Joseadriano,+5 +fundamentalismo +o+alicerce+da+sociedade+moderna+

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 16

Fundamentalismo.

O alicerce da
sociedade moderna1
Fundamentalism. The foundation of modern society

Breno Vinicius da Silva Oliveira2

Resum o. O fundamentalismo surge quando a interpretação literal dos


relatos contidos na Bíblia Sagrada é aplicada como v erdade absoluta, o
religioso fundamentalista rejeita sev eramente interpretações distintas da
sua, assev eram que os dogmas por ele apresentado sejam adotados e
praticados por todos.O fundamentalismo científico trata de estabelecer os
paradigmas da atualidade, ao contrário da religião onde cada segmento
possui características especificas, a ciência é metódica. Contudo a ciência
permanece ignorando outras ideologias e cosmovisões, crendo a ciência ser
a única forma de compreender os fenômenos ex istentes. O
fundamentalismo emerge com o intuito de demonstrar, à nova configuração
de sociedade, os preceitos morais que dev eriam ser seguidos por todos,
sempre pautado em v alores absolutos de sua cosmovisão, seja ela religiosa
ou científica. O fundamentalismo penetrou todas as esferas da sociedade,
sendo capaz de suscitar fieis de todos os lados: professores, alunos,
políticos, comerciantes e etc.
Palav ras-Chav e: Fundamentalismo. Ciência. Religião. Sociedade.

Artigo recebido em: 1 9 nov. 2017


A provado em: 21 dez. 2017

1 O presente artigo faz parte de um projeto de pesquisa para mestrado sobre


a influência da religião no processo de ensino aprendizagem de ciências
naturais para alunos do ensino médio.
2 Mestrando em Ciências das Religiões, pela Faculdade Unida de V itória -

ES. Pós-graduado em Programa Saúde da Família, pela Univ ersidade


Iguaçu (UNIG – Itaperuna). Pós-graduado em Ensino Religioso, pela
Faculdade de Nanuque-MG (FANAN). Pós-graduado em Educação
A mbiental, pela Faculdade de Nanuque -MG (FA NA N). Graduado em
Enfermagem, pela Univ ersidade Iguaçu (UNIG – Itaperuna). Graduado em
Licenciatura Plena em Biologia, pela Faculdade de Ciências da Bahia
(FA CIBA). E-mail: brenov [email protected].
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 71

Abstract. Fundamentalism arises when the ex act interpr etation of the


reports contained in the Holy Bible is applied as absolute truth, the
religious fundamentalist rejects sharply different interpretations of his,
they assert that the doctrines that he presented are adopted and practiced
by all. Scientific fundamentalism comes to establish today 's paradigms,
unlike religion where each segment has specific characteristics, science is
methodical. Yet science remains ignoring other ideologies and worldv iews,
believ ing that science is the only way to understand th e ex isting
phenomena. Fundamentalism emerges in order to demonstrate the new
company setting, the moral precepts that should be followed by ev ery one,
alway s based on absolute v alues of their world v iew, whether religious or
scientific. Fundamentalism has penetrated all spheres of society, being able
to raise faithful from all sides: teachers, students, politicians, merchants
and etc.
Key words: Fundamentalism. Science. Religion. Society .

Introdução

A religião e a ciência existem na mente do ser humano


desde o nascimento, no momento que o homem busca
explicações lógicas e ilógicas para algum fenômeno da
natureza. Quando o indivíduo em algum momento transporta
suas convicções particulares, sejam religiosas ou científicas,
para o meio coletivo passa a existir uma doutrinação baseada
no conjunto de características que permitem à coletividade
viver conceitos comuns que regem sua convicção de vida.
A religião tem sua estrutura fundamental baseada em
duas vertentes: a primeira está relaciona com a experiência
religiosa e a segunda está relacionada com a presença da
doutrina. E a partir deste momento o fiel passa a ter sua visão
de mundo reduzida ao conceito coletivo em que os membros de
determinada comunidade de fé entende como suficiente para
satisfazer sua necessidade espiritual. O fundamentalismo
religioso surge quando o fiel acredita ser a sua religião, sua
doutrina e sua concepção de mundo suficiente para responder
todas os fenômenos religiosos. Outro problema abordado diz
respeito a questão da literalidade das escrituras como ponto de
partida para a instalação de um sistema fundamentalista e que
entende as escrituras como sagradas, inerrante e imutável.
Com a modernidade doutrinas e fundamentos religiosos são
questionados por novos paradigmas e os fiéisbuscam defender
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 72

