Ebook Teorias Linguisticas

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 190

Teorias Linguísticas:

tecendo reflexões sobre os estudos da linguagem


2
Leandro de Amaro Rodrigues
Lucelia Cristina Brant Mariz Sá
Maíra Sueco Maegava Córdula
Talita Aparecida da Guarda Alves
(Organizadores)

Teorias Linguísticas:
tecendo reflexões sobre os estudos da linguagem

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida
ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores.

Leandro de Amaro Rodrigues; Lucelia Cristina Brant Mariz Sá; Maíra Sueco
Maegava Córdula; Talita Aparecida da Guarda Alves [Orgs.]

Teorias Linguísticas: tecendo reflexões sobre os estudos da linguagem. São


Carlos: Pedro & João Editores, 2022. 188p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-265-0248-8 [Digital]

DOI: 10.51795/9786526502488

1. Teorias Linguísticas. 2. Reflexões. 3. Estudos da linguagem. 4. Linguística. I.


Título.

CDD – 410

Capa: Petricor Design


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio Márcio
Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade
Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana Cláudia
Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/Brasil); José
Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello (UFF/Brasil); Camila Caracelli
Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares Zuin (USP/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2022

4
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
UMA INCURSÃO NO DOMÍNIO DAS TEORIAS
DA LINGUAGEM
Leandro de Amaro Rodrigues
Lucelia Cristina Brant Mariz Sá
Maíra Sueco Maegava Córdula
Talita Aparecida da Guarda Alves
.
CAPÍTULO 1 23
A CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DOS
FUNDAMENTOS SOBRE TEORIAS
LINGUÍSTICAS MODERNAS: UMA PROPOSTA
DE ENSINO NO FORMATO VIRTUAL
Maíra Sueco Maegava Córdula
.
CAPÍTULO 2 35
TEORIAS LINGUÍSTICAS: UMA ABORDAGEM
SOBRE A GRAMÁTICA
Maíra Cristina Passos Ferreira
Talita Aparecida da Guarda Alves
.
CAPÍTULO 3 53
CONSTRUINDO AS BASES TEÓRICAS
CHOMSKYANAS SOB UM VIÉS CRÍTICO
Edgar Correa Veras
Ellen Lopes de Paula von Glehn
Lucas Amâncio Mateus
.
.
.

5
CAPÍTULO 4 71
AS BASES QUE SUSTENTAM A ANÁLISE DO
DISCURSO FOUCAULTIANA
Kennedy José de Oliveira Júnior
Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira
.
CAPÍTULO 5 83
A LINGUÍSTICA ESTRUTURALISTA E A
PSICANÁLISE: RESSIGNIFICAÇÕES DE LACAN
DO ESTRUTURALISMO DE SAUSSURE
Carolina Antonia Goulart de Paula
Lara Cristina Batista Souza
.
CAPÍTULO 6 95
DISCUSSÕES SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA
EDUCACIONAL E A SOCIOLINGUÍSTICA
INTERACIONAL: DESDOBRAMENTOS DA
SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA
Gilberto Antonio Peres
Nauali Martins Alves
.
CAPÍTULO 7 111
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO: UM PARALELO ENTRE A
DIVERSIDADE E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Lorraine Caroline Nicomedes
Cecília Eugênia Rocha Rodrigues
Monithelli Aparecida Estevão de Moura
.
CAPÍTULO 8 123
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM PARA O ENSINO
DA LÍNGUA MATERNA NOS ANOS INICIAIS DA
ESCOLARIZAÇÃO
Fabiana Ferreira Freitas
Larissa Francine de Oliveira
Mara Rúbia Pinto de Almeida

6
CAPÍTULO 9 137
O SISTEMA DE ESCRITA NO PROCESSO DA
ALFABETIZAÇÃO: TECENDO REFLEXÕES
Adimara dos Santos Rocha Lotero
Elizângela Souto da Silva
.
CAPÍTULO 10 153
LÍNGUA E LINGUAGEM: UMA VISÃO ACERCA
DO LIVRO DIDÁTICO
Ana Clara Martins Resende dos Reis
Larissa Maciel Gonçalves Silva
Lavine R. Cardoso Ferreira
.
CAPÍTULO 11 165
REFLEXÕES SOBRE A AQUISIÇÃO DE LIBRAS
COMO L1 E AQUISIÇÃO DE LÍNGUA
PORTUGUESA COMO L2 PELAS PESSOAS
SURDAS
Adrielle Bezerra Miranda
Geyse Araujo Ferreira
Viviane Barbosa Caldeira Damacena
.
SOBRE OS AUTORES 177

7
8
APRESENTAÇÃO

UMA INCURSÃO NO DOMÍNIO DAS


TEORIAS DA LINGUAGEM

Leandro de Amaro Rodrigues


Lucelia Cristina Brant Mariz Sá
Maíra Sueco Maegava Córdula
Talita Aparecida da Guarda Alves

O livro “Teorias Linguísticas: tecendo reflexões sobre estudos


da linguagem” é resultado das reflexões realizadas na disciplina de
Teorias Linguísticas, ministrada pela professora Maíra Córdula, no
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL), da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no primeiro semestre
de 2022. Compõem a coletânea onze artigos, sendo um redigido
pela professora da disciplina e dez elaborados por mestrandos e
doutorandos matriculados no programa, cujas experiências
profissionais perpassam os diversos níveis e modalidades da
educação básica e do ensino superior.
Teorias Linguísticas é uma disciplina obrigatória no PPGEL e
é ofertada no formato presencial. Devido à ocorrência do período
pandêmico, no segundo semestre de 2021 e primeiro semestre de
2022, foi ofertada de forma remota, por meio de atividades
síncronas e assíncronas. Possui uma carga horária de 60 horas
destinadas ao estudo de assuntos relacionados à teoria do
conhecimento, à linguística e à ciência, aos movimentos teóricos da
linguística, aos fenômenos da linguagem e aos métodos de
investigação.
É importante, neste momento, falarmos da Linguística enquanto
ciência. É inegável suas contribuições para a sociedade. Dentre as
diversas, ressaltamos aqui a importância de entendermos como a

9
sociedade se comporta e se constitui por meio da linguagem e na
linguagem. Nessa perspectiva, a língua é vista como interação social
entre sujeitos que desempenham diversos papéis em uma
organização. Na interação social, a palavra é o principal elo entre
falante e ouvinte, locutor e interlocutor. Ela é dirigida e orientada para
quem é esse interlocutor, ou seja, qual o papel que ele desempenha na
sociedade e como ele se relaciona (mais próximo: irmão, pai, amigo,
etc., ou distante – chefe, autoridade, etc.) com o locutor.
Sobre a palavra como interação social, Volóchinov (2018 [1985-
1936], p. 205), nos apresenta, em um tom filosófico e poético, sobre
sua importância:

a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto por aquele de quem ela
procede como quanto por aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela
é justamente o produto das inter-relações do falante com o ouvinte. Toda palavra
serve de expressão ao “um” em relação ao “outro”. Na palavra eu dou forma
a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim, da perspectiva da minha
coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma
das extremidades em mim e a outra no interlocutor.

A palavra se faz recíproca por meio da inter-relação e do


compromisso do sujeito um com o outro. Assim, as pesquisas da
área da linguagem podem ajudar a compreender como a sociedade
se comporta, tendo em vista que é por meio da linguagem que
interagimos socialmente e estabelecemos os padrões sociais, já que
“a palavra é o território comum entre o falante e o interlocutor”
(VOLÓCHINOV, 2018 [1985-1936], p. 205). A inter-relação entre
falantes e a coletividade está vinculada ao uso da língua.
O interesse pelos estudos da linguagem é bem antigo, remonta
ao século IV A.C, os primeiros registros desses estudos que se tem
são dos hindus, inicialmente, com foco nos aspectos religiosos,
passando, posteriormente, a ser uma análise mais descritiva da
língua. No decorrer dos séculos, foram feitos inúmeros estudos,
postularam-se muitas teorias, que ora são aceitas, ora são refutadas.
Dentre essas teorias, no século XIX, ganhou destaque, a partir dos

10
estudos comparados, a ideia de que a língua é viva e que se
modifica com a passagem do tempo.
Franz Bopp foi o linguista de renome na época, quando por
meio do método histórico-comparativo, evidenciou o parentesco
entre as línguas indo-europeias. Nesse sentido, os estudos
desenvolvidos no século XIX, levaram a percepção de que as
mudanças que ocorreram na língua escrita ao longo dos anos
aconteciam, primeiramente, na língua falada. Tal descoberta levou
ao atual objeto de estudo da linguística moderna, a língua.
(PETTER, 2010).
No século XX, foi lançado o livro do teórico Suíço, Ferdinand
Saussure, “Curso de Linguística Geral”, obra escrita a partir de
manuscritos de aulas, por seus alunos da Universidade de
Genebra, em meados de 1907 e 1911. Foi a partir dos pressupostos
saussurianos que a linguística passou a ser reconhecida como uma
ciência autônoma, tal qual a medicina, a física, a astronomia, etc. A
linguística foi definida como uma ciência que estuda a linguagem
humana, cujo foco seria “descrever e explicar os fatos, estudar as
expressões linguísticas” (PETTER, 2010, p. 17).
Para Saussure (1995 [1916]), o objeto da linguística é a língua,
“que seria a manifestação social da linguística, um conjunto de
convenções” (SAUSSURE, 1995 [1916], p. 17). Para o linguista, a
língua se classifica como parte essencial da linguagem, um
conjunto de convenções adotadas pelos falantes que os permitem a
comunicação/expressão do pensamento. Em sua teoria, a língua é
tida como sistema fechado de signos, com unidades isoladas que se
unem seguindo leis combinatórias dentro do próprio sistema para
formar uma unidade significativa. Ainda na relação língua-
linguagem, Saussure apresenta um outro elemento: a fala. Segundo
o autor, a fala é um ato individual:

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem


por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do
indivíduo, esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação
e é psico-física. (SAUSSURE, 1995 [1916], p. 27)

11
A partir das ideias precursoras do linguista genebrino de que
a língua é um sistema, que possui uma organização interna, ou seja,
uma estrutura, é que surgiu o estruturalismo europeu, com grande
respaldo nas dicotomias saussurianas. Já o estruturalismo norte-
americano se deteve ao estudo descritivo das línguas naturais,
tendo como principal expoente Edward Sapir.
Ainda no século XX, na linguística, surgiu o gerativismo, cujo
precursor é o linguista e professor do Instituto de Tecnologia de
Massachussets- MIT, Noam Chomsky. Foi a partir do lançamento do
seu livro “Estruturas sintáticas” que essa corrente se estabeleceu. A
teoria gerativa explica, a partir de um modelo teórico formal, por meio
de cálculos matemáticos, o funcionamento da linguagem humana. O
gerativismo chega para romper com as ideias behavioristas de que a
linguagem humana é “um fenômeno externo ao indivíduo, um
sistema de hábitos, gerado como resposta a estímulos e fixado pela
repetição” (KENEDY, 2008, p. 128). Para Chomsky compreender e se
expressar a partir de uma língua é uma capacidade inata ao ser
humano. O linguista demonstrou o quão é instigante

descobrir, através do estudo da linguagem, princípios abstratos que


governam sua estrutura e uso, princípios que são universais por necessidade
biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de
características mentais da espécie humana. (CHOMSKY, 1980, p. 9)

Para Chomsky (1980), o ser humano nasce com a capacidade


inata, genética de se comunicar, de entender e expressar o
pensamento, a essa competência, ele nomeou como Faculdade da
Linguagem. A aquisição da linguagem não está condicionada,
exclusivamente, ao meio ambiente, a fatores externos, ou a partir
das interações sociais vividas por cada indivíduo. Esse
comportamento linguístico é biológico e inerente ao homem.
As correntes linguísticas formalismo e funcionalismo surgem
a partir do estruturalismo, dentro do chamado Círculo Linguístico
de Praga. Como mencionado anteriormente, a língua é vista a partir
de Saussure, como “uma estrutura, uma organização que segue leis
internas, estabelecidas dentro do próprio sistema”

12
(MARTELOTTA, 2011, p. 114). As lacunas deixadas por essa visão
começam a ser preenchidas a partir dos modelos funcionalistas que
estudam e analisam a língua dentro de um contexto de fala; e
formalistas que admitem a língua como uma entidade autônoma,
seu principal representante também é Chomsky, o pai do
gerativismo.
De acordo com Oliveira (2005), o formalismo estuda a língua
internalizada pelo indivíduo, ou seja, fora do contexto discursivo.
Já o funcionalismo, estuda a língua a partir do contexto
comunicativo, daí “a importância do papel do contexto, em
particular o contexto social na compreensão da natureza das
línguas” (DILLINGER, 1991, p. 400). Nesse sentido, Neves (1997)
lança mão dos dizeres de Martinet (1994) ao afirmar que “o que
deve constantemente guiar o linguista é a competência
comunicativa, pois toda língua se impõe, tanto em seu
funcionamento como em sua evolução, como um instrumento de
comunicação da experiência [do homem]” (MARTINET, 1994, p.14,
apud NEVES, 1997, p. 2).
Conforme os estudos foram avançando, surge também, na
década de 60, na França, a Análise do Discurso (AD). Mussalim
(2012), fazendo uma leitura de Maldier (1994), aponta a fundação
da AD por Jean Dubois e Michel Pêuchex, sendo o primeiro
linguista e lexicólogo, envolvido com as questões da Linguística na
época e o último um filósofo cujo envolvimento era tomado pelo
marxismo, pela psicanálise e pela epistemologia. Ambos os autores
tinham em comum o marxismo e a política como terreno profícuo
para o trabalho, “partilhando convicções sobre luta de classe, a
história e o movimento social” (MUSSALIM, 2012, p. 114).
Outro estudioso que recebe destaque na AD é Lacan,
psicanalista que assume o inconsciente estruturado como
linguagem, “com uma cadeia de significantes latente que se repete
e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as
palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre
atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente" (MUSSALIM,

13
2012, p. 119), para Lacan, o inconsciente é o lugar que emana essas
outras palavras, esses outros outros discursos.
Nesse campo, há uma ruptura epistemológica: se a língua, no
estruturalismo, estuda sua função dentro do próprio sistema, na
Análise do Discurso, temos questões teóricas que estão
relacionadas à ideologia e ao sujeito. Segundo Mussalim (2012, p.
122), o estudo do discurso para a Análise do Discurso,

Inscreve-se num terreno em que intervêm questões teóricas relativas à


ideologia e ao sujeito. Assim, o sujeito lacaniano, clivado, dividido, mas
estruturado a partir da linguagem, fornecia para a AD uma teoria de sujeito
condizente com um de seus interesses centrais, o de conhecer os textos como
produtos de um trabalho ideológico não consciente. Calcada no
materialismo histórico, a AD concebe o discurso como uma manifestação,
uma materialização da ideologia decorrente do modo de organização dos
modos de produção social. Sendo assim, o sujeito do discurso não poderia
ser considerado como aquele que decide sobre os sentidos e as
possibilidades enunciativas de seu dizer, mas como aquele que ocupa um
lugar social e a partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico
que lhe permite determinadas inserções e não outras. Em outras palavras, o
sujeito não é livre para dizer o que quer, mas é levado, sem que tenha
consciência disso (e aqui reconhecemos a propriedade do conceito lacaniano
de sujeito para a AD), a ocupar seu lugar em determinada formação social e
enunciar o que lhe é possível a partir do lugar que ocupa.

Assim “a significação não é sistematicamente apreendida por


não ser da ordem da língua, mas da ordem do discurso e, portanto,
do sujeito, e sofrer, assim, alterações de acordo com as posições
ocupadas pelos sujeitos que enunciam” (MUSSALIM, 2012, p. 115-
116), ou seja, os sujeitos são concebidos numa perspectiva
ideológica e histórica e é na língua, na produção de um discurso
que as condições sócio-históricas são manifestadas.
Dando sequência aos estudos franceses acerca da língua, há
também a Teoria da Enunciação, cujo maior representante é Émile
Benveniste com a publicação de “Problemas de linguística geral”
do primeiro volume em 1966 e o segundo, em 1974 (FLORES e
ENDRUWEIT, 2012). Nesse campo, as teorias linguísticas que

14
assumem a concepção de linguagem como processo de interação,
constituída no consenso coletivo.
Para Benveniste (1989), a língua é vista como essencialmente
social, nisso ele difere dos estruturalistas, ao trazer a noção de
sujeito para o contexto de entendimento da língua que era vista
como algo secundário e externo ao sistema linguístico. Segundo o
autor, a “língua constitui o que mantém junto os homens, o
fundamento de todas as relações que por seu turno fundamentam
a sociedade. Poder-se-á dizer, nesse caso, que é a língua que contém
a sociedade” (p. 63).
De acordo com Benveniste, a enunciação é o momento em que
a língua é colocada em funcionamento, produzindo enunciados.
Cada enunciado é único e irrepetível, sendo ele um ato individual
de utilização. Ainda sobre a enunciação e suas condições de
produção, o autor assevera:

É preciso ter cuidado com a condição específica da enunciação: é o ato


mesmo de produzir um enunciado, e não o texto do enunciado que é nosso
objeto. Esse ato é o fato de o locutor que mobiliza a língua pela sua conta. A
relação locutor com a língua determina os caracteres linguísticos da
enunciação. Deve-se considerá-la como fato do locutor, que toma a língua
por instrumento, e nos caracteres linguísticos que marcam essa relação.
(BENVENISTE, 1989, p. 82)

Na mesma esteira, a língua engloba a sociedade por todos os


lados e ainda a contém em sua estrutura e ao mesmo tempo em que
configura a sociedade. Os indivíduos se constituem como sujeitos
na linguagem e pela linguagem (BENVENISTE, 1989).
Nesse sentido, considerando o contexto histórico e social de
cada época, outras linhas de estudos da linguagem surgiram e
ainda surgirão. Ressaltamos que os assuntos que perpassam as
teorias linguísticas não são recentes, tampouco tivemos a pretensão
de esgotar as possibilidades de discussão, ainda há muito o que se
dizer. Pretendemos, ante o exposto, realizar um breve percurso da
trajetória da linguística, evidenciando sua importância para a

15
constituição dos sujeitos e para as relações sociais que se
estabelecem por meio da linguagem.
Assim, considerando as reflexões traçadas pelos mestrandos e
doutorandos durante as aulas de Teorias Linguísticas, surgiu o
interesse em elaborar esta obra para o registro do exercício
reflexivo realizado em sala de aula por seus participantes,
estudantes e docente. O primeiro capítulo aborda a concepção da
disciplina para o formato virtual. A obra ainda possui mais dez
capítulos construídos pelos pós-graduandos, estando dividida em
duas partes: os capítulos 2, 3, 4, 5 e 6 trazem uma abordagem de
bases teóricas para sustentação dos estudos linguísticos em suas
variadas vertentes. Já os capítulos 7, 8, 9, 10 e 11 possuem maior
relação com o processo de ensino e aprendizagem de línguas, a
partir de experiências vividas em sala de aula.
O primeiro capítulo desta obra, “A construção colaborativa
dos fundamentos sobre teorias linguísticas modernas: uma
proposta de ensino no formato virtual”, de autoria de Maíra Sueco
Maegava Córdula, apresenta o relato da elaboração da disciplina
“Teorias Linguísticas” dentro do programa de Pós-graduação em
Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Uberlândia
para o contexto remoto de ensino implantando durante a crise
sanitária provocada pela pandemia Covid-19. Nesse capítulo, faz-
se uma discussão sobre a seleção de conceitos e pensadores para a
construção colaborativa sobre a temática da disciplina, além de
uma reflexão sobre as propostas de atividade no contexto de ensino
da pós-graduação por meio do uso de ferramentas de novas
tecnologias de informação e comunicação.
O capítulo 2 intitulado “Teorias Linguísticas: uma abordagem
sobre a gramática”, das autoras Maíra Cristina Passos Ferreira e
Talita Aparecida da Guarda Alves, é um estudo bibliográfico,
com recorte nos autores, Saussure (1916), Chomsky (1957), Neves
(1994), Martelotta (2011) e outros autores que contribuíram para os
estudos das correntes - estruturalismo, gerativismo e
funcionalismo. O artigo tem como objetivo fazer uma abordagem
da gramática sob a perspectiva das referidas correntes linguísticas.

16
Assim, discutem as principais características de cada uma delas e
trazem considerações sobre a gramática normativa.
No capítulo 3, “Construindo as bases teóricas chomskyanas
sob um viés crítico”, os autores Edgar Correa Veras, Ellen Lopes de
Paula von Glehn e Lucas Amâncio Mateus apresentam uma visão
geral do Gerativismo, contrapondo-o à corrente estruturalista e
examinando, em especial, as suas variadas teorias gramaticais. A
partir das teorias de Noam Chomsky, os autores refletem sobre as
perspectivas favoráveis e posições discordantes a respeito dos
principais aspectos relacionados à proposta Gerativa. Apresentam
conceitos, tais como a concepção de Gramática Gerativa-
Transformacional, Gramática Universal, teoria de Princípios e
Parâmetros, Programa Minimalista, além de analisarem aspectos
específicos dessas teorias. Discorrem quanto a competência e o
desempenho, estrutura profunda e superficial, gramaticalidade e
agramaticalidade, reforçando o recorte de análise estabelecido pelo
gerativismo numa perspectiva indutiva, sem desconsiderar a
existência de fenômenos importantes que podem ser percebidos
por outras abordagens.
Já no capítulo 4, “As bases que sustentam a Análise do
Discurso Foucaultiana”, os autores Kennedy José de Oliveira Júnior
e Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira utilizam a revisão
bibliográfica narrativa para demonstrar a influência do
pensamento foucaultiano nos estudos discursivos em geral e as
bases que sustentam tais estudos. Analisam, ainda, a subjetividade,
o poder e a história defendidos por Nietzsche e aprimorados por
Michel Foucault. Os autores se baseiam em pensadores das áreas
da análise do discurso para ampliar o olhar para os escritos. Assim
concluem que a discussão dá possibilidade de evidenciar o
primado da arqueologia e sugerem a continuidade da discussão
para aprofundar as teorias.
Em “A Linguística Estruturalista e a Psicanálise:
ressignificações de Lacan do Estruturalismo de Saussure”, 5º
capítulo desta obra, as autoras Carolina Antonia Goulart de Paula
e Lara Cristina Batista Souza destacam que a corrente da linguística

17
estruturalista influenciou os estudos das ciências humanas do
século XX e, para além disso, também os estudos psicanalíticos.
Relacionam as aproximações e distanciamentos do signo
linguístico e da significação no texto Curso de Linguística Geral
(1916), de Ferdinand Saussure, para a psicanálise na obra “A
instância da letra no inconsciente e a razão desde Freud (1957)” de
Jacques Lacan. As autoras entendem que o estruturalismo foi
importante para o desenvolvimento da teoria de Lacan no que diz
respeito à linguagem, seus significados e às significações.
O capítulo 6, “Discussões sobre a Sociolinguística Educacional
e a Sociolinguística Interacional: desdobramentos da
Sociolinguística Variacionista”, de autoria de Gilberto Antonio
Peres e Nauali Martins Alves, encerra a primeira parte da obra, que
traz abordagens teóricas que compõem o estudo da língua. O artigo
apresenta o surgimento da Sociolinguística e seu consequente
enfoque na abordagem da língua como um fenômeno heterogêneo,
social, o qual sofre variações em decorrência de condicionadores
internos e externos. Esta ciência tem apresentado os
desdobramentos por meio de diversas vertentes, entretanto, os
autores optaram por abordar, especificamente, a Sociolinguística
Educacional e a Sociolinguística Interacional. Apresentam o
embasamento teórico de cada vertente e refletem acerca das
propostas de análise da língua nos respectivos contextos, com
vistas a reconhecer o valor das variedades linguísticas, diferentes
da norma padrão.
Na sequência, iniciam os capítulos cujo foco principal é
direcionar os construtos teóricos para a prática do processo de
ensino e aprendizagem de línguas, tanto a língua materna quanto
a segunda língua. O capítulo 7, “Variações linguísticas no processo
de alfabetização: um paralelo entre a diversidade e o preconceito
linguístico”, das autoras Lorraine Caroline Nicomedes, Cecília
Eugênia Rocha Rodrigues e Monithelli Aparecida Estevão de
Moura, traz o propósito de colaborar com os estudos sobre a
temática alfabetização e variação. As autoras propõem uma
reflexão acerca de aspectos da variação linguística no processo de

18
alfabetização e as marcas do preconceito linguístico no período da
vida escolar dos aprendizes.
O capítulo 8, “Os estudos da linguagem para o ensino da
língua materna nos anos iniciais da escolarização”, das autoras
Fabiana Ferreira Freitas, Larissa Francine de Oliveira e Mara Rúbia
Pinto de Almeida, aponta reflexões sobre o processo do ensino da
língua materna nos anos iniciais da escolarização. Segundo as
autoras, documentos legais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular reconhecem que o
domínio da língua, oral e escrita, é indispensável para a
participação social efetiva das pessoas. As autoras compreendem
que o aprendizado da língua materna nunca é interrompido, sendo
os momentos de alfabetização relevantes para determinar o contato
da criança com a Língua Portuguesa, inclusive abrangendo outras
perspectivas, como o letramento. A escola é representada como
mediadora desse processo, pois conta com os modos de favorecer
ao estudante o contato com a leitura e a escrita, auxiliando-o no
processo de inserção da sociedade.
Já no capítulo 9, “O sistema de escrita no processo da
alfabetização: tecendo reflexões”, de autoria de Adimara dos
Santos Rocha Lotero e Elizângela Souto da Silva, tem o objetivo de
refletir sobre a cultura da escrita e os processos que envolvem seu
uso social e sua aquisição pelas crianças no processo de
alfabetização. Segundo as autoras, a sociedade vive cercada pela
escrita e seus sistemas foram construídos em torno da cultura
grafocêntrica, o que torna a escrita presente em diversos espaços
sociais, servindo a diferentes finalidades. Segundo as autoras, a
aprendizagem da escrita que ocorre em um ambiente de reflexão
sobre o funcionamento da língua, tanto no aspecto cognitivo como
na compreensão das funções sociais da linguagem, pode contribuir
na formação de leitores e escritores proficientes, como também no
desenvolvimento de cidadãos mais respeitosos com as
diversidades linguísticas e capazes de usar a linguagem na
construção da cidadania.

19
O capítulo 10, “Língua e linguagem: uma visão acerca do livro
didático”, das autoras Ana Clara Martins Resende dos Reis, Larissa
Maciel Gonçalves Silva e Lavine R. Cardoso Ferreira, aborda sobre
o uso do livro didático em sala de aula. Apresentam os conceitos
relacionados à língua e linguagem fundamentados nas concepções
de autores linguistas como repertório teórico para a proposição de
análises e reflexões sobre como a língua e a linguagem se
materializam em um livro didático utilizado no Ensino Médio.
O último capítulo da obra, “Reflexões sobre a aquisição de
Libras como L1 e aquisição de Língua Portuguesa como L2 pelas
pessoas surdas”, das autoras Adrielle Bezerra Miranda, Geyse
Araujo Ferreira e Viviane Barbosa Caldeira Damacena, tem o
objetivo de refletir acerca da aquisição de línguas por pessoas
surdas, com o foco na língua materna, a Libras (L1), e a segunda
língua, a Língua Portuguesa escrita (L2), em uma abordagem
funcionalista. Essa abordagem é focada nos fatores
extralinguísticos e sociais que influenciam e são influenciados pela
língua. Ela passa a ser vista como uma forma de interação verbal,
na qual se destaca a sua funcionalidade. Desse modo, na
perspectiva funcionalista, para a aquisição da língua do surdo, é
necessário que ele compreenda as funcionalidades que a sua língua
materna apresenta e suas particularidades.
É nessa linha de pensamento linguístico que esta obra se faz
presente. Os capítulos aqui colocados pretendem interagir, por
meio da palavra, com pesquisadores outros e leitores interessados
sobre as várias vertentes dessa ciência que é a linguística. Nesse
sentido, esperamos que os capítulos auxiliem os leitores no
refinamento dos conceitos tratados, à luz das teorias linguísticas,
bem como provoquem reflexões e instiguem o aprimoramento de
conhecimento acerca dos estudos da linguagem e suas abordagens
críticas no campo educacional.

20
Referências

BENVENISTE, E. Estrutura das relações de pessoa no verbo. In:


Problemas de Linguística Geral II. 3 ed. São Paulo: Pontes, 1989.
CHOMSKY, Noan. 1980. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo:
Cultrix.
DILLINGER, Mike. Forma e função na linguística. Documentação
e Estudos em Linguística Aplicada e Teórica, s/l, Vol. 1, n 1, p. 395-
407, 1991.
FLORES, Valdir do Nascimento; ENDRUWEIT, Magali Lopes. A
noção de discurso na teoria enunciativa de Émile Benveniste. In:
Revista Moara. N 38, jul./dez. 2012, Estudos Linguísticos, p. 196-208.
KENEDY, Eduardo. Gerativismo. In: MARTELOTTA, Mário
Eduardo. (org.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto,
2008.p. 127-140.
MUSSALIM, Fernanda. Análise do Discurso. In: MUSSALIM,
Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à
linguística: domínios e fronteiras. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2012, p.
113-166.
NEVES, Maria Helena de Moura. Uma visão geral da gramática
funcional. Alfa, São Paulo, v. 38, p. 109-127, 1994.
OLIVEIRA, Roberta Pires de. Formalismos na linguística: uma
reflexão crítica. In: BENTES, Anna Christina, MUSSALIM,
Fernanda. (Org.). Introdução à linguística – fundamentos
epistemológicos. São Paulo: Cortez Editora, 2004, Vol. 3, 2 ed. cap.
6, p. 219-250.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua linguística. In: FIORIN,
José Luiz (org). Introdução à linguística – objetos teóricos. 6ª ed.,
São Paulo: Contexto, 2010.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo:
Cultrix, 1995 [1916].
VOLÓCHINOV, Valentin [1895-1936]. Marxismo e filosofia da
linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na
ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo
e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2ª ed., 2018.

21
22
CAPÍTULO 1

A CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DOS FUNDAMENTOS


SOBRE TEORIAS LINGUÍSTICAS MODERNAS:
UMA PROPOSTA DE ENSINO NO FORMATO VIRTUAL

Maíra Sueco Maegava Córdula

Introdução

Em março de 2020, as aulas presencias foram suspensas na


Universidade Federal de Uberlândia (UFU), assim como, em
diversos estabelecimentos de ensino no Brasil, devido à pandemia
Covid-19.1 Para dar continuidade às atividades de ensino, foi
instituído o ensino remoto, realizado por meio da utilização de
recursos virtuais; assim, estudantes puderam cumprir com suas
disciplinas e dar andamento ou terminar seus programas durante
a pandemia. Além da instituição do ensino remoto, também foram
oferecidas pela universidade à comunidade estudantil programas
com a oferta de fundos para a compra de aparelhos e dados móveis.
A disciplina “Teorias Linguísticas” é obrigatória no programa
de mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação em
Estudos Linguísticos (PPGEL) do Instituto de Letras e Linguística
(ILEEL) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É uma
disciplina com carga horária de 60 (sessenta) horas de aulas teóricas
que busca promover junto aos discentes a discussão ao redor das
seguintes temáticas, previstas na ementa da disciplina: “Teoria do
Conhecimento. Linguística e Ciência. Movimentos teóricos da

1https://comunica.ufu.br/noticia/2020/03/ufu-suspende-aulas-e-atividades-acade
micas-partir-de-1803

23
Linguística. Fenômenos da linguagem e métodos de investigação”
(UFU, s.d., p. 1)
No segundo semestre de 2021 e primeiro semestre de 2022,
esta disciplina foi ministrada no contexto do ensino remoto com
aulas síncronas e atividades assíncronas. Como se trata de uma
disciplina obrigatória, foram oferecidas duas turmas em cada um
dos semestres. Eu tive a oportunidade de ministrar uma turma com
43 alunos em 2021 e uma turma com 29 alunos em 2022. A
disciplina foi ministrada de forma condensada em um intervalo de
12 semanas, com encontros semanais síncronos de 1 (uma) hora e
40 (quarenta) minutos e mais atividades assíncronas semanais
distribuídas em 6 (seis) módulos na plataforma Moodle. Assim, nas
seções a seguir, faço um relato da elaboração da disciplina Teorias
Linguísticas para o contexto remoto e discuto o desenho da
disciplina, a seleção e a organização de tempo e conteúdo, e as
propostas de ensino de caráter colaborativo.

O desenho da disciplina

O desenho da disciplina apresentado neste relato foi elaborado


a partir da necessidade de uma oferta remota da disciplina, com
atividades síncronas e assíncronas realizadas por meio do uso de
uma plataforma de encontros virtuais (RNP-MConf)2 e de uma
plataforma virtual de aprendizagem (Moodle)3. Partimos do
pressuposto de que:

O Ensino Remoto Emergencial é um plano de contingência, que não


necessariamente implica em pior qualidade de ensino. Nada mais é do
considerar o que já está contido nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs)
e nos Projetos de Cursos novos (PCNs) do ensino presencial, adaptando para
ensinar, desenvolver e aprender, utilizando tecnologias da informação e
comunicação, e notadamente de aplicativos e a internet […] (PEREIRA, jul.
2020, apud FRANCO, RIOS, 2020, p. 09)

2 https://conferenciaweb.rnp.br/home
3 https://ufu.br/tags/moodle

24
De caráter obrigatório no PPGEL, tanto alunos ingressantes no
mestrado quanto os que realizando seu doutorado, devem cursar a
disciplina. Sendo assim, os estudantes dessa disciplina apresentam
experiência diversa de estudos na área de concentração do
programa, a saber: Estudos em Linguística e Linguística Aplicada.
A diversidade de formação não se restringe somente ao grau de
envolvimento com a pesquisa na área específica até o momento de
cursar essa disciplina, mas também inclui a formação de cada um
na graduação em disciplinas relativas à temática da disciplina.
Dessa forma, pode-se dizer que a disciplina teve como um de seus
objetivos promover a discussão em tópicos essenciais para quem
desenvolverá pesquisa na área de estudos linguísticos.
Ao buscar o diálogo com os estudantes que desenvolvem
pesquisas nas três linhas de pesquisa do PPGEL: “LP1: Teoria,
Descrição e Análise Linguística, LP2: Linguagem Sujeito e
Discurso, LP3: Linguagem, Ensino e Sociedade” (CONPEP-UFU,
2018, p. 18), optamos por uma abordagem mais generalista e menos
específica dos pressupostos e dos fundamentos teóricos da
constituição da área de Linguística como Ciência e das perspectivas
teóricas provenientes dos estudos desenvolvidos,
majoritariamente, no início do século XIX.
A organização da disciplina foi feita em 6 módulos, que
abordaram os seguintes temas nas duas ofertas da disciplina:
Linguística Geral, Estruturalismo, Gerativismo, Funcionalismo,
Variação e Mudança e Enunciação. Vale ressaltar que o último
módulo foi dedicado à discussão de correntes teóricas atuais por
meio da interlocução com professores convidados4. A proposição
de leitura e de atividades de discussão buscaram relacionar as
proposições teóricas seminais com alguns desdobramentos atuais e
também com o desenvolvimento de diferentes perspectivas
teóricas dentro da área de Linguística. Por exemplo, no Módulo 1,

4Cf. Colóquio Teorias Linguísticas, disponível no canal do Youtube da Programa


de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL) da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU): https://www.youtube.com/@ppgelufu5393

25
“Linguística Geral”, os estudantes receberam a proposta de leitura
de três textos: a) capítulo "Linguagem, língua, linguística" de
Margarida Petter, no livro "Introdução à linguística: objetos
teóricos" organizado por José Luiz Fiorin (2003), b) capítulos
capítulos I, II e III do Curso de Linguística Geral de Ferdinand
Saussure (1995, p. 7-25) e c) o capítulo "Uma breve retrospectiva da
pesquisa sociolinguística” de Roberto Gomes Camacho
(PARREIRA et al., 2015, p. 13-27). Para o desenvolvimento da
discussão, houve encontros síncronos e também uma atividade
colaborativa online: fórum de discussão. Na Figura 1, podemos
verificar o enunciado da proposta, que orienta os estudantes a
fazerem a conexão proposta entre os conceitos apresentados no
texto e sua repercussão para o desenvolvimento de estudos na área
de Linguística.

Figura 1: Proposta de atividade de discussão no Fórum Ideias Linguísticas em


diferentes momentos da história

Fonte: Elaboração própria.

Práticas colaborativas de aprendizagem

A interação necessária para o desenvolvimento colaborativo


do conhecimento da disciplina foi promovida majoritariamente por
meio da plataforma Moodle. Em todos os módulos houve a
proposição de discussão no formato de fórum online. As propostas
de discussão eram baseadas na leitura dos textos do módulo e os

26
alunos tinham que elaborar a discussão de forma escrita, o que
também contribuía para o desenvolvimento da escrita acadêmica,
parte da formação para a pós-graduação, na qual há diversos
trabalhos finais apresentados na modalidade escrita.
O fato de propor a discussão nos moldes apresentados orientou
o trabalho de reflexão dos discentes, mas, em alguns casos, foi
possível notar que os comentários eram feitos a partir da perspectiva
teórica aderida pelo estudante, sem considerar a perspectiva
apresentada no texto lido. Sendo assim, realizamos algumas
alterações nas orientações do Fórum de Discussão na plataforma
Moodle, com o intuito de promover a mobilização do conhecimento
apresentado nos textos-base. Assim, esperamos que o estudante não
apenas reproduzisse críticas a perspectivas teóricas diversas, mas
que as discutissem de forma embasada e circunstanciadas nos textos
propostos pela professora e os textos trazidos por eles. Nos outros
módulos, propusemos que o estudante elaborasse uma pergunta a
partir da leitura e interagisse com os colegas na busca de responder
à questão proposta (Figura 2).

Figura 2: Instrução do Fórum de Discussão Variação e Mudança

Fonte: Elaboração própria.

