Questionário TDII
Questionário TDII
Questionário TDII
Uma percepção comum se formou também no campo das políticas sociais. Não houve muita resistência à ideia de
garantir uma renda mínima aos necessitados para evitar o radicalismo. Com a exceção de Von Mises, também havia
algum acordo sobre a necessidade de tomar medidas mais assertivas – tanto pela via fiscal, quanto pela indução
legal – para enfrentar situações anômalas que, contudo, deveriam ser revertidas quanto os problemas fossem
sanados. Esta foi uma característica do colóquio que marcou de forma duradoura o pensamento neoliberal. Hoje,
no entanto, a questão tende a ser posta de forma distinta: uma renda mínima e um conjunto setorial de políticas
públicas focadas em problemas específicos protege o sistema de concorrência de seus efeitos potencialmente
deletérios. Se a renda mínima e as demais políticas públicas não impactarem significativamente o sistema de
preços, elas reforçam uma sociedade baseada na concorrência dos atores econômicos. Todos que forem expelidos
do jogo econômico podem voltar a ele.
Mariutti (2021) ainda afirma que Ludwig Von Hayek organizou outro evento em 1947 ,
em Mont Pèlerin (que deu o nome desta Organização Internacional – Sociedade Mont
Pelerín) que reuniu parte dos participantes do colóquio Walter Lippmann. Esta conferência,
de acordo com Hartwell (1995), foi composta por filósofos, economistas e políticos de
diversos países, reunidos em torno da promoção do liberalismo e de seus valores e
princípios. Este autor ainda menciona que a liberdade de expressão, livre mercado e os
valores políticos de uma sociedade aberta, é orientada por um ideário liberalismo. A crítica
anticapitalista atribui à Sociedade Mont Pèlerin um lugar central na elaboração da
doutrina neoliberal no pós-guerra, sendo um espaço de convergência de diversos intelectuais
e ideólogos que visavam reverter a ordem estabelecida nos países ocidentais de pacificação
através da seguridade social. A sociedade foi vanguarda e precursora das elaborações
alternativas de disciplinação do trabalho que vão ressurgir durante a década de 1970.
Importante se faz mencionar que, segundo Thiago Hernandes, tanto liberalismo
quanto neoliberalismo tratam de correntes do capitalismo - o liberalismo clássico
defende a não intervenção do Estado na economia de mercado. Todavia, em 1929,
quando da queda da bolsa de Nova York, houve a percepção de que o liberalismo
clássico não era tão funcional como se esperava. Agora, quando se trata do
neoliberalismo, está a se falar sobre nova roupagem das práticas liberais, porém, não
deixou de ser atrelada ao capitalismo. Seus fundamentos foram escritos ao longo da
década de 70, como já mencionado, seus princípios tratam de mercado máximo e
Estado mínimo, porém, não se trata de Estado ausente. Nos fundamentos neoliberais,
há Estado apenas como sendo agente regulador. A crise de 1929 só foi superada
devido à intervenção Estatal, comprando ações de algumas empresas como forma de
evitar a sua falência (exemplo de intervenção). No Brasil, também para citar um
exemplo, o Estado intervém na economia reduzindo algumas taxas, como por
exemplo, o IPI (imposto sobre produtos industrializados), a fim de reduzir o preço final
dos produtos e, consequentemente, incrementar a economia. Outro exemplo de
regulação Estatal é o processo de compra e venda de dólares para a regulação do
câmbio, entre vários outros.
Este mesmo autor ainda menciona que as privatizações e abertura econômica
também são defendidos pelos neoliberais e conclui que entre liberais e neoliberais, há
muitos pontos de concordância, mais do que divergências. Entretanto, existem as
críticas, pois existem aqueles que entendem que o liberalismo ou o neoliberalismo
serviram como ferramenta para atender os interesses do grande capital, deixando de
lado os interesses coletivos. O Estado interventor, regulador, para os críticos do
neoliberalismo, é o Estado que intervém, que regula, a favor do interesse daqueles que
já controlam a economia, acarretando, portanto, maior desigualdade social.
2- Disserte sobre as teses de Friedman, Hayek e Robert Nozick em sua obra anarquia,
estado e utopia? (texto Daniel Pereira).
Segundo Frankel (2020), Nozick tentou, na primeira parte da Anarquia, Estado e Utopia,
refutar os anarquistas. Além disso, tentou justificar um estado mínimo “limitado às estreitas
funções de proteção contra força, roubo, fraude, cumprimento de contratos e assim por
diante”. As ideias do Segundo Tratado de John Locke (1690) estão presentes em todo o livro de
Nozick. Ele começa assumindo o estado de natureza lockeano e, em seguida, retornando ao
seu relato de fundamento moral na lei natural e no direito natural. Robert Nozick admite que
não existe defesa dessa teoria moral e observa que fornecer essa base é “uma tarefa para
outra época.” O estado natural de Locke é um estado de liberdade perfeita. Contudo ele sofre
de certos defeitos pelos quais a lei natural, impressa no coração de cada homem, é
insuficiente. Para ele, quando os homens são juízes por sua própria causa, geralmente
supervalorizam seu próprio dano e não julgam imparcialmente. Onde não há juiz comum na
terra, essa parcialidade na aplicação da lei natural leva a brigas e retaliação.
Esta mesma autora ainda realça que a justiça também sofre quando alguém de direito
não tem o poder de fazer valer seus direitos e exigir uma compensação porque o violador de
direitos é mais poderoso. Para remediar esses e outros defeitos, Locke imaginou um acordo
voluntário – um contrato social – entre pessoas desejosas de deixar o estado da natureza e
formar uma sociedade civil. Nozick seguiu um cenário semelhante, mas abandonou o contrato
social. Seu estado mínimo surge como consequência não intencional dos atos dos
indivíduos. Tomando emprestado de Adam Smith, Nozick chama essa conta de “explicação da
mão invisível” porque o estado não é projetado, mas evolui com o tempo.
Vinícius Bandera também faz uma análise distinguindo Friedman, Hayek e Nozick
defendendo a existência de algo fundamentalmente comum entre Hayek, Nozic e Friedman,
qual seja, a defesa intransigente do Estado mínimo e do mercado autorregulável, conforme a
tradição smithiana. Os três refutam veementemente a regulamentação do mercado por parte
do Estado. E quando fazem isso, o alvo principal de suas críticas não é o Estado socialista, neste
eles nem chegam a centrar a sua atenção, por considerá-lo como uma espécie de aberração. A
crítica deles recai nos Estados intervencionistas sob o capitalismo. Ou seja, o maior alvo de
suas críticas é o utilitarismo de Bentham e o Welfare-State de inspiração keynesiana. Eles
concentram as suas críticas nos teóricos liberais revisionistas, digamos assim, isto é, aqueles
que são heterodoxos em relação ao modelo lesseférico.
Seguem dizendo que se compararmos Smith com Hayek, Nozic e Friedman,
verificaremos que para o primeiro apenas o self-interest e o mercado autoregulável são
suficientes para colocar o Estado em sua condição de Estado mínimo. Em outras palavras:
Smith tem por base a crença de que o self-interest e o mercado autorregulável, por si só,
condicionam o Estado ao seu formato mínimo e subordinam a política à economia, por isso
praticamente não há em sua teoria normas políticas para intervirem no mercado em caso de
desequilíbrio do mesmo, pois a volta ao equilíbrio, segundo sua concepção, dá-se pela lei da
oferta e da procura através da célebre mão invisível. Já Hayek, Nozic e Friedman não têm total
confiança nesses dois mecanismos como sendo suficientes para condicionar o Estado mínimo e
buscam outros mecanismos para impedir que o Estado vá além do Estado mínimo.
E ainda, menciona que em Smith, o Estado é um órgão eminentemente político: é o
garantidor das leis sociais (que vêm do mercado), o garantidor da ordem (self-interest +
mercado autoregulável) contra inimigos internos e externos. Assim, ele estabelece uma
dicotomia na sociedade: de um lado fica a política (Estado), de outro a economia (mercado),
esta a salvo de sofrer intervenção por parte daquela. No entanto, o tempo se encarregaria de
mostrar que o Estado tem a propensão de ir além do formato mínimo, chegando ao ponto de
comandar a implantação do capitalismo em alguns países (como a Alemanha e o Japão), de
salvar o capitalismo de crises crônicas (como o crack de 1929), de planejar a macroeconomia
capitalista (Welfare-State e keynesianismo) e até de implantar sociedades basicamente
estatais (casos da sociedade socialista e da sociedade fascista).
Também cita que Hayek, Nozic e Friedman percebem que somente a fórmula
econômica smithiana não é suficiente para conter o Estado como Estado mínimo. Por isso,
utilizam também argumentos extra-econômicos para justificar o Estado mínimo. Hayek e
Friedman enfatizam argumentos políticos e Nozic enfatiza argumentos filosóficos (morais). Dos
três, o único que poderíamos definir a rigor como economista é Friedman, justamente o
menos sofisticado deles, sendo mais um propagandista de velhas fórmulas lesseféricas do que
um inovador. Os outros dois estão mais próximos de serem filósofos e politicólogos do
que economistas. Não obstante esses detalhes que os diferenciam, a preocupação precípua
dos três é a subordinação da política à economia. A primeira somente é aceita para interferir
na segunda se for com o escopo de garantir a integridade da infraestrutura capitalista, na qual
a burguesia aparece como classe dominante.
