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Sumário
As Festas Cristãs e a Representação Arquetípica da Jornada Interior
Prudence Bruno Kwete............................................................................................2
A Nostalgia do Exílio
Isabelle Ispérian.....................................................................................................12
O Negro
Philippe Laurent....................................................................................................36
O Jardim Secreto
Jean-Marc Robert..................................................................................................46
Documentos de Arquivos.......................................................................................56
Salvo menção especial, os artigos publicados nesta revista não representam o pensamento
oficial da T.O.M., mas exclusivamente o pensamento de seus autores. Os manuscritos
não publicados não serão devolvidos.
Prudence Bruno Kwete
[ 10 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
como a ascensão da alma da humanidade para o centro da vida (coroa do
sol): a reintegração universal; a Grande Obra.
Para Concluir…
Esta leitura da representação arquetípica da evolução interior através
das principais festas cristãs, é um convite para imitar Cristo, para
percorrer junto com ele o caminho da cruz, o caminho da dor a fim de
nos dissociarmos da nossa natureza grosseira. Trata-se de um convite à
prece, à meditação e à contemplação do Divino que dormita dentro de
nós. Convite para deixar morrer o velho homem para que da gravidez
espiritual nasça por fim o Novo Homem chamado a trabalhar ainda mais
para retomar seu lugar no coração do Templo Universal e para se tornar
um puro agente do Divino. “Alma do homem, ascende ao teu Deus pela
humildade e penitência. Estas são as estradas que conduzem ao amor e
à luz”, exorta Louis-Claude de Saint-Martin. Aproveitemos, portanto,
a Iniciação e os nossos ensinamentos para fazer com que o gérmen
espiritual frutifique mais dentro de nós para que nasça e cresça o Novo
Homem! n
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 11 ]
Isabelle Ispérian
A Nostalgia do Exílio ou
Estar Separado de Sua Essência Divina
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 13 ]
inteligência criadora que abraça perpetuamente a Criação no infinitamente
próximo e, certamente, não em um longínquo Princípio.
O homem terreno sente bem que ele está em estado de privação,
insatisfeito. Ele se sabe pendurado no abismo, como um vagabundo em
um mundo surdo. Ele se sente órfão e age como uma criança abandonada.
Faz perguntas e sente que ninguém lhe responde. Já não vê a maravilha
da vida. O que deseja não é “deste mundo”, como uma memória fugaz
aninhada no seu íntimo: um instantâneo, impalpável, como o sagrado,
que se assemelha a um impulso vindo do mais íntimo do ser.
Gosto de pensar que tudo o que fazemos provém de uma inspiração
efémera e intangível. Uma fração de segundo estabeleceria a existência.
Assim que nasce, o jorro desvanece… Cegamente, tentamos trazê-lo de
volta. Avançamos, com a rede de borboletas na mão, ansiando pelo que
fugiu, o desejo de revivificar o tudo o que se extinguiu. No entanto, a ligação
com o Pai existe. Este laço de parentesco divino abrange todos os seres
humanos, toda a matéria, todo o universo. Daí a nostalgia, a saudade de um
“outro lugar”, de um espírito semelhante, de uma unidade a reencontrar.
A existência portanto, torna-se uma busca! Queremos ressuscitar a
sensação que desapareceu. Vidas se passam neste tatear e neste desejo.
Tomar consciência deste inatingível, deste inapreensível, desta nostalgia, é
ser habitado por um desejo vital de reencontrar esse estado anterior, fonte
de tudo. A nostalgia, segundo o cineasta russo Tarkovski, é um sentimento
simultaneamente complexo, invasivo e uma busca da espiritualidade, em
outras palavras, a busca interior da unidade. Ele também diz:
Poderia igualmente dizer que gosto da natureza e que não
gosto das grandes cidades. Só me sinto maravilhosamente
bem quando estou longe de toda a confusão, de todo o caos
da civilização moderna. A chuva, o fogo, a água, a neve, o
orvalho, as rajadas de vento ao nível do solo - cada um deles é
um elemento do ambiente material em que vivemos, ou seja,
da verdade das nossas vidas.
Nesse tempo de confusão, toda autodescoberta é salutar, todo o
questionamento é um ato construtivo. Através da expressão da nossa
consciência, temos um papel a desempenhar como intermediários e
[ 14 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
testemunhas de todos os reinos. É um papel indissociável. Tudo nos
indica que somos viajantes aqui na Terra e quem tem conhecimento
disso não interrompe inutilmente esta viagem. A alma dinâmica gosta de
levantar acampamento, apagar o fogo, espalhar as cinzas e pegar a estrada.
Vamos onde está o essencial, encontramos a liberdade e a exercemos. E
como guia de viagem, a experimentação: “Sem ela, nosso percurso é vão, é
como viajar por um caminho de olhos fechados, sem a ajuda da luz”, dizia
o poeta Thomas Vaughan.
O místico continua a ser um homem de desejo, incompleto, imperfeito,
em uma busca insaciável de unidade. A intuição de estar no exílio
provoca um sentimento de insatisfação, de falta. Ele duvida, permanece
para além dos princípios de condicionamentos ditados pela sociedade.
A separação da unidade projetou-o no tempo. É como se ele estivesse
rachado, fissurado, habitado por uma tensão entre um estado perdido e
um estado a reconquistar. Algo da sua origem foi percebido e ele partirá
em sua busca. O Homem de Desejo está sempre em movimento, ele sabe
perfeitamente que a água que não corre forma um pântano. O desejo de
retorno é o motor de sua busca. Busca impulsionada pela percepção de
um possível outro lugar para o qual se sente chamado, em um equilíbrio
instável entre nostalgia e esperança.
O buscador guarda no fundo de si a certeza de que a vida é uma frase
interrompida. Ele deposita sua confiança na alma que está dentro dele.
Sabe que ela é uma viajante, uma nômade, uma peregrina, uma cavaleira.
O Filósofo Desconhecido afirmava:
O trabalho do Homem de Desejo humilde provoca uma
transformação interior, uma gravidez espiritual que traz em si a promessa
de um renascimento interior. Graças a este trabalho, o Velho Homem
progressivamente cede seu lugar a um Novo Homem. E ele poderá se
tornar o intermediário ativo entre a natureza e Deus.
Nada é estável na Terra. Nossa vida é uma sucessão de travessias do
deserto, de pequenas mortes e de renascimentos, que nos aproximam
pouco a pouco do dia em que o véu será retirado e seremos finalmente
revestidos de luz. Nesta vida efêmera, nosso objetivo é compreender, ou
melhor, sentir com todo o nosso ser que estamos unidos ao universo, a
Deus e a tudo o que existe. Não existe nenhuma separação real entre nós
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 15 ]
e esta existência única. O Deus de nosso coração não é para ser analisado,
é para ser sentido, como o calor do sol ou o perfume de uma flor. Para
mim, e isto é apenas minha opinião, quando me encontro em um grande
centro urbano ou comercial, deparo-me sempre com a insignificância
da sociedade ocidental moderna, que me parece beirar o nada, de tão
superficial que é.
E na esperança de uma outra terra, de um país que cheire a geada, a
chá e a silêncio, crio vida, invento uma viagem, com sorrisos, animais,
anjos e lendas. Gosto de pensar que a nova era na qual entramos vai nos
permitir olhar para dentro de nós mesmos, para o nosso interior, ajudar
as pessoas que ainda divagam sobre o sentido do seu exílio e olhar com
inteligência para a nossa verdadeira condição humana.
É verdade que não podemos medir a grandeza do pensamento divino do
qual somos apenas um fragmento, mas podemos sentir a extensão do seu
amor graças à nossa existência humana e suas dimensões místicas. “O amor
vem do Céu e volta para o Céu.” Mesmo em seu estado de exilado, o homem
está sempre ligado à fonte do amor. Aristófanes e Sócrates expressaram-
se magnificamente sobre o assunto nos seus discursos alegóricos: “Desde
tempos muito longínquo se implantou no homem o amor que ele tem pelo
próximo: amor restaurador de sua antiga natureza.” Aprender as ligações
existentes entre as coisas visíveis do mundo terreno e as coisas invisíveis do
mundo espiritual: esta é a viagem maravilhosa e emocionante do exilado.
Saber que um único pensamento emitido, uma voz ouvida, um único eco,
um chamado profundo, muda para sempre o nosso ser.
Portanto, tornar-se um ser de “desejo”. Louis-Claude de Saint-Martin
o dizia bem: “Não há nada tão comum como a inveja e nada tão raro
como o desejo.” O homem de desejo tem a certeza de que o que lhe falta
é intemporal e fora do espaço visível. Ele sente, mas não sabe exatamente
onde se encontra o refúgio, o porto de abrigo, a sua casa. É uma busca sem
fim de um impalpável reflexo do além, como um chamado, daí certamente
uma certa melancolia. Quem sabe? Pessoalmente, a melancolia é esta
felicidade de ser triste, uma espécie de segunda natureza.
Nossa frágil felicidade aqui na Terra não é a comprovação de uma
outra felicidade completa, como a terra, fragmento do mundo, comprova
[ 16 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
o mundo? Nossa vida só precisa ser controlada e apreciada. É uma vida
plena. Plena de vida. Plena de sentido. “Não terás outras moradas a não
ser o teu coração, pois na terra onde somos viajantes, ninguém construirá
sua morada permanente”, escrevia o poeta Victor-Émile Michelet.
E através de uma iniciativa voluntária e pessoal, o viajante abre-se ao
crescimento de uma “humanidade divina”, tomando consciência da sua
natureza profunda que está intrinsecamente ligada à fonte.
Quando você parte, quando viaja pela terra, cada um dos seus passos
inventa o caminho e esse caminho, aos poucos, sobe pelas suas pernas e
se funde com você. É como se você estivesse dormindo e seus passos o
acordassem.
