Simone-Weil - Fernando Rey Puente
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Fernando Puente
Edição eletrônica
URL : https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/simone-weil/
ISSN: 2526-6187
Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas: Mulheres na Filosofia, V. 6 N. 3,
2020, p. 55-69.
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Simone Weil
Fernando Puente
Professor do Departamento de Filosofia
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Vida
Simone Adolphine Weil, nascida em Paris no dia 3 de fevereiro de 1909 é uma
das mais importantes filósofas do século XX. Em sua breve vida, vivenciou as duas
Grandes Guerras. Ela faleceu aos 34 anos, no dia 24 de agosto de 1943 na cidade de
Ashford (Reino Unido), sem ter podido presenciar a derrocada do nazismo e a
libertação da França do jugo da Alemanha hitlerista.
Os pais de Simone Weil, Bernard e Selma Weil, eram ambos judeus não
praticantes e tiveram dois filhos. O primeiro, um dos mais importantes matemáticos
do século XX, foi André Weil (1906-1998), membro fundador do Grupo Bourbaki, que
revolucionou a matemática no século XX. A segunda foi Simone Weil que
compartilhou com seu irmão uma infância diferenciada, pois estudaram em casa
com diversos professores particulares e sob os auspícios zelosos de sua mãe em
função de mudanças constantes que tiveram de fazer devido aos sucessivos
empregos do pai. Dado que André e Simone não tiveram nenhuma formação
religiosa, eles cresceram adotando uma posição agnóstica que se reflete
claramente nos textos iniciais de Simone Weil. Os irmãos foram muito próximos
intelectualmente e a correspondência entre eles é uma verdadeira mina de
informações sobre questões matemáticas, filosóficas e científicas sempre eivadas
de muito humor e ironia.
Simone Weil viveu em uma época marcada não somente pelas duas Grandes
Guerras, mas também por intensos movimentos político-sociais de luta por
melhores condições de trabalho para os operários, bem como por um engajamento
dos intelectuais na formação educacional dos trabalhadores. Tudo isso se
manifesta fortemente em sua produção filosófica.
Tendo tido uma formação clássica (latim e grego) rigorosa, Simone Weil
tornou-se leitora arguta da tradição grega (sobretudo de Homero, dos pitagóricos,
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Durruti, que dirigia a formação mais importante das milícias da Central Sindical
Anarquista. Essa brevíssima experiência em uma guerra servirá para Weil conceber
de modo claro a barbárie que domina o coração dos seres humanos
independentemente de partidos ou posições políticas, bem como a idolatria da
força e do poder que subjaz no âmago de quase todas as pessoas. Alguns textos
weilianos produzidos nessa época o exprimem com clareza, tais como: “Reflexões
sobre a barbárie” (Weil, 1989, pp. 222-225) e o célebre “Ilíada ou o poema da força”
(Weil, 1979, pp.319-344). Tampouco a questão colonial passou despercebida a Weil
enquanto escrevia textos críticos em relação à França e às demais nações
colonialistas seja nos textos de 1930-31 (em que analisava a situação na
Indochina) ou de 1937 (em que refletia sobre os problemas que acometiam o
Marrocos) (idem, pp. 121-155).
De 1932 a 1938 Weil será uma adepta convicta do pacifismo, provavelmente
devido ao excesso de violência que vivenciava ao seu redor, seja na experiência de
fábrica, na guerra espanhola ou nas colônias ocupadas pelos franceses. Em função
disso, ela chega até mesmo a defender uma política de não intervenção quando da
anexação de parte do território da Tchecoslováquia pela Alemanha, pensando
naquele momento que ante a possibilidade iminente de uma guerra europeia, essa
apropriação territorial ilegítima seria um mal menor a se assumir. Assim, é somente
com a entrada dos soldados nazistas em Praga em março de 1939, que ela
começará a despertar desse sonho pacifista. Com habitual dureza, seja em relação
aos demais, seja em relação a si própria, ela se recriminará veementemente nos
próximos anos de sua breve existência por sua adesão temporária ao pacifismo.
Uma passagem de seu “caderno de Londres” redigido ao final de sua vida fala do
“erro criminoso” (Weil, 2006, p. 374) que ela julgava ter cometido ao ter aderido a
essa posição política.