Este mesmo autor conclui que estes três teóricos neoliberais mostram claramente
uma contradição, de que a democracia pode ser legitimada por um regime autoritário e que
o Estado não deve intervir na economia. Por isso, o laissez faire pode e deve ser utilizado
como instrumento decisivo, o que contraria a tese fundamental de raiz smithiana, segundo a
qual o livre mercado se sustenta por si mesmo como se fosse um ente ontológico, não
necessitando de apoio estatal, sendo este visto como algo maléfico. Assim, a questão liberal é
bem mais complexa do que ela geralmente aparece em discursos de seus seguidores e nas
informações midiáticas. Trata-se de uma questão debatida por grande número de ideólogos e
comentadores dos mesmos desde pelo menos o século XVII, quando Locke lançou seu texto
fundador dessa questão. Entre esses ideólogos se destacam o próprio Locke, Montesquieu,
Rousseau, Hume, Kant, Hegel, Voltaire, Diderot, De Maistre, Robespierre, Benjamin Constant,
Adam Smith, Ricardo, Tocqueville, os federalistas, Stuart Mill, Benthan, Weber, Berlin, Hayek,
Ralws, Nozic e Friedman. Cada um destes teóricos, além de vários outros, apresentam
contribuições teóricas que geralmente convergem no todo ou em partes, às vezes não (caso
dos iluministas franceses que serviram de referência para o eclodir da Revolução Francesa),
com as bases liberais lançadas por Locke em seu Segundo tratado sobre o governo civil. Este
livro corresponde a uma sistematização dos fundamentos do liberalismo, baseados no direito à
propriedade privada (da expressão do pensamento, integridade do corpo e de sua extensão,
isto é, os bens materiais, sobretudo os imobiliários). Sistematização essa que alcançou o seu
estágio mais desenvolvido com o livro A riqueza das nações, de Adam Smith. Entre Locke e
Smith, houve um grande desvio liberal representado pelo que Hayek, não sem razão,
denomina false individualism, isto é, os liberais libertários iluministas capitaneados por
Rousseau, Voltaire e Diderot.
Este autor segue dizendo que, n ão obstante esse desvio, o liberalismo conservador,
o true individualism, tornou-se hegemônico, inclusive dentro da Revolução Francesa, em sua
fase termidoriana e, sobretudo, sob a ditadura napoleônica. A segunda contestação - não
propriamente um desvio - sofrida pelo liberalismo conservador se deu no período de
entreguerras, já no século XX, quando Keynes tornou-se um liberal proeminente por conta de
apresentar propostas contrárias ao ideário laissez-faire para a crise global capitalista
provocada sobretudo pelo crash da bolsa de valores de New York em 1929. O keynesianismo,
opondo-se ao liberalismo conservador, que nas décadas de 1980 e 1990 ganharia a alcunha de
neoliberalismo, tornou-se hegemônico entre o fim da Segunda Guerra e começo dos anos
1970, quando o fim do Sistema Financeiro de Bretton Woods, a grande alta do preço
internacional do petróleo e o endividamento externo de grande parte dos países em
desenvolvimento levaram o mundo capitalista a uma nova crise global. Esse momento foi
oportuno para que o neoliberalismo apresentasse saídas efetivas para a crise, baseadas na
redução do Estado, através sobretudo de cortes de investimentos na área social e
privatizações em grande escala, que em pouquíssimo tempo foi decisiva para a redução
drástica da inflação, que era o grande problema a fazer a crise avolumar-se. Com isso, o
neoliberalismo tornou-se hegemônico durante os anos 1980 e 1990, e ainda continua com
muita força, malgrado quase ninguém queira se intitular como seu seguidor ou mesmo
simpatizante. Até governantes que aplicam propostas dessa corrente econômica, política e
filosófica, inclusive alguns que se dizem de esquerda, fazem grande esforço para se esquivar de
serem identificados com algum traço neoliberal.
Friedman, Hayek e Nozick são todos considerados pensadores liberais, mas, a despeito de
serem liberais, não concordam em tudo. Todos eles concordam com a liberdade negativa. Ou
seja, a intervenção do Estado deve ser a mínima e os indivíduos devem ter a máxima
liberdade. Enquanto Friedman e Hayek são liberais clássicos, ou seja, baseiam suas ideias no
utilitarismo (mas não são pensadores 100% utilitaristas), e abandonam o lado ético da
economia e se aproximam do Darwinismo social (zero intervenção do Estado e que os
indivíduos lutam entre si e os mais aptos “sobrevivem”), o Nozick é um libertário, ou seja,
baseia suas ideias no direito natural, há o entendimento que a liberdade deve ser irrestrita
(teoria marginal da economia – não se trata do utilitarismo filosófico mas sim, do custo vs
benefício, traz ideia econômica e não da felicidade da população).
Foucault:
Foucault analisou o neoliberalismo a partir de duas artes de governo históricas: o
ordoliberalismo alemão e o neoliberalismo americano. Em ambos os casos, o
neoliberalismo não se constitui como princípio limitador, mas como fundador do
Estado. No caso dos ordoliberais, trata-se de governar a sociedade em nome da
economia, construindo institucional e legalmente os frágeis mecanismos
concorrenciais do mercado de modo a evitar a concentração econômica, a favorecer as
empresas médias, a multiplicar o acesso à propriedade, a erigir as coberturas sociais
do risco e a regulamentar o meio ambiente. O Estado deve, assim, generalizar a forma
empresa no interior do tecido social de modo que o próprio indivíduo se torne uma e
participe ativamente das decisões em seu trabalho. No caso dos neoliberais
americanos, procura-se estender a grade de inteligibilidade econômica para todas as
dimensões sociais, generalizando a noção de capital humano como princípio decifrador
dos comportamentos e das relações. O indivíduo torna-se governável por meio de seu
cálculo econômico interno e pela definição das regras ambientais do jogo, ao mesmo
tempo em que o próprio Estado se submete a um tribunal econômico permanente,
que julga as ações públicas segundo critérios de rentabilidade.
Marx:
Segundo a abordagem estrutural marxista, o neoliberalismo é definido como
estratégia política que visa reforçar uma hegemonia de classe e expandi-la
globalmente, marcando o novo estágio do capitalismo que surgiu na esteira da crise
estrutural da década de 1970. O neoliberalismo se caracteriza por uma ordem social
em que uma nova disciplina é imposta ao trabalho e novos critérios gerenciais são
estabelecidos, servindo-se de instrumentos como o livre comércio e a livre mobilidade
de capital. Esse modelo legitima-se ideologicamente por meio de uma teoria político-
econômica que afirma o livre mercado como garantidor da liberdade individual de
empreender e que confere ao Estado o papel mínimo de preservar a ordem
institucional necessária. A crescente desigualdade se justificaria como meio de
estimular o risco dos empreendedores e a inovação, elementos centrais da
competitividade e do crescimento econômico. A importância da ideologia é
superestimada por uns, que a consideram uma nova hegemonia internacional capaz de
se impor até aos partidos de esquerda, e subestimada por outros, que a consideram
desimportante, em razão da obviedade da relação com as hierarquias de classe.
Weber:
Na linha teórica de Max Weber, destaca-se o trabalho de William Davies (2014).
Ao analisar o governo da Terceira Via britânica da década de 1990, Davies nota que
não havia uma redução do Estado, mas uma expansão das políticas públicas no
sentido de melhorar a “competitividade nacional”. A legitimidade dos objetivos
perseguidos dependia de sua conformidade com formas de racionalidade econômica
baseadas no livre mercado e em uma retórica assentada na prioridade dos
“consumidores”, da “eficiência” e da “competição”. O crescimento do Estado se dava
pela constante avaliação, medição e crítica realizada por redes de consultores e
especialistas que passam a relacionar economistas acadêmicos, agências
governamentais, agências reguladoras e think tanks.
Davies (20214) segue enfatizando que da perspectiva neoliberal, o preço provê um
ideal lógico e fenomenológico de como as relações humanas podem ser mediadas sem
se recorrer à retórica e à performatividade políticas. A linguagem do “bem comum” e
do “público” é aparentemente substituída por instrumentos econômicos técnicos
que reduzem situações complexas a um número, dando origem às dimensões
experimentais e construtivistas do neoliberalismo. O Estado não necessariamente
cede poder aos mercados, apenas justifica suas decisões, políticas e normas em termos
comensuráveis com a lógica do mercado. Nesse sentido, “neoliberalismo pode ser
definido como a elevação dos princípios baseados no mercado e das técnicas de
avaliação ao nível de normas de aprovação do Estado”. As novas autoridades são os
especialistas que estabelecem as regras e as arenas de competição, que desenvolvem
técnicas de pontuação e ranqueamento e que oferecem consultorias para
competidores em ambientes imprevisíveis (regulador, risk manager, estrategista,
coach e gurus).