Penso que só existe uma única expedição na terra: a jornada em
direção a si próprio, em direção ao que está dentro de si. Para isso, é
recomendável desenvolver a simplicidade do coração e do pensamento.
Deixemos de nos perder em valores ultrapassados, tais como pertencer a
um país e não a outro, evitar a mistura de raças, temer a diferença, ter a
certeza de ser o melhor, ter razão… estas posições intelectuais que apenas
amplificam os valores quiméricos do ego, semeando apenas sementes
estéreis de que se alimentam certas pessoas sequiosas de poder e de glória.
O sábio Confúcio dizia: “O maior viajante é aquele que já empreendeu
uma viagem para dentro de si mesmo.”
A completude da visão interior colocará um fim ao nosso exílio e
irá nos permitir deixar este estado, tendo, finalmente, acesso à luz e à
unidade reencontrada. Então, a dualidade terrestre será abolida e não
iremos mais nos afirmar como diferentes. E esse caminho de retorno nós
só podemos encontrá-lo em nós mesmos. Graças à fabulosa existência
humana, desejada por Deus e emanada d’Ele. Ela é um ato de amor e uma
necessidade. A Criação é um ato de amor. Com ela começa a evolução
da consciência. Não há nada escondido que não deva ser descoberto nem
segredo que não deva ser conhecido.
A alma que anima o corpo constantemente procura elevar-se para as
regiões superiores do espaço, tal como faz a chama. Tu receberás um corpo,
ele será teu até o fim da tua vida. Tu aprenderás lições. O aprendizado
nunca termina. Os outros são o reflexo de ti mesmo. n
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 17 ]
Angélique Benlolo
A Harmonia no Coração
da Árvore da Vida
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 19 ]
A Palavra “Árvore” em Hebraico tem um Significado
Particular, até Mesmo Oculto
Árvore se diz “Ets” ou “Ilan” em hebraico. “Ets” é usada de maneira
mais corrente na linguagem bíblica, designando geralmente uma árvore
ou madeira. “Ilan” é uma palavra aramaica utilizada mais especificamente
nos midrashim (os comentários bíblicos) e na Kabbala. Ela simboliza uma
árvore frutífera derrubada, tendo suas raízes em Binah – a Inteligência ou
o Discernimento –, como tronco Tiphereth – a Beleza ou a Misericórdia
–, e dando seus frutos na parte de baixo, abaixo de Malkuth – o Reino.
Neste caso trata-se da Luz divina descendente.
A palavra que nos interessa neste contexto é “Ilan”. Ela possui o valor
numérico de 91 e vai nos ajudar a fazer a ligação com as palavras “anjo-
malakh e “alimento” – maakhal, que têm o mesmo valor numérico de 91,
assim como a palavra “Amen”. Quem explica melhor as ligações entre
todas estas palavras é Orígenes, dizendo que:
O pão supra substancial me parece ser chamado na Escritura…
árvore de vida… e de um terceiro nome esta árvore é chamada
Sabedoria de Deus… uma vez que os anjos alimentam-se
da sabedoria de Deus… pela contemplação da verdade e da
sabedoria; nos Salmos é dito… “o homem comeu o pão dos
anjos”.
Este pão, espiritual ou supra substancial, é a união da palavra “pão”
– Ieham que vale 78 – unido à palavra “amor” – ahavah que vale 13,
formando então 91. Vamos ligar a palavra “pão” à palavra “Um” – ehad, que
também vale 13, isso dá o mesmo resultado: 91. Efetivamente, “o Amor”
adicionado a “Um”, 13+13, soma 26; o número do nome divino YHVH.
Se desenvolvermos o número 13, ou seja, 1+2+3+4 etc., obteremos também
91, portanto, o Amém, a árvore, o anjo e o alimento. O comentário da
Torah, escrito no século XIII por Bahia Ben Asher, liga efetivamente a
palavra “Amém” à unidade divina, ou seja, ao “Um”, afirmando que “existe
um segredo kabbalístico segundo o qual a palavra Amém englobaria
as dez sephirot no nome inefável, como demonstra a redução do nome
YHVH = 26 e do nome ADONAI = 65 “; 26 e 65 formam juntos 91.
[ 20 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
O Surgimento do Diagrama da Árvore da Vida
Kabbalística
O simbolismo da Árvore da Vida, portanto, estava presente no
Judaísmo e na Kabbala, e isso antes mesmo do surgimento do diagrama
chamado Árvore das Sephirot ou Árvore kabbalística. No começo da
Kabbala os ensinamentos eram transmitidos somente por via oral, do
Mestre ao discípulo. No entanto, na Idade Média surgiu a necessidade
de transmitir este conhecimento para um público maior e por meio do
que poderíamos chamar escolas, como foi o caso também para inúmeras
outras tradições. Por conseguinte, a necessidade de colocar por escrito
os ensinamentos kabbalísticos se impôs. Certamente, para facilitar para
os alunos a compreensão dos textos e dos princípios kabbalísticos, vão
surgir ilustrações sob a forma de diagramas gráficos. No entanto, certos
ensinamentos sempre permaneceram secretos e só eram transmitidos
oralmente aos iniciados que demonstrassem mérito, empenho e um
desejo sincero e profundo durante sua jornada, como ainda acontece hoje
na Ordem Rosacruz, AMORC e na Tradicional Ordem Martinista.
Evidentemente, o Deus dos kabbalistas é incognoscível e, portanto,
impossível de ser representado. Ele está acima, no Ein-Soph (o Infinito).
Por outro lado, as Sephiroth, que aparecem do outro lado do espelho,
são a interface fecunda de Deus com a Criação e, portanto, podem ser
conhecidas. Ao longo dos séculos XIV e XV surgem numerosos diagramas
para visualizar este Reino Divino com Suas Substâncias. Os mais antigos
diagramas conhecidos como “Árvores Kabbalísticas” têm acima uma
esfera com a menção “Ein-Soph”, sendo uma das metades desta esfera
branca e a outra preta, simbolizando de forma abstrata a impossibilidade
de O penetrar através do pensamento humano. Às vezes, há comentários
escritos ao redor e nas dez esferas das Sephiroth. Muitos dos diagramas
são redondos ou quadrados e utilizam letras e formas diversas. Estes
diagramas nunca devem ser interpretados com base na sua morfologia. É
o ensinamento que utiliza um símbolo para transmitir e não o contrário.
Neste mesmo período da Idade Média eram usados diagramas de
árvores pela filosofia natural e pela astronomia; como a Árvore de Porfírio,
traduzida por Boécio, ou A Árvore das Ciências, de Raymond Lulle. Devido
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 21 ]
ao fato dos kabbalistas também se considerarem homens de ciência, mas
comprometidos na senda da Sabedoria, eles podiam facilmente adotar este
tipo de diagrama para visualizar o invisível, como os astrônomos. A árvore
já possuía uma importância simbólica e oferecia sua representação gráfica
com a vantagem de poder responder à uma estrutura central e simétrica
muito útil. Além disso, esta estrutura de árvore era a mais adequada para
representar os Princípios divinos e respeitar as orientações culturais,
cultuais e místicas, pois não tinha nenhuma semelhança antropomórfica2.
Segundo Yossi Chajes3, a mais antiga representação encontrada até
agora está em um manuscrito do século XIII, que é uma ilustração de
um comentário sobre o Sepher Yetzirah - O Livro da Formação. Ela se
chama “A Árvore da Sabedoria” - Ilan HaHokmah (diagrama 1, pág. 34).
A Árvore da Sabedoria é mais do que a Árvore Sephirótica, ela retoma
os conceitos do Sepher Yetsirah que influenciaram fortemente a Kabbala.
Esta árvore é composta de uma “iconografia e de elementos de
referência precisos, mostrando-nos como a cosmologia esotérica do
sistema teosófico sephirótico foi codificada na Kabbala, representando os
níveis do ser ou, digamos, a ontologia.
O Sepher Yetsirah, o “Livro de Fogo” Necessário à
Compreensão das Sephiroth
O Sepher Yetsirah, portanto, é uma obra cosmológica da antiguidade
tardia e não deve ser confundido com os livros kabbalísticos que tratam
das hipóstases típicas da Kabbala Teosófica. Entre outras coisas, o Sepher
Yetzirah introduzirá o conceito das Sephiroth e explicará as coisas que
podem ser contadas e pelas quais os céus e a terra foram criados, bem
como tudo o que nela existe, tal como as 10 Sephiroth, os 32 caminhos,
as 22 letras, mas também o Espírito e os 3 Elementos sutis etc. Por
outro lado, este livro não explica o caminho da Criação, mas explica a
ligação entre o celeste e o terrestre. As Sephiroth e os caminhos serão
contados, mas nunca nomeados no Sepher Yetsirah. A própria raiz da
palavra Sephirah4 (singular de Sephiroth) explica a densidade desse
livro, chamado o “Livro de Fogo”, que será preciso estudar, meditar e
contemplar para compreender as suas múltiplas chaves e revelá-las.