sua estrutura de fé atacando os novos conceitos que ferem sua


religiosidade.
É importante destacar que o fundamentalismo não está
atrelado apenas a religião, estando presente em diversos
segmentos da sociedade, como a própria ciência. O modelo
científico moderno, busca respostas em métodos de pesquisa,
acreditando ser a única forma aceitável de acesso ao real. A
modernidade apresenta um modelo científico que se acha
capaz de desmistificar a humanidade e responder aos anseios
da humanidade, baseando sua estrutura num paradigma
tecnicista e metódico capaz de produzir uma resposta
sistemática e para a comunidade cientifica, única.O
fundamentalismo científico remete a relação existente entre a
verdade e o modelo científico, onde a maneira utilizada para
estabelecer e confirmar hipóteses pela ciência moderna tem
formado o conhecimento da realidade, eliminando qualquer
possibilidade de interação entre a ciência e outros modos de
compreender e ver o mundo.
O fundamentalismo seja religioso ou científico está
presente na sociedade e atua de forma sectária, formando eixos
de atuação que atuam em meios distintos e não permitem que
exista um diálogo entre as áreas como ciência e religião. O
fundamentalismo atua de forma inflexível frente a questões
que envolvem outros segmentos da sociedade como em
questões de educação, de saúde e na elaboração de leis na
sociedade.
O proselitismo fundamentalista se apresenta como
grande vilão ao meio social, impedindo a convivência e
disseminação cultural entre membros de diferentes religiões e
até mesmo impedindo o desenvolvimento científico, cabendo
ao estado o dever de mediar situações de conflito e identificar
questões problemas.

1. Fundamentalismo religioso e a literalidade das


escrituras

Toda religião é regida por um conjunto de normas,


algumas baseadas em livros sagrados e outras em tradições
antigas. O Cristianismo utiliza a Bíblia Sagrada como
referencial doutrinário. Tal livro escrito há mais de dois mil
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 73

anos atrás e que contém o fundamento da fé cristã. Com os


anos, passaram a existir diferentes maneiras de interpretação
das Escrituras Sagradas, considerando a cultura, a tecnologia,
as descobertas científicas e muito influenciada pelos diferentes
direcionamentos estabelecidos pela grande variedade de
igrejas cristãs pelo mundo. A maneira de interpretar e aplicar o
texto bíblico sempre foi influenciada pelo próprio leitor, de
acordo com seus próprios interesses.
Apesar de existir na prática há anos, o termo
fundamentalismo surge nos Estados Unidos no início do século
XX. Tratava-se de um movimento iniciado por protestantes,
que determinavam que a fé cristã exige a crença literal em tudo
que está escrito na Bíblia. O objetivo dos fundamentalistas
seria retornar as bases da fé e distinguir-se dos cristãos
―liberais‖. Segundo Armstrong nos Estados Unidos algumas
pessoas buscavam um novo modelo de espiritualidade, onde
não se prendiam as escrituras e as doutrinas cristãs e como
consequência despertaram o horror nos conservadores. Como
resposta a essa tendência, no ano de 1910 os conservadores
formularam e publicaram ―a doutrina da infalibilidade das
Escrituras‖ 3 . Karen Armstrong ainda diz: ―Para quem aprecia
as conquistas da modernidade, não é fácil entender a angústia
que elas causam nos fundamentalistas religiosos‖ 4
O fundamentalismo no conceito protestante surge
quando a interpretação literal dos relatos contidos na Bíblia
Sagrada é aplicada como verdade absoluta, e como
consequência óbvia, tal interpretação é superior às demais e
todas as outras interpretações são tidas como inverdades e
heresias, cabendo aos fiéis a obrigação de combater e em casos
mais radicais enfrentar aqueles tidos como inimigos de sua fé.
O religioso fundamentalista rejeita severamente interpretações
distintas da sua, asseveram que os dogmas por ele apresentado
sejam adotados e praticados por todos. Leonardo Boff define o
fundamentalismo:

3 A RMSTRONG, Karen. Em Nome de Deus: o fundamentalismo no


judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Trad. HildegardFeist. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 237 .
4 A RMSTRONG, Karen.2009, p. 1 6.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 74

Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e


v iv er a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e
normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no
processo sempre cambiante da história, que obriga a
contínuas interpretações e atualizações, ex atamente
para manter sua v erdade essencial. Fundamentalismo
representa a atitude daquele que confere caráter
absoluto ao seu ponto de v ista. 5

Grande parte dos fieis não se apegam a literalidade das


escrituras, vivem sua fé respeitando e convivendo com outras
interpretações e até mesmo outras religiões. Porém, para os
fundamentalistas, que estabelecem sua cosmovisão como
verdade absoluta, o único grupo capaz de falar em nome de
Deus e também de representa-lo são aqueles que possuem
entendimento semelhante ao seu. O fundamentalista acredita
ser a voz de Deus, portanto, creem que tudo o que dizem, o
fazem em nome da divindade, sendo os seus defensores diante
de infiéis e hereges. Christian Hartlich afirma: ―Até a época da
Reforma, a Sagrada Escritura foi tida como documento sem
erros da revelação divina‖ 6 . A Bíblia se torna fechada a
diferentes interpretações de seu conteúdo e mensagem,
permitindo apenas uma forma de interpretação e descartando
por completo qualquer visão diferente. Esse processo
caracteriza o fundamentalismo cristão.
Em momentos de crise, onde seus conceitos e definições
são atacados por novas descobertas ou por maneiras mais
lúcidas de se examinar as escrituras, o fundamentalismo
religioso reage mostrando sua face exclusivista e logo
oposicionista a qualquer coisa ou pessoa que não compactue
com seu conceito de verdade.

A necessidade de um conceito claro de


fundamentalismo é urgente. Como se constata,
nos últimos anos o termo fundamentalismo
vem sendo prodigamente empregado em
situações variadíssimas, tanto no campo

5 BOFF, L. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade .


Rio de Janeiro: Sex tante, 2002, p. 25.
6 HARTLICH, Christian. Estará superado o método histórico -crítico?

Concilium. Petrópolis, v . 1 58, n. 8, 1 980, p. 5.


Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 75

religioso como no político. Fundamentalismo


aparece, às vezes, como sinônimo de
conservadorismo, sectarismo e fanatismo;
como movimento ou corrente amarrados a
modelos culturais religiosos do passado,
fechados aos valores do mundo moderno e até
mesmo às ciências. Tanto se fala em
fundamentalismo que esse termo já está
inflacionado. Em geral, carrega uma carga
negativa e uma conotação pejorativa.
Fundamentalista seria o fanático, o sectário, o
intolerante, o conservador, o autoritário, o
totalitário... e sempre são os "outros". Por
causa disso, até os clássicos representantes
desse movimento no protestantismo de hoje
preferem o título de evangélico-conservador ao
de fundamentalista.7

O fundamentalismo se apresenta como sectário, não


valorizando a troca de informações com o mundo secular,
desprezando por completo o conhecimento obtido fora dos
parâmetros estabelecidos pela própria religião. Sua estrutura é
fundamentada no moralismo e não na ética: ―a perspectiva
ética é aberta, dialogal, sempre incompleta, numa palavra: é
uma tarefa infinita. Já o moralismo é fechado, julga ter
respostas prontas, é hipócrita e gera ressentimentos. ‖ 8
O conservadorismo religioso está atrelado a duas
situações, onde encontra terreno fértil para seu crescimento, o
medo e o domínio. Segundo Mendonça ―em suas linhas
internas, o fundamentalismo não busca o novo, mas tenta
recuperar o velho, o tradicional. Seu objetivo é preservar as
bases da fé cristã contra novas formas de pensamento. (...) Foi
uma reação, não uma ação‖ 9 . Em primeiro lugar encontramos

7 ORO, Iv o Pedro. O outro é o demônio: uma análise sociológica do


fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1 996, p. 23.
8 PAIV A, Márcio Antônio de. Sustentados pela Terra: um enfoque

epistêmico. In: XXI Congresso anual da Sociedade de Teologia e Ciências


da Religião – SOTER. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 1 58.

