Questionário TDII

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QUESTIONÁRIO TEORIA DO DIREITO II

PROFESSOR: Dr. FRANCISCO QUINTANILHA VÉRAS NETO

1- Disserte sobre a origem do neoliberalismo com os Colóquios Walter


Lippmann e a Conferência de Mont Pelérin?

Consoante aponta Ricardo Marcílio, as principais características do neoliberalismo


são a manutenção da propriedade privada, livre mercado e, principalmente, a
permanência da “mão invisível do mercado” (Adam Smith – autorregulação do
mercado), que permite a competição e a criação da própria taxa dos preços. Este autor
cita, ainda, que a crise de 1929 (superprodução de concessão de créditos indevidos)
estimulou o consumismo. O Estado se viu obrigado a intervir na economia
(keynesianismo), aumentando a arrecadação de impostos e elevando os gastos
públicos em benefícios sociais (welfare state). Ou seja, foi um período de intervenção
do estado na economia. Esta intervenção continuou até mais ou menos nos anos 70,
quando começou a onda do neoliberalismo ao redor do mundo, por exemplo, com a
crise do petróleo, o Toyotismo, que flexibilizou bastante os meios de produção e o
endividamento estatal.
Desta forma, muitos estados ao redor do mundo estavam endividados. O aumento
dos fluxos internacionais - relacionado ao Toyotismo - passou por vários fluxos de
mercadoria e pela influência da demanda tecnológica. Desta forma, para buscar uma
solução ao Estado que estava sobrecarregado, surgiu o consenso de Washington, que
nada mais foi do que uma recomendação aos países da América Latina. O Consenso
embasou o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial para ajudar
financeiramente os países em desenvolvimento e os subdesenvolvidos que estivessem
passando por dificuldades, porém, a história não foi tão fácil como pode parecer. Essa
ajuda financeira tinha uma condição. Os países tinham que passar a adotar as medidas
do consenso de Washington, que eram a reorientação dos gastos públicos - para que
os setores de forte retorno econômico fossem priorizados em detrimento dos gastos
sociais -, a privatização de empresas públicas, a elminação de barreiras fiscais, a
desregulamentação do mercado e a proteção da propriedade privada.
No neoliberalismo, portanto, o Estado deve garantir, somente os direitos básicos
da população, em setores estratégicos, como transporte, educação e saúde. No mundo
empresarial, nota-se que a privatização – que ficou mais constante - das empresas
estatais, a desregulamentação, o estado mínimo, a continuação do livre mercado,
acabam por aumentar a competitividade empresarial e dificultam o crescimento das
pequenas e médias empresas, bem como favorecem a formação de oligopólios ao
redor do mundo, já que com a competição, a aglutinação de empresas surge. Também,
como consequência disso, ocorre a expansão das transnacionais alinhados com o
Toyotismo, especialmente no contexto trabalhista, em que o indivíduo se torna
empreendedor dele mesmo.
Também é importante falar das críticas. Ainda segundo Ricardo Marcílio,o
neoliberalismo tem a característica de aumentar as desigualdades sociais, aumentar a
precariedade trabalhista, reduzir a soberania nacional, ao mesmo tempo que as
grandes corporações multinacionais passam a ter maior influência nas decisões do
próprio Estado. Além disso, o neoliberalismo tem a capacidade de frear o crescimento
dos países mais pobres, que, dentro da divisão internacional do trabalho, ficam
caracterizados como exportadores de commodities, produto de baixo valor agregado,
enquanto países desenvolvidos crescem nos avanços tecnológicos, caracterizando um
desenvolvimento desigual e combinado que aumenta progressivamente a
desigualdade entre as nações.
O avanço da competitividade no mundo e a abertura comercial alteram as
relações sociais. Onde existe muita competição, muitos setores passam a serem vistos
como oportunidade de mercado, de modo que a água, o ar, a terra e até mesmo a
qualidade de vida, passam a ter valor financeiro, assim como o homem passa a ser
visto como mercadoria do ponto de vista do consumo e do emprego. Por fim, não
menos importante é o fato de que o neoliberalismo favorece a redução dos
investimentos sociais, pois ocorre uma priorização dos gastos com retorno mais rápido
em detrimento dos gastos com despesas sociais.
Em suma, e em adição ao já exposto, segundo informações extraídas de Stoodi,
resume-se o conceito de neoliberalismo como sendo um modelo socioeconômico criado
durante a década de 1970, na Europa, e baseado no liberalismo clássico. Em outras palavras,
trata-se de uma teoria econômica para orientar as políticas baseadas no capitalismo. Os
neoliberais, de uma forma geral, pregam que para uma sociedade ter progresso econômico, é
preciso que o Estado não interfira na economia, o chamado “Estado Mínimo”. Eles defendem
a privatização das empresas estatais, o fim das políticas sociais, o incentivo
à competitividade internacional, entre outras coisas.
Todavia, conforme aponta Mariutti (2021), o termo “neoliberalismo” ganhou força
sobretudo a partir da década de 1990, quando esta expressão ganhou uma
proeminência gigantesca nos periódicos. O crescimento do seu emprego continuou
vertiginoso nas décadas subsequentes. No entanto, desde a sua popularização, esta
palavra sempre foi usada de forma muito elástica, sem fundamentos empíricos muito
claros. Um slogan vago, utilizado para designar os adeptos do “fundamentalismo de
mercado” e das propostas que se contraponham à mentalidade distributiva e
regulacionista típica do Welfare Sate.
Estes mesmos autores citam que os colóquios de Walter Lippmann, que ocorreram em
Paris, em 1938, e trataram sobre reorganização e renovação do pensamento liberal
contemporâneo, tiveram como tônica geral a condenação ao excesso de intervenção do
Estado na economia. Porém, todos os participantes dos Colóquios concordavam que era
necessário abandonar completamente a visão de que uma sociedade liberal é o
produto de uma ordem natural espontânea. Pelo contrário. Houve a percepção de que
sem uma ordem legal que regulamente o sistema de propriedades, arbitre os conflitos,
a moeda e defina regras gerais, nenhuma sociedade liberal pode perdurar. Logo, não
existe liberalismo sem a intervenção do Estado na economia. Estes mesmos autores
seguem dizendo que a questão posta no colóquio era, precisamente, como definir a
forma e os limites desta intervenção. Tratava-se, portanto, de criar um liberalismo
positivo, capaz de romper com o naturalismo do liberalismo clássico e, ao mesmo
tempo, combater os princípios de planificação social supostamente compartilhados
pelo fascismo, socialismo e pelo New Deal.
Adicionalmente, também mencionam o seguinte:

Uma percepção comum se formou também no campo das políticas sociais. Não houve muita resistência à ideia de
garantir uma renda mínima aos necessitados para evitar o radicalismo. Com a exceção de Von Mises, também havia
algum acordo sobre a necessidade de tomar medidas mais assertivas – tanto pela via fiscal, quanto pela indução
legal – para enfrentar situações anômalas que, contudo, deveriam ser revertidas quanto os problemas fossem
sanados. Esta foi uma característica do colóquio que marcou de forma duradoura o pensamento neoliberal. Hoje,
no entanto, a questão tende a ser posta de forma distinta: uma renda mínima e um conjunto setorial de políticas
públicas focadas em problemas específicos protege o sistema de concorrência de seus efeitos potencialmente
deletérios. Se a renda mínima e as demais políticas públicas não impactarem significativamente o sistema de
preços, elas reforçam uma sociedade baseada na concorrência dos atores econômicos. Todos que forem expelidos
do jogo econômico podem voltar a ele.

Mariutti (2021) ainda afirma que Ludwig Von Hayek organizou outro evento em 1947 ,
em Mont Pèlerin (que deu o nome desta Organização Internacional – Sociedade Mont
Pelerín) que reuniu parte dos participantes do colóquio Walter Lippmann. Esta conferência,
de acordo com Hartwell (1995), foi composta por filósofos, economistas e políticos de
diversos países, reunidos em torno da promoção do liberalismo e de seus valores e
princípios. Este autor ainda menciona que a liberdade de expressão, livre mercado e os
valores políticos de uma sociedade aberta, é orientada por um ideário liberalismo. A crítica
anticapitalista atribui à Sociedade Mont Pèlerin um lugar central na elaboração da
doutrina neoliberal no pós-guerra, sendo um espaço de convergência de diversos intelectuais
e ideólogos que visavam reverter a ordem estabelecida nos países ocidentais de pacificação
através da seguridade social. A sociedade foi vanguarda e precursora das elaborações
alternativas de disciplinação do trabalho que vão ressurgir durante a década de 1970.
Importante se faz mencionar que, segundo Thiago Hernandes, tanto liberalismo
quanto neoliberalismo tratam de correntes do capitalismo - o liberalismo clássico
defende a não intervenção do Estado na economia de mercado. Todavia, em 1929,
quando da queda da bolsa de Nova York, houve a percepção de que o liberalismo
clássico não era tão funcional como se esperava. Agora, quando se trata do
neoliberalismo, está a se falar sobre nova roupagem das práticas liberais, porém, não
deixou de ser atrelada ao capitalismo. Seus fundamentos foram escritos ao longo da
década de 70, como já mencionado, seus princípios tratam de mercado máximo e
Estado mínimo, porém, não se trata de Estado ausente. Nos fundamentos neoliberais,
há Estado apenas como sendo agente regulador. A crise de 1929 só foi superada
devido à intervenção Estatal, comprando ações de algumas empresas como forma de
evitar a sua falência (exemplo de intervenção). No Brasil, também para citar um
exemplo, o Estado intervém na economia reduzindo algumas taxas, como por
exemplo, o IPI (imposto sobre produtos industrializados), a fim de reduzir o preço final
dos produtos e, consequentemente, incrementar a economia. Outro exemplo de
regulação Estatal é o processo de compra e venda de dólares para a regulação do
câmbio, entre vários outros.
Este mesmo autor ainda menciona que as privatizações e abertura econômica
também são defendidos pelos neoliberais e conclui que entre liberais e neoliberais, há
muitos pontos de concordância, mais do que divergências. Entretanto, existem as
críticas, pois existem aqueles que entendem que o liberalismo ou o neoliberalismo
serviram como ferramenta para atender os interesses do grande capital, deixando de
lado os interesses coletivos. O Estado interventor, regulador, para os críticos do
neoliberalismo, é o Estado que intervém, que regula, a favor do interesse daqueles que
já controlam a economia, acarretando, portanto, maior desigualdade social.

2- Disserte sobre as teses de Friedman, Hayek e Robert Nozick em sua obra anarquia,
estado e utopia? (texto Daniel Pereira).
Segundo Frankel (2020), Nozick tentou, na primeira parte da Anarquia, Estado e Utopia,
refutar os anarquistas. Além disso, tentou justificar um estado mínimo “limitado às estreitas
funções de proteção contra força, roubo, fraude, cumprimento de contratos e assim por
diante”. As ideias do Segundo Tratado de John Locke (1690) estão presentes em todo o livro de
Nozick. Ele começa assumindo o estado de natureza lockeano e, em seguida, retornando ao
seu relato de fundamento moral na lei natural e no direito natural. Robert Nozick admite que
não existe defesa dessa teoria moral e observa que fornecer essa base é “uma tarefa para
outra época.” O estado natural de Locke é um estado de liberdade perfeita. Contudo ele sofre
de certos defeitos pelos quais a lei natural, impressa no coração de cada homem, é
insuficiente. Para ele, quando os homens são juízes por sua própria causa, geralmente
supervalorizam seu próprio dano e não julgam imparcialmente. Onde não há juiz comum na
terra, essa parcialidade na aplicação da lei natural leva a brigas e retaliação.
Esta mesma autora ainda realça que a justiça também sofre quando alguém de direito
não tem o poder de fazer valer seus direitos e exigir uma compensação porque o violador de
direitos é mais poderoso. Para remediar esses e outros defeitos, Locke imaginou um acordo
voluntário – um contrato social – entre pessoas desejosas de deixar o estado da natureza e
formar uma sociedade civil. Nozick seguiu um cenário semelhante, mas abandonou o contrato
social. Seu estado mínimo surge como consequência não intencional dos atos dos
indivíduos. Tomando emprestado de Adam Smith, Nozick chama essa conta de “explicação da
mão invisível” porque o estado não é projetado, mas evolui com o tempo.
Vinícius Bandera também faz uma análise distinguindo Friedman, Hayek e Nozick
defendendo a existência de algo fundamentalmente comum entre Hayek, Nozic e Friedman,
qual seja, a defesa intransigente do Estado mínimo e do mercado autorregulável, conforme a
tradição smithiana. Os três refutam veementemente a regulamentação do mercado por parte
do Estado. E quando fazem isso, o alvo principal de suas críticas não é o Estado socialista, neste
eles nem chegam a centrar a sua atenção, por considerá-lo como uma espécie de aberração. A
crítica deles recai nos Estados intervencionistas sob o capitalismo. Ou seja, o maior alvo de
suas críticas é o utilitarismo de Bentham e o Welfare-State de inspiração keynesiana. Eles
concentram as suas críticas nos teóricos liberais revisionistas, digamos assim, isto é, aqueles
que são heterodoxos em relação ao modelo lesseférico.
Seguem dizendo que se compararmos Smith com Hayek, Nozic e Friedman,
verificaremos que para o primeiro apenas o self-interest e o mercado autoregulável são
suficientes para colocar o Estado em sua condição de Estado mínimo. Em outras palavras:
Smith tem por base a crença de que o self-interest e o mercado autorregulável, por si só,
condicionam o Estado ao seu formato mínimo e subordinam a política à economia, por isso
praticamente não há em sua teoria normas políticas para intervirem no mercado em caso de
desequilíbrio do mesmo, pois a volta ao equilíbrio, segundo sua concepção, dá-se pela lei da
oferta e da procura através da célebre mão invisível. Já Hayek, Nozic e Friedman não têm total
confiança nesses dois mecanismos como sendo suficientes para condicionar o Estado mínimo e
buscam outros mecanismos para impedir que o Estado vá além do Estado mínimo.
E ainda, menciona que em Smith, o Estado é um órgão eminentemente político: é o
garantidor das leis sociais (que vêm do mercado), o garantidor da ordem (self-interest +
mercado autoregulável) contra inimigos internos e externos. Assim, ele estabelece uma
dicotomia na sociedade: de um lado fica a política (Estado), de outro a economia (mercado),
esta a salvo de sofrer intervenção por parte daquela. No entanto, o tempo se encarregaria de
mostrar que o Estado tem a propensão de ir além do formato mínimo, chegando ao ponto de
comandar a implantação do capitalismo em alguns países (como a Alemanha e o Japão), de
salvar o capitalismo de crises crônicas (como o crack de 1929), de planejar a macroeconomia
capitalista (Welfare-State e keynesianismo) e até de implantar sociedades basicamente
estatais (casos da sociedade socialista e da sociedade fascista).
Também cita que Hayek, Nozic e Friedman percebem que somente a fórmula
econômica smithiana não é suficiente para conter o Estado como Estado mínimo. Por isso,
utilizam também argumentos extra-econômicos para justificar o Estado mínimo. Hayek e
Friedman enfatizam argumentos políticos e Nozic enfatiza argumentos filosóficos (morais). Dos
três, o único que poderíamos definir a rigor como economista é Friedman, justamente o
menos sofisticado deles, sendo mais um propagandista de velhas fórmulas lesseféricas do que
um inovador. Os outros dois estão mais próximos de serem filósofos e politicólogos do
que economistas. Não obstante esses detalhes que os diferenciam, a preocupação precípua
dos três é a subordinação da política à economia. A primeira somente é aceita para interferir
na segunda se for com o escopo de garantir a integridade da infraestrutura capitalista, na qual
a burguesia aparece como classe dominante.
Este mesmo autor conclui que estes três teóricos neoliberais mostram claramente
uma contradição, de que a democracia pode ser legitimada por um regime autoritário e que
o Estado não deve intervir na economia. Por isso, o laissez faire pode e deve ser utilizado
como instrumento decisivo, o que contraria a tese fundamental de raiz smithiana, segundo a
qual o livre mercado se sustenta por si mesmo como se fosse um ente ontológico, não
necessitando de apoio estatal, sendo este visto como algo maléfico. Assim, a questão liberal é
bem mais complexa do que ela geralmente aparece em discursos de seus seguidores e nas
informações midiáticas. Trata-se de uma questão debatida por grande número de ideólogos e
comentadores dos mesmos desde pelo menos o século XVII, quando Locke lançou seu texto
fundador dessa questão. Entre esses ideólogos se destacam o próprio Locke, Montesquieu,
Rousseau, Hume, Kant, Hegel, Voltaire, Diderot, De Maistre, Robespierre, Benjamin Constant,
Adam Smith, Ricardo, Tocqueville, os federalistas, Stuart Mill, Benthan, Weber, Berlin, Hayek,
Ralws, Nozic e Friedman. Cada um destes teóricos, além de vários outros, apresentam
contribuições teóricas que geralmente convergem no todo ou em partes, às vezes não (caso
dos iluministas franceses que serviram de referência para o eclodir da Revolução Francesa),
com as bases liberais lançadas por Locke em seu Segundo tratado sobre o governo civil. Este
livro corresponde a uma sistematização dos fundamentos do liberalismo, baseados no direito à
propriedade privada (da expressão do pensamento, integridade do corpo e de sua extensão,
isto é, os bens materiais, sobretudo os imobiliários). Sistematização essa que alcançou o seu
estágio mais desenvolvido com o livro A riqueza das nações, de Adam Smith. Entre Locke e
Smith, houve um grande desvio liberal representado pelo que Hayek, não sem razão,
denomina false individualism, isto é, os liberais libertários iluministas capitaneados por
Rousseau, Voltaire e Diderot.
Este autor segue dizendo que, n ão obstante esse desvio, o liberalismo conservador,
o true individualism, tornou-se hegemônico, inclusive dentro da Revolução Francesa, em sua
fase termidoriana e, sobretudo, sob a ditadura napoleônica. A segunda contestação - não
propriamente um desvio - sofrida pelo liberalismo conservador se deu no período de
entreguerras, já no século XX, quando Keynes tornou-se um liberal proeminente por conta de
apresentar propostas contrárias ao ideário laissez-faire para a crise global capitalista
provocada sobretudo pelo crash da bolsa de valores de New York em 1929. O keynesianismo,
opondo-se ao liberalismo conservador, que nas décadas de 1980 e 1990 ganharia a alcunha de
neoliberalismo, tornou-se hegemônico entre o fim da Segunda Guerra e começo dos anos
1970, quando o fim do Sistema Financeiro de Bretton Woods, a grande alta do preço
internacional do petróleo e o endividamento externo de grande parte dos países em
desenvolvimento levaram o mundo capitalista a uma nova crise global. Esse momento foi
oportuno para que o neoliberalismo apresentasse saídas efetivas para a crise, baseadas na
redução do Estado, através sobretudo de cortes de investimentos na área social e
privatizações em grande escala, que em pouquíssimo tempo foi decisiva para a redução
drástica da inflação, que era o grande problema a fazer a crise avolumar-se. Com isso, o
neoliberalismo tornou-se hegemônico durante os anos 1980 e 1990, e ainda continua com
muita força, malgrado quase ninguém queira se intitular como seu seguidor ou mesmo
simpatizante. Até governantes que aplicam propostas dessa corrente econômica, política e
filosófica, inclusive alguns que se dizem de esquerda, fazem grande esforço para se esquivar de
serem identificados com algum traço neoliberal.
Friedman, Hayek e Nozick são todos considerados pensadores liberais, mas, a despeito de
serem liberais, não concordam em tudo. Todos eles concordam com a liberdade negativa. Ou
seja, a intervenção do Estado deve ser a mínima e os indivíduos devem ter a máxima
liberdade. Enquanto Friedman e Hayek são liberais clássicos, ou seja, baseiam suas ideias no
utilitarismo (mas não são pensadores 100% utilitaristas), e abandonam o lado ético da
economia e se aproximam do Darwinismo social (zero intervenção do Estado e que os
indivíduos lutam entre si e os mais aptos “sobrevivem”), o Nozick é um libertário, ou seja,
baseia suas ideias no direito natural, há o entendimento que a liberdade deve ser irrestrita
(teoria marginal da economia – não se trata do utilitarismo filosófico mas sim, do custo vs
benefício, traz ideia econômica e não da felicidade da população).

