Encontros de Cognicao Musical Processos Criativos 2020
Encontros de Cognicao Musical Processos Criativos 2020
Encontros de Cognicao Musical Processos Criativos 2020
COGNIÇÃO MUSICAL
Série Encontros de Cognição Musical
Encontros de Cognição Musical: Processos Criativos (2020)
Guilherme Bertissolo e Marcos Nogueira (Orgs.)
ENCONTROS DE
COGNIÇÃO MUSICAL
Processos Criativos
SÉRIE ENCONTROS DE COGNIÇÃO MUSICAL I
Organizadores
GUILHERME BERTISSOLO
MARCOS NOGUEIRA
Curitiba/PR, Brasil
2020
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-Reitor
Paulo César Miguez de Oliveira
Assessor Especial
Paulo Costa Lima
Pró-Reitor de Pesquisa, Criação e Inovação
Sérgio Luís Costa Ferreira
Pró-Reitora de Extensão Universitária
Fabiana Dultra Britto
Diretor da Escola de Música
José Maurício Brandão
Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Música
Acácio Piedade (UDESC) Flávia Candusso
20-53311 CDD-780.7
Índices para catálogo sistemático:
1. Música : Estudo e ensino 780.7
Cibele Maria Dias - Bibliotecária CRB-8/9427
6
Os processos criativos desempenham um papel central na experiência musical. Ouvir,
compor, tocar e improvisar são atividades criativas que mobilizam imaginação e cons‐
trução de sentido, entrelaçando percepção, ação e pensamento. Este livro traz contri‐
buições para o estudo dos processos criativos em música por diversas perspectivas.
Os textos que compõem esse volume são aprofundamentos dos trabalhos apre‐
sentados no III Encontro de Cognição e Artes Musicais – Internacional, o ENCAM 3,
que ocorreu em formato remoto entre os dia 18 e 20 de novembro de 2020, promo‐
vido pela Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM) e organizado
pelo Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia
(PPGMUS/UFBA). Os autores, vinculados a universidades das cinco regiões brasi‐
leiras e do Canadá, apresentaram reflexões em sessões de apresentações de trabalhos
de pesquisa. Os textos foram, aqui, agrupados em cinco seções, que cobrem as te‐
máticas: Cognição e Educação Musical, Criatividade no Ensino de Música, Cogni‐
ção e(m) Processos de Criação, Processos Criativos Colaborativos e Cognição em
Interfaces com Mídias e Público.
A primeira seção, Cognição e Educação Musical, reúne contribuições de três pes‐
quisadoras convidadas do evento, que participaram de Mesa Redonda homônima.
Os principais conceitos discutidos nesta parte foram criatividade, motivação e per‐
cepção. Rosane Cardoso de Araújo (UFPR) abordou as noções de criatividade e mo‐
tivação na formação do professor de música, enquanto Cristina Tourinho (UFBA)
abordou a motivação no contexto de aprendizagem em aulas coletivas de violão.
Caroline Caregnato (UEAM), por sua vez, apresentou interessantes discussões sobre
as estratégias de escrita, que também descortinam contribuições da cognição para o
ensino no campo da percepção musical.
A seção seguinte, Criatividade no Ensino de Música, é dedicada às contribuições
em torno da criatividade no ensino de música. Brasilena Gottschall Pinto Trindade,
7
8 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Por outro lado, Sandra Regina Cielavin e Adriana N. A. Mendes discutem o processo
de aprendizagem musical no canto coral a partir da aplicação de uma tecnologia di‐
gital, desvelando importantes contribuições para o contexto do distanciamento soci‐
al. E por fim, Alfredo Zaine, Daniele Briguente e Sonia Ray abordam o pânico de
palco e as medidas de enfrentamento adotadas por músicos profissionais e estudantes
de performance musical, discutindo causas, sintomas e alguns mecanismos metacog‐
nitivos aplicáveis à situação.
Os desafios para concretizar o evento e esta publicação foram imensos, no con‐
texto das sucessivas crises que atingiram o sistema de pesquisa e pós-graduação no
país, agravadas por uma pandemia. Este livro não seria possível sem a colaboração
intensa da comissão organizadora e científica, da Associação Brasileira de Cognição
e Artes Musicais (ABCM) e da Universidade Federal da Bahia, especialmente pelo
apoio da Pró-Reitoria de Extensão Universitária. Devemos externar nossa profunda
gratidão aos pesquisadores brasileiros e estrangeiros que contribuíram com o EN‐
CAM 3 e com a concretização da publicação deste livro inaugural da Série Encon‐
tros de Cognição Musical.
Esperamos que as discussões e temáticas aqui apresentadas possam contribuir para
o avanço dos estudos sobre os processos criativos em música sob um ponto de vista
interdisciplinar. Com isso, quiçá possamos contribuir para cobrir, em particular, a la‐
cuna editorial no campo dos estudos sobre criatividade em música, temática cuja im‐
portância contrasta com a escassez de publicações que discutam suas bases cognitivas.
Guilherme Bertissolo
Marcos Nogueira
Organizadores
12
1
CRIATIVIDADE E MOTIVAÇÃO NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MÚSICA
Rosane Cardoso de Araújo
Departamento de Artes/Universidade Federal do Paraná, CNPq, Brasil
[email protected]
Resumo
No presente trabalho, busco aproximar os estudos sobre atuação e formação do professor de música com
foco em dois elementos relevantes na intersecção entre a psicologia e a educação musical: a motivação e a
criatividade. Para este fim, o texto está estruturado em quatro partes: A primeira, na qual trago o resultado
de uma Survey realizada com professores de música sobre suas opiniões e impressões acerca dos elementos
“motivação” e “criatividade” em seus processos de ensino; a segunda e terceira partes, nas quais apresento,
respectivamente, uma discussão sobre teorias que podem ser consideradas no estudo sobre a motivação,
criatividade e prática docente; e, por fim, a conclusão do texto, na qual apresento algumas sugestões sobre
como pensar a formação do professor de música para que elementos sobre motivação e criatividade sejam
incluídos nessa formação. Dentre as conclusões do presente texto, destaco que promover a observação
constante sobre o próprio campo de ensino pode trazer insights que geram novas ideias criativas para
atuação do futuro professor, seja para fortalecer o comportamento autônomo e criativo de seus alunos, seja
para gerar um ambiente de aprendizagem mais motivador tanto para o discente quanto para o docente.
Palavras-chave: Educação musical, motivação, criatividade, formação de professores, cognição.
Introdução
Ao longo do desenvolvimento de minhas pesquisas com foco na psicologia da músi‐
ca, fui percebendo que, além de observar aspectos importantes para a aprendizagem,
como a motivação do aluno, sua autorregulação e os processos metacognitivos, me
deparei com a relevância dos aspectos sociais envolvidos nesse processo, como ques‐
tões ambientais e a importância da relação entre professor e aluno. Entendi que exis‐
tem muitas formas de se buscar a excelência no ensino da música, como, por exem‐
plo, pelo estudo dos processos psicológicos e cognitivos envolvidos na aprendizagem,
pelo estudo dos modelos e metodologias de ensino, mas também, dentre muitas pos‐
sibilidades, pelo estudo dos aspectos envolvidos na atuação docente. Focar os estudos
sobre a aprendizagem a partir do docente é valorizar a profissão do professor (Araú‐
jo, 2006) e isso inclui o pensar sobre sua atuação, seus saberes e sua prática profissi‐
onal cotidiana.
O professor, com seu comportamento, suas escolhas pedagógicas e sua forma de
atuar pode transformar positivamente (ou não) um processo de aprendizagem. Sua
atuação é um elemento relevante para que a aprendizagem musical se torne mais
envolvente, prazerosa e atraente para o aluno.
Nesse sentido, trago, no presente texto, considerações sobre a atuação do pro‐
fessor com foco em dois elementos que considero relevantes pela perspectiva da in‐
tersecção entre a psicologia e a educação musical: a motivação e a criatividade. A
motivação e a criatividade são elementos que promovem positivamente o ambiente
de aprendizagem (Fleith & Alencar, 2010) e, embora existam muito estudos, em di‐
ferentes contextos das práticas de ensino e de aprendizagem da música, essa conexão
entre motivação e criatividade ainda demanda maiores investigações: “Apesar do
avanço das pesquisas [...] são muitas as lacunas existentes sobre a inter-relação entre
criatividade e motivação” (Fleith & Alencar, 2010, p. 226). São, portanto dois ele‐
13
14 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
mentos que estão em confluência e podem ser analisados à luz de diferentes teorias
(Araújo, Veloso & Silva, 2019).
A presente reflexão, portanto, está dividia em quatro partes: a primeira, na qual
trago o resultado de uma Survey ou Estudo de Levantamento (Babbie, 2001) reali‐
zado com professores de música, de diferentes ensinos (instrumento, canto e disci‐
plinas musicais teórico/práticas) sobre suas opiniões e impressões acerca dos elemen‐
tos “motivação” e “criatividade” em seus processos de ensino; a segunda e terceira
partes, nas quais apresento respectivamente, a discussão de duas teorias que podem
ser consideradas no estudo sobre a motivação e prática docente e outras duas teorias
que podem ser consideradas no estudo sobre a criatividade e ensino de música; e, por
fim, concluo este texto apresentando algumas sugestões sobre como pensar a forma‐
ção do professor para que elementos sobre motivação e criatividade sejam incluídos
nessa formação.
Motivação
Sobre a motivação do professor, é possível considerar inúmeras possibilidades dis‐
cursivas, a partir de diferentes abordagens. Uma das abordagens possíveis são os es‐
tudos de Deci & Ryan (2004) para explicar os processos motivacionais na relação
entre os fatores extrínsecos e intrínsecos. Eles introduziram a distinção entre moti‐
vação controlada e motivação autônoma. Eles argumentam que há professores (e
alunos) que atuam mais pela motivação autônoma, enquanto outros seguem uma
motivação controlada (Ryan & Deci, 2017). Nos dois casos, todos estão motivados,
porém, o engajamento nas atividades é superior com a motivação autônoma (Araújo
& Bzuneck, 2019). Nesta reflexão, destaco os estudos de Deci e Ryan (2004) e Ryan
e Deci (2017) sobre a necessidade da satisfação de algumas condições psicológicas do
indivíduo como forma de intensificar o processo motivacional. Os autores indicam
que sua Teoria da Autodeterminação oferece uma abordagem para se compreender
e explicar diferenças na qualidade motivacional e subsídios sobre como chegar à mo‐
tivação autônoma. A teoria sustenta que existem condições que permitem chegar à
motivação autônoma, por meio da satisfação de três necessidades psicológicas básicas:
autonomia, competência e relacionamento (Araújo & Bzuneck, 2019).
Também os estudos de Albert Bandura sobre as crenças de autoeficácia (cons‐
truto pertencente à Teoria Social Cognitiva) são subsídios relevantes para com‐
preender a motivação do professor de música. Segundo Bandura (1989, p. 1176), “as
crenças de autoeficácia das pessoas determinam seu nível de motivação, refletindo
16 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
na quantidade de esforço que elas irão exercer em uma realização e por quanto tem‐
po elas vão perseverar diante dos obstáculos”.
Essas crenças nas capacidades pessoais são intensificadas ou diminuídas à medida
que o professor vivencia suas atividades de ensino por meio de quatro formas espe‐
cíficas de experiência: as experiências diretas, as experiências vicárias, a persuasão
social e os estados fisiológicos e emocionais. As experiências diretas exitosas propor‐
cionam ao professor o aumento do seu senso de competência e o fortaleci-mento das
crenças em suas capacidades; as experiências vicárias permitem a ele observar e se
comparar com outros docentes em relação à sua prática de ensino; a persuasão social,
vivenciada pelo professor por meio do feedback positivo dos alunos e de pares, prin‐
cipalmente de forma verbal, o auxiliam a perceber sua prática como exitosa; e, por
fim, seus estados fisiológicos, que incluem a forma como ele lida com suas emoções,
ansiedade, estresse também lhe trazem um indicador de suas crenças de autoeficácia
em relação às suas capacidades de lidar e superar diferentes experiências em seu tra‐
balho cotidiano.
Analisando, portanto esses dois referenciais sobre motivação, considerando-os
como auxiliares para compreender a motivação do professor, pode-se afirmara que
o fortalecimento das crenças de autoeficácia do professor, bem como sua autodeter-
minação para realizar suas atividades, geram no professor o envolvimento na sua
atividade laboral, bem como a sua persistência e confiança (ver esquema 1).
Esquema 1
Crenças de autoeficácia e autodeterminação do professor.
Criatividade
Embora não exista um consenso sobre a definição de criatividade, muitos autores
concordam que, para ser criativo, o indivíduo necessita, além de conhecer um do‐
mínio específico, estar qualitativamente engajado na atividade, ser persistente, dedi‐
cado, ter imaginação, dentre outros fatores (Lubart 2007; Alencar & Fleith, 2003;
Barrett, 2000). Além disso, Csikszentmihalyi (2014) indica que as influências sociais,
culturais e pessoais trazem consequências para o desenvolvimento da criatividade; e
Wechsler (1993) aponta o ambiente como um dos fatores responsáveis pelo desen‐
volvimento da criatividade, isto é, um espaço onde a criatividade é estimulada ou inibida.
Em relação à criatividade do professor, destaco duas perspectivas teóricas que,
por meio de minha experiência, entendo que podem servir para analisar e com‐
preender processos criativos envolvidos na prática docente: o Modelo Sistêmico de
Criatividade de Csikszentmihalyi (1996) e o estudo da resolução de problemas, ba‐
seado em Sternberg (2009).
Cognição e Educação Musical 17
Esquema 2
Criatividade do professor.
(ou que já atuam) a uma sólida formação musical, bem como a não utilizar apenas
atividades prontas e de modelos de reprodução de ensino em suas práticas docentes,
desafiando-os em suas capacidades criativas, estaremos preparando futuros docentes
mais autônomos e engajados em suas pedagogias.
Assim, ao experimentar diferentes possibilidades de “como ensinar”, o futuro
professor, por meio de experiências de êxito, poderá ter sua percepção de eficácia
ampliada, gerando mais motivação (e autodeterminação), impulsionando-o a novos
processos criativos. Nesse sentido, durante a formação do professor de música, é ne‐
cessário:
-Valorizar os resultados positivos de suas práticas de ensino e trazer críticas
construtivas sobre resultados que não foram positivos, de modo a fortalecer o
senso de competência, a percepção de eficácia, envolvendo fatores vicariantes
que naturalmente estão presentes no contexto de ensino da universidade.
-Auxiliar o futuro docente a perceber os indicativos de seu ambiente de atuação
docente, levando-o a valorizar as suas experiências, e resultados positivos de for‐
ma a promover sua motivação autônoma.
Finalmente, promover a observação constante sobre o próprio campo de ensino
pode trazer insights que gerem novas ideias criativas para atuação do futuro profes‐
sor, seja para fortalecer o comportamento autônomo e criativo de seus alunos, seja
para gerar um ambiente de aprendizagem mais motivador tanto para o discente
quanto para o docente.
Nota
1 Grupo de pesquisa intitulado Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical,
vinculado ao CNPq e certificado pela UFPR.
Referências
Alencar, E. S. & Fleith, D. S. (2003). Criatividade: múltiplas perspectivas. 3ed. Brasília: UnB.
Araújo, R. C. (2006). Os saberes docentes na pratica pedagógica de professores de piano.
Em Pauta, 17(28), 39-69, 2006.
Araújo, R. C. (org.). (2019). Educação Musical, Criatividade e Motivação. Curitiba: Editora
Appris.
Araújo, R. C.; Bzuneck, J. A. (2019). A motivação do professor e a motivação do aluno
para práticas de ensino e aprendizagem musical. In: R. C. Araújo (Org.). Educação
musical: criatividade e motivação. (pp. 41-52). Curitiba: Appris.
Araújo, R. C.; Veloso, F. D. D; Silva, F. A. C. (2019). Criatividade e motivação nas práticas
musicais: Uma perspectiva exploratória sobre a confluência dos estudos de Albert
Bandura e Mihaly Csikszentmihalyi. In: R. C. Araújo.(org.) Educação Musical,
Criatividade e Motivação (pp.17-39)Curitiba: Editora Appris, 2019, p.17-39.
Babbie, E. (2001). Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG.
Bahia, S. & Nogueira S,I. (2005) Entre a teoria e a prática da criatividade. In G. Miranda &
S. Bahia (Eds). Psicologia da Educação: Temas de Desenvolvimento, Aprendizagem e
Ensino. (pp. 332-363). Lisboa: Relógio D’Água Editores.
Bandura, A. (1986). Social Foundantions of Thought & Action – A Social Cognitive Theory.
Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1986.
Cognição e Educação Musical 19
Resumo
A motivação em aulas coletivas se constitui em uma estratégia para promover o aprendizado efetivo.
Estudantes de diferentes custas da UFBA, com as mais diversas habilidades e conhecimento, são matri-
culados em uma mesma turma. O professor faz uso de atividades com diferentes níveis de dificuldade para
manter o interesse.
Palavras-chave: Motivação em aulas coletivas, ensino coletivo de violão, aprendizagem colaborativa
20
Cognição e Educação Musical 21
Um desenho de disciplina foi sendo construído então, ano após ano, levando-se
em conta os resultados obtidos com as diversas atividades, o repertório escolhido e
buscando-se fundamentação teórica na literatura disponível. Seguindo as instruções
de Jones (2009), para motivar os estudantes é preciso lhes oferecer algum domínio
sobre o que estão a aprender, o que veio ao encontro de pesquisas anteriores feitas
por Tourinho (1995) a respeito da seleção do repertório a partir de escolhas do estu‐
dante como fator de influência na motivação da aprendizagem dos alunos. Para a
elaboração de um modelo de disciplina, obteve-se apoio teórico no modelo acadê‐
mico proposto por Jones (2009), que colocou as seguintes componentes como pre‐
missas a serem utilizadas pelo professor: 1) fortalecimento; 2) utilidade, 3) sucesso, 4)
interesse e 5) cuidado. Passamos, em seguida, a exemplificar como foram inseridos
os conceitos de Jones (2009) em nossas atividades da disciplina Instrumento Suple‐
mentar Violão.
Foi considerado, então, que o “fortalecimento” dos estudantes na disciplina, se‐
gundo Jones, seria dar-lhes alguma autonomia sobre o que iriam aprender. No caso
da referida disciplina, como trabalhávamos com indivíduos de diferentes cursos,
cada um vinha com um objetivo pessoal que se procurava conhecer antecipadamen‐
te, através de uma entrevista de entrada. Assim, ao declarar os seus objetivos pessoais
e vê-los atendidos pelo professor, o interesse crescia. Um exemplo disso, era a escola
do repertório individual, negociado entre o estudante e o professor, sem imposição
deste. Outro fator importante, foi criar, em parceria com os estudantes, um calendá‐
rio semestral para a realização das atividades, onde o fator surpresa era completa‐
mente eliminado: a caderneta com as presenças, notas e comentários do professor
acerca do desempenho individual estava sempre disponível para consulta; as ativida‐
des eram planejadas em sequência e ordenamento, bem como as verificações de
aprendizagem a a apresentação do final do semestre decididas por antecipação. Esta‐
va-se então aplicando o que recomendavam Decy e Ryan (1985, p. 11) quando afir‐
mavam que “A motivação intrínseca é a energia que é central para a natureza ativa
do organismo.” O programa da disciplina procurava atender aos objetivos declara‐
dos pelos estudantes na entrevista, propondo exercícios técnicos atrelados ao reper‐
tório e respeitando suas escolhas das peças individuais que iriam ser estudadas
Os estudantes necessitam acreditar que eles conseguirão cumprir as tarefas dadas
(Jones, 2009, p. 276). Isso não significa que tudo deveria ser fácil, mas que a dificul‐
dade de cada atividade teria que ser dimensionada para nem ser banal e nem impos‐
sível de ser realizada. Cada tarefa deveria ser um desafio na medida certa, sendo ne‐
cessário estudo e concentração para a realização, mas com apoio e feedback do
professor quando necessário. Além disso, o professor deveria deixar sempre bem cla‐
ro o que esperava que fosse ser feito, falando das suas expectativas de forma explícita,
sobretudo quando fosse se referir às formas de avaliação que seriam utilizadas.
Qualquer tarefa que fosse feita em classe, ou determinada como estudo, poderia
ter múltiplas facetas designadas individualmente, de acordo com o conhecimento
prévio e habilidade técnica de cada um, ainda que a aula fosse coletiva e que todos
tocassem juntos a maior parte do tempo. Assim, todos poderiam tocar uma peça em
conjunto ou fazer os exercícios técnicos de acordo com sua condição. De acordo
com o conselho de Jones: “Divida as atividades de aprendizagem complexas em
uma ou mais seções gerenciáveis que desafiam, mas não sobrecarregam os alunos”
(1985, p. 276).
Focando no interesse, Renninger e Hidi (2011, p. 112) afirmam que “o poten‐
cial ou interesse está na pessoa, mas o conteúdo e o ambiente definem a direção do
21
22 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
alunos trazer a cópia, muitas vezes, a aula não pode ser acompanhada por todos por
falta de partituras.
Uma das dificuldades que a grande maioria dos professores encontra ao traba‐
lhar com aulas coletivas é que é praticamente impossível ter turmas homogêneas
quanto ao conhecimento e habilidade musical no instrumento. Às vezes, alunos que
começam o semestre com conhecimento muito semelhante, rapidamente se distan‐
ciavam em virtude de interesse diferenciado na aplicação aos estudos. Sendo assim,
para resolver problemas, como realizar exercícios técnicos em conjunto, adotou-se
a estratégia de fazer, por exemplo, com diferentes velocidades e dificuldades o mes‐
mo exercício simultaneamente. Essa estratégia permitiu que alunos com diferentes
níveis técnicos pudessem tocar juntos exercícios, como escalas e arpejos, como
exemplificado na figura 1.
Figura 1
Exemplo de parte de exercício coletivo com escalas (Fonte: autor).
Um recurso semelhante foi usado para estudantes tocarem música escrita para
violão a mais de uma voz. Alguns autores (Peter Van der Staak, por exemplo) escre‐
vem música onde a dificuldade é praticamente a mesma em todas as vozes, diferente
do conceito tradicional, onde a voz mais difícil está sempre no primeiro violão. Os
alunos com maior capacidade de leitura tocam todas as notas desde a primeira leitu‐
ra, mas os iniciantes não solfejam uma das vozes. A aplicação ao instrumento se dá
paulatinamente, começando por tocar a primeira nota de cada compasso, por exemplo.
Na escolha do repertório individual, o estudante pôde decidir que gênero de
música desejava tocar. Foram utilizadas peças do cancioneiro popular, música de
mídia, música folclórica, bem como peças do repertório tradicional originalmente
escrito para o instrumento. Em alguns casos, uma melodia escrita foi tocada com
acompanhamento de acordes, como as retiradas dos Songbooks (Chediak 1978).
Concluindo, esta experiência, fundamentada e apoiada pela literatura, resultou
em uma disciplina relevante para muitos estudantes, no sentido de que conciliou o
aprendizado com uma posterior aplicação prática na vida profissional. As aulas de
Instrumento Suplementar na Graduação em Música necessitam reunir a utilização
de conceitos essenciais que possam ser desenvolvidos no exercício da profissão, sen‐
do que a motivação para aprender deve ser constantemente estimulada.
24 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Referências
Chediak, A. (1978). Songbooks Bossa Nova (v1 a v5). Rio de Janeiro, Lumiar.
Decy, E., & Ryan, R. M. (1985). Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human
Behavior. New York, University of Rochester.
Delcamp, J. (n.d.). Disponível em www.delcamp.net. Acesso em 09/04/2009.
Jones, B. D. (2009). Motivating Students to Engage in Learning: The MUSIC Model of
Academic Motivation. International Journal of Teaching and Learning in Higher Education
21(2), p. 272-285.
Renninger, K. A., & Hidi, S. (2011). Revisiting the Conceptualization Measurement and
Generation of Interest. Educational Psychologist 46(3).
Swanwick, K. (2003). Ensinando Música Musicalmente. (Alda Oliveira e Cristina Tourinho,
trad.). São Paulo, Moderna.
Tourinho, C. (1995). A motivação e o desempenho escolar na aula de Violão em grupo:
Influência do repertório de interesse do aluno. Portal Seer UFBA. Disponível em
ufba.br/index.php/ictus/article/view/34231.
Van der Staak, N. (1968). Quartets for Guitar. Amsterdam, Peter Broekman & Von Poppel.
24
3
Cognição e Educação Musical 25
ESTRATÉGIAS DE ESCRITA:
CONTRIBUIÇÕES DA COGNIÇÃO PARA O
ENSINO DE PERCEPÇÃO MUSICAL
Caroline Caregnato
Universidade do Estado do Amazonas, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, Brasil
[email protected]
Resumo
Este trabalho aborda a escrita, que geralmente é trabalhada nas aulas de Percepção Musical em associação com
a prática do ditado. Mais especificamente, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a efetividade de um
conjunto de estratégias de escrita, associadas aos ditados melódicos, buscando, a partir disso, oferecer
contribuições para o ensino de Percepção Musical e, consequentemente, para o desenvolvimento da escrita
musical dos estudantes dessa disciplina. Para tanto, foram analisadas pesquisas já publicadas sobre o assunto,
situadas especialmente no campo da Cognição Musical, e foram realizados dois estudos experimentais,
buscando responder os seguintes problemas de pesquisa: cantar durante a escrita, ou solfejar música antes de
escrever são estratégia que favorecem a realização do ditado? Os resultados de nossos estudos confirmaram
algumas observações feitas pela literatura já existente, ao mesmo passo em que refutaram outras. Eles ainda
nos chamam a analisar mais do que a superfície, ou os produtos do ditado, levando-nos a repensar algumas
práticas de ensino de Percepção Musical que podem inibir ou favorecer os processos de desenvolvimento da
escrita musical.
Palavras-chave: Escrita musical, Ditado melódico, Percepção musical, Cognição musical
Introdução
A Percepção Musical é uma disciplina presente na quase totalidade dos cursos de
Graduação em Música do Brasil e, no seu escopo, o ditado musical figura entre as
atividades mais praticadas pelos professores e estudantes (Otutumi, 2008). Neste tra‐
balho, iremos nos focar, mais especificamente, em um tipo de ditado: o ditado me‐
lódico. Ele se constitui em uma atividade na qual o professor toca uma melodia, ge‐
ralmente não acompanhada por acordes ou outras vozes. Esse material é tocado pelo
professor, normalmente um número limitado de vezes, e deve ser ouvido, memori‐
zado e escrito pelos estudantes sem o apoio de um instrumento musical ou da voz
(Dourado, 2004). O ditado melódico é praticado, de acordo com White (2002) e
Rogers (2004), pelas habilidades indiretas que ele permite desenvolver, como a de
ouvir notas erradas, ou vozes dentro de um conjunto de instrumentos, permitindo
ao estudante ampliar, em outras palavras, sua “habilidade de ouvir relações musicais
acuradamente e com compreensão”¹ (Rogers, 2004, p. 100).
Estabelecendo paralelos entre o ditado que é praticado durante o processo de
alfabetização e o ditado executado nas aulas de música, podemos dizer que essa fer‐
ramenta tem por objetivo também promover o desenvolvimento da escrita ou, mais
especificamente, da capacidade do estudante de registrar sons. Embora ele seja,
como diz Cravo (2014), um “exercício maldito”, visto como limitado e limitante
dentro do contexto de ensino de línguas e, também podemos dizer, no ensino de
música, acreditamos na validade dessa ferramenta para compreendermos as dificul‐
dades dos estudantes, planejarmos o ensino e promovermos aprendizagens de forma
interativa, consciente e, até mesmo, crítica (Cravo, 2014; Lacerda, 2017; Sousa, 2014).
Partindo do que foi exposto, o presente artigo tem como foco, mais especifica-
mente, um conjunto de estratégias que são normalmente adotadas por estudantes,
ou mesmo sugeridas por professores e teóricos do ensino de Percepção Musical, para
25
26 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
de nível inicial do trabalho de Vargas e López (2008) podem ainda não ter atingido
o pensamento operatório concreto, por isso não usam o canto em voz alta, e os par‐
ticipantes de nível mais avançado já superaram esse tipo de pensamento. Em síntese,
o que podemos afirmar, a partir dos estudos de Vargas e López (2008) e de Careg‐
nato (2016), é que o canto em voz alta pode ser entendido, sim, como uma ação
benéfica e necessária para a produção da escrita por pessoas em fase intermediária de
desenvolvimento.
Outros estudos, entretanto, parecem apontar numa direção contrária, mostran‐
do o canto durante a realização de ditados como uma atividade que compromete o
desempenho dos sujeitos. Esse é o caso de um estudo experimental conduzido por
Pembrook (1986) com 136 universitários estudantes de música. Ele observou que os
participantes do grupo que foram convidados a ouvir um conjunto de ditados, repe‐
ti-los cantando e, somente depois disso, escrevê-los, foram os que tiveram o pior de‐
sempenho em comparação com aqueles sujeitos que escreveram livremente enquan‐
to escutavam o ditado e com o grupo que escreveu apenas após ouvir. O canto
contribuiu para uma piora no desempenho dos participantes, segundo o autor, por‐
que os participantes que cantaram o fizeram com falhas de memorização. Essas falhas,
na verdade, foram as responsáveis pelos problemas de escrita observados nesse grupo,
e que levaram a um pior desempenho na realização dos ditados. O canto também foi
observado por Paney (2016) como uma atividade que não favorece a realização de
ditados. Por meio de um estudo experimental, realizado com 64 estudantes de música
de nível universitário, ele observou que os participantes do grupo que foram orien‐
tados a observar aspectos musicais durante a realização de um ditado, cantando o que
foi ouvido, tiveram piores resultados que os do grupo controle, que realizaram o di‐
tado sem receber orientações específicas. Segundo o autor, as atividades solicitadas
aos participantes do grupo experimental provocaram distração, desviando-os da es‐
crita e comprometendo seu desempenho no ditado. Outro trabalho mais recente
(Buonviri, 2019) retomou a questão do canto, desta vez solicitando a 44 estudantes
universitários que realizassem ditados em silêncio, produzindo sons voluntários, e
repetindo a melodia ouvida por meio do canto. De todas as três condições testadas,
a que levou a um pior desempenho foi, novamente, aquela envolvendo a repetição
da melodia a ser escrita por meio do canto. O autor justifica seus achados de forma
semelhante ao que foi dito por Pembrook (1986): o canto só pode auxiliar na reali‐
zação do ditado se for realizado de forma correta, sem erros de memorização.
O solfejo pode ser entendido como uma atividade estreitamente relacionada ao
canto que reproduz a melodia ditada pelo professor, uma vez que o solfejo também
requer a realização de vocalizações, e também pode ser feito sobre padrões musicais
semelhantes aos do ditado. Nesse sentido, parece plausível pensarmos que o ato de
solfejar, assim como o ato de cantar, pode trazer contribuições para a escrita musical.
Ao menos, alguns autores concordam conosco nesse sentido. Solfejar, antes ou em
paralelo com a realização de ditados, é uma estratégia de ensino apontada como be‐
néfica por pedagogos da Percepção Musical, como Benward e Kolosick (2005),
Duþicã (2016), Johnson (2013), Karpinski (2000), Rogers (2004) e White (2002).
Um estudo experimental realizado por Gonzales et al. (2012), com 21 coralistas de 9
a 16 anos, dá respaldo para o que afirmam esses professores. Aqueles pesquisadores
observaram os efeitos da aprendizagem de questões harmônicas, acompanhada e de‐
sacompanhada do canto. Eles verificaram que o grupo que cantou durante as aulas,
realizando uma espécie de solfejo, desenvolveu melhores habilidades de escuta har‐
mônica, verificadas por meio de pré e pós testes, que o grupo que não cantou. Pes‐
28 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
quisas como as de Larson (1977), Norris (2003) e Rogers (2013), comparando o de‐
sempenho de estudantes na realização de diferentes atividades musicais, também nos
sugerem que boas habilidades em solfejo tendem a aparecer associadas a boas habili‐
dades na realização de ditados.
Se os autores e estudos apontados até aqui sugerem que o ato de solfejar pode
favorecer a realização da escrita, os dados de um estudo quase experimental condu‐
zido por Buonviri (2015) são menos animadores nesse sentido. Ele avaliou ditados
produzidos por 49 estudantes universitários, que realizaram atividades de escrita em
três condições: envolvendo o canto de um exemplo antes da realização do ditado;
envolvendo um momento de silêncio para concentração pessoal antes da realização
do ditado; e envolvendo a escuta do ditado logo após a execução dos acordes de
orientação, sem canto ou silêncio prévio. Curiosamente, a primeira condição (canto
antes do ditado) levou a um desempenho significativamente mais baixo em compa‐
ração com a terceira (realização do ditado sem canto ou silêncio prévio). De acordo
com o autor, isso ocorreu porque a tarefa adicional de cantar pode ter se constituído
em uma distração, que usurpou o processamento cognitivo dos participantes, levan‐
do-os a um pior desempenho na escrita.
Estudo 1
O primeiro estudo que será relatado aqui buscou responder à seguinte pergunta:
“cantar durante a escrita é uma estratégia que favorece a realização do ditado?”. De‐
talhes sobre este trabalho podem ser consultados em Lima et al. (no prelo).
Participantes
Participaram deste estudo 68 estudantes de graduação em Música da UEA - Univer‐
sidade do Estado do Amazonas, e da UEPG - Universidade Estadual de Ponta Gros‐
sa. Os participantes eram estudantes de cursos de licenciatura e de bacharelado, ma‐
triculados em disciplinas de Teoria e Percepção Musical, com idade média de 24
anos, variando entre 17 e 47 anos de idade, e declaram ter, em média, 8 anos de
estudo musical, variando de 1 a 34 anos o seu tempo de experiência.
Materiais e experimento
Esta investigação foi realizada por meio de um estudo experimental. Os participan‐
tes que foram alocados dentro do grupo experimental (n = 35) foram convidados a
realizar um ditado, cantando audivelmente o que foi ouvido, enquanto escreviam.
Os membros do grupo controle (n=33) foram instruídos a não cantar durante a es‐
crita do mesmo ditado.
Figura 1
Melodia usada durante o ditado do estudo 1.
Para o experimento, foi criado um ditado melódico, usado com ambos os gru‐
pos (figura 1). Procurou-se produzir um excerto musical que pudesse ser transcrito
por calouros em música e por estudantes mais experientes, de diferentes instituições
de ensino superior. A execução do ditado foi feita ao vivo em piano e todo o traba‐
lho foi realizado de forma coletiva, com os estudantes dispostos dentro de suas pró‐
Cognição e Educação Musical 29
Resultados e análise
O grupo experimental obteve média de desempenho no ditado de 32,6 pontos (DP
= 20,6), enquanto o grupo controle obteve 51,3 (DP = 27,4), de um máximo de 96
pontos. As medianas foram 32 para o grupo experimental e 47, para o controle. O
intervalo de confiança (95%) da média do grupo experimental variou entre 25,49 e
39,65, e o da média do grupo controle variou entre 41,55 e 60,99. Como a distribui‐
ção das pontuações no ditado dentro dos grupos controle e experimental não aten‐
dia plenamente à condição de normalidade, foi realizado o teste de Mann-Whitney,
que apontou para a existência de uma diferença significativa no desempenho dos
dois grupos, U(Nexperimental = 35, Ncontrole = 33) = 342, z = -2,89, p = 0,004. Portanto, o
canto parece levar a um pior desempenho na realização do ditado, confirmando,
assim, aquilo que havia sido sugerido pela literatura (Buonviri, 2019; Paney, 2016;
Pembrook, 1986).
Com base no que dizem as pesquisas de Caregnato (2016) e Vargas e López
(2008), cantar pode ser uma estratégia benéfica para estudantes em estágios iniciais
de desenvolvimento, que ainda precisem de apoio concreto para a realização de di‐
tados. A fim de testar essa questão, dividimos os participantes em subgrupos com
base no seu tempo de estudo de música. Aqueles que declararam estudar música há
menos tempo do que a média, ou por tempo igual ao desta (8 anos), foram alocados
no grupo dos principiantes, e os que declararam ter tempo de estudo maior que a
média foram postos no grupo dos avançados. Dessa forma, dentro dos grupos expe‐
rimental e controle há participantes considerados principiantes e avançados, for‐
mando quatro subgrupos: Experimental-Principiante (n=24), Experimental-Avançado
(n=11), Controle-Principiante (n=19) e Controle-Avançado (n=14). As estatísticas
descritivas relacionadas a estes subgrupos são mostradas no Quadro 1.
Quadro 1
Estatísticas descritivas dos subgrupos do estudo 1.
30 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Estudo 2
O estudo da sequência buscou responder à pergunta: “solfejar música antes de escre‐
ver é uma estratégia que favorece a realização do ditado?”, e maiores detalhes a res‐
peito dele poderão ser consultados, em breve, em um artigo que pretendemos publicar.