Essa atividade foi interessante, porque os alunos não podiam


apenas apresentar uma ‘opinião’ sobre a temática, mas tiveram que
mobilizar as temáticas do texto lido e relacioná-las com sua
formação teórica para propor perguntas e conseguir se inserir na
discussão proposta. Outra forma de interação de fórum proposta
foi a de trazerem outros textos, inclusive textos multimodais, que

27
conversassem com o texto base e a partir do texto lido e do exemplo
trazido, proporem uma discussão. Essa organização de discussão
também engajou mais a participação dos alunos e promoveu uma
construção colaborativa e uma discussão bastante interativa sobre
os tópicos selecionados para as aulas.
A discussão realizada nos fóruns de discussão também foi
complementada ou continuada nas aulas síncronas. No entanto, o
espaço para discussão era bem reduzido devido ao número grande
estudantes participantes e também ao tempo limitado. Nesse
sentido, vale destacar que a proposta de atividade síncrona foi mais
centralizada no professor, com grande parte da carga horária
dedicada a aulas expositivas, apesar de serem incluídas algumas
atividades interativas, utilizando algumas ferramentas de
colaboração online, como construção de nuvem de palavras (uso
do aplicativo Mentimeter5). Houve também a proposta de
atividades de interação especificamente elaboradas para as aulas
síncronas, com proposição de questões para discussão e a divisão
em grupos pequenos, com o uso de salas de apoio (MConf),
conhecidas como breakout rooms.
A leitura e discussão dos textos lidos, seja por meio das aulas
síncronas como por meio dos fóruns de discussão, foram essenciais
para o desenvolvimento do estudo na perspectiva da disciplina. No
entanto, para além da discussão sobre os tópicos e textos
selecionados, sentimos a necessidade de que os estudantes também
pudessem construir um conhecimento mais amplos das diferentes
abordagens teóricas da área de Linguística, já que os estudantes
atuavam em pesquisas diversas. O fato de termos alunos
desenvolvendo suas pesquisas nas diferentes áreas de pesquisa foi
considerada como um benefício da turma para que os alunos que
não conhecessem as diferentes áreas de estudo pudessem conhecer
mais e interagir academicamente em discussões com os colegas
investidos de perspectivas teóricas diferentes. Assim, foram
criadas algumas atividades ao longo dos módulos para que esse

5 https://www.mentimeter.com/pt-BR

28
conhecimento específico de cada um, de forma colaborativa
contribuísse para o repertório teórico de toda a turma.
A primeira atividade proposta foi a elaboração de uma lista
detalhada de pensadores da linguística moderna, por meio do uso
da ferramenta Glossário na plataforma Moodle. Cada aluno tinha
que preparar uma entrada sobre um pensador e também comentar
em alguma das entradas dos colegas. A Figura 3 apresenta a
instrução completa da primeira parte da atividade.

Figura 3: Instrução da Tarefa 6 Os pensadores da Linguística Moderna no Mundo

Fonte: Elaboração própria.

Assim, buscou-se socializar breves biografias de pensadores e


pensadoras da área assim como apresentar um resumo de sua

29
contribuição por meio de suas obras publicadas. Com o objetivo de
apresentar mais representatividade para os pensadores atuantes no
Brasil, dividimos a atividade em duas partes, uma realizada em
cada módulo. Uma parte somente com pensadores considerados
estrangeiros e uma com pensadores que atuavam no Brasil, não
necessariamente brasileiros. Fizemos uma lista buscando incluir
diferentes áreas de atuação, época de atuação, gênero, regiões
geográficas, etc. Essa lista, no entanto, teve o limite do
conhecimento da autora da lista no momento da elaboração da
atividade. Considerando esse limite, foi dada a opção aos
estudantes de sugerirem nomes expressivos de sua área de
interesse e foram solicitadas por exemplo, nomes da área de Libras,
que não havia sido contemplada na lista inicial, e um nome da
América Latina, região com poucos representantes na lista.
Também foram propostas mais duas atividades com o objetivo
de os estudantes se aprofundarem em uma abordagem teórica e
compartilharem seu conhecimento com os colegas. Foram
propostas duas atividades utilizando o recurso visual, uma linha
do tempo (Figura 4) e um mapa mental.

Figura 4: Instrução da Tarefa 21 Linha do Tempo

Fonte: Elaboração própria

30
Ambas as atividades cumpriram com o papel de socializar
diferentes perspectivas teóricas, não necessariamente abordadas na
disciplina. Além disso, é importante ressaltar que as atividades
foram produzidas em formato visual que não podia ser lido por
aplicativos de leitura automática, portanto, na turma em que havia
alunos cegos, os estudantes também postaram a atividade em
formato de texto corrente no formato edição de texto (por exemplo,
Word) ou gravaram a leitura de seu texto elaborado como linha do
tempo ou mapa mental.
Além das atividades colaborativas, é preciso salientar que
também foram utilizadas atividades em que os estudantes fizeram
de forma individual, como as leituras e dois questionários
preparados com base nas leituras. Finalmente, os estudantes
também trabalharam em grupo na escrita de artigos e ou ensaios
acadêmicos no formato de um exercício de analítico sobre temáticas
de interesse comum do grupo e que apresentassem, de alguma
forma, o trabalho de reflexão conceitual do grupo sobre as teorias
linguísticas.

Consideração finais

A proposta da disciplina Teorias Linguísticas apresentada


neste relato buscou utilizar as ferramentas de colaboração online
disponíveis na Plataforma Moodle e a organização da disciplina
para promover o estudo dos conceitos e dos fundamentos da
ciência Linguística. Acreditamos que os estudantes tiveram a
oportunidade de conhecer os tópicos essenciais da linguística
moderna, por meio de seus autores e também por meio das
discussões realizadas com os colegas. Buscamos também estimular
a discussão teórica a ser aprofundada nas pesquisas individuais e
o compartilhamento de saberes especializados.
Esperamos que a proposta de uma rotina de discussão por
meio da modalidade escrita promovida durante a disciplina tenha
contribuído para os estudantes possam dar continuidade ao

31
aprofundamento e aperfeiçoamento de seus conhecimentos nas
suas pesquisas.
A disciplina “Teorias Linguísticas” tem caráter de introdução
aos estudos no mestrado e doutorado do programa, por isso
promoveu uma visão geral e a oportunidade de os estudantes
conhecerem linhas de pesquisas que não são exatamente as que
estão desenvolvendo em suas pesquisas, mas que podem estimular
a discussão por diferentes perspectivas ou prepará-los para novas
incursões em seus estudos de caráter contínuo e formativo na
grande área de Linguística, Letras e Artes.

Referências

CONPEP-UFU. Resolução SEI nº 03/2018, do Conselho de


Pesquisa e Pós-graduação, faz nova publicação do Regulamento
do Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos do
Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de
Uberlândia, com acréscimo de anexo único (grade curricular).
Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2018.
Disponível em: http://www.ppgel.ileel.ufu.br/sites/ppgel.ileel.
ufu.br/files//media/document//regulamento_abril_2018_turmas_
2018_2.pdf Acesso em: 10 de dez. 2022.
FIORIN, J. L. Introdução à Linguística: objetos teóricos. 2a. ed.
São Paulo: Contexto, 2003.
FRANCO, A. P.; RIOS, M. D. R. Guia didático para atividades
acadêmicas remotas emergenciais (AARE): planejando as
atividades acadêmicas remotas emergenciais – o uso pedagógico
da plataforma Moodle. Uberlândia: UFU, 2020. Disponível em:
https://comunica.ufu.br/sites/comunica.ufu.br/files/conteudo/noti
cia/anexo_guia_de_orientacao_para_aare.pdf Acesso em: 08 de
nov. 2022.
PARREIRA, M. C.; CAVALARI, S. M. S; ABREU-TARDELLI, L.;
NADIM, O. L.; COSTA, D. S. da. Perspectivas em Linguística no

32
século XXI: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. São
Paulo, SP: Cultura Acadêmica, 2015.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio
Chelini, José Paulo Paes, Isidoro Blikstein. 20a ed. São Paulo:
Cultrix, 1995.
UFU. Ficha de disciplina: Teorias Linguísticas. Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, s.d. Disponível em: http://
www.ppgel.ileel.ufu.br/sites/ppgel.ileel.ufu.br/files//media/do
cument//pel002_teorias_linguisticas.pdf Acesso em: 10 de dez. 2022.

33
34
CAPÍTULO 2

TEORIAS LINGUÍSTICAS:
UMA ABORDAGEM SOBRE A GRAMÁTICA

Maíra Cristina Passos Ferreira


Talita Aparecida da Guarda Alves

Introdução

Os primeiros registros dos estudos da linguagem são bem


antigos, datam-se do século IV A.C. Desde então, o percurso feito
pelos linguistas foi bastante longo e diverso, muitas teorias foram
estabelecidas e muitas refutadas. Mas foi a partir dos estudos de
Saussure que a linguística foi categorizada como ciência, assim
como a Psicologia, a Medicina, a Astronomia e a Física, por
exemplo (PETTER, 2010).
Para Saussure (2006), o objeto da linguística é a língua, “que
seria a manifestação social da linguística, um conjunto de
convenções” (SAUSSURE, 2006, p. 17). A linguística seria, então,
uma ciência que investiga a linguagem humana, que se preocupa
em “descrever e explicar os fatos, estudar as expressões
linguísticas” (PETTER, 2010, p. 17).
Outro linguista também de destaque é Noam Chomsky, pai do
Gerativismo, filósofo estadunidense, que trouxe e ainda traz muitas
contribuições para a linguística moderna. Para ele, em sua teoria
gerativista, todos os seres humanos possuem uma capacidade inata
e interna de produzir uma língua natural. Nesse sentido, Martelotta
(2011) lança mão dos estudos chomskyanos ao afirmar que:

A capacidade humana de falar e entender uma língua (pelo menos), isto é, o


comportamento linguístico dos indivíduos, deve ser compreendida como o
resultado de um dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto,

35
interna ao organismo humano (e não completamente determinada pelo
mundo exterior, como diziam os behavioristas), a qual deve estar fincada na
biologia do cérebro/mente da espécie e é destinada a constituir a
competência linguística de um falante (MARTELOTTA, 2011, p. 129).

Seguindo outra perspectiva, Halliday, um dos linguistas da


teoria funcionalista europeia, defende que “a língua é sistema
funcional orientado para finalidades” (BATISTA; SILVA, 2019, p.
137), ou seja, a língua é social e se dá em seu uso, considerando os
papéis do falante, do ouvinte, da mensagem e seu propósito
(CUNHA, 2011).
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma abordagem
da gramática sob a perspectiva das três correntes linguísticas:
Estruturalista, Gerativista e Funcionalista. Como objetivos
específicos, pretendemos discutir as principais características de
cada uma das três correntes linguísticas, além de trazermos
algumas considerações sobre a gramática normativa.
Mas o que seria gramática? Para responder a essa questão,
Martelotta (2011) pontua que os cientistas da linguagem sugerem
interpretações que por vezes culminam numa sistematização
descritiva. A esse conjunto de análises e interpretações linguísticas
dá-se o nome de gramática. Mas há dois sentidos para o termo
gramática, o primeiro, “usado para designar o funcionamento da
própria língua, que é o objeto a ser descrito pelo cientista”. já o
segundo “é utilizado para designar os estudos que buscam
descrever a natureza desses elementos e suas restrições de
combinação” (MARTELOTTA, 2011, p. 44).
Além das diferenças entre as teorias linguísticas, há também
vertentes distintas dentro de cada teoria. Então, faremos um estudo
bibliográfico dos principais autores de cada corrente, com um recorte
dos estudos estruturalistas europeus, destacando-se Saussure, em
Curso de Linguística Geral (1916); dos funcionalistas europeus com a
Gramática Sistêmico Funcional de Halliday, em Introdução à
Gramática Funcional (1994); do gerativismo padrão de Chomsky em
Estruturas Sintáticas (1957). Outros autores que abordaram essas
teorias linguísticas também contribuíram para nosso estudo.

36
Abordagem da gramática na corrente estruturalista

Ferdinand Saussure, cientista Suíço, nascido no século XIX,


considerado o pai da linguística moderna, trouxe inúmeras
contribuições para os estudos linguísticos e foi fundamental para a
construção da gramática estrutural, ou estruturalismo europeu.
Seu primeiro e único livro foi publicado postumamente, o Curso de
Linguística Geral - (doravante, CLG), obra que foi escrita por seus
alunos, a partir de manuscritos de suas aulas, que eram ministradas
na Universidade de Genebra, por volta de 1907 e 1911. O livro
Curso de Linguística Geral possui uma estrutura que demonstra a
preocupação de Saussure em lançar mão dos conhecimentos
linguísticos já existentes, fazendo um apanhado histórico das
ciências dos estudos da linguagem.
Na visão geral da história da linguística que Saussure
apresenta, há três fases que antecedem a definição da língua como
seu único e verdadeiro objeto, sendo elas: Gramática, disciplina
normativa, sem visão científica, e tem como objetivo elaborar
normas para diferenciar as formas corretas das incorretas;
Filologia, compara e interpreta textos de épocas diferentes e foca,
principalmente, na língua escrita; Filologia Comparativa ou
Gramática Comparada, surgiu a partir da descoberta de que as
línguas poderiam ser comparadas entre si, que se podia esclarecer,
entender, ou explicar questões relacionadas a uma língua por meio
de outra (SAUSSURE, 2006).
A corrente estruturalista apresenta-se a partir de duas
vertentes, a norte-americana, que se dedicou, principalmente, ao
trabalho descritivo, com foco no estudo das línguas indígenas e
teve como principais expoentes Franz Boas e Edward Sapir; e a
europeia, que teve como amparo, os estudos linguísticos de
Saussure, com suas célebres dicotomias (CAMACHO, 2015, p. 15).
Ferdinand Saussure baseia seus estudos na língua como sistema
fechado em si mesmo, não leva em consideração seus aspectos
sociais e externos, ou seja, ao uso. Nas palavras do autor,

37
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem
por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do
indivíduo, esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação
e é psico-física. (SAUSSURE, 2006, p. 27)

A langue constitui um sistema linguístico de base social, com


regras internas que se estabelecem a partir da relação entre os
signos linguísticos com seus significantes e significados e se unem
arbitrariamente, ou seja, é aquilo que nenhum falante pode mudar.
Para o linguista suíço, a língua é um fenômeno social, construído
coletivamente. Já a fala, ao contrário da língua, é produzida
individualmente nesse sistema. Esta é, então, a dicotomia
saussuriana, langue-parole:

A língua é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só não


pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma
espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por outro
lado, o indivíduo tem necessidade de uma aprendizagem para conhecer-lhe o
funcionamento. A parte individual é a fala, que é, ao contrário, um ato individual
de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1º, as combinações pelas
quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu
pensamento pessoal; 2º, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar
essas combinações. (SAUSSURE, 2006, p. 22)

As distinções entre a língua e a fala propostas por Saussure


podem ser melhor compreendidas a partir do quadro de Gadet
(1996, apud PAVEAU; SARFATI, 2006):

Quadro 1: Características de Língua e Fala


LÍNGUA FALA
Social Individual
Essencial Acessório mais ou menos acidental
Registrado passivamente Ato de vontade e de inteligência
Psíquica Psicofísica
Soma de marcas em cada cérebro Soma de que as pessoas dizem
Modelo coletivo Não coletivo
Fonte: PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 68.

38
Na concepção saussuriana, a língua é definida como o objeto
de estudo da linguística, ficando a parole, fora do seu campo de
interesse. Para Saussure, a estrutura gramatical das línguas é
categorizada como sistema e a ciência só pode estudar o que é
recorrente e sistemático, o que não acontece com os atos
comunicativos, que são individuais, assistemáticos e ilimitados. É
interessante observar que Ferdinand Saussure lança mão da
terminologia "sistema" para demonstrar que os elementos
constitutivos de uma língua se unem para formar um todo
coerente, dotado de sentido e que se complementam. Os termos
gramática estrutural e estruturalismo surgiram do pressuposto de
que a língua é um sistema e à linguística estrutural compete
estudar, analisar e entender como se dá a organização interna desse
sistema (MARTELOTTA, 2011).
Nesse sentido, os estudos saussurianos foram de grande
relevância para a ciência do século XX. A noção de estrutura foi um
dos grandes marcos para o estudo do fenômeno da linguagem e
influenciou diversos cientistas, como Jacques Lacan, Claude Lévi-
Strauss, Louis Althusser, Roland Barthes, que destacam clara a
importância de Ferdinand Saussure no que se refere ao modelo
teórico estruturalista. A teoria estruturalista é focada no aspecto
abstrato da língua, considerando-a um sistema de signos.
As ideias pioneiras saussureanas revolucionaram os estudos
linguísticos da época, e levaram a reflexões sobre os estudos de
“análise descritiva” de diversas línguas e culturas. Contribuíram
para o entendimento de que não há línguas inferiores ou erradas,
por não pertencerem à cultura ocidental prestigiada. Nesse sentido,
Camacho (2015) ratifica a ideia de que os estudos da linguística
estrutural contribuíram para a consolidação do pensamento de que
toda língua ou variedade possui plenitude formal, possui sua
própria organização gramatical, com um sistema bem estruturado.
Camacho (2015) lança mão dos estudos de Sapir, quando este
afirma que cada língua deveria ser estudada, analisada de acordo
com a natureza de sua própria estrutura organizacional, não
conforme um paradigma de referência, que geralmente é dotado de

39
prestígio sociocultural. A plenitude formal de uma língua garante
que tanto a própria língua, quanto suas variedades, cumprem seu
papel social, de comunicação e interação (SAPIR, 1969, apud
CAMACHO, 2015).
Fica evidente a importância dos estudos estruturalistas para
desconstrução de estereótipos de que uma língua é melhor que a
outra, que é mais correta que a outra. O que existe são línguas que
possuem uma estrutura lógica, como postulado por Saussure, a
língua é “um sistema, ou seja, um conjunto de unidades que
obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um
todo coerente” (COSTA, 2011, p. 114).
Porém, quando Saussure deixa de lado a parole,
consequentemente, deixa de lado aspectos importantes da língua
como, por exemplo, a atuação do sujeito em diferentes contextos de
fala que, certamente, influenciam na formação da estrutura da
língua. Ao contemplar o estudo da língua em detrimento da fala,
Saussure exclui as

relações entre língua e sociedade, língua e cultura, língua e distribuição


geográfica, língua e literatura ou qualquer outra relação que não seja
absolutamente relacionada com a organização interna dos elementos que
constituem o sistema linguístico. (MARTELOTTA, 2011, p. 115)

Não há como considerar a língua livre de determinadas


condições, como os fatores externos e os fatores sociais. Nesse
sentido, o fato de Saussure desconsiderar a parole, para focar apenas
na língua, pode ser uma lacuna em seus estudos. Para os críticos do
estruturalismo, os aspectos socioculturais são indispensáveis para
a compreensão da linguagem (MARTELOTTA, 2011).

Abordagem da gramática na corrente gerativista

O início das ideias gerativistas aconteceu em meados da


década de 50, mais especificamente em 1957, quando Noam
Chomsky publicou seu livro Estruturas Sintáticas. Chomsky é
linguista e filósofo estadunidense, atualmente Professor Emérito

40
em Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT),
que trouxe e ainda traz muitas contribuições para o mundo
linguístico (KENEDY, 2008).
Suas ideias gerativistas surgiram também como rejeição às
ideias de Leonard Bloomfield que acreditava no modelo
Behaviorista. Bloomfield afirma que a linguagem é um fenômeno
externo que depende de estímulos e de comportamentos de
aprovação para continuar sendo realizada daquela maneira. Assim
como dispõe Kenedy (2008), para os behavioristas,

a linguagem humana era interpretada como um condicionamento social,


uma resposta que o organismo humano produzia mediante os estímulos que
recebia da interação social. Essa resposta, a partir da repetição constante e
mecânica, seria convertida em hábitos, que caracterizariam o
comportamento linguístico de um falante. (KENEDY, 2008, p. 127)

Em crítica a esse modelo, Chomsky diz que o funcionamento


da linguagem acontece na mente das pessoas, não sendo necessário
receber instruções exteriores para reproduzi-las. Assim, todos os
seres humanos têm em si o que ele chama de “faculdade da
linguagem”, que é a capacidade inata e interna em todos os
indivíduos que os deixam aptos a produzir uma língua natural.
Essa língua pode variar dependendo da comunidade em que
estamos inseridos – Português, Inglês, Francês, Espanhol, etc. – mas
todos nós temos a competência biológica e inconsciente de
aprender e manifestar uma determinada língua a partir do
momento em que somos expostos a ela. É a característica mental
mais marcante que separa o ser humano dos outros animais.
Dessa forma, Chomsky propõe a gramática gerativista ou
transformacional (GT) que é totalmente diferente da gramática
normativa (GN). Segundo Mioto (2007), a gramática normativa é:

o conjunto das regras "do bem falar e do bem escrever". Repare que, nesta
acepção, apenas uma variedade da língua está em jogo: a norma culta ou
padrão; e é esse "padrão" que guiará os julgamentos do que é ‘certo’ ou
‘errado’ na língua. Consequentemente, se uma sentença se conforma ao
padrão, ela é considerada ‘certa’, caso contrário é ‘errada’. Isso implica

41
conceitos quase estéticos: se a estrutura está ‘certa’, é considerada ‘bonita’,
senão é ‘feia’. (MIOTO, 2007, p. 16)

Já a GT baseia-se nas regras gramaticais – que não são da GN


– presentes na mente dos falantes nativos da língua. Esses falantes
conseguem produzir diversas frases com estruturas diferentes, mas
com o mesmo ideal semântico. Ou seja, a partir de um conjunto
finito de regras, conseguem construir infinitas frases. Isso traz uma
característica muito marcante nas ideias gerativistas que é a
criatividade do indivíduo para usar a língua. Assim, uma criança
de dois anos, que nunca teve contato com a GN e que nunca teve a
explicação de nenhuma das regras estruturais da língua, é capaz de
construir frases novas, que nunca ouvi antes, dentro dos padrões
linguísticamente aceitos naquela língua.
Então, a partir de uma única frase o falante consegue formar
várias outras. Essa frase inicial é chamada de estrutura profunda e
aquelas que são formadas a partir dela são chamadas de estruturas
superficiais. Por exemplo:
(1) A garota fez o bolo. (voz ativa) → estrutura profunda
(2) O bolo foi feito pela garota. (voz passiva) → estrutura
superficial
Para entender e produzir essas versões linguísticas, todo
falante de uma língua, desde criança, segue sua intuição linguística.
Os gerativistas chamam essa intuição de gramaticalidade e
agramaticalidade. Todos os seres humanos, independente da
língua que falam, conseguem diferenciar produções que estão
linguisticamente de acordo com sua língua ou não. Assim, Mioto
(2007) afirma que “quem sabe decidir se uma sentença pertence ou
não a uma dada língua é o falante nativo daquela língua,
escolarizado ou não. Portanto, os conceitos de gramaticalidade/
agramaticalidade não recobrem de forma alguma os conceitos de
certo/errado da gramática tradicional” (MIOTO, 2007, p. 20).
De acordo com Kenedy (2008), essas intuições são implícitas,
naturais e inconscientes e são baseadas exclusivamente na
percepção da criança em relação ao que os adultos falam. Todo esse

42
conhecimento linguístico que o falante tem sobre a língua é o que
Chomsky chamou de competência linguística e é a base dos estudos
gerativistas. Entretanto, só se pode perceber a competência ao
analisar o desempenho – a execução do conhecimento linguístico
de cada falante nativo.
Conforme os estudos gerativistas foram evoluindo começaram
a pensar na possibilidade de uma Gramática Universal (GU) que é
um conjunto de regras linguísticas que se aplicam a todas as
línguas. Para exemplificar o funcionamento da GU, os gerativistas
criaram a teoria chamada de Princípios e Parâmetros. Os Princípios
seriam as características sintaticamente aceitas em todas as línguas,
como a de que toda frase tem sujeito. Já os Parâmetros são as
características específicas de cada língua, por exemplo: apesar da
regra universal de que toda frase tem sujeito, no Português há a
possibilidade do sujeito ser nulo, o que não acontece no inglês.
Após todas essas considerações sobre as hipóteses gerativistas,
baseado nas ideias de Kenedy (2007), pode-se concluir que o
objetivo da linguística gerativa padrão é explicar os fenômenos das
várias línguas humanas tendo como base a GU e a teoria dos
Princípios e Parâmetros. Após essas observações, é possível
entender a capacidade mental dos seres humanos ao produzir uma
língua, que é a Faculdade da Linguagem.

Abordagem da gramática na corrente funcionalista

As teorias funcionalistas derivaram-se do sistema


estruturalista saussuriano e tiveram início em 1920, no Círculo
Linguístico de Praga. Elas foram evoluindo e se modificando e hoje
há várias vertentes e representantes, como Halliday, na Escola de
Londres; Jakobson, na Escola de Praga; e Sandra Thompson, Paulo
Hopper e Talmy Givón, na escola Norte Americana. De acordo com
Halliday (1994), todas essas escolas funcionais são diferentes, mas
todas estão relacionadas de alguma forma.
Os estruturalistas se dividiram em dois polos: os formalistas,
que consideram a língua como um objeto autônomo e é estudada

43
fora de contexto; e os funcionalistas que definem a língua como
instrumento de comunicação e consideram o contexto de uso. A
diferença desses pólos pode ser facilmente exemplificada pelo
quadro de Neves (1994):

Quadro 2: Características do paradigma formal e do paradigma funcional


PARADIGMA PARADIGMA
FORMAL FUNCIONAL
a. Como definir a Conjunto de orações Instrumento de interação
língua social
b. Principal função Expressão dos Comunicação
da língua pensamentos
c. Correlato Competências: Competência
psicológico capacidade de produzir, comunicativa: habilidade
interpretar e julgar de interagir socialmente
orações com a língua
d. O sistema e seu O estudo da competência O estudo do sistema deve
uso tem prioridade sobre o fazer-se dentro do quadro
da atuação do uso
e. Língua e As orações da língua A descrição das
contexto/ situação devem descrever se expressões deve fornecer
independentemente do dados para a descrição de
contexto/situação seu funcionamento num
dado contexto
f. Aquisição da Faz-se com o uso de Faz-se com a ajuda de um
linguagem propriedades inatas, com input extenso e
base em um input restrito estruturado de dados
e não estruturado de apresentado no contexto
dados natural
g. Universais Propriedades inatas do Explicados em função de
linguísticos organismo humano restrições: comunicativas;
biológicas ou psicológicas;
contextuais
h. Relação entre A sintaxe é autônoma em A pragmática é o quadro
sintaxe, semântica e relação à semântica; as dentro do qual a
pragmática duas são autônomas em semântica e a sintaxe
relação à pragmática; as devem ser estudadas; as
prioridades vão da prioridades vão da
sintaxe à pragmática, via pragmática à sintaxe, via
semântica semântica
Fonte: NEVES, 1994, p. 114.

44
Ainda sobre as diferenças desses dois polos, Batista e Silva
(2019) trazem algumas dicotomias em relação à gramática formal
e à gramática funcional:

[...] orientação sintagmática (gramática formal) vs. orientação paradigmática,


sem descuidar daquela sintagmática (gramática funcional, daí a abertura
para a dimensão textual); concepção de língua como conjunto de estruturas
com correlações regulares (gramática formal) vs. língua como rede de
relações, sendo que as estruturas são compreendidas como interpretação
dessas relações (gramática funcional); ênfase em universais linguísticos,
tendo a sintaxe como base (gramática formal) vs. ênfase nas variações entre
línguas, tendo a semântica por base (gramática funcional). (BATISTA;
SILVA, 2019, p. 138)

Segundo Mackenzie (1992, apud NEVES, 1994, p. 112) “a


gramática funcional tem como hipótese fundamental a existência de
uma relação não arbitrária entre a instrumentalidade do uso da língua
(o funcional) e a sistematicidade da estrutura da língua (a gramática)”.
Então, diferentemente de Saussure que tinha como objeto de estudo a
língua (langue), o foco do paradigma funcionalista é a fala (parole). A
teoria funcionalista não é abstrata e sim social e externa, sendo a
comunicação o ponto mais importante da linguagem. Assim,
considera-se o falante, o ouvinte e os papéis sociais.
Halliday (apud NEVES, 1994) traz estudos envolvendo o
modelo sistêmico-funcional em que ele diz que o falante tem um
leque de possibilidades linguísticas disponíveis e faz suas escolhas
baseadas no contexto em que vai usá-las, considerando a intenção
da mensagem e os interlocutores. Cunha (2011) também aborda
esse modelo mais moderado de Halliday e afirma que essa vertente
do funcionalismo

[…] admite uma interação entre forma e função, de modo que as funções
externas atuariam concomitantemente com a organização formal inerente ao
sistema linguístico, influenciando-a em certos pontos, sem
fundamentalmente definir suas categorias básicas. [...] reconhecendo a
inadequação do formalismo, propõem a incorporação da semântica e da
pragmática à análise sintática. (CUNHA, 2011, p. 159)

45
Dessa forma, Halliday (apud NEVES, 1994) estabelece que
todas as línguas seguem duas funções: a (1) ideacional, a linguagem
que compõe a experiência humana dos fenômenos do mundo real;
e a (2) interpessoal, a consideração dos papéis comunicativos entre
falante e ouvinte. Pode-se ainda considerar uma terceira função: a
(3) textual, que é a mensagem em si, mas Halliday não considera
essa terceira função quando a investigação é extrínseca, pois a
linguagem é algo interno. De acordo com Neves (1994),

uma gramática funcional destina-se, pois, a revelar, pelo estudo das


sequências linguísticas, os significados que estão codificados por essas
sequências. O fato de ser "funcional" significa que ela está baseada no
significado, mas o fato de ser "gramática" significa que ela é uma
interpretação das formas linguísticas. A análise linguística, num primeiro
nível, permite mostrar como e por que o texto significa o que significa, e,
num segundo nível, permite dizer por que o texto é ou não é um texto
efetivo, pelos propósitos que tem. (NEVES, 1994, p. 119)

Assim, pode-se concluir que o objeto de estudo do


funcionalismo é social e tem o foco nas funções que a mensagem
linguística produzida empenha dentro de um certo contexto,
dependendo também de condições externas à língua, como os
papéis sociais do falante e do ouvinte.

Uma abordagem da gramática normativa

A gramática normativa (GN) ou gramática prescritiva é aquela


que prescreve um conjunto de regras cuja função é delimitar o que
é correto e incorreto em cada língua. Em outras palavras, Rocha
Lima (2011) define a GN como “uma disciplina, didática por
excelência, que tem por finalidade codificar o uso idiomático, dele
induzindo, por classificação e sistematização, as normas que, em
determinada época, representam o ideal da expressão correta”
(LIMA, 2011, p. 38).
Segundo Aurox (1992 apud SURDI, 2010), historicamente, a
necessidade de padronizar textos literários, ensinar uma língua

46
estrangeira e organizar a língua conforme um modelo foram
fatores que levaram à criação da GN. No Brasil, esse processo de
gramatização tem início após a Independência do Brasil, em 1822,
com o intuito de evidenciar as características do Português do
Brasil, diferenciando-as do Português de Portugal. Mais adiante, a
GN vai se tornando oficialmente um conjunto de regras linguísticas
que separam socialmente os falantes da Língua Portuguesa. Então,
aqueles que têm acesso e fazem uso da língua de acordo com suas
regras normativas são considerados superiores àqueles que não
têm esse acesso.
Essa elitização da língua que transforma a norma padrão ou
culta, que é a construção que faz uso das regras da GN, como única
maneira correta de uso, gera discussões. Sobre isso, Petter (2003)
afirma que:

Abordar a língua exclusivamente sob uma perspectiva normativa contribui para


gerar uma série de falsos conceitos e até preconceitos, que vêm sendo
desmistificados pela Linguística. Em primeiro lugar, está suficientemente
demonstrado que a língua escrita não pode ser modelo para a língua falada.
Além do fato histórico de a fala ter precedido e continuar precedendo a escrita
em qualquer sociedade, a diferença entre essas duas formas de expressão
verifica-se desde sua organização até o seu uso social. Está também claro para
todo estudioso da linguagem que não há língua ‘mais lógica’, melhor ou pior,
rica ou pobre. Todas as línguas naturais possuem os recursos necessários para a
comunicação entre seus falantes. (PETTER, 2003, p. 20)

Nesse sentido, Faraco (2008) salienta que se toda norma é


estruturalmente organizada, a própria noção de erro deve ser
questionada, uma vez que não há como analisar e definir como
errada, uma construção que foi feita com base em norma diferente
da que está sendo julgada. O autor fala sobre a importância de o
linguista desenvolver instrumentos descritivos adequados que
abarquem as diferenças de organização estrutural das muitas
normas da língua.
Camacho (2015) critica a orientação normativa, segundo o
autor, ela conduz ao entendimento de que tudo o que foge ao
padrão cristalizado, estabelecido pela gramática normativa é

47
equivocado e que apenas a variedade prestigiada é sistemática e
regular. Mesmo assim, a gramática normativa ainda é a maneira
ensinada nas escolas e é a maneira cobrada na escrita, tratando
como errado qualquer outra forma que não se adeque a essas
regras, ainda que seus falantes não as reconheçam.
Para melhor elucidar as principais características apresentadas
das três correntes linguísticas, assim como na Gramática
normativa, apresentamos o quadro:

Quadro 3: Características do Estruturalismo, do Gerativismo, do Funcionalismo


e da Gramática Normativa
Estruturalis- Gerativismo Funcionalis GN
mo mo
Teóricos de Saussure Chomsky Halliday Rocha
destaque Lima
Definição A langue A língua como A língua A língua
constitui um objeto abstrato, como objeto como
sistema internalizada social cuja conjunto
linguístico de na mente de sua função é de regras
base social todo falante proporcio- gramati-
que é (faculdade da nar a cais pré-
utilizada linguagem). comunica- estabeleci-
como meio de ção. das que
comunicação deve ser
pelos seguido
membros de por seus
uma falantes.
determinada
comunidade,
portanto para
ele a langue
constitui um
fenômeno
coletivo,
sendo
compartilha-
da e
produzida
socialmente.
Isso significa
que a língua é

48
exterior ao
indivíduo.
Característi “Tendência de Gramática Gramática A
cas descrever a Universal: Funcional: a gramática
estrutura todas as língua em normativa
gramatical línguas do uso. Deve-se tem a
das línguas, mundo têm um considerar função de
vendo-as conjunto de os papéis estabelecer
como um regras básicas comunicativ construçõe
sistema (Princípios) e os (falante e s
autônomo, regras ouvinte), as linguísticas
cujas partes se específicas de intenções de certas ou
organizam em cada língua fala e a erradas
uma rede de (Parâmetros). mensagem. baseadas
relações de nas
acordo com normas
leis internas, teóricas de
ou seja, uma
inerentes ao língua.
próprio
sistema”
(MARTELOT
TA, 2011, p.
53).
Visão geral O “O projeto da “Uma “Visa
estruturalism linguística gramática unicament
o compreende gerativa é funcional é ea
que a língua, observar essencialme formular
uma vez comparativame nte uma regras para
formada por nte as línguas gramática distinguir
elementos humanas, com "natural", no as formas
coesos, inter- os seus sentido de corretas
relacionados, milhares de que tudo das
que fenômenos nela pode incorretas;
funcionam a morfofonológic ser é uma
partir de um os, sintáticos, explicado, disciplina
conjunto de semânticos e em última normativa,
regras, sua suntuosa instância, muito
constitui uma complexidade, com afastada
organização, com o objetivo referência a da pura
um sistema, de descrever os como a observação
uma Princípios e os língua é e cujo

49
estrutura. Parâmetros da usada. Seus ponto de
Essa GU que objetivos vista é
organização subjazem à são, forçosame
dos elementos competência realmente, nte
se estrutura linguística dos os usos da estreito”
seguindo leis falantes, para, língua já que (SAUSSUR
internas, ou assim, poder são estes E,
seja, explicar como é que, através 1916/1995,
estabelecidas a Faculdade da das p. 7)
dentro do Linguagem, gerações,
próprio essa parte têm dado
sistema. notável da forma ao
(MARTELOT capacidade sistema”.
TA, 2011, p. mental (NEVES,
114). humana”. 1994, p. 118)
(KENEDY,
2008, p. 140)
Fonte: Elaboração nossa.

Considerações Finais

A corrente estruturalista é considerada um marco para os


estudos linguísticos, as teorias saussurianas influenciaram várias
gerações que as sucederam. A definição de que a langue constitui
um sistema linguístico de base social, com regras internas que se
estabelecem a partir dos signos linguísticos e da relação entre
significado e significante, proporcionou, dentre outras coisas, a
desmistificação de que existem línguas superiores ou línguas
inferiores. O que existe são línguas, ou variedades que seguem uma
lógica interna, que possuem uma gramática estrutural, o que para
Saussure seria a plenitude formal.
Os estudos gerativistas, norteados pelas ideias de Chomsky,
são baseados nos Princípios e Parâmetros da Gramática Universal
das línguas humanas, e partem da teoria de que todo falante nasce
predisposto a desenvolver a(s) língua(s) a(s) qual(s) é exposto a
partir da sua Faculdade da Linguagem que é a capacidade interna
e inata em todos os indivíduos que os tornam aptos a produzir uma
língua natural. O funcionamento da linguagem acontece na mente

50
de cada indivíduo, não sendo necessário receber instruções
exteriores para reproduzi-las.
O funcionalismo, baseado nos estudos de Halliday, foca na
parte social e pragmática da língua. Seus referentes se dividiram
em duas vertentes: formalistas, que consideram a língua por si só,
e funcionalistas, que consideram a língua como instrumento de
interação social. Nessa teoria devem ser considerados os contextos
sociais de comunicação: falante, ouvinte e mensagem.
Já a gramática normativa é o conjunto de regras teóricas de
certa língua. Ela dita a forma “correta” de se usar a língua, mesmo
que, na maioria do tempo, ela não seja usada por seus falantes.
Assim, ela é considerada uma forma culta e de prestígio da língua.
É importante entender que não há teoria linguística melhor
que outra, pois cada uma delas tem suas características e objetos de
estudos bem delimitados. Outro fato importante a ser considerado
seria o momento em que seus estudos deram início, marcados pela
necessidade de seu estudo e sua colocação na linha do tempo, pois
uma teoria pode ser continuação de outra teoria ou até mesmo de
uma perspectiva diferente. É interessante saber que esses conceitos
podem nos mostrar diferentes formas de abordar e compreender as
gramáticas das línguas.

Referências

BATISTA, Ronaldo de Oliveira; SILVA, Érico Augusto Caetano


da. Halliday e sua retórica: posicionamentos teóricos na
linguística moderna. n. 56. Rio de Janeiro, 2019.
CAMACHO, R. G. Uma breve retrospectiva da pesquisa
sociolinguística. In: PARREIRA, Maria Cristina et al. Pesquisas em
Linguística no século XXI: perspectivas e desafios teóricos-
metodológicos. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 13-27, 2015.
COSTA, M. A. O Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.).
Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2011.