3- Qual o papel da guerra-fria na constituição do Welfare State, e quais são as


característica do Estado de Bem Estar Social que são combatidas pelas estratégias
neoliberais?

Com dito anteriormente, segundo a Professor Juliana Bezerra, o Estado de Bem-


estar Social foi implementado pelo mundo por causa da crise do Liberalismo, modelo
que pregava a liberdade mercado em relação ao Estado. Portanto, foi uma solução à
crise do início do século XX, da qual a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929 foram
um sintoma. Contudo, estas políticas públicas foram também uma resposta aos
movimentos trabalhistas e ao socialismo soviético, o qual rivalizou com o modelo
Capitalista durante a Guerra Fria. Afinal, era preciso demonstrar qual dos modelos
proporcionava melhor qualidade de vida aos seus cidadãos.
Ou seja, o Estado de Bem-estar Social ou Welfare State idealiza uma gestão estatal
baseada nos princípios do pensamento de Keynes, onde se propagava a intervenção do Estado
diretamente na economia, a ponto de regular a dinâmica do movimento econômico, tais como
a geração de emprego, as movimentações de mercado, no que compreende a demanda de
bem e serviços, entre outros pontos. Esse estágio da política mundial configurou-se em
proposta de assistencialismo com comum acordo com as propostas de crescimento
econômico, sob mediação estatal. Já no que compreende o Estado Neoliberal, leva-se em
consideração um retorno ao pensamento liberal, porém com suas variações, essas mais
voltadas a questão econômica e de mercado. Nessa perspectiva, entende-se que o
neoliberalismo veio como estratégia de contraposição as ideias keynesianas, difundidas pelo
Estado de Bem-estar Social (Welfare State), além de ser contrário a regulação estatal. Apoia-
se o livre comércio, ver a concorrência como fator essencial para movimentação das relações
de mercado, e dá força ao setor privado, além de retirar-se da responsabilidade quanto as
questões sociais (Almeida, 2021).

4- Quais são as medidas centrais desencadeada pelo neoliberalismo no plano


econômico, e que podem comprometer o bem estar social e a própria democracia e
efetivação de direitos fundamentais, em vários contextos societais?

Segundo Marinho e colaboradores, a questão da liberdade tem peso de primeiro


valor: nota-se que a essência doutrinal do Estado liberal se encontra nos fundamentos
da ordem do direito natural, para a qual o Estado germina de um contrato social
instituído entre homens igualmente livres, com o único intento da autopreservação e
da garantia de seus direitos naturais. O liberalismo econômico abanca-se sobre esse
embasamento, ou seja, uma vez que a importância individual se encaixar com o
interesse geral, deve-se, na prática, deixar completa a liberdade de ação aos interesses
privados. O neoliberalismo se assemelha ao liberalismo na questão de blindar o
mercado e defender que o estado não seja o único mantenedor de folhas salariais.
Também se posiciona contra as regulamentações e é a favor do livre mercado e luta
contra a influência dos sindicatos dentro do Estado. O neoliberalismo por mais que
tenha uma base parecida com a do liberalismo, influencia uma economia de forma
diferente, apoiando a grande aplicação de novas tecnologias e principalmente a
abertura de mercado.
De acordo com Bresser-Pereira (2020), a crise do capitalismo neoliberal não tem
apenas uma dimensão econômica, mas também política e ideológica. O que está em jogo não
é apenas a democracia. Por isso, é um equívoco falar em morte da democracia. O que está em
jogo é muito mais. É o crescimento próximo de zero da renda por habitante, a estagnação dos
baixos salários desde os anos 1980, o retorno da instabilidade econômica superada na era
dourada do capitalismo, o contínuo aumento da desigualdade econômica que ocorre desde
então, o aumento do poder de monopólio das grandes empresas por meio de fusões e
aquisições e a falta de demanda que estimule as empresas a investir. O que está em jogo é o
domínio de uma coalizão financeiro-rentista e tecnoburocrática estreita que substituiu a ampla
coalizão fordista. É as pessoas que se viram presas a uma roda viva, a uma competição de
todos contra todos e que as torna profundamente inseguras. É esse mundo implacável de
ganhadores e perdedores, no qual os perdedores não são apenas os pobres, mas também a
baixa classe média de trabalhadores brancos, que, angustiados e inconformados, culpam a
imigração por seus males e recorreram ao populismo para fazer frente ao problema e que não
compreendem que os partidos e os populistas de direita atacam seu emprego e seus salários
diretos e indiretos tão agressivamente quanto o faz o liberalismo econômico em crise. É esse
individualismo sem limites em que se transformou o liberalismo político desde que ele deixou
de ser moderado tanto pelo socialismo popular quanto pelo republicanismo. O que está em
jogo é tudo isso somado.
Este mesmo autor segue dizendo que n esse quadro dominado pelo individualismo,
pela riqueza de poucos e pela pobreza de muitos, as sociedades ricas tornaram-se
heterogêneas, as identidades ganharam relevância, e o nacionalismo étnico voltou a
assombrar e pôr em risco a tolerância e a democracia. E mostrou ainda mais claramente um
fato econômico e outro político. Nenhuma sociedade pode ser sadia se for excessivamente
desigual, se nela não houver um razoável grau de compromisso de um número importante de
cidadãos com a solidariedade e o interesse público, e se não houver uma dialética viva entre
valores sociais e republicanos e o interesse próprio. No quadro de um liberalismo
individualista, os valores morais e os princípios de convivência social perderam relevância, os
cidadãos, os servidores públicos e os políticos passaram a ser vistos como indivíduos que se
preocupam apenas com seus próprios interesses, e a possibilidade da existência de cidadãos e
de políticos solidários e republicanos foi excluída. Eles, porém, existem e, no quadro da
competição capitalista, sabem que é necessário defender os mais fracos, aqueles que não têm
condições de competir. Eles existem e são essenciais para a construção de uma boa sociedade.
Uma sociedade moderna, que não logra enfrentar o problema da desigualdade, nem conta
com cidadãos e políticos republicanos, caminha para a barbárie.
Já Abreu (2017) menciona que ao analisar a conjuntura brasileira, pode-se
identificar a inserção acentuada do neoliberalismo através do esfacelamento dos
direitos sociais, norteado pelos grandes conglomerados financeiros que emanam dos
países capitalistas centrais. Inferindo que o Brasil é um elo intermediário do
desenvolvimento capitalista latino-americano, se fez fundante que este abrisse seu
território para o capital privado internacional. Porém, ao dar espaço a essas camadas
dominantes, estas se colocam numa constante situação de insatisfação em que o
Estado mesmo manobrado por seus trâmites não consegue sucumbir as suas
necessidades vorazes. Nesta perspectiva, o neoliberalismo inicia sua consolidação por
meio de discursos que definem o Estado como ineficaz, corruptível, propulsor de
crises, dispendioso e traz como resposta um projeto messiânico pautado em reformas
a níveis jurídicos, econômicos e sociais, em um sentido que permite maior flexibilidade
nas relações entre as classes.
E ainda cita que ao pensar acerca do ideário neoliberal, percebe-se uma forte
propagação das perspectivas de igualdade e liberdade, que traz a concepção de
oportunidades, por um viés homogeneizador. Todavia, citando Mises (2009, p. 21), enfatiza
que “o liberalismo sempre se voltou para o bem do todo, e nunca para o bem de quaisquer
grupos especiais”, tal entendimento nega a perspectiva de classes sociais. Refletindo a inércia,
conformidade, naturalização de uma realidade posta, inviabilizando o questionar-se sobre
novas possibilidades de resistência numa sociedade capitalista.
Professor Eduardo Getão, citando Sella (2002, p.66), enfatiza que há várias causas que
provocam o fenômeno da exclusão social. O primeiro, o trabalho precário no aspecto formal
que provoca a perda dos direitos trabalhistas. Trabalhadores sem carteira profissional com
trabalho sem vínculo empregatício com a ausência dos direitos e privilégios do empregado. Em
segundo, o desemprego crescente, que é estrutural, oriundo do sistema capitalista neoliberal,
porque exclui do mercado formal através da automação, descartando a mão-de-obra e
desempregando mais trabalhadores. O trabalho informal é outro aspecto da exclusão, o qual é
uma economia de sobrevivência gerada pelo desemprego. É o emprego sem registro, sem
pagamento de impostos e sem garantias. Em quarto, a miséria moderna que é conseq uência
do processo moderno da produção de riqueza. Para o autor, o capitalismo neoliberal gera os
mais pobres dos pobres, os miseráveis, os excluídos absolutos, os sem nada, os descartáveis.
Em quinto, a eliminação física dos excluídos, que acontece através da morte “matada ou
morrida”. A morte “matada” é quando o pobre acaba sendo massacrado pela violência dos
ricos poderosos, são eliminados. A morte “morrida” acontece porque o excluído não tendo
condições de viver, entra em deteriorização física através da fome e doença gerando
finalmente a morte. Em último, apartação social para os pobres que não podem ser
eliminados. São aqueles colocados fora do lugar social dos ricos, segregados em lugares
afastados, onde não podem ser vistos e nem interagidos.
Este mesmo autor ainda cita que o sistema neoliberal é um dos responsáveis da
exclusão social. Ele é um sistema econômico imposto à humanidade através de sua política e
de seu horizonte cultural religioso. É uma ideologia fundamentada na estruturação de uma
economia voltada exclusivamente à vantagem individual ao lucro, colocando tudo num
aspecto instrumental e transformado qualquer ser vivo em simplesmente em mercadoria. O
objetivo do lucro legitima a possibilidade de explorar, violentar e destruir a humanidade, bem
como o meio ambiente. No sistema neoliberal o bem real é individual. Não existe o bem
comum na forma comunitária. Ele acontece através do bem privado. O instrumento para
alcançar a vantagem individual é o mercado livre.
Adicionalmente, é importante salientar que Hayek não hesita em escolher o
liberalismo diante dos riscos da democracia. Segundo este autor, “há um conflito
irreconciliável entre democracia e capitalismo – não se trata da democracia como tal,
mas de determinadas formas de organização democrática. Agora tornou-se indiscutível
que os poderes da maioria são ilimitados e que governos com poderes ilimitados
devem servir às maiorias e aos interesses especiais de grupos econômicos. Há boas
razões para preferir um governo democrático limitado, mas confessa que prefere um
governo não democrático, limitado pela lei, a um governo democrático ilmitado (e,
portanto, essencialmente se lei) (Luiz Gonzaga Beluzo, 2020).
Segundo Carneiro e Gambi (2018), citando Tarragó et al. (2015), na economia, o
que as políticas neoliberais trouxeram ao defender ajustes fiscais severos e cortes dos
gastos estatais foram programas de estabilidade que, em vez de produzir o
crescimento econômico, causaram recessão. Na administração pública, o
gerencialismo voltou-se para a gestão interna negligenciando a necessidade de
participação social. O fortalecimento do mercado e a adoção das receitas
preestabelecidas fizeram com que governos eleitos não necessariamente governassem
de acordo com as demandas dos eleitores, já que estavam sujeitos ao poder
econômico. Sindicatos de trabalhadores e redes de proteção social foram
enfraquecidos. Aos poucos, anunciou-se uma crise de legitimidade em que a política
passou a ser vista mais como problema do que solução, uma vez que a sociedade via
seu poder de influência se reduzir e sua participação se restringir, praticamente, nas
votações periódicas.
Estes autores continuam dizendo que no neoliberalismo, a democracia não é um
valor em si, já que o essencial seria a liberdade econômica dos indivíduos. Além disso,
trata-se de uma democracia formal relativa à possibilidade de votar e ser votado, ou
seja: democracia de equilíbrio. Esperava-se o progresso econômico e social como
resultado da democracia formal e liberdade econômica, entretanto, o que se verificou
até a crise econômica de 2008 foi o aumento da desigualdade de renda e a intromissão
cada vez maior de grandes corporações no ambiente das decisões políticas. Com a
crise dos Estados, os chamados mercados começaram a ditar, quase sem contrapeso, o
que os governos presumivelmente soberanos e democráticos deveriam fazer. O
processo de financeirização da economia mundial, resultante em boa medida da
política neoliberal de desregulamentação financeira, esvaziou a autonomia dos Estados
na definição da política econômica.
Em suas considerações finais, esclarecem o seguinte:

A democracia liberal pode configurar um padrão específico de desenvolvimento


econômico capitalista com perfil socialmente inclusivo e amenizar as tendências à
desigualdade e à exclusão social como se deu com o Estado de bem-estar social
montado na segunda metade do século XX. Entretanto, a mesma democracia liberal
pode justamente reforçar o círculo da desigualdade e exclusão social. Por isso,
acreditamos não ser possível compreender a democracia fora do quadro econômico
geral. A ideologia neoliberal interrompeu a preocupação com a desigualdade e o
próprio desenvolvimento social, defendidos pelo Estado de Bem-Estar Social,
mormente nos países em desenvolvimento, e transferiu ao mercado e ao indivíduo
atomizado a solução das mazelas da sociedade. O resultado das políticas neoliberais
para a democracia, sobretudo com o reforço da desigualdade social, foram as graves
crises de representação e legitimidade verificadas no final do séc. XX e início do séc.
XXI, que comprometem sua própria sobrevivência. Diante da crise democrática,
surgiu o debate sobre as alternativas à democracia liberal e representativa. A
participação social apareceu invariavelmente como opção para solucionar a crise.
Canais de diálogo institucionalizados, inclusivos e participativos, apareceram nesse
contexto como meio de operacionalizar a participação social, como os Conselhos
Econômicos e Sociais.
De fato, o diálogo social se mostra essencial para tentar encontrar pensamentos
inovadores, para além de políticas neoliberais como os ajustes fiscais, possibilitar a
concertação social e motivar a participação dos cidadãos nas decisões políticas. Mais
do que isso, faz-se necessária a rediscussão do aspecto moral da democracia, sem se
centrar apenas em procedimentos. Para que isso ocorra, é importante a redução da
desigualdade política e a garantia de sistemas sociais, com a inclusão da sociedade civil
no processo de escolha das políticas públicas.
Entretanto, no contexto neoliberal, mesmo o diálogo social institucionalizado talvez
não seja suficiente para superar a democracia meramente formal, porque os espaços
de diálogo tendem a ser cooptados, dada a ampliação da força do mercado sobre a
política, e reproduzir as políticas neoliberais legitimadas apenas formalmente pelo
voto. O neoliberalismo está na raiz do problema porque, ao reproduzir e aprofundar
a desigualdade social e reduzir a regulação estatal, libera o poder econômico para
capturar de diversas maneiras os representantes, interromper diálogos alternativos e
contaminar os espaços democráticos representativos, além de torná-los instâncias
meramente legitimadoras de seus interesses. A experiência dos conselhos
econômicos e sociais parece sinalizar os limites do diálogo social institucionalizado.

5- Explique as várias correntes de interpretação do neoliberalismo: foucaultiana,


marxista, weberiana, Bourdieriana, neoregulacionista, pós-colonial e
neoinstitucionalista? (texto Daniel Pereira)

Foucault:
Foucault analisou o neoliberalismo a partir de duas artes de governo históricas: o
ordoliberalismo alemão e o neoliberalismo americano. Em ambos os casos, o
neoliberalismo não se constitui como princípio limitador, mas como fundador do
Estado. No caso dos ordoliberais, trata-se de governar a sociedade em nome da
economia, construindo institucional e legalmente os frágeis mecanismos
concorrenciais do mercado de modo a evitar a concentração econômica, a favorecer as
empresas médias, a multiplicar o acesso à propriedade, a erigir as coberturas sociais
do risco e a regulamentar o meio ambiente. O Estado deve, assim, generalizar a forma
empresa no interior do tecido social de modo que o próprio indivíduo se torne uma e
participe ativamente das decisões em seu trabalho. No caso dos neoliberais
americanos, procura-se estender a grade de inteligibilidade econômica para todas as
dimensões sociais, generalizando a noção de capital humano como princípio decifrador
dos comportamentos e das relações. O indivíduo torna-se governável por meio de seu
cálculo econômico interno e pela definição das regras ambientais do jogo, ao mesmo
tempo em que o próprio Estado se submete a um tribunal econômico permanente,
que julga as ações públicas segundo critérios de rentabilidade.
Marx:
Segundo a abordagem estrutural marxista, o neoliberalismo é definido como
estratégia política que visa reforçar uma hegemonia de classe e expandi-la
globalmente, marcando o novo estágio do capitalismo que surgiu na esteira da crise
estrutural da década de 1970. O neoliberalismo se caracteriza por uma ordem social
em que uma nova disciplina é imposta ao trabalho e novos critérios gerenciais são
estabelecidos, servindo-se de instrumentos como o livre comércio e a livre mobilidade
de capital. Esse modelo legitima-se ideologicamente por meio de uma teoria político-
econômica que afirma o livre mercado como garantidor da liberdade individual de
empreender e que confere ao Estado o papel mínimo de preservar a ordem
institucional necessária. A crescente desigualdade se justificaria como meio de
estimular o risco dos empreendedores e a inovação, elementos centrais da
competitividade e do crescimento econômico. A importância da ideologia é
superestimada por uns, que a consideram uma nova hegemonia internacional capaz de
se impor até aos partidos de esquerda, e subestimada por outros, que a consideram
desimportante, em razão da obviedade da relação com as hierarquias de classe.
Weber:
Na linha teórica de Max Weber, destaca-se o trabalho de William Davies (2014).
Ao analisar o governo da Terceira Via britânica da década de 1990, Davies nota que
não havia uma redução do Estado, mas uma expansão das políticas públicas no
sentido de melhorar a “competitividade nacional”. A legitimidade dos objetivos
perseguidos dependia de sua conformidade com formas de racionalidade econômica
baseadas no livre mercado e em uma retórica assentada na prioridade dos
“consumidores”, da “eficiência” e da “competição”. O crescimento do Estado se dava
pela constante avaliação, medição e crítica realizada por redes de consultores e
especialistas que passam a relacionar economistas acadêmicos, agências
governamentais, agências reguladoras e think tanks.
Davies (20214) segue enfatizando que da perspectiva neoliberal, o preço provê um
ideal lógico e fenomenológico de como as relações humanas podem ser mediadas sem
se recorrer à retórica e à performatividade políticas. A linguagem do “bem comum” e
do “público” é aparentemente substituída por instrumentos econômicos técnicos
que reduzem situações complexas a um número, dando origem às dimensões
experimentais e construtivistas do neoliberalismo. O Estado não necessariamente
cede poder aos mercados, apenas justifica suas decisões, políticas e normas em termos
comensuráveis com a lógica do mercado. Nesse sentido, “neoliberalismo pode ser
definido como a elevação dos princípios baseados no mercado e das técnicas de
avaliação ao nível de normas de aprovação do Estado”. As novas autoridades são os
especialistas que estabelecem as regras e as arenas de competição, que desenvolvem
técnicas de pontuação e ranqueamento e que oferecem consultorias para
competidores em ambientes imprevisíveis (regulador, risk manager, estrategista,
coach e gurus).