Participantes
Participaram desta pesquisa, 54 estudantes de graduação em música, de licenciatura
e de bacharelado, vinculados a três universidades brasileiras: UEA – Universidade do
Estado do Amazonas, UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa e UNESPAR
– Universidade Estadual do Paraná, campus Curitiba I. Todos os envolvidos fre‐
quentavam disciplinas de Teoria e Percepção Musical, possuíam, em média, 24 anos
de idade, e estavam na faixa etária entre 17 e 55 anos. Com relação ao seu tempo de
estudo de música, a média era de 9 anos, com variação de 1 a 40 anos.
Materiais e experimento
Foi realizado um estudo experimental com os envolvidos. Os sujeitos foram dividi‐
dos randomicamente entre um grupo controle (n=27) e um experimental (n=27).
Todos os participantes foram convidados a realizar o ditado melódico da Figura 2,
criado com base em exercícios de “modelo e ornamentações” encontrados em Benward
Cognição e Educação Musical 31
e Kolosick (2005). Ele foi tocado ao vivo em piano e apresentado coletivamente aos
participantes de cada grupo, buscando-se emular uma situação de sala de aula de
Percepção Musical.
Figura 2
Ditado melódico proposto aos participantes do estudo 2.
Resultados e análise
De um máximo possível de 62 pontos, o grupo controle apresentou pontuação média
de 47,6 pontos (DP=13,3) e mediana de 45 no ditado. O intervalo de confiança (95%)
para a média está entre 42,4 e 52,8 para este grupo. O grupo experimental, por sua
vez, apresentou média de 55,1 pontos (DP=11,8) e mediana de 65. O intervalo de
confiança (95%) para a média deste grupo está entre 50,4 e 59,7. O grupo experi‐
mental, portanto, apresentou média e mediana superiores às do grupo controle.
Como os dados não obedeceram à condição de normalidade, realizamos sobre eles o
teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Nessa análise, observou-se uma diferença
significativa de desempenho entre os participantes dos dois grupos: U(Nexperimental = 27,
Ncontrole= 27) = 254, z = -1,99, p = 0,05. Esses testes demonstram que o grupo experi‐
mental obteve desempenho significativamente mais alto do que o grupo controle,
sugerindo que a realização de um solfejo antes da realização do ditado é uma ativida‐
de que favorece a escrita. Esse achado contradiz o que havia sido apontado anterior‐
mente pela literatura (Buonviri, 2015) em estudo realizado de forma individual.
Acreditamos que a realização coletiva da atividade de solfejo pode ter contribuído
para que os participantes cantassem corretamente o material escrito. Imprecisões no
canto haviam sido apontadas anteriormente (Buonviri, 2015; Pembrook, 1986)
como as causadoras do baixo desempenho dos sujeitos de grupos que solfejaram.
32 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Conclusão
Conforme apresentamos no início deste artigo, nosso objetivo era refletir sobre a
efetividade de um conjunto de estratégias de escrita, associadas aos ditados melódi‐
cos. Nesse sentido, abordamos aqui duas ações relacionadas ao ato de cantar: o canto
realizado durante a escrita, reproduzindo o que foi ouvido no ditado, e o solfejo,
executado antes da realização do ditado. Conforme iremos discutir a seguir, essas
estratégias podem e precisam ser entendidas como mais do que meros recursos, que
visem a apenas levar os estudantes à realização de um produto final correto para o
ditado. Nesse sentido, precisamos realizar aqui, a título de conclusão de nossa abor‐
dagem, uma discussão um pouco mais aprofundada dos dados apresentados de modo
que se possa chegar, efetivamente, a responder a segunda parte de nosso objetivo,
que era oferecer contribuições para o ensino de Percepção Musical e, consequente‐
mente, para o desenvolvimento da escrita musical dos estudantes dessa disciplina.
Analisando a superfície do que dizem nossos dois estudos apresentados aqui, pu‐
demos constatar, primeiramente, que o canto, realizado durante a escrita e em situ‐
ações coletivas de produção do ditado, é uma atividade que compromete o registro
daquilo que foi ouvido. Esse comprometimento é maior, conforme vimos, em estu‐
dantes menos experientes. Esse achado, em sua primeira parte, corrobora com o que
já havia sido apontado pela literatura (Buonviri, 2019; Paney, 2016; Pembrook,
1986) e, à primeira vista, nos desaponta, já que baseados em outros trabalhos (Careg‐
nato, 2016; Vargas& López, 2008) acreditamos, a princípio, que o ato de cantar po‐
deria favorecer os novatos. Entretanto, é necessário que façamos um exame apro‐
fundado do que diz a segunda parte de nosso estudo 1, pois ela não nos permite
dizer, propriamente, que o canto deve ser banido das aulas de Percepção Musical
porque compro-mete o desenvolvimento da escrita dos estudantes.
O fato de a escrita, associada ao ditado melódico, ser prejudicada quando os
alunos cantam, nos diz apenas que o canto e o ditado são, a princípio e nas condições
aqui expostas, atividades que não se coadunam. No entanto, não podemos defender
a extinção do canto das aulas de Percepção Musical, pois ele é uma necessidade cog‐
nitiva que se manifesta durante o desenvolvimento da escrita musical, e que está asso‐
ciada ao tipo de pensamento dominado pelos estudantes menos experientes (Careg‐
nato, 2016). Nesse sentido, ele pode e deve ser praticado pelos alunos, por exemplo,
em situações individuais de estudo, fora de sala de aula. Dentro de sala, ele pode ser
abordado em conjunto com atividades de execução, composição e improvisação
musical, e não apenas junto com os ditados tradicionais. É importante frisarmos,
ainda, que o ditado tradicional, descrito na introdução deste artigo, é apenas uma
das formas possíveis de se praticar ditado, e que outras variantes, em que o estudante
possa cantar, por exemplo, podem ser desenvolvidas a exemplo do proposto em Cra‐
vo (2014) e Sousa (2014). Portanto, o fato de termos observado os efeitos negativos
do canto sobre o produto final do ditado não nos dá respaldo para afirmar que o canto
irá exercer o mesmo poder sobre o processo de desenvolvimento do estudante na dis‐
ciplina de Percepção Musical.Além disso, não é demais ressaltar que o ditado é ape‐
nas um dos muitos recursos didáticos e avaliativos, que pode e deve ser usado pelo
professor dessa disciplina. Portanto, outras possibilidades de exploração do canto po‐
dem ser experimentadas pelos estudantes para que se concretize seu desenvolvimento.
A existência de correlações, comprovadas por meio de estudos científicos (Lar‐
son, 1977; Norris, 2003; Rogers, 2013), e de relações apontadas por pedagogos
(Benward & Kolosick, 2005; Duţică, 2016; Gonzales et al., 2012; Johnson, 2013;
Cognição e Educação Musical 33
Karpinski, 2000; Rogers, 2004; White, 2002), entre o solfejo e o ditado, ou entre a
leitura e a escrita musical, nos levam, de fato, a acreditar que o canto (presente no
solfejo) e o ditado podem vir a se unir, de algum modo, de forma positiva. Contra‐
riando o que havia sido exposto anteriormente pela literatura (Buonviri, 2015), nos‐
so estudo 2 nos mostrou que a realização de um solfejo, antes da produção de um
ditado, favoreceu a escrita dos participantes. Nesse caso, observamos os efeitos posi‐
tivos de uma estratégia sobre o produto do ditado, mas também acreditamos que sub‐
jaz, por trás dessa observação, uma aquisição mais profunda. Mais especificamente,
o que pretendemos dizer é que a leitura, se constituindo em um tipo de fazer musi‐
cal, quando associada ao ato de escrever, permite ao estudante e ao ensino de Per‐
cepção Musical se aproximarem um pouco mais das situações da vida real de um
músico, em que conhecimentos e fazeres distintos se inter-relacionam, em que não
se veem as distinções entre teoria e prática, ou entre ler e escrever, normalmente
impostas pelos processos tradicionais de ensino de música.
Para além dessa questão, o solfejo, realizado coletivamente pelos participantes
do estudo 2, nos permitiu observar uma das características do processo de aprendiza‐
gem musical: assim como toda aprendizagem, a aprendizagem de música precisa se
dar, e, de fato, só é capaz de ocorrer efetivamente, a partir do coletivo. Os participan‐
tes do nosso estudo 2 fizeram melhor proveito do solfejo associado ao ditado que
aqueles do estudo de Buonviri (2015) porque nosso trabalho foi realizado coletiva‐
mente, com os estudantes mais desenvoltos cooperando com os menos experientes.
O resultado dessa colaboração é visto nos desempenhos individuais dos participan‐
tes, pois, até mesmo aqueles que cantaram corretamente porque foram ajudados por
pares mais capazes (e que supostamente acreditamos que tenham existido em nosso
estudo, como existem em qualquer sala de aula que se possa imaginar), mostraram
haver se apropriado efetivamente dessas contribuições, ao invés de simplesmente te‐
rem se deixado levar por aqueles que sabiam mais. Esse dado apenas evidencia que a
aprendizagem é, de fato, um evento que parte da interação, e nos coloca diante da
necessidade de questionarmos o ensino tradicional de Percepção Musical, calcado
em ditados e em outras tantas atividades que são realizadas individualmente, por
mais que os estudantes trabalhem reunidos em salas numerosas.
Este artigo, em síntese, partiu de referências e de estudos que podem ser situados
no campo da Cognição Musical, mas acabou por nos levar a discussões de caráter
pedagógico, a questionar o que fazemos tradicionalmente no ensino de Percepção
Musical, além de oferecer reflexões que podem se reverter em contribuições para a
prática de professores e de estudantes dessa disciplina. Não temos aqui o espaço para
um aprofundamento (merecido e necessário) dessas discussões, mas esperamos que
fique o convite para que voltemos a esse debate em torno do ditado e do desenvol‐
vimento da escrita musical na aula de Percepção Musical. Acreditamos que há muito
ainda a ser problematizado nesse sentido, e que a Cognição Musical pode nos forne‐
cer importantes evidências para esse debate.
Notas
1 No original, “ability to hear musical relationships accurately and with understanding”.
2 Trata-se do projeto de pesquisa “Verificando a efetividade de estratégias usadas por
professores e estudantes para a construção da escrita musical”, que está sendo financiado
pela FAPEAM - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, e que tem
conclusão prevista para agosto de 2021. Este projeto está investigando uma série mais
ampla de estratégias de escrita associadas aos ditados praticados tradicionalmente nas aulas
de Percepção Musical.
3 Colaboraram para a concretização destas pesquisas Cristiane Hatsue Vital Otutumi,
Fernando Gabriel Batista Lima, Luciano Jeyson Santos da Rocha, Pablo da Silva Gusmão,
Rafael Dalalibera Rauski e Ronaldo da Silva.
Referências
Benward, B., & Kolosick, T. (2005). Ear training: A technique for listening [Percepção
musical: Uma técnica de escuta]. McGraw-Hill.
Buonviri, N. O. (2015). Effects of a preparatory singing pattern on melodic dictation
success. Journal of Research in Music Education, 63(1), 102–113.
Buonviri, N. O. (2019). Effects of silence, sound, and singing on melodic dictation
accuracy [Efeitos do silêncio, do som e do canto na acurácia do ditado melódico].
Journal of Research in Music Education, 66(4), 365–374.
Caregnato, C. (2016). O desenvolvimento da competência de notar músicas ouvidas: Um estudo
fundamentado na teoria de Piaget visando à construção de contribuições à atividade docente
(Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.
Cravo, F. C. S. (2014). Ditado: Um percurso de aprendizagem entre pares. (Projeto de
Intervenção de Mestrado). Escola Superior de Educação de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Duţică, L. (2016). Didactic strategies for the development of professional musical hearing
[Estratégias didáticas para o desenvolvimento da escuta musical profissional]. Review of
Artistic Education, 11-12, 42–52.
Dourado, H. A. (2004). Dicionário de termos e expressões da música (2ª ed.). Editora 34.
Gonzales, C. I., Brinckmeyer, L., & Beckman, A. A. (2012). A pilot study: The effect of
singing and non-singing – instructional strategies on harmonic listening skills [Um
estudo piloto: O efeito do cantar e do não-cantar – estratégias de instrução da
habilidade de escuta harmônica]. Texas Music Education Research, 20–32.
Johnson, E. (2013). Practical tools to foster harmonic understanding [Ferramentas práticas
para alimentar a compreensão harmônica]. Music Educators Journal, 99(3), 63–68.
Karpinski, G. S. (2000). Aural skills acquisition: The development of listening, reading, and
performing skills in college-level musicians [Aquisição de habilidades auditivas: O
desenvolvimento das habilidades de escuta, escrita e performance em músicos de nível
universitário]. Oxford University Press.
Lacerda, M. P. (2017). O ditado. Calidoscópio, 15(1), 71-80.
Larson, R. C. (1977). Relationships between melodic error detection, melodic dictation,
and melodic sight singing [Relações entre identificação de erros melódicos, ditado
melódico e solfejo melódico]. Journal of Research in Music Education, 25(4), 264–271.
Lima, F. G. B., Caregnato, C. & Silva, R. (no prelo). The singing effect during melodic
dictation. International Journal of Music Education.
Norris, C. E. (2003). The relationship between sight-singing achievement and melodic
dictation achievement [A relação entre o desempenho em solfejo e o desempenho em
ditado melódico]. Contributions to Music Education, 30(1), 39–53.
Otutumi, C. H. V. (2008). Percepção Musical: Situação atual da disciplina nos cursos superiores
de música (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.
Paney, A. S. (2016). The effect of directing attention on melodic dictation testing [O
efeito do direcionamento da atenção na testagem do ditado melódico]. Psychologyof
Music, 44(1), 15–24.
Pembrook, R. G. (1986). Interference of the transcription process and other selected
variables on perception and memory during melodic dictation [Interferência do
Cognição e Educação Musical 35
Resumo
Esta pesquisa tem como tema a prática criativa nos processos de ensino e aprendizagem de violoncelo no
Paraná. O ensino de violoncelo no sul do Brasil tem sido frequentemente fundamentado em métodos
estrangeiros, fator este que tem fomentado discussões na área da educação musical a respeito das práticas
pedagógicas do instrumento que sejam adequadas ao contexto no qual estão inseridas. Ao mesmo tempo,
estudos defendem que a prática criativa é importante para desenvolver uma metodologia de aula cativante,
para manter os alunos motivados e para realizar adaptações conforme as suas necessidades, para que a
aprendizagem realmente ocorra e seja proveitosa para todos. Devido à diversidade de concepções a respeito
do termo “criatividade”, optou-se por utilizar os enfoques do indivíduo criativo e do processo criativo, a
fim de investigar como os dois professores de violoncelo participantes manifestam a criatividade em suas
práticas pedagógicas. As questões que nortearam o presente estudo, portanto, foram assim redigidas: Os
professores de violoncelo participantes utilizam recursos/estratégias criativas em suas práticas de ensino para
complementar e auxiliar propostas metodológicas contidas nos métodos utilizados? Se sim, como
desenvolvem suas aulas? Quais recursos/estratégias podem ser considerados como práticas criativas? Com
esta pesquisa, pretende-se contribuir com os estudos a respeito da criatividade no ensino instrumental, e
também fornecer conteúdos e reflexões sobre o ensino do violoncelo, enriquecendo o acervo de
ferramentas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem desse instrumento.
Palavras-chave: Práticas criativas, Educação Musical, Violoncelo, Ensino instrumental, Criatividade docente.
Introdução
O ensino de violoncelo no Brasil tem sido predominantemente fundamentado na
educação formal e tradicional que herdamos do Conservatório de Paris, conforme
Penna (2015), e em métodos estrangeiros que em sua maioria são provenientes da
Alemanha e Estados Unidos, além dos métodos referentes à proposta Suzuki, con‐
forme o levantamento realizado por Reys (2011). Os professores de violoncelo, no
Brasil, encontram dificuldades para criar condições propícias à aprendizagem dos
alunos, pois, como aponta Abs (2015), há uma carência na formação de professores
de instrumento musical, visto que a maioria dos cursos em conservatórios e as gra‐
duações de Bacharelado em instrumento, de onde vêm a maioria dos educadores,
não preparam os músicos para a docência. Maciente (2008) argumenta que há uma
lacuna no ensino de violoncelo no Brasil, ocasionada pela ausência de trabalhos pu‐
blicados no país sobre a interpretação e a aprendizagem do instrumento. Para a au‐
tora, faltam traduções, trabalhos acadêmicos, livros e interesse de editoras, e é “um
campo totalmente aberto a explorações e a se desenvolver” (ibidem, p. 194). Costa
(2017) verificou que a linguagem dos métodos de ensino de violoncelo é de um
caráter formal e alguns dos exercícios sugeridos são muito complexos.
Sendo assim, embora exista um crescente interesse em desenvolver métodos
com uma abordagem mais prática e direcionados para a iniciação instrumental, eles
ainda não são comuns. Portanto, acaba se tornando incumbência dos professores,
quando necessário, retirar informações de métodos avançados e transformá-las em
39
40 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
práticas pedagógicas e jogos didáticos para que os alunos possam alcançar seus obje‐
tivos. Dessa maneira, as práticas criativas se fazem necessárias na presente situação
educacional, que demanda espaços e produções pedagógicas adequados. A criativi‐
dade na educação se mostra favorável ao promover novas estratégias de ensino, ao
possibilitar que os professores aperfeiçoem suas práticas e ao incentivar a autoconfi‐
ança, a motivação, a autonomia, a autorregulação e a participação e inclusão dos
alunos (Lilly; Bramwell-Rejskind, 2004; Morais; Azevedo, 2011).
Autoras como Alencar e Fleith (2003), Barrett (2000) e Beineke (2012) afirmam
que, a respeito da definição da criatividade, não há um consenso entre as teorias so‐
bre o significado exato do termo. Contudo, Sternberg, Lubart e Amabile (apud LU‐
BART, 2007) concordam que a criatividade pode ser considerada como a capacida‐
de de produzir algo que seja, ao mesmo tempo, novo e adaptado ao contexto no qual
está inserido. Na Teoria do Investimento da Criatividade, proposta por Sternbert e
Lubart (1991), a criatividade requer a confluência de seis recursos distintos, mas re‐
lacionados: as capacidades intelectuais, conhecimento, estilos de pensamento, perso‐
nalidade, motivação e ambiente. Para os autores, a criatividade não está relacionada
apenas a um único fator, mas ao sistema de confluência. A motivação intrínseca é
essencial para a criatividade. Amabile (1996) afirma que uma pessoa está intrinseca‐
mente motivada quando esta busca por prazer, interesse, satisfação da curiosidade,
autoexpressão e desafio pessoal na tarefa. A motivação intrínseca surge a partir de
emoções a respeito de uma determinada ação.
O objetivo geral desta pesquisa é investigar as possibilidades de prática criativa
no ensino do violoncelo na prática de dois professores atuantes no ensino superior
no estado do Paraná. Os objetivos específicos constituem-se de: (a) realizar um le‐
vantamento de metodologias de violoncelo utilizadas pelos professores participantes,
com foco na análise dos elementos que promovem a criatividade; (b) observar as
aulas desses professores com o propósito de verificar aspectos criativos na condução
didática e relacioná-los às teorias da criatividade.
Revisão bibliográfica
O ensino de violoncelo
Durante a história, o ensino do violoncelo sofreu transformações decorrentes das
funções que o instrumento desenvolveu no contexto da música ocidental. O olhar
de compositores, educadores e performers para o violoncelo se adaptou aos mesmos
passos que o avanço do instrumento ocorreu, como a alteração do material utilizado
para produzir as cordas, o aperfeiçoamento do arco e a invenção do espigão¹. As
técnicas de composição se modificaram conforme o advento de novas concepções
estilísticas, mas também devido ao violoncelo, com o passar do tempo, ter se popu‐
larizado como um instrumento solista (diferente do seu papel de acompanhamento
e basso continuo² na música dos séculos XVI e XVII). Smith (1973) constatou que
algumas práticas pedagógicas e métodos elaborados no século XVIII se assemelham
com o ensino do violoncelo moderno. Um desses aspectos é que os livros didáticos
ou tratados são muito similares, como a apresentação de uma imagem de um violon‐
celista nas primeiras páginas para ilustrar as partes do instrumento e a postura corre‐
ta, uma seção introdutória dedicada às noções básicas da música, uma parte específi‐
ca se tratando de escalas, e uma porção extensa de lições e exercícios. Bruner (1996)
aponta que os professores de cello em universidades têm como foco os estudos de
música orquestral e oferecem programas de treinamento intensivo. Esse árduo pro‐
cesso para se tornarem artistas profissionais afeta o que é ensinado fora das universi‐
Criatividade no Ensino de Música 41
dades, como nas aulas particulares, em que os repertórios e estudos são limitados em
algumas peças que marcaram a tradição da prática do violoncelo. Assim, parece ha‐
ver uma dicotomia entre se ensinar crianças e amadores, e os músicos que buscam
uma carreira profissional.
A respeito da criatividade na prática pedagógica de professores de violoncelo, a
abertura dos educadores para novas abordagens no ensino instrumental é necessária
para que a prática de seus alunos se dê de maneira integrada e abrangente. Keith
Swanwick (1994) defende que a aprendizagem se torna mais fácil quando as dificul‐
dades são abordadas sob diversos ângulos, como por exemplo, alterando o caráter
expressivo, a velocidade, a acentuação e a intensidade na prática de uma peça, o que
dá chances de que a técnica melhore e que a performance seja mais interessante. A
construção da liberdade artística, no entanto, se dá pela inclusão de práticas de
aprendizagem relacionadas ao desenvolvimento da criatividade, imaginação e liber‐
dade durante anos de prática instrumental. Marta Brietzke (2018) sugere que a liber‐
dade de relacionamento com o instrumento e de criação musical pode se desenvol‐
ver a partir dos jogos de improvisação, que também promovem a criatividade, a
expressividade, a escuta ativa e a autoestima dos alunos.
Método
A metodologia empregada para a realização da pesquisa foi o estudo de caso (Gil,
2002). Foram coletados dados de dois professores de violoncelo, utilizando-se de
entrevistas semiestruturadas e observações de aulas. O critério para a escolha dos
professores participantes foi a experiência e atuação desses profissionais no ensino
42 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resultados e discussão
Averiguou-se que ambos os professores participantes tiveram uma formação musical
e profissional parecida. Em suas práticas docentes, os professores, predominante‐
mente, utilizavam métodos tradicionais de ensino do violoncelo. Contudo, foi pos‐
sível verificar práticas criativas no processo de elaboração e adaptação de aulas, ma‐
teriais didáticos e estratégias de ensino. Diante de um currículo restrito nas
universidades, constatou-se que os professores necessitavam criar, constantemente,
novas maneiras de resolver desafios técnicos e adaptar os métodos empregados para
que os alunos pudessem alcançar os objetivos propostos. A manifestação da criativi‐
dade nesses espaços de ensino fomentou nos alunos a autonomia, o pensamento
crítico e a capacidade de resolução de problemas, habilidades estas que são atributos
do pensamento criativo, de acordo com da Teoria de Investimento da Criatividade
de Sternberg e Lubart (1991).
Os professores demonstraram se preocupar com a criatividade musical dos alu‐
nos e os estimulavam a criar e a utilizar a imaginação em performances, sendo essas
atividades consideradas benéficas para o aprendizado satisfatório (Tafuri, 2006; Bur‐
nard; Murphy, 2017). Os professores apontaram que, apesar de inicialmente segui‐
rem a forma de ensinar que haviam aprendido com os seus professores, eles se depa‐
raram com as dificuldades dos alunos, como por exemplo, irregularidades de
andamento e pulsação, e, devido a isso, eles criavam exercícios na hora, fazendo com
que os alunos caminhassem e marchassem no andamento da música. As necessidades
faziam com que eles criassem alternativas. Alencar e Fleith (2003) argumentam que
o professor criativo é alguém que, ao se deparar com um problema, busca por soluções
formulando e experimentando hipóteses, até desenvolver um resultado satisfatório.
Gardner (apud Barrett, 2000) corrobora essa constatação, definindo que o indivíduo
criativo — aqui considerado como docente criativo — é alguém que, regularmente,
resolve problemas, imagina produtos e define novas questões num domínio. Sendo
assim, compreende-se que os professores participantes foram criativos ao desenvol‐
ver atividades e estratégias que auxiliassem seus alunos a resolver dificuldades técni‐
cas e de compreensão musical.
Conclusão
Constatou-se que há espaço para a criatividade docente no ensino superior, apesar
dos obstáculos ocasionados pelo currículo restrito e pela inclinação das instituições
para exercícios extremamente técnicos, pois a prática criativa deriva, inicialmente,
Criatividade no Ensino de Música 43
Notas
1 Espigão é uma haste ajustável de aço ou madeira fixada em uma cavidade no bloco
inferior do violoncelo. Ele é utilizado para suportar o peso do instrumento e controlar sua
altura sobre o chão para o conforto do violoncelista. Embora alguns suportes fixos fossem
usados nos séculos XVII e XVIII, o espigão não ganhou popularidade até a última metade
do século XIX. Muitas fontes atribuem a introdução e uso da haste ajustável ao eminente
violoncelista Adrien-François Servais (1807-1866), que passou a utilizar o espigão para
apoiar seu grande instrumento Stradivari (Randel, 2003).
2 Basso continuo (it., “baixo contínuo” ou “baixo cifrado”) significa que um grupo de
instrumentos, ou um instrumento solo como o cravo ou o órgão, tocam a linha do baixo
em uma obra musical. O basso continuo era comum na música de concerto dos séculos XVII
e XVIII (Kennedy, 2013).
Referências
Abs, M. M. (2015). Mestrado profissional em pedagogia instrumental: uma trajetória de
capacitação profissional através da imersão em práticas profissionais na área. 95 f.
Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal da Bahia,
Salvador.
Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2003). Criatividade: múltiplas perspectivas. 3ed.
Brasília: UnB.
Amabile, T. (1996). Creativity in context: update to the social psychology of creativity.
Nova York: Routledge.
Bardin, L. (2009). Content analysis. Lisboa: Editions, 70.
Barrett, M. (2000). O conto de um elefante: explorando o quê, o quando, o onde, o como
e o porquê da criatividade. Revista Música, Psicologia e Educação, Porto, n. 2, p. 30-46.
Beineke, V. (2012). Aprendizagem criativa e educação musical: trajetórias de pesquisa e
perspectivas educacionais. Educação, 37(1), 45-60.
Beineke, V. (2015). Ensino musical criativo em atividades de composição na escola básica.
Revista da ABEM, 23(34).
Brietzke, M. (2018). Jogos de improvisação livre na iniciação coletiva ao violoncelo:
resultados parciais de uma pesquisa-ação em três contextos no estado de São Paulo.
Anais do V SIMPOM – Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música. São Paulo.
Bruner, M. A. (1996). The present state of cello teaching. American String Teacher, Texas, v.
46, n. 4, p. 56-58.
Burnard, P., & Murphy, R. (2017). Teaching music creatively. Taylor & Francis.
44 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
44
5
Criatividade no Ensino de Música 45
Resumo
Este artigo apresenta uma Revisão Sistemática de Literatura das produções oriundas dos Anais do Simpósio
Internacional de Cognição e Artes Musicais (SIMCAM / 2015-2019), que tratam de processos criativos no
ensino de música. Seus objetivos específicos são: refletir sobre processos criativos no ensino de música e
pesquisar os artigos publicados nos Anais do SIMCAM — 2015-2019. Sua questão problema responde:
Quais as principais demandas sinalizadas nos artigos dos Anais SIMCAM — 2015-2019 — que discutem
sobre processos criativos no ensino de música? Este tema se justifica pelas vivências dos autores, instrumen‐
tistas e/ou educadores, que acreditam ser fundamental no ensino de música, mas, intencionalmente, pouco
trabalhado, independentemente dos níveis e espaços de atuação. Sua metodologia, representada pelas pes‐
quisas de abordagem qualitativa e de procedimento — Revisão Sistemática de Literatura —, fundamenta-se
em autores que versam sobre criatividade, ensino de música, criação/composição e práticas criativas. Foram
encontrados dez artigos sobre o tema, no perfil de pesquisas bibliográficas, estudos de caso e relatos de
experiência -, realizados em diferentes espaços (educação básica, escola especializada de música e universi‐
dade). A criatividade foi observada nos processos de ensino de música, envolvendo: composição, teclado,
piano, bateria, clarineta e canto coral. Os autores defendem a criatividade e a criação musical por promover
maior compreensão sobre os conteúdos musicais e obras estudadas e, ainda, por viabilizar a elaboração de
novos produtos.
Palavras-chave: Ensino de Música; Processos Criativos; Criatividade; Improvisação-Composição.
Introdução
Este artigo objetiva apresentar uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL) dos ar‐
tigos publicados nos Anais do Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais
(SIMCAM), no período de 2015 a 2019, que tratam dos processos criativos no ensi‐
no de música. Assim, sinalizamos dois objetivos específicos: refletir sobre os cami‐
nhos criativos do ensino de música; e pesquisar os artigos publicados nos Anais do
SIMCAM/2015 a 2019 que versam sobre o tema. Sua questão problema responderá:
Quais as principais demandas sinalizadas nos artigos dos Anais do SIMCAM que
discutem sobre processos criativos no ensino de música?
Justificamos este tema por refletir nossas vivências como instrumentistas (flauta
doce, piano, saxofone e violino) e como educadores musicais (atuando em universida‐
des federais e/ou projetos sociais). Diante de nossas práticas, acreditamos que criativi‐
dade, processos criativos e criação musical devam estar presentes no ensino de música,
mas, infelizmente, são pouco trabalhados em variados níveis e/ou espaços de atuação.
Talvez, pelo fato de que muitas escolas, educadores, educandos e seus familiares, entre
outros grupos afins, focalizam, em especial, o resultado performático do estudo de
música, representado pela atividade de Performance. Sendo assim, o processo de ensi‐
no é centralizado em um determinado caminho de estudo técnico, em direta conso‐
nância com o Repertório Musical a ser apresentado como atividade avaliativa final.
45
46 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Metodologia de pesquisa
Conforme mencionamos na Introdução, optamos pelo procedimento de pesquisa de
Revisão Sistemática de Literatura (RLS), que objetiva responder a uma questão por
meio de levantamento bibliográfico, fundamentado em uma base de dados com uma
temporalidade delimitada (Bottentuit; Santos, 2014). Escolhemos os Anais do SIM‐
CAM, por suas produções estarem sintonizadas com os nossos caminhos de busca,
no sentido de responder à questão problema. Sendo assim, consideramos como des‐
critores de buscas as palavras-chave: Ensino de Música, Processos Criativos, Criação
/Criatividade e Improvisação/Composição. Depois, fizemos nossas buscas, entre os
anos de 2019 a 2015, seguindo a ordem inversa das produções, considerando, pri‐
meiramente, o “ensino de música”, para, depois, os termos seguintes — criativos,
criatividades, improvisação e composição. Checamos os descritores de busca nos tí‐
tulos, resumos e palavras-chave.
Nossa base de dados (Anais do SIMCAM) está na sua XIV Edição, estando todos
disponíveis eletronicamente. O Simpósio é promovido pela Associação Brasileira de
Cognição e Artes Musicais – ABCM, “uma sociedade civil sem fins lucrativos que
congrega pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação e demais interessados
48 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Discussões e avaliação
A seguir, apresentaremos as descrições sucintas de cada artigo (título, autor e ano),
mencionando: tipos de pesquisa, objetivo, espaços físicos/institucionais, público
alvo, níveis de escolaridade, instrumentos musicais trabalhados, resultados encontra‐
dos e sugestões. Depois, sinalizaremos a nossa sucinta avaliação.
Artigo 1 – Hamond, Addessi e Beineke (2019) apresentam um “estudo explora‐
tório de caso-ação”, de abordagem qualitativa, com recortes de pesquisas de pós-
doutorado de uma das autoras. Inicialmente, são sinalizados autores que versam so‐
bre: uso de feedback mediado por tecnologia, improvisação e composição no ensino
de música. Seu objetivo geral é investigar o uso pedagógico do software MIROR-
Criatividade no Ensino de Música 49
Considerações finais
Neste artigo refletimos sobre os aspectos referentes à criatividade, processos e cria‐
ção musical. Os dois primeiros estão interligados ao processo de ensino e de apren‐
dizagem, enquanto a última está ligada ao produto final. Portanto, todos os termos
são imprescindíveis para a promoção de um estudante mais conectado com a educa‐
ção contemporânea.
Nossas demandas foram assim consideradas: tipos de pesquisa, espaços físicos/
institucionais, público alvo, níveis de escolaridade, instrumentos musicais trabalha‐
dos, principais resultados e sugestões. Ao final, foram encontrados dez artigos publi‐
cados sobre o tema, fruto das pesquisas - bibliográfica, estudo de caso, relato de ex‐
periência etc., assim como realizados em diferentes espaços não formais e formais. A
criatividade foi observada no ensino de teclado, piano, bateria, composição, clarine‐
ta e canto coral. Os autores defendem a pratica da criação no ensino de música por
promover maior compreensão sobre uma obra musical, e por viabilizar a ampliação
da criatividade na elaboração de novos produtos musicais.
Para alguns autores, mesmo sendo a criatividade um atributo de poucas pessoas,
ela deve ser incentivada e desenvolvida desde a educação musical infantil, envolven‐
52 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Referências
Abcm. (2020). Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. 2020. Disponível
em: https://abcmus.org/abcm-anais-simcam.html. Acesso em: 22 out. 2020.
Barrett, M. (2000). O conto de um elefante: Explorando o Quê, o Quando, o Onde, o
Como e o Porquê da Criatividade. Música, Psicologia e Educação, nº 2, 31–46. Porto:
CIPEM
Beineke, V. (2009). Processos intersubjetivos na composição musical de crianças: um estudo sobre
aprendizagem criativa. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Música,
Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.
Beineke, V. (2015). Ensino musical criativo em atividades de composição na escola básica.
Revista da ABEM, 23(34), 42-57.
Beineke, V. (2012). Aprendizagem criativa e educação musical: trajetórias de pesquisa e
perspectivas educacionais. Educação, v. 37, n. 1, p. 45-60.
Bottentuit Junior, J. B., & Santos, C. G. (2014). Revisão Sistemática da Literatura de
Dissertações Sobre a Metodologia WebQuest. Revista EducaOnline, v. 8, n. 2, p. 1-42,
2014. Disponível em:http://www.latec.ufrj.br/revistas/
index.php?journal=educaonline&page=article&op=view&path%5B%5D
=564. Acesso em: 22 nov. 2020.
Brasil. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Versão final.
Brasília: MEC.
Brasil. (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 25
out. 2020.
Brasil. (1997). Parâmetros curriculares nacionais: arte (1 a 8 série) Secretaria de Educação
Fundamental. / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF.
Brasil. (2000). Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: linguagens, códigos e suas
tecnologias. Ministério da Educação. Brasília, MEC/SEF.
Brasil. (1998). Referencial curricular nacional para a educação infantil. Ministério da Educação e
do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF.
Delors, Jacques [e outros] (Org.). (2004). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para
a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 9.ed.
Brasília: Cortez; MEC; UNESCO.
França, C. C., & Swanwick, K. (2002). Composição, apreciação e performance na
educação musical: teoria, pesquisa e prática. Em Pauta, v. 13, n. 21, p. 5-41, 2002.
Fonterrada, M. T. O. (2015b). MUSICAL, Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação.
Práticas criativas no ensino e aprendizagem da música – um estudo dos artigos dos
Anais e Revistas da ABEM. In: Associação Brasileira de Educação Musical, Anais, XX
Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical, Natal, Brasil:
ABEM.
Fonterrada, M. T. O. (2015a). Ciranda de sons: práticas criativas em educação musical. São
Paulo: Editora UNESP Digital.
Goldenberg, M. (1997). A arte de pesquisar. Rio de Janeiro: Record.
Criatividade no Ensino de Música 53
Mateiro, T., & Ilari, B. (Orgs.). (2012). Pedagogias em Educação Musical. Curitiba:
InterSaberes.
Minayo, M. C. S. (2007). O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São
Paulo: HUCITEC.
Novaes, M. H. (1980). Psicologia Da Criatividade. (5. ed.). Petrópolis: Vozes.
Sampaio, R. F., & Mancini, M. C. (2007). Estudos de revisão sistemática: um guia para
síntese criteriosa da evidência científica. Revista brasileira de fisioterapia, 11(1), 83-89.
Schafer, M. (1991). O ouvido pensante. (M. Fonterrada. M. G. da Silva., & M. L. Pascoal,
Trad.). São Paulo: Unesp.
Schafer, M. (2011a). A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo
atual estado negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. (2ª. Ed.; M. T. D.
O Fonterrada). São Paulo: UNESP.
Schafer, M. (2011b). Educação Sonora. São Paulo: Melhoramentos.
Sternberg, R. J. (2006). The Nature of Creativity. Creativity Research Journal, v. 18, n. 1, p.
87-98.
Trindade, B. G. P. (2008). Abordagem de Educação Musical CLATEC: uma proposta de
ensino de música incluindo educadores com deficiência visual. Tese de doutorado,
Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.
