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A educação em Moçambique: tempos e trajectos

Article in Revista Educação e Políticas em Debate · December 2023


DOI: 10.14393/REPOD-v13n1a2024-68353

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Itélio Joana Muchisse


Universidade Católica de Moçambique
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A educação em Moçambique: tempos e trajectos

The education in Mozambique: times and trajectories

La educación en Mozambique: tiempos y trayectorias

Itélio Joana Muchisse 1


Universidade Católica de Moçambique / Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Joaquim Mulamula Sabino Mbanguine 2


Escola Secundária de Mavila

Adelino Esteves Tomás3


Universidade Save

Resumo: O presente artigo remete para dois conceitos fulcrais mobilizados para a análise
do devir socio-histórico do Sistema Nacional de Educação (SNE) no tempo e espaço
territorial moçambicano. Trata-se dos conceitos de “historiografia” e “ideologia”. Numa
primeira fase, discute-se o conceito de historiografia, no sentido de se aferir o seu papel
no processo de aparecimento, evolução e apropriação do SNE pela sociedade
moçambicana, pois a sua discussão na esfera da educação contribui para conhecer em
profundidade os sucessos, fracassos e adversidades ocorridas nos di ferentes momentos
da história. Entretanto, na última fase, debate-se sobre o conceito de ideologia. Ao fazer-
se tal pretendeu-se associar a educação à ideologia, esta última enquanto mecanismo de
legitimação social, política e cultural. Assim, foi discutido o processo educativo em
diferentes épocas da história de Moçambique, no esforço de demonstrar que em qualquer
uma dessas épocas o processo educativo esteve imbuído de uma forte componente
ideológica. A principal conclusão a que chegámos é que a historiografia é um campo do
saber que pode contribuir, através do currículo escolar, para a orientação político -
ideológica dos moçambicanos.

Palavras-chave: Moçambique; Educação; Historiografia; Desenvolvimento.

Abstract: This article refers to two key concepts used to analyse the socio-historical
development of the National Education System in the Mozambican time and territorial
context. These concepts are “historiography” and “ideology.” In the first phase, the
concept of historiography is discussed to assess its role in the emergence, evolution, and
appropriation of the National Education System by Mozambican society. Discussing
historiography in the realm of education contributes to a deep understanding of the

1 Licenciado em Ensino de História com Habilitações em Ensino de Filosofia pela Universidade Save.
Universidade Católica de Moçambique (Mestrando em Direitos Humanos, Justiça e Paz) / Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia (Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação),
Maxixe, Inhambane, Moçambique. E-mail: [email protected]; Lattes:
https://lattes.cnpq.br/3733105275801702; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2356-7267.
2 Mestre em Intervenção Psicológica no Desenvolvimento e na Educação pela Uneantlantico. Mestrando em

Empreendedorismo e Desenvolvimento Local (Instituto Superior Gwaza Muthini), Professor da Escola


Secundária de Mavila, Maxixe, Inhambane, Moçambique. E-mail: [email protected]; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6341540117444138; ORCID: https://orcid.org/0009-0004-4765-0788.
3 Doutor em Sociologia pela Universidade do Porto. Docente de Sociologia do Direito e Sociologia da Educação

(Universidade Save), Maxixe, Inhambane, Moçambique. E-mail: [email protected]; Lattes:


https://lattes.cnpq.br/3655773318424305; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8995-3809.

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successes, failures, and challenges that have occurred at different moments in history.
However, in the final phase, the concept of ideology is debated. This discussion aims to
link education to ideology, with ideology serving as a mechanism for social, political, and
cultural legitimization. Thus, the educational process in different periods of
Mozambique's history is examined to demonstrate that ideology has consistently played
a significant role in education during each of these periods. The main conclusion archived
is that historiography is a field of knowledge that, through the school curriculum, can
contribute to the political and ideological orientation of Mozambicans.

Keywords: Mozambique; Education; Historiography; Development.

Resumen: Este artículo se refiere a dos conceptos clave utilizados para analizar el
devenir socio histórico del Sistema Nacional de Educación en el contexto temporal y
territorial mozambiqueño. Estos conceptos son “historiografía” e “ideología”. En la
primera fase, se discute el concepto de historiografía para evaluar su papel en el proceso
de surgimiento, evolución y apropiación del Sistema Nacional de Educación por parte de
la sociedad mozambiqueña. La discusión en el ámbito de la educación contribuye a
comprender en profundidad los éxitos, fracasos y desafíos ocurridos en diferentes
momentos de la historia. Sin embargo, en la última fase, se debate el concepto de
ideología. Esta discusión tiene como objetivo vincular la educación con la ideología,
siendo esta última un mecanismo de legitimación social, política y cultural. Así, se
examina el proceso educativo en diferentes épocas de la historia de Mozambique para
demostrar que en cada una de estas etapas el proceso educativo estuvo impregnado de
una fuerte componente ideológica. La principal conclusión es que la historiografía es un
campo de conocimiento que, a través del currículo escolar, puede contribuir a la
orientación político-ideológica de los mozambiqueños.