[ 22 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Contudo, os kabbalistas da Idade Média não retomaram
ulteriormente o diagrama da Árvore da Sabedoria, pois houve uma
transmutação dando às Sephiroth um sentido hipostático; nomeando-
as, atribuindo-lhes uma essência divina e uma ação divina. Houve um
consenso universal de que existiam 10 Sephiroth, embora existam textos
que falam de 13 Sephiroth. Por outro lado, todos estavam de acordo
sobre a representação esférica de cada uma delas. Eles escolheram a
representação da árvore pelas razões simbólicas que já mencionamos,
mas também pelo seu grafismo arbóreo otimizado e pela sua capacidade
de criar um mapa mental rizomático, explicando através das suas ligações
o princípio fractal e sistêmico que pode gerar toda a gama da Realidade
divina. Para a transmissão do conhecimento, houve uma vontade de
criar um modelo ideal, levando a uma confrontação e resultando em um
consenso um tanto inconveniente, no sentido de que deixaram de lado
certos princípios fundamentais ao querer colocar todos os princípios em
um diagrama. Ou seja, no início os kabbalistas integraram as 22 letras,
fazendo-as coincidir com os canais, tudo isso respeitando as 3 classes de
letras5. Por isso, eles colocaram as 3 letras mães nos canais horizontais,
as 7 letras duplas nos canais verticais e as 12 letras simples nos canais
em diagonal. Os primeiros diagramas idealizados respeitavam, em certa
medida, os canais sephiróticos (diagrama 2, p. 34), mesmo que isso
não correspondesse ao significado simbólico nem das letras, nem dos
caminhos da Sabedoria, porque as letras têm uma relação muito sutil
com as Sephiroth e não com os canais. Aliás, até hoje ninguém ainda
conseguiu encontrar, entre os antigos Kabbalistas, um texto atribuindo
uma identificação precisa entre as letras e os canais. Posteriormente, para
alguns kabbalistas, a simetria obtida não parecia tão estética no plano
gráfico e, então, o diagrama assumiu uma forma ainda mais refinada
(diagrama 3, pág. 34), dando mais importância à forma do que ao
conteúdo e, ao mesmo tempo, tornando-o mais complexo; até ao ponto
de criar confusão a respeito da essência, das ações, das interações, dos
planos e níveis das Sephiroth. Mesmo assim, todas essas características
juntas são a chave e a via de conhecimento para desvendar os segredos
da Natureza, das Escrituras e do Divino.
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 23 ]
Neste último exemplo, pela harmonia visual uma simetria perfeita foi
criada anulando os dois canais ligando Chokmah à Geburah e Binah à
Chesed. Às vezes, são os canais de Chokmah à Tiphereth e de Binah à
Tiphereth que faltam, ainda que eles sejam primordiais. Os canais entre
Hod e Malkuth e entre Netzach e Malkuth foram recriados, mesmo que
eles não devessem existir. Visto que Malkuth, nesta configuração específica,
é um receptáculo geral do Fluxo divino, ela é uma Sephirah singular,
colocada abaixo das outras nove Sephirot e respondendo a um contexto bem
preciso. Ela recebe a abundância unicamente através de Yesod, coletando os
3 fluxos como um funil e formando, por conseguinte, o único canal direto
entre Malkuth e o resto da Árvore. Assim, há uma ligação sutil entre todas
as Sephiroth, uma vez que elas estão todas em todas, como um fractal, mas
não há uma ligação direta, como um canal, entre Malkuth, Netzach e Hod;
pois Malkuth não poderia receber o Fluxo divino unicamente do lado da
Severidade ou exclusivamente do lado da Misericórdia. Por uma questão
de equilíbrio e de harmonia, ela só pode receber de Yesod e, sendo assim,
ela o recebe no eixo central e pelo eixo central.
Os Princípios de Equilíbrio e de Harmonia
na Árvore Sefirótica
Os equilibrantes ou a harmonia da árvore sephirótica ou kabbalística é
apenas uma porta de entrada, entre outras, para abordar a complexidade
dos Princípios cósmicos e da Essência divina. No entanto, ela é muito
importante e assinala o fato de que na Kabbala não há dualismo sem nuance,
como no maniqueísmo, porém, vamos encontrar a dualidade indissociável,
que é o Dois no Um, desde a Unidade divina, como o círculo do Ein Soph
com suas duas metades. Isso significa que a harmonia sempre dependerá
de um E do seu oposto, sendo, portanto, complementares e oferecendo a
possibilidade de reconciliação. Mesmo que à primeira vista estes opostos
pareçam inconciliáveis, como o Fogo e a Água; considerando que o Fogo
está no pilar da Severidade e a Água no pilar da Misericórdia, será, portanto,
o fundamento Ar, no pilar central, que poderá equilibrar o todo.
Comecemos por um exemplo mais específico e oculto desses
equilibrantes (diagrama 4, pág. 35). Geburah no pilar da Severidade está
ao Norte, no entanto, ela é alimentada pelo elemento Fogo e a Sephirah
[ 24 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Chesed, que está no pilar da Misericórdia, é animada pelo elemento Água,
o que parece contrário à natureza e a nossas crenças habituais. Lembremos
que, na Kabbala, os 4 elementos sutis são chamados “Fundamentos” –
os Yesodoth são considerados masculinos e as 4 direções são femininas.
Então, por que a árvore, à primeira vista, é formada por opostos? Porque
o fogo, que é masculino, vai amenizar o frio do Norte, que é feminino, e
formar um equilíbrio para evitar os excessos de frio, portanto a geada, se
a água estivesse no Norte. Por outro lado, a água masculina vai temperar o
calor feminino do Sul, a fim de evitar a seca, se o fogo estivesse no Sul. A
Misericórdia tem as qualidades da Severidade (ou Justiça) e a Severidade,
as qualidades da Misericórdia. Esses cruzamentos criam uma “mistura”
dando força e equilíbrio.
Evidentemente, “o eixo dos equilibrantes” situa-se no meio; ele é
assim chamado por Rabbi Moshe Cordover, em “Pardes Rimonim” -
“Pomar das Romãs”, livro escrito no século XVI. Este eixo central tem
a orientação Leste-Oeste, indo de Tiphereth a Malkuth, passando por
Yesod que selará a união mística. Deste modo, o casamento entre essas
complementaridades se faz pelo sopro de Elohim (Ar) e é recepcionado
em Malkuth. Porém, aqui entramos em contato com um dos “segredos
superiores” da Kabbala. Para entrar nesses ensinamentos secretos, é
necessário começar pela compreensão das interações dos diferentes eixos,
ou pilares, e das Sephiroth; aprofundar alguns conceitos dos cruzamentos
e descobrir seu modo de unificação, que vai até o momento atingir o
“estreitamento supremo”.
O diagrama 4 da página 35 mostra como essas complementaridades já
são imbricadas no que podem parecer opostos. Para começar, lembremos
que cada Sephirah contém as outras nove. Cada uma das “Sephiroth
equilibrantes” no pilar central vai emprestar da outra a qualidade que lhe
convém para estar em equilíbrio. Consequentemente, nasce um duplo
cruzamento das qualidades. O pilar central é marcado pelo elemento Ar,
dirigindo-se para Leste em Tiphereth e continuando através de Yesod
para terminar a Oeste em Malkuth. Esta última Sephirah formará
o Fundamento Terra, ou Pó, com os três outros elementos que nela se
juntam: Água, Ar e Fogo.
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 25 ]
Deste modo, o eixo ou pilar central vai procurar nas direções Norte e
Sul as qualidades de polaridade feminina e, nos elementos Fogo e Água, as
qualidades da polaridade masculina. Isso também explica por que motivo
o Ar está no eixo médio, porque ele suaviza a relação entre o feminino –
O rigor – e o masculino – A Misericórdia. Moshe Cordovero explica tal
fato dizendo que o Ar está no meio entre o Fogo do sol e as Águas que se
encontram na superfície da Terra; isso explica o versículo do Gênesis 1:2:
“E um vento de Deus [Elohin] pairava sobre as águas.” Em termos práticos,
isto significa que o Ar do Leste vai se tornar Quente e Úmido para unificar
todos os opostos. Claro que esses são os elementos sutis – chamados de os
“fundamentos” na Kabbala – e não elementos terrestres. Efetivamente, em
um país do norte, é inconcebível ter ar quente e úmido do leste; ele é, pelo
contrário, frio e seco. No entanto, nós estamos aqui no mundo celeste e
espiritual, efetivamente simbólico e em ressonância com o Princípio divino.
A direção Leste de Tiphereth vai procurar as seguintes qualidades
primárias:
• No Norte - a polaridade feminina, que é fria e úmida e retém a
sua qualidade úmida = a qualidade primária da Água. Quando
pensamos na água, logo a associamos à umidade.
• No Sul – a polaridade feminina, que é quente e seca, e retém a
sua qualidade quente = a qualidade primária do Fogo. Quando
pensamos no fogo, logo o associamos ao calor.
O elemento Ar, o Rouah, o Sopro (vento) de Tipheret vai procurar as
seguintes qualidades primárias:
• No Fogo – a polaridade masculina, que é quente e seca, e retém a
sua qualidade quente.
• Na Água – a polaridade masculina, que é fria e úmida, e retém a sua
qualidade úmida.
Em seu papel de equilibrante, Tiphereth se compõe das qualidades:
quente feminino/masculino e úmida feminino/masculino. O mesmo
exercício pode ser feito por Malkuth, que retém as qualidades secundárias
de cada elemento e das direções, para reter o frio e o seco de cada
polaridade feminina e masculina. Assim, Leste e Oeste são totalmente
[ 26 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
complementares e, ao unirem-se, redefinem o UM. Vemos, através destes
exemplos, que é graças à presença de Geburah à esquerda, assim como de
Chesed à direita, que Tiphereth e Malkuth tornam-se complementares
e podem se unir.
O Funcionamento do Pilar dos Equilibrantes
A intenção, a vontade e o Desejo divino nunca desejaram criar
extremidades inconciliáveis. Para permitir a realização de suas uniões,
reconciliações, casamentos etc., por conseguinte, um pilar do meio era
primordial. O pilar do meio (ou central) não é constituído por uma terceira
opinião ou um terceiro aspecto, mas por uma linha que “compreende”
ambos os aspectos. Porque, como mediador, é necessário compreender
ambos e, portanto, ser constituído por um aspecto de cada um dos dois
opostos. Assim, como o fiel da balança, ele poderá compensar mais à
direita ou à esquerda em função do desequilíbrio; quando Geburah
torna-se exigente e cortante como o fio de sua espada ou quando Chesed
continua a dar com excessiva generosidade.
