelecimento da interação entre os
sujeitos. Logo, os estudos a respeito das relações entre fala e
aquisição da linguagem já datam tempos antigos, contudo, nos
últimos anos, têm ganhado corpo devido ao grande avanço dos
Estudos da Linguagem. Coll et al (1995) apontam que, para
Chomsky, a capacidade de adquirir linguagem é exclusiva dos
seres humanos, por ser uma condição geneticamente determinada,
ou seja, todos os indivíduos aprendem a falar, basta que
desenvolvam suas capacidades inatas.
Montangero e Naville (1998) afirmam que, para Piaget, a
capacidade de linguagem nos indivíduos funciona como um
dispositivo cognitivo, na qual a linguagem é a expressão dessa
condição. Muitas são as pesquisas nesta área, mas o que se acredita
com as investigações realizadas é que, para o sujeito falar,
necessita-se desenvolver os processos cognitivos, que, por sua vez,
permitem desenvolver a capacidade de simbolização.
Desenvolvimento e contextualização
124
atividades como cobrir tracejados, colar bolinhas, papeis picados,
coloração de números e afins. Embora a autora reconheça a
importância das atividades lúdicas e da afetividade nessa etapa da
trajetória educacional da criança, ela defende que a Educação
Infantil é o ponto de partida da criança com o mundo escolar e com
a própria Língua Portuguesa, sendo necessário assumir que os
processos de ensino da língua materna nesse momento são
estratégicos e devem ser orientados a partir do perfil do professor
no âmbito da sala de aula.
Cumpre-se destacar que Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) aponta que o processo de alfabetização infantil pode ser
iniciado no 1º ano do Ensino Fundamental, quando os alunos se
encontram com 6 anos de idade, sendo esperado que a
alfabetização integral dos estudantes esteja finalizada até o 2º ano
do Ensino Fundamental. Contudo, tem-se que no último ano do
ensino infantil (ou até mesmo antes) as crianças podem começar o
contato com as letras do alfabeto, como nas primeiras letras de seu
nome, sendo que nessa etapa os alunos já passam a associar a letra
com o som, a imitar a letra do professor ou reescreverem letras e
palavras em atividades.
Há uma indicação na BNCC sobre o processo de alfabetização
ocorrer nos anos iniciais do Ensino Fundamental na qual, os alunos
chegam nessa etapa escolar sem ter alguns parâmetros
fundamentais sobre a língua materna, nos quais passam a ser
desenvolvidos nesse momento. Guimarães e Corsino (2012)
elaboraram um caderno que apresenta a prática educativa da
língua materna no contexto da Educação Infantil, em que envolvem
a linguagem nas interações humanas para formação e
desenvolvimento da linguagem na criança. Brincadeiras e
desenhos no aprendizado da língua, uso da literatura infantil em
atividades com crianças de até 6 anos, uso de poesias e quadrinhos
para proporcionar o início da alfabetização e do letramento, dentre
inúmeras outras. As autoras também reforçam que tais práticas são
uma questão polêmica no âmbito da Educação Infantil, já que não
há consenso sobre esse momento educacional enquanto oportuno
125
para alfabetizar as crianças e tampouco sobre as possibilidades e
estratégias adotadas pelos professores. Contudo, é necessário
considerar que na Educação Infantil as crianças já fazem uso da
linguagem para se expressarem e terem contato com os elementos
do mundo e de suas vidas:
126
quatro letras que compõem essa palavra (B-O-L-A), permitindo
assim que os mesmos relacionem o símbolo com as palavras e sons
da sua língua materna.
Ora, mesmo diante da indicação da BNCC sobre o início dos
trabalhos de alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental,
há uma série de ações que podem ser realizadas na Educação
Infantil ao facilitar e desenvolver o contato das crianças com a
língua. Em se tratando do ensino da língua no Ensino
Fundamental, Silva (2019) defende que os principais problemas
encontrados nas salas de aula brasileiras estão centrados não na
disposição dos conteúdos, mas na forma de ensinar dos
professores: é fundamental que os professores-alfabetizadores
reconheçam as particularidades dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental para proporcionar aos alunos o contato adequado
com a língua/linguagem.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reconhecem que
o domínio da língua, oral e escrita, é indispensável para a
participação social efetiva das pessoas, já que é por meio dela que
o ser humano se comunica, se informa, se expressa e defende
pontos de vista, partilhando e construindo visões de mundo e
produzindo conhecimentos. É justamente nessa perspectiva que
deve ser significada a Língua Portuguesa nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, cabendo aos docentes a articulação de
estratégias e processos de ensino que proporcionem a alfabetização
ao tempo adequado.
Na percepção de Soares (1985), a abordagem conceitual da
alfabetização por muitas vezes lhe atribui um significado
demasiadamente abrangente, sendo considerada como um processo
que se estende ao longo da vida, não se esgotando na aquisição das
competências da leitura e da escrita. Para a autora, o aprendizado da
língua materna nunca é interrompido, sendo o momento de
alfabetização o mais relevante para determinar o contato da criança
com a Língua Portuguesa, inclusive abrangendo outras perspectivas,
como o letramento. Em outra obra, a autora afirma que
127
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das
atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas
sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos
independentes, mas interdependentes, e indissociáveis. (SOARES, 2004, p. 14)
128
chegarem no Ensino Fundamental. Justamente por isso, no
entendimento de Guimarães e Corsino (2012) sobre a importância
de incorporar atividades desde a Educação Infantil, até os anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Aleixo e Silva (2017, p. 09) defendem que o ensino da língua
materna no Ensino Fundamental “tem recebido influências das
pesquisas em linguística no que se refere o texto como objeto de
ensino”, demandando uma prática pedagógica que supere o foco no
estudo de nomenclatura e classificações gramaticais. Deste modo,
não basta apenas ensinar os alunos a decifrarem os símbolos e a
escreverem de modo mecânico e repetitivo, já que isso não gera um
aprendizado apropriado às concepções educacionais do século XXI.
Ora, da Educação Infantil ao início do Ensino Fundamental,
constata-se o que o icônico Paulo Freire (1989) intitula como um
processo de alfabetização libertadora, levando os alunos a
organizarem reflexivamente seu pensamento, bem como
desenvolvendo uma consciência crítica que não se encerra no
aprendizado da língua materna, mas que se estende a todas as
disciplinas e campos de atuação e reflexão dos seres humanos.