Todas essas experiências que ela quis vivenciar e outras a que ela ainda se
exporá nos seus derradeiros anos de vida remetem ao profundo desejo weiliano de
“ter um contato direto com a vida”, como ela escreve em uma anotação de seu
“Diário de fábrica” (Weil, 1991b, p.253). Entendendo este contato direto como uma
experiência que ultrapassaria a mera especulação filosófica, mas que constituiria a
base de uma reflexão autêntica nascida a partir de uma situação concreta, buscava
assim reunir teoria (ciência) e prática (trabalho), ou pensamento e ação, de modo
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para poder ser enviada) a fim de socorrer os aliados, mas também seus inimigos, o
que deveria ocorrer no próprio campo de batalha. O objetivo, como o texto “Projeto
de uma formação de enfermeiras de primeira linha” (Weil, 2008, pp.401-411) deixa
claro, não é o de ingenuamente supor que esse grupo poderia salvar muitas vidas,
mas sim o de opor ao comando SS (a “tropa de proteção” (Schutzstaffel),
organização paramilitar ligada ao partido nazista) um grupo pequeno de jovens
mulheres que serviriam como símbolo contrário àquele representado pela
abominável tropa de elite hitlerista. Isso porque ela logo compreendeu a
importância da propaganda no nazismo e queria contrapor-se a essa veiculação do
ódio e da indiferença por meio de uma propaganda que enaltecesse um amor
desinteressado. Obviamente De Gaulle recusou-se a adotar tal plano, o que causou
uma imensa tristeza em Simone.
Escrevendo o relatório sobre como seria a vida da França livre, texto que viria
a constituir o que se passou a intitular o seu último livro, o Enraizamento, bem
como outros textos sobre questões espirituais e políticas, ela que já se alimentava
parcamente e fumava desenfreadamente, deixando de comer, pois se recusava a
ingerir mais do que um francês na França dominada pela Alemanha nazista poderia
fazer. É interessante notar que essa atitude remete à decisão tomada durante a
Primeira Guerra Mundial, com apenas seis anos de idade, de recusar-se a comer
açúcar porque os soldados que lutavam nas trincheiras estavam privados de
consumir açúcar. Por fim, já enfraquecida, ela acaba adoecendo em Londres, sendo
transferida em seguida para um hospital na cidade de Ashford e vindo a falecer em
agosto do ano de 1943, aos 34 anos de idade. Lá se encontra a sua sepultura.
Em sua breve vida, tão plena de experiências não acadêmicas, Simone Weil
escreveu abundante e quase compulsivamente o conjunto de seus textos
filosóficos - pouquíssimos dos quais foram publicados em vida - que compõem os
16 volumes de suas Obras Completas, ainda em curso de publicação pela editora
francesa Gallimard. Uma visão geral do plano da edição das Obras Completas, que
apresentamos, abaixo, nos dá uma ideia bastante razoável da amplitude temática e
da quantidade de textos que ela escreveu, extraordinária para alguém que viveu tão
pouco e teve uma vida tão intensa e profundamente comprometida com questões
sociais e políticas.
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e isso torna a leitura da obra weiliana bastante difícil. Ocorre com ela o que ocorre
quer com Platão, quer com Kierkegaard: não podemos considerar as suas obras
como tendo sido escritas em meras etapas sucessivas, seu pensamento é mais
complexo.
Na obra de Simone Weil ocorre que cada conceito requer para a sua plena
compreensibilidade outros ainda não plenamente formulados. Todavia, esses
conceitos já estão de certo modo intuídos pela autora, comparecendo assim
apenas implicitamente. Por conseguinte, necessitamos de um conhecimento vasto
e aprofundado da totalidade da produção weiliana para podermos pensar
adequadamente a complexa articulação entre os conceitos fundamentais presentes
em sua filosofia.
Seria um grande equívoco julgar que ela é uma pensadora de fragmentos
filosóficos ou de meros textos isolados de grande impacto devido a sua perfeição
estilística. Há, ao contrário, uma sólida doutrina filosófica em Simone Weil que não
pode, contudo, ser reduzida a um sistema, mas que possui uma lógica inerente que
perpassa e aproxima textos aparentemente desconexos e circunstanciais para
apresentar um painel complexo e sutil acerca do mundo, do ser humano, da
sociedade, da guerra, da justiça e de Deus.