Bourdieu:

A visão de Bourdieu foi exposta nos dois volumes da coletânea Contrafogos (1998
e 2002), cujo artigo mais sistemático é “Neoliberalismo. Esta utopia, em vias de
realização, de uma exploração sem limite”. Nesse texto, Bourdieu considera a
concepção do mercado autorregulador como uma utopia da teoria econômica
convertida em projeto político, embora seja apresentada como mera descrição
científica do real (Bourdieu, 1998: 135). A visão idealizada do mercado é construída de
maneira lógico-dedutiva na teoria pura neoclássica, por meio de modelos matemáticos
que raramente são colocados à prova e que desdenham as ciências históricas. Os
economistas são inclinados assim a confundir “as coisas da lógica com a lógica das
coisas” (Bourdieu, 1998: 135-136 e 144). Ao partir de pressupostos falsos, reduzem a
racionalidade à concepção estreita da racionalidade individual, ignorando as condições
sociais que produzem a disposição calculadora (Bourdieu, 1998: 136). Essa teoria
dessocializada e des-historicizada, embora errônea e falha, acaba por tornar-se
verdadeira por se vincular a interesses e decisões de acionistas, operadores
financeiros, industriais, políticos conservadores ou social-democratas convertidos e
altos funcionários das finanças (Bourdieu, 1998: 137-138). O conhecimento científico
converte-se então em programa político, procurando criar as condições de
funcionamento da “teoria”. Se a teoria lida apenas com indivíduos, é preciso destruir
as estruturas coletivas capazes de resistir à lógica do mercado (nação, sindicatos,
grupos de trabalho, cooperativas e associações). A própria política tende a ser
dissolvida, de modo a permanecer submetida aos mercados financeiros globais e a
retirar as regulações capazes de atrapalhar a livre maximização do lucro. O programa
neoliberal tende assim a favorecer globalmente a ruptura entre a economia e as
realidades sociais, e a construir desse mundo, na realidade, um sistema econômico
ajustado à descrição teórica, isto é, uma espécie de máquina lógica, que se apresenta
como uma cadeia de constrangimentos enredando os agentes econômicos (Bourdieu,
1998: 138).
Bourdieu ainda segue dizendo que os efeitos da utopia neoliberal sobre o mundo
real são conhecidos: sofrimento, desigualdade, desaparecimento dos universos
autônomos de produção cultural, destruição das instituições coletivas e darwinismo
moral (Bourdieu, 1998: 144-145). A análise do neoliberalismo operou um
deslocamento na obra final de Bourdieu (Bourdieu, 2001; Laval, 2018). Ao manter o
mesmo esquema conceitual anterior, o autor o reativa para pensar a nova estrutura da
dominação social e a formação histórica das disposições necessárias à inclusão na
economia capitalista. No neoliberalismo, a sociedade francesa passou a uma estrutura
na qual a ciência econômica tomou o lugar da filosofia, o capital econômico ganhou
em importância frente ao capital cultural, a mídia tomou o terreno da escola no
exercício da “violência simbólica” e o Estado foi cada vez mais controlado pela alta
função pública fundida com dirigentes financeiros. Como o neoliberalismo estende a
lógica econômica a todos os campos – assentando-a como a racionalidade em geral –,
Bourdieu procurou mostrar a gênese social dessas disposições e da autonomização do
campo econômico. Sua teoria do habitus passou a operar como suporte metodológico
da desconstrução histórica dos valores da conduta econômica racional, desfazendo o
idealismo universalista que permite à teoria econômica produzir evidências e
estabelecer leis pretensamente neutras, mas politicamente eficazes.

Definição neorregulacionista:

Segundo a abordagem neorregulacionista de Jamie Peck (2010), o neoliberalismo é


marcado por sua natureza contraditória de governo de mercado assistido
politicamente. Ele é crítico ao Estado e, ao mesmo tempo, tem por objetivo principal
capturá-lo e transformá-lo. Como a visão utópica de uma sociedade baseada no
mercado autorregulável é inatingível, o neoliberalismo constitui-se como zona de
audaciosa experimentação e de fracasso, impondo uma rerregulação envergonhada
por parte do Estado e a preservação de formações previamente existentes. Essa
reestruturação híbrida permite que o neoliberalismo, diante das crises, sempre volte a
acusar o Estado e as instituições heterogêneas pelas falhas de seu projeto, o que lhe
permite seguir errando adiante. Por isso o que importa é o processo aberto e
contraditório de restruturação regulatória que marca a neoliberalização. Esse tipo de
projeto intervencionista não é teleológico, ao contrário do que sugerem os rankings de
liberdade de mercado propostos por think tanks internacionais. Nem mesmo o modelo
americano pode ser tomado como referência, pois o neoliberalismo é polimórfico. Não
é possível antecipar a forma que o Estado irá assumir, sendo necessário analisá-lo
histórica e geograficamente. O único modo de compreender o fenômeno é seguir os
movimentos que se desenrolam na triangulação entre ideologias, políticas e práticas
institucionais.
Peck segue explicando que a posição revisionista diante da experiência do século
XIX é que confere ao neoliberalismo o seu caráter de “neo”, adicionando ainda que se
trata de um projeto em permanente reinvenção em razão de seu dinamismo marcado
por inovações, correções e crises. As neoliberalizações são marcadas por três
processos de aprofundamento e aumento de complexidade que moldam as
particularidades geográficas. Primeiro, o processo passa por momentos de retração e
de expansão. Na fase de retração, realizam-se desmontes de instituições alheias à sua
lógica, desorganizando centros alternativos de poder, desregulamentando zonas de
controle burocrático e disciplinando sujeitos coletivos potencialmente ingovernáveis. É
o momento das privatizações, ataques a sindicatos, cortes orçamentários e
downsizings. Como não se realiza a esperança de que o mercado autorregulador venha
a preencher automaticamente esse vácuo, essa fase logo encontra o seu limite. É
assim que o neoliberalismo é obrigado, no momento seguinte, a dar início a um
processo de expansão, visando intervir socialmente, realizar melhorias e regulamentar
o mercado. Essa é a fase de incursões regulatórias de conformação ao mercado, como
o empoderamento de ONGs e de comunidades como provedores de serviços não
estatais, a gestão por auditoria e por governança, as parcerias público-privadas etc.
Além da disfuncionalidade do desmonte e das falhas de mercado, a reconstrução da
governabilidade neoliberal se dá também por conta da reverberação da nova
regulação sobre outros suportes institucionais e políticos previamente existentes,
articulando-se na construção de híbridos.

Pós-colonial:

A abordagem pós-colonialista do neoliberalismo insiste na crítica à generalização


de processos típicos dos países desenvolvidos como paradigma geral, o qual se imporia
até mesmo a realidades do Terceiro Mundo.
As concepções do neoliberalismo são moldadas pela especificidade do Estado. O estudo
do aparelho em países africanos, por exemplo, permite descentrar a análise na medida em que
revela características bastante diferentes do neoliberalismo ocidental. Onde o Estado de bem-
estar era praticamente inexistente, a implementação não pôde ocorrer como desmonte. Além
disso, o neoliberalismo é certamente um elemento maior, mas permanece como apenas um
dos elementos que ajudam a determinar a configuração de um Estado. Como não há
correspondência perfeita entre teoria e prática neoliberal, mesmo uma teoria que tenha
ambições universais precisa se reconfigurar em função da realidade histórica, social e
econômica com a qual se depara. Por isso, o impacto não é homogêneo. Se em toda parte o
Estado foi reestruturado, a história particular de cada aparelho afetou profundamente essa
reestruturação, sendo fundamental para explicar as variações na aparentemente estrutura
neoliberal comum

Hibridismo governamental:

Segundo pode ser observado no texto de Daniel Pereira Andrade, o hibridismo


governamental não considera o neoliberalismo como sistema e sim um conjunto
migratório de práticas que se adaptam a diversas situações e que participam de
mutantes configurações de possibilidade. A análise do agenciamento foca os
ambientes em que as lógicas de governo neoliberais são seletivamente adotadas, de
modo a verificar empiricamente como elas interagem de forma dinâmica com
constelações locais, em um jogo entre o neoliberalismo como exceção e as exceções
ao neoliberalismo. Esse jogo engendra um novo ambiente que não se enquadra nos
modelos estruturais generalizantes.
Segundo este mesmo autor, o objetivo é difundir uma subjetividade
empreendedora em sujeitos de elite, aumentando sua capacidade de fazer escolhas na
indústria da informática. No entanto, não ocorre uma universalização dessa cidadania
autoempreendedora que vai competir no mercado global do conhecimento. Essa estratégia
define seus alvos seletivamente, reconfigurando economicamente a cidadania e a distribuindo
de maneira desigual. Desse modo, espaços high-tech passam a existir em meio a nações
agrícolas. Define-se uma exceção, ou seja, o exercício estratégico e situacional do poder
soberano, que é utilizada para recortar livres gestores de si mesmos a conviverem ao lado de
populações sob governos autoritários. Mas, nessa convivência, os autoempreendedores
acabam tornando-se patrióticos em razão de sua dependência do Estado, enquanto outros
trabalhadores reivindicam proteção contra a espoliação capitalista. Na mistura do
neoliberalismo como exceção e da exceção ao neoliberalismo, o espaço e as populações
acabam sendo fragmentados e recombinados, chegando a resultados imprevisíveis, nem
sempre condizentes com expectativas liberais.

6- Como o Chile de Pinochet, os EUA de Ronald Reagan e a Inglaterra de Margareth


Thatcher se relacionam com o neoliberalismo?

Pinochet

Segundo informou a reportagem publicada na BBC News em 2019, o golpe de Estado que
depôs o presidente socialista Salvador Allende em 1973 e iniciou o governo do general
Augusto Pinochet marcou um ponto de inflexão na economia chilena. No lugar do Estado de
bem-estar social e regulador, foi ganhando força um projeto macroeconômico de viés
desestatizante - que nos primeiros anos da era Pinochet ocasionou um 'boom' na economia,
pois as medidas iniciais ajudaram a estabilizar o caos da economia socialista -, liderado por
grupo de jovens economistas apelidados jocosamente de "Chicago Boys". Nesta guinada
neoliberal sob Pinochet, conviviam relativas liberdades econômicas e repressão violenta a
direitos civis.
Esta mesma reportagem informa ainda que ocorreram privatizações, abertura ao
mercado externo, reforma trabalhista e redução do gasto público e do papel do Estado em
áreas-chave, como saúde e educação. As sementes da implementação dos itens dessa cartilha
desestatizante foram plantadas pelos Estados Unidos duas décadas antes no Chile. O contexto
geopolítico da Guerra Fria favoreceu a transformação do Chile em uma espécie de laboratório
neoliberal por quase uma década, com influência até hoje na economia chilena, a exemplo da
obsessão com equilíbrio fiscal e controle inflacionário.
Porém, Nair Costa Muls informa que as manifestações que ocuparam as ruas das
diferentes cidades chilenas, algumas delas com mais de um milhão de pessoas, retrataram o
esgotamento do modelo neoliberal no Chile, aplicado em fins da década de setenta, início dos
anos oitenta, no governo Pinochet, com a ajuda de economistas da Escola de Chicago, aí se
incluindo o nosso Paulo Guedes, que, hoje, defende a aplicação do mesmo modelo no Brasil.
Visto como um caso de sucesso pelos defensores do neoliberalismo, com um crescimento do
PIB jamais visto (mais de 4%), o desenvolvimento do Chile e o seu crescimento era, no entanto,
destinado a poucos. A maior parte da população chilena, sobretudo os trabalhadores, vivia
numa situação de endividamento crescente. O modelo, na realidade, não garantia uma
sociedade justa.
Este mesmo autor segue enfatizando que o neoliberalismo de Pinochet ocasionou salários
baixos; destruição dos direitos trabalhistas; jornadas de trabalho de 45 horas, férias de 15 dias,
30 minutos de almoço; sindicatos quase que totalmente desorganizados e sem força de
negociação. Além disso, os mineiros e os índios mapuche foram os que mais sofreram: os
primeiros, com os problemas acrescidos pelas consequências nefastas da mineração (doenças
pulmonares, musculares e psicológicas) que, inclusive, afetaram a organização e coesão
familiar; os segundos, por suas terras terem sido objeto de cobiça e frequentes disputas.
Também, foram observadas privatização dos serviços públicos e de setores importantes da
economia. Essas políticas neoliberais acabaram resultando em concentração de renda. Apenas
um grupo movimentava a economia, enquanto se observava a necessidade de estímulo para
as outras classes consumirem.

Ronald Reagan

De acordo com Daniel Neves Silva, o governo de Reagan destacou-se pela implantação de
medidas neoliberais e pela imposição de práticas que visavam ao combate do comunismo fora
dos EUA. Reagan reduziu impostos, bem como diminuiu as regulamentações para o meio
ambiente e para a economia. Além disso, reduziu gastos com programas sociais de auxílio à
população mais pobre. Essas medidas, na prática, resultaram em aumento da exploração sobre
o trabalho, redução de salários e aumento da disparidade social (ricos ficaram mais ricos e
pobres ficaram mais pobres).
Antônio Gasparetto Júnior menciona que o Neoliberalismo ganhou força e visibilidade
com o Consenso de Washington, em 1989. Na ocasião, a líder do Reino Unido, Margareth
Thatcher, e o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, propuseram os procedimentos
do Neoliberalismo para todos os países, destacando que os investimentos nas áreas sociais
deveriam ser direcionados para as empresas. Esta prática, segundo eles, seria fundamental
para movimentar a economia e, consequentemente, gerar melhores empregos e melhores
salários. Houve ainda uma série de recomendações especialmente dedicadas aos países
pobres, as quais reuniam: a redução de gastos governamentais, a diminuição dos impostos, a
abertura econômica para importações, a liberação para entrada do capital estrangeiro,
privatização e desregulamentação da economia.
Segundo este mesmo autor, o objetivo do Consenso de Washington foi, em certa medida,
alcançado com sucesso, pois vários países adotaram as proposições feitas. Só que muitos
países não tinham condições de arcar com algumas delas, o que gerou uma grande demanda
de empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Logo, criava-se todo um sistema de
privilégios para os países desenvolvidos, pois as medidas neoliberais eram implementadas sob
o monitoramento do FMI e toda essa abertura econômica favorecia claramente aos países
ricos, capazes de comprar as empresas estatais e de investir dinheiro em outros mercados. Por
outro lado, o argumento de defesa do Neoliberalismo diz que a abertura econômica é benéfica
porque força à modernização das empresas.
Outra característica marcante é a observada na publicação no site Stoodi. Conforme se lê
na publicação, os Estados ao sair da Crise do Petróleo, se vê com altos gastos devido à Guerra
do Vietnã e a população norte-americana percebeu um certo declínio econômico no país.
Ronald Reagan, então, aproveitou o contexto para ligar sua imagem à recuperação da
confiança do povo norte-americano. De certa maneira ele conseguiu recuperar a economia dos
Estados Unidos. Em contrapartida, viu o país se afundar em uma crise social com altos índices
de criminalidade, consumo de drogas e de Aids. O governo de Ronald Reagan apoiou ditaduras
com interesses neoliberais em países como o Chile e a Nicarágua. Fez um bloqueio econômico
à Cuba e chegou a apoiar o governo da África do Sul. Reagan acreditava firmemente no vale-
tudo do mercado capitalista, e tal como Margaret Thatcher, foi pioneiro do neoliberalismo:
diminuiu impostos dos mais ricos, cortou gastos governamentais em saúde, educação e
assistência social. Para estimular a indústria privada, o governou começou a fazer gigantescas
encomendas à indústria de armamentos.
Nesta mesma publicação é possível observar mais o seguinte:
Como vimos, a doutrina neoliberal foi capaz de modernizar e estruturar a economia de diversos países de primeiro
mundo. Garantiu o desenvolvimento econômico de grandes potenciais mundiais, trouxe prosperidade para
empresários e competitividade de mercado. Porém, muitas dessas mudanças passaram por cima das políticas
sociais, causando o desemprego, a fome e a miséria de vários povos em países subdesenvolvidos. Numa tentativa
exacerbada de implantar o modelo econômico, vários países sofreram com ditaduras militares e a perda de suas
riquezas naturais em detrimento do enriquecimento de grandes empresários. Se, de um lado, o neoliberalismo
trouxe progresso e modernização na prestação de serviços, no acesso aos bens materiais, por outro lado,
deixou famílias desempregadas, sujeitas à fome e ao descaso do Poder Público . Muitas políticas sociais foram
extintas em nome da maior lucratividade.

Margaret Thatcher

Margaret Thatcher ficou conhecida por sua política de pouca intervenção do Estado na
economia. A polêmica dama de ferro ficou no cargo de primeira-ministra britânia entre 1979 e
1990, durante o período adotou medidas para cortar os gastos públicos e apoiou a auto-
regulamentação do mercado. O governo de Thatcher foi responsável por privatizar grande
parte do setor público. Durante o período, o desemprego cresceu e os sindicatos ficaram
enfraquecidos (site Educação Globo).
Segundo Leandro Carvalho, "Thatcher foi a primeira mulher que ocupou o cargo de
Primeiro-Ministro britânico. Logo no início do seu mandato, efetivou uma série de medidas e
mudanças, anunciou um plano para a redução dos impostos e passou a controlar e a realizar
reformas institucionais nos sindicatos trabalhistas. Essas reformas lhe valeram o apelido de
“Dama de Ferro”. A Primeira-Ministra permaneceu no cargo de 1979 até 1990, ou seja, ocupou
o cargo por 11 anos. Nos primeiros cinco anos, suas medidas e estratégias de governo não
resultaram em melhorias na economia britânica; ao contrário, muitos estudiosos disseram que
a Grã-Bretanha entrou num momento de maior recessão econômica. Entretanto, outros
estudiosos, que compactuam com uma visão política liberal-conservadora, defenderam
veemente o governo de Thatcher.
Consoante este mesmo autor, os primeiro cinco anos do primeiro mandato de Margareth
Thatcher foram bastante conturbados, por sua política anticomunista. O primeiro governo de
Thatcher ficou marcado por diversas greves e manifestações dos sindicatos trabalhistas. Mas
sua intervenção nas Guerras das Malvinas (Guerra entre Inglaterra e Argentina), em 1982,
aumentou sua popularidade. Thatcher conseguiu sua primeira reeleição em 1984 em
decorrência desse fato. Após o primeiro mandato, Thatcher promoveu um programa de
privatizações das empresas estatais e continuou combatendo de forma radical os movimentos
sindicais trabalhistas. A Primeira-Ministra britânica tornou-se uma das precursoras do
neoliberalismo.

