PDF Magazine 5efe38344692c
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[1]
X CONVENTÍCULO
NACIONAL
MARTINISTA
Dia 22/09/2016 ás 20hs
Dignitário Irmão Christian Bernard,
Soberano Grande Mestre da Tradicional
Ordem Martinista.
EQUIPE:
Mestre Hélio de Moraes e Marques
Iniciado Rudy Klass
Associado Sergio Levin
Arquivista Lucia Rodrigues Alves
Incógnito Alberto de França Serravalle
Orador José Augusto R. dos Santos
Sentinela Domingos Sávio Telles
TRADICIONAL ORDEM MARTINISTA
GRANDE HEPTADA
Grande Loja da Jurisdição Caixa Postal 4450 – 82501-970
de Língua Portuguesa Fone: (41) 3351-3000
Rua Nicarágua, 2.620 – 82515-260 Fax: (41) 3351-3065 e 3351-3020
Bacacheri – Curitiba – Paraná – Brasil www.amorc.org.br
Sumário
Editorial
Hélio de Moraes e Marques...............................................................................................2
[4]
Atlântida se opõem os textos do Timeu e do Crítias de Platão, ou ainda a
Arca de Noé do Antigo Testamento. No que tange os cavaleiros da Távola
Redonda, encontramos a realidade dos reis da Bretanha1. Louis-Claude
de Saint-Martin nos dá uma abordagem desse pensamento:
[5]
O Homem-Espírito […] deve ajudá-los, instrui-los e favorecer o
desenvolvimento de cada um conforme sua natureza própria. (O corpo,
o coração do homem e o Espírito, p.29)
Essa visão do ciclo do tempo talvez seja esquecida muitas vezes. Ela
nos sorri quando lemos o Gênesis, ou quando se fala da duração da
vida dos profetas e de seus descendentes. Poder-se-ia, ao contrário, em
nossa época de “imediatismo”, perguntar: “Qual é o papel do tempo na
evolução da humanidade?”. Sabemos que, do ponto de vista místico, o
tempo é organizado de maneira cíclica e não-linear. A própria palavra
“ciclo” vem do grego kuklos, que significa “roda” ou “círculo”. Numa
acepção primitiva, designa um intervalo de tempo que corresponde mais
ou menos exatamente aos retornos sucessivos de um mesmo fenômeno
celeste.
[6]
Mas o que são esses ciclos? De acordo com a cosmogonia hindu, o
mundo existe numa duração de 4.320.000 anos solares (mahâyuga) antes
de se dissolver e ser novamente recriado. O primeiro yuga, Satya, é uma
idade de ouro, e o declínio prossegue até a idade sombria de Kali, na qual
estaríamos atualmente e que precede a dissolução (Pralaya). O sistema
dos quatro yugas lembra, além disso, as quatro idades da Grécia antiga
e por vezes partilha as mesmas denominações de idade de ouro, prata,
bronze e ferro que se encontravam também na Pérsia antiga – o que
indica, mais uma vez, uma origem comum.
[7]
quais ainda em nossa sociedade atual sabemos reconhecer: o amor, a
onipotência, o ciúme, a maldade, a morte, a intemperança, a guerra… mas
também a sabedoria, a beleza, as artes, a ciência etc. Em nossa tradição,
esses temperamentos, caráteres, qualidades ou defeitos assumem os traços
de Afrodite para o amor e a beleza, de Zeus para a onipotência, de Hades
para a morte, de Dionísio para a intemperança, a loucura e as drogas, de
Atena para a sabedoria, de Ares para a guerra e a violência, ou ainda de
Apolo para as artes. Que dizer ainda dos personagens Júpiter e Juno? De
fato, na mitologia romana, Júpiter e Juno não se entendiam muito bem –
é o mínimo que se pode dizer – e conflitos incessantes rebentavam entre
eles.
[8]
Qual seria então o objetivo desse conjunto de lendas e de narrativas
mitológicas senão nos mostrar a existência, para além do tempo e do
espaço, de jogos de cena universais aos quais homens e mulheres se
submetem desde o princípio da queda da humanidade?
Por que não imaginar que o ser humano tenha podido também, por
seu sentido de observação, constatar fenômenos de repetições de ciclos
de vidas nas provações humanas, e por que não teria ele desenvolvido
um saber na observação do caráter e das tendências das “divindades” que
vinham em seu auxílio, a ponto de descrevê-las e organizá-las?
[9]
4 – Um drama ritualístico em escala mundial:
reintegração e tomadas de consciência individual
Por trás da desordem aparente do caos permanente que reina sobre a
Terra – por trás desse perpétuo recomeço – há uma poderosa metodologia
à qual toda a humanidade está submetida desde sempre e de acordo com
um modo de operação sobre o qual temos cada vez mais elementos,
como acabamos de explicar. A mitologia e as tradições são seus dois
pilares essenciais. A linha diretora dessa metodologia é que cada um de
nós possa ser, no decurso do tempo, submetido às mesmas experiências
– às mesmas provações. Essa metodologia é ela própria uma Lei divina.
Ninguém pode transgredi-la ou a ela se furtar. O próprio filho de Deus,
Ieschouah, submeteu-se plenamente a ela.
[ 10 ]
progressivamente como criança, adolescente, esposo ou esposa, pai ou
mãe, irmão ou irmã etc., ou do grupo profissional onde será subordinado,
colaborador ou dirigente, ou ainda no meio associativo, onde será
membro ou empregado etc. Isso aumenta ainda mais a dificuldade.
Porém, ele também fará com que os outros personagens sofram suas
próprias influências, e isso em função do seu caminho. Lembremo-nos
aqui das relações individuais e familiares dos deuses dos panteões grego e
romano: Júpiter e Juno, Ares, Apolo, Dionísio, ou ainda Atena. Lembremo-
nos do lugar deles no seio da família ou na visão da organização celeste.
Lembremo-nos de seus poderes, de suas taras, das condenações eternas
de alguns e das ações positivas de outros em benefício dos homens. Sobre
isso também se exprimiu Louis-Claude de Saint-Martin:
Com efeito, não há homem instruído sobre sua verdadeira natureza
que, se procura penetrar o sentido das tradições mitológicas, não
perceba nelas, com uma espécie de admiração, os símbolos dos fatos
mais importantes para a espécie humana e mais análogos a si mesmo.
