Como Colocar Limites - Melissa Urban

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DADOS DE ODINRIGHT

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Título original: The Book of Boundaries

Copyright © 2022 por Melissa Urban


Copyright da tradução © 2023 por GMT Editores Ltda.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito
dos editores.

tradução: Ivanir Calado


preparo de originais: Priscila Cerqueira
revisão: Ana Grillo e Tereza da Rocha
projeto gráfico e diagramação: Valéria Teixeira
capa: Faceout Studio | Amanda Hudson
adaptação de capa: Angelo Bottino
imagem de capa: Shutterstock
foto da autora: © Brandon Talbot
e-book: Marcelo Morais

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
U64c
Urban, Melissa, 1974-
Como colocar limites [recurso eletrônico] / Melissa Urban ; tradução
Alves Calado. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Sextante, 2023.
recurso digital

Tradução de: The book of boundaries


Formato: e-book
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5564-628-3 (recurso eletrônico)

1. Limites (Psicologia). 2. Comunicação interpessoal. 3. Comportamento


auto protetor. 4. Assertividade (Psicologia). 5. Livros eletrônicos. I. Calado,
Alves. II. Título.

CDD: 158.2
23-82952 CDU: 17.021.1
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643

Todos os direitos reservados, no Brasil, por


GMT Editores Ltda.
Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo
22270-000 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244
E-mail: [email protected]
www.sextante.com.br
PARA MEU MARIDO E MINHA IRMÃ,
QUE ESTÃO SEMPRE NO MEU TIME
Sumário

Nota da autora
Introdução: Como me tornei a “Moça dos Limites”

PRIMEIRA PARTE
INICIAÇÃO AOS LIMITES

1. Um curso intensivo sobre limites

2. Como usar este livro

SEGUNDA PARTE
COLOCANDO OS LIMITES EM PRÁTICA

3. O verdadeiro equilíbrio entre trabalho e vida pessoal


Como estabelecer limites no local de trabalho

4. Quando o drama é a sua mãe


Como estabelecer limites para pais, sogros, avós e outros familiares

5. Relacionamentos que nós escolhemos (na maioria das vezes)


Como estabelecer limites para amigos e vizinhos

6. Amor, casamento, sexo e louça


Como estabelecer limites nos relacionamentos românticos

7. Quando você não pode simplesmente se afastar


Como estabelecer limites para o pai ou a mãe dos seus filhos

8. Tudo em pratos limpos


Como estabelecer limites quanto a comida, álcool e conversas à mesa

9. O impacto das palavras


Como estabelecer limites quanto a temas sensíveis
10. Presentes para seu Eu Futuro
Como autoestabelecer limites e respeitá-los

TERCEIRA PARTE
OS BENEFÍCIOS DOS LIMITES
11. Presentes para o mundo
Como manter seus limites e os de todas as outras pessoas
12. A magia dos limites

Agradecimentos
Notas / Referências
Sobre a autora
Nota da autora

N
a última década conversei com milhares de pessoas sobre seus
limites. As histórias que você lerá neste livro surgiram dessas
conversas. Algumas foram contadas sem alteração nenhuma, e
mantive os nomes reais sempre que permitido. Na maioria dos casos,
mudei nomes e outros detalhes para proteger a privacidade das pessoas.
Houve ainda situações em que mesclei várias conversas em uma única
história coesa. Em todos os casos, meu objetivo foi capturar a
profundidade e a amplitude dos muitos problemas – e oportunidades –
que surgem quando estabelecemos limites.
Quanto aos termos que indicam gênero, preservei seu uso original.
Sempre que vir palavras como “esposa” ou “dela”, saiba que a história me
foi contada desse jeito, com esses termos ou pronomes. Nos casos em
que fundi várias narrativas, optei por palavras neutras, como “o cônjuge”
ou “a pessoa”.
Por fim, devo reconhecer e declarar de antemão: estabelecer limites é
uma expressão de poder e privilégio. (E se você nunca pensou desse
modo, provavelmente é porque tem, assim como eu, um monte de
privilégios adquiridos sem merecimento.) Branca, heterossexual,
saudável, financeiramente segura e magra, desfruto de certo grau de
poder na nossa sociedade. Esses privilégios e esse poder significam que
posso estabelecer limites com relativa confiança e geralmente esperar
que os outros respeitem meus desejos. Quem pertence a grupos
historicamente marginalizados – pessoas não brancas, com deficiência,
acima do peso ou LGBTQIA+, por exemplo – não tem o mesmo
privilégio, o mesmo poder ou a mesma relação com limites. Sem esse
privilégio, é provável que você sinta mais medo de ditar as próprias
regras, e a verdade é que os outros estarão menos inclinados a respeitá-
las. (É assim que funcionam os sistemas de opressão.)
Preciso ficar atenta a essa disparidade de poder no meu trabalho,
mas isso só terá valor se me levar à ação e suscitar mudanças de
comportamento. É apenas um pequeno passo, o reconhecimento de que
sou incapaz de capturar de modo exato as experiências vividas por todo
mundo.
Agradeço a cada pessoa que compartilhou comigo, com tanta
generosidade, detalhes íntimos de sua vida. E, mesmo que jamais nos
encontremos, espero que você veja suas histórias refletidas nas que eu
conto aqui, e que elas lhe deem confiança para estabelecer os limites
necessários para assegurar a sua liberdade.
INTRODUÇÃO

Como me tornei a
“Moça dos Limites”

E
m determinados círculos sou conhecida como a “Moça dos
Limites”.
Para ser justa, sou conhecida por muitas coisas. Sou CEO,
esposa e mãe. Autora de livros que entraram para as listas de mais
vendidos, fanática por caminhadas e leitora voraz. Mas quando se trata
de limites, especificamente, muitos me conhecem apenas como “aquela
moça dos limites no Instagram”.
Se você me conhecesse hoje, esse rótulo faria todo o sentido. Em
termos de personalidade, não faço o tipo boazinha, por assim dizer. Aos
olhos de qualquer pessoa, pareço assertiva, independente e confiante;
lido bem com conflitos e expresso minhas necessidades sem rodeios.
Essa atitude, em especial vinda de uma mulher, às vezes provoca
acusações de egoísmo e outras que não vou mencionar, mas que você
provavelmente imagina.
Mas não sou egoísta nem nada disso que você pensou. Apenas levo a
sério minha saúde mental, minha capacidade emocional e meus valores,
e faço o necessário para proteger tudo isso. Por exemplo:

NOS NEGÓCIOS: “Obrigada por ter pensado em mim, mas esse


projeto não combina muito comigo, então acho melhor recusar a
proposta.”
COM MEUS PAIS: “Sei que vocês só querem ajudar, mas quem deve
estabelecer regras na criação do meu filho sou eu. Aviso quando
quiser algum conselho.”
NAS AMIZADES: “Pode parar, por favor. Prefiro não saber o que o
meu ex anda aprontando. Não quero ficar ouvindo essas histórias.”
COM MEU MARIDO: “Quero ficar um pouco sozinha. Vou ler no outro
cômodo.”

Pode ser que essas declarações deixem você desconfortável, mas


todas estão firmemente enraizadas no meu modo de ser. E eu as uso com
frequência para fortalecer meus relacionamentos, aumentar minha
energia e preservar minha saúde mental. E não peço desculpas por
estabelecer esses limites, porque, quando expresso minhas necessidades
de modo direto e educado, não há razão para sentir culpa.
Além disso, sou cofundadora do programa alimentar Whole30, o
que significa que ajudei milhões de pessoas a mudar hábitos e realizar
grandes transformações na própria vida. No Whole30 dizemos “não” um
monte de vezes, e muita gente acha essa ideia desafiadora, para dizer o
mínimo. Nos últimos 13 anos ensinei minha comunidade a estabelecer
limites relacionados a saúde e a hábitos em geral, e a lidar com reações
contrárias e com a pressão dos colegas. (Você consegue responder a
alguém com um simples “Agradeço, mas melhor não”? Chegaremos lá.)
Quando perceberam que eu era boa em ajudar a dizer “não” à pizza e
ao vinho, as pessoas começaram a me perguntar como dizer “não” ao
colega de trabalho intrometido, à sogra tóxica e à vizinha enxerida. Ouvi
tantas perguntas sobre como impor limites que mergulhei
profundamente em todos os trabalhos que encontrei sobre esse tema. Li
inúmeros livros e artigos de terapeutas, psiquiatras, sociólogos,
especialistas em compulsão, médicos e líderes empresariais, a fim de
descobrir o que determina os bons limites e como eles são estabelecidos.
A partir dessa pesquisa e do meu trabalho comigo mesma, e do
relato das necessidades de várias pessoas, desenvolvi uma metodologia e
uma linguagem próprias. Há quatro anos comecei a publicar perguntas e
respostas na internet sob o título “Me ajude a estabelecer limites”. Foi
assim que ouvi milhares de histórias e pude afinar minha abordagem e
meus conselhos.
Tudo isso para dizer que eu uso meu crachá de “Moça dos Limites”
com orgulho, especialmente porque sei quanto me esforcei para merecê-
lo.
Só que nem sempre foi assim.
Minha jornada com os limites começou há 22 anos, quando eu
estava no fundo do poço e era basicamente um desastre nesse quesito.
Sou uma dependente química em recuperação, e foram necessários
muitos anos de luta para eu perceber que os limites literalmente
salvariam minha vida.
Sei que parece dramático. Esta é outra característica minha: uso a
palavra “literalmente” em contextos nada literais, mas neste caso é
verdade. Cresci numa família que incentivava a saída pela tangente em
vez do conflito saudável. Não me ensinaram a me defender, e o
confronto me causava uma ansiedade imensa. Eu precisava
desesperadamente estabelecer limites, mas não me sentia capaz disso.
Até que uma noite, sentada perto de um barril de chope, num ato
desesperado de autopreservação, dei um basta... e isso mudou toda a
minha trajetória. Essa experiência me encorajou a impor mais limites –
com amigos, familiares, colegas de trabalho e até comigo mesma.
Quanto mais limites eu colocava, mais plena minha vida se tornava,
culminando no Whole30, na minha empresa e neste livro.
O ponto é que eu aprendi a estabelecer limites. Do modo mais difícil,
concordo, mas aprendi. E se eu aprendi, você também pode aprender.

O QUE SÃO OS LIMITES E POR QUE PRECISAMOS DELES?

Antes de mergulharmos nessa história, vamos definir claramente o que


quero dizer com “limites”. Você com certeza conhece a palavra, mas é
provável que só tenha uma ideia aproximada do que realmente significa.
Suspeito que a palavra em si deixe você um pouco desconfortável, ou até
provoque sentimentos de culpa. Talvez você ache que limites são ruins.
Talvez ache que representam egoísmo ou indiferença, ou que tenham a
ver com controlar os outros.
Talvez tenha ouvido tudo isso daqueles que mais se beneficiam do
fato de você não impor limite algum.
Defino “limites” como fronteiras claras que indicam como as pessoas
podem se relacionar com você de um modo seguro e saudável para
todos. O dicionário diz que limite é “uma linha que delimita e separa um
território de outro”, e esse é um bom modo de pensar no assunto.
Visualize-se no meio de um campo. Agora desenhe um círculo
imaginário ao seu redor: isso é um limite. Tudo o que entrar no círculo
deve ser aceitável para você e parecer seguro, saudável e bom. O que for
inaceitável você deixa do lado de fora, porque, em termos gerais, lhe
parece inseguro, insalubre ou ruim. Você pode estabelecer limites
quanto a outras pessoas, quanto a determinados temas ou
comportamentos, ou quanto às suas próprias ações – e é sempre você
quem decide onde ficam esses limites e faz com que eles sejam
cumpridos.

Os limites marcam a fronteira dos comportamentos


aceitáveis para você. Fora dessa fronteira ficam
palavras ou atos que lhe fazem mal ou ameaçam
sua segurança.

Não usamos os limites para dizer aos outros o que eles podem fazer
ou não. Isso, sim, seria controle. Eles são estabelecidos para ajudar você
a planejar e comunicar sua reação ao que os outros dizem ou fazem.
Numa prática de limites saudável, você perceberá o impacto do
comportamento das pessoas sobre você, comunicará seu limite em
relação a esse comportamento e em seguida avaliará o que se dispõe a
fazer para impor esse limite. Você não pode mandar o tio Joe parar de
fumar – isso seria controle. Mas pode dizer que a fumaça do cigarro,
além de cheirar mal, leva você a tossir. Pode comunicar a ele: “Não
permitimos que fumem dentro da nossa casa”, e pode deixar de convidá-
lo se ele não respeitar esse limite. Não se trata de envergonhar o tio Joe,
mudar o estilo de vida ou a saúde dele, mas de proteger a sua.
Está vendo a diferença?
Existem muitos motivos para você querer impor limites, o que
significa que o processo parecerá diferente em cada situação. Às vezes
você consegue se impor com gentileza em relação a situações frustrantes,
mas pouco significativas, como uma vizinha que vive se convidando
para caminhar com você de manhã. Em outras ocasiões você estabelece
limites mais firmes quanto a comportamentos que provocam dano real,
como quando sua mãe critica seu peso durante o almoço, ou seus pais
dizem que já compraram a passagem de avião para visitar seu bebê
recém-nascido sem perguntar antes se você deseja companhia nessa fase.
Os limites podem ser do tipo “Posso caminhar com você no sábado, mas
durante a semana preciso desse tempo só para mim”, ou “Ainda não
estamos prontos para receber visitas, mas vamos avisar assim que vocês
puderem vir”.
Existem muitas ideias equivocadas em relação a limites, mas
ninguém nos ensina sobre isso. Esse tema raramente é enfatizado em
casa, não se aprende na escola e provavelmente não faz parte do seu
desenvolvimento profissional no trabalho. A maior parte do que você
sabe sobre limites provavelmente veio de um terapeuta ou das redes
sociais, se por acaso você curte o TikTok. A verdade é que estabelecer
limites é uma habilidade essencial, da mesma forma que administrar o
tempo e controlar os gastos. Infelizmente, em geral só descobrimos que
não temos essa habilidade em tempos de crise, quando precisamos dela e
somos obrigados a adquiri-la em circunstâncias nada ideais.
Essas notícias são terríveis e excelentes ao mesmo tempo.
Terríveis porque essa ferramenta realmente mágica, capaz de
transformar cada área da sua vida, esteve à sua disposição por todo esse
tempo e você nem sabia. Excelentes porque você está prestes a começar
um curso intensivo sobre limites que vai mudar tudo.

O LIMITE QUE SALVOU MINHA VIDA

Estabeleci meu primeiro limite assim: “Se você me oferecer drogas de


novo, não poderemos mais ser amigos. Não faça mais isso nem se eu
disser que estou melhor, nem se eu implorar, nem mesmo se eu ficar
furiosa porque você recusou.” (Falei que tinha sido dramático.)
Gostaria de dizer que esse limite foi planejado detalhadamente e
comunicado com eloquência, mas na verdade saiu sem querer. Vomitei
um monte de palavras em cima do meu melhor amigo num momento de
medo intenso. Mas foi um acidente feliz, porque aquele ultimato hostil
me levou a descobrir que os limites eram a chave para expandir minha
vida e afastar a ansiedade, a dúvida e o ressentimento. E me ajudaram
também a estabelecer com firmeza o tipo de segurança física e
emocional, a autoconfiança à prova de bombas e os relacionamentos
profundamente satisfatórios que eu vinha desejando por toda a vida.
Minha história é esta:
Oi, meu nome é Melissa e sou dependente química. Estou em
recuperação há 22 anos, mas a condição de dependente ainda me cabe,
porque me lembra do esforço que fiz para construir a vida que tenho
agora e do que sou capaz de fazer (e dos limites que estabeleceria) para
jamais cair de novo naquela escuridão.
Tive uma infância bastante idílica. Cresci com pai e mãe que
permaneceram juntos até eu entrar na faculdade e ninguém na minha
família bebia ou usava drogas. Sempre fui descrita como uma “criança
boazinha”, que tirava notas máximas na escola, raramente se metia em
encrencas, estudava muito e preferia os livros às reuniões sociais.
Aos 16 anos sofri abuso sexual por parte de um parente e tudo
mudou. Meu humor, minhas notas e meu comportamento se
transformaram enquanto eu escondia dos meus pais o abuso e fingia que
aquilo jamais havia acontecido. Quando finalmente contei, eles não
souberam lidar com o fato. Decidiram não revelar a ninguém por medo
de isso arruinar a paz da família, então seguimos em frente como se
nada tivesse ocorrido. Passei os seis anos seguintes vendo meu abusador
nas reuniões de família, fingindo que tudo ia bem. Isso deu um nó no
meu cérebro adolescente.
Procurei maneiras de me entorpecer e escapar da dinâmica familiar
e do trauma que todos nos recusávamos a enfrentar. Consumir bebida
alcoólica não funcionou, fazer dieta restritiva não funcionou, praticar
pequenos furtos em lojas não funcionou, namorar um cara abusivo não
funcionou. Nada parecia me consumir o suficiente. Então descobri as
drogas.
Comecei com maconha no último ano do ensino médio e passei para
drogas muito mais pesadas na faculdade. (Só consigo pensar na
expressão “Isso escalou rapidamente”.) Eu estava usando cocaína,
heroína, metanfetamina e qualquer narcótico vendido com receita em
que pudesse pôr as mãos. Era conhecida por jamais recusar. Misturava
drogas que nunca deveria ter misturado e tive pelo menos uma overdose.
Minha vida foi se desfazendo lentamente e todo mundo começou a
notar, menos eu.
No terceiro ano da faculdade comecei a roubar das minhas colegas
de quarto e traficar maconha para sustentar o vício. Matava quase todas
as aulas. Minhas colegas descobriram que eu estava vendendo drogas no
nosso apartamento e disseram que se eu não me mudasse, elas
contariam aos seus pais.
Pensando bem, esse provavelmente foi o primeiro limite que alguém
estabeleceu quanto ao meu uso de drogas. Dar um basta é um processo
difícil e desconfortável, e para as pessoas era mais fácil ignorar meu
comportamento ou me abandonar silenciosamente do que impor os
limites necessários para preservar nossa relação. Minha colega de quarto
do primeiro ano não disse “Só continuo morando com você se parar de
se comportar assim”, apenas encontrou novas colegas de quarto. Meus
amigos antigos não disseram “Vamos parar de sair com você se
continuar ficando doidona”, apenas pararam de telefonar. Minha irmã
não disse “Seu vício está me enlouquecendo, precisamos conversar”,
apenas me evitava. Não culpo nenhum deles. Eu não lhes dava nenhuma
abertura para conversar sobre como meu comportamento os afetava.
Depois do ultimato das colegas do terceiro ano, abandonei a
faculdade e fui morar com meu pai e sua nova esposa. Jurei que tudo
seria diferente e permaneci relativamente funcional durante algum
tempo, até não ser mais. Arrumei um namorado que alimentava meu
vício e comecei a faltar ao trabalho dizendo que estava doente. Quando
esse namorado foi preso, me mudei para a casa da minha mãe e seu novo
marido. Jurei que tudo seria diferente, mas não tinha emprego nem
plano. Estava roubando dos meus pais e traficando no apartamento
deles. Meus convidados eram, numa palavra, suspeitos. Um dia meu
padrasto disse à minha mãe: “Acho que sua filha está usando drogas.”
Meu vício em drogas começava a parecer fora de controle. Usei mais
drogas ainda para abafar esse sentimento. Quando analiso aquela época
pela lente dos limites, é óbvio que meu desejo de ficar entorpecida e
fugir, somado à falta de qualquer limite saudável para proteger minha
saúde física e mental, resultou num vício totalmente descontrolado.
Quatro anos depois de ter me viciado, conheci um homem chamado
Nate. Ele bebia, mas apenas socialmente. Fumava maconha, mas de
modo recreativo. Tinha um bom emprego e era ambicioso. Fomos morar
juntos. Jurei que tudo seria diferente... e durante algum tempo foi. Parei
de traficar e de ir a festas. Usava menos drogas, embora não pudesse
passar sem elas. Nate havia me conhecido daquele jeito, por isso ainda
não suspeitava que eu tivesse um problema. Eu trabalhava, nós saíamos
com amigos e ele conheceu minha família. Que gostou dele.
Com o tempo, Nate percebeu que não havia nada de casual no modo
como eu me drogava. Ele e eu brigávamos constantemente. Eu me
odiava por usar drogas e pelo que estava fazendo com nossa relação, mas
a vergonha e o ódio de mim mesma me levavam a usar mais drogas
ainda. Eu não enxergava uma saída.
Um dia, Nate me entregou uma longa carta, escrita à mão, contando
que estava no limite de sua capacidade emocional, que me amava e que
era difícil ficar comigo daquele jeito. Deixou claro que iria embora se eu
não procurasse ajuda. Chorei, marquei uma consulta com um terapeuta
e jurei que tudo seria diferente. De novo.
Nada mudou.
Nate se esforçou ao máximo para continuar estabelecendo limites
comigo. Naquele momento eu o odiei por causa disso, mas hoje vejo que
seus limites salvaram a nós dois. Ele começou protegendo seu espaço e
preservando sua saúde mental. “Se você não consegue conversar
civilizadamente agora, vou sair e só volto quando você estiver mais
calma.” “Por favor, mande mensagem avisando que vai chegar mais
tarde.” “Vou continuar apoiando você, mas, por favor, não pare a
terapia.” Hoje reconheço que ele estava fazendo o máximo para manter
nosso relacionamento vivo, mas na época eu me ressentia da pressão.
Agora vejo que ele estava usando esses limites para se proteger – de
mim. Seus limites e, por fim, dizer que iria embora se eu não conseguisse
respeitá-los foram um ponto de inflexão que, em última instância, me
levou à recuperação e a uma vida mais plena.
Diante daquele ultimato, procurei uma clínica de reabilitação e
passei várias semanas internada, depois muitas outras em tratamento
ambulatorial, sessões de grupo e reuniões. Tomei antidepressivos, passei
a me consultar com um novo terapeuta, reassumi o emprego e comecei a
reconstruir meus relacionamentos. Nate e eu rompemos pouco depois
de eu voltar para casa. Moramos juntos, como amigos, por mais alguns
meses. Costumo dizer que ele é meu ex-namorado predileto.
Naquele ano, depois de voltar da reabilitação para casa, retomei a
vida exatamente como sempre havia sido, só que sem as drogas. Durante
um ano me mantive limpa. Meus amigos eram os mesmos, as músicas
que eu ouvia eram as mesmas, minhas roupas, minha rotina e meus
hábitos alimentares eram os mesmos. Eu ia aos mesmos lugares com as
mesmas pessoas que faziam as mesmas coisas que sempre tinham feito, e
todo mundo (inclusive eu) esperava que eu também me mostrasse
exatamente do mesmo jeito. E eu correspondia.
Quando olho para aquela época, fica claro o motivo da recaída. Eu
havia estabelecido um limite frágil comigo mesma quanto ao vício, aos
relacionamentos e à saúde mental: dizia que não iria me drogar. Mas não
fazia nada para sustentar isso. Passei um ano construindo o castelo de
cartas da recuperação, mas, em vez de reforçar minha estrutura com
vergalhão e concreto, cruzei os dedos e rezei para os ventos
permanecerem calmos. O problema é que ventava todo dia.
Eu tinha amigos que ainda usavam e me ofereciam drogas, achando
que eu estava melhor, como se a recuperação do vício em heroína fosse
igual à recuperação de um resfriado. Quando mostravam um baseado,
como se perguntassem “Você se incomoda?”, eu dizia que não. Na
verdade, aquilo me incomodava muito, mas eu me obrigava a fingir o
contrário. Aceitava caronas para festas sem perguntar: “Quem vai estar
lá? Qual é a vibe? Talvez eu devesse ir no meu carro, não é?” Ia a happy
hours do escritório e bebia água discretamente, rezando para ninguém
me pressionar a tomar “só umazinha”. Tinha pouco apoio emocional e
minha família não queria falar sobre nenhuma dessas coisas – nem sobre
meu vício, nem sobre minha recuperação e certamente nem sobre o
trauma que havia provocado tudo aquilo. De modo geral, minha
narrativa era: “Tive um problema, agora estou legal.”
A verdade é que eu me sentia apavorada absolutamente todos os
dias, contando apenas com a força de vontade, o acaso, a sorte e uma
reunião esporádica dos Narcóticos Anônimos para manter a sobriedade.
Não sabia como impor limites para me manter segura e, mesmo quando
poderia ter feito isso (“Na verdade me importo, sim. Vão lá para fora,
por favor.”), permanecia quieta.
Tinha medo de que impor limites afastasse meus amigos e
prejudicasse a confiança frágil da minha família, minha autoimagem e
minha vida social. Agora vejo que era a falta de limites que me tornava
solitária, insegura e ansiosa, e em última instância foi o que me levou à
recaída. Eu estava tão concentrada em garantir que todas as outras
pessoas se sentissem confortáveis que parei de me perguntar: “De que eu
preciso neste momento?” O resultado foi que eu estava livre das drogas,
mas minha vida tinha ficado mais restrita do que nunca.
De algum modo consegui chegar à marca de um ano e ganhei uma
ficha na reunião do AA. Algumas semanas depois me vi no banheiro de
uma festa, debruçada sobre a pia, cheirando uma carreira de pó branco.
Eu me lembro de olhar no espelho, com um gosto amargo no fundo da
garganta, e me perguntar: “Que diabos aconteceu?” Até hoje não sei.
Eu não tinha limites. Foi uma recaída violenta.
Nas recaídas, tudo é muito mais rápido. A boa notícia é que depois
de algumas semanas eu consegui procurar ajuda sozinha, por causa do
terror de que dessa vez fosse realmente morrer. Liguei para a clínica de
reabilitação e me inscrevi de novo no tratamento ambulatorial. No
entanto, ainda sem ter a palavra “limite” no meu vocabulário, não
demorou para eu acabar em outra situação precária. Só que dessa vez,
por puro desespero, um limite de verdade transbordou para fora de mim.
Meu amigo James e eu tínhamos sido convidados para uma festa e,
hesitante, aceitei o convite. (É nessa parte do filme de terror que você
grita: “O que você está fazendo?! Não entre aí!”) James estava com uma
garrafa de cerveja e eu bebia água num copo de plástico vermelho. Fazia
anos que James era meu amigo íntimo e apoiava minha recuperação,
ainda que ele não entendesse o processo muito bem. Ele perguntou se eu
queria uma cerveja. Eu disse que não, que estava legal.
“Legal” é uma palavra maldita. Quantas vezes eu tinha dito isso
roboticamente quando não me sentia nem um pouco legal? É o que a
gente diz quando tenta não perturbar a paz, não deixar ninguém
desconfortável nem chamar atenção para uma ofensa. É o que
costumamos dizer quando alguém ultrapassa um limite que
estabelecemos, ou que sabemos que precisamos estabelecer.
Na verdade, eu não estava legal. Não tinha absolutamente nenhuma
confiança na minha força de vontade ou na minha sorte. Podia ser igual
àquela vez da droga no banheiro: eu só precisaria de uma oferta
inesperada, uma fração de segundo de hesitação, e tudo o que eu havia
trabalhado tanto para conquistar estaria perdido de novo.
Fui tomada por um sentimento de urgência: precisava fazer alguma
coisa NAQUELE MOMENTO. Se quisesse permanecer segura, se não
quisesse beber nem usar drogas, precisava dizer a James o que estava
acontecendo no meu cérebro. Sem preâmbulo, comecei a falar, depressa
e alto demais:
– Preciso que você saiba que eu não estou legal. Estou aqui, mas não
me sinto bem. Para mim, neste momento, não é legal ficar perto de
álcool ou drogas. Estou nesta festa, mas não deveria estar. Preciso ir para
casa.
Ele me encarou por um segundo, piscou uma vez e assentiu:
– Ah, uau, certo. É... desculpe. Eu não sabia.
Eu não tinha terminado. Precisava continuar se quisesse que tudo
fosse diferente.
– Além disso, tenho que dizer umas coisas se eu quiser continuar
limpa. Não me importa o que você faz da sua vida, mas não posso ver
você usando drogas, nem mesmo maconha. Você não pode mais fumar
na minha frente, ninguém pode. Se isso estiver nos planos, não precisa
me convidar. Se você me oferecer drogas de novo, não poderemos mais
ser amigos. Não faça mais isso nem se eu disser que estou melhor, nem
se eu implorar, nem mesmo se eu ficar furiosa porque você recusou.
Falei tudo isso de um só fôlego. Sentada ali, segurando o copo
d’água, soube que precisava me posicionar. Precisava fazer mais do que
apenas tentar não usar drogas. Precisava me preparar para o sucesso,
criar barreiras entre mim e as drogas, recrutar amigos para atuar como
guarda-costas e garantir que nunca mais me colocaria naquele tipo de
situação. Se eu não estabelecesse limites naquele momento, poderia
perder a coragem e fracassar de novo na minha recuperação. Eu não
podia me permitir isso. Não achava que conseguiria voltar outra vez.
James pareceu assustado. Assentiu e disse baixinho:
– Ah. Certo. – Em seguida fez algumas perguntas: – Eu posso beber
na sua frente? Você acha que algum dia vai beber de novo? Você está
careta agora?
Eu fui respondendo (“Pode. Não por um bom tempo. Estou.”).
Nós nos despedimos dos amigos e fomos para casa.
De certa forma, esse foi o fim. Eu me lembro de ter sentido um alívio
imediato e alguma felicidade. James era uma das pessoas mais
importantes na minha vida e tínhamos nos afastado porque eu não
conseguia comunicar minhas necessidades. Não queria perder sua
amizade, mas, agora que eu tinha estabelecido esses limites, acreditava
que ele cumpriria com a palavra. E também confiava em mim mesma
quando estava perto dele. Sabia que ele faria o possível para proteger
minha recuperação e isso parecia ter aberto um mundo de
possibilidades para a nossa amizade.
Foi o começo de toda uma vida nova. A conversa com James me deu
coragem para abordar o assunto com outros amigos próximos. A
maioria concordou em manter esses mesmos limites comigo. Comecei a
demarcar as fronteiras de uma área para minha proteção – a própria
definição de limite.
Esclarecer o que era necessário à minha saúde e à minha segurança
só reforçou o compromisso de cuidar de mim e da minha recuperação –
e se as pessoas não pudessem respeitar esses limites (por não estarem
dispostas ou por terem seus próprios problemas), meu
comprometimento me dava a lucidez necessária para abrir mão daquelas
amizades.
Eu me empolguei com esses limites, me comprometi a ir a sessões de
terapia regulares e sinceras e comecei a conversar com uma amiga
querida sobre o meu trauma. Mas não parou aí: mudei o modo como me
vestia, deixei de ouvir músicas que me lembravam das festas e arranjei
um novo emprego. Aluguei um novo apartamento, comecei a malhar
todo dia de manhã e fiz novos amigos interessados em saúde. Passei a
dormir cedo e aprendi a cozinhar.
Comecei a estabelecer limites para mim, determinando que iria me
comportar como uma pessoa saudável com hábitos saudáveis em
qualquer situação. Esse mantra guiaria minha vida nos anos seguintes.
“Uma pessoa saudável com hábitos saudáveis sairia para jantar com o
novo grupo de corrida e pediria uma água com gás e limão? Sim, sairia;
então vamos nos divertir.”
Comecei a ver que, na verdade, os limites expandiam minha vida em
vez de encolhê-la. Eu saía mais com meus amigos porque sabia que eles
respeitariam meus limites e me apoiariam se acontecesse algum
imprevisto. Adorava meu trabalho novo, porque ali também estabeleci
limites. (“Eu não bebo, mas claro que topo assistir ao jogo dos Red Sox
com vocês.”) Minha casa parecia uma página em branco depois de tirar
o lixo que me lembrava os dias de drogas. Quanto mais eu falava sobre
minha recuperação e sobre como estava me sentindo, mais fácil era fazer
progressos verdadeiros na terapia.
O mais importante: graças aos limites que estabeleci, minha
recuperação não era mais um castelo de cartas. Agora eu tinha um
alicerce sólido, com camadas de isolamento entre mim e meu vício, de
modo que se uma dessas cartas fosse soprada para longe, eu ainda teria
muitas outras me mantendo em segurança. Graças aos anteparos que
coloquei ao redor da minha recuperação, da minha saúde e da minha
segurança, eu me sentia mais livre do que nunca. Meus relacionamentos
estavam mais fortes, minha saúde mental estava melhor, minha carreira
prosperava e minha autoconfiança estava no auge porque eu tinha
comunicado com clareza os limites do comportamento aceitável em
cada área da minha vida, até a mim mesma. Eu sabia quais eram eles. As
pessoas ligadas a mim sabiam. As expectativas eram claras, os acordos
estavam selados, a confiança e o respeito eram reais.
O PODER TRANSFORMADOR DOS LIMITES

Assim que vi o poder transformador dos limites na minha vida, comecei


a notar como outras pessoas poderiam se beneficiar deles, e por meio do
meu trabalho comecei a ajudá-las a encontrar as palavras para expressar
suas necessidades. Ao longo dos anos ajudei funcionários a estabelecer
limites para chefes que mandam e-mails tarde da noite, ajudei mães de
primeira viagem a estabelecer limites com relação a conselhos não
solicitados, e ajudei milhares de pessoas a gentilmente recusar bebida em
ambientes sociais. Todas essas pessoas dizem que a saúde mental, a
autoconfiança e os relacionamentos melhoraram depois que adquiriram
o hábito de estabelecer limites, de comunicá-los com clareza e de colocá-
los em prática.
Você não precisa se sentir ameaçado para se beneficiar de um limite.
Na verdade, dizer chega às pequenas coisas que você tolera de má
vontade pode causar um impacto gigante na sua vida. Pense em quantas
vezes você simplesmente “deixou pra lá” alguma coisa no trabalho, em
casa ou com familiares e amigos. Cada uma dessas situações aumenta o
ressentimento, a raiva, a frustração e o cansaço. Como eu, antes de
encontrar os limites, você provavelmente se acostumou tanto a ficar em
silêncio que ninguém se sente incomodado ou desconfortável, afinal
você nem percebe que se deixa atropelar o tempo todo pelos outros.
Imagine como você se sentiria se não precisasse se estressar com sua
mãe pegando no seu pé por causa do seu peso, com seus sogros fazendo
uma visita surpresa ou com seu chefe mandando mensagens de texto
durante suas férias. Pense bem. Até que ponto sua vida seria mais
agradável, confortável e livre se você soubesse que suas necessidades
seriam respeitadas? Agora imagine que a única coisa entre você e essa
versão sua são uma ou duas frases ditas com clareza e gentileza.
Vou ajudar você a estabelecer esses limites.
Sei que dá medo. Sei que é desconfortável. Sei que é difícil. Mas o que
você está fazendo agora também é. Evitando determinadas pessoas,
morrendo de medo de certas conversas, sofrendo de ansiedade antes de
eventos sociais (melhor ficar em casa), sentindo raiva diante de
interações hipotéticas, comprometendo exageradamente seu tempo e sua
energia, priorizando os sentimentos dos outros e deixando todo mundo
se aproveitar de você – isso é difícil.
Estabeleci meu primeiro limite por necessidade, como uma questão
de vida ou morte. Os seus podem não parecer tão cruciais, mas aposto
que você consegue se identificar com a ideia de que, sem eles, sua vida
está encolhendo. Você pode continuar deixando que todo mundo
estabeleça limites para você, pouco a pouco ocupando tanto espaço que
sua vida se torna pequena e rasa. Ou pode ter uma vida plena, rica,
profunda e feliz, com menos atritos, uma vida que você constrói nos seus
próprios termos. A diferença entre as duas situações está nos... limites.
Este livro ajudará a engrandecer ao máximo sua vida com a magia
dos limites. Você aprenderá a identificar os sinais de que é chegada a
hora de dar um basta. Aprenderá meu método de “dose mínima, efeito
máximo” para estabelecer limites numa linguagem natural e adequada a
cada situação. Aprenderá a manter um limite, o que fazer se as pessoas
responderem mal e como explicar as consequências se suas necessidades
não forem atendidas. Mais do que isso, passará a acreditar que merece
criar esse espaço seguro e reivindicar seu poder de direito – poder que
você vem entregando aos outros há muito tempo. Tudo o que existe
entre você e os sentimentos de tranquilidade, confiança, capacidade e
liberdade são algumas palavras cuidadosamente escolhidas, ditas num
contexto de autocuidado. Vou lhe mostrar como fazer isso.
PRIMEIRA PARTE

Iniciação
aos limites
CAPÍTULO 1

Um curso intensivo
sobre limites

N
ão faz muito tempo, recebi uma mensagem de Charley, que me
segue no Instagram. Ela estava morrendo de medo de uma
visita que faria à mãe e me mandou um pedido de socorro na
véspera da viagem. “Amanhã vou encontrar minha mãe pela primeira
vez desde que ganhei 10 quilos”, escreveu. “Meu peso (e o dela) sempre
foi um dos seus assuntos prediletos, mas odeio falar sobre isso. Embora
ache que a intenção é boa, os comentários que ela faz ferem muito
minha autoestima e não ajudam em nada. Por causa disso nosso
relacionamento ficou estremecido, mas senti falta dela no último ano. Eu
adoraria que essa visita fosse agradável, divertida, em vez de
intimidadora.”
Esse tipo de receio deveria disparar um alerta no seu cérebro: Plim,
plim, plim – limite necessário! Se um limite é uma linha que demarca
uma área – neste caso, a sua área de conforto, segurança e saúde mental
–, sentir ansiedade, nervosismo ou vontade de evitar determinada
pessoa ou assunto é um sinal claro de que seus limites estão sendo
ultrapassados e de que é preciso estabelecê-los com firmeza.
Infelizmente, a maioria de nós ignora esses alertas e parte para
reações menos saudáveis. Você faz a visita como se estivesse indo para a
batalha e explode de raiva ao primeiro comentário casual. Cancela no
último minuto sem dar explicação, deixando o ente querido confuso e
magoado. Ou se sacrifica, tomando a iniciativa de fazer piada com o
próprio peso antes que a outra pessoa possa lhe causar sofrimento.
Você deixou que a ansiedade, os sentimentos negativos e o
ressentimento invadissem suas relações porque não soube fazer com que
funcionassem melhor. Mas agora você sabe que a solução é colocar
limites – e o primeiro passo é saber quando precisa de um.

As três etapas dos limites:


1. Identifique a necessidade de estabelecer um limite.
2. Estabeleça o limite usando uma linguagem clara e
gentil.
3. Mantenha o limite impondo consequências, se
necessário.

PRIMEIRA ETAPA: IDENTIFIQUE A NECESSIDADE DE


ESTABELECER UM LIMITE

No ano passado, ao visitar meus pais, eles me surpreenderam com uma


conversa sobre como eu estava administrando a guarda compartilhada
do meu filho com o pai dele. Apesar da boa intenção, eles passaram
totalmente do ponto, dando opiniões mordazes sobre o modo como eu
criava meu filho. O restante da visita foi incômodo e desconfortável. Nos
meses seguintes meus pais nos convidaram para visitá-los várias vezes,
mas eu sempre encontrava motivos para dizer que não podíamos ir:
estava ocupada no trabalho, meu filho tinha um jogo, o tempo não
estava bom. Claro, o verdadeiro motivo para evitá-los era que eu não
queria que tocassem novamente naquele assunto. A certa altura meu
novo marido perguntou com gentileza: “Então você nunca mais vai
visitá-los ou...?”
Achei o comentário irritante, mas lúcido. É claro que eu queria ver
meus pais, mas também queria que eles respeitassem meu direito de
tomar decisões sobre meu filho. Precisava estabelecer um limite.
Na visita seguinte, assim que chegamos, eu disse: “Olha, não vou
falar mais com vocês sobre o pai do meu filho. Eu sou a mãe da criança e
não estou pedindo a opinião de vocês sobre a guarda compartilhada.”
Para ser sincera, parecia que meus pais sabiam que isso iria acontecer.
Eles disseram que entendiam e respeitariam meu pedido. Então eu
relaxei e desfrutei o tempo que passamos juntos compartilhando
histórias de família sem o medo de eles fazerem as mesmas “sugestões”
de novo.
Esse é um exemplo perfeito de como os limites podem melhorar um
relacionamento. Eu morria de medo de encontrar meus pais por causa
da ansiedade provocada por esse assunto específico – então percebi que
podia simplesmente dizer que não queria mais ter aquela conversa. Na
mesma hora me senti mais leve. Eu me tornei capaz de curtir cada
segundo com eles, e meus pais sabiam exatamente onde estavam os
meus limites.

O LIMITE TEM A VER COM O SEU COMPORTAMENTO, NÃO COM O


DOS OUTROS
Posso não gostar de saber que meus pais questionam minhas decisões, mas
não posso proibi-los de ter opinião própria, ou de conversar entre si sobre
como eu crio meu filho. O que posso fazer é estabelecer um limite com
relação ao modo como recebo essas opiniões. O limite não é “Não discordem
de mim”, porque isso não está sob o meu controle. Em vez disso, digo “Não
vou aceitar opiniões contrárias a respeito disso”, porque isso se refere ao meu
comportamento, não ao deles. Vamos aprofundar o assunto algumas
páginas adiante no tópico NÃO É TARDE DEMAIS.

Aposto que você consegue pensar em pelo menos uma dúzia de


situações como essa em sua vida. Sentir medo ou ansiedade antes de se
encontrar com alguém é o sinal mais eloquente da necessidade de limite.
Talvez você queira evitar alguém porque essa pessoa oferece conselhos
não solicitados sobre seu peso, sobre seu relacionamento amoroso (ou
sua solteirice), ou sobre sua decisão de ter filhos ou não. Talvez essa
pessoa provoque conflito e drama aonde quer que vá, sempre fazendo
fofocas, reclamando ou enfatizando notícias negativas. Talvez ela faça
com que você sinta culpa sempre que nega um pedido. Talvez você
sempre termine com a sensação de que essa pessoa se aproveitou de
você.
Pense nos relacionamentos da sua vida – familiares, profissionais e
de amizade. Você se sente em conflito em algum deles neste momento?
Às vezes são pessoas de quem você realmente gosta, que admira e deseja
manter por perto – mas a ideia de interagir com elas lhe provoca
ansiedade ou medo. Esse frio na barriga é um indicador fundamental de
que existe no relacionamento algum aspecto que seria melhorado ou
corrigido com a imposição de limite.
Mas às vezes esses sinais podem ser sutis. Vamos falar sobre o
vazamento de energia.

ALGUÉM VIU MINHA ENERGIA POR AÍ?

Vazamento de energia: aposto que você conhece a sensação. Cada


interação que você tem, seja almoçar com sua mãe, responder a um
comentário numa rede social ou simplesmente pensar no seu último
namoro, é uma troca de energia. Às vezes essas trocas deixam uma
sensação de vigor, positividade e conforto. Mas todos nós sabemos como
é sair do restaurante, fechar o Instagram ou parar de olhar aquelas fotos
antigas e sentir... um vazio. Um peso. Frustração. Isso é vazamento de
energia: quando suas interações consomem mais energia do que repõem.
Talvez você nem perceba o que está acontecendo, mas sinta tristeza
depois de conversar com aquele colega de trabalho que está sempre
infeliz, metido em confusão ou fazendo fofoca. Sinta exaustão após uma
simples e breve visita aos seus sogros críticos. Recuse a ligação sempre
que vê o nome daquela amiga na tela do celular. Nessas interações sua
energia está sendo sugada: isso é um sinal irrefutável de que seu
relacionamento precisa de limite.

SINAIS DE QUE VOCÊ PRECISA ESTABELECER UM LIMITE


Você sente medo ou ansiedade ao tocar em determinado assunto.
Você está sempre evitando certas pessoas.
Você ouve opiniões ou comentários não solicitados com muita frequência.
Você sente que determinado relacionamento é unilateral.
Você concorda com tudo só para evitar confrontos.
Você ouve dizer, direta ou indiretamente, que os sentimentos dos outros
são mais importantes do que os seus.
Você sente sua energia ser drenada na presença de certa pessoa ou logo
que ela vai embora.
Você sempre acaba participando involuntariamente dos conflitos ou dos
dramas de outra pessoa.
Você sente negatividade ou ansiedade depois de passar algum tempo com
certa pessoa.
Você já pensou em “dar um tempo” em alguma relação.

O vazamento de energia também acontece fora dos relacionamentos


– às vezes é autoinfligido. Você pode perceber que sua energia se esvai
rapidamente quando ingere bebida alcoólica, faz compras pela internet
por puro tédio ou por ansiedade, imagina brigas ou situações
estressantes que só existem na sua cabeça, compara-se implacavelmente
com outras pessoas nas redes sociais, assiste aos noticiários ou fica até
tarde vendo qualquer coisa na Netflix. Se você acha que suas atividades
solitárias deixam um sentimento de raiva, esvaziamento ou depressão,
esse é o momento perfeito para estabelecer um limite – um limite
amoroso de você para você, destinado a manter sua segurança e sua
saúde. (Falaremos mais sobre limites pessoais no Capítulo 10.)

LIMITES NÃO SÃO MAUS

Há pouco tempo uma mulher chamada Nancy me mandou uma


mensagem por uma rede social: “Eu caminho sozinha todas as manhãs,
para minha própria saúde mental. Ultimamente uma vizinha idosa tem
se convidado para ir junto. Ela me espera sair e então me acompanha. É
uma pessoa muito boa, e está claro que gosta da minha companhia, mas
esse é o único momento que eu tenho só para mim. Como posso
dispensá-la sem me sentir cruel?”
Entendo Nancy perfeitamente. Nós (em especial mulheres)
costumamos ouvir que é egoísmo colocar nossos próprios sentimentos e
nossas necessidades em primeiro lugar. Esta é uma objeção comum a
estabelecer limites: parece uma coisa fria ou punitiva, como se estivesse
erguendo um muro entre você e as outras pessoas. Mas lembre-se: os
limites não são paredes, são cercas. E boas cercas geram bons vizinhos.
Os limites permitem que as pessoas que gostam de nós nos apoiem
da maneira que preferirmos. Eles separam claramente o que é útil do
que é prejudicial, e assim ninguém precisa ler nossa mente. Eles nos
permitem ter relacionamentos plenos e sinceros quando expressamos
com clareza nossas necessidades, pois assim fica mais fácil para os outros
as respeitarem. De fato, o melhor modo de preservar um relacionamento
costuma incluir a imposição de algum limite.
Nancy gostava da vizinha e queria ter um bom convívio com ela. Se
essa vizinha continuasse atrapalhando suas caminhadas matinais, Nancy
ficaria ressentida, depois com raiva, e talvez um dia até reagisse com
grosseria, por pura frustração. Estabelecer um limite seria um ato de
gentileza, que permitiria a Nancy dar atenção à vizinha sem colocar suas
próprias necessidades na fila de espera.
Perguntei a Nancy quantas manhãs ela estaria disposta a passar em
companhia da vizinha – de zero a todas. Ela respondeu que gostaria de
caminhar com ela uma vez por semana, aos sábados ou domingos.
Assim, mandei a Nancy um roteiro para ela usar no dia seguinte: “Bom
dia! Olha, vou começar a caminhar sozinha nos dias de semana. Esse é o
único tempo que eu tenho para mim mesma, e preciso disso para a
minha saúde mental. Você gostaria de caminhar comigo nas manhãs de
sábado, quando as coisas ficam menos agitadas?” Nancy adorou a
sugestão. Isso permitiu que as duas tivessem o que queriam: um tempo
agradável juntas, quando ambas estivessem relaxadas, e o tempo a sós de
que Nancy tanto precisava para recarregar as baterias durante a
movimentada semana de trabalho.
Você não está sendo cruel quando estabelece limites, está sendo
gentil – com você e com seus relacionamentos. Mas isso não significa
que o processo seja confortável. Qualquer conflito pode ser incômodo –
se a pessoa pediu hambúrguer ao ponto e ele veio malpassado, aposto
que muita gente comeria mesmo assim em vez de reclamar. Estabelecer
limites pode ser desconfortável porque estamos mostrando uma barreira
até então desconhecida (talvez até apontando algum comportamento
irrefletido) e pedindo que a outra pessoa se adapte pelo bem da relação.
Se isso embrulhou um pouquinho seu estômago, você não está só.
Minha pesquisa mostra que o principal motivo para uma pessoa não
impor limites quando precisa deles é que isso é tremendamente
desconfortável. Não vou fingir que não é – eu também sinto isso. Para
mim, nem sempre é fácil dizer “não” a um colega de trabalho de quem
eu gosto, pedir ao meu marido um tempo para ficar sozinha ou dizer aos
meus pais que não quero mais discutir algum assunto. No entanto, há
algo que é ao mesmo tempo desconfortável e prejudicial: reafirmar a
narrativa de que os sentimentos de outra pessoa são mais importantes
ou valiosos do que os nossos – algo que fazemos sempre que engolimos
nosso limite saudável num esforço para manter a paz.
A verdade é que, quando alguém passa por cima do nosso limite, não
existe solução confortável. Mas um dos caminhos é pavimentado com
breves desconfortos que levam a grandes melhorias a longo prazo na sua
saúde e na sua felicidade. E o outro caminho é apenas um círculo
interminável que traz ansiedade, raiva e ressentimento, minando sua
autoestima.
Um desses dois caminhos é muito pior do que o outro. E preciso
perguntar a quem está no caminho ruim: como tem sido isso para você,
de verdade? Qual é a sensação de satisfazer as necessidades de todo
mundo, menos as suas? De se prejudicar para manter os outros felizes?
De aceitar muitas coisas sempre que os outros exigem? De gastar toda
essa energia com pessoas, conversas ou comportamentos que jamais lhe
dão qualquer retribuição? Digo com muito amor: aposto que você está
lendo este livro porque as coisas não vão muito bem. O que apresento
aqui é uma estratégia melhor – uma estratégia que leva a
relacionamentos mais satisfatórios, aumenta a autoconfiança, melhora a
saúde e economiza tempo e energia para as coisas que são mais
importantes para você. Pode ser desconfortável, mas garanto que valerá
a pena. É a partir dos limites que cuidamos das pessoas amadas, que as
apoiamos e nos dedicamos a elas sem sacrificar nossa saúde e nossa
felicidade nesse processo.

SEGUNDA ETAPA: ESTABELEÇA O LIMITE USANDO UMA


LINGUAGEM CLARA E GENTIL

Você se lembra de Charley, que morria de medo de se encontrar com a


mãe porque sabia que ela iria comentar sobre seu peso? Charley
reconhecia a necessidade de estabelecer um limite, mas não sabia
exatamente o que dizer. Por isso me perguntou: “Qual a melhor maneira
de dizer que não quero conversar sobre o meu peso nem sobre o dela?
Minha mãe vai considerar um ataque pessoal qualquer limite que eu
estabeleça, por isso quero transmitir meus sentimentos sem parecer
grosseira.”
Aqui vai uma informação que pode parecer óbvia, mas não é: você
precisa realmente estabelecer o limite. Não vale dar uma dica, fazer uma
sugestão ou esperar que os outros adivinhem suas necessidades. As
pessoas não leem mentes. Se você precisa estabelecer um limite quanto
ao seu conforto, à sua segurança ou à sua saúde mental, fale com clareza.
Sei que essa é a parte que dá medo. Mas também é a parte gentil.
Se você fosse tatuar uma frase relacionada a limites em alguma parte
do seu corpo, deveria ser “Clareza é gentileza”. (Se fizer isso em qualquer
lugar que não seja uma parte íntima, por favor me mande uma foto.)
Você verá essa frase diversas vezes nas próximas páginas. Ela é do livro
de Brené Brown A coragem para liderar: trabalho duro, conversas difíceis,
corações plenos. “Clareza é gentileza. Falta de clareza é indelicadeza.”1
Brené diz que ouviu esse ditado numa reunião de 12 passos – outra
coisa que temos em comum –, mas no seu livro ela o aplica a um
ambiente profissional. Ela escreve: “Dizer meias verdades ou bobagens às
pessoas para fazer com que elas se sintam melhor (o que quase sempre
se destina a fazer com que nós mesmos nos sintamos mais confortáveis)
é indelicadeza. Não ser claro com um colega sobre suas expectativas
porque parece uma coisa dura demais, e ao mesmo tempo
responsabilizá-lo ou culpá-lo por não entregar o que foi pedido, é
indelicado. Ser claro é ser gentil.”
Adoro o trabalho de Brené, e essa ideia compõe um dos princípios
centrais da minha prática e dos meus ensinamentos sobre limites.
Quando se trata de limites, clareza é gentileza! Mostrar às pessoas
exatamente onde fica o seu limite e como elas podem ajudar a preservá-
lo é gentileza. Por outro lado, esperar que elas adivinhem o que você
quer ou lidem com o seu desapontamento se entenderem errado é de
uma indelicadeza tremenda.
Assim, se clareza é gentileza, o limite ideal é direto. Não é obscuro
nem passivo-agressivo. Tampouco é aberto a interpretações. Você
encontrará centenas de exemplos neste livro, mas quero que responda a
uma pergunta ao avaliar as palavras que usará para estabelecer seu
próximo limite: “Quando eu terminar de falar, as pessoas saberão
exatamente onde fica o meu limite e como evitar ultrapassá-lo?” Se a
resposta for “Sim”, parabéns, você definiu um limite claro e gentil! Se a
resposta for “Espero que sim, tipo... isso deveria ser óbvio, não é?”, ainda
não chegamos lá.
Exemplos de limite obscuro: revirar os olhos, suspirar
profundamente, ignorar uma pergunta ou fazer piada sobre ela.
Exemplo de limite claro: “Prefiro não falar sobre meu corpo ou meu
peso hoje, obrigada.”

ALERTA – LIMITE À VISTA!


Uma das coisas mais desafiadoras ao estabelecer um limite é deixar de
pensar “Opa, isso não foi legal...” e começar a expressar seu incômodo de
maneira clara e gentil. É aí que entra o alerta de limite: uma interjeição, um
som ou um gesto entre a transgressão do limite e sua reação. Os alertas de
limite permitem sinalizar rapidamente ao seu interlocutor que ele foi longe
demais e que a conversa vai ficar mais séria. É seu momento de se recompor
antes de dar um basta. Adiante você encontrará roteiros que incluem muitos
alertas como estes:

“Nossa!”
“Hein?”
“Uau.”
“É, bem...”
Levantar as mãos.
Fazer cara de desagrado.
Levantar uma sobrancelha.
“Ah, não.”
“Puxa...”
“É sério isso?”

Na prática, por exemplo, você poderia dizer “Nossa, não vou nem responder”
depois de uma pergunta especialmente insensível. Ou “É, bem... na verdade,
não planejo olhar meus e-mails durante as férias” após o pedido de um
colega de trabalho. Ou sinalizar com as mãos e dizer “Agradeço, mas fico
aflita quando tocam meu bebê” para interromper o carinho inesperado de um
estranho na sua barriga de grávida. É importante notar que um alerta de
limite não substitui sua verbalização clara – apenas preenche o espaço entre
a violação desse limite e a sua reação.

NÃO É TARDE DEMAIS

Outro desafio comum ao estabelecer limites é não conseguir captar


imediatamente toda a gravidade da situação, ou entrar em choque diante
de uma fala ou de um comportamento a ponto de não saber como reagir.
Esse é o segundo motivo mais citado para não estabelecer limites, e já
aconteceu comigo também. Consigo me lembrar de várias ocasiões no
meu antigo emprego em que um colega fez uma piada absurdamente
inadequada e machista na minha frente e eu apenas congelei. Por dentro
estava pensando: “O que acabou de acontecer? Esse sujeito é vice-
presidente. Como eu devo reagir a isso?” Nesse meio-tempo a conversa
prosseguiu. E, quando dei por mim, o momento havia passado e seria
esquisito voltar ao assunto àquela altura.
Se eu tivesse soltado um “Nossa!” naquele momento, talvez pudesse
interromper a conversa e dizer: “John, isso não é aceitável.” (Não é o
limite mais eloquente, mas é melhor do que nada.) Mesmo que você
congele na hora e não diga nada, nunca é tarde demais para estabelecer e
comunicar um limite para as interações futuras. Aqui vão algumas
estratégias para isso, mesmo se o momento tiver passado:

VOLTE AO ASSUNTO. Peça que a pessoa retorne àquela parte da conversa


assim que você se sentir à vontade para declarar seu limite dali em
diante. Isso pode acontecer depois de cinco minutos, uma hora ou no dia
seguinte. (Mas não deixe passar muito tempo, senão a pessoa
provavelmente terá esquecido os detalhes do que, para ela, pareceu uma
“conversa normal”.)

EXPLIQUE O QUE ACONTECEU A PARTIR DA SUA PERSPECTIVA. “Ontem você


fez uma piada sobre mulheres que sobem na carreira. Para mim foi bem
desagradável, e saiba que não achei engraçado nem adequado.”

CONCENTRE-SE NO QUE ESTÁ ACONTECENDO AGORA. Se a pessoa falar algo


do tipo “Bom, você deveria ter dito alguma coisa”, conte a verdade.
“Sinceramente, na hora fiquei em choque e não soube direito como
responder. Mas já tive tempo para pensar e acho importante dar minha
opinião.”

COMUNIQUE SEU NOVO LIMITE DE MODO PROATIVO. “De agora em diante


vou começar a apontar os comportamentos inadequados na mesma
hora, não importa quem esteja na sala. Há um monte de mulheres que
prestam contas a você. Por favor, melhore sua atitude.”

Com o treino, você poderá perceber mais rapidamente quando um


limite for ultrapassado. Também criará um repertório de frases úteis
para apontar o problema ou ganhar tempo para avaliar a situação
enquanto ela acontece. Mesmo que sua reação inicial seja pouco clara,
tipo “Espera aí, isso não é legal”, ou “Calma aí, preciso digerir o que
aconteceu”, ainda é um passo na direção certa para você encontrar sua
voz e estabelecer os limites necessários quando se sentir à vontade.

A LINGUAGEM CLARA E GENTIL COMEÇA (E TERMINA)


COM VOCÊ

Algo importante que você deve ter em mente para adequar sua
linguagem é que um limite saudável sempre vem do eu. Lembre-se: você
não vai dizer ao tio Joe que ele não pode fumar; vai dizer que você não
permite que fumem na sua casa. Os limites não têm a ver com controlar
a outra pessoa, mas com as linhas que você traça à sua volta para
permanecer saudável e em segurança. No caso dos meus pais, eles
podem conversar entre si sobre o meu ex-marido quanto quiserem, mas
agora sabem que não devem puxar esse assunto comigo. A vizinha de
Nancy pode continuar a fazer sua caminhada de sempre, mas sabe que
Nancy prefere caminhar sozinha, a não ser aos sábados. Você não está
tentando controlar o que os outros fazem; está expressando quais são os
seus limites.

Um limite não diz a outra pessoa o que fazer.


Diz o que você fará.

Pode parecer confuso, porque neste livro você vai encontrar roteiros
com um bocado de pedidos: “Por favor, você poderia fumar lá fora?”,
“Confirme se estará mesmo livre neste fim de semana, por favor, antes
que eu compre os ingressos”, “Podemos adiar aquela conversa? Preciso
de tempo para pensar”. Mas lembre-se: cada um desses pedidos estará
centrado no seu limite saudável. Tenha em mente o seguinte:

Os limites resultam de um desejo de estabelecer e preservar o seu


espaço.
As pessoas não leem mentes, por isso você precisa saber comunicar
suas necessidades.
Se alguém continuar ultrapassando seus limites, é você quem deve
agir para mantê-los.

Quando o tio Joe acende um cigarro na sua casa, o seu limite é: “Não
permito que fumem dentro da minha casa porque quero proteger minha
saúde e não gosto do cheiro.” Mas o tio Joe pode não saber disso,
portanto você precisa deixar isso claro. Você pode dizer: “Ah, por favor,
acenda esse cigarro lá na varanda. Nós não fumamos dentro de casa.”
Você não está tentando convencer o tio Joe a parar de fumar – isso seria
controle, não limite. Você não está dizendo para ele não fumar na casa
dele, ou na de qualquer outra pessoa – não é você quem deve estabelecer
esse limite. Você só está usando seu pedido para traçar uma linha em
volta da sua casa e da sua saúde.
Se o tio Joe se recusar a sair, você pode reforçar o limite dizendo:
“Então, por favor, apague o cigarro. Eu disse que não permito que
fumem dentro de casa.” Sim, isso exige a cooperação do tio Joe, mas o
foco ainda está em reforçar o seu limite. Se o tio Joe se recusar a fazer as
duas coisas (o que é uma grosseria), você pode decidir que não o
convidará novamente: uma ação sua para fazer valer as consequências
do seu limite.

PODERIA EXPLICAR MELHOR? (E POR QUE TALVEZ VOCÊ


NÃO QUEIRA EXPLICAR MELHOR)

Um limite claro e gentil não exige que você fique se explicando ou peça
desculpas por suas necessidades. Para suavizar o golpe, talvez Nancy
tenha pensado em dizer: “O único tempo que tenho sozinha de manhã é
durante a caminhada, e minha vida está caótica, ando ocupada demais, o
trabalho está uma confusão só e meus filhos estão numa idade difícil. Eu
me sinto mal em pedir, mas...” No entanto, essa abordagem pode ser
problemática. Em primeiro lugar, e o mais importante, não é necessário
compartilhar todo o contexto – o seu limite é o seu limite. Repita
comigo:

As pessoas não precisam entender meu limite


nem concordar com ele para respeitá-lo.

Vou enfatizar isso porque nós, mulheres, em especial, fomos


condicionadas a enxergar o altruísmo como virtude e a procurar um
ótimo motivo (e muitas vezes buscar aprovação) antes de pedir algo em
nosso benefício. Pode ser profundamente desconfortável declarar nosso
limite e pronto, sem dar maiores explicações, sem pedir desculpas ou
justificar nossos desejos – portanto, é exatamente isso que eu quero que
você treine, para lembrar a si mesma que você é digna de ter e atender
suas próprias necessidades. Sempre que reconheço e respeito minhas
vontades sem pedir “permissão” primeiro, imagino que estou
silenciosamente desafiando o patriarcado.
Além disso, contextualizar demais o seu pedido pode ser um tiro no
pé. Ao explicá-lo, você permite que a outra pessoa discorde do seu
raciocínio e chegue à conclusão de que esse limite não é necessário.
Imagine Nancy se explicando demais e a vizinha dizendo: “Não é
possível que a sua vida seja tão difícil assim... É só uma caminhada, e a
gente nem precisa conversar.” Explicar demais pode direcionar o foco
para a sua argumentação, não para o limite propriamente dito, exigindo
que você se justifique mais ainda (quando você só precisaria dizer: “Ah,
não posso caminhar com você hoje. Tenha um ótimo dia.”).
Detalhar (ou até mesmo exagerar) o motivo por trás do seu pedido
pode ser contraproducente de outras maneiras também. Digamos que
duas semanas mais tarde sua vizinha encontre sua família na porta de
casa e pergunte se o seu trabalho está menos corrido. Seu marido,
solícito, responde: “Sim, as coisas estão indo muitíssimo bem! Ela
finalmente conseguiu uma secretária e o trabalho está bem mais
administrável. É bom vê-la mais tranquila.” Essa é a deixa para sua
vizinha aparecer no dia seguinte para uma caminhada matinal, afinal
você não precisa mais daquele tempo sozinha, já que agora as coisas se
ajeitaram.
Explicar demais é uma reação natural caso você se sinta
desconfortável ou tenha aprendido a buscar a aprovação dos outros
antes de reivindicar qualquer coisa. O problema é que fornecer
informação desnecessária, ou tentar justificar suas necessidades, dá a
impressão de que seu limite não é tão forte assim, o que significa que as
pessoas provavelmente tentarão fazer com que você mude de ideia, seja
pedindo, argumentando, pressionando ou levando você a sentir culpa.
Estabelecer um limite sem explicar, justificar ou pedir desculpas é um
gesto de quem sabe o que quer, de quem já pensou o suficiente no
assunto e se sente confortável em defender suas vontades. Além disso, se
você realmente acredita que estabelecer limites saudáveis é um ato de
gentileza, não há “golpe” a ser suavizado.

LIDANDO COM OS PORQUÊS


Assim como você não precisa contar quais são os seus motivos para
estabelecer um limite, também não precisa responder quando as pessoas
perguntarem “Por quê?”. Estabelecemos limites por uma série de motivos,
alguns profundamente pessoais. Se você não quer explicar a razão, pode
simplesmente dizer “É só disso que eu preciso agora”, “Prefiro não falar mais
sobre isso” ou “Esse é um tema sensível para mim”. (Você encontrará adiante
mais exemplos como esses, em particular nos roteiros do Capítulo 9.)

Voltando a Charley e sua mãe: elas eram próximas e, afora o


problema do peso, tinham um relacionamento ótimo, e Charley queria
dizer, de coração, como esse limite melhoraria o convívio entre elas e sua
saúde mental. Eu a aconselhei a usar o seguinte roteiro para uma
mensagem de texto, como um ponto de partida: “Oi, mãe, mal posso
esperar para vê-la amanhã! Uma coisa que eu queria dizer antes da visita
é que a pandemia me deixou muito insegura com relação ao meu corpo.
Sei que você vai perceber que estou um pouco diferente quando me vir,
mas qualquer conversa sobre isso, por mais bem-intencionada que seja,
iria me deixar para baixo o dia inteiro. Quero aproveitar ao máximo o
nosso tempo juntas, por isso estou pedindo que a gente não fale sobre
nosso peso nem sobre nossa aparência.”
Charley adorou essa linguagem, e me disse: “Isso resume com
perfeição meus sentimentos sem usar um tom duro ou acusatório.” Está
vendo? Clareza é gentileza.

TERCEIRA ETAPA: MANTENHA O LIMITE IMPONDO


CONSEQUÊNCIAS, SE NECESSÁRIO

A primeira regra que aprendi como mãe foi jamais determinar uma
consequência que eu não esteja disposta a impor. (Dizer “Nada de tablet
durante uma semana” dói tanto em mim quanto no meu filho de 9 anos,
e ele sabe disso.) O mesmo acontece com um limite; para que seja eficaz,
ele precisa ser imposto, e você precisa ter a disposição de impô-lo. Isso
significa que, mesmo depois de ter passado pela experiência assustadora
e desconfortável de estabelecer um limite, você ainda não chegou lá.
Agora precisa manter esse limite.
Geralmente o limite ideal inclui um componente que nós apenas
mencionamos de leve: a consequência. Seu objetivo é manter o limite,
caso a outra pessoa não possa ou não queira respeitá-lo. Em geral, na
primeira vez que estabeleço um limite, não menciono a consequência
logo de cara. Isso evita que eu pareça rígida demais. (Não seria nada
gentil, por exemplo, se Nancy dissesse à vizinha idosa: “Agora vou
caminhar sozinha no meio da semana. E se você tentar me acompanhar,
eu vou CORRER na direção contrária até você me perder de vista.”)
Talvez eu não mencione a consequência nem mesmo na segunda vez,
presumindo de boa-fé que a pessoa simplesmente se esqueceu do que
havíamos combinado.
Se, no entanto, o meu limite continuar sendo desconsiderado ou
desrespeitado, aí será a hora de reafirmá-lo e acrescentar uma
consequência clara. No caso da vizinha, Nancy poderia reafirmar o
limite dizendo “Eu avisei que não caminharia com você nos dias de
semana”, e em seguida determinar uma consequência se a vizinha
continuasse se convidando para ir junto. Ela poderia dizer: “Se não
chegarmos a um acordo sobre isso, vou começar a fazer minhas
caminhadas em outro lugar”, ou “Vou parar de cumprimentá-la quando
sair de manhã cedo. Por favor, não leve isso para o lado pessoal”.
Na verdade, tecnicamente a consequência é o limite: a atitude que
você toma para se manter em segurança e saudável. No caso de Nancy,
ela poderia ir de carro até o parque, poderia sair de casa todo dia num
horário diferente ou correr até o fim do quarteirão antes de começar a
caminhada. Mas pular direto para a consequência não deixa muito
espaço para a conexão, o que não é bom para o relacionamento, e não dá
à outra pessoa a oportunidade de ajudar você a satisfazer suas
necessidades. É por isso que, em geral, é melhor começar expondo seu
limite na forma de um pedido. É como se estivesse dizendo: “Aqui está
meu limite. Adoraria que você me ajudasse a respeitá-lo. Você aceita?”
Essa é uma abordagem muito mais gentil do que não dizer nada e depois
se esgueirar pela porta dos fundos para não ser vista pela vizinha.

Quando alguém se recusa várias vezes a respeitar seu limite, a situação


se torna bem complicada. Você fica diante de uma escolha difícil: voltar
atrás no combinado (o que vai lhe fazer mal, prejudicar o
relacionamento e abrir um precedente ruim) ou aplicar a consequência,
que provavelmente será dolorosa para ambas as partes e pode mudar
para sempre a relação. Depois de ouvir vários comentários inadequados
da mãe, Charley poderia dizer a ela: “Eu já pedi diversas vezes que você
parasse de comentar sobre o meu peso. Se você não consegue respeitar
isso, vou precisar dar um tempo nas visitas. Falar sobre o meu corpo
prejudica a minha saúde mental. Não vou continuar me sujeitando a
isso.” Mas, antes de chegar a esse ponto, ela precisa se perguntar: “Vou
realmente parar de visitar minha mãe? Estou disposta a me distanciar
por algum tempo? Posso ir mesmo até as últimas consequências?”
Não existem respostas fáceis, em especial quando os que vivem
ultrapassando nossos limites são membros da família. Preciso perguntar,
no entanto: será que um relacionamento é realmente bom se a outra
pessoa não faz o mínimo para manter você em segurança e saudável?
Vale a pena se sacrificar o tempo todo quando a outra pessoa não está
disposta a tomar uma atitude relativamente simples para demonstrar
respeito e consideração? Até que ponto você se dispõe a abrir mão do
que é importante para você?

TÁTICAS PARA MANTER SEUS LIMITES

Aqui vão algumas estratégias que você pode usar para manter um limite
que estabeleceu com outra pessoa:

REAFIRME O LIMITE. Parece redundante, mas tente usar a mesma


linguagem sempre que falar sobre o que foi combinado, seja
pessoalmente, por escrito (numa mensagem de texto ou e-mail, por
exemplo) ou ao telefone. Se a mãe de Charley comentar casualmente
sobre o peso da filha durante o almoço, Charley pode dizer: “Para minha
saúde mental neste momento, é importante não falarmos do nosso corpo
nem do nosso peso, lembra?” Isso reforça que o respeito a esse limite é
bom para Charley e para o relacionamento das duas.

ACRESCENTE INFORMAÇÕES, SE NECESSÁRIO. Se for o caso, especifique


ainda mais o que está e o que não está dentro dos seus limites. E dê
exemplos. Charley poderia acrescentar: “Quando peço que não falemos
sobre nosso corpo, isso também inclui o corpo das outras pessoas, até o
da Kim Kardashian. Não vamos falar sobre o corpo de ninguém,
combinado?”

EXPLIQUE AS CONSEQUÊNCIAS. Se os seus limites continuam a ser


desrespeitados, é hora de revelar o que você se dispõe a fazer para
manter sua segurança e sua saúde. Charley diria: “Mãe, você continua
falando do meu peso, mesmo eu tendo pedido que não faça isso. Se não
consegue respeitar esse pedido simples, vou embora.”

IMPONHA-SE QUANDO FOR PRECISO. Se os seus limites ainda não estão


sendo respeitados o suficiente, é hora de impô-los por meio da ação.
Charley poderia estabelecer mais restrições ainda (como se comunicar
apenas por e-mail ou mensagens de texto e não visitar a mãe
pessoalmente), ou poderia tomar a difícil decisão de aplicar a
consequência definitiva: cortar qualquer contato (pelo menos por algum
tempo) num último esforço de autopreservação.

No Capítulo 11 falaremos mais sobre como agir diante desses


desafios. No caso de Charley, o roteiro foi ensaiado e executado, e (como
acontece com frequência) tudo correu lindamente. Alguns dias depois
Charley me mandou notícias: “Ontem vi minha mãe e foi uma das
melhores visitas que já fiz a ela. Ela respeitou meu pedido 100% e eu me
senti muito apoiada e compreendida. OBRIGADA.”

FLEXIBILIDADE, NÃO RIGIDEZ


Os relacionamentos não são estáticos, e o mesmo acontece com os limites
saudáveis. Se o seu contexto mudar e antigos comportamentos deixarem de
lhe fazer mal, você pode e deve comunicar isso às outras pessoas. De fato,
qualquer contexto pode mudar suas preferências, por isso é tão importante
continuar verificando se ainda é preciso haver aquele limite em específico.
Também é importante não encarar seus limites com muita rigidez. Você pode
dizer ao pessoal do escritório: “Não vou responder a mensagens de texto fora
do expediente”, mas se sua chefe mandar uma mensagem dizendo que o
prédio está pegando fogo, talvez você deva responder. Os limites saudáveis
precisam servir ao seu eu mais elevado (ao que há de melhor em você).
Assim, se por algum motivo você perceber que o limite estabelecido não é
mais do seu interesse, ainda que momentaneamente, por favor, faça os
ajustes necessários.

APOSENTE A CARA DE CULPA

Já falamos bastante sobre por que os limites são tão fundamentais para
sua saúde mental, sua felicidade e seus relacionamentos. Mas se neste
momento eu pedisse aos leitores que associassem qualquer palavra a
“limite”, aposto que muitos ainda responderiam: “Eca!” Os limites
simplesmente fazem com que a gente se sinta... mal. Com medo,
ansiedade, culpa. É quase certo que esses sentimentos surgirão (em você
ou nos outros) quando você começar a pôr seus limites em prática,
portanto vamos analisá-los.
Em primeiro lugar, pode ser que esses sentimentos desagradáveis já
sejam... de casa. É comum sentirmos ansiedade ou culpa ao estabelecer
um limite, às vezes antes mesmo que as palavras sejam ditas. Podemos
não nos sentir confortáveis defendendo nossos interesses, ou ter uma
crença arraigada em que não somos dignos de escolher como queremos
ser tratados. Se nunca tivemos exemplos de limites, provavelmente
crescemos passivos e agradando aos outros a todo custo. Nós, mulheres,
fomos especialmente condicionadas a colocar nosso bem-estar em
último plano e a nos apequenar para não incomodar os outros. (É só
lembrar minha relação com a palavra “legal”, quando eu deveria dizer:
“Na verdade, eu me incomodo, sim.”)

QUANDO A CULPA VEM COM FORÇA TOTAL


Na psicologia, esses “sentimentos ruins relativos a limites” são chamados de
“culpa imerecida”. Não é uma culpa produtiva, esta, sim, um importante
regulador social que nos ajuda a corrigir um erro quando realmente somos
responsáveis por ele. A culpa imerecida é um tipo de autopunição que leva
você a se sentir mal por ter se colocado à frente dos sentimentos dos outros,
por ter se defendido ou por “ter deixado” os outros desconfortáveis.
Aprendemos isso em uma dezena de fontes diferentes: os agrados que
fizemos aos nossos pais, professores e outras figuras de autoridade; a
responsabilidade que sentimos pelos sentimentos de amigos ou familiares; as
pressões sociais vindas do patriarcado, do machismo e da publicidade de
massa; ou os abusos, os traumas e a negligência que sofremos. A boa notícia
é que se esse é um comportamento aprendido, ele pode ser desaprendido, e
estamos aqui para fazer exatamente isso.

A culpa imerecida às vezes surge quando você estabelece ou mantém


um limite, mas é possível neutralizá-la à medida que percebemos sua
aproximação. “Ei, culpa, você pode ser útil, mas não preciso de você
agora.” Em seguida relembre o que levou você a estabelecer esse limite.
“Quero me manter em segurança e saudável. Mereço isso neste
relacionamento, e qualquer outra pessoa na minha vida deveria desejar
isso para mim também. Meu limite será claro e gentil. Não tenho do que
sentir culpa: não estou fazendo nada de errado.” Também pode ser útil
imaginar que você está aconselhando outra pessoa que tem o mesmo
problema. Se sua melhor amiga se sentisse mal quando as pessoas
falassem sobre o peso dela, você ajudaria a impor algum limite?
Imaginar que é sua melhor amiga quem está passando por isso é uma
boa maneira de perceber que seu limite também é razoável e que você
não precisa se sentir mal em colocá-lo.
Às vezes as pessoas também se sentem culpadas ou tensas ao impor
limites porque preveem uma reação ruim – quer isso seja justificado ou
não. Eu me lembro de quando quis ter uma conversa difícil com a minha
mãe e comentei com minha irmã. Eu estava nervosa.
“Ela não vai gostar”, falei, cheia de ansiedade. “Vai ficar quieta e fazer
cara de quem chupou limão. Acho melhor eu me resignar.”
Minha irmã me interrompeu: “Ei, isso não aconteceu ainda, e você
nem sabe se vai acontecer. Dê a ela o benefício da dúvida e, se a coisa
não correr bem, aí você toma uma atitude.”
Avancemos alguns dias, quando declarei meu limite, toda
angustiada, e minha mãe respondeu: “Ah, certo, tudo bem.”
A reação da minha irmã foi: “Eu não disse?”
E jamais esqueci a lição.
Combata a culpa proativa lembrando-se do que você aprendeu sobre
os limites claros e gentis: eles se destinam a melhorar o relacionamento e
manter sua segurança e sua saúde. Suas necessidades são tão
importantes quanto as de qualquer outra pessoa. Não ensaie o desastre: é
mais provável que a pessoa fique satisfeita em respeitar suas vontades
porque ela gosta de você. Repita quanto for preciso e lembre que a
prática torna tudo mais fácil.

T MAIÚSCULO E T MINÚSCULO
O trauma pode influenciar bastante seus sentimentos ao estabelecer limites
saudáveis. Quando alguém carrega um trauma do passado, pode levar essa
experiência para uma conversa atual. Se a outra pessoa sentia que não tinha
direito ou capacidade de defender os próprios interesses (ou achava muito
perigoso fazer isso), ela pode ter dificuldade para aceitar que você esteja se
defendendo. E se você tem uma história de trauma, estabelecer um limite
pode parecer especialmente aterrorizante e desencadear culpa ou medo.
Talvez você descubra, como eu, que falar com um terapeuta ou com outro
profissional da área de saúde mental pode ajudar a processar esse trauma e
reivindicar seu poder. Estabelecer limites também ajuda a reforçar seu amor-
próprio e manter você em segurança enquanto realiza seu trabalho de cura.