7- Qual é o papel do Keynesianismo expresso na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da


Moeda na constituição das políticas do New Deal e na mudança do Estado Liberal
para o Estado Social apontando as características centrais da visão econômica
Keynesiana, e como se relaciona com a crise de 1929. (texto Daniel Pereira)

De acordo com Jhonattan Henrique, a doutrina Keynesiana ficou conhecida como uma
“revisão da teoria liberal”. Nesta teoria, o Estado deveria intervir na economia sempre que
fosse necessário, a fim de evitar a retração econômica e garantir o pleno emprego. De acordo
com Keynes, a teoria liberal-capitalista não disponibiliza mecanismos e ferramentas capazes de
garantir a estabilidade empregatícia de um país. Segundo Keynes, o poder público deveria
investir em áreas em que as empresas privadas negligenciavam. Para Keynes, o Estado deveria
intervir em áreas em que as empresas privadas não podem ou não desejam atuar; deve haver
oposição ao sistema liberal; redução de taxas de juros; equilíbrio entre demanda e oferta;
garantia do pleno emprego e introdução de benefícios sociais para a população de baixa
renda, a fim de garantir um sustento mínimo.
Este mesmo autor segue enfatizando que com a “grande depressão”, ficou claro que o
liberalismo clássico, sozinho, não foi capaz de garantir o pleno emprego. Em 1932, com a
quebra da bolsa de valores e com uma grande crise financeira, o presidente Franklin Delano
Roosevelt, baseado nos princípios defendidos por John, implementou o famoso plano “New
Deal”, visando tirar o EUA da retração econômica. De fato, o plano funcionou. Além da
intervenção estatal, o plano estabelecia o controle na emissão de valores monetários, o
investimento em setores básicos da indústria e, claro, políticas de criação de emprego. Com a
implementação de uma série de ações que conciliaram as questões econômicas e sociais,
foram criadas as bases do chamado welfare state (Estado de Bem-Estar Social).
O Estado de bem-estar social, frisa-se, defende a estatização de empresas em setores
estratégicos, a criação de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Para tanto, o Estado
necessita interferir na economia, regulando-a para impedir monopólios, gerar emprego e
renda, construindo infraestruturas. Por conseguinte, as jornadas de trabalho são de 8 horas, o
trabalho infantil é proibido e os trabalhadores possuem direito a seguro-desemprego e à
Previdência Social. O Estado de Bem-Estar Social é visto como uma forma de combate às
desigualdades sociais, na medida que promove o acesso dos serviços públicos a toda
população (Juliana Bezerra, Professora de História).
Bons resultados foram alcançados através do new deal. Porém, ele perdeu espaço no final
de década de 1970 quando o neoliberalismo surgiu com novas propostas, como a abertura
comercial internacional e a privatização de empresas estatais. Estados Unidos, Chile e Reino
Unido foram os primeiros países a adotarem o neoliberalismo. Os preceitos defendidos
por Keynes só voltaram aos holofotes com a grande crise de 2008, ocasião em que as
principais economias do mundo se viram diante da necessidade de evitar uma situação
semelhante à recessão americana de 1929.
Jhonattan Henrique ainda explica que muitos autores criticavam a doutrina keynesiana
alegando que se tratava de uma teoria “socialista”. Apesar de ser contra o sistema liberal, cabe
ressaltar que John Keynes nunca defendeu a estatização da economia, mas, sim, a participação
do estado para suprir necessidades que o sistema privado não atendia.

8- Como se dá a constituição do Estado Social no início do século XX


contextualize também as condições conjunturais que formularam esse Estado Social
como a presença de grandes partidos de massa. (Texto Adriana Timóteo)

Segundo informações extraídas do site Significado, no contexto das políticas sociais, o


Estado é, historicamente, classificado em três períodos distintos: Estado liberal, Estado social e
Estado neoliberal. O Estado de bem-estar social está inserido no segundo momento e é fruto
de diversas transformações ocorridas ao longo do tempo. De forma gradual, governos ao redor
do mundo passaram a assumir a responsabilidade de garantir o bem-estar da população
através de medidas ativas.
O surgimento do Estado de Bem-estar Social é frequentemente atribuído a uma série de
transformações ocorridas nas sociedades a partir do século XIX. Da luta de classes que
culminou em novos direitos aos trabalhadores à socialização da política, a responsabilização do
Estado pela qualidade de vida dos cidadãos chegou ao ápice no século XX. Revoluções
socialistas (como a ocorrida na Rússia em 1917) despertaram esse interesse não somente em
seus países, mas também naqueles que seguiam o modelo capitalista. Para estes, a ideia era
que, com a classe operária satisfeita, o risco de que a mesma se organizasse em torno do
socialismo se tornaria menor. Seguindo o período, a Grande Depressão de
1929 (frequentemente colocada como resultado das políticas econômicas liberais adotadas até
então) serviu como “cereja do bolo” para a adoção do Estado de Bem-estar Social em países
de maior expressão. Prova disso é o New Deal, conjunto de medidas sócio-econômicas
implementadas nos Estados Unidos ainda na década de 1930 (site Mais Retorno).
Breve contextualização histórica (por site ONZE): Após a Primeira Guerra Mundial, muitos
países se encontravam em uma situação bastante delicada. A economia estava enfraquecida e
o poder de consumo da população havia diminuído. Então, em 1929, veio uma grande
recessão econômica que atingiu o mundo todo. Esse período ficou conhecido como a Grande
Depressão e durou até o término da Segunda Guerra Mundial, no início de setembro de 1945.
Por conta de todos os problemas enfrentados pelos países, os governantes viram a
necessidade de construir Estados mais fortes, que conseguissem assegurar o bem-estar da
população. Foi então na segunda metade do século XX que o conceito de welfare state ganhou
força e adeptos pelo mundo todo. Entre as primeiras medidas de welfare state adotadas pelo
mundo, é possível destacar a preocupação com o bem-estar dos trabalhadores na Inglaterra,
que implementou políticas de segurança para todos. Já nos Estados Unidos, as primeiras
medidas adotadas visavam aumentar a oferta de vagas de trabalho para a população.
Entretanto, em 1973, houve uma crise de petróleo que afetou diversos países pelo mundo.
Isso fez com que muitas das políticas públicas implementadas passassem a ser muito custosas
para os governos, que alteraram o seu modo de operar até então. Nesse momento, surgiram
os primeiros sinais do novo sistema, o neoliberalismo.
De acordo com Francisco Porfírio, "a teoria neoclássica entende que o livre mercado gera
empregos e que os empregos são suficientes para solucionar os problemas sociais. No entanto,
para que haja empregabilidade, os trabalhadores devem aceitar salários mais flexíveis (baixos)
e condições de trabalho adversas (precárias). "Para Keynes, o Estado deve regular a economia,
regulando os salários e os direitos dos trabalhadores, além de atuar como um órgão que cobra
impostos de todos, inclusive dos empresários, e reverte esses impostos em serviços para a
população, criando um Estado de bem-estar social. O caos deixado pela Segunda Guerra
Mundial fez com que as ideias disseminadas por Keynes, na década de 1930, fossem
implantadas nas grandes potências democráticas ocidentais. No entanto, a partir da década de
1960, as economias dos Estados Unidos e da Inglaterra começaram a cair. Com a queda
econômica agravada, na década de 1970, pela crise do petróleo, essas duas potências
deixaram o keynesianismo de lado e adotaram ideias próximas ao neoliberalismo,
fundamentado por economistas da Escola Austríaca, como Ludwig von Mises, e,
principalmente, da Escola de Chicago, como Milton Friedman. “
Este mesmo autor menciona que "existem inúmeras críticas à ideia de Estado de bem-
estar social desde a fundação dos ideais neoliberais em meados do século XX. Economistas da
Escola de Chicago, como Milton Friedman, argumentam, com certa razão, que o
keynesianismo levaria os Estados Unidos à falência. No entanto, outras medidas de bem-estar
social podem ser entoadas para além do que foi proposto por John Maynard Keynes. No Brasil,
por exemplo, com uma grande maioria da população sem condições de pagar por serviços de
educação e saúde, é impossível pensar em outra realidade que não seja com sistemas de
educação e de saúde gratuitos. Ademais, os maiores índices de desenvolvimento humano
(IDH) do mundo concentram-se nos países nórdicos, que utilizam medidas de Estado de bem-
estar social. O modelo de governo utilizado por lá ficou conhecido, inclusive, como modelo
nórdico."
Leandro Ramos Pereira e Rodrigo Almeida citam que as políticas conhecidas como
‘keynesianas’ foram amplamente utilizadas por partidos, tanto de esquerda quanto de direita,
com objetivos variados, e, apesar da ascensão do neoliberalismo, o ‘keynesianismo’ nunca foi
alijado em sua totalidade, coexistindo até mesmo com políticas econômicas do tipo laissez-
faire.

9- Como as políticas públicas surgem no contexto da guerra-fria nos EUA? (Texto


Adriane Timóteo).
Segundo Adriana Timóteo, as políticas públicas (são mandamentos finalísticos que visam a
concretizar, fomentar a realização de um direito e que não se instituem automaticamente, pois
precisam de um movimento do Estado com a participação da sociedade) tiveram sua origem
nos Estados Unidos como produto da guerra fria. A partir daí desenvolveu-se até chegar ao
conceito contemporâneo (ainda sem consenso), de um ramo da ciência política voltada ao
estudo das ações dos governos; um estudo sobre o que o Estado pretende fazer e o que de
fato faz.
Carlos Gallo explica que com o final das ditaduras civis-militares instaladas na América
Latina no contexto da Guerra Fria, o tema das violações aos direitos humanos praticadas em
nome da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) vem sendo trabalhado, no Brasil
especialmente, com a formulação e implementação de políticas públicas específicas, que
variam conforme cada conjuntura. Enquanto na Argentina, no Chile e no Uruguai foram criadas
Comissões da Verdade nos primeiros anos após a saída das Forças Armadas das estruturas de
poder, o debate sobre o que foi feito na vigência do regime autoritário no Brasil foi silenciado
durante o processo de transição à democracia iniciado no governo do ditador-presidente
Ernesto Geisel (1974-1979).
Este mesmo autor segue dizendo que a transição à democracia no Brasil foi arquitetada e
altamente controlada pelos próprios integrantes do regime militar, garantindo aos setores que
saíam de cena prerrogativas extraordinárias. Mais do que isso, o modo como foi conduzida a
transição possibilitou, ainda, que a impunidade daqueles que violaram os direitos humanos
dos opositores fosse estabelecida (com a edição da Lei de Anistia), e, por outro lado, que
fossem mantidos outros legados do autoritarismo que, de difícil superação, têm induzido o
prevalecimento do esquecimento em detrimento da memória da repressão praticada em
nome da DSN.É devido à existência de legados institucionais e culturais do autoritarismo
convivendo com práticas e instituições democráticas, que integrantes das Forças Armadas
ainda hoje sentem-se à vontade para continuar negando ou silenciando-se a respeito da
repressão bem como sobre a existência de documentos do período ditatorial. Apesar de
limitadas, políticas públicas com vistas ao tratamento e ao enfrentamento do saldo da
repressão no país foram elaboradas e implementadas nas últimas duas décadas. Isso se deve,
por um lado, à consolidação de uma agenda de direitos humanos organizada em um cenário
internacional pós-Guerra Fria e pós-Conferência de Viena mas também, por outro lado, à
constante mobilização de organizações de direitos humanos e de vítimas da repressão. Afinal,
nenhum avanço com vistas à construção da memória da repressão no país foi obtido
gratuitamente. Pelo contrário, para obtê-los tem sido sempre necessário enfrentar vozes
contrárias a estas políticas, que buscam legitimar.
A multiplicidade de abordagens do fenômeno do governo é um dos traços que caracteriza
a policy analisis, na raiz da concepção das políticas públicas, com origem na ciência política
americana, a partir dos anos 1950. No período do pós-guerra, ainda ao influxo dos programas
sociais e de estímulo às empresas dos anos 1930 e 40, ganham relevo os processos de decisão
sobre os programas de apoio públicos. A guerra fria também cria novas questões,
demandando entendimento sobre o fenômeno do soft power, isto é, a força contida,
explicitada em formas de indução de comportamentos e não pelo emprego de coerção,
atributo clássico do poder, no sentido tradicional. Isso determina uma divisão de caminhos na
ciência política e, a partir daí, uma visão dual de politics e policies (Eduardo de Paula).
Conforme pontuam Clóvis e Grazieli, o conceito de Políticas Públicas surge nos Estados
Unidos, racionalizando a atuação do poder público na resolução de tais problemas. Nada mais
é do que o planejamento do Estado na prestação de serviços públicos ao qual está obrigado
pelo texto constitucional. A origem teórica das Políticas Públicas nos Estados Unidos tinha um
viés de racionalização econômica da atuação do Estado, especialmente para teorizar as
políticas do New Deal, mas, com o passar do tempo esta lógica de racionalização do Estado
saiu do aspecto meramente econômico, passando para um planejamento de todas as ações
do Estado. Não existe, na doutrina sobre Políticas Públicas, a formulação de uma Teoria Geral
das Políticas Públicas, válida para todos os setores, mas, existe consenso sobre a existência de
etapas a serem cumpridas em cada formulação de Políticas Públicas. De acordo com as
palavras de Secchi, no prefácio de seu livro, as Políticas Públicas surgiram para “[...] ajudar no
diagnóstico e no tratamento de problemas públicos, assim como a medicina o faz com
problemas do organismo, e a engenharia, com problemas técnicos”. Essa afirmação do
referido autor vem de forma clara e sucinta explicar o motivo pelo qual se discute o tema em
questão, além de identificar seu principal objetivo. Qualquer ação que se faz dentro de uma
organização ou dentro da própria vida humana é pautada por um planejamento, o qual,
quando inexistente ou ineficaz, tende ao fracasso, por isso as Políticas Públicas,
primeiramente, ajudam a diagnosticar qual o problema e posteriormente a apresentar
soluções, porque, se assim não fosse, não haveria razão de ser. As políticas públicas são a
materialização do Estado por meio de diretrizes, programas, projetos e atividades que tem por
fim atender as demandas da sociedade. São chamadas públicas para distinguir do privado, do
particular, do individual, considerando-se a ótica de que o termo público tem uma dimensão
mais ampla e abrange o estatal e o não estatal.
Sendo assim, os autores pontuam que as políticas públicas descobrem-se como
importantes instrumentos de implementação de justiça social, unidade de garantia da
efetividade da norma constitucional ou infraconstitucional, de direitos e garantias
fundamentais de direito social (especialmente durante o período pós-guerra, no qual vários
direitos fundamentais foram feridos). A justiça social exige, muito mais que a afirmação formal
em documentos jurídicos ou políticos, uma política pública que a desenvolva.

10- Como a Cepal modula uma perspectiva diferente para o desenvolvimento dos países
da América Latina? (texto Adriana Timóteo)

A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em
Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir ao desenvolvimento econômico da América
Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas
dos países entre si e com as outras nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi
ampliado aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento
social (ONU).
Conforme a Organização das Nações Unidas, a América Latina e o Caribe têm hoje uma
oportunidade histórica para mudar seu estilo de desenvolvimento e reduzir os desequilíbrios
econômicos, sociais e ambientais que impactam seus habitantes. Para isso é necessário uma
mudança estrutural progressiva com um grande impulso ambiental que promovam um
desenvolvimento baseado na igualdade e na sustentabilidade. Esta é a proposta da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) para o ano 2030. No documento, a CEPAL
explica que o sistema atual de desenvolvimento é insustentável, pois se baseia em três
desequilíbrios: o viés recessivo na economia internacional, o aumento da desigualdade e a
deterioração ambiental. A Comissão propõe modificar a forma tradicional de fazer as coisas e
impulsionar uma mudança estrutural progressiva, ou seja, provocar mudanças na estrutura
produtiva que aumentem a participação dos setores intensivos em conhecimentos e inovação,
que garantam o crescimento econômico inclusivo e sustentado, que promovam a criação de
empregos de qualidade com direitos, e que se associem a setores que impulsionem a
produção de bens e serviços ambientais.
Além disso, conclama a dar um grande impulso ou “big push” ambiental, que deve ser
composto por um pacote de investimentos públicos e privados coordenados em diferentes
áreas que gere novos padrões energéticos e de produção, renovada concepção de cidades
sustentáveis e pautas de consumo menos contaminantes, baseado na aprendizagem e na
inovação. Em síntese, apostar em uma economia circular, com pleno emprego.
“É necessário recuperar o crescimento econômico, mas este deve fundamentar-se em um
caminho de baixo carbono que permita o desacople entre crescimento e emissões, já que os
padrões atuais de produção e de consumo não são sustentáveis”, recomenda Alicia Bárcena,
Secretária-Executiva da CEPAL. Esta transformação produtiva deverá ser realizada em um
contexto adverso. “Por isso é necessário uma nova economia política, uma nova equação
Estado-mercado-sociedade e renovadas coalizões internacionais e nacionais”, revela o
documento. “Trata de mudar o diálogo”, acrescenta.
A CEPAL propõe centralizar a ação em três âmbitos: 1) na governança internacional para a
provisão de bens públicos globais, 2) na cooperação e na contribuição regional ao debate
mundial, e 3) em políticas públicas nacionais para fomentar a mudança estrutural progressiva.
Importante frisar que segundo o relatório da CEPAL, os países da América Latina e do
Caribe enfrentam um panorama econômico e social muito complexo durante 2022. A um mau
desempenho do crescimento econômico se somam as fortes pressões inflacionárias, o baixo
dinamismo da criação de empregos, quedas do investimento e crescentes demandas sociais.

11- O que é a força normativa da Constituição de Konrad Hesse explicita no texto de


Adriane Timóteo?

De acordo com Bruna Fernandes Coêlho, a força normativa da Constituição refere-se à


efetividade plena das normas contidas na Carta Magna de um Estado. Tal princípio foi
vislumbrado por Konrad Hesse, que afirmava que toda norma Constitucional deve ser
revestida de um mínimo de eficácia, sob pena de figurar “letra morta em papel”. Hesse afirma
que a Constituição não configura apenas o “ser” (os princípios basilares que determinam a
formação do Estado), mas um dever ser, ou seja, a Constituição deve incorporar em seu bojo a
realidade jurídica do Estado, estando conexa com a realidade social. Neste sentido, afirma
Gerivaldo Alves Neiva que “esta compreensão de Hesse importa que a Constituição deverá
imprimir ordem e conformação à realidade política e social, determinando e ao mesmo tempo
sendo determinada, condicionadas mas independentes”. A prática da força normativa da
Constituição traduz a essência da ideia neoconstitucionalista.
Esta mesma autora ainda cita que Por sua vez, o princípio da máxima efetividade das
normas apregoa que as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que a
eficácia da Lei Maior seja plena, máxima.[5] A interpretação de uma norma é de fundamental
importância, pois objetiva a aplicação de tal norma de forma inequívoca, tendo em vista que
busca o seu verdadeiro significado, a sua essência. Destarte, para que a Constituição tenha
força normativa, de acordo com o prescrito por Konrad Hesse, necessário de faz interpretá-la
de modo a buscar sua plena eficácia.
Outro conceito, extraído da publicação de Tiago Jones da Silva, diz o que Hesse tentará
demonstrar na sua obra é justamente refutar a assertiva de que a Constituição jurídica só
possui capacidade de regular e de motivar uma vez que seja compatível com
a Constituição real. Caso não seja possível refutar a tese de Lassalle, Konrad Hesse acredita
que “a Constituição real não significa outra coisa senão a própria negação
da Constituição jurídica”, ou seja, “o Direito Constitucional está em contradição com própria
essência da Constituição”. O que Konrad Hesse quer demonstrar é que a Constituição escrita
possui força normativa própria, daí o título de seu livro.
Este mesmo autor segue dizendo que Konrad Hesse afirma que a norma constitucional
não possui uma existência desvinculada da realidade, contudo a sua essência está em
sua vigência, o que quer dizer que a situação que a constituição regula pretende ser
concretizada na realidade. Com isso, o autor afirma que a Constituição é tanto a expressão do
ser quanto do dever ser, não sendo uma mera projeção dos fatores reais de poder. Por conta
de sua eficácia, a Constituição tem como função imprimir ordem e conformação à realidade
político-social. Ela é, ao menos tempo, determinada e determinante. É possível, portanto,
diferenciar as duas situações, mas não podem ser definitivamente separadas ou confundidas.
A Constituição jurídica tem significado próprio. Constituição converter-se-á em força ativa se
fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais
responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder, mas também a vontade
de Constituição.