Além disso, se dois opostos discutem, sem o desejo de se unir,
haverá separação. Cada um pensará ter razão. Por um lado, do lado de
Din [ Julgamento severo] eles pensarão que, se deixarmos a “casca”, em
hebraico qlipah, fazer o seu trabalho, a força impura pode infiltrar-se
nas fendas. Por outro lado, os que estão do lado de Chesed pensarão
diferentemente e pretenderão que esta “casca” não irá infiltrar-se nas
falhas. De um modo geral, para o retorno ao bom equilíbrio, a força da
misericórdia, que é central, penderá primeiro para o lado de Chesed para
ali se estabelecer. Porque todo julgamento de uma pessoa começa pelo
“mérito” e em seguida por seus “deveres”. Se começarmos ao contrário,
ou seja, no sentido inverso, o julgamento não será justo e teremos um
julgamento de um rigor exacerbado e destrutivo. O procedimento dentro
do Sinédrio6 exigia isso, ou seja, começar pelos méritos para em seguida
julgar os deveres. Se o julgamento começasse pela evocação do Din, ele
seria anulado e considerado inadmissível.
Entre o Din que é Fogo e a Chesed que é Água, é efetivamente o
Ar que pode reunir os elementos. Pois o Ar é o fundamento dos Céus,
os Shamayim, palavra hebraica formada por Esh = Fogo e Mayim = as
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 27 ]
Águas. Shamayim é um dos nomes de Tiphereth, escrito no plural pela
simples razão de que Tiphereth contém todos os Céus que unem Chesed,
Geburah, Tiphereth, Netzach e Hod. Se ela é equilibrante e se aplica
primeiro a Chesed, por que então esta palavra não é Mayim-Esh (Águas
-Fogo)? Porque é o Fogo que se inclina em direção às Águas. Quando
uma disputa for sadia, ela será em “Nome dos Céus”, portanto, Shem
Shamayim, recorrendo ao “Nome do equilíbrio”, ou seja, à Tiphereth, para
em seguida ser mantida na Santidade e inscrita na Emanação pura.
Para ser um equilibrante, é necessário ser perfeito, no sentido de
“completo”. Através dos ensinamentos do rabino Mosche Cordovero
no livro “O Jardim das Romãs”, podemos compreender que a verdadeira
perfeição é o “mestre dos opostos”; reúne em si todos os opostos. Este é
também um princípio básico que encontramos na Tradição do Antigo
Egito, transmitida através dos tempos pelas Escolas de Mistério.Tiphereth
não é, portanto, uma síntese das três colunas, mas é formada por elas e
vai continuamente se ajustar para manter o equilíbrio e aperfeiçoar-se
entre elas. Esta Sephirah está na coluna central que também chamamos
de coluna do Patriarca Jacob, que é pura misericórdia, porque de Jacob se
diz que “Ele é o Homem perfeito ou íntegro que se senta nas tendas (aqui
duas - aludindo ao eixo de Chesed e Din)”. Cordovero vê a perfeição
não naquilo que Tiphereth é enquanto Sephirah ou como Misericórdia
devido à sua Essência divina e única, mas na sua função adicional que lhe
dá a capacidade de se inclinar para um ou outro, a fim de manter a Árvore
da Vida em equilíbrio e restabelecer ou salvaguardar a Harmonia.
Cada equilibrante tem igualmente necessidade de uma “ajuda” para
preencher sua função de árbitro. Vimos anteriormente que Tiphereth
vai procurar as qualidades primárias do Fogo e da Água, e Malkuth
as qualidades secundárias. Sendo assim, Tiphereth, diante das quatro
qualidades do Fogo e da Água e do Sul e do Norte, não pode conciliar
os opostos inconciliáveis, tal como o calor e o frio ou o seco e úmido. É a
razão pela qual o Ar, que é seu fundamento, é constituído pelas qualidades
conciliáveis, ou seja, o Quente e o Úmido. Consequentemente, restam
ainda duas qualidades igualmente conciliáveis, o Frio e o Seco; portanto,
as duas qualidades secundárias regidas por Malkuth e formando o
fundamento Pó (ou fundamento Terra).
[ 28 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Malkuth, então, vem em ajuda de Tiphereth, como é dito no Gênesis
2: 18: “O Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só. Vou
fazer uma auxiliar que lhe corresponda.” Assim Icham, a Mulher ou a
polaridade feminina, vem em ajuda de Ich, o Homem ou a polaridade
masculina, muito antes da história da tentação. No que concerne à Árvore
kabbalística, esta ajuda acontece no plano da Criação, quando Binah,
enquanto Mãe Suprema, deu à luz seu filho e sua filha, que são Tiphereth
e Malkuth. Estes dois últimos estão unidos no plano da Formação. Por
conseguinte, muito antes de Malkuth, simbolizando a Lua, ter sido
enviada ao plano de Ação após a pergunta que fez ao Divino; a saber:
como dois reis (os dois Grandes Luminares de Gênesis 1:16) poderiam
usar a mesma coroa. Depois disso, o Divino enviou Malkuth para o plano
de Ação, abaixo da última Sephirah Yesod, que devido ao seu nome é o
Fundamento, a fim de que ela pudesse ter a experiência necessária para
a compreensão de sua pergunta. Esta passagem específica e importante
em relação à evolução da Humanidade é chamada “A diminuição da
Lua”, segundo as palavras de Rabi Shimon Bar-Yochai e de outros
comentadores. Seja como for, a mensagem do relato de “Adão e Eva” e o
da “Diminuição da Lua” são semelhantes, mas não se situam nos mesmos
planos da Criação; a “Diminuição da Lua” está em Gênesis 1 e o relato
de “Adão e Eva” em Gênesis 2. No âmbito do Gênesis, nenhum dos dois
temas é aprofundado.
Assim, é graças à União perfeita entre Tiphereth e Malkuth que as
quatro qualidades das duas oposições poderão ser equilibradas. Ambas
são igualmente opostas, para que uma não anule as ações da outra. O
princípio da “Harmonização” é baseado no “4”. Se nos mantivéssemos
no 3, neste contexto kabbalístico, certas qualidades nunca poderiam ser
equilibradas e a desarmonia continuaria a querer assumir o controle.
O Árbitro Entre Netzach e Hod
Outros árbitros se situam entre Netzach e Hod, e entre Chokmah e
Binah. Dado que Chesed é a raiz da ramificação de Netzach, e Geburah
de Hod, será preciso também um equilibrante neste plano. Tiphereth
é igualmente a raiz de Yesod, na medida em que este último é o
prolongamento do Vav. Além disso, a primeira inclinação de Tiphereth é
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 29 ]
para a direita, para Chesed, isto é inato nela em virtude de sua Essência
divina e de seu Nome divino YHVH; Yesod inclinar-se-á mais para o
lado do Din, pelo simples motivo de não ter a força de Tiphereth para
fazer a balança pender definitivamente para Chesed. Entre essas duas
Sephiroth mediadoras existe também um equilíbrio ao dizer que, entre
os equilibrantes, há alguns que estão mais inclinados a usar a Graça e a
Generosidade e outros terão uma tendência maior a inclinar-se para o
Rigor, mas que juntos trabalham pela Harmonia em diferentes planos.
Quem será, então, a contraparte de Yesod para o trabalho de
arbitragem? Bem no princípio, antes da “Diminuição da Lua”, quando
Yesod trabalhava como Fundamento da Formação da Criação divina,
tinha a Assembleia de Israel abaixo dele. Mas, na época em que Malkuth
foi enviado para o exílio, abaixo de Yesod, ela se torna a Shekinah de
baixo, sua contraparte feminina. A partir daí, então, o equilíbrio no plano
inferior da Formação será feito repetidas vezes por Malkuth.
No fim dos tempos, a Shekinah retomará o seu lugar nos mundos
da Criação e da Emanação, no seio de Binah. No entanto, ela manterá
sempre um vestígio no plano inferior e ajudará a manter o equilíbrio
entre os deveres de Hod e os méritos de Netzach. Porque (figura nº 5,
pág. 35) Malkuth é conhecida como “O Selo que marca o Coração” de
forma indelével. O Coração é Tiphereth e tem o selo de YHVH, marcado
pelo selo de Malkuth, a matriz. Ela, sendo Tipheret, permite ao segredo
oculto, o negativo do selo, revelar sua forma positiva através de um selo.
O negativo do selo representa o espelho da permutação do nome divino
YHVH, formando HVHY, que é a permutação dedicada a Malkuth.
YHVH começa com a letra Yod, uma letra masculina, e compreende
quatro letras em uma ordem muito precisa, demonstrando a perfeição
masculina. Inversamente, HVHY começa com He, uma letra feminina,
com a mesma ordem espelhada de letras e representa a perfeição na sua
polaridade feminina.
Quanto ao Árbitro Entre Chokmah e Binah
Após inúmeras hipóteses levantadas pelos kabbalistas, tanto antigos
como medievais, Cordovero, partindo de uma questão primordial,
[ 30 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
chega à seguinte conclusão: Por que as três Sephiroth superiores teriam
necessidade de um equilibrante, uma vez que, à primeira vista, todas as
três estão em Paz, indissociáveis, cada uma tendo tudo de uma de outra
em si e alimentando-se entre elas? Se elas estão em Paz é porque cada
uma delas tem dentro de si a Misericórdia à sua maneira, diferente mas
muito presente. Ele prossegue demonstrando que isso também não é
totalmente exato, se considerarmos que, efetivamente, Chokmah é a raiz
fonte de Chesed e Binah a raiz fonte de Geburah. De fato, a arbitragem
é necessária e primordial desde o plano superior, o mais próximo da
Fonte divina, para que as fontes do Fogo e da Água sejam controladas,
a fim de facilitar o trabalho nos planos inferiores. As raízes da árvore
merecem ser alimentadas por um fluxo saudável e vigoroso, para manter
a força e o equilíbrio de nutrientes fluindo no tronco e nos galhos, a fim
de gerar frutos que podem transmitir a essência benéfica, vital e nutritiva
necessária a todo ser.