Passando para o Anos Finais do Ensino Fundamental, Brandão
(2021) afirma que os conteúdos devem ser trabalhados a partir das
competências e dos conhecimentos prévios dos alunos, fazendo uso
da literatura infantil, de outros textos e recursos correlacionados à
realidade dos alunos para gerar condições de ensino e
aprendizagem. Para a autora em questão, os professores devem se
aperfeiçoar para permitir que os conteúdos e conhecimentos sejam
apresentados de modo adequado para os alunos do Ensino
Fundamental, o que demanda a formação continuada.
Segundo Teixeira (2021, p. 47) é necessário “repensar as ações
que acontecem nas salas de aulas de Língua Portuguesa, e nesse
embate reconstruí-la para suas futuras práticas”, o professor, nesse
sentido, tanto no contexto da Educação Infantil, quanto do Ensino
Fundamental Anos Iniciais e Finais, deve colocar a si mesmo como
um eterno aprendiz de sua área de atuação, sempre estando atento
às pesquisas e publicações que envolvem o ensino da língua materna
129
como um processo contínuo que acompanha os seres humanos ao
longo de toda a vida. Na visão da autora o professor não deve
enxergar a si mesmo como um profissional ‘pronto’ para tais
atividades, já que novas teorias e perspectivas de ensino surgem a
todo o momento, assim como o docente acaba se aperfeiçoando no
contato com os alunos, gerando contribuições para a formação
letrada dos mesmos, fazendo uso social da língua no mundo
concreto e com o exercício da cidadania que a linguagem permite.
Deste modo, é possível compreender que no período que vai
da Educação Infantil até o final Ensino Fundamental, o professor
irá contar com uma série de desafios para o seu processo de ensino,
devendo o mesmo sempre se posicionar em prol dos objetivos de
aprendizagem dos educandos, atuando como um mediador dos
mesmos e estabelecendo estratégias e recursos didáticos que
podem ser valiosos para a prática pedagógica.
A BNCC promove o entendimento de que ao longo dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, as escolas e professores devem
proporcionar o desenvolvimento progressivo do aluno em relação
à Língua Portuguesa, preparando o aluno para o subsequente
desenvolvimento das atividades e pensamento crítico a fim de que
o estudante consiga ir para os Anos Finais do Ensino Fundamental,
o que é tarefa complexa sobre a demanda cognitiva das atividades
de leitura, devendo passar pelas seguintes articulações:
130
culto, do popular, da cultura de massas, da culta das mídias e de outras
formas e abrangências culturais, permitindo a interação e o trato com o
diferente. (BRASIL, 2018, p. 35)
131
denomina como a perpetuação da exclusão pedagógica, ignorando
as potencialidades dos alunos e até mesmo contribuindo com o
fracasso escolar deles. Em contrapartida, o autor defende que
práticas pedagógicas que valorizam o processo de ensino e
aprendizagem considerando os conhecimentos prévios dos alunos,
tendo como ponto de partida o uso da língua, as produções textuais
que fazem parte da vida cotidiano do aluno e as aprendizagens
construídas nas interações mediadas pelo professor, fortalecem a
valorização das potencialidades dos alunos, inclusive
proporcionando a inclusão educacional de alunos que apresentem
deficiências ou déficits que podem gerar impactos no aprendizado.
Conclusão
132
problematizações e de questões complexas, que reconhecem que
não basta memorizar e compreender como a língua e a linguagem
funcionam, mas que devem priorizar o letramento dos alunos
desde o início do Ensino Fundamental. O presente ensaio crítico
buscou a análise de algumas dentre as principais questões e
problematizações que recaem sobre o ensino da língua materna
desde a educação infantil, momento no qual pode passar a haver
uma interação maior com as letras e palavras, avançando para a
alfabetização e o letramento nos anos iniciais do ensino
fundamental e a apresentação de conteúdos para os anos finais
desse momento educacional. Conclui-se que o currículo e a
proposta pedagógica do professor são fundamentais para o maior
êxito do processo de ensino nesse sentido, contribuindo para o
decorrer da vida social e educacional dos aprendizes.
Referências
133
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linguísticos de des(re)territorialização e a necessidade do devir.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras:
Ensino de Língua e Literatura, Campus de Araguaína, da
Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, 2019.
SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista
Brasileira de Educação, n. 25, jan-abr. 2004.
SOARES, M.B. As muitas facetas da alfabetização. Cad. Pesq., São
Paulo (52): 19-24, fev. 1985.
TEIXEIRA, A. C. S. As implicações da formação na atuação de
professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental II em
Benjamin Constant-AM. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao curso de Licenciatura em Letras – Língua e
Literatura Portuguesa e Língua e Literatura Espanhola, da
Universidade Federal do Amazonas, Benjamin Constant, 2021.
VYGOTSKY, L.S. 1982. Obras Escogidas: problemas de psicologia
geral. Gráficas Rogar. Fuenlabrada. Madrid, 387 p.
135
136
CAPÍTULO 9
Introdução
137
A esse respeito, diz Goulart (2010, p. 439) que “por meio
principalmente de leis, normas e outros dispositivos regulatórios,
muitas vezes simbólicos, estamos todos submetidos a um mundo
que se constituiu com a escrita”. Por esse viés, percebe-se a
necessidade de domínio/conhecimento da leitura e da escrita para
poder compreender o que se passa numa sociedade que se
transforma a todo momento e que é inundada por aportes
eletrônicos, como o iPad e o celular, de tal modo que, a escrita
encontra-se imersa na vida do ser humano em seu contexto
(CHRISTIN, 2006, apud GOULART, 2010).
Olson (1997) discute como a cultura da escrita recebeu uma
supervalorização em detrimento da fala, a partir de pressupostos que
não passam de mitos sobre a escrita. Entre essas suposições estão o
progresso de uma sociedade, a perpetuação da cultura e o
desenvolvimento pessoal. Para o autor, a prática da escrita não está
atrelada a essas questões; o que mantém a cultura e a comunicação
ativa é a oralidade de um povo; a escrita é um meio de controle social.
Em contraposição, Marcushi (2010) defende que a escrita
criticada por Olson (1997) foi associada à escolarização, sendo que
a escrita vai além da alfabetização, fazendo parte do dia a dia das
pessoas independente do seu grau de alfabetização. A escrita tem
o caráter de letramento social, sendo que
138
A escrita é prática de letramento, está presente na vida das
pessoas também fora da escola; mesmo quem não é alfabetizado ou
escolarizado recebe influências da escrita em seu dia a dia em
situações diversas. É na escola que o aluno terá acesso a práticas de
letramento social na aprendizagem da leitura e da escrita como
também irá compreender como a língua funciona e desenvolver
atitudes de valorização de outras manifestações linguísticas ou
perpetuar os preconceitos linguísticos. Essa escolha será resultado
da forma como a linguagem é trabalhada em sala de aula.