51
CUNHA, A. F. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.)
Manual de linguística. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2011.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando
alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
HALLIDAY, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar.
London: Edward Arnold, 1994.
KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.)
Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 127-140.
LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 49ª
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de Linguística. 2ª ed. São
Paulo: Contexto, 2011.
MIOTO, C; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. O estudo da
gramática. In: _______. Novo manual de sintaxe. 3a. ed.
Florianópolis: Insular, 2007.
NEVES, M. H. M. Uma visão geral da gramática funcional. Alfa,
São Paulo, v. 38, p. 109- 127, 1994.
PAVEAU, M.; SARFATI, G. As grandes teorias linguísticas: da
gramática comparada à pragmática. Trad. de Maria do Rosário
Gregolin, Vanice Oliveira Sargentini, Cleudemar Alves Fernandes.
São Carlos: Claraluz, 2006.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua linguística. In: FIORIN, J.
L. (org). Introdução à linguística – objetos teóricos. 6ª ed., São
Paulo: Contexto, 2010.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN,
J. L. Introdução à Linguística: objetos teóricos. São Paulo:
Contexto, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução:
Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 27ª edição.
São Paulo: Editora Cultrix, [1916] 2006.
SURDI, Marcia Ione. Gramática Normativa: movimentos e
funcionamentos do “diferente” no “mesmo”. Santa Maria, RS. 20

52
CAPÍTULO 3

CONSTRUINDO AS BASES TEÓRICAS CHOMSKYANAS


SOB UM VIÉS CRÍTICO

Edgar Correa Veras


Ellen Lopes de Paula von Glehn
Lucas Amâncio Mateus

Introdução

O gerativismo, ou teoria gerativa, surgiu ao final da década de


1950 nos Estados Unidos, precisamente a partir da escrita do livro
Estruturas Sintáticas em 1957, por Noam Chomsky, quando os
estudos da linguagem ainda eram dominados pela corrente teórica
do estruturalismo. Com o surgimento dessa nova teoria, houve
uma ruptura acentuada com os estudos behavioristas – ou
comportamentalistas – que, por meio de uma metodologia
empirista, apregoavam que a aprendizagem advinha de um
processo de condicionamento chamado estímulo-resposta.
A concepção chomskyana trouxe consigo uma nova forma de
analisar tal aprendizagem, uma vez que o autor se questionava a
respeito do processo de aquisição de língua materna frente a uma
pobreza de estímulos. Segundo Kenedy (2013, p. 65-66),

O argumento da pobreza de estímulo sustenta, na verdade, que o


conhecimento preciso e elaborado que a criança constrói sobre a estrutura
da sua língua não pode ser deduzido unicamente a partir das informações
contidas nos estímulos linguísticos do ambiente, por mais ricas que sejam.
Os estímulos, segundo Chomsky, são pobres porque não possuem todas as
informações necessárias para a aquisição do conhecimento linguístico [...] a
criança deve deduzir por si própria uma grande quantidade de informações,
sem as quais os estímulos para poucos serviriam.

53
O Behaviorismo não permitia a criatividade linguística,
enquanto o Gerativismo se apresentava como um modelo
revolucionário, uma revolução cognitivista, com o propósito de
superá-lo e substituí-lo, revitalizando a concepção racionalista dos
estudos da linguagem em oposição direta à concepção de Skinner
e Bloomfield.
Para explicar sua teoria, Chomsky (1978) concebe a Gramática
Gerativa, que pretende explicar a capacidade inata de um
indivíduo produzir ou poder realizar inúmeras sentenças a partir
de finitas regras que ele reconhece como gramaticais. De modo
sucinto, a essa capacidade inata e intuitiva, o autor a nomeia
Faculdade da Linguagem, e dela advirão muitos termos
consagrados que permeiam seu trabalho, como competência,
inatismo, mentalismo, mecanismo ou dispositivo de aquisição de
linguagem, sistema de hábitos, formalismo universal, gramática
universalizada, evolução biológica, dentre tantos outros que
vieram a ser conhecidos desde então.
Por meio de pesquisas sintáticas da linguagem, o consagrado
autor pretendeu compreender as propriedades comuns e
universais das línguas, através da chamada Gramática Universal
(GU). Um formalismo constituído de regras abstratas, quase que
matemáticas, subjazem ao seu método hipotético-dedutivo.
Após nossa breve explanação do tema, temos como objetivo
principal com o presente ensaio refletir sobre as perspectivas
favoráveis e posições discordantes a respeito dos principais tópicos
relacionados à proposta Gerativa e defendida pelo linguista Noam
Chomsky. Tomamos como objeto para a análise textos
introdutórios que buscam apresentar de maneira didática e
abrangente esses tópicos, e que foram selecionados, considerando
o acesso e a afinidade com o objetivo proposto, além de traduções
de obras seminais do próprio autor.
Assim, faz-se necessário abordar suas teorias mais conhecidas,
como a Gerativo-Transformacional, Gramática Universal,
Princípios e Parâmetros e Programa Minimalista, assim como insta
analisarmos tópicos específicos dentro desses programas,

54
elucidando os aspectos relacionados às teorias supramencionadas
que foram propostas por essa corrente linguística. São elas: a
Faculdade da Linguagem, falante-ideal, inatismo, mentalismo,
recursividade e as seguintes polarizações: competência/
desempenho, estrutura profunda/superficial e gramaticalidade/
agramaticalidade.
Outrossim, veremos não somente como meio século de
gramática gerativa trouxe um assentamento teórico categórico para
a corrente linguística gerativa chomskyana, como também,
suscitou críticas de outros teóricos que serão mencionadas no
presente trabalho.

Gramática Gerativa-Transformacional e sua oposição ao


Estruturalismo behaviorista

O estruturalismo manteve-se em voga por quase meio século,


tendo início com o advento dos estudos saussurianos, em 1916 e
bloomfieldianos, em 1933. Esses lidavam com o sistema linguístico
e os elementos subjacentes a ele, que permitiam estudos de
formação de palavras e sentenças, sua distinção e significação. Na
área da psicologia, preponderava o behaviorismo de Skinner no
tocante ao modo de aquisição de linguagem materna, o que se
distanciava de qualquer ideia inatista. A gramática nesse momento
analisava a língua “voltada para si mesma, sem considerar-se
possíveis influências externas ao sistema, que é considerado como
uma entidade fechada em si mesma” (SOUZA, 2014, p. 39).
Posteriormente a 1950, o linguista Noam Chomsky começa
seus estudos e, embora tenha sido influenciado pela mesma
corrente supracitada, passa, porém, a ter uma percepção
fenomenológica da linguagem diferenciada. Abandona-se, a partir
desse momento, a perspectiva estrutural e arquitetônica da língua,
observando o que a estrutura (o sistema linguístico) é capaz de
fazer de forma ativa, e não somente como objeto passivo de estudo,
e faz-se uma crítica profunda ao behaviorismo, já que, para
Chomsky, a capacidade da linguagem seria inata e biológica na

55
espécie humana, não sendo necessário nenhum estímulo para que
venhamos a desenvolver a linguagem, já que somos dotados de
criatividade neurobiológica.
Com essa proposição, surge a Gramática ou teoria Gerativa,
deixando de observar o sistema, a estrutura, e sim observar frases
possíveis de serem geradas a partir das regras que constituem o
sistema. Concentra-se nesse momento no aspecto mental da
linguagem, por isso o termo mentalismo está vinculado a esse
movimento, sendo um de seus princípios.
Chomsky deixa claro que, a tal capacidade inata e biológica,
ou mesmo o próprio conhecimento que o falante-ouvinte tem de
sua própria língua, dá-se o nome de Competência, e o uso real da
língua em situações concretas, ele nomeia Desempenho ou
Performance. Devemos lembrar que “a disposição inata para a
competência linguística é o que ficou conhecido como faculdade da
linguagem” (KENEDY, 2011, p. 129, grifo do autor).
O mecanismo interno da mente humana também permite que
façamos distinção entre estruturas aceitáveis dentro do sistema
gramatical de nossa língua, portanto são sentenças que podemos
chamar de gramaticais (e.g. o anel é azul; eu comprei um carro).
Consideramos como agramaticais aquelas estruturas que, pela
intuição, sabemos que não se encaixam no padrão aceito pelos falantes
(nativos) da língua (e.g. azul é anel o; carro um comprei eu).
O objeto de estudo do Gerativismo passa a ser a Competência,
que vem posteriormente associar-se equivalentemente à Estrutura
Profunda, sendo essa isenta de alterações por fatores
extralinguísticos, de influências e desvios por fatores subjetivos.
Assim corrobora Chomsky (1976, p. 6, tradução nossa) ao afirmar
que “uma gramática de uma língua pretende ser uma descrição da
competência intrínseca do falante-ouvinte ideal”.1
Depreende-se daí que os gerativistas ignoram o contexto
comunicativo em que se dá o uso linguístico, priorizando os

1No original: Una gramática de una lengua pretende ser una descripción de la
competencia intrínseca del hablante-oyente ideal.

56
estudos gramaticais das estruturas que a capacidade inata,
intuitiva, mental e abstrata do ser humano é formalmente apta a
gerar num contexto ideal e homogêneo. Assim como Saussure
priorizou o sistema e a língua como objeto de estudo, como
conjunto de signos estáticos que repousam em eixos
paradigmáticos, e deixou de lado a fala e seus contextos reais de
uso, Martelotta (2011) afirma que:

Chomsky assume uma posição semelhante à de Saussure, ao sustentar que


o objeto de estudo da linguística deve ser a competência, e não o
desempenho. Isso significa que mais uma vez o sujeito, como usuário real
da língua, e suas habilidades sociointerativas ficam de fora dos estudos
linguísticos. Chomsky propõe, portanto, uma noção idealizada de
competência, característica de um falante/ouvinte igualmente idealizado,
que utilizaria de modo regular seu conhecimento linguístico,
independentemente das diferentes situações reais de comunicação.
(MARTELOTTA, 2011, p. 60)

Várias correntes linguísticas que surgiram após o Gerativismo,


principalmente as que consideram a língua como um sistema
heterogêneo, passível de variações e mudanças, assim como
aquelas que a estudam em seu uso, criticaram a posição idealista e
abstrata do ideal de Chomsky, em que esse falante estaria inserido
numa comunidade de fala homogênea. Para Viotti (2013, p. 145),

[...] a gramática gerativa, talvez mais do que o estruturalismo saussuriano,


privilegia um modelo de língua estático, em que a mudança é vista como
uma exceção, como o resultado de uma falha. Considerar a língua humana
estática é uma questão que está em grande medida associada à opção por
definir a língua como um sistema idealizado e homogêneo, seja ele de
natureza mental (como no caso da gramática gerativa) ou não (como no caso
do estruturalismo) [...] Com isso, a ideia de uma visão de língua homogênea
passou a ser questionada, o que fez emergir uma nova maneira de tratar a
mudança linguística.

Em sua teoria gerativa, Chomsky, assim como Saussure,


trabalha com certas ideias opostas, as quais podemos também
chamar de polarizações. A que aqui se destaca é a distinção

57
fundamental entre Estrutura Profunda e Estrutura Superficial, que
serão vistas a seguir.

Estrutura Profunda e Superficial

Durante os anos 50 e 60 do século XX, Noam Chomsky


desenvolveu o conceito de que cada oração tem dois níveis
distintos de representação: uma Estrutura Profunda (EP) e uma
Estrutura Superficial (ES). A primeira seria uma representação direta
da informação semântica da oração e representa o núcleo das
relações semânticas de uma frase, refletindo-se através de regras
transformacionais por meio da segunda (Estrutura Superficial), que
segue de forma próxima à forma fonológica da oração.
Assim, podemos atribuir certo grau de equivalência da EP à
Competência do falante (sua capacidade), e da ES, à sua
Performance/Desempenho. Entre uma e outra ocorrem as regras
de transformação. Tais assentamentos teóricos perduraram até os
anos 90, quando mudanças no modelo gerativista levaram a crer
que as transformações seriam na verdade derivações, e assim
novos modelos de análise surgiram (KENEDY, 2011), como
poderemos ver.
Quando se trata de transformação, podemos ver na figura 1,
uma transformação passiva, em que a voz ativa (O estudante leu o
livro) é interpretada como a estrutura profunda sobre a qual são
aplicadas as regras transformacionais que geram uma voz passiva,
a estrutura superficial (O livro foi lido pelo estudante).

58
Figura 1: Transformação ativa em passiva

Fonte: Kenedy (2011, p. 132)

Daí vem a explicação da geratividade das sentenças, tal qual


pontuada por Kenedy (2011), que explicita a possibilidade de
transformação de sentenças ativas em sentenças passivas,
declarativas em interrogativas, afirmativas em negativas etc. E é a
competência linguística que interpreta a gramaticalidade ou a
agramaticalidade dessas sentenças de forma intuitiva e inata,
interpretando-as mentalmente e de forma biológica e natural.

Gramática Universal

A partir do conceito de Gramática Gerativa, postulado por


Noam Chomsky, apresentou-se também a ideia de uma Gramática

59
Universal, doravante GU, que investiga quais são as características
comuns a todas as línguas naturais. Essa gramática universal é
composta por uma base cognitiva, uma base biológica e uma
hipótese inatista, e sustenta a existência de princípios comuns a
todas as línguas naturais.
A base cognitiva trata do que as pessoas sabem sobre as
línguas, ou seja, é a intuição dos falantes de uma língua sobre como
devem ser formadas as sentenças, como produzir e compreender
sua própria língua e como identificar as sentenças que são possíveis
ou não de serem formadas.
Já a base biológica e a hipótese inatista são partes do
pressuposto de que todo ser humano é dotado da faculdade da
linguagem, e as crianças já nascem com uma estrutura linguística
inata dentro do aparelho cognitivo, com um condicionamento
biológico que permite não somente a aquisição de linguagem, mas
também que as línguas mundiais compartilhem de características
comuns, defendendo assim que se possa encontrar um formalismo
universal válido para todas as línguas. Isso é explicado por Souza
(2014, p. 40) ao comentar:

[...] se todos os seres humanos partilham de uma mesma dotação linguística,


isso significa que todas as línguas humanas teriam necessariamente
características comuns, já que são todas faladas pelos mesmos seres
humanos que, biologicamente, não se diferenciam em nenhum lugar do
planeta. Ao princípio que regula o funcionamento geral das línguas,
inclusive impondo limites na variação deles e assemelhando-as, chamamos
gramática universal (GU).

Ao longo dos anos, a teoria de Chomsky evoluiu e, no início


da década de 1980, a hipótese da GU surgiu no lugar do conceito
de Competência linguística, como o conhecimento intuitivo do
conjunto de regras específicas da língua. Segundo Chomsky (1978),
tal teoria possibilita aos linguistas predizer novos dados sobre uma
língua, a partir do que já foi analisado, observando não só as
propriedades gramaticais que existem em comum em todas as

60
línguas naturais, como também as diferenças previsíveis nessas
línguas dentro das regras presentes e disponíveis na GU.
Diante disso, ainda de acordo com Kenedy (2011, p. 135), a
hipótese da gramática universal defende a ideia de que

[...] a faculdade da linguagem é o dispositivo inato, presente em todos os


seres humanos como herança biológica, que nos fornece um algoritmo, isto
é, um sistema gerativo, um conjunto de instruções passo a passo – como as
inscritas num programa de computador – o qual nos torna aptos para
desenvolver (ou adquirir) a gramática de uma língua. Esse algoritmo é a GU.

Assim, com vistas a apresentar uma descrição acerca do


funcionamento e da natureza dessa gramática universal, os
gerativistas elaboraram uma teoria conhecida como Princípios e
Parâmetros, que se apresentou em duas fases, sendo a primeira, ao
longo da década de 1980 – a fase da teoria da regência e da ligação;
e a segunda o Programa Minimalista, desenvolvido desde o início
de 1990 até os dias atuais.

Princípios e Parâmetros

A partir da teoria de Princípios e Parâmetros, percebemos que


seu foco se encontra principalmente na área da sintaxe, uma vez
que mesmo entre línguas sem nenhum parentesco, podemos ver as
semelhanças entre elas em suas estruturas sintáticas.
Cezario e Martelotta (2011) também consideram a gramática
universal como sendo composta pelos princípios e parâmetros. Em
consonância com os autores, enquanto os princípios abarcam as
regras que há em comum em todas as línguas, os parâmetros
compreendem as variações que podem existir nas línguas e daquilo
que pode estar presente ou ausente nas diferentes línguas. Como
exemplo, podemos citar o uso do sujeito, que deve estar sempre
presente nas orações da língua inglesa e, na língua portuguesa,
pode não aparecer em determinada sentença.
Os autores supramencionados ainda defendem que, para
Chomsky, as crianças já nascem com um dispositivo inato para a

61
aquisição da linguagem, o que faz com que aprendam a falar
rapidamente, em contato com os dados primários da língua a que
são submetidas. Embora muitas crianças estejam expostas a falas
fragmentadas, por herdarem geneticamente um conhecimento
linguístico prévio, essas são capazes de internalizar as regras da
gramática de uma língua em um curto espaço de tempo devido a
esse dispositivo inato.
Além disso, ainda quanto ao foco que é dado à área da sintaxe,
conforme Kenedy (2011), dentro do gerativismo há um conceito de
Gramática Modular, segundo o qual os componentes da gramática
– morfologia, fonética, léxico, semântica – devem ser estudados de
forma independente entre si, cada um com suas próprias regras,
mas mantendo pontos de ligação entre esses módulos, uma vez que
a sintaxe utiliza-se do léxico para formar as sentenças que precisam
da fonética para serem pronunciadas e da semântica para terem
uma interpretação de seu sentido. O autor representa a relação
entre os módulos a partir do seguinte esquema:

Figura 2: O modelo de gramática

Fonte: Kenedy (2011, p. 136)

Diante dessa ideia de que usamos meios finitos para a criação


de infinitas possibilidades de expressões temos, conforme
Guimarães (2017), assim como na matemática, a noção de que os
números são infinitos, uma vez que sempre é possível usarmos a
operação de acrescentar “mais um” e obtermos um número cada
vez maior, por meio da recursividade, ainda que não saibamos os
nomes de todos os números.

62
Dessa forma, analogamente à matemática, podemos entender
que uma estrutura pode ser recursiva, quando ela é formada a
partir da aplicação de operações que sejam produtos de outra
aplicação da mesma operação. Em outras palavras, esse processo
ocorre ao produzirmos uma sentença simples que se encaixa em
outra maior, exercendo determinada função sintática e esta, por sua
vez, exerce essa mesma função sintática em outra sentença ainda
maior, e assim poderia ser feito sucessivamente.
Guimarães (2017, p. 130) exemplifica o uso da recursividade
na formulação de sentenças com função de objeto direto, da
seguinte forma:

(i) [* Anita mentiu]


(ii) [* Karen provou [* que Anita mentiu]]
(iii) [* Janice disse [* que Karen provou [* que Anita mentiu]]]
(iv) [* Cassie sabe [* que Janice disse [* que Karen provou [* que Anita
mentiu]]]]

A tais exemplos, Guimarães (2017) chama de recursividade


sentencial, mas o autor aponta que existem outros tipos de
recursividade e apresenta ainda algumas discussões a respeito. O
autor nos mostra que uma sentença que se encaixa em outra pode
desempenhar diferentes funções além da função de objeto direto.
Além disso, ele ressalta que nem sempre a recursividade sequencial
foi vista como decorrente de regras sintagmáticas, mas uma dada
sentença poderia ser considerada como derivada de outras
sentenças independentes por meio de regras das transformações
generalizadas.
Guimarães (2017, p. 132) nos traz que Chomsky “abandona a
noção de transformações generalizadas, por considerar que suas
formulações eram demasiados arbitrárias e complexas”. Para
Chomsky, era possível produzir os mesmos resultados por
transformações a partir de regras sintagmáticas ao que foi
chamado, conforme mencionado anteriormente, de Estrutura
Profunda e as transformações singulares aplicadas sobre essa base
produziriam a Estrutura Superficial. Embora a ideia da

63
recursividade seja uma explicação plausível para a gramática
gerativa, ela não é consensual, uma vez que há quem critique essa
teoria, como veremos mais adiante.

Programa Minimalista

Se algumas premissas básicas continuam sendo irrefutáveis na


perspectiva dos gerativistas, a forma como a teoria gerativa é
apresentada mudou significativamente nos últimos anos, a partir da
constatação de sua complexidade e arbitrariedade já mencionadas. A
segunda fase da teoria de Princípios e Parâmetros, o Programa
Minimalista, busca responder de uma forma mais simples, duas
questões centrais: o que é língua e o que faz a língua ter as
propriedades que tem? Cabe destacar aqui o caráter de programa e
não de teoria, proposto por Chomsky, parecendo também buscar que
críticas decorrentes da busca por um tratado coerente e completo da
natureza da linguagem, abundantes na ocasião do surgimento da
teoria gerativa, se propagassem de forma incontrolada.
Com um recorte minimalista, a teoria da gramática universal
passa então a assumir um caráter de perfeição, já que qualquer
língua pode ser facilmente explicada a partir não de suas
peculiaridades, mas tomando como ponto de partida suas bases
similares que atendem suficientemente às necessidades humanas.
Estas sim, governadas por um princípio computacional
simplificado, agora em combinação com os elementos discretos
presentes nas mais diversas línguas, permitiriam descrições
completas, coerentes e primorosas.
Embora seu alcance parta de uma proposta simplificada, não
é tão simples explicar os desdobramentos do programa
minimalista, talvez pelo fato de ele ser tomado em termos
computacionais. O que é central, logo, é a relação das regras
estabelecidas para a formação das sentenças e o léxico adquirido
pelo indivíduo. Nas palavras de Freidin e Lasnik (2011):

64
Central para o programa minimalista é a noção de uma língua como um
léxico somada a um sistema computacional que juntos geram representações
para expressões linguísticas. Essa noção tem origem em Chomsky (1965),
onde o léxico é analisado como uma entidade separada do sistema de regras
gramaticais, ou seja, um conjunto de regras de estrutura frasal e
transformações. Esta proposta é motivada metodologicamente por permitir
uma simplificação das regras gramaticais, especificamente a eliminação das
regras de estrutura frasal sensível ao contexto do componente regra de
estrutura frasal. (FREIDIN; LASNIK, 2010, p. 2, tradução nossa)2

Mantendo essa centralidade, a simplificação proposta elimina,


portanto, a distinção anterior entre estrutura profunda e
superficial, a noção de governo e a representação X-barra em
função de uma estrutura de frase simples.

Análise crítica

A coerência interna dos argumentos propostos pela teoria, tal


como sucintamente apresentados até agora, que permite o desenho
de um quadro coerente num design estruturado da linguagem
humana, é a grande responsável pelo impacto e difusão do
gerativismo na ciência da linguagem até os dias de hoje.
No entanto, é verdade também que inúmeras críticas
relacionadas à teoria gerativa foram construídas ao longo dos anos, no
escopo de um retorno a uma linguística de base empírica ou mesmo
dentro de uma abordagem racionalista da linguagem. Essas críticas
podem se configurar sobre elementos de duas ordens: leituras
equivocadas, reducionistas ou demasiadamente amplas sobre as

2 No original: Central to the MP is the notion of a language as a lexicon plus a

computational system that together generate representations for linguistic


expressions. This notion originates in Chomsky (1965), where the lexicon is
analyzed as an entity separate from the system of grammatical rules, i.e. a set of
phrase structure rules and transformations. This proposal is motivated
methodologically on the grounds that it allows for a simplification of grammatical
rules, specifically the elimination of context-sensitive phrase structure rules from
the phrase structure rule.

65
propostas gerativas e aquelas diretamente relacionadas aos princípios
subjacentes da linguagem depreendidos da proposta gerativa.
Divergências na compreensão teórica parecem evidenciar-se
na inconsistência das diversas definições e escopo da teoria
apresentada pelos textos analisados: corrente de estudos,
abordagem, convergência metodológica, campo disciplinar. Se a
própria natureza complexa dos conceitos justificaria a falta de
clareza nas definições, é mister destacar também, tal como
Maximiliano Guimarães (2017), que a constante leitura
fragmentada do autor, ou de terceiros que o resenham, promove
uma desvalorização e reproduções equivocadas sobre aquilo que
Chomsky postula.
Quanto às críticas que atacam pontos estruturais da teoria
gerativa, conforme vimos anteriormente, teriam sua gênese na
concepção estática, homogênea e idealizada de língua depreendida
da teoria. A análise da língua em uso e da mudança e variação
linguística, como fatores determinantes e norteadores dos ajustes
internos e biológicos e, portanto, definidores da face a ser analisada
do objeto, seria a base da crítica fundamentada pelos empiristas.
Quanto a isso, Chomsky esclarece:

[...] a oposição à idealização é simplesmente uma objeção à racionalidade;


equivale a nada mais do que uma insistência para que não façamos trabalhos
intelectuais significativos. Os fenômenos suficientemente complicados para
valer um estudo geralmente envolvem a interação de diversos sistemas. Assim,
você precisa abstrair um objeto de estudo, você precisa eliminar os fatores que
não são pertinentes. Pelo menos se você quiser fazer uma investigação acima do
trivial. Nas ciências naturais, isso nem é discutido, é evidente por si mesmo. Nas
ciências humanas, continua a ser questionado. É uma coisa infeliz. Quando você
trabalha no interior de uma idealização, talvez deixe passar alguma coisa
terrivelmente importante. Essa é uma contingência da inquirição racional que
sempre foi entendida. Não se deve preocupar demais com isso. (CHOMSKY;
FOUCAULT, 2007, p. 64, grifos nossos)

Outras críticas se estabeleceriam a respeito de proposições


teóricas fundamentais do gerativismo, dentre as quais destacamos
a crítica relacionada à recursividade da língua, tendo como seu

66
principal expoente o linguista Daniel Everett, em seus estudos
sobre o idioma dos índios pirahã, do Amazonas. Segundo ele, esse
seria um idioma que não apresenta recursividade, invalidando a
tese de “universais linguísticos” proposta por Chomsky. O
pesquisador afirma que não é possível formar sentenças
infinitamente longas, com o encaixe de certos elementos em outros
(IDOETA, 2019).
Chomsky, por sua vez, contra-argumenta que há aí uma
compreensão errada dos postulados da GU, uma vez que a não
apresentação de sentenças incorporadas, que demonstrariam
recursividade, não anularia o aspecto genético universal da
gramática proposta por ele.
Atualmente, no entanto, argumenta-se, a partir do trabalho de
Nevins, Pesetsky e Rodrigues (2009), que o equívoco se deve à
interpretação dos dados da língua e não a uma falha na teoria. De
fato, é o que sustentam os autores ao afirmar que:

Grande parte do nosso relatório diz respeito à alegação sobre a


incorporação, uma vez que este é o ponto que desafia mais diretamente a
“proposta da gramática universal de Chomsky”. Acreditamos que muitos dos
fenômenos aparentemente exóticos e inexplicáveis que supostamente incidem
sobre a questão da incorporação são incorretamente analisados no artigo de
Everett. De fato, mostramos a seguir que considerações de ordem de palavras e
escopo semântico argumentam a favor da existência de incorporação em Pirahã.
(NEVINS; PESETSKY; RODRIGUES, 2009, tradução nossa) 3

É possível, portanto, argumentar preliminarmente pela


insustentabilidade das críticas estabelecidas sob as duas ordens
definidas, tomando como base a defesa estabelecida por
especialistas devotados à leitura do compêndio da obra gerativa,
bem como o entendimento do escopo da teoria tal como esclarecido

3 No original: Much of our report concerns claim 1a about embedding, since this

is the point said to most directly challenge ‘Chomsky’s proposed universal


grammar’. We believe that many of the seemingly exotic and inexplicable
phenomena that supposedly bear on the question of embedding are incorrectly
analyzed in CA. In fact, we show below that considerations of word order and
semantic scope argue in favor of the existence of embedding in Pirahã.

67
pelo próprio Chomsky, o que nos leva às considerações finais das
reflexões propostas até aqui.

Considerações Finais

Vimos que os textos discutidos convergem em tópicos


fundamentais que compõem a teoria gerativa: Faculdade da
Linguagem, falante-ouvinte ideal, inatismo, mentalismo,
recursividade, competência/desempenho, estrutura profunda/
superficial e gramaticalidade/agramaticalidade. A compreensão
desses tópicos parece induzir-nos ao estabelecimento de um
quadro conceitual a priori, estabelecendo um olhar intuitivo e
indutivo. Podemos argumentar, entretanto, que a leitura desses
textos também demonstra a existência de inconsistências teóricas
dadas pelas diversas leituras que se estabelecem sobre a teoria, haja
vista que diferentes definições são dadas em relação ao seu escopo.
As críticas estabelecidas à teoria parecem se sustentar apenas
sobre a argumentação da impossibilidade de acepção do objeto ou
sobre a afirmação de que a teoria propõe a inexistência de uma
heterogeneidade linguística ou uma desvalorização de sua primazia,
o que é contradito por Chomsky. Aquela que se baseia na
recursividade é insustentável, na perspectiva dos teóricos gerativistas,
à luz de uma análise aprofundada do corpus em questão.
A reflexão proposta apresentou conceitos caros ao gerativismo
que, se não nos impele a compartilhar de suas asserções, nos
fornece, ao mínimo, um contraponto rico e bem elaborado que
serve como ponto de partida para o estabelecimento sistemático de
uma teoria da linguagem, quer convergente ou não.
Para o leitor, torna-se fundamental uma clareza sobre a
amplitude e o alcance dos conceitos propostos, de forma que, bem
delimitado, os construtos teóricos se estabeleçam de maneira sólida
e transparente na mente dos que se aventuram pelos estudos
linguísticos.

68
Referências

CEZARIO, M. M.; MARTELOTTA, M. E. Aquisição da linguagem.


In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de Linguística. 2. ed. São
Paulo: Contexto, 2011, p. 207-2016.
CHOMSKY, N. Aspectos de la teoria de la sintaxis. Madrid:
Aguilar, 1976.
CHOMSKY, N. Topics in the theory of generative grammar. 5. ed.
Paris: Mouton, 1978.
CHOMSKY, Noam; FOUCAULT, Michel. Linguagem e
responsabilidade. São Paulo: JSN Editora, 2007.
FREIDIN, Robert; LASNIK, Howard. Some roots of minimalism in
generative grammar. In: The Oxford handbook of linguistic
minimalism. 2011.
GUIMARÃES, Maximiliano. Os fundamentos da teoria linguística
de Chomsky. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2017.
IDOETA, P. A. O missionário que virou ateu ao viver com índios
brasileiros e fez surpreendente 'descoberta' sobre história da
linguagem. In: BBC, São Paulo, 2019. Disponível em: https://www
.bbc.com/portuguese/geral-50256895. Acesso em: 20 jun. 2022.
KENEDY, E. Curso básico de linguística gerativa. São Paulo:
Contexto, 2013.
KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual
de Linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 127-140.
MARTELOTTA, M. E. Conceitos de gramática. In: MARTELOTTA,
M. E. (org.). Manual de Linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto,
2011. p. 43-70.
NEVINS, Andrew; PESETSKY, David; RODRIGUES, Cilene.
Pirahã exceptionality: A reassessment. Language, p. 355-404, 2009.
SOUZA, F. E. M. Teorias linguísticas e suas concepções de gramática:
alcances e limites. Linguagem em Foco, Fortaleza, v. 6, n. 1, p. 37-47,
2014. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/linguagem
emfoco/article/view/1929/1719. Acesso em: 30 maio 2022.
VIOTTI, E. Mudança linguística. In: FIORIN, J. L. (org.).
Linguística? Que é isso? São Paulo: Contexto, 2013. p. 137-180.

69
70
CAPÍTULO 4

AS BASES QUE SUSTENTAM A


ANÁLISE DO DISCURSO FOUCAULTIANA

Kennedy José de Oliveira Júnior


Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira

Introdução

Nas quatro décadas que Michel Foucault levou para


desenvolver sua produção teórica, uma das características mais
marcantes foi a amplitude dos temas estudados. Que para alguns
pesquisadores são caracterizadas em três fases que compreendem
estudos como loucura, crime e castigo, medicina, psicologia e
psicanálise, sexualidade, totalitarismos, verdade e poder, sujeito,
história, literatura, dentre outros.
Michael Foucault não se dedicou exclusivamente à Análise do
Discurso, mas deixou uma grande contribuição, sendo assim,
pergunta-se: quais as influências do pensamento foucaultiano nos
estudos discursivos? Pode-se dizer que, da mesma forma que não
se entende Marx sem a referência necessária a Hegel, não se pode
entender Foucault sem suas influências e este trabalho irá trazer
essa abordagem para dentro dos pensamentos foucaultianos nos
estudos discursivos.
A analogia, porém, para aí. Diferente da relação dialética, de
contradição, que obrigou Marx a se opor ao mestre, a rebelar-se
contra ele, mas ao mesmo tempo, conservando o patrimônio
herdado (realizando, dessa forma, uma Aufhebung, que ao mesmo
tempo conserva e supera o termo inicial da relação), a relação de
Foucault com suas influências é essencialmente de filiação, como a
de um diretor de consciência com o seu discípulo. É o modelo
socrático, em que o mestre não é apenas uma fonte teórica, mas

71
também um símbolo, um exemplo, um emblema vivo de uma nova
concepção do pensamento e do filósofo.
Sendo assim, neste modelo, o mestre não transmite um dogma,
uma doutrina ou um sistema, que o aluno tem que tornar seu e
defender, ele atua de tal forma que o aluno seja levado a questionar
todos os valores recebidos e se afirmar num novo caminho.
Esse estudo tem por objetivo geral apresentar as influências do
pensamento foucaultiano nos estudos discursivos. Para isso,
optamos pelo enfoque metodológico de natureza descritivo, cuja
abordagem é qualitativa, uma vez que esse olhar teórico permitirá
uma investigação sobre os modos de constituição da Análise do
Discurso de linha francesa. Como forma de justificar a nossa
filiação metodológica, citamos Charaudeau, que reflete sobre a
definição dos procedimentos de execução da pesquisa a partir da
problemática levantada, no caso deste trabalho – uma problemática
dita representacional e interpretativa:

O objeto de estudo dessa problemática é definido através das hipóteses de


representações sócio-discursivas que se supõem dominantes num dado
momento da história de uma sociedade (são, então, sócio-históricas), e que
caracterizam um determinado grupo social. Sob esse aspecto, elas são
interpretativas, visto que é necessário formular, de início, uma hipótese
sobre o que são os “posicionamentos sociais” em relação com as “práticas
discursivas” e os “tipos de sujeitos” que se acham ligados a tais
posicionamentos e práticas (CHARAUDEAU, 2011, p.11) ( grifos do autor).

Já o método que orienta esse estudo é o arqueogenealógico


guiado por Michel Foucault, dado que essa lente fornece subsídios
para compreender os processos de subjetivação dos sujeitos do
discurso por meio das relações entre a linguagem, o poder e o saber,
num dado momento sócio-histórico. Nesse sentido, trabalharemos
na seção a seguir, algumas dessas noções.

Michel Foucault: um olhar para os estudos discursivos

O pensamento foucaultiano, na Análise do Discurso, surge


com uma nova abordagem filosófica e histórica – a arqueologia.