Kether é de fato a Fonte, na extremidade do pilar da Misericórdia.
Dado que nenhum extremo pode ser mediador, Kether, portanto, não
pode também fazer a mediação entre Chokmah e Binah. De acordo
com Moshé Cordovero, resta então “a cabeça” do eixo de Rahamim, da
Misericórdia, abaixo da Fonte que é Kether. É Daath, “é uma realidade
sutil de Tiphereth que vai se propagar entre Chokmah e Binah e é
graças a ela que as duas se unem… ”. Isso corresponde ao momento em
que Tiphereth ascende à mente de Deus e se chama Israel, como será
mencionado em Gênesis 32:29:
“Teu nome não será mais Jacó, mas Israel, porque foste forte,
contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste.”
Vimos anteriormente a ligação entre Tiphereth e Jacó, mas aqui é Jacó
que se tornou Israel, que vai ser o árbitro. A palavra Israel é formada
pelas raízes “Isra” e “El”. O anagrama de “Isra” é “Shir” = cântico e “El”
= Deus, sendo, portanto, “O Cântico de Deus. “Shir”, o cântico, está do
lado de Binah, pois é assim que os levitas serviam, e “El” está do lado de
Chokmah para os serviços do sacerdócio dos Cohens. Israel, portanto,
tem ambos em si e pode servir como árbitro. A harmonização não deveria
passar pelo 4? Deixo no ar a pergunta para sua reflexão.
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 31 ]
Daath é um aspecto de Tiphereth e atende os três níveis, como um
elevador em um imóvel e permite subir ou descer. Às vezes ela estará
entre Chokmah e Binah, outras, entre Chesed e Geburah, ou então entre
Netzach e Hod. Moshé de Léo no Sepher Hashem o descreveu assim:
Daath, de acordo com o nome da Shefa que vem para ela a
partir do Cérebro Oculto e desce via coluna vertebral para a
aliança do membro, até chegar à morada de Malkuth como
destino. E isso é assim porque Daath é a terceira e arbitra na
medida em que é o eixo do meio situado entre duas opiniões.
Nas tradições primordiais, o simbolismo e o funcionamento da árvore
muitas vezes são associados a esta imagem de fluxo, que vai do cérebro
ao sexo masculino para derramar sua semente no feminino. A semente
animará a Vida no feminino unicamente se o desejo e a intenção no
âmbito do cérebro (logo, nos mais altos planos) forem puros e ardentes,
estimulando a alquimia mística.
Conclusão
Lembremos que a Sabedoria é o Local da Árvore da Vida e não a
Árvore da Vida em si. Temos dentro de nós toda essa sabedoria e todas
essas qualidades. A Kabbala nos demonstra por um lado que as polaridades
femininas e masculinas são indissociáveis como a esfera do Ein-Soph;
e que, por outro lado, este equilíbrio das polaridades encontra-se em
todos os princípios emanando da Essência divina. Por vezes, em função
de determinado contexto, a polaridade masculina vai se exteriorizar e a
feminina ficará em segundo plano, para dar a força certa à polaridade que
se expressa. Em outros momentos, é o contrário, a polaridade feminina
vai se exteriorizar recebendo o apoio oculto da polaridade masculina.
Enquanto no centro, que também é um pilar do Tetragrama, as duas
polaridades se expressam lado a lado, sempre recebendo a força das suas
polaridades complementares em segundo plano. Os mesmos cruzamentos
de polaridades e conceitos de equilíbrio também são encontrados nas 4
letras do Nome divino YHVH. Com esta informação, tudo o que temos
a fazer é construir o nosso Templo interior no Seu reflexo. No livro de
Provérbios (24:3-4) é dito:
[ 32 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Com a Sabedoria se constrói uma casa [o Templo], e com a
Razão [entendimento] ela se consolida. Pelo conhecimento
enchem-se todos os cômodos de todo o tipo de bens preciosos
e agradáveis.
A Sabedoria, a Razão e a Ciência formam os Princípios primordiais
que impregnam a Daath. n
Notas:
1 Marc-Alain Ouaknin, Mystères de la Kabbale [Mistérios da Kabbala], pp.
266-267, Paris, Éd. Assouline, 2000.
2 Yossi J.H. Chajes. Spheres, Sefirot, and the Imaginal Astronomical
Discourse of Classical Kabbalah, University of Haifa, pp. 244-246, Harvard
Theological Review, Volume 113, nº2, abril 2020.
3 Yossi Chajes é um professor da Universidade de Haifa que, até agora, fez os
estudos mais avançados sobre este assunto.
4 No que concerne à palavra Sephirah, Moshé Cordovero explica que ela
provém da raiz S-PH-R (Samekh, Phé, Resh) e comporta seis etimologias
diferentes: Sephar ou Sephor – O número; Sepher = O livro; Sippur = O
relato ou a palavra; Saphir – A jóia que reflete a Luz; Sphère - um limite
= aquela que delimita o mundo finito; Sopher = O escriba. Cada Sephirah
comporta seis sentidos ao mesmo tempo. E cada uma das Sephirah contém
em si todos os elementos das outras Sephiroth.
5 Essas 3 classes de letras não têm nenhuma ligação com o alfabeto nem com
a gramática hebraica, elas são puramente simbólicas.
6 A suprema autoridade religiosa judaica, conselho supremo do judaísmo na
época greco-romana.
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 33 ]
“Ilan Ha Hokhmah”
= “Árvore da Sabedoria”
Manuscrito hebraico
Sefer Yetsirah
Século XIII
Diagrama 1
Diagrama 2
Diagrama 3
[ 34 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Rigor Misericórdia Graça
LESTE
Frio - úmido Feminino Quente - Seco
Feminino NORTE Úmido - Quente SUL Feminino
Guevourah Hessed
“O Estreitamento
Supremo”
Malkhout
Eixo dos Equilibrantes
TERRA Masculino
Seco – Frio
OESTE Feminino
Frio - Seco Diagrama 4
Diagrama 5
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 35 ]
Philippe Laurent
O Negro
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 37 ]
com os medos familiares, identificáveis, é proteger-se, precaver-se contra
outros medos fundamentais, surdos e dissimulados, a começar pelo mais
fundamental dentre eles: o medo da morte.
No Ocidente, o preto é a cor da morte e do luto (o que não é o caso em
várias outras culturas, onde o branco, ao contrário, assusta porque remete
ao vazio, ao nada). Até há pouco tempo no nosso Ocidente “moderno”
era costume durante um ano inteiro guardar o luto, vestindo-se de preto
ou exibindo no braço de sua veste uma faixa preta [o “fumo”]. Essa
tradição esquecida, como tantas outras, estabelecia uma ligação visível
entre o mundo dos vivos e dos mortos. Atualmente, desviamos o olhar
das pessoas à beira da morte, assim como de suas famílias inconsoláveis,
enquanto ficamos fascinados pela encenação da morte dos personagens
fictícios que o cinema nos oferece, através da glorificação da morte brutal
ou criminosa. Porém, da passagem natural da vida à morte, esta porta
estreita que todos nós estamos destinados a atravessar, nada de imagens
espetaculares, apenas um medo indescritível e cada vez mais disfarçado
aos olhos dos outros.
Para nós, o preto, ou negro, simboliza o não-ser, o não manifestado,
a matéria bruta. O que não está – ainda – transformado em material
útil e que, exatamente por isso, escapa a qualquer domesticação ou
“humanização”, o que também nos assusta por não participar do alegre
espetáculo do útil e do agradável. No entanto, esta cor-matéria possui
uma dimensão dinâmica e é também o espirito em gestação, ainda não
manifestado, mas repleto de uma esperança e de uma possibilidade. Os
mitos cosmológicos o associam às trevas primordiais, ao não-diferenciado,
ao hylé ou caos dos alquimistas, de onde deve emanar a luz, através de
um ato teofânico cuja transmutação é apenas um aspecto. Antecedendo
o surgimento do “Fiat Lux”, é, no entanto, ele quem parece permitir isso,
porque nada surge do nada, mesmo que o Criador possa fazer tudo…
Entre os quatro elementos tradicionais, é à terra que está associado o
negro, porque a experiência com o mesmo nome consiste em mergulhar
nas entranhas da nossa mãe terra, imagem da matriz primordial, imóvel
na sua essência e ao mesmo tempo a promessa de um nascimento futuro.
“Travessia do deserto”, poderíamos dizer assim, mas de um deserto que
[ 38 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
não é totalmente árido, onde o solo fértil de um mundo subterrâneo
está lá, esquecido por todos, mas sempre pronto a cumprir a sua função
geradora, quando a água, o ar e o fogo da vida de lá do Alto combinar-
se-ão para transfigurar a morte em vida e para além disso, em vida eterna,
porque perpetuamente renovada.
Em nossas igrejas o preto, mais representado por razões práticas pelo
azul das rosáceas, é a cor do Norte, onde o sol nunca brilha. A oposição
preto – branco também é frequentemente representada na forma de
um piso em mosaico, simbolismo binário ostentado pelos cavaleiros
templários sobre o seu Baucent (Beaucéant): o homem no caminho deve
passar alternadamente das trevas à luz para alcançar, finalmente, a paz da
alma. O confronto entre as trevas e a luz representa assim a eterna luta
de dois princípios cósmicos que o Iniciado, o Sábio, deve superar. Ora,
o Sábio, segundo a tradição filosófica helenística, é aquele que superou
o medo, ou seja, toda e qualquer forma de oposição. Não temendo mais
por sua vida ou pelo seu bem-estar, liberta seu espírito das contingências
utilitárias da vida e permite que ele voe a altitudes mais elevadas. Ele
sabe também tirar das suas contradições uma força dinâmica que põe ao
serviço do seu progresso pessoal. A criança que se debate com os seus
demônios noturnos dá lugar ao adulto que age sem nada dissimular,
pronto a aceitar os seus fracassos e as suas vitórias.