9 MENDONÇA, Antônio Gouv êa; V ELASQUES FILHO, Prócoro .


Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loy ola, 1 990, p. 1 39.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 76

o fundamentalismo como resposta à modernidade presente


nos dias atuais, trazendo à tona o sentimento de medo por
parte de grupos conservadores. O receio de que o discurso
religioso se desvalorize ante um novo mundo, confrontando o
conceito de família e de moralidade estabelecidos pela religião,
mostra a necessidade de estruturação da sociedade pautada na
defesa dos princípios fundamentais do cristianismo
conservador. Em segundo lugar desponta o surgimento do
fundamentalismo religioso através do domínio, ou seja, como
detentor da verdade absoluta, o fundamentalista busca aplicar
a sociedade onde está inserido sua cosmovisão de mundo, na
tentativa que tal comunidade seja reflexo de seus próprios
valores. ―O fundamentalismo se notabiliza também por sua
intolerância: ao acreditar na posse da verdade, não vê sentido
no diálogo com os que não afirmam a mesma verdade‖ 1 0 . Na
tentativa de influenciar os que estão à sua volta, aplica o texto
bíblico em sua literalidade, catequizando os que aceitam sua
verdade e rejeitando aqueles que não se convertem a sua
pregação.
A posição estabelecida pelos conservadores é a de
estabelecer um ensino, onde não existe debate de ideias e
valores, e sim a adoção de suas convicções de fé. Um ensino
dogmático, capaz de catequizar novos indivíduos. Desta forma
o espaço público laico, onde ocorre a divulgação de
informações e também o debate acerca de valores, se torna
uma ameaça a imutável verdade bíblica. Não existe no
fundamentalismo a tentativa de transmitir seus valores de
forma cognitiva a todos os seres humanos, antes sua postura é
de juiz perante o mundo. O literalismo bíblico estabelece um
mundo pecaminoso e em crise, onde a única forma de salvação
é através da igreja e aqueles que a rejeitam perecerão ante um
mundo satanizado.
Com o desenvolvimento da ciência, que trouxe à tona
uma verdade alicerçada em novas teorias, esta acabou se
chocando principalmente com a ala fundamentalista da
religião. Crendo ser porta voz de uma verdade absoluta e
imutável coube aos fundamentalistas eleger inimigos, um

10 MENDONÇA, 1 990, p. 1 48.


Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 77

desses inimigos é a ciência moderna, para uma batalha entre o


―bem e o mal‖.

O adv ersário ex terno principal era a ciência moderna.


Mais especificamente, a ciência biológica, na qual se
condensa desde o final do século XIX a mentalidade
científica. A atitude ex perimental diante do mundo
natural e da v ida, representada então pelo darwinismo
[...] não deix a de ser interessante observ ar como o
fundamentalismo, por ex celência um mov imento do
século XX, adentra com todo viço e v igor no século XXI,
dotando de ex trema visibilidade suas caracterís ticas de
resistência e reação contra a cultura científica e a
política secularizada produzidas e difundidas mundo
afora pelo Ocidente moderno. 1 1

O fundamentalismo se comporta de forma sectária e não


vê possibilidade de um compartilhamento de ideias, onde pode
ocorrer o conhecimento mútuo com o mundo secular. O
fundamentalista cristão vê a Bíblia sagrada como a inerrante
palavra de Deus e a ciência se destaca como o inimigo que traz
ameaças à segurança trazida pela verdade bíblica. Portanto,
para o fundamentalismo os ensinos bíblicos não são
compatíveis com a ciência moderna.

2. Fundamentalismo baseado no método científico

O fundamentalismo não possui uma única aparência


religiosa. Qualquer preceito seja cultural, científico ou político
que se declara como portador de uma verdade absoluta, capaz
de solucionar os problemas e apresentar a via única de
existência da humanidade, causando uma dicotomia entre fiéis
e infiéis, devem ser considerados fundamentalistas. Na
modernidade encontramos diferentes vieses de
fundamentalismo, entre eles encontramos o fundamentalismo
científico. O modelo científico moderno busca respostas em
métodos de pesquisa, acreditando ser a única forma aceitável
de acesso ao real.