Bourdieu:
A visão de Bourdieu foi exposta nos dois volumes da coletânea Contrafogos (1998
e 2002), cujo artigo mais sistemático é “Neoliberalismo. Esta utopia, em vias de
realização, de uma exploração sem limite”. Nesse texto, Bourdieu considera a
concepção do mercado autorregulador como uma utopia da teoria econômica
convertida em projeto político, embora seja apresentada como mera descrição
científica do real (Bourdieu, 1998: 135). A visão idealizada do mercado é construída de
maneira lógico-dedutiva na teoria pura neoclássica, por meio de modelos matemáticos
que raramente são colocados à prova e que desdenham as ciências históricas. Os
economistas são inclinados assim a confundir “as coisas da lógica com a lógica das
coisas” (Bourdieu, 1998: 135-136 e 144). Ao partir de pressupostos falsos, reduzem a
racionalidade à concepção estreita da racionalidade individual, ignorando as condições
sociais que produzem a disposição calculadora (Bourdieu, 1998: 136). Essa teoria
dessocializada e des-historicizada, embora errônea e falha, acaba por tornar-se
verdadeira por se vincular a interesses e decisões de acionistas, operadores
financeiros, industriais, políticos conservadores ou social-democratas convertidos e
altos funcionários das finanças (Bourdieu, 1998: 137-138). O conhecimento científico
converte-se então em programa político, procurando criar as condições de
funcionamento da “teoria”. Se a teoria lida apenas com indivíduos, é preciso destruir
as estruturas coletivas capazes de resistir à lógica do mercado (nação, sindicatos,
grupos de trabalho, cooperativas e associações). A própria política tende a ser
dissolvida, de modo a permanecer submetida aos mercados financeiros globais e a
retirar as regulações capazes de atrapalhar a livre maximização do lucro. O programa
neoliberal tende assim a favorecer globalmente a ruptura entre a economia e as
realidades sociais, e a construir desse mundo, na realidade, um sistema econômico
ajustado à descrição teórica, isto é, uma espécie de máquina lógica, que se apresenta
como uma cadeia de constrangimentos enredando os agentes econômicos (Bourdieu,
1998: 138).
Bourdieu ainda segue dizendo que os efeitos da utopia neoliberal sobre o mundo
real são conhecidos: sofrimento, desigualdade, desaparecimento dos universos
autônomos de produção cultural, destruição das instituições coletivas e darwinismo
moral (Bourdieu, 1998: 144-145). A análise do neoliberalismo operou um
deslocamento na obra final de Bourdieu (Bourdieu, 2001; Laval, 2018). Ao manter o
mesmo esquema conceitual anterior, o autor o reativa para pensar a nova estrutura da
dominação social e a formação histórica das disposições necessárias à inclusão na
economia capitalista. No neoliberalismo, a sociedade francesa passou a uma estrutura
na qual a ciência econômica tomou o lugar da filosofia, o capital econômico ganhou
em importância frente ao capital cultural, a mídia tomou o terreno da escola no
exercício da “violência simbólica” e o Estado foi cada vez mais controlado pela alta
função pública fundida com dirigentes financeiros. Como o neoliberalismo estende a
lógica econômica a todos os campos – assentando-a como a racionalidade em geral –,
Bourdieu procurou mostrar a gênese social dessas disposições e da autonomização do
campo econômico. Sua teoria do habitus passou a operar como suporte metodológico
da desconstrução histórica dos valores da conduta econômica racional, desfazendo o
idealismo universalista que permite à teoria econômica produzir evidências e
estabelecer leis pretensamente neutras, mas politicamente eficazes.
Definição neorregulacionista:
Pós-colonial:
Hibridismo governamental:
Pinochet
Segundo informou a reportagem publicada na BBC News em 2019, o golpe de Estado que
depôs o presidente socialista Salvador Allende em 1973 e iniciou o governo do general
Augusto Pinochet marcou um ponto de inflexão na economia chilena. No lugar do Estado de
bem-estar social e regulador, foi ganhando força um projeto macroeconômico de viés
desestatizante - que nos primeiros anos da era Pinochet ocasionou um 'boom' na economia,
pois as medidas iniciais ajudaram a estabilizar o caos da economia socialista -, liderado por
grupo de jovens economistas apelidados jocosamente de "Chicago Boys". Nesta guinada
neoliberal sob Pinochet, conviviam relativas liberdades econômicas e repressão violenta a
direitos civis.
Esta mesma reportagem informa ainda que ocorreram privatizações, abertura ao
mercado externo, reforma trabalhista e redução do gasto público e do papel do Estado em
áreas-chave, como saúde e educação. As sementes da implementação dos itens dessa cartilha
desestatizante foram plantadas pelos Estados Unidos duas décadas antes no Chile. O contexto
geopolítico da Guerra Fria favoreceu a transformação do Chile em uma espécie de laboratório
neoliberal por quase uma década, com influência até hoje na economia chilena, a exemplo da
obsessão com equilíbrio fiscal e controle inflacionário.
Porém, Nair Costa Muls informa que as manifestações que ocuparam as ruas das
diferentes cidades chilenas, algumas delas com mais de um milhão de pessoas, retrataram o
esgotamento do modelo neoliberal no Chile, aplicado em fins da década de setenta, início dos
anos oitenta, no governo Pinochet, com a ajuda de economistas da Escola de Chicago, aí se
incluindo o nosso Paulo Guedes, que, hoje, defende a aplicação do mesmo modelo no Brasil.
Visto como um caso de sucesso pelos defensores do neoliberalismo, com um crescimento do
PIB jamais visto (mais de 4%), o desenvolvimento do Chile e o seu crescimento era, no entanto,
destinado a poucos. A maior parte da população chilena, sobretudo os trabalhadores, vivia
numa situação de endividamento crescente. O modelo, na realidade, não garantia uma
sociedade justa.
Este mesmo autor segue enfatizando que o neoliberalismo de Pinochet ocasionou salários
baixos; destruição dos direitos trabalhistas; jornadas de trabalho de 45 horas, férias de 15 dias,
30 minutos de almoço; sindicatos quase que totalmente desorganizados e sem força de
negociação. Além disso, os mineiros e os índios mapuche foram os que mais sofreram: os
primeiros, com os problemas acrescidos pelas consequências nefastas da mineração (doenças
pulmonares, musculares e psicológicas) que, inclusive, afetaram a organização e coesão
familiar; os segundos, por suas terras terem sido objeto de cobiça e frequentes disputas.
Também, foram observadas privatização dos serviços públicos e de setores importantes da
economia. Essas políticas neoliberais acabaram resultando em concentração de renda. Apenas
um grupo movimentava a economia, enquanto se observava a necessidade de estímulo para
as outras classes consumirem.
Ronald Reagan
De acordo com Daniel Neves Silva, o governo de Reagan destacou-se pela implantação de
medidas neoliberais e pela imposição de práticas que visavam ao combate do comunismo fora
dos EUA. Reagan reduziu impostos, bem como diminuiu as regulamentações para o meio
ambiente e para a economia. Além disso, reduziu gastos com programas sociais de auxílio à
população mais pobre. Essas medidas, na prática, resultaram em aumento da exploração sobre
o trabalho, redução de salários e aumento da disparidade social (ricos ficaram mais ricos e
pobres ficaram mais pobres).
Antônio Gasparetto Júnior menciona que o Neoliberalismo ganhou força e visibilidade
com o Consenso de Washington, em 1989. Na ocasião, a líder do Reino Unido, Margareth
Thatcher, e o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, propuseram os procedimentos
do Neoliberalismo para todos os países, destacando que os investimentos nas áreas sociais
deveriam ser direcionados para as empresas. Esta prática, segundo eles, seria fundamental
para movimentar a economia e, consequentemente, gerar melhores empregos e melhores
salários. Houve ainda uma série de recomendações especialmente dedicadas aos países
pobres, as quais reuniam: a redução de gastos governamentais, a diminuição dos impostos, a
abertura econômica para importações, a liberação para entrada do capital estrangeiro,
privatização e desregulamentação da economia.
Segundo este mesmo autor, o objetivo do Consenso de Washington foi, em certa medida,
alcançado com sucesso, pois vários países adotaram as proposições feitas. Só que muitos
países não tinham condições de arcar com algumas delas, o que gerou uma grande demanda
de empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Logo, criava-se todo um sistema de
privilégios para os países desenvolvidos, pois as medidas neoliberais eram implementadas sob
o monitoramento do FMI e toda essa abertura econômica favorecia claramente aos países
ricos, capazes de comprar as empresas estatais e de investir dinheiro em outros mercados. Por
outro lado, o argumento de defesa do Neoliberalismo diz que a abertura econômica é benéfica
porque força à modernização das empresas.
Outra característica marcante é a observada na publicação no site Stoodi. Conforme se lê
na publicação, os Estados ao sair da Crise do Petróleo, se vê com altos gastos devido à Guerra
do Vietnã e a população norte-americana percebeu um certo declínio econômico no país.
Ronald Reagan, então, aproveitou o contexto para ligar sua imagem à recuperação da
confiança do povo norte-americano. De certa maneira ele conseguiu recuperar a economia dos
Estados Unidos. Em contrapartida, viu o país se afundar em uma crise social com altos índices
de criminalidade, consumo de drogas e de Aids. O governo de Ronald Reagan apoiou ditaduras
com interesses neoliberais em países como o Chile e a Nicarágua. Fez um bloqueio econômico
à Cuba e chegou a apoiar o governo da África do Sul. Reagan acreditava firmemente no vale-
tudo do mercado capitalista, e tal como Margaret Thatcher, foi pioneiro do neoliberalismo:
diminuiu impostos dos mais ricos, cortou gastos governamentais em saúde, educação e
assistência social. Para estimular a indústria privada, o governou começou a fazer gigantescas
encomendas à indústria de armamentos.
Nesta mesma publicação é possível observar mais o seguinte:
Como vimos, a doutrina neoliberal foi capaz de modernizar e estruturar a economia de diversos países de primeiro
mundo. Garantiu o desenvolvimento econômico de grandes potenciais mundiais, trouxe prosperidade para
empresários e competitividade de mercado. Porém, muitas dessas mudanças passaram por cima das políticas
sociais, causando o desemprego, a fome e a miséria de vários povos em países subdesenvolvidos. Numa tentativa
exacerbada de implantar o modelo econômico, vários países sofreram com ditaduras militares e a perda de suas
riquezas naturais em detrimento do enriquecimento de grandes empresários. Se, de um lado, o neoliberalismo
trouxe progresso e modernização na prestação de serviços, no acesso aos bens materiais, por outro lado,
deixou famílias desempregadas, sujeitas à fome e ao descaso do Poder Público . Muitas políticas sociais foram
extintas em nome da maior lucratividade.
