Colonos Colonias e Colonizadoras-eBook PDF

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2019

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Bernadete Maria Dalmolin


Reitora
Edison Alencar Casagranda
Pró-Reitor Acadêmico
Antônio Thomé
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional

UPF Editora
Editora
Janaína Rigo Santin

Revisão
Cristina Azevedo da Silva
Programação visual
Rubia Bedin Rizzi

Conselho Editorial
Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla)
Andrea Michel Sobottka (UPF)
Andrea Oltramari (Ufrgs)
Antônio Thomé (UPF)
Carlos Ricardo Rossetto (Univali)
Fernando Rosado Spilki (Feevale)
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Héctor Ruiz (Uadec)
Helen Treichel (UFFS)
Jaime Morelles Vázquez (Ucol)
Janaína Rigo Santin (UPF)
José C. Otero Gutierrez (UAH)
Luciana Ruschel dos Santos (UPF)
Luís Francisco Fianco Dias (UPF)
Luiz Marcelo Darroz (UPF)
Nilo Alberto Scheidmandel (UPF)
Sandra Hartz (Ufrgs)
2023
Copyright dos organizadores

Dos autores
Revisão

Rubia Bedin Rizzi


Projeto gráfico, diagramação e produção da capa

Vista parcial da colônia Neu-Württemberg, década de 1920. Negativo em vidro 022.


Fotógrafo Adam Klos. Acervo Foto Klos, Panambi, RS.
Imagem da capa

Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer
meio sem autorização expressa e por escrito dos autores. A exatidão das informações, das opiniões e dos
conceitos emitidos, bem como das imagens, das tabelas, dos quadros e das figuras, é de exclusiva respon-
sabilidade dos autores.

CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


_______________________________________________________________

C719 Colonos, colônias e colonizadoras [recurso eletrônico] :


aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil :
volume 6 / João Carlos Tedesco, Rosane Marcia
Neumann (Org.). – Passo Fundo: EDIUPF, 2023.
17.000 KB ; PDF.

Inclui bibliografia.
Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>.
ISBN 978-65-5607-038-4. (E-book)

1. Colonização - Rio Grande do Sul. 2. Migração - Rio


Grande do Sul. 3. Colônias - Rio Grande do Sul. I. Tedesco,
João Carlos, org. II. Neumann, Rosane Marcia, org. III. Título.

CDU: 325.14(816.5)
_______________________________________________________________
Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569

Campus I, BR 285, Km 292,7, Bairro São José


99052-900, Passo Fundo, RS, Brasil
Telefone: (54) 3316-8374

Editora UPF afiliada à

Associação Brasileira
das Editoras Universitárias
Sumário

Introdução................................................................................................................... 7
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio
Grande do Sul (séc. XIX e XX)..............................................................................13
Rosane Marcia Neumann

A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações


dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul................59
Patrícia Bosenbecker

A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização


privada do Vale do Taquari (século XIX)..........................................................82
Júlia Leite Gregory

Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)............ 105


Jéferson Luís Schaeffer

Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-


Pará (1882).............................................................................................................. 119
Tatiane Soethe Szlachta

A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região


do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904........................................................ 139
João Sand

Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto


Rio-grandense (1897-1938)............................................................................... 165
Kalinka de Oliveira Schmitz

Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro ................. 184


Marilize Radin Fratini
José Carlos Radin

Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956).......... 210


Carlise Schneiders
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte
Serrada (1920-1940)............................................................................................ 240
Leticia Maria Venson

A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos,


imigrações e refúgios.......................................................................................... 260
Nathan Lermen

Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador


no Sul do Brasil...................................................................................................... 277
João Carlos Tedesco
Alex Antônio Vanin

Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal


do Tigre (1922)....................................................................................................... 306
Leticia Maria Venson

A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no


Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960.......... 326
Ancelmo Schörner

Sobre os autores................................................................................................... 364


Introdução

Os processos que (re)configuram a territorialização agrária no Sul


do Brasil são múltiplos, por isso complexos. Alguns são de fundo comum,
porém, muitos guardam especificidades, sejam elas em razão de sujeitos
envolvidos, conflitualidades e de formas de ação. Buscamos, em todos os
volumes da série Colonos, colônias e colonizadoras ..., propiciar ao leitor,
além de estudos específicos de algumas colônias, análises de algumas
teses sobre o rural, processos migratórios na sociedade, contextualização
histórica e política de ações do Estado que viabilizaram a ocupação de
determinados territórios sob a ótica mercantil. A intenção é sempre ana-
lisar os processos que produziram a normatização e a metamorfose da
terra em reserva de valor e sua consequente apropriação privada.
Colonos, colônias e colonizadoras produziram uma sinergia (comple-
mentaridade e retroalimentação) na constituição da territorialização do
espaço agrário no Sul do Brasil; isso não se deu num vazio de relações e
conflitos sociais; esses foram sempre marcas históricas do agro brasileiro
e revelam uma face visível da sujeição e exclusão de várias categorias so-
ciais subalternizadas pelas múltiplas formas de manifestação do capital
fundiário no país.
Os grandes processos de mudança histórica e de legislação que fo-
ram viabilizados a partir de meados do século XIX em torno da “questão
da terra” repercutem ainda hoje. Conflitos sociais atuais em torno dos
direitos sobre a terra têm suas raízes históricas de longa data no Brasil,
destacando-se posseiros, indígenas, comunidades de negros no meio ru-
ral e pequenos camponeses em suas múltiplas manifestações e identida-
des. Ambos, em suas demandas específicas, revelam as contradições do
capital fundiário, das formas e das políticas que permitiram a inclusão e,
Colonos, colônias e colonizadoras: aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil

ao mesmo tempo, a exclusão ou inclusão marginal de grupos sociais em


torno da apropriação da terra.
Partindo desses pressupostos, o volume VI da coletânea Colonos,
colônias e colonizadoras: aspectos da territorialização agrária no Sul do
Brasil tem como fio condutor a colonização particular, abrangendo as em-
presas de colonização – formadas por um proprietário ou sociedades limi-
tadas, com sede no país ou exterior –; os seus empreendimentos coloniais
– as colônias étnicas, confessionais, mistas e os seus sujeitos – os colo-
nos, tanto imigrantes europeus e seus descendentes, quanto lavradores
nacionais. No seu conjunto, os estudos analisam as especificidades dos
diferentes projetos de imigração e colonização particulares implementa-
dos no Sul do Brasil, no decorrer do Império e República, e a configuração
dessas colônias. Para dar conta da temática, os autores e autoras recor-
rem a abordagens teórico-metodológicas e fontes diversas, ressaltando
a complexidade desse universo colonial e o potencial do tema proposto.
No primeiro texto, Rosane Marcia Neumann apresenta um pano-
rama geral sobre a política de imigração, terras e colonização no Brasil
sob o Império e a República, e a sua implementação na Província de São
Pedro e, posteriormente, com a República, no Estado do Rio Grande do
Sul. Sem perder de vista as macropolíticas, situa, nesse cenário, os em-
presários e as empresas/companhias colonizadoras privadas, como agen-
tes protagonistas na expansão da zona colonial no Estado, ocupando as
bordas dos projetos de imigração e colonização públicos, além de auxiliar
na regularização da estrutura fundiária e na “limpeza” do território para
o avanço do empreendimento colonizador. Enfim, salienta a particula-
ridade e complexidade dos projetos de colonização, das colonizadoras e
das colônias particulares, cada qual como um microuniverso, com sua
própria dinâmica de funcionamento, atravessada pelo jogo capitalista do
mercado de terras e das articulações e interesses políticos.
Uma vez apresentado o horizonte das colonizadoras e colônias par-
ticulares, os estudos que se seguem verticalizam essa problemática, e

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João Carlos Tedesco | Rosane Marcia Neumann (Org.)

analisam as especificidades desses micromundos de empresas e colônias.


Os três artigos seguintes, empenham-se em situar colonizadoras e colô-
nias particulares no século XIX, ainda sob o Império, tendo como ponto
de contato a presença de imigrantes germânicos. Patrícia Bosenbecker
aborda a colônia particular como um local de conflito e disputa pela posse
da terra, onde colonos reivindicam por seus direitos, e a intervenção do
Estado enquanto agente mediador. Como recorte, estuda a Colônia São
Lourenço, fundada em 1858 pelo imigrante alemão Jacob Rheingantz, na
região sul do Rio Grande do Sul, com a predominância de imigrantes ale-
mães pomeramos. Júlia Leite Gregory discute a atividade empresarial
de Antônio Fialho de Vargas na região do Vale do Taquari, onde formou
colônias particulares; trata-se de uma família de latifundiários que per-
ceberam na fragmentação da propriedade e sua transformação e venda
em lotes coloniais uma oportunidade de ganho de capital, formando uma
colonizadora para gerir o empreendimento. Jéferson Luís Schaeffer per-
segue os vestígios da colônia Nova Berlim, no período de 1882 a 1900,
também situada no Vale do Taquari, atrelada à família Fialho, via em-
presa Baptista, Fialho & Cia. Tatiane Soethe Szlachta discorre sobre a
colonização alemã no sul de Santa Catarina, com a fundação da Colônia
Grão-Pará, em 1882, como um dos primeiros empreendimentos privados
a atuar neste ramo na região.
Na virada do século XIX para o século XX, a colonização avançou no
Rio Grande do Sul rumo ao planalto rio-grandense – as “colônias novas”
–, região esta que atraiu empresários e empresas colonizadores, funcio-
nado como escoadouro do excedente populacional da “antiga” zona de
colonização alemã e italiana do estado. Os dados estatísticos trazem in-
dícios do boom da colonização particular na Primeira República, quando,
em menos de duas décadas, esgotaram-se as possibilidades de expan-
são da fronteira agrícola na região e, consequentemente, o avanço das
colônias e colonizadoras particulares para o oeste de Santa Catarina e
Paraná. Logo, os próximos textos abordam esses múltiplos projetos de co-
lonização e seus desdobramentos. João Sand debruça-se sobre a empresa

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Colonos, colônias e colonizadoras: aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil

colonizadora Serafim Fagundes & Cia, em atividade entre 1898 e 1904,


a qual fundou a colônia General Osório. Kalinka de Oliveira Schmitz
investiga a fundação de colônias de particulares bem limitadas, ou seja,
particulares que lotearam a sua propriedade de terras, dando origem a
um núcleo colonial – colônias Dona Júlia (1897), Tamandaré (1915), Co-
lônia de Coqueiros (1928) e Colônia Xadrez (1938). Na outra margem do
rio Uruguai, no centro-oeste catarinense, Marilize Radin Fratini e José
Carlos Radin arrolam as diferentes empresas colonizadoras que retalha-
ram a antiga região de Cruzeiro, dando origem a diversas colônias. Car-
lise Schneiders discorre sobre a atuação da Volksverein enquanto uma
associação de agricultores, e seu projeto de colonização ativo entre 1912
e 1956, voltado a alemães católicos. Leticia Maria Venson examina a colo-
nizadora Angelo de Carli, Irmão & Cia e sua atividade entre 1929 e 1940,
cujo resultado foi a colonização da Fazenda Ressaca, em Ponte Serrada.
Outros projetos de assentamento de nacionais e imigrantes foram
implementados no país em diferentes épocas, atendendo a propostas es-
pecíficas. Nesse contexto, Nathan Lermen estuda o projeto de imigração
e refúgio gerenciado pela Companhia Progresso Rural, uma companhia
suíço-brasileira, que fundou a Colônia Pindorama (Coruripe - AL) e a Co-
lônia Santo Antônio (Barra Mansa - RJ), na década de 1950/1960. João
Carlos Tedesco e Alex Antônio Vanin investigam a Colônia Militar de
Caseros (1858-1878), fundada no norte da Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul, como um ponto estratégico de ocupação, defesa e colo-
nização. Leticia Maria Venson, num segundo texto, foca o conflito entre
colonos e intrusos no oeste catarinense, verificado na Fazenda Faxinal
do Tigre (1922). Ancelmo Schörner ocupa-se com o desdobramento da
colonização e seus impactos sobre o ambiente, delimitando como objeto
de pesquisa o Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR), nas
décadas 1950-1960.
Portanto, as colonizadoras, empresas, empresários e as colônias
particulares ou empreendimentos de colonização, são o fio de Ariadne da
tessitura dessa coletânea. Observar esse mundo colonial particular sob o

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João Carlos Tedesco | Rosane Marcia Neumann (Org.)

jogo de escalas reduzida/aumentada, faculta perceber particularidades e


singularidades que, por sua vez, suscitam outras/novas perguntas. Con-
siderando que cada empreendedor/colonizadora criou seu próprio espaço
colonial particular, mapeamos alguns poucos cosmos, enquanto outros
ainda permanecem obscuros nesse imenso universo colonial! Uma boa
leitura.1

Os organizadores

1
Reforçamos que a exatidão das informações e dos conceitos e opiniões emitidas, as imagens, as
tabelas, os quadros e as figuras são de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es), bem como a
revisão gramatical.

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Empresas colonizadoras e
empresários: a colonização particular
no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Rosane Marcia Neumann

La regla no puede contener todas sus excepciones, pero las


excepciones sí contienen a la regla. Por eso son más ricas, por
todo lo que se puede extraer de ellas.
Carlo Ginzburg, El Comercio, Peru, 7/10/2018

Investigar no es solo encontrar una respuesta, es encontrar preguntas.


Carlo Ginzburg, PuntoEdu, 9/10/2018

Introdução

A
imigração e colonização promovida e subsidiada pela iniciativa
privada de meados do século XIX a meados do século XX, ainda é
um campo a ser explorado pelas Ciências Humanas e as Ciências
Sociais, articulando os dados coletados em nível transnacional. No Bra-
sil, a pesquisa historiográfica está concentrada na região sul e sudeste,
mas com pouco diálogo inter-regional e, a quase ausência de estudos de
história comparada com projetos de imigração e colonização implementa-
dos no mesmo período em outros países latino-americanos.1 Os congres-

1
No Brasil, há uma produção historiográfica recente empenhada em discutir as políticas de imi-
gração e colonização, tanto pública quanto privada, no âmbito da América Latina. Destaque-se as
coletâneas Imigração nas Américas: estudos de história comparada (2018); Imigração na Améri-
ca Latina: histórias de fracassos (2014) e Migrações, territorialidades e ambiente (2023). Sobre a
colonização e as colônias privadas na Argentina, há o trabalho de Juan Luís Martirén (2016).
Rosane Marcia Neumann

sos e revistas científicos tem contribuído na circulação e discussão de


pesquisas no campo dos estudos migratórios, com enfoque nas discussões
teóricas e metodológicas. Redes migratórias, migrações transnacionais,
trajetórias individuais e coletivas, abordadas sob a perspectiva da his-
tória global, história comparada, micro-história, ou outras associações
teórico-metodológicas, buscam situar e compreender as dinâmicas dos
deslocamentos migratórios históricos (e atuais) como processos sociais
completos e complexos – o emigrante e o imigrante são o mesmo sujeito,
impactando a sociedade no decorrer de seu deslocamento: partir, transi-
tar e chegar (Sayad, 1998).2
Os múltiplos fluxos migratórios transnacionais conectaram a Eu-
ropa e a América no decorrer do século XIX até meados do século XX,
conduzidos pelo sonho de “fazer a América” – o “novo mundo” em con-
traposição ao “velho mundo” – levou milhares de indivíduos e famílias
a realizar a travessia transoceânica, na expectativa de concretizá-lo. Na
disputa por esses e/imigrantes, estava o governo imperial/republicano
brasileiro, oferecendo subsídios de viagem e vantagens na aquisição de
um lote colonial. Em paralelo, atuavam os agentes de imigração e colo-
nização, angariando e/imigrantes para empresários e empresas de co-
lonização atuantes no país. Partindo desse contexto e dos pressupostos
teórico-metodológicos dos estudos migratórios na perspectiva da micro-
-história, busca-se nesse ensaio trazer elementos para pensar o perfil dos
empresários, empresas e empreendimentos de colonização privados – os
colonizadores, as colônias particulares e seus sujeitos, os colonos – esta-
belecidos no Rio Grande do Sul, no decorrer do século XIX até meados do
século XX. Como fio condutor, utiliza-se do jogo de escalas e do método
indiciário, na perspectiva de Giovanni Levi e Carlo Ginzburg, e a revisão
bibliográfica.

2
Sobre trajetórias migrantes, há o artigo de Chiara Vangelista; e as coletâneas Micro-história,
trajetórias e imigração, com artigos de Giovanni Levi.

14
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Imigração, terras e colonização


No decorrer do século XIX até meados do século XX, houve a deman-
da por terras por parte de empresas e empresários, nacionais e estran-
geiros, junto ao Império brasileiro, com o propósito de introduzir imi-
grantes no país e promover a colonização, via instalação de colônias. Os
relatórios do Império e da Primeira República, bem como nos Relatórios
dos Presidentes de Província, apresentam os trâmites e as discussões
dessas propostas, sendo a maioria rejeitados dado sua inviabilidade ou
falta de recursos financeiros. Outros projetos, uma vez aprovados, per-
maneceram na fase de “buscar e/imigrantes” na Europa, descumprindo
as cláusulas do contrato com o Império; e uma pequena parcela foi execu-
tada – nessas quase exceções, busca-se delinear o funcionamento desses
empreendimentos privados e seus agentes. A princípio, deduz-se que o
comércio de terras era atrativo e lucrativo aos olhos dos empreendedores,
contudo, o elemento humano com capital, nominado de imigrante, apto a
emigrar e integrar os empreendimentos de colonização, injetando capital
e trabalho, não atendiam a demanda elevada.3
Os empreendimentos de colonização privados – numerosos, embora os
dados são imprecisos e a documentação fragmentada ou ausente – ocupa-
ram um território inferior se comparado à colonização pública. As colônias
particulares, de modo geral, situavam-se em zonas marginais, de pouco
interesse por parte da União ou do Estado, afastados dos núcleos urbanos
e meios de transporte. Em outras situações, porém, o poder público usava
as colônias privadas como ponto de apoio à comercialização das terras pú-

3
Entende-se por empresário o sujeito que investiu capital de forma individual ou associado a
outros sujeitos em um empreendimento de colonização. Por colonizadora ou companhia de
colonização as empresas formadas por um ou mais sujeitos, tendo por fim a colonização. Como
empreendimento de colonização, o conjunto empresário mais empresa/colonizadora e seu es-
paço de atuação, ou seja, a colônia. Logo, a imigração e colonização são vistos na perspectiva
capitalista, assentada na compra e venda de terras, auferindo de uma margem de lucro. Como
consumidor, estavam os interessados em adquirir um lote de terras, independentemente da
posição social, nacionalidade, etnia ou religião, uma vez que o valor de troca era o capital. Os
empreendimentos privados, embora tenham assumido um discurso por vezes mais social, não
escapavam do jogo de mercado.