A escrita é uma habilidade tecnológica de representação
gráfica adotada por uma comunidade linguística para unificar a
língua em um mesmo sistema facilitando a comunicação. Se a
escrita for considerada a representação da língua oral, ou seja, a
língua autêntica e correta, a escrita servirá de instrumento de
exclusão social.
Devido a variedade linguística, os falantes com maior acesso à
escolarização têm uma oralidade mais aproximada da escrita do
que aqueles que não tiveram tanto acesso à educação formal. Há no
Brasil uma grande desvalorização da variedade linguística e um
preconceito quanto à fala coloquial. Dessa forma surgem
preconceitos linguísticos com a população menos escolarizada e ao
invés de unir, o aprendizado da língua divide ainda mais a
sociedade entre os que sabem usar a língua normativa e os que não
sabem (FARACO, 2008).
A escola é o ambiente onde a escrita atenderá aos objetivos de
se tornar uma ferramenta de perpetuação de desigualdades sociais,
preconceitos linguísticos ou de mudanças sociais. Uma prática
pedagógica que aborda a alfabetização, a reflexão da língua e suas
funcionalidades no contexto social contribui para que a linguagem
funcione como mecanismo de cidadania e transformação social.
Diante disso, surge, então, a seguinte indagação: como a cultura
escrita está sendo trabalhada nas escolas no período da
alfabetização?
139
A cultura da escrita na escola
140
consciente por parte das crianças, possibilitando-as a se tornarem
pessoas críticas que saibam inter-relacionar-se.
Um dos grandes problemas de aquisição do sistema de escrita
se encontra quase que exclusivamente na forma de ensiná-la, seja
ela pelo profissional docente ou como é ofertada pelo material
didático. Com isso é preciso destacar que há necessidade de
mudança tanto na formação dos profissionais que estão no chão da
escola, em contato direto com os alunos, quanto com o material
didático que é ofertado às crianças.
A relação fonema/grafema
141
compreensão de que a escrita não representa a fala e a relação
fonema/grafema.
Trata-se então de um sistema arbitrário onde cada grupo de
falantes faz escolhas da forma de escrita que mudam de acordo com
a cultura de cada um. Para a criança adquirir o conhecimento da
escrita, ela precisa ter compreensão das habilidades grafo-fônicas.
Precisa entender que a escrita não é exatamente a fala, mas a
representação dos sons da fala e essa representação segue
princípios arbitrários (GOURLART, 2010).
De acordo Cagliari (2010), é preciso que a criança perceba a
diferença entre a língua oral e a escrita e compreenda que a escrita
segue regras ortográficas que não se associam diretamente com sua
fala já que a língua oral é bastante diversificada na pronúncia por
fatores sociais, culturais e fonológicos. O alfabeto não atende a
correspondência da fala e escrita, sendo necessário o uso de uma
forma fixa que é a ortografia. Não havendo essa reflexão, a escola
desmotiva o aprendizado do aluno quando não considera suas
habilidades como falante da Língua Portuguesa (CAGLIARI, 2004).
Assim a discussão sobre a ortografia na escola faz se necessária
para que esse processo ocorra de forma eficiente na aprendizagem
do aluno, desenvolvendo nele os aspectos cognitivos, como
também competências para compreender e fazer o uso da
linguagem como meio de convivência e aceitação do outro.
142
alfabetização, surgem no Brasil, a partir de 1980, os estudos da
“Psicogênese da língua e da escrita” de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (SOARES, 2006). Esses estudos trouxeram ao cenário
educacional diversas discussões sobre como ocorre o processo de
aquisição da escrita pela criança e as hipóteses criadas por ela no
avanço entre as etapas de aprendizagem. Soares (2006) ressalta que
essas descobertas pertenciam a área das teorias e não dos novos
métodos de aprendizagem.
Segundo Mendonça e Mendonça (2011), a avaliação das
hipóteses silábicas diagnostica a fase vivida pelo aluno e é capaz de
direcionar as decisões a serem tomadas pelo professor alfabetizador,
a fim de que o aluno avance para outra etapa. No entanto, dentro do
discurso educacional, o que era chamado “erro” foi substituído por
“erro construto” ou hipóteses silábicas e alfabéticas, o que gerou
equívocos em relação ao papel do professor alfabetizador.
Diante dessas descobertas na área da psicologia da aprendizagem,
os estudiosos passam a criticar as cartilhas de alfabetização a ponto
de o Ministério da Educação e Cultura (MEC) retirá-las da escola e
substituí-las pelos cadernos de alfabetização. Porém, isso não
resultou apenas na troca de material didático, mas uma mudança na
concepção de ensino e aprendizagem. Para Soares (2006), houve
confusão entre os estudos psicolinguísticos com métodos de
alfabetização, antes havia um método sem teoria, agora acontece o
inverso. Segundo Cagliari (2010), a troca das cartilhas por outro
material elaborado dentro das incertezas trouxe um grande
retrocesso para a educação, uma vez que, nas cartilhas, a ortografia
era uma das metas principais. Sem essa meta o ensino da língua
escrita sofreu uma grande defasagem.
Em meio a confusões e incertezas acerca de teorias e métodos, a
construção do conhecimento deu espaço à espontaneidade e ao
protagonismo do aluno, eximindo a escola na formação rigorosa do
ensino da escrita, como se o erro fosse aceitável e não apenas
compreensível dentro das hipóteses formuladas pelo aluno. Massini-
Cagliari (2005) ressalta que o papel da escola é refletir sobre os erros,
143
explicar, corrigir quantas vezes forem necessárias até o aluno escrever
ortograficamente, diferenciando a fala e a escrita.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
aprovada em 2018, nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental I, a criança faz as relações fonografêmicas quando
percebe a relação de uma letra com um ou mais sons em
determinados contextos, desenvolvendo a capacidade da leitura e
da escrita em seu estágio inicial.