Margaret Thatcher
Margaret Thatcher ficou conhecida por sua política de pouca intervenção do Estado na
economia. A polêmica dama de ferro ficou no cargo de primeira-ministra britânia entre 1979 e
1990, durante o período adotou medidas para cortar os gastos públicos e apoiou a auto-
regulamentação do mercado. O governo de Thatcher foi responsável por privatizar grande
parte do setor público. Durante o período, o desemprego cresceu e os sindicatos ficaram
enfraquecidos (site Educação Globo).
Segundo Leandro Carvalho, "Thatcher foi a primeira mulher que ocupou o cargo de
Primeiro-Ministro britânico. Logo no início do seu mandato, efetivou uma série de medidas e
mudanças, anunciou um plano para a redução dos impostos e passou a controlar e a realizar
reformas institucionais nos sindicatos trabalhistas. Essas reformas lhe valeram o apelido de
“Dama de Ferro”. A Primeira-Ministra permaneceu no cargo de 1979 até 1990, ou seja, ocupou
o cargo por 11 anos. Nos primeiros cinco anos, suas medidas e estratégias de governo não
resultaram em melhorias na economia britânica; ao contrário, muitos estudiosos disseram que
a Grã-Bretanha entrou num momento de maior recessão econômica. Entretanto, outros
estudiosos, que compactuam com uma visão política liberal-conservadora, defenderam
veemente o governo de Thatcher.
Consoante este mesmo autor, os primeiro cinco anos do primeiro mandato de Margareth
Thatcher foram bastante conturbados, por sua política anticomunista. O primeiro governo de
Thatcher ficou marcado por diversas greves e manifestações dos sindicatos trabalhistas. Mas
sua intervenção nas Guerras das Malvinas (Guerra entre Inglaterra e Argentina), em 1982,
aumentou sua popularidade. Thatcher conseguiu sua primeira reeleição em 1984 em
decorrência desse fato. Após o primeiro mandato, Thatcher promoveu um programa de
privatizações das empresas estatais e continuou combatendo de forma radical os movimentos
sindicais trabalhistas. A Primeira-Ministra britânica tornou-se uma das precursoras do
neoliberalismo.
De acordo com Jhonattan Henrique, a doutrina Keynesiana ficou conhecida como uma
“revisão da teoria liberal”. Nesta teoria, o Estado deveria intervir na economia sempre que
fosse necessário, a fim de evitar a retração econômica e garantir o pleno emprego. De acordo
com Keynes, a teoria liberal-capitalista não disponibiliza mecanismos e ferramentas capazes de
garantir a estabilidade empregatícia de um país. Segundo Keynes, o poder público deveria
investir em áreas em que as empresas privadas negligenciavam. Para Keynes, o Estado deveria
intervir em áreas em que as empresas privadas não podem ou não desejam atuar; deve haver
oposição ao sistema liberal; redução de taxas de juros; equilíbrio entre demanda e oferta;
garantia do pleno emprego e introdução de benefícios sociais para a população de baixa
renda, a fim de garantir um sustento mínimo.
Este mesmo autor segue enfatizando que com a “grande depressão”, ficou claro que o
liberalismo clássico, sozinho, não foi capaz de garantir o pleno emprego. Em 1932, com a
quebra da bolsa de valores e com uma grande crise financeira, o presidente Franklin Delano
Roosevelt, baseado nos princípios defendidos por John, implementou o famoso plano “New
Deal”, visando tirar o EUA da retração econômica. De fato, o plano funcionou. Além da
intervenção estatal, o plano estabelecia o controle na emissão de valores monetários, o
investimento em setores básicos da indústria e, claro, políticas de criação de emprego. Com a
implementação de uma série de ações que conciliaram as questões econômicas e sociais,
foram criadas as bases do chamado welfare state (Estado de Bem-Estar Social).
O Estado de bem-estar social, frisa-se, defende a estatização de empresas em setores
estratégicos, a criação de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Para tanto, o Estado
necessita interferir na economia, regulando-a para impedir monopólios, gerar emprego e
renda, construindo infraestruturas. Por conseguinte, as jornadas de trabalho são de 8 horas, o
trabalho infantil é proibido e os trabalhadores possuem direito a seguro-desemprego e à
Previdência Social. O Estado de Bem-Estar Social é visto como uma forma de combate às
desigualdades sociais, na medida que promove o acesso dos serviços públicos a toda
população (Juliana Bezerra, Professora de História).
Bons resultados foram alcançados através do new deal. Porém, ele perdeu espaço no final
de década de 1970 quando o neoliberalismo surgiu com novas propostas, como a abertura
comercial internacional e a privatização de empresas estatais. Estados Unidos, Chile e Reino
Unido foram os primeiros países a adotarem o neoliberalismo. Os preceitos defendidos
por Keynes só voltaram aos holofotes com a grande crise de 2008, ocasião em que as
principais economias do mundo se viram diante da necessidade de evitar uma situação
semelhante à recessão americana de 1929.
Jhonattan Henrique ainda explica que muitos autores criticavam a doutrina keynesiana
alegando que se tratava de uma teoria “socialista”. Apesar de ser contra o sistema liberal, cabe
ressaltar que John Keynes nunca defendeu a estatização da economia, mas, sim, a participação
do estado para suprir necessidades que o sistema privado não atendia.
10- Como a Cepal modula uma perspectiva diferente para o desenvolvimento dos países
da América Latina? (texto Adriana Timóteo)
A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em
Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir ao desenvolvimento econômico da América
Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas
dos países entre si e com as outras nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi
ampliado aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento
social (ONU).
Conforme a Organização das Nações Unidas, a América Latina e o Caribe têm hoje uma
oportunidade histórica para mudar seu estilo de desenvolvimento e reduzir os desequilíbrios
econômicos, sociais e ambientais que impactam seus habitantes. Para isso é necessário uma
mudança estrutural progressiva com um grande impulso ambiental que promovam um
desenvolvimento baseado na igualdade e na sustentabilidade. Esta é a proposta da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) para o ano 2030. No documento, a CEPAL
explica que o sistema atual de desenvolvimento é insustentável, pois se baseia em três
desequilíbrios: o viés recessivo na economia internacional, o aumento da desigualdade e a
deterioração ambiental. A Comissão propõe modificar a forma tradicional de fazer as coisas e
impulsionar uma mudança estrutural progressiva, ou seja, provocar mudanças na estrutura
produtiva que aumentem a participação dos setores intensivos em conhecimentos e inovação,
que garantam o crescimento econômico inclusivo e sustentado, que promovam a criação de
empregos de qualidade com direitos, e que se associem a setores que impulsionem a
produção de bens e serviços ambientais.
Além disso, conclama a dar um grande impulso ou “big push” ambiental, que deve ser
composto por um pacote de investimentos públicos e privados coordenados em diferentes
áreas que gere novos padrões energéticos e de produção, renovada concepção de cidades
sustentáveis e pautas de consumo menos contaminantes, baseado na aprendizagem e na
inovação. Em síntese, apostar em uma economia circular, com pleno emprego.
“É necessário recuperar o crescimento econômico, mas este deve fundamentar-se em um
caminho de baixo carbono que permita o desacople entre crescimento e emissões, já que os
padrões atuais de produção e de consumo não são sustentáveis”, recomenda Alicia Bárcena,
Secretária-Executiva da CEPAL. Esta transformação produtiva deverá ser realizada em um
contexto adverso. “Por isso é necessário uma nova economia política, uma nova equação
Estado-mercado-sociedade e renovadas coalizões internacionais e nacionais”, revela o
documento. “Trata de mudar o diálogo”, acrescenta.
A CEPAL propõe centralizar a ação em três âmbitos: 1) na governança internacional para a
provisão de bens públicos globais, 2) na cooperação e na contribuição regional ao debate
mundial, e 3) em políticas públicas nacionais para fomentar a mudança estrutural progressiva.
Importante frisar que segundo o relatório da CEPAL, os países da América Latina e do
Caribe enfrentam um panorama econômico e social muito complexo durante 2022. A um mau
desempenho do crescimento econômico se somam as fortes pressões inflacionárias, o baixo
dinamismo da criação de empregos, quedas do investimento e crescentes demandas sociais.
Segundo Tales Pinto, "a constituição promulgada em 1988 foi o grande marco da
redemocratização no Brasil após a ditadura civil-militar de 1964 a 1985. O intuito principal do
texto constitucional era garantir, em linhas gerais, direitos sociais, econômicos, políticos e
culturais que estavam suspensos no período anterior, e que posteriormente seriam
regulamentados por leis específicas. Esta foi uma das críticas feitas à constituição, além de ser
considerada muito extensa. Outro fato que marcou a elaboração e votação da constituição diz
respeito à participação de forças sociais que estavam afastadas das decisões dos órgãos de
estado."
Em críticas que são feitas ao processo constituinte e à Constituição de 1988, por vezes é
dito que o texto então aprovado refletiria um momento histórico ultrapassado, pois logo
depois de sua promulgação, em outubro de 1988, teria acabado a Guerra Fria, o conflito
Leste/Oeste, a divisão capitalismo/socialismo, uma vez que a “Queda do Muro de Berlim”
sobreviria em 1989. Essas críticas têm sido feitas, especialmente, pela corrente de pensamento
neoliberal (Fernando Trindade).