6
54 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
PROCESSOS AUTORREGULATÓRIOS NA
PRÁTICA E MEMORIZAÇÃO DE JOVENS
MÚSICOS: UM ESTUDO DE CASO
Mônica Cajazeira Santana Vasconcelos¹, Diana Santiago²
¹Departamento de Letras e Artes - Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil
²Programa de Pós-Graduação em Música - Universidade Federal da Bahia, Brasil
¹[email protected], ²[email protected]
Resumo
Este estudo é um recorte de pesquisa de doutorado que, além do estudo de caso aqui apresentado, envolveu
uma pesquisa survey. Essa survey foi aplicada a 170 jovens músicos estudantes de orquestra (Brasil e Portu‐
gal), entre 11 e 17 anos de idade, e buscou investigar suas experiências prévias, estratégias e dificuldades na
prática e na memorização musical. O estudo de caso, exploratório, descritivo e explicativo, procurou com‐
preender os processos autorregulatórios de aprendizagem envolvidos em suas práticas e memorização mu‐
sicais e as variáveis aí presentes. Constatou-se que os músicos ainda não possuíam o hábito de estabelecer
metas para cada etapa da preparação no estudo do repertório. Em relação à escolha e aplicação das estraté‐
gias cognitivas, eles conseguiram perceber quando precisavam desenvolver habilidades, e confiavam no
ensino de seus professores e dos maestros ao sugerirem estratégias para aperfeiçoar suas práticas no instru‐
mento e para motivá-los a ser bem-sucedidos. No monitoramento do seu desempenho, os estudantes ne‐
cessitavam da opinião do professor, motivando-os a se desafiarem mais e buscarem empreender mais esfor‐
ço no estudo das peças. Ao analisar os processos de aprendizagem dos participantes dessa pesquisa, percebeu-
se que, mesmo quando desconhecem as estratégias de memorização empregadas por músicos experientes,
algumas das estratégias que utilizam são semelhantes. Os resultados podem contribuir para a discussão sobre
a aprendizagem autorregulada de músicos estudantes.
Palavras-chave: Autorregulação. Aprendizagem. Memorização. Teoria Social Cognitiva. Orquestras infanto-
juvenis
Introdução
A aprendizagem tem sido, cada vez mais, encarada como um processo que os sujei‐
tos realizam por si próprios, de forma proativa. A autorregulação da aprendizagem
é um construto que vem atingindo destaque na Psicologia Educacional, predomi‐
nando como tema relevante de estudos e intervenções a partir da Teoria Social Cog‐
nitiva (TSC), teoria psicológica que discute o comportamento humano a partir da
lógica das interações recíprocas entre os fatores pessoais, ambientais/ sociais e com‐
portamentais, pautados na não distinção entre mente e corpo, tomando o ser huma‐
no como um ser integral.
Na perspectiva social cognitiva, compreende-se que as pessoas possuem capaci‐
dades básicas que definem o que significa ser humano (Figura 1): intencionalidade,
antecipação, autorreatividade e autorreflexão. A capacidade de ser auto-organizadas
(intencionalidade) porque constroem e planejam objetivos para si mesmas, fazem es‐
colhas e desenvolvem planos de ações para alcançar os seus propósitos, independen‐
temente de terem benefícios, ou não; a capacidade de ser proativas ou prognosticado‐
ras (antecipação), porque antecipam os resultados do desenvolvimento futuro de um
processo resultante das suas próprias ações e escolhas, indicando qual o caminho a
tomar para resolver possíveis problemas. As pessoas têm também a capacidade de ser
autorreguladas (autorreatividade) porque monitoram o seu comportamento, as con‐
dições cognitivas e ambientais em que esse acontece, criando auto-incentivos para se
manter motivadas e regular seus esforços na realização de seus objetivos. Elas são au‐
torreflexivas (autorreflexão) porque possuem a capacidade metacognitiva de refletir
sobre si mesmas e de ser autoexaminadoras de seu funcionamento (Bandura, 2008).
54
Criatividade no Ensino de Música 55
Figura 1
Características básicas que definem o ser humano, segundo Bandura (2008).
Autorregulação da aprendizagem
A autorregulação engloba qualquer esforço do ser humano em alterar seus próprios
estados internos ou respostas, ou seja, um processo consciente, no qual pessoas regu‐
lam seus pensamentos, emoções, impulsos ou apetites, e desempenhos de tarefas
(Vohs; Baumeister, 2004). Para Bandura (1986), autorregulação é uma capacidade
que faz parte da vida humana. A partir dessa concepção, o papel ativo e proativo do
indivíduo acontece de forma consciente e voluntária, contudo, por meio do exercí‐
cio de controle parcial sobre suas ações, pensamentos e comportamentos. Por que
parcial? Porque vários fatores estão envolvidos: os fatores pessoais internos do indi‐
víduo (aspectos biológicos, afetivos e cognitivos), os padrões comportamentais
(ações, escolhas e declarações verbais que as pessoas elaboram) e as influências do
meio ambiente (o ambiente físico e sócio estrutural, o ambiente potencial e o ambi‐
ente criado).¹ De acordo com a visão social cognitiva, o ser humano exerce um papel
ativo em sua própria vida por meio das capacidades de intervir no ambiente em que
55
56 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Figura 2
Ciclo de aprendizagem autorregulada segundo Zimmerman (2000)
Metodologia
Um dos principais objetivos desta pesquisa foi compreender os processos autorregula‐
tórios de aprendizagem na prática e memorização musical em estudantes de conjuntos
orquestrais infanto-juvenis. Para o estudo de caso, os conjuntos orquestrais foram es‐
colhidos visando à faixa etária e a disponibilidade das instituições de ensino para con‐
tribuir com a investigação. Em Portugal, colaboraram com a pesquisa, duas institui‐
ções: o Conservatório de Música da Escola de Artes da Bairrada (CMB), em Oliveira
do Bairro e o Projeto da Orquestra Geração (POG), em Lisboa. No Brasil, foi escolhi‐
58 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Figura 3
Guia da Entrevista (Amado, 2017, p.218).
Resultados
Na fase prévia, os estudantes não mencionaram fazer um planejamento de estudo
semanal de forma sistemática, como por exemplo, um guia eficaz para a prática. En‐
tretanto, a maioria dos instrumentistas reserva, pelo menos, quatro dias na semana
para se dedicar ao estudo, buscando um local apropriado em casa, sem distrações,
para melhor aproveitamento. A gestão das atividades acontece na medida em que se
desenrolam os estudos, e não previamente. Como exemplo dessa gestão, escolher o
melhor horário e local para o treino e traçar objetivos enquanto vão progredindo,
ou não, com as peças. Nessa fase, os estudantes músicos se envolvem na motivação
para aprender através de suas crenças de autoeficácia, das expectativas dos resultados
que pretendem atingir, do valor que dão às tarefas e da orientação de objetivos. Al‐
guns indicadores apresentados pelos instrumentistas nas entrevistas referiram-se à
determinação em utilizarem as estratégias adequadas na preparação das peças e ao
foco em obter sucesso em tocar com qualidade o seu repertório.
Em relação ao envolvimento dos músicos com o professor e/ou maestro, na fase
de planejamento nesse estudo, isso não foi muito evidenciado. Somente dois dos es‐
tudantes mencionaram que receberam auxílio no planejamento da prática quando
eram iniciantes no instrumento. A variável comportamental está relacionada às ações
do estudante para reunir recursos pessoais, materiais e sociais que impulsionem a exe‐
cução dos objetivos propostos, a construção de estratégias e de métodos que lhe per‐
mitam chegar à aprendizagem (Frison, 2006). O esforço empreendido pelos estudan‐
tes instrumentistas no planejamento e preparação da sua aprendizagem depende de
estratégias para a seleção de atividades e organização e estratégias para gerenciamento
do tempo (Fonseca, 2010). Tais ações são visíveis quando se percebe que os jovens
músicos tomam iniciativa, depositam esforço, agem com intencionalidade para regu‐
larem o próprio comportamento. Observa-se, no entanto, que a escolha do repertó‐
rio é determinada pelo professor/maestro, sem a participação ativa dos estudantes,
podendo causar-lhes desinteresse quanto a avançar, ou até, levá-los à desistência.
A fase de execução é onde o jovem músico organiza o tempo e planeja as estra‐
tégias adequadas para seu estudo. Para os estudantes de orquestra, a maior parte do
tempo de estudo acontece nos ensaios, nos quais o maestro conduz o passo a passo
e faz as observações necessárias na preparação do repertório, na maioria das vezes,
em conjunto. O estudo em casa é um complemento dessa prática, mas que merece
a atenção dos estudantes a fim de otimizar o estudo e aperfeiçoar o seu desempenho.
As entrevistas evidenciaram que os estudantes possuíam bons hábitos de estudo. Eles
tinham consciência de que a qualidade e a disciplina de estudo são fundamentais
para a aprendizagem no instrumento. Entretanto, ao refletirem sobre a organização
e a gestão de tempo no estudo, identificaram que convivem, eventualmente, com
aspectos que impedem a dedicação na aprendizagem, como distrações, o número de
atividades escolares e outros compromissos pessoais.
Dentre as estratégias cognitivas, as que são mais utilizadas pelos músicos estão
relacionadas ao trabalho de aspectos técnicos, à repetição de trechos e à separação
das partes mais complexas das peças para o estudo. É visível que a maior parte dessas
estratégias de aprendizagem foi ensinada por professores. Destacaram-se as seguin‐
60 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
tes estratégias: (i) escutar a música para ter uma visão do todo; (ii) dividir a peça em
partes, debruçando-se sobre trechos que exigem mais trabalho; (iii) fazer marcações
na partitura para indicar pontos a que deveriam dar mais atenção. Os estudantes com
até 4 anos de estudo afirmaram concentrar sua atenção nas partes de outros instru‐
mentistas da orquestra como referência para recordar a música. Aqueles com mais
de 4 anos de estudo informaram utilizar a estrutura formal da peça para organizar o
estudo do repertório, concentrando-se em determinados pontos das mesmas para se
localizar, bem como nas passagens de uma parte para outra. A capacidade de os
músicos jovens se manterem motivados na execução da prática instrumental é im‐
portante para que alcancem os objetivos pretendidos e se autoavaliem, tendo cons‐
ciência de que estão utilizando as ferramentas certas, ou não. As falas dos entrevista‐
dos revelaram que, nem sempre, os estudantes se mantinham motivados, por não
conseguirem se autorregular, por não entenderem o porquê estavam errando e/ou
por não saberem escolher ou adaptar as estratégias mais adequadas, tornando, muitas
vezes, o estudo exaustivo.
Na fase da reflexão, a dimensão cognitiva está presente no fazer musical dos
músicos ao pensarem sobre as ações construídas na preparação do repertório musi‐
cal, de maneira a avaliar a prática realizada e a qualidade de seu desempenho. Ao
refletirem sobre o envolvimento cognitivo e metacognitivo, os jovens músicos, ao
explicarem como estudam, como memorizam e como escolhem determinadas estra‐
tégias cognitivas para os problemas que surgem, nem sempre fazem uma reflexão
intencional, principalmente no que tange à aprendizagem da memorização, que, na
maioria das vezes, acontece de forma inconsciente. Ao tomarem decisões a fim de
avaliar se estão melhorando, ou não, estabelecem suas opiniões a partir de referências
do professor/maestro e pares, bem como de registros videográficos de sua execução
no instrumento. Nos depoimentos dos jovens músicos, as reflexões revelam que o
monitoramento cognitivo e metacognitivo de seus processos de aprendizagem os
conduz à tomada de consciência de onde estão e onde pretendem chegar. Bandura
(2008) evidencia que o comportamento humano é regulado através de consequên‐
cias autoavaliativas, por meio da satisfação pessoal, da autovalorização, também da
insatisfação pessoal e da autocrítica. O ato de tocar um instrumento musical, que
exige variadas habilidades, é um exemplo disso, pois os estudantes estão envolvidos
o tempo todo com reações pessoais avaliativas. De acordo com os resultados das en‐
trevistas, quanto mais experientes, as exigências dos jovens músicos aumentavam,
tornando-os mais críticos e reflexivos quanto ao seu aproveitamento. Na fala dos
entrevistados, o “lidar com seus medos de errar” é bem comum, por isso, acaba sendo
um indicador que motiva os estudantes a estudarem mais, a fim de superarem as
limitações e poderem se sentir seguros ao tocar nos ensaios da orquestra e, conse‐
quentemente, nas apresentações. De modo geral, a tensão imposta pelo próprio pro‐
cesso de aprendizagem do músico (por exemplo, mostrar ao professor, semanalmen‐
te, o que está sendo produzido; a insegurança de tocar de memória, etc.), impulsiona
o instrumentista a monitorar seu desempenho e buscar soluções para as dificuldades
junto ao professor. Essas ações podem gerar sentimentos positivos, como a confiança
em si próprio e um contentamento por ter conseguido atingir os resultados, ou po‐
dem gerar efeitos negativos, trazendo ansiedade, frustração e vontade de desistir.
Zimmerman (2013) chama esse processo de autorreação.
Criatividade no Ensino de Música 61
Considerações finais
Ao analisar os processos de aprendizagem dos participantes deste estudo, percebeu-
se que eles se instrumentalizam com estratégias que potencializam seu estudo no
instrumento musical. Os músicos adolescentes demonstraram, independentemente
dos contextos e condições de aprendizagem, o esforço de se tornarem bem-sucedi‐
dos. Desenvolveram suas habilidades em solucionar problemas de execução, seleci‐
onando estratégias e buscando o auxílio do professor, maestro e pares. A prática da
memorização foi reconhecida como uma atividade essencial na performance desses
músicos, contudo bastante complexa por gerar ansiedade, medo e insegurança, prin‐
cipalmente, por não terem sido ensinados a memorizar o mais cedo possível, ou quan‐
do iniciavam o estudo de uma peça nova. Músicos estudantes devem ser incentivados
e apoiados na organização e planejamento dos seus processos de aprendizagem.
O estudo de caso evidenciou que ainda não era comum o planejamento da
prática na rotina dos estudantes. Geralmente, os professores e maestros se preocupa‐
vam mais com o produto final (performance), dedicando uma atenção reduzida à
condução dos instrumentistas no planejamento de suas sessões de estudo. Estudos
antes deste já sugeriram ferramentas para esse fim, como planos de estudo para os
estudantes definirem suas próprias metas e acompanharem seu desempenho (McP‐
herson; Zimmerman, 2011), ou guias para a preparação dos músicos para exames
avaliativos (Philippe et al., 2020). Sugere-se que professores e maestros possam ori‐
entar seus alunos a definirem objetivos, desde o início da escolha do repertório. Re‐
comenda-se a organização de um plano de estudo detalhado, além da discussão com
os estudantes sobre as habilidades necessárias para que otimizem os seus estudos. Em
relação ao ensino da memorização, ela necessita fazer parte das vivências dos estu‐
dantes. A memorização deliberada pode ser desenvolvida com estudantes músicos de
orquestras, pois, assim como os músicos experts, os estudantes também possuem es‐
tratégias variadas de memorização, necessitando do auxílio do professor para desen‐
volvê-las.
Notas
1 No ambiente físico e sócio estrutural, as pessoas não têm muito controle, mas têm a
liberdade de interpretar e reagir; já o ambiente potencial depende do que as pessoas fazem e
selecionam dele. Caso tenham uma elevada autoeficácia, se concentrarão nas oportunidades
que terão, se tiverem uma baixa autoeficácia, se concentrarão nos impedimentos, nos
problemas. No ambiente criado, as pessoas criam condições para servir a seus propósitos.
Assim, “as crenças das pessoas em sua eficácia pessoal e coletiva desempenham um papel
influente na maneira como organizam, criam e lidam com as circunstâncias da vida,
afetando os caminhos que tomam e o que se tornam” (Bandura, 2008, p.24).
2 O QDA Miner Lite é software gratuito de análise qualitativa produzido pela Provalis
Research (https://provalisresearch.com/resources/tutorials/free-qualitative-data-analysis-
software/). Pode ser usado para codificação e análise de dados textuais, como transcrições
de entrevistas, respostas abertas, etc., bem como para a análise de imagens.
62 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Referências
Amado, J. (Coord.). (2017). Manual de Investigação Qualitativa em Educação. 3. ed.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Azzi, R.G. (2014).Introdução à Teoria Social Cognitiva. São Paulo: Casa do Psicólogo.
SérieTeoria Social Cognitiva em contexto educativo, 1.
Bandura, A. (1986). Social foundation of thought and action: a social cognitive theory.
EnglewoodClifs, NJ: Prentice Hall.
Bandura, A., Azzi, R. G., & Polydoro, S. A. J. (2008). Teoria Social Cognitiva: conceitos
básicos. Porto Alegre: Artmed.
Chaffin, R., Imreh, G., & Crawford, M.(2002). Practicing perfection: memory and piano
performance. Mahwah: Erlbaum.
Chaffin, R. et al. (2009). Preparing for memorized cello performance: the role of
Performance Cues. Psychologyof Music,1-28.
Frison, L. M. B. (2006). Autorregulação da Aprendizagem: Atuação do Pedagogo em
espaços não-escolares. (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Fonseca, D. S. (2010). Estratégias e técnicas para a otimização da prática musical: algumas
contribuições da literatura em língua inglesa. In: Ilari, B. S; Araújo, R. C. (Orgs).
Mentes em música (p.131-152). Curitiba: Ed. UFPR.
Greenacre, M. J. (2007). Correspondence Analysis in Practice. 2 ed. Chapman & Hall/CRC.
Lee, S. (2017). An Investigation into how young orchestral musicians engage in
instrumental practice and memorization. 90 f. Master’s Dissertation, Royal College of
Music, United Kingdom, UK.
Lisboa, T., Chaffin, R., & Demos, A. L.(2015). Recording thoughts while memorizing
music: a case study. Frontiers in Psychology. 5, 1-13.
McPherson, G. E., & Zimmerman, B. J. (2002). Self-Regulation of Musical Learning: A
social cognitive perspective. In: Colwel, R; Richardson, R. (Eds). The new handbook of
research on music teaching and learning. (327-347). New York: Oxford University Press.
McPherson, G. E., & Zimmerman, B. J. (2011). Self-Regulation of Musical Learning: A
Social Cognitive Perspective on Developing Performance Skills. In: Colwell, R;
Webster, P.R. (Eds). MencHandbook of Research on Music Learning.Volume II:
Aplications. (130-175). Oxford University Press, New York.
Philippe, R. A. et.al. (2020). Conservatory Musicians’ Temporal Organization and Self-
Regulation Processes in Preparing for a Music Exam. Frontiers in Psychology. 11, 1-12.
Polydoro, S. A. J., & Azzi, R. G. (2008). Autorregulação: aspectos introdutórios. In:
Bandura, A.; Azzi, R.G.; Polydoro, S. A. J. (Orgs) Teoria Social Cognitiva: conceitos
básicos. (149-164). Porto Alegre: Artmed.
Veiga Simão, A. M., & Frison, L. M. B. (2013). Autorregulação da Aprendizagem:
Abordagens Teóricas e Desafios para as Práticas em Contextos Educativos. Cadernos de
EducaçãoFaE/PPGE/UFPel. Pelotas, 2-20.
Vohs, K. D., & Baumeister, R. F. (2004). Understanding Self-Regulation: An Introduction.
In: Baumeister, R. F.;Vohs, K. D. (Eds.) Handbook of Self-Regulation: Research,
Theory and Applications. (1-12). New York: The Guilford Press.
Yin, R. K. (2016). Pesquisa Qualitativa: do início ao fim. Trad. Bueno, D. Porto Alegre:
Penso.
Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e Métodos. Trad. Cristhian Matheus
Herrera 5. ed. Porto Alegre: Bookman,.
Zimmerman, B. J. (1989). A Social Cognitive view of Self-Regulated Academic Learning.
Journal of Educational Psychology, 81, n.3, 329-339.
Zimmerman, B. J., & Risemberg, R. (1997). Self-regulatory dimensions of academic
learning and motivation. In G. D. Phye (Ed.). The educational psychology series.
Handbook of academic learning: Construction of knowledge (105–125). Academic Press.
Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-regulation. A social cognitive perspective. In:
Boekaerts, M.; Pintrich, P. R.; Zeidner, M. (Eds.).Handbook of Self-regulation. (13-39).
San Diego, CA: Academic Press.
Zimmerman, B. J. (2013). From Cognitive Modeling to Self-Regulation: A Social
Cognitive Career Path. Educational Psychologist, 48, n.3, 135-147.
62
7
Criatividade no Ensino de Música 63
APRENDIZAGEM DA COMPOSIÇÃO EM
CONTEXTO UNIVERSITÁRIO: UM ESTUDO
SOBRE MOTIVAÇÃO PARA A PRÁTICA DA
CRIAÇÃO MUSICAL
Ramon Fernandes¹, Rosane Cardoso de Araújo²
¹Departamento de Artes - Universidade Federal do Paraná, Brasil
²Departamento de Artes - Universidade Federal do Paraná, CNPq, Brasil
1
[email protected], [email protected]
Resumo
A composição musical é um desafio de criação humana e é uma ação que ocorre impulsionada por algum
tipo de motivação, intrínseca ou extrínseca. Para compreender essa dicotomia da motivação intrínseca/ex‐
trínseca, tem-se a Teoria da Autodeterminação (Deci & Ryan, 2004; Ryan & Decy, 2017), que discorre
sobre as qualidades motivacionais por meio de um continuum que vai da amotivação até a motivação intrín‐
seca, passando pelas motivações extrínsecas de regulação externa, introjetada, identificada e integrada. Cada
uma delas representa um grau de interiorização da motivação no indivíduo. Quanto mais elevado esse grau,
melhor é a qualidade motivacional, o envolvimento e o desempenho na atividade. Neste sentido, questio‐
na-se neste estudo quais aspectos motivacionais podem estar envolvidos na aprendizagem da composição,
considerando-se os níveis de envolvimento descritos na Teoria da Autodeterminação. A metodologia uti‐
lizada foi um survey de pequeno porte, realizado a partir da “Escala de Autorregulação da Aprendizagem”,
adaptada de Figueiredo (2010). Participaram da pesquisa 16 estudantes de composição de diferentes univer‐
sidades de Curitiba. Os resultados indicaram que a motivação dos participantes variava principalmente en‐
tre a ‘Motivação Extrínseca por Regulação Identificada’ e a ‘Motivação Intrínseca’, pois eles demonstraram
que estudavam composição principalmente por ser uma atividade prazerosa, porque gostavam de compor
e porque gostavam de aprender. Como conclusão, foi possível aferir que os participantes possuíam forte
motivação para seguir em suas atividades. Os principais motivos que levavam os participantes a se dedicar
à composição estavam associados ao prazer pessoal e a questões de identidade, demonstrando altos níveis de
autodeterminação e, consequentemente, motivação.
Palavras-chave: Composição Musical, Teoria da Autodeterminação, Motivação
Introdução
A busca por compreender o processo criativo instiga pesquisadores e pensadores há
séculos. Com a composição musical, não é diferente. Sloboda (2008), em seu livro
A Mente musical: a psicologia cognitiva da música, já alertava para a necessidade da
realização de mais pesquisas nessa área. Nesse sentido, nesta pesquisa, buscou-se tra‐
tar de um dos elementos envolvidos no processo criativo: a motivação, isto é, o mo‐
tivo que faz um indivíduo agir, criar. Partindo-se da ideia de que a motivação está
diretamente relacionada com o processo criativo em si — uma vez que ela pode ser
fundamental para a qualidade do envolvimento na atividade — seu estudo pode for‐
necer ferramentas para auxiliar na elucidação do processo criativo.
Outro ponto relacionado ao processo criativo é o seu aprendizado. Buscar
aprender a compor, a criar, também é relevante, independentemente se de forma in‐
tuitiva, autodidata ou formal. Esse aprendizado também pode ser decisivo na qualida‐
de do engajamento com o processo, e a motivação, por sua vez, é substancial a ambos.
Dentro dessa lógica, portanto, questiona-se: quais aspectos motivacionais podem es‐
tar envolvidos na aprendizagem da composição musical em contexto universitário?
Para nos auxiliar nesses aspectos e embasar este trabalho, foi escolhida a Teoria da
Autodeterminação, dos autores Deci e Ryan (2004), como fundamento teórico.
63
64 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Teoria da autodeterminação
A Teoria da Autodeterminação (TAD) foi elaborada entre as décadas de 70 e 80 e
visa a compreender quais os elementos que compõem a motivação humana. De for‐
ma geral, podemos compreender a motivação como aquilo que nos impele a desem‐
penhar uma atividade, a agir e/ou assumir e manter determinado comportamento.
Em poucas palavras: trata-se do motivo que nos move. A motivação pode ser classi‐
ficada em duas qualidades diferentes: como motivação intrínseca, quando o motivo é
intrínseco à atividade. E como motivação extrínseca, quando a razão de se realizar a
atividade é externo a ela (Buzneck 2001; Engelmann, 2010; Figueiredo, 2010).
Anteriormente, a teoria da autodeterminação e as teorias da motivação conside‐
ravam que a qualidade de envolvimento estava diretamente subjugada a essa ambi‐
valência qualitativa da motivação. Isto é, acreditava-se que uma atividade desempe‐
nhada por motivação intrínseca sempre apresentaria melhores resultados de envolvi‐
mento do que uma realizada por motivação extrínseca. Os autores da TAD, no en‐
tanto, diluíram essa dicotomia e demonstraram que, mesmo motivado extrinseca‐
mente, um sujeito pode ter engajamento em uma ação e qualidades em sua execu‐
ção. Eles chegaram a essa ideia ao perceber que há outros fatores que implicam na
motivação e em sua qualidade (Guimarães, 2004).
Desse modo, os autores defendem que a motivação está relacionada com a satis‐
fação de três necessidades psicológicas básicas: a sensação de autonomia, de compe‐
tência e a necessidade de pertencimento (Ryan & Deci, 2017). Em linhas gerais, a
sensação de autonomia implica em o indivíduo se sentir à frente de suas ações, isto
é, ter a plena sensação de que suas ações são de sua escolha e que ele não estaria sendo
manipulado ou influenciado externamente a realizá-las. A necessidade de compe‐
tência se refere à busca da pessoa em se sentir capaz de interagir satisfatoriamente
com o seu meio. Por fim, a necessidade de pertencimento se caracteriza pelo esforço
em estabelecer relações interpessoais, em se sentir pertencente a um ambiente e em
concretizar vínculos seguros e duradouros. Nesse sentido, quanto mais satisfeitas es‐
tiverem essas necessidades, maior e melhor será a qualidade motivacional e o envol‐
vimento do indivíduo com suas ações (Engelmann, 2010; Figueiredo, 2010).
Por meio da relação entre essas necessidades e a motivação, é possível com‐
preender como a motivação extrínseca pode, também, resultar em autodetermina‐
ção e envolvimento na atividade. De acordo com os autores, isso ocorre a partir do
grau de internalização do motivo relacionado a cada uma das necessidades básicas
(Ryan & Deci, 2017). Tais pontos são clarificados e apresentados por meio de um
processo denominado Continuum de autodeterminação. Com ele, é possível com‐
preender quais são os fatores relacionados às motivações intrínseca e extrínseca, bem
como identificar as quatro formas diferentes de motivação extrínseca, de acordo
com seus respectivos níveis de internalização (Engelmann, 2010).
Os autores da TAD destrincharam a motivação extrínseca em quatro formas
distintas de regulação, são elas: a regulação externa, a introjetada, a identificada e a
integrada. A diferença entre essas regulações se dá no grau de interiorização do mo‐
tivo, o qual, por sua vez, dialoga com as necessidades básicas. Quanto maior for essa
interiorização, maior será a qualidade e o envolvimento na atividade. Em outras pa‐
lavras: quanto mais o motivo de se desempenhar determinada atividade correspon‐
der às necessidades, interesses e valores da pessoa, mais motivada ela estará (Deci &
Ryan, 2004; Ryan & Deci, 2017).
O Continuum da autodeterminação, portanto, organiza a motivação em seis
qualidades diferentes: a amotivação, a motivação extrínseca por regulação externa,
Criatividade no Ensino de Música 65
Método
Com vistas a analisar os níveis de motivação e compreender quais aspectos motiva‐
cionais estavam envolvidos na aprendizagem da composição musical de estudantes
universitários, utilizou-se um survey de pequeno porte a partir da ‘Escala de autode‐
terminação de aprendizagem’ adaptada de Figueiredo (2010). Em termos gerais, tra‐
tou-se de um questionário com 20 afirmações relacionadas com cada um dos níveis
do continuum de autodeterminação. Apenas a regulação integrada não foi contem‐
plada no questionário, devido à sua proximidade com a motivação intrínseca, o que
dificulta a separação clara e definida entre as duas. Dessa forma, cada nível foi con‐
templado com 4 afirmações.
As afirmações se iniciavam com ‘Eu estudo composição...’ e, então, seguiam-se
os complementos associados a cada um dos níveis. O participante respondia confor‐
me seu grau de satisfação com a frase formada e o quanto ele concordava ou não com
66 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
ela de acordo com sua experiência pessoal. As respostas foram dispostas em Escala
Likert de 7 pontos, na qual 1 significava discordo plenamente; 2 discordo bastante;
3 discordo no geral; 4 não discordo nem concordo; 5 concordo no geral; 6 concordo
bastante e 7 concordo plenamente. Desse modo, após ler a afirmação, o participante
assinalava, dentre 1 a 7, o quanto estava de acordo, desacordo ou indiferente.
O conjunto de complementos referentes à motivação intrínseca procurou cor‐
relacionar o estudo da composição com prazer e satisfação, por exemplo: “eu estudo
composição porque é prazeroso”; ou: “eu estudo composição porque eu gosto de
compor”. O grupo de alternativas referentes à motivação extrínseca por regulação
identificada associou o estudo da composição com a importância pessoal da ativida‐
de, por exemplo: “eu estudo composição porque eu gosto de aprender novas habili‐
dades”; ou: “eu estudo composição porque é importante para mim”. O conjunto de
alternativas referentes à motivação extrínseca por regulação introjetada procura vin‐
cular o estudo da composição com a aprovação social, por exemplo: “eu estudo com‐
posição porque quero que os outros pensem que sou competente”; ou: “eu estudo
composição porque me sentiria pressionado caso não estudasse.” O grupo de alter‐
nativas referentes à motivação extrínseca por regulação externa procura relacionar
o estudo da composição com o uso de recompensas ou punições, por exemplo: “eu
estudo composição porque é obrigatório para poder obter boas notas”. Por fim, o
grupo de alternativas referentes à amotivação procura associar o estudo da composi‐
ção com o sentimento de incompetência, por exemplo: “eu estudo composição, mas
não obtenho resultados positivos”.
Assim, pôde-se compreender o nível de regulação dos participantes a partir da
comparação entre os percentuais de respostas de cada grupo de alternativas. Os per‐
centuais foram obtidos calculando-se a média de repostas em cada uma das variáveis
nas diferentes questões.
Resultados
O questionário foi enviado para alunos de composição musical da UFPR (Universi‐
dade Federal do Paraná), EMBAP (Escola de Música e Belas Artes do Paraná) e
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) que cursavam, do 2º período
da graduação, até alunos de mestrado. Para preservar a identidade dos participantes,
o questionário foi anônimo e não teve nenhuma questão de levantamento dos dados
gerais do participante (tais como idade, sexo, período etc.). Foram obtidas 16 respos‐
tas ao todo, entretanto é importante salientar que as turmas de composição musical
costumam ser pequenas e o ingresso de novos alunos é baixo em relação às outras
habilitações. Dessa maneira, por mais que pareça pequeno, é um número expressivo
nessa área.
Como já mencionado, o questionário utilizado consistiu em uma série de afir‐
mações em que, a partir da frase “eu estudo composição...”, os participantes assina‐
laram as alternativas - dispostas em uma escala de um a sete - conforme sua satisfação
com a frase formada. Para fins de análise, as questões foram agrupadas por estilo re‐
gulatório, de forma que, por meio do cálculo da média das respostas, fosse possível
comparar os níveis de concordância, indiferença ou discordância e os estilos regula‐
tórios. Foram consideras respostas em nível de concordância aquelas localizadas en‐
tre os escores 7, 6 e 5; indiferença 4 e discordância os escores 3, 2 e 1. Somando-se
a média em cada um desses escores, é possível compreender qual estilo regulatório
predomina nos participantes. Desse modo, apresentaremos, aqui, um recorte dos re‐
sultados obtidos e discutiremos brevemente o que eles podem nos dizer.
Criatividade no Ensino de Música 67
Considerações finais
Considerando os resultados apresentados, é possível concluir que os alunos que es‐
tudam e se dedicam à composição o fazem com alto grau de motivação. Sendo os
principais motivos relacionados com prazer pessoal e questões de identidade, ou seja,
devido à sensação de bem-estar, de competência, satisfação e valorização particular
da atividade. Tais fatores demonstram os altos níveis de autodeterminação e, conse‐
quentemente, de motivação presente nos participantes, categorizadas principalmen‐
te como ‘motivação intrínseca’ e ‘motivação extrínseca por regulação identificada’.
Essas duas formas de motivação, como nos mostra o Continuum da Autodetermina‐
68 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Referências
Buzneck, J. A. (2001). A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In E. Boruchovitch&
_______. (Orgs.), A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea (pp. 9-
36). Petrópolis, RJ: Vozes.
Deci, E. L.; Ryan, R. M. (eds.) (2004) Handbook of Self-Determination Research[Guia para
pesquisas em autodeterminação].Rochester: The University Rochester Press.
Engelmann, E. (2010). A motivação dos alunos dos cursos de artes de uma universidade
pública do norte do Paraná. (Dissertação de mestrado não publicada). Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, Brasil.
Figueiredo, E. (2010). A motivação dos bacharelandos em violão: uma perspectiva da teoria
da autodeterminação. (Dissertação de mestrado não publicada). Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, Brasil.
Guimarães, S. E. R. (2004). Motivação intrínseca, extrínseca e o uso de recompensas em
sala de aula. In E. Boruchovitch& J. A. Buzneck (Orgs.), A motivação do aluno:
contribuições da psicologia contemporânea (pp. 37-58). Petrópolis, RJ: Vozes.
Criatividade no Ensino de Música 69
Resumo
Este texto enfoca uma pesquisa performativa que resultou em Afefê 1, uma obra colaborativa para flauta,
eletrônica e vídeo composta pelos autores durante o período de isolamento social. A ideia inicial desse tra‐
balho partiu do conceito de Estado de Prontidão, oriundo de uma pesquisa performativa, realizada em âm‐
bito formal por Lia Sfoggia no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da
Universidade Federal da Bahia. Estiveram envolvidos também os conceitos de surpreendibilidade, bem
como a noção de mapeamento entre os elementos composicionais (intra-domínios) e entre música e mo‐
vimento (inter-domínios), como formulados por Brower. Estado de Prontidão é um dos conceitos inferi‐
dos no contexto da capoeira e se refere à necessidade do capoeira manter-se alerta e disponível, e como esse
comportamento influencia no modo de se mover. A ideia de imprevisibilidade em relação ao futuro, o fato
de nunca sabermos o que pode acontecer no instante seguinte, a possibilidade de sofrer uma ataque a qual‐
quer momento, a desconfiança. Tudo isso propicia a necessidade de manter-se num constante estado cor‐
poral de prontidão para agir. Em Afefê 1 esse estado foi motivado por uma gravação prévia de uma obra
musical para flauta solo, que foi ímpeto para a criação de um vídeo, posteriormente musicado a partir de
mapeamentos entre a música original e (re)interpretações pelo flautista a partir dos movimentos vídeo. O
processo foi mediado por mecanismos cognitivos da memória, sobretudo no âmbito da memória motora
incorporada, e articularam elementos implícitos e explícitos.
Palavras-chave: Composição Musical, Teoria da Autodeterminação, Motivação
73
74 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
O contexto do processo criativo nos remete a um isolamento coletivo que foi seu
principal propulsor. A possibilidade de isolar-se coletivamente surgiu do envolvi‐
mento pessoal-afetivo entre os participantes que, além de colaboradores, são amigos
e partilham convívio familiar, que envolve filhos e parcerias. Essa tomada de decisão
se refere ao Estado de Prontidão no sentido da variabilidade de fatores expressivos
que, metaforicamente, representam o impulso de aceitar ou não a ampliação da bo‐
lha social em tempos de pandemia, quando o risco de contato pessoal sem distancia‐
mento (éramos quatro adultos, duas crianças de 6 anos, dois bebês de 2 anos e uma
cachorra), opõe-se à necessidade de contemplar a saúde mental de todos – que pul‐
sava por novos horizontes após 5 meses de reclusão. Após o convite, foram muitos
momentos de pausas dinâmicas, nas quais, aparentemente, o tempo se suspendia
numa imobilidade de planejamento e respostas, mas, em verdade, o corpo reunia
uma mobilidade intensa em busca de encontrar a decisão certa. Essa sensação se es‐
tende ao convívio coletivo, no qual a negociação de dois modos de vida familiares
oscila entre convicções diferentes e a busca por eixos norteadores, nessa constante de
variabilidade e pausas. O fato de dividir o convívio com crianças também nos coloca
numa atenção que destaca o Suporte Muscular Interno na intermediação e organiza‐
ção. Afefê 1 começou a acontecer mesmo antes de sabermos de sua possibilidade.