11PIERUCCI, Antônio Fláv io. Criacionismo é fundamentalismo. O que é


fundamentalismo? Disponív el em:
< http://www.comciencia.br/200407/reportagens/12.shtml >. A cesso em:
07 /1 2/201 5.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 78

O materialismo é a afirmação de que a matéria é a


realidade fundamental do univ erso. É uma forma de
metafisica (conjunto de proposições relativ as às
características componentes mais gerais da realidade).
O materialismo científico faz uma segunda afirmação: o
método científico é a única v ia confiáv el de
conhecimento. [...] As duas afirmações estão vinculadas:
se as únicas entidades reais são aquelas de que trata a
ciência, então a ciência é o único meio v álido de
conhecimento. 1 2

O cientificismo1 3 busca de alguma maneira desmistificar


o mundo através de seu alcance cada vez maior, em diferentes
áreas a ciência avança e apresenta soluções para problemas
que a humanidade a muito trabalha para conseguir. Sim, de
fato a ciência apresenta respostas naturais para fenômenos
antes tratados como sobrenatural. Porém o modelo científico
ainda é cercado por dúvidas a serem tratadas ao longo de
muitos anos de pesquisa, o que a torna um meio como todos os
outros já conhecidos, capaz de ser esclarecedor em áreas e o
causador de eternas dúvidas em outras. O fanatismo que
alguns cientistas apresentam, possui um único intuito,
desmoralizar qualquer outra forma de conhecimento baseado
em uma cosmovisão ou em métodos de pesquisa distintos da
razão instrumental-analítica1 4 praticadas e estabelecidas pela
ciência moderna.

1 2BARBOUR, Ian G..Quando a ciência encontra a religião: inimigas,


estranhas ou parceiras? São Paulo, SP: Cultrix , 201 1 , p. 25.
1 3Concepção filosófica de matriz positiv ista que afirma a superioridade da

ciência sobre todas as outras formas de compreensão humana da realidade


(religião, filosofia metafísica etc.), por ser a única capaz de
apresentarbenefícios práticos e alcançar autêntico rigor cognitiv o.
Disponív el em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0069_02.ht
ml> acessado em 07 /01 /201 6.
1 4Razão instrumental é um termo usado prov av elmente por Max

Horkheimer no contexto de sua teoria crítica para designar o estado em que


os processos racionais são plenamente op eracionalizados (Escola de
Frankfurt); à razão instrumental, Horkheimer opõe a razão crítica.
Disponív el em:<http://isignificado.com/significado/Racional> acessado
em 07 /01 /201 6.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 79

O fundamentalismo científico trata de estabelecer os


paradigmas da atualidade, uma vez que a população tem se
tornado cada vez mais tecnicista, crendo ser a ciência uma
nova deusa, esta apresenta características de uma nova
religião, Moles entende que a ciência ―em todos os pontos é
comparável às religiões das quais o homem tinha acreditado
libertar-se, substituindo-as pela — deusa — Razão‖1 5 . Todavia a
ciência é o conhecimento obtido graças ao método científico,
ao contrário da religião onde cada segmento possui
características especificas, a ciência é metódica. A ciência
busca a explicação de fenômenos, através da coleta de dados e
análises, o que permite confirmar ou refutar cada hipótese.
Porém a ciência ainda está distante de fornecer respostas a
todas as questões existentes no mundo atual e ainda se mostra
incapaz de testar e provar questões fundamentais da
sociedade, como a fé e o sobrenatural. Contudo o cientificismo
permanece ignorando outras ideologias e cosmovisões, crendo
a ciência ser a única forma de compreender os fenômenos
existentes. A partir daí surge o fundamentalismo científico. O
positivismo surge como um modelo desta sociedade racional,
deixando de lado questões de fé e se apegando ao que é
inquestionável e fundamentado na experiência. Os positivistas
se empenharam em combater a escola humanista, religiosa,
para favorecer a ascensão das ciências exatas. Augusto Comte
descreve a lei dos três estados:

No estado teológico, para os conhecimentos absolutos,


apresenta os fenômenos como produzidos pela ação
direta e contínua de agentes sobrenaturais, cuja
interv enção arbitrária ex plica todas as anomalias
aparentes do universo. No estado metafísico, os agentes
sobrenaturais são substituídos por forças abstratas,
v erdadeiras entidades (abstrações personificadas)
inerentes aos div ersos seres do mundo, e concebidas
como capazes de engendrar por elas próprias todos os
fenômenos observados, cuja explicação consiste, então,
em determinar para cada um uma entidade
correspondente. Enfim, no estado positiv o, o espírito
humano, reconhecendo a impossibilidade de obter
noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o