Palabras-clave: Mozambique; Educación; Historiografía; Desarrollo.

Recebido em: 19 de fevereiro de 2023


Aceito em: 05 de abril de 2023

Introdução

Brazão Mazula defende que se deveria criar uma lei que obrigue os filhos dos dirigentes
moçambicanos a frequentarem a escola pública nacional. Tal posição foi defendida em defesa
da restruturação do Sistema Nacional de Educação (SNE) que tem uma dimensão histórica já
neste espaço. E, pelo lado da história da educação moçambicana, há marcas de perspectivas
político-ideológicas diferentes. Após várias vicissitudes e adversidades técnico-pedagógicos, o
sistema educativo moçambicano foi substituindo os seus dispositivos normativo-jurídicos por
outros com vista à regulação e melhor articulação das falhas e contingências ocorridas no
decurso do devir histórico.
Desde logo, algumas dessas contingências estiveram associadas a problemas
estruturais, como a mudança do regime colonial, eminentemente discriminatório e excludente

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por um regime social e político marcado por uma forte presença de uma democracia de massas,
de orientação marxista.
Posteriormente, a adesão de Moçambique às instituições de Bretton Woods, como
o FMI e o BM esteve igualmente na origem de mudanças jurídicas profundas
concernentes à legislação do sector da educação. De qualquer forma, ao fenómeno acima
acrescenta-se a guerra civil, que entre 1976 e 1992 que assolou o território moçambicano,
forçando milhares de populações a se transformarem em refugiadas internas, cujos
destinos seriam as cidades. Ora, as cidades então superpovoadas, começaram a carecer de
todo o tipo de infra-estrutura, incluindo infantários, hospitais e escolas, pois as poucas
infra-estruturas existentes não conseguiam dar cobro à crescente demanda da população.
Já nos últimos anos, assiste-se também a uma acentuada explosão demográfica em
Moçambique, que, num sentido mais restrito, tem afectado a demografia escolar, gerando uma
superlotação das escolas e das salas de aula e, em última análise, deteriorando a qualidade de ensino.
Assim, o conjunto destes factores tem levado os decisores políticos de moçambique a
optarem por alterar as leis, no sentido de as ajustar às condições sócio-histórico-antropológicas
do país, e tornando instáveis as leis respeitantes ao sector da educação.
O objectivo deste artigo é levantar um debate teórico sobre as nuances, que daí
advêm, esperando contribuir para o desabrochar de uma maior consciência cívica sobre
os problemas que hoje se colocam ao sector da educação. Para esse efeito, apropriámo-
nos da historiografia e dos recursos que ciência histórica nos pode fornecer, pois como
refere BURKE (1980, p. 102) “os historiadores têm um contributo a dar para um futuro
modelo da mudança social que tenha mais em conta a diversidade e as tendências do longo
prazo do que os modelos anteriores e que especifique as vias alternativas e os obstáculos
de forma mais clara”. Assim, ao recorremos a esta perspectiva, tencionámos suportar
teoricamente os discursos histórico-ideológicos ancorados na historicidade e evolução do
sistema educativo moçambicano.
Em suma, este percurso teórico permitiu-nos referir, então, que a historiografia pode
ser fonte de substratos relevantes para a formulação de políticas educativas apropriadas, na
medida em que questiona os diversos contextos temporais para uma melhor racionalização do
presente e uma projecção ao devir.

Metodologia

Esta pesquisa de cunho bibliográfico, é baseada numa investigação analítica e


histórica, uma vez que a mesma permite, decerto, “compreender o porquê de se

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implementarem determinadas práticas o que implica conhecer o contexto em que se