15
Rosane Marcia Neumann

blicas. Entretanto, é factível que a União/Estado detinha o poder e auto-


nomia para aprovar e autorizar o estabelecimento das colônias privadas,
mesmo estas se situando em terras de domínio particular. No processo de
imigração e colonização, as colônias particulares dependiam de atrair para
si como compradores de lotes coloniais os imigrantes e colonos detentores
de capital, tendo em vista a ausência de subsídios públicos.
O século XIX e as primeiras décadas do século XX foram marcados
no Rio Grande do Sul pelo afluxo de imigrantes europeus de diferentes
nacionalidades, mobilizados pela propaganda em circulação naquele con-
tinente e a expectativa de se tornarem proprietários de terra, ascenden-
do social e economicamente. Na corrida por arregimentar e/imigrantes
na Europa, o Império brasileiro, em um primeiro momento, contratou
como agente de negócios públicos o major Georg Anton von Schäffer,
com instruções para aliciar militares e camponeses, enviando-os sob a
fachada de imigrantes. No decorrer do Primeiro Reinado, os imigrantes
eram provenientes de territórios da Confederação Germânica, iniciando
a sua travessia transoceânica no porto de Hamburgo, com destino à Real
Feitoria do Linho e Cânhamo, renomeada para Colônia Alemã de São
Leopoldo, em 1824.4 Por quase uma década, houve um afluxo regular de
imigrantes à Província, interrompido, em nível nacional pelo fim do Pri-
meiro Reinado e local, pela eclosão da Guerra dos Farrapos (1835-1845).
Em diferentes momentos, coube às províncias a responsabilidade pela
política de imigração e colonização, bem como as despesas concernentes.
A situação das colônias oficiais formadas no Brasil até 1840 não
atendeu plenamente às expectativas do Império. De acordo com Giralda
Seyferth (2004), os fatos indicavam altas taxas de mortalidade e registros
de deserção, fuga e retorno de imigrantes insatisfeitos, que reclamavam
dos contratos não cumpridos pelo governo brasileiro. Em São Leopoldo,

4
O termo imigração alemã aqui é entendido de forma ampla como povos de origem germânica
ou de línguas germânicas, extrapolando o território do Estado-Nação Alemanha, unificado em
1871. É importante essa observação, uma vez que parcela dos imigrantes que ingressou na
colônia de São Leopoldo pertenciam a outras nacionalidades, mas apresentavam passaporte
alemão.

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Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

queixavam-se do atraso na discriminação dos lotes, as demarcações pre-


cárias, as dificuldades de exploração agrícola em áreas florestais. Na
busca de causas para os resultados diminutos obtidos com a colonização,
surgiu a questão do valor da terra e, por extensão, a condenação da con-
cessão gratuita do lote colonial. O insucesso e a mobilidade espacial dos
colonos, exemplificado em São Pedro de Alcântara, no litoral norte do Rio
Grande do Sul, foram atribuídos à facilidade de se obter terra sem nada
pagar. Para os que formulavam as políticas de imigração e colonização, a
culpa cabia aos próprios colonos, acusados de só pensarem nos subsídios,
de não terem nenhum apego à terra recebida. Mais tarde, outras razões
apontadas pelo fracasso de algumas companhias colonizadoras foram a
gratuidade da concessão e os subsídios. Como resultado positivo, havia a
produção agrícola familiar.
Com o intuito de resolver a questão do acesso e propriedade da ter-
ra, articulado à política de imigração e colonização, cuja qual contribui
para majorar os preços das terras, bem como sinalizar à escassez de ter-
ras públicas, as elites agrárias imperiais elaboram uma legislação, regu-
lando esse processo. Foi aprovada a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850,
popularizada como Lei de Terras, regulamentada pelo Ato Adicional de
1854, que dentre outras regras, determinou o acesso e propriedade da
terra por meio da compra e venda ou herança. O mercado de terras ofi-
cialmente institucionalizado e o imigrante como um comprador poten-
cial, mobilizou a União a ampliar sua atuação, via implantação de novos
núcleos coloniais na região meridional e sudeste. Em alguns períodos,
essas iniciativas foram compartilhadas ou assumidas pelas províncias,
de acordo com a legislação em vigor (Iotti, 2001).
Atendendo às suas especificidades, cada província delineou o pró-
prio plano de imigração e colonização, subordinado ao poder central. No
Rio Grande do Sul, pleiteavam-se imigrantes que viessem desenvolver
a agricultura em pequenas propriedades familiares, contrapondo-se ao
poder econômico dos estancieiros. Na província de São Paulo, os imigran-
tes foram direcionados às fazendas de café, na forma de contratos de

17
Rosane Marcia Neumann

parceria, ou seja, ingressavam como mão de obra rural, dividindo uma


parcela da produção, mas sem acesso imediato à propriedade da terra. A
partir de 1870, com o aumento do número de imigrantes, especialmente,
italianos, o governo imperial passou a subsidiar a passagem de terceira
classe e a hospedagem. Também surgiram sociedades de imigração, com
o intuito de trazer mais e/imigrantes ao Brasil. Essa política foi mantida
em partes na Primeira República, quando gradualmente as despesas de
imigração e colonização foram delegadas aos Estados (Iotti, 2001).5
Com o advento da República, todas as terras públicas tornaram-
-se propriedade dos Estados. O governo federal manteve o subsídio da
passagem aos imigrantes que se dirigiam às colônias públicas, mas as
despesas de deslocamento interno, alojamento e colonização recaíram
sob os governos estaduais. O Rio Grande do Sul, atrelado ao projeto cas-
tilhista-borgista, “imediatamente principiou a colonização numa escala
que não foi ultrapassada por nenhum outro estado do Brasil. Posto que
as novas colônias também se limitavam às terras florestais, não houve
um avanço uniforme da colonização [e esta] foi estabelecer-se nas terras
florestais isoladas dos cursos superiores dos rios Jacuí e Ijuí” (Waibel,
1958, p. 216), cuja ponta de lança foi a fundação da colônia Ijuí, em 1890.
Esse “salto” foi impulsionado pela construção da ferrovia, conectando a
capital com Santa Maria, prolongando-se até Cruz Alta em 1894 e, em
seguida, até Passo Fundo.

5
Por exemplo, tal modelo de produção, substituindo gradualmente a mão de obra escrava pela
livre, foi adotado no final da década de 1840, na fazenda de café do Senador Vergueiro, em
Limeira, São Paulo. A família Vergueiro, então, já era proprietária de várias sesmarias, e a sua
iniciativa corroborava com a sua posição política liberal e antiescravagista. O fazendeiro ante-
cipava o capital da viagem aos imigrantes, os quais deveriam ressarci-lo posteriormente, com o
seu trabalho, no formato de contrato de parceria. O endividamento do imigrante iniciava com a
passagem, agregando as compras cotidianas realizadas no armazém da fazenda, empréstimos,
frustração de safra, gerando uma bola de neve de dívidas, atrelando-o à fazenda em um regime
servil. O agravamento da situação implicou na Revolta de Ibicaba ou Revolta dos Parceiros,
em 1856. Em consequência, os fazendeiros que adotaram a mão de obra imigrante passaram a
pagar uma remuneração fixa, assalariando seus trabalhadores. Já externamente, as denúncias
da exploração e péssimas condições de trabalho dos imigrantes foram levadas às autoridades
europeias, como o escrito do imigrante suíço Thomas Davatz (1850), resultando em medidas
restritivas, como o Reskript von der Heydt, emitido em 3 de novembro de 1859, na Prússia,
limitando a emigração de alemães ao sudeste do Brasil.

18
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Os projetos de imigração e colonização subvencionada e étnica cedeu


lugar no Rio Grande do Sul à imigração espontânea e a formação de colô-
nias mistas no quesito etnia e religião. As colônias Ijuí (1890) e Guarani
(1891), situadas na região noroeste do Estado, foram os dois primeiros
experimentos de colônias mistas – em seu interior, foram assentados
imigrantes alemães, italianos, poloneses, austríacos, letos, árabes, lu-
so-brasileiros, descendentes de imigrantes diversos; de religião católica,
luteranos, batistas etc. –, modelo replicado a partir de então nas novas
colônias públicas formadas na região.
O avanço da colonização sobre as zonas florestais do Estado, pro-
cesso denominado de “enxamagem” por Roche (2022), torna-se mais vi-
sível ao observar os mapas das Figuras 1, 2 e 3. Enquanto a campanha
concentrava as fazendas pecuaristas, restavam aos imigrantes os vales
dos rios Sinos, Caí e Taquari, ocupados pelas colônias alemãs, e a serra,
ocupada pelas colônias italianas. Esgotado o modelo de colonização via
reprodução do campesinato, pressionado pela demanda por novas terras,
o governo estadual procedeu a colonização da zona florestal às margens
do rio Uruguai, com o estabelecimento de colônias mistas, tendo em vista
que não havia mais para onde empurrar os nacionais, logo, optou por
fixá-los em lotes coloniais.

Figura 1 – Vegetação original do RS Figura 2 – Zonas de povoamento do RS

Fonte: Bernardes, 1997. Adaptações: Jussara Mantelli. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/8879.


Acesso em 15 mar. 2021.

19
Rosane Marcia Neumann

Figura 3 – Processo de Ocupação do Território - RS

Fonte: Rio Grande do Sul. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul.
7ª ed. Disponível em: https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/midia/imagem/map-2020-processo-historico-rs-corri-
gido. Acesso em 30 nov. 2022.

Simultâneo à iniciativa pública, vários pedidos de empreendimen-


tos de imigração e colonização privados foram encaminhados ao governo
imperial e provincial, enquanto outros foram implementados. Ainda no
século XIX, chama atenção o perfil diverso desses empreendimentos pri-
vados e os seus projetos de imigração e colonização. Os resultados dessas
iniciativas, como um todo, são imensuráveis, mas a redução de escala e a
particularização permitem alguma aproximação.

20
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Colônias, colonização e colonizadoras


No Brasil meridional, colônia – o lugar – e colonos – os sujeitos –
são expressões de uso corriqueiro e remetem a núcleos formados com
imigrantes de origem europeia, no decorrer dos séculos XIX e XX. Jean
Roche (2022, p. 36) esboça uma definição desses termos, apontando para
sua ambiguidade e historicidade, situando-os no tempo e espaço. Primei-
ro, após a independência, o imperador D. Pedro I “anuncia que apelará
para agricultores livres, brancos, mas não portugueses, pois a instituição
da escravatura degradou o trabalho manual aos olhos dos luso-brasilei-
ros”. Esses “colonos” vão explorar regiões remotas e estratégicas. No sé-
culo XIX, “colonizar é, por um lado, introduzir com novos habitantes mão
de obra inexistente no lugar e, por outro, empregá-la nos estabelecimen-
tos agrícolas”. Nesse sentido, nos atos administrativos, na tribuna das
assembleias parlamentares e na imprensa, a palavra colonizar é usada
com esse sentido. No século XX, “desejando dar uma nova definição jurí-
dica ao imigrante, o legislador brasileiro adotava como critério a intenção
manifestada pelo estrangeiro de estabelecer-se num ponto do território
e nele exercer uma profissão, de preferência agrícola”. Inicia então uma
colonização tutorada pelos órgãos encarregados de controlar a imigra-
ção. “Estabelecidos nas terras concedidas, os imigrantes foram, primei-
ramente, agricultores e artesãos rurais, como se lhes pedia, colonos, isto
é, homens ligados à terra que exploravam”. Por sua vez, o emprego da
palavra “colonização” pelos brasileiros provém de “uma subordinação do
imigrante à colonização, que é o fim dela. Falando de colonização alemã,
entende-se a exploração de uma região sob a direção do governo brasilei-
ro por mão de obra originária da Alemanha”.
Logo, as colônias alemãs, italianas, polonesas, holandesas etc. que
se formaram no Brasil não mantinham uma relação de metrópole com
seu país de origem. Trata-se de uma identificação do grupo étnico e da
nacionalidade predominante no referido núcleo colonial, como uma for-
ma de diferenciação em relação aos “outros”. Roche (2022, p. 37) ainda

21
Rosane Marcia Neumann

argumenta que “o termo Kolonist designa, especialmente, o homem que


desbrava e cultiva a terra e que seja um neologismo local, o de Kolonie
possui, em alemão, outras acepções além de lote ou de estabelecimento
rural”. Renzo M. Grosseli assinala que o entendimento europeu do termo
colonização difere do latino-americano.
Na área latino-americana, o termo colonização significa, ao invés, povoamento
de vastas áreas do território por meio especialmente de agricultores a quem
são distribuídos, grátis ou mediante pagamento, lotes de terra, em particular
áreas em que atua uma estrutura administrativa denominada “colônia” [...]
Colonização, portanto, é um termo que se refere aos programas e projetos de
subdivisão de grandes propriedades por meio de organizações públicas e pri-
vadas, visando a colocação de famílias de agricultores nos lotes assim criados,
e o desenvolvimento de atividades de auxílio, assistência e supervisão, a fim
de estabelecer nestas áreas comunidades de pequenas proprietários rurais
(Grosseli, 1987, p. 274-275).

Leo Waibel (1958, p. 214) lembra que no Brasil não houve coloniza-
ção espontânea, mas
[...] tem sido sempre organizada, planejada, subvencionada e dirigida por
alguém: pelo governo federal, das províncias ou estados, e dos municípios,
companhias particulares ou proprietários de terras individualmente. Por con-
seguinte, os métodos aplicados e os resultados alcançados diferem muito, de
acordo com o tipo de colonização.

Para o governo, a colonização é a política de povoamento e o desen-


volvimento de regiões estratégicas, dependente de fatores políticos, fre-
quentemente instáveis e que interferem diretamente na administração
das colônias.
Para uma companhia particular, colonização quer dizer negócio; ela quer ga-
nhar dinheiro e é certo que o ganhará se conseguir uma boa qualidade de ter-
ra, e gente também de boa qualidade. A administração se baseia estritamente
em princípios econômicos e, em circunstâncias normais, não é prejudicada por
interferência política. Esta é a razão pela qual as companhias particulares
foram tão bem-sucedidas na colonização do sul do Brasil, e Santa Catarina
foi a região em que o princípio foi aplicado pela primeira vez em larga escala
(Waibel, 1958, p. 217-218).

Relativo à estrutura de uma colônia, as colônias públicas e as colô-


nias particulares seguiam um padrão semelhante. A área da colônia era
subdividida em lotes coloniais, com área média de 48 hectares no início

22
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

do século XIX, passando a 25 hectares no final do século. Os lotes eram


alinhados por uma linha, travessão ou picada, que também servia como
via de comunicação e estrada. As linhas coloniais seguiam em geral os
fundos de vales fluviais, alinhados lado a lado, com centenas de metros
de distância entre si. A extensão das linhas coloniais era variável, poden-
do abrigar dezenas ou centenas de lotes.
Esses lotes são estreitos ao longo da estrada e do rio, mas se estendem numa
longa faixa retangular para o fundo, muitas vezes até o divisor de águas. É
este exatamente o tipo de povoamento e a distribuição da terra que eram usa-
dos no fim da Idade Média, na colonização das montanhas do leste da Alema-
nha. Lá, este tipo de povoamento é chamado Waldhufendorf. Wald significa
floresta, Dorf quer dizer vila e Hufe se refere à faixa comprida e estreita de
terra que foi entregue a cada colono. [...]. O fato interessante é que este tipo de
povoamento é quase desconhecido no norte, no oeste e no sul da Alemanha, de
onde vieram os primeiros imigrantes. Quase toda essa população é originária
de vilas aglomeradas (Haufendörfer), onde eles moravam comprimidos uns
aos outros (Waibel, 1958, p. 243).

As colônias públicas e as colônias particulares se aproximavam em


muitos aspectos formais – estrutura da colônia, sede urbana, subdivisão
em linhas ou picadas que, por sua vez, se dividiam em lotes coloniais,
pequena propriedade rural de produção agrícola, produção diversificada,
venda do excedente da produção, associação entre agricultura, atividade
de ofício e comércio; mão de obra familiar do colono; o agente coloniza-
dor ofertava lotes coloniais demarcados, contrato de compra e venda e
escritura pública. Em outros aspectos, se distanciavam: as colônias pú-
blicas estavam sob a incumbência do governo federal/estadual/municipal
e eram administradas com recursos e funcionários públicos, atendendo
a projetos definidos e aprovados em diferentes instâncias, o pagamento
da dívida colonial revertia aos cofres públicos, os colonos podiam prestar
serviços para abater parte da dívida colonial, o governo era responsável
pela imigração e despesas de colonização, o número de colônias era redu-
zido, mas cada colônia abrangia uma áreas extensa de terras, formação
de colônias étnicas durante o Império e colônias mistas na República, já
nas primeiras décadas do século XX, a colonização significava a venda de
lotes coloniais, sem a formação de uma estrutura de colônia.

23
Rosane Marcia Neumann

As colônias particulares, por sua vez, tinham perfis múltiplos: per-


tenciam a empresas colonizadoras nacionais ou estrangeiras, a pessoas
físicas que formavam uma empresa, a sociedades limitadas, associações,
ou pessoas físicas que vendiam sua propriedade fragmentada; por vezes,
as colonizadoras apresentavam um projeto de colonização, outras não,
outras ainda tratava-se da simples venda de um gleba de terras dividida
em lotes de terras; preços das terras e prazos de pagamento variados;
contrato de compra e venda, escritura pública; muitas colônias particu-
lares mas com áreas pequenas; delimitação ou não de sede urbana; atra-
ção de compradores via agentes de imigração, propaganda na imprensa;
instalação e subsídio à igreja, escola e serviços de filantropia; colônias
étnicas, colônias confessionais, colônias de perfil partidário. As colônias
privadas ocuparam, em geral, uma pequena área de terras, adquiridas
de particulares ou do Estado, com número limitado de lotes. Interna-
mente, cada qual ditava suas regras e preços das terras. Nesse viés, cada
colônia particular era um micro espaço complexo e singular, resultado
da negociação entre o(s) seu(s) proprietário(s)/idealizador(es), os colonos,
os lavradores nacionais, os proprietários adjacentes e o poder público, e
das contingências macro históricas. Enfim, cada colônia particular re-
presenta um universo, com suas próprias regras, demandas e conflitos,
subordinada à legislação brasileira. Observando-as em escala reduzida,
é possível apontar algumas de suas dinâmicas.