72
Essa concepção pode ser compreendida pelos movimentos de
reflexão acerca da estrutura institucional, histórica e política dos
discursos. Conforme Júnior (2019), “na arqueologia de Michel
Foucault, a articulação entre Discurso e História parece ganhar
certa autonomia em relação à Linguística e às questões textuais"
(JÚNIOR, 2019, p. 165).
Nesse sentido, é válido destacar que Foucault foi um leitor de
Nietzsche, com isso, pode-se dizer que suas teorias conversavam
com o que ele consumia na época. Sua “fidelidade infiel” a
Nietzsche é uma atitude muito mais nietzscheana do que a atitude
de alguns comentadores que se arvoram em guardiões do texto
sagrado do mestre e se esgotam em inúteis polêmicas.
Para Corrêa (2000), Foucault, a partir dos escritos de Nietzche
propôs, por exemplo, uma análise crítica sobre o sujeito e a
subjetividade. À vista disso, o processo de subjetivação não é como
um retorno ao sujeito, mas como criação de modos de vida, de
novas possibilidades de existência, concepção cuja origem está nos
gregos. Na estética vitalista de Nietzsche, era a afirmação da
vontade de potência como “querer- artista” e em Foucault a dobra
da força sobre si mesma, seu poder de se afetar a si mesma
(RIBEIRO, 2018).
Conforme explicado acima, um exemplo é a análise que
Foucault faz do “poder pastoral”. Nietzsche teria feito uma
psicologia do sacerdote, que trata a comunidade como um
“rebanho” e nela inocula o veneno do ressentimento. Foucault
utiliza o mesmo tema, mas define o poder do pastor sobre o
rebanho como um poder “individualizante”, ou seja, como uma
apropriação pelo sacerdote dos mecanismos de individuação dos
membros do rebanho (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
É assim que Foucault tem com Nietzsche uma relação, ao
mesmo tempo, de aproximação e distanciamento, de identidade e
diferença. Sua recepção criativa, que transforma o que recebe,
distingue em Nietzsche o atual e o inatual, o útil e o desvantajoso
para a formulação de seu próprio pensamento. É que, para
Foucault, o pensador tem que ser utilizado como “caixa de

73
ferramentas” e não como modelo a ser imitado, sem receio de
transformar o que foi recebido (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
Ainda conforme Corrêa (2020), toda a obra de Foucault baseia-
se numa leitura de determinados conceitos nietzscheanos, tais como
genealogia, sentido histórico, vontade de verdade e além-do-
homem, conceitos que permanecem implícitos na construção do
texto foucaultiano e que, por isso, precisam ser explicitados por meio
de um comentário. Com o auxílio desses conceitos, e principalmente
pelo método crítico, que foi primeiro chamado de Arqueologia,
depois de Genealogia, Foucault pretende dar continuidade ao
projeto nietzscheano de uma transvariação dos valores da
necessidade do cuidar de si, que leva à liberdade do sujeito.
Na fronteira entre a filosofia, a historiografia e as ciências
humanas, Foucault é talvez um dos únicos a ter feito um “uso
sério” do pensamento de Nietzsche, ou seja, considerando-o em seu
conteúdo positivo, como um projeto, e não como mera inspiração
literária. Por isso, equivocam-se os comentadores que pretendem
subestimar essa referência maior na trajetória de Foucault,
argumentando que Nietzsche seria apenas um ícone transgressivo,
servindo mais a título de bandeira, ou para conferir um efeito
retórico ao discurso de Foucault, do que na pesquisa efetiva
(AZEREDO, 2014).
Nietzsche desempenharia mais o papel de emblema do que de
fonte teórica para Foucault, pois apesar do empréstimo dos
conceitos de genealogia e vontade de verdade, sua perspectiva de
análise seria fundamentalmente diferente da de Nietzsche.
Ademais, pretenderia realizar uma crítica totalizante da razão,
propondo em seu lugar o retorno ao mito dionisíaco da potência e
da criação e negando a modernidade como projeto, enquanto
Foucault procuraria conciliar a crítica da modernidade com a
proposta de uma nova teoria da subjetividade, calcada na ideia da
autonomia subjetiva (DREYFUS; RABINOW, 2010).
A contradição performativa, na qual ambos teriam
naufragado, consiste em negar implicitamente o que se afirmar
explicitamente. Para entender o que significa a contradição

74
performativa, tome-se a seguinte proposição: “Afirmo (ponho
como verdade) que não existe verdade”. A proposição negaria a si
mesma, pois há um julgamento implícito de verdade; eu não posso
negar toda pretensão à verdade e, ao mesmo tempo, defender que
meu discurso seja verdadeiro (DREYFUS; RABINOW, 2010).
A crítica de Habermas merece uma refutação, pois ela
desfigura e caricaturista tanto o pensamento de Foucault, quanto o
de Nietzsche (CORRÊA, 2020). Ela só é válida se se partir do
princípio de que uma “pretensão à validade universal” é necessária
para o discurso filosófico, pressupondo que sempre haja uma
separação clara entre o verdadeiro e o não-verdadeiro e que o
discurso filosófico seja sempre obrigado a resolver suas
contradições lógicas. Habermas cai, portanto, numa petição de
princípio: pressupõe como dado aquilo que está sendo disputado.
Ele retoma ainda uma vez na história da filosofia o debate Sócrates-
Cálices, a oposição entre o relativismo sofista e o universalismo
platônico, o duelo entre duas concepções de verdade: verdade
como jogo e verdade como exigência normativa (AZEREDO, 2014).
Além disso, Habermas é maniqueísta, ao desqualificar o outro
lado sob a acusação de irracionalismo e niilismo teórico;
defendendo o diálogo, ele se recusa a dialogar, acusando o
pensamento pós-estruturalista francês em bloco de extremismo,
apenas por recorrer ao pensamento de Heidegger e Nietzsche. Sua
postura é arrogante e ele comete vários erros interpretativos, sobre
os quais não poderemos entrar em detalhe aqui. Basta dizer, em
defesa de Foucault, que o seu objetivo é fazer uma crítica imanente
da racionalidade, uma autocrítica da razão pela própria razão,
denunciando os efeitos que a difusão universal da técnica e a
expansão do aparelho estatal sobre a sociedade causaram no
mundo moderno. Projeto que já era o de Kant e que se pode atribuir
também a Nietzsche (GIACOIA JUNIOR, 2013).
Foucault é um dos primeiros pensadores das humanidades a
ter levado a sério o perspectivismo nietzscheano, realizando com
isso uma verdadeira revolução copernicana nas ciências humanas,
que talvez ainda demore em ser completamente assimilada. Ele

75
historiciza todas as categorias que levam à naturalização do
comportamento humano na história. Na análise crítica das
condições históricas da experiência, são rejeitadas abstrações como
a razão e a natureza humana, teorias gerais, utopias políticas, assim
como qualquer recurso a primeiros princípios ou fundamentos
fixos (FERREIRINHA; RAITZ, 2010).
Portanto, procuraremos inutilmente em Foucault por uma
teoria da história, uma teoria do sujeito ou uma teoria do poder.
Apesar de todo o seu trabalho ter o presente como referência,
Foucault simula uma atitude irônica e distanciada com relação à
atualidade, colocando-se no exterior do presente e recusando
justificar suas posturas teóricas ou práticas por intermédio de uma
teoria fechada ou de pretensões normativas universais. Seu
pensamento tem, assim, um forte caráter antimetafísico e
antiontológico, mas jamais antirracional (RIBEIRO, 2018).
A trajetória de Foucault é tradicionalmente dividida em três
períodos distintos (SOUZA; FURLAN, 2018), no primeiro período,
que vai de 1961 a 1970, percebe - se um pensador mais preocupado
com a emergência e a dinâmica dos discursos em contextos
históricos claramente definidos. Para Chaves (2006), “As perguntas
principais são: a) como os discursos surgem e constituem-se em
atos dotados de seriedade? e b) quais são as possibilidades de
emergência de novos discursos; e c) dentro de quais mecanismos
eles operam?” (CHAVES, 2006, p. 67).
A leitura da História da loucura evidencia tanto a preocupação
de Foucault com a construção social do louco dentro de espaços de
internação como a formação de um novo discurso psiquiátrico
dotado de autoridade e – o que para ele é mais caro – seriedade.
Fica claro ao ler História da loucura, que Foucault estava
preocupado em como construir normas sociais para o louco em
espaços de internação, bem como em criar todo um novo discurso
psiquiátrico repleto de autoridade e – talvez o mais importante –
sinceridade. Da mesma forma, o surgimento da clínica demonstra
o interesse do autor pela percepção de uma estrutura da qual
emergem os sujeitos, os objetos da realidade e os discursos como

76
práticas, como aponta na obra de Dreyfus e Rabinow (2010),
identificam uma tendência estruturalista.
Além disso, na obra História da loucura 1961, não é traçada
apenas uma crítica à psiquiatria, mas produz uma reviravolta em
nossa posição, diante de nossos costumes e das maneiras como se
deve viver no mundo. Já nas As palavras e as coisas, há um forte
interesse pelo surgimento de novas formas discursivas, a partir de
novas formas de construção do conhecimento, o mundo de
representação da era clássica está sendo substituído por outro
modelo, o do homem (FOUCAULT, 2016).
Ainda que fosse possível um desdobramento mais
aprofundado dos primeiros trabalhos de Michel Foucault, a leitura
direta dos textos revela a perspectiva teórica articulada pelo autor
em 1969, com a publicação de A arqueologia do saber (FOUCAULT,
2012). Neste livro, que pode ser visto como uma apresentação de
dados metodológicos de análises anteriores, neste livro consagra a
proposta foucaultiana para o trabalho do filósofo e,
principalmente, do historiador. Caberia a Foucault a descrição dos
eventos discursivos como ponto de partida para suas pesquisas das
unidades que neles se criam. Ou seja, o mais importante na tomada
em conta de um objeto não é o seu aspecto “documental”, para
conectar sua representação discursiva aos fatos da realidade e
entender como essa relação se desenvolve. Pelo contrário, Foucault
define os objetos como “monumentos” que devem ser tomados em
conta sem o apelo às coisas. Pretende com isso relacioná-los ao
conjunto de regras que os possibilitaram em determinada formação
discursiva e às circunstâncias de seu surgimento histórico.
As formações são de onde emergem os objetos discursivos, e a
arqueologia seria a melhor maneira segundo Foucault de 1969, de
vascularizar as positividades e nelas para analisar a rede de regras
e relações que eles conferem um valor verdadeiro e sério no
discurso. Ao criar o conceito de enunciado, Foucault restringe-se
quase que exclusivamente ao discurso como seu campo de
investigação. Já se percebe, no entanto, um prenúncio de mudança.

77
O autor exibe, nesta síntese de método, um ponto
necessariamente posterior ao trabalho arqueológico, que é o estudo
das práticas discursivas dentro de um conjunto de práticas não-
discursivas. Para ele, são essas últimas que definem as estratégias
de produção da verdade. Se por um lado existe uma transição, é
também possível observar a constatação de Foucault sobre a
restrição da arqueologia à teoria, o que exigiria uma reforma para
que se compreenda também a prática.
Ainda marcado pela linguagem de influência estruturalista
pela qual foi estigmatizado, há agora uma guinada em andamento
sobre a crítica francesa da época. Seria melhor, no entanto, estipular
como ponto de partida para uma nova fase sua aula inaugural de
02.12.1970 no “Collège de France”, por ele denominada de A ordem
do discurso, segundo Foucault (1996, p. 10):

A tese inicial é a que a produção do discurso é organizada por


procedimentos, mas o autor vai além ao estipular que ele não é um espaço a
ser preenchido livremente, e sim um instrumento de disputa. Em suas
palavras, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do
qual nós queremos apoderar” ( Foucault ,1996, apud CHAVES, 2006, p. 70).

A saída, para ele, seria a ruptura com esse tipo de análise


discursiva e com a hermenêutica. A partir daí, Foucault faz uma
inflexão decisiva para o futuro das suas pesquisas. A busca pela
arqueologia não pode se limitar apenas às práticas internas do
pesquisador, pois se o discurso é algo que pode ser debatido e
conquistado, não adianta limitar-se a essas práticas. Utilizando a
figura do sujeito autônomo e sábio, Foucault faz uma crítica incisiva
de qualquer filosofia que use o discurso apenas na ordem do
significante, anulando, por conseguinte a ordem de sua produção e
transformando-o numa espécie de “reverberação da verdade”.
De acordo com Chaves (2006):

Para que o discurso seja visto como resultado de processos de exclusão e


violência. Foucault apresenta três propostas claras: a) questionar a vontade
de verdade, ou seja, o enfrentamento de forças que está por trás do discurso;

78
b) restituir a ele o caráter de acontecimentos; e c) suspender a soberania do
significante e retornar às práticas de fora. (CHAVES, 2006, p. 71).

Observa-se no Foucault de A ordem do discurso (1996) uma


posição fundamental para o prosseguimento de sua obra nos anos
70. Se, após As palavras e as coisas, seria mais óbvio pensar num
filósofo que, pelo estudo da linguagem sob a influência do
ambiente estruturalista, embarcasse num projeto de reconstrução
epistemológica das ciências.
Afinal, Michel Foucault reconhece a necessidade de estudar a
organização interna e a limitação do discurso, mas também
reconhece que isso não é suficiente. Uma outra abordagem é
possível, e Foucault a define como genealogia: estudar as condições
de aparecimento dos discursos. O autor articula claramente sua
intenção de combinar arqueologia e genealogia, dois elementos que
sempre coexistiram em sua obra desde o início, mas que, em algum
momento, trocaram de papel em termos de suas prioridades de
estudo (FOUCAULT, 1996).
Podemos dizer, então, que a linguagem não deve ser reduzida
ao seu caráter de comunicação verbal, dado que sofre interferências
da história, da cultura, do poder e do saber. É partindo dos
princípios de funcionamento da linguagem que se pode trabalhar
com o discurso, encarando-o para além das noções de transmissão
e recepção de mensagem, posto que a Análise do Discurso se coloca
em outra dimensão teórica que desconsidera a ideia de linearidade
interativa entre enunciador e destinatário.

Conclusão

Estas considerações expõem os resultados obtidos com a


pesquisa realizada, haja vista que se pode compreender as bases
que sustentam os estudos discursivos foucaultiano. Além disso,
brevemente, analisamos o que foi defendido por Nietzsche e,
posteriormente, aprimorado por Michel Foucault, como:
subjetividade, poder e a história.

79
Baseando-nos em autores das áreas da Análise do Discurso –
Corrêa (2020) e Azeredo (2014), por exemplo, nos dá oportunidade
de olhar para os escritos de Michel Foucault de uma forma
ampliada, já que podemos entender a ampliação, (re)formulação de
conceitos que são de grande relevância para as investigações
discursivas. Ante o exposto e a partir de pressupostos teóricos que
selecionamos, concluímos que a discussão elencada dá
possibilidade de evidenciar o primado da arqueologia.
Para finalizar, considerando os resultados da presente
pesquisa, acreditamos que seja necessário ampliar, futuramente, a
discussão que iniciamos neste trabalho de conclusão da disciplina
de Teorias Linguísticas. Sendo assim, tomaremos esse trabalho
como ponto de partida, haja vista que essa temática reverbera nas
constituições da própria análise discursiva.

Referências

AZEREDO, V. D. DE. A metodologia de Foucault no trato dos


textos nietzschianos. Cadernos Nietzsche, v. 1, p. 57–85, dez. 2014.
CHAVES, João Freitas de Castro. O problema do direito novo em
Michel Foucault: entre a resistência e o fora. Recife: Universidade
Federal de Pernambuco (Dissertação de Mestrado), 2006.
CHARAUDEAU, P. “Dize-me qual é teu corpus, eu te direi qual é
a tua problemática”. Revista Diadorim / Revista de Estudos
Linguísticos e Literários do Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. V.
10, 2011.
CORRÊA, S. F. M. O sujeito da interpretação em nietzsche e
foucault: uma leitura da genealogia da moral e da ética do
cuidado de si. CRV, 2020.
DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault - Uma Trajetória
Filosófica. 2. ed. Forense Universitária, 2010.

80
FERREIRINHA, I. M. N.; RAITZ, T. R. As relações de poder em
Michel Foucault: reflexões teóricas. Revista de Administração
Pública, v. 44, p. 367–383, abr. 2010.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso: Aula inaugural no Collège
de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. Edições
Loyola, 1996.
__________. A Arqueologia do Saber. 8a edição ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012.
__________. As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das
Ciências Humanas. 10a ed. São Paulo: Martins Fontes - selo
Martins, 2016.
GIACOIA JUNIOR, O. Sobre Jürgen Habermas e Michel Foucault.
Trans/Form/Ação, v. 36, p. 19–32, 2013.
JÚNIOR, Antônio Fernandes Júnior Fernandes; DRUMMOND,
Carine Caetano. Pensar a análise do discurso “com” Michel
Foucault: a arqueologia como possibilidade. Revista Interfaces, v.
10, n. 3, p. 260-277, 2019.
RIBEIRO, C. Nietzsche. A genealogia, a história: Foucault, a
genealogia, os corpos. Cadernos Nietzsche, v. 39, p. 125–160, 1 ago.
2018.
SOUZA, P. F. DE; FURLAN, R. A questão do sujeito em Foucault.
Psicologia USP, v. 29, p. 325–335, dez. 2018.

81
82
CAPÍTULO 5

A LINGUÍSTICA ESTRUTURALISTA E A PSICANÁLISE:


RESSIGNIFICAÇÕES DE LACAN DO ESTRUTURALISMO
DE SAUSSURE

Carolina Antonia Goulart de Paula


Lara Cristina Batista Souza

Introdução

Como ciência, a Linguística adveio no momento em que foi


publicado, no século XX, mais especificamente em 1916, o Curso de
Linguística Geral, por dois alunos de Ferdinand de Saussure,
professor da Universidade de Genebra. Até então, apesar de
estudos sobre língua e linguagem terem sido dirigidos sob a guisa
da filologia, filosofia, lógica e demais matérias, a língua em si, ou
os fatos da linguagem, como aponta Petter (2003), ainda não
haviam sido considerados objeto de estudos, justamente por não
haver um método científico ad hoc.
De qualquer maneira, o surgimento de uma nova ciência por
meio do Curso de Linguística Geral não instaurou movimentos apenas
para o campo da linguagem. Liderado pela Escola de Praga, sob a guia
de Roman Jakobson e Nikolai Trubetzkoy, o termo “estrutura”,
poucas vezes usado nas obras de Saussure (1916), mesmo que
significamente aplicado, acaba por nomear a corrente Estruturalista, a
qual ficou conhecida “como sendo um movimento de pensamento,
uma nova forma de relação com o mundo, muito mais ampla do que
um simples método específico para um determinado campo de
pesquisa” (ALTOÉ; MARTINHO, 2012, p. 16).
A suposição de um novo método de pesquisa e visada para a
língua, proposto por Saussure (1916), estava estritamente ligado à

83
corrente Estruturalista e, por conseguinte, influenciou estudos e
pesquisas do ramo das ciências humanas em geral. Para além da
antropologia, sociologia, filosofia, história e demais áreas das
ciências humanas, a noção de língua e linguagem iluminada pelo
Estruturalismo também achou espaço nos, até então recentes,
estudos psicanalíticos. Com isso, os autores tornaram possível a
abertura do Estruturalismo linguístico para a antropologia, devido
a influência de Roman Jakobson nos estudos de Lévi-Strauss (1957),
sendo que ambos, em certas áreas, como os assuntos de parentesco,
som e sentido, acompanhavam e debatiam seus estudos entre si. O
Estruturalismo, portanto, chega, por meio da influência de Lévi-
Strauss (1957), em Jacques Lacan (1957), cujos trabalhos, agora,
encontram sustentação nos avanços no campo estruturalista feitos
por Lévi Strauss (1957), Roman Jakobson e, é claro, Ferdinand de
Saussure (1916), o qual é apresentado ao médico psicanalista por
meio do célebre Curso de Linguística Geral, em meados da década de
50. (ALTOÉ; MARTINHO; 2012).
Destarte, o que, em primeira instância, tornou-se um
interessante ponto de pesquisa para Lacan veio logo, em seus anos
seguintes, ser incorporado, por meio de uma releitura, ao
aprofundamento que o acadêmico fazia do que Freud tinha
chamado de inconsciente. Em 1953, Lacan dá os primeiros passos
em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, pois enfatiza
a perspectiva da linguagem pelo viés estruturalista proposto por
Saussure (1916). Posteriormente, em 1957, Lacan debate, em seu
texto A instância da letra no inconsciente ou razão desde Freud, os
conceitos saussurianos de língua, fala, signo, significado,
significante, dentre outros, a fim de dar suporte aos estudos
psicanalíticos sobre sujeito, psicose, neurose, afasia e o
inconsciente.
É justamente sobre e nesses encontros e desencontros da teoria
de Saussure (1916) e da releitura lacaniana que este trabalho se
propõe a ocupar, tendo por ponto de partida a importância dos
estudos linguísticos para o desenvolvimento dos estudos
psicanalíticos como o temos hodiernamente. Em vista disso, por

84
um lado, as limitações deste ensaio mostram-se imbricadas à
extensão da natureza deste texto que, em sua brevidade, não é
capaz de comportar um aprofundamento devido em questões tão
complexas que envolvem a releitura lacaniana dos conceitos de
Saussure (1916) em sua totalidade. Por outro lado, a fim de
pleitearmos uma argumentação sobre a incidência da linguística
estrutural na psicanálise, dispusemo-nos em tratar de um corpus
delimitado e de termos específicos de ambas as concepções (ou seja,
lacanianas e saussurianas), para propormos uma discussão
introdutória no que tange à articulação dessas duas teorias.
Assim sendo, temos por escopo relacionar as aproximações e
distanciamentos da significação no Estruturalismo, levando em
consideração o signo linguístico e, a certo ponto, a teoria do valor.
Portanto, selecionamos a obra de Ferdinand de Saussure, Curso de
Linguística Geral (1916), para resgatar esses termos e suas
concepções, e, na psicanálise, buscaremos a releitura de Jacque
Lacan sobre os supracitados na obra A instância da letra no
inconsciente ou a razão desde Freud (1957). Nas próximas páginas,
optamos por organizar a nossa análise em uma abordagem
cronológica dos fatos, portanto, iniciaremos a partir das
contribuições de Saussure (1916) para, em seguida, retomar os
conceitos na releitura de Lacan (1957).

As noções de língua, fala, signo linguístico e significação no


Estruturalismo segundo Saussure

O Estruturalismo, a partir dos estudos propostos por


Ferdinand de Saussure (1916), trouxe à linguagem uma concepção
imanentista ao colocá-la como objeto de estudo de uma ciência.
Para isso, a teoria desenvolvida por Saussure (1916) propõe uma
nova perspectiva dicotômica para a linguagem em tempo que
imputa a ela um lado social e um lado individual. Vista como uma
instituição, cujo caráter é ao mesmo tempo contemporâneo e
produto do passado, a linguagem dá origem ao que Saussure (1916)
irá distinguir de língua e fala, a fim de melhor estabelecer os

85
métodos de pesquisa para essa nova ciência e fazer um recorte de
seu interesse de estudo. Como aponta o autor:

Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem: é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto
de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos. [...] a linguagem é multiforme e
heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física,
fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao
domínio social. (SAUSSURE, 2006 [1916], p. 17)

Percebe-se que a linguagem possui esse caráter maior e


dicotômico enquanto a língua se faz como campo dentro da
linguagem e assume o caráter social e cristalizável. Portanto, é
evidente que, sendo a língua um sistema, ela deve ser composta
por, como define Saussure (1916), signos linguísticos, que, por sua
vez, permitem ideias distintas na capacidade de comunicação de
um falante. Dessa forma, a fim de performar a faculdade de falar,
um sujeito necessita, impreterivelmente, submeter-se à língua, esse
sistema criado pela coletividade, o qual se torna a unidade de
linguagem. Todavia, apesar de ser coletiva, ao ser manifestada em
um ato individual, justamente por ter um caráter único em sua
execução, o indivíduo performará o que o autor chama de fala.
Destarte, “a língua [...] é o produto que o indivíduo registra
passivamente [enquanto] a fala é, ao contrário, um ato individual
de vontade e inteligência [...]” (SAUSSURE 2006 [1916], p. 22).
A partir disso, Saussure (1916) elege para si a língua, por ter
um caráter social que permite cristalização e, por isso, adequa-se
melhormente aos estudos da ciência proposta pelo linguista ao
tempo em que imputa a fala aos estudos da psicologia, o que será
retomado, mais adiante deste texto, nos trabalhos de Lacan (1957)
em sua releitura. De qualquer maneira, à natureza da língua é dado
o signo linguístico, posto que, como um sistema, a língua não é
composta por palavras ou coisas, mas sim por signos formados,
indissociavelmente, por conceitos e imagens acústicas. Os conceitos

86
são conhecidos como significados e referem-se às ideias evocadas
pelo signo, sendo que as imagens acústicas, sob o nome de
significantes, ligam-se aos fonemas que permitem a sua
materialização vocal.
Cabe acrescentar a isso os princípios que compõem o signo,
sendo eles: a arbitrariedade e a linearidade. Ao primeiro, Saussure
(1916) demonstra que não há nenhuma razão específica que una o
significante ao seu significado, resulta, assim, “que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não
tem nenhum laço natural na realidade" (SAUSSURE, 2006 [1916], p.
83). No que tange ao segundo princípio, a fim de ser materializado,
por causa da imagem acústica e sua natureza auditiva, o signo só se
desenvolve em uma dimensão, sendo o fonema pronunciado em
sequência de outro fonema, em uma linha encadeada.
Torna-se pertinente evidenciar que, por se tratar de sistema, a
língua é composta por vários signos, não somente por um. Os
valores desses signos e, portanto, de seus significados, se dão
justamente na relação que os signos estabelecem entre si, o que
instaura a complexidade em que impera certo movimento na
significação dos signos o qual, não, em sua totalidade
arbitrariamente feito. É nesse ponto que Saussure (1916) evoca a
metáfora do tabuleiro de xadrez, a fim de demonstrar o efeito e
relação que os signos travam entre si, segundo o trecho:

Mas de todas as comparações que se poderiam imaginar, a mais


demonstrativa é a que se estabeleceria entre o jogo da língua e uma partida
de xadrez. De um lado e de outro, estamos em presença de um sistema de
valores e assistimos às suas modificações. [...] O valor respectivo das peças
depende da sua posição no tabuleiro, do mesmo modo que na língua cada
termo tem seu valor pela oposição aos outros termos. [...] É bem verdade que
os valores dependem também, e sobretudo, de uma convenção imutável: a
regra do jogo, que existe antes do início da partida e persiste após cada lance
(SAUSSURE, 2006 [1916], p. 103).

Nesse jogo de posições, a atribuição do valor leva em


consideração as semelhanças, contudo, ainda mais, a
dessemelhanças para se dispor. Se temos que a posição importa no

87
tabuleiro em um jogo de xadrez justamente pela relação que aquela
peça ocupa mediante às demais, quando tratamos do signo
linguístico percebemos que a sua significação é posta justamente
em contraste no sistema, de maneira que o valor do signo é um
apenas porque já não é outro. Dessa forma, os valores estão ligados
aos conceitos, à significação, e relacionam-se com os demais
conceitos primordialmente pelo diferencial, visto que “sua
característica mais exata é ser o que os outros não são”
(SAUSSURE, 2006[1916], p. 136).
Haja vista esses termos e concepções da linguística
estruturalista, resta ressaltar que, no que tange ao caráter psíquico,
apesar de ter sido mencionado diversas vezes em sua obra,
Saussure (1916) incube à Semiologia e à Psicologia a tarefa de
perscrutá-los. A isso, dizemos que Lacan (1957) pôde ir mais
afundo, pois não se conteve apenas com o que Saussure (1916)
intitulou de fala, mas ressignificou os conceitos de linguagem,
signo, significante e, especialmente, a significação no campo da
psicanálise, como pretendemos discutir a seguir.

A visada psicanalítica a partir da (re)significação da linguística


estruturalista Breve perspectiva sobre o advento da psicanálise
lacaniana

Para apresentarmos a obra de Lacan que compõem o corpus de


análise desse trabalho, é necessário que façamos um breve percurso
histórico em que advém a teoria psicanalítica. A partir da releitura
da obra de Freud (1856-1939), Lacan (1953) produz elaborações e
ressignificações da Psicanálise1 que receberam influências da
Linguística, Filosofia, Marxismo, entre outros pensadores.
Lacan (1953) elabora seus escritos na época em que a teoria
psicanalítica pós-freudiana se tornou uma teoria em torno do ego,

1 Freud fundou a Psicanálise que conforme traz em seu texto Dois Verbetes de
Enciclopédia (1922) que se define como um procedimento para investigação de
acesso ao inconsciente, um método de tratamento e uma ciência.

88
a Psicologia do Eu. Nessa elaboração, os preceitos freudianos
fundamentam uma psicologia que seria focada na adaptação do
ego às circunstâncias sociais, o que Lacan compreende que seria
totalmente desvinculada com a proposta de Freud (DARRIBA,
2020). Essa foi uma das críticas em que Lacan se baseia ao tecer o
seu texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953).
Além disso, a oposição lacaniana receberá novas elaborações em
seus primeiros seminários e se fundamentará em uma importante
base da sua construção que será a Ética em Psicanálise.
Para que essa fundamentação fosse possível, Lacan faz a
releitura dos textos de Freud, buscando, a partir do pai da
Psicanálise, esclarecer e elaborar novas significações para que a
Psicanálise se proponha através do seu método bordejar a verdade
do sujeito. Dessa forma, Lacan introduziu o campo da Linguagem
na instância de análise a partir do Estruturalismo. Ao longo do seu
texto A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957),
Lacan utiliza noções apreendidas e reformuladas para a Psicanálise
em torno de Saussure (1916), Lévi Strauss e Jakobson.

A releitura da linguística estruturalista feita por Lacan em A


instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957)

Lacan (1957) preconiza que a estrutura de linguagem é o


instrumento, enquadre, material do psicanalista para análise do
inconsciente. Chama-se de “letra” o “suporte material que o
discurso concreto toma emprestado da Linguagem” (LACAN,
1957, p. 498). Para tentar justificar a entrada da linguagem na via
psicanalítica, Lacan remete a consideração da preexistência da
linguagem antes do sujeito se desenvolver. Em primeira instância,
a existência de um ser é submetida ao nome próprio como marca
inaugural do sujeito que advir.
Lacan (1957) elabora que a linguagem, apoiada na linguística,
ganha status de objeto científico. A partir desse campo de estudo
que assume uma posição-piloto, predispõe uma nova classificação
das ciências humanas. Para marcamos a primeira diferenciação que

89
Lacan faz dos estudos de Saussure (1916), ele fundamenta que na
disciplina linguística a partir do algoritmo:


, em que se
compreende significante sobre significado. Lacan menciona em seu
texto que, no Curso de Linguística Geral, Ferdinand Saussure não
grifou dessa forma o algoritmo em suas aulas, todavia Lacan
retorna que: “Eis por que é legítimo lhe rendermos homenagem

pela formalização ௦ , em que caracteriza, na diversidade das escolas,
a etapa moderna da linguística" (LACAN, 1957, p. 500).
Para Lacan, o significante (S) e o significado (s) são de ordem
distintas e separadas por uma barra de significação. O signo
linguístico para Saussure, como citado acima, é indissociável,
composto por conceitos (significado) e imagens acústicas
(significantes). Portanto, nota-se que essa unidade do signo
linguístico concebido por Saussure não é remetida por Lacan, mas
configura-se em “ordens distintas”. Outro ponto fundamental dito
por essa divisão é a possibilidade em que significantes estejam
separados de significados, o que promove uma dissociação que
será fundamental na elaboração psicanalítica. Todavia, Lévi-
Strauss também apresentou que há muito mais significantes que
significados, apontando para inadequação dessa indissociação
saussuriana (LÉVI-STRAUSS, 1957).
A dissociação do significante e do significado é apontada pela

barra em que Lacan (1957) elabora para ser algoritmo ௦ . A significação
não comporta estar associada ao significante. Dessa forma, a função
do significante será relevada pela sua estrutura na transferência2,
outrossim, ele será composto pela articulação no discurso. Condiz,
portanto, a enunciação sobre a ordem fechada dessa anunciação, uma
concepção importante sobre a cadeia de significante em que a
estrutura constituída entre significante (S) e significante (S) possibilita
a significação. A partir disso, Lacan postula que a relação de

22 A transferência é “um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o


qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a
se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocado na posição
desses diversos objetos” (ROULDINESCO; PLON; 1998, p. 767).

90
significantes permite essa construção: “Donde se pode dizer que é na
cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos
elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse
momento” (LACAN, 1957, p. 506).
Pensando em Saussure (1916), como trouxemos nas páginas
iniciais deste trabalho, alguns princípios são possíveis de serem
notados em Lacan, que constrói seu pensamento a partir da
definição de linearidade proposta pelo linguista, apesar de não o
chamar assim em seu texto. Lacan constata que a forma estrutural
em que o significante se encontra com outro significante constitui a
cadeia de significantes. A diferenciação de Saussure encontra-se,
principalmente, na definição dessa elaboração relacionada aos
signos linguísticos que compõem um sistema de uma única
dimensão em linhas encadeadas. Nessa concepção, é importante
notar a influência da teoria de valor também presente nessa
colocação lacaniana. Outro ponto que Lacan também parece
compor, tendo por base Saussure e o Estruturalismo, é sobre a
arbitrariedade do signo. Haja vista que concebe em seu texto:

Esses elementos, descoberta decisiva da linguística, são os fonemas, onde não


se deve buscar nenhuma constância fonética na variabilidade modulatória
em que se aplica esse termo, e sim o sistema sincrônico dos pareamentos
diferenciais necessários ao discernimento dos vocábulos numa dada língua.
Por onde se vê que um elemento essencial na própria fala está predestinado
a fluir nos caracteres móveis que, qual Didots ou Garamonds a se
imprimirem em uma caixa baixa, presentifica validamente aquilo a que
chamamos letra, ou seja, a estrutura essencialmente localizada do
significante (LACAN, 1957, p. 505).

A estrutura em que Lacan faz referência em vários momentos de


seu texto A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957)
pode ter recebido influência de desses fundamentos saussurianos com
uma finalidade de elaboração da construção psicanalítica lacaniana.
Todavia, apontaremos aqui que o Estruturalismo concede algo
fundamental a Psicanálise, que é uma das suas fundamentais

91
formulações, sendo essa a construção do inconsciente. Para isso,
retornemos a instância primordial da Psicanálise.
O inconsciente, descoberto por Freud (1922), que funda a
Psicanálise, acontece a partir da escuta, ou seja, da fala de mulheres
que tinham sintomas histéricos. Freud, ao longo do seu percurso,
começa a perceber que nas falas dessas mulheres havia atos falhos,
chistes, esquecimentos. Por meio desses lapsos ou omissões, Freud se
propôs analisar esses indícios como uma instância inconsciente que
constitui os indivíduos. Os sonhos também eram materiais que
contavam também na análise dos seus pacientes, principalmente, na
forma em que se contavam os sonhos durante o processo analítico,
buscando não a significação e simbolização dos elementos, mas a
forma que compunham o discurso (FREUD, 1969 [1922]). Lacan (1957)
apresenta essas elaborações, buscando referenciar, em Freud, a
própria estrutura da fala, de como ela é enunciada, contemplando,
inclusive, suas omissões ou lapsos para propor que a análise da língua
(ou letra) sempre foi fundamento para a Psicanálise, chamando assim,
de instância da cadeia significante.
Portanto, Lacan (1957), no texto em que estamos tratando,
começa a elucidar o aforisma que mais tarde seria contemplado em
vários dos seus seminários: “O inconsciente é estruturado como
linguagem”. Fazendo uma paráfrase sobre a famosa elaboração
saussuriana, o jogo de xadrez (ou jogo de palavras) pode dar o
acesso ao inconsciente, em que há regras não ditas ali, mas que
compõem parte do jogo, imutáveis e persistentes a cada jogada.
Todavia, no tabuleiro lacaniano, propõe-se descobrir o inconsciente
através dos “erros ou lapsos” dos jogadores.

Considerações finais

Por meio deste ensaio, procuramos explanar algumas


concepções fundamentais para a Linguística, fundada pelas aulas
de Ferdinand Saussure (1916), que é reconhecido pai da Linguística
Moderna. Conforme Lacan (1957) explicita na sua obra que
buscamos analisar, a Linguística, tal como fundada por Saussure,

92
constitui a Ciência-Piloto que marca e introduz uma concepção
revolucionária para as Ciências Humanas. Visto que as aulas
saussurianas elegeram um campo e objeto estudo limitado para a
Linguística, essas possibilitaram que alterações e influências dessa
Ciência se tornassem férteis para influenciar diversos outros
campos que também se servem da Linguagem, como menciona
Saussure em seu Curso de Linguística Geral.
Em uma das primeiras considerações, a separação entre língua
e fala determina que o campo da língua seria o que o linguista se
ocuparia em analisar. A fala seria ato individual em que imprimiria
o pensamento pessoal em sua elaboração, por isso estaria fora do
objeto de estudo da linguística. Servindo-se disso, Lacan (1957)
propõe que a linguagem, e não apenas a fala, mas através dela, é o
fundamento da Psicanálise, pois pela linguagem funda-se o sujeito.
Portanto, a partir das considerações de Freud (1922) e outros vários
pensadores, Lacan (1957) pôde instaurar que o sujeito, submetido
à linguagem, ao usá-la, comporia o ponto fundador social e
instaurador de uma marca subjetiva.
Dentro da perspectiva das elaborações lacanianas, em nosso
ensaio, propusemos retratar como Lacan (1957) utilizou do
Estruturalismo para conceber toda sua obra. Todavia, atentemo-
nos a analisar apenas um dos textos em que ele mais fundamenta
essa influência. Com base nisso, percebemos que o signo linguístico
indissociável, conforme consolidado por Saussure (1916), não é
comportado por Lacan (1957). Este sobrepõe o significante ao
significado, consolidando o significante ao estatuto constituinte do
inconsciente, devido a sua tamanha importância. Outros conceitos
estruturalistas mostram-se engendrados na composição da obra
lacaniana, apesar de não haver citação direta desses conceitos.
Há de deixar claro que a proposta de Lacan (1957) era
constituir uma releitura freudiana em que o estatuto da Psicanálise
servisse para buscar o inconsciente e construir uma clínica
psicanalítica. Todavia, as contribuições da Psicanálise, assim como
as de Saussure (1916), não servem apenas aos psicanalistas e nem
apenas aos linguistas, respectivamente. Ambos os campos circulam

93
na Linguagem, mas ela os escapa, pois compõe “um cavaleiro de
muitos domínios (...) em que não se sabe inferir sua unidade”
(SAUSSURE, 2006 [1916], p. 16).

Referências

ALTOÉ, Sônia; MARTINHO, Maria Helena. A noção de estrutura


em psicanálise. Estilos da clínica, v. 17, n. 1, p. 14-25, 2012.
DARRIBA, Vinicius Anciães. O Fundamento Ético da Crítica de
Lacan à Psicanálise Pós Freudiana. In: Rev. Interinstucional de
Psicologia. Belo Horizonte, 2020. V. 13, n. 3, p. 1-14.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michael. Dicionário de
psicanálise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
FREUD, S. Dois verbetes de enciclopédia. In: ESB. Volume XVIII.
Rio de Janeiro: Imago, [1922] 1969.
LACAN, J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde
Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, [1957] 1998.
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise.
In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, [1953] 1998.
LÉVI- STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo:
Cosac Naify, 1957.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN,
José Luiz et al. Introdução à linguística. São Paulo: Editora
Contexto, 2002. p. 11-24.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução:
Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 27ª edição.
São Paulo: Editora Cultrix, [1916] 2006.

94
CAPÍTULO 6

DISCUSSÕES SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA


EDUCACIONAL E A SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL:
DESDOBRAMENTOS DA SOCIOLINGUÍSTICA
VARIACIONISTA

Gilberto Antonio Peres


Nauali Martins Alves

Introdução

Nosso objetivo é fazer uma apresentação do surgimento da


Sociolinguística Variacionista, na década de 1960, a partir dos
estudos do norte-americano William Labov, bem como discutir
sobre algumas áreas de interesse desta ciência linguística. Coelho
et. al. (2015) apresenta as outras denominações pelas quais a
Sociolinguística Variacionista é conhecida. São elas:

(i) Sociolinguística Laboviana, porque seu principal expoente é o norte-


americano Willian Labov; (ii) Sociolinguística Quantitativa, porque, a
princípio, os pesquisadores dessa área costumam lidar com uma grande
quantidade de dados de usos da língua, o que requer normalmente uma
análise estatística; e (iii) Teoria da Variação e Mudança Linguística, por
conta de suas principais preocupações: a variação e a mudança da língua
(COELHO et. al., 2015, p. 14).