A esta altura você já deve ter se animado para criar alguns limites
saudáveis na sua vida (ou pelo menos não está sentindo um pavor
enorme só de pensar nisso). Mas falta uma peça importante... O que,
especificamente, você deve dizer? Como Charley, provavelmente você
sabe aonde quer chegar, mas tem dificuldade para elaborar uma
linguagem clara e gentil – que não seja curta e grossa, mas também não
seja frágil a ponto de não se sustentar. No próximo capítulo você vai
aprender mais sobre meu jeito particular de caracterizar os limites. Vai
conhecer meu sistema “Verde, Amarelo e Vermelho” e vai aprender a
conduzir suas conversas de um jeito natural e descontraído. Depois você
passará à Segunda Parte, que fornece os roteiros necessários para impor
quantos limites quiser em cada área da sua vida.
CAPÍTULO 2

Como usar este livro

A
ntes de mergulharmos na linguagem que você pode usar para
dizer ao seu chefe que não vai responder a e-mails quando
estiver de férias (coragem!), vamos falar sobre como estruturei
este livro.
Muitos especialistas classificam os limites de acordo com a área da
sua vida: físicos, emocionais, financeiros, etc. Para ser sincera, isso
nunca funcionou muito bem para mim. Por exemplo, recentemente uma
mulher chamada Paige me mandou uma mensagem perguntando como
falar com o marido sobre a recente compra “surpresa” que ele fizera:
diversos aparelhos de ginástica que ocupavam bastante espaço na casa
pequena dos dois. A princípio pareceu que ela precisava de um limite
físico (por favor, não monopolize esse espaço que também é meu), mas
percebi que ela também estava falando sobre estabelecer um limite
emocional (por favor, respeite minha importância nesta relação) e
também financeiro (por favor, não gaste nosso dinheiro sem antes
conversar comigo).
Na minha abordagem, prefiro separar os limites em categorias de
relacionamentos. Nesse caso, Paige precisava estabelecer um limite com
seu parceiro romântico. As decisões do marido não estavam afetando
apenas as finanças do casal ou o espaço livre de um cômodo. Estavam
tendo um impacto negativo no relacionamento. Ela precisava estabelecer
um limite em relação a quando gostaria de ser consultada sobre decisões
que tinham impacto sobre os dois. Comunicar esse limite (e vê-lo ser
respeitado) fortaleceria o casamento, não somente a conta bancária ou o
espaço de cada um na casa.
Neste livro identifiquei oito categorias específicas de relacionamento
nas quais é mais provável que você precise impor limites. Elas abrangem
todos os relacionamentos que você provavelmente terá em sua vida: pais
e sogros, amigos e vizinhos, chefes e pares românticos. Mas não se
restringem a relacionamentos com outras pessoas. Às vezes precisamos
cultivar nossa relação com nós mesmos, garantindo que nosso bem-estar
físico e nossa saúde mental estejam em segurança e protegidos.
Estabelecer limites é um modo de você defender os seus interesses, de se
cuidar e se proteger, quando se trata de temas como o que comemos e
bebemos (ou não bebemos); o modo como falam de nosso corpo, nossa
saúde ou nossa aparência; e como nos orientamos em questões
profundamente pessoais, como ter um filho ou lamentar a morte de um
ente querido.
Mesmo na minha estrutura baseada em relacionamentos, haverá
casos que se misturam, como quando você precisa estabelecer um limite
para sua mãe a respeito do tema “dieta” durante o jantar, ou para um
colega de trabalho que fica o tempo todo lhe dando conselhos não
solicitados sobre saúde. Em cada capítulo você encontrará uma
linguagem que se aplica a uma infinidade de situações, e talvez descubra
em alguma página inesperada as palavras necessárias para sua próxima
conversa. À medida que você percorrer os capítulos, meu método
ajudará a identificar rapidamente onde um limite é necessário, a
comunicar seu limite com eficácia e a fortalecer todos os seus
relacionamentos.

COMO DIZER ISSO?

No início da minha pesquisa, uma das coisas que me frustravam era que
poucos especialistas falavam sobre como, exatamente, estabelecer limites.
Eu lia páginas e mais páginas de informações valiosas, depois chegava ao
final e me perguntava: “Mas como DIZER ISSO?” Quando minha
comunidade do Whole30 começou a me perguntar qual seria a melhor
maneira de dizer “não” ao álcool, à sogra insistente ou àquele projeto de
trabalho extra, eu escrevia de volta: “Tente dizer ‘Agradeço, mas no
momento não estou bebendo’”, ou “Adoramos receber sua visita, mas se
não telefonar antes talvez não possamos recebê-la”, ou “Se eu aceitar esse
encargo, o Projeto A não será feito a tempo. Posso entregá-lo só na
semana que vem então?”. Muitas pessoas vieram me dizer que tinham
usado meu roteiro com grande sucesso.
No decorrer dos anos também comecei a compartilhar mais os meus
próprios limites, palavra por palavra. As pessoas adoravam ter exemplos
de linguagem clara e gentil adequada a qualquer situação ou ambiente, e
catalogavam uma lista cada vez maior de respostas. Esses roteiros
simples se transformaram na estrutura para os capítulos deste livro. Você
não somente lerá roteiros, estratégias e orientações para ter conversas
bem-sucedidas: explicarei exatamente o que dizer. Os roteiros abordam
situações propostas pela minha comunidade e reunidas a partir da
minha experiência, com respostas que você pode simplesmente copiar e
colar. Com o tempo, você vai desenvolver naturalmente sua própria
linguagem e não precisará mais de roteiros específicos para a maioria
das situações, mas até lá eu ajudo você.

AS ORIGENS DO “VERDE, AMARELO E VERMELHO”

Os roteiros dos próximos capítulos estão organizados em três categorias:


Verde, Amarelo e Vermelho. Há décadas venho usando um código de
cores para avaliar situações que podem exigir um limite, mas só fui
explicar esse sistema pela primeira vez em 2011, quando escrevi um
artigo sobre limites e álcool para o blog Whole30. Para ilustrar o
conceito, contei minha experiência numa festa de casamento no início
do meu período de recuperação. Nessa festa, outra convidada (que por
acaso estava acompanhando meu ex-namorado) começou a me
pressionar implacavelmente para beber, e precisei de muita força para
permanecer sóbria e evitar um conflito.
Cheguei à festa sozinha e estava parada junto ao bar quando essa
mulher, que eu tinha encontrado apenas uma vez na vida, se aproximou.
Ela percebeu que eu estava tomando água e pareceu incomodada de
verdade com isso. “Por que você não está bebendo hoje?”, disse sem
preâmbulos. Ela não sabia que eu estava em recuperação e que não me
sentia confortável conversando sobre isso, então apenas falei que queria
beber água e que tinha gostado do vestido dela, achando que o assunto
morreria ali.
Não morreu.
Mais tarde, estávamos conversando com outras pessoas e ela, de
“brincadeira”, perguntou por que eu estava sendo tão careta. Nesse
ponto percebi que ela já estava de pilequinho (como quase todo mundo)
e que minha recuperação poderia estar em perigo. Eu não achava que
cederia, mas não me sentia segura, e não me pareceu saudável continuar
falando com ela. Por algum motivo, minha mente ativou uma espécie de
“Departamento de Segurança Interna” e comecei a avaliar mentalmente
em qual nível de risco estávamos: Verde, Amarelo ou Vermelho?
Nível de Ameaça Verde? Não, já passamos dessa fase. Tentei rir e
mudar de assunto há uma hora, mas não deu certo. Estamos claramente
no Amarelo: ela está bastante bêbada e se sente encorajada pela presença
dos amigos.
Na hora falei alguma coisa superficial, como “Só não estou a fim de
beber esta noite”, e saí para conversar com outra pessoa. Mas previ que
aquilo não pararia por aí e ativei meu alerta máximo.
Como esperado, alguns minutos depois a mulher se aproximou de
novo – agora rebocando meu ex (que pelo menos teve a decência de
parecer sem graça) e com dois copos na mão, insistindo em que eu
brindasse com ela. Pensei: Isso é Nível de Ameaça Vermelho, Melissa. Se
ela não parar, terei que ir embora. Não quero me sentir pressionada a falar
sobre minha reabilitação num lugar cheio de pessoas estranhas – ou, pior,
tomar uma bebida que eu não quero. Recusei de novo, olhei, séria, para o
meu ex e me afastei.
Durante cerca de uma hora fiz o máximo para evitar aquela mulher.
Contudo, quanto mais todo mundo bebia, mais ela parecia fixada em
mim. Às dez da noite ela estava totalmente de porre e eu tinha chegado
ao “Nível de Ameaça Roxo”. Só havia uma coisa a fazer para me manter
em segurança: peguei meu casaco e saí pela porta.
Essa experiência continua vívida na minha memória, não somente
porque eu fui para casa e chorei, mas porque aquele sistema de “níveis de
ameaça” passou a fazer parte de todas as minhas conversas sobre limites
dali em diante. Com essa experiência reconheci que diferentes níveis de
ameaça – ao seu relacionamento com a pessoa, à sua saúde mental ou à
sua segurança – exigem diferentes níveis de reação. Assim como você
não usa um lança-chamas para matar um mosquito, não precisei sair do
casamento da minha amiga depois do primeiro inconveniente. Naquele
ponto a ameaça não era severa, por isso pareceu adequado estabelecer
um limite gentil e mudar de assunto. Porém, várias horas depois, a
ameaça à minha saúde e à minha segurança (e ao meu relacionamento
com os noivos) era real. Eu temia que se eu não estabelecesse o limite
mais rigoroso possível, alguma coisa irreparável aconteceria – eu
poderia explodir com aquela mulher e começar uma briga ou então
ceder e aceitar a bebida.
O sistema de três cores que você encontrará em todo este livro –
Verde, Amarelo e Vermelho – nasceu dessa experiência e representa o
nível de ameaça quando um limite é ultrapassado bem na sua frente. A
ameaça pode ser à sua saúde ou à sua segurança, como foi para mim
naquele casamento. Se alguém continuar agindo de determinada
maneira, sua saúde mental será prejudicada? Seus cuidados com a saúde
correm risco? Isso pode implicar um dano físico ou emocional?
A ameaça também pode ser ao seu relacionamento. Se esse
comportamento continuar, pode pôr em risco a boa relação que você
tem com essa pessoa? Você já está sentindo ansiedade ou irritação,
querendo evitá-la antes mesmo de interagirem? Você está a ponto de
explodir com ressentimento, frustração ou raiva, prestes a dizer algo de
que vai se arrepender, ou sente vontade de cortar relações com ela de
uma vez por todas?
Se nesse ponto a ameaça for mínima (o comportamento da pessoa
não é bom, mas é a primeira vez que isso acontece, ou não é tão grave
assim), você ainda está no território Verde, e a linguagem usada para
estabelecer ou reforçar o limite deve ser compatível. Mas se a ameaça ao
relacionamento for iminente (por exemplo, “Se você falar do meu peso
mais uma vez, vou sair por aquela porta”), então você está no Vermelho,
e sua linguagem e as consequências expressas também devem refletir
isso.

VERDE: Baixo risco e linguagem mais gentil. Presume-se que a outra


pessoa não tem consciência de estar ultrapassando seus limites e que ela
gostaria de respeitá-los. Nesse caso, sua linguagem deve ser clara,
generosa e muito gentil. Aja de boa-fé e não verbalize nenhuma
consequência possível.

AMARELO: Risco elevado e linguagem mais firme. É um segundo alerta


quando seu limite Verde não foi respeitado ou quando o histórico da
pessoa indica um potencial maior de ameaça. Sua linguagem deve ser
igualmente clara, porém mais firme. Você pode verbalizar uma possível
consequência, se for adequado.

VERMELHO: Risco severo e linguagem mais direta. A essa altura, sua


saúde, sua segurança e/ou seu relacionamento estão correndo risco, e
sua linguagem deve refletir a gravidade da situação. As palavras ainda
devem ser gentis, mas é um ultimato que deixa claro que você não
permitirá que as coisas avancem a partir dali. Declare a consequência
com clareza e se disponha a implementá-la.

DOSE MÍNIMA, EFEITO MÁXIMO

O melhor limite usa a dose mínima para obter o efeito máximo. Esse é
um princípio da física creditado ao cientista e matemático grego
Arquimedes e popularizado hoje em dia no mundo fitness. Trata-se da
seguinte questão:

Qual é a menor ação que você pode fazer para


produzir o efeito desejado?

Esse princípio permite alavancar seus esforços para obter o melhor


retorno – e protege você das consequências negativas de achar que mais
é sempre melhor. Assim, se os seus nuggets de frango ficam quentes com
um minuto no micro-ondas, não os cozinhe durante dois minutos. Se
séries de cinco agachamentos deixam você mais forte, não é necessário
fazer dez. E, quando se trata de limites, quão levemente você pode
abordá-los e ainda assim impô-los com eficácia?
É aí que entra o meu sistema de cores. Se começar cada conversa
com a linguagem mais firme e direta, com certeza os limites que
estabelecer serão eficazes, mas você também criará mais conflito do que
o necessário e provavelmente queimará algumas pontes no caminho. O
ideal é iniciar essas conversas presumindo o melhor, começando com o
Verde e só passando para o Amarelo ou Vermelho se for preciso. Se o
seu limite Verde for bem-sucedido, parabéns! Você usou a linguagem
mais gentil possível (algo que a outra pessoa certamente apreciará) e os
seus limites foram reconhecidos e respeitados.
Mas leve a sério o conceito de ameaça. Se você perceber que seus
limites Verdes não estão funcionando e que o comportamento ofensivo
continua a crescer, avalie qual é a reação mais gentil: não dizer nada e
ignorar a outra pessoa por um tempo ou afirmar com clareza um limite
Amarelo ou Vermelho e estabelecer uma restrição séria, porém
necessária, que poderá salvar o relacionamento.
Para cada situação neste livro você encontrará as três opções –
Verde, Amarelo e Vermelho – com uma linguagem correspondente ao
nível de ameaça. Esses roteiros só pretendem ajudar você a começar, mas
diversas pessoas já os recitaram palavra por palavra e descobriram que
eles são tremendamente eficazes. Se deseja um roteiro para abordar um
assunto delicado, você o encontrará neste livro. Se só quer inspiração
para estabelecer um limite Amarelo, use meus exemplos como ponto de
partida para encontrar uma linguagem que funcione para você.

A PRÁTICA LEVA AO PROGRESSO

Um último conselho: a prática faz com que os limites pareçam e soem


mais naturais, o que significa que você estará mais confiante e o limite
terá mais chances de ser levado a sério. Eu li absolutamente todas as
conversas adiante em voz alta, várias vezes, enquanto escrevia este livro.
Se alguma fala parecesse hesitante, pouco natural ou roteirizada demais,
eu a reescrevia até parecer adequada. Apesar de encorajar você a usar
um discurso que lhe pareça mais natural, assim que descobrir o que quer
dizer, treine. Diga na frente do espelho: “Eu agradeço, mas no momento
não estou bebendo.” Diga ao seu cachorro: “Nossa, essa é uma pergunta
bastante pessoal. Vamos passar para a próxima.” Diga embaixo do
chuveiro: “Já saí do escritório. Mande uma mensagem amanhã, que eu
ajudo.”
Diga em voz alta até parecer fácil, até você soar confiante, de modo
que seu cérebro e seu corpo se acostumem à ideia de que esse é o seu
espaço e que você tem todo o direito de protegê-lo com limites claros e
gentis.
E, com isso, acho que estamos prontos para construir algumas
cercas.
SEGUNDA PARTE

Colocando
os limites
em prática
CAPÍTULO 3

O verdadeiro equilíbrio
entre trabalho e vida pessoal
Como estabelecer limites no local de trabalho

M
inha irmã, Kelly, estava aproveitando férias de verdade pela
primeira vez em mais de um ano. Praticava stand-up paddle
contemplando as pacíficas águas azul-turquesa no litoral de
Barbados quando alguém gritou seu nome. Ela se virou e viu sua
cunhada, Kara, correndo pela praia, balançando os braços e chamando-
a. Kelly começou a remar de volta freneticamente – será que alguém
havia se machucado? Notícias ruins de casa? Finalmente chegou à areia e
disse, ofegante: “O QUE HOUVE?!” E Kara respondeu: “O Matthew está
ao telefone e quer falar com você.”
Matthew, o chefe de Kelly. Ele tinha conseguido o nome do hotel com
uma relutante colega de trabalho. Então ligou para o quarto de Kelly e
convenceu Kara a ir chamá-la. Durante as férias. No oceano. Para uma
coisa que não era absolutamente nenhuma emergência.
Eu também ficaria boquiaberta, incrédula, se já não tivesse ouvido
tantas histórias igualmente espantosas narradas por muitas pessoas que
me pediram ajuda para estabelecer limites no trabalho. No fim das
contas, gestores tenebrosos não são invenção do filme Quero matar meu
chefe.
Os limites no trabalho têm sido um tema recorrente desde março de
2020, quando a covid-19 embaralhou o emprego, a casa, os filhos, a
escola e o lazer. Faz doze anos que eu trabalho em casa, e aprendi há
uma década que se não estabelecesse limites quanto ao “horário de
trabalho” e ao “horário de descanso”, literalmente jamais sairia do
“escritório” (em 2010 eu respondia a e-mails na cama às onze da noite).
Mesmo assim, durante a pandemia, quando eu fazia reuniões pelo Zoom
no canto mais limpo do meu quarto ao mesmo tempo que
supervisionava as aulas do meu filho também pelo Zoom na sala de
jantar, além de cozinhar, fazer faxina, lavar roupa e entreter um
entediado garoto de 7 anos, minhas habilidades de especialista em
limites foram postas à prova.

AS PESSOAS PEGARÃO TUDO O QUE VOCÊ SE


DISPUSER A DAR

Esteja você trabalhando em casa ou no escritório da empresa, atendendo


a clientes ou administrando um site profissional, tendo ou sendo chefe, a
maior lição que aprendi quando entrei no mercado de trabalho é que as
pessoas pegarão tudo o que você se dispuser a dar. Não é um juízo de
valor; é apenas a natureza humana. Descobri isso nos primeiros dias do
Whole30, quando estávamos tentando impulsionar o programa e eu era
a única pessoa cuidando dos e-mails e da nossa página no Facebook. Se
uma pergunta chegasse às nove da noite, eu sentia que precisava
responder. Se um pedido entrasse na manhã de sábado, eu interrompia a
malhação, o café da manhã ou as compras para dar atenção àquilo. Se
alguém mandasse uma pergunta ao blog, eu ficava acordada até a meia-
noite escrevendo a resposta. Eu me esgarçava tentando estar em dez
lugares ao mesmo tempo, me sentindo reativa, não proativa, e me
aproximando rapidamente da exaustão completa... até que um amigo,
também empreendedor, me disse: “Melissa, as pessoas pegarão tudo o
que você se dispuser a dar. Você precisa estabelecer alguns limites.” Isso
nos leva a um dos meus princípios mais importantes:
Não é função de ninguém adivinhar quais são os
meus limites; sou eu que preciso estabelecê-los e
mantê-los.

Isso se aplica a todas as categorias de relacionamentos, mas é muitas


vezes desconsiderado no trabalho, especialmente se você trabalha em
uma empresa. Costumamos presumir que as expectativas do nosso
chefe, a cultura empresarial e as exigências do trabalho estão acima das
nossas necessidades pessoais de limites saudáveis (e do nosso direito de
tê-los). Mas essas suposições estão erradas. Sim, você aceitou o emprego.
Sim, eles pagam para você trabalhar. No entanto, você tem todo o direito
de exigir um ambiente de trabalho saudável, seguro e respeitoso, o que
quase sempre implica estabelecer limites.
O negócio é que a empresa onde você trabalha provavelmente não
estabelece limites saudáveis para você de maneira proativa. É raro um
gestor dizer a um funcionário: “Faz um ano que você não tira férias.
Trate de aproveitar seu merecido tempo livre e prometo que não vamos
incomodar enquanto você estiver fora.” A verdade é que, a menos que
você impeça, a empresa, os gestores, os colegas e os clientes absorverão,
famintos, todo o seu tempo, sua energia, seu espaço e sua atenção. Não é
que eles sejam maus; é apenas como o mundo funciona. Todos sofrem
pressão para fazer mais, produzir mais e ganhar mais dinheiro. (Isso se
chama capitalismo, meu bem.) Motivo pelo qual você precisa criar
limites fortes e saudáveis no local de trabalho.
O problema é que esses limites são extremamente difíceis por causa
da dinâmica de poder, da cultura empresarial e da verdade fria e dura
das consequências.

LUTE CONTRA O PODER

Sempre que existe uma dinâmica de poder, seja do tipo pai e filho,
professor e aluno ou chefe e funcionário, fica cada vez mais difícil
estabelecer e manter limites. Se você é filho ou filha, aluno ou aluna,
funcionário ou funcionária, a hierarquia determina que você deve
receber ordens. Se sua chefe pede que você trabalhe depois do horário
ou no fim de semana, ou que a substitua enquanto ela sai para almoçar e
só volta horas depois, ela pode considerar sua recusa um ato de
insubordinação. Essas dinâmicas de poder transformam em campo
minado perguntas como “Você poderia vir trabalhar no seu dia de
folga?”, “Sei que combinamos para a semana que vem, mas será que você
consegue me entregar o projeto amanhã?” e “Topa sair comigo?”. (Sim,
chefes ainda chamam funcionárias para sair e, sim, isso é tão
problemático e desagradável quanto parece.) Ainda que essas dinâmicas
de poder não deem a ninguém a autoridade para se aproveitar de você, a
fronteira fica turva quando a pessoa do outro lado ocupa um posto
acima do seu e você realmente precisa do emprego.
Não é somente a estrutura hierárquica que atua na dinâmica de
poder no trabalho. E se você precisasse estabelecer limites com o seu
colega de trabalho que, por acaso, também é parceiro de golfe do seu
chefe? Ou com a colega com quem seu chefe (não muito secretamente)
está dormindo? Mesmo que você não preste contas diretamente a essas
pessoas, mesmo que elas tenham menos experiência e menos tempo de
serviço que você, se seu chefe simplesmente gosta mais delas, você
precisa agir com cuidado. (Essa empresa está começando a parecer o Big
Brother, não é mesmo?)
Além de toda essa dinâmica de poder, os sistemas de opressão
disseminados na sociedade – machismo, racismo, homofobia e
capacitismo, por exemplo – também estão presentes no ambiente de
trabalho. Se você é mulher, pessoa não branca, LGBTQIA+ ou portador
de deficiência, existe mais uma dinâmica de poder a ser rompida para
além da estrutura básica da sua equipe. Por exemplo, recentemente tive
contato com uma mulher negra chamada Victoria, que trabalhava numa
empresa de tecnologia e precisou se integrar no que chamou de “cultura
dos manos”. Victoria começou no atendimento ao cliente e chegou a
gerente de produto, sempre se esforçando para atender às expectativas
de gênero. Sentia que precisava rir das piadas machistas, escrever
sozinha as atas das reuniões e desconsiderar os próprios feitos, mesmo
quando atingia uma meta importante. Quando tentava estabelecer
limites saudáveis, costumava ser rotulada de “raivosa” ou “agressiva”,
estereótipos comuns para mulheres negras nos Estados Unidos.
Victoria me contou: “O pior foi que eu comecei a internalizar a
misoginia e o racismo no ambiente de trabalho. Desencorajava minhas
colegas de equipe a denunciar maus comportamentos, a ser incisivas
demais ou a estabelecer limites saudáveis em relação ao tempo, enquanto
os homens da empresa podiam ser ofensivos, petulantes ou exigentes à
vontade, sem que ninguém achasse aquilo minimamente estranho.”
Depois de aprender mais sobre limites, usar alguns dos meus roteiros e
dirigir aos colegas de trabalho perguntas difíceis, como “Mas é mesmo
agressivo pedir que você não me interrompa nas reuniões?”, Victoria
disse que o clima melhorou. Os colegas começaram a respeitar suas
opiniões e até mesmo a brincar com ela: “Vamos perguntar isso à
Victoria, ela manda logo a real.” Além disso, ela passou a encorajar seus
subordinados diretos a discutir com ela os limites necessários; assim, ela
poderia ajudá-los quando precisassem estabelecer limites para outras
pessoas. “Nem sempre é fácil, e a mudança pode ser lenta”, contou ela.
“Mas minha relação com a equipe está muito melhor, e isso renovou
minha confiança no trabalho.”
Como alguém que tem praticamente o máximo de privilégio possível
sem ser um homem hétero, cis e branco, ainda estou aprendendo a ser
uma boa aliada para os outros, em especial no mundo corporativo.
Posso fazer isso compartilhando minhas ferramentas para estabelecer
limites, e ter consciência desses fatores que se interconectam é um
primeiro passo necessário para todos aqueles que quiserem criar um
ambiente de trabalho positivo e recompensador para todo mundo.
IDENTIFIQUE OS ALERTAS VERMELHOS

Talvez você precise nadar contra a corrente da cultura empresarial se não


quiser receber ligações inúteis no meio do oceano durante as férias. Para
entender onde você se meteu, veja como a gestão se comporta em
relação a folgas, licenças médicas, e-mails fora de horário e questões
éticas. Se os altos executivos continuam trabalhando e mandando e-
mails quando estão em suas casas de veraneio ou afastados por causa de
uma gripe, você terá muito mais dificuldade de estabelecer um limite
com relação ao seu tempo de descanso. Esse tipo de cultura vem de cima
para baixo, e, ainda que sua empresa possa dizer que valoriza o
equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, as ações da liderança falam mais
alto que as palavras.
No caso de Kelly, o primeiro alerta vermelho aconteceu durante a
entrevista de emprego, quando seu futuro chefe disse: “O trabalho
começa às oito da manhã, mas a maioria das pessoas chega às sete ou
sete e meia.” Kelly tentou estabelecer seu primeiro limite antes mesmo de
ser contratada, dizendo: “Eu frequento academia de manhã, então não
vou chegar tão cedo assim, mas estarei sempre aqui às oito horas.” Só
que ela não identificou isso como um sinal de alerta. Apenas um ano
mais tarde disse: “Eu deveria ter percebido que as exigências de horário
naquele escritório seriam completamente insustentáveis. Eu costumava
chegar cedo e ficar até mais tarde. Não cogitava sair antes da hora nem
mesmo para uma consulta médica.” O chefe de Kelly deixou clara a
cultura da empresa desde o início, mas isso nem de longe revelou como
ele era desrespeitoso quanto a limites razoáveis e saudáveis.

PROCURANDO EMPREGO?
Se Kelly soubesse naquela época o que sabe agora, teria pesquisado mais a
fundo a cultura da empresa antes de aceitar o cargo. Quando estiver
procurando emprego, uma pergunta que você pode fazer em relação à
cultura (e que pode revelar como eles lidam com limites) é a seguinte: “A
empresa considera seus funcionários uma ‘família’? Por quê?” Ainda que
possa parecer promissor ouvir “Sim”, a Harvard Business Review considera
isso um enorme alerta vermelho.2 Quando uma empresa usa a metáfora da
família, cria uma dinâmica de poder ainda mais desequilibrada, em que o seu
chefe não é apenas seu chefe: também é seu pai, exigindo lealdade, respeito
e obediência em vez de trabalho em equipe, confiança e permuta justa de
valores. Frequentemente os empregados se sentem obrigados a proteger a
“família” a qualquer custo – inclusive trabalhando em horários pouco
razoáveis, comportando-se de modo pouco ético e não denunciando “irmãos
e irmãs” por desvios de conduta. A narrativa da “família” enfraquece os
empregados, que acabam se sentindo exaustos e incapazes de estabelecer
limites saudáveis. Por outro lado, a resposta “Não, não nos vemos como uma
família” não é garantia de uma cultura profissional saudável. O que o
empregador precisa é ser capaz de demonstrar uma cultura de respeito,
camaradagem e cooperação sem falar em “família”.

Aposto que você já identificou alguns limites necessários no seu


trabalho, mas é importante saber o que enfrentará em termos de cultura
empresarial. Talvez o seu chefe venha pegando tudo o que você já se
dispôs a dar, mas um ou dois limites simples seriam rapidamente bem
recebidos e respeitados. Ou talvez sua organização seja “avessa a limites”
e você acabe perdendo seu emprego se arriscar demais. De qualquer
modo, é bom saber onde você está entrando. Eis alguns aspectos da
cultura empresarial nos quais vale a pena prestar atenção:

Espera-se que você, seus colegas ou seus gestores frequentemente


façam hora extra, trabalhem à noite ou nos fins de semana (com ou
sem pagamento)?
Outras pessoas na empresa também mandam e-mails à noite, nos
fins de semana, durante as férias ou enquanto estão de licença?
As reuniões costumam se alongar ou atrasam enquanto todos
esperam a chegada do CEO ou do gerente do departamento?
Você e outros colegas estão sempre trabalhando na capacidade
máxima ou acima dela para dar conta da carga de trabalho, das
metas e dos prazos?
Os colegas ou gestores compartilham detalhes muito pessoais,
tocam nos outros sem consentimento, fazem perguntas
inapropriadas ou ultrapassam de algum outro modo a fronteira do
profissionalismo?
A cultura da equipe ou da empresa deixa passar ou tolera assédio
sexual, piadas sem graça, homofobia, racismo, machismo ou
qualquer outro ismo que esteja acontecendo no local de trabalho?
Você ou algum colega costuma ser hostilizado no trabalho por
tentar estabelecer limites saudáveis (como sair na hora certa ou não
beber nos almoços de negócio)?
Você ou seu departamento costuma ser solicitado a contar mentiras
inofensivas aos clientes ou consumidores, falsear ou manipular
dados ou comprometer sua integridade de algum outro modo?
Os clientes costumam cancelar compromissos no último minuto,
mudar o escopo ou a programação de projetos ou esperar que você
ou sua equipe faça horas extras não remuneradas?

Essas perguntas revelam as inúmeras violações de limites que


observei no ambiente de trabalho após passar mais de uma década em
empresas nos Estados Unidos – e outros doze anos administrando meu
próprio negócio e ajudando milhares de pessoas a estabelecer seus
próprios limites. No seu emprego atual é provável que você perceba pelo
menos algumas áreas cujas dinâmicas de poder poderiam se beneficiar
de um limite. Mas é improvável que consiga resolver todos os seus
problemas no trabalho ao mesmo tempo, portanto aplique o princípio
da triagem. Se pudesse resolver um problema impondo um limite
saudável, qual teria mais peso e impacto na sua saúde e na sua felicidade
na empresa? Comece por aí.
Estabelecer apenas um limite no trabalho será um grande passo para
melhorar seu ambiente profissional e estabelecer outros limites no
futuro, quando você estiver mais confiante. Além disso, você vai criar
uma força propulsora dentro de si e em seus colegas. Assim que vir o
impacto que um limite pode causar, terá motivação para impor outros –
e, assim que seus colegas virem que você fez valer sua vontade em
relação às férias, aos fins de semana ou à sua carga de trabalho, isso vai
encorajá-los a fazer o mesmo, o que pode mudar a cultura de toda a
organização.
Para ajudar nessa jornada, agrupei as necessidades mais comuns em
quatro categorias: horário de trabalho, horário de descanso, dilemas
éticos, e espaço e energia pessoais.

HORÁRIO DE TRABALHO: São questões relacionadas ao modo como você


usa o seu tempo enquanto está no trabalho: o número de tarefas a
realizar; o gerenciamento e os prazos de projetos; como seu tempo é
respeitado durante o dia. Pense em reuniões pelo Zoom que sempre se
alongam, no chefe que vive pedindo “só mais uma coisinha” e nos
clientes que com frequência deixam de comparecer aos compromissos.

HORÁRIO DE DESCANSO: É aqui que o trabalho se infiltra na vida pessoal,


como quando você está de férias, de licença ou relaxando em casa depois
do expediente. Podem ser mensagens de texto de colegas no fim de
semana, pressão para “vestir a camisa” e fazer hora extra ou telefonemas
do chefe enquanto você faz stand-up paddle em Barbados.

DILEMAS ÉTICOS: São tarefas, pedidos ou pressões que fazem com que
você se sinta mal e comprometem sua integridade: precisar contar
“mentirinhas inofensivas” aos clientes; sentir que precisa rir quando seu
chefe conta uma piada machista; ou ter que beber com clientes durante
um almoço profissional.

ESPAÇO E ENERGIA PESSOAIS: São situações em que o seu tempo, seu


espaço pessoal, sua saúde mental ou sua privacidade são violados no
local de trabalho: colegas que não percebem que você está sem tempo
para bater papo; chefes que fazem contato físico inadequado; e
supervisores que controlam detalhadamente cada tarefa.

Antes de passarmos aos roteiros, vamos falar sobre o desafio muito


real que é estabelecer limites no trabalho quando você precisa mesmo
daquele emprego. Afinal, você tem que garantir seu sustento, e as
prestações da casa, do carro ou do empréstimo estudantil não vão se
quitar sozinhas.

LIMITES SÃO DIFÍCEIS (MAS AQUI VAI A BOA NOTÍCIA)

A primeira coisa para a qual você deve se preparar ao estabelecer limites


no local de trabalho é a reação contrária. Eis algumas frases que vários
chefes me disseram quando tentei estabelecer um limite saudável:

“Tenha espírito de equipe.”


“Mas a Elaine tem filhos e você não, portanto...”
“Você tinha dito que não tem compromisso no fim de semana.”
“Todo mundo tem suado a camisa ultimamente.”
“Você está se recusando a fazer o que pedi, é isso?”
“Pensei que você fosse mais comprometida.”
“Até que ponto esse trabalho é importante para você?”
“Você é sensível demais.”
“Não traga seus problemas pessoais para o trabalho.”

Ouvi esta última frase depois de pedir mais quinze minutos no meu
horário de almoço uma vez por semana para fazer terapia. Meu chefe na
época era mesmo um doce.
Além de recorrerem à manipulação e a comentários passivo-
agressivos, seu chefe, seus colegas ou seus clientes também podem partir
para a hostilidade pura e simples. No caso de Kelly, mesmo depois de ela
voltar de Barbados e ter uma conversa franca e profissional com o chefe
sobre respeitar suas férias no futuro, ele continuou a mandar mensagens
enquanto ela estava acampando, de licença médica e até em lua de mel
(ALERTA VERMELHO). Além disso, sempre que ela tentava estabelecer
qualquer tipo de limite razoável, era apresentada como mau exemplo
para os colegas e rotulada como pouco profissional por não colocar a
“empresa em primeiro lugar”.
Felizmente, para a maioria de nós, o ambiente de trabalho não é tão
tóxico assim. De todo modo, é comum os gestores acharem que você
está sendo rebelde ao tentar estabelecer limites saudáveis, por isso
acabam oferecendo um pouquinho de resistência para preservar o status
quo. Lembre-se: as pessoas pegarão tudo o que você se dispuser a dar, e se
você vem dando mais do que é devido, essas pessoas podem achar que
você está tirando alguma coisa delas ao simplesmente defender um
direito seu.
Não é necessário entrar nesse jogo. É sua responsabilidade garantir
que sua relação com o emprego seja saudável e sustentável. Você quer
trabalhar num “lugar” (remoto ou presencial) onde seu desempenho seja
o melhor possível, onde você deseje buscar o sucesso, mantenha o moral
elevado e sinta que lhe dão valor e respeito. E o melhor modo de
providenciar isso é a partir dos limites.
Agora vem a parte mais difícil: mesmo que você estabeleça limites
saudáveis no trabalho, como Kelly tentou fazer com afinco, mantê-los é
um desafio ainda maior, e às vezes levanta a questão: você pode se dar ao
luxo de perder esse emprego? Mesmo que você estabeleça limites claros e
profissionais, se você e a gestão continuarem a discordar sobre o
pagamento de horas extras, o horário de trabalho, o excesso de tarefas
ou cuidados básicos de saúde física e mental, suas únicas opções podem
ser apelar ao RH, mudar de departamento ou de filial, mobilizar-se com
colegas de trabalho para pressionar a empresa ou começar discretamente
a procurar um novo emprego.
Sim, eu poderia dizer que nenhum salário vale o sacrifício da sua
saúde, mas isso remete a privilégio, e não vou fazer isso. Para muitas
pessoas, largar o emprego não é uma opção, o que significa que talvez
você precise se perguntar: “Até que ponto posso comprometer meus
limites só para manter meu salário?” Nem sempre existem respostas
fáceis a essa pergunta.
A boa notícia (finalmente, Melissa, uma boa notícia), na verdade, são
duas. Primeira: quando você advoga a seu favor tentando estabelecer
limites no trabalho, aprende um bocado sobre o que realmente importa
para você e o que está procurando numa cultura corporativa. Depois de
anos brigando contra a cultura da empresa e adoecendo de tanta tensão,
Kelly decidiu que finalmente bastava – e se demitiu. (Espero que você
esteja aplaudindo junto comigo!) Ela não demorou a encontrar um novo
emprego, e o que convenceu o novo chefe a contratá-la na mesma hora
foi que todos os limites que ela vinha defendendo na antiga empresa
(equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, linguagem respeitosa, conduta
profissional e valorização da saúde) faziam parte da cultura daquela
organização. Ela está trabalhando lá, feliz, há oito anos. Mas, por incrível
que pareça, o antigo chefe continua a lhe pedir favores até hoje. Não
tenho palavras para definir isso.
A segunda boa notícia é que eu tenho muitas dicas e roteiros para
ajudar você a estabelecer agora mesmo limites claros, gentis e
profissionais. E se precisar de uma dose extra de motivação e
encorajamento, aqui vai seu novo mantra para o escritório:

Limites saudáveis favorecem o desempenho de


toda a equipe.

Os limites ajudam você a render o máximo quando está trabalhando


e a se recarregar totalmente quando não está. Melhoram sua saúde
mental e física; criam uma cultura de respeito e confiança; elevam o
moral, a motivação e a lealdade; e impedem que bons empregados
(como você) se esgotem completamente – porque o burnout é uma coisa
muito, muito real, mesmo que você esteja fazendo um trabalho que ama.
Quando os funcionários se sentem energizados, respeitados e
valorizados, isso tem um impacto positivo na produtividade, na
criatividade e nos resultados que eles alcançam para a empresa.
Na próxima vez que você sentir o menor sinal de culpa por
estabelecer um limite no trabalho, lembre-se: você tem espírito de
equipe justamente porque está ajudando a criar uma cultura empresarial
em que todo mundo prospera.

DICAS PARA COMEÇAR

Antes de abordarmos os roteiros para cada categoria de limites no


ambiente de trabalho, deixe-me preparar você para alguns desafios que
podem aparecer pelo caminho.

FAÇA ALGUMAS BREVES LEITURAS. O manual e as políticas oficiais de RH


da sua empresa devem ser suas primeiras fontes. Saiba quais são as datas
de pagamento; se existem regulamentos protegendo os horários de
descanso e de almoço; quais são as regras relativas a horas extras e
trabalho noturno ou nos fins de semana; quais são os códigos de
conduta para os empregados e o processo para reportar problemas. Você
pode usar essas políticas para embasar ao menos alguns dos seus limites.
Isso lhe servirá de apoio quando, por exemplo, seu chefe pressionar você
a trabalhar em casa durante uma licença médica ou quando alguém
insistir em contar piadas preconceituosas no refeitório.

PROCURE O DIAMANTE BRUTO. Descubra se algum gerente, líder de turno,


capitão, contramestre, diretor ou executivo tira folga de verdade. Quem
não responde a e-mails ou telefonemas quando está de férias? Quem se
recusa a manter contato fora do horário de trabalho? Quem fica mesmo
em casa quando está doente? Se encontrar alguém na sua empresa que já
tenha estabelecido o tipo de limite que você busca, vá até essa pessoa e
peça que lhe ensine o que fazer. Ela pode oferecer dicas sobre a cultura
da empresa e até interceder por você junto a seu chefe, sendo uma aliada
poderosa se você decidir abordar o assunto com a administração.

PERGUNTE SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DOS COLEGAS. Compartilhe suas


dúvidas referentes a horário de trabalho, tempo de descanso, código de
ética ou espaço pessoal. Se todos os seus colegas se sentem pressionados
a trabalhar quando estão doentes, riem de piadas machistas ou
respondem a e-mails enquanto estão de férias, fale sobre isso. A união
faz a força, e se todos procurarem a administração com o mesmo limite
claro e gentil (especialmente se esses limites forem baseados nas políticas
declaradas da empresa), vocês terão uma voz muito mais poderosa.

ENVOLVA A CHEFIA NO PROCESSO. Explique seu limite saudável, depois


convide seu chefe ou os colegas a encontrarem um modo de defender
esse limite com você. Haverá mais concordância se todos participarem
do processo, e eles podem encontrar uma solução na qual você ainda
não tinha pensado. Ceda no que puder, mas não a ponto de anular suas
reivindicações.

AUTOMATIZE O MÁXIMO POSSÍVEL. Se você trabalha num escritório, crie


uma mensagem automática ou uma saudação de caixa postal
informando que você está ausente. Designe um colega a quem todos
devem procurar enquanto você estiver fora. Separe uma hora na sua
agenda para montar cronogramas, pagar faturas ou realizar tarefas
criativas. Saia do escritório para almoçar. Tenha uma política de
cancelamento clara no seu site de compras e mantenha os dados de
pagamento arquivados para cobrar clientes relapsos. Desligue as
notificações no chat da empresa depois das 18h e delete o aplicativo de
e-mail do seu celular durante as férias. Ao fim do expediente, vá embora
sem anunciar, evitando o drama do “Espere, antes de ir será que você
poderia...?”. Respostas automáticas, hábitos claros e uso inteligente da
tecnologia podem ajudar você a estabelecer limites e garantir que sejam
respeitados.

DOCUMENTE, DOCUMENTE, DOCUMENTE. Tenha tudo por escrito, de modo


que suas objeções, seus pedidos e suas respostas possam ser examinados
mais tarde. Tome nota de datas, horários, quem estava presente e o que
foi dito ou feito quando colegas, gestores ou clientes desrespeitarem
limites. Faça prints de mensagens ou e-mails mandados fora de hora;
salve as mensagens automáticas para comprovar que você deixou
instruções específicas em sua ausência; e relate ao seu chefe ou ao RH
situações que violem a política da empresa. No mínimo, esse registro por
escrito pode ajudar a enxergar com clareza os padrões e provar que você
vem se defendendo de modo adequado e profissional. E se, com o
tempo, seus limites ainda não estiverem sendo respeitados, essas
informações lhe serão úteis caso precise pedir uma transferência ou
explicar por que está se demitindo.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO AO


HORÁRIO DE TRABALHO

Esses limites ajudarão você a ser eficiente quando estiver trabalhando.


Administrar o tempo é especialmente desafiador quando você lida com
vários projetos ou prioridades ao mesmo tempo enquanto faz
malabarismo com reuniões, clientes, e-mails, estoques ou simplesmente
um almoço num local que não seja sua mesa ou seu carro. Pressões
adicionais do chefe, dos colegas ou de clientes dão a impressão de que
você está correndo de um lado para o outro apagando incêndios o dia
inteiro. Além disso, uma rotina muito acelerada ou uma carga de
trabalho excessiva podem ter impacto no seu desempenho, no seu bônus
ou nas suas chances de promoção.
Estabelecer limites quanto ao horário de trabalho ajudará você a
administrar melhor suas prioridades, a cumprir prazos e expectativas, e
a demonstrar que você respeita o tempo e a capacidade máxima de todo
mundo na empresa – especialmente os seus.

Como posso dizer “não” a um chefe que fica colocando coisas na minha mesa
quando já estou com excesso de trabalho? Odeio negar serviço, mas se eu
aceitar mais uma tarefa, nada será feito a tempo ou com a qualidade habitual, e
já estou me aproximando do esgotamento.

VERDE: “Só posso assumir mais essa atribuição se você permitir que
outras tarefas não sejam feitas ou sejam adiadas.” Compartilhe uma
lista de tarefas com informações sobre quem está supervisionando,
qual o percentual realizado e quais são os prazos, se aplicável.
AMARELO: “Normalmente eu ajudaria, mas no momento não tenho
nenhuma brecha. X, Y e Z ocupam toda a minha capacidade.”
VERMELHO: (por escrito) “Estou praticamente no limite com minha
carga de trabalho atual. Não posso pegar mais nada no momento sob
pena de prejudicar meu desempenho e meus resultados, além da
minha saúde mental. Vamos marcar uma hora para discutir soluções
possíveis?”

Mantenha registros da sua carga de trabalho, das tarefas designadas


pelos outros e de demandas das quais seu gestor pode não ter
conhecimento. Peça ao seu chefe que ajude você a priorizar seus
projetos e sugira tarefas que possam ser delegadas ou reduzidas, ou
processos que possam ser simplificados. Como já dito, documente todas
as conversas relacionadas à sua carga de trabalho, só para garantir.
Antigos clientes de consultoria ainda me pedem favores muito após o término
do contrato. Às vezes são coisas rápidas, mas às vezes uma única pergunta
leva a diversas outras. Como posso negar ajuda? Devo negar, afinal?

VERDE: “Posso enviar a você algumas ideias rápidas no fim de


semana, mas isso é tudo o que tenho condições de fazer.”
AMARELO: “Infelizmente, não posso ajudar, a não ser que você queira
fazer um novo contrato.”
VERMELHO: “Não posso. Nossa parceria foi encerrada e no momento
tenho outros projetos.”

Lembre-se: os limites devem ser flexíveis quando isso for bom para
você. Se for importante manter esse relacionamento e se você tem
condições de dedicar algum tempo a ele, determine até onde você pode
ajudar. Se der uma dica grátis, preste atenção aos futuros pedidos desse
cliente e saiba quando dar um basta.

Minha chefe impõe prazos absurdos a toda a minha equipe. Quando dizemos a
ela que precisamos de pelo menos uma semana para concluir o projeto, ela
exige que terminemos em dois dias. Isso estressa meus funcionários, mas se eu
tento defendê-los, minha chefe fica com raiva de mim. Pode me ajudar a
encontrar uma saída?

VERDE: “Se você quer que esse trabalho seja feito em dois dias, minha
equipe terá que se concentrar apenas nele e interromper todas as
outras tarefas durante algum tempo. Temos sua autorização para isso
e a garantia de que receberemos pelas horas extras?” Ou: “Podemos
concluir em dois dias, se você reduzir o escopo pela metade. Faremos
o que você achar melhor.”
AMARELO: “Isso não pode ser feito em dois dias com o escopo que
você definiu. Para garantir a qualidade do projeto, minha equipe
precisa de uma semana inteira.”
VERMELHO: “Não podemos concluir esse projeto em dois dias, e eu
adoraria explicar o motivo à alta administração.”

Há um antigo ditado sobre gestão de projetos: “Podemos fazer isso com


rapidez, com baixo custo ou com qualidade... escolha duas opções.” “Eu
adoraria explicar o motivo” é um bom modo de dizer: “Se tudo der
errado, não vou assumir a culpa em seu lugar.”

Trabalho num escritório com espaço aberto, e parece que as pessoas vivem
parando para bater papo quando estou atolado até o pescoço numa planilha e
realmente preciso me concentrar. Não quero ser grosseiro, mas como posso
dizer com gentileza “Por favor, não me distraia agora”?

VERDE: “Ah, estou no meio de uma tarefa... Será que posso dar uma
passada na sua mesa depois / encontrar você para um café às três da
tarde / almoçar com você hoje?”
AMARELO: (tirando os fones de ouvido depois de alguns segundos)
“Ah, eu coloco fones de ouvido quando preciso realmente me
concentrar. Depois falo com você.”
VERMELHO: Faça um cartaz de “Não Perturbe” e prenda no encosto
da sua cadeira ou na divisória da sua mesa e diga à chefia e aos
colegas que seu objetivo com isso é manter sua concentração durante
os momentos mais atarefados do dia. (Só não deixe o cartaz preso o
dia inteiro, pois não seria razoável.)

Também odeio ser interrompida quando estou ocupada, o que era


problemático quando eu trabalhava num escritório grande e tinha
muitos subalternos diretos. Por isso tentei uma estratégia nova e
comecei a conversar proativamente com as pessoas na sala de descanso
ou junto à impressora, quando tinha tempo livre. Ser sociável nos meus
termos reduzia a probabilidade de meus colegas me rotularem de rude
ou distante, e facilitava estabelecer limites em volta da minha mesa.

Sou autônoma e meus rendimentos dependem de os clientes comparecerem aos


compromissos marcados. Mas minha política de cancelamento com 24 horas de
antecedência costuma ser ignorada, e descobri que é difícil fazer com que ela
seja cumprida. Como reajo a alguém que cancela no último minuto e fica furioso
quando tento cobrar?

VERDE: Mande a cada cliente novo ou já existente um contrato


incluindo uma política de cancelamento detalhada, com previsão de
multas. Exija que os clientes lhe deem um número de cartão de
crédito ativo para manter arquivado, e avise que será feita uma
cobrança de acordo com suas políticas. Se eles não concordarem
com algum desses termos, recuse-os como clientes. (Você fará um
favor a si mesmo.)
AMARELO: “Agradeço por ter avisado. Como você está cancelando em
menos de 24 horas, vou cobrar 50%, conforme seu contrato.”
VERMELHO: Faça a cobrança no cartão, de acordo com sua política, e
notifique o cliente de que se ele faltar mais uma vez a um
compromisso, você não aceitará novos agendamentos.

Como empreendedores, ficamos tentados a deixar os clientes pisarem


na gente porque precisamos do trabalho. Nossa melhor aposta é ter
limites nítidos desde o início e tratar qualquer flexibilidade de nossa
parte como um “favor” que estamos fazendo a eles. Isso nos dá espaço
para nos mantermos firmes se eles continuarem desrespeitando os
limites ou se nossa empresa crescer a ponto de não precisarmos mais
nos submeter a isso para garantir o dinheiro do aluguel.

Estou constantemente no Zoom ou em reuniões que se alongam (em geral


porque não começam na hora). Eu não comando essas reuniões, mas sinto que
não dão valor ao meu tempo. Como posso me manifestar educadamente?

VERDE: (antes da reunião) “Só temos uma hora para a reunião de


hoje, então seria útil se alguém pudesse compartilhar os tópicos de
discussão com antecedência.”
AMARELO: (cinco minutos antes do fim previsto da reunião) “Estou
vendo que só temos mais cinco minutos, Bill. Existe algum item final
que a gente precise abordar?”
VERMELHO: “Preciso sair agora. Vou me informar sobre os próximos
passos por e-mail.” E saia da reunião.

Aqui o limite Vermelho é a consequência, e diz basicamente: “Estou


assumindo o controle do meu tempo.” Você pode ajudar nesse processo
pedindo que alguém compartilhe um roteiro antes da reunião (ou
criando um), não deixando a equipe fugir muito do assunto e
lembrando a todos quando o tempo estiver quase terminando.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO AO


TEMPO DE DESCANSO

Jamais menospreze seu tempo de descanso: para ter o melhor


desempenho possível, você precisa relaxar, recarregar as energias e se
recuperar do estresse do trabalho. Isso vale especialmente se você estiver
de licença médica, de luto ou de férias – e se a remuneração da licença
for limitada. Criar uma cultura de cuidado e respeito é imprescindível
para a motivação, a saúde mental e o comprometimento dos
funcionários. Se a empresa onde você trabalha não demonstra respeito
às folgas, você precisará defender seus direitos e os de seus colegas
estabelecendo limites.
Esses limites ajudarão você a relaxar de verdade quando estiver fora
do trabalho, sabendo que você e sua equipe compartilham as mesmas
expectativas e prioridades. Além disso, ajudarão você a voltar ao serviço
com vigor renovado e em condições de apresentar um desempenho
excelente – o que logo deve se refletir nas suas avaliações e nas suas
atitudes.
Meus colegas de trabalho vivem me empurrando tarefas quando estou saindo
no fim do dia. Não tenho filhos (e a maioria dos meus colegas tem), de modo
que é difícil dizer “não”, mas nem por isso meu tempo de folga à noite é menos
valioso. Socorro.

VERDE: “Não posso ficar esta noite, mas ajudo vocês amanhã de
manhã.”
AMARELO: “Não posso, estou de saída. O Brad vai ficar aqui até a hora
do fechamento, por que não pede a ele?”
VERMELHO: “Esta noite não posso!”, e saia pela porta.

Por favor, vamos normalizar a Netflix, a refeição no sofá de casa e o


simples descanso como “planos para mais tarde”. É ótimo ajudar
quando você pode, mas se estão se aproveitando de você porque não
tem filhos ou mora só, estabeleça alguns limites para a sua saúde
mental.

Hoje não fui trabalhar porque estou doente, mas as pessoas ficam telefonando
e mandando mensagens de texto. Tecnicamente posso responder às
mensagens, mas não fui trabalhar por um bom motivo, e eu me recuperaria
muito melhor se pudesse apenas descansar. Como devo agir quando isso
acontece?

VERDE: Prepare um e-mail avisando “Não estou no trabalho” e deixe


o mesmo recado na caixa postal. Responda às mensagens de texto
assim: “Hoje estou em casa, doente, e não posso ajudar. Tente ver
isso com o Tom.”
AMARELO: “Estou doente, em casa. Vou desligar meu telefone para
poder descansar.” (Ponha o telefone no modo silencioso ou
simplesmente não atenda às ligações nem responda às mensagens.)
VERMELHO: (num e-mail para a chefia) “Hoje estou doente, em casa,
mas continuo recebendo telefonemas e mensagens. Preciso priorizar
minha saúde e não vou responder a contatos do trabalho. Gostaria
de conversar sobre isso quando voltar, para evitar que outras pessoas
passem por esse tipo de coisa no futuro. Sei que você concorda que
os funcionários não deveriam sofrer ainda mais estresse quando já
estão doentes.”

Se você puder trazer a chefia ou o RH para o seu lado, será uma


tremenda vitória para toda a equipe. Quando voltar ao trabalho,
experimente algo do tipo: “Sei como vocês se importam com a saúde
mental e física da nossa equipe. Será que podemos fazer uma
campanha divulgando boas práticas para os dias de licença médica ou
de férias?”

A gerência vive nos pressionando a trabalhar nos dias de folga (já tão
escassos), cobrir o horário de um colega doente, ajudar em outras tarefas
durante uma promoção ou comparecer a uma reunião importante. Quando digo
que preciso dos meus dias de descanso, ouço o seguinte: “Tenha espírito de
equipe e venha de qualquer modo.” Às vezes eu vou, mas não posso ficar
cedendo assim! O que devo dizer?

VERDE: “Vou ajudar a equipe na sexta-feira, mas amanhã não poderei


ir.”
AMARELO:“Os dias de folga são necessários para minha saúde mental
e minha vida familiar. Não gosto de sofrer esse tipo de pressão.
Amanhã não poderei ajudar.”
VERMELHO: “Não irei trabalhar amanhã.”

Se isso acontece com frequência, reúna-se com seus colegas e sua chefia
para discutir como vocês podem ajustar as necessidades de contingente
e de horários de modo que todos tenham o descanso (ou o pagamento
extra) de que precisam.

Sempre esperam que eu responda a e-mails quando estou de férias – e ainda


não tive nenhum período de descanso sem demandas do trabalho. Planejei
minha próxima viagem, e desta vez precisa ser diferente. SOS!

VERDE: (para a chefia e a sua equipe, na semana anterior) “Estarei


ausente na semana que vem e durante a viagem não vou responder a
e-mails nem mensagens. A Ashley está cobrindo minhas aprovações
de faturas, e vocês podem perguntar qualquer outra coisa à Lilian.”
AMARELO: (para a chefia, sua equipe e seus principais clientes)
“Lembrete: vou viajar na semana que vem e estou profundamente
comprometida com essas férias. Não vou ler e-mails e estou
desligando as notificações do Slack. Os projetos X, Y e Z estão
encaminhados, e não prevejo nada de novo chegando.”
VERMELHO: Mande uma mensagem de despedida: “Estarei de folga
entre segunda-feira, dia 11, e sexta-feira, dia 15. Nesse período não
vou checar e-mails nem mensagens da empresa. Volto na segunda,
dia 18, com um belo bronzeado e uma caixa postal transbordando,
portanto agradeço antecipadamente por sua paciência. Se precisar de
alguma coisa enquanto eu estiver fora, mande um e-mail para Lilian
no endereço [email protected].”

Essas são mensagens verdadeiras, minhas. Fique à vontade para copiar


qualquer uma delas. O que é incomum nessa situação é que estou
aconselhando você a empregar os três limites em sequência, à medida
que a viagem se aproxima. O que você está fazendo é automatizar o
limite de modo que ninguém espere que você fique checando as
mensagens. Assim, você pode se sentir confiante para desligar as
notificações e colocar seu telefone no modo silencioso pelo restante da
viagem.

O QUE SE DEVE E NÃO SE DEVE FAZER AO COMUNICAR SUA


AUSÊNCIA TEMPORÁRIA
Claro, você pode escrever simplesmente “Vou estar fora esta semana, com
acesso limitado a e-mails”, mas há um jeito melhor de fazer isso.

NÃO diga que você terá “acesso limitado a e-mails”.Em primeiro lugar,
isso é mentira: provavelmente seu telefone estará a menos de dois
metros de você o tempo todo. O mais importante: isso abre a porta
para “Talvez eu possa verificar de vez em quando”. Não olhe seus e-
mails quando estiver de folga. Simplesmente não faça isso.
NÃO diga “Respondo quando voltar ao escritório na segunda-feira”. Sua
caixa de entrada provavelmente estará transbordando, e se as
pessoas esperarem uma resposta imediata, você vai receber mais
uma tonelada de e-mails dizendo “Recebeu meu e-mail?”, além de
todas as outras mensagens não lidas.
Comunique-se com clareza. “Estarei fora do escritório entre [tal data]
e [tal data] e não vou checar e-mails ou mensagens de texto ou voz.”
Bum! Isso é que é dizer a verdade.
Use sua voz. Se quiser injetar algum humor ou personalidade, faça
isso! Só cuide para que a mensagem “Não me procurem” ainda seja
cristalina.
Mostre às pessoas como realizar as tarefas sem você. Forneça uma lista
de pessoas que elas podem contatar no seu lugar, disponibilize um
formulário que os clientes em potencial possam preencher ou
divulgue o canal de atendimento ao cliente.
Deixe claro que você responderá aos e-mails de acordo com sua
possibilidade.
“Agradeço desde já por sua paciência” é um bom
modo de regular essa expectativa.

Meu chefe me manda mensagens à noite (para o meu telefone pessoal) falando
sobre trabalho. Sei que ele poderia mandar e-mails tarde da noite em
emergências, mas mensagens sobre assuntos normais de trabalho parecem
invasivas. Como dizer isso a ele com gentileza?
VERDE: Presumindo que a situação não seja urgente, responda à
mensagem, mas acrescente: “Só mais uma coisa: se for tarde da noite,
será que você poderia não mandar mensagens de texto, a menos que
seja uma emergência? Agradeço se, depois das 18h, você
preferencialmente mandar e-mail. Assim posso olhar na manhã
seguinte.”
AMARELO: Não responda à mensagem. Na manhã seguinte diga
pessoalmente: “Ei, recebi sua mensagem ontem à noite, enquanto
estava com minha família. Da próxima vez, por favor, mande um e-
mail para não interromper o meu tempo de descanso. Vamos
conversar sobre aqueles pedidos de compras...”
VERMELHO: Não responda a nenhuma mensagem de texto que não
seja emergencial. Responda por e-mail no próximo dia útil,
repetindo o pedido para seu chefe não mandar mensagens sobre
questões de trabalho tarde da noite. Encaminhe cópia para o RH se o
seu tempo de folga não estiver sendo respeitado.

Se sua empresa valoriza a saúde mental e o equilíbrio entre trabalho e


vida pessoal dos funcionários (ou se ela diz que faz isso), você deveria
lembrar gentilmente ao seu chefe que mensagens de texto tarde da
noite não combinam com o tipo de comportamento que ele deveria
encorajar. Diga que toda a equipe gostaria que ele programasse os e-
mails para o próximo dia útil; assim, ele poderia documentar as ideias
que tem tarde da noite sem perturbar o tempo que os colegas dedicam
à própria família.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO A


DILEMAS ÉTICOS

No trabalho, todo mundo quer se sentir bem com a própria conduta,


com a impressão que passa e as contribuições que faz. Mas sempre que
você renuncia a um pouco da sua integridade, seja mentindo para um
cliente, encobrindo o que o chefe faz ou tolerando comportamentos
inadequados, isso faz com que você se sinta inferior e menos confiante, e
até perca sua autenticidade. Para que o ambiente de trabalho seja
saudável e sustentável, você precisa sentir que seus valores não são
negociáveis – e que a empresa, a chefia ou seus clientes não pedirão que
você escolha entre sua integridade e seu emprego.
Estabelecer limites quanto a seu código moral e seus valores
demonstra sua lealdade e sua integridade em relação à empresa, além de
ser um gesto de autocuidado. Ao estabelecer esse tipo de limite, você
afirma que merece se proteger e que se orgulha de defender o que é
certo.

Trabalho com vendas e meu chefe diz que preciso beber quando saímos com
clientes, porque isso os deixaria mais confortáveis. Às vezes eu não quero
beber, mas não sei como reagir à pressão, por isso acabo cedendo. O que eu
poderia dizer?

VERDE: (antes de vocês saírem) “Olha, esta noite não vou beber. Vou
pedir um refrigerante discretamente e pronto – só para avisar.”
AMARELO: “Não gosto de sentir que preciso beber com os clientes.
Sou um ótimo vendedor, até mais convincente quando estou sóbrio.
Esta noite não vou beber.”
VERMELHO: “Acho que você está sugerindo que meu desempenho
depende do consumo de bebida alcoólica, e isso viola pelo menos
três políticas de RH. Espero que você nunca mais pressione ninguém
da equipe a beber.”

Torço muito para que a situação não chegue ao Vermelho, porque esse
ambiente de trabalho é bastante problemático. A abstinência está em
alta, e as pessoas estão expondo cada vez mais seus motivos para evitar
o álcool. Talvez seu posicionamento ajude um cliente a se sentir mais
confortável fazendo a mesma coisa – e isso acabe se convertendo numa
venda bem-sucedida.

Uma pessoa da minha equipe vive voltando tarde do almoço ou saindo ao meio-
dia e pedindo que eu acoberte sua ausência. Isso me coloca numa situação
incômoda e, francamente, sinto que ela está se aproveitando de mim. Como
posso recusar com educação sem me meter em encrenca?

VERDE: “Se alguém perguntar, posso avisar que você vai se atrasar um
pouco, mas isso é tudo o que me sinto confortável em dizer.”
AMARELO: “Não vou continuar acobertando sua ausência, e é injusto
que você continue me pedindo isso.”
VERMELHO: “Não vou mais mentir para proteger você.”

Prepare-se para uma forte reação, especialmente se essa pessoa for pega
descumprindo horários – mas lembre-se: isso não é da sua conta nem é
problema seu; estamos falando de uma pessoa adulta que deve saber
administrar o próprio tempo. Você não pode impedir que alguém se
demore durante o almoço – o que pode fazer é parar de acobertar essa
pessoa ou de mentir quando alguém perguntar por ela.

Às vezes minha chefe pede que eu faça coisas questionáveis (como mentir para
os clientes). Isso parece muito errado e eu odeio que me coloquem nessa
situação, mas também não sei como dizer “não” a ela.

VERDE: “Não me sinto confortável com isso. Meus clientes confiam


em mim e merecem ouvir a verdade. Vou me concentrar nas
soluções que estamos buscando para eles.”
AMARELO: “Não sei se é uma boa ideia. Gostaria primeiro de
conversar com a Louise e ver o que ela acha.” (Cite um colega ou
alguém do RH.)
VERMELHO: Compartilhe suas preocupações por escrito, criando
evidências que possam ser rastreadas depois. “Hoje você me pediu
que [preencha a lacuna]. Não me sinto confortável com isso e acho
também que não é do interesse do cliente. Eu preferiria não me
envolver a partir daqui. Agradeço desde já por respeitar isso.”

Essa é uma situação complicada, especialmente se você tiver um


relacionamento próximo com seus clientes. Peça um conselho a alguém
de fora da sua organização, veja se outros colegas de trabalho sentem a
mesma coisa em relação aos pedidos da chefia e documente
absolutamente tudo, só para garantir.

Como devo reagir a falas inadequadas no local de trabalho? Já ouvi comentários


maldosos sobre mulheres “que dormem com alguém para subir na carreira”,
piadas descaradamente machistas, ofensas racistas direcionadas a outras
pessoas... Quero me posicionar, mas acabo travando na hora. Como posso
interromper essa dinâmica?

VERDE: “Nossa, Roger! Acho que você não percebeu como isso soou
mal. Vou lhe dar mais uma chance.”
AMARELO: “Não, não, o que você disse não é legal, e não posso deixar
passar batido.”
VERMELHO: “Poxa, Roger! Isso é totalmente
inadequado/ofensivo/machista/racista, e viola umas doze políticas da
empresa. Não posso ficar em silêncio enquanto escuto esse tipo de
coisa.”

Note o uso de alertas de limite, que lhe dão um tempinho para mudar
de tom e reforçar sua autoconfiança. O Verde dá ao seu colega o
benefício da dúvida, acreditando que ele quer melhorar. É possível que
ele tenha iniciado a carreira numa época ou num local de trabalho que
era mais tolerante a esse tipo de comportamento, e ele precise ser
lembrado de vez em quando da necessidade de se ajustar ao aqui e
agora. Mencionar a política da empresa no Vermelho mostra que seu
próximo passo é dizer à chefia ou ao RH que Roger está ofendendo as
pessoas de propósito e se recusa a se corrigir.

USE SEU PRIVILÉGIO


Pessoas historicamente marginalizadas no local de trabalho não deveriam
ter que se defender sozinhas. Um bom aliado das pessoas não brancas,
LGBTQIA+, portadoras de deficiência, etc. usará seus privilégios para
denunciar maus comportamentos. Ficar em silêncio durante uma ofensa e
depois se aproximar da única pessoa asiática da equipe e sussurrar “O que o
Chuck acabou de dizer não foi legal” mais prejudica do que ajuda. Se não foi
legal, denuncie na mesma hora. É assim que podemos nos aliar, e isso só
implica 0,1% da dificuldade de ser a pessoa ofendida. Para saber mais sobre
como emprestar sua voz em qualquer ambiente, consulte no Capítulo 9,
INTERVENÇÃO DO ESPECTADOR.

Meu chefe vive assumindo o crédito pelas minhas ideias. [Essa foi a mensagem
mais curta que já recebi solicitando ajuda. Achei ótima.]

VERDE: (em particular) “Que bom que você achou inteligente meu
plano de tornar o evento virtual. Mas eu agradeceria se você tivesse
me dado o crédito naquela reunião. Não me senti bem com isso.”
AMARELO: Comece a documentar tudo por escrito. Se você
compartilhar uma ideia com alguém, envie um e-mail depois:
“Conforme nossa conversa mais cedo, eu lhe apresentei meu plano
de tornar o evento virtual e... [liste todas as suas ideias em tópicos].
Avise se quiser que eu compartilhe este plano com mais alguém.”
VERMELHO: (durante uma reunião com outras pessoas) “Fico feliz por
ter tocado no assunto, Chuck. Como o conceito do plano é
originalmente meu, será que posso falar do orçamento e dos prazos
que já comecei a esboçar?”

O Vermelho é basicamente guerra – mas o seu chefe é um líder


chinfrim se não consegue ver que quando você apresenta boas ideias,
isso também é bom para a imagem dele. Documentar tudo por escrito
é um bom passo intermediário, de modo que ele possa ver que você fala
sério em relação a esse limite. Além disso, procure se informar por aí
(discretamente), porque é possível que seus colegas também já tenham
passado por isso. E lembre-se: a união faz a força.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO A


PROXIMIDADE E SOCIALIZAÇÃO

Algumas tarefas são obrigatórias no trabalho, como entregar relatórios,


completar projetos e comparecer a reuniões. Mas sempre haverá
aspectos da cultura da empresa que pedem mais do que está na
descrição do cargo. Todo ambiente de trabalho envolve socialização e
atividades de desenvolvimento de equipe, mas até sobre esses aspectos
você pode ter algum controle, e não existe uma regra geral quando se
trata de se encaixar na cultura da empresa.
Estabelecer limites, por exemplo, quanto ao tipo de contato físico
que você permite ou quanto à frequência com que pretende participar de
brincadeiras no escritório, é importante para manter-se confortável no
trabalho. Nem todo mundo quer abraçar os colegas, ser amigo no
Facebook ou frequentar a aula de ioga da empresa – e estabelecer esses
limites fará com que seu escritório (virtual ou presencial) pareça um
espaço mais receptivo, cooperativo e respeitoso.

Meu chefe microgerencia tudo o que eu faço. Isso é exaustivo e desnecessário,


porque meu desempenho é ótimo. O problema é que nunca consigo provar isso
de verdade, com toda essa “ajuda” e supervisão. Como posso conquistar mais
autonomia?

VERDE: “Ei, chefe! Criei um documento de gerenciamento de projeto


para ajudar você a ver em que pé estou com as tarefas e permanecer
atualizado mais facilmente. Será que podemos manter um contato
semanal para conversarmos sobre o meu progresso?”
AMARELO: “Eu sei como conduzir esse projeto e gostaria de trabalhar
com independência para fazer um primeiro avanço. Será que posso
marcar uma reunião com você na semana que vem para mostrar
meu progresso?” Se o chefe insistir em verificar o andamento do
projeto antes da hora ou fornecer orientação adicional, tente o
seguinte: “Será que você poderia aguardar até a gente se reunir na
semana que vem? Concordamos que eu poderia trabalhar de modo
independente nesta semana, e quero usar a oportunidade para
mostrar a você o meu produto.”
VERMELHO: “Talvez não tenha notado, mas você anda me
administrando em excesso nesse projeto. E, sinceramente, isso me
frustra um pouco. Será que você poderia confiar em mim com essa
tarefa? Foi por isso que me contratou, e eu mereço a chance de
provar que estou à altura do cargo.”

Este último limite pode parecer excessivo, mas o fato de seu chefe
continuar a se intrometer no seu papel e nas suas tarefas não beneficia
ninguém. Antes disso você poderia acrescentar um limite Laranja, do
tipo: “Você está insatisfeito com o andamento do projeto? Você vem me
dando opiniões em todos os estágios, apesar de eu não ter pedido
ajuda, o que me leva a pensar que talvez você não tenha certeza se eu
consigo realizá-lo sozinho.”

Meu gerente vive me tocando. Não é nada sexual – apenas a mão no ombro
quando quer minha atenção ou um soquinho no braço depois de uma piada –,
mas eu não gosto. Ele não faz por mal, por isso não sei como abordar o assunto.

VERDE: “Sei
que você só está tentando ser amigável, mas gostaria que
não me tocasse para chamar minha atenção ou indicar que estou
fazendo um bom trabalho. Pode usar só palavras mesmo.”
AMARELO: (levantando uma das mãos) “Ah, por favor, não faça isso.
Não gosto de contato físico no trabalho.”
VERMELHO: “Pare de me tocar desse jeito. É uma intimidade
inadequada, e eu não gosto.”

É provável que seu gerente fique desconfortável quando você puxar esse
assunto. (QUE BOM. Ele deve ter consciência de que seus atos
impactam outras pessoas.) Além disso, você pode se sentir culpada com
a reação dele. Por favor, não deixe que a reação de alguém ao seu
desconforto neutralize seu limite. Nós duas sabemos como isso é crucial
para a sua segurança no trabalho. Se necessário, para se resguardar,
fale com o chefe dele ou com o RH sobre essa conduta – que é
inaceitável em qualquer situação profissional.

As pessoas no meu trabalho são muito amistosas, mas eu prefiro não me abrir
sobre minha vida particular. Como posso responder a perguntas do tipo “Você
está namorando?”?

VERDE: “Você sabe: minha vida é um mistério.” E mude de assunto.


AMARELO: “Hum, realmente não gosto de falar sobre minha vida
afetiva no trabalho.” E mude de assunto.
VERMELHO: “Ah, você sabe que não vou responder a isso!” E mude de
assunto.

A resposta Verde é tecnicamente o que eu chamaria de limite “pré-


Verde”. Não é a declaração mais clara (como o alerta Amarelo), mas
informa que esse não é um assunto com o qual você se sente
confortável. Dizer uma coisa ligeiramente recatada como essa, quando
adequado, pode ser uma “dose mínima” eficaz, e a mudança de assunto
torna ainda mais claro que você prefere não conversar sobre isso.
CONVERSE NOS SEUS TERMOS
Como vimos na estratégia “Não perturbe enquanto eu estiver trabalhando”,
outro modo de manter um tom amistoso com os colegas é contar
proativamente coisas que não ultrapassem seus limites. Fale sobre o que
preparou para o jantar, o livro que acabou de ler, a caminhada que fez no fim
de semana ou as últimas travessuras do seu cachorro. Bônus: pergunte às
pessoas sobre a vida delas também! Elas verão você como uma pessoa
simpática e ótima ouvinte, e você não precisará ter nenhuma conversa
desconfortável.

Meu chefe vive me chamando de “menina”. Sim, sou uma das pessoas mais
jovens do escritório, mas sou uma mulher adulta num ambiente profissional. Ele
diz isso com carinho, mas fico preocupada, achando que pode impactar a
maneira como os outros me enxergam, por isso quero encontrar um modo gentil
de dizer “Por favor, pare”.

VERDE: “Ei, eu posso ser nova, mas não sou uma menina. Por favor,
me chame de Jane.”
AMARELO: “Não é adequado me chamar de ‘menina’ no trabalho,
ainda mais na frente dos outros. Peço que você tente parar com isso,
por favor.”
VERMELHO: (interrompendo) “Menina não. É Jane.”

Se ele chama você assim há algum tempo e você deixou passar, nunca é
tarde demais para falar com franqueza. Experimente: “Sei que faz
tempo que você me chama de ‘menina’ e eu nunca disse nada. Mas,
para ser franca, isso me incomoda. Será que você poderia parar, por
favor?” Exponha o limite Amarelo num momento de calma, quando
você tiver toda a atenção dele – e deixe registrado, só para garantir.

BÔNUS: LIMITES AUTOESTABELECIDOS NO TRABALHO


A maioria dessas conversas envolve colegas e gestores, mas esses não são
os únicos relacionamentos que podem ser melhorados com alguns
limites. Durante a pandemia descobrimos que trabalhar em casa é difícil.
E, ainda que muitos tenham voltado ao escritório, o trabalho remoto
veio para ficar, o que significa que todos nós precisamos descobrir como
dosar a presença do laptop quando o “escritório” está acessível 24 horas
por dia, sete dias por semana.
Estabelecer limites para você, em relação ao seu tempo de trabalho
remoto, é fundamental para preservar um equilíbrio feliz e saudável e
impedir o esgotamento. Aqui vão alguns limites que desenvolvi e
aprimorei na última década. Muitos deles vieram em combo durante a
pandemia, quando trabalho, escola e vida doméstica se fundiriam o
tempo todo, se eu permitisse.