iniciaram e desenvolveram, ou seja, fazer uma análise do “passado” e dar sentido ao seu
“presente” (BRAVO, 1992 cit. COUTINHO, 2022, p. 375). Assim, este tipo de pesquisa
permite conduzir o espírito da ideologia que permeia as políticas educativas em
Moçambique desde o período colonial até à actualidade.
Para COUTINHO (Ibid. p. 376), “este tipo de pesquisa no âmbito da educação mostra-
se pertinente ao permitir compreender diversos insights que possibilitam a compreensão de
diversos subdomínios que lhe subentendem e, sentido geral, permitem compreender o modo
de aplicação de políticas no espaço-tempo, delineando, desse modo, as tendências futuras dos
itens investigados”. Portanto, este tipo de pesquisa permite, desde já, compreender a dinâmica
das políticas educativas, bem como as tendências da ideologia patente.
Para a prossecução deste artigo, foram accionados dados secundários obtidos através
de uma pesquisa bibliográfica e documental, nomeadamente com base em livros, artigos,
capítulos de livros, jornais e publicações oficiais, com ênfase nas leis específicas sobre o SNE.
Assim, a triangulação entre a investigação analítica, documental, bibliográfica e hermenêutica
textual permitiu construir um possível trajecto da ideologia educativa, assim como trazer uma
perspectiva de como espelhar uma possível relação entre a historiografia e as políticas
educativas.
Para além do resumo, abstract, introdução, conclusão e as referências bibliográficas,
este artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, faz-se a discussão sobre a relação entre
a Historiografia, Educação e Cidadania, afirmando-se que a historiografia é uma ferramenta
que pode fornecer substratos para a compreensão da história da educação em múltiplas
abordagens, desde os conteúdos até às finalidades. A seguir, já na segunda parte, explica-se,
através do método progressivo, a formação da instituição pedagógica de Moçambique. Nesta
parte, apresentam-se as críticas à educação moçambicana. Na terceira parte, faz-se a resenha
histórica da educação em Moçambique, cujo pano de fundo consistiu em compreender as
finalidades da educação nas diferentes épocas. Na quarta e última parte, analisa-se a
importância da historiografia para a efectiva intercomunicação dos diversos contextos e
perspectivas da educação.

1. Historiografia, educação e cidadania

A educação forma o carácter de um indivíduo numa sociedade, assim como a história


contribui com a dimensão moral que norteia indivíduo dentro de um sistema socialmente
construído que se chama comunidade. Ora, a comunidade é um recurso social necessário para

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a formação da consciência individual, ao passo que a necessidade da consciência surge enquanto


instrumento para determinar a importância de um certo percurso (Nunes & Soares, 2019).
A historiografia, ao estudar o nível da consciência humana, afirma-se como uma ciência
ou conjunto de saberes que analisam o movimento histórico, isto é, teorias que analisam a
ciência histórica enquanto objecto de estudos sociais e da moralidade comunitária, dividindo,
desse modo, o pensamento em épocas. “A historiografia surge como um instrumento
necessário para a ciência histórica, a partir do momento em que é preciso avaliar o progresso
do pensamento histórico e das instituições morais através da racionalidade que é empreendida”
(RÜSEN, 2001, p.15). A historiografia aparece, por assim dizer, como norteadora das
tendências do pensamento social sobre a evolução dos eventos na forma como são encarados
os desafios da vida social hodierna, pois, como argumenta RÜSEN (2001), ela não interessa
apenas ao campo de estudos em história, como também a concebe como importante na
compreensão do tempo que envolve os fenómenos no espaço. No campo da educação, a
historiografia permite mapear os contornos da educação ao longo do tempo e espaço
moçambicano.
Para NUNES & SOARES (2019) a educação, tendo com base a história para a
formulação das suas políticas, possibilita a formação da cidadania. Estes autores defendem,
deste modo, a possibilidade de a história formar a consciência é mais viável nos países de
orientação democrático-liberal. Em contrapartida, os países de fraca consciência histórica
tornam-se vítimas do tempo, porque desconhecem os desafios de ontem que são a continuação
manifesta nos desafios consequentes.
Com efeito, o conceito de linearidade defendido pelos filósofos da Idade Média permitiu
delinear a noção de progresso histórico e colocar o homem no centro da historicidade. Assim,
por um lado, os sistemas sociais utilizam deste conceito, para adjectivar a notável evolução
material. Mas, por outro lado, ao fazê-lo, verifica também uma fraca evolução da racionalidade
sustentável, pois a racionalidade cidadã tornou-se questionável a partir do momento em que
as sociedades ditas evoluídas fomentam a desgraça do género humano com testes laboratoriais,
guerras, genocídios, pobreza, etc., que são produzidos através dos frutos do progresso linear,
isto é, a ciência (ROUSSEAU, 1972).
Para LOPES (2018), a ausência de uma consciência histórica coloca os homens em
posição de alienação, o que significa ficarem ao relento ou na ribeirinha do tempo, produzindo
o que não é necessário, proporcionalmente, consumindo efemeridades. Tal significa que a acção
das sociedades evoluídas posiciona os países africanos em desvantagem concorrencial, o que
faz com que estes últimos corram o risco de serem excluídos da história-mundo.

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Desde logo, é tempo de se empreender na construção de filosofias de vida através da