O bom funcionamento de uma economia de mercado requer um quadro institucional
democrático e regras justas, que sejam obedecidas por todos, propiciando assim a necessária
segurança jurídica e confiança para que as transações econômicas e, em especial, os
investimentos se realizem de forma eficiente. E, para isso, é indispensável uma cultura
democrática, que, infelizmente, não se constrói da noite para o dia. Ela é fruto de anos de
convivência com as liberdades básicas e de respeito às instituições democráticas. Paul
Krugman, corretamente, aponta a falta de cultura democrática como um importante fator para
o fraco desempenho econômico das nações do Leste Europeu nos primeiros anos da conversão
de suas economias para o regime de mercado. No Brasil, a Constituição Federal, promulgada
em 1988, foi redigida antes da queda do Muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas
de planejamento central da Europa e, por isso, ainda sob a influência da experiência socialista
soviética. Mas essa influência não foi preponderante a ponto de os parlamentares do PT, Lula
incluído, terem se recusado a assiná-la por considerarem o texto muito privatista e pouco
socialista (André Franco Filho).
Provavelmente, portanto, caso a Constituição Brasileira tivesse sido criada um ano após a
queda do muro de Berlim (1989), bem como após a dissolução da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (1991), a conjuntura mundial seria completamente diversa e os direitos
sociais contidos na constituição não teriam sido, provavelmente, contemplados, haja vista o
surgimento posterior do neoliberalismo (vencedor na guerra fria, com Estado menor).
Essa constatação foi possível especialmente no governo Collor, posterior, que passou a
defender as privatizações em um modelo neoliberal. Havia inclusive críticas dos governos
Collor e Fernando Henrique Cardoso à Constituição por ser prolixa e que o Estado era gigante e
que as leis infraconstitucionais deveriam valer mais do que leis constitucionais.
Adicionalmente, nesta mesma perspectiva, os fatores reais de poder, dentre eles, por
exemplo, os bancos, não queriam ter suas fortunas taxadas. Ou seja, um ano após a queda do
muro de Berlim, os fatores reais de poder mudaram e a Constituição foi alterada por emendas
constitucionais.
Ou seja, até 88 a Constituição Federal tinha um viés social. Após a queda do muro de
Berlim e dissolução da URSS, passou-se a um contexto neoliberal. Portanto, frisa-se que, caso a
Constituição Federal fosse promulgada a posteriori, provavelmente, os ideais sociais não mais
seriam priorizados.
14- Quais teses do economista Amartya Sem são trazidos neste texto? (Adriana Timóteo)
15- Quais são as críticas neoliberais ao Estado Social moduladas pela Constituição de
1988?
Políticas Distributivas
São direcionadas a certos grupos de pessoas, para beneficiar parte da população que não
tenha acesso a um determinado direito. Estas políticas podem ser definidas de acordo com as
características ou necessidades especiais de um grupo social.
Exemplos: estabelecimento de políticas tarifárias especiais, oferecimento de serviços para
necessidades específicas e oferecimento de incentivos fiscais para pequenos negócios.
Políticas Redistributivas
As políticas redistributivas possuem um caráter social, são voltadas à garantia do bem-
estar social. Em geral, são aplicadas a grupos maiores de pessoas, com o objetivo de trazer
benefícios e mais igualdade ao seu público-alvo.
Exemplos: programas voltados à distribuição de renda e determinação da cobrança de
impostos progressivos proporcionais aos valores ganhos.
Leia também sobre o estado de bem-estar social.
Políticas Regulatórias
São políticas utilizadas para organizar o funcionamento do Estado e podem envolver
regras relativas a processos burocráticos ou normas de comportamento dos cidadãos. São
mais abrangentes, pois podem ser direcionadas a muitas pessoas. Isto é, ao contrário das
anteriores, não são relativas somente a determinados grupos de pessoas.
Exemplos: normas que regulamentam uso e venda de produtos e obrigatoriedade de uso
de cadeira especial para transporte de crianças.
Políticas Constitutivas
Essas medidas são diferentes das demais. Regulamentam os procedimentos e as regras
relativas às próprias políticas públicas em aspectos como: forma correta de elaboração das
políticas públicas e a determinação de quem são os responsáveis pela elaboração das medidas.
Exemplos: regras de funcionamento das eleições e a forma de distribuição de verbas que
serão utilizadas para as políticas públicas criadas.
17- Como ocorre a judicialização das políticas públicas e a politização da justiça que
ocorre no Brasil e qual decisão do STF é emblemática neste contexto? (Texto Adriana
Timóteo)
18- Pesquise acerca da forma como a reserva do possível foi trazida para o Brasil nos
anos 90, e como a mesma se relaciona com o transplante do debate jurídico da
conferência da Sociedade Jurídica de Berlim efetuado pelo jurista Karl Betterman,
conectando este plano, com o problema da austeridade orçamentária e os limites da
judicialização das políticas públicas originadas da constrição fiscal austericida?
Segundo Bruno Stiborski, o conceito reserva do possível teve origem na Alemanha, porém
houve distorção da teoria no translado para o Brasil. A expressão reserva do possível procura
identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das
necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. No que importa ao estudo aqui
empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o
que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que esta que
o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses
direitos
Esta confusão entre a reserva do possível e a denominada “reserva do financeiramente
possível”, conforme criticou José Joaquim Gomes Canotilho é alvo de distinção por Ricardo
Lobo Torres, que distingue a questão orçamentária do verdadeiro sentido da reserva do
possível, demonstrando uma deturpação no seu sentido originário quando de sua importação
ao Brasil, falando em “desinterpretação da ‘reserva do possível’ no Brasil”, indo além,
afirmando ser impossível a reserva do possível em sua ordem fática.
No Brasil, portanto [a reserva do possível], passou a ser fática, ou seja, possibilidade de
adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira, que pode
compreender a existência de dinheiro somente na caixa do Tesouro, ainda que destinado a
outras dotações orçamentárias. Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre
pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanentemente a possibilidade
fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública. Em outras
palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática.
Sensível a este desvirtuamento, Fernando Borges Mânica sustenta que a autêntica teoria
da reserva do possível, a qual não se refere direta e unicamente à existência de recursos
materiais suficientes para a concretização do direito social, mas à razoabilidade da pretensão
deduzida com vistas a sua efetivação, acabou, no Brasil, tornando-se a teoria da reserva do
financeiramente possível, na medida em que se considerou como limite absoluto à efetivação
de direitos fundamentais sociais (i) a suficiência de recursos públicos e (ii) a previsão
orçamentária da respectiva despesa.
Segundo Ísis de Almeida Silva e Marcelo Benacchio (2018), a priori, a teoria da reserva do
possível não seria, necessariamente, a capacidade material do Estado em garantir determinada
prestação jurisdicional, porém, à razoabilidade do pedido, foi o principal elemento a ser
analisado à época. Logo, se o Estado possuísse recursos, mas o pedido em si não fosse
razoável, não haveria êxito. No Brasil, entretanto, a aplicação da teoria sofreu significativa
transformação e passou a ser uma teoria de aplicabilidade com teor financeiro, isto é, passou a
ser a teoria do financeiramente possível, sendo esse o limite para prestação de direitos
fundamentais. Ao Estado seria garantida a defesa da não prestação de direitos, uma vez que
não haveria recursos para tal. Tais recursos seriam exclusivamente financeiros, ou seja, uma
vez demonstrada a incapacidade do Estado para arcar com o ônus financeiro de determinada
demanda, o argumento da teoria da reserva do possível seria elencado para justificativa.
Nota-se, portanto, que a reserva do possível existe e está sendo utilizada no Brasil com a
finalidade de justificar a ausência do Estado na garantia de direitos fundamentais de cidadãos,
pois se não há recursos financeiros ou dotação orçamentária, não há falar em garantia destes
mesmos direitos, tornando-se, portanto, algo legítimo e possível ao Estado brasileiro.
Neste contexto, contudo, Batterman, conforme apontam Clóvis Demarchi e Fernanda
Fernandes (2015), cita que as limitações aos direitos fundamentais, para serem legítimas,
devem atender a um conjunto de condições formais e materiais estabelecidas na Constituição,
que são os limites dos limites dos direitos fundamentais. Conforme seu pensamento, as
condições mais importantes estabelecidas na Lei Fundamental são a garantia do conteúdo
essencial e a dignidade humana, sendo também relevante o imperativo de que todas as
limitações aos direitos fundamentais devem objetivar a promoção do bem comum. Surge,
então, a teoria dos limites dos limites que baliza a ação do legislador quando restringe direitos
individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à
necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza,
determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.
A atividade limitadora e restritiva do Estado deve ser, igualmente, uma atividade limitada,
de modo que a ação limitadora e restritiva se dê na medida estritamente necessária e
indispensável à própria concretização e preservação de tais direitos e demais bens
constitucionalmente protegidos.
Em suma, sabe-se que os direitos fundamentais não são absolutos, portanto, podem
sofrer restrições, todavia, permanece um questionamento: quais são os limites destas
restrições?
Kellen Avila (2014) menciona que a Reserva do Possível passou a ser utilizada como
justificativa para ausência Estatal, um forte argumento do Estado para não cumprir com o
papel que a própria Constituição lhe conferiu, qual seja, de provedor das necessidades da
sociedade, representadas pelos direitos fundamentais ali descritos.
A escolha das políticas públicas a serem implementadas pelo Estado, via de regra,
compete aos Poderes Executivo e Legislativo, seja por meio do planejamento público, com a
decisão dos planos e programas governamentais a serem perseguidas, seja por intermédio das
leis orçamentárias.