(Quadro natural…, p.184)
[ 11 ]
Pode-se compreender melhor agora que os grupos – familiares,
profissionais, coletivos ou ainda estatais – são trampolins para a
consecução coletiva da reintegração dos seres. Vejamos o exemplo da
Europa. Quer se trate da vontade de reconstrução, de confraternização,
de abertura de fronteiras ou de paz, os esforços foram tais após a
Segunda Guerra Mundial, da parte daqueles a quem se chama de “os pais
fundadores da Europa”, que pela primeira vez em sua história um espaço
geográfico composto de países de línguas, culturas, moedas e religiões
diferentes decidiu realizar voluntariamente a sua unidade e construir um
projeto comum, todos juntos, e depois expandi-lo.
[ 12 ]
aquele que nenhuma época anterior à nossa havia jamais conhecido: o
Messias, Ieschouah. Tudo está escrito em nossa história.
Então, com todos esses exemplos e auxílios que lhe foram trazidos
pelo passado, sempre e em todos os lugares; com a organização que
lhe fora dada de passar, etapa após etapa, por provações associadas a
figuras impostas; com o tempo que lhe foi dado para poder cumprir sua
missão, o que falta ao homem de hoje para que seja bem-sucedido em
seu percurso? Talvez um novo modelo. Mas onde poderia encontrá-lo?
Talvez em sua história.
Mas que época poderia lhe dar a solução? Talvez uma era de busca
mística? Qual poderia ser essa época de onde viria esse novo modelo?
Olhando bem, para tentar responder a essas perguntas e observando
o conjunto dos valores herdados dos tempos antigos, a instituição que
sempre representa um modelo de nobreza e de valores é a Cavalaria.
Ainda hoje é o cavaleiro quem se beneficia da maior popularidade junto
à população. É na Cavalaria onde ainda se pode buscar valores, como
a retidão, a coragem, o desinteresse, o espírito de sacrifício, a honra, a
investigação e ainda outras qualidades mais. Porém, se a Cavalaria é
evocada no âmbito deste trabalho de reflexão, é também para voltar,
como já dizíamos, ao princípio adâmico e à tradição judaico-cristã que
está no cerne de nossa tradição. Que outra coisa, senão a Cavalaria,
ilustra melhor essa representação inicial? Além da Cavalaria, o que é que
responde à ideia do arquétipo supremo ao qual o homem aspira, senão
sua própria imagem inicial?
[ 13 ]
6 – E se a reintegração já tiver começado?
Bibliografia
SAINT-MARTIN, Louis-Claude de. Quadro natural das relações que existem entre Deus,
o homem e o universo, 2001.
HAVEN, Marc. Le corps, le cœur de l’homme et l’Esprit [O corpo, o coração do homem e
o Espírito], Paris, Paul Derain, 1961.
PASQUALLY, Martinès de. Tratado sobre a reintegração dos seres, Diffusion
Rosicrucienne, 1995.
Ilustrações: p.2, William BLAKE, « A Europa, profeta, ou o Ancião dos dias », 1794 ;
John PETTIE, « A desperta », 1884, Tate Britain, Londres.
[ 14 ]
As aplicações
práticas da Filosofia
Martinista Édouard Glombard
verdade”.
E
ste estudo tem por objetivo nos ajudar a refletir sobre as “ferramentas
espirituais” que a Tradicional Ordem Martinista propõe para
transpor, ou então gerir o mais serenamente possível, as provações
de todas as naturezas com as quais poderíamos vir a ser confrontados.
Segundo os princípios fundamentais da Ordem, os trabalhos devem
transcorrer sob a proteção da máscara, do manto e do cordão – símbolos
que devem para sempre permanecer incorporados à nossa consciência.
Se é fato que ainda estamos em evolução entre os “pilares de oposição”,
também é verdade que muitos olhos veem sempre melhor que dois.
[ 16 ]
dos homens. Esse ensinamento é “eterno” em sua essência, pois é uma
perfeita expressão da verdade projetada a partir da Consciência Divina.
Por conseguinte, discorrer sobre aplicações práticas da filosofia martinista
significa abordar ensinamentos que emanam da Tradição Primordial
na formulação específica da Tradicional Ordem Martinista. Isso é,
desse ponto de vista, uma tarefa delicada. Retivemos, portanto, como
estratégia, destacar certas “Ideias-Forças” que nos parecem essenciais, e
tentaremos encontrar o valor que elas podem ter para nós num plano
prático; em outras palavras, o valor que elas podem ter para melhor gerir
nosso cotidiano.
Primeira ideia-força:
o homem é essencialmente um “ser espiritual” caído
[ 17 ]
presença neste planeta Terra tem uma causa, “a Queda”, mas também um
objetivo, a saber, a reconquista do mundo espiritual – a reapropriação
consciente dos direitos e privilégios originais… assim como os meios
para atingir esse objetivo. Isto é, desse ponto de vista, portanto, um
fator de apaziguamento, uma fonte de esperança e, sobretudo, um fator
de motivação. Essa primeira ideia-força explica nossa responsabilidade
enquanto almas individualizadas, parcelas da Alma Divina universal
na trama do plano cósmico… Essa tomada de consciência nos ajuda a
dar um sentido essencial à nossa vida. A responsabilidade que nos cabe,
fundada sobre o livre arbítrio, implica para nós a observação bastante
avançada dos diferentes reinos da natureza, a fim de neles descobrir,
pela justa reflexão e pela meditação, as leis divinas que neles operam.