Em relação ao propulsor criativo, o simples fato de reunir três artistas numa mes‐
ma casa já suscitou a oportunidade de aflorar um processo criativo. Já havíamos tra‐
balhado juntos na obra Noite¹¹, há 12 anos, num tempo em que a possibilidade de
compartilhar a vida cotidiana com filhos não era algo que vislumbrávamos, muito
menos num contexto de pandemia. Lia sugeriu que o processo de experimentação
emergisse de uma gravação preexistente, sem que assistíssemos ao vídeo ou ouvísse‐
mos a música novamente. Ráiden sugeriu o seu vídeo de estudo da peça Estudos
Tanguísticos Número 4: Lento Meditativo, de Astor Piazzolla, registrado meses antes
da decisão do isolamento coletivo.
A escolha de se partir de um estudo e gravação preexistentes, realizada pelo flau‐
tista para uma experimentação e ressignificação dos seus elementos, possibilitou que
diferentes mecanismos de memória fossem acionados pelos colaboradores. Estamos,
aqui, nos referindo aos mecanismos descritos por Snyder (2000) e Huron (2006).
Ráiden se relacionava mais intimamente com a obra, com uma memória episódica
das suas sonoridades, além de uma memória motora envolvida nos seus processos
performativos e as memórias implícitas esquemáticas em relação às frases e elemen‐
tos estruturantes da obra. Guilherme e Lia, por outro lado, não conheciam a música
dessa forma, estando sujeitos mais diretamente aos elementos de expectativa que
Huron denomina dinâmicos, relacionados à escuta e atenção na memória de curto
prazo, além, é claro, de compartilhar as memórias esquemáticas implícitas. Nossa
escolha por evitar ouvir a obra repetidas vezes se desenhava justamente na tentativa
de manter esses mecanismos, preservando o Estado de Prontidão, ao mesmo tempo,
tomando os elementos motores e episódicos do músico como materiais para o pro‐
cesso criativo, como discutiremos a seguir.
Foi no meio de uma tarde de estudo, no nosso escritório compartilhado, que
surgiu a ideia inicial da peça. Era um dia de chuva e as crianças brincavam dentro da
casa, afastada do escritório. Era possível escutar as gargalhadas e suas oscilações, ora
mais evidentes e aceleradas, ora distantes. Esse foi o ímpeto criativo de gravar duas
tomadas de vídeo com o mesmo enquadramento, mas com esse diálogo entre o
próximo e o distante. Como não havíamos mais consultado a música, e não era algo
usual na prática da Lia (que gravou os movimentos), o simples fato de diálogo com
Cognição e(m) Processos de Criação 77
Figura 1
Esboço da partitura de Afefê 1
Versão preliminar com anotações realizadas no contexto do processo colaborativo
78 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Após a identificação das notas pivô Si e Mi, que serviam na obra original como
pontos de repouso, partimos para a exploração de multifônicos de flauta sobre essas
fundamentais. Essa etapa se entremeou com a seguinte, a composição colaborativa da
música, que envolveu intensa colaboração entre Ráiden e Guilherme. Inicialmente,
nossa abordagem foi baseada na reconstrução de aspectos da obra original, preser‐
vando contornos gestuais, notas pivô e coleções de alturas, entre outros elementos,
em sessões colaborativas que tinham como apoio a escrita em partitura mais tradici‐
onal. Portanto, avançamos para uma etapa de estudo, prática, memorização e incorpo‐
ração da nova obra musical. Na figura 1, apresentamos um trecho do rascunho, uti‐
lizado nessa etapa.
À medida em que avançávamos na criação colaborativa, fomos percebendo que
o Estado de Prontidão ficava comprometido pelo rigor da atenção excessiva à parti‐
tura. Entendíamos que a obra deveria ser tocada de cor, de modo a permitir respostas
performativas mais imediatas. Nesse sentido, buscamos uma notação intermediária,
voltada aos gestos musicais que suportariam a nova obra, dando margem para que
as memórias episódicas e motoras do músico possibilitassem o completamento dos
materiais musicais no ato da performance, desvelando uma maior articulação com o
conceito ímpeto do processo.
Figura 2
Trecho de Afefê 1, uma partitura gestual, mais propositiva do que prescritiva.
seu próprio som), numa fricção que respondeu ao ímpeto do processo criativo. As‐
sim, o flautista gravou uma primeira versão, que dialogava com o primeiro vídeo,
mais distante, enfatizando o jogo com sua percepção de movimentos distais, advin‐
dos de mãos e pés, pernas e braços. Na segunda gravação, ele enfocou os processos
percebidos na parte mais central do corpo, como os movimentos de tronco. O exer‐
cício da colaboração concretiza a pesquisa performativa, pois é na capacidade de au‐
tonomia que o processo reivindica, que o fazer emerge como condição de existência
da obra e, por consequência, da pesquisa.
Não realizamos sessões de ensaio ou gravação, apenas a captura do áudio e da
ambiência da sala. Essas gravações serviram de base para o processamento eletrônico
em um patch no software PureData, planejado para ocorrer futuramente em perfor‐
mances em tempo real. A edição da eletrônica foi então realizada por Guilherme a
partir das duas gravações realizadas na etapa anterior. Após o processo de uso do
registro de estudo da peça original como propulsor de movimento e imagem, obser‐
vação, análise, desdobramento composicional, jogos de prontidão para coleta de
materiais e criação da eletrônica, chegamos à derradeira etapa de finalização do vídeo.
Na ocasião, tínhamos um projeto em vídeo com as trilhas de imagem, duas grava‐
ções de flauta e duas versões da eletrônica para, em princípio, escolhermos as mais
orgânicas de acordo com o processo. Entretanto, ao trabalharmos em versões de so‐
breposição para apreciarmos e tomarmos a decisão final, surgiu a ideia de usar as
duas eletrônicas e flautas sobrepostas. Inicialmente, houve certa insegurança: como
iriam soar os efeitos eletrônicos acrescidos um do outro? Como o todo se modifica
em relação às partes?
Foi ao encarar a constante realidade dúbia de sobreposição (duas interpretações
do vídeo inicial e duas gravações da flauta) que entendemos a necessidade da manu‐
tenção das duas eletrônicas na obra. Esse é um exemplo claro de como ocorre esse
processo de autonomia no ato criativo, no qual nem sempre as coisas ocorrem como
idealizamos, e sim vão se organizando por emergência. Foi assim que chegamos na
parte musical que configura esta versão dessa peça: duas gravações da flauta e duas
eletrônicas. Após essa decisão, vídeos e áudios foram reorganizados no jogo de nu‐
ances e sobreposições, com os devidos ajustes técnicos, sincronização e finalização.
Considerações finais
Afefê 1 é fruto de uma colaboração baseada no conceito de Estado de Prontidão,
motivada por uma gravação prévia de uma obra musical para flauta solo. O processo
foi mediado por mecanismos cognitivos da memória (Snyder, 2000), sobretudo no
âmbito da memória motora incorporada, e articulou elementos implícitos e explíci‐
tos (Huron, 2006). Aversa (2009), ao comentar as implicações da teoria de Huron
para compositores, salienta que, quando ouvimos uma obra ou trecho muitas vezes
durante a composição, eles podem desenvolver uma expectativa verídica (de memó‐
ria de longo prazo explícita). Segundo ela, é preciso não confundir essa expectativa
com aquelas dinâmicas, oferecidas pela obra, o que representaria um erro de julga‐
mento em relação aos materiais que estão sendo desenvolvidos. Ela reforça, nesse
ponto, a importância de feedback sobre trechos musicais, de modo a minimizar essas
questões e se tomar consciência da influência desses processos nas tomadas de deci‐
são. A nossa intenção foi, justamente, basear um processo criativo colaborativo da
interação entre os diversos mecanismos de memória, para a composição de uma
nova obra.
80 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Desde o princípio do processo, a intenção era criar uma obra colaborativa a partir
da noção de Estado de Prontidão, envolvendo flauta, eletrônica e vídeo, gravado a
partir de performances de movimento, desdobradas de uma pesquisa performativa.
Acreditamos que o processo aqui descrito e suas articulações com mecanismos de
memória e mapeamentos, possa contribuir para iluminar o papel dos processos cog‐
nitivos na criação colaborativa.
Notas
1 O vídeo completo de Afefê 1 está disponível em https://youtu.be/Zap31V3JoEw.
2 Trata-se de um dos três conceitos inferidos na pesquisa de Sfoggia (2019): Equilíbrio
Dinâmico, Economia de Meios e Estado de Prontidão. A tese se desenvolve como uma
pesquisa performativa, que se desdobra em obras colaborativas para cada um dos conceitos.
3 O trabalho do Mestre Nenel se concretiza, hoje, na sede da Fundação Mestre Bimba
(FUMEB), situada na Rua Maciel de Baixo, no Pelourinho. Nesse mesmo local, o Mestre
(que é filho do Mestre Bimba – Manoel dos Reis Machado, 1900-1974), desenvolve seu
trabalho com a capoeira e viabiliza as atividades da Filhos de Bimba Escola de Capoeira
(FBEC).
4 Embora os conceitos e laboratórios se apresentem de forma entremeada e indissociável,
para o contexto deste artigo, focaremos na discussão do Estado de Prontidão, de modo que,
Cognição e(m) Processos de Criação 81
Referências
Aversa, E. (2009). Review of David Huron, Sweet Anticipation: Implications for
Composers. Music Theory Online 15(3/4).
Bacon, J. M., & Midgelow, V. L. (2014). Creative articulations process. Choreographic
Practices 5(1), pp. 7–31.
Bacon, J. M., & Midgelow, V. L. (2015). Processo de articulações criativas (PAC). In: Silva,
C. R. et al. (Ed.). Resumos do 5 o Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP.
São Paulo: PPGAC/ECA-USP. Tradução de Eduardo Augusto Rosa Santana, revisão
de Pedro de Senna.
Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento.
Tese de Doutorado. Salvador: Programa de Pós-Graduação em Música/Universidade
Federal da Bahia.
Bertissolo, G. (2009). Po(i)ética em movimento: a análise Laban de movimento como propulsora
de realidades composicionais. Dissertação de Mestrado. Salvador: Programa de Pós-
Graduação em Música/Universidade Federal da Bahia.
Brower, C. A. (2000). Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory
44(2).
Haseman, B. (2006). A manifesto for performative research. International Australia
Incorporating Culture and Policy, theme issue Practice-led Research 118, p. 98–106.
Haseman, B. (2015). Manifesto para a investigação performativa. In: Silva, C. R. et al.
(Ed.). Resumos do 5 o Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. São Paulo:
PPGAC/ECA-USP. Tradução de Marcello Amalfi.
Huron, D. (2006). Sweet anticipation: Music and the psychology of expectation. Cambridge:
The MIT Press.
Mestre Nenel, M. N. (2018). Bimba: um século da Capoeira Regional. Organizado por Lia
Sfoggia. Salvador: EDUFBA.
Morin, E. (2006). Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Eliane Lisboa. Porto
Alegre: Sulina,
Sfoggia, L. (2019). Corpos que são: a Capoeira Regional reverberada em processos criativos em
arte. Tese de Doutorado. Salvador: Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade/Universidade Federal da Bahia.
Snyder, B. (2000). Music and Memory: an introduction. Cambrigde/London: The MIT Press.
Sodré, M. (2002). Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Manati.
82
9
Cognição e(m) Processos de Criação 83
Resumo
Este projeto partiu da ideia de dois docentes das áreas de improvisação e de percepção musical criando
juntos situações em que fluxos entre essas áreas pudessem ocorrer e se retroalimentar. Observando esses
fluxos intrínsecos entre a improvisação e a percepção, exploramos relações cognitivas externas e internas
em relação aos ambientes e à corporeidade presentes em nossas pesquisas para criar meios que favorecessem,
não só a autopercepção, mas também a interação com o outro através de materiais musicais. Em nosso
desejo de interação, marcado pelo período de isolamento gerado pela COVID-19, escolhemos a improvi‐
sação como forma de interação sonora, sendo que nossa questão central era como manter as relações que
considerávamos mais essenciais nessa prática, mesmo a distância. O suporte visual, que aqui chamamos de
interações vídeo-sonoras, fez com que surgisse uma necessidade natural do uso de elementos gestuais e
relativos à corporeidade dos instrumentistas. Utilizamos, também, outros materiais sonoros além de nossos
instrumentos, tais como a voz, a água, utensílios domésticos e elementos percussivos. A principal contri‐
buição deste projeto foi a criação de propostas de improvisação musical adaptadas à situação de isolamento
e distanciamento e com grande potencial de aplicação em situações pedagógicas. O formato virtual mos‐
trou alternativas que provavelmente não seriam exploradas pela via presencial, apontando para a possibili‐
dade de experimentos híbridos entre as vias presencial e virtual a partir da improvisação musical. O cami‐
nho que percorremos mostrou-se aberto, permeável e passível de continuidade.
Palavras-chave: Processos Criativos, Improvisação, Performance, Cognição Musical
Introdução
A prática da improvisação pressupõe uma abordagem específica com relação à cons‐
trução do conhecimento e ao agenciamento da performance. De um ponto de vista
abrangente, pode-se dizer que a improvisação se fundamenta em uma atitude radi‐
calmente construtivista, baseada na prática empírica, criativa e experimental – mui‐
tas vezes coletiva e interativa – e no pressuposto de que a criação musical envolve a
ação e o pensamento. Nesse sentido, a improvisação pode ser pensada em suas di‐
mensões perceptivas e cognitivas enquanto uma ferramenta para a construção do
conhecimento, da escuta e das habilidades que fundamentam e possibilitam a prática
musical. Num contexto que privilegia os fluxos de troca em ambientes diversos, o
desenvolvimento da percepção – que leva à ação e à reação em momentos de per‐
formance – pode ser integrado nos processos criativos como um elemento constitu‐
inte. Isso porque, a forma pela qual o sujeito constrói a sua percepção condiciona a
estruturação de seu pensamento musical. Assim, a percepção musical, vista como
parte do processo de cognição dentro de ambientes de performance, pode ser gra‐
dativamente configurada e se construir no contato efetivo do sujeito com o fazer
musical, seja este ouvir, tocar, criar ou interpretar. Sob esse ponto de vista, seja num
âmbito pedagógico ou de performance, a improvisação pode ser um meio privilegi‐
ado para promover esse tipo de estratégia, na medida em que se trata de uma prática
que se coloca em ação enquanto exercício criativo, o qual, por sua vez, pode ser
83
84 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
É importante enfatizar a questão corporal, uma vez que o que se torna signifi‐
cativo no corpo torna-se apreensão real, cognição, conceito construído, gerador de
novas configurações. Quando pensamos nessa questão dentro da improvisação mu‐
sical, o músico vai, aos poucos, se apoderando e desenvolvendo internamente as es‐
truturas necessárias para um desempenho criativo do pensamento musical. A prática
criativa da improvisação possibilita assim, não só uma “corporificação” dos idiomas
e sistemas – quando se improvisa dentro de ambientes idiomáticos –, mas, também,
um exercício que percorre, cada vez com maior habilidade, superfícies cada vez mais
extensas do pensamento e da cognição musical, num terreno que se desenha no pró‐
prio ato de improvisar. Depois dessas considerações, observando os fluxos intrínse‐
cos que sublinhamos entre a improvisação e a percepção, as relações cognitivas ex‐
ternas e internas em relação aos ambientes e a corporeidade presentes em nossas
pesquisas, pensamos em criar meios que favorecessem não só a autopercepção, mas
também a interação com o outro através de materiais musicais. Com tal finalidade,
nosso projeto partiu da ideia de dois docentes das áreas de improvisação e de percep‐
ção musical criando juntos situações em que esses fluxos pudessem ocorrer e se re‐
troalimentar a cada nova proposta.
Detalhamento e Metodologia
Foram criados 10 vídeos com três propostas distintas, desenvolvidas sempre a partir
da observação das propostas anteriores, conforme descrito a seguir:
Proposta 1
Na primeira proposta, gravamos improvisações musicais em resposta à improvi‐
sação inicial de um de nós. Começamos com uma proposta de improvisação para
saxofone e piano: de forma alternada, cada um de nós filmou uma performance de
improvisação livre e enviou para o outro. Este, por sua vez, filmou sua performance
interagindo com o vídeo recebido e editou a soma dos dois vídeos num vídeo só.
Aos poucos fomos incorporando outros elementos na proposta: cuidados com a di‐
mensão cênica, movimentos corporais, dança, o uso da voz e de outros instrumen‐
tos, mais camadas de vídeo etc. Foram 6 vídeos finalizados dessa forma, sendo 2
duos, 2 trios e 2 quartetos.
Figura 1
Vídeo 5 da primeira fase do projeto (Costa, Fridman, 2020).
Proposta 2
Depois de nossas primeiras experiências, decidimos modificar o projeto com uma
segunda proposta. Neste segundo momento, resolvemos incorporar estímulos
textuais para a improvisação na forma de versos e frases curtas onde estabelecemos
algumas temáticas/frases iniciais e improvisamos sem que nos ouvíssemos, juntando
o resultado em vídeo no final. Cada um de nós, filmou uma performance com uma
duração preestabelecida levando em conta somente os estímulos propostos, sem
interagir com o outro. A soma dos vídeos produzidos foi editada sem que houvesse
Cognição e(m) Processos de Criação 87
Proposta 3
No vídeo número 10 – que foi também um vídeo comemorativo de todo esse
período de trocas – surgiu uma terceira proposta. Nesta terceira e última proposta,
criamos uma trilha sonora a partir da improvisação e interação em várias fases, até
chegarmos a um resultado final. Depois desse resultado sonoro, elaborarmos um
vídeo a partir de imagens que fizeram parte do cotidiano de cada um de nós durante
o isolamento social, sendo nosso resultado sonoro a trilha para esse vídeo.
Figura 3
Dentro e Fora: Fluxos Poéticos de Isolamento
Vídeo 10 da terceira fase do projeto (Costa, Fridman, 2020)
Considerações finais
Durante o desenvolvimento deste projeto, lidamos com desafios constantes, como a
edição caseira de vídeos e áudios, aprendendo a utilizar programas como IMovie,
Final Cut, Reaper e WavePad, além da proposta de criar um meio virtual que possibi‐
litasse as trocas criativas entre nós. O suporte visual, que aqui chamamos por intera‐
ções vídeo-sonoras, fez com que surgisse uma necessidade natural do uso de ele‐
mentos gestuais e relativos à corporeidade dos instrumentistas, experimentando as
relações “com e sem corpo” (Iyer, 2016, p.74). Utilizamos outros materiais sonoros
além de nossos instrumentos, tais como a voz, a água, utensílios domésticos e ele‐
mentos percussivos. A principal contribuição deste projeto foi a criação de propostas
de improvisação musical adaptadas à situação de isolamento e distanciamento e com
grande potencial de aplicação em situações pedagógicas. O formato virtual mostrou
alternativas que provavelmente não seriam exploradas pela via presencial, apontando
para a possibilidade de experimentos híbridos entre as vias presencial e virtual a par‐
tir da improvisação musical. O caminho que percorremos mostrou-se aberto, per‐
meável e passível de continuidade. Os materiais que encontramos serão analisados
comparativamente com os ambientes presenciais para discutirmos futuros desdobra‐
mentos. A abordagem proposta aqui está também ligada à nossa preocupação em
pensar a música enquanto criação artística localizada histórica e geograficamente e
em pleno movimento. Nossa proposta, portanto, se baseia na ideia de que o apren‐
dizado e os contextos formativos da música não devem se ater unicamente aos as‐
pectos puramente técnicos ligados à reprodução dos repertórios consagrados, mas
que podem e devem enfatizar o desenvolvimento da criatividade, em nosso caso,
com propostas de criação à distância. Nesse contexto, consideramos que, para habi‐
litar o músico à prática musical, todas as atividades formativas e performativas deve‐
riam se propor como processos cognitivos que sejam resultado de uma relação ativa
do músico com a criação musical. Assim é que a improvisação pode ser considerada
como um recurso significativo, na medida em que pode ensejar, através da prática
empírica e experimental, uma configuração gradativa das operações e estruturas ce‐
Cognição e(m) Processos de Criação 89
rebrais que se interligam de maneira simultânea e que formam as bases para o funci‐
onamento, cada vez mais complexo, do pensamento musical, seja presencialmente
ou à distância.
Notas
1 “The body’s role, to the extent it has one, is that of a conduit for conveying lower-order
stimuli and auditory sense data to the brain, where the real work of music cognition
(transformation, processing, representation) is done.”
2 “Among other sensory input, it is through proprioceptive information that we humans
develop our sense of our bodies – body awareness – our physical sense of self.
Proprioception counsels the brain about whether it is strong or weak or tired, in pain, and
so forth, based on whether muscles and joints are extended or flexed, what our inner
organs are doing and much more.”
3 A esse respeito, pode-se dizer que “no ambiente da improvisação livre a música é sempre
ação. Isto porque ela se dá em um espaço relacional focado no processo e não na produção
de obras musicais, e o que importa é a preparação deste ambiente...” (Costa, 2020, p.310).
4 Vale mencionar que o conceito de Escuta Profunda (Deep Listening) é investigado e
aprofundado nas pesquisas da compositora, acordeonista e improvisadora estadunidense
Pauline Oliveros (2005).
5 Já dissemos em outra ocasião que “A questão do julgamento no contexto das práticas
interpretativas da tradição musical europeia “erudita” está geralmente ligada às ideias de
excelência e rigor técnico que estão a serviço da execução (reprodução) de um
determinado repertório produzido em tempo diferido e neste caso, há o certo e o errado,
parâmetros de julgamento etc. [...]. No lugar do certo e errado e dos julgamentos a partir
de repertórios de referência, há criação coletiva em tempo real movida por assimetrias e
diferenças de potencial. Há sim, discordâncias, conflitos e desentendimentos. Mas estes são
resolvidos dentro de uma dinâmica coletiva e de forma provisória” (idem, p. 313, 314).
Referências
Berkowitz, A. L. (2010). The Improvising Mind: Cognition and Creativity in the Musical
Moment. ReinoUnido: Oxford University Press.
Bhering, C. (2003). Repensando a percepção musical: umapropostaatravés da música
popular brasileira [Rethinking music perception: a proposal through popular Brazilian
music]. (Unpublished master dissertation). Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Brazil.
Brown, J. S., Collins, A., &Duguid, P. (1989). Situated Cognition and the Culture of Learning.
Educational Researcher, 18 (1), 32-42.
Costa,R., & Fridman, A. [rogériocosta,anafridman]. (2020). Experimentos de improvisação à
distância [Remote improvisation experiments].[video files]. Retrieved from https://
www.youtube.com/playlist?list=PLfy9Zsv_zFnysNBwwxlZUTcIOwLOeD7iY
Costa, R., Iazzetta, F., & Villavicêncio, C. (2013).Fundamentostécnicos e conceituais da
livreimprovisação [Technical concepts and fundamentals of free improvisation]. In D.
Keller, D. Quaranta, D., &Sigal, R. (Eds.). Special Volume Sonic Ideas: Musical
Creativity,10. Morelia: Michoacán.
Costa, R. (2020).OrquestraErrante: umaprática musical entranhadanavida [Errant
Orchestra: a musical practice ingrained in life]. In F. Iazzetta (Ed.).RevistaMúsica, 20
(1), pp. 309-328. São Paulo: USP.
Dean, R. T., & Freya, B. (2016). Cognitive Processes in Musical Improvisation. In E.L.
George, & B. Piekut(Eds.). The Oxford Handbook of Critical Improvisation Studies, 1,
pp. 39–55. Oxford: Oxford University Press.
90 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
90
10
Cognição e(m) Processos de Criação 91
Resumo
O espaço ambiofônico é um tipo de ambiente de escuta completamente imersivo e difuso (Vande Gorne,
2002). Nessa espécie de espaço, o ouvinte não consegue localizar ou identificar as fontes sonoras, o que
proporciona uma percepção amalgamada dos eventos sonoros que o rodeiam. Ao conceber uma ambiofo‐
nia, o compositor deve oferecer um espaço no qual a atenção não é guiada por sons isolados ou destacados,
mas concentrada em uma observação mais global do todo que o envolve (Lotis, 2003). A composição com
enfoque em massas texturais apresenta uma forte tendência a criar espaços ambiofônicos de escuta devido
ao aspecto homogêneo de temporalidade e da distribuição espacial do espectro de frequências. Na peça
acusmática Circuitos Difusos, a ambiofonia especial foi criada a partir de sinais elétricos retroalimentados
(feedbacks), que, por sua natureza ressonante e circular, apresentam uma morfologia espectral consoante
com esse tipo espacial. A peça propõe, a partir da sobreposição de camadas de eventos ressonantes, a criação
de uma massa sonora que se transforma por variações microestruturais de densidade textural. A partir disso,
podemos analisar a relação estreita entre a natureza morfológica do material sonoro, o processo de estrutu‐
ração composicional e o tipo de espacialização projetado para a peça em questão.
Palavras-chave: Espaço ambiofônico, acusmatismo, percepção espacial, textura
Introdução
No âmbito da cognição musical, percebemos a distinção entre diferentes vozes de
uma polifonia baseados em sua distribuição no espectro harmônico e no espaçamen‐
to temporal entre cada evento. No século XX, compositores como Gÿorgy Ligeti,
Krzysztof Penderecki e Iannis Xenakis desenvolveram a chamada música de massas
sonoras, compondo a partir da imbricação de uma complexa polifonia com micro‐
defasagens harmônicas e temporais, criando uma estética composicional com ênfase
na densidade textural. Ligeti denominou micropolifonia o processo de sequencia‐
mento de um grande número de eventos rítmicos curtos que formam uma complexa
polifonia, na qual cada voz se funde sintetizando uma única massa densa, que pro‐
porciona a percepção de um timbre em movimento. Em suas palavras, "o tecido atinge
tal densidade que as vozes não são mais perceptíveis em sua individualidade e se
pode apreender apenas como um todo, em um nível mais elevado de percepção"
(Ligeti, 2010, p.185).
Denis Smalley (1997) introduziu o conceito de textura espacial no campo da
composição eletroacústica para descrever as formações temporais do espaço em um
processo espectromorfológico. A textura espacial surge devido à coexistência de vá‐
rios processos temporalmente distintos, contínuos e espacialmente distribuídos. A
coesão da textura espacial resulta das proximidades e semelhanças entre os seus ele‐
mentos em termos de espectro, morfologia e propagação temporal. Mas, simultane‐
amente, a complexidade espacial de tal textura depende das microvariações espec‐
trais e temporais projetadas.
Essa concepção de eventos contínuos ou iterativos sobrepostos que se fundem
criando a percepção de uma amálgama sonora remete à primeira espécie de espaço
apresentada por Annette Vande Gorne (2002): o espaço ambiofônico. Nesse tipo de
91
92 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Finalmente, textura espacial será, aqui, definida como uma condição em que a
matéria sonora cobre uma área no espaço, se apresentando coesa como textura, ou
onde eventos sucessivos têm propriedades perspectivas ou espectrais diferentes ou
alteradas, de modo que uma região de espacialidade é criada. Assim, múltiplos fluxos
similares e simultâneos de atividades texturais, em diferentes locais ou estratos espec‐
trais, podem se combinar para criar uma única textura espacial global.
Figura 1
Linha do tempo de montagem da peça Circuitos Difusos.
Conclusão
A ambiofonia é um tipo espacial conectado fortemente à ideia de acusmatismo. Ao
retirar as pistas quanto às fontes sonoras, o compositor desafia o ouvinte a recriar, se
não uma causa aparente, pelo menos uma remota imagem associativa. Partindo de
uma fonte com características indiciais limitadas (feedbacks), pode-se estimular uma
espécie de percepção mais arquetípica, propiciando imagens mentais com maior en‐
foque nas morfologias internas do material sonoro do que na indicialidade das fontes
geradoras. A coesão da textura espacial resulta das proximidades e semelhanças entre
os seus elementos em termos de espectro e morfologia (Nyström, 2017). A escuta
oscila entre a percepção gestáltica da massa de ressonâncias e as transformações mi‐
croestruturais dentro do espectro harmônico.
A estratégia composicional de usar uma única fonte sonora com características
texturais similares permitiu sobreposições dos materiais composicionais, de forma
que não criassem contrastes, mas sim que se fundissem, propiciando um ambiente
difuso e global de escuta, típico de um espaço ambiofônico. Ao focar na textura e
96 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Nota
1 If gestures are weak, if they become too stretched out on a human scale and events on a
more worldly, environmental scale. At the same time there is a change of listening focus the
slower the directed, gestural impetus, the more the ear seeks to concentrate on inner details
(insofar as they exist). A music which is primarily textural, then, concentrates on internal
activity at the expense of forward impetus.
Referências
Hagan, K. L. (2017). Textural Composition: Aesthetics, Techniques, and Spatialization for
High-Density Loudspeaker Arrays. Computer Music Journal 41(1): 34–45.
Holmes, T. (2016). Electronic and Experimental Music: Technology, Music, and Culture,
5th Edition, Routledge.
Kupper, L. (1998). Space perception in the computer age.LIEN,L'Espace du Son, vol.I, pp.
60, 1998.
Ligeti, G. (2010). Neufessaissur la musique.Genebra: ÉditionsContrechamps.
Lotis, T. (2003). The creation and projection of ambiophonic and geometrical sonic spaces
with reference to Denis Smalley’s Base Metals. OrganisedSound, Volume 8, Issue 3,
pp. 257-267.
Nyström, E. (2011).Textons and the Propagation of Space in Acousmatic Music.
Organised Sound, Volume 16, Issue 1, April 2011, p. 14-26.
Nyström, E. (2017). Morphology of the Amorphous: Spatial texture, motion and words.
Organised Sound, Volume 22, Special Issue 3. December, 2017, pp. 336-344.
Smalley, D. (2007). Space-form and the acousmatic image.Organised Sound, Vol. 12, Issue
1, pp 35-58.
Smalley, D. (1997). Spectromorphology: Explaining Sound Shapes. Organised Sound 2,
(2): 107–26.
Vande Gorne, A. (2002). L’interprétationspatiale. Essai de formalisationméthodologique.
RevueDEMéter. Université de Lille-3.
Vande Gorne, A. (2018). Treatise on Writing Acousmatic Music on Fixed Media.Volume
9-2018 of Musiques&Recdherches.
96
11
Cognição e(m) Processos de Criação 97
Resumo
Segundo Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e o linguista Roman Jakobson (1896-1982), uma única língua
pode comportar várias estruturas fonológicas diferentes, cada uma delas contendo uma operação gramatical
à maneira de uma “metaestrutura”. Porém como estas são demasiadamente complexas para que sejam re‐
constituídas com métodos empíricos de observação, a Teoria Linguística, elaborada por Noam Chomsky,
estabeleceu a noção de recursividade como ferramenta para reduzir a complexidade. A recursividade sin‐
tática é o elemento central, na teoria proposta por Chomsky, através do qual se faz possível encaixar sintag‐
mas dentro de sintagmas. Valendo-se da concepção estrutural paradigmática, constata-se que, a partir do
modelo linguístico, é possível inferir uma estrutura que permite a permutação entre seus elementos. Essa
mesma leitura permitiu a Lévi-Strauss desenvolver o seu estruturalismo e o conceito de bricolage. No âmbito
da música, recentes estudos, a serem discutidos apropriadamente, demonstram que a bricolage tem a potên‐
cia de operar como princípio estruturante de linguagem musical. Através de exemplos composicionais,
pontuados ao longo do texto, será discutido o uso de estruturas baseadas em bricolage na criação musical,
bem como a sua relação com a linguagem. O escopo do presente trabalho é apresentar a possibilidade do
processo de bricolage, a partir de Lévi-Strauss, para se pensar uma composição musical como uma lingua‐
gem que opera através de conexões não lineares. Nesse tipo de conectividade, os elementos podem ser
permutados ao longo da flecha do tempo, à maneira de realimentação, de modo a gerar novas conexões.
Palavras-chave: Bricolage, linguagem, criação, estrutura, recursividade linguística
Introdução
Ao longo de décadas a fio, existe uma controvérsia acerca do fato de a música ser ou
não uma linguagem. À parte dessa questão, por considerar que sua resposta depende
sobremaneira do que se entende por linguagem, retomo a asserção que apresentei
anos atrás – ainda na minha dissertação de mestrado: música (nem sempre) é uma
linguagem. Em concordância com essa proposição, o paleontólogo e professor na
área de arqueologia cognitiva da Universidade de Reading, Steve Mithen, afirma
que “música e linguagem possuem a mesma origem” (2006, p.x). Essa afinidade per‐
mite permanecer na mesma linha de raciocínio que os linguistas, acerca da lingua‐
gem, visto que a música possui uma estrutura. É precisamente nessa senda que este
trabalho se propõe a caminhar, de tal sorte que não se propõe a tratar da função da
linguagem voltada às relações significante/significado. Dentre das funções da lin‐
guagem, em que se pode pensar a presente proposta de investigação, destaca-se a
metalinguagem.
Metalinguagem é, por vezes, um termo mal-usado quando entendida como
sendo um texto que fala de outro. A bem da verdade, a metalinguagem trabalha no
nível do código, isto é, referente à construção das estruturas. Como nos casos que
estudam estruturas de fonemas, as quais, conectadas, perfazem operações gramati‐
cais. Ao observar essa prerrogativa, Claude Lévi-Strauss pensou toda uma teoria
analítica, que recebeu o nome de estruturalismo. Nele, em alternativa à lógica abs‐
trata da ciência europeia, o referido antropólogo propõe uma ciência do concreto.
Trata-se de um tipo de raciocínio baseado na observação do mundo concreto, que
opera por analogia.
97
98 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
De fato, linguagem, mito, e música estão intimamente ligados por seu sentido
estrutural. E, ao insinuar que a música redescobre estruturas que já existem no nível
mitológico, Lévi-Strauss não somente conjectura a dimensão mítica da música, mas
também prenuncia a similitude entre o nível mitológico e a criação musical.
Recursividade
Antes de avançar na investigação sobre a linguagem e a música à luz da bricolage, é
necessário tratar da questão da recursividade; uma vez que esta constitui a operação
basilar para que se possa equiparar a estrutura gramatical, mitológica e musical.
Recursividade é um conceito que tem origem na matemática, nos cálculos em
que o algoritmo envolve uma determinada operação e o resultado anterior; como
nos fatoriais. Por exemplo, 5! (leia-se cinco fatorial) é obtido através da multiplica‐
ção sucessiva de todos os termos, nesse caso específico: 5 vezes 4 vezes 3 vezes 2
vezes 1; o que totaliza 120. Portanto, o fenômeno da recursividade está na proprie‐
dade de realizar a mesma operação, a multiplicação, com diferentes multiplicadores
sobre o valor anteriormente obtido.
Na linguística, essa mesma ideia foi utilizada por Chomsky para demonstrar que
frases são encaixadas dentro de frases, de modo que essas podem se referir a elemen‐
tos anteriores em uma estrutura. Tome-se o exemplo do poema Quadrilha, de Car‐
los Drummond de Andrade (1930, p.17):
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Cognição e(m) Processos de Criação 99
Estruturalismo e Bricolage
O antropólogo Claude Lévi-Strauss, em sua obra Antropologia Estrutural (1959), lan‐
ça a base de uma nova metodologia derivada da linguística e afirma que “a fonologia
desempenha, em relação às ciências sociais, o papel renovador que a física nuclear,
por exemplo, desempenhou para com o conjunto das ciências exatas” (p.43). Essa
asserção demonstra a importância do estudo dos sons, antes mesmo das classes das
palavras, visto que o caráter sônico é precedente. Sem, contudo, “esquecer a profun‐
díssima diferença existente entre o quadro dos fonemas de uma língua e os termos
de parentesco de uma sociedade” (idem, p.49), Lévi-Strauss observa que é possível
partir desse ponto para estudar as relações de parentesco– seu objeto de pesquisa
àquela época. A partir da linguística, portanto, é possível conceber uma organização
social, ou ainda, elaborar a rede de uma estrutura de parentesco. Entretanto, ao de‐
ter-se mais profundamente na mitologia dos grupos sociais que estudava, Lévi-
Strauss percebeu que existem outras formas de pensamento além da lógica que nor‐
teava o seu sistema estrutural. Foi quando lhe ocorreu a ideia de “ciência do concre‐
to”, que opera por analogia. Em Pensamento Selvagem, Lévi-Strauss apresenta o seu
conceito de Bricolage, que parte da necessidade de compreender os mitos e os ritos
no contexto das suas sociedades de origem de uma maneira diversa daquela que
propõe a ciência moderna; que a antropologia, então, constata não ser a única viável.
Dessa forma, tendo partido da linguística, agora, o estruturalismo desenvolve uma
metodologia particular, mais próxima de um mosaico, ou caleidoscópio. Portanto,
opera através de fragmentos de eventos anteriores e outros que surgem em conse‐
quência de rupturas. Dessa maneira, Lévi-Strauss procura entender o funcionamen‐
to de uma determinada sociedade, não através da lógica, mas através dos mitos pró‐
prios dessa sociedade.
Ainda, dois aspectos basilares são necessários para se compreender uma estrutu‐
ra: sincrônico e diacrônico, dois eixos que consideram a relação temporal.
100 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Tabela 1
Análise paradigmática aplicada a uma frase.