A Obra em negro alquímico simboliza uma fase de despojamento e
de decomposição da matéria, concomitante com a desestruturação do
universo mental do operador. Este também deve livrar-se dos seus hábitos
e padrões mentais. Esta fase é absolutamente crucial porque a “trituração”
da matéria psíquica é um pré-requisito indispensável à sua fermentação
e, depois, à sua revelação final em um corpo de luz.
A Obra em negro corresponde assim para o “buscador” a uma fase
de desconstrução das suas crenças antigas, dos seus condicionamentos
passados. Antes de enveredar por um caminho de libertação, seja ele qual
for, deve-se, primeiro, compreender por si mesmo que as velhas receitas
para lidar com a sua existência falharam e que convém tentar “outra coisa”.
Naturalmente, esta tomada de consciência não acontece com todos, e
muitos são aqueles que se contentam perfeitamente com uma existência
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 39 ]
centrada no ter, ou no “preenchimento” material ou hedonista, sob todas
as suas formas. Estamos, portanto, falando aqui apenas de um pequeno
número… Não por natureza, porque todos os seres humanos dispõem de
uma sensibilidade espiritual, mas de uma disposição de espírito: há um
momento em que essas pessoas, muitas vezes, depois de um fracasso ou
de uma profunda decepção, compreendem que um objetivo mais elevado
ou mais íntimo as espera. É o início do caminho, a abertura do “palácio
fechado do rei”, para usar um título de um conhecido tratado alquímico.
Algumas psicoterapias ditas “de atenção plena” chamam esta fase
de o desespero criativo: a pessoa em sofrimento já tentou ficar melhor
por si mesma, e isso muitas vezes desde há muitos anos, mas sem um
real sucesso. Por isso, é por conta deste pesar e com uma constatação de
fracasso que ela procura o terapeuta, que, em geral, terá por principal
mérito fazê-la ver as coisas por um outro ângulo ou ponto de vista. Ora,
este ponto de vista é aquele do ponto fixo que constitui o Self observador,
o lugar mental simbólico não sujeito a modificações, sempre disponível
nas profundezas da psique, e propondo uma tomada de consciência à qual
só pode ter acesso apenas uma alma livre de toda agitação que embaralha
e obscurece a experiência imediata.
Esse trabalho na matéria bruta é um pré-requisito indispensável, pois
esta primeira calcinação (ou dissolução, segundo o caminho escolhido)
vai decompor a matéria bruta e liberá-la de suas escórias, a fim de revelar
os seus princípios. Se não se conseguir quebrar esta carapaça externa, o
verdadeiro trabalho não pode sequer começar. Ora, aceitar que se tenha
podido enganar-se, iludir-se de tal forma, é um trabalho penoso e pesado
que exige o fogo ardente da vontade, e nem todos estão prontos para tal
esforço. Quem consegue fazê-lo recebe os primeiros louros do aprendiz
Artista, e pode pretender cavalgar o dragão para prosseguir em sua
ascensão espiritual.
João da Cruz, em sua “noite escura da alma” (En una noche oscura),
descreve as fases iniciais do caminho que conduz o aspirante poeta (ou
místico, é a mesma coisa), a se despojar, purgar-se espiritualmente das
escórias de sua sensualidade assim como do seu intelecto.
[ 40 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
Segundo João, “a noite espiritual é a partilha de poucos, isto é, daqueles
que já exercem e são avançados na virtude. Porque a noite só chega
depois de um primeiro nascer do sol glorioso, onde a alma fica como
que encantada pelas primeiras revelações espirituais, pelo entusiasmo do
iniciante.” Nada deve nos levar a considerar a fase escura da existência
como uma maldição, ao contrário: para João da Cruz, ela é o privilégio
daqueles que já renunciaram à ignorância. E esta liberdade tem um preço,
um preço alto, que se deve concordar em pagar: a angústia da incerteza,
da dúvida fundamental, existencial, e o humor “melancólico” (diríamos
hoje em dia, depressivo) que a acompanha.
Porque depois do primeiro período eufórico de compreensão imediata,
intuitiva, a dúvida interfere, depois o desespero e a mais profunda
solidão. Esse trabalho na “matéria bruta” (nossa natureza) é um quesito
indispensável para qualquer avanço consequente. A boa notícia é que à
noite necessariamente sucede o dia, e o nosso peregrino espiritual fará
bem em ficar atento aos primeiros sons do canto do galo, anunciando a
aurora dourada.
Sensações e intelecto afastam-nos, portanto, da Revelação da Luz
do alto. Devemos, pois, desconfiar dos sentidos que nos enganam e
abusam de nós, e até mesmo invertê-los, transformá-los para os tornar
servidores da Felicidade e do Conhecimento perfeitos. Renunciar não
apenas aos prazeres imediatos de uma existência frívola, mas também às
muitas ilusões geradas por uma fé cega em relação à capacidade da nossa
realidade animal de formar uma ideia válida do Mundo na sua totalidade,
incluindo a sua dimensão metafísica.
À noite dos sentidos segue-se a noite do espírito, de “mens”, ou
seja, da mente. Porque tanto como os sentidos, o raciocínio puramente
intelectual, analítico, obstrui a percepção da Realidade superior, processo
de assimilação da realidade que Spinoza comparou à intuição, e que
Bergson teorizará em seus “dados imediatos da consciência”. Receber a
luz da intuição exige que reunamos todas as nossas faculdades mentais
em um ponto virtual onde o tempo já não existe, a fim de ascender à
instantaneidade da experiência que, por sua vez, assumirá a maior
intensidade possível. Onde o raciocínio e a conceitualização se desenrolam
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 41 ]
no tempo, o acesso ao “maior do que si mesmo” deve ignorar toda a
temporalidade, para obter uma intensidade suscetível de abalar as nossas
velhas estruturas mentais. Assim, o véu negro que encobre o exercício dos
sentidos e da razão não tem por objetivo obscurecer, mas, pelo contrário,
revelar. É um belo paradoxo que mostra a riqueza e a profundidade do
reino das sombras, portador de uma iluminação futura.
O profeta Isaías convida a este “jejum espiritual”, pois assim “a tua luz
brilhará nas trevas” (Isaías 58:10). João da Cruz esclarece: “Não é a luz
em si que vemos, ela é apenas o meio pelo qual vemos tudo o que ela
ilumina, e só a vemos através da reverberação que ela produz à sua volta…
Quando essa luz espiritual que impregna a alma encontra um objeto que
a reflete, isto é, um ponto de perfeição espiritual que se deve compreender
por menor que seja, ou um juízo verdadeiro ou falso que é necessário fazer,
imediatamente ela o vê e o compreende muito mais claramente do que antes
de ter estado mergulhada nas trevas.” A verdadeira Inteligência das coisas
então emerge acima e para além das considerações sensuais e racionais. As
verdades que antes germinavam brilham agora sob uma nova luz e podem
ser amadurecidas. A alma do homem torna-se força criativa.
De acordo com os físicos, as estrelas, inclusive o nosso sol, brilham
como “corpos negros”, à maneira de um ferro que mantemos no fogo e
que sucessivamente passa pelas cores vermelha, amarela, azul… De fato,
é apenas em virtude da sua própria radiação que as estrelas são visíveis
para nós como os astros mais luminosos que existem. Elas não precisam
de nenhuma fonte exterior de claridade para proporcionar sua benéfica
– mas também às vezes mortal – luz. Assim, através da matéria (mas em
um estado de extremo calor, ou seja, no paroxismo da agitação molecular),
o negro se transfigura em pura luz. Uma massa de hidrogênio e de hélio
se transmuta em calor e claridade, mas também, talvez, em alguma coisa
mais sutil que poderíamos comparar a uma energia vital. O Hino a Aton,
do faraó “herege” Amenhotep IV, glorifica o astro do dia naquilo que
ele dispensa de benefícios, sem mencionar sua constante prodigalidade
que devia servir de guia e modelo para o nosso comportamento humano.
Mas o que seria a experiência desta doce e suave luz do amanhecer sem
a travessia prévia da noite? Como apreciar a plenitude do Ser se não
[ 42 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024
sofremos anteriormente a sua ausência? Quem então cantará os louvores
do universo noturno que, ao mesmo tempo, oculta e promete o surgimento
vindouro de uma nova claridade?
Um mito cosmológico ensina que “as trevas preenchiam tudo antes da
Luz nascer”. Porém este “antes” é também agora e amanhã. Luz e trevas
se respondem e mutuamente se solicitam. Sem luz, nada de sombra. Sem
escuridão, não há despertar. E sem oposição, não há movimento.
O homem às vezes tem o sentimento de caminhar ao lado do seu
próprio abismo, o abismo do aniquilamento do espírito. A dúvida, o
cinismo, a negação têm um poder de atração que poderíamos qualificar de
“beleza do diabo”. O pior, se ele não estiver seguro, é uma opção que, senão
provável, pelo menos plausível. E prever o pior é acreditar, muitas vezes
erradamente, poder se proteger contra ele. As pulsões autodestrutivas
são explicadas muitas vezes por este doloroso mecanismo de prevenção,
tranquilizador de um ponto de vista lógico, mas perverso e gerador de
sofrimento a longo prazo. Pois, como já vimos, a imaginação é mais forte
do que o intelecto, e os pensamentos têm uma faculdade autorrealizadora.
