O Indígena Como Usuário Da Lei. Edson Krenak
O Indígena Como Usuário Da Lei. Edson Krenak
O Indígena Como Usuário Da Lei. Edson Krenak
DOI: 10.1590/CC0101-32622019217105
COMEÇO DE CONVERSA
METODOLOGIAS INDÍGENAS
Figura 1
O uso da lei.
APERFEIÇOAR
O indígena dentro da
arena de atuação
AJUDAR
O indígena dentro da
arena de atuação
LEGITIMAR
O indígena dentro da
arena de atuação
INVOCAR
O indígena fora da
arena de atuação
mas um dia, existiria com força... Veja por exemplo o movimento das
águas e do tempo na capa do livro de Daniel Munduruku (2007), ilus-
trado por Maurício Negro; o sincretismo (texto verbal e imagético) busca
dialogar com suas origens da floresta e da aldeia.
O professor da educação básica (educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio) descobrirá nesses aspectos abordados
(largamente discutidos em nosso livro Literatura indígena: modos de
usar, a ser lançado em breve) um riquíssimo repertório de ideias para
o ensino de língua, história e cultura indígena, conforme obriga a
Lei nº 11.645/2008. Rediscutir a história do Brasil, nossos laços in-
dígenas, a questão da terra, do meio ambiente, da ideia de progresso
são outras implicações dessa literatura. Isso porque a pesquisa com a
literatura indígena não se restringe à universidade.
Além desses aspectos que se relacionam com a história e cultura
do Brasil, o professor encontrará na literatura da floresta informações so-
bre como vivem os povos indígenas, no que creem, tipos de alimentação,
música, religião, filosofia, entre outros assuntos. A escola tem também
oportunidade de explorar outros vieses; temos visto interessantes traba-
lhos com a matemática indígena, a astronomia, gastronomia e medicina
dos pajés. Conhecimentos tradicionais que há muito têm entrado para
os anais científicos, porém infelizmente pouca credibilidade foi dada às
fontes originárias desse material.
Não obstante, diante disso a ponte entre a pesquisa e o en-
sino é facilmente construída. Então perguntamos: por que se deve
ensinar literatura indígena? Como? Existem muitos motivos, mas creio
que podemos citar somente dois. O primeiro, e menos conhecido, é
o estatuto histórico da literatura brasileira. A literatura brasileira nas-
ceu da literatura europeia, especialmente portuguesa, com influência
francesa e inglesa (veja os modelos dos nossos maiores literatos, por
exemplo, Machado de Assis e José de Alencar). Ela se desenvolveu,
tornou-se um sistema autônomo e a academia a colocou no rol dos
clássicos — um repositório da história e da cultura de uma nação ou de
“nações”. O problema é que essa história não é tão simples. Tal litera-
tura foi criada e desenvolvida principalmente para informar, imaginar
e rotular — com isso dominar, colonizar — outros povos. A literatura
europeia trazida para o Brasil mostrava o quão melhor era a vida na
LITERATURA E PROTAGONISMO
A CARAVANA MEKUKRADJÁ8
REFERÊNCIAS
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blogspot.co.at/2011/03/caravana-literaria-promove-cultura-dos.html>.
Acesso em: 3 maio 2018.
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(1970-1990). São Paulo: Paulinas, 2008.
MUNDURUKU, D. O movimento indígena. Entrevista concedida a Edson
“Krenak” Dorneles de Andrade. Rio de Janeiro, 2017.
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Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro: UNIC, 2008.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção
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portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Convencao_169_OIT.pdf>.
Acesso em: 10 jul. 2018.
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Acesso em: 20 jul. 2018.
POTIGUARA, E. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global, 2004.
PROUST, M. Em busca do tempo perdido. Porto Alegre: Globo, 1983.
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SANTOS, B. de S. Epistemologies of the South: justice against epistemicide.
Boulder: Paradigm Publishers, 2014.
SHAWN, W. Research is ceremony: indigenous research methods. Halifax,
Winnipeg: Fernwood Publishing, 2008.
NOTAS
1. Nas últimas décadas tem havido muitas tendências na filosofia da educação e epistemologia
científica apontando para essa direção, que talvez sejam devedoras das incursões das ideias
indígenas na sociedade não indígena, porém não me estenderei no tema.
2. Daniel Munduruku (2008) discute o caráter educativo do movimento indígena
brasileiro nas décadas de 1970 a 1990.
3. Embora juristas e especialistas em direitos humanos também sejam considerados
usuários dentro do aporte teórico proposto por Desmet (2014) e outros, faço um
movimento de análise e aplicação um pouco mais centrípeto, restringindo a definição
de usuário ao não especialista da lei, basicamente, um leigo.
4. Em outras palavras: ao invés de analisar a questão dos direitos humanos do ponto de
vista de um técnico de iluminação, que escolhe o holofote certo ou a melhor cor para
iluminar a cena (inevitavelmente apresentando uma visão parcial), adota-se a posição
do ator ou do músico em cena, que é simultaneamente iluminada por diferentes
luzes, de diferentes perspectivas e com diferentes intensidades e cores. Trata-se de um
conhecimento, portanto, “de dentro”, de uma perspectiva de um insider com base na
experiência de envolvimento efetivo com os direitos humanos, em vez de conhecimento
produzido a partir do ponto de vista de um narrador onisciente (tradução minha).
5. Novamente, procuro distanciar-me da tipologia de usuários de Desmet (2014), para
focar aqui no indígena.
6. Ver em Codato, Lobato e Castro (2017) uma interessante discussão sobre candidatos
políticos indígenas.
7. Como é discutido no capítulo “Experiências interculturais no espaço da universidade: a
presença dos acadêmicos indígenas e as contribuições à Lei 11.645/08” (BRASIL, 2008)
neste dossiê.
8. Nesta parte as falas dos meus parentes serão introduzidas pelos seus nomes seguidos
de dois-pontos. A impossibilidade de citar uma referência escrita que inexiste é clara,
pois são resultados de conversas e anotações de campo muitas vezes tomadas dentro
do carro enquanto dirigíamos, num bar ou restaurante, numa escola, numa roda de
conversa durante os anos de 2011 a 2016.
9. Como vimos, muitos indígenas, principalmente na região norte do país, participam
da cena política local e municipal.