Conforme Tarallo (1990) dois estudos de Willian Labov são


expressivos para o surgimento da Sociolinguística: em 1963 Labov
estudou o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard, no Estado de
Massachusetts; em 1966 ele estudou a estratificação social do inglês
falado na cidade de Nova Iorque.
Na introdução de sua obra Padrões Sociolinguísticos, Labov
(2008) menciona a resistência que teve ao termo sociolinguística,

95
antes de desempenhar papel importante no estudo da linguagem
em sua relação com a sociedade: a variação social na comunidade
de fala. Em 1966, juntamente com Herzoq, aceitou o desafio de seu
professor Weinreich para a escrita de um ensaio sobre os
fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística.
Na introdução do ensaio, destaca-se a não-harmonização dos fatos
da heterogeneidade com a abordagem estrutural da língua,
propondo o rompimento da identificação de estruturalidade com
homogeneidade.
A partir desse pressuposto, considerar a língua como um fato
heterogêneo, variável, reconhecer que uma mesma coisa pode ser
dita de maneiras diferentes, não significa reconhecer que o
universo da língua falada seja caótico. Há sistematicidade na
variação: “o binômio variação-e-mudança é uma propriedade
constituinte da linguagem” (CAMACHO, 2013, p. 30). As
regularidades encontradas na variação são justamente o principal
foco da área da Sociolinguística, que “busca desvendar o
comportamento de fenômenos variáveis dentro da própria língua
e fora dela, em seu contato com a sociedade” (COELHO et. al., 2015,
p. 8). A língua não é uma estrutura pronta, varia em decorrência de
fatores internos e externos, considerando também a rede de
relações do falante.
Tais comportamentos variáveis são condicionados por fatores
que influenciam ao mesmo tempo os sistemas linguísticos. Mollica
(2020) se refere a esses fatores como variáveis internas e variáveis
externas. As variáveis internas são aqueles fatores de natureza
fonomorfossintáticos, os semânticos, os discursos e os lexicais,
enquanto as variáveis externas são os fatores inerentes ao
indivíduo (como etnia e sexo), os propriamente sociais (como
escolarização, nível de renda, profissão e classe social) e os
contextuais (como grau de formalidade e tensão discursiva).
Dessa forma, corroboramos Calvet (2002): “O objeto de estudo
da linguística não é apenas a língua ou as línguas, mas a
comunidade social em seu aspecto linguístico” (CALVET, 2002, p.
108). Entende-se que toda ciência precisa apresentar a definição de

96
seu objeto de estudo. No entanto, apenas isso não é suficiente para
a realização de estudos investigativos. Faz-se necessário que seja
delimitada a perspectiva de estudo (o recorte), o olhar sobre esse
objeto. No caso da Linguística, o objeto é a língua; mas o
entendimento de que ela, sendo um fato social, reflete as
características socioculturais específicas da comunidade de falantes
nos impele a estudá-la como um fenômeno no qual estão inseridas
as identidades de seus usuários.
Destacam-se, portanto, os desdobramentos dos estudos
sociolinguísticos os quais levam a vertentes como Sociolinguística
Cognitiva, Sociolinguística Paramétrica, Sociolinguística
Interacional, Sociolinguística Educacional, dentre outras
possibilidades, cujos conceitos apresentamos a seguir.

Conceitos de algumas vertentes da Sociolinguística

Sociolinguística Cognitiva propõe que “a compreensão


acurada do uso da língua depende da consideração de fatores
sociais e culturais em conjunção com fatores cognitivos”
(FERRARI, 2016, p. 135-136).
Sociolinguística Paramétrica, segundo Duarte (2016), estuda
como se dá uma mudança ou uma demarcação no valor dos
parâmetros da Gramática Universal. A palavra “paramétrica” foi
empregada ao lado de “sociolinguística” por Tarallo em 1987. É um
tipo de pesquisa que reúne paradigmas gerativo e quantitativo, ou
seja, aproxima o formalismo da teoria de Parâmetros e Princípios
com empirismo da Sociolinguística.
Sociolinguística Educacional, ou seja, a Sociolinguística
aplicada à educação, se concentra no estudo das questões ligadas à
variação e à mudança linguística, que repercutem no processo
escolar de ampliação da competência comunicativa dos alunos. A
escola e o ensino de línguas são, portanto, o alvo dessa vertente da
Sociolinguística.
Sociolinguística Interacional, proposta por Gumperz (1982), é
uma vertente voltada para a organização da interação

97
comunicativa face a face, apoia-se no pressuposto de que a
interação humana é constitutiva da realidade social, conforme
expõe Bortoni-Ricardo (2017).
Dentre as quatro vertentes mencionadas e conceituadas,
apresentamos nossas discussões acerca da Sociolinguística
Educacional e da Sociolinguística Interacional.

Sociolinguística Educacional

A denominação de Sociolinguística Educacional foi proposta


pela sociolinguista brasileira Bortoni-Ricardo (2004), em sua obra
Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. De
acordo com Cyranka (2016),

a Sociolinguística Educacional propõe que se leve para as salas de aula a


discussão sobre a variação linguística, orientando os alunos a reconhecerem
as diferenças dialetais e, mais importante, a compreenderem que essas
diferenças são normais, legítimas (CYRANKA, 2016, p. 169).

A relevância dessa discussão contribui para que se minimize o


problema gerado pelo distanciamento que há entre o que é
prescrito pela gramática normativa em contraste com as variedades
linguísticas em uso pelos diversos falantes/estudantes,
principalmente por aqueles que são oriundos de classes sociais com
menor prestígio social, econômico e cultural. Diante disso, há
desafios enfrentados no processo de ensino de língua materna no
espaço escolar, principalmente no que se refere à formação
sociolinguística do professor e existência e acesso a material
didático adequado.
O material didático mais usado no espaço escolar são os
livros didáticos que, segundo o Guia do Plano Nacional do Livro
Didático de Língua Portuguesa (2020) “são possibilidades para os
alunos e as alunas sentirem e reconhecerem novas experiências e
vivências” (BRASIL, 2020, p. 01). Assim, refletimos que os autores
devam elaborar materiais didáticos que abordam o fenômeno
linguístico com base nos princípios da variação linguística e os

98
professores devem possuir o conhecimento teórico (formação
sociolinguística) para que possam dinamizar sua prática
pedagógica de forma a permitir que o aluno reflita sobre a
legitimidade da variedade linguística que usa, mesmo antes de
frequentar a escola. Isso pode impactar positivamente na possível
solução de outro entrave diante da proposta de trabalho exitoso
conforme os pressupostos da Sociolinguística Educacional. Trata-
se das crenças equivocadas a respeito do próprio trabalho com a
língua portuguesa no espaço escolar em uma situação de
confronto entre linguistas e a própria escola.
Segundo Bortoni-Ricardo (2017) “os linguistas diziam: as
variantes não padrão presentes na língua não são erros, mas, sim,
diferenças, mais produtivas na modalidade oral da língua e em
estilos não monitorados.” O estudo dos linguistas, ao defenderem a
noção de “diferenças” no lugar de “erros” pode ter incomodado
bastante aqueles profissionais e instituições cuja prática pedagógica
primava pelo ensino de língua como ensino de gramática normativa.
Ainda segundo Bortoni-Ricardo, “A escola concluiu erroneamente
que, não sendo essas variantes erros, não deveriam ser corrigidas sob
pena de se criar insegurança linguística nos alunos” (BORTONI-
RICARDO, 2017, p. 158). Ou seja, instaura-se um dilema que, para
ser superado, precisa superar os desafios da escola brasileira, no que
se refere ao ensino da língua portuguesa, os quais estão ligados
principalmente à necessidade de reconhecer a heterogeneidade
linguística, exigindo reflexões no sentido de respeitar tanto essa
heterogeneidade quanto seus falantes.
Nesse sentido, há contribuições documentais que norteiam a
atuação profissional do docente.

Contribuições Documentais

Como documentos oficiais federais que orientam o trabalho


dos profissionais docentes, destacamos os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1998), os quais orientam como os conteúdos do
currículo escolar obrigatório devem ser trabalhados, e a Base

99
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), definida como “um
documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos
devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 7).
Nestes dois documentos, as orientações para o ensino de
língua portuguesa na escola se apresentam de forma convergente
com os pressupostos da Sociolinguística Educacional. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados há seis anos antes
de Bortoni-Ricardo cunhar a denominação Sociolinguística
Educacional, já preconizavam que “A língua portuguesa é uma
unidade composta de muitas variedades” (BRASIL, 1998, p. 81).
Portanto, a heterogeneidade linguística já estava contemplada na
escola, exigindo da comunidade, dessa instituição, uma atitude de
ensino da língua para além da norma padrão, o que pressupunha
desconsiderar a concepção de homogeneidade linguística, além de
acolher e respeitar as diferenças.
Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais propunham que

Frente aos fenômenos da variação, não basta somente uma mudança de


atitudes: a escola precisa cuidar para que não se reproduza em seu espaço a
discriminação linguística. [...] o preconceito linguístico, como qualquer
outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos grupos sociais e deve
ser combatido com vigor e energia (BRASIL, 1998, p.82) (grifos nossos).

A escola é agente de combate não só ao preconceito linguístico,


mas também a outros preconceitos presentes na sociedade, os quais
ela precisa discutir e se empenhar em propor estratégias para
minimizá-los. A atitude da escola não pode contribuir para
naturalizar preconceitos, situações em que o indivíduo é
discriminado por motivos bem diversos, inclusive linguísticos.
Por fim, destacamos duas competências específicas para o
ensino de língua portuguesa nos anos finais do ensino
fundamental, propostas pela Base Nacional Comum Curricular.
São elas:

100
1. Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social,
variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como
meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que
pertencem.4. Compreender o fenômeno da variação linguística,
demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e
rejeitando preconceitos linguísticos (BRASIL, 2017, p.85) (grifos nossos).

A concepção de que a língua é um fenômeno heterogêneo é


reforçada, evidenciada pelas duas competências. Na competência
1, isso ocorre por meio das escolhas lexicais (variável, heterogêneo).
Na competência 4, as proposições da competência 1 se expandem,
acrescidas da atitude de respeito (e acolhimento) às diferenças,
antecipando a ocorrência do preconceito linguístico.
Além de tais orientações inseridas em documentos oficiais, o
professor pode se embasar em Bortoni-Ricardo (2005) que expõe
seu convencimento sobre a necessidade de a sociolinguística
educacional adotar estratégias distintas das atuais (entendamos
atuais como aquelas que ainda não se baseiam numa abordagem da
língua como fenômeno variável) para realmente alcançar seu
propósito, exigindo sensibilidade às diferenças sociolinguísticas e
culturais dos alunos e mudança de postura da escola e da sociedade
em geral. Para tanto, propõe à reflexão dos seus pares seis
princípios sobre os quais apresenta relevantes esclarecimentos: o
primeiro é que a influência da escola na aquisição da língua não
deve ser procurada no dialeto vernáculo dos falantes, mas sim em
seus estilos formais, monitorados; o segundo relaciona-se ao
caráter sociossimbólico das regras variáveis; o terceiro se refere à
inserção da variação sociolinguística na matriz social; conforme o
quarto princípio, os estilos monitorados da língua são reservados à
realização de eventos de letramento em sala de aula; no quinto
princípio, a sociolinguista postula que a descrição da variação na
sociolinguística educacional não pode ser dissociada da análise
etnográfica e interpretativa do uso da variação em sala de aula; por
fim, o sexto princípio se refere ao processo de conscientização
crítica dos professores e alunos quanto à variação e à desigualdade
social que ela reflete.

101
Sociolinguística Interacional

Considerando algumas das vertentes da Sociolinguística aqui


apresentadas, destacamos a Sociolinguística Interacional, a qual foi
estabelecida pelo linguista e antropólogo estadunidense John J.
Gumperz (1982) para tratar da diversidade linguística e cultural,
com foco na inferência conversacional e na interpretação de
processos comunicativos na fala cotidiana; é considerada uma
abordagem de análise de discurso e busca métodos de análise
qualitativa na interpretação do que é transmitido pelos
participantes (GUMPERZ, 1982, apud OLIVEIRA; PEREIRA, 2016).
Os estudos de Erving Goffman (2002/1964), cientista social,
antropólogo, sociólogo e escritor canadense também contribuíram
para a consolidação da Sociolinguística Interacional. Esse autor
asseverou que a fala é socialmente organizada não apenas em
termos de quem fala para quem, em que língua, mas também como
um sistema; e ainda elaborou um conceito em pesquisa
sociolinguística definido como footing, em que se percebe uma
mudança no alinhamento assumido por nós mesmos e com os
outros, podendo ser físico ou contextual, também conhecido como
alinhamento interacional. Goffman (2002/1964) também nos
apresenta o conceito de enquadre, compreendido como a
organização da experiência que os indivíduos têm em qualquer
momento de sua vida social (GOFFMAN, 2002/1964, apud
BORTONI-RICARDO, 2017).
Com a elaboração desses novos conceitos, Gumperz (1982)
marca o surgimento da Sociolinguística Interacional a partir da
década de 80, e seus estudos dialogam não somente com a
Linguística, mas expandem-se para outras áreas como
Antropologia, Sociologia, Psicologia etc., abordando as relações
entre a linguagem, a sociedade, a cultura e a cognição (GUMPERZ,
1982, apud OLIVEIRA; PEREIRA, 2016).
Cabe esclarecer que o interesse da Sociolinguística Interacional
não se limita ao estudo de diálogos verbais, podendo também
avaliar as interações não verbais, como as textuais ou lexicais.

102
Como objeto de estudo,

A Sociolinguística Interacional estuda, investiga e analisa os atos discursivos


orais ou escritos no cotidiano dos diferentes componentes sociais. O discurso
oral é deduzido por um tipo de atividade comunicativa por dois ou mais
participantes que influenciam uns aos outros em uma troca de ações e
reações verbais e não verbais nas interações narrativas. Na interação, os
interlocutores ativam esquemas interpretativos que vão aperfeiçoando
desde o primeiro contato da socialização. Essas representações nos
permitem interpretar cada fragmento do discurso oral ou escrito e refletir
acerca de toda a sua contextualização a partir da perspectiva individual de
cada locutor até o ponto da interação com outros interlocutores
(MALDONADO, 2020, p. 15).

Com a solidificação dos conceitos trazidos pelos estudos em


Sociolinguística Interacionista, verifica-se a importância da
abordagem da Linguística através da investigação dos processos de
interação social nos diversos contextos sociais. Nesse contexto, os
mais diversos tipos de estudos podem ser produzidos, levando em
consideração a ilimitada gama de interações sociais humanas
possíveis.
Nesse ponto, a Sociolinguística Interacionista permite a seus
pesquisadores a análise de interações sociais através do uso da
língua em que se percebe a diferença da comunicação utilizada em
virtude do contexto ou situação, do grau de intimidade entre seus
falantes, do recurso que estes dispõem para estabelecerem essa
comunicação, os papéis sociais previamente estabelecidos etc.
Dessas observações, verifica-se a ocorrência do preconceito
linguístico, que se dá por uma rejeição à diferença linguística entre
falantes, resultando em uma desqualificação daqueles que utilizam
determinada variedade linguística em seus atos de interação, como
por exemplo, o uso de certos vocábulos, construções gramaticais ou
pronúncias.
Para tanto, daremos destaque a esse ponto adiante.

103
Preconceito Linguístico

O preconceito linguístico normalmente ocorre em decorrência


das diferenças linguísticas entre falantes de um mesmo idioma.
Essas diferenças linguísticas são comuns, ao se considerar a
expressão de falantes de diferentes regiões, classes sociais,
conhecimento gramatical, idade, contextos sociais etc. No entanto,
em todas as situações o preconceito linguístico estabelece uma
desqualificação para com um dos falantes, com um comportamento
de reprovação e repulsa, podendo levar até mesmo a algum tipo
violência contra aquele falante.
De modo geral, o preconceito linguístico está relacionado à
conexão criada entre a língua e a gramática normativa, porém,
acreditar que essa norma padrão é a única forma a ser considerada
correta a ser utilizada entre seus falantes não representa a
diversidade cultural brasileira, deixando de observar a língua
como o fenômeno social que realmente é.
Diversos fatores contribuem para a manutenção da existência
do preconceito linguístico no Brasil, que variam desde o mito de
uma língua portuguesa una, até a crença de que se trata de uma
língua de difícil aprendizado ou de que os brasileiros não dominam
integralmente sua própria língua materna.
De acordo com Bagno (1999),

a verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da


população seja o português, esse português apresenta um alto grau de
diversidade e de variabilidade, não só por causa da grande extensão
territorial do país — que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e
também vítimas, algumas delas, de muito preconceito —, mas
principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o
segundo país com a pior distribuição de renda em todo o mundo. São essas
graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país,
de um verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não-
padrão do português brasileiro — que são a maioria de nossa população —

104
e os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a
língua ensinada na escola. (BAGNO, 1999, p. 16) 1 .

Com isso, falantes de uma variedade da língua portuguesa


considerada não-padrão, por não estarem totalmente de acordo
com a norma culta, embora também falem português, comumente
são invalidados e desprestigiados pelos demais, que se apoiam em
uma norma padrão. Por esses motivos, é comum nos depararmos
com situações de preconceito linguístico, que são expressos por
meio de chacota, ridicularização, constrangimentos e
aborrecimentos de diferentes ordens. Ademais, este preconceito
pode tomar proporções mais graves, levando suas vítimas a um
alto grau de exposição e humilhação.
Como exemplo, relembramos o caso da cuidadora de idosos
que foi extremamente hostilizada por funcionários de um asilo ao
buscar uma oportunidade de emprego naquele estabelecimento. 2
A cuidadora recebeu diversas ofensas em virtude do português
empregado no contato realizado através de um aplicativo de
comunicação, cujas falas estão na figura 1.

1 Na edição de número 55, 2013, p. 28, o autor atualiza os dados da seguinte


maneira: em 2006, o Brasil era o oitavo país com a pior distribuição de renda em
todo o mundo; em 2007, o Banco Mundial, usando novos critérios de avaliação e
classificação, colocou o Brasil no 6º lugar entre as maiores economias do mundo.
22 O caso pode ser visto por meio do acesso a:
https://globoplay.globo.com/v/9977433/?s=0s

105
Figura 1: Diálogo entre funcionário do asilo e cuidadora

Fonte: Disponível em <https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/


noticia/2021/10/19/cuidadora-humilhada-por-erros-de-portugues-ao-
enviar-curriculo-para-asilo-recebe-ofertas-de-emprego-deus-sabe-o-
que-faz.ghtml> Acesso em 26 de junho de 2022.

Neste caso, a cuidadora realizou o contato com o citado asilo


por ter recebido informações de terceiros (Que passaram este
número), de que o estabelecimento teria alguma vaga de emprego
a ser preenchida; após resposta negativa (E não estamos
precisando), a cuidadora se desculpa pela iniciativa (Desculpa
Encomodar) e, a partir desse momento, mesmo reagindo
educadamente às falas do representante do asilo, ocorrem as
humilhações exclusivamente pelo uso do português fora da norma
considerada padrão. As humilhações, as discriminações ficam
evidentes, por exemplo, nos risos (É incomodar rs) e na forma como
grafou as palavras AGENTE e A GENTE, usando caixa alta para
que a cuidadora percebesse seu erro na escrita (Grifos nossos).
Nesse exemplo, é possível notar que o funcionário do asilo
responsável pelas ofensas apoia-se no seu suposto conhecimento
da norma culta da língua, em posição privilegiada por ter acesso ao
estudo da língua, bem como por ocupar uma posição
hierarquicamente superior, por ser o responsável por aquele

106
estabelecimento comercial onde a cuidadora busca uma
oportunidade de se colocar no mercado de trabalho.
Além da situação exemplificada, cotidianamente percebemos
as limitações impostas aos falantes de língua portuguesa no Brasil,
que sofrem preconceito linguístico não somente ao serem
constrangidos ou humilhados, mas também deixam de ter acesso a
informações, como aquelas da área médica, que se tornam
inacessíveis aos que dominam apenas a língua não-padrão, sendo
que os diálogos ali traçados ultrapassam o jargão da profissão e
limitam o acesso a um sistema de saúde de qualidade.
O preconceito linguístico também afasta parte de seus falantes
do acesso ao direito à justiça, uma vez que o vocabulário jurídico é
comumente considerado incompreensível e limitado aos
profissionais da área.
Nessas situações, observamos que o preconceito linguístico
não se restringe a um mero aborrecimento, mas cria obstáculos para
que indivíduos usufruam plenamente de seus direitos, garantidos
legalmente, mas que estes não tomam conhecimento,
principalmente por não dominarem o uso da norma padrão.
Por isso, é necessário que tomemos iniciativas para impedir a
recorrência do preconceito linguístico. Como primeiro passo,
Bagno (1999) cita que é necessária constante reflexão dentro do
contexto escolar, em que seja possível admitir a existência dos
diferentes meios de se utilizar a língua portuguesa, de modo que a
norma padrão não seja considerada a única correta e aceitável.
Para tanto, o mesmo autor sugere que, para combater o
preconceito linguístico, é necessária uma ampla mudança de atitude,
em que

Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da própria auto-estima


lingüística: recusar com veemência os velhos argumentos que visem
menosprezar o saber lingüístico individual de cada um de nós. Temos de nos
impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar
que “brasileiro não sabe português”, que “português é muito difícil”, que os
habitantes da zona rural ou das classes sociais mais baixas “falam tudo errado”.
Acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando

107
paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado
(e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e
intolerantes (BAGNO, 1999, p. 115).

Assim, todos nós somos responsáveis por esta mudança, e


somente através dela seremos capazes de abandonar hábitos que
infringem discriminações e limitações a outros falantes que (ainda)
não tiveram acesso à variedade linguística de prestígio,
aprimorando, assim, sua competência comunicativa.

Conclusão

Em curtas explanações, trabalhamos com o objetivo de fazer


uma apresentação do surgimento da Sociolinguística, na década de
1960, a partir dos estudos do norte-americano William Labov, bem
como discutir sobre algumas áreas de interesse desta ciência
linguística.
Destacamos os conceitos de vertentes como Sociolinguística
Cognitiva, Sociolinguística Paramétrica, Sociolinguística
Interacional, Sociolinguística Educacional, como resultado dos
desdobramentos dos estudos sociolinguísticos; porém,
mantivemos o foco de nossas discussões na Sociolinguística
Educacional e na Sociolinguística Interacional.
Com essas discussões, verificamos a importância de destacar a
língua como um fenômeno social, por isso é também heterogêneo;
dessa forma evitamos a presença do preconceito linguístico nas
diversas situações cotidianas. Esse preconceito estabelece uma
desqualificação para com um dos falantes, com um comportamento
de reprovação e repulsa, resultando em constrangimentos e
humilhações daqueles que fazem uso de uma norma considerada
não-padrão.
Por fim, ressaltamos a necessidade de uma mudança de
atitude de forma que todos compreendamos a língua portuguesa,
aceitando que ela não é uniforme e homogênea como muitos ainda
pretendem, mas que é resultado de constantes mudanças e

108
influências, que fazem dela um rico instrumento de expressão e
comunicação social entre nós, mas que jamais poderá ser
ferramenta de segregação entre seus falantes.

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Edições


Loyola, 1999.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a
sociolinguística em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora?:
sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
BORTONI-RICARDO, S. M. Manual de Sociolinguística. São
Paulo: Contexto, 2017.
BRASIL – Secretaria de Educação Fundamental – Parâmetros
curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa / Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, l998.
BRASIL. Seb/Mec. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF,
SEB/MEC, 2017.
BRASIL. Guia Digital PNLD 2020. Brasília, DF. SEB/MEC, 2019.
Disponível em < https://pnld.nees.com.br/pnld_2020> Acesso em
27. jun. 2022.
CALVET, L. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução
Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
CAMACHO, R. G. Da linguística formal à linguística social. São
Paulo: Parábola Editorial, 2013.
CYRANKA, L. Sociolinguística aplicada à educação. In: MOLLICA,
M. C.; JUNIOR, C. F. (orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas:
uma introdução. São Paulo: Editora Contexto, 2016, p. 167-176.
COELHO, I. L. et al. Para conhecer sociolinguística. São Paulo:
Contexto, 2015.

109
DUARTE, M. E. Sociolinguística “Paramétrica”. In: MOLLICA, M.
C.; JUNIOR, C. F. (orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma
introdução. São Paulo: Editora Contexto, 2016, p. 33-44.
FERRARI, L. Sociolinguística Cognitiva. In: MOLLICA, M. C.;
JUNIOR, C. F. (orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma
introdução. São Paulo: Editora Contexto, 2016, p. 135-144.
LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno,
Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MALDONADO, Gabriel Orlando Quiñones. A Sociolinguística
Interacional no discurso político: uma análise de trechos orais
interativos em contextos da pandemia da COVID-19. Revista
Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed.
08, Vol. 02, pp. 15-27. agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Disponível
em <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/letras/sociolin
guistica-interacional> Acesso em 25. jun. 2022.
MOLLICA, M. C. Fundamentação teórica: conceituação e
delimitação. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. Introdução à
Sociolinguística: o tratamento da variação. (orgs.) São Paulo:
Editora Contexto, 2016, p. 9-14.
OLIVEIRA, M. C. L.; PEREIRA, M. G. D. A Sociolinguística e os
estudos da interação. In: MOLLICA, M. C.; JUNIOR, C. F. (org.)
Sociolinguística, sociolinguísticas: uma introdução. São Paulo:
Editora Contexto, 2016, p. 111-122.
TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1990.

110
CAPÍTULO 7

VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO PROCESSO DE


ALFABETIZAÇÃO: UM PARALELO ENTRE A DIVERSIDADE
E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Lorraine Caroline Nicomedes


Cecília Eugênia Rocha Rodrigues
Monithelli Aparecida Estevão de Moura

Introdução

O ensino da língua portuguesa na escolarização das crianças,


por vezes, não acolhe as diferentes variações da língua levadas para
sala de aula. Marcos Bagno (1999) reflete que não é pela decoração
gramatical que se atinge o êxito no ensino de uma língua. Quando
a criança se desenvolve no núcleo familiar, vai se apropriando do
vocabulário estabelecido pela família. Assim, ao chegar à escola
acaba expressando a linguagem mais utilizada naquele meio.
Nesse sentido, Bagno (1999) elucida que:

O reconhecimento da existência de muitas normas linguísticas diferentes é


fundamental para que o ensino em nossas escolas seja consequente com o
fato comprovado de que a norma linguística ensinada em sala de aula é, em
muitas situações, uma verdadeira ‘língua estrangeira’ para o aluno que
chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma linguística
empregada no quotidiano é uma variedade de português não padrão.
(BAGNO, 1999, p.18)

A “língua estrangeira” que é apresentada à criança no espaço


escolar, nem sempre é aquela utilizada no seio de todas as famílias.
Como resultado, a apresentação dos textos e falas da língua
normativa acabam por desencadear uma relação conflituosa entre
o que as crianças trazem da formação familiar e o que lhes é

111
apresentado no processo de alfabetização e letramento. Bagno
(1999) aponta que “um professor de português quer formar bons
usuários da língua escrita e falada, e não prováveis candidatos ao
Prêmio Nobel de literatura!” (BAGNO, 1999, p. 60).
Por certo, é deveras importante alçar a compreensão do espaço
sociocultural que as crianças pertencem, tendo como base suas
experiências, valores para articular a metodologia pedagógica do
ensino da língua padrão, possibilitando ao ambiente escolar um
olhar amplo acerca das variações linguísticas trazidas pelas
crianças. Dessa forma, ao considerar o contexto social de cada
criança, mais precisamente o seu primeiro grupo, o familiar, é
necessário que o projeto de alfabetização da escola busque o ensino
da língua em consonância com inúmeras variações e diversidades
linguísticas existentes. A escola, por sua vez, tem o papel de
mediadora da relação entre escola e família, amparando alunos e
professores e exigindo que a aprendizagem e o respeito ocorram.
No contexto desse novo projeto o qual há a inclusão do ensino
da língua com inúmeras variações e diversidades linguísticas
visando ao ensino/aprendizagem mais acolhedor(a) das
diversidades e consciente como pluralidades linguísticas
brasileiras, cabe trazer os conceitos de Faraco (2008) de norma
padrão e norma culta da língua, o que não são sinônimas. Vejamos:
Norma culta “é o conjunto de fenômenos linguísticos que
ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações
mais monitoradas fala e escrita”, “é a expressão viva de certos
segmentos sociais determinadas situações.”. Diferentemente da
norma padrão, que é "um construto sócio histórico, tomada como
referência para estimular um processo de uniformização, (...) e uma
codificação relativamente abstrata” (FARACO, 2008, p. 73, 75).
Segundo Abaurre (1984), a escola não se preocupa, exatamente,
com a conquista em plenitude da língua padrão, mas com uma
forma de comparação de desempenhos. Assim, nesse papel, a
instituição acaba reforçando diferenças sociais ao invés de buscar
uma solução para tais dicotomias. A reflexão não visa abordar a
norma culta, mas tratar sobre as variações existentes. Contudo, é

112
importante apontar o papel e posicionamento de cada sujeito
participante na formação das crianças.
Para que o planejamento de ensino se encaixe às necessidades,
respeite a diversidade linguística, o professor precisa estar em
constante formação. A chamada e “rejeitada” formação continuada
e a capacitação para lapidação de sua prática pedagógica se tornam
mais que necessárias, como apontam Diniz e Ferraz (2015):

Fica a possibilidade de refletir e questionar sobre a formação docente como


a linha tênue e frágil que precisa com urgência se constituir de maneira firme
e costurar, remendar, ressignificar a educação. Que precisa usar e
potencializar cada novelo, tecendo com seus diferentes fios, colorindo com
os mais variados aspectos – subjetivos, políticos, cognitivos, sociais, afetivos
– esse tapete no qual a diversidade anda mais escondida enquanto
possibilidade de inclusão, respeito e mais à mostra como queixa e
impossibilidade. Lembrando que a diversidade começa com o olhar atento
para as diferenças daqueles (as) que são os dispositivos para a sua
consolidação, para aqueles (as) que, antes de professores (as), são sujeitos da
diferença, com suas crenças e histórias, com sua vida sexual, com sua cor e
gênero (DINIZ; FERRAZ, 2015, p. 191).

Mesmo falando sobre a variação através de uma metáfora


relacionada ao artesanato, os autores ressaltam que ela não é
sinônimo de aceitação e naturalização dos erros gramaticais.
Considerando o excerto dos autores supracitados, observa-se o
papel fundamental do professor como mediador dos
conhecimentos e do cuidado relacionado à pluralidade de uma sala
de aula. Nesse sentido, é fundamental que se compreenda a
variação linguística como elemento do processo de alfabetização,
uma vez que o seu ponto principal é a concepção da língua que, por
sua vez, está nitidamente ligada ao contexto em que ocorre, como
aponta Labov (1994):

os procedimentos de linguística descritiva se baseiam no entendimento de


que a língua é um conjunto estruturado de normas sociais. No passado, foi
útil considerar que tais normas eram invariantes e compartilhadas por todos
os membros da comunidade linguística. Todavia, as análises do contexto
social em que a língua é utilizada vieram demonstrar que muitos elementos

113
da estrutura linguística estão implicados na variação sistemática que reflete
tanto a mudança no tempo quanto os processos sociais extralinguísticos.
(LABOV, 1994, p.12)

Conforme citado no trecho anterior, as variações linguísticas


que compõem o contexto social em que a língua é utilizada se
modificam durante os tempos e processos sociais. Dessa forma, a
diversidade linguística presente no ambiente escolar se transforma
constantemente e o fato de não a levar em consideração na
alfabetização de crianças é não valorizar a diversidade cultural
presente na escola, marcada tanto nas mudanças da língua escrita,
quanto da língua falada.

A variação linguística no processo de alfabetização

Durante o processo de alfabetização, os educadores precisam


estar preparados para as variações da língua escrita e falada que
acompanham seus falantes, que são frequentemente apresentados
pelos alunos/ alunas no meio escolar. Por certo, o distanciamento
com que a língua portuguesa apresentada no processo de
alfabetização gera o sentimento de ciência esotérica, termo esse
denominado por Bagno (1999):

Se tantas pessoas inteligentes e cultas continuam achando que "não sabem


português” ou que “português é muito difícil” é porque esta disciplina
fascinante foi transformada numa “ciência esotérica”, numa “doutrina
cabalística” que somente alguns “iluminados” (os gramáticos
tradicionalistas!) conseguem dominar completamente (BAGNO, 1999, p. 36).

Sem dúvida, o ensino deve ser entendido como caminho de


compreensão do mundo, ou seja, o encontro das diversidades e
realidades culturais sociais. Dentro da instituição educacional, o
professor necessita estimular o fluxo constante de troca de saberes,
bem como acolher as variações linguísticas trazidas dos contextos
sociais em que os alunos estão inseridos. Não basta que o
profissional tenha apropriação do conteúdo, é de suma
importância que ele faça a autoanálise de sua prática e quebre o

114
ciclo de compreensão do ensino da língua portuguesa apenas como
gramática normativa.
Bagno (1999) afirma que a variação linguística é característica
de todas as línguas. Sabendo que a língua é falada pelas pessoas de
diferentes espaços e em diferentes contextos, ela nunca será falada
de forma idêntica. Todavia, as escolas cobram, na alfabetização das
crianças, a fala e escrita normativa de forma tradicional, gerando
aversão pelas crianças do ensino que lhes é imposto e preenchido
pela falta de significado.
Esse mesmo autor diz que:

Esta relação complicada entre língua falada e língua escrita precisa ser
profundamente reexaminada no ensino. Durante mais de dois mil anos, os
estudos gramaticais se dedicaram exclusivamente à língua escrita literária,
formal. Foi somente no começo do século XX, como nascimento da ciência
linguística, que a língua falada passou a ser considerada como o verdadeiro
objeto de estudo científico (BAGNO, 1999, p.50).

Bagno (1999) fomenta que a língua falada pelas crianças é


aquela aprendida em seu contexto familiar, como meio de
sobrevivência, socialização e organização. Tendo em vista tal
perspectiva ficam claras as inúmeras escritas hipotéticas
discorridas pelas crianças em seus registros primários, uma vez que
inicialmente a língua falada pelas crianças será a língua escrita.
Infelizmente, o ensino da língua no Brasil ainda se encontra
colonizada, como Bagno (1999) aponta, ao dissertar que

como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de


Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não
correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil
(BAGNO, 1999, p. 33).

Com base no trecho apresentado acima, pode-se compreender


que a diversidade e singularidade fazem parte do aprendizado e
que respeitar essa condição é dar riqueza ao processo educacional.
Dessa forma, entender o meio sociocultural a que o aprendiz
pertence para organizar uma metodologia que possa mediar suas

115
experiências e valores para o ensino da língua, possibilita a
apropriação significativa por parte dele. Bagno (1999) acredita que
enquanto não se entender as especificidades da variação linguística
brasileira ainda haverá contradições no ensino da língua:

Se tanta gente continua a repetir que “português é difícil” é porque o ensino


tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do
português. Um caso típico é o da regência verbal. O professor pode mandar
o aluno copiar quinhentas mil vezes a frase: “Assisti ao filme”. Quando esse
mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula, ele vai dizer ao colega: “Ainda
não assisti o filme do Zorro!” Porque a gramática brasileira não sente a
necessidade daquela preposição a, que era exigida na norma clássica
literária, cem anos atrás, e que ainda está em vigor no português falado em
Portugal, a dez mil quilômetros daqui! (BAGNO, 1999, p. 34).

Toda imposição feita ao aluno/ à aluna no processo de


escolarização, mesmo que voltada para o atendimento de
determinadas exigências sociais, são medidas educacionais frágeis,
pois o aprendiz deve ter e utilizar a sua bagagem cultural para
melhor articulação. Isso significa que deve haver a possibilidade de
expansão cultural para que seja possível saber o que fazer diante
das situações e imposições. Consequentemente, o educando que
não consegue esta interação é colocado de lado no processo e acaba
ficando às margens da sociedade.
Dessa forma, alunos e alunas não serão pressionados a
responderem expectativas externas, não tendo que deixar de lado
a sua língua primária aprendida no seio familiar. Nesse sentido,
levar-se-á em consideração a diversidade cultural dos alunos,
respeitando as variações linguísticas enxergando-as como
enriquecedoras no processo de alfabetização escolar.
Nessa construção e leitura sobre a alfabetização permeada pela
variação é possível perceber o preconceito linguístico existente e
resistente ao longo dos anos. É necessário que haja uma ruptura
significativa e eficaz desse desrespeito que leva ao constrangimento
e a traumas, pois, segundo Bagno “é preciso garantir, isto sim, o
acesso à educação em seu sentido mais amplo, aos bens culturais, à

116
saúde e à habilitação, ao transporte de boa qualidade, à vida digna
de cidadão merecedor de todo respeito.” (BAGNO, 1999, p. 91)
Assim, abordar-se-á na próxima sessão o preconceito
linguístico, omotivo da sua existência e as suas vertentes negativas.

O preconceito linguístico

Em qualquer âmbito social em que se esteja inserido, é possível


observar a presença nítida do preconceito linguístico. Segundo
Mezan (1998), preconceito é um conjunto de comportamentos e
atitudes que atribuem a outrem características negativas pelo
simples fato de serem como são, estarem onde estão, pertencerem
aonde pertencem. Além disso, o psicanalista e professor ainda
reitera que tais definições vão se aderindo aos indivíduos que
compõem os grupos dos quais fazem parte. Sabendo o significado
de preconceito e vivenciando-o em sociedade, muitos são os
questionamentos feitos, singularizando-se nesta pesquisa, sobre o
motivo do preconceito linguístico no ambiente escolar: Por que o
preconceito existe e é tão deflagrado em um ambiente educativo e
de construção/ formação? Para responder tal questionamento,
Bagno (1999) pontua que:

O fato é que, como a ciência linguística moderna já provou e comprovou,


não existe nenhuma língua no mundo que seja uniforme e homogênea. O
monolinguismo é uma ficção. Toda e qualquer língua humana viva é,
intrinsecamente e inevitavelmente, heterogênea, ou seja, apresenta variação
em todos os seus níveis estruturais e em todos os seus níveis de uso social
(BAGNO, 1999, p. 27-28).

Sendo multilíngue ou até mesmo plurilíngue, o Brasil é um


país rico em extensão territorial, falantes e variações linguísticas
marcadas principalmente na fala e não na escrita, já que essa possui
regras e normas padronizadas. É imprescindível que a ideia de que
somente quem fala de acordo com a norma culta é que fala correto
seja desfeita, pois se trata de uma visão extrema, excludente e

117
consideravelmente preconceituosa. Sobre tais considerações, Mário
Perini (1999) pontua que:

(...) qualquer falante do português possui um conhecimento implícito


altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar
esse conhecimento. E veremos que esse conhecimento não é fruto de
instrução recebida na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e
espontânea quanto a nossa habilidade de andar (PERINI, 1999, p.13).