Trabalhe apenas num espaço dedicado a isso, como um pequeno escritório


ou uma mesa específica. Isso ajuda a separar o “espaço de trabalho”
do “espaço de casa” melhor do que se você trabalhasse na mesa da
cozinha (onde você também faz as refeições e joga jogos de
tabuleiro). Além do mais, quando chega a hora de “ir embora” no
fim do expediente, é mais fácil se os seus materiais não estiverem
espalhados pela sala de estar ou pela cozinha.
Preserve o horário de descanso e de almoço, como aconteceria num
escritório de verdade.
Marque um intervalo no meio do dia em sua
agenda, se ajudar – e trate isso como uma reunião com você. Limite
a no máximo cinquenta minutos as reuniões pelo Zoom que você
programar, de modo a ter sempre uma curta pausa entre elas.
Obrigue-se a sair da mesa durante os intervalos. Almoce na sala de
jantar, sente-se na varanda por alguns minutos, brinque com o
cachorro ou ligue do quintal para a sua mãe.
Quando tiver terminado o trabalho, feche o “escritório”. Desligue o
laptop, desative as notificações de mensagens e feche a porta. Finja
que está “saindo”, como costumava fazer presencialmente.
Crie uma breve transição entre “trabalho” e “casa”, mesmo que seja apenas
de dez minutos. Você não tem mais a viagem de ida e volta para
demarcar o tempo de trabalho e de descanso, portanto encontre
algo que sirva a esse propósito. Experimente uma caminhada curta,
uma ida rápida ao supermercado, um exercício físico ou
simplesmente vinte minutos para relaxar antes de se dedicar ao
jantar ou ao dever de casa das crianças.
Comprometa-se a não verificar e-mails ou mensagens de trabalho antes da
rotina matinal ou antes de ir para cama. Você sabe por quê.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

No fim de 2010, depois de perceber que eu estava deixando minha


empresa ocupar uma quantidade muito grande do meu tempo e da
minha energia, estabeleci um limite que pegou todo mundo
desprevenido. Praticamente em todos os fins de semana eu viajava para
fazer oficinas do Whole30, o que significava que em geral não tinha folga
nos sábados e domingos. Assim, toda a minha empresa (nós duas)
começamos a fechar às terças-feiras. Toda terça era dia de descanso, não
importava o que estivesse acontecendo. Eu não respondia a e-mails, a
comentários no Facebook, nem marcava reuniões ou telefonemas. De
fato, muitas vezes eu ficava totalmente fora da área de cobertura,
caminhando nas montanhas.
Ninguém achou que isso daria certo. “Quero dizer, todo o resto do
mundo trabalha às terças-feiras. Como você pode simplesmente dizer
não às pessoas?”, perguntou minha irmã. A resposta é que eu
simplesmente fiz isso. E, mais cedo do que eu previa, todo mundo se
acostumou. Minha editora, minha comunidade e meus parceiros de
marca sabiam que eu não estava conectada às terças; minha mensagem
padrão deixava claro que eu responderia no dia seguinte e todo mundo
se adaptou a isso, simples assim. Mantive esse limite por dois ou três
anos, até que paramos de fazer oficinas e eu recuperei meus fins de
semana.
Certo, se você trabalha das 9h às 17h, provavelmente não pode
começar a tirar folga em dias de semana aleatórios... mas não é esse o
ponto. O ponto é que no início todo limite parece esquisito e
desconfortável. Você precisará lembrar às pessoas que esse é o seu limite.
Terá que se lembrar de que os limites saudáveis não são rudes, egoístas
ou desleais. Terá que resistir ao sentimento de culpa por priorizar sua
saúde e sua paz. Terá que resistir à ânsia de explicar muito, justificar ou
ceder “só desta vez”. Se os limites se destinam a melhorar os
relacionamentos, seus limites saudáveis no trabalho existem para que
seu desempenho seja o melhor possível, e para que você se sinta mais
realizada e permaneça mental e fisicamente saudável – o que beneficia
sua equipe, sua chefia e sua empresa. Seu ambiente de trabalho será mais
calmo e mais feliz; seu tempo em casa, mais relaxado e revigorante; e o
produto do seu trabalho mostrará todo o alcance da sua energia e dos
seus talentos.
Os limites no trabalho são mágicos, e agora você tem condições
plenas para começar a estabelecê-los. O que é bom, porque está na hora
de falar da sua sogra.
CAPÍTULO 4

Quando o drama é a sua mãe


Como estabelecer limites para pais, sogros, avós e
outros familiares

N
o outono passado recebi um e-mail de um homem chamado
Caleb me pedindo ajuda para estabelecer limites nas festas de
fim de ano. Fazia mais de oito anos que os pais de Caleb
estavam divorciados, mas eles ainda brigavam sempre que interagiam.
Telefonemas, comemorações e jantares eram consumidos por
reclamações, e Caleb se via no meio do fogo cruzado. “Eles vivem
fazendo fofoca e comentários sarcásticos um sobre o outro, tipo ‘Dá para
acreditar que sua mãe fez isso?’ e ‘Claro que o seu pai está ocupado
demais para ajudar’. Minha esposa e eu aceitamos passar as datas festivas
com cada um deles, separadamente, mas não queremos nos envolver em
nenhuma briga nem ouvi-los falar mal um do outro. Eu os amo, mas já
cansei disso tudo. Pode me ajudar a estabelecer um limite?”
Se eu ganhasse um dólar por cada mensagem do tipo “Me ajude com
meus pais/sogros” que recebo dos meus leitores, estaria digitando isso
do meu iate particular nas Bahamas. Estabelecer limites com pessoas da
família é complicado por diversos fatores, inclusive por certas dinâmicas
de poder discutidas no Capítulo 3. Você passa os primeiros anos de vida
deixando seus pais dizerem o que você deve fazer – e há um bom motivo
para isso. Quando era criança, você precisava de ajuda, e seus pais eram
responsáveis (espero) pelo seu bem-estar, seu desenvolvimento e sua
segurança. À medida que você foi crescendo, provavelmente seu desejo
de independência foi aumentando e entrou em conflito com o fato de
você ainda precisar do apoio e da contribuição dos seus pais para se
manter seguro, bem alimentado e satisfeito em suas necessidades
básicas. Agora que chegou à vida adulta, você percebe como é difícil
romper esses padrões. Você não deseja nem precisa mais dos
comentários ou da ajuda dos seus pais, mas eles continuarão agindo
como responsáveis por você, e esse desejo geralmente bem-intencionado
de “ajudar” pode parecer uma intromissão, como se eles estivessem
passando do ponto.
Não há nada que me leve tão rapidamente de volta aos padrões
negativos de comunicação, de autodefesa e de comportamento do que
estar perto dos meus pais. (Bom, talvez meu ex-marido, mas falaremos
disso no Capítulo 7.) Os padrões que você cria na infância ficam
armazenados no corpo; portanto, ainda que racionalmente você saiba
que eles eram disfuncionais ou pouco saudáveis, é quase automático
voltar a eles quando a família está reunida. Para os pais também pode
ser difícil enxergar os filhos como adultos totalmente funcionais, com as
próprias opiniões, experiências e objetivos, capazes de tomar decisões e
cuidar da própria vida. Meu pai ainda me aconselha sobre tudo, desde a
criação de filhos até as obrigações com a casa e a manutenção do carro, e
às vezes finge que está emburrado quando não aceito esses conselhos.
Alguns de seus comentários são bem-vindos e saudáveis, mas outros
(como os que atropelam meu papel de mãe) exigem um limite.
O mesmo pode se aplicar a irmãos e outros parentes. Se vocês
conviveram durante a infância, os padrões estabelecidos naquela época
podem continuar presentes na vida adulta – mesmo se todos estiverem
fazendo terapia. Se os seus pais tinham “favoritos”, se um de vocês
sempre conseguia o que desejava, se você costumava ser quem
pacificava, ou se sua família era tão grande que você se sentia invisível,
essas dinâmicas da infância ainda podem encontrar um lugar à mesa
num jantar em família, mesmo quando todos já são adultos.
BONS LIMITES CRIAM FAMÍLIAS MAIS FORTES

Estabelecer limites saudáveis na família não tem a ver apenas com


melhorar seu relacionamento com os parentes próximos ou distantes.
Pode ter um impacto positivo em todos os seus relacionamentos, porque
as dinâmicas que você cria em família costumam ser levadas para os
seus namoros, as suas amizades e as suas interações profissionais.
Quando Caleb era mais novo e seus pais brigavam, ele e sua irmã
costumavam ser puxados para o centro da discussão. Seus pais pediam,
injustamente, que eles assumissem um lado, disputando a atenção dos
filhos e os usando como para-raios emocionais. Caleb estava
acostumado a bancar o conciliador e cresceu sentindo que era seu
trabalho apaziguar os ânimos. Agora que é adulto e tem a própria
família, ele vê como esse padrão se estende para suas discussões de
trabalho, seus conflitos com a esposa e até suas interações com os filhos.
Se, como Caleb, era você quem buscava a conciliação na sua casa,
pode ser que hoje tenha medo de conflitos e deixe amigos ou colegas de
trabalho passarem por cima de você porque isso é mais fácil do que dizer
“não”. Se seus pais supercontroladores não respeitavam suas
necessidades na infância, pode ser que você hoje não consiga estabelecer
limites no seu relacionamento amoroso e acabe sentindo raiva e
guardando rancor. Se sua infância foi marcada por pais que viviam
brigando, você pode acabar cedendo a todas as exigências dos seus filhos
de modo que eles não precisem passar pelo desconforto de uma briga.
Este é um capítulo substancial, porque as violações de limites com os
familiares assumem muitas formas, resultantes das mais variadas
dinâmicas, e são difíceis de abordar. Suspeito que, ao ler a lista a seguir,
você talvez encontre alguns comportamentos que nem sabia que eram
um problema na sua vida. Mas o “Opa, isso está indo longe demais” de
uma pessoa é o “Por mim, tudo bem” de outra. Talvez você não ache
maravilhoso quando seus sogros aparecem na sua casa sem avisar, mas
outra pessoa pode gostar da surpresa porque sabe que eles vão ajudar
com as crianças enquanto durar a visita. Sua esposa pode gostar das
perguntas que seus pais fazem sobre a carreira dela, enquanto você
preferiria que eles demonstrassem apoio sem tecer comentários.
Além disso, você pode descobrir que precisa estabelecer um limite
para seus pais, não para seus sogros, e vice-versa. Se sua mãe e seu pai
são hóspedes maravilhosos, que se viram sozinhos de manhã, levam as
crianças para almoçar e ainda ajudam nas tarefas domésticas, você pode
permitir que eles fiquem na sua casa por mais tempo do que os seus
sogros, que esperam ser servidos o tempo todo durante a visita.
Nenhuma dessas conversas ou situações é padronizada – você não
precisa estabelecer um limite em nenhuma área só porque outras pessoas
decidiram fazer isso. Só você sabe quais limites funcionam melhor para
você, e tudo bem (e é até mesmo saudável) se esses limites mudarem
dependendo do contexto, das pessoas envolvidas ou da fase da vida em
que você esteja.
Quando os familiares não respeitam os seus limites, eles podem:

Fazer visitas de surpresa ou se hospedar na sua casa por muito


tempo.
Intrometer-se nos seus planos (férias, gestações, empregos).
Fazer fofoca, falar mal ou contar intimidades de outros familiares.
Recusar-se a respeitar nomes, pronomes ou identidades de gênero.
Compartilhar informações ou fotos suas sem permissão.
Dizer coisas que magoam porque eles “se importam” com você.
Forçar abraços ou beijos com você ou com seus filhos.
Ocupar o seu espaço físico (por exemplo, “reorganizando” seus
armários ou presenteando você com objetos de decoração).
Tentar ser pais dos seus filhos.
Interferir no seu relacionamento amoroso ou na sua vida pessoal.
Estabelecer expectativas pouco razoáveis em relação ao tempo que
vocês passam juntos (por exemplo, marcando jantares ou
comemorações muito frequentes).
Violar suas regras sobre comida, tempo de TV ou videogames
quando seus filhos os visitam.
Pegar emprestados dinheiro, seu carro ou outros bens de modo
pouco criterioso.
Presumir que você servirá de cuidadora, passeará com o cachorro
ou prestará outros serviços sempre que eles precisarem.
Passar muito tempo na sua casa sem avisar e sem pedir permissão.
Interromper o tempo que você dedica aos seus cuidados pessoais.
Entrar na sua casa sem aviso ou permissão.
Forçar discussões sobre relacionamentos, criação de filhos, carreira
ou práticas religiosas.
Pressionar você a ir a reuniões de família, festas e outros eventos.

Na minha experiência pessoal e no trabalho que tenho feito


ajudando outras pessoas, vi que os problemas de limites na família
costumam envolver três categorias: pais e sogros; avós; e outros parentes.

PAIS E SOGROS: A maioria dos limites que desejamos estabelecer para


pais e sogros têm a ver com intromissões na sua vida, no seu espaço, no
seu tempo e nos seus valores como pessoa adulta. Para os pais, pode ser
difícil ver um filho ou uma filha transferir a atenção, a dedicação e as
prioridades a um par romântico ou a um cônjuge, e isso pode provocar
ciúmes, alimentar competições e levá-los a lamentar oportunidades
perdidas. Ao mesmo tempo, como no caso de Caleb, os pais também
ficam presos em padrões antigos sem perceber como isso é prejudicial
aos filhos, agora crescidos. Estabelecer limites para esses
comportamentos é o primeiro passo para construir um relacionamento
saudável com pais e sogros na vida adulta.

AVÓS: Os limites para os avós dos seus filhos ajudam você a manter um
senso de segurança, consistência e autonomia em relação à sua casa e à
sua família. Avós podem querer opinar sobre a criação dos netos, e às
vezes essas opiniões vão de encontro às suas regras, ao seu estilo de
criação ou às suas instruções. Não importa se eles acham que você tem
excesso de rigor (“Um pouquinho de sorvete não vai fazer mal”) ou
excesso de permissividade (“Tablet no carro, é isso mesmo que estou
vendo?”), estabelecer limites saudáveis com seus pais e sogros em nome
dos seus filhos fará com que as visitas sejam mais descontraídas e
agradáveis.

OUTROS PARENTES: Esteja você pedindo à tia Mary que pare de falar de
política durante o almoço ou dizendo ao seu irmão mais novo para tirar
o pé do seu sofá, estabelecer limites para outros parentes pode ter efeitos
positivos que reverberam em toda a família – mas que no início podem
provocar algumas ondas de choque. Lembre que “clareza é gentileza” e, o
mais importante, que os limites não são egoístas, uma vez que melhoram
toda a dinâmica da sua família. Além disso, é fundamental ter paciência
sempre que você quiser mudar padrões passados de geração em geração.
Isso pode não acontecer da noite para o dia. Mas, com persistência, as
coisas vão mudar, sim.

SOGROS COM MAU COMPORTAMENTO

Recentemente pedi que as pessoas da minha comunidade contassem


suas “melhores” histórias de sogros que passaram dos limites. Apesar de
a concorrência ser grande, minha predileta foi: “Meus sogros
simplesmente apareceram na nossa casa, sem aviso, quando eu dei à luz.
Tipo no dia seguinte. E anunciaram que ficariam por dez dias.” Você
pode estar pensando: “Não é possível”, mas eu venho dando conselhos
sobre limites há tanto tempo que nada que envolva sogros me
surpreende mais. Eles se convidam para as suas férias, envolvem-se nas
suas brigas conjugais e enchem seus filhos de açúcar e conservantes
mesmo depois de você ter pedido explicitamente que não façam isso.
Ainda que meus roteiros tenham a ver tanto com seus pais quanto
com os pais da pessoa amada, os sogros acrescentam mais uma camada
de complexidade a essa equação. A manipulação e os comportamentos
inconvenientes e passivo-agressivos que você talvez esteja
experimentando com seus sogros provavelmente são familiares demais
para seu par. É provável que seu par tenha passado por isso desde a
infância. E é superprovável que tenha simplesmente aprendido a conviver
com essas exigências pouco razoáveis ou com a falta de limites.
Até que você apareceu.
Se é você que está pleiteando a mudança de comportamento, saiba
que terá que se desviar de inúmeras minas terrestres. Primeiro, você
corre o risco de virar o vilão ou a vilã da história. Seus sogros podem
considerar que você está criando problema, perturbando a paz,
metendo-se na família deles e retirando privilégios aos quais eles estão
acostumados há décadas. Em resumo, não vão gostar. Segundo, você
pode estar pedindo que seu cônjuge escolha entre suas necessidades e os
sentimentos dos próprios pais, o que é um negócio complicado –
especialmente se os seus sogros reforçam a narrativa de que essa é uma
batalha entre vocês e que há um lado certo a ser escolhido.
O seu par só quer manter a paz e está fazendo o máximo para
apaziguar todos os lados. Você só quer que seus limites perfeitamente
razoáveis sejam respeitados. E os seus sogros provavelmente só querem
manipular o filho ou a filha para obter o que desejam... a não ser que
todos concordem em tudo. E, quando se trata de sogros, tenho um
mandamento geral que chamo carinhosamente de “A Regra dos Sogros”:

Trabalhem em equipe, mas cada um que lide com


os próprios pais.

Mesmo que a ideia tenha partido de você, o limite será mais bem
implementado se o casal estiver de acordo sobre isso. Portanto é trabalho
do seu par conversar com os próprios pais em nome de vocês dois. Não é
preciso revelar que a ideia foi sua. Falar “Bom, Taylor gostaria...” é tirar o
corpo fora e enfraquecer imediatamente o argumento coletivo. Seu par
precisa apresentar esse limite aos pais de modo a mostrar que essas
preferências são do casal. Se os dois não estiverem de acordo, você não
terá chance nenhuma de estabelecer um limite eficaz para sogros
intrometidos.
De preferência, seu par deve falar assim: “Nós estamos pedindo
(inserir o limite). Nós entramos em acordo e gostaríamos que isso fosse
respeitado. Nós vamos impor as seguintes consequências se vocês não
respeitarem nosso limite.” Mas prepare-se para que isso pareça tão
desconfortável para seu par a ponto de você acabar precisando assumir o
controle. Se for o caso, certifique-se de primeiro fazer duas coisas. Um:
confirme o total apoio do seu par em relação a esse limite, mesmo que
seja você a pessoa que vai comunicá-lo. Dois: pergunte até que ponto seu
par vai apoiar você durante a conversa. Se ele ou ela não quiser estar
presente para confirmar que está ao seu lado, ou para dar apoio moral
em silêncio, você pode ficar numa situação complicada. Nesse caso,
haverá mesmo uma batalha e seu par terá que escolher um dos lados, o
que pode lhe parecer um gesto de abandono e traição.

A EXCEÇÃO À REGRA DOS SOGROS


Às vezes, por algum motivo, é melhor que o cônjuge tenha toda a conversa
com os sogros. Se você tem um marido e seus pais respeitam mais a
autoridade masculina, talvez ele devesse estabelecer o limite. (Isso é péssimo,
mas tire algum proveito do sistema, está bem?) Talvez seus sogros respeitem
sua profissão (na área da saúde, por exemplo) ou não queiram contrariar
uma grávida. Use qualquer vantagem que você tenha para alcançar seu
objetivo.

E se vocês não conseguirem concordar quanto ao limite necessário?


Talvez sua esposa goste quando a mãe dela aparece sem avisar, ainda que
isso estresse você. Ou seu marido queira a presença da mãe dele quando
o bebê chegar, mas você precisa de um tempo e silêncio para se conectar
com o recém-nascido. A melhor maneira de começar é conversando
francamente com seu par. Diga como se sente e como esse
comportamento impacta negativamente você e sua família. (Veja meu
truque do “Número Mágico” adiante.) Aqui o desrespeito aos limites
pode prejudicar vários relacionamentos – entre o casal, entre netos e
avós, entre você e seus sogros –, portanto expresse isso com clareza. A
partir dessa conversa, pergunte a seu par se concorda com o limite que
você quer estabelecer.
Se vocês ainda discordarem, encontrem um meio-termo. E, sim,
quase sempre existe um meio-termo. Combinem que se sua sogra
aparecer sem avisar, você não terá obrigação de recebê-la – sua esposa
será responsável por isso. Estabeleça um tempo máximo para seus
sogros ficarem na sua casa após a chegada do bebê, ou se ofereça para
pagar um hotel ou Airbnb próximo para que eles possam estar por perto.
Sejam criativos, porque vocês podem fazer como quiserem (VPFCQ, no
Capítulo 6), mesmo se o arranjo for pouco convencional e inédito na sua
família. Até que você e seu par concordem com o limite que precisa ser
estabelecido, há pouco sentido em conversar sobre isso com qualquer
outra pessoa. Assim, demorem o tempo que for necessário até que
possam apresentar um limite que funcione para o casal como equipe.

O NÚMERO MÁGICO
Durante anos usei esse truque para tomar decisões. Pergunte a si mesmo:
“Numa escala de 1 a 10, quanto eu me incomodo quando minha sogra
aparece sem avisar? O incômodo é 10, tipo irritação máxima; ou é 3, uma
revirada de olhos, mas tudo bem?” Em seguida pergunte a seu par: “Até que
ponto é importante para você que sua mãe tenha a liberdade de aparecer
quando quiser, sem aviso?” Não contem um ao outro a nota que cada um deu
para não serem influenciados. Em seguida, comparem os números. Se o
incômodo para você é 7, mas para seu par é apenas 3, isso ajuda a
estabelecer o limite: sua sogra precisa telefonar avisando, mesmo que seja
com dez minutos de antecedência. Se sua esposa muito grávida quer a
presença da mãe num nível 8 ou 10 quando o bebê nascer, e você quer
apenas um 5 sem ter certeza se isso vai ser útil ou irritante, dê à sua esposa
o que ela necessita para se sentir segura e cuidada. Desde que vocês estejam
comprometidos com a racionalidade, com a franqueza e com o bem-estar do
casal (e não somente com “vencer a discussão”), essa simples ferramenta
pode facilitar muito as conversas sobre limites.

Ainda que boa parte das nuances discutidas aqui sejam


especificamente sobre sogros, tudo isso também se aplica aos seus pais.
(Afinal de contas, seus pais são os sogros do seu par!) Se são os seus pais
que ultrapassam os limites, os textos e os roteiros desta seção ajudarão
você a apoiar seu cônjuge e a entender como lidar melhor com seus
próprios pais.

A GUERRA DOS AVÓS

Como mencionei algumas vezes, ter filhos representa alguns grandes


desafios quando se trata de estabelecer limites para seus pais. Minha
mãe costuma falar sobre como gostava das opiniões da minha avó. Vovó
era solícita e apoiava meus pais sem se intrometer ou passar do ponto.
Sua filosofia era: “Eu fiz meu trabalho como mãe. Agora é a sua vez, e
vou cuidar da minha vida.” Ainda que eu tenha sorte porque meus pais
também seguem (na maioria das vezes) essa filosofia, já precisei
estabelecer alguns limites quando eles se intrometeram na guarda
compartilhada e em outras decisões que tomei para o meu filho.
Olhando as mensagens que recebo, dá para ver que essa é uma situação
pela qual muitas pessoas passam.

“Como posso pedir que meus pais não forcem meus filhos a abraçá-
los?”
“O que posso dizer quando minha mãe tenta disciplinar meus filhos
passando por cima de mim?”
“Meus pais acham que imponho rotinas rígidas demais – mas eu
sou a mãe das crianças.”
“Odeio quando meus pais dão doces para os meus filhos, mesmo
depois de eu pedir que não façam isso.”

Parece que os avós ficam com a melhor parte da criação de uma


criança. Eles podem comprar todos os brinquedos para os netos, dar
todo o açúcar a eles, adiar a hora de ir para a cama e devolvê-los para a
mamãe e o papai quando os pequenos ficam irritados, cansados e
pirracentos. Já ouvi muitos avós dizerem: “Eu tenho todo o direito de
mimar meus netos!” (Isto é, permitir todas as coisas que eles não
permitiam a você quando criança, porque sabiam que isso tumultuaria
sua rotina, sua estabilidade e seu humor.)
Também pode acontecer – especialmente se você for jovem – que
seus pais não vejam você como uma “pessoa adulta totalmente funcional
capaz de criar com sucesso esse ser humano minúsculo”. Para seus pais,
pode parecer quase impossível resistir à tentação de aplicar os próprios
anos de sabedoria e experiência ao modo como você cria seus filhos,
independentemente de quanto eles (provavelmente) odiavam quando os
pais deles faziam isso. Em algumas áreas, as opiniões são bem-vindas:
Sim, mamãe, por favor, conte como você me distraía para longe dos doces
no supermercado. Mas em outras áreas você quer descobrir por conta
própria, assim como eles fizeram.
Além disso, o modo como seus pais criaram você pode ser diferente
de como você quer criar seus filhos. Meus pais eram muito autoritários.
Minha mãe não negociava comigo no meio do supermercado – ou eu
tomava jeito e parava de resmungar ou ela deixava um carrinho cheio de
compras no corredor 7 e arrastava todos nós de volta para casa. (Isso
aconteceu uma vez. Virou lenda.) Se você quer ter um estilo de criação
mais gentil, rejeita firmemente a cultura das dietas ou acredita na
autonomia corporal e no consentimento, a vovó dizer ao seu filho “Você
vai ficar de castigo / Coma mais dois bocados, ou não vai ter sobremesa /
Vem, dá um abraço na vovó” pode parecer tremendamente invasivo e
prejudicial.
O primeiro passo é ter uma conversa geral com a vovó e o vovô,
provavelmente mais de uma vez. Quando meu filho tinha apenas alguns
meses, eu disse à minha mãe: “Há pouco tempo percebi que você
provavelmente também não tinha a menor ideia do que estava fazendo,
não é?” Ela riu e respondeu: “Ninguém tem, Melissa.” Pode ser útil
mostrar que vocês estão no mesmo barco, assim como reconhecer que
seus pais fizeram o melhor possível para criar você. Em seguida, você
pode acrescentar, como eu fiz: “Talvez eu não faça tudo como você fez,
mas não vejo a hora de descobrir como. Se eu quiser conselho ou ajuda,
sei a quem pedir.” (E eu pedi, em especial quando liguei para ela
chorando numa tarde de domingo, encolhida numa banheira vazia,
vestida da cabeça aos pés. Às vezes criar filhos é assim.)
No momento, seus pais podem achar que estão ajudando a aliviar
seu fardo disciplinando ou corrigindo a criação dos seus filhos. Tente
abordar esse comportamento o mais cedo possível, até mesmo enquanto
ele estiver acontecendo. Experimente: “Mãe, quando eu estiver aqui, por
favor deixe que a mãe seja eu. Esse não é mais seu trabalho, portanto
sente-se, relaxe e curta o tempo com seu neto.” Além disso, os avós
podem ter ideias muito diferentes sobre o comportamento “aceitável”
em relação à hora de dormir, de assistir à TV ou de comer. Explicar na
frente do seu filho “Tudo bem, vovó, é assim que a gente faz na nossa
casa” pode ajudá-lo a se sentir seguro, ao mesmo tempo que lembra
gentilmente aos avós que, na sua casa, as regras são suas.

CASA DELES, REGRAS DELES


As coisas podem ficar complicadas quando seus filhos passam algum tempo
na casa dos avós sem você. Eu sempre segui o conceito de “sua casa, suas
regras”, desde que meus pais não queiram fazer nada inerentemente
perigoso ou insalubre para o meu filho. Por exemplo, na nossa casa eu deixo
meu filho sair da cama e brincar às seis e meia da manhã, mas a vovó quer
que ele fique no quarto até as sete – casa deles, regras deles. O mesmo com
relação a não levar jogos para a mesa do café da manhã e não comer no
carro. Mas quando se trata da atração do meu pai por sorvetes, estabeleci
um limite: “Por favor, não dê nenhum laticínio a ele, porque isso provoca
eczema. Arrume outro tipo de guloseima.” Isso é especialmente importante
quando as “regras” da casa deles costumam atrasar seus filhos justo quando
você precisa pegá-los. Ficar acordado até muito tarde, comer montes de
açúcar ou passar muito tempo em frente à TV podem ser situações que
pedem limites, mesmo se acontecerem no território do vovô e da vovó.

No fim das contas, talvez você só precise lembrar aos seus pais que,
apesar de eles discordarem do seu modo de criação, das suas regras ou
das suas práticas, a vida é sua e do seu filho, e agora é hora do rito de
passagem de todos os avós: parar de se envolver e cuidar da própria vida.
Você pode dizer isso de um modo mais gentil, mas só se quiser.

LIMITES E FAVORES EM FAMÍLIA

Eis um conselho-bônus para situações que você provavelmente vai


encontrar: como estabelecer limites com familiares que lhe fizeram um
favor, tipo emprestar dinheiro, oferecer moradia ou arranjar um
emprego para você.
Favores podem ser complicados, pois há pressão e emoção
envolvidas. A pessoa que faz o favor provavelmente quer ajudar (ou se
sente obrigada a isso), mas teme que esse favor mude o relacionamento
com você, ou sente que deve dar ou fazer algo mesmo sem estar
completamente confortável com isso. A pessoa que pede o favor também
teme que o pedido seja negado – ou que seja concedido sob condições
(explícitas ou não) que não compensem o benefício. Favores podem ser
feitos num ambiente saudável, em que não haverá exigências nem
manipulações, mas com frequência eles se tornam tóxicos,
acompanhados por custos, dívidas e ameaças – e os limites deixam de se
aplicar a esses casos, porque “você me deve”. Sim, você sente gratidão.
Sim, seu parente quebrou um tremendo galho. Mas esse favor dá a ele
carta branca para se intrometer em qualquer área da sua vida? Claro que
não. Só que dizer isso é difícil.
De preferência, especifique tudo antes de fazer o acordo. Pense do
seguinte modo: se uma pessoa da família está disposta a fazer um grande
favor a você, provavelmente é porque ela gosta de você e quer ajudar.
Isso é uma prova de que ela deseja fortalecer a relação colaborando no
que for possível. Em troca, você pode fazer sua parte para manter o
relacionamento saudável estabelecendo expectativas claras e mantendo
os seus limites depois que o favor tiver sido feito. Pergunte com
antecedência: “Posso fazer alguma coisa para você em troca desse
favor?”, ou “Se eu tiver uma opinião diferente sobre como agir a partir de
agora, está tudo bem ou prefere que antes eu converse com você?”. Além
disso, você pode falar bem diretamente: “Agradeço demais sua oferta,
mas só vou aceitar se não houver nenhuma expectativa da sua parte,
para evitar ressentimentos. Você se sente confortável de verdade em me
fazer esse favor, sem ressalvas? Pense bem nisso. Para mim, nosso
relacionamento vem em primeiro lugar.”
Além disso, é importante falar com clareza. Não é hora de fazer
rodeios ou suposições. Se você só vai aceitar o dinheiro para o
casamento se puder planejá-lo 100% do seu modo, expresse exatamente
isso, ou diga o que se dispõe a negociar. Se você adoraria receber a ajuda
da pessoa, mas não, não pode guardar o trailer dela na sua garagem, diga
isso. Quanto mais você puder ter essas conversas antes de o favor ser
feito, mais fácil será decidir se o favor vale a pena, atender às
expectativas de ambas as partes e estabelecer um limite, se necessário.
Se o favor já tiver sido feito, sim, você ainda pode estabelecer limites,
especialmente se o relacionamento estiver sendo prejudicado. Se você
está quitando aos poucos o empréstimo, deixe claro que a sua parte é
pagar essas prestações – e isso não inclui dar acesso irrestrito à casa que
você comprou com o dinheiro emprestado. Se as condições eram
implícitas ou só apareceram depois, tenha uma conversa para esclarecer
tudo. “Agradecemos sua ajuda com o casamento, mas parece que quanto
mais nos aproximamos da data, mais vocês querem se envolver nos
preparativos. Não sabíamos ao certo quais seriam suas expectativas
quando vocês se ofereceram para ajudar, então vamos conversar sobre
isso agora.”

PREPARE-SE PARA A REAÇÃO CONTRÁRIA


Quando você tenta conversar sobre limites com alguém que lhe fez ou está
lhe fazendo um favor, há uma boa chance de essa pessoa tentar fazer com
que você se sinta culpado. Ela pode achar que você é uma pessoa ingrata,
egoísta ou que abusa da boa vontade dos outros. Por favor, lembre-se: a
reação das outras pessoas ao seu limite claro e gentil não é problema seu. Se
você agradeceu o favor, retribuiu conforme o combinado e acredita que a
pessoa está fazendo cobranças com as quais você jamais concordaria,
estabeleça um limite. Na melhor das hipóteses, ela entenderá que passou do
ponto e isso não voltará a acontecer. Na hipótese mais provável, ela
reclamará um pouco, mas acabará cedendo – e talvez fique complicado
manter o clima amistoso durante um tempo. Na pior das hipóteses, ela ficará
furiosa com o seu egoísmo, cortará relações com você (provavelmente por um
tempo) e você jamais poderá contar com ela para outro favor (não que você
fosse querer isso). Só você sabe até que ponto vale a pena bater de frente
com essa pessoa em nome da sua saúde mental e da relação entre vocês.

Em último caso, se as exigências implícitas estiverem tornando quase


impossível estabelecer limites saudáveis, avalie o que você poderia fazer
para se livrar do favor. Você poderia tomar um empréstimo bancário
para quitar logo a dívida com seus pais? Poderia arcar com todos os
custos do seu casamento para realizá-lo exatamente como você quer,
mesmo que com isso ele acabe sendo menos extravagante? Se o favor
aconteceu anos atrás, mas a pessoa ainda leva você a sentir que deve
alguma coisa, você poderia estabelecer um limite sobre esse assunto?
“Sim, eu lembro que você bancou meu último ano de faculdade para eu
não ter que trabalhar. Sempre valorizei isso. Mas parece que nada que eu
fiz nos últimos anos foi suficiente para agradecer, e o fato de você
sempre tocar nesse assunto, como se eu estivesse em dívida eterna, está
prejudicando nosso relacionamento. Você ainda espera alguma coisa de
mim? Se não, eu me recuso a me sentir em débito com você.”

DICAS PARA COMEÇAR

Voltemos ao caso de Caleb, cujos pais divorciados vivem brigando. Ele


precisava estabelecer um limite para os dois, mas, no passado, dizer
coisas como “Mamãe, por favor, não quero ouvir isso” não o levou a
lugar nenhum. Nas nossas conversas eu lembrei a ele que os padrões
antigos demoram a ser rompidos, e que seria fundamental declarar o
limite com mais clareza ainda, repetindo-o de acordo com a necessidade
e fazendo valer as consequências.
Você vai encontrar os roteiros que apresentei a Caleb, um pouco
mais adiante em ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA
PAIS E SOGROS. Eles contam com repetições, alertas de limites e
consequências adequadas que Caleb poderia implementar caso seu
limite continuasse sendo desrespeitado. Caleb testou isso no Dia de Ação
de Graças, e, apesar de saberem que uma única conversa séria não
resolverá o problema, agora ele e a esposa têm roteiros e diretrizes para
evitar que sejam para-raios emocionais.
Serei sincera com você, como fui com Caleb. Você pode achar mais
difícil estabelecer um limite para alguém da família do que para
qualquer outra pessoa, especialmente se for alguém que você ama. Você
quer ajudar essa pessoa, deixá-la confortável e manter a paz. Mas se no
passado seus familiares não esbarraram em limites, provavelmente a
dinâmica da sua família não está aberta a isso ainda hoje. Ou seja,
prepare-se para estes possíveis efeitos colaterais: parentes se bandeando
para o seu lado ou excluindo você; culpa e ansiedade; tensão familiar;
vontade de evitar pessoas ou eventos da família... E você ainda pode
ganhar o rótulo de “pessoa difícil” (ou coisa pior).
A boa notícia é que eu tenho muitos exemplos de conversas e
práticas para ajudar você e sua família a alcançarem limites claros e
saudáveis que beneficiem a todos, mesmo que seus familiares ainda não
enxerguem isso.

SAIBA O QUE VOCÊ QUER. Vou enfatizar de novo: a não ser que dedique
algum tempo a determinar onde estão seus limites e o que realmente
deseja, você não poderá estabelecer um limite eficaz. Você sabe que
visitar quatro casas diferentes nas datas festivas deixa qualquer um
louco... mas o que você se dispõe a fazer e como realmente quer que seja
o seu feriado? Primeiro tenha clareza disso (com seu companheiro ou
companheira e com seus filhos, se for o caso) antes de tentar estabelecer
um limite para outras pessoas.

COMECE DEVAGAR. Você não precisa começar com o maior limite, o mais
complicado, o que tem mais chances de mudar a dinâmica da família.
Treine com algo menos intimidante, obtenha uma pequena vitória e vá
ganhando confiança para finalmente ter aquela conversa do tipo: “Por
favor, não atravesse o país inteiro de avião sem antes avisar que está
vindo.”

ESCOLHA O MOMENTO CERTO. Tenha essas conversas num momento


pacífico, de preferência antes que o problema previsto aconteça.
Portanto, converse antes do nascimento do bebê, antes que os parentes
apareçam sem avisar, antes dos feriados e antes de você contar seus
planos para as férias.

PREPARE-SE PARA REAFIRMAR O LIMITE. Com relacionamentos tão


duradouros como os de família, é improvável que uma única conversa dê
resultado. Se você estiver falando sobre padrões de comportamento
muito entranhados, prepare-se para reafirmar seu limite de novo e de
novo, de modo consistente. Presuma que as pessoas da sua família
querem ser respeitosas, mas que elas precisam de tempo para se adaptar
a essa nova dinâmica.

PRIORIZE OS SEUS SENTIMENTOS. Quando não estabelece limite algum,


você basicamente está dizendo aos seus familiares: “Seus sentimentos
são mais importantes do que os meus.” Não é egoísmo priorizar sua
saúde e sua felicidade. Reflita: “Quero mesmo me sacrificar só para
deixar outra pessoa confortável?” Se a resposta for “Não”, estabeleça o
limite e pronto.

RECUSE A CULPA OU O JULGAMENTO. Dê espaço a seus familiares para


processarem seu pedido e conversarem sobre isso, mas não para
tentarem mudar sua opinião. Não deixe que eles levem você a acreditar
que foi você quem estragou o Natal. Se o seu limite for claro, gentil e
planejado para melhorar o relacionamento, eventuais chiliques não serão
problema seu. Pense em você como uma pessoa desbravadora, mudando
a dinâmica disfuncional da família para as futuras gerações! Pode não
ser fácil, mas valerá a pena.

SAIBA QUE LOGO FICARÁ MAIS FÁCIL. Na maioria dos casos, estabelecer os
primeiros limites parece incômodo ou desconfortável. Porém, mais cedo
do que você imagina, isso simplesmente se torna algo natural para todos
os envolvidos. Se você conseguir superar o desconforto inicial, pode
descobrir que daí em diante tudo fica muito mais fácil.

Estabelecer limites para familiares terá um impacto incrível sobre


sua energia, sua saúde mental, seu tempo e seu espaço físico. Além do
mais, se você inspirar outras pessoas da família a fazerem o mesmo, o
convívio entre vocês será muito mais tranquilo, feliz e reconfortante.
Você pode fazer isso! Vou ajudar você a encontrar as palavras certas.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA PAIS E


SOGROS

Como mencionei, estabelecer limites para pais e sogros tem


complexidades próprias, como convencer seu par a defender essa ideia
ao seu lado. Mas o esforço vale a pena. É provável que, no início, seus
pais ou sogros sejam uma pedra (grande ou pequena) no sapato. O seu
cônjuge diz: “Eles são assim mesmo, não conseguem mudar.” (Enquanto
isso você pensa: “Eles querem mais é que você acredite nisso...”)
Estabelecer limites pode fazer uma enorme diferença no relacionamento
de vocês, permitindo que todos convivam em paz sem que ninguém
precise escolher um dos lados, e abrindo espaço para visitas livres de
ansiedade, pressão e ressentimento.

Meus pais são divorciados há muito tempo, mas continuam a fofocar e falar mal
um do outro quando estou perto. Até me arrastam para isso, tentando me
obrigar a escolher um lado. Eu amo os dois e não quero participar dessas
brigas. Como posso estabelecer um limite para isso?

VERDE:“Mãe, por favor, não fale mal do meu pai na minha frente. Eu
amo vocês dois e não quero ouvir isso.” E mude de assunto.
AMARELO: “Olha, mãe, eu pedi que você não fale mal do meu pai na
minha frente. Por favor, pare.” Repita, se necessário.
VERMELHO: “Para, mãe. Não vou escutar isso. Depois nos falamos.” E
vá dar uma volta ou saia do cômodo.

Esses são roteiros simples que passei para Caleb durante nossas
conversas sobre limites. Lembre-se: você não pode obrigar seus pais a
sentir ou fazer alguma coisa. Digo isso para o caso de você já ter feito
pedidos centrados na mudança de comportamento deles, como “Mãe,
supere isso”, ou “Pai, você precisa parar de sentir raiva”. Seu limite tem
que ser centrado em você: neste caso, no seu desejo de não fazer parte
das intrigas. Digo isso com amor, como filha que sou de pais
divorciados.

Meus sogros aparecem o tempo todo na nossa casa sem avisar. Pedi que eles
ligassem primeiro, mas eles continuam dando “um pulinho” aqui porque já
estavam “na vizinhança”. Isso pode atrapalhar, especialmente num fim de
semana movimentado, mas não sei como deixar claro que realmente queremos
que eles telefonem primeiro.

VERDE: (para seu cônjuge dizer a eles) “Sarah e eu conversamos, e nós


realmente queremos que vocês telefonem antes de vir aqui.
Atrapalha demais quando vocês simplesmente aparecem, e isso já
está causando estresse entre nós. Telefonem primeiro para saber se
estamos livres.”
AMARELO: (quando eles chegarem à porta) “Ah, vocês não
telefonaram antes e esta não é uma boa hora. As crianças estão
fazendo o dever de casa e Sarah está trabalhando. Mais tarde ligamos
para vocês.”
VERMELHO: Não atendam à porta.

Talvez vocês precisem ser ainda mais claros no Verde, tipo: “Telefonem
primeiro para saber se estamos livres – não quando já estiverem na
porta.” Além disso, vocês podem ter que usar a consequência uma ou
duas vezes antes de eles entenderem. Não atender à porta pode parecer
rude demais; no entanto, se vocês estão assistindo a um filme em
família, fazendo algum trabalho ou dever de casa ou se preparando
para sair, as exigências dos seus sogros não são mais importantes do
que os planos da sua família. Pegar o telefone e ligar não é difícil.

Meus pais vão à igreja todo domingo. Eu parei de ir quando era adolescente, e
meu marido não é religioso. Quando nós os visitamos, somos sempre
pressionados para ir com eles. Como posso recusar esse convite de um modo
respeitoso?

VERDE: (antes da próxima visita) “Estamos empolgados com esta


visita, mas não vamos à igreja com vocês. Prefiro esclarecer isso
agora, para vocês não terem que pedir de novo no próximo fim de
semana. Vamos ficar em casa e fazer o café da manhã para quando
você e mamãe voltarem.”
AMARELO: “Nós já discutimos isso: não queremos ir à igreja, e, por
favor, não pressionem. A igreja não é para nós e gostaríamos que
vocês respeitassem isso.”
VERMELHO: “Se vocês não respeitarem nossa decisão de não ir à
igreja, vamos voltar para casa agora mesmo.”

Pessoalmente já vi essa discussão se tornar um entrave para as


famílias, e as visitas acabam sendo evitadas porque os pais não
respeitam a decisão. Você pode tornar esse limite automático fazendo
visitas nos dias de semana (quando não houver eventos na igreja),
marcando seu voo de volta para casa no sábado ou fazendo outros
planos para a manhã de domingo, indo embora cedo e evitando
totalmente o assunto.

TORNE SEUS LIMITES AUTOMÁTICOS


Não é uma atitude ardilosa ou manipuladora exercer limites simplesmente
eliminando a situação estressante. Para mim, essa pode ser a solução mais
útil! Se os seus pais sabem que vocês vão embora no sábado, podem se
sentir aliviados porque não precisarão ver vocês se recusando a ir à igreja de
novo. E vocês podem curtir o tempo com eles, sabendo que essa pressão
específica não acontecerá. É uma alternativa estratégica, mas ainda assim
gentil, para estabelecer seus limites.

Meus pais acabam de me informar que pretendem se hospedar aqui em casa


assim que o bebê nascer, para “ajudar”. Adoraríamos que eles nos visitassem,
mas só depois de termos alguns dias a sós para ajeitarmos as coisas. Como
devo lidar com isso?

VERDE: “Não vemos a hora de vocês conhecerem o bebê, mas


também queremos passar pelo menos uma semana em casa sozinhos
antes de receber visita. Vamos falar sobre isso depois que o bebê
chegar.”
AMARELO: “Não estamos aceitando visitas agora, nem do vovô e da
vovó. Precisamos desse tempo sozinhos, em família, e gostaríamos
que vocês respeitassem isso.”
VERMELHO: “Se vocês insistirem em pegar o avião antes de fazermos
o convite, nossa relação vai ficar abalada – e de qualquer modo vocês
não verão o bebê. Não façam isso com a gente.”

Estou usando “pelo menos uma semana” na resposta Verde porque


vocês podem precisar de mais tempo a sós em casa, ou, ainda, mudar
de ideia. Nesse caso, bastará dizer: “Mãe, eu estava errada, nós
gostaríamos mesmo da sua ajuda.” Se ainda assim seus pais pegarem o
avião antes de vocês estarem preparados... espero que eles curtam o
hotel e os passeios turísticos.

Meus sogros vivem se convidando para nossas férias de família. Há dois anos
deixamos eles irem conosco num cruzeiro, e isso complicou tanto as coisas que
o passeio não foi divertido para nenhum de nós. Estamos planejando nossa
próxima viagem e eu gostaria de me antecipar a esse problema. Como posso
dizer com gentileza “Vocês não foram convidados”?

VERDE: “Ah, marcamos nossa próxima viagem! Vamos passar uma


semana no México em janeiro. Dessa vez vamos só nós dois e as
crianças, e elas estão realmente empolgadas.”
AMARELO: “Não, dessa vez vocês não podem ir com a gente.
Queremos dar mais atenção às crianças e prometemos que iríamos
só nós quatro.”
VERMELHO: “Dessa vez não vamos levar vocês. Está decidido.”

Já ouvi histórias de sogros ou pais que simplesmente apareceram na


praia, na montanha ou no hotel onde os filhos estavam de férias para
“fazer uma surpresa”, e isso é LOUCURA. Se essa possibilidade existir,
revele pouco sobre os seus planos. Você pode dizer: “Mais tarde a gente
conta os detalhes”, ou “Queremos que a viagem seja uma surpresa para
as crianças, por isso não estamos contando a ninguém”. Se eles não
souberem para onde vocês estão indo, não poderão simplesmente
aparecer. (Esse aí é um limite nível Roxo.)

Meus pais e meus sogros são divorciados, e as quatro famílias esperam que a
gente esteja presente no Natal. É uma correria tremenda, e acabamos sem
tempo para nós mesmos. É demais, mas não queremos desapontar ninguém.

VERDE: “Vamos tentar ver cada um de vocês no Natal, mas só vamos


ficar uma hora, mais ou menos. Queremos passar a noite em casa,
relaxando em família.”
AMARELO: “Este ano adoraríamos dar uma passadinha aí na véspera
do Natal (ou no fim de semana seguinte) e estender a comemoração.
Decidimos não fazer nada no Natal. Vamos ficar em casa relaxando.”
VERMELHO: “Este ano decidimos passar o Natal em casa. Vamos falar
com vocês por chamada de vídeo depois de abrirmos os presentes.”
A primeira parte da discussão deve acontecer na sua casa, só entre
vocês: “E aí, gente, o que vamos fazer no Natal?” Assim que isso estiver
decidido, vocês podem comunicar ao restante da família. Aqui não
existe resposta certa, mas tenha em mente que agora vocês são adultos
e podem decidir passar as datas festivas como quiserem.

CEIA COM SABOR DE CULPA


Às vezes o limite que você quer estabelecer não tem a ver com a viagem ou o
dia festivo em si – mas com o modo como vocês são tratados durante a
visita. Se vocês querem passar algum tempo em várias casas, mas são
levados a sentir culpa sempre que deixam uma família para visitar outra,
esse é o limite de que precisam. Você pode dizer algo do tipo: “Ei, mãe,
adoraríamos passar um tempinho com vocês e com a família do John no
Natal, mas não é legal quando vocês deixam a gente com sentimento de
culpa na hora de ir embora. Isso não é justo com a gente nem com meus
sogros. Por favor, não façam isso este ano.” Esse é outro motivo pelo qual é
tão importante discutir antecipadamente o que vocês querem fazer. Sua
família pode ter uma vaga ideia de que visitar todo mundo no Natal é
estressante, mas quando você realmente pensa a respeito, descobre que o
que estressa todo mundo não é a viagem ou a ida de uma casa a outra, mas
a conversa durante o jantar, a chantagem emocional ou a pressão para ficar
e comer só mais um pouquinho. Agora você sabe onde estabelecer um limite.

Meu pai nos emprestou dinheiro para comprarmos nossa casa. Estamos
quitando o empréstimo aos poucos, mas até lá ele parece achar que tem o
direito de visitar a gente sem avisar. Eu e minha esposa fizemos uma cópia da
chave para ele, para usar numa emergência, mas ele entra e fica por horas e
horas, muitas vezes se convidando para o jantar. Eu me sinto culpado, mas o
acordo não foi esse. Será que posso dizer alguma coisa?

VERDE: (entre uma visita e outra) “Pai, agradeço muito o favor que
você nos fez, mas precisamos estabelecer algum limite para as suas
visitas. Se quiser dar uma passada aqui, deve ligar antes. Se
estivermos trabalhando ou quisermos sair sozinhos, você precisa
respeitar nosso tempo. E, se quiser ficar para o jantar, deve perguntar
primeiro. Se pudermos recebê-lo, tudo bem, mas nem sempre isso
será possível, e gostaríamos que entendesse.”
AMARELO: “Pai, queremos nossa chave de volta, por favor. Pedimos
que você ligasse antes de vir, e você não está respeitando isso.”
VERMELHO: Avise a ele que vocês trocaram a fechadura para
preservar a privacidade do casal, e lembre a ele de novo que se ele
não telefonar antes de aparecer, vocês se reservam o direito de não
atender à porta.

Emprestar dinheiro não dá ao seu pai o direito de entrar na sua casa e


fazer o que quiser. Se possível, quite a dívida antes do combinado. É
uma pena quando alguém faz um favor que acaba exigindo de nós
enormes concessões, mas, sempre que uma pessoa mostrar a você quem
ela é, acredite. E levante todas as barreiras necessárias.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA OS AVÓS


DOS SEUS FILHOS

É importante estabelecer limites para os avós dos seus filhos sobre como
você quer criá-los. Você provavelmente tem expectativas sobre como
quer que seus pais se relacionem com as crianças (especialmente quando
você não estiver por perto), e tudo bem. Passar por cima de você,
contradizer suas regras, compartilhar valores que não estejam alinhados
com os seus e permitir ou reprimir comportamentos que você não
permitiria ou reprimiria podem deixar seus filhos confusos, além de
criar um ambiente estressante e tenso para todos.
Limites saudáveis para o vovô e a vovó não visam controlar ou
restringir – são um presente! Com esses limites você está permitindo
que seus pais vivam o melhor da condição de avós. Eles podem visitar os
netos sem a responsabilidade de criá-los ou discipliná-los, e terão a
oportunidade de estar com eles na melhor situação possível: felizes,
relaxados e apreciando o tempo especial que passam juntos. Seus filhos
gostarão de uma visita descontraída, sabendo que ainda poderão contar
com a estabilidade das rotinas e das regras. E você ficará mais feliz e
mais à vontade sabendo que seus filhos estão sendo cuidados de um
modo que combina com seus valores e seu jeito de criar. Imagine quão
leve você se sentiria se pudesse mandar seus filhos para a casa dos avós
sem esperar nenhum conflito. Os limites são o caminho.

Meus pais tentam estabelecer regras na minha casa, mesmo quando estou lá.
Dizem aos meus filhos que eles precisam lavar a louça quando eu já os liberei,
ou pedem que desliguem o tablet no momento em que eles têm permissão para
usá-lo. Como posso pedir que eles não passem por cima de mim?

VERDE: (longe das crianças) “Se meus filhos estiverem com vocês e eu
não estiver perto, eles obviamente devem seguir suas regras. Mas
quando eu estiver aqui, por favor, deixem que eu tome as decisões. É
confuso quando vocês me contradizem.”
AMARELO: “Mãe, eu disse que as crianças podem ficar uma hora com
o tablet. Por favor, não contradiga minhas decisões.”
VERMELHO: “Não, vovó, eu já disse que ele não precisa fazer isso.
Casey, pode ir brincar, querido.”

Talvez você precise repetir alguma versão do limite Vermelho algumas


vezes antes de eles pararem com o hábito de interferir na criação dos
seus filhos. Além disso, você pode chamar as crianças num canto e
dizer: “Sei que é difícil quando eu digo uma coisa e a vovó diz outra.
Eu lembrei a ela que se eu estiver aqui, sou eu que mando. Assim, se
vocês ficarem confusos com alguma coisa que ela disser, venham me
perguntar.”

Meu filho tem eczema provocado por laticínios e glúten. Eu disse várias vezes
aos meus pais para não dar esse tipo de alimento a ele, mas sempre que vou
pegá-lo ele diz que o vovô lhe deu sorvete ou biscoitos. Como posso explicar
que esse pedido precisa ser levado a sério?

VERDE: “Quando deixo o Hunter com vocês, preciso acreditar que


vocês respeitam minha vontade. Por favor, não deem a ele nada que
tenha lactose ou glúten – nem que seja só um biscoitinho. Eu posso
mandar guloseimas que ele pode comer, ou compartilhar receitas
para vocês prepararem juntos.”
AMARELO: “Pai, já pedi várias vezes que você não dê sorvete ao
Hunter. Se não consegue respeitar isso, não poderei deixá-lo com
vocês de novo.”
VERMELHO: “Não vou mais deixar o Hunter passar a noite aí, mas
vocês podem vir fazer uma visita.”

Você não precisa de um motivo médico para fazer um pedido assim. Se


prefere que seu filho tenha uma dieta com baixo teor de açúcar, que ele
não beba refrigerante nem coma fast-food, qualquer pessoa que esteja
cuidando dele deve respeitar isso. Neste caso, o limite Vermelho é a
consequência: seu filho não poderá mais visitar os avós sem
supervisão.

O VILÃO DA HISTÓRIA
E quando a outra pessoa faz de você o vilão da história aos olhos dos seus
filhos? “O vovô queria te dar sorvete, mas a mamãe não deixa” é um modo
imaturo e manipulativo de reagir a um limite – mas isso acontece. Nesse caso,
reaja rapidamente na frente das crianças: “Vovô, pare de implicar com a
gente, isso não é legal. Sabemos que sorvete provoca coceira no Hunter; a
culpa não é dele.” E então, longe das crianças, estabeleça imediatamente
mais um limite para o vovô: “Não é legal você manipular o Hunter assim. Se
continuar reagindo aos meus pedidos desse jeito infantil, vou pedir que você
volte para sua casa / vamos embora agora mesmo.”
Minha filha de 4 anos não gosta de abraços, mas a avó dela insiste em ganhar
um abraço e um beijo sempre que nos visita, muitas vezes obrigando a menina
a obedecer. Estou ensinando aos meus filhos sobre consentimento, e quero que
as pessoas respeitem quando minha filha disser “não”. Alguma dica?

VERDE: (antes da visita) “Fran, sei que é difícil se despedir sem um


abraço e um beijo, mas estamos ensinando à Jenna sobre
consentimento, e se ela não quiser abraçar, peço que você não a
obrigue.”
AMARELO: (quando estiver acontecendo) “Ah, lembra? A gente não
obriga a Jenna a abraçar se ela não quiser. Jenna, quer dar
tchauzinho ou um ‘toca aqui’ na vovó?”
VERMELHO: “Fran, hoje a Jenna não quer abraçar. [Pegue sua filha se
ela quiser ficar no colo ou simplesmente pare ao lado dela.] Jenna, dá
tchau pra vovó. Tchau!”

Algumas pessoas vão afirmar que crianças bem-educadas dão beijos e


abraços nos adultos. NÃO. Um aceno amistoso ou um “Tchau, vovó” é
perfeitamente educado – mas talvez você precise dizer isso. Eu entendo
o lado de um avô ou uma avó que só queira dar carinho aos netos –
mas isso não interfere no direito do meu filho à autonomia corporal.
Ofereço as opções ao meu filho com antecedência, tipo: “Quando a tia
Kelly for embora, você pode dar um beijo nela, um abraço, dar um
‘toca aqui’ com a mão, o punho ou o cotovelo, fazer uma cara
engraçada ou só acenar mesmo.”

Meu filho adolescente acaba de se assumir trans para nossa família. A maior
parte das pessoas tem demonstrado apoio, mas meus pais ainda usam o nome
e os pronomes antigos. Quando os corrijo, eles dizem que vão demorar para “se
acostumar com isso”. Como posso ajudar meu garoto?

VERDE: “O seu neto pediu que vocês o chamem de David, e ele


merece respeito. Acredito que essa é uma mudança que vocês podem
entender e implementar imediatamente, pelo bem dele.”
AMARELO: “Não, mãe, ELE tirou 10 na prova de matemática. Sei que
vocês podem escorregar nos pronomes de vez em quando, mas
espero que se corrijam na mesma hora. Do contrário, estarão sendo
desrespeitosos. É preciso que se esforcem mais, porque isso está
prejudicando minha relação com vocês.”
VERMELHO: “Não vou permitir que o comportamento de vocês cause
mais mal ao David. Se não usarem o nome e os pronomes corretos,
vou ter que restringir o contato entre vocês até conseguirem fazer
isso.”

Se for necessário proteger seu filho de outros familiares, faça isso, por
favor, não importa quem sejam essas pessoas. Diga que só poderão se
comunicar com ele por e-mail (que você vai filtrar), ou não permita
nenhum contato até que eles se comprometam a demonstrar respeito
pela identidade do seu filho.

NÃO É JON, É JONATHAN


Quando eu era adolescente, tive um amigo chamado Jonathan – e se você o
chamasse de Jon, a mãe dele intervinha na mesma hora, muito séria. Se seu
filho ou sua filha tem um nome ou apelido preferido, é perfeitamente
aceitável exigir que as pessoas da família respeitem essa preferência. Corrija
as pessoas em tempo real se elas não acertarem. O mesmo vale para um
apelido do qual seu filho não goste. Meu pai começou a chamar meu filho de
“Cabeça de Abóbora”, e depois de um ano meu filho parou de achar aquilo
engraçado. Ele pediu que o vovô parasse, mas, como tinha apenas 5 anos,
esse pedido não foi levado a sério. Meu pai só fez o esforço de parar quando
eu disse: “Ei, agora esse apelido aborrece o garoto. Não sei por que, mas
vamos parar com isso.” (Detalhe: agora meu filho adora o apelido e costuma
assinar os cartões para os avós com “Amo vocês, Cabeça de Abóbora”. Como
eu disse, os limites devem ser flexíveis.)
Minha médica recomendou que qualquer pessoa que passe algum tempo com
nossa recém-nascida esteja com vacinas atualizadas para dTpa, gripe e covid-
19. Meus pais não foram vacinados e ficaram aborrecidos porque ainda não os
deixamos visitar a bebê. Como posso reforçar esse limite de modo gentil, porém
firme?

VERDE: “Nossa médica disse que os recém-nascidos são mais


suscetíveis aos vírus. Então, se vocês não estiverem vacinados, vão
ter que esperar seis semanas, até que o sistema imunológico dela
esteja mais forte. Quando vierem visitar, vão ter que usar máscara e
não vão poder beijar a neném. Até lá podemos nos ver por chamadas
de vídeo.”
AMARELO: “Sei que vocês também adoram a neném. Todos nós
precisamos fazer o máximo para protegê-la de vírus e infecções. Se
quiserem nos visitar pessoalmente, estas são as nossas regras.”
VERMELHO: “Por enquanto vocês não podem visitá-la. Vamos avisar
quando puderem e dizer quais são as condições.”

Lembre-se: os limites podem ser flexíveis. Se os seus pais estiverem


dispostos a se encontrar com vocês ao ar livre, usar máscara e respeitar
seus outros pedidos, vocês podem fazer algumas concessões, se
quiserem. Além disso, podem manter esse limite com toda a firmeza
que acharem necessária. Em última instância, vocês são responsáveis
pela saúde e a segurança da bebê, mesmo que isso implique manter a
vovó e o vovô a distância.

RESPONDENDO A ACUSAÇÕES
Ainda que esse limite se destine a manter sua bebê saudável, prepare-se
para uma reação contrária dos seus pais: “Você sempre quis que a gente se
vacinasse, e agora está usando a bebê para nos forçar a isso.” Eles até
podem pensar assim, mas explique que esse limite tem a ver com a saúde da
sua bebê, e que você não está forçando ninguém a nada – a escolha é deles.
Eles podem se vacinar e fazer carinho na bebê ou podem continuar sem
vacina e descobrir outras maneiras de contato, como videochamadas ou
encontros ao ar livre. Garanta aos seus pais que você respeitará a decisão
deles, assim como eles precisam respeitar as decisões que você está
tomando para sua neném.

Decidimos não colocar nenhuma foto da nossa bebê na internet. Pedimos que
as pessoas da família fizessem o mesmo, mas minha mãe ainda posta fotos na
página dela no Facebook. Ela diz: “Quase ninguém me segue e preciso mostrar
minha netinha.” O que podemos fazer?

VERDE: “Mãe, quando você posta coisas que eu pedi que não
postasse, é uma tremenda violação de confiança. Preciso que você
entenda que isso é grave e nos deixa muito inseguros. Você tem duas
opções: ou torna sua página privada e limitada aos parentes e amigos
mais próximos ou para totalmente de postar fotos no Facebook e
passa a enviá-las para os amigos por WhatsApp ou e-mail.”
AMARELO: “Você continuou a postar fotos depois de eu pedir que não
fizesse mais isso. Isso não é legal. Se não consegue respeitar um
pedido tão simples, não vamos mais mandar fotos para você e vamos
excluí-la das nossas redes sociais.” (Lembre a ela as opções do limite
Verde, usando outras palavras.)
VERMELHO: “Não vou mais mandar fotos da neném para você. E você
pode vir visitá-la, mas por favor não tire fotos. Nós somos
responsáveis pela segurança e pela privacidade da nossa filha, e já
deu para perceber que, no seu caso, precisamos ser rigorosos com
isso.” Você pode até mesmo restringir as visitas da sua mãe – se
chegar a esse ponto, é porque o desrespeito ao seu pedido foi mesmo
gigantesco.

Esse foi um limite que estabelecemos assim que nosso filho nasceu, e
felizmente nossos familiares e amigos o respeitaram na mesma hora.
Não consigo imaginar como isso evoluiria para um limite Vermelho,
mas vovôs e vovós nunca deixam de me surpreender. Para aumentar as
chances de sucesso do limite Verde, você pode se oferecer para ajudar
sua mãe a mexer com tecnologia, criando para ela uma página
privada no Facebook, abrindo um grupo no WhatsApp ou instalando
um porta-retratos digital na casa dela, por exemplo.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA OUTROS


PARENTES

Se seus familiares não estão acostumados com limites saudáveis, você


pode ser a primeira pessoa a sacudir esse barco. A má notícia: isso pode
lhe render um bocado de atenção negativa – eles podem rotular você
como “exigente demais”, “arrogante” e certamente “egoísta”. A boa notícia
é que você pode dar início a um movimento geral na família, e pessoas
que antes não conseguiam se impor, por ansiedade ou culpa, poderão
seguir sua liderança e lhe dar apoio! (Sem dúvida, ninguém gosta do
cachorrinho da sua irmã pedindo comida embaixo da mesa de jantar.)
Normalizar os limites saudáveis na família facilita a comunicação,
restabelece a confiança e elimina o ressentimento, e isso beneficia todo
mundo.
A falta de limites, assim como os traumas, costuma ser passada de
geração em geração. Alguém precisa ser a primeira pessoa a romper o
ciclo, e agora você está em condições de comunicar seus limites usando
palavras claras e gentis. Espere alguma reação contrária, claro, mas você
também pode encontrar alguns aliados inesperados. Se ninguém se
apresentar, convide as pessoas para a conversa. A união faz a força, e se
todo mundo pedir à sua irmã que deixe o cachorro em casa, é muito mais
provável que você obtenha sucesso.

Não concordo com alguns parentes quando o tema é política e justiça social.
Quando estamos juntos, eles fazem questão de expressar seus pontos de vista.
Eles têm direito à própria opinião, acho, mas para mim alguns comentários são
inaceitáveis. Será que consigo estabelecer um limite quanto a isso?

VERDE: (antes da visita) “Sei que não concordamos sobre política e


justiça social, então vamos combinar que ninguém vai abordar esses
temas durante a visita. É o único jeito de curtirmos nosso tempo
juntos, e eu quero isso de verdade.”
AMARELO: (quando estiver acontecendo) “Pare com isso, Jeff.
Combinamos que não falaríamos sobre imigração, então, por favor,
vamos mudar de assunto.” E mude de assunto.
VERMELHO: “Se você não parar de falar essas coisas sobre imigração
[ou sexualidade, identidade de gênero, direitos reprodutivos, etc.],
nós vamos embora.”

Sim, você pode estabelecer um limite quanto a isso. Se para você for
importante manter um bom relacionamento com seus parentes e/ou se
for inevitável encontrá-los de vez em quando, estabelecer e manter um
limite saudável é o único modo de evitar que os eventos em família se
transformem em bate-boca.

Minha irmã insiste em levar o cachorro dela a todo lugar, inclusive à nossa casa,
todos os domingos, para o jantar da família. Meu filho é um pouco alérgico e
não queremos ter pelos de cachorro por toda a casa, mas ela teima em afirmar
que o cachorro não pode ficar sozinho. Preciso estabelecer um limite.

VERDE: (antes da visita) “Andie, o cachorro não pode vir com você
esta noite. Você pode deixá-lo na sua casa ou numa área cercada no
nosso quintal, mas não podemos permitir que ele entre em casa. Só
para ficar claro.”
AMARELO: “Puxa, eu pedi que você não trouxesse o cachorro. Você
prefere levá-lo de volta para casa ou deixá-lo ali no quintal?”
VERMELHO: “Se você não quiser deixar o cachorro lá fora, vamos
marcar o jantar para outro dia. Ligo para você amanhã.”

Na verdade, é bastante fácil manter um limite assim. Se ela estiver com


o cachorro, simplesmente não a deixe entrar na sua casa. Basta que
você imponha o limite uma única vez para que ela perceba que você
fala sério e encontre outra solução.

MUDANDO AS REGRAS
Nesse ponto é comum alguém dizer: “Mas antes você não via problema
nisso!” Você deixava o cachorro entrar em casa, deixava que movessem seu
sofá, deixava que visitassem você sem avisar... Estão tentando pintar você
como uma pessoa instável ou hiper-reativa por ter mudado de ideia de
repente. Mas adivinhe só: você pode mudar de ideia! Você pode decidir falar
em vez de guardar rancor! Pode começar a pôr suas necessidades em
primeiro plano! Eis uma boa resposta: “É, eu costumava deixar, mas também
achava ruim. Estou falando agora porque não gosto de me chatear com você,
e aposto que você também não quer que eu me sinta assim. Isso só vai
melhorar nossa relação, e sei que vamos nos entender.”

Minha cunhada tem um antigo hábito de me criticar quando ninguém está por
perto. Ela fala baixinho: “Você parece cansada”, ou “Você tem comido o
suficiente?”. Quando reclamo disso, ela diz que não tenho motivo para ficar na
defensiva, que ela só está “preocupada” comigo. Parece que não consigo me
defender.

VERDE: “Obrigada por se preocupar comigo, mas seus comentários


não ajudam. Talvez você não perceba como eles soam mal, ou talvez
perceba. De qualquer modo, não faça mais isso.”
AMARELO: “Vou ser clara: prefiro não saber o que você está pensando
sobre minha aparência.” E mude de assunto.
VERMELHO: (em voz igualmente baixa) “Pela última vez, sua opinião
sobre minha aparência não é bem-vinda.” Sustente o contato visual e
depois se afaste.

É aqui que manter uma postura fria, calma e contida faz uma enorme
diferença. Estabeleça o seu limite (de preferência, com testemunhas) e
não permita que sua cunhada manipule você. Se ela protestar ou
bancar a vítima, tente um simples “Amanda, não preciso ouvir mais
isso – muda o disco.” E você pode discutir isso com seu par e lhe pedir
apoio. É provável que o comportamento da irmã não lhe cause
nenhuma surpresa.

Meu irmão mais novo vive me pedindo dinheiro emprestado – 20 dólares aqui,
50 dólares ali. Às vezes ele me paga, mas geralmente não. Eu odeio vê-lo em
dificuldades, mas não sou um caixa eletrônico... Como posso estabelecer limites
sem parecer uma pessoa horrível?

VERDE: “Posso arranjar 50 dólares hoje, mas só isso. Este mês não
vou poder ajudar mais.”
AMARELO: “Não posso lhe dar mais nenhum dinheiro, Rob. Posso
ajudar de outro modo?”
VERMELHO: “Não posso lhe emprestar dinheiro, Rob. Sinto que você
está me usando, e isso não é saudável.”

Para evitar esse tipo de conflito, você pode criar com antecedência uma
política de “não emprestar dinheiro a parentes e amigos”
(automatização). Se já estiver fazendo isso, lembre-se de que sua
condição financeira não determina o seu limite. Você pode estar numa
situação suficientemente confortável para dar 20 dólares a alguém e
mesmo assim não precisa fazer isso. Você é quem decide qual é o seu
limite.

POR FALAR EM DINHEIRO


Limites que envolvem dinheiro estão entre os mais desconfortáveis –
geralmente para ambas as partes. Eis o que eu penso: primeiro presumo que
a pessoa não vai me pagar, mesmo que diga que vai. Avalio se quero dar ou
não o dinheiro àquela pessoa, de bom grado. Também não pergunto como
ela vai gastar a quantia, porque não é da minha conta. Assim a questão se
torna: “Eu quero dar este presente a essa pessoa e tudo bem? E posso fazer
isso sem ressentimento?” Se eu não puder responder “Sim” às duas
perguntas, não dou o dinheiro. Se puder, dou o dinheiro e nunca mais
tocamos no assunto. Não espero um agradecimento nem satisfações sobre
como a quantia foi gasta. Só assim posso ajudar às pessoas financeiramente
sem mágoas, raiva ou arrependimento.

Sou mãe de uma criança de 4 anos e não trabalho fora. Minha irmã tem um filho
um ano mais novo e presume que posso servir de babá sempre que ela precisa.
Ela simplesmente aparece com ele e pergunta: “Você se incomoda?”, e no
momento é difícil negar ajuda... mas só porque eu fico em casa, isso não
significa que estou livre! Socorro.

VERDE: (entre uma visita e outra) “Posso cuidar do Ben às vezes, é


claro, mas você não pode aparecer sem avisar nem presumir que
estarei livre. Precisa perguntar antes. Aqui está o contato de três
babás que já me ajudaram e gosto muito delas. Veja se elas podem
ajudar quando eu não estiver livre.”
AMARELO: “Não posso ficar com ele o dia inteiro, mas tenho uma
hora livre. Se for ajudar, você pode trazer o Ben ao meio-dia. Vamos
sair à uma da tarde, então volte antes disso.”
VERMELHO: “Ah, hoje não posso ficar com ele. Já temos muitos
compromissos.”
Um modo de atenuar a questão seria estabelecer um dia da semana
para as crianças brincarem ou para cada uma deixar o filho com a
outra. Se você concordar em tomar conta do Ben toda quinta-feira
durante metade do dia e se sua irmã puder cuidar do seu filho nas
manhãs de sábado enquanto você malha e faz compras, isso pode ser
bom para todo mundo e tornar o limite mais palatável.
Moro num apartamento pequeno num bairro ótimo. Daqui dá para ir a pé a
muitas atrações turísticas. Sempre que alguém da família vem à cidade, espera
ficar comigo. Realmente não tenho espaço, já que converti meu único quarto
extra em home office. Como posso recusar educadamente?

VERDE: (antes da visita) “Que bom que você vem. Aqui estão alguns
hotéis e Airbnbs em áreas incríveis da cidade, e eu adoraria me
encontrar com você para almoçar ou jantar um dia – diga o que acha
melhor para você.”
AMARELO: “Meu apartamento é muito pequeno e não tenho espaço
para hóspedes. Quer que eu ajude você a encontrar um hotel ou
Airbnb?”
VERMELHO: “Ficar aqui não é uma opção. Avise se quiser que eu
ajude você a encontrar um local adequado.”

Uma coisa a não fazer aqui é citar o conforto da pessoa como


justificativa. Dizer “Ah, eu mal tenho espaço para um colchão inflável,
você não vai ficar confortável” abre espaço para “Eu dormiria muito
bem no sofá, só preciso mesmo de um lugar para passar a noite”. Seu
limite é sobre você, não sobre a pessoa ou o conforto dela. Deixe claro
que, mesmo que ela esteja disposta a dormir no armário, sua casa
simplesmente não é uma opção.

BÔNUS: ESTABELECENDO LIMITES PARA AS CRIANÇAS

Vamos falar do elefante na sala: sim, você pode estabelecer limites para
seus filhos. Mesmo se eles forem pequenos. Especialmente se eles forem
pequenos! Trate isso como algo natural e os ensine a respeitar os limites
dos outros, e eles não crescerão com os mesmos desafios que você e eu
enfrentamos. Os limites dão segurança às crianças, ensinam que elas
devem ser pacientes e aceitar as consequências, e proporcionam uma
estrutura de autonomia – adequada a cada idade.
Para isso eu convidaria você a trabalhar com um ludoterapeuta,
psicólogo especializado na infância ou educador, porque você precisará
de diferentes estratégias, abordagens e linguagens para diferentes faixas
etárias. (Você não pode racionalizar com seu filhinho de 3 anos do
mesmo modo como faria com sua sogra – ainda que às vezes os dois
falem do mesmo modo.) Aqui vão algumas dicas gerais para trabalhar
com limites em todas as idades.

CRIANÇAS PEQUENAS (2-4 ANOS): Estabeleça limites razoáveis sobre


quando elas podem ter sua atenção, ficar no colo ou pedir coisas. Por
exemplo, quando eu estava ao telefone e meu filho me chamava, eu dizia:
“Estou vendo você, mas estou falando com a vovó agora. Por favor,
espere até eu acabar.” Depois eu sempre o elogiava por ter esperado, e
nas ocasiões seguintes pedia que ele esperasse por períodos maiores, à
medida que aprendia a ter paciência e ia crescendo. Você pode fazer isso
em relação a pegá-los no colo (“Estou segurando as compras agora,
primeiro preciso guardar tudo”) ou dar um brinquedo (“Vou guardar os
pratos e depois pego seu brinquedo”). Além disso, pode criar limites a
favor deles, como permitir que não abracem ou beijem ninguém se não
quiserem, ou não deixar que o irmão arranque um brinquedo da mão
deles.

IDADE PRÉ-ESCOLAR (3-5 ANOS): À medida que meu filho conseguia se


distrair sozinho, comecei a estabelecer limites quanto ao meu horário de
brincar com ele, de acordar e de dormir. Eu dizia: “Preciso trabalhar até
o relógio marcar 16:15, aí posso brincar com você.” Ele sabia que podia
levantar da cama e brincar quando seu relógio acendesse uma luz verde,
mas que só podia ir ao meu quarto depois das 6:23. (Ele negociou
comigo um horário antes das 6:30.) Graças aos limites, consegui que sua
rotina pré-sono, que antes era de 27 abraços, 14 goles de água e 102 “Eu
te amo”, se reduzisse para razoáveis um abraço, um gole de água e um
“Eu te amo”, com um abraço de bônus no final. Garoto, eu te amo, mas
dorme logo.

IDADE ESCOLAR (6-12 ANOS): Agora meu filho está no quinto ano, e entre
os limites para ele estão não assistir à TV de manhã antes de ir para a
escola (porque isso torna a saída de casa estressante para todo mundo);
não entrar no nosso escritório se não tiver permissão (porque isso
invade nossa privacidade); não usar meu telefone sem pedir (idem); e se
eu quiser quinze minutos sozinha para recarregar minhas energias antes
de brincarmos, ele precisa respeitar isso. Por outro lado, ele ficou tão
confortável com os limites que não é incomum que ele próprio estabeleça
um limite para nós. Não temos permissão de ler o diário pessoal dele; ele
se sente confortável em dizer “Não quero um abraço” se não estiver a
fim; pede meia hora para uma chamada de vídeo com amigos antes de
começarmos o dever de casa; e não quer mais que eu lhe diga o que
vestir. Minha condição: desde que esteja limpo e se encaixe no código de
vestimenta da escola, ele pode usar o que quiser. (Algumas escolhas dele
são... digamos, criativas.)

ADOLESCENTES (12-18 ANOS): Os limites podem ser desafiadores à


medida que as crianças crescem e você quer dar a elas mais privacidade,
autonomia e oportunidade de cometer erros ao mesmo tempo que as
mantém em segurança. Os adolescentes mais novos podem ter
permissão para ficar em casa sozinhos, mas não para trazer amigos; ter
as próprias contas em redes sociais, mas apenas se forem privadas; e
viajar com amigos se você conhecer bem os responsáveis. Adolescentes
mais velhos podem ter permissão para pegar o carro emprestado desde
que o devolvam limpo e com meio tanque de gasolina; comprar um
celular novo se ganharem dinheiro suficiente para pagá-lo; e decidir se
comparecem ou não a eventos de família.
Os limites vão variar grandemente dependendo de como você cria
seus filhos, do seu relacionamento com eles e do contexto geral, porém o
mais importante é que eles sejam estabelecidos e comunicados com
clareza e gentileza, e que você reconheça que os limites para seus filhos
são uma via de mão dupla.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Se você chegou até aqui (parabéns!), eis a sua recompensa: permita-me


ilustrar como a dinâmica da sua família poderia ser com a
implementação de limites saudáveis. As visitas seriam mais previsíveis,
porque as regras teriam sido entendidas com clareza. As interações
seriam mais agradáveis, porque determinados assuntos não seriam
abordados. Ressentimento, ansiedade e exaustão seriam coisas do
passado, porque todos vocês entenderiam quais são as expectativas e
necessidades uns dos outros e as possíveis consequências. A
comunicação seria muito mais aberta, porque ninguém teria que
imaginar como você se sente, de que precisa ou como vocês poderiam se
ajudar. Seus filhos ficariam mais relaxados, seus convidados se sentiriam
mais à vontade e vocês poderiam curtir o tempo que passam juntos com
uma estimativa de 82% menos estresse, preocupação ou frustração.
Não parece simplesmente ótimo?
Isso tudo não vai acontecer de uma só vez. Pode exigir paciência,
persistência e a capacidade de não se abalar com pouca coisa. E a
verdade é que alguns relacionamentos talvez precisem mudar para que
esse convívio mais feliz e pacífico possa ser alcançado. Mas tudo isso é
viável com o uso de limites claros e gentis, e agora que você está lendo
este livro tudo ficará mais fácil.
Quando as coisas parecerem assustadoras ou desafiadoras, lembre-se
de que os limites se destinam a melhorar seus relacionamentos e que
alguém precisa dar o primeiro passo rumo a um novo padrão geracional
na sua família. Tenho orgulho de você por ser essa pessoa.
CAPÍTULO 5

Relacionamentos que nós


escolhemos (na maioria
das vezes)
Como estabelecer limites para amigos e vizinhos

O primeiro contato que tive com Lucy foi no inverno. Ela estava
perdendo a paciência com sua amiga Olivia e me escreveu uma série de
mensagens pedindo conselhos. Quando Lucy e Olivia se tornaram
amigas, Olivia estava passando por maus bocados com seu namorado,
com quem tinha um relacionamento ioiô. Lucy era boa ouvinte e
costumava passar horas ao telefone com Olivia, dando conselhos,
oferecendo apoio e um ocasional “Larga esse cara, você consegue coisa
muito melhor”. Mas com o tempo começou a notar certas coisas. Uma
era que Olivia nunca seguia os seus conselhos. Jamais. Por isso as
conversas viviam se repetindo, como no filme Feitiço do tempo, apesar de
Lucy fazer um monte de recomendações (solicitadas) sobre como a
amiga deveria agir. Outra era que toda aquela “amizade” parecia se
basear na disposição de Lucy de continuar ouvindo enquanto Olivia
reclamava. E ela reclamava sobre o trabalho, sobre o relacionamento,
sobre a família – a lamúria não tinha fim. E, para Olivia, a culpa nunca
era dela.
A princípio Lucy presumiu que Olivia estava perturbada e distraída
demais para perguntar sobre o seu dia ou a sua vida. Lucy chegou a
tentar se incluir mais na conversa, dizendo coisas como “Agora vamos
falar de notícia boa”, ou “Adivinha só, acabei de marcar uma viagem com
meus pais!”. Mas Olivia jamais pegava a deixa e às vezes acusava Lucy de
ser insensível por falar de coisas boas enquanto ela, sua amiga, estava
claramente em dificuldades.
Quando li essa parte da história, mandei um único emoji para Lucy:
uma vampirinha. Expliquei: “Você está convivendo com uma vampira
emocional, e se tiver alguma chance de salvar essa amizade – se é que
deseja isso –, precisa estabelecer alguns limites. Imediatamente.”
Neste capítulo vou abordar situações que se encaixam em duas
categorias: amigos e vizinhos. Juntei-as aqui porque pode haver
sobreposição entre elas. Existe um elemento de escolha mútua nos
relacionamentos que você tem com amigos e vizinhos, já que você tem
algum controle sobre como eles aparecem na sua vida. E a diferença
entre eles pode ser tênue se você for morar com amigos ou se fizer
amizade com seus novos vizinhos.
Limites desse tipo podem ser um pouco complicados também.
Relacionamentos costumam mudar com o tempo, e muitas vezes é
preciso ajustar os limites existentes ou estabelecer novos. E nem sempre
é fácil fazer valer as consequências com alguém com quem você assinou
um contrato de aluguel, ou com um vizinho que se comporta mal no
quintal dele. Neste capítulo você vai encontrar roteiros que ajudarão a
construir cercas metafóricas para manter cada um desses
relacionamentos prosperando.

AMIGOS: Vamos falar especificamente de amigos que se aproveitam do


seu tempo, da sua energia, do seu esforço e do seu dinheiro. Eles tomam
sem retribuir, condicionam a amizade, usam você quando precisam ou
simplesmente são incapazes de se mostrar sensíveis, empáticos ou
generosos. Esse pode ser um dos seus maiores drenos de energia, e
aprender a estabelecer limites aqui mudará a sua vida.