O processo de alfabetização se complementa com outro
processo chamado ortografização. O sistema ortográfico se divide
em duas etapas: as relações regulares e irregulares. O sistema
irregular depende da memorização e prática da escrita e se
estenderá por toda a vida. Já o sistema regular, que é a
compreensão de regras pelo contexto fonológico da palavra, é
apresentado e desenvolvido do 3º ao 5º ano do Ensino
Fundamental I (BRASIL, 2018).
A funcionalidade da escrita é melhor compreendida pelo que
Massini-Cagliari (2005) chama de “categorização funcional”, que é
a determinação de uma letra pelo seu valor no sistema ortográfico
e não pelo seu aspecto gráfico, seu nome ou o sistema alfabético,
como é ensinado nos materiais didáticos nas escolas. A ortografia
estabelece a relação entre letra e som e essa relação é arbitrária,
foram escolhas realizadas por convenção e não por causas lógicas
dentro do sistema linguístico. Conhecer a forma fixa da escrita das
palavras de uma língua é a forma de aprender a escrita e a leitura,
que é o objetivo principal da aprendizagem da ortografia.
A apropriação do sistema morfológico-gramatical,
responsável pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e
escrita, depende do conhecimento que o aluno construiu das
regularidades da língua escrita. Ela desenvolve aspectos
sociolinguísticos (língua oral e escrita), fonológicos e as relações
fono-ortográficas (BRASIL, 2018). A reflexão sobre o processo de
ensino e aprendizagem da ortografia direciona a formação de um
aluno com mais autonomia e proficiência na escrita e
principalmente na leitura.
144
Escrita e leitura
145
Esse processo é conhecido como consciência fonológica e ocorre
quando o alfabetizando compreende que a estrutura da língua
falada é dividida em palavras, sílabas, letras e fonemas.
Soares (2020) apresenta em sua obra, “Alfaletrar”, como as
crianças escrevem tentando representar os significados ou a ideia
que a palavra representa, por isso usam poucas letras para aquelas
que representam algo pequeno e muitas letras para representar
algo grande. A percepção de que a palavra se relaciona com os
segmentos sonoros ou os significantes surge com o
desenvolvimento da consciência fonológica. A criança passa por
três níveis de consciência fonológica para alcançar o nível da escrita
alfabética, sendo: a consciência lexical, silábica e fonêmica.
A consciência lexical ocorre quando se compreende que a
palavra é uma cadeia de sons e diferencia o significante e o
significado. A consciência silábica ocorre quando a criança percebe
que a palavra pode ser segmentada em sílabas. Já a consciência
fonêmica é a percepção de que as sílabas são constituídas de
pequenos sons: os fonemas. A criança está avançando para a escrita
alfabética quando percebe a relação dos fonemas nas sílabas e que
esses fonemas são representados por letras; esse estágio pode ser
chamado de consciência grafofonêmica (SOARES, 2020).
São as atividades de reflexão das correspondências entre
fonema e letras que levam a criança a perceber a falta de um fonema
e a letra que o corresponda, possibilitando o avanço de um estágio
ao outro. À medida que se apropria da escrita alfabética surge a
necessidade da escrita ortográfica que é dividida em três etapas: as
relações regulares, relações regulares contextuais e relações
irregulares. As relações regulares são as que correspondem um
fonema para cada letra. As relações regulares contextuais
caracterizam-se quando um fonema é representado por mais de
uma letra dependendo da situação como G antes de A, O, U e GU
antes de E, I. As relações irregulares são aquelas em que um mesmo
fonema é representado por vários grafemas como: G e J; S, X e Z; X
e CH, entre outros. (SOARES, 2020).
146
Quando o aluno não compreende o funcionamento desse
processo podem aumentar as dificuldades de aprendizagem da
estrutura da Língua tanto da escrita como também da língua oral
através da aquisição da consciência fonológica e consequentemente
resultará em dificuldades no processo de alfabetização.
A BNCC (BRASIL, 2018) dispõe que o processo de
alfabetização envolve a apropriação do sistema ortográfico, a
compreensão do uso da língua e a formação de habilidades que
usam a linguagem na relação consigo, com o outro e com o mundo.
Dentro da perspectiva da formação individual e social do aluno há
a orientação de diversos estudiosos para que a alfabetização ocorra
dentro de práticas do letramento levando a criança a conhecer a
cultura da escrita fora do ambiente escolar.
Letramento
147
descontextualizada e fragmentada, como pretexto para a
alfabetização. Albuquerque (2007, p. 16) denomina os textos que
estão presentes nas cartilhas tradicionais de “forjados”, no sentido
de que são criados apenas para ensinar as famílias silábicas, sem
circular em nenhum outro contexto da vida real.
Uma sala de aula é composta por alunos que vivenciam as
práticas de leitura e escrita no seu cotidiano e conseguem distinguir
os textos escolares dos textos usados na vida real. Porém, há uma
grande parcela de alunos que só têm acesso à prática de
letramentos na escola, o que torna o espaço escolar o lugar
apropriado na formação de leitores e escritores proficientes
(SOARES, 2006). Apesar de muito discutido no meio acadêmico, o
letramento na alfabetização é ainda um dos grandes desafios dos
educadores. Apenas aprender a ler e escrever os sinais gráficos,
tarefa da qual se ocupa a alfabetização, não é suficiente para formar
leitores e escritores proficientes. Nesse sentido, verifica-se a
importância das práticas de letramento em sala de aula, onde a
compreensão das funções sociais da leitura e da escrita promove a
formação de cidadãos letrados, capazes de interagir e agir sobre a
realidade em que estão inseridos.
Em um ambiente de letramento a leitura, que é objetivo
principal da escrita, estará presente em todo o processo de
alfabetização, uma vez que esse ambiente deve ser permeado de
atividades de leitura. O ambiente escolar é o mais favorável para o
desenvolvimento da leitura e da escrita dentro do contexto que
Marcushi (2010) denomina como letramento social, que são
situações vivenciadas na vida real em que a escrita e a leitura são
essenciais.
Dentro dessa perspectiva, Rojo (1998), Soares (2006), Kleiman
(2005), entre outros, defendem que a escolha dos textos a serem
usados na alfabetização deve diversificar em relação aos gêneros,
trazendo para o contexto escolar as funções e objetivos do uso de
determinado discurso no espaço social. Assim, a diversidade
textual que pode ser usada no processo de alfabetização, se opõe ao
uso demasiado de textos fragmentados ou criados para um
148
trabalho sistemático de reflexão sobre o sistema escrito, que embora
alfabetize, pouco ou quase nada contribuem para o letramento em
sala de aula (ALBUQUERQUE, 2007).