Perini (1999) observa, neste ponto, a diversidade como fruto da


capacidade inata do ser humano de compreender a língua a que é
exposto, não aprendida apenas através das instruções e explicações
recebidas na escola, mas às suas vivências, ao lugar em que vive e às
histórias que ouve. As crianças, mesmo em suas diferenças, são
completas e possuem um corpo com múltiplas capacidades. Essas
capacidades e a liberdade de se expressarem como verdadeiramente
são, despertam a atenção daqueles que consideram a norma culta
superior à outra. É necessário que o pensamento de que norma culta
é sinônima de norma padrão seja desfeito.
Sobre isso, Bagno (1999) ressalva que é papel da escola e de
todas as instituições relacionadas à cultura e à educação buscarem
por formas de desfazer e desvincular o mito da “unidade” do
português no país e passar a contemplar a diversidade linguística
do Brasil, planejando políticas e métodos de ação com e para a
população (neste estudo, as crianças) que sofrem com o preconceito
pelas variedades não padrão.
Ainda de acordo com o linguista supracitado, o reconhecimento-
e valorização- da existência de diversas normas linguísticas é
primordial para que o ensino-aprendizagem nas escolas se torne uma
consequência da noção comprovada de que a norma linguística
ensinada neste espaço acaba se tornando, em muitos casos, uma
verdadeira língua estrangeira para aqueles que trazem consigo, de seu
contexto social e familiar, uma variedade do português “não padrão”,
que é a norma linguística de seu cotidiano.
Já é mais que compreendido que a variação linguística deve
ser respeitada, valorizada pelas instituições de ensino e mediada

118
pelos professores nas séries iniciais da alfabetização, etapa
abordada neste ensaio. Crianças, mesmo que de forma inata, se
apresentam críticas e preconceituosas sobre variações de falas
diferentes das suas, seja por aspectos sociais, regionais, históricos
ou estilísticos. Aspectos estes, que nem ela mesma consegue
compreender e categorizar, mas que por ser diferente do falar que
compreendem como “correto e normal”, já se veem na posição de
criticar e menosprezar.
Sobre isso, Bagno (1999) ainda discorre que:

O preconceito linguístico está ligado, em boa medida à confusão que foi


criada, no curso de história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa
mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo,
o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo...
Também a gramática não é a língua. A língua é um enorme iceberg
flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de
descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta.
Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no
sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada
a todo resto da língua – afinal, a ponta do iceberg que emerge representa
apenas um quinto do seu volume total. Mas é essa aplicação autoritária,
intolerante e repressiva que impera na ideologia gerada pelo preconceito
linguístico. (BAGNO, 1999, p.9-10).

Assim, compreende-se que o preconceito linguístico,


infelizmente, apresenta-se intimamente ligado à variação linguística
no período da alfabetização. Esse preconceito oriundo da
incapacidade de ouvir, ver e socializar com aspectos divergentes
do que se acredita ou do que se reconhece como “padrão”, acaba
gerando uma série de impressões errôneas de comentários
prepotentes carregados pelo desrespeito e pela ignorância.

Considerações finais

O preconceito linguístico no Brasil é um aspecto bastante


conflituoso passível de grandes mobilizações de discussões
acaloradas, pois o nosso país é marcado pela grande extensão

119
territorial e fluxo (i)migratório entre estados e suas cidades. Cada
um dos estados brasileiros ou cidades fronteiriças carrega fortes
características de sua comunicação, os chamados dialetos, como
por exemplo: o mineirês, o paulistano, o carioca, o pernambucano.
Vários autores foram apresentados para enriquecer a
compreensão acerca do preconceito linguístico. Fora possível
refletir e perceber que ele ainda existe e é tão deflagrado no
ambiente escolar e fora dele por não serem considerados três
aspectos apontados pelos autores apresentados neste construto: o
primeiro aspecto, para Bagno (1999) o preconceito linguístico existe
e está presente em sala de aula e em diversas outras esferas da
sociedade; o segundo, de acordo com Perini (1999), há uma
aprendizagem língua no uso e não só no ensino formal escolar; o
terceiro, de acordo Labov (1994), que ressalta o contexto social de
utilização da língua.
Dados os três aspectos citados acima, considerá-los e inseri-los
nas reflexões de planejamento do projeto de alfabetização escolar de
maneira a serem articulados com as práticas de ensino da escola
auxiliam no ensino da língua portuguesa em consonância com as
variações e diversidade linguísticas presentes no Brasil. O
aprendizado sem preconceito deve considerar o conhecimento
implícito altamente elaborado da língua que cada criança já possui e
que não foi sistematizado e nem instruído na formalização escolar,
mas que já foi adquirido fora da sala de aula no contexto familiar.
Da perspectiva tanto do surgimento quanto da evolução dos
estudos linguísticos, especialmente da área da sociolinguística
tratada aqui, levar em consideração a língua em relação à sociedade
de maneira descritiva em junção ao seus efeitos de forma de uso
dentro sociedade possibilitará mais reflexões, caminhos de solução
como o reforço de que não existe uma língua no mundo que seja
uniforme e que elas sempre serão passíveis de dicotomias,
diferenças e variações.
O entendimento e a compreensão da variedade linguística se
fazem necessários para se valer de um ensino da língua coerente
com a realidade cotidiana de uso dela mesma, que seja menos

120
temerosa e relacionada ao discurso de ciência esotérica. O papel e
dever principais desse cenário seriam o de inclusão e não exclusão,
ou seja, deve-se incluir e considerar o aprendizado que acontece
fora da escola, no ambiente escolar, já que norma padrão e norma
culta não são sinônimas.
Em vista dos argumentos apresentados, concluímos, assim
como diz Faraco (2008), que a língua é heterogênea construída por
um conjunto de variedades, um conjunto de normas, e “não há,
como muitas vezes imagina o senso comum, a língua, de um lado,
e, de outro, as variedades.” (FARACO, 2008, p.75). Além disso,
incluir no processo de alfabetização as variantes linguísticas do
meio familiar fora da escola, do ambiente formalizador,
contribuem para a tolerância e menos preconceito linguístico visto
que a língua é viva e seus falantes a mantém.

Referências

ABAURRE, M. B. Regionalismo linguístico e a contradição da


alfabetização no intervalo. Seminário Multidisciplinar de
Alfabetização. (p. 13- 18).Brasília: Inep. 1984.
BAGNO, M. Preconceito Linguístico: O que é, Como se faz. São
Paulo: Loyola,1999.
DINIZ, M.; FERRAZ, C. I. Diferença, diversidade e formação
docente: contribuições da psicanálise à discussão da inclusão.
Educação (PortoAlegre, impresso), v. 38, n. 2, p. 185-192,
maio/ago. 2015.
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: Desatando alguns nós.
São Paulo: Parábola, 2008.
LABOV, W. Modelos sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1994
MEZAN, R. Tempo de muda: ensaios de psicanálise. São Paulo:
Cia das Letras, 1998.
PERINI, M. A. Gramática descritiva do Português. São Paulo:
Ática, 1999.

121
CAPÍTULO 8

OS ESTUDOS DA LINGUAGEM PARA O ENSINO DA


LÍNGUA MATERNA NOS ANOS INICIAIS DA
ESCOLARIZAÇÃO

Fabiana Ferreira Freitas


Larissa Francine de Oliveira
Mara Rúbia Pinto de Almeida

Introdução

O maior desafio nos estudos da linguagem é a sua


complexidade que possibilita inesgotáveis fontes de estudo. Ao
tentar denominá-la, arrisca-se em dizer que é um mecanismo que
transmite ideias ou sentimentos por meio da interação com os
outros e com o ambiente logo, compreendemos que para Vygotsky
(1982), o sujeito é ativo, ele age sobre o meio. Para ele, não há a
"natureza humana", a "essência humana". Somos socializados a
priori e depois nos individualizamos. De acordo com o Rego (2002,
p. 98), ela descreve a Teoria Vygotskyana, a saber,

Em síntese, nessa abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um


mero receptáculo que absorve e contempla o real nem o portador de
verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que
em sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói (no seu
pensamento) este mundo. (REGO, 2002, p. 98)

Neste sentido, o presente ensaio busca refletir a respeito da


aquisição de língua materna, a fim de compreender o processo
universal que é a aquisição de língua pelas crianças. Ademais,
busca-se analisar o que irá influenciar a aquisição de língua das
crianças em seu desenvolvimento ao longo da vida e claro, após a

123
sua entrada no ambiente escolar, além de refletir esse processo no
contexto educacional que envolve e muito o papel do professor.
Segundo Mioto (2007, p. 11), “toda criança adquire (ao menos)
uma língua quando pequena e qualquer criança pode adquirir da
perspectiva da aquisição – bastando para tanto que esteja exposta
a uma dada língua”. Neste sentido, pensando na aquisição da
linguagem de crianças sem nenhum treinamento especial, mas que
elas, nas diferentes fases do desenvolvimento, desenvolvem
sistemas gramaticais equivalentes aos utilizados pela comunidade
em que estão inseridas, então, qual seria o papel da escola e dos
professores para que a aquisição da língua materna ultrapasse os
muros do simples ato de alfabetizar?
Outrossim, sabe-se que as línguas se apresentam sob duas
modalidades principais, a oral e a aquisição da fala, ambas são de
suma importância para o estabelecimento da interação entre os
sujeitos. Logo, os estudos a respeito das relações entre fala e
aquisição da linguagem já datam tempos antigos, contudo, nos
últimos anos, têm ganhado corpo devido ao grande avanço dos
Estudos da Linguagem. Coll et al (1995) apontam que, para
Chomsky, a capacidade de adquirir linguagem é exclusiva dos
seres humanos, por ser uma condição geneticamente determinada,
ou seja, todos os indivíduos aprendem a falar, basta que
desenvolvam suas capacidades inatas.
Montangero e Naville (1998) afirmam que, para Piaget, a
capacidade de linguagem nos indivíduos funciona como um
dispositivo cognitivo, na qual a linguagem é a expressão dessa
condição. Muitas são as pesquisas nesta área, mas o que se acredita
com as investigações realizadas é que, para o sujeito falar,
necessita-se desenvolver os processos cognitivos, que, por sua vez,
permitem desenvolver a capacidade de simbolização.

Desenvolvimento e contextualização

Segundo Melo (2021) ainda é comum encontrar nas salas de


aula de Educação Infantil, nos dias de hoje, trabalhos baseados em

124
atividades como cobrir tracejados, colar bolinhas, papeis picados,
coloração de números e afins. Embora a autora reconheça a
importância das atividades lúdicas e da afetividade nessa etapa da
trajetória educacional da criança, ela defende que a Educação
Infantil é o ponto de partida da criança com o mundo escolar e com
a própria Língua Portuguesa, sendo necessário assumir que os
processos de ensino da língua materna nesse momento são
estratégicos e devem ser orientados a partir do perfil do professor
no âmbito da sala de aula.
Cumpre-se destacar que Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) aponta que o processo de alfabetização infantil pode ser
iniciado no 1º ano do Ensino Fundamental, quando os alunos se
encontram com 6 anos de idade, sendo esperado que a
alfabetização integral dos estudantes esteja finalizada até o 2º ano
do Ensino Fundamental. Contudo, tem-se que no último ano do
ensino infantil (ou até mesmo antes) as crianças podem começar o
contato com as letras do alfabeto, como nas primeiras letras de seu
nome, sendo que nessa etapa os alunos já passam a associar a letra
com o som, a imitar a letra do professor ou reescreverem letras e
palavras em atividades.
Há uma indicação na BNCC sobre o processo de alfabetização
ocorrer nos anos iniciais do Ensino Fundamental na qual, os alunos
chegam nessa etapa escolar sem ter alguns parâmetros
fundamentais sobre a língua materna, nos quais passam a ser
desenvolvidos nesse momento. Guimarães e Corsino (2012)
elaboraram um caderno que apresenta a prática educativa da
língua materna no contexto da Educação Infantil, em que envolvem
a linguagem nas interações humanas para formação e
desenvolvimento da linguagem na criança. Brincadeiras e
desenhos no aprendizado da língua, uso da literatura infantil em
atividades com crianças de até 6 anos, uso de poesias e quadrinhos
para proporcionar o início da alfabetização e do letramento, dentre
inúmeras outras. As autoras também reforçam que tais práticas são
uma questão polêmica no âmbito da Educação Infantil, já que não
há consenso sobre esse momento educacional enquanto oportuno

125
para alfabetizar as crianças e tampouco sobre as possibilidades e
estratégias adotadas pelos professores. Contudo, é necessário
considerar que na Educação Infantil as crianças já fazem uso da
linguagem para se expressarem e terem contato com os elementos
do mundo e de suas vidas:

A linguagem não é simplesmente algo sobre o que nos debruçamos para


apreender suas regras; não é “meio de” contato social, como um veículo,
estático e instrumental. Ela é criada pelo homem, ao mesmo tempo em que
o cria; modifica-se nas interações humanas, permite que o homem vá além
do imediato e dado no mundo, concretizando seu potencial criador de si
mesmo e da realidade. É com a linguagem que as crianças têm contato com
a cultura do meio social a que pertencem, à medida que estabelecem contato
com os adultos e com os objetos culturais próprios desse universo (textos
escritos, imagens, objetos, danças, músicas etc.). Interagir com os adultos e o
mundo na linguagem implica que ao lado desse contato haja espaço para
que a criança possa criar novas formas de interação, novos objetos culturais.
(GUIMARÃES; CORSINO, 2012, p. 7)

Na mesma direção, Santos, Radvanskei e Bachmann (2016, p.


148) apontam que é na educação infantil que a criança demonstra suas
emoções e expressões através da linguagem, como no caso dos
desenhos, já que “o desenho também é uma forma de comunicação,
devendo ser observado e mediado sempre com cuidado, respeitando
a fase que a criança está e focando o desenho como linguagem”. Deste
modo, os professores de educação infantil podem fazer uso de
estratégias voltadas para o ensino-aprendizagem da língua materna
sempre que apropriado, considerando as particularidades das
crianças com as quais trabalha.
Para exemplificar essa questão, é possível que um professor de
Educação Física realize uma atividade na qual os alunos deverão
representar algo (um brinquedo, um familiar, um animal de
estimação, um colega ou mesmo a si próprios e outros objetos)
através de um desenho e, após terminado, escreverem (ou
desenharem) a primeira letra daquela representação. Nas
brincadeiras, o professor também pode explorar objetos como a
bola e solicitar aos alunos que a representem e ‘desenhem’ as

126
quatro letras que compõem essa palavra (B-O-L-A), permitindo
assim que os mesmos relacionem o símbolo com as palavras e sons
da sua língua materna.
Ora, mesmo diante da indicação da BNCC sobre o início dos
trabalhos de alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental,
há uma série de ações que podem ser realizadas na Educação
Infantil ao facilitar e desenvolver o contato das crianças com a
língua. Em se tratando do ensino da língua no Ensino
Fundamental, Silva (2019) defende que os principais problemas
encontrados nas salas de aula brasileiras estão centrados não na
disposição dos conteúdos, mas na forma de ensinar dos
professores: é fundamental que os professores-alfabetizadores
reconheçam as particularidades dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental para proporcionar aos alunos o contato adequado
com a língua/linguagem.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reconhecem que
o domínio da língua, oral e escrita, é indispensável para a
participação social efetiva das pessoas, já que é por meio dela que
o ser humano se comunica, se informa, se expressa e defende
pontos de vista, partilhando e construindo visões de mundo e
produzindo conhecimentos. É justamente nessa perspectiva que
deve ser significada a Língua Portuguesa nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, cabendo aos docentes a articulação de
estratégias e processos de ensino que proporcionem a alfabetização
ao tempo adequado.
Na percepção de Soares (1985), a abordagem conceitual da
alfabetização por muitas vezes lhe atribui um significado
demasiadamente abrangente, sendo considerada como um processo
que se estende ao longo da vida, não se esgotando na aquisição das
competências da leitura e da escrita. Para a autora, o aprendizado da
língua materna nunca é interrompido, sendo o momento de
alfabetização o mais relevante para determinar o contato da criança
com a Língua Portuguesa, inclusive abrangendo outras perspectivas,
como o letramento. Em outra obra, a autora afirma que

127
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das
atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas
sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos
independentes, mas interdependentes, e indissociáveis. (SOARES, 2004, p. 14)

De acordo com Santi (2014, p. 29) a "alfabetização é um


elemento fundamental, necessário para inserir-se na sociedade
letrada, desde que, simultaneamente, seja trabalhada a função
social desta aprendizagem", com os anos iniciais do ensino
fundamental sendo um momento essencial para esse “alfabetizar
letrando”. Para este autor, isso demanda uma ruptura com os
modelos tradicionais do ensino da língua materna (voltado para
cópias, leituras do livro didático e aprendizado das letras),
permitindo que a criança possa “superar o seu desenvolvimento de
competências individuais, passando a compreender e reconhecer
que ser alfabetizado é capaz de tornar a leitura e escrita no
cotidiano como um meio de conhecer” (SANTI, 2014, p. 22)
interagindo na realidade e tornando-se integrante do processo de
ensino-aprendizagem.
Mendes e Vale (2022) apontam que a escola é representada
como mediadora desse processo, devendo contar com os modos de
favorecer ao aluno o contato com a leitura e a escrita, auxiliando-o
no processo de inserção da sociedade e do próprio contexto
educacional. No mesmo sentido, os autores defendem que “cabe ao
professor promover aprendizados consistentes, por meio da
utilização de ferramentas que estimulem a investigação e o
pensamento crítico” (MENDES; VALE, 2022, p. 240), promovendo
a alfabetização e o letramento dos alunos no contato com a língua
portuguesa nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Deste modo, quando as crianças tiverem um contato adequado
e produtivo com a língua no âmbito da Educação Infantil, elas terão
melhores condições de desenvolvimento em Língua Portuguesa ao

128
chegarem no Ensino Fundamental. Justamente por isso, no
entendimento de Guimarães e Corsino (2012) sobre a importância
de incorporar atividades desde a Educação Infantil, até os anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Aleixo e Silva (2017, p. 09) defendem que o ensino da língua
materna no Ensino Fundamental “tem recebido influências das
pesquisas em linguística no que se refere o texto como objeto de
ensino”, demandando uma prática pedagógica que supere o foco no
estudo de nomenclatura e classificações gramaticais. Deste modo,
não basta apenas ensinar os alunos a decifrarem os símbolos e a
escreverem de modo mecânico e repetitivo, já que isso não gera um
aprendizado apropriado às concepções educacionais do século XXI.
Ora, da Educação Infantil ao início do Ensino Fundamental,
constata-se o que o icônico Paulo Freire (1989) intitula como um
processo de alfabetização libertadora, levando os alunos a
organizarem reflexivamente seu pensamento, bem como
desenvolvendo uma consciência crítica que não se encerra no
aprendizado da língua materna, mas que se estende a todas as
disciplinas e campos de atuação e reflexão dos seres humanos.
Passando para o Anos Finais do Ensino Fundamental, Brandão
(2021) afirma que os conteúdos devem ser trabalhados a partir das
competências e dos conhecimentos prévios dos alunos, fazendo uso
da literatura infantil, de outros textos e recursos correlacionados à
realidade dos alunos para gerar condições de ensino e
aprendizagem. Para a autora em questão, os professores devem se
aperfeiçoar para permitir que os conteúdos e conhecimentos sejam
apresentados de modo adequado para os alunos do Ensino
Fundamental, o que demanda a formação continuada.
Segundo Teixeira (2021, p. 47) é necessário “repensar as ações
que acontecem nas salas de aulas de Língua Portuguesa, e nesse
embate reconstruí-la para suas futuras práticas”, o professor, nesse
sentido, tanto no contexto da Educação Infantil, quanto do Ensino
Fundamental Anos Iniciais e Finais, deve colocar a si mesmo como
um eterno aprendiz de sua área de atuação, sempre estando atento
às pesquisas e publicações que envolvem o ensino da língua materna

129
como um processo contínuo que acompanha os seres humanos ao
longo de toda a vida. Na visão da autora o professor não deve
enxergar a si mesmo como um profissional ‘pronto’ para tais
atividades, já que novas teorias e perspectivas de ensino surgem a
todo o momento, assim como o docente acaba se aperfeiçoando no
contato com os alunos, gerando contribuições para a formação
letrada dos mesmos, fazendo uso social da língua no mundo
concreto e com o exercício da cidadania que a linguagem permite.
Deste modo, é possível compreender que no período que vai
da Educação Infantil até o final Ensino Fundamental, o professor
irá contar com uma série de desafios para o seu processo de ensino,
devendo o mesmo sempre se posicionar em prol dos objetivos de
aprendizagem dos educandos, atuando como um mediador dos
mesmos e estabelecendo estratégias e recursos didáticos que
podem ser valiosos para a prática pedagógica.
A BNCC promove o entendimento de que ao longo dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, as escolas e professores devem
proporcionar o desenvolvimento progressivo do aluno em relação
à Língua Portuguesa, preparando o aluno para o subsequente
desenvolvimento das atividades e pensamento crítico a fim de que
o estudante consiga ir para os Anos Finais do Ensino Fundamental,
o que é tarefa complexa sobre a demanda cognitiva das atividades
de leitura, devendo passar pelas seguintes articulações:

I. Da diversidade dos gêneros textuais selecionados e das práticas


consideradas no caso concreto;
II. Da complexidade dos textos pautada pela temática da estruturação
sintática, do vocabulário, de recursos estilísticos utilizados, orquestração de
vozes e linguagens presentes no texto;
III. Do uso das competências de leitura, o qual demanda processos mentais
necessários e que passam a exigir cada vez mais, envolvendo processos
como recuperação da informação e compreensão e reflexões sobre os textos
apresentados;
IV. Da consideração da cultura digital e das tecnologias digitais como um
todo;
V. Da consciência da diversidade cultural, abrangendo produções e modos
de expressão diversas, com uso da literatura infantil e juvenil, do cânone, do

130
culto, do popular, da cultura de massas, da culta das mídias e de outras
formas e abrangências culturais, permitindo a interação e o trato com o
diferente. (BRASIL, 2018, p. 35)

O ensino da língua na transição dos Anos Iniciais para os Anos


Finais do Ensino Fundamental até a sua conclusão deve reconhecer
e fomentar a necessidade das demandas de ensino contidas na
BNCC, envolvendo muito mais do que o falar, o ler e o escrever.
Assim, o professor pode realizar diferentes abordagens que
contemplem essa complexidade, por exemplo ao apresentar aos
alunos textos que versem sobre a cultura indígena, diversidade
religiosa, combate ao racismo (igualdade racial), demonstrando aos
mesmos a importância do uso social da língua e das linguagens
para a transformação social.
De acordo com Mendonça (2011), as visões sobre educação em
muito avançaram ao longo das últimas décadas e continuam
avançando no ritmo do desenvolvimento e da apropriação das
novas tecnologias pela educação, buscando extrair o melhor
possível com base nos objetivos de aprendizagem. Se décadas atrás,
era inviável e mesmo impensável que os professores fizessem uso
de recursos tecnológicos como games para o ensino da Língua
Portuguesa, essa é uma realidade que há muito tempo se
transformou. Nesse sentido,

Nenhum material didático é completo, pronto e acabado. Todos são


passíveis de serem melhorados e adaptados pelo professor, em função de
suas necessidades em sala de aula. Assim, acredita-se que o professor que
possuir boa fundamentação teórica e científica, aliadas à prática, terá
condições de superar as imperfeições de métodos, poderá optar por um
caminho e oferecer condições para que seu aluno tenha uma alfabetização
consciente, que aprenda pensando e não apenas memorizando sinais
gráficos. (MENDONÇA, 2011, p. 33)

De acordo com Petruy (2013), as práticas pedagógicas voltadas


para o trabalho descontextualizado e fragmentado com o intuito de
tão somente decodificar e memorizar a equivalência entre as letras
e seus respectivos fonemas acabam contribuindo para o que o autor

131
denomina como a perpetuação da exclusão pedagógica, ignorando
as potencialidades dos alunos e até mesmo contribuindo com o
fracasso escolar deles. Em contrapartida, o autor defende que
práticas pedagógicas que valorizam o processo de ensino e
aprendizagem considerando os conhecimentos prévios dos alunos,
tendo como ponto de partida o uso da língua, as produções textuais
que fazem parte da vida cotidiano do aluno e as aprendizagens
construídas nas interações mediadas pelo professor, fortalecem a
valorização das potencialidades dos alunos, inclusive
proporcionando a inclusão educacional de alunos que apresentem
deficiências ou déficits que podem gerar impactos no aprendizado.

Conclusão

Diante de todo o exposto, o ensino da língua materna sempre


terá características relacionadas ao momento educacional
vivenciado pelos alunos, cabendo ao professor a realização do
“desenho” das estratégias voltadas para a aprendizagem.
Evidentemente, quando um docente elabora uma atividade voltada
para o contato de alunos da educação infantil com a língua, por
exemplo, ele deverá considerar o perfil dos alunos e a existência de
pouco conhecimento prévio sobre o tema, ao passo em que, ao
avançar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ele deve partir
dos processos de alfabetização e letramento, desenvolvendo nos
Anos Finais do Ensino Fundamental as competências e habilidades
necessárias para o decorrer da trajetória educacional do aluno.
Com base nos conteúdos ministrados em sala de aula, dessa
forma, o professor vai adequando o seu estilo de lecionar com as
estratégias traçadas e com os recursos disponíveis a fim de
proporcionar um aprendizado que deve ser cada vez mais flexível
e autônomo por parte dos alunos. O professor não é tido como o
detentor de todo o conhecimento envolvendo a língua, mas sim
como um mediador dos conhecimentos.
Deste modo, o ensino da língua materna, ao longo da trajetória
do professor e dos estudantes, demanda uma série de

132
problematizações e de questões complexas, que reconhecem que
não basta memorizar e compreender como a língua e a linguagem
funcionam, mas que devem priorizar o letramento dos alunos
desde o início do Ensino Fundamental. O presente ensaio crítico
buscou a análise de algumas dentre as principais questões e
problematizações que recaem sobre o ensino da língua materna
desde a educação infantil, momento no qual pode passar a haver
uma interação maior com as letras e palavras, avançando para a
alfabetização e o letramento nos anos iniciais do ensino
fundamental e a apresentação de conteúdos para os anos finais
desse momento educacional. Conclui-se que o currículo e a
proposta pedagógica do professor são fundamentais para o maior
êxito do processo de ensino nesse sentido, contribuindo para o
decorrer da vida social e educacional dos aprendizes.

Referências

ALEIXO, C. R. S; SILVA, R. S. C. Ensino de língua portuguesa nos


anos iniciais do ensino fundamental na perspectiva dos gêneros
textuais. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à comissão
avaliadora da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal
Rural da Amazônia, Belém, 2017.
BRANDÃO, A. B. O ensino da literatura infantil nas aulas de
língua portuguesa no ensino fundamental ii. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em
Letras – Língua e Literatura Portuguesa e Língua e Literatura
Espanhola, da Universidade Federal do Amazonas, Benjamin
Constant, 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.
COLL C, PALACIOS J., MARCHESI A. Desenvolvimento
psicológico e educação I. Psicologia evolutiva. Porto Alegre:
Artmed; 1995.

133
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
GUIMARÃES, D; CORSINO, P. Prática educativa da Língua
Portuguesa na Educação Infantil. 1.ed.,rev. - Curitiba, PR : IESDE
Brasil, 2012.
MELO, A. P. C. O. Uma revisão das abordagens da alfabetização:
dos tradicionais métodos à aprendizagem processual da língua
materna. Monografia elaborada para fins de avaliação parcial de
Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Pedagogia, na Escola
de Formação de Professores e Humanidades, da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2021.
MENDES, L. M. F.; VALE, W. N. Desafios do professor de Língua
Portuguesa: um novo olhar para a leitura e escrita no ensino
fundamental. Perspectivas Em Diálogo: Revista De Educação E
Sociedade, 9(19), 230-243, 2022.
MENDONÇA, O. S. Percurso histórico dos métodos de
alfabetização. Caderno de Formação de Professores, Volume II.
São Paulo: Ed. Cultura Acadêmica, 2011.
MIOTO, C; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. O estudo da gramática.
In: _______. Novo manual de sintaxe. 3a. ed. Florianópolis: Insular,
2007.
MONTANGERO J, NAVILLE MD. Piaget ou a inteligência em
evolução. Porto Alegre: Artmed; 1998.
PETRUY, M. O processo de alfabetização no âmbito do ensino
fundamental – anos iniciais – para os alunos com deficiência
intelectual. Secretária Estadual da Educação: Pinhais, 2013.
REGO, T. C. 2002. Vygotsky: uma perspectiva Histórico-Cultural
da Educação. Rio de Janeiro, Vozes, 138 p.
SANTI, P. A. Alfabetização e letramento nos anos iniciais do
ensino fundamental. Monografia (Graduação em Pedagogia) -
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul- Uniju, Ijuí, 2014.
SANTOS, R. O; RADVANSKEI, S. F; BACHMANN, V.S. Desenho
na educação infantil: a importância e sua contribuição para o

134
desenvolvimento cognitivo e para a alfabetização. Cadernos
Cajuína, V. 3, N. 3, p.147 – 161, 2016.
SILVA, R. S. Gramática, normatividade e ensino de língua
portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental: processos
linguísticos de des(re)territorialização e a necessidade do devir.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras:
Ensino de Língua e Literatura, Campus de Araguaína, da
Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, 2019.
SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista
Brasileira de Educação, n. 25, jan-abr. 2004.
SOARES, M.B. As muitas facetas da alfabetização. Cad. Pesq., São
Paulo (52): 19-24, fev. 1985.
TEIXEIRA, A. C. S. As implicações da formação na atuação de
professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental II em
Benjamin Constant-AM. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao curso de Licenciatura em Letras – Língua e
Literatura Portuguesa e Língua e Literatura Espanhola, da
Universidade Federal do Amazonas, Benjamin Constant, 2021.
VYGOTSKY, L.S. 1982. Obras Escogidas: problemas de psicologia
geral. Gráficas Rogar. Fuenlabrada. Madrid, 387 p.

135
136
CAPÍTULO 9

O SISTEMA DE ESCRITA NO PROCESSO DA


ALFABETIZAÇÃO: TECENDO REFLEXÕES

Adimara dos Santos Rocha Lotero


Elizângela Souto da Silva

Introdução

O presente ensaio tem como tema a escrita no processo de


alfabetização e pretende refletir sobre o sistema de escrita no
processo de ensino dentro e fora do ambiente escolar. De modo
mais específico, buscamos investigar o desenvolvimento da escrita
nos primeiros anos escolares de um aprendiz.
A sociedade atual é conhecida como grafocêntrica, pois é
centrada na escrita e essa cultura está presente na vida da população.
Inevitavelmente, no contexto contemporâneo, mesmo para as pessoas
que não foram alfabetizadas, a cultura da escrita se faz presente e em
algum momento a pessoa faz uso do código escrito, seja em uma
simples mensagem via WhatsApp, na placa de trânsito, no transporte
público, na receita médica ou em algo mais complexo que organiza
uma sociedade, tal como as Leis, por exemplo.
A escrita está associada a imagens, desenhos, códigos e outros
produtos culturais que promovem a comunicação social. A cultura
da escrita se enraizou de tal forma que a sociedade depende dela
para se organizar e ser organizada por ela. Goulart (2010) descreve
sobre a escrita e sua cultura sob o prisma de que após o século XVIII
e em especial no século XX, o livro tornou-se mais acessível à
população mundial, logo, a necessidade de conhecimento e o uso
da escrita passa ser rizomática.

137
A esse respeito, diz Goulart (2010, p. 439) que “por meio
principalmente de leis, normas e outros dispositivos regulatórios,
muitas vezes simbólicos, estamos todos submetidos a um mundo
que se constituiu com a escrita”. Por esse viés, percebe-se a
necessidade de domínio/conhecimento da leitura e da escrita para
poder compreender o que se passa numa sociedade que se
transforma a todo momento e que é inundada por aportes
eletrônicos, como o iPad e o celular, de tal modo que, a escrita
encontra-se imersa na vida do ser humano em seu contexto
(CHRISTIN, 2006, apud GOULART, 2010).
Olson (1997) discute como a cultura da escrita recebeu uma
supervalorização em detrimento da fala, a partir de pressupostos que
não passam de mitos sobre a escrita. Entre essas suposições estão o
progresso de uma sociedade, a perpetuação da cultura e o
desenvolvimento pessoal. Para o autor, a prática da escrita não está
atrelada a essas questões; o que mantém a cultura e a comunicação
ativa é a oralidade de um povo; a escrita é um meio de controle social.
Em contraposição, Marcushi (2010) defende que a escrita
criticada por Olson (1997) foi associada à escolarização, sendo que
a escrita vai além da alfabetização, fazendo parte do dia a dia das
pessoas independente do seu grau de alfabetização. A escrita tem
o caráter de letramento social, sendo que

Numa sociedade como a nossa, a escrita como manifestação formal dos


diversos tipos de letramento é mais do que uma tecnologia. Ela se tornou
um bem social indispensável para enfrentar o dia a dia, seja nos centros
urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode ser vista como essencial à
própria sobrevivência no mundo moderno. (MARCUSHI, 2010, p. 16)

A oralidade e a escrita não se sobrepõem, são processos


distintos que agregam diferentes funcionalidades comunicativas. A
superioridade dada à escrita em detrimento da oralidade aumenta
o preconceito linguístico, mas não é razão para que haja o processo
inverso. Ambos são processos sociais fundamentais que ocorrem
em contextos específicos e diferentes (FARACO, 2008).

138
A escrita é prática de letramento, está presente na vida das
pessoas também fora da escola; mesmo quem não é alfabetizado ou
escolarizado recebe influências da escrita em seu dia a dia em
situações diversas. É na escola que o aluno terá acesso a práticas de
letramento social na aprendizagem da leitura e da escrita como
também irá compreender como a língua funciona e desenvolver
atitudes de valorização de outras manifestações linguísticas ou
perpetuar os preconceitos linguísticos. Essa escolha será resultado
da forma como a linguagem é trabalhada em sala de aula.
A escrita é uma habilidade tecnológica de representação
gráfica adotada por uma comunidade linguística para unificar a
língua em um mesmo sistema facilitando a comunicação. Se a
escrita for considerada a representação da língua oral, ou seja, a
língua autêntica e correta, a escrita servirá de instrumento de
exclusão social.
Devido a variedade linguística, os falantes com maior acesso à
escolarização têm uma oralidade mais aproximada da escrita do
que aqueles que não tiveram tanto acesso à educação formal. Há no
Brasil uma grande desvalorização da variedade linguística e um
preconceito quanto à fala coloquial. Dessa forma surgem
preconceitos linguísticos com a população menos escolarizada e ao
invés de unir, o aprendizado da língua divide ainda mais a
sociedade entre os que sabem usar a língua normativa e os que não
sabem (FARACO, 2008).
A escola é o ambiente onde a escrita atenderá aos objetivos de
se tornar uma ferramenta de perpetuação de desigualdades sociais,
preconceitos linguísticos ou de mudanças sociais. Uma prática
pedagógica que aborda a alfabetização, a reflexão da língua e suas
funcionalidades no contexto social contribui para que a linguagem
funcione como mecanismo de cidadania e transformação social.
Diante disso, surge, então, a seguinte indagação: como a cultura
escrita está sendo trabalhada nas escolas no período da
alfabetização?

139
A cultura da escrita na escola

Vygotsky (2007) destaca que a criança primeiro passa pelo


desenho, o qual utiliza para atribuir significado às coisas do
mundo, até chegar à representação gráfica. Segundo o autor, esse
processo é bem demorado e precisa ser incorporado pela criança,
ou seja, precisa começar na pré-escola, pois é quando os pequenos
iniciam as descobertas pela função simbólica da escrita.
Na faixa etária dos três aos seis anos a criança passa a utilizar
alguns sinais gráficos e, é nessa fase, que estão ampliando os
processos da memória e da atenção. Em síntese, Vygotsky (2007)
ressalta que a escrita começa quando a criança faz traços em lugares
variados para representar algum símbolo. Esse primeiro momento
do traço é chamado pelo autor de mnemotécnico, “[...] esse estágio
mnemotécnico como o primeiro precursor da futura escrita”
(VYGOTSKY, 2007, p. 139). Gradativamente a criança vai
transformando esses traços numa escrita, em letras que logo
formarão palavras. Esses traços logo serão substituídos por signos
linguísticos.
Para a criança despertar para a escrita, ela compreende que
além do desenho, ela também pode representar a fala por outros
meios, que é a escrita (VIGOTSKY, 2007). Alfabetizar é possibilitar
a aquisição da leitura e da escrita e esse aprendizado não ocorre de
forma espontânea e sim de modo formal, na escola. Para que essa
aquisição se dê de forma eficaz, a criança precisa aprender o maior
número possível das propriedades do sistema de escrita.
Massini-Cagliari (2005) aponta que conhecimentos técnicos da
escrita facilitam o seu aprendizado como, por exemplo, saber que a
escrita se dá da esquerda para a direita, de cima para baixo; sobre
o uso da letra maiúscula, caixa alta antes dos outros estilos.
Conhecer as letras, saber que elas têm nome, mas também têm um
ou mais sons que as representam, dominar os traçados das letras
sabendo manusear o lápis e o papel e outros aportes são
conhecimentos fundamentais no processo de aprendizagem da
escrita. O aprendizado da leitura e da escrita se dará de forma

140
consciente por parte das crianças, possibilitando-as a se tornarem
pessoas críticas que saibam inter-relacionar-se.
Um dos grandes problemas de aquisição do sistema de escrita
se encontra quase que exclusivamente na forma de ensiná-la, seja
ela pelo profissional docente ou como é ofertada pelo material
didático. Com isso é preciso destacar que há necessidade de
mudança tanto na formação dos profissionais que estão no chão da
escola, em contato direto com os alunos, quanto com o material
didático que é ofertado às crianças.