VIZINHOS: A última coisa que você quer é se envolver em conflitos ou


confusões com as pessoas que moram ao lado... e que podem ficar ali
pelos próximos dez anos. Há um motivo para as pessoas cercarem suas
propriedades. E construir suas próprias cercas na forma de limites
saudáveis pode criar a estrutura e a distância necessárias para tornar seu
relacionamento forte e feliz.

Em vez de dar conselhos gerais, vou incluir dicas específicas para


cada tipo de relacionamento. Vamos começar com os amigos, já que
aposto que todo mundo se identifica um pouco com a situação de Lucy.

É FÃ OU HATER?

Todos nós já tivemos um amigo ou amiga que reclama da mesma coisa


um milhão de vezes, mas jamais parece fazer algo a respeito. Isso não é
um desabafo – ou seja, uma troca saudável em que a pessoa aborda um
assunto delicado com você, assume a responsabilidade pelos próprios
sentimentos e ações, recebe bem os seus conselhos e expressa gratidão
por você tê-la ouvido e apoiado. Não, isso é despejo emocional, quando a
pessoa joga repetidamente toda a própria bagagem emocional no seu
colo, faz papel de vítima, não segue nenhum conselho nem toma uma
atitude, espera que você aguente os problemas dela e não expressa um
pingo de gratidão ou reciprocidade. Na minha pesquisa, esse é o motivo
número um para as pessoas quererem desesperadamente estabelecer
limites numa amizade.
O despejo emocional é esmagador, exaustivo e frustrante porque a
pessoa que conversa com você não está assumindo a responsabilidade
pelas próprias circunstâncias. Ela pode bancar a vítima em todas as
situações, recusando-se a enxergar como colabora para os próprios
problemas. Pode até parecer que ela se alimenta do sofrimento, mesmo
quando está reclamando dele. E certamente não parece estar fazendo
nada para resolver o problema, apesar de ter pedido o seu conselho e de
poder mudar o rumo das coisas.
Os amigos problemáticos podem assumir muitas formas, mas os
Vampiros Emocionais, como Olivia, merecem uma categoria própria.
São pessoas que, conscientemente ou não, roubam seu tempo, sua
energia e sua atenção com comportamentos tóxicos, como se o fato de
arrancar sua força vital pudesse preenchê-las. (Isso jamais acontece.)
Essas pessoas lhe causam esgotamento, tristeza, confusão, frustração ou
insegurança a cada vez que vocês interagem, como se elas fossem um
espremedor emocional. Eis alguns tipos mais comuns de Vampiros
Emocionais:

O NARCISISTA: Precisa se sentir superior, não se importa com os


sentimentos da outra pessoa e a mantém por perto desde que possa
continuar manipulando-a emocionalmente.
A ESTRELA DE NOVELA: Transforma tudo num drama, adora fazer
fofoca e quer que todo mundo participe do seu show.
O CONTROLADOR: Sempre precisa ter o que quer, oferece conselhos
não solicitados (e fica com raiva quando você não aceita) e critica
você o tempo todo, num esforço para ser “útil”.
A VÍTIMA: Despeja todos os problemas emocionais em cima de você,
recusa-se a assumir qualquer responsabilidade, não segue os seus
conselhos nem faz nada para melhorar a própria situação.

Se você está escaneando mentalmente seu grupo de amigos, eis como


identificar um Vampiro Emocional na sua vida:

Você evita olhar as mensagens ou atender às ligações dessa pessoa.


Você morre de medo de eventos sociais em que ela possa aparecer.
Você nunca sabe como anda a relação entre vocês.
Você se comporta de um jeito específico quando está com ela.
Você costuma se desculpar em nome dela.
Você não se sente bem depois de encontrá-la.
Outras pessoas dizem que a amizade de vocês não é saudável.

Se você descobriu que tem um desses Vampiros Emocionais


(especialmente uma Vítima) na sua lista de amigos, deve aceitar que, por
mais que você se doe por inteiro, isso jamais será o bastante. Esses
amigos vão drenar toda a sua energia, o seu tempo e a sua atenção se
você permitir. Mas não entre em pânico; logo você verá como os limites
são o alho repelente de vampiro que você estava procurando.

ESTABELEÇA LIMITES E SALVE A AMIZADE


(SE TUDO DER CERTO)

Vou declarar o óbvio: é insustentável manter uma amizade com alguém


que está o tempo todo despejando em você as próprias emoções e os
próprios problemas. Se você tem uma Olivia em sua vida, pense no
início da amizade. Aposto que na primeira vez que essa pessoa lhe
contou um problema você se entregou à conversa. Ouviu com atenção,
validando os sentimentos, mostrando empatia e oferecendo conselhos
sensatos. Você saiu com a certeza de que conseguiu ajudá-la. Mas, depois
de dias, semanas ou meses com a mesma coisa sendo reprisada de novo
e de novo, você se pega num esgotamento completo. Não há nada de
novo a ser dito; o conselho que a pessoa pediu não está sendo seguido, e
parece que de algum modo ela se isentou de qualquer responsabilidade,
contando com você para resolver os problemas dela, absorver suas
energias negativas e encontrar uma solução.
A amizade de Lucy com Olivia tinha ultrapassado em muito a linha
de “uma ajuda a outra” para o território de “você me ajuda e pronto”.
Como resultado, Lucy começou a evitar os telefonemas e as mensagens
de Olivia, adiando os planos de se encontrarem e sentindo-se
emocionalmente exaurida só de pensar numa futura interação. Se isso
parece familiar demais, vou lhe contar o que eu disse a Lucy: “Você
precisa estabelecer alguns limites saudáveis para colocar o
relacionamento de volta nos trilhos – pelo bem de vocês duas.”
Apesar do preço emocional e físico que isso está cobrando, você quer
que a pessoa receba o apoio necessário, e se continuar a deixar que ela
despeje tudo em cima de você, restará pouca motivação para ela buscar
uma ajuda mais eficaz em outro lugar. Tenha em mente (porque você
deve estar sentindo culpa agora) que sua participação nesse padrão
tóxico atrapalha não somente a amizade de vocês mas também o
crescimento da pessoa amiga. Se você continuar deixando que ela
despeje sua bagagem emocional no seu colo, ela jamais aprenderá a
processá-la de modo saudável. Estabelecer limites firmes é algo
necessário para vocês, mesmo que ela não perceba isso.

QUANDO DEVEMOS TERCEIRIZAR


Se não houver riscos à saúde e à segurança de seu amigo ou amiga, é
adequado estabelecer os limites que vamos discutir. No entanto, se você tem
motivos para acreditar que essa pessoa está sofrendo abuso ou assédio
físico ou emocional, ou se os problemas dela estão relacionados a
transtornos mentais sérios, por favor, encoraje-a a buscar ajuda profissional,
ou se ofereça para encontrar um terapeuta que possa ajudá-la de um modo
que você não é capaz. Igualmente importante: você também deve procurar
terapia se essa pessoa estiver exaurindo a sua saúde mental, ou se você
precisar de orientação sobre como estabelecer limites adequados à sua
situação específica.

Se você está no mesmo barco que Lucy, aconselho que comece a


estabelecer o tom já na próxima interação. Comece com: “Parece que
você continua com o mesmo problema, apesar de já termos falado sobre
isso uma dezena de vezes. Antes de tocarmos nesse assunto de novo, me
fale das atitudes que você tomou desde nosso último telefonema.” Isso
coloca a responsabilidade no colo da pessoa, que é onde deveria estar
mesmo. Se ela não tiver feito nada, você pode encerrar por aí essa
conversa. Diga algo do tipo: “Tínhamos chegado à conclusão de que
você poderia fazer três coisas. Até que faça isso, é improvável que a
situação melhore. Vamos conversar de novo quando você tiver tomado
alguma atitude.”
Se a pessoa se fizer de vítima, como se nada que ela pudesse fazer
fosse adiantar, é hora de usar um pouco mais de firmeza: “Não acredito
que você não possa fazer nada a respeito disso. Já conversamos muito
sobre isso e você não tentou nenhuma estratégia que discutimos. Agora
você tem duas opções: assume a responsabilidade e faz sua parte para
mudar as coisas ou aceita tudo como está e segue sua vida. Você me
pediu ajuda porque sou uma pessoa prática, mas não posso resolver seu
problema por você. E então, o que você acha melhor fazer a partir de
agora?” De novo, você estará jogando a bola para a pessoa se pedir que
ela assuma a responsabilidade pelos próximos passos.
Se ela ficar com raiva ou na defensiva e continuar pressionando você,
é hora de falar de um jeito mais direto: “Eu tentei muito ajudar você,
mas agora não posso fazer mais nada, e continuar falando sobre as
mesmas coisas de novo e de novo está prejudicando minha saúde mental
e nossa amizade. Talvez seja hora de você conversar com um terapeuta,
alguém que tenha experiência com esse tipo de situação e que possa
oferecer uma perspectiva nova. Independentemente do que você decida
fazer, preciso dar um tempo nesse assunto. E se você não puder ou não
quiser fazer isso, vou dar um tempo na nossa amizade.”
E então mantenha seu limite. Por exemplo, vocês podem continuar
conversando sobre outras coisas, mas se a pessoa tentar puxar você de
volta, diga: “Não, não vou falar mais sobre esse problema no seu
escritório.” Eu ficaria chocada se você não se sentisse imediatamente
mais leve depois de estabelecer esse tipo de limite com essa pessoa.
(Aposto que a simples ideia de estabelecer esse limite já seja bem
agradável.) E se você está imaginando se essa amizade tem alguma
chance de sobrevivência... isso vai depender de como a pessoa reagir ao
seu limite. (Para saber mais sobre como lidar com as reações dos outros
aos seus limites, veja o Capítulo 11.)
No telefonema seguinte, Lucy interrompeu Olivia: “Amiga,
conversamos sobre isso na semana passada. Você falou diretamente com
seu colega de trabalho, ou mostrou ao seu chefe sua planilha de gestão
do projeto?” Quando Olivia disse que não, Lucy se manteve firme e disse
que, enquanto ela não agisse, não falaria de novo sobre aquilo. Em
seguida mudou o assunto para seu próprio emprego. Lucy me contou: “A
partir daí a conversa ficou realmente incômoda. Dava para ver que
Olivia estava chateada e desligamos bem rápido. Mas, para ser sincera,
não fiquei com raiva. Consegui uma hora da minha vida de volta!” (Essa
última declaração saltou diante de mim como se eu já esperasse por ela.)
Ainda que o despejo emocional seja o motivo mais comum para
você querer estabelecer um limite com seus amigos, certamente existem
outros:

Amigos que somem e só aparecem quando precisam de alguma


coisa.
Amigos que fazem fofoca ou criam intrigas no seu círculo de
amizade.
Amigos que tentam impor a você os próprios valores e crenças.
Amigos que fazem muitas exigências sobre seu comportamento
com eles.
Amigos que não respeitam o seu tempo (chegando tarde ou
cancelando no último minuto).
Amigos que não apoiam seus objetivos.
Amigos que não agem como amigos (zombando de você,
compartilhando seus segredos ou se comportando de modo
competitivo).

Vamos abordar todas essas situações (e algumas outras) na seção de


roteiros.
ROMPER É DIFÍCIL POSSÍVEL

Se você continua estabelecendo limites saudáveis e a pessoa insiste em


desrespeitar esses limites, ou se mostra incapaz de respeitá-los,
provavelmente é hora de invocar uma consequência. É, estou falando do
rompimento da amizade. Se só de pensar nisso você se contorce, faz
careta ou sente vontade de se esconder embaixo das cobertas, há um
motivo: romper uma amizade pode ser mais incômodo e desconfortável
que um rompimento amoroso.
Para começo de conversa, ninguém espera que você e seus amigos
passem todos os dias juntos até que a morte os separe, ou seja,
imaginamos que as diferenças capazes de separar um casal sejam mais
bem toleradas com os amigos. Isso pode fazer com que o fim de uma
amizade pareça algo injusto, irracional ou exageradamente dramático,
mesmo que o problema venha se repetindo por anos. Além disso,
diferentemente da monogamia, você não se limita a uma amizade de
cada vez, de modo que as características não muito positivas de uma
pessoa costumam ser suportadas porque você tem outros amigos para
compensar. Claro, Lucy achava que Olivia falava demais sobre si mesma,
porém Lucy tinha um monte de outros amigos que perguntavam sobre
sua vida, e ela deveria ser capaz de ser um porto seguro para alguém que
precisava de apoio... certo? Por fim, cada amizade é única,
emocionalmente entrelaçada com experiências compartilhadas (muitas
vezes capazes de mudar nossa vida). Abrir mão de uma amizade pode
parecer que você está abrindo mão de um pedaço da sua história – e é
exatamente por esse motivo que muitas amizades duram bem mais do
que deveriam.
Aqui talvez exista uma falácia psicológica: a Falácia do Custo
Irrecuperável. Ela descreve nossa tendência de permanecer com uma
tarefa, um emprego ou um relacionamento porque já investimos tempo,
esforço ou dinheiro naquilo, mesmo que não esteja mais funcionando
para nós. Esse é um grande motivo para continuarmos nos agarrando a
amizades antigas, ainda que a outra pessoa não seja mais uma boa
amiga. “Nós temos uma história. Passamos por muita coisa juntos! Não
posso jogar tudo isso fora!”
Não pode mesmo?
É, você investiu todo tipo de recursos nessa pessoa. Mas a realidade é
que, apesar de continuar investindo, você recebe muito pouco ou nada
em troca. Pode ser útil fazer uma avaliação franca de como a amizade
está hoje em dia. Deixe de lado a história e como o relacionamento era
antigamente, e enfoque a relação agora. Você morre de medo de
encontrar essa pessoa? Quando se encontram, você perde suas energias
em vez de recarregá-las? Costuma sentir frustração com o
comportamento dessa pessoa? Ela ignorou os limites que você
estabeleceu para salvar a amizade? Esse não é um exercício divertido,
mas se você parar de se atrelar ao passado, talvez perceba que é hora de
desistir de ressuscitar a amizade e deixá-la descansar em paz.
Você jamais vai recuperar o que já investiu... mas pode evitar se
afundar ainda mais no débito da amizade encerrando as coisas de modo
claro e gentil agora. Se for útil, lembre-se de que as pessoas entram na
sua vida em épocas específicas. Agarrar-se a alguma coisa em razão do
que existia no passado não é viver o presente; isso impede que você
reconheça de modo racional o que o relacionamento está tirando de
você agora.
Perder uma pessoa amiga é difícil – especialmente se ela está
reagindo mal aos seus limites ou pintando você como insensível ou
exigente demais. Então como saber que é hora de dar um basta?

Quando você estabelece limites para tornar o


relacionamento mais saudável e a outra pessoa
se recusa o tempo todo a respeitá-los, é hora de
encerrar a amizade.
Não tenho como calcular até que ponto você pode ceder a uma
pessoa amiga ou quantas chances ela merece, mas se o relacionamento
continua a parecer unilateral, desrespeitoso ou cheio de ressentimento,
ansiedade ou medo muito depois de você ter tentado estabelecer limites
saudáveis, você está se agarrando a quê? Sei que você vai dizer: “Não
quero ferir os sentimentos de ninguém”, mas vamos começar a priorizar
os seus sentimentos, por favor. Seu amigo ou sua amiga não demonstrou
muita preocupação com o que você sente, e já é hora de alguém fazer
isso. (Você. Só você.)
Existem duas maneiras de romper uma amizade: com um
afastamento gradual e com um corte rápido. No afastamento gradual
você deixa a amizade enfraquecer com o tempo. Para de responder tão
rapidamente às mensagens, sem muitas explicações ou sem explicação
nenhuma. Recusa convites ou para de fazê-los. Quando encontra essa
pessoa em eventos ou grupos, demonstra educação e gentileza, mas
mantém a conversa num nível mais superficial. Nesse caso, ambas as
partes se afastam pacificamente para outros grupos de amigos, sem
tensão, conflito ou confronto.
Isso pode ser adequado para um conhecido, um novo amigo ou
alguém que você não vê com muita frequência. Se sua amizade é
unilateral, se é você quem sempre procura, ou se as coisas ficaram tão
dramáticas ou acaloradas a ponto de exigirem um tempo, afastar-se e
deixar a amizade se esvair lentamente pode ser o modo mais tranquilo
de abrir mão dela.
Mas o afastamento gradual nem sempre é o passo certo – mesmo
que pareça o mais fácil. Se a amizade é muito antiga ou mais íntima, se
vocês se veem com frequência, evitar a pessoa até que a ficha caia não é
uma atitude clara nem gentil. Além disso, nessa condição é muito mais
provável que a pessoa fique pensando o que terá feito de errado, não
capte a mensagem e continue procurando você – ou que fique com raiva,
imaginando por que você a ignorou. Isso só complica as coisas, arrasta o
processo, e permite que a pessoa ponha a culpa em você e exija ainda
mais de seu tempo, seu esforço e sua energia.
Com algumas amizades, o certo a fazer é cortá-las de uma vez por
todas. É assustador, eu sei, mas pelo menos não será um processo
confuso, cruel ou arrastado. Faça com suas amizades o que Marie Kondo
faria com as roupas que você não usa mais: segure-as nas mãos, agradeça
pela alegria que lhe trouxeram no passado e diga adeus.

DICAS PARA ROMPER A AMIZADE

Se você descobrir que precisa encerrar uma amizade, pode seguir estas
boas práticas para se comunicar com clareza e diminuir as chances de
drama, dando a cada parte a oportunidade de se afastar com elegância.

ESCOLHA BEM O MOMENTO. Espere as coisas estarem calmas e


proponha uma conversa breve, de preferência a sós. (Se a amizade
for a distância ou se vocês não puderem se encontrar pessoalmente,
tudo bem escrever uma carta, um e-mail ou uma mensagem de
texto com palavras bem escolhidas.)
NÃO EXPRESSE RAIVA OU FRUSTRAÇÃO. Se você suspeita que vai
vomitar verbalmente todas as coisas terríveis que essa pessoa fez
com você, espere até recobrar a calma e o equilíbrio. (Enquanto isso
você pode pôr tudo para fora na terapia.)
NÃO TENTE CONTROLAR A EXPERIÊNCIA DA OUTRA PESSOA. Dizer
“Acho que esta amizade não é saudável para mim nem para você”
quase sugere que você está fazendo isso pelo bem da outra pessoa.
Atenha-se a como você enxerga a amizade e por que ela não está
mais funcionando para você.
COMUNIQUE O ROMPIMENTO SEM RODEIOS. Depois de compartilhar
seus sentimentos, diga o que isso significa com muita clareza: “Para
mim é melhor não insistir nesta amizade”, ou “Decidi romper aqui
nossa relação”.
DEMONSTRE CORTESIA, DESDE QUE SINCERA. Acrescente: “Desejo
tudo de bom a você”, ou “Sempre terei gratidão pela amizade que
tivemos”.
NÃO DEIXE QUE A PESSOA DESPEJE AS LAMÚRIAS EM CIMA DE VOCÊ.
Isso obriga você a reconfortá-la de novo, e a esta altura você já
decidiu que não vai mais gastar energia assim. Você pode
interrompê-la dizendo simplesmente: “Entendo, mas não vamos
remoer isso outra vez. Quero seguir em frente.”
SEJA BREVE, ESPECIALMENTE SE A PESSOA ESTIVER COM RAIVA.
Permita que ela processe os sentimentos em privacidade, peça
licença e encerre a conversa.
PERMITA-SE VIVER O LUTO. Você pode sentir um alívio imenso e um
luto profundo ao mesmo tempo, portanto acolha as duas emoções.
O fim de uma amizade é uma perda, e, claro, é normal que você
relembre os dias bons e lamente o potencial perdido e o buraco que
aquela amizade agora deixa na sua vida.

FIZ A COISA CERTA?


Depois de terminar uma amizade, você pode sentir uma tristeza profunda. As
pessoas costumam perceber esse sofrimento como um indício de que
tomaram a decisão errada. Aqui vai um truque para você confirmar que fez a
coisa certa e que só está sofrendo a perda do que já foi ou poderia ter sido.
Imagine que eu lhe dissesse: “Ei, você não rompeu a amizade. A pessoa vai
telefonar em breve e vocês vão retomar a relação exatamente de onde
pararam.” Se você sentir ansiedade, medo ou qualquer outra emoção
negativa, esse é o sinal. Se não quer que a amizade retorne exatamente
como era quando você terminou tudo, então a decisão tomada foi certa: você
só está compreensivelmente triste com isso.

Para a surpresa de ninguém, Lucy precisou terminar a amizade com


Olivia. Pedi que ela descrevesse como se sentia durante a amizade e
depois de passar algum tempo com Olivia, e que explicasse por que
aquela amizade não lhe servia mais. Ela me mandou o roteiro que usou
para se manter centrada e calma durante a conversa de rompimento:
“Esta amizade não parece recíproca e não é mais saudável para mim.
Não me sinto bem depois que a gente se encontra, e esse é um grande
sinal de que, para mim, nossa amizade já terminou. Desejo tudo de bom
a você, mas é hora de eu seguir em frente.” Lucy disse que na mesma
hora sentiu que tirava um peso enorme das costas, por isso soube que
tinha tomado a decisão certa. Desde então não falou mais com Olivia.
Às vezes, com o tempo, a distância e a maturidade, as amizades
voltam; às vezes elas só existiam para as duas pessoas naquela época
específica da vida. De qualquer modo, você jamais se arrependerá de ter
aprendido a estabelecer limites saudáveis para suas amizades, porque as
que funcionarem levarão a relacionamentos satisfatórios e felizes – e as
que não funcionarem se revelarão diante dos seus olhos muito
rapidamente.

OLÁ, VIZINHOS!
(AGORA SAIAM DO MEU QUINTAL, POR FAVOR.)

Há um bom motivo para o ditado “Boas cercas fazem bons vizinhos”.


Literal e figurativamente, um limite pode separar, de um lado, um
relacionamento pacífico, fácil e saudável com seus vizinhos e, de outro,
raiva, ressentimento e ansiedade sempre que eles abrem a porta da
garagem e ligam o aparador de grama. Os vizinhos podem ser seus
amigos, o que muitas vezes facilita o convívio, mas também podem ser
completos estranhos com quem você precisa se dar bem, talvez por
muitos anos.
Eu tive uma vizinha que passava pela minha casa com o cachorro
todas as manhãs. Ela usava uma daquelas guias retráteis e costumava
deixar o cão entrar no meu quintal enquanto ela olhava a tela do celular.
Muitas vezes o cachorro arrancava minha grama ou pisoteava as flores
antes que ela ao menos notasse. Eu nunca conseguia ir lá fora a tempo de
falar com ela, e não sabia direito onde ela morava. Certo dia finalmente
flagrei o cachorro cavando nos arbustos nos fundos do meu quintal e
corri lá para fora, dizendo: “Por favor, será que você poderia impedir seu
cachorro de correr pelo meu quintal desse jeito?” Isso nunca mais voltou
a acontecer, mas a vizinha não recebeu bem o meu pedido; a partir
daquele dia parou de me olhar nos olhos e de falar comigo quando nos
cruzávamos na rua.
Estabelecer limites para vizinhos é desafiador porque talvez eles
façam coisas dentro da própria casa, ou no próprio quintal, que ainda
assim aborreçam você. Pode ser que eles ouçam música alta tarde da
noite, deixem o cachorro latindo do lado de fora o dia inteiro, instalem
luzes de segurança apontadas como laser na direção da sua janela, ou
decidam que sete da manhã é uma hora ótima para usar o aspirador de
pó. Infelizmente nem sempre é possível estabelecer limites eficazes
nesses casos, porque o seu limite pode interferir no modo como a pessoa
quer viver no próprio lar. Neste capítulo você vai encontrar exemplos de
limites que podem ser estabelecidos para seus vizinhos. E, mesmo que
não possam, verá que às vezes é preciso haver pelo menos uma conversa
difícil entre vocês.

DICAS PARA COMEÇAR

Grande parte dos limites para sua vizinhança começa muito antes de
você experimentar algum conflito. Quando eu era pequena, meus pais
conheciam bem todos os vizinhos. Eu entrava na casa de todos eles e
frequentemente tínhamos festas de quarteirão e confraternizávamos.
Várias vezes fui mandada à casa de Cindy, uma vizinha, para pedir um
ovo ou uma xícara de leite. Hoje parece que estamos todos isolados em
bolhas, e, a não ser que nos esforcemos para nos apresentar aos vizinhos,
é provável que jamais falemos com eles... até que surja um problema.
Esse nunca será um bom modo de estabelecer relações, portanto aqui
vão algumas dicas saídas diretamente da década de 1980 para ajudar
você a pavimentar o caminho para cercas simples, cercas baixas ou até
cerca nenhuma (para o caso de sua vizinhança ter evoluído ao nível Vila
Sésamo).

ABRACE A POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA. Faça amizade com as


pessoas que moram perto de você – mesmo que seja apenas um
relacionamento do tipo “Bom dia, seu jardim está muito bonito”.
(Um bônus se você tiver a boa vontade de varrer a calçada da
pessoa ou de lhe emprestar sua escada.) Se você for “aquela pessoa
legal que mora aqui perto”, e não alguém completamente
desconhecido, seus limites serão recebidos com muito mais
facilidade, se for necessário estabelecê-los.
PRESUMA O MELHOR. Comece qualquer conversa sobre limites
presumindo que seu vizinho quer ser um bom vizinho e
simplesmente não percebe como seus comportamentos afetam os
outros. Presumir o melhor pode ajudar muito a garantir que a
conversa seja educada e amistosa, do tipo que realmente leva vocês
a algum lugar.
SEJA RAZOÁVEL. Aborde um problema com seus vizinhos num
momento de calma, explique a questão e faça um pedido razoável.
Você não pode pedir que a pessoa nunca ouça música em volume
alto, mas pode mencionar que acabou de ter um bebê e solicitar que
ela abaixe o som ou use fones de ouvido depois das dez da noite.
ESCOLHA SUAS BATALHAS. Se o cachorro da sua vizinha, que sempre
foi ótima com você, fez cocô no seu gramado uma única vez e ela
não notou, será que vale a pena bater à porta dela para reclamar? Se
o padrão continuar, aí, sim, a história será diferente, mas saiba
quando deixar pra lá, de modo a poder estabelecer limites quando
eles forem realmente importantes.
FAÇA A SUA PARTE. Ainda que você tenha estabelecido um limite,
procure soluções do seu lado também. Durma com protetores de
ouvido ou com uma máquina de ruído branco, compre cortinas de
blecaute para barrar as luzes tarde da noite, compre saquinhos
higiênicos só para garantir ou construa uma cerca para manter as
crianças dos vizinhos longe das suas flores.

Você foi gentil, pediu com educação e mesmo assim a pessoa se


recusa a cooperar? Se for necessário pegar mais pesado com alguém que
não cumpre as regras tácitas da vizinhança, comece a documentar tudo.
Anote o tempo que o cachorro dessa pessoa passou latindo enquanto ela
estava fora de casa, tire foto das flores que as crianças pisotearam ao
atravessar o seu gramado, faça um vídeo das luzes de segurança dos
vizinhos batendo na parede da sua sala. Essas evidências podem ser úteis
caso você queira registrar uma queixa formal, mas você também pode
mostrá-las aos vizinhos para provar que não está exagerando.
Se ainda assim você não conseguir uma solução, talvez seja hora de
apelar ao síndico, à associação de moradores ou aos regulamentos
regionais. Por exemplo, Salt Lake City tem um “Guia do Bom Vizinho”
que oferece diversas sugestões e contatos para lidar com problemas de
barulho, propriedades sem manutenção, pichações, problemas de
iluminação, etc. Além disso, você pode convidar toda a vizinhança para
uma reunião, buscar uma mediação comunitária ou abrir um processo
num tribunal de pequenas causas.
O que você não deve fazer é descer ao nível dos seus piores vizinhos.
Colocar a sua música em volume máximo às cinco da manhã, jogar o
cocô do cachorro de volta no quintal deles ou comprar seu próprio
refletor superpotente e apontá-lo para a janela alheia é receita para
encrenca, talvez na forma de processo judicial ou reclamação criminal.
Esse tipo de comportamento jamais é claro ou gentil, portanto mantenha
sua dignidade, mesmo que sinta a tentação de tocar “Baby Shark” a noite
inteira no último volume. Os roteiros deste capítulo vão ajudar você
nessa empreitada.
ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA AMIGOS

Estabelecer limites para amigos ajuda a manter seus relacionamentos


saudáveis e recíprocos; protege sua saúde mental; e ajusta os termos da
amizade antes que ela se torne problemática. Nunca é tarde demais para
estabelecer uma dinâmica saudável! Além disso, você descobre muito
depressa que tipo de amizade você realmente tem ao ver como seus
amigos reagem aos limites claros e gentis que você estabelece para eles.

Fiz uma nova amiga na academia e ela parece ser uma ótima pessoa – mas
percebi que ela fala demais sobre si mesma e não pergunta muito sobre minha
vida. Se vou investir numa nova amizade, que seja uma via de mão dupla. Como
posso dizer “Pare de falar tanto sobre si mesma”?

VERDE: “Você já me contou muito sobre o seu trabalho. Posso falar


sobre o meu? Tem acontecido muita coisa legal comigo e eu gostaria
demais de contar para você.”
AMARELO: “Acho que nossas conversas são muito unilaterais. Não é
legal você nunca perguntar sobre mim ou sobre a minha vida.”
VERMELHO: “Acho que nossa afinidade não é tão forte, por isso vou
parar de sair com você. A gente se vê na academia.”

Você pode usar o limite Verde para ver se a pessoa se toca e percebe que
não está sendo boa ouvinte. Se nada mudar, por mais que pareça
incômodo, você tem todo o direito de se afastar. As amizades dão
trabalho, e essa pessoa não parece tão empenhada quanto você.

Tenho uma amiga que some durante meses, depois reaparece quando precisa
de alguma coisa. Isso não é legal. Como posso dizer isso a ela?

VERDE: “Já faz um tempo que a gente não se vê, e parece que você só
me procura quando precisa de alguma coisa. Não acho isso bacana e
queria primeiro conversar com você sobre isso.”
AMARELO: “Não é legal você sumir durante meses e aparecer quando
precisa de um favor. Agora não posso ajudar, mas pode me ligar
amanhã se quiser continuar a conversa.”
VERMELHO: “Entendo que você precise de ajuda, mas você sumiu
completamente da minha vida e isso me deixou muito triste. Procuro
você de novo quando – e se – eu quiser conversar.”

Você é quem decide se vai ajudar ou não, ou mesmo se quer encerrar


essa amizade. O contexto importa: a pessoa está com algum problema
de saúde mental ou com uma doença crônica? Ela só telefona quando
não está namorando? Essas duas situações provavelmente merecem
limites diferentes. Pense no que poderia justificar o sumiço dessa pessoa
e leve isso em conta ao estabelecer seu limite para ela. Se ela precisar de
mais apoio do que você pode oferecer, dê força para que ela busque
ajuda no lugar certo.

Um amigo não muito próximo vive me mandando e-mails com matérias e


memes políticos dos quais eu não gosto ou com os quais não concordo. Pedi
que ele parasse com isso e ele respondeu: “Só quero manter você informado.”
Me ajude a encontrar palavras gentis, porque o que eu quero dizer não é nada
gentil.

VERDE: “Por favor, pare de me mandar esse tipo de e-mail. Você sabe
que a gente pensa diferente e não quero que você me force a ver
conteúdos como esses.”
AMARELO: “Não abri seus dois últimos e-mails porque você continua
a enviar conteúdos que eu pedi especificamente que não mandasse.
Se você não respeitar isso, nossa amizade vai terminar.”
VERMELHO: Bloqueie seu amigo e seja feliz.

Em 2020 cortei amizades, deixei de seguir perfis e bloqueei gente a


torto e a direito – com a eleição, os protestos por justiça social e a
pandemia, esse foi um passo necessário para preservar minha saúde
mental e manter minhas redes sociais como um local saudável e seguro.
Se você precisa de permissão para deixar de seguir alguém, aqui vai:
clique na porcaria do botão. Ninguém – nem seus familiares, seus
amigos e muito menos a pessoa que você não vê desde o ensino médio
– tem direito a esse tipo de invasão na sua vida.

A BELEZA DO BLOQUEIO
Bloquear ou deixar de seguir um amigo de verdade numa rede social jamais
deveria ser o seu primeiro passo, já que esse comportamento não é claro nem
gentil. No entanto, se você já estabeleceu vários limites e vê que a pessoa
simplesmente não consegue ou não quer respeitá-los, cortar o acesso que ela
tem a você é a consequência natural desse desrespeito. (Lembre-se: um
limite é o seu limite. Assim, se a pessoa o ultrapassar, você terá que tomar
uma atitude.) Nesse ponto, silenciar, bloquear ou deixar de seguir é um último
esforço para preservar sua saúde emocional e mental – e posso dizer por
experiência própria: isso funciona. Ao bloquear a pessoa, você também está
bloqueando a ansiedade, a irritação, o ressentimento e a raiva que sente
toda vez que o nome dela aparece no seu feed ou na caixa de entrada, e o
tempo que você passa nas redes sociais será muito mais agradável e
divertido.

Tenho uma amiga que fica furiosa quando me manda uma mensagem e eu não
respondo na mesma hora. Ela chega ao ponto de ficar olhando as minhas redes
sociais e depois dizer: “Então você pode postar no Instagram, mas não pode me
responder?” Preciso explicar (gentilmente) que não estou à disposição dela.

VERDE: “Você está certa: nem sempre respondo imediatamente, e


adoraria se você pudesse ser um pouco mais compreensiva em
relação a isso. Às vezes surge uma demanda, eu me distraio, ou
simplesmente não tenho como responder na mesma hora. Seria
ótimo se tivéssemos um pouco de paciência nesse sentido.”
AMARELO: “Jess, nem sempre posso responder rápido, e não é legal
você ficar me vigiando assim. Será que precisamos ter uma conversa
séria sobre nossa amizade?”
VERMELHO: “Nossa dinâmica não está funcionando para mim. Vou
dar um tempo na nossa amizade. Procuro você se eu quiser
conversar de novo.”

Essa situação pode se intensificar rapidamente: você demora a


responder porque simplesmente não quer lidar com as exigências da
pessoa naquela hora, e ela fica com mais raiva ainda porque você
demora a responder. O limite Amarelo de “Será que a gente precisa ter
uma conversa séria?” pode ajudar a esclarecer se as expectativas da
pessoa são grandes demais para você e se você quer manter o
relacionamento.

Tenho uma amiga que me dá um bolo após outro. Entendo que imprevistos
acontecem, mas ela vive cancelando nossos planos no último minuto, sempre
com uma desculpa esfarrapada. O que devo fazer?

VERDE: (na sexta-feira) “Oi! Confirmando: ainda está de pé o filme


no sábado às 19h? Anda difícil a gente se encontrar, então eu queria
ter certeza antes de comprar os ingressos.”
AMARELO: (se a pessoa cancelar) “Esta é a terceira vez seguida que
você cancela no último minuto. Vou ter que parar de combinar as
coisas com você se não consegue cumprir os horários.”
VERMELHO: (se a pessoa quiser marcar uma nova data) “Você
cancelou tantas vezes que prefiro não combinar mais nada. Se quiser
aparecer numa noite da semana que vem para conversar, estarei em
casa.”

O limite Vermelho joga a bola para a outra pessoa – se ela aparecer,


ótimo. Se não, você não perdeu nada, e provavelmente pode encerrar
essa amizade.
FAÇA CONTATO
Se você tem um amigo ou uma amiga que sempre aparecia, mas agora vive
lhe dando bolo, cogite procurar essa pessoa. Diga que esse comportamento
leva você a imaginar se ela está passando por um momento delicado – e, se
for o caso, se ela gostaria de conversar, ou se você pode ajudar de alguma
forma. Sim, às vezes as pessoas são apenas descuidadas e sem
consideração. Mas às vezes estão sofrendo de depressão, ansiedade ou
dificuldades financeiras, o que torna a socialização realmente difícil. Ou
talvez o TDAH tenha piorado, então seguir uma agenda ou cumprir
compromissos se torna um verdadeiro desafio. Ou talvez a pessoa esteja em
crise por conta de uma doença crônica, restando a ela pouca energia para
qualquer coisa além dos cuidados pessoais mais básicos. Em nome da
amizade, vale a pena você investigar o que está acontecendo antes de
presumir que a outra pessoa está sendo apenas sacana. Se uma amiga
estiver muito ocupada (cuidando de um bebê, lidando com um emprego novo)
ou enfrentando desafios pessoais, em vez de tentar forçar os encontros com
ela, ofereça maneiras alternativas de vocês manterem contato. Vocês podem,
por exemplo, trocar mensagens de texto, um rápido telefonema no domingo à
noite ou TikToks engraçados. (Essa é a minha linguagem amorosa atual com
os amigos.)

Tenho uma amiga que vive fazendo fofoca de todo mundo – às vezes de
pessoas que eu conheço. Pedi que ela parasse porque não gosto de me meter
na vida alheia e porque fofocar não é uma coisa gentil a se fazer, especialmente
quando ela está falando de nossos amigos. Como posso deixar isso claro?

VERDE: “Ah, espera. Falar da Mia desse jeito não é legal, e não me
sinto confortável com isso.” E mude de assunto.
AMARELO: “Não quero falar de outras pessoas pelas costas, e até
pergunto a mim mesma se você não fala de mim quando não estou
por perto. Não gosto disso.”
VERMELHO: “Uma amizade que envolve fofoca não funciona para
mim. Desejo tudo de bom a você.”
Se sua amiga está falando dos outros com você, garanto que ela está
falando de você com os outros. E você não vai querer manter por perto
uma amiga em quem não possa confiar.

Uma amiga minha gosta de me rebaixar na frente de outras pessoas,


especialmente de homens. Ela sempre diz algo do tipo: “É, ela é bonita, mas não
lhe pergunte nada sobre os últimos acontecimentos no mundo.” Acho que ela
age assim porque é insegura, mas também precisa saber que isso não é nada
legal. O que devo dizer a ela?

VERDE: (depois que tiver acontecido) “Aquele elogio que você me fez
foi muito estranho e pareceu bem sacana. Eu jamais faria isso com
você, então por que fez comigo?”
AMARELO: (enquanto estiver acontecendo) “Nossa. Achei que a gente
tinha conversado sobre piadas maldosas assim. Isso não foi legal.
Com licença.” E se afaste.
VERMELHO: “Eu não deixo meus amigos dizerem coisas assim a meu
respeito. Acho que, para mim, chega.”

Se é isso que sua amiga está dizendo na sua cara, nem consigo
imaginar o que ela diz pelas suas costas. Se não for suficiente
estabelecer um limite e ter uma conversa franca sobre o que está por
trás desses comentários, talvez não valha a pena salvar a amizade.

ELOGIOS DUVIDOSOS
“Você parece tão cansada! Não sei como consegue dar conta de tudo.” Todos
nós já recebemos algum elogio duvidoso que nos deixou perplexos. Como
você reage quando isso acontece? Agradece, diz para a pessoa ir se catar, ou
as duas coisas? Responder a comentários assim não implica
necessariamente estabelecer um limite (se bem que talvez você queira fazer
isso se o problema for muito recorrente), mas aqui vão três maneiras de
abordar um elogio do tipo: “Nossa, sua apresentação foi surpreendentemente
boa!”
Faça com que a pessoa se explique: “Puxa, que comentário estranho. O
que você quis dizer com ‘surpreendentemente’?”
Ignore o insulto: “É! Foi incrível, não foi? Fico feliz por saber que a
apresentação foi tão bem recebida.”
Escancare o problema: “Se seus elogios são assim, não quero nem
imaginar seus insultos. Na próxima vez basta dizer ‘Bom trabalho’.”

Se essa pessoa tiver o hábito de fazer “elogios” recheados de maldade, talvez


seja hora de deixar isso claro e estabelecer um limite. “Surpreendentemente
boa... Sabe, andei notando que todos os seus elogios vêm com algum tipo de
insulto. Na próxima vez, por favor, não faça comentário nenhum. Não sei por
que você falou isso, mas com certeza diz mais sobre você do que sobre mim,
então prefiro nem ouvir.”

Um amigo meu quer estar sempre por cima. Se eu contar uma história
engraçada da minha família, ele interrompe com outra mais engraçada ainda.
Se eu tirei licença médica na semana passada, ele fala de quando esteve mais
doente ainda. Isso é exaustivo. Parece que ele não me ouve de verdade, só fica
esperando o momento de encaixar as próprias histórias. Como posso
interromper esse processo?

VERDE: “Ah, na verdade eu não terminei de contar minha história.


Queria muito poder terminar.”
AMARELO: “Parece que você não escuta realmente quando eu conto as
coisas. Você nunca comenta o que eu acabei de dizer, só se apressa
em contar sua própria história. Para falar a verdade, isso não é legal.”
VERMELHO: “Você não tem me dado muito espaço nas nossas
conversas. Sempre que tento falar alguma coisa, na mesma hora você
vira o assunto para si mesmo. Não sei como continuar a amizade
desse jeito.”

Independentemente de o sentimento de superioridade do seu amigo ser


resultante de ciúme, insegurança ou egocentrismo, isso não demonstra
que ele esteja preocupado com seus sentimentos, seu crescimento
pessoal ou suas experiências. Essa amizade não parece muito
acolhedora ou recíproca.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA VIZINHOS

Você não precisa ser amigo ou amiga dos seus vizinhos, mas a vida fica
muito melhor (e mais conveniente e segura) se todos cuidarem uns dos
outros. O ideal, no mínimo, é que você não queira correr para dentro de
casa e se esconder sempre que a porta da garagem do Jerry se abrir do
outro lado da rua. Construir relações com os vizinhos é o primeiro passo
para estabelecer limites saudáveis; você não quer que sua primeira
conversa com eles seja “Seu poodle acabou de soltar um barro no meu
gramado”. Comece estabelecendo o alicerce para suas cercas antes de
precisar delas, e você descobrirá que o processo de construção fica muito
mais fácil.

Meu vizinho sempre deixa o cachorro dele fazer cocô no meu gramado e na
maioria das vezes não limpa. Já conversei com ele sobre isso educadamente,
mas nada mudou. O que devo fazer?

VERDE: “Sei que cachorro faz cocô em qualquer lugar, mas se for no
meu quintal, seja um bom vizinho e recolha, por favor.”
AMARELO: “Seu cachorro acaba de fazer cocô no meu quintal. Será
que você pode voltar lá e limpar?”
VERMELHO: (enquanto estiver acontecendo) “Ei, tome aqui um
saquinho higiênico para você recolher.”

Você não pode obrigar seu vizinho a recolher o cocô do cachorro dele,
só pode estabelecer o seu limite, que é: “Não quero cocô de cachorro no
meu gramado.” Isso quer dizer que às vezes você precisará recolhê-lo, a
não ser que flagre o momento e aborde seu vizinho na mesma hora.
Você também pode tentar automatizar o limite colocando uma placa
com a frase “Por favor, recolha o cocô do seu cachorro”, instalando
uma câmera de vigilância bem à vista de todos para inibir esse tipo de
conduta, colocando um cesto com saquinhos higiênicos ao lado da
caixa de correio, instalando aspersores de água acionados por
movimento para manter os cachorros (e os donos) fora do seu
gramado, ou construindo uma cerca.

Nossa piscina é a única do quarteirão, e as pessoas vivem perguntando se


podem “dar um mergulho rápido com as crianças”. Às vezes isso não é um
problema, mas outras vezes queremos desfrutar da piscina sozinhos. Como
posso dizer “não” sem parecer uma pessoa horrível?

VERDE: “Hoje não podemos receber convidados, mas no sábado


estaremos na piscina do meio-dia às quatro da tarde e vocês podem
vir.”
AMARELO: “Hoje estamos curtindo o dia em família, não é uma boa
hora.”
VERMELHO: “Já tivemos alguns problemas deixando tanta gente vir.
Por enquanto preferimos fechar a piscina para convidados.”

Será que você poderia automatizar esse limite? Certa vez li o relato de
uma família que comprou uma grande bandeira laranja para pôr no
quintal dos fundos. Se a bandeira estivesse no mastro, era o sinal de
que a piscina estava aberta! Você também pode estabelecer horários
específicos (sábado à tarde, por exemplo) para convidar seus vizinhos,
deixando claro que nos outros dias a piscina só estará aberta para a
família e os amigos.

Meu vizinho sempre aparece quando vê a gente do lado de fora e fica durante
uma eternidade. Fala o tempo todo, se a gente deixar, e só conseguimos
escapar entrando em casa. Estamos começando a evitar nosso próprio quintal
por causa disso! Como posso falar com ele sem partir para a grosseria?
VERDE: “Walter, vamos liberar você e voltar ao que estávamos
fazendo. Vejo você mais tarde!”
AMARELO: (sem parar o que você está fazendo) “Oi, Walter, não
podemos bater papo agora, mas na próxima vez que pudermos
vamos dar um oi, e aí você vem conversar com a gente.”
VERMELHO: “Não é uma boa hora, Walter.” Dê tchau e continue o que
estiver fazendo.

Você e sua família devem se sentir seguros e confortáveis na sua


própria casa e no seu quintal, e não devem deixar um vizinho ficar
incomodando, por mais bem-intencionado que ele seja. Se você disser a
ele que precisa de espaço e ele continuar desrespeitando isso, talvez você
precise ir mais direto ao ponto: “Walter, espero que entenda que às
vezes queremos privacidade. Se estivermos aqui fora, por favor, não
considere isso um convite para socializar. Para sermos bons vizinhos,
precisamos respeitar os limites uns dos outros.”

Meus vizinhos do lado têm horários diferentes dos nossos e costumam ouvir
música alta até tarde da noite. Temos uma recém-nascida em casa e
adoraríamos combinar umas “horas de silêncio” com eles, mas não temos
síndico nem associação de moradores. Como podemos abordar isso?

VERDE: “Eu trouxe uns biscoitinhos que acabei de assar. E além disso
queria apresentar a Emma [aponte para o bebê no seu colo], ela vai
fazer um mês. Será que vocês poderiam diminuir o volume da
música depois das dez da noite? Isso tornaria a nossa rotina com a
bebê muito melhor.”
AMARELO: “O volume da música de vocês continua alto nos fins de
semana e muitos vizinhos aqui têm crianças pequenas. Será que
podemos pedir de novo que vocês diminuam depois das dez da
noite, por favor?”
VERMELHO: “A legislação proíbe música alta entre dez da noite e sete
da manhã. Tome aqui uma cópia. Alguns vizinhos assinaram esta
carta pedindo que vocês obedeçam às regras, por favor. Não quero
levar isso mais longe, então peço que colaborem com a gente.”

Conquistar seus vizinhos na simpatia nunca é uma abordagem ruim,


especialmente no início. E, para o caso de demorar um pouco até o
comportamento deles mudar, recorra a todas as estratégias possíveis
para proteger sua família do barulho que eles fazem, seja investindo
em máquinas de ruído branco, usando protetores de ouvido na cama
ou levando o berço do bebê para o ponto mais distante possível da casa
deles.

Minha vizinha vive mandando os filhos para a minha casa. Apesar de nossos
filhos brincarem bem juntos, não quero ser sempre responsável por vigiar as
crianças dela, mesmo que fiquem comportadas no quintal. Além disso, ela
nunca convida meus filhos para a casa dela. Como posso falar sobre isso?

VERDE: “Oi, Jessica, parece que as crianças vêm sempre brincar aqui
em casa. Não me incomodo se elas ficarem no quintal brincando,
quietinhas, mas será que você pode me ligar antes de mandá-las, só
para saber se não causaria nenhum problema?”
AMARELO: (levando as crianças de volta para a casa delas) “Desculpe,
Jessica, não posso ficar com elas hoje. Da próxima vez ligue, por
favor.”
VERMELHO: “Desculpem, crianças, não podemos brincar hoje.” E
mande-as de volta para casa.

Primeiro verifique se o seu incômodo é por causa da “injustiça” da


situação ou se receber as crianças na sua casa é realmente um esforço
grande demais. Se forem crianças comportadas, capazes de se entreter
sem muita supervisão, e se seus filhos gostarem da companhia, será
que você precisa mesmo estabelecer um limite? Se precisar (e não julgo
você por isso), cogite propor dias específicos para as crianças brincarem
(por exemplo, terça-feira na sua casa e quinta-feira na casa de Jessica),
ou imponha aos outros pais a regra de que os filhos deles podem vir
brincar se virem os seus do lado de fora, mas não podem bater na
porta sem telefonar antes.

Uma vez emprestei uma ferramenta ao meu vizinho e quando ele entrou na
minha garagem e viu minha oficina, os olhos dele brilharam. Desde então ele
vive aparecendo para pegar equipamentos emprestados e pedir conselho sobre
projetos. Não me importo em dar uma mãozinha, mas não posso servir como
fornecedor de ferramentas para ele. O que devo dizer?

VERDE: “Posso emprestar uma última vez, mas já chegou a hora de


você ter sua própria ferramenta. Se quiser minha ajuda para escolher
um modelo, é só falar.”
AMARELO: “Hoje não posso ajudar, Glenn. Por que você não dá um
pulinho na loja que eu indiquei? Eles são bem solícitos e têm muito
conhecimento.”
VERMELHO: “Não empresto mais ferramentas. Tive algumas
experiências muito ruins.”

Se o vizinho é responsável com suas coisas (ferramentas, livros, pás,


etc.) e devolve no tempo certo, cogite manter a política da boa
vizinhança e continuar ajudando, desde que isso não atrapalhe sua
vida. No entanto, se o vizinho se esquece de devolver suas coisas,
devolve com defeito ou espera que você esteja sempre disponível para
ajudar, talvez você sinta necessidade de estabelecer o limite Vermelho –
porque essas foram as experiências ruins.

Eu moro num conjunto de quatro casas geminadas. Ultimamente meu vizinho


tem levado minhas encomendas para a casa dele, se forem entregues na minha
ausência, ou então fica batendo à minha porta se houver um pacote do lado de
fora e eu estiver em casa. Tudo isso me deixa desconfortável, mas como posso
pedir que ele pare?

VERDE: “Agradeço por você estar cuidando das minhas coisas, mas eu
preferiria que minhas encomendas fossem deixadas onde estão,
mesmo se eu não estiver em casa.”
AMARELO: “Por favor, não se preocupe com as minhas encomendas.
Pode deixá-las onde estão.”
VERMELHO: “Pare de pegar minhas encomendas, senão vou
denunciá-lo à associação de moradores.”

Talvez seja bom perguntar se há um motivo para ele levar suas


encomendas para dentro de casa – talvez tenham acontecido furtos na
vizinhança e você não ficou sabendo, o que poderia mudar sua
opinião. Além disso, você pode pedir que os entregadores deixem os
pacotes num local mais discreto, longe dos olhos curiosos do seu
vizinho.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Aqui em Salt Lake faço parte de um grupo de cinco amigas, e a gente


incorpora realmente o que significa uma boa amizade. Nosso convívio é
repleto de cuidados, compaixão e respeito aos limites. Aqui vão as regras
tácitas-porém-muito-claras no nosso grupo:

Sempre convidamos umas às outras para sair, mas sabemos que


cada uma tem suas próprias limitações – mesmo se alguém recusar
cinco vezes seguidas, os convites continuarão sendo feitos.
Ninguém leva um “Não, agora não posso” para o lado pessoal.
Respeitamos o fato de todas termos uma vida interessante e plena
com nossa família e com outros amigos, além de termos nosso
trabalho e demais desafios. Se alguém não responde às mensagens
no grupo, também não levamos isso para o lado pessoal.
Se alguém some por algum tempo, gentilmente procuramos saber o
motivo. “Você está bem? A saúde mental está nos trinques? Precisa
de um café ou um pouco de Botox?” (Temos uma cirurgiã plástica
no grupo.)
Se vemos que alguém foi esquiar com outro grupo de amigos
depois de ter recusado um almoço entre a gente, ninguém fica
chateada. Na verdade, todo mundo vai comentar a postagem dela
no Instagram com um “Que bom que você se divertiu!”, e isso será
totalmente sincero.
Se alguém estabelece um limite pessoal do tipo “Parei de beber por
algum tempo”, no mesmo instante todo mundo apoia
inquestionavelmente esse limite.
Quando um encontro é importante de verdade, todas
comparecemos, independentemente do que esteja acontecendo com
cada uma. (E se não pudermos mesmo ir, fica claro que teríamos ido
se pudéssemos.)
Procuramos maneiras singelas e atenciosas de cultivar a amizade –
mantemos contato compartilhando memes ou marcando umas às
outras no Instagram, por exemplo.

Nossa relação continua forte há quase uma década, e esse grupo


representa os laços de amizade mais maduros, carinhosos e respeitosos
que já tive. Se suas amizades não são assim, a boa notícia é que nunca é
tarde demais para introduzir limites. De fato, isso serve para todo
mundo que foi mencionado neste capítulo, seja o vizinho que você vem
tolerando (e de quem vem reclamando) há anos ou uma amiga com
quem você pensa em morar. Você vai se surpreender e se deliciar ao ver
como seus relacionamentos com amigos e vizinhos podem ser muito
mais felizes, saudáveis e fortes quando você toma a iniciativa de
estabelecer e compartilhar bons limites.
CAPÍTULO 6

Amor, casamento, sexo


e louça
Como estabelecer limites nos relacionamentos
românticos

Q
uando eu e meu marido, Brandon, compramos uma casa em
2019, descobrimos rapidamente que eu precisava de muito
mais tempo sozinha do que ele. Quando estávamos
namorando, ele passava uma ou duas noites na minha casa no centro da
cidade, depois ficava uma ou duas noites no apartamento dele para
podermos cuidar do trabalho, da minha programação com meu filho e
de nossas responsabilidades domésticas. Eu presumia que ele gostava do
tempo que passava sozinho tanto quanto eu.
Estava errada.
Quando decidimos morar juntos e compramos a casa, eu pedi para
me mudar primeiro, de modo que meu filho pudesse se adaptar antes
que Brandon viesse morar conosco. Porém, à medida que a data da
mudança de Brandon se aproximava, percebi que estava me sentindo
claustrofóbica... e que eu era a única a me sentir assim. (Eram os
primórdios da pandemia, o que certamente contribuiu para isso.) Tentei
enfrentar a situação porque não queria mantê-lo afastado da casa que
em breve seria dele. Resolvi guardar para mim o que eu sentia, mas fui
ficando cada vez mais ressentida e grosseira. Eu me tornei uma péssima
companhia – e ele obviamente percebeu. Depois de um dia inteiro
carregando caixas de mudança e pisando em ovos perto de mim,
Brandon voltou, frustrado, para o próprio apartamento e eu me senti ao
mesmo tempo aliviada e cheia de culpa.
Ele sabia que eu recarregava as energias quando passava algum
tempo sozinha – tínhamos conversado inúmeras vezes sobre isso. Mas
nenhum de nós tinha um plano sobre como isso funcionaria quando
estivéssemos morando juntos, e obviamente evitar o assunto não era
uma estratégia viável. Precisávamos de uma comunicação clara, de um
conjunto de expectativas compartilhadas e, claro... de limites.
Brandon e eu estávamos juntos desde 2017, com um término no
meio do caminho. Namoramos por cinco meses antes de ele romper
comigo, um detalhe que gosto de comentar nas festas, agora que estamos
casados. Ele estava inseguro e num período de transição na vida, e eu
ainda carregava bagagens do meu último relacionamento. Por acaso esse
tempo separados (e terapia) era exatamente do que precisávamos.
Quando trombamos de novo, oito meses depois, éramos pessoas
bastante diferentes, por isso decidimos dar outra chance ao
relacionamento.
Dessa vez a coisa funcionou desde o primeiro momento, e a maior
diferença (afora a terapia) foram os limites que nós dois estávamos
dispostos a estabelecer e respeitar. Minha comunicação sobre o sexo,
sobre como lidávamos com os conflitos, sobre como eu precisava que
defendêssemos nosso relacionamento e sobre o ritmo em que as coisas
deveriam acontecer nunca havia sido tão clara e direta. Brandon
combinou essa energia com períodos de introspecção profunda, fazendo
declarações igualmente vulneráveis e claras sobre as coisas de que
precisava da minha parte e os modos pelos quais planejava contribuir
para nossa família e nosso lar. Entre nossos limites mais bem-sucedidos
estavam:

Não curto isso na cama, mas topo isso, isso e isso (nós dois).
Quando eu disser que preciso de uma pausa durante uma
discussão, por favor me dê esse tempo (eu).
Por favor, não poste fotos do menino nas redes sociais (eu).
Não quero ter conta conjunta no banco (nós dois).
Casar mas morar em casas separadas não funciona para mim (ele).

É, esse último limite apareceu numa conversa. Depois de um dos


meus episódios de claustrofobia, sugeri com cautela: “Por que a gente
não se casa, mas... tipo... sem morar juntos?” Imediatamente Brandon
descartou a proposta – sem esconder os sentimentos, sem murmurar
“Talvez” e sair arrastando os pés, desapontado ou confuso, sem explodir
com raiva da ideia. Apenas um firme “Isso não funciona para mim”, o
que por acaso era a coisa mais gentil que ele poderia ter dito. (Afinal de
contas, agora estamos casados e morando juntos.)
Essa conversa também era fundamentada num dos acordos mais
importantes que fizemos na segunda metade da nossa relação: o que eu
chamo de Regra de Ouro do Relacionamento.

A REGRA DE OURO DO RELACIONAMENTO

Muito antes de conversarmos sobre morar juntos, tivemos a conversa


que talvez tenha sido a mais importante da nossa relação. As coisas com
as quais concordamos naquele dia se tornaram minha Regra de Ouro do
Relacionamento – a única lei pela qual vivemos e que sustenta todos os
outros aspectos do nosso convívio. É assim:

Diga o que você quer dizer e acredite que a outra


pessoa fará o mesmo.

Durante uma conversa que, afora isso, foi bastante normal, Brandon
perguntou se algo que ele havia feito me incomodara. Pensei durante um
minuto e respondi: “Não.” Ele continuou, sondando um pouco mais:
“Tem certeza? Eu me senti mal, e...” Eu o interrompi: “Você pode sempre
ter certeza de uma coisa: se eu estiver chateada, vou dizer. Se isso tivesse
me incomodado, eu diria. Mas se eu disser que não incomodou, pode
acreditar que estou dizendo a verdade e não precisa continuar
perguntando.”
Ele demorou um pouquinho para confiar nisso, é claro. Não são
muitas as pessoas que dizem o que querem dizer. Às vezes ainda preciso
tranquilizá-lo: “Ei, eu disse que não seria um problema se você fizesse
aquela viagem no fim de semana. Estou falando sério, eu juro.” Mas
acredito de coração que esse é o principal presente que você pode dar a
alguém na sua vida, em especial ao seu par romântico. Porque o oposto
disso é uma bosta, e suspeito que todos já estivemos de ambos os lados
dessa história.

CÔNJUGE: “Tudo bem se eu sair com uns amigos esta noite?”


VOCÊ: (fumegando – não é óbvio que isso seria um incômodo?)
“Claro, meu amor.”
CÔNJUGE: (cruzando os dedos, desejando que você tenha falado a
verdade) “Está bem, obrigado(a)!”
VOCÊ: (três horas depois, continua fumegando)
CÔNJUGE: (entrando de fininho, preparando-se para uma briga) “Oi,
voltei!”
VOCÊ: (com sarcasmo) “FANTÁSTICO. Espero que você tenha se
divertido MUITO enquanto eu fiquei EM CASA e FIZ TUDO
SEM NENHUMA AJUDA.”

Se você é mulher e leu isso presumindo que “cônjuge” era um


homem, existe um motivo. Há uma premissa estabelecida de que nós,
mulheres, jamais dizemos o que queremos dizer porque somos
recatadas/solícitas/indecisas/manipuladoras e é trabalho do homem
arrancar nossos sentimentos mais verdadeiros, tentar ler nossa mente ou
nos dizer como nos sentimos de verdade. (Só para se divertir: busque no
Google “Por que as mulheres não dizem o que pensam” e se prepare para
se irritar.) Mas, não importa qual seja o gênero, um relacionamento
pode ser arruinado quando as pessoas não dizem o que pensam ou não
assumem a responsabilidade pelos próprios sentimentos.
Essa Regra de Ouro não serve apenas para o meu relacionamento
romântico. Eu a uso em todas as áreas da vida. Meus amigos e colegas
sabem que não digo coisas só para acharem que eu sou legal. (Não sou
tão legal assim.) Não digo “sim” se não for um “sim” de verdade. Não
engulo os sentimentos só para poupar os sentimentos dos outros. E me
sinto confortável em dizer “não”, com clareza e gentileza. A coisa
funciona do seguinte modo:

DIGA O QUE VOCÊ QUER DIZER. Isso exige introspecção, alguns minutos
(ou mais) para checar como você se sente de verdade e um compromisso
com a comunicação clara e gentil. No exemplo anterior, se o fato de seu
cônjuge sair à noite lhe parecer uma espécie de abandono ou sobrecarga,
diga isso. Em vez de “Claro, meu amor”, experimente: “Não gosto da
ideia porque precisamos preparar uma festa para amanhã e muita coisa
ainda precisa ser feita. Se você sair, vou ter que me virar sozinha e dar
conta de tudo.”

Isso indica um caminho muito mais claro para a solução imediata.


Agora seu cônjuge pode processar a informação que você deu e dizer:
“Certo, então não vou. Cadê a lista de afazeres?” Ou talvez: “Certo, mas
hoje é o aniversário do Sam. E se eu ficar lá só por uma hora e depois
voltar para ajudar você?” Ou: “Verdade! Vou embrulhar os presentes,
pendurar os enfeites e limpar os móveis do quintal amanhã bem cedo.
Isso tranquilizaria você se eu saísse durante algumas horas?”

Agora é a sua vez de refletir e dizer a verdade. Entre as opções estão:


“Claro, podemos combinar assim, dê meus parabéns ao Sam”, ou “Não,
acho mesmo que vou precisar da sua ajuda esta noite”, ou “Pode ser,
desde que você termine de fazer tudo antes das dez da manhã.
Combinado?”. Continue a se comunicar com clareza e gentileza. Diga o
que quer dizer.

ACREDITE QUE A PESSOA FARÁ O MESMO. Se o seu par disser: “Eu quero
mesmo sair esta noite. Minha saúde mental não está lá essas coisas e
preciso muito desse tempo com meus amigos”, aceite que isso é verdade
e avalie se você pode abrir mão da sua preferência em favor da pessoa
amada e do relacionamento. Se a pessoa disser: “Certo, entendo, não vou
sair esta noite”, acredite que ela está fazendo a escolha certa para si
mesma, não cedendo com ressentimento, raiva ou amargura. Confie em
que vocês compartilham o mesmo padrão de comunicação clara e gentil,
e de repente sua noite parecerá muito melhor, quer a pessoa saia ou não.

INFRATORES REINCIDENTES
Essa abordagem exige um nível básico de confiança. Se você comunica com
clareza e gentileza que precisa da pessoa amada em casa esta noite e ela sai
mesmo assim, veja se essa é uma situação atípica em que você subestimou
as necessidades do seu par, ou se esse é um padrão de comportamento de
alguém que desrespeita suas necessidades, não demonstra reciprocidade
nem se comunica com tanta franqueza quanto você. Se for isso, um
terapeuta poderia ajudar o casal a enfrentar essas questões fundamentais.

Com a abordagem da Regra de Ouro, você e seu par concordarão em


percorrer um caminho juntos e poderão seguir com a vida sabendo que
cada um estará se comunicando francamente e assumindo a
responsabilidade pelos próprios sentimentos. A Regra de Ouro é
fantástica para evitar conflitos desnecessários. Quando você se dispõe a
dizer “não”, em vez de concordar de má vontade e se irritar em silêncio, o
seu “sim” tem mais significado. A pessoa saberá que se você disser “Sim,
os seus pais podem se hospedar com a gente”, “Sim, pode gastar aquele
dinheiro”, “Sim, tudo bem você sair esta noite”, você realmente estará
falando sério. A pessoa não vai precisar se preparar para uma retaliação,
uma raiva fumegante e uma discussão no futuro, e isso cria um nível
mais profundo de confiança no relacionamento.
Esse comportamento também é um caminho para estabelecer limites
claros e gentis, mesmo que você nunca os tenha tido no relacionamento.
Sua disposição para dizer “não” de acordo com sua integridade também
dá ao outro a permissão de dizer “não” a você. Agora você está moldando
um padrão de comunicação claro e gentil e encorajando a pessoa amada
a explorar os próprios limites saudáveis pelo bem do relacionamento.
Isso significa que a outra pessoa também não concordará de má vontade
ou com raiva, e que agora vocês estão livres para desfrutar da vida sem
se preocupar com a possibilidade de um ataque furtivo.
A Regra de Ouro do Relacionamento que eu e Brandon
estabelecemos logo no início construiu o alicerce para as conversas
claras e gentis sobre limites que aconteceriam mais tarde, e isso as
tornou dez vezes mais fáceis. Há ainda mais um princípio que quero
compartilhar antes de dizer como criamos limites para resolver o
enigma do tempo a sós. É um termo que eu inventei, “VPFCQ”, e ainda
estou pensando num jeito de transformá-lo numa sigla pronunciável.

VPFCQ (VOCÊS PODEM FAZER COMO QUISEREM)

Ironicamente, essa teoria (VPF, para resumir) começou com uma


conversa que tive com uma amiga sobre estar num relacionamento em
casas separadas. Um dia, durante o café da manhã, minha amiga estava
contando sobre a vida com seu companheiro de longa data. “Eu tenho a
minha casa e ele ainda tem a dele. Às vezes quero colocar uma máscara
facial e dormir sozinha. Às vezes ele quer mais privacidade do que meus
filhos podem oferecer. Estamos juntos há seis anos e isso funciona para a
gente.”
Fiquei pasma. Na época, Brandon e eu tínhamos começado a
namorar de novo. Estávamos nos orientando no relacionamento,
pensando no que queríamos agora e quando e como eu iria apresentá-lo
ao meu filho. Era muita coisa. Quando minha amiga explicou como ela e
o companheiro tinham estruturado a vida deles, percebi pela primeira
vez que duas pessoas adultas podiam realmente organizar seu
relacionamento como quisessem. Não precisava ser uma coisa
convencional, não precisava seguir normas sociais e não precisava fazer
sentido para ninguém além dos dois. Essa é uma ferramenta capaz de
transformar um relacionamento e pode ser aplicada a qualquer área da
sua vida, além de ajudar a estabelecer limites saudáveis. Aqui vão
algumas áreas em que você e seu par podem entrar no acordo que
quiserem:

FINANÇAS: Vocês podem juntar o dinheiro ou manter contas bancárias


totalmente separadas. Podem dividir os gastos (em qualquer proporção)
ou uma pessoa pode pagar por tudo sozinha. Podem combinar só fazer
compras muito grandes juntos. Podem ter uma política de “Não
pergunte, não conte” em relação ao preço das coisas. Podem decidir que
se o dinheiro está na sua conta, ele é seu. Vocês podem fazer como
quiserem.

INTIMIDADE: Vocês podem concordar com a monogamia, ter um


relacionamento aberto ou praticar o poliamor. Podem dormir na mesma
cama, ter quartos separados ou uma combinação das duas coisas. Podem
ser casados sem morar juntos, podem morar juntos sem casar, ou casar e
morar juntos só durante metade do ano. Vocês podem fazer como
quiserem.

PAPÉIS DE GÊNERO: Qualquer pessoa no relacionamento pode ser quem


provê, quem cuida das crianças ou administra o lar. Qualquer pessoa no
relacionamento pode cozinhar, fazer faxina, trocar o óleo ou arrancar as
ervas daninhas. Qualquer pessoa no relacionamento pode pagar as
contas, contratar o empreiteiro, cuidar do quintal, ou projetar o
banheiro novo. Vocês podem fazer como quiserem. (Estou olhando para
vocês, casais héteros.)

SOCIALIZAÇÃO: O casal pode chegar às festas junto ou separado. Um de


vocês pode voltar para casa mais cedo, de Uber. Você pode sempre
convidar seu companheiro ou companheira para ir aos mesmos eventos
que você, ou pode não convidar nunca, ou só de vez em quando. Vocês
podem ter amigos em comum, amigos que são apenas seus, ou poucos
amigos porque preferem uma vida reservada. Podem sair regularmente,
não sair nunca, ou apenas receber pessoas em casa. Vocês podem fazer
como quiserem.

Ainda que a ideia de nos casarmos e morarmos separados não fosse


viável, o conceito de VPF nos ajudou a explorar com sucesso outros
aspectos do relacionamento – se queríamos ter outro filho, a carreira
profissional de Brandon, como lidávamos com dinheiro e como
manteríamos a privacidade quando minha vida já era bastante pública.
Já que nunca sentimos pressão para fazer a coisa de um jeito específico,
estávamos livres para explorar qualquer solução que pudéssemos
imaginar, não importava quão diferente fosse. Em última instância, o
VPF nos permitiu criar uma vida que funcionasse para nós dois, depois
de conversarmos sobre todos os aspectos importantes para ambas as
partes e nos encontrando no meio do caminho, em geral de maneira
pouco convencional.
E foi por isso que voltei para a terapia antes de Brandon se mudar.
Ter casas separadas não funcionaria para ele. Morar juntos como
vínhamos tentando realmente não funcionava para nenhum dos dois. A
ideia de não casar me deixava triste. Assim, voltei para a terapia com o
objetivo específico de descobrir como Brandon e eu poderíamos coabitar
de um modo bem-sucedido.
Passei algumas sessões identificando e discutindo com meu
terapeuta como tapar vários vazamentos de energia na minha vida. A
maioria desses vazamentos se originava no meu celular. Eles estavam
minando a energia de que eu dispunha para me conectar com Brandon,
por isso estabeleci alguns limites para mim mesma em relação a como eu
lidava com as redes sociais, os aplicativos de mensagens e os e-mails.
Então meu terapeuta e eu passamos às estratégias de comunicação e
começamos a pensar nos limites que eu poderia estabelecer para
garantir que teria o tempo a sós de que eu precisava, sem que Brandon
se sentisse menosprezado ou “errado” simplesmente por existir no nosso
espaço.
Em nome da comunicação saudável, compartilhei com Brandon
detalhes das minhas sessões de terapia para que ele visse que eu estava
assumindo a responsabilidade pelos meus próprios sentimentos.
Conversamos sobre as estratégias que eu estava empregando com as
redes sociais e o trabalho para recuperar parte da minha energia.
Também exploramos maneiras pelas quais eu podia obter o espaço de
que precisava para me recarregar sem que ele precisasse dormir no carro
– isso incluía eu fazer longas caminhadas sozinha no fim de semana e ir
para cama especialmente cedo (e sozinha) para ler durante uma hora.
Ao mesmo tempo o encorajei a dizer as coisas de que ele precisava de
mim nessa situação. Ele não precisa de tanto tempo sozinho como eu,
mas mesmo assim quer manter sua independência, acampando com
amigos e viajando para torneios de jiu-jítsu. Discutimos como nós dois
poderíamos ter o que desejávamos se fôssemos mais comunicativos.
Além disso, ele expressou que sentia falta do modo como nos
comunicávamos antes de ele se mudar. Perguntou se eu poderia me
esforçar mais para me conectar fisicamente durante os dias agitados,
nem que fosse apenas para um abraço demorado ou um beijo rápido, e
pediu que eu ficasse até mais tarde com ele nos fins de semana para
sessões de Netflix e aconchego no sofá.
Ambos nos comprometemos de novo com a Regra de Ouro do
Relacionamento, sabendo que se fôssemos claros e gentis ao falar das
coisas de que precisávamos, cada um poderia acreditar que o outro
assumiria a responsabilidade pelos próprios sentimentos com relação a
elas. Isso significava não me calar para proteger os sentimentos dele: se
eu estivesse incomodada querendo mais espaço, precisava dizer. Se ele
estivesse se sentindo desconectado, também precisava dizer. Essas três
coisas – nos comunicarmos mais, explorar soluções juntos e nos
comprometermos a dizer nossa verdade – resolveram a maior parte dos
meus problemas de “tempo sozinha”; os que restaram precisavam
simplesmente de limites. No momento esses limites são assim:

“Eu adoraria assistir a um filme, mas não quero aconchego agora,


está bem?”
“Quero caminhar sozinha amanhã. Podemos fazer alguma coisa
juntos no domingo?”
“Vou para cama depois de colocar o menino para dormir – preciso
de algum tempo em silêncio.”

Brandon e eu moramos juntos há quase dois anos, e é notável como


expandi minha capacidade de dividir espaço. Na verdade, usamos a
Regra de Ouro e o conceito VPF para criar limites saudáveis em cada
área do nosso relacionamento, desde a divisão do trabalho doméstico até
o modo como lidamos com conflitos no sexo. Porém, antes de entrarmos
nisso, quero alertar que este capítulo não é tão evidente quanto os
outros. Ainda que os limites sejam uma coisa mágica, não podem
resolver tudo, e isso é especialmente verdadeiro para os desafios mais
comuns que já testemunhei entre casais românticos.
VOCÊ PRECISA DE ALGO MAIS DO QUE UM LIMITE?

Neste capítulo, mais do que em qualquer outro, você me verá dizer: “Isso
não é realmente um problema de limite.” Sim, existem muitas situações
em que estabelecer um limite é adequado e útil. Se o seu par compra algo
caro sem falar primeiro com você, propõe algo no quarto que deixa você
desconfortável, ou envolve a própria mãe com muita frequência no
relacionamento, sim, vocês precisam de limites, e vamos abordá-los nos
roteiros. No entanto, muitas das questões mais comuns que surgem nas
relações românticas devem começar com comunicação e esclarecimento
de expectativa, não com limites.

Divisão do trabalho doméstico


Finanças e gastos
Maneiras de lidar com conflitos
Preferências de socialização
Privacidade e espaço pessoal
Intimidade física
Confiança e fidelidade

Será que você pode estabelecer um limite que diz: “Não tenho
capacidade emocional ou energia para lavar a louça de novo esta
semana”? Claro que pode. Mas o que você fará se a louça continuar suja
e você quiser fazer uma refeição e não houver um prato, um garfo ou
uma faca limpos em casa? (Se você me respondesse “Comprarei
secretamente um bocado de pratos descartáveis”, parte de mim adoraria
isso em silêncio, mas em voz alta eu diria que não é uma solução a longo
prazo.) E um limite do tipo “O máximo que admito ficar sem sexo são
cinco dias” não costuma ser viável, porque isso depende da outra pessoa
– e o limite dela pode entrar em conflito com o seu. (Por exemplo: “Não
vou fazer sexo sob pressão.”)
Nas conversas com os membros da minha comunidade ouvi
praticamente todos os problemas de relacionamento que existem e,
tendo sido casada, divorciada e estando casada de novo, eu mesma
experimentei muitos deles. Gostaria que houvesse roteiros simples de
limites capazes de abordar de modo adequado as questões realmente
difíceis, mas essas situações não podem ser resolvidas com o
estabelecimento de um limite por uma das partes – elas precisam da
comunicação clara de todos os envolvidos e do esclarecimento de
expectativas compartilhadas, talvez facilitadas por um terapeuta.
Vou abordar essas questões neste capítulo de alguns modos
diferentes. Primeiro, se houver um limite claro e gentil que possa ser
estabelecido, vou delineá-lo nos roteiros. Segundo, se o problema não
puder ser resolvido com um limite saudável, vou compartilhar minhas
melhores estratégias para iniciar o tipo de conversa que ajudará você a
chegar mais perto do objetivo. Finalmente, para temas mais pesados
(especificamente a divisão justa do trabalho doméstico, o
estabelecimento de “regras de interação” nos conflitos e a intimidade
sexual), vou indicar livros sobre esses temas, de modo que você possa
dar um mergulho mais profundo com seu companheiro ou sua
companheira para melhorar o aspecto específico do relacionamento que
está provocando estresse ou drenando sua energia.
Dividi em cinco categorias as conversas, as sugestões e os roteiros de
limites relacionados a problemas que surgem com mais frequência:
administração do lar, conflito interpessoal, estilos de socialização,
privacidade e confiança, e sexo e conexão física.

ADMINISTRAÇÃO DO LAR: Existem limites para você e seu cônjuge se


organizarem na divisão do trabalho, no cuidado com as crianças, nas
finanças e em outros aspectos da casa. Administrar um lar é tão
complexo e desafiador quanto administrar um negócio, e todos
queremos ser reconhecidos e apreciados pelo trabalho muito real (e
frequentemente invisível) que fazemos. Como já discutimos, manter um
limite saudável em relação ao trabalho doméstico pode não ser fácil, já
que o respeito a esse limite costuma exigir a cooperação da outra pessoa.
Ainda assim, existem limites que você pode estabelecer em cada área da
responsabilidade com o lar. Eles encorajarão seu cônjuge a reconhecer o
trabalho que você realiza regularmente, além de permitir que vocês
criem juntos estratégias que funcionem para ambas as partes.

CONFLITO INTERPESSOAL: Trata-se de limites saudáveis que você


estabelece para quando o casal discordar, discutir ou tiver conversas
desafiadoras. Estabelecer “regras de interação” saudáveis é fundamental
para garantir que as discussões permaneçam respeitosas e seguras. Você
pode impor limites em relação a como permitirá que a pessoa amada fale
com você ou trate você. Compartilharei recursos que ajudam nesse
sentido.

ESTILOS DE SOCIALIZAÇÃO: É comum os casais terem preferências


diferentes em relação a como socializam com amigos e familiares, como
passam o tempo juntos e quando podem ficar sozinhos. Reconhecer que
não existe um modo “certo” de socializar como casal é um primeiro
passo necessário; só importa que vocês encontrem estratégias que
funcionem para ambos. Vou compartilhar algumas conversas saudáveis
sobre limites que você pode iniciar quando um de vocês estiver se
sentindo sufocado ou sem energia por causa dos contatos sociais.

PRIVACIDADE E CONFIANÇA: É fundamental manter um senso de


autonomia, o espaço pessoal e a confiança no relacionamento, e cada um
de vocês precisa determinar as coisas com as quais não se sente
confortável. Comportamentos quanto ao compartilhamento de
informações com outras pessoas, quanto à segurança dos seus telefones
ou contas de e-mail, quanto ao espaço pessoal (de cada um ou do casal)
e quanto aos acordos que vocês fazem um com o outro precisam ser
discutidos, combinados e respeitados.