Em outras palavras, ela implica um estudo atento do grande “Livro da
Natureza” e do “Livro do Homem”. Atentos ao nascer e ao pôr do sol, aos
movimentos cíclicos da Lua e à sua influência sobre os diferentes reinos
da natureza (tanto quanto os dos outros planetas, além disso), atentos aos
ritmos das estações, à multiplicidade das cores e aos cantos dos pássaros,
atentos às pulsações do coração e às emoções que nos envolvem ao sabor
dos acontecimentos, nós descobrimos, no decurso do tempo, a profunda
unidade da Criação na diversidade de suas expressões. Tudo vive numa
profunda harmonia. O homem aí ocupa um lugar excepcional, e um papel
especial lhe é destinado. Essa observação dos diferentes reinos da Natureza,
associada ao nosso raciocínio analítico e à meditação, gera no tempo
uma ampliação de nosso campo de consciência. Se René Descartes pôde
dizer, no século XVII, cogito ergo sum (“penso, logo existo”), poderíamos
então lhe replicar: “Claro, mas nós existimos porque os outros existem,
e nós existimos com os outros…”, sendo “os outros” tudo aquilo que nos
rodeia manifestando as diversas expressões da vida por meio dos diversos
reinos, sobretudo os reinos vegetal e animal. O martinista, tendo acesso à
compreensão do conceito de fraternidade universal, poderia se tornar em
sua prática um fervoroso defensor da Natureza, pois compreendeu que
convém antes de tudo aprender a obedecer-lhe e amá-la.
[ 18 ]
Segunda ideia-força:
o impacto da lei do binário no desdobramento da Criação
No conjunto do universo, tudo está submetido à lei da dualidade.
Assim, a “Vida”, que é movimento, resulta da interação das polaridades
opostas, que são simbolizadas pelas colunas Jaquim e Boaz… Segundo
nossa compreensão, essas polaridades opostas seriam as duas expressões
da vibração divina primordial quando posta em movimento no Fiat
Lux original para se manifestar em frequências pares e ímpares – e
isso em oitavas infinitas. A qualidade dessa “vida” que daí resulta, na
sua conjunção, dependerá da preponderância de uma ou de outra das
polaridades e da relação harmoniosa que deve prevalecer entre ambas –
relação a qual é estabelecida pela Sabedoria Divina. É esse princípio que
os orientais exprimem em termos de yin e yang. Essa lei da polaridade,
bem assimilada e dominada, pode ser muito rica em aplicações práticas,
pois pode nos ajudar a suplantar muitas dificuldades e problemáticas
existenciais de nossa época.
[ 19 ]
A relação entre corpo físico e corpo espiritual ou alma
A relação Homem-Mulher
[ 20 ]
dualidade) em todos os níveis (familiar, social, profissional, espiritual), o
martinista pode reencontrar o equilíbrio graças a um justo discernimento
– uma vontade resoluta de agir e uma reorientação regular, sendo esse
ponto de reorientação o Amor. Nossos pensamentos, nossas palavras e
nossas ações devem ser reconduzidos ao Amor verdadeiro, que não é,
naturalmente, sentimentalismo nem emotividade excessiva. Contudo,
se o Amor verdadeiro pode neutralizar as oposições, permanece a
questão: como exprimi-lo no mundo dos homens? Talvez a resposta seja
encontrada na “senda óctupla” preconizada pelo ilustríssimo Gautama, o
Buda, ou então na injunção do Mestre Jesus: “Ama o teu próximo como a
ti mesmo; não lhe faças sofrer aquilo que não gostarias que fizessem a ti!”.
Terceira ideia-força:
a lei ternária e a constituição triádica do homem
Essa lei ternária é a expressão da criação perfeita. Ela rege a estrutura
do universo, assim como a do homem e a da célula. No universo, ela
se exprime como mundo elementar (mineral, vegetal, animal), mundo
dos Orbes (mundo dos corpos celestes) e mundo do Empíreo (mundo
além do mundo dos Orbes). No ser humano, o ternário se manifesta
da seguinte forma: corpo físico (nível do abdômen – caracterizado
pelo simbolismo da água – Mem), corpo fluídico (nível do peito –
caracterizado pelo simbolismo do ar – Aleph) e corpo espiritual (nível da
cabeça – caracterizado pelo simbolismo do fogo – Shin).
A Cabala expressa isso como sendo três níveis ou três tipos de energias
vibratórias, a saber: Nephesh (no que se refere ao corpo físico), Neshama
(no que se refere ao corpo fluídico) e Rouach (no que se refere ao corpo
espiritual). Esse ternário é simbolizado também pelas três cores: preto,
vermelho e branco, em relação com três planos de consciência. Também
é simbolizado pelas três luminárias, pelos três pontos da insígnia dos
“S.I.”… De modo prático, observamos então que no ser humano se
enredam três campos de vibrações específicas. Quais são, portanto, os
fatores que influem sobre esses diferentes campos de vibrações?
Plano do corpo físico: As energias desse plano são oriundas da Terra
e da polaridade negativa. O consumo de alimentos e a absorção de água
[ 21 ]
trazem ao organismo essa energia. Todavia, certos alimentos geram uma
densificação excessiva das vibrações do corpo, e disso resulta maior
retenção de nossa consciência no nível deste plano, enquanto outros,
ao passo que atendem às necessidades energéticas do corpo, facilitam a
passagem da consciência para campos de vibrações mais sutis. É por essa
razão que é importante controlar bem a alimentação.
[ 22 ]
Quarta ideia-força: a lei septenária
[ 23 ]
Instrução para
progredir na vida
interior
Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas:
simplicidade e pureza. A simplicidade deve estar na intenção e a
pureza no afeto. A simplicidade procura Deus; a pureza o encontra
e Dele frui. Nenhuma boa obra a ti parecerá difícil se estiveres
interiormente livre de todo afeto desordenado. Se só queres o que
apraz a Deus e o proveito do próximo, gozarás da liberdade interior.
Se teu coração for reto, então toda criatura te será um espelho de vida
e um livro repleto de santas instruções. Não há criatura tão pequena
e vil que não represente de alguma forma a bondade de Deus. Se
fosses interiormente inocente e puro o suficiente, logo verias tudo
sem dificuldade. O coração puro penetra o céu e o inferno.
Cada um julga as coisas de fora segundo o interior de si mesmo.
Se há alegria neste mundo, é o coração puro que a possui; se há
tribulação e angústia, é a má consciência que as experimenta antes
de tudo. Como o ferro metido no fogo perde a ferrugem e se faz
todo incandescente, assim o homem que se entrega inteiramente
a Deus se despoja do langor e se transforma em um novo homem.
Quando o homem começa a cair na lassidão, logo teme o menor
trabalho e recebe avidamente os consolos exteriores. Quando, porém,
começa deveras a vencer-se e a andar com coragem no caminho de
Deus, leves lhe parecem as coisas que antes achava penosas.