1 5 MOLES, A. A. As ciências do impreciso . Rio de Janeiro: Civ ilização


Brasileira. 1 995, p. 358.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 80

destino do univ erso, para preocupar -se unicamente em


descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e
da observação, suas leis efetiv as, a saber, suas relações
inv ariáveis de sucessão e de similitude. A ex plicação dos
fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de
agora em diante na ligação estabelecida entre os
div ersos fenômenos particulares e alguns fatos gerais,
cujo número o progresso da ciência te nde cada v ez mais
a diminuir. 1 6

O fundamentalismo cientifico se manifesta quando o


indivíduo, mesmo sem realizar experimentos que comprovem
seu ponto de vista, assume ter razão por considerar sua
ideologia superior as demais. Desta maneira o cientista que
adota uma postura fundamentalista considera sua posição
diante dos fatos apresentados perfeita, desqualificando as
pessoas com posições contrarias a suas e também o
conhecimento não cientifico admitido por estas.

A respeito de religião e QI, a única meta nálise que


conheço foi publicada por Paul Bell na Mensa Magazine
em 2002 (a Mensa é a sociedade de indiv íduos de QI
elev ado, e sua revista, nada surpreendentemente, inclui
artigos sobre aquilo que os reúne). Bell concluiu: Dos 43
estudos realizados desde 1 927 sobre a relação entre
crença religiosa e a inteligência e/ou o nív el de instrução
da pessoa, todos, com ex ceção de 1 1 6 quatro,
observaram uma conexão inversa. Isto é, quanto maior a
inteligência ou o nív el de instrução da pessoa, menor é a
probabilidade de ela ser religiosa ou ter qualquer tipo de
crença. 1 7

Portanto o fundamentalismo científico remete a relação


existente entre a verdade e o modelo científico, onde a maneira
utilizada para estabelecer e confirmar hipóteses pela ciência
moderna tem formado o conhecimento da realidade,
eliminando qualquer possibilidade de interação entre a ciência
e outros modos de compreender e ver o mundo, indo além da
racionalidade científica, segundo Rubem Alves "o cientista
virou um mito (...) todo mito é perigoso, porque induz o

16 Cf. COMTE, Auguste. “Cours de philosophie positive”: première leçon. In:


La sciencesociale, 1 825, p. 1 25 -1 26.
1 7 DAWKINS, R. Deus, um delírio . São Paulo: Editora Companhia das

Letras, 2005, p. 1 1 5 – 1 1 6.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 81

comportamento e inibe o pensamento (...) é necessário acabar


com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor
do que as outras" 1 8 . O fundamentalista cientifico pensa ser
capaz de responder a todos os anseios da humanidade, e tudo o
que não é ciência se torna inútil e obsoleto. Um dos ícones do
cientificismo, Richard Dawkins1 9 , movido por sua concepção
dogmática transparece em seu livro ―Deus, um delírio‖ 2 0 o que
pensa acerca dos verdadeiros cientistas. Para Dawkins, estes
devem ser ateus ou jamais revelar sua crença, ou seja, não é
lícito declarar sua fé, uma vez que, segundo o autor pode
colocar em dúvida a integridade e a legitimidade de uma
pesquisa. Nota-se que para Dawkins e para o discurso
fundamentalista o dogma é mais importante que a observação.

3. Como o fundamentalismo atua na sociedade


brasileira

O fundamentalismo formou suas bases em um cenário de


grandes transformações históricas, que modificou a maneira
de ser do mundo. A ciência e a tecnologia, economia e religião
dentre outras áreas, sofreram com esse processo de evolução.
O fundamentalismo emerge com o intuito de demonstrar, à
nova configuração de sociedade, os preceitos morais que
deveriam ser seguidos por todos, sempre pautado em valores
absolutos de sua cosmovisão, seja ela religiosa ou científica. O
fundamentalismo penetrou todas as esferas da sociedade,
sendo capaz de suscitar fiéis de todos os lados: professores,
alunos, políticos, comerciantes, etc. e enfim pode conseguir
avanços consideráveis em prol de sua causa.
O fundamentalismo opera de forma inflexível frente a
questões dogmáticas, em relação ao dogma religioso como em
casos como o aborto, a união homoafetiva e na interpretação
literal das escrituras e em relação ao dogma científico como a