SEXO E CONEXÃO FÍSICA: Guardei essa categoria para o final porque


poderia ocupar um capítulo inteiro (esse tema está no mesmo nível que
a administração do lar como uma importante área de conflito nos
relacionamentos). Quando uma pessoa precisa de mais conexão física do
que a outra, isso pode levar a um ciclo negativo de irritação, pressão,
afastamento, solidão ou abandono. Isso não pode ser resolvido com uma
conversa sobre limites – exige um nível mais profundo de comunicação e
solução de problemas, em geral com a ajuda de um terapeuta. Se seu par
iniciar um contato que lhe pareça desconfortável, será empoderador e
produtivo estabelecer limites saudáveis quanto ao tipo de intimidade ou
toque que são bons para você. Vamos abordar conversas sobre limites e
sugestões relacionadas a esse tema adiante.

DICAS PARA COMEÇAR

Antes de passarmos aos roteiros e às sugestões de leitura, quero enfatizar


que terapeutas ou outros profissionais de saúde mental podem ser
valiosos para essas conversas. A primeira coisa que fiz ao perceber que
Brandon e eu estávamos num impasse em relação aos planos de
morarmos juntos foi voltar à terapia. Um terapeuta pode agir como
parte neutra, um espaço livre para se expor, uma fonte experiente de
conselhos e a pessoa com mais probabilidade de enxergar na sua
situação coisas que você jamais teria visto sem ajuda. Aqui vão algumas
dicas para buscar uma terapia (e alguns benefícios dela) que apoie sua
comunicação e seus esforços de estabelecer limites para a pessoa amada:

FAÇA ISSO POR VOCÊ. Ainda que a terapia de casais possa ser uma
ferramenta incrível para ajudar duas pessoas a se comunicarem de
modo mais eficaz, você não precisa esperar que seu companheiro
ou sua companheira concorde em buscar ajuda. Existem benefícios
tremendos em fazer terapia por conta própria, mesmo que sua
intenção seja melhorar o relacionamento.
SEJA A MUDANÇA. Uma pessoa pode mudar uma dinâmica. Fazer
terapia pode ajudar você a perceber padrões no modo como reage a
problemas no seu relacionamento. É possível mudar uma relação
mudando o seu comportamento. Trabalhando suas atitudes, você
aparecerá de modo diferente para a outra pessoa, e isso significa
que as coisas vão mudar.
ASSUMA A RESPONSABILIDADE. Buscar terapia mostra à outra pessoa
que você assume a responsabilidade pelos próprios sentimentos.
Isso pode servir de exemplo para o tipo de comportamento que
você espera ver por parte dela. Também pode ajudar a garantir a ela
que você está fazendo a sua parte; no mínimo, ajudará você a
recuperar seu poder numa situação em que provavelmente se sente
impotente.
BUSQUE CONSELHOS ESPECIALIZADOS. Algumas situações parecem
tão sufocantes ou pesadas que é difícil saber o que fazer ou mesmo
o que pode ser feito. Um terapeuta provavelmente já viu os
problemas que você está confrontando e pode oferecer as
estratégias mais eficazes para você se orientar em situações
desafiadoras.
RECEBA APOIO. Se as coisas ainda assim não mudarem para melhor,
seu terapeuta pode apoiar você em qualquer decisão que precise ser
tomada, oferecer conselhos para os próximos passos e compartilhar
recursos alternativos.

Ainda que poder fazer terapia seja um privilégio, existem recursos


que ajudam a encontrar apoio dentro do seu orçamento e aplicativos ou
sites que lhe permitem falar virtualmente com profissionais. Eu sempre
recomendo que as pessoas comecem a fazer terapia antes que aconteça
algum evento estressante ou doloroso. Assim, quando você encontrar
um obstáculo, já terá estabelecido uma relação, uma história e confiança
com um profissional de saúde mental. E se mais tarde seus esforços
individuais se transformarem em terapia de casal, manter as sessões
individuais ajudará você a processar seus sentimentos e obter o apoio
necessário para atravessar os tempos difíceis.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO À


ADMINISTRAÇÃO DO LAR

Para todas as mulheres que estão lendo agora: levante a mão quem
gostaria de ter mais tempo para si mesma. Ah, olha, são literalmente
TODAS, inclusive as mães que estão lendo isto no vaso sanitário porque
é o único lugar onde podem realmente ficar sozinhas em sua própria
casa. (E nem isso é garantido.) As mulheres com quem eu falo todo dia
estão constantemente cansadas, e, a julgar pelas mensagens que leio, o
que mais cansa é quanto os outros esperam que elas façam e como seu
tempo é pouco valorizado – especialmente pelo próprio marido. Vamos
falar sobre como nossa divisão do trabalho doméstico ainda é
desequilibrada, pelo menos entre os casais héteros.
Graças ao patriarcado, ao machismo e às suposições estereotipadas
sobre os papéis de gênero, as mulheres são avassaladoramente
responsáveis por lavar roupa, fazer faxina, cozinhar, cuidar dos filhos,
fazer compras e lavar louça. De fato, um relatório feito em 2020 pela
Oxfam e pelo Institute for Women’s Policy Research avalia que nos
Estados Unidos as mulheres gastam duas horas a mais do que os homens
absolutamente todos os dias fazendo esse trabalho não remunerado – e
isso era antes da pandemia.3 Esse número não desaparece quando as
mulheres têm um emprego em horário integral – as mulheres que têm
emprego ainda passam 1,1 hora por dia, todo dia, fazendo serviços
domésticos.
Isso representa 401 a 730 horas de trabalho extra não remunerado
todos os anos. Será de espantar que o tema do trabalho doméstico surja
com tanta frequência nos relacionamentos héteros? (Nota: pesquisas
mostram que os casais do mesmo sexo administram essa divisão de
modo muito mais eficaz e justo.4 É quase como se a remoção dos papéis
tradicionais de gênero permitisse que cada parceiro ou parceira trabalhe
para uma solução que beneficia a família como um todo, delegando
tarefas com base no interesse ou na capacidade, não em estereótipos
sexistas. Interessante.)
Sempre que falo sobre o estabelecimento de limites numa relação
amorosa, recebo uma infinidade de mensagens de mulheres, todas
perguntando a mesma coisa: “Como eu e meu marido podemos dividir
as tarefas de modo igualitário?”, “Como posso fazer com que meu
marido me ajude mais com as crianças?”, “Preciso que ele esteja mais em
casa – isso ao menos é um limite?”. A principal reclamação que ouço das
esposas nos relacionamentos héteros tem a ver com a divisão injusta do
trabalho doméstico. E a verdade é que essa não é de fato uma questão de
limites; é uma questão de comunicação e esclarecimento de expectativas.
(Outra nota interessante: parece que os homens nos relacionamentos
heterossexuais também querem ter mais tempo para si mesmos, e a coisa
que dizem que mais ajudaria seria a esposa importuná-los com menos
frequência. Claro, essa importunação costuma vir na forma de... pedido
de ajuda com as tarefas domésticas. Esta seção vai ser tudo.)

SUGESTÃO DE LEITURA: O MÉTODO FAIR PLAY, DE EVE RODSKY


Livros inteiros foram escritos sobre esse tema, e o meu predileto, de longe, é
O método Fair Play para divisão de tarefas domésticas, de Eve Rodsky.5 É um
guia para alinhar suas expectativas em relação à administração do lar;
identificar as tarefas que precisam ser administradas; e dar a uma única
pessoa a responsabilidade por todos os três componentes de cada tarefa:
concepção, planejamento e execução. Aqui vai um exemplo de como apliquei
a filosofia de Rodsky numa tarefa doméstica da minha vida, o “dia do lixo”:
Concepção: Notar que o lixo precisa ser levado para fora toda segunda-
feira à noite. Se você não tiver essa informação, o “dia do lixo” não poderá
ser completado.
Planejamento: Observar que é segunda-feira, várias latas de lixo pela casa
precisam ser esvaziadas e há caixas de papelão que precisam ser
rasgadas para a reciclagem.
Execução: Rasgar as caixas e levá-las para a lixeira de reciclagem; pegar o
lixo da cozinha, do banheiro e do escritório (e substituir os sacos de lixo); e
empurrar as duas lixeiras até a calçada, para o caminhão recolher.

Nos relacionamentos heterossexuais, os homens costumam cuidar de parte


da execução quando as mulheres dizem “Lembre que amanhã é o dia do
lixo”, mas com muita frequência isso significa apenas empurrar as lixeiras até
a calçada. Isso deixa o grosso da concepção, do planejamento e da execução
por conta das mulheres – e essa é apenas uma tarefa dentre centenas que
fazem parte da administração de uma casa e de uma família.
No sistema Fair Play, de Rodsky, cada tarefa doméstica é de
responsabilidade total de uma pessoa, do início ao fim, desde a concepção
até o planejamento e a execução. Isso encoraja o casal a administrar bem o
trabalho invisível que faz parte de tantas tarefas domésticas. Além disso,
Rodsky recomenda estabelecer um “padrão mínimo de cuidado” para cada
tarefa, em que cada parceiro ou parceira concorda com o que significa dizer
que uma tarefa está “terminada”. Assim, quando você diz “É o dia do lixo”,
todo mundo entende que isso significa se livrar de todo o lixo da casa e das
caixas de papelão.
Esse modelo é emprestado da administração de empresas e ajuda você a
tratar sua casa como o negócio complexo e dinâmico que ela é. Rodsky diz
que seu sistema Fair Play realiza duas coisas: alivia a carga mental para a
pessoa que administra as tarefas domésticas (geralmente as mulheres) e
elimina a importunação, que é a principal reclamação que os homens têm em
relação à vida doméstica. Todo mundo sai ganhando.

Os roteiros que você vai encontrar neste capítulo podem ajudar a


preservar seu tempo e sua energia enquanto você estabelece um sistema
igualitário para a administração do lar – mas você ainda descobrirá que
manter seu próprio limite pode não ser do interesse da sua família. É aí
que entra o sistema Fair Play. Juntando o método de Rodsky, as
conversas e os roteiros de limites que vou delinear nesta seção, você
estará em condições de identificar, reconhecer e redistribuir a
quantidade incrível de trabalho que implica a administração de uma
casa, e de estabelecer limites onde forem necessários para garantir que
seu tempo e suas ideias sejam valorizados e respeitados.

Meu par diz que vai ajudar com as tarefas, como lavar a louça ou dobrar a
roupa lavada, mas depois só faz a metade – lava a louça, mas não guarda; ou
dobra a roupa, mas deixa tudo na sala. Isso não atende às minhas
expectativas. Como posso comunicar isso?

VERDE: “Ei, amor, concordamos que quem lava a louça também


guarda.”
AMARELO: “A gente precisa dos pratos no lugar. As crianças vão
arrumar a mesa. E o meu trabalho é fazer o jantar, não guardar a
louça.”
VERMELHO: (longe da tarefa, num momento calmo) “Nós já
conversamos sobre minha necessidade de uma divisão justa do
trabalho doméstico, e eu continuo terminando tarefas que
concordamos que seriam suas. Isso vai além da louça, e o
ressentimento que estou sentindo não faz bem para o nosso
relacionamento. Vou conversar com um terapeuta sobre os próximos
passos, porque isso não está funcionando para mim.”

Estabelecer um padrão mínimo de cuidado para as tarefas domésticas


(como é recomendado no livro de Rodsky) é o primeiro passo, mas em
última instância seu limite será: “Não quero fazer as coisas que você se
comprometeu a fazer.” Aqui não existem respostas fáceis, porque você
não pode obrigar a outra pessoa a fazer a parte dela ou a valorizar os
seus esforços, mas seus limites Amarelo e Vermelho demonstram que
você está assumindo a responsabilidade por suas necessidades e que
fará o que for preciso para garantir que elas sejam atendidas.

Tivemos um bebê e vou voltar a trabalhar. Preciso que meu cônjuge acorde mais
cedo para dividir as responsabilidades de tudo o que deve ser feito de manhã.
Como posso abordar isso?

VERDE: “Podemos conversar sobre como vai ser a rotina de manhã


quando eu voltar a trabalhar, e quem vai fazer o quê?”
AMARELO: “Você pode cuidar do bebê das 6h às 6h30 para eu tomar
banho e me preparar ou pode se arrumar primeiro e ficar com ele
das 6h30 às 7h. O que é melhor para você?”
VERMELHO: “Na semana que vem preciso que você cuide do bebê das
6h às 6h30 enquanto eu me arrumo para o trabalho.”

Comece com o Verde e delineie tudo o que precisa ser feito de manhã
para que vocês possam sair de casa – desde tomar banho e fazer o café
da manhã até colocar as mamadeiras na bolsa e deixar a bebê na
creche. Envolva a outra pessoa no processo de decidir quem faz o que e
quando, de modo que ela perceba a verdadeira parceria nesse
momento tão importante e enxergue todo o trabalho invisível que
implica cuidar de um bebê quando os dois responsáveis trabalham
fora.

ESCREVA NO CALENDÁRIO
Lembro-me de ter reclamado com meu terapeuta que eu estava com
dificuldade para cumprir as tarefas matinais e levar meu filho para a escola a
tempo, mas me sentia muito mal em pedir que Brandon o levasse. Meu novo
marido perguntava o tempo todo “Como posso ajudar?”, mas eu estava
acostumada demais a fazer tudo sozinha e ainda não tinha assimilado a
ideia de que meu filho era agora nosso filho, e que portanto ele era nossa
responsabilidade compartilhada. “Por que você não cria um calendário de
tarefas?”, perguntou meu terapeuta, e as nuvens se abriram e os anjos
cantaram. Agora, às terças e quintas meu marido cuida do menino, desde
que acorda até a hora de tomar café da manhã, vestir-se e ir para a escola.
Mesmo se eu estiver em casa, não é o meu dia, o que me deixa livre para
malhar, começar a trabalhar mais cedo, levar o cachorro para um passeio
mais longo – qualquer coisa que eu queira. Foi o melhor conselho que já
recebi sobre a divisão de responsabilidades domésticas, e agora eu pergunto
a todo mundo: “Que tal criar um calendário de tarefas?”

Meu companheiro não me consulta quando faz compras muito caras. Ele
comprou um segundo carro sem ao menos falar comigo! Mas ele é o provedor
da família (eu fico em casa com as crianças) e diz que o dinheiro é dele. O que
posso dizer nessa situação?

VERDE: “Este casamento é uma parceria em todos os sentidos. Eu


gostaria de participar das decisões financeiras tanto quanto participo
das decisões sobre as crianças ou a casa.”
AMARELO: “Eu esperava que você me consultasse antes de fazer uma
compra tão grande. Quando você não faz isso, sinto que não tenho
seu respeito ou sua consideração, e isso não é bom para o nosso
relacionamento.”
VERMELHO: “Este relacionamento não vai funcionar se você não
valorizar minhas contribuições e minhas ideias.”

Quando um cônjuge diz algo do tipo “O dinheiro é meu”, isso


demonstra falta de valor ou respeito por tudo o que você faz para
administrar sua casa. Sugiro uma experiência divertida: anote tudo o
que você faz em casa – limpar, cozinhar, cuidar das crianças, dirigir,
cuidar do cachorro, fazer compras e todo o resto – e descubra quanto
custaria terceirizar esse trabalho. Talvez a perspectiva do seu marido
mude se você apresentar isso junto de uma fatura no fim da semana.
Uma alternativa (se você não quiser pegar tão pesado) é combinar
uma reunião mensal para falar das finanças, quando vocês puderem
analisar juntos extratos bancários, gastos e orçamentos. Além disso,
vocês podem definir um limite máximo do que têm direito a gastar sem
perguntar. Estabelecer expectativas compartilhadas e o motivo pelo
qual elas são importantes, e depois abordar o assunto juntos e prestar
contas um ao outro, é fundamental.

Meu companheiro e eu começamos a morar juntos recentemente, e pouco a


pouco todas as minhas “coisas” começaram a desaparecer. Minhas obras de
arte não são do gosto dele, meus móveis não são tão confortáveis, e agora tudo
o que temos no nosso espaço compartilhado é dele. Decorar a casa juntos era
algo que eu desejava fazer, mas agora o lugar onde moro não tem nada a ver
comigo. O que posso fazer?

VERDE: “Eu gostaria que decorássemos nosso novo lar juntos, para
nós dois nos sentirmos confortáveis e à vontade nele. Que tal
falarmos sobre quais peças são importantes para nós e onde
poderiam ficar?”
AMARELO: “Essas três peças são muito importantes para mim, então
vamos arranjar um lugar para elas.”
VERMELHO: “Minha cadeira de balanço predileta vai ficar, e essa obra
de arte também.”

Se você tem um quadro que se choca demais com o projeto de


decoração, o que mais poderia fazer? Será que você poderia decorar
seu home office como quiser? Será que vocês poderiam vender a maior
parte dos móveis e comprar coisas novas juntos? Seria possível assumir
uma abordagem puramente objetiva (do tipo “Qual mesinha de centro
está em melhores condições?”), ou encontrar um local mais discreto
para coisas que são significativas ou sentimentais para você?

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO AOS


CONFLITOS INTERPESSOAIS
Todo relacionamento passa por conflitos, e o modo como você lida com
eles pode aumentar ou destruir seu sentimento de confiança, segurança
e conexão. Uma das primeiras coisas que os especialistas em conflitos
recomendam é criar “regras de interação” para as discussões antes que
elas aconteçam. Isso prepara vocês para quando os ânimos se
inflamarem e as emoções esquentarem. Entre algumas regras gerais
estão: nada de xingamentos, nada de ameaças, nada de gritos. E também
existem algumas diretrizes extras que meu marido e eu achamos úteis.

NÃO USAR OS MEDOS MAIS PROFUNDOS DA OUTRA PESSOA CONTRA ELA.


Brandon e eu nos conhecemos bem – sabemos o que as vozes más
dentro da nossa cabeça dizem quando nos sentimos inseguros ou
estressados, e sabemos qual é o botão que poderíamos apertar para
provocar mais danos. Usar esse conhecimento contra a outra pessoa no
meio de uma discussão (ou em qualquer ponto dela) é estritamente
proibido.

CRIAR UMA “FRASE CURINGA” PARA INTERROMPER O PADRÃO. Nós usamos


uma frase que coloca a discussão imediatamente em perspectiva se um
de nós estiver se sentindo transtornado: “Lembre que somos uma
equipe.” É um lembrete de que não somos adversários, não importa o
que possa parecer no momento. Nosso objetivo é resolver as coisas
juntos. Invocar nossa frase curinga quase sempre melhora nossa energia
e nosso humor.

ATER-SE A UM ÚNICO ASSUNTO NAS DISCUSSÕES. Isso nos ajuda a chegar a


uma solução e não seguir pelo caminho do Tudo Que Já Houve De
Errado. Trazer de volta brigas de dois anos atrás, ou dizer “Bom, e nas
ocasiões em que você faz isso?”, nunca é útil nem produtivo, por isso
concordamos em nos ater a um assunto de cada vez e permanecer nele
até que pareça adequadamente resolvido.
RESPEITE OS PEDIDOS DE TEMPO. A qualquer momento um de nós pode
pedir uma pausa para se afastar da situação, pensar direito e esfriar a
cabeça, e esse tempo que damos um ao outro sempre ajuda nosso
objetivo. Mas a pessoa que pediu tempo deve retomar a conversa quando
possível. Sim, algumas vezes vamos dormir com raiva, mas concordamos
em conversar na manhã seguinte, depois de uma boa noite de sono. E
isso funciona para nós.

SUGESTÃO DE LEITURA: COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA,


DE MARSHALL B. ROSENBERG
Não se deixe assustar pelo título desse livro – você não precisa se envolver
em gritarias nem arremessos de pratos na parede para reconhecer que o
modo como você e seu companheiro ou sua companheira discutem costuma
fazer mal ao outro. O livro Comunicação não violenta (CNV) ajudará você a
se expressar com clareza e sinceridade ao mesmo tempo que ouve as
necessidades da pessoa amada.6 A CNV é uma prática ativa de
comunicação solidária que busca solucionar problemas de modo colaborativo
em vez de lidar com as discussões da maneira mais comum (com um monte
de “Você fez isso” e “Você não deveria ter feito aquilo”). O objetivo da CNV é
ajudar você e seu par a entender seus sentimentos, expressar pedidos claros
para que eles sejam atendidos, ouvir a outra pessoa com empatia e de modo
compassivo, e chegarem juntos a uma solução.
Existem quatro passos no modelo da CNV: observações, sentimentos,
necessidades e pedidos. Usando uma situação que costumo ouvir com
frequência na minha comunidade – quando um dos parceiros fica fora de
casa mais do que o outro gostaria –, eis como seria o processo CNV para
quem fala:

Observações: Diga o que você percebeu sem fazer julgamentos, usando


frases neutras. Assim, “Você prefere sair com os amigos a ficar com a
família” se transforma em “Hoje notei que você chegou em casa às oito,
não às seis”. Mudanças desse tipo podem impedir que a outra pessoa fique
na defensiva.
Sentimentos: Perceba como você se sente. (Pode ser útil pesquisar uma
“lista de sentimentos” que ajude a identificar o que você está
experimentando.)
Necessidades: Conecte esses sentimentos com a necessidade que não foi
satisfeita. Nesse modelo, em vez de “Você não tem consideração por mim”,
você poderia dizer “Estou sentindo frustração e mágoa por acabar
jantando sem companhia [minha necessidade de conexão e inclusão não
foi satisfeita]”.
Pedidos: Peça diretamente ao seu par que ajude você a abordar esses
sentimentos e essas necessidades. Isso transforma “Pare de ir beber
depois do trabalho” em “Será que você poderia voltar direto do trabalho
três noites por semana para jantarmos juntos?”.

Para quem escuta, a CNV prioriza ouvir em vez de se preparar para


responder, buscando entender em vez de “vencer” a discussão, e
demonstrando compaixão pela pessoa que você tanto ama. Um alerta: isso
parece papo de terapia, o que a princípio pode afastar algumas pessoas. Mas
essa estrutura é apenas um ponto de partida para lhe dar uma nova base de
comunicação, e com prática e comprometimento vai parecer natural usar
expressões como “Eu sinto” e “Será que você poderia...?”. Essa estrutura pode
ser radicalmente transformadora para muitos relacionamentos. E pode ser a
ferramenta de que você e seu par precisam para mudar o modo como
escutam, entendem e se comunicam.
Eu aplico parte da estrutura da CNV nos meus roteiros de limites, além de
algumas regras de interação comuns. Assim que vocês tiverem estilos de
comunicação básicos e um conjunto de expectativas compartilhadas
relativas aos conflitos, será muito mais fácil estabelecer e manter limites
quanto à sua saúde mental, ao seu sentimento de segurança e ao seu
relacionamento.

Quando minha esposa e eu discutimos, consigo manter a calma e falar com


cordialidade. Já ela tem dificuldade com isso, e muitas vezes usa um tom
agressivo ou diz coisas horríveis. Eu gostaria de estabelecer uma regra para que
nossas discussões não fossem tão cruéis. Como posso fazer isso?

VERDE: “Você acabou de me xingar, e isso me faz mal. Desejo que


nossas conversas sejam respeitosas e seguras. Que tal repensarmos
essa questão juntos?”
AMARELO: “Não vou continuar a conversa se você ficar falando
comigo desse jeito. Eu gostaria que voltássemos ao nosso modelo de
CNV. Aceita fazer isso?”
VERMELHO: “Seu jeito de falar comigo não é legal. Vou dar um tempo;
avise quando puder ter uma conversa respeitosa.”

Numa hora mais calma, explique que quando as coisas esquentam ou


um de vocês viola suas “regras de interação”, é muito mais provável
que vocês digam coisas que não queriam dizer, ou se comportem de
maneira prejudicial ao relacionamento. Fazer uma pausa permite que
se acalmem e retornem numa versão melhorada, de modo a chegarem
a uma solução juntos. Explicar isso pode tranquilizar a pessoa amada
e mostrar que você não a está abandonando ou castigando ao se
afastar dela por um instante.

Meu companheiro chega do trabalho e na mesma hora já começa a falar sobre


as piores coisas que aconteceram naquele dia. O trabalho dele é estressante, eu
sei, mas também acabei de chegar em casa e isso me estressa ainda mais,
quando na verdade eu deveria estar relaxando. Me ajude.

VERDE: “Ei, meu bem. Claro que quero ouvir como foi seu dia, mas
será que você pode me dar uns vinte minutos para eu esfriar a cabeça
antes de entrarmos nesse assunto?”
AMARELO: “Ah, será que a gente pode conversar mais tarde? Eu
também acabei de chegar em casa e primeiro vou tomar um banho
rápido para relaxar.”
VERMELHO: “Estou uma pilha e não vou conseguir lidar com seus
desabafos agora. Será que podemos passar esta noite sem falar de
trabalho?”

Melhor ainda, será que vocês podem automatizar esse limite? Num fim
de semana tranquilo, conversem sobre como gostariam que fossem seus
primeiros trinta minutos juntos em casa. “Odeio começar a noite
falando de trabalho assim que pisamos em casa. Será que podemos
criar uma regra de não falarmos de trabalho até depois do jantar, para
conseguirmos relaxar um pouco?” Talvez seu par descubra que depois
de meia hora lendo, malhando ou preparando o jantar, não sinta tanta
necessidade de desabafar sobre o trabalho.

Meu marido costuma concordar com algumas coisas, mas depois fica com raiva
de mim. Na semana passada, por exemplo, ele concordou que deveríamos
cancelar o almoço com amigos para terminar o trabalho no jardim, mas depois
de uma hora de jardinagem ele explodiu comigo porque eu tinha “decidido” que
não poderíamos nos divertir. Como posso dizer com gentileza “Não sei ler
mentes, e essa é uma postura passivo-agressiva”?

VERDE: “Querido, estou me sentindo frustrada. Você concordou que


precisávamos terminar o trabalho no jardim e eu acreditei na sua
decisão. Você pode estar chateado porque perdeu o almoço, mas não
jogue isso em cima de mim.”
AMARELO: “Não posso fazer nada se você não me diz como se sente
de verdade.”
VERMELHO: “Não estamos nos comunicando direito e eu gostaria de
buscar um especialista para nos ajudar.”

Lembre ao seu companheiro que você não sabe ler mentes e que esperar
que você adivinhe como ele está se sentindo de verdade, ou que se
esforce para extrair essa informação dele, é um padrão de comunicação
pouco saudável. Estabeleça a Regra de Ouro e expresse suas opiniões
com clareza. Se ele ficar furioso, demonstre empatia (“Pois é, o almoço
seria bem mais divertido”) em vez de levar para o lado pessoal.

Minha companheira vive criticando minha aparência, tipo o que estou vestindo
ou como me maquiei. Ora diz que não estou bem-vestida, ora que estou bem-
vestida demais. Já não tenho muita confiança no meu estilo, e isso só me deixa
mais insegura ainda. Como posso explicar isso?

VERDE: “Querida, a não ser que minhas calças estejam com um


buraco ou que eu esteja com batom nos dentes, por favor não dê
conselhos não solicitados sobre minha aparência. Por melhor que
seja sua intenção, a impressão que fica é de que você não me apoia.”
AMARELO: “Por favor, pode parar. Você está tentando minar minha
autoconfiança ou controlar o modo como eu me visto, e nenhuma
das duas coisas é legal.”
VERMELHO: “Não estou pedindo sua opinião.”

Isso tem a ver com duas grandes questões: sua falta de confiança no
próprio estilo e as tentativas não muito sutis da sua companheira de
controlar seu corpo e sua aparência. (Posso sugerir que busquem
terapia?) Eu também tive um companheiro que fazia isso – uma vez
comprei uma calça de couro e fiquei empolgada em usá-la num jantar,
até que ele disse: “Você não vai sair comigo usando isso.” Eu o olhei
direto nos olhos e falei: “Vou, sim, a não ser que você fique em casa.”
Ele nunca mais tocou no assunto.

Durante nossas discussões, minha companheira vive projetando meus


sentimentos, generalizando com “sempre” e “nunca”, e dizendo o que eu quero.
Esse não é um modo saudável de discordar, mas não sei como mudar essa
dinâmica. Preciso de um limite nesse caso?

VERDE: “Você está fazendo suposições sobre como eu me sinto. O que


estou sentindo de verdade é tristeza porque esperava que esta
conversa fosse mais colaborativa. Seria bom se eu soubesse como
você se sente. Que tal me dizer?”
AMARELO: “Você insiste em atribuir sentimentos a mim, e agora o
que sinto é frustração, porque acho que não estamos nos
comunicando bem. Para continuarmos, cada um precisa assumir a
responsabilidade pelos próprios sentimentos.”
VERMELHO: “Acho que você não está me ouvindo de verdade. Vou dar
um tempo. Volto daqui a uma hora e a gente pode tentar de novo.”

Um leitor me mandou a frase “Favor não impor sentimentos” e eu


adorei tanto essa ideia que estou aplicando aqui. Você não pode
obrigar sua companheira a usar determinada linguagem, mas pode
dar o exemplo e começar suas frases com “Eu sinto...”, “Eu quero...”.
Aqui a terapia também é tremendamente útil. Lembre-se: você só é
responsável por sua parte do relacionamento, mas uma única pessoa
pode fazer diferença: mesmo que apenas um de vocês esteja usando a
CNV, isso já representa uma melhora de 50%.

“SEMPRE”, “NUNCA” E SUAS ARMADILHAS


Ao ouvir uma acusação do tipo “Você sempre...” ou “Você nunca...”, pode ser
tentador responder com exemplos de quando você fez ou não fez alguma
coisa, mas isso só piora a situação. Sim, você ajuda em casa, mas narrar
suas últimas três contribuições com riqueza de detalhes não é abordar a
questão mais profunda. Em vez de implicar com o “sempre” ou “nunca”, pense
nos sentimentos e nas necessidades que estão por trás dessas palavras.
“Você nunca ajuda com as crianças” significa “Estou no meu limite e preciso
da sua ajuda”. “Você sempre fica do lado dela” significa “Parece até que não
somos uma equipe, e isso me dá medo”. Leia nas entrelinhas, ignore a
hipérbole e converse sobre o que você está ouvindo. Lembre-se: o objetivo
não é vencer; é abordar o assunto com compaixão para chegarem juntos a
uma solução satisfatória.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO À


SOCIALIZAÇÃO

Se você e seu par não gostam de socializar da mesma maneira ou na


mesma intensidade, eu aplicaria imediatamente a estrutura VPF.
Conheço casais que passam todo o tempo juntos, socializando muito
pouco com outras pessoas e preferindo a companhia um do outro. (Essa
ideia me provoca arrepios, mas cada um sabe de si.) Também conheço
pessoas que saem com amigos ou colegas na maioria das noites durante
a semana e deixa o cônjuge mais introvertido em casa – e isso funciona
para os dois.
Esqueça a ideia de que um relacionamento saudável “deveria” ser de
determinado modo. Reconhecer que cada pessoa tem necessidades
diferentes quanto à socialização e aos grupos de amigos e estruturar a
vida de modo que atenda a ambas as partes é a grande vitória, mesmo se
mais ninguém “entender”. Vou apresentar roteiros de limites bem
abrangentes para ajudar você a encontrar as palavras certas. A ideia é
que você e seu par tenham mais liberdade ainda dentro do
relacionamento.

Adoro eventos sociais porque isso estimula minha energia. Meu companheiro é
o contrário: não gosta de socializar e prefere ficar em casa. É por isso que
muitas vezes não o incluo nos meus planos, mas depois ele fica chateado e
ressentido. Como posso equilibrar nossas necessidades?

Essa não é realmente uma questão de limite, a não ser que o seu
limite seja “Só posso ficar com você em casa quatro noites seguidas
antes de surtar” (o que pode precisar ser dito em voz alta). Em vez de
Verde/Amarelo/Vermelho, vamos falar de opções para os casais que
têm preferências sociais diferentes.

Peça a opinião do seu par.Existe algo nas suas atividades sociais que
esteja incomodando a outra pessoa? Talvez ela se preocupe quando
você fica fora até tarde bebendo, ou se frustre porque você sempre
paga a conta – veja se há qualquer coisa que você possa abordar (ou
simplesmente ouvir).
Procure entender. A outra pessoa teme que você possa gostar mais
dos amigos do que dela? Ou que você está se cansando do
relacionamento? Pode ser útil ter uma conversa aberta sobre os
sentimentos mais profundos da pessoa, especialmente sobre a
insegurança dela.
Encontre maneiras de melhorar a dinâmica. Pergunte se há outra coisa
que você possa fazer para que vocês se divirtam mais juntos. Talvez
a pessoa não goste de ser deixada de lado assim que você chega à
festa e vê seus amigos, ou talvez ela adorasse jantar com você, mas
não numa boate. Ou talvez ela prefira socializar no conforto de
casa, e receber convidados deixaria todo mundo feliz.
Seja flexível. Convide a pessoa para sair e diga que ela pode voltar
para casa mais cedo, se quiser. Talvez ela goste de sair com você,
mas não queira ficar fora de casa até tão tarde. (Foi por isso que
Deus inventou o aplicativo de carona.)
Seja consciente. Pergunte à pessoa se ela gostaria mesmo que você
ficasse em casa durante a semana, ou se ofereça para passar metade
do fim de semana com ela, de modo que você sempre esteja em casa
ou na sexta-feira ou no sábado para um programa de casal.
Aceite um meio-termo. Diga que você só pedirá que a pessoa o/a
acompanhe a eventos que sejam realmente importantes para você.
E que se um dia ela quiser muito que você fique em casa, você vai
ficar. (Isso funciona, desde que nenhum dos dois abuse da
proposta.)

Se a pessoa amada prefere mesmo ficar em casa e você precisa do


contato social para sua saúde mental, estabeleça um limite. Poderia ser
assim: “Não vou pedir que você saia contra sua vontade, porque sei que
você não curtiria. Por favor, não peça que eu fique em casa sabendo que
estar com amigos é bom para a minha saúde mental.” Se a pessoa
simplesmente não conseguir superar o ressentimento ou a frustração,
converse com um terapeuta sobre os próximos passos.
Vivo precisando de um tempo sozinho para me recarregar e não sei como pedir
isso à minha nova namorada sem parecer egoísta ou frio. O que posso dizer
quando ela me pede que passe a noite com ela e eu simplesmente não quero?

VERDE: “Eu gostaria de ter uma noite para mim, então ligo para você
amanhã. Tenha uma ótima noite.”
AMARELO: “Não, obrigado, acho que gostaria de algum tempo de
silêncio, me recarregando.”
VERMELHO: “Sempre achei importante passar algum tempo sozinho
para a minha saúde mental. Se vamos continuar namorando,
precisamos descobrir um modo de encaixar isso na nossa rotina.”

Estou apresentando roteiros aqui porque os exemplos podem ser úteis,


mas antes mesmo de estabelecer um limite é importante ter uma
conversa com sua namorada sobre o que significa um tempo a sós para
você, e especificamente como isso beneficiaria vocês como um casal.
Quando passo uma hora, uma noite ou um fim de semana sozinha,
chego em casa mais feliz e mais entusiasmada para me reconectar
profunda e intimamente, e esse tempo sozinha me ajuda a preservar
meu sentimento de independência e autonomia – algo que meu
marido acha atraente.

Sou mãe de três meninos e trabalho fora, e nas tardes de sábado as


interrupções constantes, a falta de espaço pessoal e o nível de barulho me
deixam louca. Será que posso pedir a toda a minha família – inclusive à minha
esposa – um momento de silêncio? Estou brincando, mas não muito.

VERDE: “Por favor, levem os brinquedos barulhentos lá para fora /


quem estiver jogando videogame precisa usar fones de ouvido / o
volume da TV não pode ultrapassar o 15.”
AMARELO: (depois de combinar com sua esposa) “Vou tirar uma hora
de silêncio no meu quarto. Podem continuar brincando, e se
precisarem de alguma coisa, por favor, peçam à mamãe.”
VERMELHO: “Esta casa vai ficar em silêncio hoje das duas às três da
tarde. Vocês podem ler, tirar um cochilo ou assistir a alguma coisa
no tablet usando fones de ouvido.”

Nós temos “horas de silêncio” em muitos fins de semana, e isso é


mágico – meu filho não precisa dormir, mas precisa ficar em silêncio
no quarto e ler ou brincar sozinho, e eu tenho o silêncio que desejo.
Além disso, será que posso sugerir o investimento num bom fone de
ouvido com isolamento acústico? Automatize esse limite.

Meu namorado não gosta de ficar parado. O passatempo dele é esquiar, andar
de moto e fazer crossfit. Encorajada por ele, experimentei tudo isso, mas não é
para mim – tenho pouca tolerância a riscos e prefiro caminhar ou ler. Adoro o
fato de ele ter os próprios hobbies, mas ele fica com raiva quando não participo.

VERDE: “Não gosto das mesmas coisas que você e gostaria que
respeitasse isso. É bom cada um ter seus próprios interesses, e nunca
vou obrigar você a fazer caminhadas comigo.”
AMARELO: “Você sabe que eu não gosto de esquiar, então, por favor,
não me pressione. Vá se divertir.”
VERMELHO: “Não gosto de como você reage quando eu recuso
alguma coisa.”

Use isso como uma oportunidade para conversar sobre os motivos de


ele se incomodar tanto por vocês não gostarem dos mesmos
passatempos. Talvez ele nunca tenha tido um relacionamento saudável
em que cada parceiro encorajava a independência do outro, ou talvez
ache que essa diferença levará vocês a passar muito tempo separados.
Conversem sobre o que está por trás da raiva dele, de modo a
determinarem os próximos passos.
ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO À
PRIVACIDADE E À CONFIANÇA

É aqui que a comunicação clara e o estabelecimento de expectativas


realmente entram em jogo. Sim, é relativamente fácil manter um limite
quanto a não compartilhar a senha do e-mail, não contar os segredos da
sua amiga ou não comentar relacionamentos românticos do passado.
Mas conversar com antecedência sobre questões de privacidade e
confiança pode ajudar muito o casal a não precisar de limites ou a
estabelecê-los com mais facilidade caso alguém passe do ponto.
Com base nas perguntas que as pessoas me enviaram sobre
privacidade e confiança nos relacionamentos românticos – e a julgar
pela minha experiência –, os temas mais frequentes são:

Compartilhar nas redes sociais, ou com familiares e amigos,


detalhes pessoais ou fotos do seu par.
Contar detalhes pessoais ao seu par, como seu histórico sexual ou
eventos traumáticos.
Compartilhar senhas de telefones, computadores ou contas na
internet.
Olhar as mensagens, as fotos, os e-mails ou as faturas de cartão de
crédito da outra pessoa.
Respeitar o espaço pessoal em casa ou em público.

Se vocês ainda não conversaram sobre isso, pensem em discutir cada


um desses tópicos e perguntem um ao outro, por exemplo, como se
sentem em relação a postar fotos nas redes sociais sem permissão; se
vocês aceitam que um veja o que há no celular do outro; ou quanta
privacidade cada um espera ter em casa. Vocês concordam com as
políticas de bater na porta antes de entrar, pedir permissão antes de
compartilhar fotos ou detalhes das férias no Instagram e respeitar o
direito da outra pessoa à privacidade quando saem com amigos?
Lembre-se do princípio VPF – o fato de outros casais
compartilharem todas as senhas não significa que você e seu par
precisem fazer isso também. Conversar, estabelecer expectativas e
reforçá-las com limites claros e gentis garantirá que vocês preservem o
sentimento de respeito e confiança que todo relacionamento merece.

Peguei meu par olhando minhas mensagens e fotos algumas vezes, quando
deixei meu celular desbloqueado. Isso é uma violação de confiança e não é
assim que quero que a gente se trate no relacionamento. Como posso falar
sobre isso sem parecer que estou escondendo alguma coisa? Porque não estou!

VERDE: “Por favor, não mexa no meu telefone sem permissão. Isso é
quebra de confiança e não quero que a gente se comporte desse jeito.”
AMARELO: “Ficar bisbilhotando não é saudável para o nosso
relacionamento. Por favor, não faça isso de novo.”
VERMELHO: “Não posso continuar num relacionamento em que não
haja confiança e respeito. Marquei uma consulta na terapia de casal.
Você pode ir comigo ou então vou sem você.”

Como lidar com a privacidade no relacionamento é uma decisão que


cabe a vocês, desde que entrem em acordo. Se vocês esclareceram quais
são as expectativas de privacidade, seu par precisa respeitar isso e
abordar as questões de insegurança, ciúme, ansiedade ou controle de
um modo mais saudável e franco.

Meu marido conta aos pais dele muitos detalhes sobre a nossa vida particular
(em especial sobre as nossas discussões), e isso vem abalando nosso
relacionamento. Sinto que meus sogros adoram julgar e já se envolviam demais
na vida do filho; agora que sabem detalhes do nosso relacionamento, passaram
a me tratar diferente. Como devo lidar com isso?

Seu limite é que você não quer que seu marido discuta determinadas
coisas com os pais dele ou que você não quer que os pais dele falem
dessas coisas com você? Tenha clareza do que deseja antes de conversar
com ele. Vou presumir que é a primeira hipótese, já que o segundo
limite deveria ser estabelecido diretamente para seus sogros.
VERDE: “Vou esclarecer uma coisa: não quero compartilhar essa
discussão/situação com seus pais. O que você conta a eles influencia
o modo como eles me tratam, e muito depois de resolvermos um
problema eles continuam tocando no assunto. Isso prejudica minha
relação com eles e com você também.”
AMARELO: “Só vou ter essa conversa se você concordar em não contar
tudo depois aos seus pais. Isso não é da conta deles, e as opiniões que
eles dão só pioram as coisas.”
VERMELHO: “Vou discutir na terapia como devo reagir à sua falta de
respeito pela minha privacidade e pelo nosso casamento.”

Se o seu marido (compreensivelmente) quer ter alguém para conversar


sobre esses assuntos, pense em quem poderia ser um bom confidente ou
conselheiro para ele. Concorde se forem pessoas que manterão um
distanciamento adequado e não se intrometerão no relacionamento.
Para mim, essa pessoa é a minha irmã. Para o meu marido, é um dos
melhores amigos ou o terapeuta dele.

Estou saindo com uma pessoa, mas a gente não quer compromisso sério agora.
Acontece que se essa pessoa sair com alguém, eu gostaria de saber. É justo
perguntar isso?

VERDE: “Você disse que não está saindo com mais ninguém no
momento. Se isso mudar, ou se você decidir reativar a conta no
Tinder, poderia me avisar? Eu vou fazer o mesmo. Gostaria que
fôssemos transparentes quanto a isso.”
AMARELO: “Eu tenho uma regra: quero que você me avise se começar
a sair com outra pessoa. Se você não concordar com isso, não
poderemos continuar nos vendo.”
VERMELHO: “Eu pedi sua honestidade e você não respeitou isso.
Acabou entre a gente.”

Esse é um exemplo de limite que você não pode impor; você precisa
acreditar que a outra pessoa concorda com ele e vai respeitá-lo.
Infelizmente, o limite Vermelho significa que já é tarde demais, e tudo
o que você pode fazer é impor as consequências do desrespeito.

Minha esposa não tem nenhuma noção de espaço pessoal – ela faz xixi com a
porta aberta, entra no banheiro sem bater quando estou tomando banho e fica
do lado de fora do toalete falando comigo. Ela não tem muito filtro, mas eu
preciso de alguns limites.

VERDE: “Ei, amor, seria bom manter um pouco mais de mistério no


nosso relacionamento. Será que você pode bater primeiro quando eu
estiver tomando banho, ou esperar até que eu termine? E será que
pode fechar a porta quando for usar o banheiro?”
AMARELO: “Nossa, querida! Já pedi que você bata antes de entrar. Por
favor, me deixe terminar.”
VERMELHO: “Ei, agora estou entrando no banho.” Automatize o limite
trancando a porta.

Essa conversa pode até aprofundar a conexão entre vocês. Uma boa
estratégia para que ninguém se magoe é discutir as diferenças no modo
como vocês foram criados; a timidez que você possa ter com relação ao
próprio corpo; ou os rituais que você prefere manter privados.

Meu novo namorado vive me perguntando detalhes dos meus relacionamentos


anteriores – quantos parceiros sexuais já tive, se fiz isso ou aquilo na cama, se
já fiz sexo casual. Não acho que seria útil compartilhar esse tipo de coisa agora,
mas será que eu devo a ele uma conversa sobre o meu passado?

VERDE: “Não quero falar sobre nossos relacionamentos anteriores,


especialmente sobre detalhes sexuais. Há algum motivo para você
puxar esse assunto?”
AMARELO: “Não vejo por que isso é importante agora, e prefiro não
falar disso.”
VERMELHO: “Se não pudermos deixar esse assunto pra lá, então pode
ser que este relacionamento não seja para mim.”

Seu limite Verde encoraja uma conversa sobre o motivo da pergunta.


Talvez seu namorado se preocupe tanto porque é inexperiente na
cama, ou talvez tenha uma infecção sexualmente transmissível e esteja
tentando tocar no assunto. Se esse tipo de conversa não evolui e a
pessoa continua fazendo perguntas com as quais você não se sente
confortável, esse pode ser um alerta Vermelho para o relacionamento.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO AO


SEXO E AO CONTATO FÍSICO

Estabelecer limites em outras categorias na sua vida pode ser


desconfortável, mas para muitas pessoas (especialmente para as que têm
histórico de trauma) estabelecer limites quanto ao sexo e ao contato
físico pode parecer intimidante demais. O patriarcado, os papéis
estereotipados de gênero, as influências religiosas e políticas e a mídia
gravaram nas mulheres a ideia de que nosso papel é
servir/agradar/fornecer. As pessoas que sofreram abuso sexual ou físico
ou outros tipos de trauma costumam sentir que seu valor reside no
corpo e no que elas estão dispostas a fazer com ele, ou que não têm ou
não merecem toda a autonomia corporal. Durante muitos anos tive
dificuldade para estabelecer qualquer limite com meus parceiros
românticos, e frequentemente me pegava concordando com coisas que
não queria fazer, só por um sentimento de obrigação, por pressão ou
medo do que aconteceria se eu recusasse.
O conselho mais importante que já recebi sobre estabelecer e manter
limites quanto ao meu corpo nos relacionamentos românticos foi
assumir a responsabilidade por meu prazer sexual – um sentimento
ecoado por muitos terapeutas matrimoniais e sexuais. Quando você se
concentra no prazer da outra pessoa (“Ela gosta disso, está ficando
excitada, será que vou satisfazê-la?”), o único resultado positivo é o que
a outra pessoa alcança. E se o seu companheiro ou a sua companheira
não diz que você teve um ótimo desempenho, você se preocupa achando
que isso revela algo a respeito de si – a insegurança, os problemas de
autoestima e a ansiedade em relação ao sexo, ao seu corpo e ao seu valor.
Ainda que a pessoa lhe dê uma medalha de ouro pela sua
performance sexual, quem estava cuidando do seu prazer enquanto
vocês estavam juntos? Claro, é de esperar que tenha sido seu par... E se
ele não fizer isso? (Eis um problema muito citado por mulheres em
relacionamentos heterossexuais.) E quanta responsabilidade a outra
pessoa pode assumir pelo que está acontecendo dentro da sua cabeça, do
seu coração e do seu corpo – especialmente se você não estiver
comunicando isso no momento?
A grande questão aqui – voltando a falar de limites – é que
concentrar-se apenas no prazer da outra pessoa dificulta enxergar se os
seus próprios limites estão sendo respeitados, ou mesmo quais são eles.
Se a ereção do seu companheiro é sinal de que o sexo é iminente e se o
clímax dele é sinal de que o sexo terminou, em que pé isso deixa os seus
desejos, o seu humor, a sua disposição ou a sua iniciativa? (Mais uma vez
estamos falando principalmente de casais héteros. Parece, de novo, que
os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo costumam ser
melhores em termos de desejo sexual e, notavelmente, de alcance do
orgasmo, em especial entre duas mulheres.)7
Assumir a responsabilidade por seu próprio prazer sexual não
significa se satisfazer às custas da outra pessoa. Simplesmente serve para
reconectar você com seu corpo, seus desejos e seus sentimentos naquele
instante. Quando assume a responsabilidade pelo próprio prazer, você
investiga o tempo todo: “Isso é gostoso? Quero mais rápido ou mais
devagar? Quero tentar algo diferente? Quero que isso continue?”
Quando você desenvolve o costume de se responsabilizar pelo próprio
prazer, tem mais chance de comunicar seus desejos à outra pessoa, pedir
o que você quer e usar uma linguagem clara e gentil para chegar lá. (É
como se estivéssemos juntando a Regra de Ouro, o VPF e o tom claro e
gentil de limites saudáveis num único embrulho lindo.) Além disso, o
tipo de abertura, compartilhamento e vulnerabilidade alcançados com
esse nível de comunicação pode ser tremendamente sexual e provocar
uma conexão intensa.
Trazer o foco de volta para seu próprio prazer sexual não garante que
toda transa terminará num orgasmo sísmico – mas devolve a você as
rédeas do próprio corpo, torna mais evidente o que você quer e ajuda a
estabelecer limites, se necessário.

SUGESTÃO DE LEITURA: A REVOLUÇÃO DO PRAZER: COMO A


CIÊNCIA PODE LEVAR VOCÊ AO ORGASMO, DE EMILY NAGOSKI
Considerado um dos livros mais importantes sobre o desejo sexual, A
revolução do prazer é uma exploração científica de como funciona a
sexualidade feminina e expõe os fatores mais importantes para as mulheres
criarem uma vida sexual satisfatória.8 Se a ideia de ser dona do seu prazer
sexual parece intimidante ou se você não sabe por onde começar, Nagoski
escreveu o livro certo sobre isso. E, apesar de a obra se concentrar em
pessoas com vagina, a lenda dos relacionamentos John Gottman diz que se
trata de “um guia necessário para todos os casais”, então as pessoas com
pênis também deveriam prestar atenção nele.
O livro de Nagoski vai além “do que acontece” na resposta sexual –
desejo, excitação, orgasmo – e mergulha nos processos de por que e como,
que estão por trás desses comportamentos. O mecanismo é baseado em
duas funções que ocorrem em todo ser humano: o acelerador sexual (aquilo
que esquenta o clima) e os freios sexuais (aquilo que esfria o clima). O modo
como essas duas funções surgem varia enormemente de pessoa para
pessoa, e entender e respeitar como o seu acelerador e os seus freios
funcionam é a chave para a realização sexual a longo prazo. Em última
instância, o verdadeiro presente de A revolução do prazer é ajudar você a
responder à pergunta “Eu sou normal?” (spoiler: É.) e lhe indicar um caminho
para mudar e curar seu funcionamento sexual, não importa qual seja o seu
ponto de partida.

Comunicar seus limites na cama (e em outros espaços íntimos) pode


ser um passo poderoso na direção de se reconectar com suas
necessidades, assumir a responsabilidade por seu próprio prazer e
lembrar-se do seu valor. Nesta seção de roteiros vamos treinar como
você pode fazer isso em cada situação.

No quarto eu faço muitas coisas que não quero fazer porque meu companheiro
se magoa facilmente quando se trata de sexo. Como posso comunicar o que
quero e o que não quero?

VERDE: “Ah, não estou a fim disso / não estou pronta para isso / não
gosto disso / não quero experimentar isso agora. Que tal [ofereça
uma alternativa]?”
AMARELO: (interrompa a ação) “Não, não quero fazer isso. Está claro?
Não faça isso de novo.”
VERMELHO: “Não.” Afaste-se fisicamente, já que agora isso é agressão.

Repita comigo: não sou responsável pelos sentimentos do meu


companheiro. Você pode, sim, começar uma conversa sobre suas
preferências sexuais, sobre o que significa um “não” (estou
desconfortável, isso dói demais, não gosto da sensação, isso não me
parece seguro), e deixar claro que você está recusando a ação, não
rejeitando a pessoa. Se seu par se magoa com tanta facilidade com um
“não” comunicado com clareza no quarto, ele precisa trabalhar essa
questão nele, e você não pode “consertar” a situação cedendo contra
sua vontade. (P.S.: Ao se recusar a assumir a responsabilidade pelos
sentimentos da outra pessoa, você descobrirá rapidamente se as
“mágoas” não seriam na verdade uma tática de manipulação.)

VAMOS FALAR SOBRE SEXO


Comunicar limites claros proporciona uma experiência segura e prazerosa
para ambas as partes. A outra pessoa precisa respeitar o seu “não” e passar
imediatamente a algo que seja confortável para o casal. Eis algumas
desculpas que não servem para pressionar você ou desrespeitar seus limites:

Você deixou a outra pessoa muito excitada.


A pessoa está “quase lá”.
Você já fez isso antes com outras pessoas.
Você já fez isso antes com essa mesma pessoa.
Você disse “sim”, mas mudou de ideia.
É um dever do casamento.

Pode ser desconfortável começar uma conversa com “E então, o que você
acha de sexo anal?”, mas a alternativa é o incômodo de descobrir, no calor do
momento, que a pessoa realmente não curte determinada coisa. Meu marido
e eu tivemos nossas melhores conversas sobre sexo durante momentos
relaxados nas férias, quando não nos sentíamos pressionados ou
estressados e podíamos abordar o assunto com curiosidade e num tom de
brincadeira.

Quero que meus parceiros sexuais usem camisinha, mas você não acreditaria
nas desculpas que ouço e na pressão que me fazem quando toco no assunto. Já
cedi mais de uma vez. Como posso me manter firme?

VERDE:“Você trouxe camisinha? Se não, eu tenho uma aqui.”


AMARELO: “Se você não usar, não vai rolar.”
VERMELHO: “Tchau.”

Resolva isso cedo, bem antes de tirar a roupa. “Podemos fazer se você
usar camisinha e se a camisinha permanecer no lugar. Isso é um
problema?” Se ele começar de papo furado, interrompa: “É pegar ou
largar, meu querido.” Qualquer pressão contrária depois de um limite
Amarelo é uma quebra de acordo permanente – se o seu parceiro não
respeitar seus limites aqui, ele não vale a pena, e estabelecer seu limite
cedo e ver como a pessoa reage é um teste decisivo para o
relacionamento.

Meu companheiro acorda antes de mim e adora me abraçar e ficar juntinho.


Acho legal que ele seja carinhoso, mas em geral ainda estou em sono profundo
e não gosto de ser incomodada. Como podemos encontrar um meio-termo?

VERDE: (na noite anterior) “Se você acordar cedo amanhã e eu ainda
estiver dormindo, por favor, não me abrace. Vamos ficar de
conchinha agora, vendo um filme.”
AMARELO: “Não quero aconchego de manhã antes de acordar.”
VERMELHO: “Se você continuar me abraçando de manhã, depois de
eu ter pedido que não faça isso, vou dormir no quarto de hóspedes.”

Sim, você pode estabelecer um limite quando estiver acontecendo, mas


aí será tarde demais, já que você terá acordado! Comece na noite
anterior falando sobre suas diferenças com relação ao sono e buscando
um meio-termo. Talvez de segunda a sexta você queira dormir até seu
despertador tocar, para garantir o descanso, mas os fins de semana
possam ser dedicados ao aconchego. Ou talvez seu companheiro fique
feliz com um abraço bem demorado quando você acordar. O melhor
modo de evitar conchinha fora de hora (e depois ficar ressentida a
manhã inteira) é comunicar isso claramente antes mesmo de irem para
cama.

No meu corpo existe uma área que eu não gosto que seja tocada: a barriga.
Como posso deixar claro a qualquer pessoa que saia comigo que essa região é
proibida?
VERDE: “Ah, pode fazer carinho, menos na barriga. Não gosto disso.”
AMARELO: “Não gosto que toquem na minha barriga. Por favor, não
faça isso.”
VERMELHO: Afaste-se da situação.

Talvez você precise lembrar a pessoa algumas vezes se o


relacionamento for recente e perdoar um contato não intencional (por
exemplo, se a pessoa estender a mão para pegar alguma coisa). Sinta-
se à vontade para explicar que essa é uma área sensível para você, que
tem a ver com algum trauma, ou que você simplesmente sente cócegas
ali. Ou não. O consentimento deve ser respeitado, mesmo sem
explicação.

Minha parceira faz avanços sexuais nos momentos mais inoportunos, como
quando acabo de sair do banho e estou me vestindo para trabalhar. Nos filmes
isso parece sensual, mas na vida real é diferente. Não posso me atrasar. Como
fazer com que ela perceba isso?

VERDE: (num momento calmo) “O problema não é você. Eu


simplesmente não consigo entrar no clima pouco antes do trabalho,
quando estou na correria e pensando nos compromissos do dia. Que
tal no sábado? Eu me arrumo só para você...”
AMARELO: (com um beijo) “Eu te amo, mas agora, infelizmente, não
estou no clima. Guarde essa energia para depois do trabalho.”
VERMELHO: “Não.” E saia do quarto.

Algumas outras sugestões: se a ideia de “atrasar você” excita os dois,


encontre outros eventos (menos urgentes) para os quais se atrasar.
Talvez sua parceira só fique mais a fim de manhã – será que de vez em
quando você poderia acordar um pouquinho mais cedo ou ficar mais
tempo na cama aos sábados? Ou talvez ela só queira um momento de
conexão antes de começar o dia, e um abraço demorado e um apertão
no bumbum resolvam o caso sem fazer com que você se atrase.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Alguns dos limites mais importantes que você estabelece nos seus
relacionamentos românticos podem ser dirigidos apenas a você. Por
causa do meu histórico de trauma sexual e vício, e por já ter sido traída
no passado, nem sempre me comportei da melhor maneira possível nos
relacionamentos. Quando Brandon e eu começamos a namorar sério, eu
sabia que precisava estabelecer alguns limites para mim mesma para ser
minha melhor versão e não trazer nenhuma bagagem para nosso
namoro. Eu prometi a mim mesma, silenciosamente, que no meu
relacionamento:

Não iria xeretar nenhuma coisa particular do Brandon – celular, e-


mails ou correspondências.
Não ficaria pedindo detalhes sobre com quem ele estaria ou o que
faria quando saísse.
Não procuraria saber sobre suas amigas nas redes sociais.
Não concordaria com nada que fosse desconfortável fisicamente
para mim.
Nunca fingiria prazer durante o sexo.
Não fugiria se estivesse me sentindo vulnerável.

E me comprometi com o seguinte:

Contaria a ele se minha recuperação estivesse difícil.


Diria a ele se estivesse sentindo ciúme ou insegurança, e por quê.
Assumiria responsabilidade por minha saúde mental.

Muitos desses limites ficaram irrelevantes rapidamente. Assim que


Brandon e eu estabelecemos um nível básico de confiança e eu me abri
em relação a algumas coisas que haviam acontecido no meu último
relacionamento, descobri que a ansiedade que eu tinha quanto à
fidelidade, por exemplo, simplesmente havia desaparecido. Outros
limites mantenho até hoje, como o de não fingir meu prazer (um
remanescente do meu trauma sexual e algo que eu fazia regularmente
antes de Brandon) e assumir a responsabilidade pela minha saúde
mental.
Os limites são uma via de mão dupla: você pode esperar que as
outras pessoas respeitem os seus e precisa respeitar os delas, pelo bem da
relação. Mas não desconsidere o poder dos limites que você estabelece
para si em todos os seus relacionamentos. Para mim, criar diretrizes
rígidas sobre o que eu faria ou não faria colabora para o sucesso do
relacionamento tanto quanto os limites que meu companheiro e eu
estabelecemos um para o outro.
CAPÍTULO 7

Quando você não pode


simplesmente se afastar
Como estabelecer limites para o pai ou a mãe dos
seus filhos

E
mily me escreveu depois de ouvir um episódio sobre divórcio no
meu podcast. Ela havia se divorciado recentemente e estava com
dificuldade para estabelecer um novo tipo de relacionamento
com sua ex-esposa, Shannon. Elas tinham duas crianças pequenas que
dividiam o tempo entre a casa de Shannon e a de Emily, e, apesar de o
divórcio ter acontecido de modo relativamente amistoso, ainda havia
mágoas e emoções intensas abaixo da superfície. “Às vezes eu me pego
falando com Shannon como se ela fosse minha melhor amiga. Às vezes
brigamos como inimigas mortais. Estamos tentando pensar nas crianças,
mas nem sempre sinto orgulho de como estou agindo.”
Eu venho compartilhando a criação do meu filho com meu ex-
marido há oito anos – desde que a criança tinha apenas 1 ano – e o e-
mail de Emily me levou a relembrar tudo o que passamos. Quando eu
era mais nova, ao terminar um relacionamento de longo prazo, quase
sempre a outra pessoa e eu tomávamos rumos diferentes. Eu não
precisava mais falar com meu ex se não quisesse, e em geral era menos
doloroso simplesmente seguir adiante. Quando me divorciei, no entanto,
não tive essa opção. Tive que manter meu ex na minha vida em nome do
nosso filho, e precisávamos encontrar um meio de trabalhar juntos do
modo mais saudável possível.
Apesar de ter bons limites em outras áreas da minha vida, eu tinha
pouquíssimos limites em relação ao meu ex – pelo menos a princípio.
No meio do nosso divórcio fiquei tão abalada emocionalmente e tão
estressada que oscilava entre conversar com ele como se ainda fôssemos
um casal e só permitir que ele falasse com minha advogada. Nenhum
dos dois estilos de comunicação era útil, mas eu não sabia como
estabelecer os limites necessários para ter um divórcio bem-sucedido,
manter nosso filho em segurança e preservar minha saúde mental.

LIMITES COM EX

Quando se trata de compartilhar a criação dos filhos, a maioria das


questões que recebo não pode ser resolvida realisticamente com um
limite claro e gentil. Eis algumas perguntas que os leitores já me fizeram:

“Meu ex diz coisas terríveis sobre mim aos nossos filhos. Como
posso impedir que ele continue fazendo isso?”
“Minha ex dá aos meus filhos todo tipo de comida que ela sabe que
eu não permito. Como posso estabelecer um limite quanto à
alimentação das crianças?”
“Minha ex sempre chega atrasada quando é o dia dela de ficar com
as crianças. O que posso fazer nesse caso?”
“Meu filho joga muito videogame na casa do pai, mas aqui o tempo
em frente à tela é controlado com rigor. Será que posso fazer com
que o pai dele aja como eu?”
“Meu ex sai muito e costuma deixar as crianças com a mãe dele. Eu
gostaria que ele passasse mais tempo com os filhos durante a
semana ou, do contrário, que deixasse as crianças comigo.”

Infelizmente, situações assim não podem ser remediadas com um


limite.
Lembre-se do Capítulo 1: os limites não têm a ver com controlar a
outra pessoa ou dizer a ela o que fazer. Têm a ver com o que você fará ou
deixará de fazer em nome da sua segurança e da sua saúde. E a dura
verdade é que quando se trata da guarda compartilhada dos filhos, nem
sempre os limites são uma solução viável.
Em muitos desses casos, um “limite” seria uma tentativa de
determinar o que a outra pessoa faz na própria casa com os próprios
filhos – algo que você não pode influenciar sem uma ordem judicial ou
um contrato legal. Você não pode obrigar a outra pessoa a dar apenas o
tipo de comida que você considera saudável, nem estabelecer um limite
para o tempo que seu filho passa diante da tela quando está na casa do
pai. Você não pode fazer com que sua ex fale bem de você, mande fotos
da festa de aniversário ou apareça na hora marcada enquanto seus filhos
esperam pacientemente junto à porta. Essas não são questões de limites,
porque um limite não pode controlar o comportamento de outra pessoa.
Além disso, mesmo que você pudesse estabelecer um limite, essa
imposição provavelmente prejudicaria seus filhos. Imagine dizer ao seu
ex: “Se você chegar com mais de quinze minutos de atraso não poderá
pegar as crianças.” Esse limite pode facilitar a sua vida, já que você não
precisará mais deixar seus planos de lado para esperar a pessoa ou
inventar desculpas para consolar seus filhos. Mas manter esse limite vai
magoar as crianças, que realmente querem (e devem) ficar com a outra
pessoa. (Além disso, esse “limite” provavelmente violaria seu acordo
legal – algo que você deve evitar a todo custo.)
Num mundo ideal, você e a outra pessoa concordariam em relação a
todas as decisões importantes sobre a criação dos seus filhos, desde a
hora de dormir até o tempo diante da tela, passando por decisões a
respeito de babás, dietas “saudáveis”, cortes de cabelo e brincadeiras. Mas
na verdade, a não ser que seja uma cláusula contratual, é impossível
impor os seus padrões de cuidado, saúde, comunicação ou socialização
ao pai ou à mãe dos seus filhos.
SAÚDE E SEGURANÇA
Se você tem motivos para acreditar que a saúde ou a segurança dos seus
filhos está em perigo, deve agir imediatamente por meio dos canais legais.
Mas nenhum advogado encorajará você a processar a outra pessoa por
causa do tempo passado diante da tela, da comida pouco nutritiva ou do
número de noites que sua filha passa com a avó no lugar do pai, a não ser
que esses comportamentos tenham um impacto negativo na frequência
escolar, na saúde ou em outros parâmetros de segurança e bem-estar. Levar
seu drama familiar a um programa de TV é sempre uma alternativa, mas por
que você não termina de ler o capítulo antes de escrever para a produção?

Já ouvi falar de cláusulas incomuns nos planos de guarda


compartilhada, como o número de noites que a criança pode passar com
uma babá ou se os pais podem ou não publicar fotos dos filhos em redes
sociais. Se você puder pensar nessas situações antecipadamente e
conversar sobre elas com seu advogado, ótimo. Se, no entanto, já passou
desse ponto (como Emily, quando escreveu para mim), precisará de
outras estratégias para compartilhar a criação dos seus filhos de modo
eficaz.

MUDE O FOCO

Uma área em que você pode estabelecer limites é na comunicação com o


pai ou a mãe dos seus filhos. Afora o comportamento dessa pessoa com
as crianças, algo que geralmente está fora do seu controle, que tipo de
limites você pode estabelecer de modo que a comunicação entre vocês
seja saudável, gentil e eficaz? Expliquei a Emily que mudar o foco para o
modo como ela estava se comunicando com Shannon (e permitindo que
Shannon se comunicasse com ela) seria fundamental para facilitar essa
nova fase do relacionamento. Usei minha experiência para delinear
algumas sugestões e vou compartilhá-las com você também.
LIMITE AS FORMAS DE COMUNICAÇÃO. Reconheci desde cedo que os
telefonemas ou os encontros pessoais tinham muito mais probabilidade
de se transformar em brigas. Meu ex e eu sabíamos como tocar nas
feridas um do outro, e era muito fácil afirmar “Eu nunca disse isso!”.
Estabeleci o limite de que todas as comunicações tinham que ser feitas
por escrito, de modo que cada um tivesse um registro do que havia sido
combinado. Se o assunto exigisse um encontro cara a cara, nós nos
encontrávamos em público, em algum lugar onde eu conseguisse manter
a calma com mais facilidade, e depois eu resumia a conversa numa
mensagem de texto.

LIMITE OS ASSUNTOS A SEREM DISCUTIDOS. Uma das melhores decisões


que tomei no início foi limitar as comunicações com meu ex a assuntos
que envolviam diretamente o nosso filho. Estabeleci um limite em
relação a contar qualquer coisa da minha vida pessoal – como ia o
trabalho, se eu estava namorando, como estava minha família – e fazia
questão de não perguntar nem saber nada sobre a vida dele. Na verdade,
quando amigos em comum tentavam me contar alguma coisa sobre o
trabalho ou as viagens do meu ex, eu interrompia dizendo: “Opa,
realmente não quero saber nada sobre a vida dele. A gente respeita a
privacidade um do outro.” O único assunto sobre o qual falávamos era
nosso filho, o que me facilitou muito seguir em frente e me curar.

FALE COM CLAREZA SOBRE SUAS EXPECTATIVAS. Ainda que eu não pudesse
controlar se ele apresentaria ou não nosso filho às suas novas
namoradas, pedi claramente (e por escrito) que se uma pessoa fosse
fazer parte da vida do meu filho, eu queria conhecê-la. Defini o que
significava “fazer parte da vida” (alguém que meu ex estivesse levando a
sério e que tivesse um contato constante e significativo com nosso filho),
expliquei que esperava que ele me avisasse quando isso acontecesse e
disse que faria o mesmo. Eu não podia controlar se ele respeitaria isso,
mas preparei o terreno para nossa colaboração e dei o exemplo, agindo
com ele como eu gostaria que ele agisse comigo.

RESTABELEÇA AS “REGRAS DE INTERAÇÃO”. Em termos de lidar com


conflitos, meu ex e eu nos comportamos melhor no divórcio do que no
fim do casamento – em parte porque nossos advogados nos
aconselharam a não dizer nem fazer nada que um juiz não visse com
bons olhos. Combinar que jamais iríamos gritar, xingar, ameaçar, jogar
nosso filho um contra ou outro nem ser cruéis em termos gerais tornou
nossas discussões mais fáceis, e impor esses limites sem entrar em
discussões improdutivas foi mais útil ainda.

LIMITES AUTOESTABELECIDOS PARA COMPARTILHAR A


GUARDA DOS FILHOS

Ao oferecer essas dicas a Emily, também percebi que tinha estabelecido


um bom número de limites para mim mesma como um meio de manter
saudável meu relacionamento na criação compartilhada do meu filho.
Foram limites que eu decidi que eram os mais saudáveis para mim e
para meu filho em termos de interação e comunicação. Estabelecer esses
limites para mim mesma me ajudou a cuidar da minha vida, a me
manter longe do meu ex e a me comportar do melhor modo possível em
algumas situações de maior estresse. Aqui vão alguns limites que eu
estabeleci para mim mesma em relação à guarda compartilhada do meu
filho:

NÃO ATROPELAR MEUS LIMITES. Era tentador demais verificar as postagens


do meu ex no Instagram e perguntar sobre a vida dele aos nossos amigos
em comum. Mas impor um distanciamento entre nós era necessário
para minha saúde mental e minha cura, por isso respeitei esse limite
para mim mesma. (Não importava se meu ex estava me bisbilhotando –
eu só podia controlar o meu comportamento.) Observe que não optei
por bloqueá-lo nas redes sociais – eu confiava em mim mesma para não
olhar as postagens públicas que ele fazia e não via necessidade de
esconder minhas postagens. Mas pode ser que, no seu caso, bloquear a
outra pessoa seja uma estratégia razoável e útil; se for assim, vá em
frente.

DEIXAR A CRIANÇA FORA DISSO. Às vezes meu filho me contava sobre o


fim de semana com o pai e, sem querer, acabava dando detalhes da vida
do meu ex – a “amiga” que o pai dele andava visitando, ou a viagem que
ele estava planejando. Eu deixava meu filho contar a história, mas
estabelecia o limite de não pedir informações extras. Fazer perguntas do
tipo “Quem é essa amiga e quantas vezes eles se veem?”, ou “Quando é a
viagem do seu pai?”, seria uma invasão de privacidade e um modo
furtivo de ultrapassar meu limite saudável. Jurei jamais colocar nosso
filho no meio da nossa comunicação desse jeito.

SER GENEROSA COM ESSES LIMITES. Meus limites para meu ex incluíam só
falar com ele sobre meu filho – mas dentro desse limite decidi ser
generosa quando se tratava de trocar informações. Nas semanas em que
meu filho estava comigo eu mandava fotos, relatos divertidos sobre o
que ele havia dito e feito, e atualizava meu ex sobre acontecimentos
importantes, novas comidas preferidas ou jogos que nosso filho estava
curtindo. Meu ex captou isso e reagiu do mesmo modo, o que significava
que mantínhamos uma conexão forte com a criança mesmo quando ela
não estava conosco.

TER CUIDADO COM O QUE DIZER. Teria sido fácil demais falar mal do meu
ex-marido com minha família, com nossos amigos e até mesmo com as
pessoas em geral, já que eu tinha um grande número de seguidores nas
redes sociais e nosso relacionamento tinha sido bastante público. Mas
desde o início decidi que não faria isso. Eu tinha algumas pessoas de
confiança – minha irmã, meu terapeuta e uma boa amiga – e me permiti
falar livremente com cada uma delas, para desabafar de verdade. Afora
essas pessoas (que de qualquer modo não tinham contato com meu ex),
eu me comprometi a não dizer nada que não fosse gentil sobre ele,
especialmente em relação aos motivos do divórcio. Além disso, eu sabia
que cair num padrão de falar mal dele magoaria meu filho assim que ele
tivesse idade para entender. Simplesmente por esse motivo decidi que
jamais falaria coisas desagradáveis sobre o meu ex.

NÃO RESPONDER NA MESMA HORA. Eu tinha dificuldade em manter uma


comunicação gentil e cordial em parte porque eu era rápida demais em
responder a cada mensagem ou e-mail. Meu ex mandava uma
mensagem incômoda sobre a casa, a guarda compartilhada ou algum
outro aspecto da nossa situação e eu retrucava imediatamente. Isso
desencadeava trocas de mensagens frenéticas que ficavam cada vez
menos educadas, mais ameaçadoras ou descaradamente cruéis, até eu
sentir tanta raiva que jogava meu celular longe e saía de casa,
fumegando. Até que um dia percebi que eu não precisava responder na
mesma hora. Passei a esperar um pouco antes de responder, até me
sentir calma e conseguir enxergar a situação de modo mais claro. Isso
me ajudou a dar respostas mais gentis, o que tornou nossas conversas
mais produtivas.

NEM TUDO PRECISA DE RESPOSTA


Meu ex e eu trocamos algumas mensagens pouco gentis na fase inicial do
divórcio, mas houve ocasiões em que suspeitei que ele dizia alguma coisa só
para provocar uma reação da minha parte. Diante dessas mensagens mais
provocadoras, eu reagia... simplesmente não respondendo. Eu me obrigava a
largar o telefone, parar um pouco e refletir sobre como estava me sentindo e
o que estava pensando. E me comprometia a não responder até que pudesse
dar uma resposta que me deixasse (e deixasse minha advogada) orgulhosa.
Sabe o que passou a acontecer? Meu ex começou a pedir desculpas antes
mesmo que eu dissesse uma única palavra. “Oi, não foi legal eu ter dito
aquilo. Desculpe. Podemos recomeçar a conversa do zero?” Em pouco tempo
nossas mensagens desagradáveis se tornaram raras, provavelmente porque
agora, antes de enviá-las, estávamos nos perguntando: “É assim que eu
quero agir?” Às vezes a melhor resposta é não responder. Portanto, pense se
o caminho mais eficaz não seria ficar na sua e recusar-se a alimentar aquela
energia negativa.

MANTER MINHA DIGNIDADE. Esse foi o limite mais importante que


estabeleci para mim mesma nessa situação. Durante o processo do
divórcio (que demorou mais de um ano), meu ex e eu tivemos algumas
conversas bastante hostis. Lembro que naquela época eu estava
maratonando Suits e me identifiquei muito com o seriado: minha vida
também estava repleta de facadas nas costas, manipulações e tentativas
de vencer às custas de outra pessoa. Eu queria que fosse olho por olho,
dente por dente. Queria responder a ameaças fazendo ameaças também
e triunfar em qualquer batalha que estivéssemos travando a cada dia...
até perceber que tentar contra-atacar e “vencer” nossas discussões estava
me fazendo muitíssimo mal. Eu estava estressada e ansiosa, e sentia que
carregava meu ex aonde quer que eu fosse. Eu não queria levar aquela
energia para a nova fase da minha vida. Trabalhei isso na terapia e decidi
que, não importava como meu ex se comportasse, pela minha própria
saúde mental eu precisava manter minha dignidade e ser gentil. (E se
não conseguisse fazer isso, usaria meus advogados para mediar nossa
comunicação.) A frase, agora famosa, de Michelle Obama resume a
questão lindamente: Quando eles baixam o nível, nós elevamos o nosso.

Estabelecer esses limites para mim mesma foi a coisa mais


importante que fiz para proteger minha saúde mental durante aquele
período incrivelmente estressante – e descobri que, ao mudar meu
comportamento, toda a nossa dinâmica melhorou também. Não sei bem
se minhas atitudes alteraram o comportamento do meu ex, ou se minha
autorreflexão e meu comprometimento com a dignidade mudaram o
modo como eu enxergava as atitudes dele. De qualquer modo, uma
única pessoa realmente basta para melhorar um relacionamento.

BUSQUE O APOIO NECESSÁRIO

Emily reconheceu que tinha a sorte de ter uma ex-companheira


cooperativa e comprometida em priorizar o que fosse melhor para os
filhos. Emily concordou em implementar muitos dos limites sobre os
quais falamos, e alguns meses depois me contou que os limites que havia
estabelecido para si mesma e para Shannon haviam melhorado
tremendamente a comunicação entre elas ao longo do tempo.
Se você não tem a mesma sorte e ainda acha difícil manter um
relacionamento saudável com seu ex-companheiro ou sua ex-
companheira, existem recursos que podem ajudar. Um curso sobre
guarda compartilhada pode lhe fornecer estratégias valiosas para
estabelecer um relacionamento saudável, além de conectar você com um
grupo de pessoas que passam pelos mesmos desafios. (Melhor ainda se o
ex-casal frequentar o curso ao mesmo tempo, mas de qualquer modo
vale totalmente a pena mesmo que apenas você compareça.)
Se a guarda compartilhada (em que ambas as partes estão
comprometidas a trabalhar juntas pelo bem da criança) estiver se
mostrando muito desafiadora, cogite a guarda alternada, que é como
impor a versão Vermelha dos limites autoestabelecidos que discuti
anteriormente. A guarda alternada limita rigidamente a natureza das
interações entre os dois adultos e mantém bem documentados os
horários, pedidos e acordos. Ela proporciona ferramentas para as duas
pessoas trabalharem juntas durante um divórcio complicado, ajuda a
proteger as crianças de qualquer conflito entre o ex-casal e pode ser uma
ponte entre a situação atual e um estilo de guarda mais cooperativo no
futuro.
Também existem aplicativos de guarda compartilhada (como Our
Family Wizard, Coparently e 2Houses, em inglês) que ajudam pais e
mães a conversar entre si, compartilhar agendas e documentar os gastos.
Aplicativos assim diminuem a necessidade de contato presencial e
ajudam a suavizar o processo de separação. Além disso, vocês podem
envolver um terapeuta ou mediador de família para ajudar a conduzir as
conversas difíceis.
Por fim, converse com seu advogado para ver se uma mediação
poderia ajudar vocês a estabelecer novos termos de guarda
compartilhada ou alternada, ou pelo menos a combinar “regras de
interação” mais gerais.

VPF
O princípio do “Vocês Podem Fazer Como Quiserem”, apresentado no
Capítulo 6, aplica-se muitíssimo bem aqui. Não existe um modo certo de
fazer a guarda compartilhada. Abrir mão das expectativas em relação a
como ela “deveria” ser e não fazer comparações com outros relacionamentos
pode ajudar muito a estabelecer o tipo de arranjo que funcione para a sua
família. Além disso, é provável que a dinâmica de guarda compartilhada
mude à medida que vocês evoluem. Nós comemorávamos os aniversários
separados (nosso filho tinha duas festas), mas há alguns anos começamos a
convidar um ao outro (e aos nossos companheiros) para as comemorações, e,
ao percebermos que nosso filho gostava de ver todos nós no mesmo lugar,
isso se tornou o padrão. Abra espaço para a gentileza, a flexibilidade e o
crescimento; lembre-se de que você pode mapear seu caminho, desde que
haja um acordo entre as partes; e sempre se baseie no que for melhor para a
criança.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES PARA O PAI OU


A MÃE DOS SEUS FILHOS
Ainda que talvez você não possa estabelecer todos os “limites” que
esperava encontrar neste capítulo, aqui vão alguns roteiros que você
pode usar com o pai ou a mãe dos seus filhos para manter limites
saudáveis em termos de comunicação, privacidade e saúde mental, além
de algumas consequências que você pode impor caso esses limites sejam
desrespeitados.