[ 24 ]
A marcha para a
Terra Celestial
Didier Gilles
[ 26 ]
Revejamos rapidamente esse grande drama que é a queda do homem:
Adão, protótipo da humanidade original, foi emanado pela Divindade
para reconduzir à ordem os espíritos que haviam tentado agir fora dos
preceitos, leis e mandamentos divinos e que foram banidos da Imensidade
Divina para serem aprisionados num lugar de exílio: o mundo terrestre.
O distanciamento desses espíritos prevaricadores, segundo os termos
de Martinès de Pasqually, primeiro mestre de Louis-Claude de Saint-
Martin, pôs em movimento todo um processo concebido e ordenado
no pensamento divino e executado por certas classes de espíritos
emancipados do seio do Eterno: a Criação.
O homem da torrente
Para Louis-Claude de Saint-Martin, o homem ordinário, submetido
aos furores do destino e que só anda em círculos na floresta dos erros,
é designado pelo nome de “homem da torrente”. Se, pela graça do céu,
nesse ser mergulhado nos meandros da materialidade começa a surgir
um desejo de conhecimento; se, percebendo a luz brilhando nos rostos
daqueles que deixam que cresça em si a Luz Divina, ele próprio deseja
ardentemente receber essa luz, ele será então, segundo o Filósofo
Desconhecido, um “homem de desejo”, manifestando em seu coração o
[ 27 ]
desejo de Deus. Sobre esses é dito que receberam o chamado da Divindade
que ecoa em toda a Criação: ela chama constantemente os homens a se
porem de pé, levantando-se e partindo em busca de si mesmos.
Para além do caráter aparentemente simples de certas narrativas das
maiores tradições da humanidade, podemos perceber, fora da própria
historicidade do que foi relatado, os símbolos da grande aventura
interior que aguarda todo homem de desejo. Os “homens da torrente”,
que ainda não tomaram consciência de seu estado de exílio, não podem
compreender a urgência que nasce no coração daqueles que se sentiram
chamados pela Divindade. Martinès de Pasqually chamava a atenção de
seu discípulo Pierre Fournié para isso ao escrever:
Você vê todos os tipos de pessoa andando pela rua; pois bem! Essas
pessoas não sabem por que caminham. Você, porém, saberá2.
A peregrinação da alma
A caminhada implica um movimento, mas nesse caso trata-se de
uma marcha consciente – uma viagem de um estado a outro: sair dos
condicionamentos reforçados pela vida trepidante atual para ir para esse
outro estado que vai de mãos dadas com a nobreza e a dignidade humana.
A marcha, quando tem por objetivo nos reconectar com nossa natureza
profunda, se reveste do caráter de uma peregrinação feita nos labirintos
de nossas terras interiores.
2 FOURNIÉ, Pierre. Ce que nous avons été, ce que nous sommes et ce que
nous deviendrons [Aquilo que fomos, somos e seremos], Londres, A. Dulau,
1801, p.365.
3 UNDERHILL, Evelyn. Misticismo. Diffusion Rosicrucienne, 2011, p.227.
[ 28 ]
À luz da Tradição Martinista, viajaremos para essa Jerusalém Celeste
através das grandes etapas do percurso simbólico de um martinista
contemporâneo. Lançaremos mão daquilo que pudemos obter dos
ensinamentos martinistas, e mais especificamente daquilo que Louis-
Claude de Saint-Martin percebeu interiormente e nos legou por seus
escritos, que concordam perfeitamente com aquilo que dizem as maiores
tradições da humanidade sobre todas as etapas essenciais do percurso
espiritual. A propósito das tradições, é escusado dizer que cada uma
delas, em sua essência, é um pedaço da Eterna Verdade e que elas se dão
as mãos umas às outras, provindo de uma fonte única e revelando cada
qual, no decurso da peregrinação do homem sobre a Terra, um aspecto
da unidade de Deus.
[ 29 ]
nosso desenvolvimento espiritual se encontrem em nós, o conhecimento
que nos permitirá empreender esse trabalho é impessoal e que não
temos de forma alguma o direito de nos envaidecer dos progressos que
teremos feito ou das benesses que poderemos proporcionar aos outros
graças a esse conhecimento. Cada qual deve aprender a permanecer um
Incógnito… pois os nomes, os atavios e as glórias terrestres devem ser
apagados a fim de permitir que a consciência adquira certa clareza…
O Silêncio: o conhecimento das grandes verdades, o princípio e a
ordem de todas as coisas só podem chegar à consciência no silêncio. Na
solidão e no isolamento, o martinista aprende a imergir, graças ao seu
manto, no silêncio de sua alma; lá ele poderá perceber, se souber escutar
bem, o canto do Verbo Divino que ressoa em toda a Criação desde a
sua emanação do Princípio até as profundezas da Terra. No coração do
silêncio repousa o Verbo – o Nome –, mas também essa presença elusiva,
furtiva no começo, mas que se distinguirá ao longo de toda a sua busca…
O sentimento de união com o Divino: o martinista, à medida que
caminha, ganha em certeza: seu desejo de Deus aumenta e o gérmen de
luz recebido no começo de sua busca parece crescer, assim como esse laço
invisível que o religa a todos aqueles que, como os elos de uma corrente,
transmitiram o Conhecimento.
[ 30 ]
Ajudado pelo conhecimento encontrado no caminho quanto às
suas origens, as da Criação, seu objetivo e suas múltiplas subdivisões
e graças a dois misteriosos livros os quais deverá aprender a ler, o
peregrino martinista descobrirá a grandeza de sua missão. Ele tomará
conhecimento da existência do corpo de luz que ele perdeu, mas que
pode reencontrar; mas também e sobretudo a existência de uma ajuda
preciosa e inevitável, a força mais poderosa em ação em toda a Criação: o
Reparador, o Reconciliador, o Cristo Cósmico Ieschouah, que ele deverá
aprender a invocar, pois ele é “o caminho, a verdade e a vida”. No silêncio
de seu coração, no amor e pela santa prece, o Cristo será seu único apoio,
sua única força e seu único suporte nesse processo de santificação total
do ser.