Tempo e linearidade
Qual tempo não é linear? Esse tipo de “pergunta retórica” quase sempre enseja algu‐
ma resposta capaz de ser refutada. Mas, no caso, tem por objetivo esclarecer que o
tempo linear é também denominado como cronológico. Aquele que é fisicamente
descrito em relação ao deslocamento no espaço, o qual é grosso modo medido pelos
relógios. Não obstante, existem outras acepções de tempo, dentre elas: o tempo mu‐
sical. Este não necessariamente é linear. Em Bach, por exemplo, todo o desenvolvi‐
mento motívico ocorre seguindo a seta temporal (figura 1). Mesmo nos casos em
que ocorrem cânones por movimento retrógrado, estes ainda são orientados por
uma lógica ab initio ad finem¹, isto é, seguem uma ordem de eventos encadeados uns
aos outros cronologicamente.
Figura 1
Bach, Courente da Partita para violino BWV1002.
Muito embora os elementos sejam replicados na linha do tempo, eles não são
permutáveis. Deve-se ter em mente que não existe apenas uma única concepção de
agenciamento do tempo, e mesmo a sua aplicação prática pressupõe mais de um tipo
de engendramento – muito embora o relógio opere sempre numa única direção, e,
irreversivelmente. De tal sorte que a sequência dos eventos, quando opera em tempo
real, é irreversível; o que não significa que o tempo musical siga necessariamente o
mesmo princípio.
Muito geralmente, os eventos que constituem o curso temporal podem
ser dialeticamente agenciados ou não, e podem funcionar ou não com
base no princípio da repetição (os diferentes graus de identidade deter‐
minam então os limiares da memória). (Decarsin, 2001, p.76)
tempo cheio” (idem) capaz de explicar a descontinuidade, visto que “o tempo é con‐
tínuo como possibilidade, como nada. Ele é descontínuo como ser” (Bachelard,
apud Decarsin, 2001, p.76).
Valendo-se dessa prerrogativa, é possível constatar que, tal como a bricolage, esse
tipo de agenciamento diz respeito ao aspecto sincrônico da estrutura. Exemplos de
descontinuidade abundam ao longo do século XX, casos clássicos, como em Stra‐
vinsky – A Sagração da Primavera; ou Makrokosmos, de George Crumb. Reservarei
espaço para exemplos mais específicos adiante. Para o momento, deve restar claro que
a continuidade, no tempo musical, opera indo e voltando ao longo diacrônico. Isto
é, os elementos justapostos não estão necessariamente conectados de maneira a cons‐
tituir uma lógica consequente; tal é a natureza do estruturalismo proposto por Lévi-
Strauss. No entanto, a recursividade permite evocar cada um desses elementos dentro
da estrutura, de modo a criar uma nova ordem diacrônica. Esse tipo de construção –
dialética em essência – “permite pensar nas categorias de tensão e relaxamento de
acordo com diferentes graus de atuação”³ (Decarsin, 2001, p.77, tradução minha).
Nicholas Ruwet (1932-2001) desenvolveu um método analítico aplicado à
música conhecido como análise paradigmática, que é muito usado para estudar
músicas de origem não europeia, mas que funciona para qualquer tipo de conteúdo
musical. A figura 2 ilustra a decomposição dos elementos da figura 1 paradigmatica‐
mente, de modo que, em cada uma das três colunas, foi separado um tipo de mate‐
rial. Observe-se que, no caso do pensamento composicional de J. S. Bach, nenhum
desses materiais pode ser substituído livremente, devido ao conceito de linearidade
temporal do referido compositor.
Figura 2
Análise paradigmática do exemplo na figura 1.
Por outro lado, em muitos exemplos de Stravinsky, existe uma total equivalên‐
cia entre os elementos, algo já muito próximo à bricolage (figura 3).
Ao analisar o trecho em ostinato, criado por Stravinsky, pode-se constatar como
os grupos de quatro semicolcheias são totalmente permutáveis. Ao contrário de
Bach, não existe um senso de linearidade temporal entre um elemento e outro, aqui,
tudo se equivale, não apenas como paradigma, mas também como sintagma.
A recursividade, nesse caso, está na reiteração de cada grupo, de tal maneira, que
a concatenação entre eles é uma operação circular – à maneira de um loop. A cada
iteração, uma nova frase é formada, mas essa frase não depende da linearidade do
tempo, uma vez que a operação de justapor um grupo ao outro não implica, abso‐
lutamente, em antes ou depois. Todos se equivalem, e podem ser permutados sem
qualquer relação de consequência com o precedente. Ao contrário, a formação de
frases, através do processo de repetição, é de natureza linear – uma vez que acontece
uma após a outra, e é percebida como tal.
mítico, deveríamos encontrar algumas delas na música, como Chomsky pensa que
encontramos na linguagem”⁴ (Mâche, 1983, p.47, tradução minha). E, de fato, estão
presentes, pois a recursividade é comum a todos. Motivo pelo qual é viável o paralelo
entre estruturas musicais e mitológicas na criação.
Tabela 3
Análise paradigmática de um mito.
Tabela 4
Análise paradigmática de Fragmento Imaginário nº5.
104 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Conclusão
A aproximação entre música e linguagem é, de fato, bastante reconhecida, tanto
quanto a abordagem linguística, que se desenvolveu muito no século XX. Porém, a
aproximação com as metodologias de investigação da antropologia tem permitido
alçar maiores voos no campo da criação musical. As consagradas teorias de Chomsky
e de Lévi-Strauss revelam-se de renovado interesse quando aplicadas à composição
musical. Através das análises e exemplos apresentados ao longo deste texto, revelou-
se que a música partilha de um sistema comparável ao das ciências que se valem do
léxico fonético. Da recursividade, como mecanismo que explica o encaixe e
equivalência dos elementos da linguagem, até a reconstrução e transformação desses
através de estruturas, a música redescobre paradigmas.
As aplicações da bricolage na criação musical são muito diversas, sendo que as
aqui demonstradas são apenas um exemplo. Destaca-se, entretanto, que não se
devem tomar as teorias pela prática composicional.
Notas
1 Expressão clássica latina para “do início ao fim”.
2 O “tempo vazio” não é de fato “vazio”, mas apenas a projeção do silêncio, e possui níveis
de gradação, os quais Decarsin denomina como intensidade.
3 permet de penser les catégories de tension et de détente selon différents degrés d'activité
(Decarsin, 2001, p.77).
4 “Se, além da diversidade dos discursos mitológicos, existem constantes naturais do
pensamento mítico, deveríamos encontrar algumas delas na música, como Chomsky pensa
que encontramos na linguagem” (Mâche, 1983, p.47, tradução minha).
Cognição e(m) Processos de Criação 105
5 A partir deste ponto, o mito, enquanto narrativa, já não significa mais nada.
6 The actual composition process may itself be considered mythical, since, as in the case of
myth, it is founded on consistent confrontation, references and the transformation of other
musical structures - either the composer's own or those taken from past and present music
(Kozel, 2015, p.76).
Referências
Bach, J. S. (1879). 6 Sonaten und Partite für Partit violine, Leipzig: Breitkopt Härtel.
Behr, Y. (2019). Modelização e pensée sauvage na prática composicional. (Tese de
doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Behr, Y. (2018). Reflexo em cinza e ouro (partitura não publicada)
Decarsin, F. (2001). Inventions rythmiques et écriture du temps dans les musiques après
1945. In F. Lévi (org.), Les écritures du temps (pp. 61-88). Paris: L’Harmattan.
Drummond de Andrade, C., (1930). Alguma poesia. New York: Oxford University Press.
Gonçalvez, A., (2015). Bricolagem e processo de invenção literária: o signo na relutância
icônico/verbal. Revista Texto Poético Vol. 18, p.143.
Hauser, M., Chomsky, N., & Fitch, T. (2002). The Faculty of Language: What Is It, Who
HasIt, and How Did It Evolve?SCIENCE V.29822NOVEMBER, 2002disponível em
www.sciencemag.org acessado em 12/02/2020
Kozel, D. (2018). Collage as the Principle of Mythological Thinking and Postmodern
Music. Etnologicky ústav, nº52. Praga.
Kozel, D. (2015). A Musical Analysis of Mythical Thought in the Work of Claude Lévi-
Strauss. Journal Musicologica olomucensia, nº22 Praga.
Lévi-Strauss, C. (2017). Antropologia estrutural.São Paulo,UBU.
Lévi-Strauss, C. (2017). La pensée sauvage. Paris,Plon.
Lévi-Strauss, C. (1978). Mito e significado. Lisboa,Edições 70.
Mâche, F. (1983). Musique, mythe, nature. Paris, Klincksieck.
Mithen, S. (2006). The singing Neanderthal. Cambridge: Harvard University Press.
Stravinsky, I. (1989). A Sagração da primavera. New York, Dover.
106
12
Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
O ENGAJAMENTO MUSICAL
SIGNIFICATIVO DE UM COMPOSITOR EM
DOIS MOMENTOS DE SUA CARREIRA: UM
ESTUDO DE CASO
Danilo Ramos¹, Nicolas Garcia²
¹²Departamento de Artes - Universidade Federal do Paraná, Brasil
¹[email protected], [email protected]
Resumo
O engajamento significativo é uma ferramenta conceitual criada para examinar e categorizar práticas cria‐
tivas. Em música, ele representa a imersão no processo criativo, ou seja, um modo de trabalho mais refinado
e consciente de criação de novos materiais musicais, que pode resultar em um aumento na intuição e no
contato com o conhecimento implícito adquirido pelo compositor. O objetivo dessa pesquisa é investigar
o engajamento musical significativo de um compositor residente na cidade de Curitiba em dois momentos
de sua carreira, a partir da matriz proposta por Brown e Dillon. Uma entrevista semiestruturada foi realiza‐
da com o referido compositor, seguida da aplicação de um questionário. As perguntas investigaram o seu
engajamento musical referente à produção de dois álbuns: um gravado em 2015, outro gravado em 2019.
Os dados foram analisados por meio da análise temática teórica proposta por Braun e Clarke. Os resultados
indicaram: (a) mudanças na configuração dos modos de engajamento percorridos pelo compositor durante
o processo composicional de ambos os álbuns; (b) mudanças na estética musical do compositor, que acom‐
panharam as mudanças em seus modos de engajamento; (c) alterações em seus objetivos composicionais,
que mudaram a sua própria estética musical de um álbum para outro. Conclui-se que as mudanças em
objetivos composicionais e, consequentemente, nos modos de engajamento percorridos pelo compositor
resultaram em maneiras diferentes encontradas pelo compositor (ainda conscientemente) para expressar
suas emoções em suas obras.
Palavras-chave: Criação musical, engajamento musical significativo, música, emoção
Introdução
Quando um compositor experimenta o processo de criação de uma nova obra mu‐
sical, ele faz uma série de escolhas, conscientes e inconscientes, a respeito da escolha
do material musical a ser trabalhado, bem como de sua organização (Wiggins,
2012). Analisar esse processo de escolha traz uma perspectiva que, por meio da ana‐
lise musical, revela elementos tangenciais do processo composicional (Schoenberg,
1984). Na presente pesquisa, o processo composicional será analisado a partir da
perspectiva das ações que permitem o compositor se engajar com o material musical.
Trata-se do engajamento musical significativo, definido por Brown e Dillon (2012)
como uma ferramenta conceitual para analisar e categorizar práticas criativas. No
contexto da composição musical, ele representa a imersão do sujeito no processo
criativo, isto é, um modo de trabalho mais refinado e consciente de criação de novos
materiais musicais que pode resultar em um aumento na intuição e no contato com
o conhecimento adquirido pelo compositor. O estudo do processo criativo de um
compositor, a partir dessa perspectiva, permite relacionar mudanças estéticas e de
objetivos composicionais com o modo pelo qual ele se relaciona com a música.
Este artigo traz os resultados da primeira etapa de uma pesquisa mais abrangen‐
te. Nela, a relação de um compositor com o seu processo criativo, bem como as
ações que derivam significado da sua prática, foram investigadas por meio de uma
entrevista semiestruturada, seguida por um questionário. Os resultados encontrados
integram a segunda parte da pesquisa, na qual respostas emocionais de um grupo de
106
Cognição e(m) Processos de Criação 107
107
108 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Tabela 1
Matriz do engajamento significativo proposta por Brown e Dillon (2012). Adaptada de
Brown, A., & Dillon, S. (2012). Meaningful engagement with music. In: D. Collins (Ed.).
The act of musical composition: studies in the creative process. (pp. 79-109). Farnham: Ashgate.
Metodologia
A metodologia escolhida para esta pesquisa foi o estudo de caso, que, segundo Yin
(2001, p. 32), é “uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo den‐
tro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno
e o contexto não estão claramente definidos”. Esta pesquisa envolve um estudo de
caso a partir de uma metodologia mista, que, segundo Creswell (2008) contempla
tanto perguntas abertas (nível qualitativo), quanto perguntas objetivas (nível quan‐
titativo), de modo que ambos os pacotes de dados sejam analisados e conectados.
Segundo o autor, a mistura entre as duas abordagens busca apresentar um panorama
mais completo do fenômeno estudado. O objetivo deste trabalho foi o de com‐
preender os modos de engajamento significativo de um compositor residente na ci‐
dade de Curitiba em dois momentos de sua carreira musical.
Participante
O compositor é graduado em produção sonora pela Universidade Federal do Para‐
ná, com mestrado em etnomusicologia pela mesma universidade. Trata-se de um
multi-instrumentista que gravou três discos solo independentes: Ah não ser eu toda
a gente e toda a parte! (2015), Vital (2018) e 80 (2019). O primeiro disco busca retratar
paisagens sonoras de Curitiba junto com ritmos brasileiros, incorporando, princi‐
palmente, a sonoridade do violão de sete cordas em músicas instrumentais. O segun‐
do disco traz, sobretudo, canções em que elementos eletrônicos são nelas incorpora‐
dos. O terceiro disco traz uma obra resultante de um período em que o compositor
morou em Los Angeles e se aproximou do pop /hip-hop /lo-fi, de tal modo a fazer
uso de beats e sample.
Tabela 2
Roteiro de entrevista semiestruturada empregado no presente estudo.
Materiais
O compositor respondeu uma entrevista semiestruturada sobre seu engajamento
durante a produção de dois de seus discos: o primeiro, gravado em 2015 e o último,
gravado em 2019. O roteiro da entrevista encontra-se na tabela 2.
110 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Procedimentos
O participante preencheu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido referente
ao Comitê de Ética e Pesquisa da UFPR. Em seguida, o compositor concedeu a en‐
trevista, que foi feita em duas partes iguais, cada uma em referência a um álbum
diferente. Ela ocorreu da mesma forma para os dois álbuns: primeiramente, foram
apresentadas as perguntas do roteiro e em seguida, as perguntas do questionário. Ela
foi feita e gravada pelo aplicativo de videoconferência Zoom e, posteriormente,
transcrita com o uso do software Microsoft Word.
Análise de dados
A entrevista foi analisada por meio da análise temática teórica proposta por Braune
Clarke (2006) e Boyatzis (1998). Esse tipo de análise é organizado em seis etapas:
familiarização com os dados, codificação inicial, busca por temas, revisão dos temas,
definição e nomeação dos temas e a produção do relatório. Nesta pesquisa, a análise
temática teórica possibilitou a associação do processo criativo do compositor com a
matriz do engajamento significativo. Essa técnica de análise necessita, obrigatoria‐
mente, contemplar a preexistência de temas a serem observados no material coleta‐
do. No caso do presente estudo, esses temas já foram nomeados e consistem nos pró‐
prios modos de engajamento significativo.
Cognição e(m) Processos de Criação 111
Análise da entrevista
A tabela 4 traz as respostas do compositor ao questionário da entrevista sobre os dois
álbuns analisados – o de 2015 e o de 2019.
Tabela 4
Respostas do compositor ao questionário da entrevista sobre os dois momentos
da sua carreira.
imaginava isso”. Ele ainda complementa a afirmação acima alegando não querer se
fechar em uma única maneira de pensar a música: “mas hoje o estado atual que eu
tô pensando tem muito a ver com uma música gostosa de sentir, principalmente que
dê pra se sentir bem.”
O próximo modo de engajamento contemplado foi o incorporar. A mudança nas
ferramentas utilizadas pelo compositor causou uma diferença importante nesse
modo. No álbum de 2015, ele criava dentro do contexto do violão brasileiro, um
gênero mais específico de música, no qual ele seguia algumas convenções. Ele des‐
creve: “no primeiro momento, meus objetivos dentro da composição eram princi‐
palmente pensando em choro eu acho, pensando nessas formulinhas, cem por cento
isso, era só isso”. Assim, os elementos incorporados em sua prática nesse momento
de sua carreira estavam relacionados ao seu instrumento. Ele completa: “eu ouvia um
mundinho muito menor assim e eu achava que eu tava numa caixinha pequena do
violão, talvez violão brasileiro, e eu ia me esforçar pra ir bem nessa caixinha, assim”.
A mudança que ocorreu no segundo momento de sua carreira parece estar relacio‐
nada a uma mudança na forma com que ele encarava a sua própria identidade àquela
época: “A gente se conhecer, que é pensar em se aceitar, eu ouvia isso mesmo, eu
nascia na época tal e a minha cabeça sabe a letra de todos os pagodes anos 90 e os
hardcore e emocore.” O compositor ainda complementa: “Hoje eu já penso em ques‐
tão de identidade, em questão de representar outras pessoas que, parece, viveram
algo parecido. Então já começo a me aceitar melhor e já começo a mexer com coisas
pop, porque antigamente a cabeça encheu de coisa pop”.
O último modo de engajamento abordado na entrevista foi o modo explorar.
Como visto na resposta ao questionário, o compositor sempre percorre esse modo,
mesmo que de maneiras diferentes. Ele demonstrou, na entrevista, uma forte neces‐
sidade de encontrar novas ideias e novos jeitos de tocar. Porém, em relação ao álbum
de 2015, ele descreve: “tinha umas ideias muito fixas, referências fixas, mas ao mes‐
mo tempo cada música eu queria ir pra outro lugar assim, mas não era pra um lugar
tão longe uma da outra”. Apesar de trabalhar, no contexto, violão brasileiro nessa
época – que pode ser mais restrito pelas convenções que o compositor seguia – ele
demonstra um contínuo interesse em explorar novos elementos estéticos durante a
sua prática musical. No momento atual da sua carreira, entretanto, essa exploração
envolve diferentes elementos. Assim, ele descreve que a improvisação no ambiente
digital pode ser simplesmente apertar um botão errado. Pode-se afirmar, portanto,
que a exploração de novos materiais musicais se manteve como um marco de inte‐
resse do compositor ao longo de sua carreira.
Por fim, ele concluiu a entrevista ao descrever a direção presente em seu álbum
mais recente: “antes tinha um pedaço de querer fazer música por música, só porque
isso aqui pode ser legal, mas acho que fica mais legal pra quem tá tocando e tem que
ficar legal pra quem escuta a música”. Essa mudança faz referência ao que foi descrito
no modo de engajamento apreciar: há uma alteração em seu entendimento a respeito
do que faz com que o seu ouvinte se conecte com a sua música. No álbum de 2015,
ele tentava engajar o ouvinte pela complexidade, qualidade da forma e desenvolvi‐
mento estrutural da música. Segundo ele, por estar trabalhando com música instru‐
mental, as suas ideias musicais seriam mais facilmente compreendidas. No álbum de
2019, em contrapartida, ele se apoia na letra, elementos rítmicos dançáveis e na in‐
corporação de outras estéticas musicais.
As mudanças presentes no entendimento do compositor em relação aos ouvin‐
tes podem indicar uma compreensão, mesmo que inconsciente, a respeito de como
Cognição e(m) Processos de Criação 113
Conclusão
As principais conclusões que podem ser retiradas das reflexões oriundas deste estudo
são:
(1) O uso da matriz proposta por Brown e Dillon (2012) foi eficaz para investi‐
gar o engajamento significativo do compositor em dois momentos de sua car‐
reira;
(2) Foi possível perceber que ocorreram mudanças na configuração dos modos
de engajamento percorridos pelo compositor, principalmente em função da es‐
tética musical escolhida por ele. Porém, algumas características de seu processo
composicional se mantiveram através dos anos, mesmo que em ambientes e
configurações diferentes. Essa constância do processo composicional esteve
atrelada ao seu estilo, sua musicalidade e suas motivações pessoais;
(3) O compositor percorreu todos os modos de engajamento durante o processo
composicional dos dois álbuns analisados. Mesmo com as mudanças presentes
de um disco para o outro, ele se manteve engajado nos dois momentos;
(4) Os resultados desse estudo permitem o desenvolvimento da segunda etapa
da pesquisa: a realização de um experimento com o intuito de mensurar respos‐
tas emocionais de ouvintes sobre músicas retiradas dos dois álbuns, desse com‐
positor, aqui analisados.
Referências
Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research
in Psychology, 3(2), 77–101.
Boyatzis, R. (1998). Transforming qualitative information: Thematic analysis and code
development. Thousand Oaks: Sage.
Brown, A. (2001). Modes of Compositional Engagement. Mikropolyphonie, 2012, 1-10.
Brown, A., & Dillon, S. (2012). Meaningful engagement with music. In: D. Collins (Ed.). The
act of musical composition: studies in the creative process. (pp. 79-109). Farnham: Ashgate.
Creswell, J. W. (2008). Educational research: Planning, conducting, and evaluating
quantitative and qualitative research. Upper Saddle River: Pearson Education.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: the psychology of optimal experience. London: Harper & Row.
Dillon, S. (2007). Music, meaning and transformation. Cambridge Scholars Publishing.
Juslin, P. (2019). Musical Emotions Explained. Oxford: Oxford.
Schoenberg, A. (1984). New music, outmoded music, style and idea. In: STEIN, L. (Ed.).
Style and idea. 113-123. Londrês: Faber and Faber.
Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.
Wiggins, G. (2012). Defining inspiration? Modelling the non-conscious creative process.
In: Collins, D. (Ed.). The act of musical composition: studies in the creative process. (233-
254). Farnham: Ashgate.
13
114 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
INTERTEXTUALIDADE E TÓPICAS NO 1º
MOVIMENTO DO QUARTETO DE CORDAS
OP.13 N.2 DE FELIX MENDELSSOHN
Ricardo Tanganelli da Silva
Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista, Brasil
¹[email protected]
Resumo
O presente trabalho apresenta considerações acerca da estrutura narrativa do quarteto de cordas Op.13 n.2
(1827) do compositor alemão Felix Mendelssohn (1809-1847). Essa obra apresenta soluções arrojadas na
organização da estrutura formal, frequentemente associada à ideia da forma cíclica, e possui a ocorrência de
algumas figuras musicais e texturas arquetípicas relacionadas a determinados estilos composicionais, cha‐
madas de “tópicas”, particularmente comuns nos períodos barroco e clássico. Utilizando determinados ele‐
mentos composicionais, Mendelssohn elabora sua estrutura narrativa a partir de referencialidades intrínse‐
cas e extrínsecas. Assim, esta pesquisa evidencia o caráter intertextual da obra musical em questão,
ressaltando associações expressivas cunhadas a partir de um léxico de figuras musicais que permeia diversos
estilos e períodos musicais. As elaborações técnicas dessas figuras revelam aspectos intertextuais na obra em
questão, que compõem um diálogo permanente com a história musical a partir da aplicação de estilos com‐
posicionais diversos. Por fim, uma análise que colabora para a elaboração de uma narrativa reforça, ainda
mais, a capacidade comunicativa da obra musical, podendo servir como auxílio para a organização auditiva
das estruturas expressivas musicais particularmente articuladas pela memória.
Palavras-chave: Análise musical, tópicas, intertextualidade, cognição musical, forma musical
114
Cognição e(m) Processos de Criação 115
Dessa forma, torna-se possível projetar a aplicação das estruturas tópicas para
além da mera descrição de eventos sonoros, relacionando-a diretamente a zonas de
organização formal.
115
116 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Figura 2
Adagio do primeiro movimento do quarteto Op.13 n.2,
a “pergunta” sem “resposta”.
Figura 3
Adagio come I, coda do último movimento do quarteto Op.13 n.2,
a “pergunta” com a “resposta”.
Cognição e(m) Processos de Criação 117
Figura 4
Motivo “Ist es wahr?”de frage, Op.9 n.1.
Figura 5
Motivo “Ist es wahr?” apresentado no Adagio do Op.13 n.2.
118 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Além disso, o aspecto cíclico, com o Adagio inicial retornando na coda do último
movimento, contribui para o caráter cíclico da obra em uma estrutura quase de um
arco narrativo (figura 7).
Figura 7
Visão geral da estrutura cíclica em múltiplos níveis de acordo com Taylor (2010, p.49).
Sobre a intertextualidade
O aspecto intertextual, entendido como uma referência a uma narrativa situada fora
do tempo da obra, é ressaltado neste quarteto em diferentes níveis. Além da associa‐
Cognição e(m) Processos de Criação 119
ção motívica e expressiva com o Op.9 n.1, a própria ideia de uma estrutura baseada
em motivos associados a uma pergunta possui precedentes. No caso, a obra mais
diretamente relacionada é quarteto de cordas em Fá maior Op.135 do compositor
alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827). Mais especificamente, a estrutura do
último movimento desse quarteto apresenta motivos igualmente relacionados a uma
ideia de pergunta. Nesse caso, Beethoven intitula o movimento de “Der schwer ge‐
fasste Entschluss” (“a decisão difícil”), e apresenta dois motivos: um interrogativo
chamado “Muss es sein?” (“deve ser?”), caracterizado como uma terça menor descen‐
dente seguido por uma quarta diminuta ascendente; e um exclamativo, chamado “Es
musssein!”(“deve ser!”), compreendendo uma terça menor ascendente seguida por
uma quarta justa descendente (figura 8).
Figura 8
Início do último movimento do quarteto de cordas Op.135 de L. v. Beethoven.
Essa leitura permite criar uma rede de referências que situa o quarteto de Men‐
delssohn como uma obra na qual estrutura e conteúdo expressivo se fundem para
criar uma narrativa intertextual rica em possibilidades interpretativas. De acordo
com Klein, pode-se considerar um texto apenas relacionado ao seu tempo, criando
uma intertextualidade histórica, ou abri-lo a outras temporalidades, se relacionando
a uma espécie de intertextualidade “transhistórica” (Klein, 2005). De qualquer for‐
ma, entende-se que as múltiplas referências que se podem associar a um determina‐
do estilo ou cânone podem enriquecer a apreciação estética da obra como um todo.
Conclusões
Graças às suas particularidades, as figuras tópicas apresentam características que pos‐
sibilitam a articulação formal do discurso sonoro a partir dos seus elementos consti‐
tutivos. Ao lidar com a memória, podem auxiliar a percepção da organização estru‐
tural da obra musical, configurando “zonas” estilísticas contrastantes. Dessa forma,
podem contribuir para a narrativa musical de forma a intensificar os conflitos ex‐
pressivos e ressaltar aspectos estruturais sem necessariamente demandar conheci‐
mentos técnicos por parte do ouvinte. Nesse aspecto, pode-se observar que as rela‐
ções de intertextualidade tecidas pela obra em questão podem enriquecer a audição
musical pelo constante diálogo com diversos estilos e cânones, podendo elevar a ex‐
periência auditiva, contribuindo para a apreciação estética de forma mais ampla.
120 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Referências
Hatten, R. (1994). Musical Meaning in Beethoven. Bloomington: Indiana University Press.
Ratner, L. (1980). Classic Music. New York: Schirmer Books.
Hefling, S. E. (2003). The Austro-Germanic quartet tradition in the nineteenth century. In
R. Stowell (ed.), The Cambridge Companion to the String Quartet. Cambridge:
Cambridge University Press.
Klein, M. (2005). Intertextuality in western art. Bloomington: Indiana University.
Pasler, J. (1993). Postmodernism, narrativity, and the art of memory. Contemporary Music
Review, 7:2, 3-32.
Ratner, L. (1980). Classical Music, Expression, Form and Style. New York: Schirmer Books.
Taylor, B. (2010). Cyclic Form, Time, and Memory in Mendelssohn's A-Minor Quartet,
Op. 13. The Musical Quarterly, 93(1), 45-89. Retrieved September 21, 2020, from
http://www.jstor.org/stable/40783175
Wyn Jones, D. (2003). The Origins of the Quartet. In R. Stowell (ed.), The Cambridge
Companion to the String Quartet. Cambridge: Cambridge University Press.
Cognição e(m) Processos de Criação 121
122
14
O CONCEITO DE INTERATIVIDADE
CONSIDERADO À LUZ DAS CIÊNCIAS
COGNITIVAS
Camila Fernanda Silva e Souza¹, Rael Bertarelli Gimenes
Toffolo²
12
Departamento de Música e Artes Cênicas- Universidade Estadual de Maringá, Brasil
1
[email protected], [email protected]
Resumo
Nas artes visuais e cênicas, Arte Interativa é o conceito que define as obras construídas de modo a superar a
passividade do receptor no processo de significação. Tal conceito transformou-se de modo a protagonizar
o papel do corpo tanto do artista quanto do público, similarmente, segundo Leote (2015), ao ocorrido no
desenvolvimento das ciências cognitivas no que se refere à centralidade corporal para a explicação do co‐
nhecimento (Varela et al., 2003). Conforme Marquez (2020) e Miskalo (2009), a maioria das obras intera‐
tivas musicais estabelecem-se em uma relação entre sistema computacional/obra e intérprete, não incluindo
o fruidor/interator, divergindo, então, das demais linguagens artísticas. Tal diferença pode ser abordada ao
considerarmos que as obras interativas musicais parecem estar próximas dos paradigmas cognitivistas (Oli‐
veira, 2003) apoiando-se em processos criativos algorítmicos, de controle central, de ação/reação pré-de‐
terminadas, entre outros. Desse modo, uma leitura do desenvolvimento do conceito de interatividade à luz
dos paradigmas da Ciência Cognitiva pode contribuir para compreendermos as diferenças entre a interati‐
vidade musical e a praticada em outras linguagens artísticas.
Palavras-chave: Arte interativa, interatividade musical, epistemologia cognitiva, ciências cognitivas, música
Introdução
A interatividade é um conceito que se encontra em ampla discussão em diversas di‐
mensões da pesquisa artística, inclusive no campo da Cognição Musical. Ao consi‐
derarmos a história de criação de obras interativas desde as vanguardas do século
XX, podemos perceber que, gradativamente, tornou-se mais proeminente poética
e esteticamente a ação corpórea do espectador como parte constituinte da obra, ao
mesmo tempo em que o desenvolvimento das ciências cognitivas outorgou mais
centralidade ao papel do corpo para a explicação do conhecimento. Nesse contexto,
nossa hipótese de pesquisa circunda a possibilidade de se pensar a interatividade em
música de maneira a considerar, de fato, a ação de um ou mais interatores para a
construção de obra artísticas, de modo a superar a prática corrente de obras musicais
interativas de palco, que praticamente desconsideram o papel do público. Buscamos
compreender como a música interativa se encontra na produção contemporânea e
quais transformações são possíveis quando consideramos suas bases epistemológicas
comparadas ao paradigma dinâmico da cognição.
Arte interativa
Ao falarmos em arte interativa¹, nos referimos a uma obra que demanda um prota‐
gonismo do espectador em sua totalidade, de seu corpo e suas ações, de forma que o
mesmo ultrapasse os limites de espectador/receptor e passe a ser um interator.
A busca por níveis e tipos de interatividade, juntamente com o desejo de novos
olhares sobre a arte e sobre o fazer artístico, deriva das atitudes experimentalistas dos
123
124 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
tes, afirma que a classificação proposta por Ascott (1967) foi, até certo ponto, esti‐
mulada pela ruptura do modelo de comunicação linear entre arte e público com o
surgimento das manifestações artísticas de vanguarda da década de 1960, como os
happenings e performances colaborativas, e sugere uma bifurcação da produção de
obras de arte no âmbito geral: determinístico e comportamental. O primeiro grupo
faz referência às obras concebidas e realizadas apenas pelo artista, obras que estabe‐
lecem algum tipo de predeterminação. E, portanto, no segundo grupo é onde se
enquadram as obras interativas, onde há influência do comportamento do público.
Cornock & Edmonds (1977) apresentam uma grande área denominada Sistema Di‐
nâmico de Arte, que engloba as obras interativas, e a divide em quatro subcategorias
que sintetizamos como:
1. Sistema Dinâmico: definida na dependência organizacional da obra de arte
com certas variáveis de seu ambiente.
2. Sistema Recíproco: contexto em que o espectador e o ambiente da obra esta‐
belecem uma relação recíproca, porém as mudanças que ocorrem na obra só
existem enquanto a relação interativa entre espectador e ambiente ocorre.
3. Sistema Participativo: ambiente em que as ações que um grupo de participan‐
tes executam entre eles e obra são tratadas como uma matriz de dados.
4. Sistema Interativo de Arte: obras que existem na troca mútua entre interator
e seu sistema, em que as mudanças decorrentes dessa relação mútua alterem
a própria obra e a ação do interator sobre ela, fazendo com que a obra se
construa no tempo. Os autores alegam que, nesse contexto, a obra deve exi‐
bir propriedades de um sistema capaz de aprender.
Por sua vez, Bell (1991) problematizou as categorias bifurcadas para a classifica‐
ção de obras de arte, pois determinam que existem obras que não possuem nenhum
tipo de interatividade, observando que é discutível a noção de que o público de
qualquer obra é sempre passivo. Nesse sentido, denominou um grande grupo de
Participativo, em que espectadores usufruem a obra de dentro e/ou fora dela. Dentro
desse grande grupo, considera um subgrupo Interativo, que engloba somente as
obras em que interator e obra são reciprocamente ativos, exercendo influência um
sobre o outro. Argumentando estar mais preocupado com a usabilidade das classifi‐
cações de interatividade, Bell (1991) alega ser mais útil discutir e elucidar diferentes
tipos de interação de forma mais maleável. Seguindo esse raciocínio, o autor buscou
uma forma mais gradual para compreender a interatividade, propondo critérios mais
flexíveis para analisar e entender as obras no grupo Interativo, dentre eles: a maneira
como interatores interagem entre si dentro de uma obra, e os modos que são permi‐
tidos ao interator para se relacionar com a obra e/ou com sua interface. Outro im‐
portante aspecto considerado por Bell refere-se aos fatores psicológicos do interator,
ou seja, seu posicionamento mental: se eles estão alheios a obra, controlando suas
ações de dentro, só observando outras pessoas interagirem, participando da intera‐
ção, entre outros.
Nota-se que o centro de discussão que alicerça a arte interativa, independente‐
mente do parâmetro e nível de classificação, é a relação que se estabelece entre obra e
interator. No entanto, notamos que o cenário majoritário de obras interativas na área
da Música se constrói sob uma perspectiva divergente dos demais domínios da arte.
126 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Conclusão
Independentemente da abordagem, a correlação entre ciências cognitivas e música
nos aponta para interessantes caminhos e questões relevantes que contribuem para o
estudo de ambas as áreas. No que se refere à arte interativa, as mudanças na forma
de descrever o conhecimento, discutidas nas ciências cognitivas, são uma interessan‐
te ferramenta para compreendermos as transformações ocorridas nesse campo.
Para pensarmos a interatividade na música como uma relação de reciprocidade
entre obra e interator, tal como ela é considerada nas outras linguagens artísticas,
observamos que a mudança de paradigma teórico se mostra necessária para com‐
preendermos em quais bases epistemológicas as obras interativas se alinham de ma‐
neira mais eficiente. A noção de que obra é um processo independente da percepção
não se mostra como o melhor posicionamento para os estudos interativos na arte por
não nos oferecer suporte pra criarmos uma real abertura para a participação do pú‐
blico/interator na obra. Em direção às obras musicais interativas no contexto em que
buscamos, nos afastamos da concepção de que uma obra é o resultado de uma sub‐
jetividade que provém de processamentos internos de estímulos detectados que são
simplesmente dados pelo meio, mas ao contrário, se torna mais interessante pensar‐
mos nelas como obras que nascem dos próprios processos de percepção-ação.
A filosofia fenomenológica que norteia os conceitos centrais do paradigma di‐
nâmico se mostra conveniente para concebermos a interatividade segundo nossos
objetivos enquanto pesquisadores e artistas. Desvencilhando-se das premissas dualis‐
tas cartesianas, o paradigma dinâmico considera um corpo sentiente e atuante no
mundo de maneira a ser guiado pela sua própria percepção e ação. Tal postura, que
130 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Notas
1 Ao contrário do observador espectador, que é aquele que somente observa e contempla a
obra, o interator é o agente que participa da ação e realização da obra, está imerso e
interage com o ambiente dela com interferência direta. (Affini & Cardia, 2019).
2 Interação: 1. Ato de reciprocidade entre dois ou mais corpos; 2. Influência de um
organismo em outro; 3. Qualquer atividade compartilhada. In: Moderno Dicionário de
Língua Portuguesa, 2005.
3 Primo (2008) denomina que fluxo é uma sequência de acontecimentos sucessivos.
Referências
Affini, L., & Cardia, R. (2019). Um mergulho nos conceitos de imersão, imersividade, fotografia
imersiva e realidade vitual. In: Suning, A.; et al. (orgs). Narrativas Imagéticas. Aveiro: Ria
Editoral.