Minha ex-esposa fica sondando detalhes sobre o meu trabalho ou meus planos
para o fim de semana quando falamos sobre as crianças. Não quero
compartilhar detalhes assim e parece invasivo ela ficar perguntando. Como
posso dizer com gentileza “Por favor, não faça isso”?

VERDE: “Prefiro não falar sobre isso, mas que bom que as crianças se
divertiram no cinema. Gostei muito de ter recebido aquelas fotos.”
AMARELO: “Não me sinto confortável falando da minha vida e prefiro
que você não pergunte.”
VERMELHO: “No momento, só quero falar sobre as crianças.”

Se as perguntas chegam por mensagem de texto ou e-mail e você já


exprimiu um limite Verde, sinta-se livre para simplesmente não
responder às perguntas pessoais, somente às que sejam relevantes para
as crianças. Mas primeiro certifique-se de estabelecer um limite, já que
evitar as perguntas sem qualquer explicação não é uma atitude clara
nem gentil.

O pai do meu filho me convidou para tomar um café e “conversar sobre as


crianças”. Mas, quando cheguei, ele começou a dizer que acha que eu lhe devo
dinheiro. Preciso estabelecer um limite em relação a isso, mas não sei por onde
começar.

Vou lhe dar dois roteiros de limites: um para usar na mesma hora, se
achar que a conversa não está indo bem; e outro para usar depois do
ocorrido, para impedir que aconteça de novo.
VERDE: (enquanto estiver acontecendo) “Pode parar. Não foi sobre
isso que viemos conversar. Já abordamos tudo o que você queria falar
sobre o nosso filho? Se abordamos, já vou indo.”
AMARELO: “Não vou conversar sobre isso com você aqui. Por favor,
fale com seu advogado.”
VERMELHO: Saia dali.
VERDE: (depois do fato, por escrito) “De agora em diante, por favor
use e-mail ou mensagem de texto para tratar dos assuntos sobre
nosso filho. Quero garantir que tudo o que a gente discuta ou
combine fique registrado.”
AMARELO: “Não vou mais me encontrar pessoalmente com você. Por
favor, quando necessário, mande um e-mail ou uma mensagem de
texto ou áudio.”
VERMELHO: “Quando você me enviar suas solicitações por escrito,
terei prazer em responder.”

Nesse caso, você ainda está cooperando totalmente – só está garantindo


que não terá uma surpresa desagradável e que poderá acessar o
registro das suas conversas, se necessário. Descobri que isso é
extremamente útil mesmo se o relacionamento com a outra pessoa não
for litigioso.

Minha ex-esposa me liga tarde da noite para falar sobre questões não urgentes.
Acho que é para verificar o que estou fazendo. Já tentei simplesmente não
atender, mas aí ela fica ligando várias vezes ou deixa um recado raivoso.
Preciso de ajuda.

VERDE: “A não ser que seja uma emergência, por favor não me ligue
depois das oito da noite. Se você quer falar alguma coisa na mesma
hora para não correr o risco de esquecer, mande uma mensagem de
texto ou um e-mail, e eu responderei na manhã seguinte.”
AMARELO: (ao telefone) “Isso não parece uma emergência. Ligo para
você amanhã. Tchau.”
VERMELHO: (por escrito) “Não vou mais atender suas ligações nem
ouvir seus áudios depois das oito da noite. Se acontecer alguma
emergência, por favor mande uma mensagem de texto. E se eu não
responder, ligue para minha irmã ou minha mãe.”

É aqui que os aplicativos de comunicação são práticos. Vocês podem


trocar informações, horários e pedidos por meio do aplicativo a
qualquer hora do dia ou da noite e guardar os telefonemas para as
verdadeiras emergências. Estabelecer o limite de que todas as conversas
sejam feitas pelo aplicativo mantém um registro das interações,
favorece a organização e garante que sua privacidade seja respeitada.

Meu ex exige saber detalhes da minha vida agora que estou num
relacionamento novo, tipo se as crianças conheceram meu novo companheiro,
ou se planejamos levar o relacionamento mais longe. Como posso continuar
cooperando pelo bem das crianças sem ter que contar muitas coisas?

VERDE: “Se o meu relacionamento se tornar importante a ponto de


envolver as crianças, eu aviso; e se você quiser, apresento vocês dois.
Até lá não preciso compartilhar detalhes da minha vida pessoal.”
AMARELO: “Eu já disse: quando precisar envolver você por causa das
crianças, farei isso. Ainda não chegamos lá.”
VERMELHO: “Pare de perguntar sobre meus namoros. Quando tiver
algo para contar, eu aviso.”

Nesse caso, trate seu ex como você gostaria que ele tratasse você. Se seu
ex estivesse namorando, quando você gostaria de saber? Minha regra
básica era: “Se essa pessoa vai fazer parte da vida do meu filho, eu
quero conhecê-la.” E então deixava que meu ex-marido indicasse
quando isso acontecesse.

Minha ex usa o momento de pegar ou deixar nossa filha comigo para discutir
mudanças que ela gostaria de fazer no nosso modelo de guarda compartilhada
(regras sobre horários e férias, por exemplo). Apesar de minha filha ser
pequena, ela capta nosso tom de voz e não gosto de conversar sobre isso
quando ela está por perto. Como posso dizer “Esta não é a hora”?

VERDE: (por escrito, antes da visita) “Vamos estabelecer a regra de


não falar sobre a guarda na hora de pegar ou deixar a menina. Katie
ouve tudo, e não quero que ela se estresse com essas conversas. Você
pode me ligar hoje à noite, depois que ela dormir, se quiser conversar
sobre alguma coisa.”
AMARELO: (enquanto estiver acontecendo) “Certo, mas vamos falar
sobre isso mais tarde. Mande uma mensagem hoje à noite ou no fim
de semana. Katie, venha dar tchau.”
VERMELHO: “Não é hora. Diga tchau a Katie e nós conversamos mais
tarde.”

Se necessário, encontrem-se para pegar e deixar a menina num local


neutro ou do lado de fora da casa, de modo a favorecer esse limite caso
sua ex insista em começar uma conversa inadequada. Esteja disponível
para ter essas discussões (dentro dos seus limites) em tempo hábil, para
mostrar à sua ex que você quer cooperar.

Meu ex-marido ainda entra na minha casa sem bater, ou sobe para entrar no
quarto das crianças sem pedir. Já reforcei que a casa não é mais dele, mas esse
comportamento continua. Me ajude a me impor sem iniciar uma briga.

VERDE: (por escrito, antes da visita) “Por favor, quando chegar, espere
ser convidado a entrar, não fique andando pela casa sem me pedir
antes, mesmo se as crianças chamarem. É importante que eu
mantenha alguns limites quanto ao meu espaço.”
AMARELO: Mantenha a porta trancada, de modo que seu ex seja
obrigado a bater, e o acompanhe caso opte por deixar que ele visite o
quarto das crianças.
VERMELHO: Receba-o do lado de fora, com as crianças prontas para
sair.

Se você prefere que seu ex não entre na sua casa, comunique isso por
escrito e, caso ele seja chamado para subir ao quarto, peça que ele
simplesmente diga às crianças: “Não, meus amores, agora a casa é só
da mamãe, por isso vou ficar aqui embaixo.” Se não incomoda você
que seu ex suba um pouquinho para brincar com os filhos, mantenha
as outras portas da casa fechadas, para sua privacidade, e limite o
tempo que ele pode passar ali, dizendo: “Brinquem só um minuto com
o papai, crianças. Depois é hora de dar tchau.”

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Lembro que no início da minha separação tive uma verdadeira epifania


em meio ao sofrimento e ao estresse. Certa noite eu estava sentada na
sala enquanto meu filho dormia no andar de cima, e pensei em como
seria a vida para além dos advogados e dos tribunais, da partilha de bens
e das questões de guarda compartilhada. A coisa me veio de uma só vez:
“Assim que isso acabar, poderei ter o que eu quiser.”
Percebi que, ainda que o ano seguinte fosse difícil, eu estava
passando para uma fase nova e empolgante da minha vida. Nunca mais
precisaria me acomodar num relacionamento doentio e insatisfatório.
Poderia fazer o que quisesse com meu tempo, socializar muito ou pouco,
retomar antigos passatempos e dormir feito uma pedra toda noite, se
quisesse. Mais empoderador ainda era saber que eu poderia aplicar
limites saudáveis em todos os relacionamentos que eu tivesse dali em
diante, comunicando minhas necessidades com clareza e gentileza,
limitando comportamentos ou dinâmicas que não fossem aceitáveis,
priorizando a mim mesma e dando adeus se meus limites não fossem
respeitados.
Dizem que “o tempo cura todas as feridas”, e isso jamais foi tão
verdadeiro quanto no meu divórcio. Com o passar do tempo, depois de
muita terapia e de mudar o foco para a vida nova que eu estava
construindo, descobri que muitos medos que eu tinha a respeito da
guarda compartilhada jamais se concretizaram ou foram rapidamente
esquecidos em favor de comportamentos mais cooperativos. Ainda que
aquele período tenha sido um dos mais estressantes da minha vida,
também foi um dos mais esperançosos, porque... Adivinha o que mais
cura as feridas existentes e impede que novas surjam? Limites fortes e
saudáveis. (A esta altura, suspeito que todos acertaram a resposta.)
CAPÍTULO 8

Tudo em pratos limpos


Como estabelecer limites quanto a comida, álcool
e conversas à mesa

B
renna, que faz parte da minha comunidade na internet, pediu
ajuda para estabelecer um limite quanto ao almoço de domingo
com as amigas. O restaurante predileto do grupo tinha um
cardápio variado, mas era conhecido pela enorme diversidade de
panquecas, cada uma do tamanho de um prato. Em geral, Brenna e as
amigas pediam uma ou duas panquecas para dividir como sobremesa
após a refeição. No entanto, depois de participar do Whole30, Brenna
aprendeu que o consumo excessivo de açúcar, glúten e carboidratos a
deixava com dor de cabeça, cansada e irritada pelo resto do dia. No
domingo seguinte, ela tentou quebrar a tradição – e foi tão pressionada e
zombada pelas amigas que desistiu e acabou comendo sua porção de
panqueca.
Ela me escreveu: “Socorro. Eu recusei numa boa e foi surreal o
sarcasmo que recebi de volta! Quero continuar participando desses
encontros, mas também preciso que elas larguem do meu pé se eu não
quiser a porcaria da panqueca.”
Como eu já disse, comecei minha carreira ajudando os outros a
estabelecer limites em relação ao consumo de álcool, açúcar e
guloseimas enquanto os guiava pelo programa alimentar Whole30.
Quando pedi a Brenna mais detalhes sobre seu problema com as
panquecas, ela disse que enquanto estava fazendo o Whole30, suas
amigas aceitavam a recusa com muito mais facilidade. Expressar o prazo
e as regras do programa serviu como uma rede de segurança por um
tempo. Ainda que recebesse alguma reação contrária por parte das
amigas, ela podia dizer: “Ei, regras são regras, e eu vou segui-las por
trinta dias.”
No decorrer dos anos, vi que o verdadeiro desafio acontecia durante
os outros 335 dias do ano. Seus amigos ficam loucos para ter de volta a
pessoa que os acompanha bebendo vinho, comendo pizza e adorando
panquecas – e se você tiver chegado à conclusão de que vinho, pizza e
panquecas não servem mais para você? A pressão dos amigos, os
comentários irônicos, as hostilidades e as tentativas de sabotagem se
juntam para dar um novo significado à expressão “guerra de comida”.
Aqui vai a verdade nua e crua, nascida de mais de doze anos ajudando as
pessoas a identificar e criar suas dietas personalizadas e sustentáveis: as
pessoas mais próximas de você costumam ser as que mais desrespeitam
seus limites quanto a comida e bebida. Veja o grupo de amigas de
Brenna: “Minhas amigas tinham me encorajado a fazer o programa”,
disse ela. “Elas sabiam que eu andava sem disposição, dormindo mal e
me sentindo inchada o tempo todo. Mas assim que meu programa
Whole30 terminou, elas começaram a dizer: ‘Você não vai morrer por
causa de uma panqueca’, ou ‘Queremos a velha Brenna de volta’. Não
consigo entender.”
Eu entendo muito bem e quero que você também entenda, porque a
orientação sobre limites neste capítulo é importante não somente para
quem faz o Whole30 ou segue uma dieta sem glúten, cetogênica ou
vegana. É para qualquer pessoa que tenha preferências quanto a
alimentação, hábitos saudáveis, necessidades médicas, sensibilidades
dietéticas ou crenças pessoais sobre comida ou álcool. É para qualquer
pessoa que tente fazer as pazes com o próprio corpo e o próprio peso e
queira descartar a má influência da cultura das dietas. É para qualquer
pessoa que esteja trabalhando para melhorar sua relação com a comida,
o álcool e o próprio corpo, e que saiba que essas dinâmicas melhorariam
com um pouco de limites.
Ou seja, todos nós.
No meu trabalho vi que os limites nessa área se encaixam em três
categorias: comida, álcool e conversas à mesa. As três têm algumas
características em comum, e incluem o mesmo tipo de apego emocional,
a influência da cultura das dietas, da mídia e da família, e o
comportamento defensivo que pode surgir com qualquer um desses
temas. Apesar disso, cada categoria tem gatilhos e desafios próprios,
especialmente dentro dos nossos relacionamentos.

COMIDA: Como Brenna, frequentemente nos pegamos tendo que


comunicar nossas preferências alimentares. Podemos querer estabelecer,
para nós mesmos ou para os outros, limites quanto a comidas que dão
enjoo, exaurem a energia, fazem mal à pele, atrapalham a digestão ou
provocam outros sintomas indesejados. Às vezes precisamos estabelecer
um limite em relação às palavras que os outros usam para falar da nossa
comida, como “pouco saudável”, “nojenta” ou “ruim”. Ou talvez só
queiramos dizer “não” – e tudo bem dizer “não” simplesmente porque
você não gosta de determinado tipo de comida, mesmo que ela seja um
sucesso nacional, como pizza ou sorvete. (Por acaso não curto muito
nenhuma das duas coisas – não me cancele.) Assim que você perceber
que pode estabelecer limites saudáveis com relação à comida de
inúmeras maneiras, verá como essa prática simples ajudará a melhorar
sua saúde e sua autoconfiança.

ÁLCOOL: Assim como a comida, o álcool é “algo que consumimos”, mas


exige uma categoria própria, tanto por causa do impacto viciante que
pode ter sobre quem o ingere quanto pela intensa pressão social que
envolve. Na nossa cultura, o álcool é a única droga que precisamos
recusar com uma justificativa – e as pressões sociais em relação à bebida
são intensas em qualquer estágio da vida, quer você esteja na faculdade,
cuidando de filhos pequenos ou começando em um novo emprego. Não
importa se você não bebe nunca, se só bebe socialmente ou se quer
estabelecer um limite saudável – as frases que vou mostrar nos roteiros
deste capítulo ajudarão você a simplesmente dizer não em todo tipo de
situação social.

CONVERSAS À MESA: São situações tangenciais às nossas escolhas


alimentares – por exemplo, os tipos de comida que optamos por comer,
se fazemos ou não dieta para perder peso, e como falamos sobre nosso
corpo e o dos outros. As conversas à mesa são uma categoria específica
por causa do forte apelo emocional e das inseguranças, dos medos e dos
julgamentos que temos em relação ao nosso corpo e ao nosso peso. Essas
conversas costumam acontecer enquanto estamos sentados à mesa,
preparando o almoço no refeitório do trabalho ou de pé numa festa,
segurando um pratinho. É quando os outros observam o que e quanto
estamos comendo e como optamos por interagir com a comida. É
quando as pessoas se sentem profundamente vulneráveis, ansiosas e na
defensiva em relação às próprias escolhas e ao próprio corpo.

Ainda que não envolvam especificamente sua comida ou sua bebida,


algumas conversas podem servir de gatilho e afetar sua saúde mental.
Aprender a estabelecer limites não somente quanto ao que está no seu
prato ou no seu copo mas também quanto ao que é dito pode fazer com
que a hora da refeição seja muito mais pacífica, enriquecedora, segura e
saudável.

AMIGOS E COMIDA
Você pode estar se perguntando por que a situação das panquecas de
Brenna não foi apresentada no capítulo sobre amigos e vizinhos. Certo, há
uma sobreposição aqui, mas na minha experiência a comida e a bebida ficam
numa categoria própria quando se trata de limites. Se seus novos amigos vão
esquiar e você diz “Não, agradeço o convite, mas não esquio”, é improvável
que eles pressionem, ridicularizem ou julguem você por recusar. Mas quando
você diz “Eu não bebo”, ou “Eu não como glúten”, isso pode provocar uma
reação muito diferente. Comer e consumir bebida alcoólica têm o potencial de
deixar as pessoas na defensiva mais do que a maioria das atividades sociais,
por isso temos aqui esta categoria especial.

A LINGUAGEM DA COMIDA

Estabelecer qualquer limite pode ser difícil, mas os limites relativos à


comida e ao corpo são especialmente dolorosos e desafiadores. Sim,
todos nós comemos, mas todos também temos ideias diferentes sobre o
que é saudável, delicioso e adequado ao consumo. Isso significa que é
difícil ter uma linguagem comum quanto ao que comemos e bebemos –
seja para expressar se um alimento específico tem gosto bom ou ruim ou
se ele faz bem à saúde. Nossa relação com a comida, a bebida e o corpo
se desenvolveu a partir da nossa família e dos exemplos que tivemos em
casa. Mas essa relação foi ensinada de modo saudável? Se sua mãe
sempre fazia dieta, se você ouvia que não ganharia sobremesa enquanto
não raspasse o prato, ou se determinados alimentos como açúcar ou
carne vermelha eram demonizados na sua casa, isso provavelmente
influenciou o modo como você enxerga a comida e o ato de comer.
Nossa relação com a comida também foi extremamente influenciada
pela cultura das dietas, que nos diz se determinados alimentos são bons
ou ruins e sugere (ou diz explicitamente) que nós somos bons ou ruins
com base no que está no nosso prato. Dessa perspectiva, passamos a
acreditar que nosso valor está ligado à balança e que o único motivo
para mudarmos a dieta, abrir mão de um grupo alimentar ou recusar
um petisco é a perda de peso. Você pode ter ouvido que comer até se
saciar é sinal de gula ou grosseria, ao passo que a restrição era elogiada e
admirada como algo saudável. Quando era criança, eu via as mulheres
da minha família se espremendo nas calças justas e transformando
“Você está tão magra!” no maior elogio de todos. Essas influências são
profundas e podem ter impacto não somente no que comemos hoje mas
no modo como nos comportamos e nos comunicamos com as outras
pessoas durante uma refeição.
Comida e álcool também são peças centrais quando socializamos.
(Tente abrir mão do álcool por um mês, depois conte nos dedos quantos
eventos sociais aos quais você compareceu envolviam bebida alcoólica.
Eu ficaria chocada se você não precisasse de uma ou duas mãos extras
para contar.) E, como nossa relação com a comida é tão profundamente
pessoal e costuma ser confundida com nosso valor, mudar nossa dieta
pode parecer incrivelmente ameaçador para os outros em ambientes
sociais, mesmo se fizermos isso em silêncio.
Por fim, é difícil mudar hábitos, e quanto mais você tiver uma
ligação emocional com seus hábitos, mais demorará a quebrar o padrão.
Nossa relação com a comida tem uma conexão profunda com os
ingredientes super-recompensadores usados nos alimentos modernos;
tem a ver com o modo como eles foram propagandeados e com quanto
os usamos para administrar o estresse, o conforto e o amor-próprio. O
modo como ingerimos açúcar, carboidratos e bebida para nos acalmar,
entorpecer e distrair a mente e aliviar a ansiedade faz com que essas
comidas e bebidas pareçam acolhedoras – e a ideia (por exemplo) de
abandoná-las pode nos levar a recuar, contra-atacar ou ambas as coisas.
A boa notícia é que ao estabelecer limites saudáveis quanto à sua
dieta e ao seu corpo, você está preservando sua saúde mental e mudando
a cultura ao seu redor. Imagine um universo em que ninguém fale sobre
o corpo dos outros, onde nossa comida não tenha mais moralidade e
onde possamos comer e beber como quisermos sem que ninguém diga
qualquer coisa a respeito. A diferença entre esse mundo e o mundo que
você habita hoje está (diga comigo) nos limites.

DESAFIANDO O STATUS QUO


Primeira lição: você pode levar as pessoas a se sentirem mal com o
próprio comportamento simplesmente se comportando do seu jeito.
Comida é um tema delicado – ao lado de política e religião – em termos
de potencial para conflito. Simplesmente recusar um petisco ou uma
bebida e pedir água em vez de uma taça de vinho pode parecer uma
crítica às pessoas ao nosso redor, que costumam receber nossas escolhas
como se estivéssemos apontando um dedo acusador para o
comportamento delas. Assim, quando Brenna diz “Nada de panquecas,
por favor”, isso reflete a opção das amigas de comer a panqueca (mesmo
que a intenção não seja essa), o que pode provocar sentimentos de culpa,
vergonha, inveja, hostilidade e raiva.
Porém, em vez de apenas notar o próprio desconforto e questionar o
que ele significa, é mais fácil para seus amigos, familiares e colegas de
trabalho empurrar isso de volta para você revirando os olhos,
provocando ou culpando você, ou tecendo comentários explicitamente
maldosos. Eles acham que se puderem fazer com que você desista do seu
limite, vão se sentir melhor em relação às próprias escolhas. E em geral
isso funciona. Assim que Brenna comeu a panqueca, o encontro entre
amigas voltou ao clima feliz de sempre, pois todas estavam cedendo ao
mesmo desejo e ninguém se sentia julgada. Mas isso só encoraja as
amigas a continuar pressionando, manipulando e assediando Brenna,
que vê seu limite ser fragilizado e passa a comer perpetuamente as
panquecas que ela nem queria, sentindo-se um lixo muito depois do fim
da refeição.
As amigas de Brenna não são más, e as suas também não são quando
exageram com você a respeito de comer (ou não comer) alguma coisa;
na verdade, existe muito medo e ansiedade por trás dessa reação. A
comida e a bebida estão no centro de muitas interações sociais e
provavelmente já representaram um papel importante nos
relacionamentos que você tem com colegas de trabalho, amigos e
familiares. Se comer juntos é algo que está entrelaçado nessa cultura,
pode parecer perturbador quando alguma coisa muda essa dinâmica.
Seus amigos podem temer que você esteja se afastando, ou que eles
estejam fazendo escolhas ruins. A simples frase “Não quero panqueca”
pode significar o fim de uma era – o almoço de domingo com as amigas
– e se isso mudar, pode haver um impacto na amizade e no modo como
vocês passam tempo juntas. E se você quiser encontrar um restaurante
novo e mais saudável para o almoço? E se você começar a malhar antes
de encontrá-las, aparecendo toda reluzente e animada com sua roupa de
treino? E se você fizer amigas novas, em forma e lindas, e preferir fazer
ioga e tomar suco verde com elas aos domingos? Suas amigas podem
temer que o elo que conectava o grupo desapareça totalmente se vocês
não compartilharem mais aquelas panquecas.

LIMITES DIFÍCEIS: AÇÚCAR, CARBOIDRATOS E BIRITA

Ainda que qualquer comida ou bebida possa exigir um limite em nome


da sua saúde, algumas categorias são mais difíceis de restringir:

Bebidas e alimentos açucarados, como bala, refrigerante e


chocolate.
Produtos à base de carboidratos, como pão, panqueca, bolo e
biscoito.
Comidas salgadas e gordurosas, como salgadinhos, batata frita e
empanados.
Pratos com importância cultural, como espaguete, babka e
enchiladas.
Álcool.

Os “prazeres culpados” encorajados pela sociedade apresentam os


maiores dilemas em relação a limites, em parte por causa do modo como
nosso mundo moderno glorifica essas comidas e bebidas. (Ninguém
pega em armas se você recusar brócolis ou chá de ervas.)
Graças ao marketing e à influência da mídia, hoje em dia sorvete,
chocolate, bolo, batata frita, vinho e cerveja são sinônimos de conexão
com os outros, de alívio do estresse e da ansiedade, e sentimos que às
vezes devemos nos dar a esse luxo. Depois de ouvir todo mundo dizer,
desde o McDonald’s até a consagrada marca de vinhos Yes Way Rosé,
que nós merecemos isso, parece que recusar é um ato de privação ou
castigo. Em 2017, restaurantes e empresas de comidas e bebidas
gastaram 13,4 bilhões de dólares em publicidade nos Estados Unidos, e
mais de 80% dessa publicidade foi empregada para promover fast-food,
bebidas açucaradas, doces e salgadinhos nem um pouco saudáveis.9
Somente a indústria do álcool gasta entre 1 e 2 bilhões de dólares por
ano para nos convencer de que tudo, desde a vida das mulheres com
filhos até o café da manhã e um jogo de futebol, fica melhor com
bebida.10 Será que a gente poderia ao menos namorar sem vinho, ou
terminar com alguém sem ter que devorar um pote de sorvete?
Essas associações estão profundamente entranhadas na nossa
cultura, e, mesmo sabendo que essas comidas e bebidas nem sempre são
saudáveis, há o entendimento comum de que se houver um motivo para
consumi-las (como um aniversário, uma reunião de trabalho ou o fim de
semana), e se todos estivermos fazendo isso, os efeitos negativos
simplesmente... serão anulados. (Pelo menos era o que minhas tias
sempre diziam junto à mesa de doces nas festas de fim de ano.) Certo,
talvez não literalmente, mas sem dúvida nos sentimos melhor pegando
uma fatia de torta se todo mundo também estiver comendo, ou
aceitando a terceira taça de vinho se todo mundo concordar em pedir
outra garrafa.
Pesquisadores da área de nutrição e dieta dizem que os
comportamentos relacionados à comida são transmitidos socialmente, e
as escolhas alimentares que as pessoas fazem têm uma ligação profunda
com sua identidade.11 Até mesmo as redes sociais influenciam essas
escolhas – as pessoas consomem uma quantidade significativamente
maior de junk food quando acreditam que seu círculo social aprovaria
isso.12 No fundo, todos nós queremos fazer parte de um grupo social, e
um modo de reforçar esse pertencimento é levar todo mundo a
concordar em comer panqueca doce.
Como se não bastasse explicar por que os limites em relação ao
chocolate e ao vinho são difíceis, também temos um forte apego
emocional e frequentemente moral a esses alimentos, o que faz com que
sejamos “bons” ou “maus” quando os recusamos ou consumimos.
(Obrigada, cultura das dietas.) Se comemos o bolinho ou tomamos outra
taça de vinho, costumamos dizer que aquele é o dia “do lixo”, ou que
estamos “saindo da linha”. Mesmo quando dizemos isso em tom de
brincadeira, na verdade não estamos brincando. Há uma aceitação
subjacente de que essas comidas e bebidas são universalmente ruins, e
essa mesma moralidade e esse julgamento se grudam em nós quando as
consumimos.
A justificativa que damos ao recusar funciona da mesma forma:
“Não, agradeço, mas vou me comportar esta noite.” Ainda que você não
diga isso com todas as letras, essas conexões ficam gravadas na nossa
psique social. Por causa dessa associação, podemos colocar outras
pessoas na defensiva ao simplesmente recusarmos uma comida. Afinal
de contas, se você está “se comportando” ao recusar uma panqueca, o
que dizer das suas amigas que estão com o garfo na mão, prontas para
devorar a sobremesa?

NÃO JUSTIFIQUE, NÃO PEÇA DESCULPAS NEM EXPLIQUE


DEMAIS

Brenna não tinha uma sensibilidade alimentar ou um problema de saúde


específico relacionado às panquecas, mas ficou tentada a sugerir isso
para conseguir estabelecer limites para as amigas. Numa das nossas
conversas on-line ela me perguntou: “Será que devo dizer a elas que
descobri que sou intolerante ao glúten ou algo assim?” Em uma palavra:
não. Isso seria uma mentira; não é uma atitude clara nem gentil. Além
do mais, inventar coisas para estabelecer um limite não torna esse
processo mais fácil no futuro. (E mais: as pessoas que têm alergias ou
sensibilidades verdadeiras precisam ser levadas a sério, e se muita gente
fingir uma reação alimentar, esses alertas não terão o peso que deveriam
ter.)
Se você tem mesmo uma sensibilidade legítima ou uma preocupação
de saúde ligada à comida, sem dúvida pode dizer isso ao estabelecer seus
limites. Dizer “Sou hipersensível ao glúten”, ou “Laticínios deixam minha
pele irritada”, pode eliminar rapidamente qualquer suspeita de
julgamento e trazer o foco de volta para o lugar certo – para os limites
que você tem todo o direito de estabelecer em relação ao seu corpo.
Há, no entanto, dois motivos para você não se apoiar demais nisso.
Primeiro, você não deveria ter que divulgar informações de saúde para
que alguém respeite seu limite. Se você estiver conversando com amigos
íntimos ou familiares, até pode ser razoável contar. Mas se for um
almoço de negócios, um evento de caridade ou outro ambiente em que
você talvez não queira revelar detalhes pessoais? Vale a pena aprender a
recusar com confiança sem dar qualquer desculpa ou motivo. E você
deve esperar que as pessoas respeitem sua escolha simplesmente porque
você pediu.
Além disso, se você oferece um motivo ou uma desculpa para o seu
limite, a outra pessoa pode se sentir no direito de dar conselhos “úteis”
ou até de contra-argumentar. “O glúten me causa erupções” pode levar a
“Eles têm uma panqueca sem glúten no cardápio”, ou “Acabei de ler que
a sensibilidade ao glúten é um mito”, ou “Por favor, duas mordidinhas
não vão fazer mal”. Agora a situação é pior ainda, porque você contou
uma história que a pessoa achou frágil, suspeita ou pouco razoável.
E se você achar que não há problema em consumir um pouco de
glúten – mas não aquelas panquecas? É muito mais difícil explicar um
“não” à panqueca e um “sim” aos biscoitos de chocolate da sua mãe
quando você alega com tanta convicção: “Não como glúten porque faz
mal à minha pele.” Claro, você pode dizer “sim” e “não” ao que bem
entender, quando e se quiser. Mas, por todos esses motivos, vamos
treinar uma linguagem de limites que não dependa de detalhes pessoais
ou de desculpas para ter sucesso.

OS LIMITES QUANTO À COMIDA NÃO TÊM A VER


APENAS COM COMIDA

Uma última coisa antes de passarmos aos roteiros de limites. Assim


como, na situação de Brenna, a panqueca não é apenas uma panqueca,
nem sempre os limites quanto à comida têm a ver apenas com comida
(ou bebida). Existem muitas conversas e comportamentos em torno da
alimentação que você pode achar problemáticos. Dietas, contagem de
calorias e perda de peso são assuntos discutidos em geral ao redor da
mesa, e em muitas famílias o corpo é um tema recorrente nas conversas,
em especial em relação ao peso.
A comida costuma ser um catalisador para questões de corpo e
imagem, um gatilho para comportamentos confusos ou viciantes, e uma
ferramenta para manipulação (especialmente tendo as mulheres como
alvo). Como muitos participantes do Whole30 descobriram, você pode
começar a fortalecer seus limites negando aquela fatia de bolo ou taça de
vinho, e depois reforçá-los pedindo que as pessoas não falem sobre a
própria dieta de emagrecimento nem comentem sobre seu corpo. Na
minha visão, qualquer coisa dita à mesa é válida para estabelecer limites
com o objetivo de preservar refeições pacíficas, saudáveis e felizes.

O ROMPIMENTO DO CICLO COMEÇA COM VOCÊ


“Essa torta vai direto para as minhas coxas.” “Vai demorar uma eternidade
para isso queimar.” “Estou guardando minhas calorias para o vinho.” Já ouvi
minhas tias e primas falarem coisas assim uma centena de vezes nas datas
comemorativas. Isso foi passado a elas pelos pais, e meus ouvidos jovens
certamente captaram as mensagens subjacentes: as calorias são ruins, o
objetivo é permanecer magra, a comida é uma inimiga. E qualquer parte do
corpo que balance é inaceitável. Agora estou tentando interromper esses
padrões tóxicos para mim mesma e para as gerações mais novas.

Aqui vão algumas dicas para você quebrar a maldição da cultura das
dietas.

NÃO FALE SOBRE COMIDA ENQUANTO ESTIVER COMENDO. Esse é um


dos limites mais simples e impactantes que você pode estabelecer
para a sua saúde mental e para a saúde do seu círculo de
convivência – para saber mais, vá algumas páginas adiante em
NÃO FALE DE COMIDA NA HORA DE COMER.
NÃO FALE SOBRE AS ESCOLHAS ALIMENTARES DAS OUTRAS PESSOAS.
Isso também se aplica a comentários sobre quanta comida está no
prato de alguém ou sobre o que você acha do apetite dessa pessoa.
NÃO ATRIBUA VALORES MORAIS OU JULGAMENTO A QUALQUER
COMIDA OU BEBIDA. Evite se referir às coisas que estão no seu prato
ou no de outra pessoa como “boas”, “ruins”, “de verdade” ou “lixo”.
NÃO FALE SOBRE SEU CORPO NEM SOBRE O DE NINGUÉM. Isso é
especialmente válido se o comentário for negativo ou depreciativo,
mas se aplica até mesmo se você achar que é um elogio (como
“Parece que você perdeu peso”). Encontre outra característica para
elogiar.
NÃO REFORCE A CULTURA DAS DIETAS. Evite fazer comentários sobre
“sair rolando” após as refeições, dizer que uma pessoa “anda na
linha” por dispensar a sobremesa ou comentar que você vai
“queimar o café da manhã” na academia.
DÊ O EXEMPLO. Estabeleça proativamente limites claros e gentis
quando o assunto da conversa se transformar em gatilho ou for
prejudicial.
TOME CUIDADO EXTRA PERTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. São as
pessoas mais impressionáveis e com mais probabilidade de serem
prejudicadas pela cultura das dietas.

Lembre-se: um limite saudável não tem a ver com dizer a outra


pessoa o que ela pode ou não pode fazer; os limites sempre se
concentram em você, e em última instância nas ações que você fará para
impor esse limite. Brenna não estava pedindo que as amigas não
comessem panqueca; estava pedindo que respeitassem a decisão dela de
não compartilhar a guloseima. É assim que funciona quando você
estabelece limites à mesa: você não está proibindo as pessoas de
tomarem mais uma taça de vinho ou falarem sobre dietas de
emagrecimento; está pedindo que elas respeitem sua decisão de não
tomar o vinho ou de não se sujeitar a essa conversa.
Depois que lembrei isso a Brenna e ofereci alguns roteiros de limites,
ela lidou com o almoço de domingo de modo diferente. Antes mesmo de
ela e as amigas fazerem os pedidos, Brenna disse: “Gente, preciso falar
uma coisa. Domingo passado eu disse que não queria panqueca e vocês
fizeram um escarcéu por causa disso. Vamos com calma hoje. Se vocês
quiserem panqueca, peçam. Mas se eu não quiser, não forcem a barra,
está bem? Não quero que isso vire uma grande questão, porque, de
verdade, não é.”
Ela me contou que a situação foi um pouco incômoda, mas logo
seguiram adiante e dessa vez ninguém disse nada quando chegou a hora
de pedir as panquecas – elas simplesmente pediram. E todo mundo que
queria comer comeu. Alguns meses depois conversei sobre isso com
Brenna e ela disse que essa pequena mudança melhorou muito os
encontros – ela não precisava mais se estressar fazendo uma coisa que
não queria só para deixar as amigas felizes, e disse que as amigas não
pareciam mais se importar com quem comia o quê. (Caso se
importassem, pelo menos eram educadas e não mencionavam isso.)
DICAS PARA COMEÇAR

Primeiro, para ajudar você a se orientar com elegância nessas conversas,


vou compartilhar algumas dicas testadas e comprovadas ao longo de
mais de uma década ajudando as pessoas a se relacionar com a comida, a
bebida e o próprio corpo.

NÃO SOFRA ANTECIPADAMENTE. Muitas vezes ensaiamos possíveis


conflitos dentro da nossa cabeça e acabamos brigando com as pessoas
por coisas que nem aconteceram. Aborde essas situações com
tranquilidade. Mostre a confiança de quem sabe o que é melhor para si e
acredite que as pessoas vão sentir essa energia e aceitar educadamente a
sua decisão.

NÃO VALORIZE DEMAIS A QUESTÃO. Quanto mais você se explicar, maior o


problema parecerá para todo mundo. Evite dizer: “Não. Eu sei que
sempre como panqueca com vocês, mas depois do Whole30 eu decidi
mudar esse hábito. Sei que é esquisito, mas, por favor, podem comer a
panqueca se quiserem. Juro que isso não tem nada a ver com vocês. Eu
ainda gosto de panqueca...” Diga apenas: “Não. Hoje não, obrigada.” Você
se surpreenderá vendo com que frequência um simples “Não” é aceito
com facilidade.

NÃO CITE A CIÊNCIA. O momento de comunicar um limite não é o mais


adequado para citar o último artigo científico sobre como a publicidade
do álcool está destruindo a vida das mulheres, mesmo que sua decisão
tenha se baseado nele. Mantenha a clareza e a simplicidade na sua
mensagem. Se alguém ficar curioso com o motivo por trás do seu limite,
prefira ter essa conversa em outro momento, com menos chance de
conflito.
NÃO FAÇA JULGAMENTOS. Um limite claro e gentil não faz juízos de valor,
mas pode ser entendido assim se você aparentar presunção ao
estabelecê-lo. Se o seu “Não, eu nem encosto nisso” for acompanhado
por um olhar crítico para o copo da outra pessoa e uma cara de quem
está chupando limão, sim, você pode receber uma reação contrária.
Lembre-se: os limites não têm a ver com o que os outros optam por
fazer. Têm a ver com o que você escolhe e com as linhas que você traça
ao redor dessas escolhas. Cuide apenas da sua vida.

MUDE DE ASSUNTO. Já mencionamos essa estratégia algumas vezes, mas


neste capítulo seu efeito é ainda maior. Depois de estabelecer um limite,
mudar de assunto é um modo eficaz de deixar claro que você não
continuará com a conversa que a outra pessoa está tentando ter. É uma
transição elegante para outro tema, evitando que a outra pessoa entre na
defensiva ou se sinta tentada a questionar sua decisão. Quando você vir
essa estratégia nos roteiros, escolha um assunto que pareça pouco
controverso: o trabalho da pessoa, a última viagem que você fez, o clima,
ou o último álbum da Adele (esse geralmente é uma boa pedida).

Estabelecer limites quanto a comida e álcool é uma ótima maneira de


adquirir prática e confiança e se preparar para situações mais
ameaçadoras. Além disso, talvez seja mais fácil manter um limite em
situações que envolvam comida e bebida, porque o ato de comer ou
beber alguma coisa depende apenas de você – a não ser que você tropece
e caia de cara numa caixa de bombons.
Já ouvi todo tipo de desculpas que existem.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO À


COMIDA

Estabelecer limites relacionados a alimentos ou grupos alimentares


específicos ajuda você a se sentir melhor (física e mentalmente), assegura
que você é uma pessoa digna de fazer para si as melhores escolhas,
reforça a mentalidade de que você é saudável e tem hábitos saudáveis, e
ensina a confiar nos sinais que seu corpo lhe envia. Entre os desafios
potenciais estão a pressão dos amigos, a luta contra as normas sociais, a
publicidade esperta e insidiosa, e suas conexões emocionais com
comidas e bebidas, que muitas vezes são fontes de conforto. Mesmo
assim, um casual “Não, obrigado” traz resultados incríveis, e vou
apresentar muitas outras frases que ninguém pode questionar.

Estou limitando meu consumo de açúcar e me sentindo muito melhor com isso.
Mas em breve será o aniversário de 85 anos da minha mãe, uma ocasião
marcante, e sei que vou ser pressionada para comer bolo. (E eu nem gosto do
tipo de bolo que encomendaram.) Como posso explicar isso?

VERDE: “Não, obrigada.”


AMARELO: “Não, hoje não quero bolo, obrigada.”
VERMELHO: “Ah, não precisa continuar oferecendo. Não vou comer
bolo.” E mude de assunto ou se afaste.

Você pode substituir “bolo” por “salgadinhos depois da reunião”, “vinho


no clube de leitura” ou qualquer outra comida ou bebida que você não
queira consumir no momento – a linguagem que ofereci serve para
todos esses casos. O importante é perceber que você nem precisa dar
explicações – pode simplesmente recusar! Mas se pressionarem, você
também pode dizer “Não preciso comer bolo para curtir a festa”, ou
“Não vou me sentir bem se comer bolo, e isso é importante para mim”,
para reforçar que você pode participar do evento com a mesma
felicidade, não importa o que coma. Você também pode se sentir mais
confortável se já estiver segurando alguma coisa, como um prato com
outras comidas ou um copo de água com gás.
SIMPLESMENTE DIGA “NÃO”
Neste capítulo você aprendeu que “Não” é uma frase completa. (Ou, para
deixar sua mãe orgulhosa, “Não, obrigado”.) Você ouvirá isso repetidas vezes
nesta seção, junto a frases do tipo “Esta noite não estou a fim”, ou
“Realmente não quero”. Pode ser difícil para as outras pessoas entenderem
por que você não quer uma taça de vinho, um pedaço de bolo ou uma fatia
de pizza, especialmente se elas sempre querem, mas é nesse ponto que elas
deveriam começar a indagar: “Por que me incomodo tanto com o que alguém
quer ou não quer comer?” A beleza aqui é que ninguém pode questionar suas
papilas gustativas se você não estiver a fim de comer bolo ou pizza.

Sempre que nos convidam para o jantar, meus sogros servem massa, mesmo
sabendo que tenho intolerância a glúten. Todas as vezes acabo comendo um
pouco, por educação, e depois pago o preço.

VERDE: (seu cônjuge, para os pais) “Agradecemos o convite. Se vocês


fizerem massa, por favor, será que dá para comprar do tipo sem
glúten? Eu posso indicar algumas marcas que Jordan curte.”
AMARELO: (seu cônjuge) “Adoraríamos ir, mas só se a comida for sem
glúten, para Jordan poder comer. Gostariam da nossa ajuda com a
receita?”
VERMELHO: (seu cônjuge) “Não, agradeço. Vocês sabem que Jordan
não pode comer glúten, mas não têm levado isso em consideração.
Vocês estão convidados a jantar aqui.”

Se seu par não está disposto a ter essa conversa com os próprios pais,
assuma a responsabilidade e adapte um pouco as respostas. Nesse caso,
o limite Vermelho é a consequência. Em vez de comparecer ao jantar e
descobrir que mais uma vez você ou seu par não podem comer, deixe
claro que, até que seus pais/sogros se disponham a fazer as concessões
necessárias, o jantar na casa deles não vai acontecer.
Minha família é adepta ferrenha do “raspe o prato”. Se eu me sinto cheia para
comer tudo ou acho que a refeição vai me fazer mal, minha mãe faz com que
me sinta culpada, falando das crianças pobres que passam fome ou de quanto
dinheiro ela gasta comprando os ingredientes. Você tem alguma estratégia para
mim?

VERDE: “Mãe, pode me servir só um pouquinho? Acho que não estou


com muita fome. Se eu quiser, pego mais depois.”
AMARELO: “Não gosto de desperdiçar comida, mas também não
quero comer até passar mal. Posso colocar as sobras na geladeira ou
levar para minha colega de quarto.”
VERMELHO: “Mãe, já terminei.” Tire o seu prato e guarde qualquer
coisa que sobrar.

Isso costuma ser resultado de uma experiência de escassez, e parece que


a intenção da sua mãe é somente não desperdiçar. Assim, da próxima
vez tente evitar a necessidade desse limite pedindo uma porção
pequena ou montando seu prato.

Passo maus bocados com minha família porque não como carne vermelha.
Comer apenas peixe não é uma coisa bem recebida na nossa cultura
dominicana, porque nossas refeições comemorativas envolvem preparar carne
de porco de quatro maneiras diferentes! Em geral apenas ignoro os
comentários, mas gostaria de abordar isso diretamente, porque minha dieta
quase sem carne não vai mudar.

VERDE: “Ah, obrigada, mas não como mais carne de porco. Passe os
guandules, por favor.”
AMARELO: “Não, obrigada, ultimamente a carne de porco não tem me
feito bem, e ainda quero reservar espaço para as outras comidas.”
VERMELHO: “Não. Vou ficar com o arroz com feijão e berinjela.”
Converse com outras pessoas, saia por um momento ou sente-se à
mesa das crianças.
Eu me certifiquei de que essas respostas fossem adequadas à pessoa que
fez a pergunta, e ela disse que foram perfeitas. Nenhuma delas é muito
Vermelha porque é importante honrar sua herança cultural e ao
mesmo tempo sustentar suas escolhas baseadas na saúde. Se houver
pratos tradicionais com peixe ou vegetais (como paella, sopa de
lentilhas ou cozido de quiabo), leve-os ou peça que eles sejam servidos
na festa, mas deixe evidente que está comendo e elogie todos os pratos
prediletos da família dos quais você também goste.

Minha filha de 22 anos se tornou vegana recentemente. Quando ela vem jantar,
eu faço para ela uma comida com proteína vegana, mas o restante da família
continua comendo carne ou frango. Ela vive fazendo observações sarcásticas
sobre o que comemos. Sei que ela leva isso muito a sério e eu apoio suas
escolhas, mas esse não é o melhor modo de influenciar os outros. Como posso
dizer isso com gentileza?

VERDE: “Respeito sua decisão e espero a mesma tolerância da sua


parte. Você não precisa gostar do que a gente come, mas por favor
não transforme isso em discussão.”
AMARELO: “Não vamos falar sobre preferências alimentares enquanto
estamos comendo.” E mude de assunto.
VERMELHO: “Você é bem-vinda para o jantar, mas só se puder comer
sem julgar nossa comida. Se não conseguir fazer isso, por favor,
venha depois do jantar.”

Se uma pessoa vegana, seja da família ou não, quiser falar sobre suas
escolhas ou sobre o que aprendeu, você pode decidir se quer discutir
esse assunto em outro momento. Se não quiser, diga simplesmente:
“Que bom que você descobriu o que funciona para você. Comer carne
funciona para mim e não quero mais tocar nesse assunto.”

NÃO FALE DE COMIDA NA HORA DE COMER


Um dos limites mais importantes que já estabeleci em relação à comida foi:
“Não falo de comida na hora de comer.” As conversas sobre o que ou quanto
comemos ou bebemos e sobre nossos sentimentos com relação à comida são
sempre mais carregadas à mesa, com algumas pessoas consumindo e você
recusando (ou vice-versa). Contestar a comida, a bebida ou o
comportamento que algumas pessoas apreciam pode colocá-las
imediatamente na defensiva, sentindo-se julgadas ou mesmo envergonhadas
pela própria escolha. Basta dizer: “Ah, eu tenho uma regra de não falar de
comida na hora de comer, a não ser que seja um elogio a quem preparou.
Será um prazer conversar mais tarde sobre isso, se você quiser.” É uma
declaração concisa que pode provocar alguns sorrisos ou acenos de cabeça,
e você pode escapar do que poderia se tornar um diálogo acalorado no meio
de uma refeição que, afora isso, seria maravilhosa.

Faz alguns meses que venho evitando glúten e laticínios, já que eles tumultuam
minha digestão. Mas nos jantares de família, quando dispenso pão ou sorvete,
minha mãe me chama de “ortoréxica” e diz que está preocupada com minha
saúde. É frustrante, porque minhas restrições têm a ver com a minha saúde.
Como posso dizer isso a ela?

VERDE: “Mãe, sei que você se preocupa comigo, e essas comidas não
me fazem bem. Estou abrindo mão delas porque é o melhor para a
minha saúde, e eu adoraria receber seu apoio.”
AMARELO: “Estou cuidando mais da minha alimentação, e minha
saúde mental e física nunca esteve melhor. Pare com esses
comentários, por favor, porque eles não ajudam, e você não é minha
médica.”
VERMELHO: “Mãe, acredito que estou tomando as decisões certas para
a minha saúde. Se você não consegue respeitar isso, vou ter que
parar de jantar aqui.”

Você também poderia perguntar (não à mesa, mas em outro


momento): “Mãe, você acha que nossa relação mudou, agora que tenho
outro estilo de vida?” Sua mãe pode estar se sentindo julgada ou triste
porque você não come mais os biscoitos que ela faz, e essa conversa
pode unir vocês duas e abrir novas alternativas, como refeições sem
glúten ou encontros que não envolvam comida, mas um jogo de
baralho.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO AO


ÁLCOOL

Para algumas pessoas os limites em relação ao álcool são uma


necessidade. Assim como eu precisei estabelecer limites quanto a
qualquer droga enquanto estava em recuperação, para muitas pessoas o
álcool é uma substância perigosa que serve como gatilho, e elas precisam
estabelecer limites firmes para permanecer seguras e saudáveis. Para
outras, os limites relacionados ao álcool têm a ver com ouvir o próprio
corpo, respeitando objetivos de saúde e recusando estereótipos como
“Não dá para se divertir sem cerveja”, ou “Toda mãe precisa de uma taça
de vinho depois de colocar as crianças na cama”.
Acredite: estabelecer limites em relação ao álcool fará com que você
se sinta o máximo. Você estará se mantendo firme, fazendo a coisa do
seu modo e servindo de exemplo aos outros. Você não precisa beber para
fechar um negócio, comemorar um acontecimento ou lidar com o
estresse, e quanto mais firme você se mantiver em relação a isso, mais
fácil será se impor em outras áreas da sua vida.

Tenho 20 e poucos anos e adoro sair com amigos, mas não bebo. Meus amigos
me apoiam, mas como posso reagir à pressão de outras pessoas no bar, que
ficam insistindo em me pagar uma dose ou me convencer a tomar “só uma
cervejinha” com elas?

VERDE:
“Não, obrigado, vou ficar só na água mesmo.”
AMARELO: “Não. No momento não estou bebendo.”
VERMELHO: “Já recusei três vezes seguidas. Acho que está bem claro.”
E se afaste.

Se você está sóbrio e se sente confortável dizendo “Eu não bebo”, ou


“Não, estou em recuperação”, por favor diga isso – de preferência
olhando nos olhos. Isso ajuda você a normalizar o fato de não beber
em ambientes sociais, pode impedir que a outra pessoa pressione mais
alguém com relação ao álcool no futuro e encoraja quem estiver em
volta a manter limites saudáveis também.

A FORÇA DO “NESTE MOMENTO”


Em setembro de 2018 decidi dar um tempo em relação ao álcool. Não estava
bebendo muito, e jamais excessivamente, mas mesmo assim imaginava se
minha vida seria melhor sem álcool nenhum. Por isso fiz uma pausa
indefinida e adotei a frase “Neste momento não estou bebendo” para quando
as pessoas me ofereciam álcool em ambientes sociais. A princípio acrescentei
o “neste momento” para mim mesma, só porque a ideia de nunca mais beber
parecia restritiva demais. Só que notei imediatamente uma força inesperada
nessas duas palavras. Elas reduziam toda a possível hostilidade da pessoa
com quem eu estava conversando, porque o “neste momento” sugeria que
antes eu bebia e poderia beber de novo, o que parecia menos crítico do que
ouvir um peremptório “Eu não bebo”. A expressão “neste momento” também
sugeria que aquela era uma decisão bem pensada. O que, pelo que notei,
levava a muito menos pressão ou reação contrária. Além disso, as pessoas
raramente perguntavam o motivo, o que achei interessante, porque em
outros períodos de sobriedade, quando eu dizia “Não, obrigada”, as pessoas
sempre perguntavam o motivo. Assim, aproveite minha dica: acrescente
essas duas palavras e descubra como elas podem pavimentar o caminho
para um “Não” mais gentil. (Por sinal... quatro anos depois, ainda não estou
bebendo neste momento.)

Não sou muito de beber – nunca fui. Quando saímos com amigos, meu novo
namorado me provoca dizendo que sou a “motorista da rodada” e sempre
arruma um jeito de comentar que não estou bebendo. Recusar bebida não me
deixa desconfortável, mas o comportamento dele me incomoda!

VERDE: (em casa, antes de sair) “Ei, querido, será que dá para não
fazer piada sobre eu ser a motorista da rodada hoje? É mais fácil para
mim quando você não chama atenção para a minha sobriedade.”
AMARELO: (discretamente, durante o evento) “Ei, será que dá para
parar com os comentários sobre eu não beber? Estou me sentindo
bem tomando água, mas você transforma isso numa grande
questão.”
VERMELHO: (na bucha) “Ben, pare com isso, senão eu vou para casa e
a gente se vê depois.” E vá conversar com outra pessoa.

O problema de estabelecer esse tipo de limite na mesma hora é que, à


medida que continuam a consumir bebidas, as pessoas em volta
tendem a ser menos respeitosas. Espero que o Verde ou o Amarelo
deem um jeito, caso contrário a situação pode chegar ao ponto de “Vou
embora mais cedo e a gente conversa sobre isso amanhã de manhã”.

Não vejo problema em tomar uma cerveja com colegas de trabalho, mas eles
sempre me pressionam a beber mais, e às vezes simplesmente me entregam
outra garrafa. Será que devo ir até o balcão, pedir água com gás e limão e fingir
que é uma vodca com soda?

VERDE: “Não, obrigado, para mim já basta.”


AMARELO: “Não desperdice o seu dinheiro, não vou beber mais.”
VERMELHO: (se trouxerem mais uma para você) “Eu já disse que
bastava.” E deixe a cerveja na mesa.

Por favor, não finja que sua água é vodca. Um: isso não é claro nem
gentil; dois: não parece autêntico, o que vai deixar você inseguro; e três:
esconder-se assim não reforça sua prática de estabelecer limites. Se for
mais confortável ter outra bebida nas mãos, simplesmente seja claro
em relação ao que ela é: “Vou curtir água com gás pelo resto da noite.”

SEM DESCULPAS
Pense duas vezes antes de se desculpar explicando por que você não quer
mais uma bebida, mesmo que a desculpa seja verdadeira. Dizer “Não posso,
preciso malhar amanhã”, ou “Não posso, preciso cuidar do jardim logo cedo”,
pode parecer um convite para os outros “resolverem” seu problema, de modo
que você possa encher a cara por uma noite. Seu interlocutor poderia dizer
“Eu vou com você à academia amanhã; vamos curtir esta noite”, ou “Eu ajudo
você com o jardim; a gente acaba na metade do tempo. Você pode ficar aqui
até mais tarde”. É muito mais eficaz demonstrar clareza e deixar evidente seu
“Não, obrigado”. E esse é um ótimo exercício para você se manter firme em
outras áreas que necessitem de limites.

Adoro sair para beber com meus amigos, mas eles curtem as baladas como se a
gente ainda estivesse na faculdade. Para ser sincera, isso não é mais divertido
para mim, mas ainda quero me encontrar com eles. Como posso estabelecer um
meio-termo?

VERDE: “Fico umas horinhas com vocês, mas vou voltar para casa
cedo.” E saia quando estiver a fim.
AMARELO: “Mal posso esperar para ver vocês hoje à noite, mas assim
que vocês começarem a dançar em cima da mesa, eu me retiro.”
VERMELHO: “Hoje à noite vocês vão tomar uns drinques ou encher a
cara? Se for para encher a cara, a gente se vê outro dia.”

Basicamente você está antecipando a consequência, seja de modo


gentil ou incisivo: “Estou dentro, a não ser que vocês comecem a ficar
muito bêbados; nesse caso, vou sair à francesa, pela porta dos fundos.”
A chave aqui é comunicar o limite antecipadamente. Antes de irem
para o bar, antes que seus amigos comecem a pressionar você a ficar
até tarde, antes que eles comecem a dançar em cima da mesa, diga o
que você se sente confortável em fazer, depois vá se divertir dentro do
limite que estabeleceu.

Sempre que recuso uma bebida, invariavelmente alguém me pergunta o motivo.


Às vezes me sinto confortável em dizer, mas às vezes não. Como posso
responder com gentileza se não estiver a fim de me explicar?

VERDE:“Só não estou a fim.”


AMARELO: “É uma decisão pessoal.” E mude de assunto.
VERMELHO: “Não vou responder, e você não deveria ficar
perguntando.” E mude de assunto.

Se você estiver se recuperando de uma dependência química, pode se


sentir confortável ou não em revelar isso – e os motivos para as pessoas
perguntarem podem ir desde uma preocupação genuína até a
intromissão. Se você não se sente confortável se abrindo sobre isso, use
um dos limites do roteiro. Se não se incomoda em responder, pode
dizer: “Na verdade, estou em reabilitação. Mas saiba que nem todo
mundo gosta de comentar isso. No futuro é melhor você simplesmente
aceitar quando alguém disser que não quer uma bebida, sem
perguntar o motivo.”

RAPIDINHAS
Uma coisa que ninguém pode questionar são suas preferências pessoais.
(Quero dizer, a pessoa pode tentar, mas ela não pode entrar na sua mente
para confirmar se é verdade.) Aqui vão algumas frases curtas e simples que
você pode usar quando sentir que estão pressionando você a comer ou beber
algo contra sua vontade. (Além disso, elas são úteis quando você não está a
fim de explicar que os laticínios causam uma revolta no seu sistema
digestivo.)

“Não, obrigado(a).”
“Estou numa boa, obrigado(a).”
“Não, obrigado(a), estou bem.”
“Não, obrigado(a), no momento não estou com fome.”
“Parece delicioso, mas esta noite não.”
“Não curto muito pizza/doces/cerveja/sorvete/bolo.”
“Talvez eu seja a única pessoa no mundo que não curte sorvete.”
“Não sou muito de comer brigadeiro.”
“Neste momento estou cortando o açúcar/álcool/glúten da dieta.”
“Decidi ficar algum tempo sem consumir pão/álcool/laticínios.”
“Glúten/álcool/leite simplesmente não me cai bem.”
“Hoje não estou a fim.”
“Eu não bebo.”

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO ÀS


CONVERSAS À MESA

Como vimos no exemplo de Charley, no Capítulo 1, às vezes até as


pessoas que amamos dizem coisas sobre nosso corpo que nos enchem de
ansiedade, tristeza ou insegurança. Como acontece com o álcool, pode
ser necessário estabelecer limites quanto às conversas sobre dieta, peso e
corpo das quais você aceita participar. Se você tem um histórico de
transtorno alimentar, as conversas sobre dieta podem representar um
gatilho terrível e prejudicar sua recuperação. Mesmo que você nunca
tenha tido problemas com sua alimentação ou sua imagem corporal
(mas quem nunca?), não creio que seja saudável para ninguém ficar
conversando sobre peso ou hábitos alimentares, especialmente durante
uma refeição. Só por vivermos em uma sociedade como a nossa, já
temos lembretes suficientes de que as calorias deveriam ser contadas, de
que a magreza é uma coisa boa, e de que nosso valor está ligado à
balança. Não precisamos ouvir mais sobre isso durante um jantar
delicioso.
Essas conversas podem funcionar como gatilhos e costumam ocorrer
sem que ninguém tenha optado conscientemente por isso; elas estão
entranhadas na nossa dinâmica social, especialmente entre as mulheres.
Ao comunicar seus limites com clareza, você não somente preservará
sua relação saudável com a comida e com seu corpo como também
ajudará os outros a perceber quanto se concentram nas calorias, na
perda de peso ou no próprio corpo. De fato, seus limites podem ser o
primeiro passo para ajudar seu círculo de convivência a encontrar outras
maneiras de conversar sobre alimentação e saúde.

Meus parentes vivem comentando sobre meu corpo – especialmente quando eu


perco peso. Eles especulam abertamente sobre quantos quilos eu perdi e fazem
comentários sobre o que estou comendo e sobre a necessidade de “manter a
forma”. Acho isso desconfortável e muitas vezes me provoca sentimentos ruins.
Como posso comunicar isso se eles nunca ouviram falar em “cultura das
dietas”?

VERDE: “Sei que vocês têm boa intenção, mas prefiro não falar sobre
o meu peso. Vocês não acham esta blusa linda? / Souberam da minha
promoção? / Acabei de fazer minha primeira corrida de 5
quilômetros!” (Redirecione os elogios para outra área.)
AMARELO: “Por favor, não falem do meu corpo ou do meu peso na
minha frente. Esse tipo de comentário me deixa desconfortável.”
VERMELHO: “Já pedi que vocês não comentem sobre o meu corpo. Se
não respeitarem isso, vou sair.” E, se necessário, saia do recinto ou vá
embora.

Para as pessoas que foram muito expostas à cultura do emagrecimento


e das dietas, “Você perdeu peso!” é o maior elogio de todos, e elas
podem não entender por que você não fica feliz com o comentário. Se
elas pressionarem de volta dizendo “Não, isso é um elogio!”, você pode
explicar que, independentemente disso, não quer ouvir nenhum
comentário sobre seu corpo, e ponto final. Se você quiser falar mais
sobre sua perspectiva ou sua experiência pessoal, faça isso depois da
refeição. Só não se esqueça: as pessoas não precisam entender o seu
limite para respeitá-lo.

Odeio a ceia de Natal. Minha mãe e minhas tias vivem fazendo dieta e quando
eu preparo um prato saudável e equilibrado, elas fazem comentários “úteis”
sobre quanto ou o que estou comendo. Isso arruína a festa, então o que posso
dizer?

VERDE: “Não quero falar sobre o que está no meu prato hoje. Estou
muito feliz com minha refeição.” E mude de assunto.
AMARELO: “Por favor, não comentem sobre o que estou comendo, do
contrário vou levar meu prato para outro lugar.”
VERMELHO: “Se vocês continuarem se metendo no que eu como, vou
começar a comemorar o Natal com meus amigos, porque a ceia em
família não está sendo divertida para mim.”

As datas comemorativas já são bastante difíceis por muitos motivos. Se


a conversa sobre dietas, corpo ou comida estiver tirando você do clima
de confraternização, faça uma visita depois da ceia, comemore com
amigos em vez de em família, vá fazer trabalho voluntário ou opte por
viajar nessa data.

Meu colega de quarto é muito preocupado com a saúde. Sempre que eu preparo
ou peço uma refeição, ele faz algum comentário supostamente “útil”: diz que na
verdade minha salada não é saudável por causa da gordura, ou que o arroz
branco vai aumentar minha insulina. Ele fica inspecionando e julgando minha
alimentação e estou cansado disso, ainda mais porque não pedi nenhum
conselho. Como posso falar sobre isso?

VERDE: “Na verdade, estou satisfeito com o meu prato e prefiro não
falar sobre isso.” E mude de assunto.
AMARELO: “Ah, preciso interromper você aqui: só quero comer sem
ouvir nenhum comentário, está bem? Obrigado.”
VERMELHO: “Blake, o que eu como não é da sua conta e não estou
pedindo sua opinião. Por favor, pare com isso.”

Outro limite Vermelho poderia ser: “Talvez você ache que está
ajudando, mas dar conselhos não solicitados sobre a comida dos outros
parece um julgamento, e atrapalha um bocado nossa relação.” Garanto
que você não é a única pessoa com quem ele está fazendo isso, de modo
que ao falar assim você faz um favor a todo mundo que convive com
seu colega.

Sempre que levo marmita para o trabalho meus colegas ficam falando da minha
“comida de dieta esquisita” e dizem que eu devo estar julgando o refrigerante
zero açúcar que eles tomam. Me ajude a almoçar em paz.

VERDE: “Por que meu almoço é sempre tema de conversa? Desse jeito
vou acabar comendo no carro.”
AMARELO: “Será que podemos parar de falar da comida do outro e
comer em paz?”
VERMELHO: “Vou terminar de almoçar na minha mesa. Almoço com
vocês amanhã, se acharem que conseguem segurar esses
comentários.”

Esse comportamento costuma ser um mecanismo de defesa ou uma


manifestação da culpa que as pessoas sentem em relação ao próprio
comportamento. Mas pode ser também que elas estejam apenas
curiosas em relação ao que provocou a mudança nos seus hábitos
alimentares. Você pode estabelecer o limite de não falar sobre comida
enquanto come, mas em seguida dizer: “Se quiserem saber por que
meu almoço está tão diferente, vamos nos encontrar à tarde e eu conto
tudo.”

Minha mãe e outras pessoas da família vivem falando de comida e


emagrecimento na frente dos meus filhos, especialmente quando as crianças
pedem para repetir a sobremesa. Quero que meus filhos desenvolvam uma
relação saudável com a comida e com o próprio corpo, e não quero expô-los a
conversas pouco saudáveis sobre dietas. Como posso explicar isso à minha
mãe?

VERDE: (antes da refeição) “Por favor, não fale sobre dieta ou


emagrecimento na frente das crianças nem comente sobre a comida
que elas escolhem. Estamos nos esforçando para não associar
alimentação a ‘certo e errado’ e não deixar que a cultura das dietas
seja um assunto durante as refeições.”
AMARELO: (enquanto estiver acontecendo) “Opa, vovó, Jack e Ellie
sabem avaliar a própria fome e conhecem o próprio corpo, lembra?
Crianças, se quiserem mais, podem pegar.”
VERMELHO: (enquanto estiver acontecendo) “De novo, não. Esse não
é um modo saudável de falar sobre comida ou sobre nosso corpo.
Por favor, vamos mudar de assunto, do contrário as crianças e eu
vamos pedir licença e sair para dar um passeio.”

Em outro momento que não seja à mesa, talvez você precise deixar seu
limite ainda mais claro. Diga algo do tipo: “Falar mal do nosso corpo
ou do nosso peso prejudica a saúde mental das crianças. Talvez vocês
nem percebam que estão fazendo isso, então eu vou avisar se acontecer
de novo.”

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Era o verão de 2019 e o Whole30 estava planejando nossa Conferência


Anual de Coaches Certificados – um retiro com oficinas educacionais,
atividades recreativas e um bocado de oportunidades para socializar.
Fazia quase um ano que eu vinha com meu experimento de “Neste
momento não estou bebendo” e tinha percebido inúmeros benefícios
inesperados. Eu ficava mais presente e conectada nos ambientes sociais e
me sentia menos ansiosa ao participar de eventos importantes, sabendo
que aquela era uma decisão sobre a qual eu não precisaria ficar me
angustiando.
Mandei um e-mail para minha equipe executiva com uma proposta
louca: e se fizéssemos da nossa conferência um evento 100% sem álcool?
Pensei nos enormes benefícios que isso poderia trazer aos coaches
durante aquele intenso período de conexão e confraternização – sono
melhor, mais energia e menos ansiedade. Além disso, Park City fica em
uma altitude elevada, o que pode arruinar uma pessoa que venha do
nível do mar antes mesmo que o vinho comece a correr. Certamente era
um risco, mas eu gostava da ideia de inovar e dar às pessoas um alicerce
saudável para aproveitar o fim de semana, que seria longo.
A equipe adorou a ideia, por isso eu a repassei aos coaches num e-
mail. Escrevi: “Numa decisão para desenvolver o espírito comunitário,
proporcionar um espaço seguro à socialização e ajudar as pessoas a criar
conexões autênticas, a Conferência de Coaches deste ano será um evento
totalmente sem álcool. Queremos que todo mundo que compareça aos
eventos desta semana se relacione de modo aberto, sincero e vulnerável
com os outros. Queremos que todos nos conectemos de verdade, que
estejamos totalmente presentes, brindando nossos feitos e nossa
comunidade com algum coquetel de ervas e frutas cítricas fabuloso que
vocês queiram criar para a ocasião.” (Sim, tivemos um bar inteiro de
coquetéis sem álcool!)
Esperei as reações, nervosa, imaginando quantos dos nossos coaches
ficariam chateados ou desapontados. Por acaso... nenhum deles ficou.
Absolutamente nenhum. Os e-mails que recebi em resposta iam desde
aceitações entusiasmadas até uma gratidão profunda. Conversando com
os coaches durante o evento, fiquei sabendo que muitos não queriam
beber, mas provavelmente beberiam se todo mundo estivesse bebendo.
Porque os limites são difíceis, a pressão dos colegas é real e eles ainda não
tinham as palavras para dizer “não” com confiança.
Não estou dizendo para você não beber, não comer sua guloseima
nem falar sobre o número da sua calça. Estou dizendo que sua relação
com todas essas coisas será melhor, mais saudável e mais pacífica se você
pensar nos benefícios que os limites saudáveis podem trazer para sua
vida e começar a estabelecê-los com clareza e gentileza. Garanto que sua
autoconfiança se estenderá a todas as áreas da sua vida. Você vai
identificar com mais facilidade os limites adequados para você e poderá
estabelecer e impor cada um com muito mais convicção.
CAPÍTULO 9

O impacto das palavras


Como estabelecer limites quanto a temas
sensíveis

U
ma mulher chamada Heather me mandou uma mensagem no
verão pedindo ajuda urgente para estabelecer um limite. Ela
escreveu: “Meu pai morreu de uma hora para outra na semana
passada. Ele era extremamente sociável e tinha inúmeros amigos com
quem mantinha contato regular. Agora que ele se foi, todo mundo fica
telefonando e mandando mensagens perguntando como eu estou,
querendo dar os pêsames ou contar alguma lembrança do meu pai.
Estou arrasada e preciso de algum tempo sozinha – mas sinto que
deveria responder a essas mensagens sinceras, por isso preciso de ajuda
para impor certos limites. Em geral não peço ajuda a pessoas
desconhecidas na internet, mas estou muito abalada emocionalmente
para pensar no que dizer aos amigos do meu pai, a não ser POR FAVOR,
PAREM.”
Querida Heather (e todo mundo): sim, você pode e deve estabelecer
limites em relação ao seu luto. E à sua condição de saúde. E ao seu
divórcio, seu status de relacionamento, sua vida sexual, seu
planejamento familiar, sua identidade, suas convicções religiosas, seus
traumas e qualquer outra coisa em que as outras pessoas queiram se
intrometer – mesmo com a melhor das intenções. Este capítulo fala
sobre limites quanto a temas difíceis que, por acaso, são como aquelas
bonecas russas: desafios dentro de desafios que têm a ver com temas que
já são (você adivinhou) desafiadores.
Ainda que os temas sensíveis possam surgir entre familiares, amigos,
vizinhos ou colegas de trabalho, eles merecem um capítulo próprio –
não somente por causa de sua natureza delicada, mas porque essas
violações de limites podem acontecer em qualquer lugar. Trata-se da
mulher que está atrás de você na fila do supermercado e põe a mão no
seu cabelo; da mãe do coleguinha do seu filho que está tentando puxar
papo com você na festa da escola e pergunta “Você não quer ter mais um
filho?”; ou do cara sentado ao seu lado no avião agradecendo pelo seu
serviço militar e em seguida perguntando baixinho: “Você já matou
alguém?”
Algumas pessoas que fazem perguntas assim – pessoas que parecem
ter uma capacidade especial de pisar os calos mais sensíveis e nos deixar
bastante desconfortáveis – sentem-se totalmente inocentes, até que
alguém (talvez você) mostre quão problemáticas são essas perguntas ou
ações. Mas essas pessoas também podem ser propositalmente passivo-
agressivas, revelando influências e comportamentos adquiridos do
patriarcado, da misoginia, da supremacia branca e de outros sistemas de
opressão. E às vezes são simplesmente agressivas – como se quisessem
lembrar a você que elas podem e vão colocar as preferências delas acima
das suas quando quiserem, mesmo que você esteja em seu momento
mais vulnerável.
Os limites Vermelhos neste capítulo foram pensados especialmente
para elas.

NÃO TÃO INOCENTE ASSIM

Existem alguns assuntos que sempre parecem seguros, não importa com
quem conversemos. O clima, por exemplo: é um tema muito pouco
controverso, uma experiência comum (desde que você não mencione o
aquecimento global para as pessoas erradas) e geralmente fácil de ser
abordada. Existem, porém, outros assuntos que estão entrelaçados tão
intensamente no nosso tecido moral que podem parecer que não são
problemáticos, mas não é bem assim.
Por exemplo: “Você tem filhos?” Essa é uma pergunta comum nas
reuniões sociais, nos eventos profissionais e até em entrevistas de
emprego. Para muitas pessoas a resposta é um simples “Sim” ou “Não” e
a conversa segue em frente.
Para algumas pessoas, no entanto, problemas de infertilidade,
abortos espontâneos, condições de saúde, questões de relacionamento
ou restrições financeiras tornam essa pergunta pesada e dolorosa.
Imagine perguntar a uma pessoa que acaba de ter seu terceiro aborto
espontâneo: “E aí, quando você vai ter um filho?” Você jamais faria isso
se soubesse que a pessoa estava passando por uma dor física ou
emocional. Mas este é o ponto: a gente nunca sabe. Existe uma dezena de
perguntas desse tipo, desde “Você vai se casar ou não?” até “Você
emagreceu?”, ou “Por que você ainda está solteira?”, e cada uma delas
pode ser um gatilho de sofrimento imenso, ainda que invisível.
Agora vou dizer o que você pode estar pensando: “Qualquer coisa é
um possível gatilho, Melissa.” Sim, é verdade. Você pode perguntar a
uma pessoa sobre o companheiro ou a companheira de longa data e
descobrir que acabaram de se separar, ou convidar um vizinho para se
encontrar com você no parque dos cachorros e descobrir que o cão dele
morreu na semana anterior, ou dizer quanto você adora frutos do mar e
descobrir que o melhor amigo da pessoa morreu num acidente terrível
envolvendo alergia a camarão. Não é possível evitar todos os temas
sensíveis, porque você não lê mentes. Mas aqui vão alguns assuntos
gerais que é melhor evitar a menos que a outra pessoa toque neles
primeiro (você encontrará roteiros para cada um desses assuntos
adiante, neste capítulo):

FILHOS:Você tem filhos? Você quer ter filhos? Você pode ter filhos?
Quantos filhos você tem? Você vai ter mais filhos?
STATUS DE RELACIONAMENTO: Por que você está solteiro? Você tem
namorado? Quando vocês vão se casar? Qual é a diferença de idade
entre vocês?
SAÚDE OU NECESSIDADES ESPECIAIS: Você emagreceu? Você tentou
tal tratamento para seu problema? O que aconteceu com você?
Qual é a sua deficiência? Você ainda pode fazer tal coisa?
RECUPERAÇÃO DE UM VÍCIO: Você sente falta do álcool (ou das
drogas, ou do jogo)? Quando você percebeu que estava no fundo
do poço? Me conta a história mais louca que já aconteceu com você.
Você acha que um dia vai ter uma recaída?

Não são apenas perguntas sobre temas sensíveis que podem causar
mal sem intenção; relatos não solicitados também podem perturbar ou
provocar outras pessoas. Recentemente postei nas redes sociais que
estava pensando em vender minha adorada motocicleta. Quanto mais
velha fui ficando, mais desconfortável me sentia com o risco, mas ainda
não tinha certeza se estava pronta para abrir mão dela. Você não
acreditaria (ou talvez acredite) na quantidade de histórias não solicitadas
que recebi sobre acidentes horríveis de moto. “Essa pessoa morreu, meu
irmão perdeu a perna, minha amiga nunca mais andou...” Desculpe, mas
eu não pedi a ninguém que compartilhasse relatos tenebrosos, e se andar
de moto não me deixava nervosa antes, agora estou literalmente pirada
de medo e ansiedade. ISSO NÃO AJUDA.
E é pior ainda se a pessoa estiver grávida. Existe um cantinho
especial no inferno para alguém que conta a uma grávida uma história
de parto horripilante. Estou só avisando.

SEJA GENTIL
Este capítulo tem dois objetivos. Primeiro, quero ajudar as pessoas que estão
enfrentando momentos ou situações difíceis a aprender onde e como
estabelecer limites para se manterem em segurança e saudáveis. Segundo, a
partir desses exemplos espero deixar claro que algumas coisas que você diz
ou pergunta podem ser mais problemáticas do que você imagina. Quanto
mais sabemos, melhor agimos, e depois de ler este capítulo espero que você
pense duas vezes antes de fazer alguma dessas perguntas ou contar
histórias sem que a outra pessoa peça. Você nunca sabe quais são as
dificuldades pelas quais os outros estão passando, e presumo que a última
coisa que você deseja é aumentar o sofrimento de alguém num momento que
já é difícil – mesmo que a pessoa seja totalmente desconhecida.

A TEORIA DOS ANÉIS

Mesmo querendo oferecer consolo e apoio aos amigos enlutados do pai,


Heather não tinha capacidade para isso. Seu próprio luto era tão
avassalador que ela sabia que não tinha condições de assumir o de mais
ninguém. Apesar de ter pedido ao marido que interferisse e dissesse às
pessoas que ela precisava de tempo e espaço para processar a perda,
depois de uma semana as mensagens começaram a jorrar outra vez.
“Parece que as pessoas acham que eu já tive espaço suficiente”, escreveu
ela. “Sei que elas estão sofrendo e procurando contato humano, mas
neste momento essas mensagens só parecem invasivas e inconvenientes.”
A Teoria dos Anéis, desenvolvida em 2013 pela psicóloga Susan Silk
e seu amigo Barry Goldman, ajuda as pessoas a entender o que fazer em
tempos de crise. Visualize um círculo pequeno, com vários círculos
concêntricos em volta. Se a crise estiver acontecendo com você, você está
no círculo central. Quanto menos você tiver a ver com a crise, mais
distante do centro você vai estar.
No caso do falecimento do pai, Heather, a mãe dela e seus irmãos
estão no centro do anel, pois são os mais afetados. Outras pessoas da
família (como o marido de Heather, seus tios e tias) e os amigos mais
íntimos do pai estariam no círculo concêntrico seguinte. Outros amigos
e colegas de trabalho poderiam estar no próximo círculo externo, e os
meros conhecidos ficariam no círculo mais distante.
Na Teoria dos Anéis de Silk e Goldman, o sofrimento (ou
reclamações, raiva, frustração, choro) flui do centro do anel para fora, ao
passo que o consolo – e só o consolo – flui de fora para dentro. Isso
significa que Heather pode fazer ou dizer qualquer coisa necessária para
processar seu luto, seja aceitar o conforto ou o apoio das pessoas que
estão nos círculos mais externos, compartilhar sua raiva ou sua
frustração com elas, ou simplesmente isolá-las do lado de fora, porque é
disso que ela precisa, já que é a pessoa que está no círculo menor. Os que
estão nos círculos subsequentes ao de Heather não devem esperar nem
exigir que ela os ajude a processar seus sentimentos. Não devem
compartilhar lembranças não solicitadas, oferecer conselho, expressar
desespero ou se juntar de qualquer modo a qualquer pessoa que esteja
mais perto da crise do que elas. Elas só podem expressar esses
sentimentos aos membros dos círculos mais externos em relação ao
delas.