No Brasil, tanto a iniciativa quanto a execução das leis orçamentárias são competências
privativas do Poder Executivo, que tentam a todo custo, atualmente, cortar gastos a fim de
manter o teto de gasto e não estourar as contas públicas (austeridade orçamentária). Disso
decorre que a definição das políticas públicas e a escolha das prioridades orçamentárias cabem
exclusivamente àquele Poder, não podendo o Judiciário, via de regra, interferir nessa atividade
discricionária do administrador. Aqui reside a questão da alocação de recursos escassos frente
à enormidade de necessidades da sociedade, decisão de competência dos Poderes Legislativo
e Executivo.
Verifica-se inclusive, em diversos casos quando a escolha sobre a definição das políticas
públicas passa do Executivo para o Judiciário, a violação do princípio da igualdade, já que o
grupo social que buscou o auxílio do Poder Judiciário se sobreporá aqueles que não o fizeram.
Todavia, nesse mesmo contexto, o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello cita que é
possível que as incumbências de fazer implementar as políticas públicas fundadas na
Constituição sejam atribuídas, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os
órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles
incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e
a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional
Portanto, não obstante existirem milhões de brasileiros e brasileiras sem o mínimo
necessário para terem uma vida digna, é possível observar que as necessidades são ilimitadas
e os recursos limitados e escassos. Desta forma, ainda que o contexto da reserva do possível
tenha sido deturpado ao ser incorporado no ordenamento jurídico pátrio, este conceito é
utilizado frequentemente para justificar a ausência de direitos fundamentais do cidadão e,
portanto, mantendo-se o status quo.
Adicionalmente, assim como pontuado por Batterman, há limites que devem ser
respeitados para que as limitações aos direitos fundamentais sejam aceitáveis, dentre eles e
principalmente o respeito à Constituição Federal. Todavia, o que se vê hodiernamente, é o
completo descaso das autoridades públicas frente aos limites dos limites (limites das
restrições), que mantém, por consequência, a maior parte da população brasileira sem o
mínimo necessário a uma vida digna e sem quaisquer direitos fundamentais, dentre eles a
saúde e educação, sob o argumento, frisa-se, de que não há recursos financeiros (ou não há
previsão – reserva do possível “financeira”) ainda que previstos constitucionalmente.
19- Qual é a conclusão da autora sobre a questão da judicialização das políticas públicas?
(texto Adriana Timóteo)
20- Qual debate acerca de Rousseau e Hobbes é aduzido neste texto de Adriana
Timóteo?
O debate que está sendo apresentado no texto trata da questão da separação dos
poderes e da titularidade do poder. Para Rousseau, a titularidade do poder deve pertencer ao
povo, diferentemente de Hobbes, que entende que o poder deve ser entregue ao Estado, ou
seja, ao Leviatã.
21- Como Carl Schmitt é influenciado por Maquiavel com visões como a da razão de
Estado e a paranóia de guerra, com Hobbes, Donoso Cortes, Louis de Bonald e outros
autores conservadores também o influenciaram? (texto Rodrigo Suzuki Cintra)
Segundo Whashington Luiz Silva, Schmitt quer dar à política um caráter autônomo e
liberar a teoria política do entrave que se origina da confusão entre a esfera política e os
demais campos da ação humana. Ao reconhecer a necessidade de pensar a política em sua
especificidade, Schmitt poderá ser filiado à tradição da filosofia política que tem como seus
expoentes Maquiavel e Hobbes, autores dos quais se sente próximo.
Adicionalmente, conforme Helton Adverse, os dois têm muito em comum: a centralidade
do tema do conflito, a estreita associação entre política e guerra, o vivo interesse pelo “caso
extremo” conjugado com o reconhecimento de sua importância metodológica etc. Além disso,
há as semelhanças biográficas: ambos viveram em tempo de profunda crise política e, nesse
contexto, conheceram a condenação política e o exílio em seu próprio país. Similaridades
também no que concerne à recepção de sua obra e ao destino de seu nome. Temos, assim,
boas razões para atender à vontade de fazer o cotejamento entre os autores, enfrentando o
risco do paralelismo estéril. Em defesa desse projeto, podemos afirmar, de antemão, que, em
momentos cruciais de sua trajetória reflexiva, Schmitt se refere a Maquiavel, seja na forma da
oposição e do combate seja na forma da aliança, como podemos ver no período
particularmente fecundo de sua produção intelectual, isto é, os anos que cobrem a década de
1920. O nome de Maquiavel é evocado por Schmitt para evidenciar o caráter problemático de
uma concepção técnica da política, mas também para salientar a pertinência de uma
antropologia “pessimista” para a formulação de um pensamento político consequente.
Segundo Schmitt, na filosofia política de Maquiavel, Hobbes, Bossuet, Fichte, Donoso
Cortés, Taine, Hegel e outros, permanece um traço comum: todos rejeitam como pressuposto
das suas teorias políticas a noção da bondade natural do homem e o caráter não conflituoso
da natureza humana (Cesar Ramos, 1996). Schmitt é considerado como sendo um
maquiaveliano tardio.
O pensamento de Maquiavel é essencial para a teoria schmittiana na medida em que
postula uma maneira específica de se abordar as problematicidades políticas: através de um
conhecimento que se projeta por meio da realidade concreta. Isto é, com Maquiavel a política
deixa de ser pensada na forma de um dever-ser e passa a se ligar com aquilo que ela é na
realidade concreta; o modo como ela se afirma existencialmente. O autor florentino inaugura
assim toda uma discussão política que se baseia naquilo que a política realmente é, não
naquilo que ela deveria ser. Desse modo, o principal interesse de Maquiavel será sobre o
Estado e o Príncipe – e todas as questões que envolvem esses conceitos. Schmitt se alinhando
a esse modo de perceber a política também fará um pensamento político que se refere,
primordialmente, à realidade concreta em que os mecanismos políticos estão inseridos. E,
predominantemente, como a questão política constitui os fundamentos do Estado,
juntamente com a problemática acerca do poder soberano e do estado de exceção (Renato
Reis Caixeta).
Segundo o texto sugerido, Schmitt também celebra Hobbes como o autor que teria
reconhecido a substância decisionista no domínio do soberano. Afinal, podemos ler no
capítulo 26 do Leviatã: “Autoritas, non veritas facit legem” (É a autoridade, e não a verdade,
que faz as leis). Como podemos perceber, o que importa para a vida jurídica é quem decide.
Trata-se de um problema de competência. Porém, critica Hobbes por ter sido um dos
pensadores mais importantes para a compreensão da relação intrínseca entre Estado de
Direito e lei positiva. Nesse sentido, inclusive, sua leitura de Hobbes parece ser acertada, se
bem que exatamente por esse motivo, Schmitt a descarta. Para Hobbes, o direito positivo está
concatenado com o conceito de soberania – as normas de direito natural não podem limitar
esse soberano –, no entanto, o legislador soberano está vinculado ao direito positivo que ele
mesmo estabelece. Em outras palavras, existe um germe para o desenvolvimento da ideia de
Estado de direito. E, é evidente que tal posição do pensamento político de Hobbes se mostra
equivocada para Schmitt.
Ademais, Carl Schmitt, recuperando as ideias dos contrarrevolucionários de Maistre, de
Bonald e Donoso Cortés mostra que a política jamais pode ser formulada sem um fundamento
metafísico, pois o que existe é uma transferência conceitual do espiritual para o temporal,
tendo como base a teoria da soberania, do estado absolutista ao estado democrático (Luiz
Carlos Ramiro Júnior).
De acordo com Cândido Moreira Rodrigues, o princípio de aplicação política da analogia,
que está presente em seu pensamento, é fruto de uma herança dos contra-revolucionários De
Bonald, De Maistre e Donoso Cortés, o que é patente na medida em que define o Estado como
um “Deus ex machina” e ao lembrar que a “onipotência” do legislador moderno não havia sido
“extraída da teologia só verbalmente”.
Só se compreende a influência dos autores contra-revolucionários no pensamento de Carl
Schmitt na medida em que visualizamos o cerne da objeção dos mesmos ao mundo
secularizado. Podemos dizer que tal objeção desenvolve-se contra a perda de poder efetivo,
depois do século XVII, dos dois pilares do Estado absolutista - Deus e o Soberano - que
gozavam de uma posição de supremacia na sociedade. Pilares que seriam considerados mais
fracos ainda pelas doutrinas secularizantes dos séculos XVIII e XIX, nas quais a idéia de Deus é
suplantada pela do “homem” e a majestade do soberano é destituída e substituída pela noção
de soberania popular. A conseqüência imediata disso, segundo o próprio Schmitt, foi que o
elemento decisionista e personalista da noção de soberania, que vigorava até o momento (na
pessoa do soberano) perdeu o efeito. Portanto, a partir daí tratava-se do prevalecimento do
ateísmo, da desordem, em detrimento das virtudes transcendentes, do sentimento religioso
tradicional de fundo católico.
O ponto principal da relação de Schmitt com o pensamento dos contra- revolucionários
diz respeito ao aspecto da decisão presente na filosofia do Estado elaborada por eles.
23- O que é a exceção para Schmitt e como essa dimensão é importante para sua
interpretação do decisionismo jurídico? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)
24- Quais críticas Schmitt formula contra Hans Kelsen e Max Weber em relação a política
a e a visão correspondente dos mesmo em relação a Estado, direito e monopólio
legítimo da violência? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)
Weber diz que o Estado tem o monopólio da violência. É um liberal, legalista, ajudou a
construir a república de Weimar (participou das Assembleias), defendia a ideia de escola de
governo na Alemanha. Para Weber, a Alemanha era atrasada no sentido da unificação tardia e
não tinha uma tradição liberal, pois era conservadora, tinha uma classe operária atrasada, não
tinha um crescimento orgânico do liberalismo como na Inglaterra, então seria necessário
corrigir essa estrutura através da indução da cidadania e da democracia. Weber também dizia
que o socialismo nunca seria implantado.