A relação fonema/grafema

Massini-Cagliari (2005) afirma que a criança, no início da


alfabetização, vai transportar para a escrita a sua fala, tentando
seguir a forma como de fato pronuncia a palavra. No processo de
alfabetização a criança é direcionada na prática do desenho para a
escrita alfabética. Porém, quando o aluno associa a letra com ao
nome do seu som e não ao valor ortográfico, como se tem visto na
prática de muitas escolas, o aprendizado da língua torna-se uma
tarefa enfadonha e sem sentido.
A introdução do ensino da Língua Portuguesa nas escolas é a
aprendizagem do alfabeto. De acordo com os estudos de Christin
(2006), citado por Goulart (2010, p. 440), o alfabeto grego se
desintegralizou da contextualidade, com isso “[...] pôde servir de
base a outras escritas”. Uma das dificuldades na alfabetização é o
sistema alfabético que a princípio facilita a aprendizagem do nome
das letras. Porém, quando entra o processo de associação da letra
com os seus respectivos sons, inicia-se a confusão na escrita da
Língua uma vez que na prática é usado o sistema ortográfico.
Para Cagliari (2004), a escola desmotiva o aprendizado do
aluno quando apresenta para ele uma Língua Portuguesa apenas
escolarizada, que prioriza a escrita e a fala formal que se assemelha
a um dialeto ou uma língua desconhecida pelo aluno. A reflexão
sobre a funcionalidade e uso da Língua Portuguesa consiste na

141
compreensão de que a escrita não representa a fala e a relação
fonema/grafema.
Trata-se então de um sistema arbitrário onde cada grupo de
falantes faz escolhas da forma de escrita que mudam de acordo com
a cultura de cada um. Para a criança adquirir o conhecimento da
escrita, ela precisa ter compreensão das habilidades grafo-fônicas.
Precisa entender que a escrita não é exatamente a fala, mas a
representação dos sons da fala e essa representação segue
princípios arbitrários (GOURLART, 2010).
De acordo Cagliari (2010), é preciso que a criança perceba a
diferença entre a língua oral e a escrita e compreenda que a escrita
segue regras ortográficas que não se associam diretamente com sua
fala já que a língua oral é bastante diversificada na pronúncia por
fatores sociais, culturais e fonológicos. O alfabeto não atende a
correspondência da fala e escrita, sendo necessário o uso de uma
forma fixa que é a ortografia. Não havendo essa reflexão, a escola
desmotiva o aprendizado do aluno quando não considera suas
habilidades como falante da Língua Portuguesa (CAGLIARI, 2004).
Assim a discussão sobre a ortografia na escola faz se necessária
para que esse processo ocorra de forma eficiente na aprendizagem
do aluno, desenvolvendo nele os aspectos cognitivos, como
também competências para compreender e fazer o uso da
linguagem como meio de convivência e aceitação do outro.

O ensino da ortografia na escola

A discussão em torno do processo de alfabetização perdura


há décadas e abrange diversas áreas como a psicológica, social,
pedagógica, linguística, política e econômica. Pesquisas
realizadas entre as décadas de 1960 a 1990, na área da educação,
mostram um quadro educacional apontando que “menos de 50%
das crianças brasileiras conseguem aprender a ler e a escrever”
(SOARES, 2006, p. 13).
Dentro de um contexto de busca por um método alfabetizador
capaz de atender a demanda por melhores resultados na

142
alfabetização, surgem no Brasil, a partir de 1980, os estudos da
“Psicogênese da língua e da escrita” de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (SOARES, 2006). Esses estudos trouxeram ao cenário
educacional diversas discussões sobre como ocorre o processo de
aquisição da escrita pela criança e as hipóteses criadas por ela no
avanço entre as etapas de aprendizagem. Soares (2006) ressalta que
essas descobertas pertenciam a área das teorias e não dos novos
métodos de aprendizagem.
Segundo Mendonça e Mendonça (2011), a avaliação das
hipóteses silábicas diagnostica a fase vivida pelo aluno e é capaz de
direcionar as decisões a serem tomadas pelo professor alfabetizador,
a fim de que o aluno avance para outra etapa. No entanto, dentro do
discurso educacional, o que era chamado “erro” foi substituído por
“erro construto” ou hipóteses silábicas e alfabéticas, o que gerou
equívocos em relação ao papel do professor alfabetizador.
Diante dessas descobertas na área da psicologia da aprendizagem,
os estudiosos passam a criticar as cartilhas de alfabetização a ponto
de o Ministério da Educação e Cultura (MEC) retirá-las da escola e
substituí-las pelos cadernos de alfabetização. Porém, isso não
resultou apenas na troca de material didático, mas uma mudança na
concepção de ensino e aprendizagem. Para Soares (2006), houve
confusão entre os estudos psicolinguísticos com métodos de
alfabetização, antes havia um método sem teoria, agora acontece o
inverso. Segundo Cagliari (2010), a troca das cartilhas por outro
material elaborado dentro das incertezas trouxe um grande
retrocesso para a educação, uma vez que, nas cartilhas, a ortografia
era uma das metas principais. Sem essa meta o ensino da língua
escrita sofreu uma grande defasagem.
Em meio a confusões e incertezas acerca de teorias e métodos, a
construção do conhecimento deu espaço à espontaneidade e ao
protagonismo do aluno, eximindo a escola na formação rigorosa do
ensino da escrita, como se o erro fosse aceitável e não apenas
compreensível dentro das hipóteses formuladas pelo aluno. Massini-
Cagliari (2005) ressalta que o papel da escola é refletir sobre os erros,

143
explicar, corrigir quantas vezes forem necessárias até o aluno escrever
ortograficamente, diferenciando a fala e a escrita.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
aprovada em 2018, nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental I, a criança faz as relações fonografêmicas quando
percebe a relação de uma letra com um ou mais sons em
determinados contextos, desenvolvendo a capacidade da leitura e
da escrita em seu estágio inicial.
O processo de alfabetização se complementa com outro
processo chamado ortografização. O sistema ortográfico se divide
em duas etapas: as relações regulares e irregulares. O sistema
irregular depende da memorização e prática da escrita e se
estenderá por toda a vida. Já o sistema regular, que é a
compreensão de regras pelo contexto fonológico da palavra, é
apresentado e desenvolvido do 3º ao 5º ano do Ensino
Fundamental I (BRASIL, 2018).
A funcionalidade da escrita é melhor compreendida pelo que
Massini-Cagliari (2005) chama de “categorização funcional”, que é
a determinação de uma letra pelo seu valor no sistema ortográfico
e não pelo seu aspecto gráfico, seu nome ou o sistema alfabético,
como é ensinado nos materiais didáticos nas escolas. A ortografia
estabelece a relação entre letra e som e essa relação é arbitrária,
foram escolhas realizadas por convenção e não por causas lógicas
dentro do sistema linguístico. Conhecer a forma fixa da escrita das
palavras de uma língua é a forma de aprender a escrita e a leitura,
que é o objetivo principal da aprendizagem da ortografia.
A apropriação do sistema morfológico-gramatical,
responsável pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e
escrita, depende do conhecimento que o aluno construiu das
regularidades da língua escrita. Ela desenvolve aspectos
sociolinguísticos (língua oral e escrita), fonológicos e as relações
fono-ortográficas (BRASIL, 2018). A reflexão sobre o processo de
ensino e aprendizagem da ortografia direciona a formação de um
aluno com mais autonomia e proficiência na escrita e
principalmente na leitura.

144
Escrita e leitura

A ortografia é ponto de partida e não de chegada no processo


de alfabetização, sendo que a leitura é o alvo principal desse
processo (CAGLIARI, 2010). A aprendizagem da escrita ortográfica
possibilita a leitura e nessa situação a pronúncia, a variação
linguística e as diferentes entonações entram em vigor, pois a
leitura é atrelada tanto à fala como ao contexto social.
Para escrever é preciso reconhecer os sons até os fonemas e
representá-los em grafemas. Já a leitura é o momento em que o
alfabetizando relaciona as letras com os fonemas, identificando o
som que elas representam. Escrever e ler são processos que se
relacionam, um depende do outro no sentido fonológico, mas
escrever é um processo mais fácil do que a leitura, pelo menos no
início do processo de alfabetização (SOARES, 2020).
Para Monteiro e Soares (2014), a combinação das letras e a
identificação pelo nome não indica que ocorreu a aprendizagem da
leitura. Ela se caracteriza pelo resultado da soma de três
componentes da palavra escrita: a palavra fonológica, ortográfica e
semântica. O componente semântico tem a ver com o significado
da palavra a fim de que a leitura não ocorra de forma mecânica. O
processo ortográfico inicia-se com a compreensão das estruturas
das sílabas e o processo fonológico é a relação do som com o
grafema da palavra. Nos dizeres das autoras

[...] os leitores aprendem palavras automaticamente formando conexões


entre as letras grafadas – a escrita da palavra – e os sons na pronúncia das
palavras. Essas conexões são formadas quando os leitores veem a escrita da
palavra – a ortografia –, pronunciam a palavra, distinguem fonemas na
pronúncia e reconhecem como os grafemas representam os fonemas nessa
palavra. Exposições repetidas às palavras escritas garantiriam essas
conexões na memória. (MONTEIRO; SOARES, 2014, p. 5)

Segundo Godoy (2005), é necessário compreender que a


criança aprende quando foca sua atenção na estrutura fonológica
da língua e na menor unidade da estrutura da fala que é o fonema.

145
Esse processo é conhecido como consciência fonológica e ocorre
quando o alfabetizando compreende que a estrutura da língua
falada é dividida em palavras, sílabas, letras e fonemas.
Soares (2020) apresenta em sua obra, “Alfaletrar”, como as
crianças escrevem tentando representar os significados ou a ideia
que a palavra representa, por isso usam poucas letras para aquelas
que representam algo pequeno e muitas letras para representar
algo grande. A percepção de que a palavra se relaciona com os
segmentos sonoros ou os significantes surge com o
desenvolvimento da consciência fonológica. A criança passa por
três níveis de consciência fonológica para alcançar o nível da escrita
alfabética, sendo: a consciência lexical, silábica e fonêmica.
A consciência lexical ocorre quando se compreende que a
palavra é uma cadeia de sons e diferencia o significante e o
significado. A consciência silábica ocorre quando a criança percebe
que a palavra pode ser segmentada em sílabas. Já a consciência
fonêmica é a percepção de que as sílabas são constituídas de
pequenos sons: os fonemas. A criança está avançando para a escrita
alfabética quando percebe a relação dos fonemas nas sílabas e que
esses fonemas são representados por letras; esse estágio pode ser
chamado de consciência grafofonêmica (SOARES, 2020).
São as atividades de reflexão das correspondências entre
fonema e letras que levam a criança a perceber a falta de um fonema
e a letra que o corresponda, possibilitando o avanço de um estágio
ao outro. À medida que se apropria da escrita alfabética surge a
necessidade da escrita ortográfica que é dividida em três etapas: as
relações regulares, relações regulares contextuais e relações
irregulares. As relações regulares são as que correspondem um
fonema para cada letra. As relações regulares contextuais
caracterizam-se quando um fonema é representado por mais de
uma letra dependendo da situação como G antes de A, O, U e GU
antes de E, I. As relações irregulares são aquelas em que um mesmo
fonema é representado por vários grafemas como: G e J; S, X e Z; X
e CH, entre outros. (SOARES, 2020).

146
Quando o aluno não compreende o funcionamento desse
processo podem aumentar as dificuldades de aprendizagem da
estrutura da Língua tanto da escrita como também da língua oral
através da aquisição da consciência fonológica e consequentemente
resultará em dificuldades no processo de alfabetização.
A BNCC (BRASIL, 2018) dispõe que o processo de
alfabetização envolve a apropriação do sistema ortográfico, a
compreensão do uso da língua e a formação de habilidades que
usam a linguagem na relação consigo, com o outro e com o mundo.
Dentro da perspectiva da formação individual e social do aluno há
a orientação de diversos estudiosos para que a alfabetização ocorra
dentro de práticas do letramento levando a criança a conhecer a
cultura da escrita fora do ambiente escolar.

Letramento

Soares (2006) faz a distinção entre alfabetização e letramento,


considerando que alfabetização é a apropriação da tecnologia da
escrita e da leitura. Já o letramento trata-se de um conceito que se
refere ao uso da leitura e da escrita nos contextos sociais (SOARES,
2006; KLEIMAN, 2005; ROJO, 1998; MARCUSHI, 2010)
Soares (2006), Rojo (1998) e as pesquisas de Godoy (2005)
demonstram que a consciência fonêmica se desenvolve dentro de
um contexto que envolve o letramento e o sistema alfabético-
ortográfico. O desenvolvimento da habilidade de relacionar o som
com as letras e as sequências que formam as palavras não ocorre de
forma natural, como a apropriação da língua oral. A aprendizagem
da escrita e da leitura ocorre por meio de um ensino que envolve a
reflexão sistematizada da funcionalidade e uso social da língua
dentro das práticas de letramento, tornando o ambiente escolar
mais favorável para o desenvolvimento da leitura e da escrita.
Entre as escolhas realizadas pelo alfabetizador para alfabetizar
letrando, como defendem esses autores, estão os textos a serem
usados no processo de alfabetização. O texto sempre esteve
presente nas salas de aula, embora algumas vezes usado de forma

147
descontextualizada e fragmentada, como pretexto para a
alfabetização. Albuquerque (2007, p. 16) denomina os textos que
estão presentes nas cartilhas tradicionais de “forjados”, no sentido
de que são criados apenas para ensinar as famílias silábicas, sem
circular em nenhum outro contexto da vida real.
Uma sala de aula é composta por alunos que vivenciam as
práticas de leitura e escrita no seu cotidiano e conseguem distinguir
os textos escolares dos textos usados na vida real. Porém, há uma
grande parcela de alunos que só têm acesso à prática de
letramentos na escola, o que torna o espaço escolar o lugar
apropriado na formação de leitores e escritores proficientes
(SOARES, 2006). Apesar de muito discutido no meio acadêmico, o
letramento na alfabetização é ainda um dos grandes desafios dos
educadores. Apenas aprender a ler e escrever os sinais gráficos,
tarefa da qual se ocupa a alfabetização, não é suficiente para formar
leitores e escritores proficientes. Nesse sentido, verifica-se a
importância das práticas de letramento em sala de aula, onde a
compreensão das funções sociais da leitura e da escrita promove a
formação de cidadãos letrados, capazes de interagir e agir sobre a
realidade em que estão inseridos.
Em um ambiente de letramento a leitura, que é objetivo
principal da escrita, estará presente em todo o processo de
alfabetização, uma vez que esse ambiente deve ser permeado de
atividades de leitura. O ambiente escolar é o mais favorável para o
desenvolvimento da leitura e da escrita dentro do contexto que
Marcushi (2010) denomina como letramento social, que são
situações vivenciadas na vida real em que a escrita e a leitura são
essenciais.
Dentro dessa perspectiva, Rojo (1998), Soares (2006), Kleiman
(2005), entre outros, defendem que a escolha dos textos a serem
usados na alfabetização deve diversificar em relação aos gêneros,
trazendo para o contexto escolar as funções e objetivos do uso de
determinado discurso no espaço social. Assim, a diversidade
textual que pode ser usada no processo de alfabetização, se opõe ao
uso demasiado de textos fragmentados ou criados para um

148
trabalho sistemático de reflexão sobre o sistema escrito, que embora
alfabetize, pouco ou quase nada contribuem para o letramento em
sala de aula (ALBUQUERQUE, 2007).
Conforme ressaltam Santos e Albuquerque (2007), todo
trabalho na sala de aula deve proporcionar análise e reflexão da
língua escrita. Porém, essa reflexão deve ser feita com o objetivo de
formar alunos autônomos para ler e escrever com autonomia e
proficiência.

Considerações Finais

A escrita está inserida na sociedade em diversos formatos, seja


nos códigos escritos, símbolos, escritas ideográficas, pictográficas e
outros. A aquisição da habilidade de escrever e ler é o que define
quem é alfabetizado, porém, a escrita está presente no dia a dia das
pessoas, independente do processo de escolarização. A reflexão
sobre o papel da escrita na sociedade se faz necessária pelo fato de
que a língua serve para fins de comunicação e interação. No
entanto, a suposição de que a fala deveria se orientar pela língua
escrita aumenta o preconceito linguístico e a exclusão social.
A identificação e reconhecimento da língua em suas diversas
funções na sociedade inicia-se na escola durante o processo de
alfabetização. Um trabalho com a alfabetização que apresente a
língua escrita, a leitura e a fala como processos que, embora tenham
alguns aspectos em comum, são distintos, abre brecha para a
seguinte indagação: Como a escola tem realizado essas distinções
no processo de alfabetização?
A aquisição da escrita envolve diversos processos de caráter
psicológico, fonológico, semânticos e ortográficos que, embora
ocorram simultaneamente, mobilizam diferentes aspectos do
estudo sobre a linguagem. A compreensão de como a criança
entende o funcionamento da Língua Portuguesa e as etapas
necessárias para a aprendizagem da língua escrita e oral são
fundamentais para o sucesso do trabalho na alfabetização.

149
A alfabetização, quando ocorre em práticas de letramento,
torna o aprendizado da língua escrita permeado de diversas
significações, contribuindo na formação de um aluno leitor, de um
escritor proficiente, de um cidadão que age sobre o meio em que
vive através da linguagem.

Referências

ALBUQUERQUE, E. B. C. Conceituando alfabetização e letramento.


In: SANTOS, C.F; MENDONÇA, M (Org.). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p.
11-21. Disponível em: http://www.serdigital.com.br/gerenciador/
clientes/ceel/arquivos/22.pdf. Acesso em 09/08/2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Linguística. 10. ed. São Paulo:
Scipione, 2010.
CAGLIARI, L. C. Algumas questões da linguística na
alfabetização. Alfabetização & linguística. 10. ed. São Paulo:
Scipione, 2004.
FARACO, C. A. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. Ed.
Parábola, São Paulo, 2008.
GODOY, D. M. A. Aprendizagem inicial da leitura e da escrita no
Português do Brasil: Influência da consciência fonológica e do
método de alfabetização. Florianópolis, 2005. 188 p. Tese
(Doutorado), Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal
de Santa Catarina, 2005.
GOULART, C. M. A. Cultura Escrita e Escola: Letrar Alfabetizando.
In: MARINHO, M.; CARVALHO, G. T. (orgs). Cultura escrita e
letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
KLEIMAN, A. B. (Org.). Preciso ensinar o letramento? Não basta
ensinar a ler e a escrever. Linguagem e letramento em foco.
Cefiel/IEL/Unicamp, 2005.

150
MARCUSHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de
Retextualização. Ed. Cortez, 10 ed. São Paulo, 2010.
MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Diante das Letras: A
Escrita na Alfabetização. Campinas-São Paulo, Ed. Mercado de
Letras, 2005.
MENDONÇA, M. Gêneros: por onde anda o letramento? In:
Santos, Carmi Ferraz e Mendonça, Márcia. (Orgs). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MENDONÇA, O. S.; MENDONÇA, O. C. Psicogênese da Língua
Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a
alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-
Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de
professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de
Alfabetização). Disponível em: http://acervodigital.unesp.br/
handle/123456789/40138. Acesso em: 30 Jun. 2022.
MONTEIRO, S. M.; SOARES, M. Processos Cognitivos na Leitura
Inicial: relação entre estratégias de reconhecimento de palavras e
alfabetização. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 2, p.449-
466, abr./jun. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/
nn9b37JZD3xhp7kKsWRJjgh/?lang=pt&format=pdf. Último acesso
em 27/06/2022 as 19h23min.
OLSON, D. R. O mundo no papel: as implicações conceituais e
cognitivas da leitura e da escrita. Coleção Múltiplas e Escritas.
Editora ática, 1997.
ROJO, R. Alfabetização e Letramento: Perspectivas Linguísticas
(Org). Campinas-SP, Mercado de Letras, 1998.
SANTOS, C. F; ALBUQUERQUE, E. B. C. Alfabetizar letrando. In:
SANTOS, C.F; MENDONÇA, M (Org.). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
p. 95-109. Disponível em: http://www.serdigital.com.br/gerencia
dor/clientes/ceel/arquivos/22.pdf. Acesso em 09/08/2022.
SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Editora
Contexto, 2006.

151
SOARES, M. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a
escrever. 2ª reimpressão. São Paulo, SP: Contexto, 2020.
VYGOSTKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.

152
CAPÍTULO 10

LÍNGUA E LINGUAGEM:
UMA VISÃO ACERCA DO LIVRO DIDÁTICO

Ana Clara Martins Resende dos Reis


Larissa Maciel Gonçalves Silva
Lavine R. Cardoso Ferreira

O presente ensaio tem como objetivo central discutir os


conceitos relacionados à Língua e Linguagem fundamentados nas
concepções de linguistas como Saussure (2006), Fiorin (2010, 2013a,
2013b), Marcuschi (1997) como repertório teórico para reflexões
sobre como a Língua e a Linguagem se materializam em um Livro
Didático utilizado no Ensino Médio, exemplar presente no PNLD
de 2021 de Língua Portuguesa.
Para averiguarmos as definições que são desenvolvidas dentro
de sala de aula, selecionamos um capítulo (esse condensa os
conceitos em seu conteúdo) do livro didático utilizado no Ensino
Médio nas escolas estaduais de Minas Gerais, já que todo ano é
eleita uma editora para fornecer exemplares para todas as
instituições de ensino mineiras, neste ano de 2022, a editora
responsável é a Moderna. Assim, selecionamos o exemplar do
Ensino Médio, “Se liga na linguagens: português”, dos autores
Ormundo e Siniscalchi (2020), utilizado no 1°, 2° e 3° ano. O livro é
“dividido” em capítulos, para que seja trabalhado o conteúdo
próprio de cada série, as orientações demonstram quais capítulos
são específicos para cada ano.
A partir da compreensão de que os estudos linguísticos têm se
dedicado ao estudo da linguagem em funcionamento, com seus
usos situados, contextualizados e significativos, propomos essa
análise da linguagem e da língua no livro didático, o qual se

153
configura, muitas das vezes, como único recurso do professor em
sala de aula. O ensino tradicional de gramática nas escolas públicas
tem sido, ao longo de décadas, norteado pelo livro didático (LD), o
qual, na maioria das vezes, é utilizado pelos professores como o
único material didático que é disponível para o docente (SOUSA
FILHO, 2009).
Iniciaremos nosso ensaio a partir dos conhecimentos
apresentados na obra “Curso de Linguística Geral”, publicada em
1916, atribuída a Ferdinand de Saussure, por representar grande
importância na compreensão Linguística como uma ciência. Em
diversas obras que tratam da Linguística é comum encontrarmos
referência a Saussure como “o pai da Linguística”, tendo em vista
que sua obra, seus desdobramentos e estudos nele baseados
contribuíram para que a Linguística fosse reconhecida como
ciência, tendo a língua como como objeto de estudo.
A teoria de Saussure apresenta definições para diversos
conceitos fundamentais na Linguística Moderna, para este trabalho
apresentaremos os conceitos de Língua e Linguagem apresentados
por Saussure. O motivo de estudarmos especificamente esses dois
conceitos é justamente por o livro didático escolhido tratar do ensino
e aprendizagem da Língua Portuguesa e por apresentar sua
organização enfatizando a linguagem. Somado ao fato de muitas
pessoas ainda considerarem a língua e linaguagem como sinônimos.
A linguagem é inseparável do homem como enfatizado por
Hjelmslev ([1943] 2013), ela possibilita a expressão de seus
pensamentos, sentimentos, sua vontade e seus atos. Por meio da
linguagem, o homem interage, influencia, é influenciado,
compreende, é compreendido, age, planeja, trata com o concreto e
com o abstrato. Saussure (2006, p. 17) defende que a linguagem é “ao
mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence, além disso, ao
domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em
nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir
sua unidade”. Na linguagem, cabe o uno e o diverso:

154
O desenvolvimento da linguagem está tão inextricavelmente ligado ao da
personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da humanidade,
da própria vida, que é possível indagar-se se ela não passa de um
simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte de
desenvolvimento dessascoisas. (HJELMSLEV, ([1943] 2013), p. 1-2)

Visto também nos estudos de Bakhtin (1997 e 2006) em que a


linguagem é compreendida enquanto objeto e sujeito envoltos em
interações socioculturais e históricas. Também desenvolvendo essas
definições, em Fiorin (2013b) vemos que a linguagem torna o mundo
perceptível a nós, e que por meio dela categorizamos e interpretamos
a realidade, interagimos e nos relacionamos. Assim, entendemos que
a linguagem abarca diversas possibilidades e estratégias de
comunicação e expressão, o que enfatiza Saussure (2006) ao afirmar
que a linguagem verbal não é a única linguagem existente,
considerando as linguagens pictóricas, gestuais etc. A linguagem se
manifesta em diferentes tipos de signos, podendo esses variar entre
verbais e não-verbais, mostrando-se sempre em movimento no
sentido de criar e recriar conforme as necessidades do homem, não
pertencendo a um único domínio (PETTER e FIORIN, 2010).
De acordo com Fiorin (2010, 2013a e 2013b), todas as
linguagens (verbais ou não-verbais) compartilham uma
característica importante: são sistemas de signos usados para a
comunicação, em um movimento constante de criação e recriação
conforme as necessidades do homem, não pertencendo a um
indivíduo. O autor compreende a linguagem como uma
capacidade especificamente humana de produzir sentidos, se
comunicar e defende que há diferentes formas da linguagem se
manifestar (FIORIN, 2013b).
Ademais, para elucidar esses conceitos Bakhtin (1997 e 2006)
ressalta que a linguagem não seresume a um conjunto de regras e
estruturas, para o autor a linguagem representa um sistema com
características funcionais e psicológicas, enquanto atividade
constituída e constitutiva ao mesmo tempo em que é utilizada por
interlocutores historicamente situados. Nas palavras de Bakhtin
(2006, p. 127), “a língua vive e evolui historicamente na

155
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato
das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Por meio da linguagem, o indivíduo interage com seus
semelhantes e na interação se comunica, se expressa ao mesmo
tempo em que se torna interlocutor. Sendo assim, Bakhtin (2006)
considera a linguagem como essencialmente social, ideológica e
dialógica, como um fato social repleto de posicionamentos,
fundamentada no fenômeno da interação.
A língua constitui, portanto, uma parte essencial da
linguagem, sendo reconhecida como produto social da linguagem,
estruturada a partir de convenções sociais necessárias de modo a
estar acessível a todos para que dela façam uso. Conforme Saussure
(2006, p. 17) “a linguagem é multiforme e heteróclita; [...] ela
pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não
se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois
não se sabe como inferir sua unidade”.
Saussure (2006) esclarece que a língua existe na
coletividade, ou seja, comum a todos e existe independente da
vontade dessa coletividade. Já a fala, segundo o mesmo autor é “a
soma do que as pessoas dizem, e compreende: a) combinações
individuais [...], b) atos de fonação igualmente voluntários [...]”
(SAUSSURE, 2006, p. 27-28). Para o autor, a língua é um sistema de
signos, sendo o signo uma associação entre o significante (imagem
acústica) e significado (conceito). Saussure (2006) defende que a
imagem acústica não se confunde com o som, pois ela é, como o
conceito, psíquica e não física, da imagem que fazemos do som em
nosso cérebro.
A língua é apresentada nos estudos de Saussure (2006) enquanto
um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos da
linguagem, associando uma imagem auditiva a um conceito. É a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo, e que este por si só, não
pode nem a criar nem a modificar; ela não existe mediante uma
espécie de contrato com a coletividade/comunidade. Para tal, o
indivíduo necessita aprendê-la para se apropriar do seu
funcionamento. De acordo com Saussure (2006, p. 22), a língua é um

156
sistema distinto uma vez que “um homem privado do uso da fala
conserva a língua, contanto que compreenda os signos vocais que
ouve”.
Para esse autor, a língua

é um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos de linguagem”,


podendo ser localizada “na porção determinada do circuito [da fala] em que
uma imagem auditiva vem associar-se a um conceito” 1, e acrescenta: “a
língua, assim delimitada no conjunto dos fatos de linguagem, é classificável
entre os fatos humanos. (SAUSSURE, 2006, p. 22)

Saussure (2006) apresenta a língua como um fato social regido


por normas e leis e nos apresenta suas dicotomias: língua/fala,
sincronia/diacronia, entre outras. Na dicotomia língua versus fala,
afirma que a língua é a parte social da linguagem e que a fala
representa a parte individual: “Separando a língua da fala,
separamos no mesmo gesto: o que é social do que é individual; o
que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental”
(SAUSSURE, 2006, p. 22).
Dessa forma, temos um ouvinte não passivo em resposta a algo,
podendo ser não apenas por meio do uso da língua, mas também pelo
ato. A língua não se limita a um sistema de códigos com sentido por
si só, a língua se apresenta responsiva, ou seja, prenhe de uma
resposta para aquilo que se enuncia (BAKHTIN, 2006).
Ainda, é por meio da interação entre os sujeitos, que a linguagem
leva o indivíduo a se constituir como sujeito na sociedade em que está
inserido e nas práticas letradas sociais, ao passo que, segundo
esclarece Faraco (2009, p. 57), a “língua é também e principalmente
um conjunto indefinido de vozes sociais”.
Observando os conceitos apresentados sobre língua e
linguagem nos estudos apresentados neste trabalho, compreende-
se que as práticas e recursos pedagógicos precisam considerar uma
organização que ultrapasse e rompa a concepção da língua
enquanto um sistema estático, normatizador e acabado. Necessita-
se de práticas pedagógicas capazes de se criar espaços para que
os estudantes sejam protagonistas em processos interativos com a

157
língua, isto é, o uso da língua no empirismo juntamente com o
protagonismo dos estudantes.
No entanto, conforme considera Faraco (2009, p. 131), são
muitas as pessoas que, mesmo dominando muito bem a língua,
sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação
verbal. Assim, os estudantes podem estar inseridos em
determinada organização pedagógica e metodológica em que o uso
da linguagem não lhe seja favorável, não por falta de domínio da
língua, mas por falta de conhecimento da funcionalidade da língua
social e da sua posição de protagonista e até mesmo pelo
empobrecimento das possibilidades e estratégias interacionais e
comunicacionais. É preciso compreender a concepção de língua e
linguagem por trás do Livro Didático, o lugar social da linguagem
neste espaço/recurso/ferramenta de ensino e aprendizado.
Segundo Marcushi (1997, p. 2), “a pouca atenção dada aos
manuais didáticos à língua falada é reflexo da posição teórica
linguística até anos recentes”, ou seja, não havia por parte dos
linguistas uma preocupação com a fala autêntica mas com a fala
idealizada preocupando-se com a descrição de estruturas e
formas a partir das noções teóricas. Diante disso identifica-se que
os manuais didáticos têm evidenciado mais inovações
tecnológicas (de efeito visual) que as inovações teóricas, não dando
a devida atenção à língua falada.
Ainda, segundo o mesmo autor, a abordagem da fala é de
suma importância uma vez que permite entrar em questões
geralmente evitadas no estudo da língua, tais como as de variação
e mudança, como as noções de: "norma", "padrão", "dialeto",
"variante", "sotaque", "registro", "estilo", “gíria” ; noções estas que
podem tornar-se centrais no ensino de língua e ajudar a formar a
consciência de que a língua não é homogênea, nem monolítica.
Neste sentido, a preocupação com a língua falada é premente,
visto que, de em tempos em tempos, precisamos rever vários aspectos
imbricados nas ideologias linguísticas, inclusive a ideia que foi tão
fortemente defendida de um “sotaque” neutro e por que essas formas
foram prestigiadas e respeitadas em um país com tanta diversidade

158
linguística como no Brasil e que nos fazem refletir constantemente de
como as variantes foram sendo determinadas e julgadas melhores que
as outras, sendo incluídas ou não.
Primeiramente, selecionamos um exemplar que está em uso no
ano de 2022 em todas as escolas estaduais mineiras, tendo em vista
a importância do livro didático na sala de aula como ressaltado
anteriormente. Dessa forma, analisamos como são expostos e
desenvolvidos os conceitos com os estudantes.

Figura 1: Capa do livro didático

Fonte: disponível em <https://pnld.moderna.com.br/ensino-medio/obras-didati


cas/obras-especificas/lingua-portuguesa/se-liga-nas-linguagens-portugues>.
Acesso em: 05 de Julho de 2022 XX de XXX de XXXX

No livro didático em vigor que tem como título “Se liga nas
linguagens – Português” (Figura 1), encontramos um capítulo já
intitulado com os conceitos discutidos: “Capítulo 16 – Linguagem e
língua”, esse inicia o eixo de análise linguística e semiótica da obra,
já que anteriormente eram expostos apenas conteúdos de
literatura. Ao iniciar o capítulo, não há a presença de nenhuma
definição e conceituação, apenas exercícios sobre espaço e espaço
visual (vide anexo).

159
Em seguida, na próxima página encontramos o primeiro
exposto:

A linguagem humana caracteriza-se pelo emprego de elementos que


representam ideias, informações ou realidades. Tais elementos são usados
em situações de interação social, em que a comunicação entre os
interlocutores prevê trocas e influências recíprocas. (ORMUNDO;
SINISCALCHI, 2020, p. 167)

Dessa forma, concebemos que não há a apresentação dos


conceitos para os alunos, não há diferenciação ou contextualização
do assunto, mesmo que o capítulo tenha como título “linguagem e
língua”. O livro apresenta uma tendência para o visual,
apresentando imagem que abordam as atividades sociais,
abarcando assim a linguagem humana e elencando o conceito
supracitado.
Ainda, traz a diferenciação da linguagem humana em várias
linguagens e semioses, como: verbais, corporais, sonoras, entre
outras e encontramos a definição de linguagem verbal e não-verbal.
Assim, vemos um apagamento do conceito de língua que é diluído
em tantas conceituações de linguagem.
A linguagem é desenvolvida em diversos conceitos, mas a
língua não é contextualizada ou desenvolvida no livro didático do
estudante. No mesmo capítulo, ainda é trabalhado o fenômeno da
variação linguística, encontramos então um pequeno trecho que
ressalta características da língua:

A língua está em constante transformação. Novas palavras e expressões


surgem o tempo todo. Além disso, a língua não é usada do mesmo modo
em todas as regiões e por todos os grupos de falantes. (ORMUNDO;
SINISCALCHI, 2020, p. 168)

Desse modo, vemos a apresentação de alguns conceitos sobre


língua, como a sua mutabilidade e a heterogeneidade. Os autores
apresentam no livro as diversas situações e adaptações em que
utilizamos a língua na comunicação quando introduzem as
variedades linguísticas. Além disso, investigamos as orientações ao

160
professor, que compõe um capítulo inicial do livro, buscando esses
conceitos. Também, não encontramos direcionamentos ao
professor nessas atividades, mas identificamos uma orientação que
nos dá mais detalhes da concepção de língua adotada:

Nesse sentido, a abordagem tem como finalidade, em especial, desenvolver


a habilidade EM13LGG401, que preconiza a compreensão da língua como
‘fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e
sensível aos contextos de uso’. (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2020, p. LIII)

Logo, concebemos uma lacuna nesse suporte de ensino das


escolas mineiras, visto que não identificamos a presença do
conceito de língua e suas infinitas possibilidades no livro didático
do estudante. Vê-se o conceito de língua sendo diluído nos
inúmeros conceitos e recortes sobre linguagem. Assim, vemos uma
preocupação maior em trazer o visual do que a conceituação para
nossos alunos. O que nos leva a identificar uma possível lacuna no
ensino-aprendizagem dos estudantes das escolas estaduais
mineiras. A presença de diversos exercícios e atividades, sem
teoria ou aporte teórico.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Maria


Ermentina Galvão G. Pereira.São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006.
FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo
de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
FIORIN, José Luiz. A linguagem humana: do mito à ciência.
Linguística, p. 13-46, 2013a.
FIORIN, José Luiz (org.) Linguística? Que é isso? São Paulo:
Contexto, 2013b.
FIORIN, José Luiz (org). Introdução à Linguística. 6 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.

161
HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem
[1943]. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Concepção de língua falada nos
manuais de português de 1º e 2º graus: uma visão crítica.
Trabalhos em linguística aplicada, v. 30, 1997.
ORMUNDO, W.; SINISCALCHI, C.Se liga nas linguagens:
português - manual do professor. 1. ed. São Paulo : Moderna, 2020.
PETTER, MARGARIDA. Linguagem, língua linguística. In:
FIORIN, J. L. (org). Introdução à linguística – objetos teóricos. 6ª
ed., São Paulo: Contexto, 2010.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral, São Paulo,
Cultrix 1, 2006.
SOUSA FILHO, S. M. Relações entre Literatura, Linguística e
Ensino de Português. In: CAMARGO, F. P. e FRANCA, V. G.
(Org.). Estudos sobre Literatura e Linguística - Pesquisa e
Ensino. 1ed.São Carlos: Claraluz, v. 1, p. 149-162, 2009.

162
Anexo único

163
164
CAPÍTULO 11

REFLEXÕES SOBRE A AQUISIÇÃO DE LIBRAS COMO L1 E


AQUISIÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO L2 PELAS
PESSOAS SURDAS

Adrielle Bezerra Miranda


Geyse Araujo Ferreira
Viviane Barbosa Caldeira Damacena

Introdução

A educação de surdos ao longo dos anos vem intensificando


seus estudos, um dos fatores são as legislações que evidenciam um
direito ao surdo de obter uma educação com base nas suas
particularidades. A proposta de ensino discutida nesse cenário
educacional é o bilinguismo, que prevê o ensino e aprendizagem
de duas línguas concomitantes em um contexto de uso, ressaltando
a singularidade de cada língua.
Em virtude disso, como seriam os primeiros passos para uma
criança surda aprender uma língua? O que interfere nessa
aquisição de línguas? São indagações que, embora pareçam
simples, são questões que ainda não são tão esclarecidas. No Brasil,
mais de 90% das crianças surdas são oriundas de pais ouvintes que
não têm o conhecimento da Libras (FERNANDES; MOREIRA,
2009). Por isso, o primeiro contato que elas têm é com a Língua
Portuguesa e a Libras posteriormente, o que dificulta a sua
aprendizagem linguística de ambas.
Dessa forma, este ensaio tem como objetivo refletir acerca
da aquisição de línguas por pessoas surdas, com o foco na sua
língua materna, a Libras (L1) e a sua segunda língua, a Língua
Portuguesa escrita (L2) em uma abordagem funcionalista.

165
Sabemos que a relação entre as duas línguas é muito importante
para o surdo, tanto a L1 que é sua identidade linguística e que
viabiliza a compreensão melhor da L2, possibilitando ao surdo
uma interação social e competências e habilidades letradas nas
esferas sociais, como conseguir realizar a leitura da rota de
determinado ônibus, conseguir interagir por meio das redes
sociais, conseguir compreender as placas de trânsito, de
estabelecimentos comerciais e etc.