[ 31 ]
No caminho do Templo, certos guias, tendo percebido seu desalento
diante de uma tarefa tão grande, dar-lhe-ão as chaves que o ajudarão a
dissipar suas dúvidas. Porém, não serão apenas as suas dúvidas a serem
dissipadas… Tendo partido do irreal, ele caminha para a Realidade
última das coisas e, graças ao longo caminho já percorrido, ele começará a
perceber a Unidade além da dualidade aparente de todas as manifestações
e que não pede mais do que ser revelada. Desenvolvendo a inteligência do
coração, ele poderá captar o sentido por trás do véu que cobre a realidade
de todos os fenômenos… Ele então se dará conta, enquanto “pequeno
macrocosmo”, de que trazia em si um templo em ruínas desde a Queda.
As maiores tradições da humanidade utilizaram muitos símbolos para
descrever essas etapas especiais da peregrinação espiritual: a ascensão da
escada de Jacó, os sete vales do poeta sufi Attar na Cantiga dos pássaros,
a escada cerimonial de sete degraus (representando os sete céus) a ser
escalada nos Mistérios de Mitra… Para Martinès de Pasqually, os sete
planetas da Imensidade Celeste simbolizam a distância que o homem
deve percorrer para reencontrar esse estado de aliança anterior à Queda.
Esses sete planetas (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno),
pilares do Templo universal, foram as testemunhas da descida do homem
para o mundo terrestre e constituem os sete níveis da montanha celeste
que ele deve escalar para se reconciliar com Deus e encontrar a paz.
Quaisquer que sejam a tradição e os elementos utilizados, esse
septenário faz referência a um sete arquetípico – a um modelo divino que
os grandes místicos perceberam e que é encontrado sob múltiplas formas:
são os sete Espíritos de Deus do Apocalipse ou ainda os sete agentes da
“natureza eterna” de Jacob Boehme. O Filósofo Desconhecido, em sua
Carta sobre as relações da Harmonia com os Números, escreveu:
Creio, pois, que aí podemos reconhecer os sete principais agentes da
criatura universal dos quais conheceis os nomes corporais, todos os
produtos, virtudes, divisões, sinais e propriedades que pertencem a
esses sete agentes, assim como tudo aquilo que os homens empregam
todos os dias para representá-los sem deles conhecer o princípio nem
os efeitos. Enfim, encontrareis provas desse septenário natural em tudo
aquilo que compõe e que contém a criatura em sua ação temporal, pois
ele a divide e a ocupa por inteiro desde a superfície até o centro.
[ 32 ]
Esse septenário também faz referência a essa força espiritual poderosa
que modela a Criação e que penetra tudo até as profundezas da Terra;
desde tempos imemoriais ela foi vista como representando as causas
segundas que governam essa Criação. Os termos “espíritos-princípios-
planetas” refletem a atividade poderosa dessa energia segundo os diversos
graus em que manifesta sua ação. Escalando a montanha, o peregrino
martinista deve reconquistar com uma vontade inabalável todo o
potencial de sua alma harmonizando-se com os sete planetas, reflexos
desses princípios superiores da Alma do mundo na Imensidade Celeste.
Ao ouvido de sua alma, a “voz de sua consciência” não cessará de lhe
murmurar prontamente: “Solve et Coagula! ”.
[ 33 ]
A prece
Certo dia, certa hora, quando não estará mais pensando nisso e
quando não terá nenhuma ideia de seu grau de progresso rumo ao
cume da montanha, quando sua regeneração estiver completa e ele não
tiver sequer consciência disso – pois para ele as trevas o rodeiam e ele
experimenta a terrível noite da alma… –, num sopro que dissipará todas
as sombras, ele receberá “o beijo do anjo”.
[ 34 ]
O céu está escondido no coração […] a porta do céu se abre em meu
espírito, pois o espírito vê o Ser Divino e Celeste, não fora do corpo,
mas o clarão se eleva na fonte fervilhante do coração, na sensibilização
do cérebro, na qual o espírito contempla. […] O clarão está encerrado
na fonte fervilhante do coração, e então sobe das sete fontes-espíritos
ao cérebro como uma aurora, e lá se encontram o objetivo e o
conhecimento.4
[ 35 ]
A Vida para além dos
Sentidos
“Como posso ter acesso à vida além dos sentidos, de modo que eu
veja Deus e O ouça falar?
Se podes por um instante penetrar esse lugar que nenhuma criatura
habita, então ouves aquilo que Deus diz.
Esse lugar é perto ou longe?
Ele está em ti, e se podes por uma hora silenciar todo o teu querer e
todo pensamento, então compreenderás as palavras inexprimíveis de
Deus.
Como posso ouvir se me mantiver no repouso do pensamento e do
querer?
Quando estás no repouso do pensar e do querer de tua própria
existência, então a audição, a visão e a palavra eternas se manifestam
em ti, e Deus ouve e vê por ti. Tua própria audição, teu próprio querer,
tua própria visão; eis aquilo que te impede de ouvir e de ver Deus.
Por qual meio devo ouvir e ver Deus se Ele está além da natureza e
da criatura?
Quando te calas e repousas, então és aquilo que era Deus antes da
natureza e antes da criatura; aquilo do que Ele fez tua natureza e tua
criatura. Então tu O ouves e O vês por aquilo através do que Deus via
e ouvia em ti antes que começassem teu próprio querer, tua própria
visão e tua própria audição.
O que então me impede de ter acesso a esse lugar?
Teu próprio querer, tua própria visão e tua própria audição, e que
tu te esforces contra isso de onde vieste. Por tua própria vontade te
separas da vontade de Deus. Por tua própria visão tu só vês em tua
própria vontade, e tua vontade obstrui tua audição pela sensualidade
própria das coisas terrestres e naturais. Essa vontade te põe no fundo e
te recobre com a sombra daquilo que queres, de modo que não podes
ter acesso àquilo que está além da natureza e além dos sentidos.”