invenção de conceitos (ORTEGA Y GASSET, 2007) e de alternativas de subterfúgio à falta
de capacidades técnicas e profissionais do professor-investigador, face ao que sucede. A
formação baseada em competências é um projecto distante para as escolas moçambicanas.
Aliás, explica-se este argumento com base na fraude académica, pois, sendo urgente a
internacionalização das práticas educativas endógenas face ao Neoliberalismo que se faz
presente no dia-a-dia. A Fraude é ainda um dos mais insignificantes problemas aos olhos das
muitas escolas, institutos, bem como das universidades e investigadores, no entanto é uma
prática conhecida. Ora, este argumento mereceu atenção de Peter Coughlin no Caderno nº 15
do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (COUGHLIN, 2015), onde é possível
compreender os meios em que se processa a educação em Moçambique.
O sistema educativo moçambicano passa por múltiplas vicissitudes. Com efeito, vários
são os desafios que se colocam ao sistema educativo moçambicano, desde a orientação política
e ideológica do SNE, a fraca qualidade de ensino, a corrupção, o assédio sexual, a pobreza e a
desigualdade de oportunidades conjugadas com o analfabetismo, a incapacidade em fornecer
meios didácticos e de ensino eficazes. Aliás, foi amplamente publicado pelos meios de
comunicação e informação locais e internacionais, em 2022 e 2023, a narrativa da consciência
histórica, de uma forma escandalosa para a sociedade moçambicana, em que manuais escolares
foram concebidos, reportando informações inconsequentes e cientificamente inconsistentes,
com destaque preliminar para o manual do aluno de Ciências Sociais da 6ª Classe, disciplina
basilar para a formação em cidadania e humanidades nas classes iniciais.
RÜSEN (2001, p. 45) postula que a historiografia é “um campo específico de
autodefinição da ciência histórica”, o que significa que ela demonstra os caminhos passados e
pressentes da história como ciência. Ademais, deixa aberta uma projecção para o futuro. No
campo da educação, por exemplo, essa autodefinição é necessária para a compreensão dos
processos e temáticas que acompanham esta área. A historiografia aplicada ao campo da
educação permite delinear os contornos, ganhos e deficiências verificadas num determinado
percurso. Neste campo, a historiografia aparece como mais uma história do pensamento
educativo, pois ela demonstra as alternativas, as técnicas, as metodologias e os desafios de uma
certa época educativa, pois entende-se que o modelo educativo adoptado em determinada época
visou, fundamentalmente, responder a várias demandas, designadamente sociais, políticas,
culturais e até económicas. Trata-se de demandas que representam grandes directrizes para o
trabalho do historiador.
No período pré-colonial coexistiam em Moçambique organizações estatais, que foram
abolidas durante a presença colonial. Desde logo, a existência de Estados em si, já denuncia a

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existência de um tipo de educação tipicamente moçambicano e que tinha em vista a preparação


dos indivíduos para fazerem face aos desafios daquela época temporal que fora destruída pelo
advento da ocupação colonial. No entanto, as deliberações coloniais não podem por si só serem
consideradas culpadas pelos estragos que o colonialismo trouxe à luz do dia africano. É
necessário conhecer o transgressor que, tal como Aimé Cesaire e Frantz Fanon apontam,
semeou na consciência dos africanos um sentimento impeditivo e intimidatório de aderência a
valores endógenos de África, em geral, e de Moçambique, em particular.
Se hoje a historiografia pode oferecer respostas à questão educativa, então, está mais
do que na hora de se empreender numa pesquisa que fortifique essa área através da introdução
e desenvolvimento de conceitos que sejam endógenos. É preciso resgatar através da
historiografia, o valor da tradição que se tem perdido cada vez mais. Isso torna igualmente
necessário resgatar as tradições que ofereçam um sentido educativo baseado no meio histórico
específico, que não estejam à margem das comunidades, em que seja preciso conhecer os
desafios de muitas comunidades, considerando, de igual modo, a diversidade étnica de países
que, como Moçambique, têm mais de 20 línguas faladas.
Num artigo publicado no Jornal Notícias de 05 de Agosto de 2022 deixa-se clara a
necessidade de apostar na leitura das tradições para dar seguimento a uma educação mais
inclusiva e que responda aos desafios vivenciados em Moçambique. No referido artigo, o
escritor Mia Couto fala da complexidade do processo, sendo este um “assunto muito delicado
por envolver grandes meios financeiros, formação de professores, trabalho nas próprias
línguas no sentido de se fazer a selecção das variantes.” Entende-se também que a sua
complexidade “está igualmente no facto de o país não só se caracterizar pela multiplicidade
linguística, mas pelo êxodo do campo para cidade e vice-versa”, o que coloca também um
desafio para o próprio conceito de currículo local (NOTÍCIAS, 05/08/2022, p.27).

2. A reflexão sobre a educação no discurso académico

A reflexão sobre a educação tem movido pensadores e teóricos dos mais diversos
campos. Em Moçambique, são exemplares os estudos de MONDLANE (1976), CASTIANO
& NGOENHA (2013), MUHACHE (2014), BASÍLIO (2015), entre outros.
Na obra “Lutar por Moçambique,” MONDLANE (1976) aponta a missão da educação.
De entre várias passagens que o autor consagra ao tema da educação, é notória a ideia de
igualdade universal do estatuto de cidadão que depois daquela luta seria necessário. Ali, o autor
equaciona a alfabetização como um instrumento necessário para a conquista da independência
efectiva do povo moçambicano então mergulhado nas malhas do jugo colonial português. Já