O sofrimento flui para fora, o consolo flui para


dentro.

Isso não se aplica apenas ao luto; essa teoria pode ser aplicada a
qualquer crise, seja morte, trauma, doença, ferimento, parto ou divórcio
– temas que você encontrará nos roteiros de limites deste capítulo. Se
sua irmã tem câncer, você (e os filhos dela, o marido e os pais) estão no
centro do anel e não têm nenhuma responsabilidade de reconfortar os
amigos ou colegas dela. Se você está se divorciando, seus pais não podem
ficar lamentando com você sobre como eles estão arrasados. E, como eu
disse a Heather, ela não tem obrigação de responder a uma mensagem,
ouvir um relato ou oferecer consolo a qualquer pessoa que esteja fora do
seu minúsculo círculo central – nem agora nem no futuro.
A Teoria dos Anéis ajudou Heather a se sentir muito melhor e lhe
deu confiança para estabelecer limites adicionais para preservar seu
tempo sozinha e reivindicar o espaço necessário para processar seus
sentimentos. Isso nos leva ao segundo motivo para eu estar falando da
Teoria dos Anéis: entender seu papel em qualquer crise tornará mais
confortável estabelecer os limites necessários para você se manter em
segurança e saudável, e deve lhe trazer mais compreensão quando
alguém no centro do anel estabelecer um limite e você estiver num
círculo mais externo. Como veremos no Capítulo 11, um dos maiores
benefícios de se sentir confortável ao estabelecer limites é que você
reconhecerá melhor quando um limite estiver sendo estabelecido para
você, e terá as ferramentas e a perspectiva necessárias para respeitar esse
limite com mais compreensão e elegância.

OS LIMITES COMO FERRAMENTAS DE ENSINO

Praticamente todas as conversas sobre limites que incluo neste capítulo


oferecem a oportunidade de explicar à outra pessoa por que a pergunta
ou o comentário que ela fez, ou o conselho que ela deu, é tão prejudicial
– independentemente da intenção. Determinados questionamentos e
comentários podem ser dolorosos, provocar sentimentos ruins e ser
mais invasivos do que se esperava, e explicar isso ajuda muito a
neutralizar a atitude da outra pessoa. Isso também ajuda os outros a
mudar o próprio comportamento, de modo a não deixar mais ninguém
desconfortável no futuro. Vejamos por que talvez seja bom você dar esse
passo a mais.
Se você está confortável com sua situação – como eu estou com
minha recuperação da dependência química –, provavelmente sente
confiança e firmeza suficientes para enfrentar uma pergunta que pode
ser incômoda e explicar exatamente o que a torna tão problemática.
Quando as pessoas me perguntam “Você sente falta de usar drogas?”, eu
me sinto confortável respondendo: “Essa não é uma pergunta educada
para fazer a alguém que está se recuperando. Isso pode provocar um
sofrimento absurdo, especialmente se a pessoa estiver sóbria há pouco
tempo e ainda não se sentir totalmente segura. Você está pedindo que eu
volte e revisite os dias em que eu usava drogas, e sei que agora você
entende como isso pode ser doloroso.” Ou posso dizer algo do tipo: “Não
me incomoda responder a isso, porque já falei em público sobre a minha
recuperação e abri espaço para perguntas, mas, só para você saber...”, e
termino explicando que é melhor não perguntar isso a outras pessoas
por via das dúvidas.
Quando ajo assim, estabeleço o limite em relação a mim mesma
(“Essa não é uma pergunta educada para me fazer, porque estou me
recuperando de uma dependência”) e ajudo a pessoa a não cometer o
mesmo erro com outras. Em geral, basta comentar que a pergunta pode
ser prejudicial para que a outra pessoa pense duas vezes antes de fazê-la
de novo.
Dito isso, é bom lembrar que não é sua responsabilidade nem sua
obrigação educar os outros enquanto estabelece um limite.
Existem muitos motivos para você não sentir vontade de explicar a
uma pessoa, na mesma hora, por que o comportamento dela está
magoando você. Talvez, como aconteceu com Heather, sua situação seja
recente e dolorosa, e tudo o que você possa dizer seja: “Por favor, pare.”
Muitas vezes, a pessoa que cometeu a gafe fica sem graça nesses casos, e
dar um sermão (especialmente num ambiente público) poderia provocar
hostilidade e raiva. Talvez você seja uma pessoa transgênero, negra ou
com deficiência e esteja compreensivelmente cansada de corrigir os
outros de graça para se defender e defender sua comunidade. Talvez
naquele momento você não sinta que sua explicação será apreciada ou
bem recebida – nesse caso, poupe seu fôlego, estabeleça o limite e se
afaste.
O objetivo de estabelecermos limites é nos mantermos em segurança
e saudáveis. Só você sabe qual é o modo mais eficaz de fazer isso em
qualquer momento específico. Estou oferecendo aqui algumas palavras
que podem ajudar você a instruir os outros sobre a importância de
respeitar limites quanto a temas sensíveis. Mas, como sempre, faça o que
lhe parecer correto.

IMPACTO VERSUS INTENÇÃO


Enquanto conversamos sobre esses temas sensíveis, é importante dar mais
importância ao impacto do que à intenção. Quer alguém tenha cometido uma
microagressão (uma declaração com leve teor preconceituoso ou ofensivo),
tenha feito uma pergunta insensível mas bem-intencionada (“Quando vocês
vão ter filhos?”) ou tenha feito uma suposição equivocada (por exemplo, dizer
a uma pessoa que ela está no banheiro errado), o foco dos limites é deixar
claro o impacto dos atos da pessoa, sem se prender às intenções dela. Pense
do seguinte modo: se eu bater sem querer na traseira do seu carro, minha
intenção terá sido boa: eu não pretendia colidir com você! Mesmo assim, bati
no seu carro, e isso tem um impacto óbvio na sua saúde, na sua segurança e
na sua propriedade. Quando você estabelece limites em situações delicadas,
muitas pessoas vão contra-argumentar falando da intenção delas (“Não foi
isso que eu quis dizer”) e tentar seguir em frente como se nada tivesse
acontecido. Ainda que certamente você possa reconhecer as boas intenções,
o limite será mais significativo se você deixar claro que o impacto das
palavras ou dos atos da pessoa foi prejudicial – e, se quiser, você pode dizer
exatamente como aquilo foi ofensivo.

No meu trabalho descobri que os limites quanto a temas sensíveis


podem ser agrupados em três categorias principais: limites para
preservar nossa saúde mental e física, limites que estabelecemos nas
interações públicas, e limites que podemos precisar estabelecer e manter
em vários estágios da vida.

SAÚDE MENTAL E FÍSICA: São limites que você estabelecerá para preservar
sua saúde mental, proteger sua privacidade e garantir que as conversas
não sigam numa direção que provocaria dor, ansiedade ou lembranças
desagradáveis. Nessa seção você encontrará limites relacionados ao vício
e à recuperação, a doenças ou ferimentos, à identidade de gênero e ao
trauma.

INTERAÇÕES PÚBLICAS: São limites que você precisa estabelecer quando


está em ambientes públicos, em geral no meio de outras pessoas. Nessas
situações você sente a necessidade de estabelecer um limite relacionado
a perguntas ou declarações que poderiam ser ofensivas para você ou
para outras pessoas presentes. Na maior parte do tempo estabelecemos
limites com o objetivo de reforçar nosso relacionamento com
determinada pessoa, mas esses limites de “interações públicas”
costumam ser estabelecidos para pessoas que nunca mais veremos.
Mesmo assim eles são fundamentais. São os limites que estabelecemos
diante de um comentário racista que um estranho faz numa festa; diante
de uma pergunta pessoal desconfortável feita por um vendedor de loja;
ou diante do tio apalpador que você encontra no casamento de uma
amiga. Você estabelece esses limites não porque valoriza seu
relacionamento com essas pessoas, mas porque para você é importante
se posicionar e defender o que é certo.

ESTÁGIOS DA VIDA: São limites que ajudarão você a se orientar por


estágios sensíveis e mudanças na sua vida. Envolvem perguntas que as
pessoas costumam fazer de modo “inocente”, mas que têm o potencial de
ser bastante dolorosas. Os roteiros que ofereço nessa seção têm a ver
com sua vida amorosa; sua formação e carreira; gravidez e planejamento
familiar; e o enfrentamento da morte e do divórcio.

DICAS PARA COMEÇAR

Antes de mergulharmos nos roteiros, quero gentilmente oferecer alguns


conselhos para estabelecer e manter limites em momentos que podem
ser os mais difíceis da sua vida.
EM PRIMEIRO LUGAR, PROTEJA-SE. Sei que você se importa com os
sentimentos dos outros e que a compaixão é uma coisa admirável. Mas
os sentimentos de nenhuma outra pessoa valem o sacrifício da sua saúde
ou da sua segurança. Agora, mais do que nunca, você precisa de limites
claros e gentis. Você está enfrentando muita coisa e se as pessoas não
entendem ou se reagem mal ao seu limite, isso não é problema seu.

AUTOMATIZE SEUS LIMITES. Se você sabe que vai enfrentar perguntas


insensíveis ou um excesso de atenção, automatize seus limites o máximo
possível. Passe os braços em volta da sua barriga de grávida para
transmitir a mensagem de “Não toque”, ou use um broche onde estejam
escritos seus pronomes. Automatizar também pode ser pedir a outra
pessoa que comunique seus limites por você. Peça a seu companheiro ou
sua companheira que diga de antemão à família: “Por favor, não
perguntem de novo quando vamos ter um bebê. E não, não queremos
falar mais sobre isso agora.” Ou entregue seu telefone à sua melhor
amiga e peça que ela responda às mensagens de pêsames de modo que
você não precise lê-las.

SAIBA ESTABELECER LIMITES EM FAVOR DE OUTRAS PESSOAS. Se sua irmã


tem câncer, se seu marido sofreu um acidente que mudou a vida dele ou
se sua melhor amiga está fazendo transição de gênero, converse com
essas pessoas sobre as informações que elas se sentem confortáveis em
compartilhar, e com quem. Isso permitirá que você mantenha os limites
que a outra pessoa quer estabelecer, mesmo que você tenha outra
opinião a respeito disso. Saiba que, ao cuidar bem desses limites, você
está tirando o fardo da outra pessoa e demonstrando que ela pode
confiar em você para se manter em segurança e saudável.

INSTRUA COM SABEDORIA. Se você optar por usar seu limite como uma
ferramenta de ensino, pense no contexto. Se está estabelecendo um
limite para sua chefe, talvez queira separar o limite (“Prefiro não falar
sobre isso”) da instrução e falar com ela em outro momento, quando os
colegas de trabalho não estiverem presentes. Se você quiser emprestar
sua voz para defender alguém que foi ofendido, certifique-se de que essa
pessoa se sente bem com isso – você não quer piorar a situação. Na
dúvida, simplesmente estabeleça seu limite e mude de assunto ou se
afaste.

ENSAIE, ENSAIE, ENSAIE. Quando comecei a falar publicamente sobre


minha dependência química e minha recuperação, ficava chateada
quando me faziam perguntas invasivas sobre minha história ou meu
vício. Ficava com raiva e não falava nada ou respondia sem pensar (e
depois sentia raiva de mim mesma por falar demais). Passei um bom
tempo discutindo com meu terapeuta como poderia contar minha
história com calma e equilíbrio, e quais eram os meus limites quanto ao
que eu discutiria ou não. Se você estiver num momento em que sabe que
passará por esse tipo de situação, escreva alguns roteiros (ou use os que
estou oferecendo aqui) e os ensaie em voz alta até que suas respostas
pareçam naturais para você.

DEIXE A PESSOA “SE SENTIR MAL”. Assim que entende que a pergunta
bem-intencionada que ela fez foi na verdade ofensiva, a pessoa pode
esperar que você – a parte prejudicada – a console porque ela se sente
muito mal. Você não precisa fazer isso. Na verdade, tentar “remediar” o
desconforto só atrapalha o crescimento dela e pode impedir que ela
receba uma importante lição de vida.

Fingir que o que a pessoa fez não foi doloroso, dizer “Tudo bem”
quando não estava tudo bem, ou desconsiderar o impacto negativo
falando “Sei que você teve boa intenção” não são atitudes claras nem
gentis. A pessoa pode ser bem-intencionada e ainda assim provocar um
dano. Você pode reconhecer isso, aceitar o pedido de desculpas e seguir
em frente.

Tudo bem as pessoas se sentirem mal quando


magoam alguém.

No fim das contas, Heather decidiu copiar e colar a mesma resposta


para todo mundo que entrava em contato com ela após a morte do seu
pai. A mensagem dizia: “Obrigada pelo contato. Estou bem, mas preciso
de mais tempo e espaço para processar como me sinto. Aviso quando
estiver em condições de conversar – não sei quando isso vai acontecer.
Agradeço por entender e não mandar mais mensagens até eu estar em
condições de responder.” Escrever isso foi um alívio, e assim que ela
enviou a resposta, parou de sentir necessidade de responder às
mensagens que as pessoas mandavam sem parar. Isso lhe garantiu o
espaço necessário para processar seus sentimentos sem a pressão de
compartilhar esse espaço com pessoas que estavam nos círculos mais
distantes.
Espero que os roteiros deste capítulo também ajudem você a se
orientar nos momentos difíceis ou nas situações desafiadoras com
elegância, leveza e conforto.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO À


SAÚDE MENTAL E FÍSICA

Estabelecer limites quanto à sua saúde mental e física ajudará você a


enfrentar os desafios com menos risco de provocar sentimentos ruins,
ter sua privacidade violada ou sua identidade questionada. Você é quem
determina seu próprio nível de conforto. Até que ponto você se dispõe a
conversar? O que você aceita compartilhar para construir um
relacionamento mais próximo, e em que momento você deve impor uma
consequência caso seus limites não sejam respeitados?
Se possível, trabalhe com seu terapeuta ou outro profissional da área
de saúde mental seus limites específicos, de modo a estar em condições
de estabelecê-los quando surgir a necessidade. Um profissional pode
ajudar a identificar situações que você nem havia notado que eram
exaustivas ou dolorosas.

Tenho um problema de saúde crônico, e com isso vivo recebendo conselhos não
solicitados sobre experimentar algum tratamento, alguma dieta ou me curar
com “pensamentos positivos”. As pessoas são bem-intencionadas, mas só me
estressam ainda mais. Preciso ter respostas na ponta da língua para a próxima
vez que isso acontecer.

VERDE: “A equipe médica tem um bom plano de tratamento e não


queremos perder o foco com conselhos extras, mas agradeço sua
intenção de ajudar.”
AMARELO: “Agradeço, mas no momento não estou buscando
alternativas além do tratamento da minha equipe médica.”
VERMELHO: “É insensibilidade sua continuar dando opiniões não
solicitadas sobre meu estado de saúde. Não vou mais aceitar suas
sugestões.”

Os dois primeiros limites incluem alguma forma de gratidão, porque


você pode presumir que os conselhos que as pessoas estão dando têm a
ver com carinho, com a frustração de ver uma pessoa querida sofrendo
e com um desejo genuíno de ver você melhorar. O limite Vermelho é
para pessoas que não entenderam o recado; que querem convencer
você de que para se curar basta fazer uma única coisa (parar de ingerir
glúten, desabafar mais vezes ou trabalhar com mais afinco para
processar seu trauma); ou para a pessoa que fica tentando vender o
suplemento alimentar ou o óleo essencial que ela produz sob o pretexto
de estar “cuidando” de você.
Muitas vezes me tratam pelo gênero errado em público, desde vendedores me
chamando de “senhor” até colegas de trabalho e conhecidos com dificuldade de
“lembrar” que eu uso pronomes neutros. Nunca sei bem como lidar com isso de
modo respeitoso mas firme. Você pode me ajudar?

VERDE: “Ah, eu não sou ‘senhor’ nem ‘senhora’. Pode usar ‘você’
mesmo.”
AMARELO: “Eu uso pronomes neutros. Por favor, lembre-se disso
quando estiver falando sobre mim.”
VERMELHO: “Você continua confundindo meu gênero, e está
começando a parecer que é de propósito. Isso é desrespeitoso e
pouco gentil, e se continuar assim vou passar a comprar em outro
lugar / vou falar com o RH / vou embora.”

Talvez você precise lembrar várias vezes seus pronomes e sua


identidade às pessoas, especialmente se elas estiverem acostumadas a
pensar em você em termos diferentes. Só você sabe quando é adequado
passar de uma resposta Verde a uma Amarela ou Vermelha. Além
disso, você pode decidir se vale a pena corrigir o caixa da loja de
conveniência que você nunca mais verá na vida, ou se é mais seguro
não corrigir determinada pessoa. Só você tem como saber onde e
quando um limite será necessário.

ETIQUETA DE PRONOMES
Pedi ao educador e ativista queer Josh Jenkins (elu/delu, ele/dele) que me
ajudasse a compartilhar o básico sobre a etiqueta de pronomes. Aqui vão
algumas dicas para evitar que as pessoas precisem estabelecer esses limites
para você:

Jamais presuma o gênero de alguém com base na aparência. Na


verdade, jamais presuma o gênero de alguém, e ponto final. Simples assim.
Evite termos associados a gêneros, como “senhor/senhora”, quando se
dirigir a uma pessoa ou um grupo. Quando estiver falando com um grupo,
você pode usar vários termos neutros, como “E aí, pessoal?”, “Bem-
vindes!”, “Olá, gente!”, ou simplesmente “Bom dia!”.
Se estiver se referindo a uma pessoa que você não conhece muito bem,
não tente adivinhar o gênero dela. Prefira usar a ocupação ou o nome da
pessoa, por exemplo. Algo do tipo “Você pode entregar isso à pessoa no
caixa?”, ou “Ah, olha só, é Brooks! Brooks veio com Christine”.
Ao se apresentar, diga seus pronomes. Você também pode perguntar:
“Gostaria de dizer quais pronomes você usa?” Mas, por favor, não insista,
já que isso pode forçar a pessoa a sair do armário num lugar, momento ou
ambiente em que ela não se sinta confortável ou segura para isso.
Alterne os pronomes, se for o caso. Se alguém usa vários pronomes,
como “elu/ela”, em geral é melhor usar ambos quando estiver se referindo à
pessoa. “Essa aqui é Kim. Elu é artista e faz um trabalho muito vibrante.”
Você também pode perguntar à pessoa se ela prefere que você use mais
um ou outro pronome.
Lide com cuidado com a mudança de pronomes. Quando uma pessoa
conta a você que vai usar novos pronomes, agradeça por ela ter dito isso e
comece a usá-los imediatamente – com uma ressalva: pergunte se em
alguma situação específica ou perto de alguém você não deveria usar os
novos pronomes, para não correr o risco de tirar a pessoa do armário à
força (especialmente se a mudança for recente).
Se você usar o pronome errado, corrija-se na mesma hora. “Jamie tem o
melhor estilo de todos. Ele... quero dizer, elu tem uma conta fantástica no
Instagram.” Não gaste muito tempo se desculpando. Isso força a pessoa a
tranquilizar você e pode prolongar uma situação que já é desconfortável.
Faça um pouquinho de esforço. Se você consegue se lembrar do novo
sobrenome da Mary que trabalha com você e acabou de se casar, ou do
nome do poodle do seu vizinho, também pode se lembrar de uma mudança
de pronome.

Minha irmã está fazendo tratamento de câncer. Os amigos e parentes vivem


pedindo detalhes. “Como ela está? O que os médicos disseram? Ela perdeu
cabelo?” A intenção é boa, mas não quero contar nada além do que minha irmã
se sente confortável em revelar – e, como ainda é muito cedo, ela prefere não
revelar nada. Como posso explicar isso com gentileza?
VERDE: “Obrigada por perguntar. Pois é, ela está fazendo tratamento
e se esforçando muito para melhorar, mas por enquanto não tenho
nenhuma novidade. Vou dizer a ela que você perguntou.”
AMARELO: “No momento ela está bem. Ela pediu que eu não contasse
detalhes do tratamento médico, mas agradeço por perguntar.”
VERMELHO: “Não posso contar nada no momento. Obrigada por
respeitar a privacidade dela.”

Posso imaginar a quantidade de “Como ela está?” que você tem ouvido
ultimamente, então pense em si mesma como uma representante de
limites da sua irmã. Primeiro converse com ela e pergunte como ela
gostaria que você respondesse a algo como “A químio foi difícil?”. Sua
irmã quer que você mantenha um tom positivo e genérico, do tipo “Ela
está bem”, ou prefere que você seja mais específica e sincera sobre a
situação atual? Quão confortável ela se sente em revelar, e a quem? (O
limite Vermelho aqui é para qualquer pessoa que se sinta com mais
direito a informações do que sua irmã esteja disposta a dar.)

Recentemente passei por um trauma e meus amigos estão tentando me dar


apoio. Mas assim que começo a falar, eles procuram demonstrar empatia
contando uma história traumática da vida deles. Sei que estão tentando me
animar, mas isso dá a impressão de que não estão dando muita importância à
minha própria situação. Será que posso estabelecer um limite em relação a
como meus amigos me escutam?

VERDE: (antes da conversa) “Neste momento eu realmente quero que


você me escute. Não precisa dizer nada; só me deixe falar e tudo
bem.”
AMARELO: (no meio da conversa) “Ah, será que você poderia não
contar sua história agora? É que eu acabo achando que você não me
dá importância quando faz isso. Realmente preciso desabafar com
alguém que se importe comigo.”
VERMELHO: (no meio da conversa) “Parece que você não consegue
ouvir sem inserir sua própria experiência, e isso não está me
ajudando. Vamos conversar outra hora.”

Se esse roteiro leva você a perceber que tem se intrometido no desabafo


dos outros, não precisa se martirizar – mas permita-se repensar sua
atitude daqui para a frente. Ainda que compartilhar uma história
semelhante possa parecer uma atitude empática (“Olha, eu também já
passei por isso!”), na verdade coloca você no centro da conversa, em
vez de permitir que esteja totalmente presente para a pessoa amiga. O
melhor modo de demonstrar empatia é ouvir com atenção, refletindo
de volta o que você escuta, e depois perguntando como pode ajudar a
pessoa.

Sou uma mulher jovem, de aparência saudável, mas tenho esclerose múltipla.
Quando estaciono numa vaga reservada ou uso meu andador, costumo ouvir
perguntas e comentários invasivos feitos por estranhos, do tipo “Você não
parece deficiente”, ou “O que aconteceu com você?”. Meu diagnóstico não é da
conta deles. Então o que devo dizer?

VERDE: “Tenho necessidades especiais. E, só para que você saiba,


algumas deficiências não são tão evidentes quanto outras. É melhor
não tirar conclusões precipitadas.”
AMARELO: “Sou portadora de deficiência, sim, e prefiro não entrar em
detalhes sobre meu histórico médico.”
VERMELHO: “Não vou explicar minha deficiência a você.”

Talvez você tenha notado que nesse caso a instrução vem com o limite
Verde, não com o Amarelo ou o Vermelho. Mas, como membro de um
grupo que costuma ser marginalizado, nem sempre é responsabilidade
sua instruir os outros. Sinta-se livre para dizer “Posso não parecer, mas
sou” e deixe outra pessoa (um amigo, por exemplo) explicar em seu
lugar que as pessoas com deficiência não têm uma “aparência”
específica e que é grosseria questionar a experiência de vida de alguém.

Meu marido é militar e já serviu várias vezes no exterior. Com frequência ele
ouve (até mesmo de estranhos) perguntas do tipo “Você já precisou matar
alguém?”, ou “O que realmente aconteceu por lá?”. Essas perguntas são muito
invasivas, ainda mais porque ele já está lidando com o estresse pós-traumático.
Ele nunca sabe o que dizer, e às vezes reage com raiva (compreensivelmente) e
acaba se sentindo mal depois. O que ele deveria dizer nessas situações?

VERDE: “Por favor, não me peça para reviver o tempo que passei lá.
Estou feliz em casa com minha família e estou me concentrando
nisso.”
AMARELO: “Sabe quantos veteranos voltam para casa com estresse
pós-traumático? Muitos de nós. Talvez a maioria. Por favor, não faça
esse tipo de pergunta.”
VERMELHO: “Vou fingir que você não perguntou isso.”

Já ouvi bombeiros, policiais, médicos e profissionais de saúde na linha


de frente na pandemia – qualquer pessoa com uma profissão de risco –
dizerem que frequentemente lhes pedem que contem histórias
traumáticas, como se fosse entretenimento. Não é adequado tratar
assim o trabalho tão corajoso e essencial feito por esses profissionais.
Para quem sofre com esse tipo de situação, treinar respostas como as
oferecidas aqui permite manter a cabeça fria diante de pessoas
inconvenientes, ainda que a raiva e a frustração sejam compreensíveis.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO A


INTERAÇÕES PÚBLICAS

Estabelecer limites em ambientes sociais variados, em geral para pessoas


que você não conhece bem ou nunca mais verá, é diferente de
estabelecer limites para amigos e familiares. Para as pessoas mais
próximas, o limite se destina (em parte) a manter um relacionamento
saudável com elas. Aqui você encontrará roteiros de limites que servem a
um único propósito: manter você saudável e em segurança.
Pode ser que você considere até mesmo os limites Verdes um pouco
mais incisivos do que em outros capítulos, mas isso é intencional. Nesses
casos, você terá uma única oportunidade de estabelecer seu limite, e ferir
os sentimentos de um desconhecido é um problema menor perto da
preservação da sua saúde mental e da sua integridade física.

Às vezes algumas pessoas – colegas de trabalho, conhecidos ou gente que


encontro em eventos – me fazem perguntas pessoais que simplesmente não
quero responder. (Exemplos: “Quanto você ganha fazendo isso?”, ou “Quantos
anos você tinha quando perdeu a virgindade?”. Sim, isso aconteceu num evento
de networking.) Nunca sei como responder de modo educado. Pode me dar
alguma ideia?

VERDE: “Não vou responder, mas...” E acrescente alguma coisa não


específica, do tipo “Depende do seu nível de experiência e de onde
você trabalha”, ou “De qualquer modo a virgindade é uma
construção social”.
AMARELO: “Uau. Não vou entrar nesse assunto.”
VERMELHO: “Sabe, acho que isso não é da conta de ninguém.”

Sempre me fazem perguntas profundamente pessoais, e em geral me


viro bem com o limite Verde. Se perguntam por que eu e meu ex-
marido nos divorciamos, por exemplo, eu digo: “Não vou responder.
Relacionamentos são difíceis e às vezes a gente simplesmente não
consegue levá-los adiante.” A boa notícia é que é fácil manter esse
limite, porque a decisão de responder é 100% sua.

POSSO FAZER UMA PERGUNTA PESSOAL?


Odeio essa frase com todas as forças, e, a julgar pelo que ouço da minha
comunidade, você também deve odiar. Se você diz “sim” só para ser gentil,
acaba se abrindo para uma pergunta à qual talvez não se sinta confortável
em responder – mas agora existe certa pressão, pois você concordou em
ouvi-la. (E se você diz “não”, corre o risco de parecer babaca.) Eis o que eu
digo sempre que me confrontam com isso: “Pode perguntar, e vou avisar se
não me sentir confortável em responder.” Claro que “pessoal” pode significar
qualquer coisa, desde “Você fez parto natural?” até “Você tem a mesma
altura que eu; onde você compra suas calças?”. Por isso ouça a pessoa antes
de decidir se vai responder ou não. Estabeleça de cara que uma resposta não
é garantida. Lembre-se: as pessoas não têm a obrigação de adivinhar seus
limites. Jamais censuro alguém por me perguntar alguma coisa, porque sei
que é minha responsabilidade estabelecer e manter os limites certos para
mim.

Vou a um casamento e me disseram que as pessoas da família adoram abraçar.


Eu não gosto de ser abraçada, especialmente por estranhos. Como posso evitar
que a situação se torne incômoda?

VERDE: Aproxime-se das pessoas com a mão estendida com firmeza,


para indicar que prefere um aperto de mãos.
AMARELO: Se alguém faz menção de dar um abraço, recue com as
mãos levantadas e diga: “Ops, eu não sou muito de abraçar. É um
prazer conhecer você.”
VERMELHO: Afaste-se fisicamente e diga: “Por favor, não.” Em seguida
se apresente mantendo uma distância adequada.

Já vi esse tema ser discutido muitas vezes em comunidades


neurodivergentes que sigo nas redes sociais, e sempre tenho isso em
mente quando conheço gente nova. Você pode facilitar as coisas para a
outra pessoa dizendo: “Prazer em conhecer você! Quer um abraço, um
aperto de mão ou só um olá?” Se alguém acusar você de falta de
educação por recusar contato físico, explique educadamente que
grosseria é tocar uma pessoa contra na vontade dela.
Meus pais e eu não nos falamos. Em ambientes sociais, quando o assunto
“família” vem à tona, menciono que não temos contato. Geralmente me dizem
que “a família é tudo”, ou que quando meus pais morrerem vou me sentir
muitíssimo mal pelo modo como os tratei. Não quero mentir sobre minha
relação com eles, mas também não quero ouvir comentários inconvenientes a
respeito disso. Me ajuda?

VERDE: “Que bom que você e seus familiares são chegados. Prefiro
não falar sobre os meus.”
AMARELO: “Com todo o respeito, discordo de você. Prosseguindo...”
VERMELHO: “Você não conhece minha família, e esse comentário não
é bem-vindo.”

Nessas respostas você não precisa contar nada sobre a história da sua
família, mas eu tenho uma amiga que responde: “Ah. Então, apesar de
ela ter me espancado durante toda a infância, você acha que vou me
arrepender por não ter me esforçado mais?” Às vezes é válido causar
esse tipo de impacto, mas nem sempre é eficaz e pode não ser gentil.
Mesmo assim, depois de seu limite ter sido ultrapassado duas ou três
vezes, pode ser satisfatório fazer uma declaração forte como essa.

Eu trabalho numa loja e um cliente acabou de me perguntar se estou grávida.


Não estou, e fiquei completamente sem graça na frente das pessoas que
estavam na fila. O cliente pediu desculpas, mas eu não soube o que dizer.

Essa não é de fato uma situação de limites, porque o cliente não vai
lhe fazer essa pergunta de novo e você provavelmente não vai vê-lo
outra vez. Mas aqui vão algumas frases que você poderia ter dito na
hora além de “Tudo bem”. Porque, nesse caso, não é nem um pouco
legal ouvir essa pergunta.

“Vou fingir que você não me perguntou isso.”


“Uau, essa pergunta é inacreditável.”
“Não é legal fazer esse tipo de suposição.”
“Não estou, e espero que você nunca mais faça essa pergunta a
ninguém.”
“Não, e você acaba de me deixar tremendamente desconfortável.”
“A não ser que você veja um bebê saindo por entre as pernas de
alguém, nunca mais pergunte isso.”

Seria de esperar que hoje em dia as pessoas soubessem que existem


alguns comentários que jamais devem ser feitos. Não pergunte a uma
mulher se ela está grávida. Não pergunte se alguém emagreceu. Não
presuma o gênero de alguém em voz alta. Mas essas situações ainda
acontecem, e quero que você tenha as palavras na ponta da língua
para responder com clareza e gentileza. (Nesse caso, é particularmente
gentil da sua parte fazer um comentário construtivo porque isso pode
poupar outra pessoa de ouvir a mesma pergunta no futuro.)

Às vezes, no dia a dia, ouço pessoas aleatórias dizendo algo levemente racista,
homofóbico ou capacitista (em geral precedido por “Não estou sendo racista,
mas...”). Sinto vontade de chamar a atenção para isso, mas não sei o que dizer
sem deixar a pessoa constrangida ou com raiva.

VERDE: “Nossa. Só para você saber, essa é uma fala problemática.


Acho que seria melhor se a gente conversasse sobre outra coisa.” E
mude de assunto.
AMARELO: “Não, não, pode parar – o que você disse não é legal, e é
melhor nem continuar.”
VERMELHO: (se a pessoa reagir mal) “Vou pedir licença agora, porque
você acha que não há problema nenhum em dar opiniões racistas, e
eu não quero continuar ouvindo isso.”

Na melhor das hipóteses, se a pessoa demonstrar interesse em entender


seu ponto de vista, sinta-se livre para explicar por que a fala é tão
problemática. Se estiver claro que a pessoa não se importa com as
implicações do que acabou de dizer, esclareça o seu limite: você não
admitirá que comentários assim passem em branco e vai se afastar
para não ser conivente com esse tipo de opinião.

INTERVENÇÃO DO ESPECTADOR
E se você (uma pessoa privilegiada) testemunhar o assédio de alguém com
base em raça, cor, identidade de gênero, orientação sexual, religião, peso ou
necessidades especiais? Cogite emprestar sua voz. Para ser realmente eficaz,
você precisa agir (como discutimos no Capítulo 3). Aqui vão os “5Ds” da Right
to Be, uma organização sem fins lucrativos que oferece Treinamentos de
Intervenção do Espectador para ensinar as pessoas a interromper situações
de assédio.13

Distraia: Mude o rumo da conversa, dirigindo-se apenas à pessoa que está


sendo assediada. Peça a ela alguma informação, coloque-se casualmente
entre ela e a pessoa assediadora, finja conhecê-la ou derrame “sem
querer” sua água no chão perto dela.
Delegue: Peça a uma terceira pessoa (alguém que esteja com você, um
estranho que também queira ajudar ou um funcionário do local) que
continue distraindo as atenções enquanto você verifica se a pessoa
assediada está bem.
Documente: Se alguém já estiver ajudando a pessoa assediada e você
sentir segurança para isso, tome nota, tire fotos, grave um vídeo da
interação. Depois pergunte à pessoa que está sendo assediada o que ela
gostaria que você fizesse com as evidências. Jamais poste ou compartilhe
o material sem a permissão dela.
Deixe para depois: Se você não puder agir no momento, ofereça ajuda à
pessoa assediada depois do fato. Pergunte se você pode caminhar ou se
sentar um pouco com ela; ofereça-se para ficar se ela quiser denunciar o
incidente; e afirme que o que você testemunhou não foi legal.
Dirija-se a quem assediou: Se for adequado (se você e a pessoa
assediada estão fisicamente em segurança, não acham que a situação vai
piorar e a pessoa parece receber bem a ajuda), aborde a pessoa que
assediou. Você pode dizer: “Pare com esse assédio”, “Deixe-a em paz”, ou
“Isso é racismo e você precisa ir embora”. Não prolongue a conversa e volte
seu foco imediatamente para a pessoa prejudicada.

Essas dicas de intervenção do espectador podem se aplicar a uma variedade


de circunstâncias, quer você testemunhe o assédio no trabalho, numa loja ou
no ponto de ônibus. Para mais sugestões da Right to Be, visite o site
righttobe.org (em inglês).

Às vezes escuto alguém fazer um comentário machista, racista ou ofensivo de


algum outro modo, disfarçado de humor. Quando reajo, a pessoa diz que é “só
uma piada”, como se fosse culpa minha ela ter dito algo ofensivo. Não quero
que isso continue acontecendo sob o pretexto de fazer graça. O que posso
dizer?

VERDE:“Ah, não entendi a piada. Que parte era para ser engraçada?”
AMARELO: “Não achei engraçado e acho que você sabe por quê.”
VERMELHO: “Não é engraçado, é só machista. Com licença, por favor.”

As pessoas adoram disfarçar as microagressões com humor, mas o


impacto é prejudicial do mesmo jeito, independentemente da suposta
intenção, e você tem razão em denunciar. Se a pessoa que falou estava
realmente tentando fazer graça, dizer a ela “Na verdade não foi
engraçado” costuma ser o suficiente para cortar logo a conversa.

ROTEIROS PARA ESTABELECER LIMITES QUANTO A


ESTÁGIOS DA VIDA

Esse é o tipo mais comum de pergunta que recebi ao longo dos anos, e
por isso esta seção é um pouco maior do que as outras. Parece que em
toda fase da vida algum estranho, conhecido ou mesmo uma pessoa
amada perguntará por que, quando ou como você vai agir. Com muita
frequência as pessoas exigem saber detalhes profundamente pessoais
sobre em que pé estamos na vida. Não devemos respostas a ninguém, em
especial se estivermos tendo dificuldade com algumas dessas questões.
Aqui você verá muitas oportunidades para dar alguns toques nessas
pessoas, se estiver num espaço suficientemente seguro para explicar
direitinho por que a pergunta é inconveniente e ofensiva. Ou pode
apenas se afastar, estabelecendo o limite de que não quer falar sobre o
assunto.

Meu namorado e eu acabamos de largar nosso emprego para viajar de van pelo
país durante um ano. Economizamos o suficiente para isso dar certo e
esperamos encontrar patrocinadores para estender ainda mais a viagem. Mas
as pessoas da minha família têm muitas opiniões sobre isso, nenhuma positiva.
Como posso pedir a elas (gentilmente) que não encham o saco?

VERDE: “Entendo que não faça sentido para vocês, mas estamos
empolgados demais com essa nova fase. Não queremos nada além de
apoio moral – ou pelo menos que guardem suas opiniões se não
estiverem tão empolgados quanto a gente.”
AMARELO: “Opa, pode ir parando, por favor. A gente não pediu
nenhuma opinião e não quer ouvir esses comentários negativos
pouco antes da viagem.”
VERMELHO: “Que tal me mandar uma mensagem quando a gente
puder conversar numa boa, sem que você reclame das escolhas que
eu faço na minha vida? Até lá, prefiro não falar mais nada.”

Esse é o exemplo perfeito de “Você não precisa entender minha decisão


para respeitá-la”. E, claro, não se aplica apenas a uma viagem de van;
você não precisa aceitar críticas nem ficar se defendendo das opiniões
da sua família sobre qualquer escolha que você faça, desde o emprego
que aceita até com quem você se casa ou onde vai morar. Você não está
pedindo dinheiro, conselho nem mesmo falso entusiasmo à sua família
– seu limite muito razoável é simplesmente: “Não vou deixar você
cortar o meu barato.”

Meu companheiro e eu estamos juntos há dois anos, e por causa de um trauma


de um relacionamento anterior ele hesita quanto a se casar. Não estou com
pressa e me sinto feliz cultivando minha relação com ele, mas a pressão de
outras pessoas está piorando as coisas. Toda vez que alguém pergunta
“Quando você vai fazer o pedido?” ele fica agitado e desconfortável, e eu fico
sem graça. Me ajuda?

VERDE: “Ah, não gostamos dessa pergunta. Aviso se tivermos alguma


novidade.” E mude de assunto.
AMARELO: “Sinceramente, gostaríamos que vocês parassem de
perguntar. Nenhum de nós gosta desse tipo de pressão.”
VERMELHO: “Pela última vez: não pergunte isso de novo.” E siga em
frente como puder.

Se você tiver oportunidade de conversar em particular com familiares


ou amigos, pode ser que queira revelar algum contexto, mas não deixe
seu companheiro em maus lençóis. “Sei que vocês só querem minha
felicidade, e garanto que estou feliz. Essa pressão constante só
atrapalha e me deixa ansiosa só de pensar em encontrar vocês. Pelo
bem da nossa relação, por favor, deem um tempo.”

Queremos ter filhos mais que tudo neste mundo, mas sofri dois abortos
espontâneos e os tratamentos de fertilidade não ajudaram. A pergunta
“Quando vocês vão ter filhos?” me dá vontade de chorar. Sei que as pessoas
têm boa intenção, mas elas não entendem como essa pergunta pode ser difícil.
Como posso responder sem cair no choro?

VERDE: “Se você soubesse como a gente reza por isso! Prefiro não
comentar mais, obrigada.” E mude de assunto. Ou: “Sei que sua
intenção é boa, mas prefiro não falar sobre isso.” E mude de assunto.
AMARELO: “Esse é um tema delicado. Por favor, não pergunte de
novo.” E mude de assunto. Ou: “A gente não se sente confortável
falando sobre isso.” E mude de assunto.
VERMELHO: “Quero que você saiba que essa pergunta pode ser
incrivelmente dolorosa. Você não faz ideia do que as pessoas podem
estar passando, e se soubesse não perguntaria. Não vamos mais falar
sobre isso.” Ou: “Essa é uma pergunta que você não deveria fazer a
ninguém. Com licença, por favor.”

Estou mostrando opções aqui porque talvez você não queira dar a
entender qual é a sua situação, ou talvez não esteja preparada para as
perguntas invasivas que podem vir em seguida (“Por quê? O que está
acontecendo?”). Sinta-se livre para responder a qualquer pergunta
posterior com “Como eu disse, no momento não estamos falando sobre
isso”.

Minha esposa e eu decidimos que não queremos ter filhos. A gente se sente
confortável dizendo isso às pessoas, mas elas sempre reagem com “Vocês vão
lamentar essa escolha no futuro”, ou “Vocês vão se arrepender, e aí já será
tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito”. Isso é grosseria, não é? O
que podemos dizer que não seja sarcástico demais?

VERDE: “Ah, agradeço, mas não estamos pedindo opiniões sobre isso.”
E mude de assunto.
AMARELO: “Opa, pode ir parando: não estamos pedindo sua opinião.
A decisão é nossa.”
VERMELHO: “Por favor, não.” E peça licença e saia ou mude de
assunto.

Dependendo da sua relação com a pessoa que questiona a escolha de


não ter filhos, talvez você possa retrucar com bom humor: “Vou me
lembrar disso quando estivermos no resort só para adultos no Havaí
no mês que vem”, ou “Quando você começar a reclamar do preço da
faculdade a gente conversa de novo sobre isso”. Eu não diria que isso é
sarcástico, mas minha tolerância ao sarcasmo é maior do que a da
maioria das pessoas.

Estou grávida de oito meses e todo mundo vive me dando conselhos não
solicitados sobre como cuidar do bebê. Estão me sufocando num momento que
já é naturalmente tenso. As pessoas são bem-intencionadas, mas como posso
dizer com jeitinho “Me deixe em paz”?

VERDE: “Ah, vou pedir que você pare por aí! Agradeço a intenção,
mas no momento não estou procurando conselhos sobre o bebê.”
AMARELO: “Ah, não! Nada de conselhos sobre o bebê nem histórias
de parto, por favor. Não estou aceitando opiniões que não sejam da
minha médica ou do meu companheiro.”
VERMELHO: “Opa, pode ir parando. Não vou escutar sua história.”
Peça licença e se afaste.

Durante minha gravidez parecia que as pessoas só queriam contar


histórias de partos horripilantes. Ninguém nunca dizia “Ah, minha
amiga acabou de ter um bebê e tudo correu exatamente de acordo com
os planos”; era sempre “Fique muito atenta a isso / Esteja preparada
para aquilo / Saiba que existe esse risco”. (POR QUÊ?!) Talvez você
precise se repetir muitas vezes, mas vale a pena preservar sua saúde
mental enquanto vive em paz sua própria experiência de parto.

Minha esposa e eu abandonamos recentemente nossa religião e isso foi um


escândalo gigantesco para nossos familiares, amigos e conhecidos em geral.
Somos metralhados com perguntas do tipo “Por que vocês saíram?”, ou “Em que
vocês acreditam agora?”. Sabemos qual é a resposta para a primeira pergunta,
mas ela não é da conta de ninguém. E, sinceramente, ainda estamos pensando
na segunda pergunta. Além disso, se respondermos a qualquer uma das duas,
as pessoas vão considerar isso um convite para tentarem nos levar a mudar de
ideia. Será que podemos simplesmente dizer “Isso não é da sua conta”?

VERDE: “Isso é entre nós (e Deus), e pedimos que vocês respeitem.”


AMARELO: “Não queremos falar sobre isso nem que vocês fiquem
questionando. Por favor, não puxem esse assunto de novo.”
VERMELHO: “Se vocês continuarem tentando forçar sua crença sobre
nós, vamos ter que ir embora / desligar o telefone / parar de ler suas
mensagens.”

P.S.: Vocês também podem dizer: “Com todo o respeito, isso não é da
sua conta.” Não entendo por que as pessoas acham que fazer bullying,
assediar ou condenar alguém é um modo eficaz de trazer a pessoa de
volta para o rebanho. Tendo conversado com muitos amigos sobre suas
crises de fé, sei que vocês provavelmente passaram por um inferno
particular enquanto avaliavam essa decisão. Deem todos os passos
necessários para se proteger das opiniões dos outros – até mesmo da
família – enquanto avaliam o que essa fase significa para a fé que vocês
têm.

Estou passando por um divórcio e meus pais não escondem como estão
chateados. Dizem que estou cometendo um erro gigantesco e que o divórcio vai
arruinar a vida dos meus filhos. (Como se eu já não estivesse suficientemente
estressada e preocupada.) Quero que eles parem de pegar no meu pé, porque
não estão ajudando. Socorro.

VERDE: “Sei que vocês se preocupam comigo e com meus filhos, mas
essa decisão é minha e peço seu apoio, não seu conselho.”
AMARELO: “Essas opiniões não ajudam nem são bem-vindas. Se não
podem simplesmente me apoiar neste momento difícil, vou parar de
conversar com vocês sobre o divórcio.”
VERMELHO: “Não vou discutir isso com vocês.” E mude de assunto,
desligue o telefone ou se afaste, de acordo com a necessidade.

Um alerta: talvez você precise estabelecer um limite em favor dos seus


filhos também. Até mesmo os avós bem-intencionados que dizem
coisas do tipo “Realmente esperamos que sua mãe e seu pai não se
divorciem” podem acabar fazendo muito mal aos pequenos. Estabeleça
qualquer limite que seja adequado para a sua família.

A saúde da minha mãe está declinando rapidamente e eu sou a principal


cuidadora dela. Meu marido e eu estamos conversando sobre os próximos
passos, mas todo mundo tem alguma opinião sobre o que deveríamos (ou não
deveríamos) fazer. Já estou passando por um momento bastante difícil e não
preciso que pessoas de fora façam com que eu me sinta ainda pior quanto a
isso.

VERDE: “Essa já é uma decisão difícil, sem respostas fáceis. Só estou


aceitando conselhos do médico dela e do meu marido.”
AMARELO: “Com todo o respeito, não dê opiniões que não sejam
solicitadas sobre como cuidar da minha mãe, por favor.”
VERMELHO: “Não vou ouvir suas opiniões sobre isso.” E se afaste.

Este limite é o mínimo para preservar sua saúde durante um período


tão estressante. Não se sinta mal ou culpada por estar protegendo seu
espaço e sua energia neste momento. Automatize isso não discutindo a
saúde ou os cuidados da sua mãe com pessoas fora de seu círculo mais
próximo. Você pode responder às perguntas simplesmente assim: “Ela
está bem, dentro do possível. Obrigada por perguntar. Vou dizer a ela
que vi você.”

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Depois de ter batido com a cabeça, passei três anos com sintomas pós-
concussão. (Ainda vejo clarões em momentos de muito estresse, em
viagens longas ou quando faço um esforço muito grande.) Eu não sabia
nada sobre lesões na cabeça antes de sofrer uma, e já contei um bocado
nas redes sociais sobre minha experiência, esperando ajudar pessoas a
lidar melhor com lesões semelhantes ou com entes queridos que tenham
sofrido concussão.
Assim que comecei a contar minha história, as pessoas sempre
vinham com a mesma pergunta: “Como isso aconteceu?” Por um tempo
contei a verdade: estava jogando laser tag com meu filho num centro de
diversões e durante o jogo fui acertada na cabeça pela arma de outro
jogador ou bati numa coluna de concreto – não sei bem o que aconteceu.
Mas logo percebi que os comentários que as pessoas faziam estavam
prejudicando minha saúde mental, por mais bem-intencionadas que elas
fossem.
“Ah, então não foi tão ruim assim!” (Só que foi, porque já fazia três
meses e eu ainda não podia viajar, fazer caminhadas ou falar em
público.) “Nossa, e você ainda está com sintomas?” (Estou, mas agora
fico indagando se você acha que estou fingindo, exagerando ou sendo
dramática.) “Imagine só o que pilotos de corrida ou jogadores de futebol
americano não passam!” (É, os ferimentos deles são muito piores, e
imagino que sofram mais que eu, mas ainda sinto dor constante, então
será que podemos não fazer comparações?)
Esses comentários eram bem-intencionados, mas eu ainda estava
processando o dano sofrido e o impacto dele na minha vida, e depois de
uma sessão de terapia reconheci que precisava estabelecer algum limite.
Assim, adotei uma estratégia “pré-Verde”, dizendo às pessoas: “Sofri um
acidente.” Não estava estabelecendo um limite verdadeiro, pois não
estava estipulando claramente o que eu contaria ou não, mas era meio
caminho andado, já que isso me ajudava a contar como eu me sentia
sem suscitar perguntas adicionais.
Nesses temas muito delicados você pode descobrir que uma resposta
“pré-Verde” é uma ponte útil para estabelecer um limite de verdade, ao
mesmo tempo que você controla melhor até onde podem ir suas
interações. Por exemplo, você pode responder à pergunta “Como seu
parente morreu?” com um limite pré-Verde do tipo “Foi súbito demais e
todos ainda estamos em choque”, ou “Tivemos sorte porque pudemos
nos despedir, e ele partiu em paz”. (É improvável que alguém seja sem
noção a ponto de continuar insistindo: “Não, mas de que ele morreu?”)
Ao treinar a ideia de “dose mínima, efeito máximo” (como visto no
Capítulo 2) com relação aos limites, você pode ser capaz de gastar
menos energia ainda com uma meia resposta bem pensada. Se ela
funcionar e for menos estressante para você num momento difícil, essa
estratégia terá todo o meu apoio.
CAPÍTULO 10

Presentes para seu Eu Futuro


Como autoestabelecer limites e respeitá-los

E
m outubro de 2020 os Estados Unidos estavam se preparando
para uma eleição complicada, a pandemia grassava e eu estava
profundamente envolvida na luta por justiça social que
dominava o noticiário. Estava penando para manter um relacionamento
saudável com as redes sociais, já que parecia que o mundo inteiro era
feito de pessoas discutindo, compartilhando desinformação, adoecendo
e morrendo. Ia dormir toda noite ultrajada com alguma coisa,
desabafando com meu marido sobre como a vida era injusta e desigual.
Depois da terceira noite seguida me sentindo esmagada a ponto de
chorar, ele interveio: “Querida, acho que você precisa sair do Twitter.”
Contra-ataquei imediatamente: “Como vou saber o que está
acontecendo? Eu tenho obrigação de me envolver.” Ele respondeu com
calma: “Até que ponto você precisa se atualizar às dez da noite?” Estava
certo. Meu hábito de checar as redes sociais “uma última vez” antes de ir
para cama estava me deixando ansiosa, furiosa e incomodada, o que
abalava meu relacionamento com meu marido, minha saúde mental e
meu sono. Imediatamente estabeleci um limite para mim mesma: “Nada
de checar as redes sociais uma hora antes de dormir.”
Os limites são programados, em parte, para ajudar você a criar,
manter e preservar relacionamentos saudáveis. Às vezes o
relacionamento que esse limite preserva é o que temos com nós mesmos.
Os limites pessoais fazem parte de uma categoria própria por dois
motivos. Primeiro, como não envolvem mais ninguém, o respeito a esses
limites só depende de uma pessoa. Isso pode ser uma bênção e uma
maldição. Sem dúvida, é mais fácil manter um limite saudável se você
decidir que ele é do seu interesse, mas nem todo mundo reage do mesmo
modo às próprias expectativas.

SUGESTÃO DE LEITURA: THE FOUR TENDENCIES,


DE GRETCHEN RUBIN
Em seu livro The Four Tendencies (As quatro tendências), minha amiga
Gretchen Rubin delineia uma estrutura fabulosa para determinar como as
pessoas reagem às expectativas internas e externas.14 Ela divide nossos
instintos de resposta em quatro tipos: Cumpridor, Questionador, Obsequioso
e Rebelde. Você pode se informar mais e responder gratuitamente a um
questionário para descobrir sua tendência em quiz.gretchenrubin.com (em
inglês), desbloqueando ideias e estratégias que funcionarão melhor para
você ao estabelecer e manter limites pessoais.

Cumpridor: Alguém que se identifica com o tipo Cumpridor reage


notavelmente bem às expectativas internas e externas. Sou uma
Cumpridora; assim, se você me disser para fazer alguma coisa (como
começar um experimento de dieta de trinta dias), vou conseguir fazer isso
com facilidade. E quando digo que vou fazer uma coisa (não olhar o
Twitter antes de dormir, por exemplo), também consigo cumprir isso
facilmente.
Questionador: Se você se identifica com o tipo Questionador, reagirá bem
às expectativas externas se elas fizerem sentido para você (isto é, se elas
se alinharem com suas expectativas internas). Você faz um monte de
perguntas e precisa que lhe convençam dos benefícios antes de se
comprometer. Mas quando se compromete, vai em frente.
Obsequioso: Se você se identifica com o tipo Obsequioso, não reage bem
às expectativas internas. Você precisa realmente de uma cobrança externa
para fazer com que as coisas aconteçam, mesmo quando são do seu
interesse. (O Obsequioso é o tipo mais comum – o famoso “bonzinho”.)
Rebelde: Se você se identifica como Rebelde, não reage bem a
expectativas externas nem internas. Se alguém lhe pede que faça ou
manda fazer algo, você resiste. Você não aceita nem mesmo uma
autoimposição; resiste às próprias expectativas de modo tão vigoroso
quanto resiste às impostas pelos outros.

Nenhuma tendência é melhor do que outra, mas conhecer a sua (e trabalhar


com ela, não contra ela) pode ajudar você a encontrar a linguagem e a
abordagem certas para solidificar novos hábitos, deixar de lado os ruins e
autoestabelecer limites com eficácia.

Sabendo que todos nós reagimos a expectativas de maneiras


diferentes, fica fácil ver que os limites autoestabelecidos podem ser um
verdadeiro desafio para algumas pessoas, especialmente para aquelas
que precisam de cobranças externas. Mas há outra razão para
determinadas pessoas acharem esses limites especialmente difíceis, e isso
tem a ver com o que acontece quando você os viola. Pense nisto: o que
realmente acontece? Isso é fácil de visualizar quando você está
estabelecendo um limite para outra pessoa. Se você estabelece o limite
de não fumar dentro da sua casa e o tio Joe entra e acende um cigarro, a
consequência é que você pede que ele apague o cigarro ou saia – e ele faz
isso. Se, no entanto, você estabeleceu esse limite e num dia chuvoso o
descumpre e fuma dentro de casa, ninguém obrigará você a sair. As
consequências de violar os limites que estabelecemos para nós mesmos
parecem menos importantes ou menos óbvias, especialmente quando a
única pessoa que decide é você.
Talvez você tente criar uma consequência do tipo “Toda vez que eu
fumar dentro de casa vou colocar uma nota de 20 no cofrinho”. Só que
você é mais inteligente do que isso, não é? Vai saber que essa penalidade
não tem nenhuma relação com o comportamento que você está
tentando regular – e isso faz com que a coisa pareça mais um castigo do
que uma consequência. Ninguém gosta da ideia de se castigar. E, de
novo, quem vai impor a consequência? É mais difícil mudarmos ou
adaptarmos nosso comportamento quando as consequências parecem
frágeis, negociáveis ou irrelevantes, especialmente quando a satisfação
instantânea está à nossa frente.
Mas os limites pessoais são um assunto que sempre vem à tona por
um motivo. Autoestabelecer limites é algo que pode ser feito num
instante, não exige a cooperação de mais ninguém e pode tornar sua
vida infinitamente mais feliz, saudável, calma e produtiva. Assim, vamos
conceber algumas estratégias para estabelecer e manter esse tipo de
limite.

PROCURE SEUS PONTOS FRACOS

O modo mais rápido de identificar a necessidade de um limite


autoimposto é procurar seus pontos fracos. Quais são os momentos mais
estressantes do seu dia? Em que situações você reage com mais
hostilidade? Que circunstâncias provocam ou pioram sua ansiedade ou
de algum modo lhe parecem prejudiciais? Às vezes as pessoas mais
próximas podem “fazer o favor” de lhe mostrar esses pontos, como meu
marido fez comigo naquela noite enquanto eu lia notícias ruins nas redes
sociais. Coloquei “fazer o favor” entre aspas porque a princípio você
pode sentir raiva diante de um comentário desse tipo. Considere que
essa postura defensiva é outro anúncio de “LIMITES” piscando em
neon, com uma seta apontando para você.
Comece a prestar atenção a esses momentos durante o seu dia. Aqui
vão algumas perguntas que você pode fazer:

Há alguma parte do meu dia que parece a mais estressante de


todas?
Há alguma coisa relacionada à tecnologia ou às redes sociais que
me provoca mais ansiedade?
Existe algum hábito que eu realmente desejo começar e que sei que
me beneficiaria, mas fico adiando?
Existe algum hábito que eu vivo repetindo e que sei que não me
serve, mas não sei como parar?
Existe algum objetivo que estou buscando e que poderia ser
facilitado se eu estabelecesse um limite?

Neste capítulo vou identificar limites segundo duas categorias gerais:


situações estressantes, e hábitos e objetivos. Você notará que a
“tecnologia” exerce alguma influência em ambas as categorias, motivo
pelo qual não a coloquei numa categoria própria. De fato, você
encontrará um enorme número de sobreposições, mesmo entre as duas
categorias que delineei; estabelecer um limite acerca de um hábito ou
objetivo também costuma atenuar seus níveis de estresse, e vice-versa.
Nas duas seções você também se lembrará dos limites que estabeleceu
para outros (como garantir um tempo para si ou não beber se não
quiser) que poderiam ser reforçados com um limite autoestabelecido.

SUGESTÃO DE LEITURA: MICRO-HÁBITOS, DE B.J. FOGG


Pense que autoestabelecer um limite é o primeiro passo para começar
hábitos saudáveis ou eliminar os ruins. Nem toda mudança de hábito começa
com um limite – às vezes simplesmente decidimos que queremos começar a
correr ou a usar fio dental depois das refeições. No entanto, assim que
identifica e estabelece um limite pessoal, como eu fiz com meu Twitter tarde
da noite, você precisa de algum tipo de estratégia para mantê-lo. É aí que
entra o livro Micro-hábitos, de B.J. Fogg, ph.D. e cientista comportamental de
Stanford.15 Você verá dicas tiradas do Micro-hábitos e dos vinte anos de
pesquisa de Fogg (boa parte das quais eu mesma usei) espalhadas por este
capítulo, inclusive a estratégia do “curto e simples” para automatizar limites
pessoais; mudanças que você faz no seu entorno para manter seus esforços;
e exercícios mentais que, num instante, levarão você do limite pessoal ao
hábito saudável.

SITUAÇÕES ESTRESSANTES: Trata-se de limites autoestabelecidos para


aliviar o estresse, evitar conflitos desnecessários e melhorar a saúde. Eles
podem envolver seu jeito de se comunicar, de interagir com a tecnologia,
de gastar seu dinheiro ou seu tempo, além de comportamentos que você
adota em nome da sua saúde mental. Ainda que estabelecer limites
relacionados a algumas situações estressantes possa envolver outras
pessoas (e comunicar seu limite a elas também possa ser adequado),
provavelmente você descobrirá que concentrar-se apenas no próprio
comportamento pode ter um impacto poderoso nos seus níveis de
estresse.

HÁBITOS E OBJETIVOS: Trata-se de limites autoestabelecidos com relação a


comportamentos saudáveis que você deseja iniciar ou manter, ou a
comportamentos que você sabe que não estão servindo mais ou estão
atrapalhando seus objetivos. Entre os exemplos estão estabelecer limites
quanto à sua rotina para ficar em forma, aos seus gastos, ao consumo de
álcool ou às aspirações de carreira – limites que costumam estar ligados
a objetivos maiores, como “Participar de uma corrida de 10
quilômetros”, ou “Comprar uma casa no fim do ano”.

Voltando ao meu hábito com o Twitter, se eu tivesse acabado de fazer


a mim mesma a primeira pergunta “Há alguma parte do meu dia que
parece a mais estressante de todas?” – eu diria que sim: a hora pouco
antes de dormir estava sendo péssima. A próxima pergunta natural seria
“Bom, o que estou fazendo de errado?”, e a resposta teria saltado aos
meus olhos. Felizmente, na noite seguinte fui para cama com um livro,
não com meu celular, caí no sono me sentindo calma e em paz, e a noite
foi perfeitamente agradável – a não ser pelo meu marido fazendo a
dancinha do “Eu não disse?” (eu estava agradecida, então deixei que ele
dançasse).

ENCONTRE O SEU LIMITE


Quando se trata de limites pessoais, a política do VPF se aplica aqui
mais do que em qualquer outra situação. Você pode (e deve) estabelecer
um limite do jeito que funcione para você, porque você é a única pessoa
para quem ele precisa funcionar. Se você também se pega olhando
notícias ruins nas redes sociais à noite, o limite certo talvez seja
desinstalar o Twitter do seu telefone; manter o celular no quarto, mas
ouvir uma meditação relaxante antes de dormir; ou tentar uma terapia
que ajude a processar com mais eficácia o que você está lendo no
noticiário. Eu descobri que o comportamento que mais me servia
implicava ler as últimas notícias durante o dia e limitar essa leitura à
noite. (Além disso, eu estava fazendo terapia uma vez por semana. Já
mencionei como gosto de fazer terapia?)
A chave aqui é pensar criativamente, de modo a identificar o limite
que funciona melhor para eliminar ou neutralizar seus pontos fracos, e
em seguida estabelecer limites claros e gentis em relação ao que você fará
ou não para sustentar essas necessidades. Não precisa ser uma solução
que tenha dado certo para outra pessoa, se bem que esse é um ótimo
ponto de partida (e fácil). Comece se comprometendo a explorar opções
até descobrir aquela que funciona melhor para você.

AUTOMATIZE TAMBÉM OS LIMITES AUTOESTABELECIDOS


O melhor modo de automatizar esses limites é mantê-los o mais curtos e
simples possível. Verifique se existe alguma coisa que você poderia fazer
para reduzir o esforço de manter seu limite, aplicando um famoso princípio da
pesquisa sobre hábitos que diz que quanto mais difícil ou complicada você
tornar alguma coisa, menos probabilidade terá de fazê-la (e vice-versa). No
meu caso com o Twitter, se o celular não estivesse no meu quarto eu não
poderia pegá-lo distraidamente, de modo que esse era o caminho mais curto
e mais simples para um limite. Se você decidir que só beberá vinho quando
jantar fora, estabeleça o limite de que não haverá álcool em casa – jamais. Se
acha difícil não acompanhar a vida de um amor do passado na internet,
bloqueie essa pessoa em todas as redes sociais, de modo que você não se
perca no labirinto do Instagram. Pegar o caminho mais simples ou mais curto
ao pensar em autoestabelecer limites torna mais difícil desrespeitá-los, e
assim você conseguirá mantê-los quase sem esforço algum.

REFORMULE SUAS CONSEQUÊNCIAS

Este talvez seja o aspecto mais importante dos limites autoestabelecidos,


porque as consequências não são tão naturais ou tão facilmente
impostas quando quem sai da linha é você. O que aconteceria se eu
pegasse, sim, meu celular e ficasse olhando as notícias ruins no banheiro
antes de ir para cama? À primeira vista a resposta seria: “Bom, nada.” Eu
poderia esconder isso do meu marido, meu celular não iria me castigar
com um choque elétrico e, na verdade, eu poderia continuar violando
meu próprio limite noite após noite sem nenhuma consequência. Certo?
Só que existem consequências. Você só precisa pensar mais no seu
Eu Futuro e no modo como esses comportamentos afetam sua vida a
curto e a longo prazos.
Se eu desrespeitar meu próprio limite (não vou olhar mais o celular à
noite), continuarei passando as noites ansiosa, furiosa e frustrada. Posso
começar a brigar com meu marido ou descontar nele todo o meu
estresse. Sentirei mais dificuldade para dormir e terei um sono menos
restaurador Por fim isso começaria a me prejudicar. A hora de dormir se
tornaria um momento tenso e cheio de brigas na nossa casa e eu
dormiria pouco e não descansaria direito, o que me deixaria mal-
humorada e estressada pelo resto do dia. Se isso continuasse por tempo
suficiente, eu acabaria chegando à beira de um abismo emocional e
precisaria de um fim de semana inteiro de descanso, pedidos de
desculpas e uma desintoxicação de redes sociais para me centrar de
novo. (Isso já aconteceu.)
Estas são as consequências de violar meu próprio limite: deixarei
meu Eu Futuro sem energia; prejudicarei minha saúde mental, meus
relacionamentos e minha vida profissional; e me sentirei péssima por
não conseguir manter um simples limite para mim mesma.
Quando pus a coisa nesses termos, ficou mais fácil conectar a
violação de limite com as consequências muito verdadeiras, e foi muito
mais difícil justificar uma olhadinha no telefone “só desta vez”. Em cada
um dos “roteiros” de limites que compartilho aqui, ajudarei você a evitar
as consequências pensando no motivo de esses limites serem tão
importantes para sua saúde e sua felicidade.

LIBERDADE!
Um lembrete: tenha em mente o maior benefício de todos. A capa deste livro
diz: “Melhore seus relacionamentos e conquiste sua liberdade”, e é disso que
tratam os limites autoestabelecidos: liberdade! Liberdade em relação ao
estresse, à ansiedade e à raiva, e liberdade para se sentir feliz, saudável, em
paz e em equilíbrio. Autoestabelecer limites é mais um caminho para esse
sentimento de liberdade – no meu caso, quebrei as correntes que me
mantinham presa ao meu telefone num momento do dia que deveria ser
pacífico. Se você já sentiu dificuldade ao tentar estabelecer um limite assim,
pergunte: “De que eu preciso me libertar (ou o que eu preciso fazer com mais
liberdade) e quais são os limites que posso estabelecer para me tornar e me
manter livre?”

DICAS PARA COMEÇAR

Limites autoestabelecidos nem sempre parecem simples ou claros. Além


disso, como iremos discutir, eles podem não parecer instintivamente
gentis! O modo como você os avalia, elabora e impõe pode exigir algum
treino. Se os limites saudáveis não lhe foram exemplificados de modo
eficaz pelos seus pais, amigos ou pares românticos, talvez você tenha
dificuldade de entender seus limites como um ato de cuidado pessoal.
Como acontece com qualquer tipo de limite, isso exige prática; quanto
mais fluente você se tornar na linguagem dos limites para os outros,
mais fácil será identificar as oportunidades de estabelecer um limite para
você.

RECONHEÇA OS OBSTÁCULOS. Existem diversos fatores que tornam mais


desafiador autoestabelecer limites – principalmente estresse e outras
questões de saúde mental. Quando estou num período de depressão, é
difícil demais cumprir compromissos assumidos comigo mesma, ainda
que eu queira. E em momentos de estresse intenso, a biologia do seu
corpo pode levar a distrações e mecanismos de defesa para entorpecer a
mente, como alimentos açucarados, álcool ou maratonas de vídeos no
TikTok – que, você sabe, não são saudáveis, mas aos quais é difícil
resistir. Condições neurodivergentes, como TDAH, autismo ou danos
cerebrais adquiridos (como a minha concussão), também interferem na
concentração, na gestão do tempo, na organização e em como você lida
com as tentações, as recompensas e os limites pessoais. Um terapeuta
pode lhe explicar as maneiras pelas quais esses fatores podem afetar seus
comportamentos, encorajar você a se tratar com mais gentileza e
compaixão, e ajudar a identificar os limites certos para seu contexto e
seus objetivos particulares.

REPROGRAME SEU REBELDE INTERIOR. Pode ser que você comece a achar
(especialmente vocês, Rebeldes da Teoria das Quatro Tendências) que os
limites autoestabelecidos estão sendo muito restritivos ou punitivos em
vez de empoderadores e libertadores, o que seria o desejado. Se você se
sentir assim, relembre como reformulou as consequências de não
respeitar seu limite. Não beber vinho na quarta-feira não é um castigo, é
um ato de cuidado pessoal: um presente para seu Eu Futuro, para
garantir que você tenha um fim de dia reparador e relaxante, uma boa
noite de sono, e que acorde se sentindo leve, com energia e positividade.
Na verdade, estabelecer esse limite liberta você das grandes limitações
impostas por beber numa quarta à noite. Lembrar que os limites são um
ato de resistência contra sistemas ou ritos sociais opressores também
pode ajudar – se a mídia, a sociedade, a cultura e o marketing estão
empurrando você na direção de um comportamento que não lhe faz
bem, defender-se e dizer “não” é um ato radical (ouso dizer rebelde) de
cuidado pessoal.

PEÇA AJUDA. Se você é do tipo Obsequioso, alguém que vive agradando


aos outros, você conta demais com a cobrança externa para fazer com
que a mudança aconteça – mas os limites pessoais são estabelecidos para
você e por você, e mantê-los pode ser extremamente desafiador. Se você
tem dificuldade para respeitar os próprios limites, aproveite essa
tendência e peça algum apoio externo. Diga ao seu marido: “Não vou
mexer no celular antes de dormir. Então, se você me vir fazendo isso,
pode me dizer que vou me sentir muito melhor largando o aparelho.”
Compartilhe seu limite com amigos e familiares, fale sobre isso na
terapia, de modo a ter alguém que torça pelo seu sucesso e a quem você
possa prestar contas, ainda que o limite não tenha nada a ver com essas
pessoas. Fale sobre isso nas redes sociais para se conectar com outras
pessoas que compartilhem os mesmos objetivos. Além disso, você pode
estabelecer limites de apoio para outras pessoas, pedindo aos amigos que
não tragam vinho quando vierem jantar com você numa quarta-feira,
por exemplo.

TENTE E TENTE OUTRA VEZ. Os traumas, especialmente os da infância,


podem levar você a duvidar da própria capacidade e achar que não vale
a pena respeitar os limites autoestabelecidos. Esses traumas podem
desconectar você do próprio corpo de modo tão completo que você
pode ter dificuldade para saber o que realmente quer ou de que precisa.
Se for esse o caso, os limites podem questionar essas crenças e provar
que você pode confiar na sua experiência e merece explorar e estabelecer
regras saudáveis para a sua vida. Mesmo assim, pode ser difícil romper
com os padrões de autossabotagem, portanto trate-se com gentileza. Se
você autoestabelecer um limite e descobrir que tem dificuldade para
mantê-lo, talvez seja útil falar com uma pessoa amiga ou um terapeuta,
manter um diário ou participar de um grupo de apoio na internet. Essa é
uma questão de prática, e você nem sempre estabelecerá o limite certo
na primeira tentativa. Comprometa-se com o processo, use as
ferramentas deste capítulo e trate-se gentilmente. Garanto que, se você
chegou até aqui, já está fazendo um trabalho fantástico.

ROTEIROS PARA AUTOESTABELECER LIMITES EM


SITUAÇÕES ESTRESSANTES

Estes roteiros não terão a designação de Verde, Amarelo e Vermelho,


apenas vários exemplos de limites, as consequências caso sejam
desrespeitados, e as liberdades que eles trarão. (Nota: o limite mais curto
e simples será sempre indicado primeiro.)
Como você não vai interagir com ninguém nesses casos, não vejo
motivo para subir o tom da sua linguagem – para ser sincera, isso, sim,
pareceria um castigo! Então, se perceber que não está respeitando seu
próprio limite, reveja seus pontos fracos, as consequências e liberdades
associadas a esse limite, e faça os acertos necessários até encontrar o
ajuste correto.
Aqui você encontrará diversas situações geralmente estressantes,
exemplos de limites que você pode estabelecer, e as possíveis
consequências e liberdades associadas a eles. Lembre-se de aplicar o
princípio do VPF sempre que necessário.

Toda noite me pego esparramada no sofá zapeando na Netflix. Acabo ficando


acordada até muito tarde, deixando de fazer outras tarefas importantes ou as
duas coisas ao mesmo tempo. De que tipo de limite preciso aqui?

LIMITE: Não vou ligar a TV depois do jantar, a não ser nos fins de
semana.
LIMITE: Vou ajustar um alarme de modo que após uma hora a TV seja
desligada.
LIMITE: Vou assistir a apenas um episódio de alguma série nas noites
de segunda a sexta.
LIMITE: Vou programar a TV para ser desligada às nove da noite
durante a semana.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Não vou me criticar depois (“Sou preguiçosa demais, tudo o que eu
fiz foi ficar vendo TV de novo”).
Vou ter mais tempo livre antes de dormir.
Vou ter uma noite de sono melhor.
Vou começar o dia com mais disposição e energia.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Vou me atrasar pela manhã (ou não vou fazer tudo o que quero
durante a noite).
Vou para cama estressada.
Não vou dormir muitas horas.
Vou acordar cansada e de mau humor.

Aqui você pode experimentar várias táticas, mas o fundamental é


ganhar espaço para fazer alguma coisa mais produtiva, relaxante ou
divertida. Uma coisa que gosto de fazer é combinar uma recompensa
com uma tarefa que venho empurrando com a barriga, de modo que
outra opção é: “Só vou ligar a Netflix se estiver fazendo faxina ou
dobrando a roupa lavada.” Foi assim que assisti à primeira temporada
de Casamento às Cegas – meu closet nunca ficou tão organizado e eu
não senti nenhuma culpa por assistir ao reality show. (Posso ter ficado
constrangida. Mas não culpada.) O benefício é que eu tenho visto bem
menos TV, porque minha arrumação ou minha faxina raramente
demoram mais de uma hora.
Estou tentando estabelecer uma rotina matinal que me ajude a começar o dia
com menos ansiedade, mas não consigo pôr isso em prática. O que poderia me
ajudar?

LIMITE:Só vou pegar meu celular quando terminar minha rotina.


LIMITE: Vou acordar quinze minutos mais cedo todo dia,
especificamente para fazer minha rotina.
LIMITE: Vou garantir que meu diário e uma caneta sempre
amanheçam perto de mim, e que uma meditação matinal seja
preparada na véspera.
LIMITE: Para facilitar minha rotina, não vou recorrer à função
“soneca” de segunda a sexta.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre da ansiedade que surge quando o dia começa agitado.
Estarei livre para cuidar de mim como eu quiser pela manhã.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Vou começar o dia ansiosa e agitada demais.
Vou sentir falta dos rituais que me fazem bem.
Provavelmente vou ficar desapontada porque não fiz o que deveria.

Mesmo suspeitando que apenas o limite do celular já solucione o


problema, o primeiro passo é indagar: “O que está impedindo minha
rotina?” Talvez você precise estabelecer um limite de apoio para sua
família, do tipo: “Por favor, não entrem no meu quarto antes das 6h45;
até lá vou ficar escrevendo no meu diário.” Mas se for necessário um
limite autoestabelecido, descubra se são os aparelhos eletrônicos, sua
tendência a dormir até mais tarde ou sua falta de organização que
estão atrapalhando, e estabeleça um limite aí.

As manhãs de segunda-feira são estressantes demais. Eu me sinto


sobrecarregado com os e-mails não lidos, as mensagens do trabalho e uma
sensação de “não vou dar conta de tudo” dentro da cabeça; sempre acabo
passando uma hora olhando as redes sociais para evitar tudo isso. Você tem
alguma dica para mim?

LIMITE: Durante a semana não vou olhar minhas redes sociais antes
do meio-dia.
LIMITE: Vou passar os últimos dez minutos de toda sexta-feira
preparando uma lista de coisas a fazer na segunda de manhã.
LIMITE: Vou chegar ao trabalho uma hora mais cedo às segundas-
feiras para me instalar antes de todo mundo.
LIMITE: Vou reservar uma hora na minha agenda nas manhãs de
segunda-feira para colocar os e-mails em dia.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre da ansiedade que acompanha as manhãs de segunda.
Não vou me distrair olhando as redes sociais.
Manterei o foco e, portanto, serei mais produtivo, o que me
garantirá a liberdade de estabelecer e administrar minhas
prioridades.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Vou começar minha semana ansioso e irritadiço.
Vou ficar com raiva de mim mesmo por não ter me preparado
melhor.
Vou me sentir menos produtivo no trabalho.
Não vou poder reagir de modo tão eficaz às prioridades e talvez
perceba que, com isso, meu desempenho no trabalho está
declinando.

Qualquer um desses limites provavelmente ajudará você a começar


melhor sua semana – e todos eles certamente ajudarão, se forem
adotados em conjunto. Mesmo assim, comece com aquele que você
achar que causará mais impacto. Assim que ele se tornar um hábito,
será mais fácil adicionar outro limite, e você ganhará mais eficiência e
liberdade.
Eu gostaria de reduzir meu consumo de vinho – ultimamente chego em casa e já
abro uma garrafa, como se fosse um hábito. Sinto que não tenho controle sobre
isso, o que tornou minhas noites estressantes. Esse comportamento me leva a
questionar minha relação com o álcool, e sei que a bebida interfere no meu
sono, na minha motivação e na minha produtividade. Que tipo de limite devo
estabelecer?

LIMITE: Não vou beber nada alcoólico durante trinta dias.


LIMITE: Não vou manter nenhuma bebida alcoólica em casa e só vou
beber quando sair.
LIMITE: Só vou comprar uma garrafa de vinho por semana, e quando
acabar, acabou.
LIMITE: Não vou beber no meio da semana, só aos sábados e
domingos.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre dos muitos impactos negativos que o álcool está
causando na minha vida (sono ruim, desmotivação, menos
produtividade).
Poderei explorar outras maneiras de curtir minha noite, relaxar,
descontrair e socializar.
Vou me libertar de um hábito que não me faz bem.
Terei mais tempo à noite para atividades revigorantes e
satisfatórias.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Vou sentir cansaço e dor de cabeça durante toda a semana, o que
prejudicará minha produtividade.
O papel que o álcool representa na minha vida vai continuar sendo
uma preocupação.
Vou ficar com vergonha por causa do meu hábito. E talvez comece a
esconder meu comportamento das pessoas próximas, o que
prejudicará minha saúde mental.
O primeiro limite, de se abster de álcool durante trinta dias, é o mais
eficaz, porque pesquisas sobre hábitos mostram que as regras do tipo
“tudo ou nada” são as mais fáceis de seguir. Além disso, esse limite
obrigará você a encontrar outros mecanismos de enfrentamento para o
estresse, a ansiedade ou a solidão, e isso lhe dará oportunidade de
descobrir métodos mais saudáveis de lidar com experiências adversas –
como escrever um diário, caminhar ou tomar banho frio. (Este último
é o meu predileto – tenho um podcast inteiro sobre como os banhos
frios mudam instantaneamente meu humor, minha energia e minha
saúde mental.)
Com qualquer um desses limites, procure o apoio de pessoas
queridas, grupos na internet e/ou um terapeuta – você não precisa ser
alcoólico para pedir ajuda para avaliar sua relação com a bebida. E
não se esqueça de estabelecer limites de apoio para amigos e familiares,
do tipo “Por favor, não me pressionem para beber”, ou “Por favor, não
tragam vinho quando vierem jantar aqui”.