Conforme ressaltam Santos e Albuquerque (2007), todo
trabalho na sala de aula deve proporcionar análise e reflexão da
língua escrita. Porém, essa reflexão deve ser feita com o objetivo de
formar alunos autônomos para ler e escrever com autonomia e
proficiência.
Considerações Finais
149
A alfabetização, quando ocorre em práticas de letramento,
torna o aprendizado da língua escrita permeado de diversas
significações, contribuindo na formação de um aluno leitor, de um
escritor proficiente, de um cidadão que age sobre o meio em que
vive através da linguagem.
Referências
150
MARCUSHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de
Retextualização. Ed. Cortez, 10 ed. São Paulo, 2010.
MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Diante das Letras: A
Escrita na Alfabetização. Campinas-São Paulo, Ed. Mercado de
Letras, 2005.
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Santos, Carmi Ferraz e Mendonça, Márcia. (Orgs). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MENDONÇA, O. S.; MENDONÇA, O. C. Psicogênese da Língua
Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a
alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-
Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de
professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de
Alfabetização). Disponível em: http://acervodigital.unesp.br/
handle/123456789/40138. Acesso em: 30 Jun. 2022.
MONTEIRO, S. M.; SOARES, M. Processos Cognitivos na Leitura
Inicial: relação entre estratégias de reconhecimento de palavras e
alfabetização. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 2, p.449-
466, abr./jun. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/
nn9b37JZD3xhp7kKsWRJjgh/?lang=pt&format=pdf. Último acesso
em 27/06/2022 as 19h23min.
OLSON, D. R. O mundo no papel: as implicações conceituais e
cognitivas da leitura e da escrita. Coleção Múltiplas e Escritas.
Editora ática, 1997.
ROJO, R. Alfabetização e Letramento: Perspectivas Linguísticas
(Org). Campinas-SP, Mercado de Letras, 1998.
SANTOS, C. F; ALBUQUERQUE, E. B. C. Alfabetizar letrando. In:
SANTOS, C.F; MENDONÇA, M (Org.). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
p. 95-109. Disponível em: http://www.serdigital.com.br/gerencia
dor/clientes/ceel/arquivos/22.pdf. Acesso em 09/08/2022.
SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Editora
Contexto, 2006.
151
SOARES, M. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a
escrever. 2ª reimpressão. São Paulo, SP: Contexto, 2020.
VYGOSTKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
152
CAPÍTULO 10
LÍNGUA E LINGUAGEM:
UMA VISÃO ACERCA DO LIVRO DIDÁTICO
153
configura, muitas das vezes, como único recurso do professor em
sala de aula. O ensino tradicional de gramática nas escolas públicas
tem sido, ao longo de décadas, norteado pelo livro didático (LD), o
qual, na maioria das vezes, é utilizado pelos professores como o
único material didático que é disponível para o docente (SOUSA
FILHO, 2009).
Iniciaremos nosso ensaio a partir dos conhecimentos
apresentados na obra “Curso de Linguística Geral”, publicada em
1916, atribuída a Ferdinand de Saussure, por representar grande
importância na compreensão Linguística como uma ciência. Em
diversas obras que tratam da Linguística é comum encontrarmos
referência a Saussure como “o pai da Linguística”, tendo em vista
que sua obra, seus desdobramentos e estudos nele baseados
contribuíram para que a Linguística fosse reconhecida como
ciência, tendo a língua como como objeto de estudo.
A teoria de Saussure apresenta definições para diversos
conceitos fundamentais na Linguística Moderna, para este trabalho
apresentaremos os conceitos de Língua e Linguagem apresentados
por Saussure. O motivo de estudarmos especificamente esses dois
conceitos é justamente por o livro didático escolhido tratar do ensino
e aprendizagem da Língua Portuguesa e por apresentar sua
organização enfatizando a linguagem. Somado ao fato de muitas
pessoas ainda considerarem a língua e linaguagem como sinônimos.
A linguagem é inseparável do homem como enfatizado por
Hjelmslev ([1943] 2013), ela possibilita a expressão de seus
pensamentos, sentimentos, sua vontade e seus atos. Por meio da
linguagem, o homem interage, influencia, é influenciado,
compreende, é compreendido, age, planeja, trata com o concreto e
com o abstrato. Saussure (2006, p. 17) defende que a linguagem é “ao
mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence, além disso, ao
domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em
nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir
sua unidade”. Na linguagem, cabe o uno e o diverso:
154
O desenvolvimento da linguagem está tão inextricavelmente ligado ao da
personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da humanidade,
da própria vida, que é possível indagar-se se ela não passa de um
simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte de
desenvolvimento dessascoisas. (HJELMSLEV, ([1943] 2013), p. 1-2)
155
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato
das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Por meio da linguagem, o indivíduo interage com seus
semelhantes e na interação se comunica, se expressa ao mesmo
tempo em que se torna interlocutor. Sendo assim, Bakhtin (2006)
considera a linguagem como essencialmente social, ideológica e
dialógica, como um fato social repleto de posicionamentos,
fundamentada no fenômeno da interação.
A língua constitui, portanto, uma parte essencial da
linguagem, sendo reconhecida como produto social da linguagem,
estruturada a partir de convenções sociais necessárias de modo a
estar acessível a todos para que dela façam uso. Conforme Saussure
(2006, p. 17) “a linguagem é multiforme e heteróclita; [...] ela
pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não
se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois
não se sabe como inferir sua unidade”.
Saussure (2006) esclarece que a língua existe na
coletividade, ou seja, comum a todos e existe independente da
vontade dessa coletividade. Já a fala, segundo o mesmo autor é “a
soma do que as pessoas dizem, e compreende: a) combinações
individuais [...], b) atos de fonação igualmente voluntários [...]”
(SAUSSURE, 2006, p. 27-28). Para o autor, a língua é um sistema de
signos, sendo o signo uma associação entre o significante (imagem
acústica) e significado (conceito). Saussure (2006) defende que a
imagem acústica não se confunde com o som, pois ela é, como o
conceito, psíquica e não física, da imagem que fazemos do som em
nosso cérebro.