Empresas e seus empreendimentos de colonização: Império


O Império brasileiro recebeu inúmeros projetos de imigração e co-
lonização de particulares, que reivindicavam como contrapartida a con-
cessão de terras. Muitos desses projetos não foram aprovados dada a
ausência de garantias, outros, mesmo aprovados, foram engavetados. A
multiplicidade e diversidade de empresas e empreendimentos de coloni-
zação particular, além da duração efêmera de muitos deles e a carência
de documentação, dificulta apresentar um mapeamento geral desse mo-

24
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

delo de colonização e traçar suas trajetórias. Dado os limites, serão apre-


sentados alguns empreendimentos de colonização particulares pioneiros
no Sul do Brasil durante o Império e, na sequência, o mosaico de colônias
e colonizadoras particulares atuantes no Planalto Rio-grandense na Pri-
meira República.
Um dos projetos de imigração e colonização imperiais implementado
e, em termos de projeto, exemplar, foi do Dr. Hermann Blumenau (1819-
1899), fundador da colônia Blumenau, às margens do rio Itajaí, Santa
Catarina, em 1848. Blumenau, antes de investir em um projeto de coloni-
zação, realizou uma viagem pela zona de colonização alemã do Rio Gran-
de do Sul, e dentre suas justificativas para o empreendimento, destacou
o auxílio governamental fornecido ao colono. O colonizador elaborou um
projeto de colonização, apresentando seus propósitos, o qual foi publica-
do e circulou no Brasil e na Europa. Segundo a concepção de Blumenau,
a colônia se faz por si mesma, por meio do trabalho do colono. “A Colônia,
sustentada com recursos relativamente ínfimos, se desenvolveu lenta,
mas progressivamente, por si própria, de maneira segura e natural, con-
seguindo firmar sua existência através do trabalho” (Blumenau, 2002,
p. 26). O desdobramento do projeto de Blumenau emperrou no quesito
imigração, visto que o número esperado de imigrantes não foi atingido,
além de problemas financeiros. Descumprindo o contrato, a colônia foi
encampada pelo Império, porém, seu exemplo encorajou outros projetos.6
Já no Rio Grande do Sul, a retomada das atividades de imigração
e colonização no pós-Guerra Farroupilha (1835-1845) foi acompanhada
pela formação dos primeiros empreendimentos de colonização particula-
res. Esse perfil de colonização foi inaugurado por Tristão José Monteiro,
proprietário da colônia Santa Maria do Mundo Novo (atuais municípios

6
Por exemplo, a colônia Dona Francisca (Joinville), fundada em 1851 pela "Hamburger Koloni-
sations Verein von 1849" (Sociedade Colonizadora Hamburguesa); colonizadora pertencente ao
Senador Schroeder; Colônia Belga (1845); Colônia Azambuja (1877), a primeira colônia italia-
na; a Colônia Hansa-Humboldt (1897), fundada pela Companhia Hanseática de Colonização,
que encampou a Sociedade Colonizadora Hamburguesa. Sobre as empresas de colonização e
as colônias particulares em Santa Catarina, ver Werlang (2006); Vicenzi (2003); Zilles (1992);
Koelln (1980); Magro (2020).

25
Rosane Marcia Neumann

de Taquara, Igrejinha, Três Coroas), formada em 1846 pela junção da


área da fazenda do Mundo Novo e da fazenda do padre Tomé, no vale do
rio Paranhana. Monteiro, valendo-se da propaganda perante o governo
através do envio de relatórios e da propaganda externa, construiu uma
imagem positiva do seu empreendimento, atraindo compradores de lo-
tes de terras, principalmente o excedente populacional de São Leopoldo
(Magalhães, 2003). No mesmo ano, nas proximidades de São Leopoldo,
Guilherme Winter fundou a colônia Bom Princípio e Miguel Kroeff, a
colônia Pinhal, em Santa Maria da Boca do Monte. Na região Sul, em Pe-
lotas, o comerciante Jacob Rheingantz fundou a colônia particular de São
Lourenço, em 1858, colonizada com imigrantes da Renânia e Pomerânia.
Para instalar a colônia, Rheingantz adquiriu oito mil milhas quadradas
de terras devolutas, comprometendo-se em medir a terra no prazo de
cinco anos e colonizá-la com, no mínimo, 1.440 imigrantes agricultores,
os quais vieram com a passagem paga. Enquanto esteve à frente do em-
preendimento, houve inúmeras reclamações por parte dos imigrantes,
gerando um clima de tensão. Na iminência de não cumprir os compro-
missos assumidos com os imigrantes, o Império encampou a colônia (Bo-
senbecker, 2020; Iepsen, 2008).
Nota-se que em diferentes províncias, empreendedores perceberam
na imigração e colonização uma oportunidade de ter acesso à extensas
glebas de terras, na expectativa de obter elevados lucros com a venda
dessas terras fracionada em lotes coloniais. No Rio Grande do Sul, entre
1824 e 1889, foram fundadas 16 colônias alemãs oficiais e 63 com capi-
tal privado (Quadro 1), totalizando 79 colônias (Pellanda, 1925; Roche,
2022).

26
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Quadro 1 – Colônias particulares fundadas no Rio Grande do Sul: Império


(continua...)
Ano Colônia Fundador Observações
1846 Mundo Novo Tristão José Monteiro
1846 Bom Princípio Guilherme Winter
1846 Santa Maria da Boca do Monte (Pinhal) Miguel Kroeff
1848 Caí Santos Guimarães
1850 Fazenda Padre Eterno Barão do Jacuí
1850 Rincão del Rey Dr. Israel R. Barcellos
1853 Estrela Vitorino José Ribeiro
1853 São Gabriel Primordio C. Azambuja
1853 Conventos Fialho e Baptista
1854 Silva Fialho e Baptista
1856 Mariante Cel. Antônio J. S. Mariante
1856 Maratá J. A. Pereira Morais & Cia.
1857 Santa Maria da Soledade Montravel Silveira & Cia
1857 Pareci José Inácio Teixeira
1857 Brochier Irmãos Brochier
1857 Piedade Eugênio de La Rue
1857 São Salvador Eugênio de La Rue
1858 Teutônia Schilling & Cia.
1858 Ubatuba J. Ubatuba
1858 São Lourenço Jacob Rheingantz
1860 Desterro Crispim Ribeiro
1860 Escadinhas Moraes
1860 São Caetano Diversos
1861 São Vendelino Eugênio de La Rue
1861 Schneiderthal Eugênio de La Rue
1862 Rio Pardense Francisco Antônio Borges
1863 Candelária Rochenberger
1865 Santa Emília Pereira & Cia.
1866 Sinimbu Holtweissig & Cia.
1866 Lopes Manoel Fontoura Lopes
1868 Arroio do Padre Guilherme Bauer & Cia.
1868 Cerrito Jacob Rheingantz
1869 Arroio do Meio J. P. Fialho de Vargas
1869 Santa Silvana Custódio G. Belchior
1869 Santa Clara (Pelotas) Joaquim de Sá Araújo
1870 Santa Clara (Lajeado) Antônio Fialho V. Filho
1872 Fazenda Conventos Vermelhos Santos Pinto
1873 Cafundó Bastos, Gehlen e outros
1875 Cerro Branco B. von Kalden, Müller
1875 Poço das Antas Ely Weber & Cia.
1875 Forqueta Diversos

27
Rosane Marcia Neumann

(conclusão)

1876 São Luís Afonso Azambuja


1876 Novo Berlim (Marques de Souza) Schoet Py & Cia.
1877 Friedental Ethmel, Pijot
1879 Benfica Ethmel, Pijot
1879 Bastos Bastos, Klenzen & Cia.
1880 Travesseiro Xavier Alves
1880 Piedade Felipe Selbach
1880 Pirajá Diversos
1880 Sete Léguas Antônio J. S. Mariante
1881 Santo Antônio João A. Pinheiro
1881 Aliança Augusto Kardt
1881 Arroio Jacob Rheingantz
1882 Santa Helena Siegmar von Schlegell
1883 Retiro Manoel Fontoura Lopes
1884 Nova Santa Cruz Diversos
1885 São Luís Luís J. Silva Leivas
1885 Palmas Joaquim P. Fialho V.
1885 Entrepelado Antônio Maciel e outros
1886 Rio de Ilha Felipe Wagner e outros
1887 Rincão São Pedro Thompson
1888 Rolante João Renck e outros
1889 Santa Eulália Heleodoro Azevedo e Souza
Fonte: Pellanda (1925, p. 44-51); Roche (2022, p. 152-155)

O Quadro 1 lista as colônias particulares fundadas no Estado sob o


Império no século XIX, concentradas nas imediações da colônia de São
Leopoldo, acompanhando a expansão das colônias públicas, destinadas
a imigrantes alemães e seus descendentes. Houve uma concentração
maior de colônias particulares no vale do rio Taquari, de propriedade de
latifundiários locais, como a família Fialho de Vargas, e no vale do rio
Caí. Embora os vestígios deixados por esses empresários e seus empreen-
dimentos são tênues e escorregadios, pelos dados compilados, percebe-
-se a quantidade de empreendimentos, constituídos por indivíduos ou
sociedades/companhias de colonização. Ainda, a atuação localizada, via
colonização de uma área de terras, muitas vezes subdividida em vários
núcleos, como o exemplo de Eugênio de La Rue. Entretanto, os dados
compilados no Quadro não fornecem a área em hectares das colônias, a

28
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

nacionalidade dos colonos e o número de habitantes, o que dificulta di-


mensionar seu tamanho e hierarquizar os empreendimentos quanto ao
capital de seus empresários, área, mercado de terras, trajetória do em-
preendimento. Nesse momento, poucos empresários e empresas de colo-
nização se consolidaram em termos de capital, a ponto de expandir seus
negócios para outras regiões do Estado ou mesmo, para outros estados.
Portanto, no decorrer do século XIX, o Império foi o protagonista
na política de imigração e colonização, haja vista ser o maior detentor
de terras devolutas, direcionando a instalação de núcleos coloniais em
zonas estratégicas, defendendo fronteiras e incrementando a produção, o
crescimento demográfico e a expansão das vias de comunicação e trans-
porte, conexão modernizada com a introdução da via férrea e o telégrafo.
A partir de 1899, com a Proclamação da República, a política imigratória
não sofreu modificações significativas, passando a ser de responsabilida-
de dos estados. Ao longo de mais de um século de imigração no Brasil,
o perfil do imigrante se modificou, tal qual as exigências para o recebi-
mento. De 1824 a 1907, não havia uma lei constitucional brasileira que
regulamentasse a imigração, nem ao menos uma definição sobre quem
era o imigrante. O decreto de 31 de dezembro de 1924 passou a exigir o
registro das companhias de navegação autorizadas a desembarcar imi-
grantes, entendendo-se como tal “todo passageiro de segunda ou terceira
classe, chegado em navio pertencente a uma dessas companhias” (Roche,
2022, p. 143). Decorrente à queda da Primeira República e à ascensão de
uma nova elite ao poder, em 1930, houve uma reorientação da política
imigratória com a intervenção direta do governo federal.

O mosaico de colônias particulares no Planalto-riograndense


No Rio Grande do Sul na Primeira República, o número de colônias
se multiplicou rapidamente. Até 1922, foram instaladas 12 colônias ofi-
ciais e 51 particulares, totalizando 63 colônias (Pellanda, 1924; Roche,
2022). Enquanto política pública, o governo estadual reduziu gradual-

29
Rosane Marcia Neumann

mente os subsídios à imigração e colonização, até retirá-los completa-


mente, incentivando a imigração espontânea e a realocação do excedente
populacional das antigas zonas coloniais.
Os dados coletados pelo governo estadual em relação às colônias par-
ticulares, apresentados no Quadro 2, são mais detalhados se comparados
aos dados do Quadro 1, que abrangem o período imperial. Cabe registrar
que alguns desses empreendimentos de colonização são objeto dos textos
dos próximos capítulos. Todavia, sobre a maioria dos empresários e em-
presas são conhecidos os dados básicos: razão social, colônia, por vezes a
área total do empreendimento, sabendo-se muito pouco sobre a dinâmica
de venda de terras, preços dos lotes, período de atuação da colonizadora
etc. Como permanência, nota-se a diversidade de empresas, as múlti-
plas associações e fusões, mesmo entre as empresas; colônias com áreas
variadas, desde uma pequena área de 500 a 800 hectares, outras entre
1.000 e 5.000 hectares, e algumas exceções, com área superior a 10.000
hectares. Entretanto, os dados quantitativos nem sempre condizem com
a estabilidade da empresa e o desenvolvimento econômicos, social e cul-
tural do empreendimento. Por exemplo, a colônia Alto Jacuí, fundada em
1897 pela empresa Colonizadora Schmidt e Annes, com área de 32.965,
situava-se no latifúndio de propriedade de Gervásio Lucas Annes. A colo-
nizadora assumiu a razão social de Schmidt & Optiz Cia., com a troca de
seus sócios. Como colônias, houve a fragmentação da colônia Alto Jacuí
em Tapera e Não-Me-Toque, com uma primeira tentativa de colonização
com colonos de origem alemã e italiana. No transcurso da colonização, a
colonizadora original foi extinta e seu espólio se fragmentou, o que resul-
tou em “diversos” colonizadores e incorporação de parte da colônia origi-
nal a outras colônias, e os colonos alemães migraram para outros locais,
ocasionando o despovoamento. O que restou da colônia Não-Me-Toque foi
recolonizada anos mais tarde com imigrantes holandeses.
O quadro traz dados até 1922, momento em que o Estado assumiu
definitivamente a compra e vende de terras públicas aos colonos, com
preços competitivos, limitando cada vez mais a atuação de empreendi-

30
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

mentos privados, com a implementação de uma legislação e fiscalização


mais rígidos. Soma-se o esgotamento da fronteira de expansão, impac-
tando na elevação dos preços das terras, e a intensa intrusão nas terras,
comprometendo a negociação e a emissão da escritura. Diante desse ce-
nário, empresas, empresários e colonos migraram para outra margem do
rio Uruguai, onde o governo catarinense oferecia terras mais baratas e
incentivos para estabelecimento de colônias, com o propósito de colonizar
a região centro-oeste. Contribui para esse êxodo a instabilidade política
do Rio Grande do Sul, iniciada com a Revolução de 1923 ou Assisista,
após a eleição estadual de 1923, que reelegeu Borges de Medeiros. O epi-
centro do conflito, iniciado em Passo Fundo, esteve situado na região do
Planalto Rio-grandense, comprometendo a segurança das colônias, dos
colonos e de sua produção. Após a pacificação, grupos armados inimigos
permaneceram pela região, enfrentando-se em diferentes momentos. No
rescaldo de 23, eclodiu a Coluna Prestes, em 1926, em Santo Ângelo, cuja
marcha em direção à capital federal cruzava pelas colônias do noroeste
rio-grandense, abalando novamente a zona colonial. O resultado imedia-
to que afetou o planalto rio-grandense foi a estagnação do mercado de
terras, com elevada oferta e pouca procura, aumento da intrusão, redu-
ção do preço das terras, êxodo de colonos para centros urbanos ou novas
fronteiras agrícolas. Um exemplo extremo desse processo foi a colônia
particular Xingu, de propriedade da Empresa de Colonização Dr. Herr-
mann Meyer, que era local de trânsito das tropas e dos bandos armados,
cujos colonos abandonaram a colônia e sua produção, refugiando-se em
Palmeira ou migrando para outros locais, ocasionando o despovoamento
da colônia uma elevada oferta de terras à venda. Da mesma colonizado-
ra, a colônia em formação, denominada Erval Seco, ficou com a venda de
terras estagnada, os preços despencaram, além de conviver com a intru-
são das terras ociosas (Neumann, 2016).

31
Rosane Marcia Neumann

Quadro 2 – Colônias particulares fundadas no Rio Grande do Sul: República


(continua...)
Nacionali-
Área dade
Ano Colônia Fundador População
(ha) predomi-
nante
1890 Sesmaria Machado Machado
alemã;
1890 Sanga Funda Diversos 2.400 630
nacionais
alemã;
1890 Borússia 4.000 600
italiana
1891 São Manoel Pedro A. Toledo
1892 Ijuí Grande Carvalho Bastos, Azevedo
1893 Sertão Sant’Anna Diversos 1.260 nacionais
1894 Villianova 1.000 530 italiana
1895 Cachão Hegemann, Krendkler
1895 Forquetinha Bento Rosa, Coutinho
1895 Pao-a-pique 300 500 nacionais
1896 Favilla Diversos 1.900 525 alemã
1896 Santa Clara Diversos 666 1.200 alemã
1896 Ignacio Alves 530 nacionais
alemã;
1897 Alto Jacuí Diversos; Schmidt e Annes 32.965 9.700
italiana
1897 Não-Me-Toque Schmitt & Opitz Cia.
1897 Barra do Colorado Companhia de Colonização
1897 Xingu Hermann Meyer & Cia. 2.087 200 alemã
1897 Boi Preto Hermann Meyer & Cia.
Serafim Fagundes & Cia./
1898 Gen. Osório 14.735 3.000 alemã
Companhia de Colonização
1898 Neu-Württemberg Hermann Meyer & Cia. 10.146 3.500 alemã
1898 Visconde Rio Branco Antonio Alves Ramos 6.988 2.000 italiana
1898 São Paulo 15.723 2.650 italiana
1899 São Miguel 13.957 3.900 italiana
1899 2º Distrito Guaporé Dörken & Cia. 10.679 8.300 italiana
1899 Saldanha Marinho Castro Silva & Cia. 2.791 1.960 alemã
1899 Rincão dos Mellos 1.200 600 nacionais
1900 Ernestina Ernesto Carneira Fontoura 3.600 680 alemã
alemã;
1900 Catupi Ernesto Carneiro Fontoura 300 500
nacionais
1900 São João João Baptista Scholl
1900 São Pedro Pedro Nunes Baptista
1900 Ramos Antônio Ferreira Ramos
1900 Santa Coleta Dr. Epaminondas P. Almeida
1900 Santa Bernardina Dr. Epaminondas P. Almeida
1900 São Domingos Carlos Ritter & Irmão
1900 Triunfo João Baptista Scholl

32
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

(continua...)