1 8A LV ES, Rubem. Filosofia da Ciência. São


Paulo: Brasiliense: 1 991 , p.1 1 .
1 9Richard Dawkins é um etólogo, biólogo ev olutiv o e escritor britânico.
É fellowemérito do New College, da Univ ersidade de Ox ford e também foi
Professor para a Compreensão Pública da Ciência, na mesma instit uição,
entre 1 995 e 2008. Ademais, desde 2002, lidera a equipe de pesquisas da
univ ersidade.
20 DAWKINS, R. Deus, um delírio. São Paulo: Editora Companhia das

Letras, 2005.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 82

descrença em algo sobrenatural, a ciência sem limites e as leis


da natureza como verdade universal. Por tais dogmas ciência e
religião promovem verdadeiras guerras ideológicas, mesmo
sendo questões fundamentais para a sobrevivência em
sociedade.
O Estado brasileiro é laico2 1 e pluralista2 2 , garantido pelo
artigo 5º da Constituição Brasileira, que diz:―VI - é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias‖ 23, ou seja, a
nação deve ser capaz de acolher todos os tipos de crença sem
se aderir a nenhuma delas. Um indivíduo pode ter suas
convicções definidas e aplicá-las a sua vida, todavia o país não
pode ser governado e leis estabelecidas com fundamentos
específicos na religião ou no cientificismo, ou a escola pública
aplicar conteúdos dogmáticos a seus alunos privando-os de
acesso à informação honesta e de qualidade. Num país
multifacetado como o Brasil, nota-se claramente a dificuldade
de estabelecer limites entre o fundamentalismo e a pluralidade
cultural.

Neste rico e complexo processo, quando as identidades


afloram, há uma maior v isibilidade da pluralidade

21 ARev olução Francesa fez aparecer pela primeira v ez com clareza a ideia
de Estado laico, de Estado neutro entre todos os cultos, independente de
todos os clérigos, liberado de toda concepção teológica. (...) A pesar das
reações, apesar de tantos retornos diretos ao antigo regime, apesar de quase
um século de oscilações e de hesitações po líticas, o princípio sobrev iv eu: a
grande ideia, a noção fundamental do Estado Laico, quer dizer, a
delimitação profunda entre o temporal e o espiritual entrou nos costumes
de maneira a não mais sair. DOMINGOS, Marília de F. N. Escola e
laicidade. O modelo francês, Interações cultura e Comunidade. V ol 3. n. 4.
Uberlândia: Univ ersidade Católica. 2008, p. 1 53 -1 7 0.
22A teoria pela qual os seres componentes do mundo são múltiplos,

indiv iduais e independentes. Logo, não podem ser considerados como


fenômenos de uma única realidade. Em ciência política é a teoria que
propõe como modelo a sociedade composta por v ários grupos ou centros do
poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais se confere a função de
controlar o poder dominante, identificado com o estado.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico . 2 ed. Rev .,atual. E aum. V ol.3.
São Paulo: Saraiv a. 2005, p. 7 01 .
23BRASIL. Constituição (1 988). Constituição da República Federativa do

Brasil. Brasília, DF: Senado, 1 988.


Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 83

cultural ex istente, o que tende a debilitar identidades


nacionais fortes e estáv eis. É nesse contex to que as
culturas se tencionam. Portanto a situação v iv ida em
cada país no processo de desenv olv imento ou
sobrev iv ência faz emergir as necessidades e
reiv indicações de cada grupo e o embate entre eles. A
emergência das pluralidades culturais v em realçar a
importância da tolerância e da democracia, onde a
"negociação" tem papel fundamental. A ssim,
acreditamos que a sociedade poderá construir um
caminho para resolv er suas tensões e conflitos. 24

O proselitismo fundamentalista é o grande vilão ao


desenvolvimento multicultural, fomentando a intolerância. O
fundamentalismo procura angariar um número cada vez maior
de fieis, dessa forma cresce o número de arbitrariedades contra
diferentes grupos étnicos e sociais. Amparados em alguns
casos pela lei e em outros pela opinião pública conservadora,
instalam dogmas sobre a sociedade, sob a bandeira da
Democracia. Todavia, democracia não se trata de um regime
onde a vontade da maioria esmaga todo o resto, antes na
democracia devem coexistir a vontade da maioria, juntamente
com a proteção as minorias culturais, étnicas, sexuais
religiosas e científicas.
A ruptura dos dogmas da religião e da ciência com as
instituições políticas, permitem ao estado autonomia em suas
ações, abrangendo de forma igualitária qualquer cidadão. A
constituição exige dos governantes a neutralidade do estado
em suas ações políticas.