A língua é apresentada nos estudos de Saussure (2006) enquanto
um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos da
linguagem, associando uma imagem auditiva a um conceito. É a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo, e que este por si só, não
pode nem a criar nem a modificar; ela não existe mediante uma
espécie de contrato com a coletividade/comunidade. Para tal, o
indivíduo necessita aprendê-la para se apropriar do seu
funcionamento. De acordo com Saussure (2006, p. 22), a língua é um
156
sistema distinto uma vez que “um homem privado do uso da fala
conserva a língua, contanto que compreenda os signos vocais que
ouve”.
Para esse autor, a língua
157
língua, isto é, o uso da língua no empirismo juntamente com o
protagonismo dos estudantes.
No entanto, conforme considera Faraco (2009, p. 131), são
muitas as pessoas que, mesmo dominando muito bem a língua,
sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação
verbal. Assim, os estudantes podem estar inseridos em
determinada organização pedagógica e metodológica em que o uso
da linguagem não lhe seja favorável, não por falta de domínio da
língua, mas por falta de conhecimento da funcionalidade da língua
social e da sua posição de protagonista e até mesmo pelo
empobrecimento das possibilidades e estratégias interacionais e
comunicacionais. É preciso compreender a concepção de língua e
linguagem por trás do Livro Didático, o lugar social da linguagem
neste espaço/recurso/ferramenta de ensino e aprendizado.
Segundo Marcushi (1997, p. 2), “a pouca atenção dada aos
manuais didáticos à língua falada é reflexo da posição teórica
linguística até anos recentes”, ou seja, não havia por parte dos
linguistas uma preocupação com a fala autêntica mas com a fala
idealizada preocupando-se com a descrição de estruturas e
formas a partir das noções teóricas. Diante disso identifica-se que
os manuais didáticos têm evidenciado mais inovações
tecnológicas (de efeito visual) que as inovações teóricas, não dando
a devida atenção à língua falada.
Ainda, segundo o mesmo autor, a abordagem da fala é de
suma importância uma vez que permite entrar em questões
geralmente evitadas no estudo da língua, tais como as de variação
e mudança, como as noções de: "norma", "padrão", "dialeto",
"variante", "sotaque", "registro", "estilo", “gíria” ; noções estas que
podem tornar-se centrais no ensino de língua e ajudar a formar a
consciência de que a língua não é homogênea, nem monolítica.
Neste sentido, a preocupação com a língua falada é premente,
visto que, de em tempos em tempos, precisamos rever vários aspectos
imbricados nas ideologias linguísticas, inclusive a ideia que foi tão
fortemente defendida de um “sotaque” neutro e por que essas formas
foram prestigiadas e respeitadas em um país com tanta diversidade
158
linguística como no Brasil e que nos fazem refletir constantemente de
como as variantes foram sendo determinadas e julgadas melhores que
as outras, sendo incluídas ou não.
Primeiramente, selecionamos um exemplar que está em uso no
ano de 2022 em todas as escolas estaduais mineiras, tendo em vista
a importância do livro didático na sala de aula como ressaltado
anteriormente. Dessa forma, analisamos como são expostos e
desenvolvidos os conceitos com os estudantes.
No livro didático em vigor que tem como título “Se liga nas
linguagens – Português” (Figura 1), encontramos um capítulo já
intitulado com os conceitos discutidos: “Capítulo 16 – Linguagem e
língua”, esse inicia o eixo de análise linguística e semiótica da obra,
já que anteriormente eram expostos apenas conteúdos de
literatura. Ao iniciar o capítulo, não há a presença de nenhuma
definição e conceituação, apenas exercícios sobre espaço e espaço
visual (vide anexo).
159
Em seguida, na próxima página encontramos o primeiro
exposto:
160
professor, que compõe um capítulo inicial do livro, buscando esses
conceitos. Também, não encontramos direcionamentos ao
professor nessas atividades, mas identificamos uma orientação que
nos dá mais detalhes da concepção de língua adotada:
Referências
161
HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem
[1943]. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Concepção de língua falada nos
manuais de português de 1º e 2º graus: uma visão crítica.
Trabalhos em linguística aplicada, v. 30, 1997.
ORMUNDO, W.; SINISCALCHI, C.Se liga nas linguagens:
português - manual do professor. 1. ed. São Paulo : Moderna, 2020.
PETTER, MARGARIDA. Linguagem, língua linguística. In:
FIORIN, J. L. (org). Introdução à linguística – objetos teóricos. 6ª
ed., São Paulo: Contexto, 2010.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral, São Paulo,
Cultrix 1, 2006.
SOUSA FILHO, S. M. Relações entre Literatura, Linguística e
Ensino de Português. In: CAMARGO, F. P. e FRANCA, V. G.
(Org.). Estudos sobre Literatura e Linguística - Pesquisa e
Ensino. 1ed.São Carlos: Claraluz, v. 1, p. 149-162, 2009.
162
Anexo único
163
164
CAPÍTULO 11
Introdução
165
Sabemos que a relação entre as duas línguas é muito importante
para o surdo, tanto a L1 que é sua identidade linguística e que
viabiliza a compreensão melhor da L2, possibilitando ao surdo
uma interação social e competências e habilidades letradas nas
esferas sociais, como conseguir realizar a leitura da rota de
determinado ônibus, conseguir interagir por meio das redes
sociais, conseguir compreender as placas de trânsito, de
estabelecimentos comerciais e etc.
Funcionalismo
166
A linguagem, logo, é concebida como um instrumento de
interação social, tendo um interesse de investigação linguística que
vai além da estrutura gramatical, pois busca no contexto discursivo
a motivação para os fatos da língua e “ao lado da descrição sintática
cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as
estruturas lingüísticas e seus contextos específicos de uso”
(CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 29).
O Funcionalismo é tido como uma evolução nos estudos da
linguagem, pois começou, com ele, a evidenciar os aspectos além
da estrutura e do funcionamento interno da língua.
À vista disso, o falante é influenciado pelo meio a respeito das
estruturas gramaticais, tendo em vista que, nessa conjuntura, ele é
dotado de intenções para alcançar a interação, assim as diferentes
situações comunicativas o ajudam a determinar a estrutura da
gramática.
Com base nessa visão, a aquisição de línguas do sujeito surdo
é envolvida nesse estado de interações que determinará o
desenvolvimento da sua língua, da sua comunicação, por isso a
necessidade de que ele esteja mergulhado nas diversas interações
comunicativas.
É importante destacar também que, para os funcionalistas, a
linguagem é adquirida pela criança no contexto social e é determinada
pelas necessidades comunicativas e pelas habilidades de interação em
sociedade (DILLINGER, 1991; GIVÓN, 1979; HALLIDAY, 1994).