1900 Fão Ernesto Hoeussler


1900 Vitória Kruel & Cia. 220 nacionais
1901 Araçá 8.000 1.500 italiana
1901 Cacique Doble 500 500 italiana
1902 Cerro Azul Dr. Horst Hoffmann; Bauerverein
1902 Municipal Governo Municipal
1902 Sananduva 13.100 3.500 italiana
1903 Bela Vista Companhia de Colonização
1904 Gerisa Companhia Imobiliária e Agrícola 2.448 740 alemã
1904 S. Ricardo 200 100 italiana
1904 Philippson’s 5.766 400 russa
1906 Nova João Baptista Scholl 2.000 525 alemã
[1906] Gonçalves 500 420 alemã
1906 5º Distrito Guaporé Bastian & Cia 6.333 8.300 italiana
1907 Boqueirão do Leão Selbach
1907 Santa Bárbara 561 315 italiana
1908 Souzas Diversos 500 210 alemã
1908 São Manoel (parte) Diversos 400 210 alemã
1908 Herval Diversos 1.500 420 alemã
1908 Deodropolis (Guaporé) 6.128 3.900 italiana
1909 Coronel Selbach Coronel Selbach 3.872 220 alemã
1909 Forqueta 5.400 1.600 italiana
1910 Buriti Frode Johansenn 320 nacionais
1910 Neu-Württemberg (Palmeira) Hermann Meyer & Cia. 3.744 200 alemã
1910 Demarchi 110 nacionais
1910 Volta do Freitas 800 500 nacionais
1911 Rio do Peixe Companhia de Colonização 24.196 5.000 italiana
1911 Ed. Palassin (Guaporé) Ed. Palassin 2.324 4.450 italiana
1911 Macegal 800 360 nacionais
1912 Potreiro 1.140 500 nacionais
1912 Dona Júlia Vargas 2.000 320 italiana
1912 Timbaúva Vargas
1912 Boa Vista Federação dos Lavradores do RS 100.000 1.500
alemã;
1912 São Francisco italiana;
nacionais
1913 Nova Feltre 500 320 italiana
1914 Steglich Steglich
1915 Tamandaré Matte, Vargas, Meira
1915 Weidlich Weidlich
alemã;
1915 Tesouras Matte, Vargas, Meira 3.700 300
nacionais

33
Rosane Marcia Neumann

(conclusão)

alemã;
1915 Barro Luce & Rosa 13.811 2.500
italiana
alemã;
1915 Medorema italiana;
nacionais
1916 Sarandi Selig & Cia.; Kreiser & Cia.
1916 Emílio Calo Emílio Calo 6.000 300 alemã
alemã;
1916 15 de Novembro Albert Schmitt ¿ 800
italiana
1917 Sturm Sturm
alemã;
1917 Dourado 24.228 1500
italiana
alemã;
1917 Rio Novo
italiana
1919 Rondão Sedrin
1922 Pessegueiro Zenzen
Augusta Achilles Couto
Chapada Sudbrack
alemã;
Venâncio Aires vários pequenos núcleos 43.466 7.680
nacionais
Diversos pequenos núcleos e co-
Diversos municípios 250.000 15.800 intrusos
lonos disseminados
Fonte: Pellanda (1925, p. 44-51); Roche (2022, p. 152-155); Quadro 11 – Secretaria de Estado dos Negócios das Obras
Públicas – Diretoria de Terras e Colonização – Organização do quadro das colônias no estado. Relatório da Dire-
tora de Terras e Colonização, 1919).

As empresas de colonização privadas, em alguns casos, tentaram


manter o perfil de colonização étnica e, por vezes, confessional, como as
empresas Colonizadora Meyer e a Bauernverein, ambas com colônias na
região noroeste do Estado.
Em 1898, o Dr. Herrmann Meyer, de Leipzig, Alemanha, fundou a
colônia Neu-Württemberg, situada no interior do município de Cruz Alta,
colonizando-a com imigrantes alemães e colonos teuto-brasileiros, nascidos
no Rio Grande do Sul, com ampla predominância dos protestantes. Em-
presa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, caracterizada como empreen-
dimento privado de empresa e de capital estrangeiro, com autonomia sufi-
ciente para gerenciar os negócios a seu modo, dentro dos parâmetros legais
– nesse caso, às leis brasileiras e alemãs, tendo o consulado de ambos os
países como intermediário na solução de problemas. Como espaço, as terras

34
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

florestais dos municípios de Cruz Alta e Palmeira. O projeto de coloniza-


ção de Herrmann Meyer, implementado por intermédio da colonizadora, foi
pensado e adaptado à conjuntura da nova zona colonial no transcorrer do
processo, fazendo concessões, ora pressionado pelos colonos, ora pela con-
corrência, ora pelos seus próprios administradores, ora pelas circunstân-
cias políticas, econômicas e sociais que sacudiram o Brasil e a Alemanha
entre 1897 e 1932 – especialmente a Primeira Guerra Mundial – e, no pe-
ríodo posterior, atravancaram o processo de liquidação do empreendimen-
to. A concessão da autorização para a emigração por parte do governo da
Alemanha, em 1906, por si só, assegurava sua legitimidade e credibilidade,
ponto sempre ressaltado em propaganda. Em termos de “projeto de colo-
nização étnico”, apresentou-se aos emigrantes alemães em potencial como
alternativa diferenciada em relação às demais opções, uma vez que se pro-
punha a realizar e subsidiar um “trabalho cultural” centrado na educação
e assistência religiosa, aspectos negligenciados nas demais áreas coloniais
do Rio Grande do Sul e, nesse contexto, nas colônias mistas. Empenhou-se
na construção de uma “colônia-modelo”, onde era possível “ser” e “perma-
necer” alemão, retardando ao máximo a assimilação do meio cultural na-
cional. Tal ideário também seduziu os colonos das colônias velhas no esta-
do, atraídos pelos preços reduzidos e pela fertilidade do solo. Seu objetivo
consistia na realização de um trabalho cultural, porém não assistencialista
ou filantrópico. Adquiriu cinco pequenas posses privadas distante uma da
outra: Xingu, Erval Seco, Boi Preto em Palmeira, Neu-Württemberg em
Cruz Alta e Castilhos em Júlio de Castilhos (Neumann, 2016).
Já a colônia Fortaleza/Erval Seco caracterizou-se como uma coloniza-
ção de terras de especulação frustrada, razão pela qual colonizada somente
na década de 1920. Apresentou-se como uma área de negócio de terras,
de preferência vários lotes coloniais a um único comprador, independen-
temente da origem étnica. Daí a presença significativa de colonos italia-
nos, luso-brasileiros, poloneses (somando cerca de 35%), e colonos alemães
(aproximadamente 65%), onde também foram demarcadas duas sedes ur-
banas. As posses Boi Preto e Castilhos foram medidas e vendidas em gran-

35
Rosane Marcia Neumann

des áreas, sem qualquer outro investimento. Ao analisar dessa ótica, cada
projeto de colonização particular apresentava as suas especificidades, além
de variações internas quanto à forma de execução. Isso significa que dentro
do plano geral de colonização da colonizadora Meyer havia microplanos,
aplicados de acordo com a área, o período e a conjuntura histórica.
A Bauernverein (Associação de Agricultores), na pessoa de Pe. Max
von Lassberg, SJ, juntamente com Karl Culmey, fundou em 4 de outu-
bro de 1902 a extensa colônia de Serro Azul (hoje Cerro Largo), com
área de 100.000 hectares, na região das Missões próxima as colônias es-
taduais de Guarani e Ijuí, povoando-a com colonos católicos de origem
alemã. A partir dessa experiência, o mesmo religioso fundou ainda, ao
lado, Santo Cristo e na província de Missiones, Argentina, as colônias
Puerto Rico e San Alberto. Na continuidade, e a partir da experiência
de Serro Azul, a Sociedade União Popular Católica ou Volksverein fun-
dou, na pessoa de Pe. João Evangelista Rick, SJ, a colônia Porto Novo,
hoje Itapiranga, em Santa Catarina, na margem norte do rio Uruguai,
em 31 de julho de 1926, terras essas adquiridas da Empresa Chapecó-
-Pepery. A Volksverein tinha como finalidade
[...] promover os interesses materiais e ideais do povo católico de fala alemã.
Seu programa, sobretudo na sua concepção ideal, avançou muito mais do que
a antiga Associação de Agricultores. Este era interconfessional e tinha a me-
lhoria material como objetivo principal. No breve tempo de sua existência rea-
lizou muito com a fundação de caixas de poupança, melhoria dos métodos de
trabalho, introdução de novas raças de gado e de modo especial pela fundação
da esplêndida colônia de Cerro Largo. A mistura confessional, porém, conti-
nha o gérmen de sua dissolução (Rick apud Rambo; Rabuske, 2004, p. 44).

Um outro exemplo de empresa atuante na região norte rio-gran-


dense, foi a empresa estrangeira Jewish Colonization Association (ICA),
criada pelo Barão de Hirsch em 1891, que tinha por objetivo inicial auxi-
liar os judeu-russos vítimas de discriminação e massacres; posteriormen-
te, os israelitas dos demais países do leste europeu e Ásia. Assim, fun-
dou, no Rio Grande do Sul, em 1904, a colônia Filipson, no município de
Santa Maria; em 1909 comprou a fazenda Quatro Irmãos no município

36
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

de Passo Fundo, hoje municípios de Erechim, Getúlio Vargas, Campinas


do Sul e São Valentim, com uma área de 93.985 ha. Como projeto inicial
não obteve êxito, as terras foram vendidas a colonos de diferentes nacio-
nalidades. Tratava-se de um projeto filantrópico, ao mesmo tempo havia
uma preocupação com a lucratividade financeira (Gritti, 1992).
Foi fundamental também o prolongamento da via férrea de Santa
Maria a Cruz Alta, em 1894, e a posterior bifurcação em direção a Passo
Fundo-Santa Catarina e Santo Ângelo, interligando a região Planalto
com o restante do estado, permitindo a circulação de pessoas e mercado-
rias. A ferrovia atraiu as empresas particulares de colonização e trouxe
os colonos: ao redor de cada estação ferroviária, ergueu-se um núcleo
colonial. Rapidamente, toda região norte do Estado foi incorporada à co-
lonização, restando apenas a zona florestal à margem do Rio Uruguai.
Uma colônia particular de caráter político fundada no município de
Passo Fundo, região Norte do estado, em 1899, foi Saldanha Marinho.
Conforme Isléia Rossler Streit (2003), era seu fundador Evaristo Affonso
de Castro, um luso-brasileiro, federalista, abolicionista e maçom, que,
juntamente com seu sócio Francisco Claro Silva, formou a companhia de
terras Sociedade Norte Industrial Castro, Silva e Cia. Como jornalista,
escritor, político e líder federalista da República Velha, Castro, ao fundar
Saldanha Marinho, pretendia recuperar o poder político na região, com
a possibilidade de formar um grupo de resistência ao republicanismo do
Planalto, representado pelos coronéis da região (Firmino de Paula, de
Cruz Alta; Valzumiro Dutra, de Palmeira, e Victor Dumoncel Filho, de
Santa Bárbara do Sul). Os coronéis desde cedo se preocuparam com esse
núcleo federalista em seu seio, tentando cooptá-lo, colaborando para isso
a morte de Castro, logo no início da colonização, em 1910.
Um exemplo de colonização mista, tanto no modelo de colonização
quanto nos elementos sociais que ocuparam a área, foi a colônia Barro, hoje
município de Gaurama, fundada em 1910, no então município de Erechim.
Tratava-se, em parte, de uma colônia pública, colonizada pela Comissão
de Terras, predominando na ocupação poloneses e outras etnias eslavas;

37
Rosane Marcia Neumann

e a outra parte, pelo sistema privado, por meio da Gesellschaft Luce Rosa
& Cia. Ltda – empresa criada em 1883, com sede em Porto Alegre –, cujos
compradores, na maioria, eram de origem italiana, alemã e alguns espa-
nhóis. O processo de ocupação teve início com a demarcação e construção
da ferrovia, somente mais tarde consolidado por formas planejadas de colo-
nização. Conforme Gladis H. Wolff (2005), os trilhos de trem foram a linha
divisória entre duas formas de colonização distintas na colônia Barro.
O Quadro 2 assinala ainda a posse de uma extensa área de terras,
calculada em 250.000 hectares, em mãos de cerca de 15.800 intrusos,
parcela composta por nacionais, imigrantes e seus descendentes. Trata-
-se de terras ocupadas por particulares, cuja posse ainda não foi regulari-
zada. A regularização dos intrusos e a legitimação das posses de terras se
arrastou por toda Primeira República e adentrou as décadas seguintes.
Enfim, o impacto do avanço das empresas colonizadoras e dos colonos
sob o Planalto Rio-grandense no decorrer da Primeira República, ao estabe-
lecer as “colônias novas”, fica mais evidente ao ler, comparar e interpretar os
mapas produzidos pela Diretoria de Terras e Colonização do Estado, atrelan-
do colonização e construção de estradas. O primeiro mapa (Figura 4), datado
de 1915, situa nas margens do rio Uruguai colônia pública de Erechim, que
encampou parte do projeto da colônia particular de Quatro Irmãos, e nas
proximidades de Passo Fundo, a colônia Não-Me-Toque, Guaporé e Alfredo
Chaves, onde a colonização pública e privada se altercavam.

Figura 4 – Plano geral de viação do norte do Estado, 1915

Fonte: Relatório da Diretoria de Terras e Colonização, 1915. Memorial do Legislativo, Porto Alegre, RS.

38
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Passada uma década, o mapa de 1929 (Figura 5) representa o avan-


ço da colonização, partindo de Lajeado/Estrela, avançando por Guaporé,
conectando-se com Não-Me-Toque e Erechim, formando a “nova zona
colonial” do Estado. Ou seja, as terras florestais, públicas e privadas,
foram incorporadas aos projetos de colonização, aumentando a produção
agrícola da região, a densidade demográfica, o comércio de madeiras/
desmatamento.

Figura 5 – Plano geral de viação do norte do Estado, 1929

Fonte: Relatório da Diretoria de Terras e Colonização, 1928. Memorial do Legislativo. OP 1929

Na década de 1920, esgotavam-se as possibilidades de expansão do


modelo de colonização adotado no Planalto Rio-Grandense, quando as
empresas de colonização, os empresários e os colonos cruzaram à outra
margem do rio Uruguai, reproduzindo no centro-oeste de Santa Cata-
rina o modelo de campesinato colonial. A “emigração” de empresas de
colonização, empresários e colonos foi percebida pela Diretoria de Terras

39
Rosane Marcia Neumann

e Colonização do Rio Grande do Sul como um “um fenômeno natural e


transitório”, intrínseco à imigração e colonização. “É a reprodução de fato
análogo observado no próprio Estado: a atração sobre a avultada descen-
dência da população das velhas colônias, exercida pelas nossas colônias
novas”. Logo, “nada tem de alarmante e cessará facilmente logo que seja
adotada a viação férrea e ter rodagem a extensa e rica região norte do
Estado, para a qual afluirá o sucesso da grande população colonial do
próprio Estado”, encontrando assim condições atraentes para aplicação
de seu capital (Relatório OP, 1928, p. 59).
Nota-se que as colônias novas atraíam e carregavam consigo os co-
lonos “empreendedores”, que viam nas colônias novas uma possibilida-
de de investimento e especulação, ou aqueles que já haviam acumulado
capital suficiente para adquirir mais terras para si e seus filhos. Assim
sendo, as colônias particulares não receberam os miseráveis da Europa
ou das colônias velhas, mas a classe dos mais remediados e empreende-
dores. Estes podiam permanecer, no entanto decidiram migrar em busca
de novas opções de investimento, especialmente quando o câmbio era
favorável.

“Colonizar não é retalhar as terras e povoá-la”: o Rio Grande do Sul


e a colonização na Primeira República
Na Primeira República, o Rio Grande do Sul foi um reduto do Par-
tido Republicano Rio-grandense (PRR), sob a influência do positivismo e
o comado dos “caudilhos” Júlio Prates de Castilhos, sucedido por Borges
de Medeiros. Enquanto plano de governo, uma das frentes consistiu em
regularizar e legitimar as posses de terras, liberando-as para o avanço
da colonização, incentivando a imigração espontânea, a realocação do
excedente colonial, a fixação dos nacionais e a colonização particular. A
crítica republicana direcionava-se ao governo imperial e os seus vícios no
quesito questão de terras. Foi nesse cenário que os empresários, as em-
presas e os empreendimentos de colonização atuaram no período. Acres-

40
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

ce-se ainda a construção e expansão da malha de transporte – hidrovias,


ferrovias e rodovias. Em contrapartida, o PRR apostou na cooptação de
seus votos na zona colonial.
A operacionalização do projeto deu-se via criação da Diretoria de Ter-
ras e Colonização (DTC), subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios
das Obras Públicas, como o agente em campo e o executor da política de
terras proposta pelo governo castilhista-borgista, assentada na regulari-
zação e legitimação das posses de terras privadas, reavendo ao Estado as
terras apossadas de forma irregular. Na chefia da DTC, estava o enge-
nheiro Carlos Torres Gonçalves. Simultaneamente, foi vedada a venda ou
concessão de terras públicas a empreendimentos de colonização privados,
assumindo o Estado a venda direta dos lotes demarcadas aos colonos. Os
empresários e empreendimentos de colonização privados originaram-se as-
sim da aquisição de terras de particulares – especialmente em momentos
de inventário ou dívidas –, da fragmentação de extensas áreas de terras de
sua propriedade, por indenização do Estado em diferentes circunstâncias,
o que limitava a expansão territorial dos núcleos coloniais.
A DTC, em consonância com as prerrogativas do governo estadual,
definiu as linhas gerais do serviço de colonização.
Si se tratasse somente de retalhar as terras e povoá-la, seria fácil a tarefa.
Porém, do que se trata, na realidade, é de promover a organização de no-
vas regiões aparelhando-as para constituírem em próximo futuro outras tan-
tas circunscrições territoriais autônomas. E para que isso se realize de uma
maneira eficaz e proveitosa ao bem público, é preciso saber tirar partido dos
elementos materiais existentes na natureza: destruindo alguns, utilizando a
maior parte, conservando-os, modificando-os, em uma palavra, adaptando-os
às necessidades materiais da existência social; e, simultaneamente, é preci-
so conhecer a situação cerebral dos elementos colonizadores de que você vai
dispor no povoamento das novas regiões e providenciar de acordo com esse co-
nhecimento, a fim de utilizá-los da melhor maneira, em proveito da comunhão
e deles. (Relatório OP, 1915, p. 83).