Segundo Paulo Pinheiro, a expressão “monopólio da violência legítima”, que não é própria
à linguagem jurídica, pertence à metalinguagem da teoria do direito, teoria do Estado ou da
sociologia jurídica. Poucos autores, pelo que se saiba apenas dois, Max Weber e Hans Kelsen,
utilizaram essa expressão e em termos quase idênticos. Para Weber, força não é o meio
normal ou único do Estado, mas é o meio específico do Estado: a relação entre o Estado e a
força é bastante íntima como fica claro na sua definição: “Nós entendemos por Estado um
‘empreendimento político de caráter institucional’ desde que e conquanto sua direção
administrativa reivindique com sucesso a aplicação do monopólio da coerção física legítima”. O
estado, portanto, será uma comunidade humana que detém, com sucesso, o monopólio do
uso legítimo da força física sobre um território dado. A violência da qual fala Weber não é cega
nem ilegítima mas torna-se legítima precisamente porque ela é organizada (podendo ser
chamada de coerção, como o faz Hans Kelsen). Frisa-se que a definição de Kelsen é quase
idêntica a Weber, apenas com a diferença de que não é utilizado ao adjetivo legítimo. Com
efeito na expressão “monopólio da violência legítima”, a palavra legítima não designa outra
coisa senão o monopólio, que identifica-se à legalidade. Kelsen não a menciona porque a ideia
de legitimidade já está presente no monopólio da coerção, que corresponde ao princípio de
legalidade, ela não é necessária para definir o Estado.
Para André Fontes, as premissas sustentadas pelo Positivismo Normativista de
Kelsen chocavam-se com as mais profundas e sensíveis convicções de Carl Schmitt. Não
obstante, Schmitt, tal como Kelsen, esboçavam certos contornos de viés kantiano em suas
teorias. É necessário deixar claro que a compreensão de certos elementos comuns ou
coincidentes outra coisa não fazia senão acentuar as distintas concepções de cada autor.
Para Kelsen (normativista, em contradição ao decisionista schmitiano), o Estado é definido
como sendo uma ordem jurídica centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de
vigência, soberana ou imediata ao Direito Internacional, e que é eficaz. Portanto, sua definição
não aborda nenhum julgamento axiológico de moral ou de justiça e nem a legitimação. Essa
definição essencialmente positivista unida ao contexto histórico em que viveu (um período
marcado por grandes conflitos, no qual o totalitarismo de Hitler e Mussolini convivia com o
liberalismo democrático e com Estados socialistas), criou grande polêmica em torno de suas
idéias, chegando a ser perseguido pelos totalitaristas e criticado pelos comunistas e
democratas (Sabrina Corona Butzke). Já com relação ao Direito, Kelsen enfatiza que, o Direito é
uma ordem de conduta humana, ou seja, é um conjunto de normas. Argumenta o Mestre de
Viena que o Direito não é, como se costuma pensar, uma norma. É mais do que isso: o Direito
é um conjunto de normas que possui uma unidade, que forma um sistema.
Para Max Weber, o Estado é conceituado como sendo uma comunidade humana que
pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado
território. Em outras palavras, o Estado é a única entidade que possui o poder genuíno de
lançar mão do uso da força como forma de intervenção, caso se verifique a necessidade, nas
ações dos sujeitos que estão submetidos à sua jurisdição."
Segundo Henrique Camacho e Yvete Costa, Hans Kelsen entendia que, diferentemente do
que se busca demonstrar nos dias de hoje – uma democracia que busca fundamentar-se como
ideologia – os valores impostos pela norma são mais fundamentais do que os impostos pelo
povo, pois neste aspecto, a democracia se perfaz de argumentos abertos, como interesse do
povo. Já o entendimento de Carl Schmitt segue a compreensão de que a construção do
conceito de democracia perpassa por situações que implicam não nas características atinentes
a norma nem na possibilidade do povo se valer de características comum, mas sim de uma
imposição advinda de uma autoridade. Haverá a imposição por uma autoridade, que não será
a Constituição, mas sim de uma autoridade absoluta, determinada pela vontade do povo.
Cintra também diz que para Schmitt, no entanto, o Estado não poderia mais ser o
“monopólio legítimo da força”. O político se situa em outra dimensão: no monopólio da
decisão última sobre a distinção amigo/inimigo que se situa nas mãos do soberano. O político
se reduz a exceção, ao caso extremo, contrapondo-se a uma concepção de Estado como um
órgão de estabilização. Schmitt, portanto, realiza uma inversão nem um pouco ingênua na
história do pensamento político. Ao invés de derivar a concepção de político a partir da teoria
do Estado, faz com que o Estado dependa do político: “O conceito de Estado pressupõe o
conceito do Político”.
Schmitt diz que "O conceito de Estado pressupõe o conceito do político." O soberano é
tido como aquele que dentro da unidade política detém a prerrogativa de decidir sobre o
inimigo, designa grupos a serem combatidos. O processo de decisão parece ser arbitrário. Essa
característica da decisão a torna perigosa já que não está claro em Schmitt se ela tem um
fundamento. A ideia da decisão é dizer que o lugar de onde ela surge não é visível aos olhos
humanos. Se não é correto afirmar que o Estado schmittiano será necessariamente um Estado
autoritário, todavia é correto dizermos que há uma porta aberta para o autoritarismo na sua
formulação. Segundo Schmitt, o liberalismo é o responsável por promover despolitizações por
subtrair do Estado à capacidade decisória transformando assim, inimigo em adversário,
tomando dele sua prerrogativa de decidir sobre o inimigo e interpretar o caso limite
(Washington Luiz Silva).
Wolin aponta Schmitt como o arquétipo do anti-normativismo alemão nos anos 20 e
classifica seus escritos deste período como um ataque direto ao “normativismo” de Hans
Kelsen, jurista positivista cujas ideeias estavam muito em voga no período. Portanto, é o não-
normativismo que caracteriza o pensamento schmitiano após a Primeira Guerra mundial e o
que explica sua “obsessão” de um “estado de exceção”. Para Wolin, no decisionismo
schmitiano o que menos importa é o seu conteúdo, a sua finalidade ou o seu sentido, do que a
própria decisão. Ao considerar o Estado o “último árbitro” das questões, ao subordinar a
autonomia da esfera jurídica às “raisons d ́ État”, Schmitt retira à sociedade civil toda
independência, toda potencialidade de oposição, fato este que aparece em sua crítica às
instituições liberais. A idéia de ordem aliada ao pressuposto de que ao soberano cabe tal feito
(pois é ele quem detém o monopólio da última decisão) é o ponto crucial nesta sua
argumentação. Esta questão fica muito clara quando Schmitt menciona que o liberalismo não
construiu nenhuma teoria positiva do Estado, mas sim procurou “prender o político e
subordiná-lo ao econômico” fundando, deste modo, as bases de uma doutrina de “divisão e do
equilíbrio dos ‘poderes’, isto é, um sistema de obstáculos e controles de Estado que não se
pode designar como teoria do Estado ou princípio de construção política (Cândido Moreira
Rodrigues).
25- Como Schmitt utiliza o poema de Ferdinand Feiligrath sobre Hamlet e Hécuba para se
posicionar sobre o problema da indecisão no Ocidente? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)
Segundo o texto de Cintra, Schmitt utiliza o poema para operar uma reflexão sobre a
Europa pois o povo alemão se mostrava dividido, desmembrado e sem guia, como um Hamlet
perdido em vacilações e incapaz de decidir por ação alguma quando o caso era o de agir sem
rodeios. Nestes casos, quando ocorre uma situação excepcional, que é a verdade da política,
uma pessoa específica deve ser capaz de operar acima da lei, suspendendo-a e adotando os
passos necessários para salvar o Estado. Essa pessoa é o soberano. Soberano é aquele que
decide sobre a exceção.
26- Como milagre e decisão se relacionam em Schmitt, e como isto se relaciona com o
catolicismo e o Papa? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)
Decisão seria aquela tomada pelo político que teria a competência para agir em um
estado de exceção, portanto, não tendo o Estado o monopólio legítimo da força,
descontruindo o Estado, recuperando a concretude da política na afirmação da soberania
como decisão sobre a exceção.
Cardoso (2009), citado por José Lopes, esclarece que “o estado de exceção está para
jurisprudência assim como o milagre está para teologia – fórmula que expressa o núcleo
teológico-positivo do conceito de soberania.” E ressalta ainda a importância dessa concepção
para Schmitt porque esse afirma que os conceitos da moderna teoria do estado são conceitos
teológicos secularizados. Ainda menciona que a exceção em termos schmitianos versa sobre a
questão da validade do direito, porque não existe norma que se possa aplicar ao caos. É
preciso que a ordem seja estabelecida para que a ordem jurídica tenha um sentido. Não é o
mandamento enquanto mandamento que restabelecerá a ordem da situação fática, mas a
autoridade ou a soberania de uma decisão última, dada com o mandamento que constitui a
fonte de todo “direito”, ou seja, de todas as normas e de todas as ordens que dele derivam. A
decisão soberana é começo absoluto e jorra e um nada normativo e de uma desordem
concreta. O soberano decide irrestritamente sobre o caso concreto e sua decisão, segundo
Schmitt, mesmo sendo apolítica representa sempre uma decisão política, independentemente
de quem ela atinge e que roupagem assuma.