[ 36 ]
Jacob Boehme
(excerto de “Da Vida para além dos sentidos,
ou o colóquio de um Mestre com seu discípulo)
SOHRAVARDÎ:
Teósofo Persa
Josselyne Chourry
[ 38 ]
Em Alepo, Sohravardî encontra o governador al-Malik al-Zahir, que
se revela como sendo um dos filhos de Salâhoddîn, o famoso Saladino,
vencedor dos cruzados. O biógrafo de Sohravardî relata que em Alepo
ele teve desacordos e disputas veementes com os juristas ou doutores
da lei. O takfir, sentença que condena a impiedade para com o Islã, cai
sobre ele; porém, no momento em que a prudência aconselharia que
deixasse Alepo, sua lealdade para com uma causa que ele considerava
maior do que si próprio fez com que ficasse, continuando a pregar a
santa linhagem dos sábios teósofos e de seu imã6 oculto. Inquieto com
aquele poder esotérico, Saladino, então em combate contra os Francos,
temia qualquer veleidade de sucessão, mesmo que espiritual e inofensiva,
capaz de perturbar mesmo em pensamento o poder religioso sob sua
férula política ambiciosa. Saladino deu ordem a seu filho Malik para que
executasse Sohravardî, não hesitando diante de suas procrastinações de
ameaçá-lo de retirar-lhe o posto de governador. Não se conhece com
exatidão as circunstâncias de sua morte (provavelmente por decapitação),
mas Sohravardî, o Sheikh al-Ishrâq (“mestre do Oriente”), morreu em 29
de julho de 1191 (a data mais comumente aceita) na cidadela de Alepo,
na idade de 36 anos. Por essa execução, Sohravardî conservará o triste
título de Shaykh Maqtul, ou seja, “o Mestre assassinado”.
[ 39 ]
muitas das quais permanecem inéditas. Esses livros são repartidos em
três compêndios: O livro das elucidações inspiradas da távola e do trono;
O livro das encruzilhadas e colóquios; e O livro das resistências.
O pensamento sohravardiano
[ 40 ]
Idriss) é o ancestral de todas as sabedorias. Seth, filho de Adão, por
sua vez, é considerado como o iniciador dos Ishrâqîyûn. Os gnósticos
sethianos também viam em Jesus Cristo uma epifania de Seth, que
alguns comparavam a Zoroastro. Com efeito, Sohravardî ressuscita o
Zoroastrismo, o hermetismo, o orfismo e o platonismo sob o sigilo do
Islã. A Pérsia e os países adjacentes foram o berço, a passagem e a fusão
de diversas tradições, doutrinas religiosas e teorias filosóficas.
[ 41 ]
uma Terceira Inteligência, ou segundo emanado: o Adão espiritual. A
hierarquia das inteligências é rompida dramaticamente pela Terceira
Inteligência – o Adão celeste que recusa a linha das luzes e perde então
seu lugar, caindo como Décima Inteligência. O processo da Inteligência
de luz é o reconhecimento da primazia da Inteligência que a precede.
Adão, o segundo emanado, recusa-se a passar pelas Inteligências que o
precedem. O Adão celeste é ofuscado diante de si mesmo: “A regressão
do Adão celeste da Segunda à Décima Inteligência é um retardo de
eternidade – da “eternidade retardada”. Esse retardo é mensurado pelas
sete outras Inteligências que procederam durante a vertigem do Adão
celeste. É a queda de Adão que engendra Luz e Trevas.
Essas visões ismaelianas das hierarquias celestes e do Adão que cai para
a segunda posição da visão cósmica são retomadas por Sohravardî, ainda
que a liturgia conserve sua importância como meditação necessária ao
desdobramento das múltiplas Inteligências. É o rito perpetuado que nos
põe na presença e harmonizados com as luzes da Inteligência. Sohravardî
evoca também a sakîna, equivalente árabe da palavra hebraica shekinah.
O conceito é quase o mesmo. Esse termo, que significa “morada, estância”,
é utilizado para designar a presença divina em todas as coisas, mas os
cabalistas a ele acrescentam uma noção de aspecto feminino, habitado
por uma dinâmica potencial que só pede para ser orientada para o Divino.
A sakîna árabe é também hipóstase da presença de Deus; contudo, se a
raiz triliteral S K N comporta a ideia de permanência e de morada, ela
também se inclina a uma presença tranquila. No Islã, a sakîna é uma
“tranquilidade” divina ou uma “paz” que desce sobre aquele que crê –
o submisso (a Deus, pois o termo “muçulmano” significa “submisso”)
– quando da recitação do Alcorão. Quando Sohravardî fala de “sakîna
maior” (al-sakînat al kobrâ), ele designa aqueles em quem a sakîna se
instala para que as Luzes espirituais persistam.
A teosofia oriental
Pela iluminação de seu nascer, o Sol é o símbolo da luz pura.
O fundamento da teosofia oriental é a experiência íntima de uma
percepção mística. O astro que ilumina a Terra é a contrapartida física
[ 43 ]
do conhecimento pelo qual o ser se eleva ao seu próprio Oriente.
A preocupação maior do Sheikh al-Ishrâq é garantir ao mundo um
“fermento espiritual” – uma transmissão encarnada pela figura do imã
oculto, o vicário (califa) de Deus sobre a Terra, ele próprio rodeado por
um grupo de sábios que são as colunas do céu, os catalisadores através
dos quais penetra a graça divina. Reencontramos essa noção entre os
cabalistas judeus com a ideia de que são necessários ao menos trinta e
seis justos para que o Mundo subsista. Seja no conceito sohravardiano ou
no da Cabala, em cada época considera-se que um grupo de “perfeitos”
mantém o Mundo. A função do imã, enquanto “polo místico”, é essencial,
mas ele não precisa ser reconhecido publicamente. Os imãs do Ishrâqîyûn
operam na maior humildade, invisíveis no visível. Assim, a investidura do
manto (khirqa), que simboliza o estado Sufi, remontaria a um dos doze
imãs. Os escritos de Sohravardî se dirigem ao buscador cuja aspiração
é pura. O sufismo é uma senda de iluminação interior. O objetivo do
sufismo é o conhecimento da verdade pela senda do coração, e não por
intermédio de teorias e de raciocínios filosóficos ou racionais. O khirqa é
o manto de honra do dervixe, pois ele simboliza a natureza divina e seus
atributos. Diz-se que o manto é tecido com a agulha da devoção e com o
fio da lembrança permanente de Deus.
O arcanjo empurpurado
Fora o célebre Kitab hikmat al-Ishrâq, já citado, outra obra merece
a nossa atenção: A narrativa do arcanjo empurpurado, que foi objeto
de uma tradução apresentada e comentada por Henry Corbin. Essa
narrativa eminentemente mística começa com um longo prólogo cujo
tema de partida é a preexistência da alma. A linguagem dos pássaros com
o famoso Simorgh é o primeiro motivo evocado. Por que o pássaro é
emblemático da alma? A alma é efetivamente sugerida e comparada ao
aparelho alado do pássaro, o qual lhe dá a faculdade de se locomover
nos ares, bem acima da terra, e de assim ver de modo mais elevado.