A DTC, por um lado, buscou liberar terras para localizar o excedente


populacional das antigas zonas de colonização, e por outro, fixar os agri-
cultores nacionais. Em seu discurso oficial, explicitava sua concepção de
colônia e colono, suas preocupações e expectativas.

41
Rosane Marcia Neumann

No caso do Rio Grande do Sul, duas circunstâncias vêm ainda argumentar a


importância do serviço de colonização. Primeira, a existência de uma grande
população colonial, superior à 600 mil habitantes, isso é, superior a 1/3 da
população total do Estado, e crescendo naturalmente de cerca de 15.000 por
ano, cuja maioria vai dedicar-se à mesma atividade, precisando uma parte ser
colocada em outras terras; depois, a necessidade, diríamos melhor, o dever
de promovermos, por todos os meios ao nosso alcance, a assimilação gradual
desse enorme elemento de origem estrangeira ao elemento nacional.

Quer isso dizer que são de duas naturezas essencialmente, as medidas gerais
a tomar em relação ao serviço de colonização: medidas relativas à instalação
dos agricultores; medidas relativas à nacionalização gradual dos de origem
estrangeira. (Relatório OP, 1915, p. 83).

Para além da colonização de terras, a DTC defendia tratar-se de


uma questão social, extrapolando os interesses políticos e o retorno fi-
nanceiro.
O problema da colonização no nosso Estado, nos últimos anos principalmente
não tem sido resolvido com o simples povoamento das terras devolutas, mas
encarado e tratado como um elevado problema de caráter social que é. Assim,
a par dos trabalhos preliminares de discriminação, demarcação e concessão
das terras, vai o Estado, por intermédio das comissões de terras, estudando
e construindo estradas e caminhos com boas condições técnicas organizando,
após estudos prévios, racionalmente feitos, novos povoados, que serão futuros
grandes centros de produção e exportação disseminando a instrução primária
onde ela é, talvez, mais necessária – entre as populações rurais de origem es-
trangeira – incutindo-lhes o sentimento da nossa nacionalidade.
Desse modo, com essa feição prática, mas complexa, os trabalhos de coloniza-
ção são os mais importantes entre os que estão afetos a esta diretoria de que
nos ocupamos. (Relatório OP, 1928, p. 58).

Os trabalhos da DTC eram realizados in lócus pelas Comissões de


Terras e Colonização, instaladas em locais estratégicos. Até 14 de maio de
1923, atuavam as Comissões de Terras e Colonização de Erechim, Gua-
rani, Lagoa Vermelha, Palmeira, Passo Fundo, Soledade, Santa Rosa, co-
missão organizadora da Estância de águas de Iraí.
Atende-se assim, a toda a região norte do Estado e municípios vizinhos. Nessa
região a superfície colonizada é de 984.104 hectares e a devoluta é aproximada-
mente de 1.800.000 hectares, ambas em matas e esta última somando-se outras
áreas também do domínio público da mesma região, o total do patrimônio do Es-
tado nessa região se eleva a 2.100.000 hectares. Os serviços de discriminação de
terras e colonização daquela região estão atrasados (Relatório OP, 1928, p. 55).

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Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Gradualmente, houve a reestruturação das comissões, permanecen-


do: a Comissão de Erechim atendendo a zona de Lagoa Vermelha; a Co-
missão de Passo Fundo atendendo a zona de Soledade; a Comissão de Pal-
meira, atendendo a zona de Iraí; e a Comissão de Santa Rosa, atendendo
a zona de Guarani. (Relatório OP, 1928).
O Estado, para além da demarcação e venda de terras, também fun-
dou e administrou seis colônias públicas no período (Tabela 1). As colô-
nias, de perfil étnico misto, tinham como propósito a fixação dos agricul-
tores nacionais. Ou seja, embora tratasse-se de uma política assumida
pela DTC, também era resultado das circunstâncias: o esgotamento da
fronteira agrícola, que havia atingido as margens do rio Uruguai, limi-
tando as possibilidades de “empurrar” o agricultor nacional, muitos deles
dependentes do extrativismo da erva-mate, para fora das áreas de colo-
nização. A própria reprodução da intrusão custava aos cofres públicos
em forma de indenizações, conflitos sociais, litígios. Enfim, a presença de
intrusos comprometia o bom andamento da colonização, enquanto negó-
cio de compra e venda de terras, visto que afastava os compradores em
potencial. Logo, antes de ser uma política beneficente e social em prol do
agricultor nacional, era uma questão econômica.

Tabela 1 – Colônias do Estado em 1927


Nome Área colonizada (ha) Área disponível Área total (ha)
Erechim 245.398 99.000 344.398
Forquilha 84.115 39.000 123.115
Guarani 217.535 56.000 273.535
Santa Rosa 273.094 386.000 659.094
Guarita 94.452 1.097.000 1.191.452
Iraí - 28.000 28.000
Totais 914.594 1.705.000 2.619.594
Fonte: Relatório OP (1927, p. 54).

Na implementação de um projeto de colonização próprio, em maio


de 1914 o Governo do Estado rescindiu o acordo celebrado com a União
em agosto de 1908, sobre a instalação de imigrantes introduzidos pela

43
Rosane Marcia Neumann

União. Cessou, desde então, a entrada de novos imigrantes. Na leitura do


governo, a medida era necessária em virtude do excedente de população
colonial e a redução da área de terras devolutas, e foi bem recebida pelos
colonos e empresas de colonização particulares (Relatório OP, 1915). A
decisão governamental foi pautada em uma sólida argumentação.
Porque testemunhando o estabelecimento [do] intrusamento do excesso de po-
pulação dos antigos núcleos coloniais, já em terras do domínio público, já do
domínio privado, conhecedores, por experiência própria, da superioridade dos
colonos velhos e seus descendentes, comparados aos imigrantes recém che-
gados, confrontando o rápido progresso das regiões colonizadas por aqueles
com o lento evoluir dos núcleos povoados por imigrantes, apresentava-se lhes,
logo, a seguinte indagação, que mais de uma vez ouvimos formular: por que o
Estado não aproveita o numeroso elemento colonial que possui, e em vez disso,
promove a instalação dispendiosa de mais imigrantes?
Na verdade, a colonização com o elemento agricultor do próprio Estado que
poderia ter sido feita, como estamos realizando atualmente sem ônus, ao
passo que a instalação dos 41.938 imigrantes, introduzidos no Estado depois
do acordo, custou cerca de 7.500:000$000, dos quais 5.000:000$000 aproxi-
madamente, despendidos pelo Estado e 2.500:000$000 pela União. E é fácil
imaginar-se as grandes vantagens que teriam advindo, da aplicação dessa
elevada despesa, ou somente da parte que coube ao Estado, exclusivamente no
melhoramento das antigas colônias e na instalação de agricultores do próprio
Estado. (Relatório OP, 1915, p. 84).

Segundo a DTC, havia ainda “as razões de ordem política e moral,


igualmente contrárias a rápida elevação artificial da população do Estado”
(Relatório OP, 1915, p. 84). Ou seja, o discurso das “medidas de caráter
social imediato” apontava para nacionalização da população imigrante.
Nas novas colônias onde foram introduzidos imigrantes de diversas naciona-
lidades a sua assimilação foi rápida e dentro de pouco tempo todos falavam
o nosso idioma, forçados pela necessidade de se fazer entender e nesse caso
prevaleceu naturalmente o idioma da terra e que vinham trazer o seu concur-
so valioso e que por sua vez ia garantir-lhes um futuro feliz que talvez não
pudessem ter na sua pátria de origem.
Instaladas as colônias em terras ubérrimas, de clima excelente, rápido e enor-
me foi o seu desenvolvimento logo que tiveram viação.
Atualmente no Rio Grande não se funda núcleo colonial algum sem proje-
tar-se ao mesmo tempo a sua rede de viação e ao iniciar-se a venda dos lotes
ataca-se ao mesmo tempo a construção das estradas. (Relatório, 1927, p. 52).

Ao sustentar o discurso republicano castilhista-borgista, a DTC sub-


linhava o acerto da medida adotada no sentido de incentivar a realocação

44
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

do excedente populacional composto por “velhos agricultores”, vendado a


entrada de novos imigrantes, que não dominavam as técnicas da agricul-
tura em solo subtropical. Contudo, reconhecia a necessidade de imigran-
tes em determinados espaços e atividades selecionadas.
Para corroborar com sua argumentação, a DTC apresentava os da-
dos populacionais (Tabela 2), reiterando que em 1915, em dados aproxi-
mados, a população colonial de origem estrangeira residente no Estado
representava mais de 1/3 da população total, sendo que cerca de 60%
eram de origem germânica e eslava, e os restantes 40% de origem latina.
Em 1927, a população colonial era de aproximadamente 950.000 habitan-
tes, sendo 620.000 em núcleos oficiais e 330.000 em núcleos particulares.
A densidade populacional do Estado era de 8,5 hab./km2; a densidade da
população das colônias era de 23,7 hab./km2 (Relatório OP, 1927, p. 54).
Já em 1929, a população colonial no Estado estava estimada em 980.000
habitantes, sendo 650.000 habitantes na colonização oficial e 330.000
habitantes na colonização particular (Relatório OP, 1929, p. 59). A popu-
lação total do Estado era de 2.600.000 habitantes, com densidade de 9
hab./km2, e a densidade da população das colônias de 25 habitantes/km2,
para superfície total do estado de 280.000 km2.

Tabela 2 – População imigrante do Rio Grande do Sul


População imigrante (hab.) 1915 1929
Alemães e de origem 300 000 400.000
Italianos e de origem 200 000 300.000
Polacos e russos e de origem 50 000 80.000
Diversos 50 000 60.000
Total 600.000 980.000
Luso Brasileira 140.000
População total do estado 2 .600.000
Fonte: Relatório OP (1915, p. 87); Relatório OP (1929, p. 585).

A colonização funcionava também como um artifício para regulari-


zar as posses de terras já existentes, amortizando o conflito direto com

45
Rosane Marcia Neumann

o Estado nos casos de litígio, contestação de limites e de direito à posse.


Por outro lado, os próprios colonos forçavam a legitimação, via intrusão.
A DTC fiscalizava e acompanhava as atividades dos empreendimentos
particulares e as suas colônias, além de coletar dados estatísticos. A par-
tir de então, a formação de novos núcleos coloniais no Estado deveria
atender a requisitos básicos, com vistas a propiciar um rápido desenvol-
vimento autônomo:
a) que as regiões disponham já, ou estejam por dispor em curto prazo, de vias
de exportação, férreas ou fluviais;
b) levantamento prévio dos principais cursos da água;
c) escolha dos traçados das principais estradas de rodagem orientados normal-
mente às linhas férreas ou aos cursos d’água navegáveis;
d) delimitação ao longo das linhas férreas existentes ou projetadas, e dos cur-
sos d’água navegáveis ou permitindo a flutuação, de faixas de mato de 8 km
para cada lado, destinadas a exploração florestal. estas faixas poderão ser
posteriormente reduzidas nos lugares aonde vier isso a ficar indicado;
e) na demarcação dos lotes coloniais atender a separação das reservas flores-
tais, quer das nascentes dos cursos da água, quer as dos terrenos muito aci-
dentados, quer das áreas destinadas unicamente a exploração industrial da
mata. Os lotes deverão ser subordinados a hidrografia e a viação existente ou
projetada, terem em média 25 ha de superfície, nunca menos de 15, nem mais
de 35 ha, e poderão apresentar qualquer forma, posto que convenha a mais
simples, de preferência retangular;
f) escolha dos lugares apropriados ao estabelecimento de povoados, afastados en-
tre si de 15 a 20 km, aproximadamente. As áreas para este fim previamente reser-
vadas deverão ser grandes, nunca menores de 400 ha, sendo, porém, admissível a
subdivisão em lotes rústicos da área mais tarde julgada excessiva ou inaproveitá-
vel. Os lugares escolhidos deverão ter aguadas boas e abundantes, não serem mui-
to acidentas, e oferecer, o quanto possível, panoramas agradáveis. Só por exceção
em pontos obrigados, como estações de linhas férreas ou outros, poderão deixar de
ser observadas estas condições; em caso algum, os povoados poderão ser estabele-
cidos sem prévios projetos, estudados sobre planta do relevo do terreno, mais ou
menos detalhada conforme a importância e a dificuldade dos casos;
g) as estradas de rodagem deverão ser todas de pequenas declividades, entre
os máximos de 4 a 6%, conforme o terreno for pouco ou muito acidentado, bem
assim os caminhos vicinais deverão ser estudados para poderem vir a satisfa-
zer, a todo o tempo, as mesmas declividades, embora inicialmente seja admis-
sível construí-los com declividade de até 8%, quando isto permitir reduzir o
movimento de terras. (Relatório OP, 1915, p. 86).

Passada uma década da implementação das novas diretrizes de co-


lonização, a DTC exaltava os resultados alcançados.

46
Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Devido ao excelente regime de fazer o colono proprietário do lote que ocupa,


as facilidades de transportes e as garantias dadas pelo governo do Estado são
extraordinários os benefícios resultados da colonização no Rio Grande do Sul,
antigas e novas colônias constituem hoje prósperos e ricos municípios, onde
suas populações, vivendo na abastança e gozando a excelência do nosso clima,
fazem do Rio Grande do Sul o grande celeiro do país.
O grande surto comercial, industrial e agrícola observado na região colonial
é a prova do seu progresso, da sua riqueza, do grande aproveitamento do seu
solo ubérrimo. (Relatório OP, 1927, p. 51).

Na mesma linha, ressalva a valorização agrária, benéfica aos cofres


do Estado, visto que era o mediador direto na venda dos lotes de terras
e cobrança de impostos, mas uma das razões da migração dos colonos ao
oeste de Santa Cataria e Paraná, em busca de terras mais baratas.
A valorização das terras tem sido extraordinária: os lotes de 25 ha que há 15
anos eram vendidos a um réis por metro quadrado, ou seja, a 250$000 por lote,
valem hoje dezenas de contos de réis e os novos lotes encontram hoje compra-
dores a 10, a 12 e até a 20 réis por metro quadrado, variando o preço de um
lote de 2:500$000 a 5:000$000 (Relatório OP, 1927, p. 51).

Os dados estatísticos coletados pelo Estado relativos à colonização


pública e privada corroboram para dimensionar a colonização como uma
questão social, que implica em um dinâmico mercado de terras e desloca-
mentos migratórios e, ao final da década de 1920, na emergência do Pla-
nalto Rio-grandense como novo polo populacional e produtor do Estado.
Conforme a Tabela 3, em 1929, a área colonizada em todo Estado
era de aproximadamente 4.024.000 hectares. Em termos de colonização
pública e particular, a área colonizada pelo Estado representava o dobro
da área colonizada pela iniciativa privada. Observa-se, porém, que du-
rante o período entre 1927 e 1929, a área colonizada teve um aumento de
117.343 hectares, sendo 37.343 hectares de colonização oficial e 80.000
hectares de colonização particular, ou seja, a colonização particular teve
um aumento de área colonizada duas vezes maior que a colonização públi-
ca. Nesse recorte temporal, para além do discurso da DTC, a colonização
particular expandiu-se em um ritmo maior do que a colonização oficial.

47
Rosane Marcia Neumann

Tabela 3 – Área colonizada no Estado até 1929


Área colonizada no Estado (ha) 1927 1929
Colonização antiga 3.110.000 3.110.000
Colonização nova 914.500 1.031.843
Total da superfície colonizada 4.024.500 4.141.843
Área colonizada oficial 2.704.500 2.741.843
Área colonizada por particulares 1.320.000 1.400.000
Área desmatada (cultivada) 2.300.000 2.441.843
Área em mato 1.724.000 1.700.000
Fonte: Relatório OP, 1927, p. 54; Relatório OP 1929, p. 585.

Os relatórios produzidos pela DTC tecem duras críticas ao período im-


perial precedente e seus agentes, apontando-os como os responsáveis pelo
caos agrário da região do Planalto Rio-grandense, não resolvido após quatro
décadas de trabalhos de medição e legitimação. O avanço da zona de coloni-
zação na região mencionada, somada à pressão dos colonos pelos títulos de
propriedade, contribuíram para agilizar a regularização das propriedades
de terra. Assim, em 1928, “dos 79 municípios em que está atualmente divi-
dido o Estado, em 52 deles há núcleos coloniais. Esses núcleos, em número
de 172, foram fundados: 60 pelos poderes públicos (federal, estadual e muni-
cipal) somando a área total colonizada de 2.694.104ha, por particulares, 112
núcleos com a área total colonizada de 1.400.000 hectares” (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4 – Colônias nos municípios


1927 1929
Municípios onde há colonização 52 52
Municípios onde não há colonização 27 28
Total dos municípios do Estado 79 80
Relatório OP, 1927, p. 54; Relatório OP, 1929, p. 585.

Tabela 5 – Colônias nos municípios públicas e privadas


1927 1929
Total de núcleos coloniais 172 172
Pela união 37 37
Pelo estado 19 19
Pelos municípios 4 4
Por particulares 112 112
Relatório OP, 1927, p. 54; Relatório OP, 1929, p. 585.