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NGOENHA (2022) refere-se à necessidade de engendrar propostas pedagógicas com vista a


um futuro promissor, o que na sua perspectiva passaria por livrar as populações locais da
alienação, tomando como premissas os desafios hodiernos dos africanos, em geral, dos próprios
moçambicanos, em particular.
Por seu turno, ao se debruçarem a esse mesmo respeito BASÍLIO (2015) apontam a
importância da escola na formação do indivíduo. De facto, estes autores corroboram com a
ideia segundo a qual as políticas que vêm sendo assumidas ao longo do tempo têm contribuído
para alienar um sentido local e histórico da educação em Moçambique em benefício de
organismos internacionais que têm, ao longo dos anos, participado na gestão do sector através
de incentivos financeiros. Tal medida faz com que as políticas do sector da educação não
estejam orientados para responder aos desafios locais, mas sim, aos desafios globais, que
efectivamente acabam por remeter a um plano secundário as reais necessidades ou desafios
locais que qualquer sistema educativo é chamado a responder. Em suma, uma resenha histórica
da educação em Moçambique permite perceber essa problemática.

3. Uma resenha histórica da orientação ideológica da educação

A história da educação moçambicana desde o tempo colonial até ao hodierno é


atravessada por diversas ideologias que orientaram e ainda orientam o seu modus operandi,
embora haja quem negue tal facto, basta lembrar-nos da propalada convicção segundo a qual
a educação ideológica em Moçambique terminou na Primeira República (1975-1990). Na
verdade, a questão da educação tem de per se um cunho político implícito e um objectivo
ideológico a cumprir. Discute-se a seguir a história da orientação ideológica da educação desde
o tempo colonial até ao contexto actual.
No período caracterizado pela presença colonial em Moçambique, verifica-se, de forma
geral, uma educação separatista e racista (CASTIANO & NGOENHA, 2013). Entenda-se que
a passagem dos portugueses por Moçambique em 1498 tinham como rumo a Índia, mas a
descoberta interessou os aventureiros, que por esse período conheciam partes da África
Ocidental.
Numa primeira fase, os portugueses enveredaram por uma educação não-formal, mas
não informal, isto é, uma educação praticada pelo próprio colonizador em condições precárias
e impróprias, ensinando-se o básico. Trata-se de um sistema educativo que não era veiculado
pelas escolas formais e nem estruturado.
Posteriormente, os missionários introduziriam um ensino mais organizado, o que daria
origem a um ensino estruturado, de modo a servir aos seus interesses, sendo a ideologia da

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educação baseada no processo de reconhecimento, ou seja, educavam os moçambicanos a fim


de que estes fornecessem informações sobre o seu território. Como contrapartida disso, os
portugueses optariam por formar os filhos dos chefes locais, no fundo, também, para estes
pudessem possibilitar a recolha de informação, que favorecem a colonização e a ocupação do
território moçambicano. Em suma, no início ocorria uma educação “Cavalo de Tróia,” que
consistia em estudar o comportamento dos indígenas africanos.
Após séculos de uma educação instrumental, a partir de 1820, com o advento da política
de assimilação, no âmbito da chamada Revolução Liberal, Portugal empreende, dentro do
mesmo espírito, em 1845, uma educação civilizacional e separatista, ou seja, para os filhos
brancos e para os indígenas. Desta feita, o ensino formal dividia-se em dois níveis, o primeiro
que se dá nas escolas elementares, e o segundo grau nas escolas oficiais (CASTIANO &
NGOENHA, 2013).
Entre 1929 e 1930, foi promulgada uma legislação que regulava e organizava o ensino
indígena, como o ensino primário rudimentar, para as escolas de artes e ofícios e as escolas de
habilitação de professores indígena. A 17 de Maio de 1930, surge a Lei do Ensino Indígena,
cujo primeiro artigo definia o objectivo do ensino indígena, tal como segue: “conduzir
gradualmente o indígena da vida selvagem para a vida civilizada, formar-lhe a consciência de
cidadão português e prepará-lo para a luta da vida, tornando-o mais útil à sociedade e a si
próprio” (Idem).

Projecto colonizador português, desde que Vasco da Gama chegou à costa de


Sofala em Aguada de Boa Esperança, em 1498, até ao fim do tempo de
colonização em Moçambique, apresentou desde logo objectivos civilizadores:
primeiro, dando mais ênfase aos projectos religiosos, depois aos do colono,
depois aos económicos. Contudo, revelou sempre a mesma vontade de
integrar os africanos num mercado inter-oceânico, como um dos seus pólos,
como produtores autónomos de mercadorias, ou mão-de-obra em trabalhos
geridos por europeus nas plantações e minas do Natal, Cabo, e Transval ou
nas empresas em Moçambique, e ainda como consumidores de produtos
europeus” (CASTIANO & NGOENHA, 2013, p.53).