Consoante Schmitt, a decisão soberana é uma decisão absoluta situada acima da lei e livre
de constrangimentos normativos, alicerça-se no fundamento teleológico-político. Ela é a
secularização da concepção teológica de uma vontade onipotente de Deus e transporta a
decisão proveniente desta vontade para o plano político. Do mesmo modo que Deus,
enquanto onipotente, pode intervir diretamente no mundo sem que a sua intervenção
esteja limitada pelas leis naturais por si criadas para o normalizar, assim também o
soberano, trazendo para um plano secular a onipotência divina, deve ser o senhor de uma
decisão absoluta, capaz de proteger a ordem sem estar limitado pelas normas jurídicas por ele
mesmo estabelecidas.
Apresentando a tese teológico-política da secularização dos conceitos teológicos em
conceitos políticos, Schmitt evoca a decisão soberana sobre o estado de exceção como uma
secularização da decisão divina de operar milagres: “O estado de exceção tem para a
jurisprudência um significado análogo ao do milagre para a teologia”. As leis civis e as normas
jurídicas servem a uma ordem concreta cujo guardião é o soberano. Na medida em que as
normas estão ao serviço da ordem e não o contrário, na medida em que a ordem é o
pressuposto das normas e não o resultado da sua aplicação, ao soberano deve ser possível a
decisão de um estado de excepção em que possa agir à margem destas. De modo análogo,
as leis naturais estão ao serviço da ordem e da justiça depositadas na vontade onipotente
de Deus, mas Deus não está subordinado a leis naturais cuja vigência se alicerça na sua
vontade. No quadro desta analogia, Schmitt contrapõe a defesa de uma decisão
soberana que decida sem limites normativos a uma posição normativista que ataca e nega
esta possibilidade.
O que caracteriza a decisão, segundo Schmitt, é a introdução de uma instância situada
acima do conflito, depositária de uma intervenção caracterizada pela sua virtualidade, pela
sua presença como possibilidade, não como realidade efetiva. Na medida em que
todos os católicos reconhecem o Papa como o representante de Cristo, tornando
concreta a sua autoridade transcendente, a unidade do catolicismo pode sobrepor-se à
pluralidade das diferenças entre católicos, sem as reduzir nem eliminar. Trata-se, por isso, de
uma unidade gerada a partir de cima, através da representação da ideia de unidade, e não a
partir de baixo, mediante um processo de correção política e eliminação da pluralidade
numa unidade imanente, concreta e real. É a forma política desta unidade que, segundo
Schmitt, não pode deixar de surgir para o Estado moderno como um paradigma (Alessandro
Franco de Sá).
27- O que é o paradigma amigo/inimigo estabelecido por Schmitt para o plano político
que também define o seu viés jurídico?
Com relação ao aspecto jurídico das decisões políticas, é sempre notável como a relação
entre política e direito está rodeando os escritos do autor alemão e o aspecto da soberania
tende a cercar o âmbito de incidência em que essas duas áreas se juntam numa mesma
análise. Embasado nesse panorama, a soberania faz a ligação entre esses campos,
aparentemente distintos, quando intercede o seu aspecto político – isto é, quando realiza a
decisão – para remetê-lo ao campo jurídico. O soberano então torna-se um agente
especialmente político que dá forma ao juízo do Direito, que atribui valor à ordem normativa.
Assim, revelar o fundamento da ordem jurídica significa justamente perceber que ela é obtida
através da decisão: é por meio da decisão soberana que a ordem pode existir (Renato Reis
Caixeta).
32- Quais argumentos de Jeremy Waldron são trazidos pelo professor Cláudio Ladeira?
33- Qual exemplo relacionado com a interpretação do art. 1228, parágrafo quarto é
utilizado pelo professor Ladeira, e como o mesmo se relaciona com a
problematização da atuação do STF em relação a separação dos poderes implicando
a usurpar ação de competências do legislativo e o perigo da formação de uma
aristocracia de toga?
34- Qual é o exemplo utilizado sobre uma hipotética futura eleição eleitoral e o
posicionamento do STF aduzido pelo professor Cláudio Ladeira em seu texto
relacionando esse ponto também com a questão da Separação dos Poderes e a
crítica a idéia de vanguardas judiciais que exprime em relação à fala a
pronunciamento do Ministro Barroso?
Claudio Ladeira traz em seu texto sobre a temática que, “para Luís Roberto
Barroso (2017), o STF desempenha diversas funções, sendo a mais conhecida dentre
elas a de fiscal “contramajoritário” do processo legislativo. Esse papel é definido nos
termos tradicionais, como uma proteção dos direitos fundamentais e das regras do
jogo democrático, contra maiorias potencialmente tirânicas. Mas são as duas outras
funções definidas por Barroso, a “representativa” e a “iluminista”, que chamam mais a
atenção. A capacidade representativa se apoia numa imagem essencialmente negativa
da política ordinária, que é desqualificada como populista “de esquerda” (na América
Latina) e “xenófoba” (na Europa), com debates públicos deteriorados e desconectados
da sociedade civil, que vê as instituições representativas com “desconfiança e
desprezo” (Cf. BARROSO, 2017, p. 52). Além disso, políticos precisam de recursos
vultuosos para disputarem eleições, o que obriga os candidatos a buscarem
financiamento econômico e empresariai: “esse fato produz uma inevitável aliança com
alguns interesses particulares” (BARROSO, 2017, p. 56), algo que, no entendimento de
Barroso, macula o processo legislativo. Por outro lado, a magistratura é enaltecida pela
forma de seleção de seus membros, pelo concurso público capaz de selecionar
“pessoas vindas de diferentes origens sociais” produzindo assim um “drástico efeito
democratizador do judiciário” (BARROSO, 2017, P. 56). E por não dependerem dos
vultuosos recursos necessários às campanhas eleitorais, conclui que juízes “são
capazes de representar melhor – ou com mais independência – a vontade da
sociedade” (BARROSO, 2017, p. 56). Como então justificar a autoridade do STF, um
tribunal cujo aceso sabidamente não apenas não ocorre mediante concurso público,
mas demanda indicações presidenciais, aprovação pelo senado e obvias articulações
políticas? A resposta de Barroso é surpreendente: “na prática [...] a quase totalidade
dos ministros integrantes da Corte é composta por egressos de carreiras jurídicas cujo
ingresso se faz por disputados concursos públicos” (BARROSO, 2017, p. 56). Uma
aprovação em concurso público para alguma carreira jurídica, normalmente ocorrida
no início da vida profissional, é a prova da capacidade representativa do membro da
corte constitucional.
Ainda mais controvertida, porém, é a função “iluminista” da corte: “Para além
do papel puramente representativo, tribunais constitucionais desempenham,
ocasionalmente, o papel iluminista de empurrar a história quando ela emperra.”
(BARROSO, 2017, p. 60). Barroso reconhece a necessidade de moderação no uso dessa
competência, dados os riscos democráticos que ela representa, mas é categórico
quanto à autoridade da própria corte para decidir quando exercer tal competência.
Ora, é difícil imaginar uma divergência que exemplifique melhor a natureza do conflito
político do que as disputas sobre qual é a “direção correta” para a qual a História deve
ser “empurrada”. Conferir a uma pequena elite de membros do tribunal a competência
para “empurrar” adiante um povo incapaz de “encontrar a direção correta” é algo que
evoca menos uma imagem iluminista que a de um déspota esclarecido.
Essas idealizações do Tribunal constitucional, “representante discursivo” ou
“iluminista”, podem ser criticadas mediante argumentos de “perversidade”, com as
palavras de Schmitt em Der Hüter der Verfassung: a expansão da justiça para domínios
essencialmente políticos não altera a natureza do conflito político. Pelo contrário, além
de manter o risco de arbitrariedade existente em toda decisão política, acrescenta o
problema da politização da justiça, com seus próprios riscos implícitos. Ao contrário do
que ocorre com parlamentos e o poder executivo, o tribunal constitucional não é
responsável perante eleitores e estará ainda mais livre para impor sua própria pauta
política, discricionariamente. Ora, nem mesmo o mais ardoroso defensor de uma
atuação “criativa” dos tribunais pode negar que, ao menos em parte, uma das
consequências práticas desse processo tem sido o “emponderamento” das cortes, que
agora dispõem de meios para agir politicamente em defesa de seus interesses
burocráticos-institucionais particulares. Naturalmente que essa possibilidade não é
suficiente para rechaçar o controle de constitucionalidade, mas sim, deveria bastar
para motivar análises mais realistas e menos auto-celebratórias. Afinal de contas, “é
mesmo uma das manifestações típicas da vida constitucional que um organismo que
toma consciência de sua influência política expanda cada vez mais o alcance de seus
poderes”.
35- Quais são as característica do positivismo por imanência apontadas por Dimitri
Dimoulis, inclusive trazendo expressões do senso comum jurídico, que são
enunciadas no seu texto que apontam para a adesão na prática ao positivismo no
Brasil mesmo sem uma formulação teórica precisa sobre o mesmo na prática jurídica
cotidiana expressa na práxis dos fóruns e tribunais?
37- O é a teoria axiomática do direito descrita no texto de Zanon Júnior acerca de Luigi
Ferrajoli, e como a mesma remete a analiticidade de Hans Kelsen e Norberto Bobbio?
39- Como a teoria de Luigi Ferrajoli se relaciona com o direito natural e as questões
morais e éticas de acordo com o texto de Zanon Júnior?