12- Qual é a dimensão da Constituição de 1988 enunciando os artigos do texto que


demonstram o caráter social que estão no texto da autora Adriana Timóteo, sem
esquecer as dimensões ambiental e intercultural desta constituição especialmente
nos pontos trazidos em sala de aula sobre o artigo 225 e 231 de nossa constituição
republicana de 1988? (Adriana Timóteo)

A dimensão mencionada na questão se refere à dimensão social. Alguns exemplos de


políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro atualmente, com objetivo de inclusão
social e distribuição de renda são: programa Bolsa Família, Bolsa Escola, Minha Casa Minha
Vida, Farmácia Popular, entre outros (Artigo Adriana Timóteo).
Adriana Timóteo e João Pedro ainda pontuam que a Constituição brasileira prevê como
direitos sociais, a educação (artigos 205 a 214), a saúde (artigos 196 a 200), a alimentação
(artigo 6º), o trabalho (artigos 6º e 7º), a moradia (artigo 6º), o lazer (artigo 6º), a segurança
(artigo 6º), a previdência social (artigos 6º, 201 e 202), a proteção à maternidade e à infância e
a assistência aos desamparados (artigos 6º, 194, 195, 203 e 204) e o combate ao desemprego
(artigo 170, inc. VIII).
Além disso, cita-se o artigo 225, em que diz que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações, e o artigo 231, em que menciona que são reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.

13- Como a constituição de 1988 se insere no contexto de redemocratização da


sociedade brasileira, e também no contexto da crise do muro de Berlin de 1989
ocorrida um ano após sua promulgação, situando esta questão no cenário do
neoliberalismo que provocou a ampliação das desigualdades estruturais da
sociedade brasileira?

Segundo Tales Pinto, "a constituição promulgada em 1988 foi o grande marco da
redemocratização no Brasil após a ditadura civil-militar de 1964 a 1985. O intuito principal do
texto constitucional era garantir, em linhas gerais, direitos sociais, econômicos, políticos e
culturais que estavam suspensos no período anterior, e que posteriormente seriam
regulamentados por leis específicas. Esta foi uma das críticas feitas à constituição, além de ser
considerada muito extensa. Outro fato que marcou a elaboração e votação da constituição diz
respeito à participação de forças sociais que estavam afastadas das decisões dos órgãos de
estado."
Em críticas que são feitas ao processo constituinte e à Constituição de 1988, por vezes é
dito que o texto então aprovado refletiria um momento histórico ultrapassado, pois logo
depois de sua promulgação, em outubro de 1988, teria acabado a Guerra Fria, o conflito
Leste/Oeste, a divisão capitalismo/socialismo, uma vez que a “Queda do Muro de Berlim”
sobreviria em 1989. Essas críticas têm sido feitas, especialmente, pela corrente de pensamento
neoliberal (Fernando Trindade).
O bom funcionamento de uma economia de mercado requer um quadro institucional
democrático e regras justas, que sejam obedecidas por todos, propiciando assim a necessária
segurança jurídica e confiança para que as transações econômicas e, em especial, os
investimentos se realizem de forma eficiente. E, para isso, é indispensável uma cultura
democrática, que, infelizmente, não se constrói da noite para o dia. Ela é fruto de anos de
convivência com as liberdades básicas e de respeito às instituições democráticas. Paul
Krugman, corretamente, aponta a falta de cultura democrática como um importante fator para
o fraco desempenho econômico das nações do Leste Europeu nos primeiros anos da conversão
de suas economias para o regime de mercado. No Brasil, a Constituição Federal, promulgada
em 1988, foi redigida antes da queda do Muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas
de planejamento central da Europa e, por isso, ainda sob a influência da experiência socialista
soviética. Mas essa influência não foi preponderante a ponto de os parlamentares do PT, Lula
incluído, terem se recusado a assiná-la por considerarem o texto muito privatista e pouco
socialista (André Franco Filho).
Provavelmente, portanto, caso a Constituição Brasileira tivesse sido criada um ano após a
queda do muro de Berlim (1989), bem como após a dissolução da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (1991), a conjuntura mundial seria completamente diversa e os direitos
sociais contidos na constituição não teriam sido, provavelmente, contemplados, haja vista o
surgimento posterior do neoliberalismo (vencedor na guerra fria, com Estado menor).
Essa constatação foi possível especialmente no governo Collor, posterior, que passou a
defender as privatizações em um modelo neoliberal. Havia inclusive críticas dos governos
Collor e Fernando Henrique Cardoso à Constituição por ser prolixa e que o Estado era gigante e
que as leis infraconstitucionais deveriam valer mais do que leis constitucionais.
Adicionalmente, nesta mesma perspectiva, os fatores reais de poder, dentre eles, por
exemplo, os bancos, não queriam ter suas fortunas taxadas. Ou seja, um ano após a queda do
muro de Berlim, os fatores reais de poder mudaram e a Constituição foi alterada por emendas
constitucionais.
Ou seja, até 88 a Constituição Federal tinha um viés social. Após a queda do muro de
Berlim e dissolução da URSS, passou-se a um contexto neoliberal. Portanto, frisa-se que, caso a
Constituição Federal fosse promulgada a posteriori, provavelmente, os ideais sociais não mais
seriam priorizados.

14- Quais teses do economista Amartya Sem são trazidos neste texto? (Adriana Timóteo)

Consoante se extrai do texto de Andriana Timóteo, a teoria que fundamentou a política de


desenvolvimento brasileira foi a do subdesenvolvimento da Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe – Cepal. Para a Cepal, o sistema econômico deveria ser capitalista,
mas com um forte intervencionismo na medida em que os Estados latino-americanos em geral,
inclusive o brasileiro, são Estados capitalistas subdesenvolvidos, com grande desigualdade
social.
Esse pensamento harmoniza-se com um novo modo de pensar o desenvolvimento
humano. Com a crise da teoria do desenvolvimento econômico, apoiado nas ideias de Amartya
Sen, surge um novo conceito de desenvolvimento. Para Amartya Sen a privação de
capacidades individuais pode acarretar baixos níveis de renda, da mesma forma que baixos
níveis de renda podem gerar precárias condições de saúde e educação. É importante
considerar, porém, outros aspectos, abrangendo outras influências importantes para o êxito
do indivíduo ou privação, pois a pobreza deve ser vista não só como baixa renda, mas também
como privação de capacidades (SEN, 2002).
Então, a partir das ideias de Sen, criou-se, em 1990, o IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano), que considera três dimensões básicas: saúde, educação e saúde. Atualmente, tem-
se o índice de Gini, que afere a diferença entre os muito ricos e muito pobres (desigualdade),
mas também há que ser observado o PIB (Produto Interno Bruto) verde, que respeita o meio
ambiente e, por isso, vista o crescimento sustentável.

15- Quais são as críticas neoliberais ao Estado Social moduladas pela Constituição de
1988?

Os neoliberais defendem o Estado mínimo e privatizações, contra o Keynesianismo (que


defende a intervenção do Estado na economia para proporcionar o pleno emprego).
Os neoliberais criticam o estado social pelo aumento dos custos, tornando o Estado muito
pesado financeiramente para ser mantido, passando-se então a ser reivindicado um Estado
mínimo, a fim de que fosse possível fazer um enxugamento do aparelho burocrático, pois o
aparelho burocrático seria inoperante, ineficiente e teria muitos excessos, o que não contribui
para o bom funcionamento.
A atuação dos Estados sociais interventores acabaria por desequilibrar as forças de
mercado e atrapalharia o funcionamento das regras do jogo e, consequentemente, das
transações comerciais. A abertura comercial dos países neoliberais forçaria um choque de
competitividade daquelas forças de mercado que não estivessem prontas ou que fossem
ineficientes em investir em tecnologia, por exemplo, o que acabaria por forçar estes mesmos
Estados ineficientes a investirem sob pena de falirem e levarem o seu povo à pobreza e
miséria.
Segundo José Mauro Luizão, a Constituição recebeu acerbas críticas especialmente dos
representantes do liberalismo, porque teria provocado insegurança jurídica, dificultado a
governabilidade, gerado conflitos sociais e inibido investimentos. A Constituição, além de
conter contradições que desfiguram o conjunto, seria fortemente dirigista, privilegiando o
ideologismo antes do pragmatismo. A intenção individualista seria anulada pelo forte
intervencionismo, o que ficaria evidente na regulamentação da relação capital-trabalho. A
Constituição seria utópica, porque pretende que a realidade seja modificada por atos de
vontade contidos em suas disposições. A sua tendência estatizante ficaria evidente na
manutenção da intervenção do Estado em setores da vida econômica que deveriam ser
responsabilidade privada. Seria paternalista, porque não confia na capacidade da sociedade de
resolver seus assuntos, e assistencialista, porque promete por generosidade, demagogia ou
utopia, o que não pode concretizar, gerando na sociedade uma ilusão perversa. Os cidadãos
terminariam pagando por serviços que não recebem. A Constituição incentivaria ainda um
fiscalismo exagerado para fazer frente a todos os compromissos que assume.
Em suma, a crítica se baseia no fato da constituição intervir na função social da
propriedade, privilegiar todos os direitos, desde a regulação de sindicatos (que melhoram as
lutas dos trabalhadores), saúde e educação gratuitos, dentre outros. Importante frisar que o
modelo neoliberal percebe uma constituição enxuta, como a dos Estados Unidos, como sendo
a opção adequada.

16- Cite exemplos de políticas públicas enumeradas no texto? (Adriana Timóteo)

Alguns exemplos de políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro atualmente,


com objetivo de inclusão social e distribuição de renda são: programa Bolsa Família, Bolsa
Escola, Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular, entre outros.
Outros exemplos que podem ser citados são (Tié Lenzi):

Políticas Distributivas
São direcionadas a certos grupos de pessoas, para beneficiar parte da população que não
tenha acesso a um determinado direito. Estas políticas podem ser definidas de acordo com as
características ou necessidades especiais de um grupo social.
Exemplos: estabelecimento de políticas tarifárias especiais, oferecimento de serviços para
necessidades específicas e oferecimento de incentivos fiscais para pequenos negócios.

Políticas Redistributivas
As políticas redistributivas possuem um caráter social, são voltadas à garantia do bem-
estar social. Em geral, são aplicadas a grupos maiores de pessoas, com o objetivo de trazer
benefícios e mais igualdade ao seu público-alvo.
Exemplos: programas voltados à distribuição de renda e determinação da cobrança de
impostos progressivos proporcionais aos valores ganhos.
Leia também sobre o estado de bem-estar social.

Políticas Regulatórias
São políticas utilizadas para organizar o funcionamento do Estado e podem envolver
regras relativas a processos burocráticos ou normas de comportamento dos cidadãos. São
mais abrangentes, pois podem ser direcionadas a muitas pessoas. Isto é, ao contrário das
anteriores, não são relativas somente a determinados grupos de pessoas.
Exemplos: normas que regulamentam uso e venda de produtos e obrigatoriedade de uso
de cadeira especial para transporte de crianças.

Políticas Constitutivas
Essas medidas são diferentes das demais. Regulamentam os procedimentos e as regras
relativas às próprias políticas públicas em aspectos como: forma correta de elaboração das
políticas públicas e a determinação de quem são os responsáveis pela elaboração das medidas.
Exemplos: regras de funcionamento das eleições e a forma de distribuição de verbas que
serão utilizadas para as políticas públicas criadas.

17- Como ocorre a judicialização das políticas públicas e a politização da justiça que
ocorre no Brasil e qual decisão do STF é emblemática neste contexto? (Texto Adriana
Timóteo)

Uma decisão emblemática trata da ADPF 45 - quando a omissão ou a política já praticada


não oferecer condições mínimas de existência humana; se o pedido de intervenção for
razoável e, do ponto de vista administrativo, a omissão ou a política seja desarroazoada.
A politização do judiciário ocorre quando os magistrados tomam decisões com base em
seus entendimentos da política, para além do que deveriam, haja vista que deveriam seguir
uma máxima da neutralidade e imparcialidade (Moro no Senado, lava jato, mensalão – com a
ideia de neoliberalismo para punição das empresas, com objetivos econômicos, criminalização
de setores de esquerda).
O que não se confunde com as decisões do judiciário no sentido de dar ao necessitado
doente um medicamento extremamente caro que não está sendo oferecido pelo poder
executivo, por meio do sistema gratuito de saúde, ou um juiz que decide por proporcionar
vaga nas escolas ou creches. Neste caso, trata-se da judicialização das políticas públicas,
utilizado como controle difuso de constitucionalidade (das políticas públicas).
A judicialização da política também pode ser vista quando o STF, por exemplo, analisa o
caso de um determinado político estar usando recurso público para propaganda política de
forma exagerada quando deveria estar investindo em outras áreas essenciais da sociedade.
Estaria o Judiciário invadindo competência alheia?
Por isso a importância de enfrentar a questão da diferenciação dos ativismos judiciais,
pois nem tudo se encaixa nesse conceito.

18- Pesquise acerca da forma como a reserva do possível foi trazida para o Brasil nos
anos 90, e como a mesma se relaciona com o transplante do debate jurídico da
conferência da Sociedade Jurídica de Berlim efetuado pelo jurista Karl Betterman,
conectando este plano, com o problema da austeridade orçamentária e os limites da
judicialização das políticas públicas originadas da constrição fiscal austericida?

Segundo Bruno Stiborski, o conceito reserva do possível teve origem na Alemanha, porém
houve distorção da teoria no translado para o Brasil. A expressão reserva do possível procura
identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das
necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. No que importa ao estudo aqui
empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o
que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que esta que
o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses
direitos
Esta confusão entre a reserva do possível e a denominada “reserva do financeiramente
possível”, conforme criticou José Joaquim Gomes Canotilho é alvo de distinção por Ricardo
Lobo Torres, que distingue a questão orçamentária do verdadeiro sentido da reserva do
possível, demonstrando uma deturpação no seu sentido originário quando de sua importação
ao Brasil, falando em “desinterpretação da ‘reserva do possível’ no Brasil”, indo além,
afirmando ser impossível a reserva do possível em sua ordem fática.
No Brasil, portanto [a reserva do possível], passou a ser fática, ou seja, possibilidade de
adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira, que pode
compreender a existência de dinheiro somente na caixa do Tesouro, ainda que destinado a
outras dotações orçamentárias. Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre
pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanentemente a possibilidade
fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública. Em outras
palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática.
Sensível a este desvirtuamento, Fernando Borges Mânica sustenta que a autêntica teoria
da reserva do possível, a qual não se refere direta e unicamente à existência de recursos
materiais suficientes para a concretização do direito social, mas à razoabilidade da pretensão
deduzida com vistas a sua efetivação, acabou, no Brasil, tornando-se a teoria da reserva do
financeiramente possível, na medida em que se considerou como limite absoluto à efetivação
de direitos fundamentais sociais (i) a suficiência de recursos públicos e (ii) a previsão
orçamentária da respectiva despesa.
Segundo Ísis de Almeida Silva e Marcelo Benacchio (2018), a priori, a teoria da reserva do
possível não seria, necessariamente, a capacidade material do Estado em garantir determinada
prestação jurisdicional, porém, à razoabilidade do pedido, foi o principal elemento a ser
analisado à época. Logo, se o Estado possuísse recursos, mas o pedido em si não fosse
razoável, não haveria êxito. No Brasil, entretanto, a aplicação da teoria sofreu significativa
transformação e passou a ser uma teoria de aplicabilidade com teor financeiro, isto é, passou a
ser a teoria do financeiramente possível, sendo esse o limite para prestação de direitos
fundamentais. Ao Estado seria garantida a defesa da não prestação de direitos, uma vez que
não haveria recursos para tal. Tais recursos seriam exclusivamente financeiros, ou seja, uma
vez demonstrada a incapacidade do Estado para arcar com o ônus financeiro de determinada
demanda, o argumento da teoria da reserva do possível seria elencado para justificativa.
Nota-se, portanto, que a reserva do possível existe e está sendo utilizada no Brasil com a
finalidade de justificar a ausência do Estado na garantia de direitos fundamentais de cidadãos,
pois se não há recursos financeiros ou dotação orçamentária, não há falar em garantia destes
mesmos direitos, tornando-se, portanto, algo legítimo e possível ao Estado brasileiro.
Neste contexto, contudo, Batterman, conforme apontam Clóvis Demarchi e Fernanda
Fernandes (2015), cita que as limitações aos direitos fundamentais, para serem legítimas,
devem atender a um conjunto de condições formais e materiais estabelecidas na Constituição,
que são os limites dos limites dos direitos fundamentais. Conforme seu pensamento, as
condições mais importantes estabelecidas na Lei Fundamental são a garantia do conteúdo
essencial e a dignidade humana, sendo também relevante o imperativo de que todas as
limitações aos direitos fundamentais devem objetivar a promoção do bem comum. Surge,
então, a teoria dos limites dos limites que baliza a ação do legislador quando restringe direitos
individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à
necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza,
determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.
A atividade limitadora e restritiva do Estado deve ser, igualmente, uma atividade limitada,
de modo que a ação limitadora e restritiva se dê na medida estritamente necessária e
indispensável à própria concretização e preservação de tais direitos e demais bens
constitucionalmente protegidos.
Em suma, sabe-se que os direitos fundamentais não são absolutos, portanto, podem
sofrer restrições, todavia, permanece um questionamento: quais são os limites destas
restrições?
Kellen Avila (2014) menciona que a Reserva do Possível passou a ser utilizada como
justificativa para ausência Estatal, um forte argumento do Estado para não cumprir com o
papel que a própria Constituição lhe conferiu, qual seja, de provedor das necessidades da
sociedade, representadas pelos direitos fundamentais ali descritos.
A escolha das políticas públicas a serem implementadas pelo Estado, via de regra,
compete aos Poderes Executivo e Legislativo, seja por meio do planejamento público, com a
decisão dos planos e programas governamentais a serem perseguidas, seja por intermédio das
leis orçamentárias.
No Brasil, tanto a iniciativa quanto a execução das leis orçamentárias são competências
privativas do Poder Executivo, que tentam a todo custo, atualmente, cortar gastos a fim de
manter o teto de gasto e não estourar as contas públicas (austeridade orçamentária). Disso
decorre que a definição das políticas públicas e a escolha das prioridades orçamentárias cabem
exclusivamente àquele Poder, não podendo o Judiciário, via de regra, interferir nessa atividade
discricionária do administrador. Aqui reside a questão da alocação de recursos escassos frente
à enormidade de necessidades da sociedade, decisão de competência dos Poderes Legislativo
e Executivo.
Verifica-se inclusive, em diversos casos quando a escolha sobre a definição das políticas
públicas passa do Executivo para o Judiciário, a violação do princípio da igualdade, já que o
grupo social que buscou o auxílio do Poder Judiciário se sobreporá aqueles que não o fizeram.
Todavia, nesse mesmo contexto, o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello cita que é
possível que as incumbências de fazer implementar as políticas públicas fundadas na
Constituição sejam atribuídas, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os
órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles
incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e
a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional
Portanto, não obstante existirem milhões de brasileiros e brasileiras sem o mínimo
necessário para terem uma vida digna, é possível observar que as necessidades são ilimitadas
e os recursos limitados e escassos. Desta forma, ainda que o contexto da reserva do possível
tenha sido deturpado ao ser incorporado no ordenamento jurídico pátrio, este conceito é
utilizado frequentemente para justificar a ausência de direitos fundamentais do cidadão e,
portanto, mantendo-se o status quo.
Adicionalmente, assim como pontuado por Batterman, há limites que devem ser
respeitados para que as limitações aos direitos fundamentais sejam aceitáveis, dentre eles e
principalmente o respeito à Constituição Federal. Todavia, o que se vê hodiernamente, é o
completo descaso das autoridades públicas frente aos limites dos limites (limites das
restrições), que mantém, por consequência, a maior parte da população brasileira sem o
mínimo necessário a uma vida digna e sem quaisquer direitos fundamentais, dentre eles a
saúde e educação, sob o argumento, frisa-se, de que não há recursos financeiros (ou não há
previsão – reserva do possível “financeira”) ainda que previstos constitucionalmente.