Meu quarto vive desarrumado. A bagunça me estressa, especialmente antes de


dormir, mas parece que nunca tenho uma hora para limpá-lo, e nos fins de
semana quero sair e me divertir, não ficar cuidando da casa. Tem que existir
algum truque para isso.

LIMITE: Vou passar dez minutos toda noite arrumando o quarto antes
de dormir.
LIMITE: Vou treinar o princípio do “Um Toque” para tudo no meu
quarto. (Veja na página a seguir.)
LIMITE: Vou passar uma hora limpando meu quarto no domingo à
noite enquanto assisto à Netflix.
LIMITE: Vou arrumar uma gaveta ou uma prateleira do armário por
semana até meu quarto estar totalmente organizado.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre do estresse de dormir num quarto bagunçado.
Saberei onde estão meus pertences e se eles estão limpos ou não.
Poderei me mover com facilidade no meu quarto.
Não sentirei mais necessidade de parar tudo e fazer faxina.
Acordarei de manhã em paz, num ambiente relaxante.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Minhas noites serão estressantes e agitadas.
Não saberei onde encontrar a roupa que quero vestir.
Minhas coisas podem ficar sujas e amarrotadas ou se perder.
Não vou sentir paz no meu próprio espaço.

Se arrumar aquele cantinho da bagunça onde você joga todas as suas


coisas enquanto assiste a Inventando Anna não for sua ideia de
diversão (já disse que adoro misturar minhas tarefas com as
recompensas?), comprometa-se com apenas alguns minutos a cada
noite – esses poucos minutos vão se somando. Você pode aplicar o
método de Marie Kondo de arrumar por categorias (por exemplo,
primeiro os itens a serem dobrados e em seguida os itens a serem
pendurados), escolher uma área específica (como a sua mesa de
cabeceira ou o cantinho da bagunça) ou começar com um lado do
quarto e ir até o outro. Escolha a opção que você achar que trará o
melhor resultado.

O PRINCÍPIO DO “UM TOQUE”


O princípio do “Um Toque” foi criado por Ann Gomez, uma consultora de
produtividade e fundadora da empresa Clear Concept, de Toronto. O “Um
Toque” foi projetado originalmente como uma ferramenta de organização
empresarial para ajudar executivos a administrar melhor os e-mails, a
papelada, as mensagens de texto e de áudio, mas também é muito eficaz
quando aplicado à organização da casa. A regra é basicamente esta: assim
que você toca em alguma coisa, ela precisa ir direto para o lugar ao qual
pertence. Isso significa que quando você tira aquela camiseta da bolsa da
academia, ela não pode ser jogada no cantinho da bagunça até mais tarde;
você precisa dobrá-la, pendurá-la ou jogá-la no cesto de roupa suja. (Faça
com que essa regra funcione para você – se estiver arrumando a sala e tiver
dez brinquedos para levar ao quarto do seu filho, tudo bem empilhá-los e
levar todos de uma vez só, mas você não pode deixar a pilha ali esperando
até outro dia.) À primeira vista pode parecer um trabalho extra, porém essa
prática poupará tempo a longo prazo e ajudará você a não acumular pilhas
de coisas para guardá-las “um dia”. Saiba mais sobre o princípio do “Um
Toque” de Ann Gomez em clearconceptinc.ca (em inglês).

ROTEIROS PARA AUTOESTABELECER LIMITES QUANTO


A HÁBITOS E OBJETIVOS

Nesta seção estabeleceremos alguns limites que visam ajudar seu Eu


Futuro a alcançar tudo o que você deseja hoje. Aqui, concentrar-se nas
consequências será extremamente importante e pode parecer mais
desafiador que o normal, porque as consequências de não respeitar esses
limites são percebidas no futuro, não no presente. Diante da tentação e
da recompensa, pode ser fácil perder de vista o que realmente acontece
(ou o que vai acontecer) quando você gasta o dinheiro, deixa de malhar
ou aceita mais um projeto. Mantenha em mente o seu “porquê” e faça o
que estiver ao seu alcance para automatizar o limite ou torná-lo o mais
simples possível.

Estou trabalhando arduamente para pagar minhas dívidas e gostaria de


estabelecer alguns limites em relação a como estou gastando meu dinheiro, em
particular na Target ou na Amazon, onde sempre acabo comprando mais coisas
do que preciso. Pode me ajudar?

LIMITE: Só vou comprar coisas de casa e mantimentos para os


próximos trinta dias.
LIMITE: Só vou visitar a Target ou a Amazon com uma lista detalhada
em mãos e só vou comprar o que estiver na lista.
LIMITE: Vou revisar meu orçamento toda semana e permanecer
dentro dele.
LIMITE: Vou informar meus gastos toda semana ao meu planejador
financeiro.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre das dívidas mais rapidamente.
Estarei livre da ansiedade e da preocupação causadas pelas dívidas.
Estarei livre para um objetivo maior, como comprar um carro ou
uma casa.
Estarei livre para ter mais opções, porque minha avaliação de
crédito será melhor.
Estarei livre do estresse relacionado a gastos inesperados.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Continuarei com dívidas por muito mais tempo.
Minha casa vai ficar entulhada de coisas das quais não preciso.
Vou sentir estresse e ansiedade toda vez que olhar um boleto ou a
fatura do cartão de crédito.
Não vou poder alcançar meus objetivos a longo prazo.

Automatize esse limite! Baixe um aplicativo do tipo YNAB ou


Goodbudget (em inglês). Eles foram elaborados para um planejamento
financeiro mais inteligente, não para acompanhar as despesas que já
foram feitas. Os aplicativos também podem servir como uma cobrança
externa, mandando alertas quando você estiver perto do seu limite em
qualquer categoria de gastos.

Acabei de me inscrever numa academia e quero frequentá-la de verdade,


porque me sinto muito bem quando vou malhar. Mas acabo procurando motivos
para faltar “só desta vez”. Como posso cumprir a promessa que fiz a mim
mesma?

LIMITE: Não vou faltar à academia por motivo nenhum durante trinta
dias seguidos.
LIMITE: Vou à academia fazer só cinco minutos de exercício, cinco
dias por semana.
LIMITE: Vou dormir e acordar 45 minutos mais cedo para começar a
malhar de manhã.
LIMITE: Vou me inscrever numa aula regular na academia e não vou
perder nenhuma.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre da culpa e da frustração que sinto quando não vou à
academia.
Vou poder exercitar meu corpo de um jeito que me faz bem.
Vou me sentir incrível e com orgulho de mim por ter cumprido a
tarefa.
Vou curtir mais meu corpo.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Continuarei sentindo culpa por não ir malhar.
Continuarei sentindo pouca energia, cansaço e fraqueza.
Vou ficar pensando que deveria ter ido à academia e me sentir mal
por não ser capaz de honrar esse compromisso.
Saberei que estou desperdiçando dinheiro com uma academia que
não frequento.

Eu usei uma série de truques para criar o hábito de malhar, inclusive ir


à academia de manhã cedinho, arrumar as roupas na noite anterior e
me comprometer a vesti-las de manhã (e acabava me sentindo tão
idiota parada em casa com roupas de ginástica às 5h30 da manhã que
ia direto para a academia).

Estou empreendendo com minha nova empresa e quero alcançar uma meta de
vendas, mas estou à beira do esgotamento. Como quero muito alcançar minha
meta, acabo aceitando mais clientes do que consigo atender, mas sei que isso é
contraproducente. Como posso estabelecer um limite?
LIMITE: Não vou aceitar nenhum cliente novo este mês.
LIMITE: Nos próximos seis meses só vou aceitar dois clientes novos
por mês.
LIMITE: Não vou me permitir marcar mais que quatro compromissos
por dia.
LIMITE: Não vou trabalhar mais de oito horas por dia nem vou
trabalhar aos domingos.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Estarei livre para dedicar mais tempo a cada cliente.
Terei mais tempo livre para recarregar as energias e descansar.
Estarei livre do estresse de perder prazos ou trabalhar horas extras.
Estarei livre para avaliar meus objetivos diante de uma carga de
trabalho realista.
Estarei livre para estruturar a empresa como eu quiser e ao mesmo
tempo cuidar da minha saúde.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Continuarei trabalhando demais.
Vou me estressar por perder prazos e entregas.
Vou encerrar cada dia sentindo que não fiz o suficiente.
Vou sentir que não tenho sucesso porque não estou alcançando
minhas metas nem cuidando de mim.
Minha saúde física e mental vai se deteriorar a ponto de talvez
impedir o sucesso da minha empresa.

Esse é um limite que você também deve estabelecer com seus futuros
clientes. Depois de se comprometer a não aceitar mais nenhuma
demanda este mês, você deve comunicar sua decisão com clareza e
gentileza: “Minha agenda está totalmente ocupada pelo restante do
mês. Será que poderíamos começar o novo trabalho em abril?” Aqui o
limite autoestabelecido é o primeiro passo para reconhecer que você
também precisa estabelecer um limite para seus clientes, pelo bem da
parceria futura.

Estou iniciando minha recuperação da dependência química e quero muito que


o processo dê certo. Estabeleci bons limites para amigos e familiares, mas ainda
não estabeleci nenhum limite para mim. Você tem alguma dica relacionada à
reabilitação de um vício?

LIMITE: Não vou consumir bebida alcoólica nem usar drogas em


nenhuma circunstância.
LIMITE: Vou comparecer às reuniões ou à terapia três vezes por
semana durante um ano.
LIMITE: Não vou a eventos sociais com pessoas que eu não conheça.
LIMITE: Se eu não me sentir confortável socializando em determinado
ambiente, sairei na mesma hora.
LIBERDADE: Se eu respeitar esse limite:
Continuarei livre do álcool e das drogas!
Estarei livre para enriquecer minha vida com atividades
gratificantes e construtivas.
Estarei livre para adotar hábitos saudáveis.
Estarei livre para conhecer pessoas com as quais eu tenha
afinidades, que me apoiem.
Estarei livre para restaurar minha relação com familiares e amigos.
Estarei livre para fazer terapia e curar feridas antigas.
Estarei livre para conquistar um novo emprego, um novo
relacionamento amoroso e construir uma vida nova.
CONSEQUÊNCIA: Se eu não respeitar esse limite:
Voltarei a beber ou usar drogas, e toda a minha vida vai
desmoronar de novo, mais rápido do que eu poderia imaginar.

O primeiro limite costuma ser esquecido, provavelmente porque é óbvio


demais; no entanto, a não ser que você tenha feito explicitamente essa
promessa, os outros limites não serão suficientes. Sim, este assunto é
bastante pessoal para mim, e eu poderia escrever um capítulo inteiro
sobre os limites que estabeleci para mim mesma quanto à minha
recuperação, mas os que listei aqui são os que acho mais importantes e
úteis. Quanto mais você puder segui-los, mais se distanciará do seu
vício. Boa sorte.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

A relação entre hábitos e limites autoestabelecidos é um dos meus temas


prediletos, porque as pesquisas sobre os hábitos podem ajudar a manter
praticamente qualquer limite que você estabeleça para si. Quer você
queira manter seu quarto mais arrumado, beber menos vinho ou
frequentar mais a academia de ginástica, as ferramentas e técnicas da
ciência dos hábitos podem oferecer estratégias para que os limites
funcionem de verdade. Aqui vão três dicas extras sobre hábitos, que
podem se aplicar a praticamente todos os limites autoestabelecidos:

COMPROMETA-SE A COMPARECER. Os hábitos são construídos a


partir da constância, e você desenvolve constância comparecendo
de novo e de novo. Isso não tem a ver com a malhação
propriamente dita, o número de camisas que você pendura no
cabide ou o que você faz depois de desligar a Netflix; o ponto é que
você foi à academia, entrou no quarto para arrumá-lo e desligou a
TV. Se você continuar comparecendo, vai parecer muito mais
natural e fácil fazer mais: continuar malhando, dobrar o restante da
roupa lavada ou preparar seu almoço para o dia seguinte. Busque a
constância.

NÃO DEPENDA DA MOTIVAÇÃO. Quando estamos começando um


novo hábito é fácil sentir motivação e entusiasmo. Mas ninguém se
sente motivado o tempo todo, e quando a motivação falha você
pode se sentir sem rumo – e retornar ao velho hábito de ler notícias
ruins antes de dormir, beber vinho durante a semana ou recorrer à
função “soneca” pela manhã. A motivação não precede a ação; é o
contrário. A chave é simplesmente fazer alguma coisa e acreditar
que um corpo em movimento tende a permanecer em movimento.
Por isso é tão importante “comparecer” – começar com a ação,
comprometer-se com a constância e ver o hábito se firmar.

BUSQUE A PRÁTICA, NÃO A PERFEIÇÃO. Você pode passar um ano


inteiro mentalizando “Não vou aceitar um novo cliente antes de
saber se vou dar conta” e em seguida se empolgar com um projeto e
concordar em assumi-lo prontamente. A questão não é respeitar os
limites com perfeição todas as vezes, mas respeitá-los de modo
consciente. A busca da perfeição pode nos levar a uma mentalidade
de “tudo ou nada” que diz: “Hoje fiz besteira, então dane-se todo o
resto.” Em vez disso você pode se corrigir e dizer ao cliente: “Na
verdade, será que posso lhe dar uma resposta amanhã?”, ou “Ontem
me empolguei com seu projeto, mas primeiro vamos garantir que
estejamos alinhados em termos de escopo e prazo antes de
assinarmos o contrato”. Tudo bem se você esquecer seu limite por
um momento, ceder sob estresse ou agir sem pensar – apenas se
comprometa de novo a considerar seu limite na próxima
oportunidade, sem necessidade de se repreender.

Por fim, um limite autoestabelecido é tão eficaz quanto a liberdade


que ele lhe proporciona. Assim, se você descobrir que determinado
limite não está funcionando como você gostaria, dê meia-volta! Talvez
você não precise passar dez minutos toda noite limpando seu quarto –
na verdade, você precisa de dinheiro para um serviço de faxina a cada
duas semanas para ajudar a manter um nível básico de arrumação.
Mudar seus limites não é motivo de vergonha. Eles são um presente ao
seu Eu Futuro, e se não é disso que seu Eu Futuro precisa, troque por
algo melhor.
TERCEIRA PARTE

Os benefícios
dos limites
CAPÍTULO 11

Presentes para o mundo


Como manter seus limites e os de todas as outras
pessoas

N
o início de janeiro uma mulher chamada Cheryl me escreveu
pedindo ajuda com um limite que deu errado. Nos feriados de
fim de ano, seu filho Jason estabeleceu para ela um limite sobre
como os dois passariam o Natal. Cheryl escreveu: “Nossa família
costuma se reunir várias vezes em dezembro. Fazemos planos para a
noite de Natal, abrimos os presentes juntos na manhã do dia 25,
convidamos os parentes para o jantar e todo mundo volta no dia
seguinte para o café da manhã e o almoço. Este ano meu filho e o
companheiro decidiram que queriam passar a maior parte do período
com o bebê deles, só os três.” Ele disse a Cheryl que iriam na noite de
Natal e a convidaram para a casa deles na manhã do dia 25, para abrir os
presentes, mas avisou que planejavam passar o restante da semana
sozinhos em casa.
Cheryl não recebeu isso bem. “Eu levei bastante para o lado pessoal”,
escreveu ela. “Senti que ele estava me negando o meu neto e falei com
todas as letras que aquilo era egoísmo.” Apesar da pressão da mãe, Jason
manteve seu limite com muita calma, explicando que era importante que
ele e seu companheiro criassem as próprias tradições de família agora
que tinham um filho. Ele falou gentilmente que em breve conversariam
de novo – e desligou o telefone. Cheryl contou: “Encerramos o
telefonema com aquele assunto entalado na minha garganta e eu fiquei
furiosa pelo resto da manhã.”
Assim que você identifica a necessidade de um limite e encontra as
palavras certas para estabelecê-lo, pode ser que a parte mais difícil ainda
esteja por vir. Manter seu limite e lidar com a reação contrária, a raiva ou
a manipulação que às vezes vêm em seguida podem desafiar a decisão de
qualquer pessoa, especialmente se os limites forem uma prática nova
para você. Aprender a manter o limite exige um conjunto próprio de
roteiros. E, como Jason, talvez você precise aceitar que nem todo mundo
vai aprovar ou entender sua decisão. Este capítulo vai preparar você para
essas situações e fornecer as palavras e estratégias necessárias para você
preservar de modo eficaz os limites que estabeleceu tão cuidadosamente.

LIDANDO COM REAÇÕES CONTRÁRIAS

Num mundo perfeito, você declararia seu limite e a outra pessoa


confirmaria na mesma hora que o entende e o respeita. Isso acontece
com bastante frequência, o que significa que você pode e deve esperar o
melhor. Como mencionei no Capítulo 2, você deve presumir que a outra
pessoa quer respeitar seus limites e que ela só precisa de mais
informações sobre o que ela está fazendo e como precisa agir a partir de
agora.
Há situações, porém, em que a pessoa reagirá mal ao seu limite, e
quero que você se prepare. Isso não significa começar a conversa como
quem entra numa batalha, agindo como antagonista e se colocando na
defensiva. Nada disso é gentil e pode provocar exatamente a reação que
você está tentando evitar. Esta seção é dedicada a mostrar a você como
agir diante de respostas que podem ser manipuladoras (“Você está sendo
sensível demais”), passivo-agressivas (“A gente só queria ajudar”) ou
simplesmente agressivas (“Como você é egoísta!”).
A reação instantânea mais comum a um limite é se colocar na
defensiva. Isso pode ser um disfarce para o embaraço, a culpa, o
desapontamento, a mágoa ou o choque, como aconteceu com Cheryl,
que não tinha ideia de que seu filho queria iniciar as próprias tradições
de família no Natal.
Uma pessoa que reage defensivamente pode enxergar seu limite
como uma crítica a ela, não como um limite saudável que você está
estabelecendo para sua própria vida. Talvez Cheryl tenha ouvido “Não
queremos passar o Natal com você” em vez de “Estamos empolgados
para criar novas tradições de fim de ano com nosso filho”. Ou talvez seu
limite enfatize direta ou indiretamente como o comportamento da outra
pessoa tem sido descuidado ou grosseiro, o que pode ser muito
desconfortável, especialmente se houver mais alguém em volta (por
exemplo, quando você chama a atenção de um colega de trabalho por
causa de uma piada machista que ele acabou de contar na happy hour).
Quando reagem na defensiva, as pessoas estão tentando distrair os
outros ou combater o próprio desconforto ou sofrimento jogando a
culpa de volta para você.

REFORMULAR PADRÕES COMEÇA POR VOCÊ


Muitas reações negativas se devem ao fato de a pessoa nunca ter
testemunhado um limite saudável em ação. Se você jamais viu exemplos de
limites estabelecidos por seus familiares, amigos ou colegas de trabalho, e se
não lhe explicaram explicitamente que estabelecer limites é uma prática
saudável, ouvir o limite de outra pessoa pode soar ofensivo. Cheryl admitiu
isso quando conversamos sobre o pedido de Jason em relação ao Natal. Ela
me disse: “Nunca pude estabelecer esse tipo de limite para nenhum dos lados
da família quando meus filhos eram pequenos. E, francamente, fiquei
ressentida por Jason ter feito isso.” Além do mais, os mesmos fatores que nos
levam a sentir culpa por estabelecer um limite (ver Capítulo 1) tornam
igualmente difícil aceitarmos um. Se fomos ensinados que estabelecer um
limite e nos defendermos é sinal de arrogância, egoísmo ou falta de
educação, é natural também julgarmos assim a pessoa que estabelece um
limite para nós. A chave é ver por outro ângulo os limites que nós
estabelecemos; é vê-los como atos de cuidado pessoal, o que torna muito
mais fácil enxergar os limites dos outros assim também. Como muitas das
minhas dicas até agora, uma boa terapia pode ajudar você a reformular seus
padrões de pensamento.

Ainda que entrar na defensiva costume ser uma reação


subconsciente, outras reações podem parecer mais deliberadas. Algumas
pessoas podem tentar convencer você de que o seu limite é egoísta,
despropositado ou grosseiro, como um meio de evitar a
responsabilidade pelas próprias ações. Argumentarão que o problema
não é o comportamento delas; que seu limite é desnecessário, dramático
demais ou punitivo. Se a pessoa puder convencer você de que é você
quem está fazendo pedidos pouco razoáveis, ela não terá de que se
desculpar – e ainda pode levar você a acreditar que cometeu um erro ao
pedir que ela respeitasse seus limites saudáveis.
Além disso, as pessoas ficam com raiva quando parece que você está
tirando alguma coisa delas, ainda que jamais tivessem direito àquilo,
para começo de conversa. Essas pessoas podem usar todas as táticas –
vitimização, hostilidade, culpa, manipulação – porque se levarem você a
se sentir suficientemente mal, talvez você abandone por completo esse
limite inconveniente (para elas), e então a vida pode voltar a ser como
era antes. Isso é comum quando você vem deixando uma pessoa
ultrapassar seus limites por algum tempo e ela já se acostumou com isso.

Quando as pessoas reagem muito mal aos seus


limites, isso significa que você está revogando um
privilégio que elas jamais deveriam ter tido.

E, em muitos casos, o modo como alguém reage ao seu limite claro e


gentil lhe dirá se o relacionamento pode ser salvo ou não.
Dito isso... não se apresse demais em fazer um julgamento. As
primeiras reações nem sempre refletem quem as pessoas são de verdade,
ou como elas continuarão a se comportar, desde que você se disponha a
lhes fazer três pequenas cortesias.

AS CORTESIAS DO ESPAÇO, DA ELEGÂNCIA E DA


CONVERSA

Se você determina um limite e ele não cai bem, não tire conclusões
precipitadas. Muitas vezes as pessoas reagem mal no calor do momento.
A melhor coisa a fazer diante de um limite mal recebido é oferecer três
pequenas cortesias: espaço, elegância e conversa.

ESPAÇO: Dê à pessoa o espaço necessário para processar seu limite no


tempo dela. Pressioná-la a entender ou ceder imediatamente não é
produtivo, em especial se ela ficar magoada ou constrangida, sentindo-se
culpada ou presa numa postura defensiva. Jason compartilhou seu limite
com a mãe, explicou o desejo de começar sua própria tradição de família
no Natal e se despediu gentilmente, dando a Cheryl tempo para
processar seus sentimentos e ao mesmo tempo evitando que ela
extravasasse ainda mais sua mágoa momentânea em cima dele, o que
poderia prejudicar a relação dos dois. Isso é especialmente importante se
você expressar seu limite no meio de muitas pessoas, como no trabalho
ou numa reunião de família. Dê à pessoa a chance de manter a
dignidade compartilhando seu limite e depois se afastando
discretamente, para que ela tenha tempo de processar os sentimentos
sem nenhuma pressão da sua parte.

ELEGÂNCIA: Reconheça que a reação inicial da pessoa ao seu limite pode


não ser a definitiva. É natural alguém reagir automaticamente com
mágoa, raiva ou frustração quando um limite é apresentado, mas se você
der espaço, a pessoa pode chegar a um pensamento diferente por conta
própria. Não a julgue com base numa reação momentânea nem se deixe
influenciar pela raiva ou pela irritação dela. Demonstre simpatia se a
reação inicial ao seu limite não for a ideal; espere com paciência o
momento certo para falar de novo com a pessoa e tenha empatia pelo
desapontamento, pela confusão ou pela mágoa que ela esteja sentindo.
Lembre-se: os limites são uma prática para todo mundo, e você pode
estabelecê-los e ao mesmo tempo reconhecer os sentimentos de quem os
recebe.

CONVERSA: Se a pessoa que recebeu o seu limite retornar com uma


atitude diferente, ofereça-se para conversar mais sobre isso, esforçando-
se para aprofundar o relacionamento e aliviar a reação inicial. Isso não
significa justificar ou explicar demais o seu limite; você o declarou e a
pessoa já concordou (relutantemente ou não) em respeitá-lo. Agora, em
nome da boa comunicação, sinta-se livre para conversar mais sobre o
que esse limite significa para você e agradeça pela compreensão da outra
pessoa. Jason poderia dizer à mãe que suas lembranças prediletas do
Natal eram os momentos calmos que passava apenas com ela e o pai dele
na infância, e que se sente ansioso para recriar essa experiência com sua
própria família. Além disso, ele poderia tranquilizar a mãe dizendo que
ela terá tempo suficiente para encontrar o neto nas festas de fim de ano.

Se você permite que a pessoa tenha tempo para processar o limite e


ela retorna, pede desculpas e inicia uma conversa saudável sobre o
assunto, você conseguiu o que desejava. Estabeleceu um limite saudável,
preservou o relacionamento e talvez tenha até mesmo aprofundado sua
conexão compartilhando suas necessidades de coração aberto e ouvindo
a outra pessoa com elegância e empatia.

QUANDO NADA FUNCIONA

E se a pessoa continuar pressionando e manipulando você ou se


recusando a respeitar totalmente o seu limite? Aqui vão algumas
palavras mágicas capazes de mudar sua vida: a raiva, a vitimização e as
táticas manipulativas não são problema seu. Lembre-se:

O modo como as outras pessoas reagem ao seu


limite não é da sua conta.

Você identificou que um limite era necessário para se manter em


segurança e saudável, e então o estabeleceu com o objetivo de melhorar
sua relação com outra pessoa. Usou palavras claras e gentis. Lembrou-se
de não sentir culpa, porque merece ter suas necessidades atendidas e está
no seu direito de exigir que as pessoas tratem você bem. Além de tudo,
deu à outra pessoa o espaço de que ela precisava e elegantemente
permitiu que ela processasse seu limite no tempo dela. Se ela ainda se
recusa a respeitar sua vontade, é hora de fazer valer seu limite impondo a
consequência – e se afastar. O seu trabalho está feito.
O modo como as outras pessoas optam por receber suas palavras e
reagir a elas é responsabilidade delas. É responsabilidade delas fazer uma
autorreflexão e decidir se levarão ou não a coisa para o lado pessoal. É
responsabilidade delas tratar você com empatia e boa vontade, não com
raiva, vitimização ou mágoa. É responsabilidade delas decidir se seus
limites são dignos de respeito, quer concordem com eles ou não.
Você não pode fazer esse trabalho no lugar de ninguém. Também
não pode recuar do seu limite, porque isso iria prejudicar você e o seu
relacionamento. Assim, o que resta? Assumir a responsabilidade por
seus próprios limites; comunicá-los com linguagem clara e gentil; e
entender que o modo como alguém opta por reagir a eles não é da sua
conta nem é problema seu. Anote essas palavras num adesivo, na palma
da sua mão ou grave na memória, porque você provavelmente vai
precisar delas.
Se você estabelecer um limite e alguém reagir mal na hora, pode usar
estas frases para expressar empatia sem recuar:
“Sei que é difícil ouvir isso, mas estava me fazendo mal guardar esse
incômodo só para mim. Então é melhor que eu fale, para o bem da
nossa relação.”
“Isso é desconfortável para mim também, mas tenho me esforçado
para me comunicar melhor e expressar minhas necessidades com
mais clareza.”
“Dá para ver sua frustração, mas espero que você entenda que isso é
o melhor para mim e respeite isso.”
“Sei que você ficou triste. Vou dar tempo para você processar isso.
A gente se fala mais tarde.”
“Sei que você quer ajudar e agradeço por isso. O melhor modo de
ajudar agora é apoiar minha decisão.”
“Lamento que você queira enxergar nossa conversa desse jeito.”

Esta última é a minha predileta: você não está pedindo desculpas por
ter estabelecido um limite, mas está triste porque a pessoa optou por
enxergá-lo como um castigo ou uma maldade. (E isso certamente é mais
gentil do que dizer “Só lamento”.)
Um dia depois de Jason expor pela primeira vez seu limite quanto ao
Natal, ele e Cheryl conversaram de novo – e ela me contou que essa
conversa foi muito melhor. Ela me disse: “Fiquei remoendo o
comentário que fiz sobre ‘egoísmo’ e me senti muito mal. Sabia que
aquilo não tinha a ver comigo, e reconheci que não podia projetar nele
meus sentimentos e minhas inseguranças. Foi uma verdadeira lição, e se
eu não tivesse recebido os seus conselhos sobre limites, não teria
enxergado a situação como realmente é.”
Este é outro benefício de continuar praticando os limites de maneira
saudável: você será muito melhor em preservar uma relação quando
alguém estabelecer um limite para você.
PEDE E RECEBERÁS: ACEITANDO OS LIMITES COM
ELEGÂNCIA

Talvez você imagine que, sendo a “Moça dos Limites”, eu seja a


interlocutora perfeita quando alguém tenta estabelecer um limite para
mim, certo? Hum... nem sempre. Às vezes também fico na defensiva,
levo as coisas para o lado pessoal e me comporto mal diante do limite
estabelecido por outra pessoa. Pergunte à minha irmã.
Meu filho e eu temos visitado minha irmã, Kelly, em San Diego todo
mês de fevereiro desde que ele tinha 2 anos. Hoje em dia temos essa
rotina bem estabelecida: pegamos o avião numa sexta-feira ao meio-dia;
vamos à praia no início da tarde de sábado para catar conchas, brincar
nas ondas e construir castelos de areia; e voltamos na tarde de domingo.
No entanto, no primeiro ano em que fizemos a visita, eu presumi que
iríamos acordar cedo no sábado e partir imediatamente para a praia –
minha irmã costuma acordar cedo no meio da semana para malhar
antes do trabalho, e eu sabia que a mudança de fuso horário faria com
que meu filho, que já é madrugador, estivesse de pé às cinco horas.
Porém, quando, chegamos para aquela primeira visita na sexta-feira,
minha irmã me disse: “Tive uma semana muito longa no trabalho e
estou exausta. Gostaria de dormir até mais tarde amanhã. Vamos à praia
assim que eu me levantar?” Concordei, mas fiquei desapontada porque
ela não quis aproveitar ao máximo nosso pouco tempo juntos. “De todo
modo, ela não deve dormir até muito tarde”, pensei.
ATÉ AS ONZE! Ou seja, seis horas depois de meu filho acordar
exigindo salsicha de frango, mirtilo e praia.
Fiquei fumegando. Como assim, minha irmã não respeitava meu
tempo, sabendo que eu estava acordada entretendo um menino de 2
anos sozinha? Além disso, éramos hóspedes dela, e ela deixou que nos
virássemos sozinhos a manhã inteira. Não foi assim que nossa mãe nos
criou. E, acima de tudo, eu estava magoada. Ela não queria passar o
maior tempo possível com a gente? Só ficaríamos durante um fim de
semana. Levei o sono dela para o lado pessoal – como se ela preferisse
dormir a ficar com a gente.
Fiz basicamente o exato oposto do que quero que alguém faça
quando estabeleço um limite. Isso é embaraçoso, eu sei. Mas é natural
que as coisas desconfortáveis provoquem uma primeira reação
defensiva, e pode ser que você perceba que tem dois pesos e duas
medidas quando as pessoas estabelecem um limite para você. Talvez
você sinta que:

O seu limite faz todo o sentido, mas o da outra pessoa parece pouco
razoável.
O seu limite se concentra nas suas necessidades, mas o da outra
pessoa parece uma crítica pessoal a você.
O seu limite vai acabar melhorando o relacionamento, mas o da
outra pessoa parece meio egoísta.
O seu limite foi pensado cuidadosamente, mas o da outra pessoa
parece repentino e impulsivo.

É normal e natural ter dois pesos e duas medidas quando ainda não
se tem muita prática com os limites, mas aqui vão duas verdades.
Primeira: quanto mais você estabelecer limites para as pessoas, mais elas
se sentirão em condições de fazer o mesmo na vida delas. (Pois é, você
provoca mudanças!) É provável que, à medida que praticar seus limites,
você se pegue ouvindo mais limites também, o que é bom – significa que
as relações em todas as áreas da sua vida estão chegando a um lugar
mais sincero e saudável. Segunda verdade: quanto mais você conseguir
identificar a necessidade de estabelecer, comunicar e manter seus
próprios limites saudáveis, mais facilmente conseguirá reconhecer
quando alguém estiver fazendo a mesma coisa. Isso significa que à
medida que sua prática de limites se desenvolve, você consegue
abandonar mais rapidamente uma postura defensiva, de mágoa ou raiva,
para demonstrar mais empatia e boa vontade.
Mesmo frustrada, respeitei o pedido da minha irmã e a deixei
dormir. Não agi de modo passivo-agressivo fazendo barulho para ela
acordar mais cedo nem entrei no quarto dela às dez horas dizendo: “Já é
tarde.” No tempo e no espaço que tive para processar o que estava
sentindo, reconheci que o “egoísmo” dela era provavelmente um limite.
Eu sabia que o trabalho dela era estressante e que ela havia trabalhado
até tarde em muitas noites naquela semana. Fizemos a visita num
momento especialmente agitado para ela, mas ela insistiu em que
fôssemos de qualquer modo porque realmente queria nos ver. Ela não
estava dizendo que eu não era importante ou que não gostava da gente;
estava dizendo: “Quero recarregar as energias e passar o fim de semana
me sentindo revigorada. Se eu puder ter uma ótima noite de sono, vou
estar totalmente disponível para vocês.” (Ou pelo menos foi o que eu
disse a mim mesma numa ida matinal a uma loja de departamentos para
tentar manter meu filho entretido enquanto esperávamos.)
Como eu tinha muita prática com limites, foi mais fácil presumir que
minha irmã não estava sendo egoísta ou insensível; estava apenas
comunicando suas necessidades para otimizar o tempo que passaríamos
juntas e, em última instância, para melhorar nosso relacionamento. Mas
nem sempre é fácil discernir o que motivou outra pessoa a estabelecer
um limite.

O LIMITE DOS OUTROS É DA CONTA DOS OUTROS

A verdade é que todos nós podemos ficar na defensiva, frustrados ou


com raiva quando alguém estabelece um limite saudável para nós, e isso
pode nos levar a criar histórias na nossa cabeça sobre o que aquele limite
realmente significa. Aqui vão alguns exemplos:

O limite que a pessoa estabeleceu: “Não permito que fumem dentro da


minha casa.”
O motivo saudável por trás disso: Porque isso afeta minha saúde e minha
respiração e deixa minha casa fedendo.
O que você pode ter entendido: Ela quer que eu pare de fumar à força e está
fazendo de tudo para dificultar meu hábito.

O limite que a pessoa estabeleceu: “Não tenho condições de conversar esta


noite.”
O motivo saudável por trás disso:
Porque tive um dia difícil e minha mente
não vai conseguir processar direito esse assunto.
O que você pode ter entendido: Ele não queria que eu puxasse o assunto e
agora está se recusando a conversar só de raiva.

O limite que a pessoa estabeleceu: “Amanhã eu gostaria de dormir o


máximo possível.”
O motivo saudável por trás disso:
Porque estou morrendo de cansaço, e uma
boa noite de sono vai me deixar revigorada e de bom humor pelo resto
da sua visita.
O que você pode ter entendido: Eu vim de tão longe e ela prefere dormir a
passar mais tempo comigo.

Se você ainda não tiver muita prática, preste atenção a essas reações
bruscas quando alguém estabelece um limite para você. Seguindo a
Regra de Ouro do Relacionamento, eu gosto de esperar o melhor dos
outros: se algo me parece um limite, presumo que seja, sim, um limite
saudável, por isso não vou levar para o lado pessoal e vou respeitá-lo
pelo bem da relação. Em nove a cada dez vezes, presumir o melhor
cenário leva a resultados mais positivos, relacionamentos mais fortes e
conversas mais francas. Mas se você está lutando contra a ânsia de saber
por que a pessoa precisa estabelecer um limite, repita comigo:

O motivo que levou a pessoa a me fazer esse


pedido não é da minha conta.

Sua única responsabilidade é respeitar as necessidades dos outros,


mantendo sua integridade e preservando o relacionamento. Minha
recomendação é fazer isso, a não ser que – ou até que – os “limites” da
pessoa exijam que você abra mão da própria integridade, dos seus
valores, da sua saúde ou da sua segurança. Nem sempre é fácil avaliar
isso, e pode ser que você acabe demonstrando mais respeito do que a
situação merece, num esforço para cultivar a boa relação.
Eu mesma faço isso, até certo ponto. Mas existem, sim, alguns sinais
de que a outra pessoa está evitando, castigando ou manipulando você
com supostos “limites”. Quando noto esses alertas vermelhos, começo a
prestar mais atenção ao rumo que o relacionamento está tomando,
especialmente se eu perceber padrões como estes:

A pessoa evita você sem dar explicação: Uma coisa é dizer: “Preciso de
um tempo para processar isso. Ligo para você na semana que vem.”
Outra é dar gelo sem qualquer aviso ou não responder quando você
pede para conversar.
A pessoa impõe a você uma “regra” que não tem nada a ver com ela: Se
minha irmã tivesse dito “Provavelmente vou dormir até o meio-dia,
mas, por favor, não vá a lugar nenhum até eu acordar”, isso não
teria sido um limite saudável. Ela só estaria determinando como eu
deveria passar minha manhã.
A pessoa só impõe “limites” em retaliação aos seus: Se a única situação
em que a pessoa tenta estabelecer um “limite” para você é depois de
você estabelecer os seus ou chamar a atenção para o mau
comportamento dela, isso pode indicar que ela não quer assumir a
responsabilidade ou prefere transferir a culpa para você.
A pessoa dissimula em vez de falar com clareza: Se o “limite” da pessoa
inclui falar mal de você pelas costas, fazer fofoca sobre sua vida ou
ter qualquer outro comportamento ofensivo disfarçado de
“carinho” ou “preocupação”, isso é um alerta vermelho.
A pessoa responsabiliza você pelos sentimentos dela: Se o “limite” da
pessoa implica você fazer ou deixar de fazer alguma coisa para
preservar a estabilidade emocional dela, esse é um comportamento
controlador, não um limite saudável.

Como sempre, você só é responsável pelos próprios atos e pelo modo


como escolhe reagir. Assim, seguem algumas dicas para manter um
relacionamento saudável e preservar sua integridade diante de um limite
que pode ser saudável ou não:

SIGA A REGRA DE OURO DO RELACIONAMENTO. Você se lembra do


compromisso que firmou no Capítulo 6, de dizer o que quer dizer e
acreditar que a outra pessoa fará o mesmo? Coloque isso em prática. Se
alguém estabelecer um limite para você, presuma que é algo saudável e
que a pessoa está dizendo a verdade, e aja de acordo com isso. “Você
precisa dormir até mais tarde, não é? Obrigada por avisar. Não vou fazer
barulho de manhã para você poder descansar bastante.” Se no fim das
contas a pessoa estava sendo sarcástica quando pediu que não fosse
incomodada, provavelmente vai esperar que você fique com raiva ou
diga algo sarcástico também. Ser cortês e gentil pode desconcertar
alguém – no bom sentido! Talvez a pessoa diga: “Puxa, agradeço. Sabe,
acho que não preciso acordar tão tarde assim. Vou ajustar o despertador
para as dez horas, que tal?” De qualquer modo, é do seu interesse dar o
benefício da dúvida à outra pessoa. Ao respeitar o limite dela, você
demonstra seu comprometimento com a relação.

DIGA A SUA VERDADE TAMBÉM. Esta é a parte em que você também


precisa pensar nas suas necessidades e dizer a sua verdade de modo claro
e gentil. Se você realmente queria ir à praia logo cedo, diga: “Tudo bem,
durma o quanto quiser. Mas talvez a gente vá à praia antes de você.
Mande uma mensagem quando tiver acordado, assim a gente combina
um ponto de encontro.” Essa é uma estratégia muito melhor do que
aparentar ressentimento e passar a manhã inteira de mau humor
(acredite em mim).

REFORCE A REGRA DE OURO DO RELACIONAMENTO. Se mais tarde ficar


claro que o pedido da pessoa não era um limite saudável, mas uma
expressão de frustração e raiva, chame atenção para isso. “Ouvi dizer que
você se chateou com alguma coisa. Seria melhor ter falado comigo
ontem à noite, assim a gente teria conversado. Para mim é difícil
respeitar suas necessidades se você não me diz quais são. Da próxima vez
eu gostaria de ter uma conversa mais franca.”

PROCURE PADRÕES. Se a outra pessoa demonstra repetidamente qualquer


comportamento do tipo “alerta vermelho”, essa pode ser uma boa hora
para iniciar uma conversa franca. Descreva o que você vem observando,
como você se sente com esse padrão e dê à pessoa a oportunidade de
rever as próprias atitudes e fazer as mudanças necessárias.

ASSUMA A RESPONSABILIDADE. No fim das contas, você é responsável por


seus sentimentos e comportamentos. Se a pessoa continua se
comportando de um jeito que não lhe agrada, talvez seja hora de aceitar
que ela não está disposta ou não é capaz de respeitar o relacionamento
de vocês, e estabeleça seu limite quanto às futuras interações, para o seu
próprio bem. Independentemente do que você escolher, certifique-se de
que sua ação tem a ver com sua saúde, não com a perpetuação de um
ciclo em que cada pessoa fica castigando ou controlando a outra e
chamando isso de “limite”.

TUDO BEM SE VOCÊ SE DESAPONTAR

Quando finalmente minha irmã acordou naquela manhã, eu continuava


comprometida a respeitar seu pedido como um limite saudável, mas ao
mesmo tempo contei como estava me sentindo. Não queria esconder
meu desapontamento, mas também não queria que ela pensasse que eu
estava tentando jogar a culpa em cima dela. Quando saiu do quarto,
primeiro perguntei se ela havia dormido bem e se estava melhor. Ela
exclamou: “Dormi! Foi a melhor noite de sono que tive na semana
inteira. Obrigada por fazerem silêncio.” Contei o que tínhamos feito
naquela manhã e como meu filho estava empolgado para ir à praia. Em
seguida falei: “A princípio, fiquei chateada porque não começamos o dia
mais cedo, afinal só vamos ficar aqui até amanhã. Mas dá para ver que
você precisava de descanso, e ainda vamos ter bastante tempo na praia.”
Ela sorriu e disse: “Sei que vocês acordaram há séculos, mas agora a tia
Kelly está pronta para a diversão! Vou botar esse garoto para correr na
praia e deixar a mamãe descansando, pra variar.” Nesse momento fiquei
tão feliz que não cedi à frustração ou ao desapontamento, não a acusei
de ser egoísta nem explodi, ressentida. Acabamos passando a tarde
inteira na praia e eu tive tempo para relaxar enquanto ela e meu filho
saíam em busca da conchinha perfeita.
Quando alguém estabelece um limite para você, isso pode ser um
balde de água fria. Você pode sentir mágoa ou tristeza e deve expressar
isso. É possível reconhecer seus sentimentos e ao mesmo tempo
demonstrar respeito pelo limite da pessoa, mas há um modo certo e um
modo errado de fazer isso. Voltemos a Cheryl e às festas de fim de ano, e
imagine que você é ela. Você convida seu filho, o companheiro dele e o
bebê para três dias cheios de eventos natalinos. Mas seu filho diz que eles
querem iniciar uma tradição só deles, de modo que não vão passar todo
esse tempo com você. Como você poderia reagir?
Opção 1: “Ah, eu não esperava por isso. Estou realmente desapontada;
presumi que você me deixaria passar mais tempo com meu neto. Mas
acho que a manhã do dia 25 é melhor que nada.”
Ainda que você esteja respeitando o limite dele, essa fala mais parece
uma atribuição de culpa do que aceitação. Você começa com o
desapontamento. Seu comentário de que “presumiu” é levemente
passivo-agressivo, e você cede com relutância à proposta que ele fez de
visitá-la na manhã de Natal. É, você está respeitando o limite dele. É, está
expressando como realmente se sente. Mas esse não é o modo mais
gentil de fazer isso, e seu filho provavelmente vai achar que você está
tentando pressioná-lo a mudar os planos.
Opção 2: “Entendo, é o primeiro Natal de vocês juntos! Vou sentir
falta de passar o dia inteiro com vocês, mas tê-los aqui vai tornar a
manhã do dia 25 muito mais especial.”
Nessa resposta você primeiro reconhece e respeita o limite. Não está
pressionando seu filho a mudar de ideia, porque a primeira coisa que
você diz é: “Entendi seu limite e o respeito.” Em seguida exprime como
se sente, ao mesmo tempo que assume a responsabilidade por seus
sentimentos. Você não está jogando suas emoções no colo do seu filho,
esperando que ele conserte a situação. Em vez disso está reconhecendo
que o tempo que passam juntos é especial e se comprometendo a
aproveitá-lo ao máximo. Quando age dessa maneira, você respeita mais
diretamente o limite dele e o relacionamento de vocês.
Para expressar de modo saudável seus sentimentos e respeitar um
limite:

Primeiro respeite o limite. Depois expresse seus


sentimentos e assuma a responsabilidade por
eles.

Foi exatamente isso que fiz quando minha irmã acordou: perguntei
se ela havia dormido bem e como se sentia, expressei meus sentimentos
de tristeza bastante verdadeiros porque não teríamos muito tempo
juntas, depois assumi a responsabilidade pelos meus sentimentos,
comprometendo-me a aproveitar ao máximo o que restava do dia.
ROTEIROS PARA REAGIR AOS LIMITES ESTABELECIDOS
PELOS OUTROS

Agora vamos pegar alguns roteiros deste livro e virá-los do avesso,


demonstrando como você poderia reagir se os limites estivessem sendo
estabelecidos para você.

Tivemos um bebê e vou voltar a trabalhar. Preciso que meu cônjuge (você)
acorde mais cedo para dividir as responsabilidades de tudo o que deve ser feito
de manhã. Como posso abordar isso? (Ver o Capítulo 6.)

O LIMITE QUE A PESSOA ESTABELECEU: “Na semana que vem preciso


que você cuide da neném das 6h às 6h30 enquanto eu me arrumo
para o trabalho.”
SUA RESPOSTA: “Tudo bem, vou adiantar meu despertador em
quinze minutos só para garantir. Esse período tem sido um pouco
estressante para mim, então vou dizer no trabalho que preciso de
uma rotina de reuniões mais leve enquanto me ajusto. Como você
está se sentindo?”

Primeiro garanta à pessoa que, para você, está tudo realmente bem.
Depois diga como está se sentindo – melhor ainda se você perguntar
como a pessoa se sente também. Bônus: continue administrando a
situação com “Vamos conversar melhor no sábado para estabelecer um
padrão de rotina, assim você pode acrescentar qualquer coisa que eu
esteja esquecendo. Quero que sua primeira semana de volta ao
trabalho seja o menos estressante possível.”

Meu companheiro (você) chega do trabalho e na mesma hora já começa a falar


sobre as piores coisas que aconteceram naquele dia. O trabalho dele é
estressante, eu sei, mas também acabei de chegar em casa e isso me estressa
ainda mais, quando na verdade eu deveria estar relaxando. Me ajude. (Ver o
Capítulo 6.)
O LIMITE QUE A PESSOA ESTABELECEU: “Estou uma pilha e não vou
conseguir lidar com seus desabafos agora. Será que podemos passar
esta noite sem falar de trabalho?”
SUA RESPOSTA: “Claro. Por que não aproveita para fazer algo
relaxante? Eu estou realmente bufando e preciso me abrir com
alguém, então vou ligar para o meu irmão. Mais tarde falo com
você.”

Belo trabalho em validar os sentimentos da outra pessoa – e


compartilhar os seus. Se você realmente precisa conversar com alguém,
procure outra companhia! Se ainda quiser compartilhar esse assunto
com a pessoa amada, espere o dia seguinte e então diga: “Estou me
sentindo melhor em relação ao trabalho, mesmo assim queria contar a
você o que tem acontecido. Avise quando for uma boa hora.”

Meus sogros (entre eles, você) vivem se convidando para nossas férias de
família. Estamos planejando nossa próxima viagem e eu gostaria de resolver
logo isso. Como posso dizer com gentileza “Vocês não foram convidados”? (Ver
o Capítulo 4.)

O LIMITE QUE A PESSOA ESTABELECEU: “Não, dessa vez vocês não


podem ir com a gente. Queremos dar mais atenção às crianças e
prometemos que iríamos só nós quatro.”
SUA RESPOSTA: “Entendo perfeitamente. Com certeza vocês vão criar
lembranças lindas juntos. Será que a gente pode fazer uma chamada
de vídeo com as crianças antes de vocês irem?”

Aqui você está respeitando claramente o limite deles em relação às


férias sem nenhuma pressão de planejar outra viagem ou visitá-los em
outra ocasião – parabéns! Se ainda quiser planejar uma viagem com
eles ou com as crianças, fale sobre isso em outra ocasião, mas dê a eles
a chance de negar; por exemplo: “Se for muito difícil administrar as
férias com tanta gente, por favor, diga, e paramos de pedir.”

A mesma estratégia se aplica se você quiser fazer uma pergunta


esclarecedora ao mesmo tempo que respeita o limite da outra pessoa;
por exemplo, pedindo que ela conte mais sobre como está se sentindo, o
que está passando ou como você pode melhorar a dinâmica daqui para a
frente. Em primeiro lugar, você deve respeitar o limite, depois perguntar
se a pessoa está disposta a falar mais de modo a melhorar a relação de
vocês e o seu entendimento da situação. Aqui vai um exemplo tirado do
Capítulo 9, sobre temas sensíveis:

Tenho um problema de saúde crônico, e com isso vivo recebendo conselhos não
solicitados sobre experimentar algum tratamento, alguma dieta ou me curar
com “pensamentos positivos”. As pessoas (entre elas, você) são bem-
intencionadas, mas só me estressam ainda mais. Preciso ter respostas na ponta
da língua para a próxima vez que isso acontecer. (Ver o Capítulo 9.)

O LIMITE QUE A PESSOA ESTABELECEU: “Agradeço, mas no momento


não estou buscando alternativas além do tratamento da minha
equipe médica.”
SUA RESPOSTA: “Entendo – desculpe por ter dado um conselho não
solicitado. Não vai acontecer de novo. Se futuramente você quiser, eu
gostaria de saber como posso ajudar. Eu poderia trazer comida, fazer
compras para você ou levar as crianças ao cinema no domingo. Ou
só escutar. Se quiser alguma dessas coisas, estarei aqui.”

Excelente trabalho, reconhecendo o erro e garantindo à pessoa que você


entendeu o lado dela. Perguntar como você poderia ajudar é um ótimo
gesto, melhor ainda se você oferecer algumas sugestões concretas.

Outra tática que demonstra consideração é simplesmente respeitar o


limite na hora e guardar as perguntas para depois, quando a situação for
mais propícia e a outra pessoa demonstrar mais abertura. Aceitar o
limite e imediatamente mudar de assunto pode ser um alívio para quem
o estabeleceu, deixando mais claro ainda que sua única intenção é
colaborar. Se você sentir que a outra pessoa está na defensiva, abalada ou
chateada, deixe a conversa para outra ocasião e se certifique de iniciá-la
assim: “Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre o melhor modo de
demonstrar meu apoio. Avise quando estiver disponível, por favor.”

ABORDAGENS PREVENTIVAS
À medida que você ficar mais confortável estabelecendo limites, pode ir
tomando a iniciativa e indagando preventivamente sobre a disponibilidade, o
tempo ou as necessidades da outra pessoa, de modo que ela não precise
estabelecer limites para você. Pode ser assim:

“Tive um dia difícil no trabalho – você me ouviria desabafar por cinco


minutos?”
“Foi um fim de semana longo com as crianças – quer ficar sozinha por
algum tempo esta noite?”
“Eu adoraria entrevistar você para o meu próximo artigo. Vou precisar
disso até sexta-feira, no máximo. Então me avise, por favor, se não tiver
disponibilidade ou se não achar uma boa ideia.”
“Vou ficar uma semana com você enquanto visito a cidade, mas vou
passar três noites na casa de uma amiga para que a gente tenha um
pouco de espaço. Está bem assim?”
“Vamos dar uma festa neste sábado. Se fizermos muito barulho, por favor
ligue para mim neste número – vamos baixar o som depois das dez.”
“Prazer em conhecer você, finalmente! Posso lhe dar um abraço ou prefere
um aperto de mãos?”

Minha irmã e eu ficamos especialmente boas nisso. Ela costuma me mandar


uma mensagem dizendo: “Preciso desabafar. Você não precisa fazer nada, só
me ouvir e de vez em quando concordar que essa situação é muito doida.
Está com tempo?” Esse tipo de gentileza tende a parecer uma consequência
natural da sua prática de limites, e o hábito de perguntar antes pode se
estender rapidamente pelos seus círculos sociais – o que é um bônus!
Existe outra Regra de Ouro (certo, acho que é A Regra de Ouro) que
também se aplica lindamente aqui:

Trate os outros como gostaria que tratassem


você.

Se não souber como reagir ao limite de outra pessoa, pergunte a si


mesmo: “Como eu gostaria que essa conversa acontecesse se a situação
fosse inversa?” Você esperaria que a outra pessoa lhe desse o benefício
da dúvida, respeitasse o seu limite e expressasse os próprios sentimentos
sem se vitimizar ou pressionar você a mudar de ideia? Aposto que sim.
Então respire fundo, pense nessas lições e aja com elegância.

PARA AMAR OS LIMITES QUE LIBERTAM VOCÊ

Recentemente fiz uma pesquisa sobre esse assunto na minha


comunidade e perguntei: “Agora que você está estabelecendo e
mantendo seus limites com mais facilidade, como isso mudou o modo
como você reage ao limite de alguém?” Os resultados foram
extremamente positivos e muito semelhantes:

“Agora lido com isso de um jeito totalmente diferente! Ouço o que a


pessoa diz e faço o que ela pede em vez de tentar impor minha
vontade ou ficar na defensiva.”
“Agora que me sinto mais confiante para estabelecer meus limites,
consigo reconhecê-los mais rapidamente quando são estabelecidos
comigo, e me tornei muito melhor em respeitá-los.”
“Isso me ajudou a não levar os limites dos outros para o lado
pessoal. Agora reconheço que os limites têm a ver com quem os
estabelece e com as necessidades dessa pessoa, não comigo.”
“Não enxergo mais os limites como um sinal de egoísmo – nem os
meus nem os dos outros.”
“Ouvir o limite de alguém faz com que eu valorize mais nossa
relação, porque a pessoa está me dizendo exatamente do que
precisa para se sentir apoiada e protegida.”
“Quando estabelecem um limite para mim, acho isso
tranquilizador. Sei que a pessoa vai me dizer do que precisa e vai
me avisar se eu, sem querer, passar do ponto.”
“Passei a adorar quando alguém estabelece um limite para mim,
porque isso fortalece a relação e mostra que a pessoa quer me
manter na vida dela.”
“Agora me pego tomando a iniciativa e perguntando: ‘Você precisa
de um conselho, ou de um ombro amigo?’ Parei de dar conselhos
não solicitados, o que reduz muito a necessidade de os outros
estabelecerem limites para mim.”
“Agora acho ótimo quando ouço alguém estabelecer um limite,
mesmo que seja para mim!”

Sua prática de estabelecer e manter limites é como uma pedra jogada


no lago: provoca ondulações positivas que se espalham para todas as
áreas da sua vida. Ao estabelecer seus limites com uma linguagem clara e
gentil, mantê-los e respeitar os dos outros, você fica mais confiante para
identificar suas necessidades e pedir que os outros as respeitem. Isso
melhora todos os seus relacionamentos e ajuda você a preservar sua
energia, seu tempo e sua saúde. Sua prática de limites empodera os
outros e mostra que eles podem estabelecer e manter os próprios limites,
com o mesmo tipo de linguagem clara e gentil que ouviram você usar.
Isso melhora os relacionamentos e a vida deles como um todo. Com isso,
todo mundo à sua volta se torna melhor em proteger os limites ou, no
mínimo, em reconhecê-los. Isso faz com que todos sejam mais rápidos
em respeitar um pedido e tenham menos chance de levar as coisas para
o lado pessoal ou ficar na defensiva. Agora todos estão estabelecendo
regras saudáveis, respeitando as necessidades uns dos outros e
desfrutando da liberdade que resulta de seu mais novo compromisso
com os limites.
A Moça dos Limites está orgulhosa de você.
CAPÍTULO 12

A magia dos limites

C
ontei muitas histórias minhas neste livro e achei adequado
terminar com mais uma. Quero contar algo que não foi
empolgante ou incomum – na verdade, foi a coisa mais normal
do mundo, e é aí que está a magia.
Nossa semana com meu filho começou na segunda-feira, depois da
escola. Eu sabia que tinha pela frente uma semana de trabalho bastante
cheia, por isso decidi ir para cama ainda mais cedo naquela noite. Meu
marido e eu adoramos Top chef e eu estava empolgada para ver o que
aconteceria na Guerra de Restaurantes, mas também queria malhar no
dia seguinte bem cedo, por isso fui para cama logo depois que meu filho
dormiu, às oito da noite. Você deveria experimentar isso de vez em
quando: é glorioso.
Na terça-feira fui para a academia cedinho e comecei o dia me
sentindo energizada. No fim daquela tarde uma amiga me mandou um
e-mail perguntando se eu poderia divulgar o Kickstarter do seu novo
projeto no meu perfil do Instagram. Respondi, muito empolgada, que
fazia anos que ouvia falar daquele projeto, que estava doida para vê-lo
sair do papel e, claro, disse que ajudaria. Expliquei que não divulgo
angariações de fundos nas redes sociais, mas me ofereci para marcar
uma live no Instagram com ela para promover o empreendimento e fiz
uma contribuição pessoal. Marcamos a live para a semana seguinte, para
que eu tivesse tempo de preparar tudo confortavelmente.
Na quarta-feira recebi um convite inesperado para fazer uma
palestra no curso de Alimentação, Saúde e Tecnologia de uma
universidade importante. (Era Stanford; falo mesmo.) Eu conhecia a
professora do curso e fiquei lisonjeada porque ela queria que eu fizesse a
apresentação, mas eu já estava com a agenda lotada no trabalho e não
poderia preparar uma palestra e um PowerPoint a tempo. Disse a ela que
adoraria aceitar, expliquei que meus compromissos profissionais
estavam no limite e ofereci alternativas para poder encaixar a palestra na
minha agenda. Combinamos que faríamos uma discussão livre, com os
alunos mandando as perguntas com antecedência e sem necessidade de
slides – um formato que eles já haviam usado com sucesso no curso.
(Spoiler: tudo correu tão bem que eu mal resisti à tentação de
acrescentar “professora em Stanford” na minha biografia no LinkedIn.)
Na quinta-feira minha manicure (com quem faço unha há anos) me
mandou uma mensagem dizendo que estava com uma folga na agenda e
perguntando se eu poderia ir meia hora mais cedo (eu tinha marcado
para o meio-dia). Ela sabe que eu tenho um horário flexível, mas aquela
meia hora estava reservada para o almoço, já que o restante do meu dia
estava lotado com reuniões pelo Zoom. Respondi rapidamente que não
podia, mas confirmei que estaria lá ao meio-dia já com o esmalte
escolhido, para não perdermos tempo.
Naquele fim de semana meu filho teve sua primeira competição de
escalada. Fomos torcer por ele, mas durante um intervalo eu saí para
postar um conteúdo patrocinado no Instagram, que já estava
programado. Uma hora depois recebi uma mensagem do patrocinador
fazendo algumas perguntas sobre a audiência daquele conteúdo.
Respondi imediatamente: “Neste fim de semana estou com minha
família, mas podemos nos falar na segunda-feira.” Ele me respondeu
com um rápido “Tenha um bom fim de semana” e eu retornei ao evento,
e lá esperamos quatro horas para assistir a quatro minutos de escalada –
essa é a vida de uma mãe de atleta.
Na manhã de domingo meu ex-marido me mandou uma mensagem
pedindo que conversássemos sobre uma questão específica do dia a dia
do nosso filho na minha casa. Para ser sincera, eu não sabia se aquela
conversa seria razoável; a gente não fica controlando o que acontece na
casa do outro, e aquilo me parecia um pouco excessivo. Depois de
pensar durante algumas horas, digitei de volta: “Quero ser uma boa mãe
e ouvir suas preocupações, mas também quero lembrar que a gente não
fica microgerenciando o que acontece na casa do outro. Por que você
não manda suas ideias por e-mail? Prometo refletir a respeito.” Isso me
pareceu um meio-termo razoável.
Ainda no domingo, no fim da tarde, me peguei olhando
distraidamente os e-mails e verificando as DMs no Instagram, o que já
estava me estressando, então decidi largar o celular e curtir nossa última
noite com meu filho. Terminamos a semana de modo fantástico com um
passeio com nosso cachorro, Henry, uma pizza sem glúten com
pepperoni extra e um filme de Guerra nas estrelas.
Na segunda-feira de manhã deixei meu filho na escola e voltei para
casa para começar logo as atividades, sabendo que tinha a semana de
“folga” dos meus deveres de mãe para ficar em dia com o trabalho, o
sono, a escrita e, claro, a Guerra de Restaurantes.

A VIDA COM LIMITES

Conseguiu captar todos os limites que estabeleci no decorrer daquela


semana muito normal? Aposto que sim – ou pelo menos a maioria deles.
(Um bônus se você captou os limites para mim mesma!) Mas primeiro
vamos ver como minha semana aconteceria sem esses limites:

Fico até tarde assistindo a Top chef com meu marido e na manhã
seguinte falto à academia porque estou cansada demais para me
levantar cedo. Minha semana começa com o pé esquerdo e estou
muito irritada por causa disso.
Passo três dias ignorando o pedido da minha amiga porque não
quero dizer “não”, mas sei que se eu divulgar o Kickstarter dela, vou
receber uma enxurrada de pedidos de outras pessoas. Ela me
manda outro e-mail e eu sinto tanta culpa que no fim das contas
acabo divulgando o Kickstarter, mas em segredo fico com raiva dela
por ter me colocado nessa situação. E não acompanho as postagens
para ver o que aconteceu, o que também me deixa péssima.
Digo “sim” a Stanford (“Tudo o que você quiser eu providencio!”) e
me enrolo toda para acrescentar uma palestra com slides à minha
semana já atolada, o que leva a mais esgotamento, menos sono e
muito mais irritação. A palestra é boa, mas eu sei que poderia ter
sido melhor.
Deixo de almoçar para me ajustar à agenda da minha manicure e
passo o resto do dia com raiva dela, com raiva de mim mesma e
faminta porque minha tarde está completamente lotada de
compromissos. Por que faço isso comigo?
Perco os dois melhores percursos de escalada do meu filho porque
fico pesquisando as estatísticas do Instagram para responder às
perguntas do meu patrocinador num sábado; afinal, talvez ele não
queira trabalhar comigo de novo se eu não responder
imediatamente. (Não paro para refletir se esse é o tipo de empresa
com a qual eu quero trabalhar.) Me sinto uma mãe terrível e estou
frustrada porque o trabalho sempre parece se infiltrar na minha
vida pessoal.
Fico remoendo o dia inteiro o pedido do meu ex. Como estou tão
cansada e irritada, respondo com alguma frase arrogante, o que, é
claro, o deixa confuso e chateado. Passo o resto da noite
desabafando com qualquer pessoa que queira ouvir como estou
cansada, esgotada e irritada nesta semana. A pizza chega fria.
Fico acordada até tarde lendo e-mails, olhando o Instagram e
assistindo à Netflix, e começo a semana faltando (de novo) à
academia porque estou simplesmente exausta.
A pizza é só uma coincidência ou os limites melhoram tudo? Deixo
que você tire as próprias conclusões. Não vou supor que você esteja
passando por uma situação parecida, mas se isso lhe parecer familiar,
fico feliz por você ter encontrado este livro e agora poder praticar
melhor seus limites. Você não precisa viver assim! A esta altura, já sabe
que alguns limites expressados com clareza e gentileza podem ajudar a
preservar sua energia, seu tempo e sua saúde mental, além de reduzir ou
eliminar todas essas fontes de frustração, raiva, mágoa e esgotamento.
Quer ver como pode ser o seu futuro? Eis como foi minha semana
depois de eu ter aplicado, confiante, esses limites claros e gentis de um
modo que atendeu à minha saúde, à minha felicidade e às minhas
necessidades:

Pude respeitar meus compromissos de saúde estabelecendo para


mim mesma o limite de “ir para cama cedo”, dormindo o suficiente
para me manter saudável e começando a semana me sentindo bem-
disposta e energizada.
Apoiei o projeto da minha amiga sem comprometer minha
integridade nem violar meus limites em relação às redes sociais, o
que a ajudou a ter sucesso e reforçou nosso relacionamento.
Consegui fazer uma palestra em STANFORD sem me exaurir nem
deixar outros projetos de lado. Pelo modo como lidei com aquele
pedido, a professora do curso agora sabe que eu sempre direi o que
penso e cumprirei com o prometido, o que é bom para
colaborações futuras.
Cuidei de mim mesma almoçando em vez de me sentir forçada a
atender a agenda de outra pessoa, o que me deu energia e foco para
o restante do dia e reafirmou que sou digna de me priorizar.
Marquei presença e pude ver meu filho competir em vez de ser
arrastada para uma conversa de trabalho em pleno sábado. Todo
esse limite demorou dez segundos para ser estabelecido, e eu nem
pensei de novo nele até a manhã de segunda-feira – e o modo como
esse patrocinador reagiu reafirmou que aquela era uma boa marca
para firmar parceria.
Lidei com meu ex-marido do modo mais saudável possível (para
mim), estabelecendo para mim mesma o limite de só responder
quando soubesse como me sentia em relação ao pedido dele. Mais
tarde pude responder de um modo que parecia alinhado aos meus
valores, considerando ainda o que era melhor para o meu filho.
Reconheci que minha relação com o celular estava estragando o fim
do meu dia e estabeleci para mim mesma o limite de deixá-lo de
lado, o que me permitiu relaxar, curtir a noite e ir para cama cedo...
de novo.

Você também pode ser assim! Você vai ser assim, se pegar todas as
coisas que aprendeu sobre limites e começar a aplicá-las no mundo real.
Não precisa fazer tudo de uma vez. Não precisa começar com perfeição.
Nem precisa começar com os limites mais difíceis – mas parabéns para
quem se jogar de cabeça agora mesmo. Você só precisa reconhecer a
necessidade de um limite, respirar fundo e usar as palavras claras e
gentis que estivemos treinando.
Ajudei milhares de pessoas a fazer exatamente isso ao longo dos anos
e ouvi como a prática de limites mudou a vida delas de maneiras
inesperadas. Quando você estabelece um limite com sucesso numa área
da sua vida, isso lhe dá confiança para estabelecer limites em outras
áreas também. Quando você vê os seus relacionamentos melhorarem,
isso reafirma que os limites não são egoístas – são atos de gentileza,
projetados com o amor que você sente pelas pessoas e por você. Quando
você passa seus dias sentindo uma conexão mais íntima com quem você
é e com suas necessidades, começa a acreditar que tem, sim, o direito de
se colocar em primeiro plano. E quando você começa a se apresentar em
todos os lugares com mais confiança, energia, habilidade e elegância...
tudo na sua vida muda para melhor.
Porque você mudou sua vida para melhor usando limites.
Agradecimentos

H
á dois anos acordei no meio da noite com uma proposta de
livro totalmente formada na cabeça. Na manhã seguinte
mandei uma mensagem para minha agente: “Escuta, tive uma
ideia louca no meio da noite e pensei em mandá-la para você: quero
escrever um livro sobre limites.” Hoje preciso agradecer a um monte de
pessoas.
À minha agente, Christy Fletcher. Você sempre esteve do meu lado. E
seu apoio a este projeto, enquanto ele ia ganhando forma e crescendo,
fez toda a diferença. Dizer “Muito obrigada” não é o bastante.
A Sarah Fuentes, Melissa Chinchillo e Yona Levin, da Fletcher & Co.
Agradeço demais a todas vocês e estou empolgada com todos os projetos
que temos pela frente.
À minha editora na Dial Press, Whitney Frick. Você entendeu com
muita clareza a visão deste livro, e eu não o teria produzido sem sua
motivação e seus conselhos. Escrevê-lo foi mais difícil do que eu
imaginava, mas eu sabia que chegaríamos lá porque você me disse que
chegaríamos. Foi um prazer e uma alegria, e agradeço às minhas estrelas
da sorte por você ter me escolhido.
À minha editora associada na Dial Press, Rose Fox. Conheci você
através de suas edições no texto e soube imediatamente que você me
ajudaria. Você é uma pessoa incrível, dona de uma inteligência absurda
– que bom tê-la na minha equipe!
À equipe da Dial Press: Avideh Bashirrad, Brianne Sperber, Debbie
Aroff, Sarah Breivogel, Maria Braeckel, Loren Noveck, Debbie
Glasserman, Chris Brand e Donna Cheng. É uma honra e uma alegria
ser escritora desse selo. Obrigada por acreditarem em mim e por terem
trabalhado tão arduamente para trazer este livro à vida de modo tão
lindo.
A Andrea Magyar e Suzanne Dunbar, da Penguin Canada. Obrigada
pelo apoio constante e pela fé em mim. Sinto um orgulho enorme de
publicar este livro no Canadá com a ajuda de vocês.
A Victoria Hobbs, da A. M. Heath, e Susanna Abbott, da Ebury
Press. Estou muito animada por ter iniciado esta nossa parceria.
Obrigada por acreditarem em mim.
A Leslie Goldman. Adoro trabalhar com você. Você corrigiu minhas
besteiras, injetou humor exatamente nos lugares certos e deu um
polimento geral com elegância e precisão. Seja abençoada para sempre.
A Allyson Bird, Nora McInerny, Josh Jenkins, Olivia Myers e
Romaissaa Benzizoune. Obrigada por me emprestarem seu talento e seu
conhecimento para este livro. Estas páginas são mais fortes graças à
colaboração de vocês, e sou grata por isso.
A Brené Brown. Você me inspira em todos os sentidos, e seu impacto
na minha vida e no meu trabalho é imensurável. Obrigada por suas
palavras e seus presentes.
A Gretchen Rubin. Você era uma das poucas pessoas que eu
idolatrava há uma década – e agora somos amigas, razão pela qual me
belisco de vez em quando. Obrigada por seu apoio, sua generosidade e
sua gentileza.
A toda a minha equipe do Whole30. Obrigada por assumirem as
rédeas do projeto e me darem o tempo e o espaço de que eu precisava
para escrever este livro. Sou abençoada por trabalhar com um grupo tão
talentoso, empenhado e apaixonado.
A Erica, especialmente. Você tem sido minha maior torcedora em
todo esse processo, e criou o cenário perfeito para que pudéssemos
realizar nosso potencial e nossos sonhos. Obrigada por estar comigo.
Ao meu marido, que com tanta generosidade me deixa contar
qualquer história que eu queira, desde que seja para ajudar as pessoas.
Tiramos a sorte grande, e estarei sempre no time dele.
À minha irmã, que riu comigo de tantas histórias compartilhadas e
me ajudou a praticar meus limites por mais tempo do que qualquer
outra pessoa. Eu te amo.
A Nate, que sempre será meu ex-namorado predileto.
A James. Você ainda tem um lugar especial no meu coração, ainda
que eu seja péssima com mensagens de texto.
Ao meu filho. Tudo é para você, sempre.
A cada pessoa que compartilhou seus relatos sobre limites ou que me
mandou perguntas pelas redes sociais e por e-mail: este livro é para
vocês. Em toda a minha vida nunca tive uma ideia que não começasse
com minha comunidade, e este livro só existe graças à sua generosidade,
ao seu apoio e ao seu encorajamento. Serei eternamente grata e jamais
deixarei de apoiar vocês de todas as maneiras que eu puder. Obrigada.
Notas / Referências

CAPÍTULO 1: UM CURSO INTENSIVO SOBRE LIMITES

1. BROWN, Brené. A coragem para liderar: trabalho duro, conversas


difíceis, corações plenos. Rio de Janeiro: BestSeller, 2019.

CAPÍTULO 3: O VERDADEIRO EQUILÍBRIO ENTRE TRABALHO E VIDA


PESSOAL

2. LUNA, Joshua A. “The Toxic Effects of Branding Your Workplace a


‘Family’”. Harvard Business Review, 27 de outubro de 2021.
Disponível em: hbr.org/2021/10/the-toxic-effects-of-branding-your-
workplace-a-family.

CAPÍTULO 6: AMOR, CASAMENTO, SEXO E LOUÇA

3. HESS, Cynthia; AHMED, Tanima; PHIL, M.; HAYES, Jeff.


“Providing Unpaid Household and Care Work in the United States:
Uncovering Inequality”. Institute for Women’s Policy Research, janeiro
de 2020. Disponível em: iwpr.org/wp-
content/uploads/2020/01/IWPR-Providing-Unpaid-Household-and-
Care-Work-in-the-United-States-Uncovering-Inequality.pdf.
4. GATTUSO, Reina. “Why LGBTQ Couples Split Household Tasks
More Equally”. BBC, 10 de março de 2021. Disponível em:
www.bbc.com/worklife/article/20210309-why-lgbtq-couples-split-
household-tasks-more-equally.

5. RODSKY, Eve. O método Fair Play para divisão de tarefas domésticas.


Rio de Janeiro: BestSeller, 2020.

6. ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para


aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora,
2021.
7. FREDERICK, David A.; ST. JOHN, H. Kate; GARCIA, Justin R.;
LLOYD, Elisabeth A. “Differences in Orgasm Frequency Among
Gay, Lesbian, Bisexual, and Heterosexual Men and Women in a U.S.
National Sample”. Archives of Sexual Behavior, v. 47, n. 1, p. 273-288,
2018.
8. NAGOSKI, Emily. A revolução do prazer: como a ciência pode levar
você ao orgasmo. Rio de Janeiro: Guarda-Chuva, 2018.

CAPÍTULO 8: TUDO EM PRATOS LIMPOS

9. HARRIS, Jennifer L.; FRAZIER III, Willie; KUMANYIKA, Shiriki;


RAMIREZ, Amelie G. “Increasing Disparities in Unhealthy Food
Advertising Targeted to Hispanic and Black Youth”. UConn Rudd
Center for Food Policy and Health, janeiro de 2019. Disponível em:
uconnruddcenter.org/wp-
content/uploads/sites/2909/2020/09/TargetedMarketingReport2019.
pdf.
10. “Advertising Spending of the Distilled Spirits Industry in the United
States in 2019, by Medium”. Statista, 2 de novembro de 2021.
Disponível em: statista.com/statistics/259642/advertising-spending-
of-the-distilled-spirit-industry-in-the-us-by-medium. “Advertising
Spending of Selected Beer Manufacturers in the United States in
2020”. Statista, 8 de novembro de 2021. Disponível em:
statista.com/statistics/264998/ad-spend-of-selected-beer-
manufacturers-in-the-us.

11. ROBINSON, Eric; THOMAS, Jason; AVEYARD, Paul; HIGGS,


Suzanne. “What Everyone Else Is Eating: A Systematic Review and
Meta-Analysis of the Effect of Informational Eating Norms on
Eating Behavior”. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v.
114, n. 3, p. 414-429, 2014.

12. HAWKINS, Lily K.; FARROW, Claire; THOMAS, Jason M. “Do


Perceived Norms of Social Media Users’ Eating Habits and
Preferences Predict Our Own Food Consumption and BMI?”.
Appetite, v. 149, p. 104611, 2020.

CAPÍTULO 9: O IMPACTO DAS PALAVRAS

13. “The 5Ds of Bystander Intervention”. Right to Be. Disponível em:


righttobe.org/guides/bystander-intervention-training.

CAPÍTULO 10: PRESENTES PARA SEU EU FUTURO

14. RUBIN, Gretchen. The Four Tendencies: The Indispensable Personality


Profiles That Reveal How to Make Your Life Better (And Other People’s
Lives Better, Too). Nova York: Harmony Books, 2017.

15. FOGG, BJ. Micro-hábitos: pequenas mudanças que mudam tudo. Rio
de Janeiro: Harper Collins, 2020.
Sobre a autora

Melissa Urban é cofundadora e CEO do Whole30 e uma autoridade


quando o assunto é ajudar pessoas a criar hábitos de saúde para toda a
vida. É autora de seis best-sellers do The New York Times (entre eles 30
dias para mudar – Whole30, que esteve em primeiro lugar na lista,
também publicado pela Sextante) e já foi destaque no Today, no Good
Morning America, no The New York Times, no The Wall Street Journal e
na CNBC. Mora com o marido, o filho e um poodle chamado Henry em
Salt Lake City, Utah.

melissau.com
Instagram: @melissau
Twitter: @melissa_urban
TikTok: @melissa_u

Para agendar palestras com Melissa Urban, por favor entre em


contato com o Penguin Random House Speakers Bureau em
[email protected].
CONHEÇA ALGUNS DESTAQUES DE NOSSO CATÁLOGO

Augusto Cury: Você é insubstituível (2,8 milhões de livros vendidos), Nunca desista de
seus sonhos (2,7 milhões de livros vendidos) e O médico da emoção
Dale Carnegie: Como fazer amigos e influenciar pessoas (16 milhões de livros
vendidos) e Como evitar preocupações e começar a viver
Brené Brown: A coragem de ser imperfeito – Como aceitar a própria vulnerabilidade e
vencer a vergonha (600 mil livros vendidos)
T. Harv Eker: Os segredos da mente milionária (2 milhões de livros vendidos)
Gustavo Cerbasi: Casais inteligentes enriquecem juntos (1,2 milhão de livros vendidos)
e Como organizar sua vida financeira
Greg McKeown: Essencialismo – A disciplinada busca por menos (400 mil livros
vendidos) e Sem esforço – Torne mais fácil o que é mais importante
Haemin Sunim: As coisas que você só vê quando desacelera (450 mil livros vendidos) e
Amor pelas coisas imperfeitas
Ana Claudia Quintana Arantes: A morte é um dia que vale a pena viver (400 mil livros
vendidos) e Pra vida toda valer a pena viver
Ichiro Kishimi e Fumitake Koga: A coragem de não agradar – Como se libertar da
opinião dos outros (200 mil livros vendidos)
Simon Sinek: Comece pelo porquê (200 mil livros vendidos) e O jogo infinito
Robert B. Cialdini: As armas da persuasão (350 mil livros vendidos)
Eckhart Tolle: O poder do agora (1,2 milhão de livros vendidos)
Edith Eva Eger: A bailarina de Auschwitz (600 mil livros vendidos)
Cristina Núñez Pereira e Rafael R. Valcárcel: Emocionário – Um guia lúdico para lidar
com as emoções (800 mil livros vendidos)
Nizan Guanaes e Arthur Guerra: Você aguenta ser feliz? – Como cuidar da saúde
mental e física para ter qualidade de vida
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