Ascott, R. (1967). Behaviourist art and cybernetic vision II. Cybernetica, 10(1), 25-56.
Bell, S. (1991). Participatory art and computers: identifying, analysing and composing the
characteristic of works of participatory art that use computer technology. Universidade de
Loughborough, Londres, Inglaterra.
Cornock, S., & Edmonds, E. (1973). The creative process where the artist is amplified or
surpreseded by the computer. Leonardo, 6(11), 11-15..
Gibson, J. J. (1966). The Senses Considered as Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin
Company.
Gibson, J. J. (1979). Ecological Approach to Visual Perception. Hillsdate: Lawrence Erlbaum
Associates Publishers.
Graham, B. (1997). A study of audience relationships with interactive computer-based visual
artworks in gallery settings, through observation, art practice, and curation. Universidade de
Sunderland, Sunderland, Inglaterra.
Graham, B. (2014). Histories of interaction and participation: Critical systems from new media
art. In: Remis, O.; MacCulloch, L; Leino, M. (eds). Performativity in the gallery (pp. 64
– 83). Oxford: Peter Lang.
Lopes, D. M. (2001). The ontology of interactive art. Journal of Aesthetic Education, 35(4),
65-81.
Marquez, B. G. S. (2020). Repertório para violão e eletrónica: narrativas históricas, representação,
permanência e performance. Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
Michaelis. (2005). Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova geração.
Miskalo, V. K. (2009). A performance enquanto elemento composicional na música eletroacústica
interativa. Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Oliveira, L. F. (2003). As contribuições da ciência cognitiva à composição musical. (Dissertação
de mestrado), Universidade Estadual Paulista, São Paulo.
Primo, A. F. (2008). Interação mútua e interação reativa: uma proposta de estudo. Revista
FAMECOS, 7(12), 81-92.
Varela, F. J. et al. (2003). A mente incorporada: ciências cognitivas e experiência humana. Porto
Alegre: ArtmedEditora.
Zampronha, E. (2000). Notação, representação e composição: um novo paradigma da escritura
musical. São Paulo: Annablume.
130
15
Processos Criativos Colaborativos 131
Resumo
A teoria ecológica trata a percepção como um fluxo contínuo de ações em uma relação de complementa‐
ridade entre o animal e o ambiente, um tipo de busca por informações perceptivas invariantes (affordances)
que especificam objetos e eventos no ambiente e sugerem ações por parte do percebedor (Clarke, 2005;
Gibson, 1966, 1986). Entretanto, como estender essa relação para ambientes e objetos criados pelo homem,
tais como os ambientes de gravação e seus artefatos tecnológicos? Para responder essa questão, lança-se mão
principalmente dos conceitos de nicho ecológico e affordances do ambiente propostos por J. J. Gibson
(1966, 1986). Somam-se a esses, os conceitos de solicitações e skilled intentionality propostos por Rietveld,
Denys, van Westen et al. (2018, 2014). Com amparo nesses conceitos, propõe-se uma abordagem da dinâ‐
mica em processos colaborativos de produção musical em estúdio. O objetivo é investigar o fluxo informa‐
cional no ambiente de gravação, visando a compreensão das inter-relações e interações entre agentes, am‐
biente e tecnologias de gravação. Nesse sentido, o conceito de nicho ecológico oferece uma chave para a
abordagem das relações estabelecidas em processos colaborativos de produção musical. Enquanto nicho, o
ambiente de gravação pode ser associado à práticas específicas e habilidades desenvolvidas pelos agentes,
contextos socioculturais etc., além disso, os conceitos de solicitações e skilled intentionality favorecem o en‐
tendimento do engajamento seletivo com uma ou múltiplas affordances simultaneamente (Rietveld et al.,
2014, 2018).
Palavras-chave: Produção musical, percepção ecológica, nicho ecológico, affordances, skilled intentionality
Introdução
Convivemos com a música gravada há mais de um século e recentemente principal‐
mente para aqueles que moram em áreas urbanas, tornou-se quase impossível evitar
a sua presença. Jonathan Sterne (2003) aponta que nos Estados Unidos, em 1982,
cerca de um terço dos cidadãos escutavam música programada (Muzak) em todos os
dias do ano e, é certo, que esse número apenas cresceu desde então (p. 337). Apesar
desse fato, para muitos, o labirinto da produção musical em estúdio, isto é, a dinâmi‐
ca que envolve a criação de música gravada permanece incógnita ou é revestida de
um certo mistério, muitas vezes, como consequência da visão romantizada que atri‐
bui a um único artista todo o processo criativo (McIntyre, 2008).
O objetivo deste artigo é trazer para o debate acadêmico as particularidades da
dinâmica colaborativa dentro do estúdio de gravação, ou seja, a forma como se esta‐
belecem as relações interpessoais, os modos de organização e criação dentro de um
contínuo de possibilidades culminando em um resultado estético definitivo. Para
tanto, propõe-se uma abordagem baseada principalmente na teoria ecológica de J.
J. Gibson (1966, 1986), mais especificamente nos conceitos de nicho ecológico e
affordances.
Com uma preocupação semelhante, mas partindo de uma abordagem etno‐
gráfica, Robert Davis (2009) chama a atenção para a necessidade em se compreender
“os motivos e dinâmica que determinam que certas escolhas e configurações sejam
realizadas, a fim de desvendar a confusão e a mitologia por trás do processo de pro‐
dução” (Davis, 2009, p. 2). Partindo das mesmas premissas, porém percorrendo ou‐
tros caminhos, este artigo propõe um paralelo entre a ideia de nicho ecológico e o
131
132 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Percepção de affordances
J. J. Gibson (1986, p. 124) afirma que ao olharmos um objeto o que percebemos são
as suas affordances e não suas qualidades. Equivale dizer que, do ponto de vista eco‐
lógico, nossa percepção da água é antes a percepção de suas affordances do que, por
exemplo, de sua estrutura molecular, como sugerem as palavras do autor: "O que o
objeto nos oferece (affords) é aquilo que normalmente prestamos atenção. A combi‐
nação especial das qualidades a partir das quais um objeto pode ser analisado normal‐
mente não é percebida" (Gibson, 1986, p. 137). É importante notar que a noção de
affordance é exposta por Gibson (1986) a partir da complementaridade entre o animal
e o ambiente: “As affordances do meio ambiente são o que ele oferece ao animal, o
que ele proporciona ou fornece, para o bem ou para o mal” (p. 137).
Para um aprofundamento da noção de affordance, o princípio de invariância é
fundamental. Guiado pela teoria ecológica, Eric Clarke (2005) relaciona esse princí‐
pio às propriedades que não variam no contínuo de mudanças a que somos constan‐
temente expostos (p. 34). São exemplos de invariância o fato de a água molhar, o sol
aquecer, a bola ter uma forma esférica, o ambiente fechado reverberar etc. e são
exemplos de affordances o ato de beber a água, aquecer-se ao sol, agarrar a bola, den‐
tre outros.
Propondo uma transposição para o campo musical, Clarke (2005, p. 34) cita um
exemplo bastante claro de invariância na identidade do material musical percebido:
o tema/motivo, que permanece intacto mesmo sob transformações de altura ou vari‐
ações globais de tempo. Outro exemplo de propriedade invariante, ainda no campo
da música, apresentado por Andrew Bourbon e Simon Zagorski-Thomas (2017) é o
fato de que no mundo, quanto maior o objeto mais grave será sua ressonância (p. 3).
No campo da acústica, outro exemplo é sugerido por Luis Felipe de Oliveira (2014):
"[...] invariantes especificam um ambiente ou evento através da maneira como o flu‐
xo sonoro é conformado pelas propriedades reflexivas das superfícies de um ambien‐
te, que alteram as propriedades espectrais de um evento sonoro" (pp. 23-24).
Processos Criativos Colaborativos 133
Contudo, para dar respostas a essas questões, Rietveld, Kiverstein, Denys et al.
(2014, 2018) sugerem um outro caminho que se inicia com a diferenciação entre
affordances e solicitações e se completa com a ideia de skilled intentionality. A noção
de solicitação está relacionada à habilidade de um indivíduo de conectar-se a uma
affordance particular em uma situação concreta. Equivale dizer que da multiplicidade
de affordances disponíveis para um indivíduo, muitas dessas potencialidades serão ir‐
relevantes. Rietveld e Kiverstein (2014) veem as solicitações como tendências para
um certo modo de agir. Potencialidades determinadas pelos interesses e habilidades
que guiam o engajamento a apenas uma, dentre inúmeras disponibilidades de ações
em uma determinada situação (p. 29). Este ponto revela a semelhança entre as soli‐
citações propostas por Rietveld e Kiverstein e o ‘ressoar’ com as propriedades inva‐
riantes dos estímulos proposto por Eric Clarke (2005, p. 18).
Ainda no sentido de dar respostas às questões anteriormente elencadas, Rietveld,
Denys et al. (2018) somam à ideia de solicitações, o conceito de skilled intentionality
entendido como a “tendência para uma conexão ideal em um campo de affordances
relevantes. O termo normalmente descreve a mudança na condição de um indiví‐
duo em resposta a várias solicitações simultâneas” (p. 21). Isto é, “no nível do sujeito
situado, skilled Intentionality é caracterizada como uma resposta integrada ao campo
de affordances relevantes como um todo” (p. 18). Ou seja, em um nicho são as dis‐
ponibilidades que se integram à habilidade do sujeito de se afinar com as suas pro‐
priedades informacionais, invariâncias e graus de relevância.
A ideia contemplando múltiplas affordances e a conexão seletiva em função do
grau de relevância – em razão do caráter convidativo de um ambiente específico –
pode ser transposta para o domínio musical a partir de um exemplo proposto por
Simon Waters (2007) envolvendo o Boehm clarinet: Embora tenha sido projetado
segundo o temperamento igual, quando tocado por um músico do Sul da Índia, pos‐
sibilita (affords) uma música com diferenças idiomáticas e princípios completamente
diferentes, a exemplo das diferenças nas subdivisões do tom entre algumas escalas
utilizadas na Índia e no resto do mundo (p. 2). As diferenças idiomáticas pontuadas
pelo autor não decorrem das propriedades acústicas inerentes à construção do Boehm
clarinet, mas sobretudo da conexão entre um músico pertencente a um determinado
contexto social e as affordances que se apresentam a ele como relevantes (Skilled In‐
tentionality). Portanto, as affordances oferecidas pelo Boehm clarinet não variam em
função das necessidades ou habilidades de um músico em particular e sim em razão
do seu contexto sociocultural.
Do ponto de vista ecológico, a partir da noção de Skilled Intentionality, a multi‐
plicidade de affordances disponibilizada pelo Boehm clarinet diz respeito àquele nicho
específico, o Sul da Índia. Músicos de outras partes do mundo irão se conectar às
affordances em relação aos seus próprios contextos. É provável que essa seja a origem
das diferenças idiomáticas assinaladas por Waters (2007), muito embora um ser hu‐
mano em particular tenha a possibilidade de estudar outras culturas, aprender outros
idiomas, acessar práticas culturais distintas, aumentando, dessa forma, o âmbito de
relevância das redes ou panoramas de affordances a que se expõe. Esse fato parece
justificar a razão pela qual um músico, por exemplo, brasileiro possa se aproximar da
forma de tocar de um músico indiano e vice-versa.
136 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Quadro 1
O estúdio de gravação enquanto nicho: projeção e interação dos conceitos.
material gravado. Uma vez finalizada, a mixagem é enviada para a última etapa da
pós-produção: a masterização.
É importante ressaltar que apesar da aparente linearidade nesta descrição resu‐
mida do processo, suas etapas são frequentemente retomadas e não raro modificadas
(Rosa & Manzolli, 2019). Trata-se de um movimento criativo semelhante àquele do
escritor sobre o papel ao apagar certas palavras e substituí-las por outras.
Conclusão
Com o objetivo de estudar e descrever a dinâmica dos processos colaborativos em
estúdios de gravação, este artigo lançou mão da abordagem ecológica como suporte
para a compreensão das relações interpessoais e da interação dos agentes com o am‐
biente de produção e tecnologias de gravação. Traçou-se uma analogia do estúdio
de gravação com a ideia de nicho ecológico proposta por Gibson (1986) e revisitada
por Rietveld et al. (2014, 2018). Verificou-se que no estúdio de gravação em traba‐
lhos colaborativos, os estímulos não emergem de apenas uma mente criadora e sim
de um conjunto de interações bastante complexas. Pessoas interagem entre si, mas
também interagem com o espaço arquitetônico e seus aparatos tecnológicos, que
por sua vez também são fontes de estímulos. Nesse ambiente, a configuração arqui‐
tetônica, suas qualidades acústicas inerentes e seus equipamentos de gravação confi‐
guram um nicho cujas redes de affordances desencadeiam ações de diversas naturezas
(Williams, 2007; Bates, 2012). Por exemplo, as respostas acústicas que podem solici‐
tar desde o posicionamento dos músicos na sala, a quantidade de microfones a ser
utilizada, o local onde serão posicionados, até a maneira de tocar ou cantar de um
músico. Este poderá, por exemplo, aumentar ou diminuir a intensidade de sua per‐
formance ou prolongar ou diminuir a duração das notas executadas (Waters, 2007).
Além disso, os músicos podem ser afetados positivamente ou negativamente quando
realizam suas performances em ambientes sem reverberação alguma ou com rever‐
beração excessiva.
Portanto, o ambiente de gravação associado à práticas e habilidades específicas
ligadas à produção de música gravada, tais como, arranjo, composição, performance
vocal e instrumental, engenharia de áudio etc. pode ser visto como nicho ecológico,
um ambiente que disponibiliza suas redes de affordances inter-relacionadas (Rietveld
& Kiverstein, 2014, p. 6) aos agentes da produção musical cujo engajamento a uma
solicitação particular ou uma rede ou panorama simultâneo ocorre em razão de seus
conhecimentos, habilidades e motivações manifestadas na prática, em seu modo de
vida (Rietveld et al., 2014, 2018). Desse tipo de conexão derivam ideias e ações que
retroalimentam o processo e indicam novos possíveis caminhos técnicos/estéticos
dos quais emergem novas affordances. É justamente essa dinâmica que caracteriza os
aspectos criativos e colaborativos do processo. Uma dinâmica que não se limita às
relações mantidas entre os agentes, mas, para além delas, desenvolve-se e retroali‐
menta-se por meio do engajamento dos agentes às affordances ambientais e sociais
do espaço de gravação.
Ao postularmos essa apreensão da abordagem ecológica como forma de carac‐
terizar a dinâmica dos processos colaborativos de produção musical, reiteramos que
a criação nesse nicho não é um fato e nem se descreve na materialidade do objeto
final: a faixa musical produzida. A criação é ao mesmo tempo produção técnica e
140 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
interação humana, assim como na visão ecológica que adotamos o "ambiente trans‐
passa a dicotomia subjetivo/objetivo". Dessa forma, este artigo coloca que a dispo‐
nibilidade de recursos técnicos se alia à potencialidade de recursos humanos. Um
processo contínuo e sinergético, no qual conceitos, ideias, recursos materiais e dis‐
ponibilidades ambientais se fundem na emergência de uma arquitetura de diálogos
e saberes.
Referências
Bates, E. (2012). What studios do. Journal on the art of record production, n. 07. Acessado
em: https://www.arpjournal.com/asarpwp/what-studios-do/
Bourbon, A., & Zagorski-Thomas, S. (2017). The ecological approach to mixing audio:
agency, activity and environment in the process of audio staging. Journal on the Art of
Record Production, n. 11. ISSN: 1754-9892
Burgess, R. J. (2016). The history of music production. UK: Oxford University Press
Clarke, E. F. (2005). Ways of listening: An ecological approach to the perception of musical
meaning. UK: Oxford University Press, Inc.
Davis, R. (2009). Creative ownership and the case of the sonic signature or, ‘I’m Listening
to this record and wondering whodunit?’ Journal on the Art of Record Production, n. 04.
ISSN: 1754-9892
Gibson, J. J. (1966). The senses considered as perceptual system. Houghton Mifflin Company
Gibson, J. J. (1986). The ecological approach to visual perception. (2ª ed.). NY: Taylor and
Francis Group
McIntyre, P. (2008). The system model of creativity: Analysing the distribution of power
in studio. Journal on the art of record production. n. 03. ISSN: 1754-9892
Moylan, W. (2002). The art of recording: understanding and crafting the mix. USA: Focal Press
Oliveira, L. F. (2014). O estudo da música a partir do paradigma dinâmico da cognição.
Percepta, 2(1), 17–36. Acessado em: http://www.abcogmus.org/journals
Rietveld, E., Denys, D. & van Westen, M. (2018). Ecological-enactive cognition as engag‐
ing with a field of relevant affordances: the skilled intentionality framework (SIF). In
Newen, A & De Bruin, L. (Eds.), The Oxford handbook of 4E cognition. Oxford: Uni‐
versity Press.
Rietveld, E., & Kiverstein, J. (2014). A rich landscape of affordances [versão eletrônica].
Ecological Psychology, 26(4), 325-322. doi: https://doi.org/
10.1080/10407413.2014.958035
Rosa, G. A., & Manzolli, J. (2019). Complexidade e criatividade no processo de produção
musical em estúdio: uma perspectiva sistêmica. OPUS, [s.l.], v. 25, n. 3, 50-65.
Sterne, J. (2003). The audible past: cultural origins of sound reproductions. USA: Duke
University Press
Waters, S. (2007). Performance Ecosystems: Ecological approaches to musical interaction.
EMS: Electroacoustic Music Studies Network – De Montfort/Leicester. Acessado em:
<http://www.ems-network.org/IMG/pdf_WatersEMS07.pdf>
Williams, A. (2007). Divide and conquer: power, role formation, and conflict in recording
studio architecture. Journal on the Art of Record Production, n. 1, feb. Acessado em:
<https://www.arpjournal.com/asarpwp/content/issue-1/>
140
16
Processos Criativos Colaborativos 141
Abstract
Composers and performers are challenged by time and its complexity, as musical time can be incompatible
with chronometric time (Langer, 2006). However, the flexibility—or lack of it—in mixed media works, is
due primarily to the way composers structure their work (Menezes, 2002). When a click-track does seem
unavoidable, Ferreira (2014) argues that composers need to make compromises between precision and ex‐
pression. In other words, composers do not seem to consider a shared decision-making process, with the
performer, on issues directly related to the performability of the work. The performers’ temporality is
rarely taken into consideration. Building on the current literature on distributed creativity (Clarke & Doff‐
man, 2017), music collaboration (Taylor, 2017; among others), and performance cues (Chaffin & Lisboa,
2008), as well as my own practice as creative collaborator and performer, I propose that decisions regarding
synchronization cues, when shared during the collaborative process, have the potential to incorporate the
performer’s temporality and expressiveness into the work. The following questions have been guiding my
collaborative work, as well as the development of this paper: 1) how to maximize the use of synchroniza‐
tion cues that value the performer’s expressiveness and temporality; and 2) when a click-track is necessary,
how to customize it in order to maximize the performer’s expressive freedom? The primary objective of
this paper is to discuss ways to choose synchronization cues and strategies that consider both precision and
musical expressiveness, by providing approaches to address practical problems of synchronization in mixed
media works.
Keywords: Mixed media works, synchronization cues, collaborative processes
Introduction
Since the beginning of mixed media music, in the second half of the 20th century,
strategies for synchronization between acoustic instruments and electroacoustic
sounds have been chosen entirely by composers. I believe that this has contributed
to mixed media works, especially in regard to fixed electronics—which are the focus
of this text—often being considered by performers as challenging, inflexible, me‐
chanical. The performers’ temporality was rarely taken into consideration.
As pointed out by Langer (2006), composers and performers are challenged by
time and its complexity, as musical time can be incompatible with chronometric
time. However, despite being challenged by this paradox, composers believe, as
pointed out by Menezes (2002), that the flexibility—or lack of it—in mixed media
works is due primarily to the way they structure their work. Going beyond, when
a click-track does seem unavoidable, Ferreira (2014) argues that composers need to
make compromises between precision and expression. In other words, they do not
seem to consider a shared decision-making process, with the performer, on issues
directly related to the performability of the work.
Building on the current literature on distributed creativity, music collaboration,
and performance cues, as well as my own practice as creative collaborator and per‐
former, I propose that decisions regarding synchronization cues, when shared dur‐
ing the collaborative process, have the potential to incorporate the performer’s tem‐
porality and expressiveness into the work. This way, there is no need to compromise
expressiveness for precision, nor vice-versa. The inflexibility of the pre-recorded
141
142 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
soundtrack can then be embraced in a more holistic creative manner that focuses on
the whole of the musical performance, instead of its individual parts.
I argue that, when composer and performer share a decision-making process
regarding synchronization, decisions can be rooted in the musical perception of the
performer, incorporating their temporality, leading to performances that are more
expressive and less constrained. The primary objective of this paper is to discuss
ways to choose synchronization cues and strategies that consider both precision and
musical expressiveness, providing elements to help solve practical problems of syn‐
chronization in mixed media works. I will provide examples from two collabora‐
tions: 1) Ramos, developed in 2016 with composer Paulo Rios Filho, and 2) Berim‐
bau, developed in 2018 and 2019 with composer Alexandre Espinheira.
Throughout the paper I will often return to the following questions, which
have been guiding my collaborative work for years:
1) how to maximize the use of synchronization cues that value the performer’s
expressiveness and temporality?
2) when a click-track is necessary, how to customize it in order to maximize
the performer’s expressive freedom?
Conceptual framework
This paper is deeply grounded in the understanding that creativity is distributed
among all participants in the creative process: composers, performers, listeners. Un‐
til recently, especially in regard to the Western classical music tradition, composers
were seen as the sole “creators” of musical works, with less creative roles attributed
to performers, leaving hardly any creative role to listeners. As proposed by Clark
and Doffman (2017), building on studies of musical consciousness and cognition,
distributed creativity embraces creative processes in their complexity and their dis‐
tributed ways, as being developed in more horizontal, less hierarchical relationships
among the participants.
A second concept which is instrumental for the development of these ideas is
the understanding of creative process as an interplay of mental and physical pro‐
cesses, while considering the embodiment of musical meaning (Nagy, 2017). When
collaborating, composer and performer can embark on a shared journey, in which
mental and physical processes are braided together in a distributed, horizontal,
process.
However, this is not always the case, with many instances of so-called collabo‐
rations happening in very “undistributed” ways. Thus, it is imperative to define here
what we mean and understand by collaboration, as the term can evoke a wide range
of understandings. For the purpose of this paper, I will borrow Taylor’s definition:
“the term collaboration should be limited to cases where the imaginative tasks are
shared rather than divided between participants.” (Taylor, 2017, p. 6) The author
states that it is also essential to note whether there are hierarchies between the par‐
ticipants, which can influence their decision-making process. This approach seems
to be in line with what Hayden and Windsor (2007) had previously noted in their
definition of a collaborative composer-performer relationship: “the development of
the music is achieved by a group through a collective decision-making process”
(Hayden & Windsor, 2007, p. 33). Not all decisions are taken in a shared manner,
but they are part of a more dynamic type of collaboration, one in which ideas
brought by one individual will be reflected upon, reacted to, developed, challenged
by the other artists. As we wrote elsewhere, this path toward creative decisions is
Processos Criativos Colaborativos 143
formed, slowly, “throughout which the artistic vision is shared and enriched among
the collaborators” (Cardassi & Bertissolo, 2020, p. 8).
Embracing the concepts of distributed creativity and the interplay of mental
and physical processes that take place during collaborative interactions between
composer and performer, I present the next important concept for this paper: per‐
formance cues.
Addressing memorization of musical works, its challenges and possible strate‐
gies, Chaffin and Lisboa developed the concept of performance cues, which are
“mental landmarks that an experienced musician attends to during performance,
thoroughly rehearsed during practice so that they come to mind automatically and
effortlessly as the piece unfolds” (Chaffin & Lisboa, 2008, p. 118). These cues pro‐
vide a safety net during a performance, as the performer is continually monitoring
his or her progress in real time. This aspect is of great importance for the present
research.
Synchronization cues
Building on Chaffin and Lisboa’s performance cues, I propose a parallel concept—
synchronization cues—which are cues in the electronic track that are chosen to help
the performers get comfortable with the electroacoustic track, by allowing them to
monitor their synchronization in real time. I argue that if these synchronization cues
are chosen during the collaborative creative process, the performer’s temporalities
are incorporated within the creative process, so their resulting performances can be
more engaging, comfortable and expressive, without compromising precision.
Let us discuss briefly why these cues are different from others, such as synchro‐
nization cues in chamber music performance. When one makes chamber music,
there is an underlying agreement of tempo, of who leads, and when, in order for
the ensemble to synchronize throughout the performance. These cues are often
gesturing that indicates breathing, tempo, and entrances, reinforcing the feeling of
“togetherness”. Hence, musicians are synchronizing with each other via non-verbal
cues. Conversely, with music that mixes acoustic instruments with electronic
sounds, especially in regard to fixed media, those non-verbal cues do not apply.
Synchronization with fixed media requires new skills from the musician. These
skills can involve following auditory or visual cues, memorization of the electronic
counterpart, using a stopwatch, and the most dreaded of all, using a click-track, or
a metronome in one’s ears. In any case, most musicians are not trained for those
skills in their formative years.
Playing with fixed media is at times seen as something rigid and old-fashioned.
I would argue that when the “tape” part has been well learned by the performer, the
actual performance differs much less from a normal chamber music performance
than one may think. It would be like playing with an incredibly consistent per‐
former, who plays exactly the same way each time. We learn to navigate through
this stubbornness and make creative and inspired music, nevertheless. I agree with
pianist Shiau-uen Ding that a well performed piece for acoustic instruments and
soundtrack can be an exciting journey for both performers and audience:
Many people overlook the rich variety of musicality inherent in interac‐
tive works for live acoustic instruments and tape. With acoustic instru‐
ments as a ‘live element’, music for instrumental performance and tape
may offer the same degree of interaction between players and audience,
contributing to the excitement of its performance. (Ding, 2006, p. 256)
144 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Strategies for synchronization are not a novelty. Composers have been reflect‐
ing upon the many different ways to promote synchronization for their fixed media
pieces. What I reinforce here is that those choices can—and I argue, should— be
made in collaboration with a performer, to enable the musical performance to be‐
come as expressive, and least mechanical, as possible.
Synchronization cues will differ with each piece but will always be chosen from
the sounds from the electroacoustic part (or even from a video, in this case, visual
cues).
Sometimes, perfect synchronization requires only auditory synchronization
cues, such as easily identifiable sounds, or a clear beat at a passage, with the help of
a stopwatch, to provide only a couple of, perhaps, over-simplistic examples. During
sections where a strict synchronization is required for their musical goal to be
achieved, and the electronics do not offer clear anchors for the performer to interact
with, or even when the instrumental part is very complex, or both, a click-track
may be necessary.
Customizing click-tracks
A click-track means a metronome sound sent to one or more musicians in order to
help them synchronize with each other or, more often, with other media. When
one uses a click-track it means that they receive, through headphones or earbuds, a
controlling electronic unit, a beat repeated at regular intervals throughout the mu‐
sic. It may have accents to highlight the downbeat of each measure, or specific cues
to guide the performers, but overall, playing with a click-track means playing with
the metronome. This is a resource often used in recording studios when the differ‐
ent musicians are part of a recording but cannot (or should not) record the piece at
the same time.
In this paper I address a specific type of click-track: a customized click-track
that allows one or more musicians to synchronize their performance with an elec‐
tronic counterpart. Despite the widespread use of click-tracks as a synchronization
tool in fixed media works, little has been written about how to customize them in
order to provide the musician with the cues that are needed, while minimizing the
straight-jacket feeling. This article addresses key elements of creating such custom‐
ized click-tracks which incorporate synchronization cues decided during the col‐
laborative process, thereby liberating the performer’s expressiveness and temporality
in the work as a whole.
One of the main problems with click-tracks is that they are often merely an
afterthought, once the composition is finished. This click-track is often simply a
continuous stream of indistinguishable beats, which can only bring angst to the
performer. Instead, a simple customized click-track can do wonders for the music,
as well as go a long way towards building a respectful relationship between artists.
As general guidelines for creating a customized click-track that is less invasive
and more helpful to the performer, I suggest considering the following 3 main points:
Differentiate up and downbeats. This is a recurrent problem: the choice of sound
for the downbeat is either too similar or too low in volume, which cannot be clearly
recognized while musicians are playing their instruments. Keeping in mind that
these are personal choices (one may prefer a high pitch downbeat, or low pitch, or
different timbres), the main point is to make sure the first beat of all measures can
be easily distinguished even when someone is playing their instrument loudly.
Processos Criativos Colaborativos 145
Add regular cues with measure numbers. A simple indication every 5 or 10 bars
goes a long way to support the performer in monitoring their synchronization. It
also makes rehearsal time a lot more productive. When practicing specific sections,
performers want to feel free to repeat, with or without click, and it is essential to
know where on the track we are. Having to go back to the top every time is a ter‐
rible idea, one that can lead to confusion during rehearsals and insecurity during
performance. When on stage, a cue every few bars is essential for reassurance and
to provide a safety net for the performer.
Silence is golden. When there is a long section of electronics alone, it is abso‐
lutely unnecessary to keep the click going. Sometimes even if it is a long bar of 7 or
8 beats, if the performer is not playing, please give our ears a break and cut out the
metronome beats. Nothing is worse than having to count empty beats just waiting
for the next entrance or having to play while listening to the continuous click when
a section could make use of other audio cues.
Final remarks
When decisions regarding synchronization in mixed media works are taken in a
shared manner, with composers and performers working together, it is not neces‐
sary to choose between expression and precision. Both can be aspired to and
worked towards, without compromising one for the other. The examples show
how this can open new possibilities, which seem to have been otherwise overlooked
Processos Criativos Colaborativos 147
Acknowledgements. I would like to thank Jess Harding for his contribution in editing
drafts of this text.
Note
1 For released recordings of the works discussed in this text, please visit https://
redshiftmusicsociety.bandcamp.com/track/ramos-paulo-rios-filho and https://
redshiftmusicsociety.bandcamp.com/track/berimbau-2019-by-alexandre-espinheira
Referências
Cardassi, L., & Bertissolo G. (2020). Shared musical creativity: teaching composer-
performer collaboration. Vórtex, 8:1, 1–19.
Chaffin, R., & Lisboa, T. (2008). Practicing perfection: How concert soloists prepare for
performance. Ictus, 9:2, 115–142.
Clarke, E., & Doffman, M. (2017). Distributed Creativity: Collaboration and Improvisation in
Contemporary Music. New York: Oxford University Press.
Ding, S. (2006). Developing a Rhythmic Performance Practice in Music for Piano and
Tape. Organised Sound, 11:3, 255–272.
Ferreira, J. L. (2014). Música mista e sistema de relações dinâmicas. (Unpublished doctoral
dissertation). Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal.
Hayden, S., & Windsor, L. (2007). Collaboration and the composer: Case studies from the
end of the 20th century. Tempo, 61, 28–39.
Langer, S. (2006). Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva.
Menezes, F. (2002). For a morphology of interaction. Organised Sound, 7:3, 305–311.
Nagy, Z. (2017). Embodiment of Musical Creativity: The Cognitive and Performative Causality
of Musical Composition. New York/London: Routledge.
Taylor, A. (2017). ‘Collaboration’ in Contemporary Music: A Theoretical View,
Contemporary Music Review, 35:6, 562–578.
17
148 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resumo
A prática de música interativa tem sido alvo frequente de estudos nas últimas décadas. Diversos projetos
vêm sendo desenvolvidos pela comunidade de compositores interessados em compor música baseada na
interação performer e computador. No universo das obras eletroacústicas mistas, encontramos comumente
duas estratégias quanto ao tipo de interação estabelecida entre a eletrônica e o performer: suporte fixo e
eletrônica em tempo real. A interação baseada em apenas uma dessas estratégias traz consequências sobre
as relações temporais durante a performance, visto que um dos aspectos mais problemáticos para sua inte‐
ração é o sincronismo entre os tempos dos performers e da máquina. Considerando que a percepção da
passagem do tempo está relacionada diretamente com as relações e as experiências do cotidiano, em nossa
pesquisa, realizada durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
da Bahia, buscamos investigar e discutir os embates relativos ao tempo cronológico da máquina e o tempo
musical do performer, considerando as discussões em torno das problemáticas da temporalidade, compreen‐
dendo uma reflexão teórica em torno da música eletroacústica mista e pensando o desenvolvimento de
ferramentas para a sua composição, as quais potencializam a interação entre as temporalidades do compo‐
sitor, do performer e do computador. Pensamos essas questões no contexto de um conjunto de obras musi‐
cais compostas durante a pesquisa. Assim, este texto enfoca nos possíveis embates concernentes à relação
entre tempo cronológico e tempo musical na música mista, propondo estratégias de composição que res‐
pondem aos desafios da interação entre os agentes de uma composição.
Palavras-chave: Música eletroacústica, música computacional, composição musical, temporalidade, música
algorítmica
Introdução
No universo das obras eletroacústicas mistas, encontramos comumente duas estraté‐
gias quanto ao tipo de interação estabelecida entre a eletrônica do computador —
que envolve o som criado por ele, assim como seus processos de síntese e escolhas —
e o performer: suporte fixo e eletrônica em tempo real. A interação baseada em apenas
uma dessas estratégias traz consequências sobre as relações temporais durante a per‐
formance. Considerando que a percepção da passagem do tempo está relacionada
diretamente com as relações e as experiências que temos no cotidiano, esse trabalho
busca investigar e discutir os embates relativos ao tempo cronológico da máquina e
o tempo musical do performer na música mista, pensando essas questões na composi‐
ção de duas obras musicais.
No tocante às obras eletroacústicas mistas, pode-se dizer que o trabalho de criar
música interativa abrange variados conhecimentos, tais como teorias da composição
musical, síntese sonora, análise e processamento de dados e/ou de sinais digitais, bem
como o de linguagens de programação de computadores. A prática de música inte‐
rativa, seja por compositores ou por intérpretes, tem sido alvo de vários estudos nas
últimas décadas (Winkler, 2001; Fritsch, 2008; Figueiró, 2012), e diversos projetos
vêm sendo desenvolvidos e adotados pela comunidade de compositores interessados
em compor música baseada na interação performer e computador.
148
Processos Criativos Colaborativos 149
149
150 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Temporalidade
A música tem uma relação fundamental com o tempo, visto que necessita dele para
ser percebida, não podendo, portanto, ser dele separada. Sua existência só é possível
através do tempo (Irlandini, 2003, p. 189), sendo também “uma forma de ação no
tempo” (Lima, 2016, p. 102). Essa relação de proximidade, e até mesmo de depen‐
dência, implica vários desdobramentos. Um deles é a percepção da passagem do
tempo através da música.
A passagem do tempo é uma experiência que decorre da relação entre as pessoas
e os fenômenos percebidos por elas. A música exerce uma influência direta na per‐
cepção temporal do ouvinte, moldando o tempo para ele. Segundo Paulo Costa
Lima, compor música é trabalhar diretamente com a temporalidade das coisas, dos
materiais. O autor coloca que música é objetivar o tempo, interferindo na consciên‐
cia temporal. É manipular, dentro do possível, a duração em si (Lima, 2016, p. 102).
Alguns compositores, no século XX, apresentaram preocupação com relação à
fundamentação sobre esse tema, e também quanto à noção do tempo musical. Oli‐
vier Messiaen, em Traité de rythme, de couleur et d'ornithologie (2002), discute a per‐
cepção das durações, noções do tempo presente e passado, tempo biológico, tempo
relativo e psicológico, tempo microfísico, periodicidade e alternância (Copini, 2014,
p. 1). Brian Ferneyhough, em The tactility of time (1988), expõe considerações sobre
um tempo que se torna “palpável quando são efetuadas mudanças no fluxo temporal
através e ao redor de objetos e estados” (Copini, 2014, p. 1). Já Pierre Boulez, ao
definir qualidades do espaço (de alturas) e do tempo musical, menciona duas catego‐
rias: espaço-tempo liso e espaço-tempo estriado. O tempo liso seria aquele amorfo,
em que não se poderiam reconhecer cortes, pulsos, acentos com ritmo periódico. Já
o tempo estriado é pulsado, suas inflexões são audíveis, reconhecemos os cortes e
notamos a sua passagem, mesmo que se organize de modo complexo, como, por
exemplo, fazendo uso do conceito de duração, e não mais de ritmo, não tendo uma
pulsação como referência (Boulez, 1986, p. 87).
Processos Criativos Colaborativos 151
Partindo desse pensamento, pode-se dizer, então, que, no tempo linear, os ma‐
teriais musicais guardam uma intensa relação de causalidade, de modo que o fluxo
musical pode ser entendido como um processo direcional e evolutivo de uma ideia
inicial. A linearidade se apresenta como a percepção da composição musical, levan‐
do-se em conta eventos e materiais musicais ocorridos anteriormente na obra. As‐
sim, a linearidade está profundamente conectada ao progresso da obra, como uma
meta ou direção clara a ser atingida. Essa perspectiva guarda fortes relações com a
criação de expectativa, mencionada pelo autor. E, em se tratando de expectativa, o
tempo linear se aproxima do pensamento predominante da cultura ocidental, que
concebe o tempo, de uma maneira geral, nas relações entre o binômio passado e
futuro, esperando encontrar também essa lógica no tempo musical.