Reencontramos aqui as figuras angélicas de seis asas da cristandade, os
fravashis (anjos/guardiões internos) do Zoroastrismo e as asas da antiga
Mâat egípcia. Isso nos evoca também o Fedro de Platão, onde a alma é
representada com uma carruagem alada conduzida por um anjo também
alado.
[ 44 ]
O tema seguinte do prólogo é a queda da alma. O terceiro tema é o
da evasão, talvez inspirado pela solidão dos altos planaltos iranianos,
tal como o mito do deserto como lugar de expiação ou de libertação.
É nesse lugar que encontramos o Anjo. A obra é quase uma iniciação à
angelologia, mas é também a produção de um visionário. O Espírito Santo
é Gabriel, o arcanjo de duas asas: a direita, que é pura luz; e a esquerda,
que tem uma marca tenebrosa. Dessa última asa se projeta uma sombra
que mantém o mundo da ilusão. As almas de luz emanam da asa direita.
A liturgia do dia
[ 45 ]
Que Deus purifique aqueles que aqui estão de pé, e que Ele os aproxime.
Que Ele conceda a liturgia da Luz que se ergue em seu Oriente.
Que Sua bênção esteja sobre o cone da chama da Luz.
Que Ele envie o influxo celeste sobre a lâmpada do santuário.
Que Ele consagre a oferenda e o ato digno de louvor. Ele fez do arauto
da Luz do Levante o cavaleiro do Oriente, o confidente dos sacrossantos,
aquele que faz descer o socorro e dá a ordem, proclamando do alto das
ameias do mundo da Glória:
Ó, Príncipe do Universo, termo final dos movimentos dos sóis que se
erguem em seu Oriente quando declinam no Ocidente! Faz erguer a
litania da Luz. Vem em auxílio do povo da Luz. Guia a Luz para a Luz.
Bibliografia
CORBIN, Henry. En Islam iranien [No Islã iraniano], 4
vol., Paris, Gallimard, 1971.
CORBIN, Henry. Histoire de la philosophie islamique
[História da filosofia islâmica], Paris, Gallimard, 1964.
CORBIN, Henry. Trilogia ismaeliana [Trilogia
ismaeliana], Paris, Adrien Maisonneuve, 1994.
CORBIN, Henry. L’homme de lumière dans le soufisme
iranien [O homem de luz no sufismo iraniano],
Chambéry, Présence, 1971; reed. Médicis, 2014.
CORBIN, Henry. Avicenne et le récit visionnaire
[Avicena e a narrativa visionária], Lagrasse, Verdier,
1999.
SOHRAVARDÎ. L’archange empourpré [O arcanjo
empurpurado], Paris, Fayard, 1976.
SOHRAVARDÎ. Le livre de la sagesse orientale [O livro
da sabedoria oriental], Lagrasse, Verdier, 1986.
ATTAR, Le langage des oiseaux [A linguagem dos
pássaros], Paris, Sinbad, 1982 ; reed. Albin Michel,
1996.
[ 46 ]
Rumo à Consciência
Divina Jean-Claude Mondet
Está entendido que sua natureza escapa à nossa compreensão, mas isso
não deve nos impedir de refletir. Existe uma entidade que, ainda que não
seja nada, é Tudo. Só existe ela, sem que haja um não-ela, nem mesmo
possibilidade de existência de alguma coisa que não seja ela. Nessas
condições, ela pode ter consciência de sua existência, consciência de si
mesma, saber que existe? Tomemos uma analogia, nós, falíveis humanos.
Imaginemo-nos sem nossos sentidos, sem nenhuma percepção do
exterior, daquilo que não somos nós e que, por conseguinte, não existiria
para nós. Sem comunicação, não teríamos podido desenvolver linguagem
e não saberíamos desenvolver um raciocínio, nem mesmo experimentar
um sentimento, sem nenhuma aplicação. Não tendo consciência daquilo
que não somos nós, não podendo raciocinar nem sentir o que quer que
seja, teríamos consciência de nós mesmos? Seríamos uma inteligência
[ 48 ]
sem função – uma vontade sem ponto de ação. Estaríamos na situação
do Criador sem criação. Para nós mesmos, seríamos ao mesmo tempo
Tudo e Nada.
Postular a existência de uma Inteligência universal redunda em admitir
que ela própria é infinita. Ela sabe que, para existir realmente, deve criar
algo que não seja ela e com o qual ela poderia se comparar para ter uma
ideia daquilo que ela é. Esse algo lhe devolveria sua imagem, pois ele
seria a imagem de seu criador, necessariamente, haja vista que o conteria.
Todavia, se refletirmos sobre isso, na realidade o Criador não tinha de fato
necessidade de criar o mundo. Para ser, ele não precisa de nada – nem
mesmo da criação. Ao realizá-la, ele criou com o mesmo gesto algo para
amar. É o gesto mais perfeito de amor, pois, ao criar o outro, ele criou o
próprio Amor. Foi, de alguma forma, o Amor que criou o Universo.
[ 49 ]
ou seja, sobre a animalidade dentro de si; também separou o masculino
do feminino, o corpo e a alma, e é aí que nos encontramos.
A consciência humana
Paremos aqui com essas especulações para observar mais diretamente
o objeto dessa reflexão: nós mesmos. Como, a partir da matéria de que
somos concebidos, nossa consciência nasceu? Como pode ela atingir a
Consciência Cósmica? E inicialmente, o que é a consciência? Dizer que é
aquilo de que temos consciência não nos adianta muito, e a sabedoria das
nações não se equivocou quanto a isso, falando de uma voz da consciência
nem sempre fundamentada, parecendo por vezes emergir de uma parte
de nós mesmos situada fora do domínio consciente.
Somos conscientes daquilo que se passa ao redor de nós graças
às mensagens de nossos sentidos, ainda que sejam imperfeitos. Essa
consciência é chamada de “objetiva”, pois ela se relaciona a objetos. Somos
também conscientes de nós mesmos, de nossa individualidade; emitimos
pensamentos permanentemente. É, portanto, uma consciência que pode
ser qualificada de “subjetiva”, relacionando-se a nós enquanto sujeitos.