19- Qual é a conclusão da autora sobre a questão da judicialização das políticas públicas?
(texto Adriana Timóteo)

Segundo a autora, em se tratando de política pública econômica, o acesso à informação é


elemento fundamental para o exercício do controle, seja pelo Judiciário, seja por outro órgão.
Essa dificuldade, todavia, não pode ser óbice para que seja exercido um controle judicial de
modo a garantir que as políticas públicas venham a concretizar os direitos fundamentais.
Adicionalmente, esta mesma autora ainda conclui que “o caminho para a mudança social
da população brasileira não é necessariamente a ruptura do sistema com a instalação do
socialismo, e sim o estímulo à efetivação de um consistente mercado interno, pautado pela
iniciativa privada, somado a uma intervenção responsável que realize distribuição de renda.
Com esse propósito, relevante papel possui o poder Judiciário no controle das políticas
públicas.”
Portanto, observa-se, diante desta conclusão, que as políticas públicas realizadas pelo
Estado, podem sim sofrer controle do Poder Judiciário, de modo que o povo brasileiro possa
ter seus direitos fundamentais assegurados, ainda que o Estado brasileiro alegue não haver
dotação orçamentária diante do princípio da “Reserva do Possível”.

20- Qual debate acerca de Rousseau e Hobbes é aduzido neste texto de Adriana
Timóteo?

O debate que está sendo apresentado no texto trata da questão da separação dos
poderes e da titularidade do poder. Para Rousseau, a titularidade do poder deve pertencer ao
povo, diferentemente de Hobbes, que entende que o poder deve ser entregue ao Estado, ou
seja, ao Leviatã.

21- Como Carl Schmitt é influenciado por Maquiavel com visões como a da razão de
Estado e a paranóia de guerra, com Hobbes, Donoso Cortes, Louis de Bonald e outros
autores conservadores também o influenciaram? (texto Rodrigo Suzuki Cintra)

Segundo Whashington Luiz Silva, Schmitt quer dar à política um caráter autônomo e
liberar a teoria política do entrave que se origina da confusão entre a esfera política e os
demais campos da ação humana. Ao reconhecer a necessidade de pensar a política em sua
especificidade, Schmitt poderá ser filiado à tradição da filosofia política que tem como seus
expoentes Maquiavel e Hobbes, autores dos quais se sente próximo.
Adicionalmente, conforme Helton Adverse, os dois têm muito em comum: a centralidade
do tema do conflito, a estreita associação entre política e guerra, o vivo interesse pelo “caso
extremo” conjugado com o reconhecimento de sua importância metodológica etc. Além disso,
há as semelhanças biográficas: ambos viveram em tempo de profunda crise política e, nesse
contexto, conheceram a condenação política e o exílio em seu próprio país. Similaridades
também no que concerne à recepção de sua obra e ao destino de seu nome. Temos, assim,
boas razões para atender à vontade de fazer o cotejamento entre os autores, enfrentando o
risco do paralelismo estéril. Em defesa desse projeto, podemos afirmar, de antemão, que, em
momentos cruciais de sua trajetória reflexiva, Schmitt se refere a Maquiavel, seja na forma da
oposição e do combate seja na forma da aliança, como podemos ver no período
particularmente fecundo de sua produção intelectual, isto é, os anos que cobrem a década de
1920. O nome de Maquiavel é evocado por Schmitt para evidenciar o caráter problemático de
uma concepção técnica da política, mas também para salientar a pertinência de uma
antropologia “pessimista” para a formulação de um pensamento político consequente.
Segundo Schmitt, na filosofia política de Maquiavel, Hobbes, Bossuet, Fichte, Donoso
Cortés, Taine, Hegel e outros, permanece um traço comum: todos rejeitam como pressuposto
das suas teorias políticas a noção da bondade natural do homem e o caráter não conflituoso
da natureza humana (Cesar Ramos, 1996). Schmitt é considerado como sendo um
maquiaveliano tardio.
O pensamento de Maquiavel é essencial para a teoria schmittiana na medida em que
postula uma maneira específica de se abordar as problematicidades políticas: através de um
conhecimento que se projeta por meio da realidade concreta. Isto é, com Maquiavel a política
deixa de ser pensada na forma de um dever-ser e passa a se ligar com aquilo que ela é na
realidade concreta; o modo como ela se afirma existencialmente. O autor florentino inaugura
assim toda uma discussão política que se baseia naquilo que a política realmente é, não
naquilo que ela deveria ser. Desse modo, o principal interesse de Maquiavel será sobre o
Estado e o Príncipe – e todas as questões que envolvem esses conceitos. Schmitt se alinhando
a esse modo de perceber a política também fará um pensamento político que se refere,
primordialmente, à realidade concreta em que os mecanismos políticos estão inseridos. E,
predominantemente, como a questão política constitui os fundamentos do Estado,
juntamente com a problemática acerca do poder soberano e do estado de exceção (Renato
Reis Caixeta).
Segundo o texto sugerido, Schmitt também celebra Hobbes como o autor que teria
reconhecido a substância decisionista no domínio do soberano. Afinal, podemos ler no
capítulo 26 do Leviatã: “Autoritas, non veritas facit legem” (É a autoridade, e não a verdade,
que faz as leis). Como podemos perceber, o que importa para a vida jurídica é quem decide.
Trata-se de um problema de competência. Porém, critica Hobbes por ter sido um dos
pensadores mais importantes para a compreensão da relação intrínseca entre Estado de
Direito e lei positiva. Nesse sentido, inclusive, sua leitura de Hobbes parece ser acertada, se
bem que exatamente por esse motivo, Schmitt a descarta. Para Hobbes, o direito positivo está
concatenado com o conceito de soberania – as normas de direito natural não podem limitar
esse soberano –, no entanto, o legislador soberano está vinculado ao direito positivo que ele
mesmo estabelece. Em outras palavras, existe um germe para o desenvolvimento da ideia de
Estado de direito. E, é evidente que tal posição do pensamento político de Hobbes se mostra
equivocada para Schmitt.
Ademais, Carl Schmitt, recuperando as ideias dos contrarrevolucionários de Maistre, de
Bonald e Donoso Cortés mostra que a política jamais pode ser formulada sem um fundamento
metafísico, pois o que existe é uma transferência conceitual do espiritual para o temporal,
tendo como base a teoria da soberania, do estado absolutista ao estado democrático (Luiz
Carlos Ramiro Júnior).
De acordo com Cândido Moreira Rodrigues, o princípio de aplicação política da analogia,
que está presente em seu pensamento, é fruto de uma herança dos contra-revolucionários De
Bonald, De Maistre e Donoso Cortés, o que é patente na medida em que define o Estado como
um “Deus ex machina” e ao lembrar que a “onipotência” do legislador moderno não havia sido
“extraída da teologia só verbalmente”.
Só se compreende a influência dos autores contra-revolucionários no pensamento de Carl
Schmitt na medida em que visualizamos o cerne da objeção dos mesmos ao mundo
secularizado. Podemos dizer que tal objeção desenvolve-se contra a perda de poder efetivo,
depois do século XVII, dos dois pilares do Estado absolutista - Deus e o Soberano - que
gozavam de uma posição de supremacia na sociedade. Pilares que seriam considerados mais
fracos ainda pelas doutrinas secularizantes dos séculos XVIII e XIX, nas quais a idéia de Deus é
suplantada pela do “homem” e a majestade do soberano é destituída e substituída pela noção
de soberania popular. A conseqüência imediata disso, segundo o próprio Schmitt, foi que o
elemento decisionista e personalista da noção de soberania, que vigorava até o momento (na
pessoa do soberano) perdeu o efeito. Portanto, a partir daí tratava-se do prevalecimento do
ateísmo, da desordem, em detrimento das virtudes transcendentes, do sentimento religioso
tradicional de fundo católico.
O ponto principal da relação de Schmitt com o pensamento dos contra- revolucionários
diz respeito ao aspecto da decisão presente na filosofia do Estado elaborada por eles.

22- Como suas teses dissociam o liberalismo e a democracia? (Adriane Timóteo)

Segundo se extrai do texto, para Schmitt, há a necessidade de dissociação entre


liberalismo e democracia pois as instituições liberais representativas na democracia de
sufrágio universal operam a ampliação da esfera do Estado para todas as áreas da vida social e
ocasionam, também, a perda do monopólio do político pelo Estado. Como a unidade da
política para Schmitt deve ser garantida a qualquer custo, começa a delinear uma alternativa
autoritária de reconstrução dessa unidade perdida com a democracia de massas. O liberalismo
é a arte da separação. Separa-se o Estado da sociedade, mas, assim se faz, para fazer coincidir
Estado com político. Ora, Schmitt pensa que com a extensão e amplitude do sufrágio, e
consequentemente da democracia, a separação entre Estado e sociedade começa a ficar
menos nítida. Isso porque o povo começa a ocupar o Estado por meio da representação no
Parlamento, de modo que o Estado, em si, não está mais acima das forças sociais, mas passa a
ser a auto-organização social.
A ocupação plural do Estado, sinalizada pelo sufrágio e representação no Parlamento, faz
com que esse Estado seja incapaz de lidar com crises econômicas e políticas. Menos ainda de
ser o guardião da Constituição.
Segundo Roberto Bueno, para Schmitt, em verdade, a democracia encontra-se oposta ao
liberalismo conquanto este último impede, devido à sua teoria da representação, a identidade
entre governante e governado, concepção central para a ideia de democracia em Schmitt, o
que lhe permite concluir que o liberalismo nega a democracia. Isto é o que torna possível
entender por que Schmitt compreende que tanto o bolchevismo como o fascismo podem ser
compatíveis com o seu particular conceito de democracia, ou seja, bastaria com que se
pudesse verificar a existência desta identificação entre governantes e governados.
O autor segue dizendo que Schmitt entende a democracia como um conceito que pode
conviver tanto com o militarismo como com o pacificismo, com o absolutismo ou com o
liberalismo, bem como com versões do centralismo ou descentralização e, ainda, regimes
políticos progressistas ou reacionários e, em suma, que “a ditadura não é o oposto da
democracia”, muito embora Schmitt a anteponha à discussão que é um elemento fundamental
de nossa concepção contemporânea de democracia. Em suma, a posição do autor é de que “a
ditadura também não é o oposto decisivo da democracia, assim como esta não o é da
ditadura”.
E ainda, em Schmitt encontramos a tese de que o liberalismo nega a própria essência da
democracia e, por sua vez, a democracia igualmente lhe nega ao liberalismo. Neste momento
torna-se perceptível que o conceito de democracia manejado por Schmitt será fundamental
para a compreensão e justificação de boa parte de sua teoria.
O autor defende a ideia de que a democracia não contradiz a ditadura. Desde logo,
haveríamos de ressaltar que o seu conceito de democracia não é o mesmo que habitual e
comumente manejamos, de corte liberal, em nossos dias. Literalmente, segundo ele, a própria
“ditadura não é o oposto da democracia”, frisa-se, e isto haveria de constituir um precedente
lógico e ideológico que tornaria viável e congruente sua posterior adesão formal e institucional
ao nacional-socialismo sem necessidade de realizar uma ruptura teórica.

23- O que é a exceção para Schmitt e como essa dimensão é importante para sua
interpretação do decisionismo jurídico? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)

Do próprio texto de Cintra se extrai o seguinte, veja:


“As ideias centrais de Schmitt podemos dizer o seguinte. A vida política de um país sempre
inclui circunstâncias excepcionais. Os julgamentos das cortes de justiça, mesmo que
constitucionais, dependem de precedentes históricos, portanto, somente podem ser aplicados
em situações de normalidade. Quando ocorre uma situação excepcional, que é a verdade da
política, uma pessoa específica deve ser capaz de operar acima da lei, suspendendo-a e
adotando os passos necessários para salvar o Estado. Essa pessoa é o soberano. Soberano é
aquele que decide sobre a exceção”.
Importante frisar que para Schmitt o político se situa no monopólio da decisão última
sobre a distinção amigo/inimigo que se situa nas mãos do soberano. O político se reduz a
exceção, ao caso extremo, contrapondo-se a uma concepção de Estado como um órgão de
estabilização. De assalto, Schmitt rompe completamente com a tradição que identifica Estado
com o político e sequestra o Estado como objeto privilegiado do pensamento político,
especialmente quando diz que soberano é aquele que decide sobre o Estado de Exceção
(exemplo: golpes de Estado, revoluções ou condições de guerra). Segundo Schmitt, a
necessidade extrema de decidir sobre os casos excepcionais não pode contar nem com a
participação do povo, nem com decisão fundamental plasmada na constituição.
Importante frisar que a decisão discricionária do Juiz não é a mesma decisionista aqui
observada. Na discricionariedade, a decisão é limitada pela permissão da própria lei, devendo
seguir, portanto princípios constitucionais e legais. Já na teoria decisionista de Schmitt, a
atuação é legitimada e ilimitada, ou seja, o soberano toma a decisão que quiser e a lei é feita a
partir desta decisão. Não respeitando o critério de conveniência e oportunidade.
Importante lembrar que a constituição Polaca de Getúlio Vargas e o AI5 foram criados a
partir do integralismo Schmitiano, que valiam mais do que a constituição. Monstrando com
isso a presença do que foi chamado de governo dos juízes.
Importante deixar o que se extrai do texto: A possibilidade de um governante instituir,
para além dos limites da lei, a própria lei é, sem dúvida um posicionamento que incute, em si,
a ideia de violência. Entre a norma e a decisão, situa-se a figura da exceção.

24- Quais críticas Schmitt formula contra Hans Kelsen e Max Weber em relação a política
a e a visão correspondente dos mesmo em relação a Estado, direito e monopólio
legítimo da violência? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)

Weber diz que o Estado tem o monopólio da violência. É um liberal, legalista, ajudou a
construir a república de Weimar (participou das Assembleias), defendia a ideia de escola de
governo na Alemanha. Para Weber, a Alemanha era atrasada no sentido da unificação tardia e
não tinha uma tradição liberal, pois era conservadora, tinha uma classe operária atrasada, não
tinha um crescimento orgânico do liberalismo como na Inglaterra, então seria necessário
corrigir essa estrutura através da indução da cidadania e da democracia. Weber também dizia
que o socialismo nunca seria implantado.
Segundo Paulo Pinheiro, a expressão “monopólio da violência legítima”, que não é própria
à linguagem jurídica, pertence à metalinguagem da teoria do direito, teoria do Estado ou da
sociologia jurídica. Poucos autores, pelo que se saiba apenas dois, Max Weber e Hans Kelsen,
utilizaram essa expressão e em termos quase idênticos. Para Weber, força não é o meio
normal ou único do Estado, mas é o meio específico do Estado: a relação entre o Estado e a
força é bastante íntima como fica claro na sua definição: “Nós entendemos por Estado um
‘empreendimento político de caráter institucional’ desde que e conquanto sua direção
administrativa reivindique com sucesso a aplicação do monopólio da coerção física legítima”. O
estado, portanto, será uma comunidade humana que detém, com sucesso, o monopólio do
uso legítimo da força física sobre um território dado. A violência da qual fala Weber não é cega
nem ilegítima mas torna-se legítima precisamente porque ela é organizada (podendo ser
chamada de coerção, como o faz Hans Kelsen). Frisa-se que a definição de Kelsen é quase
idêntica a Weber, apenas com a diferença de que não é utilizado ao adjetivo legítimo. Com
efeito na expressão “monopólio da violência legítima”, a palavra legítima não designa outra
coisa senão o monopólio, que identifica-se à legalidade. Kelsen não a menciona porque a ideia
de legitimidade já está presente no monopólio da coerção, que corresponde ao princípio de
legalidade, ela não é necessária para definir o Estado.
Para André Fontes, as premissas sustentadas pelo Positivismo Normativista de
Kelsen chocavam-se com as mais profundas e sensíveis convicções de Carl Schmitt. Não
obstante, Schmitt, tal como Kelsen, esboçavam certos contornos de viés kantiano em suas
teorias. É necessário deixar claro que a compreensão de certos elementos comuns ou
coincidentes outra coisa não fazia senão acentuar as distintas concepções de cada autor.
Para Kelsen (normativista, em contradição ao decisionista schmitiano), o Estado é definido
como sendo uma ordem jurídica centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de
vigência, soberana ou imediata ao Direito Internacional, e que é eficaz. Portanto, sua definição
não aborda nenhum julgamento axiológico de moral ou de justiça e nem a legitimação. Essa
definição essencialmente positivista unida ao contexto histórico em que viveu (um período
marcado por grandes conflitos, no qual o totalitarismo de Hitler e Mussolini convivia com o
liberalismo democrático e com Estados socialistas), criou grande polêmica em torno de suas
idéias, chegando a ser perseguido pelos totalitaristas e criticado pelos comunistas e
democratas (Sabrina Corona Butzke). Já com relação ao Direito, Kelsen enfatiza que, o Direito é
uma ordem de conduta humana, ou seja, é um conjunto de normas. Argumenta o Mestre de
Viena que o Direito não é, como se costuma pensar, uma norma. É mais do que isso: o Direito
é um conjunto de normas que possui uma unidade, que forma um sistema.
Para Max Weber, o Estado é conceituado como sendo uma comunidade humana que
pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado
território. Em outras palavras, o Estado é a única entidade que possui o poder genuíno de
lançar mão do uso da força como forma de intervenção, caso se verifique a necessidade, nas
ações dos sujeitos que estão submetidos à sua jurisdição."
Segundo Henrique Camacho e Yvete Costa, Hans Kelsen entendia que, diferentemente do
que se busca demonstrar nos dias de hoje – uma democracia que busca fundamentar-se como
ideologia – os valores impostos pela norma são mais fundamentais do que os impostos pelo
povo, pois neste aspecto, a democracia se perfaz de argumentos abertos, como interesse do
povo. Já o entendimento de Carl Schmitt segue a compreensão de que a construção do
conceito de democracia perpassa por situações que implicam não nas características atinentes
a norma nem na possibilidade do povo se valer de características comum, mas sim de uma
imposição advinda de uma autoridade. Haverá a imposição por uma autoridade, que não será
a Constituição, mas sim de uma autoridade absoluta, determinada pela vontade do povo.
Cintra também diz que para Schmitt, no entanto, o Estado não poderia mais ser o
“monopólio legítimo da força”. O político se situa em outra dimensão: no monopólio da
decisão última sobre a distinção amigo/inimigo que se situa nas mãos do soberano. O político
se reduz a exceção, ao caso extremo, contrapondo-se a uma concepção de Estado como um
órgão de estabilização. Schmitt, portanto, realiza uma inversão nem um pouco ingênua na
história do pensamento político. Ao invés de derivar a concepção de político a partir da teoria
do Estado, faz com que o Estado dependa do político: “O conceito de Estado pressupõe o
conceito do Político”.
Schmitt diz que "O conceito de Estado pressupõe o conceito do político." O soberano é
tido como aquele que dentro da unidade política detém a prerrogativa de decidir sobre o
inimigo, designa grupos a serem combatidos. O processo de decisão parece ser arbitrário. Essa
característica da decisão a torna perigosa já que não está claro em Schmitt se ela tem um
fundamento. A ideia da decisão é dizer que o lugar de onde ela surge não é visível aos olhos
humanos. Se não é correto afirmar que o Estado schmittiano será necessariamente um Estado
autoritário, todavia é correto dizermos que há uma porta aberta para o autoritarismo na sua
formulação. Segundo Schmitt, o liberalismo é o responsável por promover despolitizações por
subtrair do Estado à capacidade decisória transformando assim, inimigo em adversário,
tomando dele sua prerrogativa de decidir sobre o inimigo e interpretar o caso limite
(Washington Luiz Silva).
Wolin aponta Schmitt como o arquétipo do anti-normativismo alemão nos anos 20 e
classifica seus escritos deste período como um ataque direto ao “normativismo” de Hans
Kelsen, jurista positivista cujas ideeias estavam muito em voga no período. Portanto, é o não-
normativismo que caracteriza o pensamento schmitiano após a Primeira Guerra mundial e o
que explica sua “obsessão” de um “estado de exceção”. Para Wolin, no decisionismo
schmitiano o que menos importa é o seu conteúdo, a sua finalidade ou o seu sentido, do que a
própria decisão. Ao considerar o Estado o “último árbitro” das questões, ao subordinar a
autonomia da esfera jurídica às “raisons d ́ État”, Schmitt retira à sociedade civil toda
independência, toda potencialidade de oposição, fato este que aparece em sua crítica às
instituições liberais. A idéia de ordem aliada ao pressuposto de que ao soberano cabe tal feito
(pois é ele quem detém o monopólio da última decisão) é o ponto crucial nesta sua
argumentação. Esta questão fica muito clara quando Schmitt menciona que o liberalismo não
construiu nenhuma teoria positiva do Estado, mas sim procurou “prender o político e
subordiná-lo ao econômico” fundando, deste modo, as bases de uma doutrina de “divisão e do
equilíbrio dos ‘poderes’, isto é, um sistema de obstáculos e controles de Estado que não se
pode designar como teoria do Estado ou princípio de construção política (Cândido Moreira
Rodrigues).