Conclusão

Portanto, o fundamentalismo se manifesta na sociedade,


seja na religião ou na ciência, na busca de defender um
determinando segmento ou paradigma que estrutura a forma
como aquele grupo concebe o mundo. Para o religioso sua
confissão de fé é suficiente para atender todos os anseios do

24 ANDRADE, Marcelo. Multiculturalismo e educação: questões,


tendências e perspectivas. In: CANDAU, V era Maria (Org.). Sociedade,
educação e culturas. Petrópolis: V ozes, 2002, p. 40.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 84

ser humano, é a função do fiel transmitir isso a todo o mundo


como algo bom e definitivo. Enquanto para o cientista
fundamentalista cabe a ele a missão de salvar a humanidade do
misticismo.
O fundamentalismo encontra terreno fértil para o seu
desenvolvimento em todos os preâmbulos da sociedade
influenciando o andamento de estruturas sociais essenciais ao
desenvolvimento humano, uma vez que os paradigmas e
doutrinas são interpretados e difundidos como uma verdade
absoluta. O fiel sente que sua estrutura de fé está sendo
ameaçada e, portanto, cabe a ele a missão de defender sua
cultura, sua concepção de mundo e seu mito.
Torna-se latente a necessidadede a religião entender seu
papel de unificação da sociedade moderna, não em torno de
uma única forma de compreender os fenômenos e sim na
busca de desenvolver em seus fiéis valores capazes de
reconhecer no outro e em suas diferenças a humanidade. O
fundamentalismo religioso usa seus argumentos afim de
realizar um proselitismo, onde sua interpretação do mito, dos
ritos e das doutrinas é absoluta e inviolável, tornando
impossível o diálogo inter-religioso e em alguns casos
tornando até mesmo a convivência em sociedade
comprometida.
O modelo científico proposto à sociedade moderna
permite o avanço da tecnologia, da medicina e de paradigmas,
todavia, quando a comunidade científica avança pelo campo do
fundamentalismo na tentativa de abarcar todas respostas
inerentes ao ser humano a ciência perde seu norte e seu objeto
de estudo se perde. O papel da ciência é explicar como os
fenômenos se manifestam e permitir que o conhecimento
científico alcance outras esferas da sociedade.
Uma sociedade baseada em valores extremos, onde ideais
fundamentalistas se destacam sobre os valores básicos do
homem, corre o risco de se tornar uma comunidade opressora
de seu próprio povo apenas pelas diferenças na maneira de
encontrar respostas sobre a realidade. A diversidade cultural,
intelectual e religiosa está baseada em um modelo em que é
facultado ao ser humano o direito de escolher as lentes que irá
observar o mundo e seus fenômenos.
Rev ista Unitas,v.5, n.2 (n. especial), 2017 85

Referências

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. São Paulo: Brasiliense:


1991, p.11.
ANDRADE, Marcelo. Multiculturalismo e educação: questões,
tendências e perspectivas. In: CANDAU, Vera Maria (Org.).
Sociedade, educação e culturas. Petrópolis: Vozes, 2002.
BARBOUR, Ian G..Quando a ciência encontra a religião:
inimigas, estranhas ou parceiras? São Paulo, SP: Cultrix, 2011.
BOFF, L. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da
humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
COMTE, Auguste. “Cours de philosophie positive”: première
leçon. In: La sciencesociale, 1825.
HARTLICH, Christian. Estará superado o método histórico-
crítico? Concilium. Petrópolis, v. 158, n. 8, 1980.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro.
Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola,
1990.
ORO, Ivo Pedro. O outro é o demônio: uma análise sociológica
do fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1996.
PAIVA, Márcio Antônio de. Sustentados pela Terra: um
enfoque epistêmico. In: XXI Congresso anual da Sociedade de
Teologia e Ciências da Religião – SOTER. São Paulo: Paulinas,
2008.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Criacionismo é fundamentalismo.
O que é fundamentalismo? Disponível em:
< http://www.comciencia.br/200407/reportagens/12.shtml >.
Acesso em: 07/12/2015.

Você também pode gostar