Funcionalismo

Por volta de 1950, o linguista Noam Chomsky propôs a teoria


Gerativa, que apresenta a aquisição da linguagem como
proveniente de um órgão mental, sendo uma faculdade psicológica
presente em cada indivíduo, conhecida como a Faculdade da
Linguagem. Ela pode ser considerada, nessa teoria, como um órgão
linguístico, tendo o mesmo sentido de órgãos do nosso corpo,
como, por exemplo, nosso sistema circulatório. Além disso, Pinker
(2002, p. 5) fala que a "linguagem é um instinto humano instalado
em nosso cérebro, ou seja, existe um dispositivo que é ativado na
mente quando a criança alcança certa idade, por isso lembramos
apenas de certo momento de nossa infância". Dessa maneira, o
gerativismo coloca que não aprendemos a língua com nossas
experiências provindas das relações sociais, entretanto, já nascemos
com essa capacidade.
Em contrapartida, o Funcionalismo, segundo Cunha (2008, p.
157), estuda “a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os
diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas”,
valorizando as relações sociais da língua, diferentemente do
gerativismo. Dessa forma, a língua é vista como uma forma de
interação social. O interesse, então, é ampliado para a análise da
situação comunicativa como um todo, envolvendo os falantes, o
contexto, a motivação para a interação via linguagem, entre outros
variados aspectos relevantes para o estudo.

166
A linguagem, logo, é concebida como um instrumento de
interação social, tendo um interesse de investigação linguística que
vai além da estrutura gramatical, pois busca no contexto discursivo
a motivação para os fatos da língua e “ao lado da descrição sintática
cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as
estruturas lingüísticas e seus contextos específicos de uso”
(CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 29).
O Funcionalismo é tido como uma evolução nos estudos da
linguagem, pois começou, com ele, a evidenciar os aspectos além
da estrutura e do funcionamento interno da língua.
À vista disso, o falante é influenciado pelo meio a respeito das
estruturas gramaticais, tendo em vista que, nessa conjuntura, ele é
dotado de intenções para alcançar a interação, assim as diferentes
situações comunicativas o ajudam a determinar a estrutura da
gramática.
Com base nessa visão, a aquisição de línguas do sujeito surdo
é envolvida nesse estado de interações que determinará o
desenvolvimento da sua língua, da sua comunicação, por isso a
necessidade de que ele esteja mergulhado nas diversas interações
comunicativas.
É importante destacar também que, para os funcionalistas, a
linguagem é adquirida pela criança no contexto social e é determinada
pelas necessidades comunicativas e pelas habilidades de interação em
sociedade (DILLINGER, 1991; GIVÓN, 1979; HALLIDAY, 1994).
Segundo Halliday (1994), a criança, primeiramente, aprende a se
comunicar através de gestos e sons para funções que se focam no
controle do comportamento dos outros e para a satisfação de
necessidades físicas. A criança, ainda segundo o mesmo autor,
desenvolve o que ele intitula de protolíngua, linguagem
caracteristicamente infantil, para, futuramente, utilizar palavras
convencionais durante a interação. De modo gradual, por meio das
interações e contextos, a criança desenvolve a gramática pelas
próprias imposições sociais de uso da língua.

167
Língua

A língua, na teoria funcionalista, é concebida como algo que


está ao dispor do falante nas mais diversas situações
comunicativas, sendo “um conjunto complexo de atividades
comunicativas, sociais e cognitivas integradas ao resto da
psicologia humana” (CUNHA, 2008, p. 158).
Ela possui características próprias e peculiares, passando a ser
como todos nós, seres humanos, que estamos em constante
evolução. A língua, portanto, caminha com a humanidade. Diante
de tantas mudanças, não podemos considerar, como nas análises
sincrônicas do estruturalismo, que a língua seja intacta, imóvel,
inflexível.

A língua é, assim, um grande ponto de encontro de cada um de nós, com os


nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer forma, fizeram e fazem
a nossa história. Nossa língua está embutida na trajetória de nossa memória
coletiva. Daí, o apego que sentimos à nossa língua, ao jeito de falar e ao nosso
grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa adesão a esse grupo.
(ANTUNES, 2009, p. 23)

Assim, ainda segundo Antunes (2009), a língua é vista e


estudada, em seus contextos de uso, deixando de ser vista apenas
como um signo contido de significante e significado e um conjunto
de regras gramaticais. Ela, dessa maneira, nos interliga a outras
culturas, pessoas, histórias, pois faz parte da vida de todos os
falantes, ela nos une a todas as outras comunidades linguísticas.
Portanto, a concepção de língua, nessa corrente linguística,
consiste de um instrumento de interação social, sendo assim, a
língua existe em prol de seu uso, com intuito da interação entre os
usuários dela (NEVES, 2004, p. 43).

Aquisição da linguagem

Quadros e Cruz (2011, p. 34), acerca da aquisição da língua


materna, corroboram que “a aquisição da primeira língua de forma

168
consistente em um período considerado normal oferece uma base
linguística consolidada para a aquisição de uma segunda língua,
assim como observado em outros contextos bilíngues”.
Lyons (1987, p. 231) escreve que a aquisição da linguagem é
“normalmente usada sem ressalvas para o processo que resulta no
conhecimento da língua nativa (ou línguas nativas)”. Nesse caso,
tem-se um processo pelo qual a criança aprende sua língua
materna, língua portuguesa ou língua de sinais.
Sobre os processos de aquisição, os autores mencionados
acima, citam a importância do input linguístico e que ele seja
acessível para todas crianças (ouvintes e surdas) e que o input é
quando a criança recebe por meio do seu ambiente a informação,
experiência para comunicação.
Em consonância com esse pensamento, a aquisição da
linguagem se dá

mediante a experiência que a criança desenvolve com a língua utilizada


pelas pessoas que com ela convivem, e é determinada, em última instância,
tanto pela qualidade e quantidade da língua que a criança ouve como pela
consistência do reforço oferecido a ela pelas outras pessoas em seu meio,
fatores que determinam o grau de sucesso que ela pode vir a atingir no seu
desenvolvimento. (QUADROS; FINGER, 2008, p. 38)

Quanto a esse processo de aquisição de língua de sinais, de


acordo com pesquisas de Quadros (1997), ele se apresenta
equivalentemente à aquisição de uma língua oral, ou seja, os processos
de aquisição de língua oral e aquisição de língua de sinais apresentam
padrões universais e crianças com experiências de vida diferenciadas,
que passam pelos mesmos estágios de aquisição.
Quadros (1997) apresenta os quatro estágios de aquisição de
línguas de sinais a partir dos estudos sobre a aquisição da
linguagem de Fischer (1973) e Hoffmeister (1978) que foram
realizados com filhos surdos de pais surdos:
a) Pré-linguístico: os bebês ouvintes, nos primeiros dias de
vida, emitem sons sem nenhum significado. A partir de 6 meses as
crianças utilizam as sílabas duplicadas como “papapa”, “bububu”.

169
Após alguns meses, eles selecionam os sons devido sua maior
repetição em seu ambiente. No caso de bebês surdo da família
surda, a pesquisa aborda duas formas de balbucio manual: o
silábico e a gesticulação;
b) Estágio de uma palavra/sinal: são as crianças na faixa de 12
meses a 2 anos de idade que iniciam com as primeiras
palavras/primeiros sinais. Os bebês surdos balbuciam através das
suas mãos. A criança utiliza uma linguagem não verbal para
chamar a atenção para necessidades pessoais e para expressar suas
reações. Ela já começa a imitar sinais produzidos pelo outro e
apresenta configurações de mãos e movimentos imperfeitos;
c) Estágio das primeiras combinações: esse estágio encaixa-se
dos 2 a 3 anos de idade, as crianças tentam ordenar palavras/sinais. A
criança surda produz sinais isolados para falar sobre as coisas e ações
ao redor dela. Ela faz uso da linguagem para chamar a atenção das
pessoas, para reclamar de coisas, fazer pedidos. Ela lança mão de
apontar, olhar, tocar, para identificar as coisas sobre as quais está
falando. De acordo com Quados (1997), apoiado nos estudos de
Fischer (1973) e Hoffmeister (1978), a ordem da frase em língua de
sinais mais utilizada é sujeito-verbo-objeto (SVO); a partir desse
estágio, a criança começa a ordenar palavras para estabelecer relações
gramaticais. No caso da criança surda, ela já começa a sinalizar
sentenças como: EU-QUERER, QUERER-COMIDA. O falante, nesse
estágio, está adquirindo a sua língua de forma natural e espontânea
suas regras sem ter consciência desse processo.
d) Estágio das múltiplas combinações: o quarto e último
estágio compreende a idade de 3 anos em diante, no qual a criança
surda começa a produzir vários sinais, também conhecido como
explosão de vocabulários. Ela já pode identificar coisas em figuras
ou em livros, pode descrever pessoas e objetos por meio de suas
características. Fala sobre onde estão as coisas, onde as pessoas
estão indo e sobre quem vem a ela. Usa frases curtas e sentenças.
Fala sobre as coisas do seu ambiente imediato, sobre o que está
fazendo ou planeja fazer.

170
Dessa maneira, é importante destacar que os estágios
precisam ser bem trabalhados com a criança surda. Quadros e
Cruz (2011, p. 34) afirmam que “a aquisição da primeira língua de
forma consistente em um período considerado normal oferece
uma base linguística consolidada para a aquisição de uma
segunda língua, assim como observado em outros contextos
bilíngues". Complementando esse pensamento, Silva (2015)
assevera existirem evidências de que a situação majoritária ou
minoritária da língua materna da criança, a valorização dessa
língua na comunidade e sua utilização como ferramenta para os
processos de alfabetização afetam os resultados linguísticos e
cognitivos da criança. Com isso, a experiência e o contexto
linguístico da criança surda se associam diretamente ao fator
idade, citados nos estágios acima, de aquisição.

Aquisição de L2 pelos surdos

Como já dito anteriormente, a primeira língua da pessoa surda


é a língua de sinais, sendo assim, a modalidade escrita é
apresentada com características de segunda língua. Assim,
considerando este pressuposto, essa aquisição não ocorre da
mesma forma que a aquisição da primeira língua.
A língua materna é adquirida de forma natural e rápida pelo
indivíduo, possibilitando a sua interação com a comunidade em
que está inserido. Já a aquisição da segunda língua, na modalidade
escrita, ocorre de forma sistemática, mecanizada e não natural. Isso
ocorre, principalmente, pelas diferenças linguísticas que existem
entre essas duas línguas.
No funcionalismo, segundo Salles (2004), o ensino de segunda
língua deixa de ser um processo de explicitação e domínio rígido
de estruturas, passando a se apresentar como um processo
dinâmico, no qual o aluno é visto como um usuário da língua,
capaz de se comunicar em diferentes situações e contextos. Sob essa
perspectiva, o professor precisará considerar as variações

171
geográficas, sociais e de registros (formal e informal), além das
diferenças entre as modalidades oral e escrita.

Não tendo tendência natural ao aprendizado da língua oral, os surdos


foram, e são muitas vezes ainda, submetidos a um processo de ensino da
língua escrita por meio de uma prática estruturada e repetitiva, na qual a
língua tem sido apresentada com uma lista de vocabulários que os alunos
têm de aprender e posteriormente combinar com outras palavras,
obedecendo regras de formatação de sílabas, vocábulos e de frases do
português. Como resultado de tal prática os leitores surdos apresentam
óbvias restrições de vocabulário, uso de frases estereotipadas, nas quais
faltam os elementos de ligação. Assim, embora possam muitas vezes
identificar significados de palavras, não conseguem fazer uso da língua.
(ROSA e TREVIZANURRO, 2002, p. 4)

O entendimento e a percepção dessas diferenças gramaticais e


linguísticas faz com que o processo de aquisição de segunda língua
seja mais completo. A primeira a ser considerada consiste no fato de
a Libras ser gestuo-visual, enquanto a língua portuguesa é oral-
auditiva. Percebemos, também, diferenças no que tange às
estruturas gramaticais das frases, pois a língua portuguesa,
comumente, possui a estrutura sujeito - verbo - objeto (SVO),
enquanto que a Libras, comumente, apresenta a estrutura verbo -
objeto - sujeito (VOS) ou objeto - sujeito - verbo (OSV). Outra
diferença relevante a ser considerada é que, na Libras, o uso de
artigos, preposições, designações temporais, numerais e pessoais são
feitas através de sinais e classificadores, enquanto que, na língua
portuguesa, esses artifícios estão presentes de forma oral e escrita.
Tendo essas diferenças em consideração, percebemos que a
aquisição da língua portuguesa na modalidade escrita para surdos
torna-se mais complexa do que a aquisição de uma segunda língua
oral para ouvintes. O surdo, ao passar pelo aprendizado da língua
portuguesa escrita, está em contato com uma língua nova, em uma
modalidade distinta e sem o apoio sonoro que a língua oral
proporciona. Assim, essa aprendizagem torna-se mecanizada,
sistemática, acontecendo não de forma natural, mas passando por

172
momentos de repetição, tornando o aprendizado ainda mais
dificultoso.
O surdo, ao iniciar a aquisição da sua segunda língua,
apresenta, em seu texto, a presença da interlíngua, em que utilizam
a sua língua materna como base no aprendizado da língua alvo.
Isto significa que, em um texto escrito por uma pessoa surda em
processo de desenvolvimento linguístico, há a tendência de ser
escrito sem a presença de artigos, conjugações verbais e contendo
as principais características da Libras. À medida em que o aprendiz
se desenvolve linguisticamente na língua alvo, a interlíngua tende
a desaparecer.

Conforme nos mostra a literatura em aquisição de segunda língua, esses


aprendizes constroem regras temporárias sobre como e quando usar artigos,
flexão de gênero, uso de preposições, etc. a partir das regularidades que
abstraem das práticas discursivas em contextos interacionais ou dos
modelos de uso que são propiciados. (SALIÉS, 2011, p. 4)

Considerando todos esses pontos, a aquisição de língua


portuguesa na modalidade escrita pela pessoa surda torna-se
sistemática, em um processo de repetição. Porém, é necessário,
também, considerar a visualidade do surdo, isto é, considerar que
a aquisição de L2 aconteça de forma visual, não sonora. Assim,
torna-se extremamente importante o uso de gêneros textuais
durante o processo de aprendizagem, tendo em vista que eles são
uma oportunidade excelente de observar a língua em seus mais
diversos usos autênticos em nossa vida diária, “pois nada do que
fizermos linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero”
(MARCUSCHI, 2008, p. 149).
Com isso, voltamos ao ponto do uso social da língua, da
importância da funcionalidade social dela, como Carioca (2016)
exemplifica apontando a função social de intercompreensão, que
explicita a compreensão, interpretação e o compartilhamento de
significados se utilizando da língua e que torna-se comum na
relação social entre os indivíduos usuários dela.

173
Sabe-se que para adquirir uma língua é necessário constante
contato com ela e não é diferente com a língua portuguesa na
modalidade escrita. Para que o surdo se desenvolva
linguísticamente, é necessário que ele esteja em constante contato
com a língua alvo, através da diversificação de textos, percebendo
o uso social e real que a língua portuguesa apresenta. Assim, o
constante contato com a língua de forma social possibilita ao surdo
o desenvolvimento linguístico que necessita para tornar-se um
indivíduo bilíngue, como previsto na legislação do país.

Conclusão

Neste ensaio, concluímos que é extremamente relevante que


os pais aprendam e utilizem Libras no contexto familiar, que
passem para seus filhos surdos no dia a dia. Sabemos que as
línguas, segundo Quadros (2017), são aquelas que “a pessoa
adquire em casa com seus pais, diferentes da língua usada de forma
massiva no país, configuram línguas de herança”. Diferente de
crianças surdas, filhas de pais ouvintes, devido a modalidade
diferente, modalidade visual-espacial e oral-auditiva, havendo um
grande atraso no processo na aquisição das línguas de sinais.
Apresentamos nas seções anteriores a literatura para refletir o
quanto é importante colocar as crianças surdas a utilizarem libras
como primeira língua e língua portuguesa como segunda língua,
facilitando o ingresso dessas crianças em escolas, garantindo o seu
aprendizado.
Trazendo a perspectiva funcionalista para a aquisição de
língua do surdo, é necessário que se promova as funcionalidades
que a sua língua materna apresenta e suas particularidades, pois,
assim, permitirá ao surdo diferenciar a L2 e respeitar sua forma,
assim como também a sua própria língua. Essa compreensão das
funções da língua trará ao surdo a reflexão entre as línguas, sua
morfologia, sintaxe, pragmática, etc. e avaliar sua própria escrita,
no caso da L2, sendo positivo para o seu desenvolvimento
linguístico, cultural e de sua própria identidade.

174
Portanto, precisamos, como educadores, ser críticos e atentos
a cada etapa do processo de aquisição da linguagem do aluno
surdo. Ele necessita ter contato com a sua língua materna,
(re)conhecendo os aspectos linguísticos dela. Entretanto, e não
menos importante, deve ser levado em consideração a influência
da Libras nas produções escritas do surdo, sendo necessário
diferentes critérios para avaliar a sua escrita, sem que se ignore
singularidades linguísticas que ele possui.

Referências

ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível.


São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
CARIOCA, Claudia Ramos. As funções sociais da língua e as
políticas de difusão do Português no Timor-Leste. In: DELTA:
Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada,
vol. 32, n. 2, p. 427-448, 2016.
CUNHA, A. F. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.).
Manual de Linguística. 1a Ed., 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2008, p. 157-177.
DILLINGER, M. Forma e função na Linguística. In: DELTA, v. 7, n.
1, p. 397-407, São Paulo, 1991.
FERNANDES, S.; MOREIRA, L. C. Políticas de educação bilíngue
para surdos: o contexto brasileiro. In: Educar em Revista. Ed:
UFPR, Curitiba - PR, Edição Especial n. 2, p. 51-69. 2014.
CUNHA, M. A. F.; COSTA, M. A; CEZARIO, M. M. Pressupostos
teóricos fundamentais. In: CUNHA, M. A. F.; OLIVEIRA, M. R. de;
MARTELOTA, M. E. (Orgs.). Linguística funcional: teoria e
prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 29-55.
GIVÓN, T. On understanding grammar. New York: Academic
Press, 1979.
HALLIDAY, M. A. K. Introduction. In: An introduction to
functional grammar (2nd. ed). London: Edward Arnold, 1994, p.
10 -11.

175
LYONS, J. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de
Janeiro: LTC, 1987.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
OCHIUTO, Eliane Francisca Alves da Silva; CONSTÂNCIO,
Rosana de Fátima Janes. A aquisição da Libras como L1 e da
Língua Portuguesa como L2 para surdos: Uma visão
Funcionalista. in: Polofonia. v. 25, 2018.
PINKER, S. O instinto da linguagem: como a mente cria a
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
QUADROS, Ronice de Muller. Educação de surdos: a aquisição da
linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
QUADROS, R. M; FINGER, I. Teorias de Aquisição da Linguagem.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
QUADROS, R. M; CRUZ, C. R. Língua de sinais: instrumentos de
avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2011.
ROSA, A. da S. TREVIZANUTTO, L. C. Letramento e surdez: a
língua de sinais como mediadora na compreensão da notícia
escrita. In: Educação Temática Digital.c ampinas, v.3, n.2, p.1-10,
jun. 2002.
SALIÉS, T. G. Ensino-aprendizagem de PL2 na Comunidade Surda
à luz de estudos em aquisição de L2. In: Anais Eletrônicos do IX
Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada. 2011, p. 1–19.
Disponível em: <https://alab.org.br/wp-content/uploads/2012/04/
21_04.pdf>. Acesso em 29 de junho de 2022.
SALLES, H. M. M. L. et. al. Ensino de língua portuguesa para surdos:
caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2004.
SILVA, S. G. L. Consequências da Aquisição Tardia da Língua
Brasileira de Sinais na Compreensão Leitora da Língua Portuguesa,
como Segunda Língua, em Sujeitos Surdos. In: Revista Brasileira de
Educação Especial. Marília, v. 21, n. 2, p. 275-288, Abr.-Jun., 2015.

176
SOBRE OS AUTORES

Adimara dos Santos Rocha Lotero é mestranda em Estudos


Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) e Letras-Língua Portuguesa pelo Centro Universitário de
Patos de Minas (UNIPAM). É especialista em Alfabetização e
Letramento, Mídias na Educação, Educação Ambiental e
Psicopedagogia clínica e institucional. Realizou trabalho de ensino,
pesquisas e especialização em Alfabetização com foco no
Letramento. Atualmente leciona Língua Portuguesa e Literatura
nas redes pública e privada. Os interesses de pesquisa envolvem
alfabetização, oralidade e fonologia.
Lattes: https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_c
od=4F191BD787FD64FD

Adrielle Bezerra Miranda é mestranda em Estudos Linguísticos na


Universidade Federal de Uberlândia, graduada em Letras-Língua
Portuguesa pela Universidade Federal do Pará e graduanda em
Letras-Libras na Universidade Federal Rural da Amazônia. Tem
desenvolvido pesquisas na área de Educação de Surdos com foco
no letramento e ensino de línguas para surdos. Atualmente, é
bolsista da Capes e participa do Grupo de Pesquisa Narrativa e
Educação de Professores (GPNEP).
Lattes:http://lattes.cnpq.br/4367102703555075

Ana Clara Martins Resende dos Reis possui graduação em Letras


pela Universidade Federal de Uberlândia (2019), pós-graduação em
“Tecnologias, linguagens e mídias em educação” pelo Instituto
Federal do Triângulo Mineiro - Uberlândia. Atualmente, professora
efetiva e coordenadora de área de linguagens da Escola Estadual
Isolina França Soares Tôrres, e docente nas instituições privadas: SESI,

177
Mais Positivo e Objetivo. Mestranda em Linguística pelo Programa de
Pós-Graduação de Estudos Linguísticos (PPGEL), participante do
grupo de pesquisa PETALA (Pesquisas transdisciplinares e
Acadêmicas em Linguística Aplicada). Além disso, investiga a
formação de professores atrelada às tecnologias digitais.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/7284469050746983

Camila Oliveira Lana possui graduação em Letras pela


Universidade Federal de Uberlândia (2014). É mestranda em
Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia, na subárea
de Análise do Discurso. Atualmente atua na área da educação
pública exercendo o cargo de professora de atendimento
educacional especializado. Possui participação finalizada no
projeto de Iniciação Científica aprovado pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Participou
também como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) promovido pela
Universidade Federal de Uberlândia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4541131306944269

Carolina Antonia Goulart de Paula é mestranda em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia, graduada em
Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia. Tem
elaborado pesquisas dentro de Estudos Discursivos e Psicanálise
freudo-lacaniana em torno de questões sobre o corpo-linguagem,
em especial, efeitos do discurso de um ideal-estético e sua relação
com o desenvolvimento de transtornos alimentares. Trabalhou
como Psicóloga Clínica e, atualmente, é bolsista pela FAPEMIG.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0045848875296233

Cecília Eugênia Rocha Rodrigues é mestranda em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pós-
graduada em Psicopedagogia pela Faculdade Cidade de
Coromandel (FCC), graduada em Letras- Português/Inglês pelo

178
Centro Universitário de Patos de Minas(UNIPAM) e em Pedagogia
também pela FCC. Interessa-se pelo estudo da formação de
professores através da pesquisa narrativa e desenvolve pesquisa
sobre a sua própria prática como professora em uma escola de
campo. Atualmente é professora na rede pública e privada de
ensino com a disciplina de Inglês, e participante do Grupo de
Pesquisa Narrativa e Educação de Professores (GPNEP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3730301884821763

Edgar Correa Veras é Doutorando em Estudos linguísticos pela


Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em linguística pela
Universidade Federal de Santa Catarina onde também se graduou
em letras libras. Coordena os projetos de pesquisa Linguística
histórico-comparativa Libras e ASL (0074-2018-CPPG-23105.002620/
2018) e Atuação de intérpretes nativos da libras e língua de sinais (0075-
2018-CPPG-23105.002621/2018), desenvolvidos na linha "Estudos
sobre a tradução no processo de ensino de línguas" do Grupo de
pesquisa Observátório do Ensino de Línguas - CNPQ-dgp.cnpq.
br/dgp/espelholinha/8070105534965452489770. Coordena também
a linha de pesquisa Acessibilidade, Inclusão, Tradução e Interpretação
da Libras do grupo de pesquisa GPELIBRAS - Epistemologias da
língua de sinais brasileira (dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/
11410829482038831302348). Atuou como Professor do curso de
bacharelado em Libras da Universidade Federal de Santa Catarina
e coordenador da equipe de Tradutores e de Intérpretes de Libras
na mesma universidade. Coordenou o curso de graduação em
letras libras da Universidade Federal do Amazonas de 2018 a 2020,
onde atualmente atua como pesquisador e professor assistente.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5440622353047311

Elizângela Souto da Silva é mestranda em Estudos Linguísticos na


Universidade Federal de Uberlândia, graduada em Pedagogia pela
Faculdade Católica de Uberlândia. Está desenvolvendo sua
pesquisa na Educação Infantil, em torno de questões sobre a
importância da literatura infantil no processo de alfabetização e

179
letramento. Trabalha atualmente como educadora infantil na Rede
Municipal de Uberlândia, e participa atualmente do Grupo de
Pesquisa em Cognição, Afetividade e Letramento Crítico (GPCAL).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3862746348050880

Ellen Lopes de Paula von Glehn é doutoranda em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia, Mestre pelo
Mestrado Profissional em Letras (Profletras) pela Universidade
Federal de Uberlândia e graduada em Letras pela mesma
Universidade Federal de Uberlândia. Tem desenvolvido pesquisas
sobre o ensino do léxico de forma sistemática em sala de aula.
Atualmente é professora efetiva de Língua Portuguesa pela
Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. Participa do
Grupo de Pesquisa e Estudos do Léxico (Plex).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0576490218384173

Fabiana Ferreira Freitas é mestranda em Estudos Linguísticos na


Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pós-graduada em
Psicopedagogia Clínica pela Faculdade Uniminas em Uberlândia,
graduada em Letras- Português/Inglês pela Universidade Federal
de Uberlândia (UFU) e em Pedagogia também pela Universidade
Paulista (UNIP). Interessa-se pelo estudo do papel do supervisor
do PIBID através da pesquisa narrativa. Atualmente é professora
efetiva de Língua Inglesa pela Secretaria de Educação do Estado de
Minas Gerais; e participante do Grupo de Pesquisa Narrativa e
Educação de Professores (GPNEP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9456803532692495

Geyse Araujo Ferreira é doutoranda pelo Programa de Pós-


Graduação em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Uberlândia. Mestrado em Linguística pela Universidade de Brasília
- UnB/DF. Possui graduação Licenciatura em Letras/Libras pela
Universidade Federal de Santa Catarina e Bacharelado em
Administração Geral pela FCC. É professora Adjunta do
Magistério Superior do Departamento de Língua Portuguesa e

180
Linguística - do IELACHS da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro - UFTM desde 2013 da área de Libras e Linguística da
Libras. Coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa e
Linguística - DLLP no período de 07/2019 a 11/2021. Coordenadora
do Laboratório de Libras - LabLibras desde 2019. É membro do
Grupo de Pesquisa e Estudos Aplicados em Educação de Surdos e
Tecnologia (GEPESTec), diretório do CNPq. Desde agosto de 2020
atua como membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Acessibilidade, Corpo e Cultura (GEPACC) em linha de pesquisa
"Estudos sobre acessibilidade, corpo e cultura com Surdos".
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8872056936905402

Gilberto Antonio Peres é doutorando em Estudos Linguísticos


pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Letras
(PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras) pela
Universidade Federal de Uberlândia (2018). Possui graduação em
Letras - Habilitação em Português e Inglês pela atual UNICERP -
Patrocínio - MG (1990), mesma instituição em que cursou
Especialização em Língua Portuguesa (1991). Integrante do
"Núcleo de Estudos da Norma Linguística" - NormaLi (CNPq/
UFU). É professor efetivo da educação básica da Secretaria de
Estado da Educação de Minas Gerais. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Língua Portuguesa.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7570036576440080

Kennedy José de Oliveira Júnior é mestrando em Estudos


Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
graduado em Letras: Português/Inglês e suas respectivas
literaturas pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Fez parte
do projeto de extensão: Leitura e Produção de Textos no Centro de
Inserção Social SLMB/GO - Remissão de pena pela leitura; também
participou do projeto de pesquisa: A unidade Prisional enquanto
lócus significativo: uma abordagem discursiva. E atualmente,
pesquisa na área da Análise do Discurso de linha foucaultiana, com
o foco para os processos de subjetivação das pessoas com

181
deficiência no campo da educação, integra o grupo de pesquisa
Diversidade em Âmbito social (DIVAS/UEG) e o Laboratório de
Estudos Discursivos Foucaultianos (LEDIF/UFU).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8423435679149591

Lara Cristina Batista Souza é mestranda em Estudos Linguísticos


pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), graduada no
curso de Licenciatura em Letras: Língua Inglesa e Literaturas de
Língua Inglesa. Possui experiência na área de ensino-
aprendizagem de línguas estrangeiras, em que desenvolve
pesquisa voltadas para formação de professores, a partir da Análise
do Discurso e Psicanálise e Linguagem, dentro da Linguística
Aplicada, e também participa do GELP - Grupo de Pesquisa em
Linguagem e Psicanálise na UFU. Hoje, atua como coordenadora
pedagógica na escola de idiomas Wizard by Pearson Araguari.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8689277015808038

Larissa Francine de Oliveira é doutoranda pelo Programa de Pós-


Graduação em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Uberlândia. Membro do Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de
Professores. (GPNEP) Cursa Mestrado pelo Programa de Pós-
Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede pela Universidade
Federal de Santa Maria. Licenciada em letras com habilitação em
Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Língua Francesa pela
Universidade Federal de Uberlândia. Graduada em Pedagogia e em
Educação Especial na modalidade EAD. É Especialista em Docência
no Ensino Médio: Diversidade, Inclusão e EJA, e Especialista em
Gestão, Orientação e Supervisão Escolar pela FAVENI. Atualmente é
professora efetiva de Língua Inglesa pela Secretaria de Educação do
Estado de Minas Gerais; Professora de Inglês e Literatura no Centro
Pedagógico Metta; Professora Orientadora de TCC do curso de Pós
Graduação Lato Sensu "Didáticas, Práticas de Ensino e Tecnologias
Educacionais", da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri- UFVJM;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6701037716060213

182
Larissa Maciel Gonçalves Silva é doutoranda em Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em
Educação pela mesma universidade. Professora na rede municipal
de ensino de Uberlândia, coordenadora da Educação Especial na
mesma rede, docente nos cursos de licenciatura na Uniube.
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Os interesses de pesquisa envolvem estudos sobre a inclusão
escolar, acessibilidade e currículo. Membro do Grupo de Pesquisa
Narrativa e Educação de Professores. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
8646351076971292

Lavine R. Cardoso Ferreia é doutoranda em Estudos Linguísticos


pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Educação
pela mesma universidade. Professora na área da Educação Especial
na Escola de Educação Básica da UFU. Graduada em Pedagogia
pela Universidade Federal de Uberlândia. Os interesses de
pesquisa envolvem estudos sobre a inclusão escolar, acessibilidade
e formação de professores. Membro do Grupo de Pesquisa
Narrativa e Educação de Professores (GPNEP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7750540569099048

Leandro de Amaro Rodrigues é doutorando em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em
Linguística pela Universidade de Franca (2018), especialista em
Gestão Escola pela FALC (2012), graduado em Pedagogia pela
UNIG (2011), em Letras – Licenciatura em Português/Inglês pela
UNITOLEDO (2008). Tem desenvolvido pesquisas no âmbito de
ensino de língua portuguesa a partir de gêneros discursivos nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental e formação de professores
para o ensino de língua portuguesa enquanto língua materna. Atua
como Coordenador de Área de Língua Portuguesa na Secretaria de
Educação de Birigui/SP com foco na Formação Continuada de
professores e coordenadores pedagógicos do município.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7126142906776460

183
Lorraine Caroline Nicomedes possui graduação em Pedagogia
pela Universidade Federal de Uberlândia (2017). Especializada em
Docência do Ensino Superior pela Faculdade Pitágoras- Londrina
(2020). Especializada em Psicopedagogia pela Faculdade Pitágoras-
Londrina (2021). Experiência com educação inclusiva, estimulação
pedagógica, alfabetização e letramento. Atualmente, como bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
(CAPES) é mestranda em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação de Estudos Linguísticos (PPGEL). Pesquisa imposições
de gênero nas infâncias, como também participa de dois grupos de
pesquisa: Estudos Discursivos na Perspectiva Queer (EDQueer -
UFU) e O sexo da Palavra (UFU).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6134553190222915

Lucas Amâncio Mateus é doutorando pelo Programa de Pós-


graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de
Uberlândia. Autor de projeto em andamento com foco na área de
Terminologia e na relação interdisciplinar com os Estudos da
Tradução e da Linguística de Corpus. Licenciado em Letras -
Português e Inglês pela Universidade de Franca (2018) e bacharel
em Administração pela Universidade Federal de Uberlândia
(2010). Possui experiência como professor de idiomas (Inglês e
Espanhol) e foi proprietário da Lexicon Idiomas. Atualmente é
bolsista da FAPEMIG.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0101102792314230.

Lucélia Cristina Brant Mariz Sá é doutoranda em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em
Gestão e Avaliação de Educação Pública pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (2014), graduada em Pedagogia pela Universidade
Estadual de Montes Claros (2003). Tem desenvolvido pesquisas
sobre linguagem, ensino e sociedade. Atua como Inspetora Escolar
na Superintendência Regional de Ensino de Janaúba/MG.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1482111292177695

184
Maclésio Da Costa Oliveira Ferreira possui graduação em
Letras/Português pela Unicerrado - centro universitário de Goiatuba
(2017). Pós-Graduação em "LÍNGUA PORTUGUESA E DOCÊNCIA
DO ENSINO SUPERIOR", Mestrando na UFU, em Análise do
Discurso. Atualmente sou professor - Colégio Estadual Da Polícia
Militar De Goiás De Caldas Novas - CEPMG - Nivo Das Neves.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0611079597028001

Maíra Cristina Passos Ferreira é mestranda em Estudos


Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
graduada em Letras- Português/Inglês pelo Centro Universitário
de Patos de Minas (UNIPAM). Interessa-se pelo ensino de Língua
Inglesa. Atualmente é professora na rede privada de ensino com a
disciplina de Inglês no Ensino Infantil e Fundamental II no Colégio
Nossa Senhora das Graças - Patos de Minas.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8885599456149252

Maíra Sueco Maegava Córdula é professora do Núcleo de Língua


Inglesa da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É licenciada
em Letras: Português e Inglês pela Universidade de Franca
(UNIFRAN), possui Mestrado em Linguística pela UNIFRAN e
Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FLCAR-UNESP).
Atua nos cursos de Letras: Inglês da UFU e também no programa
de pós-graduação em Estudos Linguísticos da mesma universidade
(PPGEL-UFU), orientando na linha de pesquisa: Linguagem,
ensino e sociedade. Seus principais interesses em pesquisa são:
fonética e fonologia (prosódia), ensino-aprendizagem de línguas,
formação de professores, material didático, internacionalização do
ensino superior.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1557592425715282.

Mara Rúbia Pinto de Almeida é doutoranda em Estudos


Linguísticos da Universidade Federal de Uberlândia-UFU; Mestre
em História pela Universidade Federal de Goiás; Especialista em

185
Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal de
Goiás; Certificada pelo Exame Nacional de Proficiência no uso e
ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, MEC/UFSC;
Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de
Goiás - ESEFFEGO e em Pedagogia pela Universidade de Uberaba/
UNIUBE - MG; Vem desenvolvendo pesquisas no ensino de Libras,
formação de professores e confecção de material pedagógico
através do reaproveitamento do lixo; Pesquisadora do Grupo de
Pesquisas em Estudos da Linguagem, Libras, Educação Especial e
a Distância e Tecnologias - GPELEDT e Grupo de Pesquisa
Narrativa e Educação de Professores - GPNEP; Professora da
Faculdade de Educação - FACED - UFU.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3654886297598477

Monithelli Aparecida Estevão de Moura é mestranda em Estudos


Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU;
Especialista em Tecnologia, Linguagem e Mídias na Educação pelo
Instituto Federal do Triângulo Mineiro de Uberlândia-IFTM
Centro; Graduanda em Letras Português e Inglês pela
Universidade de Franca em São Paulo-UNIFRAN; Graduada em
Letras Licenciatura plena em Língua Francesa e respectivas
Literaturas-UFU; Vem desenvolvendo uma pesquisa intitulada:
Experiências de uma professora preta de francês para aprendizes
pretos e pardos: ensino, currículo e decolonialidade; Bem como
outras áreas de interesse como: formação de professores de
idiomas, Pesquisa Narrativa, plurilinguismo, Internacionalização
em casa (IaH), ensino de idiomas com materiais de ensino
desestrangeirizados para brasileiros. Atualmente professora de
idiomas e participante de dois grupos de pesquisas: Grupo de
Pesquisa Narrativa e Educação de Professores - GPNEP e Grupo de
Pesquisa em Poéticas Afrolatinoamericanas e Educação para as
relações Étnico Raciais - Yalodê-Geplafro.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6074255245244161

186
Nauali Martins Alves é mestranda do Programa de Pós-
graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Pós-graduada em Direito Processual Civil e
Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (2016). Possui graduação em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia (2014) e graduação em Letras
Português/Inglês e suas respectivas Literaturas pela Universidade
Federal de Uberlândia (2008). Seu interesse está relacionado à
teoria, descrição e análise linguística, com o estudo e pesquisa do
vocabulário utilizado em decisões e sentenças judiciais e no seu
uso como instrumento de acesso à justiça. Tem experiência na área
de Direito Previdenciário. Advogada.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5676014731840325

Talita Aparecida da Guarda Alves possui graduação em


Letras/Português pela Unimontes- Universidade Estadual de
Montes Claros (2009), pós-graduação latu sensu em Didática e
Metodologia do Ensino Superior pela Unimontes, mestra (2017) em
Estudos Linguísticos pela UFU - Universidade Federal de
Uberlândia e doutoranda em Estudos Linguísticos pela UFU -
Universidade Federal de Uberlândia. É professora de Língua
Portuguesa do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Norte de Minas
Gerais - IFNMG.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5125157454963924

Viviane Barbosa Caldeira Damacena é doutoranda em Estudos


Linguísticos pela UFU - Universidade Federal de Uberlândia,
mestre em Letras pelo programa Profletras da UFTM -
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, pós-graduada em
Educação Especial e graduada em Letras Português/Ingês pela
Uniube - Universidade de Uberaba. Trabalha como Intérprete de
Libras e como Professora de Língua Portuguesa como Segunda
Língua para Surdos no CAS Uberaba. Por ser CODA, filha de
surdos, sempre teve como linha de pesquisa a área da surdez e da

187
inclusão do aluno surdo, focando, principalmente, no ensino de
língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua
para surdos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8904399967132125

188

Você também pode gostar