Por outras palavras, a educação colonial em Moçambique estava ao serviço da economia


portuguesa, tendo também constituído um impulso motivador da aprendizagem, uma vez que
em certa medida ajudou os indígenas a se livrarem da exclusão social e da discriminação
epistemológica ocidental.
Em qualquer dos casos e, desde logo, tratava-se de uma educação ideológica na medida
em que o seu foco estava orientado para a capacitação do moçambicano para melhor servir os
interesses coloniais. Em 1961, seria abolido o estatuto de Indigenato nas colónias portuguesas
e com isso entraria em declínio o modelo de educação discriminatória

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3.1. A educação de 1961 -1992

Trata-se de um período que é predominantemente marcado pela abolição do Estatuto


do Indígena, intensificação da luta pela independência e crescimento dos ecos da opinião
pública mundial que fazia pressão à causa portuguesa em África e Ásia, tendo a educação
assumido um novo carácter graças à emergência de uma nova lei da educação, a portaria n.º
15971, publicada no Boletim Informativo (B.I. n.º 13 de 31 de Março de 1962, I série), que
assume a função reservada ao Ensino de Adaptação em Moçambique (CASTIANO &
NGOENHA, 2013; MONDLANE, 1976), que terá como finalidade capacitar o aluno indígena
a usar a língua portuguesa, para poder frequentar o ensino primário. Contudo, este aspecto do
ensino de adaptação constituiu uma das últimas simbioses da era da educação ideológica
colonial em Moçambique.
Ademais, o período é marcado pela proclamação da Independência de Moçambique
(1975), em que para além de uma educação colonial, desenvolve-se igualmente a primeira
tentativa de educação estritamente moçambicana, experimentada no decurso da guerra de
libertação nacional, que conheceria o seu auge nas primeiras zonas libertadas, onde se assumia
como paradigma de ensino os desafios nacionais que conduziriam à erradicação do
analfabetismo como arma fundamental para alavancar o país no caminho do desenvolvimento,
logo após o fim do colonialismo.
Olhado a orientação ideológica do período pós-Independência, MUHACHE (2015)
considera que ali, precisamente, a educação teria como objectivo tornar-se o epicentro de
desenvolvimento económico, político e social de Moçambique. Contudo, em 1975 por existir
cerca de 98% de iletrados, a Frelimo criou um sistema de acesso à educação de todos os
moçambicanos, de modo a romper com o sistema colonial que era segregacionista. Com feito,
isso levaria a que, no III Congresso do Partido Frelimo em 1977 em conjunto com Ministério
de Educação e Cultura, fossem traçadas as linhas gerais do SNE, oficializado pela Lei 4/83, de
23 de março.
No período que sucedeu a luta de libertação nacional de Moçambique, concebeu-se um
sistema de educação que tinha como missão principal formar um Homem Novo, capaz de se
diferenciar do anterior com as suas valências coloniais, exclusivistas e discriminatórias. Neste
período, Moçambique deparava-se com uma crise financeira ora agudizada pela saída em massa
dos técnicos e quadros técnicos que vinham prestado serviços ao sistema colonial, bem como
enfrentava o isolamento e instabilização regional e internacional por conta das escolhas
políticas de então, a orientação marxista-leninista adoptada em 1977. O SNE de 1983 e a Lei

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4/83, de 23 de Março, que o suportava juridicamente, surgiram nesse contexto e pautavam


por uma educação ideológico-revolucionária através de uma abordagem técnica e prática.
O objectivo da política educativa dos anos subsequentes à independência era tirar
Moçambique do subdesenvolvimento, num período de 10 anos e o projecto que ancorava esse
objectivo foi conhecido como Plano Prospectivo Indicativo (PPI).
Na sequência desse desiderato, o primeiro presidente de Moçambique independente
Samora Machel, no exercício das relações diplomáticas com vários países de orientação
marxista, enviou moçambicanos para formação em países, como Quénia, União Soviética,
Argélia, República Democrática da Alemanha, Cuba, Vietname, China, cuja principal tónica
era a formação para o posterior regresso para Moçambique a fim de disseminarem práticas,
conhecimentos e técnicas, tornando-se depois gestores de empresas, trabalhadores dos
institutos para formar quadros, cientistas e técnicos de diferentes sectores da economia.
No fundo, tratava-se de uma educação patriótica enquadrada num período considerado
como do Estado Forte, caraterizado por uma educação que visava desenvolver o país, e cuja
premissa assentaria na formação do Homem Novo, regido pelos princípios do Partido-Estado.
De qualquer forma, as nuances intrínsecas à queda da União Soviética e do bloco
socialista, assim como à afirmação do Neoliberalismo como sistema definidor das relações
económicas internacionais ditaram o fracasso e abandonado do Plano Prospectivo Indicativo,
do programa de formação do Homem Novo e do princípio do Partido-Estado, tudo o qual abriu
espaço para a emergência da Segunda República em 1990, que coincidiu com a promulgação
de uma Constituição essencialmente democrática, pluralista e multipartidária.
Quanto à primeira lei do SNE (Lei 4/83, de 23 de Março), MUHACHE (2015)
fundamenta que a educação a que a referida lei visava era considera como sendo um direito
humano, universalmente conhecido. Tratava-se de um grande reforço ao plano do
desenvolvimento económico, social e político, sendo, ela própria, uma ferramenta de
importância capital, seja para os dirigentes, os operários, bem como dos camponeses.
Ademais, como já foi dito acima, a educação era também concebida como um
instrumento primordial de criação de um Homem Novo, livre do obscurantismo, da
superstição e da mentalidade burguesa e colonial que configurava já o tecido social. De
antemão, essa educação devia assumir valores socialistas, designadamente a unidade nacional,
o amor à pátria, o gosto pelo estudo, pelo trabalho e pela vida colectiva, o engajamento e
contribuição activa para a construção do socialismo e para desenvolvimento de Moçambique,
assim como dos outros povos subdesenvolvidos da África.

