Artigo - Calvino e Serveto
Artigo - Calvino e Serveto
Artigo - Calvino e Serveto
8. Calvino estava nessa época no maior calor de suas batalhas contra o Conselho
municipal. O grupo dos Libertinos exercia dentro do Conselho forte oposição a ele. Caso
ele tivesse pedido a execução de Serveto, a reação provável do Conselho teria sido negar.
9. Há outro fato a ponderar. Quando foi dada a Serveto a escolha da cidade onde seria
julgado, ele escolheu Genebra. A outra opção era Viena, de onde viera fugido. Por alguma
razão, ele deve ter pensado que suas chances de sobrevivência eram melhores em
Genebra. Porém, o Conselho municipal da cidade, conduzido pela facção dos Libertinos,
totalmente contrários a Calvino, estava determinado a mostrar que Genebra era uma
cidade reformada e comprometida com os credos. E assim, Serveto foi condenado a ser
queimado vivo.
10. Calvino suplicou ao Conselho que executasse Serveto de uma maneira mais
humanitária do que o ritual tradicional de queima de hereges. Mas, claro, o Conselho
municipal recusou o argumento de Calvino. Farel visitou Calvino durante a execução.
Calvino estava tão transtornado, como foi mais tarde comunicado, que Farel partiu sem
mesmo dizer adeus.
11. A execução de Serveto foi aprovada por todas as demais cidades-estados reformadas e
por todos os reformadores. Lutero e Zwinglio já haviam morrido, mas certamente
haveriam concordado. O próprio Lutero havia consentido na execução de camponeses
revoltosos. Os demais, Bullinger, Beza, Bucer, etc., todos deram apoio irrestrito a Calvino.
Estes são alguns fatos que devemos lembrar antes de chamarmos Calvino de
“assassino”. A propósito, durante este mesmo período trinta e nove hereges foram
queimados em Paris, vítimas da Inquisição católica, que estava sendo aplicada com rigor
na Espanha, Itália e outras partes de Europa. Apesar do fato de que muitos que não eram
ortodoxos buscaram (e encontraram) refúgio em Genebra, fugindo das autoridades
católicas, Serveto foi o único herege a ser queimado naquela cidade durante a distinta
carreira de Calvino. Até mesmo os judeus foram convidados pelas cidades-estados
reformadas para se abrigarem nelas, fugindo da Inquisição. O puritano Oliver Cromwell,
líder do Parlamento inglês por um período, mais tarde tornou a Inglaterra um abrigo
seguro para os dissidentes religiosos, e especialmente para os judeus. O mesmo ocorreu
nos Países Baixos (atual Holanda). E mesmo hoje, Genebra e Estrasburgo, outrora
reformadas, figuram no topo da lista como cidades que se destacam em termos de direitos
humanos e relações internacionais.
O que muitos ignoram é que Calvino era um pastor atencioso, que visitava
pacientes terminais de doenças contagiosas no hospital que ele mesmo havia estabelecido,
embora fosse advertido dos perigos de contágio. Foi ele quem instou o Conselho a afiançar
empréstimos a baixos juros para os pobres. Foi ele quem defendeu a educação universal e
gratuita para todos os habitantes da cidade, como Lutero e outros reformadores tinham
feito. Sua preocupação diária em 1541 era como dar a Genebra uma universidade.
Eis aí o famoso “tirano de Genebra”! Penning escreve que, no fim da vida de
Calvino, ao ser visto nas ruas da cidade, os moradores diziam: “Lá vai o nosso mestre
Calvino”. Em 10 de março de 1564, o Conselho decretou um dia de oração pela saúde de
Calvino e o reformador recuperou-se durante um tempo. Na Páscoa desse ano, Calvino foi
levado à igreja carregado em sua cadeira para participar da Ceia do Senhor, devido ao seu
extremo estado de fraqueza. Quando a enorme congregação o viu chegar assim, começou
a lamentar-se e a chorar. No sábado, 27 de maio, Calvino morreu aos cinqüenta e cinco
anos de idade. Quando à noite as notícias da sua morte se espalharam pela cidade,
“Genebra lamentou-se como uma nação lamenta quando perde seu benfeitor”, escreve
Penning. A execução de Serveto permanece como uma mancha na história da
distinta carreira de Calvino em Genebra. Usá-la, porém, para denegrir sua imagem, para
atacar a sua teologia e para envergonhar os calvinistas, é expediente preconceituoso de
quem não deseja ver todos os fatos.