25- Como Schmitt utiliza o poema de Ferdinand Feiligrath sobre Hamlet e Hécuba para se
posicionar sobre o problema da indecisão no Ocidente? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)

Segundo o texto de Cintra, Schmitt utiliza o poema para operar uma reflexão sobre a
Europa pois o povo alemão se mostrava dividido, desmembrado e sem guia, como um Hamlet
perdido em vacilações e incapaz de decidir por ação alguma quando o caso era o de agir sem
rodeios. Nestes casos, quando ocorre uma situação excepcional, que é a verdade da política,
uma pessoa específica deve ser capaz de operar acima da lei, suspendendo-a e adotando os
passos necessários para salvar o Estado. Essa pessoa é o soberano. Soberano é aquele que
decide sobre a exceção.

26- Como milagre e decisão se relacionam em Schmitt, e como isto se relaciona com o
catolicismo e o Papa? (Texto Rodrigo Suzuki Cintra)

Decisão seria aquela tomada pelo político que teria a competência para agir em um
estado de exceção, portanto, não tendo o Estado o monopólio legítimo da força,
descontruindo o Estado, recuperando a concretude da política na afirmação da soberania
como decisão sobre a exceção.
Cardoso (2009), citado por José Lopes, esclarece que “o estado de exceção está para
jurisprudência assim como o milagre está para teologia – fórmula que expressa o núcleo
teológico-positivo do conceito de soberania.” E ressalta ainda a importância dessa concepção
para Schmitt porque esse afirma que os conceitos da moderna teoria do estado são conceitos
teológicos secularizados. Ainda menciona que a exceção em termos schmitianos versa sobre a
questão da validade do direito, porque não existe norma que se possa aplicar ao caos. É
preciso que a ordem seja estabelecida para que a ordem jurídica tenha um sentido. Não é o
mandamento enquanto mandamento que restabelecerá a ordem da situação fática, mas a
autoridade ou a soberania de uma decisão última, dada com o mandamento que constitui a
fonte de todo “direito”, ou seja, de todas as normas e de todas as ordens que dele derivam. A
decisão soberana é começo absoluto e jorra e um nada normativo e de uma desordem
concreta. O soberano decide irrestritamente sobre o caso concreto e sua decisão, segundo
Schmitt, mesmo sendo apolítica representa sempre uma decisão política, independentemente
de quem ela atinge e que roupagem assuma.
Consoante Schmitt, a decisão soberana é uma decisão absoluta situada acima da lei e livre
de constrangimentos normativos, alicerça-se no fundamento teleológico-político. Ela é a
secularização da concepção teológica de uma vontade onipotente de Deus e transporta a
decisão proveniente desta vontade para o plano político. Do mesmo modo que Deus,
enquanto onipotente, pode intervir diretamente no mundo sem que a sua intervenção
esteja limitada pelas leis naturais por si criadas para o normalizar, assim também o
soberano, trazendo para um plano secular a onipotência divina, deve ser o senhor de uma
decisão absoluta, capaz de proteger a ordem sem estar limitado pelas normas jurídicas por ele
mesmo estabelecidas.
Apresentando a tese teológico-política da secularização dos conceitos teológicos em
conceitos políticos, Schmitt evoca a decisão soberana sobre o estado de exceção como uma
secularização da decisão divina de operar milagres: “O estado de exceção tem para a
jurisprudência um significado análogo ao do milagre para a teologia”. As leis civis e as normas
jurídicas servem a uma ordem concreta cujo guardião é o soberano. Na medida em que as
normas estão ao serviço da ordem e não o contrário, na medida em que a ordem é o
pressuposto das normas e não o resultado da sua aplicação, ao soberano deve ser possível a
decisão de um estado de excepção em que possa agir à margem destas. De modo análogo,
as leis naturais estão ao serviço da ordem e da justiça depositadas na vontade onipotente
de Deus, mas Deus não está subordinado a leis naturais cuja vigência se alicerça na sua
vontade. No quadro desta analogia, Schmitt contrapõe a defesa de uma decisão
soberana que decida sem limites normativos a uma posição normativista que ataca e nega
esta possibilidade.
O que caracteriza a decisão, segundo Schmitt, é a introdução de uma instância situada
acima do conflito, depositária de uma intervenção caracterizada pela sua virtualidade, pela
sua presença como possibilidade, não como realidade efetiva. Na medida em que
todos os católicos reconhecem o Papa como o representante de Cristo, tornando
concreta a sua autoridade transcendente, a unidade do catolicismo pode sobrepor-se à
pluralidade das diferenças entre católicos, sem as reduzir nem eliminar. Trata-se, por isso, de
uma unidade gerada a partir de cima, através da representação da ideia de unidade, e não a
partir de baixo, mediante um processo de correção política e eliminação da pluralidade
numa unidade imanente, concreta e real. É a forma política desta unidade que, segundo
Schmitt, não pode deixar de surgir para o Estado moderno como um paradigma (Alessandro
Franco de Sá).

27- O que é o paradigma amigo/inimigo estabelecido por Schmitt para o plano político
que também define o seu viés jurídico?

Segundo se extrai do texto de Cintra, Schmitt somente definirá o político a partir de


categorias especificamente políticas. Cada domínio autônomo da ação humana tem suas
próprias categorias. Na esfera moral, a diferenciação é entre bom e mau; na estética, belo e
feio; no âmbito econômico, útil ou prejudicial ou rentável e não-rentável. Pois bem, o critério
do político, para Schmitt é a distinção amigo e inimigo. Note-se que, como ressalta nosso
autor, o inimigo político não precisa ser feio, moralmente mau ou economicamente um
concorrente. Ele é “precisamente o outro, o desconhecido”. É evidente, aqui, mais uma vez, a
refração do autor às teorias liberais. Seu realismo extremo leva à conclusão de que o mundo
da ética e da moralidade, ao contrário de certas concepções liberais, nada tem a ver com o
universo da política.
O conceito do político não é mais visto como operativo na noção de Estado, mas como
um critério que dá consistência ao próprio Estado. Em confluência com o desenvolvimento
acima, Kervégan entende que “o político vai além do estatal”. Sendo formador do próprio
conceito do político, esse critério será inteiramente pensado pelo autor alemão como a
polaridade existente entre o âmbito da amizade e da inimizade. Isto é: o conceito do político é
avaliado de acordo com a possível distinção entre amigo e inimigo. Schmitt cita que é preciso
entender que o conceito do político sempre será visto a partir de um sentido polêmico. O
próprio autor esclarece que todas as representações, palavras e conceitos políticos possuem
um sentido polêmico; eles têm em vista uma divergência concreta, estão vinculados a uma
situação concreta, cuja última consequência constitui um agrupamento do tipo amigo-inimigo
(que se expressa na guerra ou revolução) e se convertem em abstrações vazias e fantásticas
quando desaparece essa situação.” Portanto, o conceito do político somente pode ser obtido
quando está constituída uma situação concreta.
Veja o que descreve Schmitt:

“A diferenciação entre amigo e inimigo tem o propósito de caracterizar o extremo grau de


intensidade de uma união ou separação, de uma associação ou desassociação, podendo existir
na teoria e na prática, sem que, simultaneamente, tenham que ser empregadas todas aquelas
diferenciações morais, estéticas, econômicas ou outras. O inimigo político não precisa ser
moralmente mau, não precisa ser esteticamente feio; ele não tem que se apresentar como
concorrente econômico e, talvez, pode até mesmo parecer vantajoso fazer negócios com ele.”

Com relação ao aspecto jurídico das decisões políticas, é sempre notável como a relação
entre política e direito está rodeando os escritos do autor alemão e o aspecto da soberania
tende a cercar o âmbito de incidência em que essas duas áreas se juntam numa mesma
análise. Embasado nesse panorama, a soberania faz a ligação entre esses campos,
aparentemente distintos, quando intercede o seu aspecto político – isto é, quando realiza a
decisão – para remetê-lo ao campo jurídico. O soberano então torna-se um agente
especialmente político que dá forma ao juízo do Direito, que atribui valor à ordem normativa.
Assim, revelar o fundamento da ordem jurídica significa justamente perceber que ela é obtida
através da decisão: é por meio da decisão soberana que a ordem pode existir (Renato Reis
Caixeta).

28- Como a questão da Constituição de Weimar se relaciona com a ascensão de Hitler na


Alemanha especialmente com o artigo 48 desta Constituição?

A Constituição alemã de Weimar é saudada por ter sido pioneira no


estabelecimento de direitos fundamentais e sociais. Contudo, a partir do disposto em
seus arts. 47 e, principalmente 48, a carta ajudou os nazistas a chegarem ao poder e
Adolf Hitler a fundar um Estado ditatorial.
O art. 48 da Carta de Weimar estabelecia que, caso a ordem pública estivesse
em risco, o presidente do Reich poderia, sem necessidade de aval do Legislativo, tomar
as medidas necessárias para restituir a lei e a ordem. Para isso, poderia suspender
direitos civis como Habeas Corpus, inviolabilidade de domicílio, sigilo de
correspondência, liberdade de expressão, direito de reunião e associação e autorizar
expropriações.
O artigo 47 foi outro dispositivo relevante para a tomada do Estado alemão
por Hitler. Segundo ele, o presidente era o supremo-comandante das Forças Armadas,
poderia nomear os seus oficiais e tinha competência para tomar as "medidas
apropriadas" - incluindo usar militares — para combater distúrbio na ordem ou
segurança públicas.
Em tese, o Legislativo poderia suspender as medidas do presidente, conforme
previa o artigo 48, III. No entanto, o presidente evitava esse controle do Parlamento
dissolvendo-o antecipadamente, o que lhe era permitido pelo artigo 25. Dessa
maneira, opina, o Executivo ficou desproporcionalmente mais forte do que o
Legislativo.
Em janeiro de 1933, o Partido Nazista foi o mais votado para o Legislativo, e o
presidente Paul von Hindenburg nomeou Adolf Hitler chanceler. Um mês depois, o
Parlamento foi incendiado. Hitler usou o evento como argumento de que os
comunistas estavam conspirando para tomar o poder.
Ele então apresentou o Decreto do Incêndio do Legislativo. Baseado no artigo
48 da Constituição de Weimar, a norma suspendeu diversos direitos fundamentais e
sociais, como a liberdade de expressão, o Habeas Corpus, o direito de reunião e a
inviolabilidade do domicílio. O decreto também passou ao governo central poderes
atribuídos aos estados, aumentou penas – passando a prever pena de morte para
quem causasse incêndio em edifícios públicos – e permitiu a construção de campos de
concentração.
Em março de 1933, o Congresso aprovou a Lei Habilitante. Também com base
no artigo 48 da Constituição de Weimar, a norma permitiu que o Executivo aprovasse
leis, sem ter que seguir o processo legislativo fixado pela Carta – desde que elas não
afetassem as instituições.
Mas este “detalhe” não foi seguido por Hitler. Quando Hindenburg morreu,
em agosto, o líder nazista assumiu os poderes do presidente, com base em uma lei que
aprovara no dia anterior. Ao fazer isso, o líder nazista contrariou a regra constitucional
de que, se o presidente deixasse o cargo ou morresse, o presidente da Suprema Corte,
e não o chanceler, deveria assumir o posto de chefe do Executivo até a promoção de
novas eleições. Como concentrou os poderes do presidente, Hitler também afetou o
funcionamento das instituições. Entretanto, a Lei Habilitante não estabelecia que
medida poderia ser tomada para contestar a regra de que as leis do Executivo não
poderiam afetar o funcionamento dos Poderes.
Assim, a concentração de poderes por Adolf Hitler jamais foi contestada
judicialmente. Embora não tenha sido revogada, a Constituição de Weimar, na prática,
deixou de vigorar com a aprovação da Lei Habilitante e a implementação da ditadura
nazista.
Portanto, a Constituição de Weimar facilitou a ascensão do nazismo,
permitindo a criação e existência de um estado de exceção permanente, a partir das
brechas em seu art. 48, tendo sido utilizada por Adolf Hitler para concentrar o poder
em suas mãos e instaurar a ditadura nazista.

29- Quais são os argumentos centrais da obra, o Guardião da Constituição de Carl


Schmitt apontadas no texto do professor Cláudio Ladeira?
Cláudio Ladeira de Oliveira apresenta primeiramente em seu texto a definição
de Carl Schmitt acerca do termo “guardião da constituição”, desenvolvendo uma
crítica à capacidade de tribunais para efetivamente atuarem como “guardiões” da
Constituição e identifica riscos de potenciais ofensas à Constituição no exercício da
jurisdição, trazendo a tese schmittiana denominada de “constitucionalismo de
otimização”, que é uma abordagem da função que Constituições devem desempenhar
face aos riscos de arbitrariedade política oriundos do sistema político.
Assim, Ladeira usa esses conceitos para discutir as teses desenvolvidas por
Schmitt, de qual seria a função do presidente do Reich como guardião da Constituição;
a defesa de uma postura de auto-restrição no exame judicial de constitucionalidade
das leis; e, por fim, sua crítica à “judicialização da política”.

30- O que seriam as teses centrais do constitucionalismo precaucional e de otimização


descritos pelo professor Cláudio Ladeira no seu texto sobre o Guardião da
Constituição?

Conforme dispõe Cláudio Ladeira, a partir das ideias de Vermeule, o chamado


“Constitucionalismo da precaução” objetiva “minimizar” o risco político, reduzindo-o
ao máximo. Ele recomenda que as constituições sejam redigidas e interpretadas com o
objetivo de criar ao máximo precauções contra o risco de arbitrariedades das
instituições políticas. Expressa uma postura generalizada de desconfiança – quando
não rejeição – à política que é frequente na doutrina constitucional contemporânea. O
“ônus da prova” argumentativa recai sobre os agentes políticos, que devem
demonstrar que a linha de ação adotada no enfrentamento de algum problema
específico não oferece riscos de arbitrariedade, corrupção, tirania etc. E em caso de
dúvida, “por precaução”, deve-se rejeitar tais atos como inválidos
Já O “constitucionalismo de otimização”, pelo contrário, não objetiva
minimizar o risco político, mas “otimizá-lo”. Algum risco político sempre será
inevitável, resultando tanto da ação quanto da inação: todos os riscos políticos
contam. Não apenas é impossível alcançar uma situação de risco político “zero”, mas
ainda mais grave: as medidas de enfrentamento do risco político podem ser, elas
próprias, fonte de risco político. Assim, a fixação exagerada no enfrentamento e algum
risco político específico pode agravar o risco político “agregado”. As consequências
práticas do modelo de “otimização do risco político” é melhor compreendida mediante
os argumentos que são apresentados contra as medidas “precaucionarias”.

31- Como a Constituição de Weimar e a do Brasil de 1988 se relacionariam com as teses


do constitucionalismo precaucional de acordo com o texto do professor Cláudio
Ladeira?

A Constituição de Weimar baseou-se mais no constitucionalismo de


otimização, deixando aberturas e não se precavendo quanto aos riscos políticos,
permitindo brechas que autorizaram a implementação de Estado de Exceção
permanente.
Já a Constituição Brasileira de 1988, de modo contrário à Carta de Weimar,
possui diversos mecanismos que se encaixam no constitucionalismo precaucional,
como: muitos agentes com poder de ingressar com ações de controle concentrado;
diversas ações que permitem revisar judicialmente inclusive a omissão legislativa;
competências “difusas” de controle, para todo o poder judiciário. Percebe-se que a
intenção da assembleia nacional constituinte brasileira, diferente da de Weimar,
parece ter sido a de criar um sistema “robusto e redundante”, sob o fundamento
aparente de que quanto mais instituições e procedimentos judiciais com poder de
revisar os atos políticos legislativos e administrativos, mais a efetividade da
constituição estaria garantida.

32- Quais argumentos de Jeremy Waldron são trazidos pelo professor Cláudio Ladeira?

Ladeira traz a ideia de Jeremy Waldron denominada de “as circunstâncias da


política”, que significa que, quando um tribunal decide se o poder legislativo exorbitou
de suas competências políticas está decidindo simultaneamente sobre (1) os limites do
poder legislativo (2) sua própria competência – do tribunal – para avaliar o
desempenho dos demais poderes.
Assim, no exercício do controle judicial de constitucionalidade,
inevitavelmente a corte “julga em causa própria”, sobre seus próprios limites para
fiscalizar as demais instituições. Uma decisão careceria da figura do “terceiro
imparcial”, essencial para um processo tipicamente judicial.
Desta forma, Jeremy Waldron entenderia que, se um tribunal é provocado a
avaliar a constitucionalidade de um artigo, ele deve se limitar a verificar se o mesmo
afronta expressamente algum dispositivo constitucional, ao invés de investir em
“construções” interpretativas sobre o significado de princípios abstratos.

33- Qual exemplo relacionado com a interpretação do art. 1228, parágrafo quarto é
utilizado pelo professor Ladeira, e como o mesmo se relaciona com a
problematização da atuação do STF em relação a separação dos poderes implicando
a usurpar ação de competências do legislativo e o perigo da formação de uma
aristocracia de toga?