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Em suma, neste período, a orientação ideológica da educação consistia em estimular o


desenvolvimento do país para tirá-lo da pobreza através da mudança da mentalidade do
homem antes servidor dos interesses coloniais.

3.2. A educação de 1992 -2018

Este período é marcado pela democratização das instituições sociopolíticas, como o


parlamento, a polícia, o governo, incluindo a própria escola. Desde logo, no plano interno,
verificam-se sucessivas crises de seca severa, intensificação dos índices de pobreza e fluxo dos
refugiados da guerra civil, e no plano internacional, verifica-se desde as décadas finais do
anterior século (XX) a quando da queda do muro de Berlim e logo depois o desmoronamento
da União Soviética.
Ora, o conjunto desses factores empurraram Moçambique para um alinhamento com
as instituições de Bretton Woods, como o FMI e o BM. Já no domínio da educação, neste
período ocorre a revisão do SNE, visando ajustar as condições económicas e políticas que
caracterizavam Moçambique desde a segunda metade da década de 1980. Neste sentido, o
reajustamento do sistema educativo foi operado com recurso à Lei 6/92, de 06 de Maio, que
revogava a Lei 4/83, de 23 de Março, e já não preconizava a formação de um Homem Novo
imbuído de uma educação socialista, tal como se perspectivava a orientação ideológica do
período anterior. Portanto, a pretensão da nova lei era adaptar a educação às condições
económicas, sociais e políticas do momento histórico, garantindo uma escolarização básica para
todos (MUHACHE, 2015).
Nos termos da Lei 6/92, de 6 de Maio são considerados como objectivos da educação,
designadamente erradicar o analfabetismo de modo a propiciar a todo o povo o acesso ao
conhecimento científico e o desenvolvimento das suas capacidades; garantir o ensino básico a
todos os cidadãos de acordo com o desenvolvimento do país através da introdução progressiva
da escolaridade obrigatória; assegurar a todos os moçambicanos o acesso à formação
profissional; formar cidadãos comuns a sólida preparação científica, técnica, cultural e física e
uma elevada educação moral cívica e patriótica; formar o professor como educador e
profissional consciente com profunda preparação científica e pedagógica, capaz de educar os
jovens e adultos; formar cientistas e especialistas que permitam o desenvolvimento da
produção e da investigação científica; e desenvolver a sensibilidade estética e capacidade
artística das crianças, jovens e adultos, educando-os pelas artes e gosto pelo belo.
Neste período, como se pode constar, a educação ajusta-se a um espírito neoliberal e,
de antemão, os efeitos imediatos disso são o abandono de uma perspectiva desenvolvimentista

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de cariz nacional a favor de directrizes politicamente determinadas e impostas pelo FMI e BM,
bem como o consequente levantamento de questões sobre a qualidade do ensino, a falta de
motivação pela aprendizagem, a falta de correspondência entre os diplomas adquiridos e os
níveis de conhecimento, altas taxas de reprovações, que são compensadas por aprovações semi-
automáticas, entre outros efeitos.
O SNE na resolução de 8/95, de 27 de Agosto operacionalizou o sistema de educação
destacando a educação básica, o ensino até à 7ª classe como prioridade do Governo. Deste
ponto de vista, compreende-se que o objectivo da educação era de massificar o acesso ao ensino
pela população. Por conseguinte, isto significa que esta abordagem constitui um aspecto
ideológico da educação neste período, na medida em que, ela própria, emergiu da necessidade
de ajustar a educação à nova dinâmica social, económica e política.
Em 2003, o Ministério de Educação introduziu um o novo currículo de ensino em
Moçambique apoiado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Sociedade e Cultura
(UNESCO) e supervisionado pelo Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação
(INDE), que melhorasse os reajustes anteriores de 1983 e 1992, no que diz respeito à qualidade
de ensino e ao aproveitamento. Esse projecto, no entanto, incluiu a introdução do currículo
local de modo a formar cidadãos que contribuíssem para a melhoria das suas vidas, famílias,
comunidades e país, a partir dos saberes locais. De qualquer forma, importa reconhecer que a
maior limitação desse currículo foi o facto de ter assentado em bases puramente teórica se ter
negligenciado a componente prático, tendo acabado por fracassar, baixando assim a qualidade
de ensino.
Por último, a Lei 18/2018, de 28 de dezembro consistiu em alargar o ensino básico da
7ª para a 9ª classe. Esta lei reafirma o objectivo da anterior que é a massificação do ensino.
Todavia, tanto ali como aqui subsistem os mesmos problemas, predominante, à ausência de
qualidade do ensino, contra qual ainda se luta.