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Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

Analisar os dados colônias/área de colonização confirmam que em


termos de número, havia mais colônias privadas do que públicas no Es-
tado, mas a área colonizada pelas colônias públicas era superior. Os da-
dos de 1929 informam 60 colônias públicas, que ocupavam uma área de
2.741.843 hectares, ou seja, uma média de 46.697,38 hectares por colô-
nia, que por sua perfazem 1.867,89 lotes coloniais de 25 hectares. As co-
lônias particulares, em número de 112, ocupavam uma área de 1.400.000
hectares, com uma média de 12.500 hectares por colônia, ou 500 lotes
coloniais. Os dados do quadro 2 evidenciam a disparidade da área das
colônias, prevalecendo as colônias com área inferior à média geral.
Decorridas quatro décadas de colonização no Estado sob a Primei-
ra República, marcada pelo positivismo castilhista-borgista, sobressai o
trabalho da DTC no sentido de identificar, demarcar, medir e legitimar
as terras públicas e privadas do Estado, com foco central na região do
Planalto Rio-grandense, onde a questão agrária era mais indefinida.
Houve o avanço da propriedade privada e, em proporção inversa, a redu-
ção das terras públicas e das áreas florestais, transformadas em áreas
cultivadas (Quadro 3).

Quadro 3 – Situação territorial do Estado, 1929


Terras públicas – matas (7,86%) 21.000 km2
Terras particulares (86,78%) 244.000 km2
Superfície lacustre (5,36%) 15.000 km2
Superfície do Estado 280.000 km2
Campos nativos – criação de gados (63,57%) 178.400 km2
Área desmatada – terras de cultura (9,64%) 26.600 km2
Matas – públicas e particulares (21,43%) 60.000 km2
Superfície lacustre (5,36%) 15.000 km2
Superfície do Estado 280.000 km2
Relatório, 1929 (p. 584-585).

O Estado, via DTC, apesar de não impor entraves à atuação de em-


presários e empresas de colonização no Estado, desde que atendessem à
legislação vigente, era crítico em relação às colônias privadas. Conforme
a DTC, as colônias particulares se situam “geralmente em terras legi-

49
Rosane Marcia Neumann

timadas adquiridas para esse fim, bem como em terras entregues pelo
Estado como indenização por outras de que se houvera utilizado” (Rela-
tório OP, 1928, p. 59). O diferencial entre a colonização pública e privada
residia na finalidade:
[...] tendo a colonização particular, como preocupação exclusiva, somente fins
utilitários de lucro imediato acarretando posteriormente aos poderes públicos
pesados ônus mormente com trabalhos de viação, o Estado não tem feito mais,
desde alguns anos, concessão de grandes áreas a particulares, para esse fim
(Relatório OP, 1928, p. 59).

Denota-se desse discurso que a colonização particular almejava em


primeira linha o lucro, enquanto o Estado tinha uma preocupação social
em relação ao colono e ao futuro da colônia.

Considerações finais
Portanto, parafraseando Carlo Ginzburg, ao investigar as empresas
colonizadoras e os empresários envolvidos na colonização particular no
Rio Grande do Sul nos séculos XIX e XX, há mais perguntas do que res-
postas. Os projetos de colonização privados, que fogem à regra, fornecem
pistas sobre esse universo colonial, sua complexidade, suas dificuldades.
Ao analisar as colonizadoras, seus sujeitos e espaços, de forma indivi-
dualizada e em escala reduzida, é possível visualizar o mosaico dos dife-
rentes projetos de colonização, seus interesses e finalidades, seus pontos
de contato e afastamento. Há ainda muitas lacunas a serem preenchidas
em relação às empresas e as colônias particulares fundadas no Estado,
tendo em vista a carência de arquivos delegados por esses empreendi-
mentos.7 É comum perseguir suas pegadas na documentação burocrática
produzida pelos órgãos públicos, mas que falam pouco sobre os sujeitos
envolvidos e suas trajetórias. Acrescenta-se ainda o emaranhado de em-

7
A coletânea Colonos, colônias e colonizadoras, em seus seis volumes, aborda em vários capítu-
los empreendimentos de colonização públicos e privados situados no sul do país, e os desdobra-
mentos dessas colônias. Parte dos estudos são resultado de monografias, dissertações e teses,
produzidas dentro dos limites da documentação, contemplando diferentes recortes teórico-me-
todológicos e enfoques.

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Empresas colonizadoras e empresários: a colonização particular no Rio Grande do Sul (séc. XIX e XX)

presários, empresas colonizadoras e Estado: ora as empresas se fundem;


ora o agente de colonização atua em prol de várias empresas colonizado-
ras; ora para resolver uma indenização envolvendo vários colonos, fun-
da-se uma pessoa jurídica, no formato de colonizadora; ora as empresas
decretam falência; ora o Estado encampa a colônia particular. As situa-
ções são múltiplas, mas todas estão conectadas no quesito imigrantes/
descentes/colonos e o acesso à propriedade da terra, viabilizada por par-
ticulares ou pelo Estado. Imigração, terras e colonização era um projeto
político, econômico, social e cultural, que movimentou migrações trans-
nacionais e regionais, e reconfigurou o perfil étnico-cultural, produtivo e
demográfico do Estado: a zona colonial suplantou política e economica-
mente a zona da campanha pecuarista, reduzindo seu poder e influência,
correspondendo aos propósitos do governo castilhista-borgista.
Por fim, havia disponibilidade/oferta de terras para colonização no
Estado e demanda/procura por terras, o que franqueou a possibilidade
para atuação de empresários e empresas colonizadoras, bem como do
próprio Estado. Como um empreendimento capitalista – compra e venda
de terras –, requeria a disponibilidade de capital por parte dos empresá-
rios para investir no negócio – compra das terras, demarcação, medição,
abertura de estradas, registros em cartórios –, bem como um aporte de
capital por parte dos colonos para adquirir as terras, além de uma reser-
va de capital para investir, produzir e se manter em casos de frustração
de safra. À primeira vista, os lucros eram elevados, mas, em contrapar-
tida, os riscos eram mais elevados ainda, tanto que a grande maioria
dos empreendimentos de colonização permaneceram localizados a uma
ou duas colônias, e foram raras as empresas que conseguiram expandir
seus domínios a outros núcleos coloniais. Na Primeira República, o Es-
tado chamou a si a colonização das terras públicas, na expectativa de
auferir de lucros via venda das terras e cobrança de impostos sobre as
terras e a produção. Os dados estatísticos apontam para o aumento da
arrecadação, entretanto, a dívida colonial gerada pela inadimplência dos

51
Rosane Marcia Neumann

compradores de lotes coloniais gerou uma bola de neve, que se arrastou


por décadas, comprometendo os lucros imaginados.

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58
A colonização privada sob intervenção:
conflitos de terra, reivindicações dos
colonos e mediação estatal no sul do
Rio Grande do Sul

Patrícia Bosenbecker

N
os arredores da Colônia São Lourenço, em meados de abril de
1868, três homens armados atiraram contra Jacob Rheingantz,
diretor e empresário da colônia, que escapou sem arranhões de
mais uma tentativa de assassinato. Em 19 de abril, contudo, as notícias
de que o empresário teria sido assassinado chegaram a Rio Grande.1 Por-
que alguém tentava assassinar o empresário não é uma pergunta difícil
de responder. Rheingantz tinha muitas inimizades com proprietários de
terras na região e, nesta época, também com colonos. Expulso de São
Lourenço pelos imigrantes em dezembro de 1867, após uma grande re-
volta (veja entre outros Bosenbecker, 2020; Iepsen, 2008; Kolling, 2008),
Rheingantz, segundo o jornal que consultamos, teria decidido voltar para
a casa da família na colônia. A pergunta mais instigadora talvez seja: o
que Rheingantz estava bisbilhotando ao caminhar escondido pelos matos
nos arredores da própria colônia? Esta resposta não é simples e requer
um esforço para entender as novas posições que a família ocupava, o que
perpassa a análise da sua relação com os imigrantes e com o Estado.

1
Biblioteca Rio-Grandense. O Commercial, Rio Grande, ano XII, nº 89, p. 1, 20/21, abr. 1868.
Patrícia Bosenbecker

Como mostrou Seyferth (1999), quando se trata de conflitos ou de-


sordens em colônias estatais, a ação dos colonos, em geral, era dirigida
contra os administradores da colônia, que diretamente eram os represen-
tantes do governo e autoridades máximas nos núcleos coloniais. Já em
uma colônia privada, o proprietário, que quase sempre é também o diretor
colonial, é quem era o alvo dos protestos. Em São Lourenço, Rheingantz
era o proprietário do empreendimento, o empresário engajador e o diretor
da colônia, numa “posição tríplice”, como alegou Lothar de La Rue, agente
intérprete da colonização em seu relatório. Tal posição trazia muito des-
conforto, pois mesclava problemas com o transporte e contratos assinados
na Europa, com os conflitos agrários e as demandas administrativas de
toda a população assentada na colônia, centralizando tudo em apenas uma
pessoa, também o maior negociante do local. Isto quer dizer que reclama-
ções sobre juros cobrados, valores indevidos, preços pagos pelo feijão e pela
batata, medições equivocadas nos lotes e sobre a construção de pontes, por
exemplo, passavam pelas mãos da mesma autoridade. Nesse sentido, não
eram apenas problemas de planejamento e orçamento que dimensiona-
vam os conflitos, mas problemas administrativos somados a exploração
econômica (ver, entre outros, Bosenbecker, 2020).
Como já mostramos anteriormente (Bosenbecker, 2017), o comércio
de terras e o comércio de produtos coloniais eram parte de um novo mundo
de oportunidades para imigrantes como os Rheingantz. No entanto, no
Brasil, o comércio da terra era um negócio novo, em contraste com o pri-
vilégio das antigas concessões. Lidar com fazendeiros e posseiros não re-
presentava exatamente um conjunto de relações pacíficas. Outro processo
complicado era a regularização das terras da colônia. Essa regularização
somente iria começar após uma grande revolta de colonos,2 que eclodiu nas
vésperas do Natal de 1867, quando cerca de dois terços dos colonos de São
Lourenço se reuniram na casa do empresário para cobrar melhores pro-
cedimentos de Rheingantz, especialmente nas questões que envolviam a
2
Abordamos em detalhes a revolta de 1867 na dissertação de mestrado, que foi defendida em
2011, especialmente no capítulo 2. Este trabalho foi revisado e publicado em livro recentemen-
te (2020). A revolta foi movimento complexo que teve importantes consequências não só para
os colonos como também para a família Rheingantz.

60
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

regularização das terras da colônia e as dívidas dos imigrantes. Depois de


grande confusão, o colonizador comprometeu-se a ajustar algumas contas
e rever procedimentos, mas, pressionado a cumprir o acordo e, provavel-
mente, sem condições de arcar com o que havia prometido, deixou às pres-
sas sua própria casa, transferindo-se para Rio Grande, no final de 1867.
Uma diligência composta pelo delegado de polícia de Pelotas e pelo
chefe de polícia da província prendeu dez acusados de serem os líderes
da revolta3. Além disso, foi nomeado pelo governo da província um dire-
tor interino, que também estava incumbido de mapear as condições da
colônia. Acontecia, dessa forma, uma verdadeira intervenção na colônia
privada, com presença de autoridades da justiça e representantes do go-
verno. Rheingantz voltaria a São Lourenço, provavelmente, em meados
de 1869, quando uma comissão especial designada pelo presidente da pro-
víncia recebeu as queixas dos colonos e demandou as medidas necessárias
para devolver a ordem à colônia. A comissão seria convocada novamente
mais de um ano depois, possivelmente, porque Rheingantz não estava
cumprindo o prometido. Há três grupos de problemas desvelados pela re-
volta: o mau relacionamento que Rheingantz mantinha com parte dos
colonos; uma série de irregularidades nas questões concernentes à terra;
e um grupo organizado de oposição ao empresário, com especial interesse
em fatias comerciais que estavam concentradas nas mãos de Rheingantz.
Se, por um lado, o empresário mantinha uma relação extremamente
patriarcal com uma grande parte dos colonos, que ele mesmo chamava de
“bons colonos” (Bosenbecker, 2020), por outro, havia parte dos imigran-
tes que desconfiava de suas atitudes e estava insatisfeita com seus pro-
cedimentos, especialmente com a falta de títulos de terras, com as medi-
ções imprecisas, com as contas não creditadas a favor dos colonos e com
outros procedimentos, como a denúncia de que o empresário abria cartas
de imigrantes. Essas eram as queixas relativas ao caráter do empresário,
suficientes para quebrar laços de confiança e reciprocidade entre os imi-
grantes, mas não o bastante para serem levadas em consideração pelas

3
Sobre essas lideranças, veja Bosenbecker (2018)

61
Patrícia Bosenbecker

autoridades locais, como se pode observar em uma correspondência sobre


a situação da colônia, em janeiro de 1871:
[...] além de queixas vagas acerca do character do proprietario, que não offerecem
base alguma para uma intervenção do Governo[,] existião e ainda existem na
Colonia de S. Lourenço duas classes de reclamações contra o proprietario: falta da
devida discriminação de posse territorial e reclamações contra as contas apresen-
tadas pelo empresario, seja por omissão de quantias pagas ou seja por julgarem
os reclamantes as respectivas contas sobrecarregas por quantias [indevidas].4

Em meados de 1869, uma Comissão Especial foi nomeada pela Pre-


sidência da Província para mediar e resolver os conflitos que se arrasta-
vam após a revolta. A comissão reuniu os colonos5, o empresário, repre-
sentantes do governo e alguns convidados que eram respeitados pelos
colonos e serviam de mediadores, gerando dois documentos: um relatório
detalhado do agente intérprete e um quadro de reclamações,6 enviados à
presidência. Infelizmente, os acordos da primeira comissão parecem não
terem sido efetivados, pois em fins de 1870 uma nova comissão foi con-
vocada. A partir de editais, foram sendo chamados novamente os colonos
em cada picada, entre 23 de dezembro e 10 de janeiro do ano seguinte.
Quando não estava presente, o empresário era informado de cada recla-
mação e deva seu parecer sobre as queixas. Essa última comissão produ-
ziu um novo quadro de reclamações7, como veremos a seguir.
4
Correspondência da Comissão informando situação das queixas na colônia (1871). Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul, doravante AHRS. Fundo: Imigração, Terras e Colonização. São
Lourenço/empresário/diretor/diversos, mç. 72, cx. 37.
5
Além dos colonos reclamantes, o quadro de reclamações e as sessões nas quais os conflitos foram
mediados contaram com a participação de outros colonos que auxiliaram nas negociações e também
traduziram as queixas, conforme mostra a capa do quadro, pois consta em no verso o nome de vários
colonos que, aparentemente, auxiliaram na tradução e organização do documento. Destes apenas
alguns aparecem como reclamantes. Constam como presentes: August Beulke, Joseph Kneip, Franz
Prietsch, Eduard Thiel, A. Zündler, Johann Peil, Philipp Kaul, Jorge Born, Julius Jacobsen, Johann
Bosenbecker, Jacob Scholl, Jacob Brauch, Peter Strieder, Wilhelm Thiel, Johann Link, Conrnelius
Lannius, Peter Paul Klumb, David Klumb, Georg Klumb, Friedrich Wilhelm Klumb, Daniel Vach,
Carl Häfele, Wilhem Becker, Heinrich Hofmann, Förster, Klein, Peter Könsgen.
6
Relatório de Lothar de la Rue, Agente Interprete da Colonização em Porto Alegre enviado ao
Presidente da Província Dr. João Antônio, 14 ago. 1869. E a Traducção dos pactos que forão
feitos entre os colonos allemães da colonia São Lourenço e o emprezario Jacob Rheingantz em
24 de julho de 1869, que contém o Quadro synoptico das reclamações apresentadas pelos colo-
nos de S. Lourenço á Comm.ão especial do Governo, e decisões que ellas tiverão. AHRS. Fundo:
Imigração, Terras e Colonização. São Lourenço/empresário/diretor/diversos, mç. 72, cx. 37.
7
Conforme: Relação dos colonos que apresentavão reclamações á Comm.ª em sua 1ª Sessão 23
– 10brº -70. AHRS. Fundo: Imigração, Terras e Colonização. São Lourenço/empresário/diretor/
diversos, mç. 72, cx. 37. Apesar de contar apenas com o primeiro dia de trabalhos em seu títu-
lo, o documento apresenta as queixas de forma contínua, informando as datas posteriores de
comparecimento dos colonos.

62
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

Foi dessa forma que o governo finalmente resolveu fiscalizar o que


acontecia em São Lourenço, uma vez que Rheingantz sempre teve total
liberdade para agir da forma que quisesse. Assim, depois de mais de uma
década da existência da colônia, os colonos receberiam as escrituras das
terras, passadas à totalidade dos imigrantes a partir de 7 de dezembro
de 1869 no cartório local do quarto distrito de Pelotas.8 As autoridades
provinciais mobilizaram vários agentes e influentes imigrantes para
conseguir encontrar uma solução para tantas queixas. Segundo Lothar
de la Rue, que, salvo engano, presidiu as duas comissões, escreveu ao
presidente da província9:
[...] julgo do meu dever fazer chegar ao conhecimento de V. Ex.ª o interesse que
tomarão neste desempenho o Consul d’Allemanha do Norte o Senr.º L. Von Loes-
se que muito contribuio para eu obter as concessões feitas aos colonos pelo em-
prezario e o Senr.º João Berger, negociante da Cidade do Rio Grande que goza
de muita sympathia e confiança na colonia de São Lourenço e que desenteres-
samente me acompanhou até ali empregando toda a sua influencia para com os
colonos e convencendo-os da justiça e utilidade das medidas propostas. E não
foi facil esta tarefa á vista da desconfiança geral que reinava entre os colonos.

Apesar dos esforços, todos pareciam perplexos diante do que tinha


acontecido na colônia, como alegou Lothar de la Rue ao mostrar que
numa primeira análise a posição ocupada por Rheingantz que “ao mesmo
tempo era empresario, Director e negociante na sua Colonia”10 contribuiu
para aumentar os problemas em São Lourenço. Por outro lado, havia “al-
guns espiritos mal-intencionados”, conforme o agente intérprete, que se
aproveitaram da situação. Eram os desafetos de Rheingantz, um grupo
de colonos formado por aqueles que foram presos como chefes do mo-
vimento e outros colonos com grandes expectativas mercantis. Contra
esses, Rheingantz usou de todos os recursos para cercear suas ativida-

8
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, doravante APERS. Município de Pelotas.
Tabelionato do 4º distrito (Boqueirão). Livro Notarial de Notas, n. 2.
9
Relatório de Lothar de la Rue, Agente Interprete da Colonização em Porto Alegre enviado ao
Presidente da Província Dr. João Antônio, 14 ago. 1869. AHRS. Fundo: Imigração, Terras e
Colonização. São Lourenço/empresário/diretor/diversos, mç. 72, cx. 37.
10
Relatório de Lothar de la Rue, Agente Interprete da Colonização em Porto Alegre enviado ao
Presidente da Província Dr. João Antônio, 14 ago. 1869. AHRS. Fundo: Imigração, Terras e
Colonização. São Lourenço/empresário/diretor/diversos, mç. 72, cx. 37, p. 1 e 1v.