Conforme dispõe o professor Ladeira, a forma taxativa como Schmitt


apresenta a alternativa “ou interpretação literal, ou legislação” resulta de sua correta
compreensão da natureza especificamente política do controle de constitucionalidade,
por oposição ao típico exercício da jurisdição. Essa distinção entre jurisdições pode ser
demonstrada por meio de um exemplo envolvendo o art. 1228, § 4º, do Código Civil, in
verbis:

Art. 1.228. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se


o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta
e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de
pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou
separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante.
Assim, um primeiro tipo de controvérsia surge no âmbito de um processo
judicial no qual se discute a reintegração de posse: no caso concreto, a solução da
controvérsia passa a depender da decisão do magistrado sobre o concreto significado
de duas expressões: “considerável número de pessoas” e “interesse social e
econômico relevante”.
Segundo Ladeira, é fácil perceber que qualquer decisão sobre a matéria
dificilmente poderá resultar da simples aplicação de postulados normativos capazes de
fornecer alguma orientação segura. A decisão será o resultado de uma percepção
individual do magistrado, inevitavelmente vinculada às suas opiniões sobre os critérios
capazes de auferir a relevância “social e econômica” das obras e serviços no local
realizadas. E magistrados apoiados em convicções “liberais” ou “socialistas”
interpretarão o dispositivo de forma previsivelmente distinta. Mas ainda assim, não há
dúvida quanto ao fato de que a lei aplicável à matéria não apenas permite, mas exige,
que o juiz realize a avalição da existência ou não, no caso concreto, desses requisitos.
No entanto, o juiz ou tribunal que decide o caso pode ocupar a posição de um
“terceiro imparcial”, sem interesse ou vinculação pessoal com a matéria.
Como exemplo, o autor nos faz pensar em um caso hipotético em que: o
Supremo Tribunal Federal examina a constitucionalidade do § 4º do art. 1228 do
Código Civil, avaliando eventual afronta ao disposto na CF/88, art. 5º, XXII: “é
garantido o direito de propriedade.” Ao final, por maioria de 6 x 5, prevalece no
tribunal a tese de que o dispositivo legislativo que autoriza um juiz a privar o
proprietário de seu imóvel é uma evidente afronta ao Direito fundamental à
propriedade privada. Em ambos casos, juízes decidem com base em alguma convicção
política – ao menos implícita. E algum efeito político sempre resultará das decisões, em
virtude da redistribuição da propriedade privada entre os membros da comunidade.
Mas a diferença é crucial. No primeiro caso, de jurisdição ordinária, magistrados e
tribunais proferem sentença (controvertida) apoiados em expressa decisão política
anterior tomada no âmbito do processo legislativo representativo: o Código Civil. E se
eventualmente as seguidas aplicações judiciais do dispositivo despertarem a
percepção pública de que uma tal prática judicial produz mais malefícios que
benefícios, o mesmo poder legislativo representativo pode revogar a lei ou alterar sua
redação, aprimorando-a. Daí que mesmo diante das infindáveis controvérsias que
atingem a interpretação do art. 1228 do CC, o juiz ainda poderá atuar como um
“terceiro imparcial” na decisão do caso.
Já no segundo caso, de jurisdição constitucional, um tribunal revisa a decisão
política legislativa, decidindo revogá-la com fundamento na opinião (que a maioria da
corte entende ser a correta) sobre o significado da expressão “direito de propriedade”.
Embora proferida por um tribunal no âmbito de um processo judicial, trata-se
nitidamente de uma decisão de natureza geral e abstrata sobre qual norma deve
vigorar sobre toda a comunidade. É neste sentido que devemos entender a afirmação
de que “toda justiça (justiz) está vinculada a normas e termina quando o conteúdo das
próprias normas se torna duvidoso e controverso”

34- Qual é o exemplo utilizado sobre uma hipotética futura eleição eleitoral e o
posicionamento do STF aduzido pelo professor Cláudio Ladeira em seu texto
relacionando esse ponto também com a questão da Separação dos Poderes e a
crítica a idéia de vanguardas judiciais que exprime em relação à fala a
pronunciamento do Ministro Barroso?
Claudio Ladeira traz em seu texto sobre a temática que, “para Luís Roberto
Barroso (2017), o STF desempenha diversas funções, sendo a mais conhecida dentre
elas a de fiscal “contramajoritário” do processo legislativo. Esse papel é definido nos
termos tradicionais, como uma proteção dos direitos fundamentais e das regras do
jogo democrático, contra maiorias potencialmente tirânicas. Mas são as duas outras
funções definidas por Barroso, a “representativa” e a “iluminista”, que chamam mais a
atenção. A capacidade representativa se apoia numa imagem essencialmente negativa
da política ordinária, que é desqualificada como populista “de esquerda” (na América
Latina) e “xenófoba” (na Europa), com debates públicos deteriorados e desconectados
da sociedade civil, que vê as instituições representativas com “desconfiança e
desprezo” (Cf. BARROSO, 2017, p. 52). Além disso, políticos precisam de recursos
vultuosos para disputarem eleições, o que obriga os candidatos a buscarem
financiamento econômico e empresariai: “esse fato produz uma inevitável aliança com
alguns interesses particulares” (BARROSO, 2017, p. 56), algo que, no entendimento de
Barroso, macula o processo legislativo. Por outro lado, a magistratura é enaltecida pela
forma de seleção de seus membros, pelo concurso público capaz de selecionar
“pessoas vindas de diferentes origens sociais” produzindo assim um “drástico efeito
democratizador do judiciário” (BARROSO, 2017, P. 56). E por não dependerem dos
vultuosos recursos necessários às campanhas eleitorais, conclui que juízes “são
capazes de representar melhor – ou com mais independência – a vontade da
sociedade” (BARROSO, 2017, p. 56). Como então justificar a autoridade do STF, um
tribunal cujo aceso sabidamente não apenas não ocorre mediante concurso público,
mas demanda indicações presidenciais, aprovação pelo senado e obvias articulações
políticas? A resposta de Barroso é surpreendente: “na prática [...] a quase totalidade
dos ministros integrantes da Corte é composta por egressos de carreiras jurídicas cujo
ingresso se faz por disputados concursos públicos” (BARROSO, 2017, p. 56). Uma
aprovação em concurso público para alguma carreira jurídica, normalmente ocorrida
no início da vida profissional, é a prova da capacidade representativa do membro da
corte constitucional.
Ainda mais controvertida, porém, é a função “iluminista” da corte: “Para além
do papel puramente representativo, tribunais constitucionais desempenham,
ocasionalmente, o papel iluminista de empurrar a história quando ela emperra.”
(BARROSO, 2017, p. 60). Barroso reconhece a necessidade de moderação no uso dessa
competência, dados os riscos democráticos que ela representa, mas é categórico
quanto à autoridade da própria corte para decidir quando exercer tal competência.
Ora, é difícil imaginar uma divergência que exemplifique melhor a natureza do conflito
político do que as disputas sobre qual é a “direção correta” para a qual a História deve
ser “empurrada”. Conferir a uma pequena elite de membros do tribunal a competência
para “empurrar” adiante um povo incapaz de “encontrar a direção correta” é algo que
evoca menos uma imagem iluminista que a de um déspota esclarecido.
Essas idealizações do Tribunal constitucional, “representante discursivo” ou
“iluminista”, podem ser criticadas mediante argumentos de “perversidade”, com as
palavras de Schmitt em Der Hüter der Verfassung: a expansão da justiça para domínios
essencialmente políticos não altera a natureza do conflito político. Pelo contrário, além
de manter o risco de arbitrariedade existente em toda decisão política, acrescenta o
problema da politização da justiça, com seus próprios riscos implícitos. Ao contrário do
que ocorre com parlamentos e o poder executivo, o tribunal constitucional não é
responsável perante eleitores e estará ainda mais livre para impor sua própria pauta
política, discricionariamente. Ora, nem mesmo o mais ardoroso defensor de uma
atuação “criativa” dos tribunais pode negar que, ao menos em parte, uma das
consequências práticas desse processo tem sido o “emponderamento” das cortes, que
agora dispõem de meios para agir politicamente em defesa de seus interesses
burocráticos-institucionais particulares. Naturalmente que essa possibilidade não é
suficiente para rechaçar o controle de constitucionalidade, mas sim, deveria bastar
para motivar análises mais realistas e menos auto-celebratórias. Afinal de contas, “é
mesmo uma das manifestações típicas da vida constitucional que um organismo que
toma consciência de sua influência política expanda cada vez mais o alcance de seus
poderes”.

35- Quais são as característica do positivismo por imanência apontadas por Dimitri
Dimoulis, inclusive trazendo expressões do senso comum jurídico, que são
enunciadas no seu texto que apontam para a adesão na prática ao positivismo no
Brasil mesmo sem uma formulação teórica precisa sobre o mesmo na prática jurídica
cotidiana expressa na práxis dos fóruns e tribunais?

Acerca da temática elencada, Dimitri Dimoulis denomina “o positivismo que


prevalece na prática e se transmite nas Faculdades de intuitivo (ou “amador”), pois
não resulta de estudos específicos de obras de pensadores positivistas. Baseia-se em
algumas máximas do tipo “lei é lei”, “o juiz não faz política”, “devemos
ensinar/estudar/ aplicar o Código”, “devemos garantir a segurança jurídica”, “devemos
preservar a separação de poderes”. Trata-se também de um positivismo espontâneo,
pois surge de experiências do cotidiano forense, em particular da experiência que
direito não “é” o justo, nem o resultado dos melhores argumentos, mas, na grande
maioria dos casos, aquilo que resulta da clareza da lei ou de posicionamentos que os
julgadores utilizam como base de decisão (jurisprudência de tribunais superiores,
doutrinadores renomados).
Em contraposição a essa predominância do positivismo na prática, a doutrina
jurídica brasileira optou, em sua maioria e desde a entrada em vigor da Constituição de
1988, por criticar o positivismo jurídico de maneira insistente e com ímpeto retórico:
“Viveu-se no direito, por longos e longos anos, sob o quarto escuro e empoeirado do
positivismo jurídico. Sob a ditadura dos esquemas lógico-subsuntivos de interpretação,
da separação quase absoluta entre direito e moral”. Ou ainda: “São precisamente os
representantes do pensamento constitucional – em sua maior parte – que
estabelecem uma espécie de fratura no seio dessa cultura jurídica positivista e
privatista, buscando contra o positivismo, um fundamento ético para a ordem
jurídica”.
Termos como “neoconstitucionalismo”, “pós-positivismo”, “moralização”,
“retorno aos valores” ou “constitucionalização” do direito, caracterizam esse novo
senso comum, propagado em publicações e eventos acadêmicos. A conclusão prática é
o reconhecimento do protagonismo dos integrantes do Poder Judiciário como meio de
realização da “justiça”.”
Assim, afirma-se que a principal característica da experiência jurídica
brasileira após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o fortalecimento do
Poder Judiciário, segundo uma tendência que se manifesta em vários países, mas
adquiriu particular intensidade no Brasil.
Isso criou o já referido protagonismo do Poder Judiciário, simbolizado pela
recente midiatização do Supremo Tribunal Federal, cuja atuação cotidiana tornou-se
notícia central, sendo frequentes reportagens e entrevistas sobre os posicionamentos
políticos.
Essa mudança no equilíbrio entre poderes estatais tornou a atividade
desenvolvida pelo Judiciário mais próxima da atuação do “legislador positivo”.

36- Quais críticas, Dimoulis estabelece em relação ao ativismo judicial e a


posicionamentos que descreve de ministros do STF como Ayres Brito?

Acerca do ativismo judicial, Dimoulis alega que “a filosofia moral e política


identificaram, há décadas, a dupla falácia na qual se baseia esse argumento. Primeiro,
a falácia da fonte. Antes de afirmar que o direito incorporou imperativos de justiça,
humanismo etc. deve ser indicada a norma que os incorpora no ordenamento.”
“Segundo, a falácia do absolutismo. Termos como “justiça material” possuem
sentidos diferentes na opinião de cada pessoa, grupo social e cultura. Em razão disso, a
invocação da justiça ou de outro ideal semelhante permanece palavra vazia enquanto
não se indica qual justiça se prioriza, por qual razão isso foi feito e o que nos permite,
em uma sociedade que por ordem constitucional é pluralista, considerar a “nossa”
visão de justiça material melhor do que aquela de outras pessoas.”
Assim, podemos concluir que, Dimoulis é crítico à Judicialização das Políticas
Públicas, uma vez que essa seria uma usurpação do poder judiciário. não acredita no
neoconstitucionalismo, no ativismo judicial, acreditando que o juiz tem não deve se
exceder além do que a legislação o permite e não pode ultrapassar as suas funções
jurisdicionais.

37- O é a teoria axiomática do direito descrita no texto de Zanon Júnior acerca de Luigi
Ferrajoli, e como a mesma remete a analiticidade de Hans Kelsen e Norberto Bobbio?

Um axioma é uma verdade que independe de prova e que é universalmente


aceita. Ao dizer que alguém estabelece algo como um axioma, não estamos a dizer,
necessariamente, que concordamos com a “verdade” proposta pela pessoa, mas
apenas que a pessoa o fez apresentando tal “verdade” com status de axioma, ou seja,
com a pretensão de que essa verdade independa de prova e de que seja
universalmente aceita.
Assim, Ferrajoli estabelece dez axiomas, que são valores, princípios
garantidores de direitos mínimos do acusado que devem nortear o Direito no Geral,
mas sobretudo o Direito Penal e o Processo Penal, que não apenas legitimam a
punição, mas também são condicionantes para a existência da punição. Os axiomas
tutelam valores como igualdade, liberdade pessoal contra arbitrariedades, direitos e
liberdades políticas, certeza jurídica, controle público das intervenções punitivas etc.
A teoria axiomática remete a analiticidade de Hans Kelsen e Norberto Bobbio
pois, “Para Kelsen, a validade de uma norma está em uma outra norma, que lhe é
anterior no tempo e superior hierarquicamente, que traçaria as diretrizes formais para
que tal norma seja válida. Logo, para Kelsen, existe um mecanismo de derivação entre
as normas jurídicas, dentro de uma ideia de supra e infraordenação entre as espécies
normativas. Mas Ferrajoli acrescenta um novo elemento ao conceito de validade. Para
ele, uma norma será válida não apenas pelo seu enquadramento formal às normas do
ordenamento jurídico que lhe são anteriores e configuram um pressuposto para a sua
verificação. A tal procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um
dado que constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico.
Como cita o jurista italiano Norberto Bobbio no prefácio da obra Direito e
Razão (2002), o garantismo deve ser bem definido em todos os aspectos para que
possa servir de critério de valoração e de correção do direito existente.”

No contexto do surgimento do Estado Moderno, segundo Bobbio, a Soberania


pode ser tida como o poder de comando de derradeira instância, numa sociedade
política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais organizações
humanas, nas quais não se encontra este Poder supremo.
A conceituação de Estado de direito, por Norberto Bobbio –
considerando tratar-se de um conceito amplo e genérico com variadas ascendências
na história do pensamento político – é construída de modo instrumental, tributária de
um de seus principais objetos de estudo: os problemas da democracia. Da
contraposição entre a natureza da relação deste Estado com o Estado democrático –
neste e em outros autores (como em Luigi Ferrajoli) – pode-se inferir o conceito de
democracia com que trabalha Bobbio, bem como as consequências teóricas de tal
opção.”

38- Como as teses de Luigi Ferrajoli se relacionam com o neoconstitucionalismo?

Segundo Luigi Ferrajoli, o neoconstitucionalismo caracteriza-se por dois


elemenos: ataque ao positivismo jurídico e a tese da separação entre direito e moral; e
o ativismo judicial promovido pela tese de que os direitos constitucionalmente
estabelecidos não são regras, mas sim princípios, objetos de ponderação e de imediata
argumentação jurídica.
Ferrajoil critica essas teses neoconstitucionalistas, defendendo um
“constitucionalismo rígido”, acreditando este ser um reforço do positivismo jurídico,
por ele alargado em razão de suas próprias escolhas – os direitos fundamentais
estipulados nas normas constitucionais – que devem orientar a produção do direito
positivo.
Nas palavras do autor, “mas precisamente por isto – ao contrário do que
entendem Dworkin, Alexy e Atienza, para quem as Constituições haveriam incorporado
a moral no direito e, portanto, deveria se tratar de uma conexão entre direito e moral
– continua a valer, contra aquela enésima e insidiosa versão do legalismo ético, que é o
constitucionalismo ético, o princípio juspositivista da separação entre direito e moral,
uma vez que este princípio não quer dizer, de todo modo, que as normas jurídicas não
tenham um conteúdo moral ou alguma “pretensão de justiça”. Estas seriam teses sem
sentido. Mesmo as normas (a nosso entender) mais imorais e mais injustas são
consideradas “justas” para quem as produz e exprimem, portanto, conteúdos “morais”
que, mesmo se (nos) parecem desvalores, são considerados “valores” por quem os
compartilha. E mesmo o ordenamento mais injusto e criminal expressa aquela que, ao
menos para o seu legislador, é (subjetivamente) uma “pretensão de justiça”. Isto quer
dizer que as Constituições expressam e incorporam valores, nem mais nem menos, da
mesma maneira como o fazem as leis ordinárias. Aquilo que representa o seu traço
característico é o fato de os valores nelas expessos – aqueles que chamei “normas
substanciais sobre a produção” e que nas Constituições democráticas consistem,
sobretudo, em direitos fundamentais – serem por elas incorporados em um nível
normativo supraordenado àquele da legislação ordinária e serem, por isso, em relação
a esta vinculantes”
Assim, o autor desconecta o direito da moral, em contrapartida à tendência
neoconstitucionalista. Apesar de os juízes poderem ter discricionariedade, eles devem
estar restritos ao estabelecido nas normas e aos direitos das partes.

39- Como a teoria de Luigi Ferrajoli se relaciona com o direito natural e as questões
morais e éticas de acordo com o texto de Zanon Júnior?

Segundo o disposto por Zanon Júnior, a teoria de Luigi Ferrajoli se relaciona


com o direito natural e as questões morais e éticas na medida que o Estado não pode
obrigar um indivíduo a ser bom ou deixar de ser ruim. Existe uma separação clara
entre o direito e a moral. Assim, a pena, por exemplo, não tem uma finalidade moral,
sendo simplesmente uma pena.
“Portanto, para o garantismo, essa axiologia utilitária determina que, na
jurisdição, não se trate da moralidade, ou do caráter, ou da personalidade do indivíduo
(ver as restrições ao chamado direito penal do autor), mas apenas sobre o fato (direito
penal do fato).
Por fim, quanto à pena e sua execução, não deve haver nem conteúdos, nem
finalidades morais. O Estado não tem o direito de obrigar os cidadãos a não serem
ruins, nem, muito menos, de alterar a sua personalidade (reeducar, ou redimir, ou
recuperar, ou ressocializar).
O resultado deste processo de positivação do direito natural tem sido uma
aproximação entre a legitimação interna ou dever ser jurídica e a legitimação externa
ou dever ser extrajurídico, quer dizer, a sua juridificação por meio da interiorização no
direito positivo de muitos dos velhos critérios e valores substanciais de legitimação
Com ‘separação entre direito e moral’ deve-se entender, a meu juízo, não a
negação de qualquer conexão entre direito e moral, claramente insustentável uma vez
que qualquer sistema jurídico exprime ao menos a moral dos seus legisladores, mas
sim a tese já recordada segundo a qual juridicidade de uma norma não deriva da sua
justiça e a sua justiça não deriva da sua juridicidade”
Adicionalmente, o autor lista outras quatro características que entende como
elementares à base disciplinar do Positivismo Jurídico, ao lado da separação entre
Direito e Moral.
O resultado deste processo de positivação do direito natural tem sido uma
aproximação entre a legitimação interna ou dever ser jurídica e a legitimação externa
ou dever ser extrajurídico, quer dizer, a sua juridificação por meio da interiorização no
direito positivo de muitos dos velhos critérios e valores substanciais de legitimação
externa que foram expressados pelas doutrinas iluministas do direito natural”
40- O que são as garantias fundamentais dentro da teoria axiomática do Direito de Luigi
Ferrajoli de acordo com Zanon Júnior?

Segundo Zanon Júnior, “na experiência histórica do constitucionalismo, tais


interesses coincidem com as liberdades e com as outras necessidades de cuja garantia,
conquistada a preço de lutas e revoluções, depende a vida, a sobrevivência, a
igualdade e a dignidade dos seres humanos. Mas essa garantia se realiza precisamente
através da forma universal que provem da sua estipulação como direitos fundamentais
em normas constitucionais supra ordenadas a qualquer poder decisório: se são
normativamente de “todos” (os membros de uma dada classe de sujeitos), eles não
são alienáveis ou negociáveis, mas correspondem, por assim dizer, à prerrogativa não-
contingente e inalterável dos seus titulares e a outros tantos limites e vínculos
insuperáveis a todos os poderes, sejam públicos ou privados.
Estabelece Ferrajoli que, a sua proposição teórica é “um reforço do
positivismo jurídico, por ele alargado em razão de suas próprias escolhas – os direitos
fundamentais estipulados em normas constitucionais – que devem orientar a
produção do direito positivo”, tratando-se assim do “resultado de uma mudança de
paradigma do velho positivismo, que se deu com a submissão da própria produção
normativa a normas não apenas formais, mas também substanciais, de direito
positivo”.”

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