4. Um contributo historiográfico

LOPES (2018) defende que a formação de uma consciência histórica é fundamental na


afirmação de centralidades, naquilo que o próprio autor designa de pensamento pés fincados
no chão. Ora, para este filósofo, o uso da história, e, consequentemente, da historicidade no
contexto social, é um fio condutor para o desenvolvimento de sistemas endógenos, pois é
partindo de realidades contextuais em que se enquadram os planos de desenvolvimento
destinados a diferentes sociedades no que diz respeito às suas necessidades.

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Por seu turno, RÜSSEN (2000) advoga que os estudos históricos são de capital
importância para construção da racionalidade sobre os diferentes processos, incluindo o
processo educativo, ipso facto. O esboço de uma possível história da educação em Moçambique
tem em vista perspectivar uma linha orientadora, isto é, um perfil analítico da orientação
ideológica do SNE. A partir de uma abordagem estritamente histórica, o autor supracitado faz
reflexões que são orientadoras da problemática em voga neste texto, a possibilidade de a
ciência histórica explicar as bases de certos fundamentos dos problemas educativos, o que
permite explicar o presente na base do passado.
Neste âmbito, para o contexto educativo, a pertinência da ciência histórica radica no
facto de, ela própria delimitar as racionalidades assumidas de modo particular pelas diferentes
culturas moçambicanas, alistando as possíveis falhas de orientação genérica, assim como os
ganhos daí advindos, e, podendo facilitar a identificação das dificuldades do cenário educativo
actual.
Desde logo, a historiografia seria fundamental no uso da hermenêutica das culturas, na
medida em que esta área histórica se valeria do tempo e da memória como órgãos do presente
para explicar os contextos culturais nos quais a educação deve actuar de modo a gerar o bem-
estar e garantir melhores condições de vida. Assim, o tempo e a memória como factores
determinantes da construção de uma consciência histórica impactariam positivamente na
delimitação de uma consciência pedagógica dos diferentes grupos sociais, etnolinguísticos ou
culturais. Por sua vez, a consciência pedagógica ditaria quais são os desafios a que a educação
estaria sujeita, tanto a nível particular dos diferentes grupos étnicos, assim como ao nível do
Estado-Nação.
Em suma, a historiografia é também um paradigma do sistema educativo moçambicano,
pois a partir dela é possível compreender o desenrolar da educação desde o período colonial
até ao momento actual, o que passa por capitalizar os desafios que foram superados, bem como
os contextos em que determinadas decisões foram tomadas e as repercussões que as mesmas
tiveram, tendo em mente os contextos estruturais do país e as necessidades do presente.
Portanto, compreender esse exercício permitirá aos fazedores de políticas, conceber políticas
e ideologias que sejam eficazes e que respondam aos desafios económicos, culturais, sociais e
políticos das comunidades moçambicanas, ao nível local e nacional.

Conclusões

O longo percurso da educação em Moçambique inicia antes da chegada dos


colonizadores portugueses. De qualquer forma, é com a sua chegada que se difundem e

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sistematizam as práticas educativas que foram evoluindo até aos nossos dias. Assim, após o
desenrolar das discussões levantadas, chegámos a duas principais conclusões.
A primeira refere que a historiografia pode fornecer substratos relevantes para a
formulação de políticas educativas eficazes, uma vez que a partir dela se pode viajar para os
diversos horizontes temporais que marcaram a ideologia educativa num processo marcado pela
presença de limitações, sucessos e desafios.
A outra conclusão é que Moçambique vivenciou uma sucessiva implementação e
alteração de dispositivos normativo-jurídicos para regular a educação, o que significa que isso
tem ocorrido como consequência de falhas e contingências observadas ao longo do percurso
histórico, incluindo inconsistências entre os conteúdos desses dispositivos normativo-jurídicos
e as culturas locais.
Por último, impõe-se a pertinência do reconhecimento da historiografia como um
agente que melhor ajudaria o sistema educativo a fincar os pés no chão e ensaiar uma
filodramática das políticas educativas de modo a espelhar os interesses nacionais em primeiro
lugar (LOPES, 2018).

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