63
Patrícia Bosenbecker

des, inclusive de uma força policial, a primeira que a colônia recebeu,


constituída por soldados brasileiros pouco tempo antes da revolta. Esses
soldados apenas sabiam o nome dos “turbulentos”, porque foram instruí-
dos pelo empresário para vigiar seus desafetos.11 Assim, como avaliou
Seyferth (1999, p. 296), os
[...] erros advindos de um contrato irresponsável e de uma política colonial
mal planejada e sem recursos, porém, são sempre imputados aos imigrantes,
acusados de “maus colonizadores” com origem social pouco recomendável aos
olhos da burocracia oficial...

Após julgadas, as lideranças da revolta de São Lourenço foram absol-


vidas e retornaram à colônia.
Devido à intermediação do governo provincial, foram executadas
uma série de medidas para regularização dos lotes dos colonos e das me-
dições das propriedades limítrofes à colônia e para o retorno da tranqui-
lidade na região. A revolta, dessa forma, teve consequências importantes
para os negócios, especialmente por conta dos prejuízos que a família
Rheingantz teve com todo o processo de regularização fundiária. Porém,
não podemos deixar de lembrar que havia um lucro acumulado de dez
anos, ao longo dos quais grande parte do trabalho de regularização não
foi realizado. Além do mais, com as convocações para as reuniões da co-
missão especial, muitos colonos resolveram pagar dívidas, tendo como
garantia a mediação do governo. Já a casa comercial que a família man-
tinha na colônia foi extinta, alterando-se os negócios nesse ramo.

As reclamações dos colonos


Considerando os problemas mais imediatos dos colonos de São Lou-
renço, podemos avaliar a situação a partir de dois quadros de reclama-
ções que tratam dos problemas que originaram a revolta e continuavam
a persistir na colônia São Lourenço. Tais quadros foram produzidos pela

11
Foram presos como lideranças da revolta os colonos José Pons, Carlos Rheinbrecht, Felipe Sch-
neid, Guilherme Könsgen e o irmão Pedro Könzgen, Jacob Vogt, Jacob Deker, Chistiano Luis Thu-
row, Jeremias Ostenberg e André Paulsen. As informações são do processo que investigou o con-
flito: APERS. Comarca de Pelotas. Tribunal do Júri. Processo Crime n. 520, 1868, cx. 006.0311.

64
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

comissão especial nomeada pelo governo provincial para resolver as


questões de São Lourenço. O primeiro quadro de reclamações data de
julho de 1869, na época em que 143 colonos enviaram reclamações aos
representantes da província, e foi organizado pelo então diretor interi-
no da colônia, o Barão Von Kahlden, nomeado pelo governo provincial.
Kahlden providenciou a remedição dos lotes, mas o empresário Rhein-
gantz e o governo provincial recusaram-se a pagar a medição das terras,
sendo assim suspensos todos os trabalhos. Já o segundo quadro data de
dezembro de 1870, finalizado no início de janeiro de 1871, e, além de re-
petir as informações anteriores, apresenta mais 21 queixas organizadas
pela comissão especial, que encaminhou as medições e as conciliações,
tendo sido presidida pelo agente intérprete da colonização, Lothar de La
Rue. Essa nova comissão foi reorganizada após desavenças entre Jacob
Rheingantz e o diretor Affonso Mabilde, “contratado” por intermediação
do governo provincial. Para atender a reclamação dos colonos sobre os
títulos de propriedade foi necessário esperar a liquidação dos negócios
entre Rheingantz e o governo Imperial, que apenas em 1869 entregou os
títulos de terras devolutas vendidas a Rheingantz para a construção da
colônia.12 Tal processo, de regularização da área total e títulos de conces-
são da colônia, gerou ainda mais problemas, conforme mostrou Iepsen
(2013) e Kliemann (1986).
No final de 1870, constava, na comissão especial, existirem na colô-
nia 448 lotes e mais 52 “lotes particulares”, que nos parecem terem sido
colonos trazidos e assentados por Rheingantz para uma área que não
pertencia à colônia e foi retomada por seu verdadeiro proprietário. Os
lotes “oficiais” da colônia estavam assim divididos entre as picadas: São
Lourenço com 16 lotes, Moinho com 48, Boa Vista com 26, Picada das An-
tas com 22, Bom Jesus com 80, Quevedos também com 80, Picada Feliz

12
Veja: Relatorio com que o excellentissimo sr. dr. João Sertorio, presidente d'esta provincia, pas-
sou a administração da mesma ao ex.mo sr. dr. João Capistrano de Miranda e Castro, 1.o vice-
-presidente, no dia 29 de agosto de 1870. Porto Alegre, Typ. do Rio Grandense, 1870, p. 68-69;
Relatorio com que o excellentissimo senhor conselheiro Francisco Xavier Pinto Lima abrio a
1.a sessão da 14.a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial em 14 de março de 1871.
Porto-Alegre, Typ. do Rio-Grandense, 1871, p. 30-31.

65
Patrícia Bosenbecker

com 64, Travessão Feliz com 10, Harmonia com 62, Pomerânia com 20 e
Cerrito ou Serrito, dependendo do documento, também com 20.
Ao todo, as duas comissões de 1869 e 1879 contaram, portanto, com
163 colonos reclamantes, mas em pelo menos duas ocasiões um mesmo
colono com propriedade de lotes em picadas diferentes encaminhou recla-
mações específicas para cada um deles, contabilizando um total de 312
reclamações, sendo que a maioria dos colonos tinha duas reclamações e
a minoria uma, constando ainda alguns colonos com três reclamações.
Do total de reclamações, cerca de 84% requeriam a medição ou a verifi-
cação da medição do lote, que é chamado nos dois quadros de prazo (aqui
como simples sinônimo), e pouco mais de 50% exigiam a regularização
das estradas das picadas, incluindo desde a simples ligação com a estrada
geral até a definição da estrada da picada. Ao todo eram 69 reclamações
que envolviam transações financeiras, com pedidos de indenização por
prejuízos de natureza variada, irregularidades nas cobranças de juros e
confusões entre valores indevidamente creditados ou excluídos das con-
tas, além de acerto de contas por valores de subsídios não contabilizados
em Hamburgo (22 reclamações) e de viagens de Rio Grande à colônia (14
reclamações).
Havia ainda dez reclamações diversas e cinco colonos que reclama-
vam de trocas de lote, entre as quais estavam colonos que acusavam o
empresário de ter vendido o lote colonial durante a ausência dos referi-
dos colonos de São Lourenço (dois deles compraram o lote, desmataram e
foram a Rio Grande buscar a família, mas ao retornar encontraram o lote
ocupado por outra família), além da troca por prejuízos ou insatisfação
com a terra e litígios processuais. Sete colonos reclamavam sobre a en-
trega do título definitivo do lote ou correção dos documentos. Problemas
dessa ordem acompanharam o processo de colonização em meados do
século XIX, como mostrou Seyferth (1999, p. 297): “ao contrário do que
pretendiam o governo imperial e os idealizadores da política de coloni-
zação, o estabelecimento de colônias não foi um processo tranquilo de

66
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

ocupação de terras devolutas; e nem os imigrantes eram os dóceis cam-


poneses idealizados até pior decreto”.
Um dos colonos não teve aceita sua petição porque não foi considera-
do mais como colono de São Lourenço, pois havia vendido irregularmente
a sua terra e deixado a localidade, já outro colono que pedia para ser
creditado valores de passagens por ele pagas não teve sua queixa acei-
ta porque não veio “como colono”. Foram realizadas 14 conciliações, das
quais cinco não se verificaram, sendo encaminhadas ou para o juiz arbi-
tral, sem direito a recurso conforme acordado no início da comissão, ou
para a presidência da província. No documento de 1870, aparentemente
uma das cinco conciliações não verificada em 1869 foi finalmente reali-
zada e uma conciliação que havia sido efetivada foi desfeita. Outros nove
colonos foram aconselhados a dar queixa para a autoridade competente
sobre a destruição de matos, a irregularidade das estradas e demais dis-
putas entre vizinhos. Entre os problemas relacionados a dívidas e à falta
de pagamentos, quase não houve casos aceitos, e os que tiveram queixas
aceitas acabaram com processos na justiça.
Assim, para melhor entendimento do tema apresentamos a seguir
um quadro, que mescla e explica cada reclamação e ação tomada pe-
las autoridades. O quadro proporciona uma melhor visão dos aconteci-
mentos e dos conflitos ocorridos em São Lourenço, além de proporcionar
aos pesquisadores uma ferramenta importante para conhecer os colonos
da região e suas trajetórias de assentamento. E, por conseguinte, uma
trajetória dos problemas enfrentados pelos colonos na maior e mais im-
portante colônia privada do extremo sul do país. O quadro foi baseado
no quadro de reclamações de 1869, transcrito na mesma ordem com o
idioma atualizado, acrescido de notas de rodapé, com explicações mais
detalhadas, mas sem a correção do idioma, conforme constam no docu-
mento de 1870, que por estar bastante rasurado e confuso, chamaremos
de rascunho. Na medida do possível, também foram corrigidos os nomes
dos colonos que eventualmente apareciam registrados incorretamente.

67
Patrícia Bosenbecker

Tabela 1 – Quadro de reclamações dos colonos de São Lourenço (1869-1871)


(continua...)
Picadas
Nomes dos Colonos Número Objeto das reclamações Decisão Obs.
ou linhas
Ludwig Röbke 1
August Kiesow 2
August Hellwig 3 Medição de seu prazo, de cujo valor diz ter já pago
Carl Hanke 4 metade, bem como os juros, sem que até o presente As medição e demarcação d’estes
Pomerânia

Proceda-se a medição e demarcação na forma esta-


Julius Zarnott 5 tenha o mesmo prazo sido completamente medido e prazos depende da medição judicial
belecida pelo convenio; ficando até então suspenso
Ferdinand Sell 6 demarcado, não obstante o disposto no Convenio e a das terras particulares que confinam
Johann Jwen 7 o pagam.to dos respectivos juros.
promessa do empresário, digo, do Diretor na ocasião com a colônia.
Wilhem Hartwig 8 d’aquele pagamento.
Christian Stern 9
Carl Stark13 10
Medição de seu prazo que já pagou, indenização dos
Faça-se a medição, sem a qual não pode ser tomada
Christian Thurow 11 prejuízos que por falta d’ela tem sofrido e que calcula em -
em consideração a 2ª parte.
400$, fora o estrago do mato.
Heinrich Schäfer 12
Heinrich Nebel 1314
São Lourenço

Christian Bohrer 14
Georg May 15 Medição do seu prazo. Faça-se. -
Frantz Pritsch 16
Georg Born 17
Peter Hermann 18
Idem e mais o pagm.to de 180 Thalers prussianos que Não estando provada a alegação propôs-se conci-
diz ter entregue ao empresário em Hamburgo e não lhe liação que não verificou, nega-se o Emp.º o facto e
Phillipp Neutzling 19 -
haviam sido creditados em sua conta que por isso ainda ambos, porém, concordam com [ilegível] a julgam.to
não liquidou. arbitral em Pelotas, sem recurso.
É improcedente a reclamação a vista da informação
Indenização de diversas quantias que diz não lhe terem
do diretor e dos documentos que apresentam e que
Ludwig Schröder 20 sido creditadas, das quais tem, entretanto, recibos e cuja
provão justamente o contrário do que alega o recla-
Moinho

importância calcula em 100$ mais ou menos


mante.
Medição das linhas laterais de seu prazo, e a pagam.to Quanto a 1ª, faça-se a medição, quanto a 2ª enten-
No rascunho consta também: Conci-
Christian Kuhn 21 de 125$, parte que lhe toca do prêmio concedido pelo da-se com o plantador que o contratou e que recebeu
liaram-se
Gov.º ao plantador que colhesse 100 alqueires de trigo. o prêmio em questão.

13
No rascunho: “Reclama mais que seu prazo tem menos [rasurado] largura no fundo que na frente/Seja verificado pelo agrimensor quanto a esta parte”.
14
No rascunho: “Em dúvida se pertence a esta [picada] ou á do Moinho”.

68
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

(continua...)
Medição das linhas laterais do seu prazo e indenização Não sendo aceitáveis as 2 testemunhas apresentadas
da quantia de 50$ que diz ter pago em 1861 ao empre- pelo reclamante por serem inimigas do reclamado, não
Valentin Arnold 22 sário e não lhe haver sido creditada, o que pode provar pode ser atendida sua reclamação. Acresce que o re-
com testemunhas e finalmente da de 15:500, que des- clamante já liquidou suas contas e que o reclamado
pendeu com seu transporte do Rio Grande a Colônia. nega tal dívida. Quanto a 1ª p.e faça-se a medição.
Indenização de diferentes quantias no valor de 353$200,
Proceda-se a conciliação. [a outra reconheço o que
Friderich Kuhn 23 que não lhe foram creditadas; e a entrega do título de Verificou-se (Termo nº)
verificou se como se vê do respectivo termo nº 1.]15
seu prazo, que já pagou.
Verificação da medição de seu prazo e indenização de
differ.es quantias que entende ter pago indevidamente ao
Quanto a 1ª, verifique-se. Quanto ao mais, proceda-
empresário, procedentes de despesa com seu transpor- Verificou a conciliação – dest Temo
Jacob Scholl 2416 -se a conciliação, que se verificou não obst. o empre-
te do Rio Grande a Colônia e de frete de um carro de nº ...).
sário não lhe reconhecer razão e não.
Moinho

Hamburgo ao Rio Grande, bem os estragos feitos no


mesmo carro durante a viagem.
Verificação das linhas laterais de seu prazo, e indeniza- Quanto a 1ª, verifique-se.
ção da quantia de 23$500 por trabalho seu em contratos Quanto a 2ª, já liquidou sua conta.
Wilhelm Angelow 25
de uma estrada e de 200 braças de terra que diz terem- Quanto a 3ª, não procede visto que o pras comprado
-lhe sido cortadas de seu prazo (nº 10) pelo Empr.º. pelo reclamante é de 80.000, como consta de seu título.
Medição de seu prazo e indenização da quantia de 225$ Quanto a 1ª, faça-se a medição.
Verificou-se.
Johann Klumb 2617 que diz não lhe haver sido creditada em sua liquidação Quanto a 2ª, proceda-se a conciliação, que se verifi-
Termo nº ...
de contas. cou (termo nº 3).
Medição de seu prazo, e a entrega do prazo nº 23 da linha
do Moinho em virtude de uma procuração que apresenta dos Quanto a 1ª, faça-se a medição, quanto a 2ª, a vis-
Philipp Kaul 2718 herdeiros do defunto proprietário do mesmo prazo é Nicolaus ta das informações, nada pode receber a [ilegível],
Bretz, e mais indenização da quantia de 15$500 que despen- quanto a última, não está provado o seu direito.
deu com seu transporte do Rio Grande a Colônia.

15
Parte riscada no manuscrito, contudo o significado parece ser de que foi feita verificação e se provou no termo conciliatório.
16
No rascunho: “Reclama o pagam.to das desp. feitas p.r elle com o transporte seu e de sua fam.ª do Rio Gr.e á col., sendo 22$ do R. Gr.e á praia de S.
Lour. e 32$ de alli á colônia. Reclama igualm.te contra o Empr.º p.r negar-se a vender-lhe um prazo colônial, sendo que p.ª a colônia se contractou com
Ag.te d’aquelle em Hamburgo. Outrossim que o prazo colônial que possue, comprado a outro colono, não tem nos fundos a largura e compr.º devidos.
Reclama m.s pela indenização da quantia de 75$ que lhe foi indevidam.te cobrada pelo empr.º do [ilegível] de um carro do reclam.te que em seu embar-
que deixara em Hamburgo p.r não ter m.s lugar no navio e que o Ag.te do Empr. Se comprometeo a mandar, bem assim das div.os pertences do carro ao
prejuiso avalia em 75$. Já deu queixa ao Dir.or./Tem queixa processada na Presid.e a cujo julgam.to appellão ambos, reclam.te e reclamado.”
17
No rascunho: “Não se conciliou, sujeitão-se á decisão do proc.º em andam.to pelo Dir.or.”
18
No rascunho: O valor de 15$500, que reivindica ser indenizado, corresponde a transporte até a colônia, “que pago de frete á João Klump na occasião
em que veio à esta Colônia e cuja quantia lhe devia ser restituida em virtude do convenio. Tem a sua conta [ilegível] 28/Informa o Dir.or não lhe ter
creditado os 15$500 p.r não estarem nos livros e reclam.te não apresentar docum.to de os ter pago. Q.to ao prazo, sabe pelo Empr.º estar a questão sujeita
ao V. Consul da Prussia/A vista das informações nada pode resolver a Comm.ª”
69
Patrícia Bosenbecker

(continua...)