Enquanto o princípio da linearidade está em fluxo constante, uma situação de
não-linearidade tende a não se desenvolver, a não mudar. Não é progressiva, por
assim dizer. Dentro da lógica não-linear, os eventos musicais não guardam relações
causais, mas manifestam-se como resultado de princípios preestabelecidos, os quais
152 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
governam uma obra ou determinado trecho dela. Este é o tempo fincado no presen‐
te (Amaro, 2015, p. 23-24). A não-linearidade, portanto, não possui, necessariamen‐
te, relação com eventos anteriores na composição — cujas implicações, na lógica
linear, estão em constante mudança —, ou com uma meta e direção clara a ser atin‐
gida. Ao contrário, relaciona-se com elementos imutáveis na composição. Kramer
coloca que “a não-linearidade é um conceito, uma atitude composicional e uma es‐
tratégia de escuta que se preocupa com a permanência da música: com aspectos de
uma peça que não mudam e, em casos extremos, com composições que não mudam”
(Kramer, 1988, p. 19). É de extrema importância ressaltar que ambos os conceitos —
linearidade e não-linearidade — não são mutuamente excludentes quando estuda‐
mos o tempo. A música pode ser, por exemplo, linear em um nível estrutural pro‐
fundo e não linear em sua superfície. Kramer aponta que qualquer tentativa de vin‐
cular uma obra ou um trecho dela a apenas um conceito de temporalidade deve ser
Figura 1
A linearidade, um processo direcional e evolutivo de uma ideia inicial,
em trecho da obra Nephele.
Figura 2
A não-linearidade, na qual os objetos tendem a não se desenvolver, no
trecho da obra Nephele.
Processos Criativos Colaborativos 153
evitado (Kramer, 1988, p. 18). No ambiente da obra Nephele, criada durante a pes‐
quisa, busco explorar esses gestos e trajetórias com base nos contextos estabelecidos
por Kramer (1988): tempo linear (os materiais guardam uma intensa relação de cau‐
salidade, o fluxo musical como um processo direcional e evolutivo; ver o exemplo
na Figura 1) e o tempo não-linear (não se desenvolve, os eventos não guardam re‐
lações causais; ver exemplo na Figura 2).
A definição de “tempo virtual”, elaborada por Susanne Langer (2006), procura
determinar o tempo próprio da música, que é diferente do tempo científico e do
tempo social. É, na verdade, um tempo vital em que a música se desenvolve. Esse
tempo é experienciado, o que permite alegar sua proximidade com a determinação
de tempo formada na consciência. Langer declara que o tempo musical que se de‐
senvolve em um tempo considerado como fluxo, como passagem, é uma ilusão. Essa
passagem é ocupada pelo conteúdo audível em movimento, e esse intervalo entre
uma coisa e outra é, para a autora, uma experiência tão ilusória quanto o tempo
mensurável do relógio. A duração musical quase se confunde com a duração da
consciência, tal sua aproximação com ela (Krewer, 2012).
A duração, na música, assim como o espaço, não é um fenômeno real, mas algo
extremamente diferente do tempo científico e mecânico do relógio. É incomensu‐
rável, é um tempo “vivido”, que só pode ser medido pela percepção, pela tensão e
pela emoção. O tempo musical está intimamente ligado às formas e continuidades
específicas deste ou daquele acontecimento ou fluxo musical (Irlandini, 2003, p.
190). Ao afirmar que “música torna o tempo audível e torna sensíveis suas continui‐
dades” (Irlandini, 2003), Langer aponta não só para a natureza sensível e sonora da
música, mas também do tempo musical. Trata-se de uma espécie de tempo que de‐
corre auditivamente. A recíproca é verdadeira, pois a música também decorre tem‐
poralmente. Sendo assim, tempo e música se identificam com a experiência sensível
do som, graças a essa reciprocidade.
A música é uma das formas de duração. Suspende o tempo comum e se oferece
como um equivalente e ideal substituto. Nada é mais metafórico ou mais forçado na
música do que a sugestão de que o tempo está passando enquanto a ouvimos. Langer
ressalta que a divergência do tempo virtual para com o tempo real está em sua pró‐
pria estrutura, seu padrão lógico, que não é da ordem unidimensional que supomos
para efeitos práticos. A autora argumenta que o tempo virtual criado na música é
uma imagem do tempo em um modo diferente, isto é, funcionando a partir de dife‐
rentes termos e relações (Langer, 2006, p. 117-118).
O conceito de tempo que emerge de tal mensuração, segundo Langer, é muito
afastado do tempo como conhecemos pela experiência, esse tempo que é essencial‐
mente “passagem”, com o sentido de transitoriedade, movimento. A partir dessa
perspectiva, a problemática das diferenças das temporalidades do performer (musical
simultâneo, vívido), do computador (cronométrico), e do compositor (tempo dife‐
rido, imaginado) é potencializada. Ainda que seja necessário pensar essa problemáti‐
ca, propomos aqui, que as diversas temporalidades podem contribuir para contextos
composicionais em geral.
Bob Snyder aborda a linearidade pelo viés da metáfora da causalidade — ao que
aludimos anteriormente no capítulo. Para ele, a linearidade é o modo de construir
música de maneira que eventos em sequência pareçam conectados e crescendo uns
em relação aos outros. O autor também veicula noções de organização de padrões e
direcionalidade para pensar o linear e o não-linear. Nesse sentido, menciona padrões
não-lineares como incluindo aqueles nos quais valores paramétricos não mudam ao
154 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
longo do tempo, mas meramente se repetem, flutuam entre valores fixos sem uma
ordem particular, ou são escolhidos aleatoriamente (Snyder, 2000, p. 62). Para escla‐
recer o que considera como característico da linearidade, Snyder traz a noção de
fronteira de um esquema temporal. Essa fronteira seria o ponto em que um esquema
acaba e outro começa, e é baseada na existência de alvos. A ideia de alvos, de certa
forma, relaciona-se com o pensamento de Kramer, já que remete à noção de ligação
entre memória, previsibilidade e expectativa — visto que a ideia de um alvo, normal‐
mente, implica que o presente é, de alguma maneira, estruturado por uma ideia de
como o futuro será ou deveria ser (Snyder, 2000, p. 115). Assim, também o presente
é estruturado por uma expectativa preestabelecida a partir da vivência do tempo pas‐
sado. É progressivo. Portanto, estamos no domínio da linearidade e da incisividade
(Bertissolo, 2013).
A ideia de movimento de Snyder se estabelece a partir da articulação do movi‐
mento na memória. Assim, o autor argumenta que a noção de movimento em música
está ligada às ideias de proximidade e similaridade, sendo possível, então, identificar
eventos subsequentes uns aos outros, e criar a imagem metafórica de que esses eventos
são uma coisa que está se movendo (Snyder, 2000, p. 113). Snyder coloca que movi‐
mento envolve mudança, e que o movimento musical é feito pela mudança progres‐
siva de um ou mais parâmetros. Dessa forma, constrói o conceito de que a metáfora
de movimento em música está relacionada com a percepção de causalidade, de movi‐
mento direcionado (Bertissolo, 2013, p. 46). Nesse sentido, compomos com a noção
de gesto, também os aspectos direcionais, e operamos movimento através de trajetó‐
rias no fluxo musical, em direção a alvos (Bertissolo, 2013).
Interação
Na atividade musical eletroacústica, pode-se dizer que o termo “interação” remete a
intervenção e controle, ou ainda, ao ser reativo ou passivo em comparação ao outro.
Entretanto, o conceito de interação engloba diversos valores semânticos específicos
para diferentes áreas do conhecimento, os quais influenciam e se relacionam com este
que usamos aqui. Daí a importância de considerá-los, ainda que superficialmente.
Alguns pesquisadores, como Winkler (2001) e Neuman (2008), costumam
exemplificar e caracterizar “interação” conectando o termo ao conceito de diálogo,
por exemplo. Portanto, pensam a interação, geralmente, através da imagem do mo‐
delo de conversação entre seres humanos. A partir dessa perspectiva, a interação
pode ser entendida como um tipo de relação que ocorre entre duas ou mais entida‐
des, quando a ação de uma delas provoca uma reação da outra ou das demais.
Por oposição à unidirecionalidade característica da causalidade, a bidirecionali‐
dade — ou mesmo, interatividade — é essencial à ideia de interação, daí a compara‐
ção com o diálogo. Vejamos a construção feita por Winkler na introdução do livro
Composing Interactive Music:
Interação é uma via de mão-dupla. Nada é mais interativo do que uma
boa conversa: duas pessoas compartilhando palavras e pensamentos, duas
partes engajadas. As ideias parecem voar. Um pensamento afeta espon‐
taneamente o próximo. Participantes de um diálogo presumem que haja
muita experiência vivida e encontram estímulo na experiência compar‐
tilhada. Diálogo implica um contexto consistente o qual cria um senti‐
mento de compreensão mútua, sem ser previsível. Por outro lado,
quando apenas uma pessoa fala, não é interativo — é uma palestra, um
solilóquio. Computadores simulam interação.... São mímicos habilido‐
sos capazes de representar imagens, sons, e ações do mundo real e de
Processos Criativos Colaborativos 155
Figura 3
Parte do patch usado no Pure Data na obra Nephele.
156 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Conclusão
Considerando as principais questões sobre a complexidade do tempo, relacionando
os paradigmas da interação na música eletroacústica mista, essa relação coloca desa‐
fios, uma vez que o tempo musical e o cronométrico, por vezes, não são compatíveis
(Langer, 2006). Entretanto, a liberdade expressiva da performance é alcançada
quando os universos eletrônico e acústico se encontram em equivalência, implican‐
do que o agente computacional seja maleável, tornando-se performático. Esses pres‐
supostos nos levaram à formulação de estratégias, que não só revelam implicações
em nível de viabilidade das expressões performativas, mas também no nível da com‐
posição das obras.
Imagino que possíveis desdobramentos desta pesquisa, no futuro, serão direcio‐
nados para a dimensão cognitivo, para o estudo de processos de construção do sentido
e da percepção, integrando com os ambientes computacionais. Especialmente, a
computação cognitiva, que vem se apoiando em conceitos de inteligência artificial e
aprendizagem de máquinas como pilares para a construção de sistemas que interagem
de forma mais natural com os seres humanos. Essa interação se dá por meio da com‐
preensão da linguagem natural, da capacidade de aprendizagem e do reconhecimento
de padrões de dados não estruturados, que são habilidades do cérebro humano.
O filósofo David Chalmers evidencia o uso da computação no estudo atual da
cognição. Ele afirma que a computação é o fundamento central da ciência cognitiva
moderna (Chalmers, 1993). As tendências em computação cognitiva estão voltadas
à aplicação massiva de técnicas de machine learning, como deep learning, aprendizado
com redes neurais⁴ profundas e técnicas de processamento de linguagem natural,
que promovem maior integração entre as tecnologias de processamento de fala e as
tecnologias de inteligência artificial.
Notas
1 Tape é uma faixa de áudio pré-gravada
2 Click-track é um termo normalmente usado no estúdio de gravação ou no ambiente de
performance ao vivo, que se refere ao metrônomo. Geralmente, é executado em um
computador ou aplicativo e é definido em um tempo ou velocidade predeterminado.
Processos Criativos Colaborativos 157
Referências
Amaro, V. B. (2015). O ritmo como um articulador de gestos e processos composicionais na
perspectiva de um diálogo com a capoeira. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa
de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
Bertissolo, G. (2013). Composição e capoeira: dinâmica do compor entre música e
movimento.Tese (Doutorado em Composição) – Programa de Pós-Graduação em
Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
Bertissolo, G. (2013). Capoeira e composição: Diálogos entre cognição e processos
criativos. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 33–54, nov.
Bertissolo, G. (2016). Dinâmicas do compor entre Música e Movimento. In: Lima, P. C
(org.). Teoria e Prática do Compor IV: Horizontes metodológicos, Salvador: Edufba, n.
4, p. 23 – 90, dez.
Boulez, P. (1986). A Música Hoje. 3 ed. São Paulo: Perspectiva.
Chalmers, D. J. (2011). A Computational Foundation for the Study of Cognition. Journal
of Cognitive Science. Seul, vol. 12, n. 4, p. 323–357.
Copini, G. C. (2014). O tempo como espaço do som: a composição da carne do tempo em Gérard
Grisey. Tese (Doutorado) - Instituto de Artes, Universidade Estadual deCampinas,
Campinas. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/
285276. Acesso em: 25 ago. 2019.
Farnell, A. (2010). Designing Sound. Cambrigde: MIT Press.
Ferreira, J. L. C. M. (2014). Música Mista e Sistema de Relações Dinâmicas. Tese
(Doutorado) – Computação musical e sonora, Universidade Católica Portuguesa,
Porto.
Figueiró, C. S. (2012). SINCOPA - Sistema Interativo de Composição, Performance e Análise -
Técnicas, Reflexões e Poéticas. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em
Música da Universidade Federal da Bahia, Salvador.
Fritsch, E. (2008). Música eletrônica: uma introdução ilustrada. Porto Alegre: Editora da
UFRGS.
Grisey, G. (1998). La musique: le devenir des sons'. In: Vingt-cinq de créatin musicale
contemporaine, ed. Danielle Cohen-Levinas, Paris, L'Harmattan.
Grahan, R. (2011). A Live Performance System in Pure Data: Pitch Contour as Figurative
Gesture. In: International Pure Data Convention, 4, Berlim. Proceedings[...] Berlim,
Bauhaus-Universität Weimar, 2011. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/
viewdoc/download?doi=10.1.1.462.4254&rep=rep1&type=pdf. Acesso em 20 de abril
de 2019.
Irlandini, L. A. (2013). Ser e Devir no Tempo Musical. In: Encontro Internacional de
Teoria e Análise Musical - EITAM, 3. São Paulo. Anais eletrônicos[...] São Paulo:
ECA-USP, 2013. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/etam/iiiencontro/files/
comm_Irlandini_p189-199.pdf. Acesso em 07 de março de 2019.
Kramer, J. (1988). The Time of Music. Nova Iorque: Schirmer Books.
Kreidler, J. (2009). Loadbang: Programming Electronic Music in Pure Data. Hofheim am
Taunus: Wolke Verlagsges.
Krewer, K. (2012). O conceito de Tempo em Bergson e as Críticas Destinadas a Tal
Conceito. In: Scientariun História, Filosofia, Ciências, 5. Rio de Janeiro. Anais
158 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resumo
Este trabalho apresenta um experimento piloto para a coleta e avaliação de dados com o propósito de inves‐
tigar a influência da música no nı́vel de imersão em jogadores experts durante a interação de um jogo ele‐
trônico, a partir de imageamento cerebral. Para a aplicação deste experimento inicial foi escolhido o Cup‐
head, um jogo eletrônico do gênero plataforma e run and gun inspirado nos desenhos animados da década
de 1930. O experimento piloto consistiu na coleta de dados de um jogador expert, através do uso de um
eletroencefalograma durante a interação com o game. Foram captadas imagens cerebrais durante 4 sessões
em que os recursos auditivos do jogo (música e efeitos sonoros) estavam ou não habilitados. Os dados co‐
letados foram analisados sob a ótica de estudos sobre neurociência afetiva (Posner, Russel, & Peterson,
2005), estado de fluxo (Csikszentmihalyi, 1990) e Music Design (Thomas, 2017) para se compreender a
interferência da música na experiência do jogador. Com base nos dados coletados, foi possı́vel concluir que
a música contribuiu para a elevação do nível de atividade no Lobo Pré-Frontal esquerdo, associada a sen‐
sações de prazer e excitação (Posner; Russel; Peterson, 2005). Embora reconheçamos a complexidade dos
sistemas neuronais e a plasticidade cerebral, esperamos poder realizar comparações com um maior número
de jogadores, com perfis variados de experiência musical e interação com games, de forma a nos permitir
inferir questões para o desenvolvimento de estratégias de composição musical para jogos eletrônicos que
promovam imersão.
Palavras-chave: Música, jogos eletrônicos, imersão, neurociência, bci
Introdução
A composição musical desempenha um importante papel no contexto dos jogos ele‐
trônicos, contribuindo significativamente no processo de imersão do jogador (Hui‐
berts, 2010). Tendo em vista seus aspectos interativos, o processo de criação musical
para jogos eletrônicos difere do processo empregado em mı́dias lineares como o ci‐
nema e TV. Uma vez afirmada a necessidade de o jogador interagir constantemente
com as ações que ocorrem na tela, o compositor deve criar uma música capaz de se
adaptar dinamicamente às decisões tomadas pelo jogador durante sua interação. Por
outro lado, em um filme, o compositor pode criar e sincronizar sua música previa‐
mente a um número de quadros pré-determinados (Sweet, 2015).
O presente experimento reflete minha experiência prática como compositor de
trilhas sonoras para games e minha experiência como pesquisador, em que busco in‐
vestigar os processos criativos de composição musical para Games considerando sua
natureza enquanto produto audiovisual, e também seus aspectos interativos devido
às liberdades de escolha do jogador.
do gênero plataforma e run and gun inspirado nos desenhos animados da década de
1930, desenvolvido pelo estúdio canadense Studio MDHR e com trilha sonora ori‐
ginal criada pelo compositor Kristofer Maddigan. O experimento piloto consistiu na
coleta de dados de um jogador expert através do emprego de um eletroencefalogra‐
ma durante a interação com o game. O jogador testado interage diariamente com
jogos eletrônicos desde os 5 anos de idade e possui formação acadêmica na área de
música. A análise dos dados coletados irá contribuir para a realização de uma série
de testes futuros, com o intuito de embasar a proposição de processos criativos de
música para jogos eletrônicos.
Figura 1
Eletroencefalograma Open BCI modelo UltraCortex Mark IV Headset 8 channel e
placa Cyton Biosensing Board 8 channel (Open BCI, 2020).
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 163
Music Design
Sendo os jogos eletrônicos uma mídia audiovisual, é importante considerar a relação
entre som e imagem e seu impacto na experiência do jogador. No artigo Music as a
source of emotion in film, a pesquisadora Annabel Cohen, defende que a música fornece
uma camada de informação essencial para que o espectador possa melhor compreen‐
der e interpretar a cena de um filme (Cohen, 2001). Ampliando este entendimento
no contexto dos jogos eletrônicos, o conceito de Music Design nos ajuda a com‐
preender não somente as possíveis relações entre música e imagem, mas também as
relações entre a música e os elementos interativos de um game.
O termo Music Design foi cunhado inicialmente pelo compositor veterano da
indústria de games, Guy Whitmore (2003) em seu artigo intitulado Design with music
in mind: a guide to adaptive audio for game designers, e mais tarde definido pelo igual‐
mente experiente compositor Chance Thomas, como um “planejamento abrangen‐
te que descreve o objetivo, ferramentas e logísticas para todos os usos de música em
um jogo” (Thomas, 2016, p. 57), incluindo estados de jogo, pontos de transição, etc.
Assim, o compositor será capaz de organizar e executar seus processos criativos de
forma mais eficiente, levando em consideração os aspectos interativos e adaptativos
164 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
dos jogos eletrônicos, gerando uma composição mais flexível, funcional e melhor
integrada à experiência proposta para o jogo (Thomas, 2016).
Dada a importância do conceito de Music Design, elaborei uma tabela (Tabela
1) com o intuito de auxiliar a etapa inicial de concepção musical nos processos cria‐
tivos do compositor para Games, relacionando elementos de jogo e elementos mu‐
sicais. Utilizo esta tabela, por exemplo, durante processos de análise de jogos em sala
de aula na disciplina intitulada Music Design, que leciono na Universidade do Estado
da Bahia (UNEB), para auxiliar desenvolvedores e compositores a melhor com‐
preender as escolhas musicais em jogos utilizados como possível referência para seus
próprios projetos.
Tabela 1
Relações entre Elementos de Jogo e Elementos Musicais (Moraes, 2020).
Neurociência Afetiva
A Neurociência Afetiva é o campo da neurociência dedicado ao estudo do impacto
das emoções no comportamento humano (Almada, 2014). Os pesquisadores (Posner
et al., 2005) em seu artigo The circumplex model of affect: An integrative approach to
affective Neuroscience, cognitive development, and psychopathology propõem que todos
os estados afetivos podem ser representados por dois sistemas neurofisiológicos in‐
dependentes: Valência, que se refere a estados afetivos agradáveis e desagradáveis e
Excitação ou Alerta. Ambos sistemas podem ser representados pelo Modelo Cir‐
cumplexo de Afeto (Figura 2), proposto por Russel (1980). Neste modelo, cada ex‐
periência afetiva pode ser compreendida através da combinação dos sistemas de Va‐
lência e Excitação em diferentes níveis (Posner et al., 2005). O estado afetivo de
“Alegria, por exemplo, é conceituado através de um estado emocional que é produto
de intensa ativação dos sistemas neuronais associados a Valência Positiva ou prazer,
combinada a ativação moderada nos sistemas neuronais associados à Excitação ou
Alerta” (Posner et al., 2005, p. 2).
Figura 2
Modelo Circumplexo de Afeto (Russel, 1980).
Figura 3
Mapeamento cerebral durante Sessão 1:
interação sem recursos de áudio habilitados (Moraes, 2020).
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 167
Figura 4
Mapeamento cerebral durante Sessão 2:
interação somente com efeitos sonoros habilitados (Moraes, 2020).
Figura 5
Mapeamento cerebral durante Sessão 3:
interação somente com a música habilitada (Moraes, 2020).
Figura 6
Mapeamento cerebral durante Sessão 4:
interação com todos os recursos de áudio habilitados (Moraes, 2020).
168 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resultados e conclusões
Após a realização das sessões de testes foi constatado maior nível de ativação do Lobo
Pré-Frontal esquerdo durante as Sessões 3 e 4, em que a música esteve habilitada
durante a interação. Sendo assim, é possível concluir que a Música contribuiu para
a elevação do nível de atividade no Lobo Pré-Frontal esquerdo, associada a sensa‐
ções de prazer e excitação (Posner; Russel; Peterson, 2005). Do ponto de vista do
Music Design, a paleta sonora escolhida pelo compositor Kristofer Maddigan e a músi‐
ca com andamento elevado, efeitos caricatos e rítmica constante em Cuphead inseriu
maior dinâmica ao gameplay, contribuindo para maior imersão do jogador.
O experimento demonstrou potencial na detecção do estado imersivo através
de medição de atividade cerebral, podendo embasar processos criativos musicais. No
entanto, é necessário realizar novos testes com um maior número de jogadores de
perfis variados de experiência musical e de interação com games. Além disso, deverão
ser realizados experimentos com diferentes versões de músicas implementadas em
um mesmo jogo e aplicação de questionários de forma semelhante aos experimentos
de distorção temporal citados (Sanders & Cairns, 2010; Zhang & Fu, 2015).
Referências
Almada L. (2014). A neurociência afetiva como modelo explicativo das emoções básicas.
Psicologia Argumento, 79, 69-77.
Audi, G. (2016). Imergindo no mundo do videogame (1ª ed.). Curitiba: Appris. 199 p.
Cohen, A. (2011). Music as a source of emotion in film. In. J. Sloboda & P. Juslin. (Eds.),
Handbook of Music and Emotion: Theory, Research, Applications. (pp. 249-272). Oxford :
Oxford University Press.
Collins, K. (2008). Game Sound: an introduction to the history, theory and practice of video
game theory and sound design(1ª ed.). Massachusetts: The MIT Press.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow (1ª ed.). Nova Iorque: HarperCollins.
Damasio, A. (1994). Descartes' error. Nova Iorque: Avon Books.
Davidson, Ekman, Saron, Snulis, Friesen (1990). Approach/withdrawal and cerebral asym‐
metry: Emotional expression and brain physiology. Journal of Personality and Social
Psychology, 58, 330-341.
Huiberts, S. (2010). Captivating Sound - the role of audio for immersion in computer
games. (Tese de Doutorado). Utrecht School of Arts e University of Portsmouth.
Utrecht e Portsmouth. Holanda e Inglaterra.
Jones, & Fox. (1992). Electroencephalogram asymmetry during emotionally evocative
films and its reaction to positive and negative affectivity. Brain and Cognition, 20, 280-
299.
Keil, Muller, Gruber, Wienbruch, Stolarova, &Elbert (2001). Effects of emotional arousal
in the cerebral hemispheres: A study of oscillatory brain activity and event-related po‐
tentials. Clinical Neurophysiology, 112, 2057-2068.
Moraes, T. (2017). Composição Musical no Audiogame Breu: os desafios e processos de um
jogo inclusivo. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Bahia, Salvador,
Brasil.
Posner, Russel, & Peterson (2005). The circumplex model of affect: An integrative ap‐
proach to affective Neuroscience, cognitive development, and psychopathology. Pub‐
Med Central, 17(3), 715-734.
Russell, J. (1980). A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychology,
39, 1161-1178.
Russell, J. (2003). Core affect and the psychological construction of emotion. Psychological
Review, 110, 145-172.
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 169
Sanders, & Cairns (2010). Time perception, immersion and music in videogames. BCS, 24
(10), 160-167.
Sweet, M. (2015). Writing interactive music for video games (1ª ed.). New Jersey: Pearson
Education.
Thomas, C. (2016). Composing music for games: the art, technology and business of videogame
scoring(1ª ed.). Cleveland: CRC Press.
Whitmore, G. (2003). Design with music in mind: a guide to adaptive audio for game de‐
signers.[s.l.]: UBM. Recuperado em 23 de novembro, 2020, de: https://www.gamasu‐
tra.com/view/feature/131261/design_with_music_in_mind_a_guide_.php
Zhang, & Fu (2015). The influence of background music of video games on immersion.
Journal of Psychology & Psychotherapy, 05 (04).
19
170 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resumo
A aferição de parâmetros fisiológicos de grupos de voluntários é uma prática corrente no campo da com‐
putação afetiva. No videogame1, a medição de respostas do corpo — tais como variação da frequência car‐
díaca, atividade cerebral e atividade eletrodérmica — serve a pesquisadores como uma ferramenta integrada
à modulação de aspectos do jogo digital, entre eles, seu áudio. Nesse sentido, este trabalho buscou fazer um
levantamento da produção acadêmica voltada para o estudo do uso de biofeedback em jogos digitais. Mais
especificamente, almejou elencar e discutir criticamente os textos produzidos sobre sistemas cíclicos que
sirvam à adaptabilidade em tempo real da trilha sonora de videogame. Para tanto, estabeleceu-se um recorte
temporal de trabalhos publicados entre 2005 e 2020 e, a partir disso, fez-se um backward snowballing com
arcabouço pré-selecionado de publicações sobre o assunto. Posteriormente, adotou-se o forward snowballing
para cobrir o período de tempo entre 2016 e 2020 — não contemplado pela seleção inicial. O resultado
desse processo foi a descoberta de que os trabalhos sobre biofeedback e adaptação de aspectos interativos do
jogo digital superam em grande número aqueles que abordam a adaptabilidade da trilha sonora. Sobre o
pequeno número destes, notou-se que a discussão sobre o biofeedback ligado ao modelo de arousal/valência
enquanto modulador de trilha sonora permanece, eminentemente, no campo teórico, embora alguns tra‐
balhos apontem caminhos para sua vindoura concretude.
Palavras-chave: Trilha sonora, computação afetiva, biofeedback, jogos digitais
Introdução
A intersecção entre os campos da computação afetiva e dos jogos digitais tem, em
sua raiz, uma relação de mútuo benefício. Se o raison d’être da computação afetiva jaz
na tentativa de “dar aos computadores a habilidade de reconhecer, expressar e, em
alguns casos, ‘ter’ emoções” (Picard, 2000, p. 1), o videogame se postula como um
laboratório de enormes potencialidades. Do outro lado da linha, um melhor enten‐
dimento do funcionamento das emoções humanas permite, aos criadores de jogos
digitais, pensar seu meio sob uma nova ótica e se fazer algumas perguntas: as respos‐
tas afetivas podem guiar a elaboração de um jogo digital? A interação jogador-jogo
pode ser modulada a partir de um modelo pautado na psicofisiologia?
Explica-se, afinal, que o surgimento dessa intersecção tenha se dado em um vide‐
ogame que ainda tentava consolidar seu espaço como uma mídia estabelecida na in‐
dústria do entretenimento. Em 1983, a empresa estadunidense Atari desenvolveu um
protótipo de controle de videogame via atividade cerebral, o Atari Mindlink (Nacke
et al., 2011). O dispositivo não chegou a ser comercializado. A versão japonesa de
Tetris 64 (Amtex, 1998) contava com um sensor de frequência cardíaca. Em seu modo
para vários jogadores, o jogo modulava o ritmo do quebra-cabeça de acordo com a
aceleração/desaceleração dos batimentos de cada competidor. Mais recentemente, o
estúdio independente Flying Mollusk lançou Nevermind (2015), um game de horror
para computadores pessoais, cuja arquitetura de fases é modulada pelo movimento
ocular do jogador, captado por webcam, ou por sua frequência cardíaca.
Concomitantemente, o corpus de produções acadêmicas sobre o tema se confi‐
gurou de maneira multidisciplinar. Trabalhos produzidos no início dos anos 2000
buscaram estabelecer um diálogo com a área médica, frutificando em pesquisas que
se valeram do videogame como um meio terapêutico (Bersak et al., 2001; Sharry et
170
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 171
al., 2003). Nos textos mencionados, os parâmetros fisiológicos do jogador eram afe‐
ridos e subsequentemente interpretados pelo sistema de jogo como elementos de
modulação do comportamento dos avatares e do espaço virtual. Assim, para vencer
os desafios propostos pelo game, o jogador devia relaxar para ser contemplado com
vantagens e menor dificuldade.
Nesse sentido, o trabalho de Bersak et al. (ibid) foi o primeiro encontrado por
esta pesquisa a se valer de um sistema de biofeedback para erigir as bases de seu expe‐
rimento. Aqui, apoiamo-nos na definição proposta por Tom Garner, que define o
biofeedback como um sistema circular em que “estímulos influenciam informação
fisiológica e, em troca, a informação fisiológica influencia os estímulos em um loop
contínuo” (Garner, 2013, p. ix). Não é nosso objetivo, aqui, fazer uma revisão dos
métodos de aferição de respostas afetivas usados na contemporaneidade. Contudo,
para melhor compreensão do tema, expomos que a psicofisiologia trabalha tanto
com respostas ligadas ao Sistema Nervoso Central, como a eletroencefalografia2,
quanto com aquelas ligadas ao Sistema Nervoso Autônomo, tais como avariação da
frequência cardíaca e a atividade eletrodérmica3 (Bontchev, 2016).
Posteriormente, outros estudos imergiram no campo da psicologia afetiva com
outros objetivos. Em artigo seminal, Ravaja et al. (2004) estudaram as respostas fisi‐
ológicas e comportamentais de um grupo de voluntários que testou quatro jogos
diferentes. O trabalho abriu portas para uma discussão sobre quais variáveis devem
ser levadas em conta por game designers4 a fim de criar situações potencialmente mais
interessantes e imersivas.5
A coleta de dados fisiológicos durante sessões de jogo tornou-se uma das ferra‐
mentas acessíveis a pesquisadores do campo dos jogos digitais, tendo sido emprega‐
da em trabalhos sobre a experiência do jogo de tiro (Kuikkaniemi et al., 2010), jogos
de azar (Dixon et al. 2007), interface do usuário (Tennent et al., 2011) e, natural‐
mente, a própria viabilidade de sistemas adaptativos de jogo (Tijs et al., 2008). De‐
notar essa pluralidade de pesquisas é essencial para que possamos definir o escopo do
presente texto.
Este trabalho é fruto da pesquisa de doutorado, em andamento, de seu autor —
que encontra no biofeedback uma ferramenta valiosa à sua própria imersão no campo
da computação afetiva. Nosso objetivo, portanto, é elencar os trabalhos produzidos
sobre esse conceito na área dos jogos digitais e, mais especificamente, discutir criti‐
camente aqueles com enfoque na trilha sonora de videogame.
Vale notar, contudo, que percebemos o biofeedback como um dos muitos cami‐
nhos que podem ser tomados para tentar desnublar o campo hipotético da seguinte
pergunta: quais relações concretas podemos estabelecer entre a percepção sonora e
a resposta afetiva do ser humano? É, inclusive, devido a esse fato que um sistema
preciso de modulação em tempo real de trilha sonora ainda pode ser algo discutido
teoricamente. Daí emerge a relevância deste trabalho: buscar compreender quantos
e quais passos foram dados nesse sentido nos permite formar um panorama mais acu‐
rado para enxergar o caminho à frente de forma mais nítida — tanto para apoiarmos
a produção acadêmica contemporânea sobre computação afetiva quanto para susci‐
tar novos pensares acerca da trilha sonora e seu métier.
Método
Em primeiro lugar, adotamos um recorte temporal para a revisão sistemática de lite‐
ratura sobre nosso objeto de estudo: estabelecemos o período entre os anos de 2005 e
2020 como enfoque. A escolha levou em consideração que a documentação de traba‐
171
172 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
lhos pré-2005 já está suficientemente estruturada, assim como cremos que um espaço
de 20 anos de revisão bibliográfica fugiria em demasia do escopo desta publicação.
Em seguida, optamos pelo snowballing como nossa forma de revisão da literatu‐
ra. O snowballing é “uma estratégia de busca em que, partindo de um conjunto ini‐
cial de artigos, visitam-se referências dele (backward snowballing) e para ele (forward
snowballing). Esse processo é repetido até que não existam mais referências a serem
adicionadas” (Campos, 2019).
Nosso arcabouço inicial de trabalhos, matéria-prima do snowballing, foi uma co‐
letânea de três publicações. Embora o número pareça pequeno, notamos que já havia
revisões substanciais de bibliografia na língua inglesa sobre psicologia afetiva e vide‐
ogames, assim como textos de longa extensão e com amplo número de referências.
Desse modo, os textos escolhidos foram:
● Adaptation in Affective Videogames: A Literature Review (Bontchev, 2016);
● Review on Psychophysiological Methods in Game Research (Kivikangas et al.,
2010);
● Game Audio from Behind the Sofa: An Exploration into the Fear Potential of
Sound & Psychophysiological Approaches to Audio-centric, Adaptive Game‐
play (Garner, 2013).
Buscamos atentar à escolha por um trabalho substancial sobre áudio para vide‐
ogames, a fim de trazer nossa especificidade logo nos primeiros passos do desenvol‐
vimento desta pesquisa. Embora os trabalhos de Bontchev (ibid) e Kivikangas et al.
(ibid) alcancem uma ampla gama de referências, ainda ficamos com uma lacuna en‐
tre os anos de 2016 e 2020 a ser preenchida por nossa revisão. Portanto, buscamos
contemplar esse período na fase de forward snowballing.
Sabemos que a adoção de qualquer método deve ser feita de forma crítica e en‐
tendemos que o snowballing devia ser complementado por outro recurso para miti‐
gar o risco de trabalhos relevantes serem ignorados por nossa pesquisa. Dessa forma,
recorremos também à busca por trabalhos sobre videogame afetivo nas plataformas
JSTOR e Google Scholar para enfrentar esse problema em potencial.
Resultados e discussão
Número de publicações encontradas
Embora o trabalho de Bontchev (2016) elenque mais de 100 referências em seu tex‐
to, quando aplicamos nosso recorte temporal e temático, acabamos encontrando 32
publicações que se encaixam no perfil que buscamos. Nesse sentido, acrescentamos
mais 22 trabalhos citados por Kivikangas et al. (ibid) e outros 9 mencionados por
Garner (2013). Na fase de reverse snowballing, portanto, totalizam um número de 63
publicações — entre artigos, teses, dissertações e capítulos de livros.
Na fase de forward snowballing e busca paralela nos repositórios mencionados,
focada nos anos de 2016 a 2020, foram encontrados mais 18 trabalhos sobre video‐
games e afetividade. Somam-se em nossa revisão, enfim, um total de 81 trabalhos
sobre o assunto. Um fato que salta aos olhos imediatamente é que, no período men‐
cionado acima, um número considerável de revisões de literatura em língua inglesa
sobre nosso tópico de interesse foi realizado: dos 18 trabalhos que encontramos,
quatro tinham esse objetivo.
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 173
Tabela 1
Trabalhos angariados pela revisão sobre resposta afetiva e trilha sonora de videogames.
O primeiro ponto a ser destacado sobre nosso levantamento é que, afinal, opta‐
mos pela inclusão de trabalhos não focados, especificamente, sobre biofeedback. Um
fato levantado por diversos textos consultados é que o desenvolvimento de um sis‐
tema de trilha sonora adaptável à resposta afetiva do jogador é, por ora, uma hipóte‐
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 175
Um ano depois, Garner (2016, p. 210) reforçou essa ideia ao afirmar que “à data
de redação, esse tipo de tecnologia [biometria aplicada à experiência do jogador] (...)
continua sendo, eminentemente, uma área de pesquisa e desenvolvimento ao invés
de uma tecnologia comercialmente viável”.