Segundo Halliday (1994), a criança, primeiramente, aprende a se
comunicar através de gestos e sons para funções que se focam no
controle do comportamento dos outros e para a satisfação de
necessidades físicas. A criança, ainda segundo o mesmo autor,
desenvolve o que ele intitula de protolíngua, linguagem
caracteristicamente infantil, para, futuramente, utilizar palavras
convencionais durante a interação. De modo gradual, por meio das
interações e contextos, a criança desenvolve a gramática pelas
próprias imposições sociais de uso da língua.
167
Língua
Aquisição da linguagem
168
consistente em um período considerado normal oferece uma base
linguística consolidada para a aquisição de uma segunda língua,
assim como observado em outros contextos bilíngues”.
Lyons (1987, p. 231) escreve que a aquisição da linguagem é
“normalmente usada sem ressalvas para o processo que resulta no
conhecimento da língua nativa (ou línguas nativas)”. Nesse caso,
tem-se um processo pelo qual a criança aprende sua língua
materna, língua portuguesa ou língua de sinais.
Sobre os processos de aquisição, os autores mencionados
acima, citam a importância do input linguístico e que ele seja
acessível para todas crianças (ouvintes e surdas) e que o input é
quando a criança recebe por meio do seu ambiente a informação,
experiência para comunicação.
Em consonância com esse pensamento, a aquisição da
linguagem se dá
169
Após alguns meses, eles selecionam os sons devido sua maior
repetição em seu ambiente. No caso de bebês surdo da família
surda, a pesquisa aborda duas formas de balbucio manual: o
silábico e a gesticulação;
b) Estágio de uma palavra/sinal: são as crianças na faixa de 12
meses a 2 anos de idade que iniciam com as primeiras
palavras/primeiros sinais. Os bebês surdos balbuciam através das
suas mãos. A criança utiliza uma linguagem não verbal para
chamar a atenção para necessidades pessoais e para expressar suas
reações. Ela já começa a imitar sinais produzidos pelo outro e
apresenta configurações de mãos e movimentos imperfeitos;
c) Estágio das primeiras combinações: esse estágio encaixa-se
dos 2 a 3 anos de idade, as crianças tentam ordenar palavras/sinais. A
criança surda produz sinais isolados para falar sobre as coisas e ações
ao redor dela. Ela faz uso da linguagem para chamar a atenção das
pessoas, para reclamar de coisas, fazer pedidos. Ela lança mão de
apontar, olhar, tocar, para identificar as coisas sobre as quais está
falando. De acordo com Quados (1997), apoiado nos estudos de
Fischer (1973) e Hoffmeister (1978), a ordem da frase em língua de
sinais mais utilizada é sujeito-verbo-objeto (SVO); a partir desse
estágio, a criança começa a ordenar palavras para estabelecer relações
gramaticais. No caso da criança surda, ela já começa a sinalizar
sentenças como: EU-QUERER, QUERER-COMIDA. O falante, nesse
estágio, está adquirindo a sua língua de forma natural e espontânea
suas regras sem ter consciência desse processo.
d) Estágio das múltiplas combinações: o quarto e último
estágio compreende a idade de 3 anos em diante, no qual a criança
surda começa a produzir vários sinais, também conhecido como
explosão de vocabulários. Ela já pode identificar coisas em figuras
ou em livros, pode descrever pessoas e objetos por meio de suas
características. Fala sobre onde estão as coisas, onde as pessoas
estão indo e sobre quem vem a ela. Usa frases curtas e sentenças.
Fala sobre as coisas do seu ambiente imediato, sobre o que está
fazendo ou planeja fazer.
170
Dessa maneira, é importante destacar que os estágios
precisam ser bem trabalhados com a criança surda. Quadros e
Cruz (2011, p. 34) afirmam que “a aquisição da primeira língua de
forma consistente em um período considerado normal oferece
uma base linguística consolidada para a aquisição de uma
segunda língua, assim como observado em outros contextos
bilíngues". Complementando esse pensamento, Silva (2015)
assevera existirem evidências de que a situação majoritária ou
minoritária da língua materna da criança, a valorização dessa
língua na comunidade e sua utilização como ferramenta para os
processos de alfabetização afetam os resultados linguísticos e
cognitivos da criança. Com isso, a experiência e o contexto
linguístico da criança surda se associam diretamente ao fator
idade, citados nos estágios acima, de aquisição.
171
geográficas, sociais e de registros (formal e informal), além das
diferenças entre as modalidades oral e escrita.
172
momentos de repetição, tornando o aprendizado ainda mais
dificultoso.
O surdo, ao iniciar a aquisição da sua segunda língua,
apresenta, em seu texto, a presença da interlíngua, em que utilizam
a sua língua materna como base no aprendizado da língua alvo.
Isto significa que, em um texto escrito por uma pessoa surda em
processo de desenvolvimento linguístico, há a tendência de ser
escrito sem a presença de artigos, conjugações verbais e contendo
as principais características da Libras. À medida em que o aprendiz
se desenvolve linguisticamente na língua alvo, a interlíngua tende
a desaparecer.
173
Sabe-se que para adquirir uma língua é necessário constante
contato com ela e não é diferente com a língua portuguesa na
modalidade escrita. Para que o surdo se desenvolva
linguísticamente, é necessário que ele esteja em constante contato
com a língua alvo, através da diversificação de textos, percebendo
o uso social e real que a língua portuguesa apresenta. Assim, o
constante contato com a língua de forma social possibilita ao surdo
o desenvolvimento linguístico que necessita para tornar-se um
indivíduo bilíngue, como previsto na legislação do país.
Conclusão
174
Portanto, precisamos, como educadores, ser críticos e atentos
a cada etapa do processo de aquisição da linguagem do aluno
surdo. Ele necessita ter contato com a sua língua materna,
(re)conhecendo os aspectos linguísticos dela. Entretanto, e não
menos importante, deve ser levado em consideração a influência
da Libras nas produções escritas do surdo, sendo necessário
diferentes critérios para avaliar a sua escrita, sem que se ignore
singularidades linguísticas que ele possui.
Referências
175
LYONS, J. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de
Janeiro: LTC, 1987.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
OCHIUTO, Eliane Francisca Alves da Silva; CONSTÂNCIO,
Rosana de Fátima Janes. A aquisição da Libras como L1 e da
Língua Portuguesa como L2 para surdos: Uma visão
Funcionalista. in: Polofonia. v. 25, 2018.