Bibliografia citada
WEIL, S. (1979). A condição operária e outros escritos sobre a opressão. Tradução
de Therezinha Langlada. Org. Ecléa Bosi. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.
WEIL, S. (1988). Tome II: Écrits historiques et politiques. Volume 1: L' engagement
syndical (1927- juillet1934).
WEIL, S. (1991b). Tome II: Écrits historiques et politiques. Volume 2: L’expérience
ouvrière et l’adieu à la révolution (juillet 1934 - juin 1937).
WEIL, S. (1989). Tome II: Écrits historiques et politiques. Volume 3: Vers la guerre
(1937-1940).
WEIL, S. (2006). A fonte grega. Tradução de Filipe Jarro. Lisboa: Edições Cotovia.
WEIL, S. (2008). Tome IV : Écrits de Marseille. Volume 1: (1940 – 1942) Philosophie,
science, religion, questions politiques et sociales.
Fontes, literatura secundária e outros materiais
Obras de Simone Weil em português
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WEIL, S. (1989). Tome II: Écrits historiques et politiques. Volume 3: Vers la guerre
(1937-1940).
WEIL, S. (2008). Tome IV : Écrits de Marseille. Volume 1: (1940 – 1942) Philosophie,
science, religion, questions politiques et sociales.
WEIL, S. (2009). Tome IV : Écrits de Marseille. Volume 2: Grèce - Inde - Occitanie.
WEIL, S. (2019).Tome V: Écrits de New York et de Londres (1942-1943). Volume 1:
Questions politiques et religieuses.
WEIL, S. (2013).Tome V: Écrits de New York et de Londres. Volume 2: L'
Enracinement. Prélude à une déclaration des devoirs envers l’être humain.
WEIL, S. (1994). Tome VI : Cahiers. Volume 1 (1933 – septembre 1941).
WEIL, S. (1997). Tome VI : Cahiers. Volume 2 (septembre 1941 – février 1942).
WEIL, S. (2002).Tome VI : Cahiers. Volume 3 (février 1942 – juin 1942) La porte du
transcendant.
WEIL, S. (2006). Tome VI : Cahiers. Volume 4 : (juillet 1942 – juillet 1943) La
connaissance surnaturelle (Cahiers de New York et de Londres)
WEIL, S. (2012).Tome VII : Correspondance. Volume 1: Correspondance familiale.
WEIL, S. (1999). Simone Weil. Oeuvres. Ed. de F. de Lussy. Paris: Quarto Gallimard.
Literatura secundária
ALLEN, D. / SPRINGSTED, E.O. (1994). Spirit, Nature, and Community. Issues in the
Thought of Simone Weil. New York: State University of New York Press.
BINGEMER, M. C. L. / PUENTE, F. R. (eds.). (2011). Simone Weil e a filosofia. Rio de
Janeiro / São Paulo: Editora PUC Rio / Edições Loyola.
BINGEMER, M. C. L. (ed.). (2009) Simone Weil e o encontro entre as culturas. Rio de
Janeiro / São Paulo: Editora PUC-Rio / Paulinas.
BOSI, E. (2003). O tempo vivo da memória. Cotia: Ateliê Editoraial. (Parte III: quatro
estudos sobre Simone Weil).
CALLE, M. / GRUBER, E. (eds.) (2003). Simone Weil. La passion de la raison. Paris :
l’Harmattan.
CANCIANI, D. (1996). Simone Weil. Il coraggio di pensare. Impegno e riflessione
politica tra le due guerre. Roma : Edizioni Lavoro.
CANCIANI, D. (1998). Tra Sventura e belezza. Riflessione religiosa e esperienze
mistica in Simone Weil. Roma : Edizioni Lavoro.
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Fontes online
http://simoneweil.com.br
http://simoneweil.net/home.htm
http://pensees.simoneweil.free.fr/travail.html
http://classiques.uqac.ca/classiques/weil_simone/weil_simone.html
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https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia
https://simoneweil.library.ucalgary.ca/
https://www.franceculture.fr/personne-simone-weil.html
https://www.cairn.info/resultats_recherche.php?send_search_field=Chercher&searc
hTerm=Simone+Weil&searchIn=all
http://www.americanweilsociety.org/
https://plato.stanford.edu/entries/simone-weil/
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