Deste modo, se não tomarmos cuidado, o abismo corre o risco de nos
engolir realmente…
Não se pode apreciar plenamente a luz se não se tiver experienciado a
sombra. O conhecimento não é dado ao homem, mas conquistado com
grande luta. Através do jogo permanente dos contrastes que tecem a
experiência humana da vida terrestre, a alma em busca do Alto se fortalece
e se refina na sua compreensão das leis universais pelas provações e as
tribulações, dentre as quais a travessia da noite escura não é a menor.
Embora a escuridão seja a ausência de luz, ela contém, no entanto,
a promessa de um amanhecer radiante. Assim, ela não é sinônimo de
morte, mas antes de sono, pois a vida universal não pode desaparecer
da Criação, cuja existência ela apoia de forma perpetuamente dinâmica.
Ademais, é bom morrer para si mesmo a fim de permitir ao Todo
manifestar-se através de si de maneira renovada, mais completa. A vida
terrena não teria outro objetivo senão o de permitir que este desabrochar,
este renascimento, tivesse lugar. n
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 43 ]
Pierre Emmanuel
A Torre
Contra o Céu
Quem? EU?
O topo da Torre atravessou as nuvens, o Tirano a seus pés já não
vê mais a Terra; mas o céu ainda está tão longe destes dois braços
que estendem para cima todo o peso da dor do homem, em uma
blasfêmia ou em um apelo, quem pode dizer? Apenas o severo céu
ressoa com um vasto sarcasmo, um céu impiedoso , e este olho que
concentra o seu ódio, esticando os músculos da água negra sob o
tempo
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 45 ]
Jean-Marc Robert
O Jardim Secreto
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 47 ]
pisoteadas pela incompreensão, pela inveja e pelo desprezo alimentados
por intrusos penetrando sob o disfarce de uma suposta amizade.
Vendo que este aviso é muitas vezes desprezado e que a proteção do
jardim interior é igualmente negligenciada; ainda que os ensinamentos
martinistas nos alertem sobre os delitos em que podemos incorrer ao
querer revelar demasiado o seu conteúdo interior, Christian Bernard
considerou útil incluir, de outra forma, esta advertência no que ele chamou
de “Mandamentos do amor”, que fecha o primeiro capítulo de seu livro
“Que assim seja!” Neste sentido, o sétimo artigo nos diz: “Confiemos aos
outros somente aquilo que eles sejam capazes de compreender, porque
se nossas confidências não forem controladas, farão de nossos irmãos
terríveis inimigos.” Muitos de nós devem ter provado deste remédio
amargo antes de aprender a se calar.
Fato interessante, Louis-Claude de Saint-Martin salienta no livro O
Novo Homem que foi no jardim sob os seus cuidados, o Jardim do Éden,
que o primeiro homem foi traído pelo tentador. Da mesma forma, foi em
um jardim, o Jardim das Oliveiras, no vale do Gethsêmani, que, por sua
vez, o Reparador foi traído…
Louis-Claude de Saint-Martin igualmente nos ensinou sobre as duas
portas do coração: a porta Superior e a porta inferior A porta inferior
deve permanecer fechada para sempre, pois é por ela que o mal pode se
introduzir. Por outro lado, a porta Superior atua como um filtro que só deixa
passar o amor. Aplicado ao nosso jardim secreto, a porta inferior é aquela
barreira que separa o mundo exterior do mundo interior, impedindo-lhe
o acesso. A porta Superior parece mais um portal entre o macrocosmo
e o microcosmo, só podendo ser franqueado aos corações puros. Esta
imagem nos leva a fazer uma associação com as letras hebraicas Het (8)
e Dalet (4), Het significa “barreira”, e por isso mesmo proíbe o acesso ao
que há do outro lado. Dalet, significando porta ou “portal”, age como um
guardião que permite o acesso. Aplicando a lei do triângulo, Het e Dalet
se unem e se manifestam através de Lamed (12). Lamed é o aguilhão com
o qual o Jardineiro interior nos alcança e toca a fim de inspirar nossos
passos em relação às diversas tarefas a serem realizadas para chegarmos
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até ele, quando então irá nos transmitir o mais belo ensinamento que
existe: o ensinamento do seu amor cujos frutos resultantes, segundo a
nossa espécie, serão produzidos em abundância.
A partilha, portanto, deve ser feita com discernimento. Embora seja
importante trancar duas vezes a porta exterior, a porta interior, por seu
lado, deve permanecer acessível. A porta interior é guardada e protegida
por nosso Jardineiro interior, e ela é aberta apenas para aqueles que vibram
em harmonia com o que poderíamos designar como sendo o santo dos
santos do nosso templo. Ele não pode ser profanado, a menos que a porta
exterior se entreabra, e ela só pode se abrir por negligência nossa.
Revelar o nosso jardim secreto falando sobre ele, traz de volta ao plano
do intelecto o que deve permanecer no plano do coração e ser partilhado
somente de coração para coração, através dos sentimentos.
O intelecto, enquanto ferramenta, pode ser utilizado para transmitir,
em um sentido ou em outro, uma chave de acesso ao jardim secreto.
Entretanto, ela estará velada e só poderá ser interpretada e compreendida
a partir do interior, na calma de nosso jardim. De fato, de forma consciente
ou sem o seu conhecimento, um autor, um conferencista, um artista ou
qualquer outro transmissor de beleza, poderá partilhar a chave do seu
jardim. Esta chave entretanto, terá sido selada pelo Jardineiro. Deste
modo, assim como a espada Excalibur que só pôde ser retirada da pedra
por Arthur, uma chave será descoberta apenas por aquele que estiver
preparado para recebê-la. Daí o adágio rosacruz: “Quando o discípulo
está pronto, o Mestre aparece.”
O Jardineiro Interior é Nosso Amigo Fiel
O Jardineiro interior, como terão compreendido, é o nosso Mestre
interior, nosso amigo fiel, nossa alma. Ele vela, protege, aconselha, mas
nunca irá se opor ao nosso livre-arbítrio. Para o bem do nosso jardim
secreto, nosso coração, é importante que as escolhas que fazemos com
o nosso ego sejam seletivas e judiciosas. Somos responsáveis pelo nosso
irmão jardineiro e devemos, na medida do possível, deixá-lo agir, aprender
com ele e colaborar com ele. Os ensinamentos martinistas e rosacruzes
nos dizem que ele é o maior de todos os mestres e, para encontrá-lo,
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 49 ]
devemos nós próprios seguir a senda que leva ao santuário de nosso
Templo interior, onde ele reside permanentemente,
Assim, depois de ter protegido o nosso jardim e ter ali encontrado
o Mestre jardineiro, poderemos receber os seus primeiros conselhos
sobre as sementes e a germinação dos preciosos grãos que nos serão
confiados. Para que possamos participar eficazmente na tarefa, é no solo
da nossa consciência que ele próprio plantará as primeiras sementes
do seu ensinamento. Estas germinarão sob a forma de pensamentos
inspirados e crescerão graças ao adubo das nossas meditações. Enquanto
nós repousamos perto de uma fonte próxima do nosso jardim secreto,
percebemos um murmúrio trazido pelo vento.
E o que diz ele?
“Todos os dias, todas as horas
Semeamos as escolhas de vida.
Em qualquer momento, a infelicidade ou a felicidade
Das nossas escolhas serão os frutos.”
É então que tomamos consciência da importância de escolher bem
os grãos que desejamos implantar em nossos pensamentos, em nossas
palavras e em nossas ações. Percebemos igualmente nossa responsabilidade
na manutenção de uma vigilância constante sobre os pequenos brotos do
nosso jardim. É preciso um trabalho assíduo para poder aspirar a uma
boa colheita, e isso apesar das tentações do ego que nos faz acreditar na
facilidade do “fast food”. Não podemos comprar o que devemos cultivar
com a nossa dedicação e os nossos próprios esforços.
A fim de que as plantas cresçam bem e se multipliquem, o Jardineiro
zela para que o nosso jardim se beneficie de um bom clima. Por nosso
lado, devemos cultivá-lo e cuidar bem dele. Presença e vigilância! Nutrir os
pequenos brotos e arrancar a ervas parasitas que tentam a todo momento
desviar a água, o adubo e os minerais para seu próprio proveito. É assim
que com um bom clima, dom da Providência, e um bom solo, uma dádiva
da natureza, o jardim produzirá em abundância os frutos do trabalho do
Homem.
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Ainda que a presença do Mestre garanta um clima favorável para o
nosso jardim interior, também aqui temos de aprender a contribuir para
a sua boa manutenção e, ao fazê-lo, harmonizamo-nos com ele. Ao nosso
nível, a contrapartida do clima interior que temos de trabalhar não é outra
a não ser a nossa atitude.
Olhar, percepção, atitude e outras faculdades semelhantes devem ser
sublimadas para que possamos ver o nosso jardim tal como foi concebido
e criado; tal como ele é! A vida segue seu curso e tudo está no seu lugar,
tudo está bem. Se os martinistas falam muito do “Conhece-te a ti mesmo”,
do “trabalho sobre si”, é porque nós somos a única coisa que podemos
e devemos mudar…melhorar…despertar… tornar maleável. Nossas
preocupações, nossos problemas são o resultado da nossa obstinação
em pôr o jardim “nas nossas mãos”, quando deveríamos pôr-nos ao seu
serviço e ser um trabalhador útil. U
m trabalhador em quem o Jardineiro
pode se apoiar, para que os frutos que devemos produzir floresçam em
abundância.
A qualquer hora do dia e da noite, a inspiração bate à nossa porta e
não para de nos sugerir maneiras de fazer, para que compreendamos que
somos nós os artesãos de nossa felicidade. Quando nós a acolhemos, ela
nos inspira uma atitude de coragem e de paz onde há o medo e a guerra.