PINKER, S. O instinto da linguagem: como a mente cria a
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
QUADROS, Ronice de Muller. Educação de surdos: a aquisição da
linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
QUADROS, R. M; FINGER, I. Teorias de Aquisição da Linguagem.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
QUADROS, R. M; CRUZ, C. R. Língua de sinais: instrumentos de
avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2011.
ROSA, A. da S. TREVIZANUTTO, L. C. Letramento e surdez: a
língua de sinais como mediadora na compreensão da notícia
escrita. In: Educação Temática Digital.c ampinas, v.3, n.2, p.1-10,
jun. 2002.
SALIÉS, T. G. Ensino-aprendizagem de PL2 na Comunidade Surda
à luz de estudos em aquisição de L2. In: Anais Eletrônicos do IX
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada. 2011, p. 1–19.
Disponível em: <https://alab.org.br/wp-content/uploads/2012/04/
21_04.pdf>. Acesso em 29 de junho de 2022.
SALLES, H. M. M. L. et. al. Ensino de língua portuguesa para surdos:
caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2004.
SILVA, S. G. L. Consequências da Aquisição Tardia da Língua
Brasileira de Sinais na Compreensão Leitora da Língua Portuguesa,
como Segunda Língua, em Sujeitos Surdos. In: Revista Brasileira de
Educação Especial. Marília, v. 21, n. 2, p. 275-288, Abr.-Jun., 2015.
176
SOBRE OS AUTORES
177
Mais Positivo e Objetivo. Mestranda em Linguística pelo Programa de
Pós-Graduação de Estudos Linguísticos (PPGEL), participante do
grupo de pesquisa PETALA (Pesquisas transdisciplinares e
Acadêmicas em Linguística Aplicada). Além disso, investiga a
formação de professores atrelada às tecnologias digitais.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/7284469050746983
178
Centro Universitário de Patos de Minas(UNIPAM) e em Pedagogia
também pela FCC. Interessa-se pelo estudo da formação de
professores através da pesquisa narrativa e desenvolve pesquisa
sobre a sua própria prática como professora em uma escola de
campo. Atualmente é professora na rede pública e privada de
ensino com a disciplina de Inglês, e participante do Grupo de
Pesquisa Narrativa e Educação de Professores (GPNEP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3730301884821763
179
letramento. Trabalha atualmente como educadora infantil na Rede
Municipal de Uberlândia, e participa atualmente do Grupo de
Pesquisa em Cognição, Afetividade e Letramento Crítico (GPCAL).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3862746348050880
180
Linguística - do IELACHS da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro - UFTM desde 2013 da área de Libras e Linguística da
Libras. Coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa e
Linguística - DLLP no período de 07/2019 a 11/2021. Coordenadora
do Laboratório de Libras - LabLibras desde 2019. É membro do
Grupo de Pesquisa e Estudos Aplicados em Educação de Surdos e
Tecnologia (GEPESTec), diretório do CNPq. Desde agosto de 2020
atua como membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Acessibilidade, Corpo e Cultura (GEPACC) em linha de pesquisa
"Estudos sobre acessibilidade, corpo e cultura com Surdos".
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8872056936905402
181
deficiência no campo da educação, integra o grupo de pesquisa
Diversidade em Âmbito social (DIVAS/UEG) e o Laboratório de
Estudos Discursivos Foucaultianos (LEDIF/UFU).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8423435679149591
182
Larissa Maciel Gonçalves Silva é doutoranda em Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em
Educação pela mesma universidade. Professora na rede municipal
de ensino de Uberlândia, coordenadora da Educação Especial na
mesma rede, docente nos cursos de licenciatura na Uniube.
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Os interesses de pesquisa envolvem estudos sobre a inclusão
escolar, acessibilidade e currículo. Membro do Grupo de Pesquisa
Narrativa e Educação de Professores. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
8646351076971292
183
Lorraine Caroline Nicomedes possui graduação em Pedagogia
pela Universidade Federal de Uberlândia (2017). Especializada em
Docência do Ensino Superior pela Faculdade Pitágoras- Londrina
(2020). Especializada em Psicopedagogia pela Faculdade Pitágoras-
Londrina (2021). Experiência com educação inclusiva, estimulação
pedagógica, alfabetização e letramento. Atualmente, como bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
(CAPES) é mestranda em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação de Estudos Linguísticos (PPGEL). Pesquisa imposições
de gênero nas infâncias, como também participa de dois grupos de
pesquisa: Estudos Discursivos na Perspectiva Queer (EDQueer -
UFU) e O sexo da Palavra (UFU).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6134553190222915
184
Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira possui graduação em
Letras/Português pela Unicerrado - centro universitário de Goiatuba
(2017). Pós-Graduação em "LÍNGUA PORTUGUESA E DOCÊNCIA
DO ENSINO SUPERIOR", Mestrando na UFU, em Análise do
Discurso. Atualmente sou professor - Colégio Estadual Da Polícia
Militar De Goiás De Caldas Novas - CEPMG - Nivo Das Neves.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0611079597028001
185
Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal de
Goiás; Certificada pelo Exame Nacional de Proficiência no uso e
ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, MEC/UFSC;
Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de
Goiás - ESEFFEGO e em Pedagogia pela Universidade de Uberaba/
UNIUBE - MG; Vem desenvolvendo pesquisas no ensino de Libras,
formação de professores e confecção de material pedagógico
através do reaproveitamento do lixo; Pesquisadora do Grupo de
Pesquisas em Estudos da Linguagem, Libras, Educação Especial e
a Distância e Tecnologias - GPELEDT e Grupo de Pesquisa
Narrativa e Educação de Professores - GPNEP; Professora da
Faculdade de Educação - FACED - UFU.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3654886297598477
186
Nauali Martins Alves é mestranda do Programa de Pós-
graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Pós-graduada em Direito Processual Civil e
Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (2016). Possui graduação em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia (2014) e graduação em Letras
Português/Inglês e suas respectivas Literaturas pela Universidade
Federal de Uberlândia (2008). Seu interesse está relacionado à
teoria, descrição e análise linguística, com o estudo e pesquisa do
vocabulário utilizado em decisões e sentenças judiciais e no seu
uso como instrumento de acesso à justiça. Tem experiência na área
de Direito Previdenciário. Advogada.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5676014731840325
187
inclusão do aluno surdo, focando, principalmente, no ensino de
língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua
para surdos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8904399967132125
188