[ 51 ]
A consciência também dá um novo passo. Acredita-se que essas
funções especiais possam ser exercidas por bactérias ingeridas que tenham
conservado sua consciência primitiva, ao passo que a célula possui uma
consciência mais global que lhe permite, por exemplo, afastar-se de um
perigo ou atacar uma presa. Por sua vez, as células se agrupam, dotam-
se de um esqueleto, os anfíbios e depois os répteis aparecem tendo pela
primeira vez um embrião de cérebro – o hipotálamo, que ainda temos,
nosso cérebro reptiliano sendo especializado na gestão de nossas funções
vitais. Depois a evolução prossegue com a aparição dos mamíferos, há
duzentos milhões de anos, trazendo novas características cerebrais, como
a aparição do sistema límbico, dedicado às emoções, ao gostar/não gostar
e à memória. A característica essencial é a presença de um córtex cerebral
desenvolvido, resultante da invenção e da fabricação dos neurônios e de
suas conexões, conjunto capital em matéria de memória e de raciocínio.
[ 52 ]
Desde a aparição da vida, a consciência não deixou de se desenvolver
graças a suportes cada vez mais eficazes. Isso continuará no ser humano,
em quem o número de neurônios e de conexões ainda aumentará
consideravelmente. O avanço primordial ocorreu quando, pela primeira
vez, a consciência tomou consciência de si mesma.
[ 53 ]
todo dogma e de todo “a priori”: a espiritualidade, e é o que propõe nossa
Ordem, em consonância com muitos pensadores atuais. O processo
de evolução começa a ser bem conhecido, apesar de muitas falhas. O
como é claramente do âmbito científico com suas demonstrações, mas o
porquê não pode ser abandonado ao âmbito religioso com suas verdades
reveladas. Ficamos aí reduzidos às hipóteses, então por que nos privarmos
de postulá-las? A do acaso parece difícil de defender, pelas próprias
leis probabilistas. Permanecem por explorar, portanto, aquelas de uma
vontade diretriz, de uma inteligência ou de uma lei físico-matemática
que podemos chamar de Deus.
Quanto à sua natureza, confesso minha ignorância e minha capacidade
de até mesmo imaginá-la. Porém, funciono com hipóteses e, com a ajuda
da minha razão, tento encontrar elementos que as confirmariam ou as
invalidariam. Agindo assim, tenho verdadeiramente a impressão de
prosseguir minha evolução de acordo com as leis naturais, expandindo
minha consciência em dimensões superiores. Aproximo-me então
da compreensão desse Princípio que me escapa. A alma humana é
maravilhosa; é capaz de vislumbrar a existência de algo totalmente
estranho àquilo que ela conhece. Mesmo aquele que de pronto refuta a
sua existência admite implicitamente essa possibilidade!
[ 54 ]
Alguns pensam que ele é de natureza divina, ao passo que outros o
consideram como sendo de natureza puramente sexual. Talvez seja então
nele que se cruzam matéria e espírito, que ele une e transcende? No
entanto, é ele que permite que nossos problemas, atuais e vindouros, sejam
solucionados, orientando nossa consciência na direção que convém. Agir
sempre no sentido do amor por outrem é provavelmente aquilo que dá
à espécie humana sua grandeza. Graças a ele, a espécie se orienta para a
paz e a harmonia. Imaginemos o advento abrupto de um mundo no qual
reinaria sobre todos o amor pelo outro. O efeito seria mágico: o conjunto
de nossos problemas seria resolvido imediatamente. Simples assim.
Sócrates, em O Banquete, de Platão, se pergunta sobre o amor e descobre
que, ao procurá-lo, aspira ao Belo e, portanto, ao Bem. Essa beleza é a
do corpo, da alma e do espírito, que permite alcançar a beleza absoluta
– a beleza divina. Essa é outra forma de exprimir aquilo que tentamos
partilhar aqui. Para Sócrates, o Belo, o Bom e o Bem estão intimamente
ligados. O amor de que falamos tanto é em geral feito apenas de palavras,
ao passo que ele precisa de atos e de provas. Estes consistirão em fazer o
belo e o bem, o que redunda em criar a harmonia em todos os planos do
ser e do grupo.
Para concluir…
O martinista busca se espiritualizar tomando consciência
sucessivamente dos diversos planos de seu ser: o corpo, a alma que o
anima e que contém seu intelecto e seus sentimentos, e por fim o espírito,
que os religa ao além. Agindo assim, ele modifica sua percepção de si
mesmo, dos outros, da natureza e de todo o universo. Ele se dá conta de
que é apenas uma ínfima parcela de um todo, com o qual ele se sente cada
vez mais em harmonia. Ele sente amor por alguém, depois por outros e
então, talvez, por esse Tudo do qual ele faz parte. Ele pode então esperar
atingir o Amor Universal – o agapè dos gregos –, que é o sentimento de
Deus por Sua criação e que as criaturas devem chegar a sentir por Ele
e entre elas, a fim de que a Criação cumpra seu objetivo. O amor por
outrem conduz ao amor divino, o que poderíamos traduzir, em termos
mais neutros, pela harmonia com o universo ou, na senda rosacruz, pela
Paz Profunda.
[ 55 ]
O objetivo é reencontrar o Amor Universal – agapè – e o caminho leva
a subir os degraus do amor humano, desde a satisfação da necessidade
física mais elementar até o sentimento de harmonia cósmica mais elevado.
Talvez seja isso o que se chama de “espiritualização da matéria”. Ela exige
as especulações intelectuais mais elevadas e as contemplações mais
pacíficas diante da beleza, tanto a material como a espiritual. Devemos,
portanto, nos equilibrar sempre entre razão e sentimento.
Ilustrações:
p.46, (montagem), William Blake, “HEAVEN”, Birmingham, City Museum
and Art Gallery;
p.51, Nicomedes Gómez, “A Árvore da Vida”.
[ 56 ]
Carta de Inspetor do Supremo Conselho da Ordem Martinista, n° 3
para o ano de 1897, com a assinatura e a fotografia de Papus.
(Extraída dos arquivos da TOM)
[4]