E onde já existe a paz, ela nos inspira um sentimento de plenitude. Neste
sentido, o salmo 23 é particularmente inspirador. Eis aqui um trecho dele:
“O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes
pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas…” E estes versículos
estão escritos no presente, como um presente que nos é oferecido quando
estamos aqui, no momento presente.
A nossa felicidade enquanto estado de ser depende, portanto, só de
nós, da nossa atitude. Não é uma acumulação de pequenos ou grandes
prazeres. É fruto dessa qualidade que o coração possui que nos permite
ver o lado bom das coisas, e da atitude que nos faz reconhecer que é
nossa responsabilidade. Somos nós os únicos responsáveis por isso, e o
que os outros não fazem, não nos libera em nada das nossas próprias
obrigações.
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 51 ]
Desenvolver-nos de maneira que o nosso jardim produza frutos em
abundância desperta o sentimento de prosperidade, que é uma bela qualidade
do ser, uma atitude que nos faz sentir plenos, que é também um sentimento
em que a abundância dá origem ao impulso e à alegria da partilha.
Uma boa atitude não significa muita coisa, se pensarmos bem. É
apenas esta pequena gota de amor que pode por si só fazer transbordar
o vaso da felicidade. A felicidade é um privilégio, mas também é uma
responsabilidade que temos de assumir.
Até agora, temos tido a preocupação de tomar as precauções necessárias
para proteger a integridade do jardim pelo qual somos responsáveis.
Depois de descobri-lo, ficamos maravilhados com ele ao ponto de
querermos compartilhar todas as suas belezas. Entretanto, vendo-o
ser pisoteado, esmagado pela incompreensão, a inveja e o desprezo,
rapidamente fechamos a sua porta. Depois, gradativamente, aprendemos
a ter acesso a ele pela via secreta que passa pelo santo dos santos do nosso
jardim, no qual só são admitidos os que sabem entrar sob o manto da
impessoalidade. Além disso, o jardineiro interior nos deu as ferramentas
que nos permitem preparar bem o solo, reconhecer o bom grão do joio
e igualmente reconhecer as plantas boas que já crescem nele. Por fim,
adquirimos uma boa técnica de trabalho, que consiste em considerar tudo
com a melhor atitude possível.
Através deste trabalho sobre nós mesmos, em nós mesmos, sempre
mais e mais profundo, aproximando-nos do que Louis-Claude de Saint-
Martin chamava “a vivificante raiz”, passamos a perceber “a rede dos
Mestres”. Os Mestres interiores de todos e de cada um dos seres humanos,
quaisquer que sejam, dedicam um amor infinito uns pelos outros. Sendo
nossas almas e a alma sendo perfeita, o amor dos Mestres uns pelos outros
é igualmente perfeito. A percepção dessa comunhão, dessa unidade entre
todos será o que despertará esse sentimento humanista tão importante
que é a compaixão.
Mesmo o ser humano mais bárbaro está unido a nós por uma ligação
de amor infinito; esta mesma ligação que une nosso Mestre ao seu. É a
percepção deste amor que vai nos fazer experimentar a compaixão para
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com este ser que ainda não soube oferecer ao seu Mestre a possibilidade
de se manifestar em sua vida. Mas, afinal de contas, o que sabemos disso,
e podemos nos permitir julgá-lo? Seu jardim, a exemplo do nosso, não é
secreto?
Se duvidamos do nosso dever de compaixão para com este personagem,
talvez uma analogia possa nos convencer. Esta analogia, ainda que possa
ser considerada como um tanto antropomórfica, pode nos permitir
realizar o lugar que deve ocupar a compaixão na nossa jornada, ao ponto
de ser uma importante etapa dela.
Se o nosso Mestre interior apenas aspira a unir-se a nós, e se cada vez
o afastamos optando por servir o ego ao ponto de nos alegrarmos com o
mal que fazemos, tentemos imaginar toda a tristeza que o Mestre pode
sentir diante desta ingratidão de nossa parte. Se, a cada vez que ele nos
oferece a luz, nós nos fecharmos para ele a fim de nos alegrarmos com a
trevas do ego, tentemos sentir toda a tristeza que pode ser a sua nesses
momentos de ingrata rejeição.
Prossigamos esta analogia…
Imaginemos o Mestre Jesus quando, depois de ter sido traído no Jardim
das Oliveiras e condenado diante de Pôncio Pilatos, estava na cruz. Diante
dele, a seus pés, a multidão que manifestava uma total impiedade coletiva
em relação a ele. Sabemos que o Mestre Jesus havia atingido um nível de
consciência que lhe permitia comungar conscientemente com o Mestre
interior de cada um. Imaginemos então a toda a pena que ele podia sentir
compartilhando a tristeza de todos os Mestres interiores, cujos discípulos
humanos, reunidos diante dele, manifestavam o auge da maldade em
relação a esta própria encarnação do Amor. Foi então que a compaixão do
próprio Pai se manifestou retirando-lhe, momentaneamente, o supremo
nível de consciência do qual ele havia se beneficiado ao longo do seu
ministério. Ato de amor que não foi imediatamente compreendido, uma
vez que Jesus disse: “Meu Pai, por que me abandonaste?” A compaixão
suprema do Pai tinha querido evitar ao Mestre Jesus o peso de toda
essa tristeza que ele compartilhava com todos os Mestres interiores da
multidão reunida diante dele…
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 53 ]
Esta analogia ajuda-nos a compreender que alcançar o estado de
compaixão não será apenas mais uma etapa do nosso percurso, mas sim
uma etapa importante. Será um passo importante, porque nos irá nos
fazer passar do estado humano para o estado humanista. Para ser mais
preciso, ela irá nos fazer passar do nível da autoconsciência para o nível
de consciência humana, que poderíamos descrever como sendo um nível
elevado de consciência coletiva da humanidade. Elevado porque esta
consciência coletiva terá sido enriquecida pela nossa permanência no
nível da autoconsciência.
Compaixão e Partilha…
Mas o que é a compaixão em relação ao assunto deste artigo? Ela
é esta manifestação de amor que nos fará tomar consciência de que
nosso jardim secreto é uma parcela do jardim secreto comunitário da
humanidade, e que durante todo esse tempo, nós fizemos crescer nele os
frutos da compaixão que estamos agora prontos para partilhar com todos,
e particularmente com todos aqueles que sofrem.
Deste modo então, este percurso, esta alquimia espiritual terá nos
permitido caminhar para a consciência humanitária, para o humanismo,
e ter um vislumbre do sabor da alegria que emana do sentimento de
fraternidade. Através do humanismo podemos contribuir para o
desenvolvimento harmonioso, para o estado de saúde da humanidade,
tal como uma célula sadia participa no bom funcionamento do órgão do
qual faz parte.
Juntar nosso jardim ao grande jardim comunitário da humanidade não
depende apenas da nossa boa vontade. Iniciado a partir de um pedaço
abandonado de terra, cabe a nós desenvolvê-lo com beleza e qualidade,
para que ele venha a ser julgado digno por seu esplendor e sua utilidade,
e ser integrado ao grande jardim da mesma forma que uma peça que falta
e que se espera, encaixa-se no todo de um quebra-cabeça.
Paulatinamente, o homem, em sua busca daquilo que ele chama “A
felicidade durável”, aprende a passar do “ter prazer para o “ser feliz”. Ir do
transitório para o permanente, do temporário para o durável, do que se
perde para o que se obtém, em suma, do ter para o ser, aprende a passar do
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desejo dos prazeres para a alegria da felicidade, do eterno recomeço para
a progressão gradual em um ideal, do individualismo para o humanismo.
Segundo Tagore, a busca do prazer impulsionada pelo ego nos prende nos
opostos prazer/ sofrimento, porque “ter” o prazer como ideal implica a
possibilidade de perdê-lo e sofrer. Por outro lado, “ser” feliz no caminho para
um ideal só pode contribuir para uma felicidade sempre maior, onde o
sofrimento acaba por perder toda a importância, porque o coração está em
paz, a alma está apaixonada e o homem está em harmonia com os outros,
com o seu ambiente e com o seu caminho. Mesmo que o sofrimento
fosse tal que pudesse destruir seu corpo, seu coração permaneceria em
paz, pois, para ele, a própria transição é uma etapa para uma felicidade
ainda maior.
Desde a nossa emanação do Centro divino, nosso único objetivo, por
mais inconsciente que possa ser, não é regressar para este Centro que,
para permanecer fiel ao nosso tema, poderíamos chamar “o grande Jardim
universal”? Uma viagem de ida e volta que vai nos levar de regresso,
enriquecidos pela aquisição de todas as fases da consciência. Uma viagem
que terá percebido que tudo o que está em cima é como o que está
embaixo, e que tudo o que está embaixo é como o que está em cima,
levando à última realização, que nos fará constatar que tudo o que está em
cima é o que está embaixo, a realização da “Coisa única”.
Como Martinistas, não podemos ser insensíveis à busca do amor,
e muito menos inconscientes dele. Saibamos ver isso primeiro em nós
mesmos com nossos erros e nossos êxitos. Depois, e talvez acima de tudo,
esforcemo-nos para estar conscientes desta mesma busca nos outros,
lembrando constantemente que não estamos de modo algum autorizados
a julgar a qualidade da busca que cada um faz ou deve fazer. É assim
que veremos o nosso jardim secreto interior tornar-se cada vez mais
resplandecente desta qualidade que irá lhe permitir efetuar finalmente a
sua união com o grande Jardim comunitário da humanidade, e fazer de
cada um de nós um humanista realizado, ou seja, um irmão de todos! n
O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024 [ 55 ]
Carta Manuscrita de
«Mestre Philippe» para Papus
Pelo Serviço dos Arquivos da Tradicional Ordem Martinista
[ 56 ] O PANTÁCULO – Nº 32 – 2024