Os trabalhos de natureza empírica encontrados sobre o assunto também con‐
vergem para esse lugar comum. A tese de doutorado de Tom Garner (2013), pionei‐
ra na tentativa de criar um sistema de biofeedback para trilha sonora de jogos de hor‐
ror, não estabeleceu conclusões assertivas sobre a influência dos parâmetros do som
na intensidade do medo percebido pelo jogador.
A questão acerca da precisão da interpretação de dados objetivos explica também
o alto número de trabalhos de natureza teórica sobre o assunto. As publicações de
Ekman (2008; 2009), Weinel et al. (2014), Mitchell (2015) e Grimshaw-Aargaard
(2020) trazem consigo reflexões e propostas de modelos interpretativos. Mesmo as
pesquisas experimentais, como o supracitado trabalho de Garner (2013), tratam do
assunto sob a ótica de uma prova de conceito e apontam caminhos com potencial para
render bons frutos. Concomitantemente, os modelos de descrição de resposta emoci‐
onal se mostraram ferramentas valiosas para outras formas de se pensar a trilha afetiva.
O trabalho de Williams (2018a) é focado no desenvolvimento de um algoritmo de
composição musical baseado no modelo circumplexo elaborado por Russell (1980).
Williams (ibid) propõe um modelo de composição algorítmica para games ba‐
seado em afeto — que o autor chama de AAC (Affectively-Driven Algorithmic Com‐
position10), onde todas as passagens das situações dramáticas do jogo digital são cate‐
gorizadas dentro do modelo circumplexo. Ao fazer a leitura dos gatilhos presentes
na programação do game, o algoritmo adapta a trilha. O algoritmo foi aplicado ao
game World of Warcraft (Blizzard, 2004) e testado por voluntários familiarizados com
o jogo — que também desfrutaram do game original no experimento. Segundo o
texto, embora a trilha algorítmica seja executada por um piano sintetizado, os joga‐
dores, em entrevista, afirmaram sentir que essa música se adaptava melhor à emoção
do plano dramático do que a trilha original.
Esse tipo de experimento, por mais animador que seu resultado seja, deve ser
abordado com cautela. O modelo circumplexo, assim como seus derivados, pode
nos prover com uma ferramenta poderosa para descrever as respostas humanas de
afetividade. Contudo, ele não pode ser encarado como um fim em si mesmo. A
elaboração de um modelo de trilha afetiva deve partir, afinal, da resposta afetiva de
quem usufrui daquela determinada experiência.
176 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Conclusão
Embora o número de trabalhos sobre a afetividade no áudio para games seja relativa‐
mente baixo quando comparado à totalidade do arcabouço levantado aqui, é possível
notar um crescente interesse pelo tópico. A partir disso, pensamos que a maior poten‐
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 177
Notas
1 Embora seja um termo de língua estrangeira, optamos pela grafia da palavra sem itálico
tanto por seu uso constante ao longo do texto quanto pela internalização do termo na
sociedade urbana brasileira. Nesse sentido, também utilizaremos os sinônimos “game” e
“jogo de computador”.
2 Monitoramento da atividade elétrica do cérebro.
3 Medição da atividade das glândulas sudoríparas, também mencionada em outros trabalhos
como condutância galvânica da pele.
4 Profissional responsável pelo desenvolvimento do sistema de regras que irá nortear um
jogo.
5 Aqui, frisamos, não entendemos a imersão como algo quantificável, mas enquanto ato
voluntário de suspensão da descrença a fim de se usufruir de uma experiência fantástica de
qualquer natureza. (Murray, 2003) e que proporciona um novo tipo de vivência. Não
como anti-realidade, mas como realidade expandida por sensações que não podem ser
obtidas no mundo real (Gasi, 2016).
6 Gênero de jogo digital em que o combate se dá por meio de armas de fogo e a câmera é
posicionada nos olhos do avatar.
7 Método de monitoramento da atividade elétrica de um determinado músculo.
8 Relacionado com o trabalho de número 11, daí sua inclusão na lista.
9 Mesmo pesquisador mencionado nos números 3 e 9.
10 Em tradução nossa, Composição Algorítmica Orientada por Afetividade.
11 Em tradução nossa, Questionário da Experiência do Jogador.
Referências
Amtex. (1998). Tetris 64 (Versão de Nintendo 64) [Videogame]. Seta.
Bersak, D., McDarby, G., Augenblick, N., McDarby, P., McDonnell, D., McDonald, B.,
& Karkun, R. (2001). Intelligent Biofeedback Using an Immersive Competitive
Environment. Media Lab Europe Sugar House Lane, Bellevue, Dublin 8, Ireland.
Bontchev, B. (2016). Adaptation in Affective Video Games: A Literature Review.
Cybernetics and Information Technologies, 16(3), 3–34. Proceedings of the Ubicomp 2001
Workshop on Designing Ubiquitous Computer Games, 1–6. Estados Unidos: Atlanta.
Campos, H. (2019). Revisão Sistemática de Literatura. [Apresentação em Powerpoint].
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. Disponível em <http://
www.ic.uff.br/eri-rj-2019/einv-ppgc/files/2019-2-0107.pdf>. Acesso em 1/12/2020.
178 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Dixon, L., Trigg, R., & Griffiths, M. D. (2007). An Empirical Investigation of Music and
Gambling Behaviour. International Gambling Studies , 7 (3), 315-326.
Ekman, I. (2008). Psychologically Motivated Techniques for Emotional Sound in
Computer Games. Proceedings of the 3rd Audio Mostly Conference - AM ‘08, (pp. 20–
26). Suécia: Piteå.
Ekman, I. (2009). Modelling the Emotional Listener: Making Psychological Processes
Audible. Proceedings of the 4h Audio Mostly Conference - AM’09, (pp. 1–8). Escócia:
Glasgow.
Garner, T., Grimshaw, M., & Nabi, D. A. (2010). A Preliminary Experiment to Assess the
Fear Value of Preselected Sound Parameters in a Survival Horror Game. Proceedings of
the 5th Audio Mostly Conference - AM ’10, (pp. 1–9). Suécia: Acusticum Piteå.
Garner, T. A. (2013). Game Sound from Behind the Sofa: An Exploration into the Fear
Potential of Sound & Psychophysiological Approaches to Audio-centric, Adaptive
Gameplay. (Tese de doutorado). Universidade de Aalborg, Aalborg, Dinamarca.
Gasi, F. (2016). Mapas do Imaginário Compartilhado na Experiência do Jogar: O
Videogame Como Agenciador de Devaneios Poéticos. (Tese de doutorado). PUC-SP,
São Paulo, Brasil.
Gasi, F. (2016b). From Sinewaves to Physiologically-Adaptive Soundscapes: The Evolving
Relationship Between Sound and Emotion in Video Games. In K. Karpouzis & G.N.
Yannakakis (Eds.), Emotion in Games (pp. 197–214). Basel: Springer.
Grimshaw, M. Lindley, C. A., & Nacke, L. (2008). Sound and Immersion in the First-
Person Shooter: Mixed Measurement of the Player’s Sonic Experience. Proceedings of
the 3rd Audio Mostly Conference - AM ’08, (pp. 1–9). Suécia: Piteå.
Grimshaw-Aagaard, M. (2020). Presence and Biofeedback in First-Person Perspective
Computer Games: The Potential of Sound. In M. Filmowicz (Ed.), Foundations in
Sound Design for Interactive Media: A Multidisciplinary Approach (pp. 78–94). New
York: Routledge.
Headlee, K., Koziupa, T., & Siwiak, D. (2010). Sonic Virtual Reality Game: How Does
Your Body Sound? Proceedings of the 2010 Conference on New Interfaces for Musical
Expression - NIME 2010 (pp. 423–426). Austrália: University of Technology Sydney.
Kivikangas, M. J., Chanel, G., Cowley, B., Ekman, I., Salminen, M., Järvelä, S., & Ravaja,
N. (2011). A Review of the Use of Psychophysiological Methods in Game Research.
Journal of Gaming & Virtual Worlds, 3 (3), 181–199.
Kuikkaniemi, K., Laitinen, T., Turpeinen, M., Saari, T., Kosunen, I., & Ravaja, N. (2010).
The influence of implicit and explicit biofeedback in first-person shooter games.
Proceedings of the 28th International Conference on Human Factors in Computing Systems -
CHI ’10 (pp. 859–868). Estados Unidos: Hyatt Regency Atlanta.
Liu, C., Agrawal, P., Sarkar, N., & Chen, S. (2009). Dynamic Difficulty Adjustment in
Computer Games through Real-Time Anxiety-Based Affective Feedback.
International Journal of Human-Computer Interaction, 25, 506–529.
Lobel, A., Gotsis, M., Reynolds, E., Annetta, M., Engels, R. C., & Granic, I. (2016).
Designing and Utilizing Biofeedback Games for Emotion Regulation: The Case of
Nevermind. Proceedings of the 2016 CHI Conference Extended Abstracts on Human
Factors in Computing Systems (pp. 1945–1951). Estados Unidos: San José.
Mitchell. (2015). Plug-In to Fear: Game Biosensors and Negative Physiological Responses
to Music. Music and the Moving Image, 8(1), 37–57.
Moffat, D. C., & Kiegler, K. (2006). Investigating the Effects of Music on Emotions in
Games. Proceedings of the 1st Audio Mostly Conference - AM ‘06 (pp. 37–41). Suécia: Piteå.
Murray, J. (2003). Hamlet no Holodeck: O Futuro da Narrativa no Ciberespaço. São Paulo: Unesp.
Nacke, L. E., Grimshaw, M. N., & Lindley, C. A. (2010). More than a feeling:
Measurement of sonic user experience and psychophysiology in a first-person shooter
game. Interacting with Computers, 22(5), 336–343.
Nacke, L. E., Kalyn, M., Lough, C., & Mandryk, R. L. (2011). Biofeedback game design:
Using direct and indirect physiological control to enhance game interaction.
Proceedings of the 2011 Annual Conference on Human Factors in Computing Systems -
CHI ’11 (pp. 103-112). Canadá: Vancouver Convention Centre.
Picard, R. (2000). Affective Computing. Cambridge: MIT Press.
Ravaja, N., Salminen, M., Holopainen, J., Saari, T., Laarni, J., & Järvinen, A. (2004).
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 179
Emotional Response Patterns and Sense of Presence During Video Games: Potential
Criterion Variables for Game Design. Proceedings of the 3rd Nordic Conference on
Human-Computer Interaction - NordiCHI ‘04, 339–347. Finlândia: Tampere.
Reynolds, E. (2015). Nevermind (Versão para PC) [Videogame]. Flying Mollusk.
Russel, J. A. (1980). A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social
Psychology, 39(6), 1161–1178.
Sharry, J., McDermott, M., & Condron, J. (2003). Relax to Win: Treating Children With
Anxiety Problems With a Biofeedback Video Game. Éisteach, 2, 22–26.
Tennent, P., Rowland, D., Marshall, J., Egglestone, S. R., Harrison, A., Jaime, Z., Walker,
B., & Benford, S. (2011). Breathalising Games: Understanding the Potential of Breath
Control in Game Interfaces. Proceedings of the 8th International Conference on Advances
in Computer Entertainment Technology - ACM ‘11, (pp. 1–8). Portugal: Lisboa.
Tijs, T., Brokken, D., & IJsselsteijn, W. (2008). Creating an Emotionally Adaptive Game.
In S. M. Stevens & S. J. Saldamarco (Orgs.), Entertainment Computing—ICEC 2008
(Vol. 5309, pp. 122–133). Berlin: Springer.
Weinel, J., Cunningham, S., Griffiths, D., Roberts, S., & Picking, R. (2014). Affective
Audio. Leonardo Music Journal, 24, 17–20.
Williams, D. (2018). Affectively-Driven Algorithmic Composition (AAC). In D. Williams
& N. Lee (Eds.), Emotion in Video Game Soundtracking (pp. 27–38). Cham: Springer.
Williams, D. (2018b). Brain Computer Music Interfacing (BCMI). In D. Williams & N.
Lee (Eds.), Emotion in Video Game Soundtracking (pp. 51–63). Cham: Springer.
180
20
Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resumo
Este artigo trata dos processos criativos da composição para quarteto de cordas Eternal Chase, criada para a
cena de abertura do script para o filme Playback, escrito por Raymond Chandler em 1958, que conta a estória
de um caso investigado pelo detetive Philip Marlowe, em que a jovem Betty Mayfield foge após ser acusada
de assassinar seu rico marido. A composição foi submetida ao concurso Young Talent Media Music Award,
realizado em 2019 na Alemanha. Considerando a ausência de imagens, foram adotadas estratégias criativas
através da aplicação de conceitos relacionados ao sentido musical e à cognição incorporada extraı́dos do
artigo “A cognitive theory of musical meaning” de Candace Brower, a exemplo dos Esquemas de Imagens e
mapeamento, para construir musicalmente a ideia de constante fuga de Betty Mayfield. Neste artigo são
apresentados esboços musicais e anotações, incluindo mapas temporais e motivos musicais dos personagens,
relacionando ao script do filme. Os processos criativos aplicados contribuı́ram para uma maior articulação
dos gestos musicais com a narrativa do script, que resultaram em feedbacks positivos dos jurados no concurso
Y.T.M.M.A. e premiação como 2º colocado. A presente experiência demonstrou o potencial da aplicação de
conceitos de cognição incorporada no contexto da composição musical para audiovisual, articulando com
a narrativa do script e podendo se explorar em outros contextos e mı́dias, a exemplo dos jogos digitais. Neste
caso, podendo relacionar também à narrativa do jogo e, possivelmente a elementos de interação no cenário
e ações do jogador.
Palavras-chave: Processos criativos, música para cinema, cognição musical, cognição incorporada, esque‐
mas de imagens
Introdução
Este trabalho é resultado da busca por novos processos criativos em minha prática
diária como compositor de trilhas sonoras para cinema e games, através de experi‐
mentações e reflexões no campo da cognição musical, representando a continuação
de minha pesquisa de Mestrado (Moraes, 2017), em que discursei sobre os Processos
Criativos no Audiogame Breu, um jogo eletrônico sem interface visual. A composi‐
ção Eternal Chase, cujos processos criativos são descritos neste artigo, pode ser escu‐
tada em versão de vídeo-partitura através do link: https://www.youtube.com/wat‐
ch?v=QPrejS29ZSc.
181
182 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Figura 1
Mapeamento de Padrões Musicais (Brower, 2000).
Figura 2
Esquema de Contenção (Brower, 2000).
Esquema de Origem-Trajetória-Meta
O Esquema de Origem-Trajetória-Meta (Figura 3) refere-se à nossa experiência de
movimento. Sobre este esquema, Brower (2000) enfatiza alguns pontos importan‐
tes: 1) o movimento é feito por um agente que deseja se movimentar; 2) o ponto
final pode não coincidir com a meta inicial; 3) o movimento pode ou não seguir o
caminho rumo à meta; 4) outras forças como a gravidade ou inércia podem inibir,
bloquear ou desviar o movimento rumo à meta; 5) o bloqueio produzido por outras
forças pode ser superado por ação repetitiva que aumenta a propulsão ou através de
caminhos alternativos de movimento; 6) o caminho à meta tende a vir acompanhada
por um aumento de tensão, e a chegada à meta, por um relaxamento, diminuição ou
interrupção do movimento.
Figura 3
Esquema de Origem-Trajeto-Meta (Brower, 2000).
Figura 4
Movimento constante em colcheias (Moraes, 2019).
Figura 5
Interrupção do movimento constante (Moraes, 2019).
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 185
Figura 6
Tentativas de fuga em um recipiente (Brower, 2000).
Esquema de Centro-Verticalidade-Equilíbrio
O Esquema de Centro-Verticalidade-Equilíbrio (Figura 7) reflete a forma com que a
gravidade atua em nosso corpo, fazendo com que nos mantenhamos eretos em posi‐
ção equilibrada em relação ao solo (Brower, 2000). A força da gravidade faz com que
percebamos o chão como um ponto de origem e equilíbrio, especialmente quando
distribuímos igualmente o peso em torno do eixo vertical, deixando o corpo alinhado
ao centro e estável. Qualquer mudança que provoque deslocamento do eixo faz com
que o corpo naturalmente busque se ajustar para restaurar seu ponto de equilíbrio.
Figura 7
Esquema de Centro-Verticalidade-Equilíbrio (Brower, 2000).
Figura 8
Tema da personagem Betty Mayfield (Moraes, 2019).
Figura 9
Tema do personagem Detetive Philip Marlowe (Moraes, 2019).
Figura 10
Mapa Temporal de Forças atuantes (Moraes, 2019).
Resultados e conclusões
A composição Eternal Chase demonstrou potencial na aplicação de conceitos de
Cognição Incorporada e sentido cognitivo em música no contexto da composição
para cinema, através da articulação com a narrativa do script Playback. A composição
obteve feedbacks positivos dos jurados do concurso Young Talent Media Music Award
2019, tendo sido premiada em 2º lugar. Por também se tratar de uma mídia audio‐
visual, os esquemas de imagem (Johnson, 1987) deverão ser aplicados no contexto
de criação musical para jogos eletrônicos em estudos futuros. Neste caso, estabele‐
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 187
Figura 11
Esboço do Planejamento da Composição Eternal Chase (Moraes, 2019).
Referências
Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory, 44,
323–379. Durham: Duke University Press.
Johnson, M. (1987). The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and
Reason (1st ed.). Chicago: University of Chicago Press.
Moraes, T. (2017). Composição Musical no Audiogame Breu: os desafios e processos de um
jogo inclusivo. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Bahia, Salvador,
Brasil.
Moraes, T. (2019). Eternal Chase [Partitura]. Salvador (13 p.). Quarteto de cordas.
Varela, Thompson, & Rosch (1993). The embodied mind: Cognitive science and human
experience (1st ed.). Massachusetts Institute of Technology.
21
188 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Resumo
O canto coral é uma prática coletiva que pode ser desenvolvida com integrantes de diferentes faixas etárias,
bem como ser um espaço de aprendizagem de diversos conceitos musicais. Indivíduos adultos que partici‐
pam de coros não profissionais podem apresentar dificuldades de afinação, ritmo, leitura de partitura, entre
outras. Este trabalho é resultado de uma pesquisa concluída que teve por objetivo explorar tecnologias di‐
gitais e propor uma aplicação prática em um coro de adultos do ponto de vista do desenvolvimento da
percepção, produção, aprendizagem e memória musical dos integrantes. A metodologia consistiu em um
estudo de métodos mistos, por meio de uma pesquisa-ação com 18 participantes de um coro de adultos,
durante 3 meses. As atividades foram aplicadas nos ambientes presencial e virtual semanalmente. A funda‐
mentação teórica considerou o uso de tecnologias digitais com base no modelo do Conhecimento Tecno‐
lógico Pedagógico e de Conteúdo (TPACK). Os resultados demonstraram que as gravações enviadas pelos
integrantes à regente revelaram um interessante material para análise e avaliação da produção sonora do
grupo, bem como possibilitaram o diálogo em relação aos elementos que poderiam ser aperfeiçoados. O
questionário final demonstrou que o incentivo à prática de diferentes tarefas oferecidas aos integrantes du‐
rante a semana contribuiu com o aumento da frequência diária das atividades relacionadas à escuta musical
e produção vocal. Conclui-se que o contato com a música, proposto de forma organizada e contínua aos
integrantes com o uso de tecnologias digitais, contribuiu com a aprendizagem do coro nos aspectos de
produção vocal, percepção e memória musical.
Palavras-chave: Percepção musical, canto coral, aprendizagem, tecnologia digital
Introdução
O canto coral é uma prática coletiva que pode ser desenvolvida com integrantes de
diferentes faixas etárias, bem como ser um espaço de aprendizagem de diversos con‐
ceitos musicais. Indivíduos adultos que participam de coros amadores podem apre‐
sentar dificuldades de afinação, ritmo, leitura de partitura, entre outras. A prática
coral permite que os integrantes desenvolvam suas habilidades musicais dentro de
um grupo e esse fato pode contribuir com a integração dos processos de apreciação,
criação e do fazer musical que são essenciais para que a aprendizagem ocorra de ma‐
neira global e consistente. Um fato que emerge na sociedade contemporânea está
relacionado à utilização da tecnologia digital de forma criativa no intuito de auxiliar
o regente no desenvolvimento do canto coral de adultos, considerando os diversos
temas relacionados ao grupo. Este trabalho é resultado de uma pesquisa concluída
que teve por objetivo investigar e fazer um levantamento de tecnologias digitais que
sirvam de suporte ao regente, contribuindo com sua formação, e propor uma apli‐
cação prática em um coro de adultos do ponto de vista do desenvolvimento da per‐
cepção, produção, aprendizagem e memória musical dos integrantes.
Método
Participantes
A metodologia consistiu em um estudo de métodos mistos, por meio de uma pes‐
quisa-ação com 18 participantes do coro adulto da Faculdade de Tecnologia de Ita‐
petininga, durante 3 meses. O coro é formado por alunos, ex-alunos e membros da
188
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 189
envolviam questões emocionais, tais como: “a atividade me faz bem”, “me faz feliz”,
“gosto de cantar”, “amo cantar”, entre outras. No entanto, indivíduos que apresen‐
tam dificuldades para cantar de forma afinada podem ter tido alguma experiência
desagradável relacionada à produção musical, no sentido de ser rotulado como “de‐
safinado” por algum professor, colega, entre outros, ou ainda ter passado por alguma
experiência de fracasso ao tentar cantar ou estudar um instrumento musical.
Outro fator a ser considerado é o desenvolvimento da memória musical. Para
Levitin (2006), ao ouvir música, percebemos sete dimensões diferentes: a altura, o
ritmo, o andamento, o contorno, o timbre, o volume e a localização. No entanto,
para que exista a percepção musical é necessário que a memória musical seja acessa‐
da. É possível que os indivíduos que apresentam algum tipo de dificuldade de afina‐
ção não possuam alguns elementos musicais armazenados na memória. Krumhansl
(2006, p. 79) afirma que “a pesquisa empírica tem procurado descobrir se as estrutu‐
ras de altura, tais como a escala, a harmonia e a tonalidade, influenciam o modo
como as sequências de alturas são codificadas e lembradas” e Sobreira (2003, p. 67)
sugere que “a pouca memória musical seja consequência da falta de exposição à
música”, e que, consequentemente, isso influencie a capacidade dos indivíduos de
reter e produzir eventos musicais.
As tecnologias digitais que foram aplicadas na pesquisa, durante 3 meses de en‐
saios do coro de forma presencial e de estudos durante a semana, tiveram o intuito
de contribuir com o aperfeiçoamento da percepção, produção, aprendizagem e me‐
mória musical dos integrantes e serão descritas a seguir.
A utilização do programa MuseScore ocorreu no ambiente presencial e nas ati‐
vidades de estudo propostas durante a semana. Em relação aos conhecimentos mu‐
sicais prévios dos coristas, alguns integrantes estudaram e tocam instrumentos, tais
como piano e violão. Após a aplicação de diferentes atividades com o MuseScore,
percebeu-se que houve, nesses integrantes, um aumento no interesse em tocar e es‐
tudar as músicas propostas no repertório por meio da partitura, bem como os coris‐
tas indagaram sobre como poderiam fazer transposições. Outro aspecto foi verifica‐
do na aplicação presencial do MuseScore no ensino de um cânone, no qual o coro foi
dividido em dois grupos. Os grupos estavam com dificuldades rítmicas e, ao propor
a atividade no programa MuseScore demonstrando e explicando as figuras rítmicas e
as pausas da canção de forma mais lenta para que o coro pudesse reproduzir de forma
correta, observou-se que a associação da imagem com o som contribuiu bastante
para melhorar o entendimento do grupo. Bauer (2014, pp. 71-72) aponta que o edi‐
tor de partitura pode ser utilizado em atividades de criação de frases musicais em
forma de perguntas e respostas, criação de variações a partir de uma melodia e de
pequenas composições com ideias de repetição e contraste.
No programa GNU Solfege foram propostas atividades rítmicas em forma de
jogo com o objetivo de proporcionar o contato com as figuras musicais, de modo
que os coristas pudessem visualizar, ouvir e produzir sons corporais por meio de
palmas, batidas dos pés, buscando propiciar uma atividade interativa. Savi e Ulbricht
(2008) sugerem que os jogos digitais podem contribuir com a aprendizagem devido
ao efeito motivador e facilitador no desenvolvimento de habilidades cognitivas. So‐
bre técnicas de aprendizagem interativa que já foram fundamentadas em jogos digi‐
tais estão: prática e feedback, aprender na prática, aprender com os erros, aprendiza‐
gem pela descoberta, aprendizagem guiada por perguntas, aprendizagem contextu‐
alizada, treinamento e aprendizagem construtivista (Prensky, 2012, p. 222).
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 191
Figura 1
Resumo das respostas iniciais e finais da questão 12.
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 193
Considerações finais
As gravações enviadas pelos integrantes à regente revelaram ser um interessante ma‐
terial para análise e avaliação da produção sonora do grupo, bem como possibilita‐
ram o diálogo em relação aos elementos que poderiam ser aperfeiçoados. As respos‐
tas do questionário final demonstraram que o incentivo à prática de diferentes tarefas
oferecidas aos integrantes durante a semana contribuiu com o aumento da frequên‐
cia diária das atividades relacionadas à escuta musical e produção vocal. O regente
pode valer-se de diferentes tecnologias digitais, tais como programas e serviços de
vídeo que são oferecidos atualmente, bem como elaborar atividades de forma criati‐
va que contribuam com o desenvolvimento da prática coral.
Conclui-se que o estudo musical com o auxílio das tecnologias digitais realizado
durante a semana possibilitou maior interação da regente com o grupo, ampliando
a possibilidade de acompanhamento do desenvolvimento vocal dos coristas a partir
de reflexões e diálogo. O contato com a música proposto de forma organizada e
contínua aos integrantes com o uso de tecnologias digitais contribuiu com a apren‐
dizagem do coro nos aspectos de produção vocal, percepção e memória musical.
Referências
Bauer, W. I. (2010). Technological pedagogical and content knowledge for music
teachers. In: Proceedings of Society for Information Technology & Teacher Education
International Conference (pp. 3977-3980). Waynesville: Association for the
Advancement of Computing in Education.
Bauer, W. I. (2014). Music Learning Today: Digital Pedagogy, Performing and Responding
Music. New York: Oxford University Press.
Bauer, W. I., & Mito, H. (2017). ICT in Music Education. In A. King & E. Himonides, A.
S. Ruthmann (Eds.), The Routledge Companion to Music, Technology, and Education
(pp.91-102). New York and London: Routledge Taylor & Francis Group.
Creswell, J. W. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco
abordagens.(S. M. da Rosa Trad.). Porto Alegre: Penso, 2014.
Krumhansl, C. L. (2006). Ritmo e altura na cognição musical. In B. Ilari (Org.). Em busca
damente musical: ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percepção
àprodução. (pp. 45-109). Curitiba: Editora da UFPR.
Levitin, D. J. (2006). This is your brain on music. The science of a human obsession. NewYork:
DUTTON.
Mishra, P., & Koehler, M. J. (2006). Technological pedagogical content knowledge: A
framework for teacher knowledge. Teachers College Record, v. 108, n. 6, p. 1017-
1054.
Mroziak, J. (2017). Media. In: A. King & E. Himonides, A. S. Ruthmann (Eds.), The
Routledge Companion to Music, Technology, and Education. (pp.225-234). New York
and London: Routledge Taylor & Francis Group.
Prensky, M. (2012). Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Editora Senac.
Savi, R., & Ulbricht, V. R. (2008). Jogos Digitais Educacionais: benefícios e desafios.
RENOTE - Revista Novas Tecnologias na Educação, 6, , 1-10.
Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard
EducationalReview, 57, 1, 1-23.
Sloboda, J. A. (2008). A mente musical: psicologia cognitiva da música. (B. Ilari& R. Ilari,
Trad.) Londrina: EDUEL.
Sobreira, S. (2003). Desafinação vocal. Rio de Janeiro: MusiMed.
22
194 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
CONTRIBUIÇÕES DA METACOGNIÇÃO NO
ENFRENTAMENTO DO PÂNICO DE PALCO
Alfredo Faria Zaine¹, Daniele Briguente², Sonia Ray³
¹²Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista, Brasil
³Escola de Música e Artes Cênicas - Universidade Federal de Goiás, Brasil
¹[email protected], ²[email protected], ³[email protected]
Resumo
O presente estudo discute o pânico de palco e as medidas de enfrentamento por músicos profissionais e
estudantes em formação na área de performance musical. A discussão está organizada em quatro partes: 1)
a compreensão das origens do pânico de palco (a exemplo da fobia social); 2) discussão de causas, sintomas
e possíveis consequências e/ou prejuízos do pânico de palco para a performance musical; 3) apresentação
de alguns mecanismos metacognitivos aplicáveis a preparação, execução e avaliação de performances mu‐
sicais. Aspectos como autopercepção e relatos orais de situações vividas em performance musical e na vida
contribuem para o enfrentamento do pânico de palco, uma vez que permitem ao intérprete identificar e
gerir seus próprios processos mentais, inclusive aqueles responsáveis por gerar o pânico de palco. Por fim,
na parte 4 propõe-se a utilização dos mecanismos apresentados na parte 3. Como metodologia foi feita
revisão de literatura referente à fobia social, pânico de palco e metacognição aplicadas à performance mu‐
sical. O texto traz contribuições do estudo de Dueti (2016), propõe técnicas de reprocessamento de ima‐
gens traumatogênicas (EMDR), apresenta as fobias sociais como um dos transtornos fóbico-ansiosos e de‐
fende a importância dos aspectos psicológicos do músico nos momentos de preparação, execução e
avaliação da performance musical. Kenny (2011) oferece evidências empíricas acerca da fobia social e de
transtornos de ansiedade social, além da compreensão desses problemas no contexto da performance musi‐
cal. Freire (2013) demonstra a utilização de mecanismos metacognitivos no processo que desenvolve a ex‐
pertise musical. Assim, os referidos autores fundamentam a discussão e elucidam o objeto aqui abordado.
Palavras-chave: Fobia social, pânico de palco, processos cognitivos, metacognição na performance musical
194
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 195
195
196 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
aprendido” (p. 109). Esta afirmação, quando aplicada ao campo da música, especial‐
mente da performance musical, pode ser vista tanto do ponto de vista da preparação
para a performance, onde o músico pode entender o panorama da sua preparação,
avaliando o passo-a-passo de seu processo, como também das etapas resultantes dessa
preparação, que são a performance propriamente, bem como sua avaliação. Segundo
Concina (2019), o que se ouve num concerto depende muito do que se passa durante
sua preparação, uma vez que performances bem sucedidas requerem esforço de
aprendizagem e aperfeiçoamento, compreensão dos resultados e estruturação.
A metacognição ou o “aprender a aprender” pode ser o processo chave para as
etapas que podem resultar nesta bem sucedida performance, sendo através do uso de
ferramentas organizacionais, como os mapas conceituais (Zaine & Briguente, 2020)
ou de técnicas de concentração, como a prática mental (Clark & Williamon, 2011;
Coffman, 1990; Sousa & Ray, 2020), que serão oportunamente discutidas. O uso de
tais ferramentas pode otimizar e controlar algumas das etapas da performance: sua
preparação, o momento da performance per se, e a análise dos resultados, a fim de se
traçarem estratégias para se otimizar a próxima performance.
Como afirmam Sousa e Ray (2020), “a música antes de acontecer no instrumen‐
to, acontece na mente” (p. 148). Com essa afirmação justifica-se o uso de ferramen‐
tas e estratégias que preparem e deem suporte ao músico, especialmente àqueles que
sofrem de pânico de palco e APM. Hallam (2001) apresenta pontos que podem levar
ao desenvolvimento de processos metacognitivos como:
[compreensão dos] pontos fortes e fracos pessoais; avaliar as dificuldades
das tarefas; seleção de estratégias para a prática apropriada; estabelecimento
de metas e monitoramento do progresso; avaliação de desenvolvimento;
formas de desenvolver interpretação; estratégias de memorização; aumen‐
to da motivação; gerenciamento de tempo; melhoria da concentração; es‐
tratégias de desempenho. (Hallam, 2001, p. 38, tradução nossa)¹
Esses conceitos apresentados por Hallam (2001) mostram dois pontos importan‐
tes: autoconhecimento e autocontrole, sendo que o autoconhecimento está direta‐
mente ligado à metacognição, onde, se aplicarmos ipsis litteris o conceito de apren‐
der a aprender da metacognição, podemos aplicar essas ideias às ferramentas e
estratégias que atenuam os sintomas do pânico de palco e da APM.
Entende-se que a performance musical inclui uma variedade de habilidades e
conhecimentos previamente adquiridos e preparados pelo músico, exigindo muitas
vezes altos níveis de concentração. Todo esse processo, que pode incluir estudos téc‐
nicos e análises, por exemplo, nos levará ao preparo para a performance musical,
momento em que este músico poderá avaliar todo o processo e sua eficácia, por meio
da exposição e interação com o público (Sinico & Winter, 2012).
Embora realizado por meio de preparação, o momento da performance contém
uma parcela de imprevisibilidade. Logo, planejar as etapas e definir objetivos antes
mesmo do início deste processo pode ser um importante auxiliar no controle da
APM. Este planejamento pode ser elaborado através do uso de ferramentas auxiliares,
dando ao músico chance de entender, compreender e visualizar ideias e conceitos
que muitas vezes são levados ao palco de forma automatizada, repetitiva e sem sua
devida compreensão. Clarke (2002) afirma que a “performance musical em seu mais
alto nível demanda uma extraordinária combinação de habilidades físicas e mentais”
e, para que tais habilidades possam funcionar de forma adequada, é exigido do músi‐
co um alto nível de concentração, inclusive durante o processo de preparação, de‐
pendendo, por sua vez, de níveis controlados de ansiedade por parte do músico.
198 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Figura 1
Detalhe de mapa conceitual.
Sousa e Ray (2020) apresentam ainda alguns exercícios que podem ajudar o
músico na habilidade da prática mental, salientando que, para que a prática mental
seja efetiva o intérprete deve desenvolver a capacidade de imaginar e visualizar men‐
talmente todos os aspectos da performance musical (Sousa & Ray, 2020). Com base
nesta proposta, os autores apresentam os seguintes exercícios, para serem praticados
mentalmente:
Imaginar um ambiente específico, que pode ser uma sala de estudos ou
uma sala de concerto; fazer exatamente o que faria na situação real: entrar
na sala e se aproximar do instrumento; pegar a partitura e colocar na
estante; pegar o instrumento ou se aproximar dele e se colocar em posição
para tocar; visualizar a partitura na estante, observar os primeiros compas‐
sos da obra selecionada e realizar estes compassos iniciais; na sequência
fazer mais uma repetição do trecho, focando na sensação do corpo e
mãos no instrumento; repetir o trecho pela terceira vez, focando no som,
ouvindo a sonoridade do instrumento e realizando uma frase perfeita; dei‐
xar o instrumento e se retirar do local. (Sousa & Ray, 2020, grifos nossos)
Considerações finais
Este trabalho apresentou duas estratégias que se valem da metacognição no enfren‐
tamento do pânico de palco. Cada uma delas com características próprias e, por ve‐
zes, bastante opostas com relação ao seu funcionamento. Os mapas conceituais or‐
ganizam os pensamentos relativos às ações da performance, trazendo-os para o for‐
mato gráfico e textual, através do uso de fluxogramas ou diagramas; estes, por sua
vez, são constituídos por palavras e linhas de conexão, seguindo uma estratégia hie‐
rárquica para uma fácil compreensão e organização, especialmente para a assimila‐
ção das etapas a serem executadas. Já a prática mental trará justamente o oposto:
transformar em imagética o que é da tatilidade usual do performer.
200 Encontros de Cognição Musical – Processos Criativos 2020
Nota
1 Personal strengths and weaknesses; assessing task difficulties; the selection of appropriate
practising strategies; setting goals and monitoring progress; evaluating performance; ways
of developing interpretation; strategies for memorisation; enhancing motivation; time
management; improving concentration; performance strategies.
Referências
Berti, S. V. L. (2015). Medo de palco: uma revisão bibliográfica. In Anais do 14º Colóquio
de Pesquisa do PPGM/UFRJ (pp. 244-255). Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Clark, T., & Williamon, A. (2011). Evaluation of a mental skills training program for
musicians. Journal of Applied Sport Psychology, 23(3), 342–359. https://doi.org/
10.1080/10413200.2011.574676
Clarke, E. (2002). Understanding the psychology of performance. In Musical Performance
(pp. 59–72). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/
CBO9780511811739.005
Coffman, D. D. (1990). Effects of mental practice, physical practice, and knowledge of
results on piano performance. Journal of Research in Music Education, 38(3), 187. https:/
/doi.org/10.2307/3345182
Concina, E. (2019). The role of metacognitive skills in music learning and performing:
Theoretical features and educational implications. In Frontiers in Psychology (Vol. 10,
Issue JULY). Frontiers Media S.A. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01583
Dueti, R. (2016). Psicoterapia breve no tratamento da ansiedade na performance musical.
(Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil.
Disponível em < https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/270/o/Rodrigo_Dueti_-
_Disserta%C3%A7%C3%A3o_Final.pdf>.
Cognição em Interfaces com Mídias e Público 201