Indenização de juros por ter pago pelo valor de seu pra- Improcedente a reclamação a vista da informação do
Oscar Preisler 2819
zo antes de medido e demarcado. Diretor, que o julga infundada por diversas razões.
Indenização da diferença para mais, obtida pelo em-
presário na venda de um prazo colonial que antes lhe Não se verificou apelando ambos
Proceda-se a conciliação que não se verificou, ape-
pertencera e que durante uma viagem sua foi vendido para a decisão da Presidência a que
Johann Rosskopf 29 20
lando ambos para decisão da Presidência G.ª já foi
a outro por dito empresário, que prometera tal indeniza- já foi remetido o processo organizado
remetido processo [ilegível] pelo diretor.
ção, mediante a que aceitara o reclamante outro prazo pelo diretor.
por aquele.
Medição do seu prazo e indenização das despesas fei- Quanto a 1ª faça-se a medição, quanto a 2ª, não tem
Valentin Hollerbach 30
tas com seu transporte do Rio Grande a Colônia. direito visto não ter vindo como colono.
Moinho

Indenização das despesas feitas com seu transporte de Quanto a 1ª não tem direito p. que não veio como
Rio Grande a Colônia com sua família (20$000), e das colono; quanto a 2ª é infundada, por quanto os 25$
Daniel Fach 31
de 25$ e 11$500 que diz terem lhe sido indevidamente são a importância da sisa e os 11:500 os custos de
cobradas por seu título. seu proc.º em que foi condenado.21
Adolph Stahlbach 32 Medição de seu prazo. Faça-se a medição.
Verificação da medição de seu prazo e indenização de
Verifique-se. Quanto a 2ª, proceda-se a conciliação,
Johann Peil 3322 pequenas quantias que diz não lhe terem sido credita-
se verificou-se. (T. nº 4).
das.
Medição de seu prazo e indenização da importância de
Joachim Heiden 3423 10 s. de feijão vendidos ao empresário e que não lhe Faça a medição. Quanto a 2ª não provou a alegação.
está creditada.

19
No rascunho: “Informa o Dir.or que nunca, nem na sua liquid. reclamou tal cousa e que não sabe nem q se funda tal reclamação; [ilegível] que seu prazo
foi medido e demarcado pela Comm.ª do Gov.º (B. de Calden) em 1868.”
20
No rascunho: “Reclama ter em 1859 comprado o prazo nº 28, que como elle se ausentasse da Col.ª p.r um anno, com combinação do empresario, a
fim de ganhar alg.m dinr.º, foi pelo m.mo empres.º vendido a outro. Voltando á Colônia, recebeu outro prazo com a promessa do Empr.º de pagar-lhe a
differença com que sobre o 1º preço, foi vendido dito prazo. Proteste haver a diff.ª. Tem já a queixa em poder do Dir.or. /Informa o Dir.or que a queixa
processada se acha em poder da Presid.e p.ª cujo julgam.to appelarão ambos, reclam.te e reclamado/Não se conciliarão, appellão p. a decisão do Presid.ª
no proc.º supra.”
21
No rascunho, consta na lateral: “É de lei pagar as custas o que perde a causa.” Consta ainda tanto para Fach quanto para Hollerbach: “Informa o Dir.
or
p. p.r falta de tempo ainda não lhes liquidou as contas.”
22
No rascunho: “Reclama a parte do premio do trigo, que não recebeu.”
23
No rascunho: “Informa o Dir.or que o reclam.te obrigou-se a provar o facto mas que até hoje não o fes/Trata da questão q.do liquidar a sua conta.”

70
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

(continua...)
Verificação da medição dos seus prazos por julgar-se Concordarão o Empr.º, o reclamante
prejudicado pela 2ª medição, que lhe tirou mais ou o seu vizinho C. Hübner, que a [divisa]
Heinrich Gehling 3524 Ao empresário para atender ao reclamante.
menos 30 braças que lhe haviam sido concedidas com entre as ditas [ilegível] por br.º [longo
Antas

compensação de um banhado que tem em suas terras. trecho ilegível e rasurado].


Medição de seu prazo e indenização dos juros por ter Faça-se a medição. É improcedente a reclamação,
Carl Hübner 3625
pago o mesmo prazo antes de medido e demarcado. verificando que já liquidou suas contas.
Adolph Zündler 37 Verificação da medição de seu prazo. Verifique-se.
Indenização dos prejuízos por ele sofridos em consequ-
Moinho

ência de ter sido forçado e abandonar o prazo da Boa


Johann Link 3826 Proceda-se a conciliação. Não se verificou.
Vista, pelo qual trocando com o empresário, que possuía
o Moinhos.
Sem infor- Mudança da estrada que lhe corta parte do prazo, verifi- Quanto a 1ª parte, ao empresário para atender a re- O empresário dá 50$ para os traba-
Luís Raubach 3927
mação cação da medição d’este. clamação; quanto a 2ª verifique-se. lhos da nova estrada.
Não lhe haver sido creditada a quantia de 225$000 que
Peter Könsgen
4028 diz ter pago por conta de seu prazo e de que tem recibo; Proceda-se a conciliação que se verificou (T. nº ). Verificou-se (T. nº...
[per-all]
pelo que ainda não pode fazer completo o pagamento.
Antas

O empresário entregara o título quan-


A entrega do seu título por já ter pago o valor do prazo do for à colônia o Escrivão compe-
Daniel Schwartz 41 29
Ao empresário para atender ao reclamante.
e mudança da estrada que lhe corta parte do dito prazo. tente – Quanto ao mais, é a mesma
questão do nº 39.
Boa Vista Heinrich Hax 42 Medição do seu prazo. Faça-se a medição.

24
No rascunho: “O empresario concede desde que o visinho annua/Verifiq. pelo Agrimensor.”
25
No rascunho: “Medição de seu prazo e seos juros na m.ma rasao dos p. pagou ao Empr.º nos 1º tres mezes, no fim dos que lhe prometteo esta medir-lho.
(desde que effectuou o pagmto esta data)/Tem conta liquid., sem eff.o a reclam.”
26
No rascunho: “O prazo da Boa Vista foi era propried. de outro colono, a troca foi feita p.r Rheingantz. Tem sua queixa em poder do Dir.or/Verif. Pelo
Agrim. Ouça-se o Dir.or e Empr. Conciliarão-se recebendo Link do Empresario como indenização a metade das terras (Chale) 100$000 em dinheiro e
quitação de sua [divida] de 91$000.”
27
No rascunho: “Informa o Dir,or q. é injusta tal queixa que nunca lhe foi dada e q se o fosse não aceitaria, p.r que se assim acontece, é p.r necessid.e/
Verifique-se pelo Agrim.”
28
No rascunho: “Informa o Dir.or que não aceitou o recibo d’aquella quantia, p.r ter-lhe o [ilegível] o Empr.º haver-lhe sido o m.mo extorquido á força.”
29
No rascunho: “Dá o Empr. o Título e m.s 50$ p.ª a estrada.”

71
Patrícia Bosenbecker

(continua...)
Idem e, quanto a 2ª, ao empresário para atender ao
Quevedos
Wilhelm Heller 43 Idem; e indicação definitiva da estrada.
reclamante.
Heinrich Dummer 44 Idem Idem
Johann Lemke 45 Idem Idem
Não sendo colono, não se lhe tomou
Johann Adam Kuns30 - - -
a reclamação.
Boa vista

Que lhe faça o empresário boa a venda do prazo que


comprou a Kuns e bem assim indenização de pequenas
Viúva Schneid 46 Proceda-se a conciliação. Não se verificou.
quantias, importância de sacos de feijão e batatas que
vendeu o seu finado marido aquele Empr.º.
São
Johann Dietrich 47 Medição do seu prazo. Faça-se a medição
Lourenço
Declarou o empresário em audiência
que não podia atender a semelhante
Indenização das despesas com seu transporte do Rio
Moinho Johann Peter Platt - Ao empresário para atender ao reclamante. reclamação nem a de outro, [ilegível]
Grande a Col.ª.
colono que como este, tenha liquida-
do suas contas.
Medição do prazo, além de outras reclamações que
Boa Vista Philipp Seus 4831 Proceda-se a conciliação. que verificou-se (T. nº) Verificou-se (T. nº ).
constam da queixa processada pelo Diretor.

30
No rascunho: “[Provou] ter pago 200$ pelo prazo col.ª que possuio, antes de ter sido este vendido p.r elle a Schneid a favor de q.m cede os 200$ (Vide
questão Link e Schneid) Dis ter m.s de [duas] ves querido liquidar suas contas antes da venda e o Empr.º [ilegível – negar-se] a isso/Violencia – [Deci-
são] vem de queixa na autoridade policial.”
31
No rascunho: “Tem queixa em poder do Dir.or/ Medição do prazo/Meça-se/Restituição das despesas feitas com seu transporte do R. Gr.e a qui/ Concord.
O Empr.º /Pagam.to de uma factura de fej.ª que vendeu ao Empr.º feitas as com a vantagem de 25% sobre o respectivo preço, devendo as contas ser
feitas á vista do original da m.ma factura pelo liquidador; p.r isso que nos livros do Empr.º lhe está creditada quantia inf.or ao verdadr.º preço/Ind. o
Empr.º com 25$./Diz que a factura importou em 186 [ilegível] 10 [ilegível], aos livros do Empr.º a conta é de 170 [ilegível] 29 ¼ [ilegível], mais 25% 42
[ilegível] 22 ¼ [ilegível] á 10 [ilegível] 2 cobertores. 25 [ilegível], 21 [ilegível]/O importe de 57 sacos de batatas que o Empr.º deixou de acceitar dep.s de
haver comprado, resultando perderem-se as suas batatas. Indenização de diversas quantias que não lhe forão devidam.te creditadas, result.es de generos
producto p.r elle vendidos ao Empr.º, como deve constar das contas exist.es em poder do Dir.º/Liquidarão suas contas, passando o Empr.º ao reclam..te o
título de seu prazo col.ª, e este áquelle docum.to de dever-lhe 50$ pagaveis no 1º de julho d’este anno.”

72
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

(continua...)

Verificação do prazo, e indenização de uma quantia que


indevidamente lhe foi debitada nos subsídios que em
Friedrich Marten 49 32
Improcedente a vista da informação do Diretor.
Hamburgo recebeu de Agente do empresário, Hühn e
C.ª.
Selo em um documento e pagam.to (2$000) de meio al-
Bom Jesus

August Becker 50 queire de trigo (!!!)33 que, a convite do empresário man- Satisfeito em tudo.
dou a Exposição nac.al.
Hermann Vahl 51 Verificação da medição do prazo. Verifique-se
Carl Neugebauer 52 Idem, e liquidação de sua conta. Proceda-se a conciliação. que se verificou (T. nº 1) Verificou-se (T. nº ).
Indenização em dinheiro da porção de terreno que falta Não tem lugar, visto informar o diretor que é iniqua e
Ferdinand Müller 533 no seu prazo, calculado há razão do valor que hoje tem de má fé semelhante reclamação por diversas razões
de prazos como o seu. [ilegível]
Heinrich Tuchte-
54 Verificação da medição do prazo. Verifique-se.
nhagen
Idem quanto a 1ª, quanto a 2ª, improcedente pela
Friderich Hertzberg Idem e seu ajuste de conta, a que se nega o diretor por
554 razão dada pelo diretor, porquanto [nada costa após
ou Herzberg já estarem elas liquidadas antes do convenio.
Bom Jesus

a palavra porquanto].
Ludwig Kröning 56 Verificação do prazo. Verifique-se.
Não lhe ter sido creditada a quantia de 300$ que diz ter
É infundada a reclamação, como se verifica da infor-
Heinrich Reichow 575 ganho em trabalhos de estrada na picada dos Queve-
mação e conta apresentada pelo diretor.
dos.
Friederich Janke 58 Verificação da medição do prazo. Verifique-se.
Johann Neitzke 59 Demarcação da linha que o divide com o vizinho. Demarque-se.

32
No rascunho: “(Já liquidou suas contas. Está aqui à 8 annos). Seg.do informa o Dir.or é infundada e injusta tal reclamação, visto que o Empr.º ainda lhe
fez espontaneas concessões na liquidação de sua conta/Outra reclamação do mesmo colono: Quer uma conta p.r extenso desde 1861 até 64, porq. duvida
de sua liquid./Reclama m.s terem-lhe sido contadas em sua liquid. Pelo Dir.or 6 vezes os juros indevidam.te.”
33
Ressaltado no original.
3
No rascunho: “Seg.do a informação do Dir.or é iniqua e de má fé a reclamação de F. Müller, porq.to comprou redim.to 15.000 br.ª p.r 500$ e não 100br.ª,
com p.r engano [escreveu] o Escrivão, de cujo engano perfidam.te se quer [apasitor] Müller fora [ilegível].”
4
No rascunho: O Diretor informou que suas contas estavam há anos liquidadas. O colono também reclamava indenização por passagens de Rio Grande
a colônia.
5
No rascunho: “Informa o Dir.or que é apenas desconfiança que o reclam.te tem de não lhe haver sido creditada tal quantia; como se pode ver da conta
que remethe sob nº [ilegível].”

73
Patrícia Bosenbecker

(continua...)

Wilhelm Köpp 60 Verificação da medição do prazo. Verifique-se.


Jesus
Bom

Wilhelm Buss 61 Idem Idem


Friderich Buss 62 Idem Idem
Boa vista Jacob Braecher 63 Medição do prazo. Faça-se a medição.
Harmonia Carl Holz 64 Verificação da medição do prazo. Verifique-se.
Antas Ferdinand Nickel 65 Idem, para corrigir seu título. Idem
Que pelo empresário seja paga com os competentes
Não se verificou a conciliação por ne-
ma- Quevedos

juros a quantia de 440$ que ao mesmo deu em 1862 p.


Jacob Brauch 666 Proceda-se a conciliação. gar-se então o reclamante a aceitar o
um prazo colonial que dele foi pelo mesmo empresário
que ele mesmo exigia.
vendido a outro.
Providencias contra os estragos que em seus matos Obrigou-se o empresário a fazer os
Ses-

August Weege 677 Ao empresário para atender ao reclamante.


ria

fazem os vizinhos. competentes embargos.


Não procede a reclamação, visto ter-lhe o empresá-
Indenização por um ano de trabalho que perdeu no seu rio vendido tal prazo em boa-fé por que estava ele,
Harmonia

1º estabelecimento na linha do Cerrito, donde foi obriga- como outros compreendido nas terras que comprou
Gottfried Lerm 68
do a retirar-se por pertencem tais terras ao D.r Chaves, e do Governo; além disso o reclamante já liquidou suas
verificação da medição do novo prazo. contas e recebeu a indenização igual a qual outros
deu o mesmo empresário. Quanto a 2ª, verifique-se.

6
No rascunho: “Reclama que tendo comprado ao empresario em 25 de Agosto de 1862 os seus prazos col. de nº 27 a e 2[8] na linha dos Quevedos pela
quantia de 1:000$000 pagavel á 2 annos pago o transporte na mesma occasião, sendo-lhe descontado o [ilegível] de 120$000, assim em pagou de facto
440$000 por cada um dos 2 prazos, obrigando-se o empresario a mandar medir os ditos prazos 8 dias depois da desta compra e pagar-lhe o resp. título
de propriedade como tudo prova por um documento firmado pelo empresario. Dias depois vendeu o empresario os mencionados prazos entregando ao
reclamante o prazo [ilegível] 36 da mesma linha indicando-lhe mais outro, sem porem nem medir nem um até hoje. Declara Requer então o reclamante
que vem ficar com o prazo nº 36 que occupa pelo preço, e suas condições estabelecidas, mas que não asseita outro senão que dos comprados e se não
reclama restituição da quantia paga de 440$00 com os competentes juros./Não concilia, só retira o reclame a sua proposta não obstante o empresario
offerecendo á pagar o valor do prazo e os juros competentes até hoje, em [ilegível] a importância da divida do reclam.te liq.do pelo Diretor de 312$000.
Outro sim [ilegível – propõe] o empresario com o reclam.te (querendo) fica com o segundo prazo e pega para liquidação das custas a metade da impor-
tância de seu cento [ou conto].”
7
No rascunho consta que este colono tem as contas liquidadas.

74
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

(continua...)

Não tem lugar o que reclama, visto não o ter feito q. do


Que o empresário lhe receba o seu prazo colonial, por
liquidou sua conta e informar o diretor que tal recla-
Harmonia August Lange 69 8
ter ele comprado outro em outra colônia, em consequên-
mação só poderá ter por objeto pagar por esse meio
cia de não estar satisfeito com aquele.
o reclamante o que deve ao empresário.
Albert Bergmann,
Bom
por seu falecido pai 70 Novo título de seu prazo, por estar sem valer o que tem. Proceda-se a conciliação. Verificou-se. (T. nº).
Jesus
Carl Bergmann.
Wilhelm Schütze 71 Verificação da medição do prazo. Verifique-se.
Ludwig Mackedanz 72 Idem. Idem.
Terem-lhe sido debitados pelo empresário 112 thalers É falsa a alegação, visto constar do recibo por ele
Friderich Treptow 739
como adiantamentos sem que nunca os recebesse. passado 113 thalers em Hamburgo.
Harmonia

Carl Frömming 74 Verificação da medição do prazo e entrega do título. Como pede.


Não procede a reclamação visto já tal caminho servir
Carl Lukow 75 Mudança do caminho que passa por seu prazo.
há 6 anos.
Medição do seu prazo e entrega do título e indenização
Faça-se a medição, quanto ao mais, liquide suas
Ferdinand Gehrmann 76 do que despendeu com seu transporte do R. Grande a
contas.
colônia.
August Buchweiz 773
Continuação da Harmonia

Ferdinand Buchweiz 78 A abertura de um caminho para de seus prazos saírem


Carl Stern 79 a estrada geral que comprometendo-se a entrarem com
Johann Beiersdorf 80 a metade do que para isso for necessário; e bem assim A empresário para atender aos reclamantes.
Friderich Buchweiz 81 a medição dos respectivos prazos, e finalmente, com Faça-se a medição; quanto a indenização, não pro-
Ferdinand Neuen- excepção de Beiersdorf e Gehrmann, indenização do cede, por já liquidarão suas contas.
82
feld que despenderão com seu transporte do R. Grande a
Ferdinand Gehr- Colônia.
-
mann

8
No rascunho: “Comprou o prazo n. 33 que, como não lhe agradasse, propoz ao Empr.º trocar p.r outro, ou então ficar com elle indo o reclam.te comprar
outro sem ou outra colônia, o que fez, pelo que q.do hoje entregar aquelle./Informa o Dir.or que nada sabe á resp.to e que sem duvida tal pretensão tem
p.r objeto pagar o que deve ao Empr.º. Tem conta liquid.ª até Maio do anno p.”
9
No rascunho: “Recebeu; [prova-se] como a recebeu em forma ajustada pelo Empr.º A informação do Dir.or é concorde.” Seguindo no rascunho, consta
o nome de Ferdinand Gehrmann, número 76, como último nesta página, apenas pedindo medição do prazo e entrega do título e despesas de viagem.
3
No rascunho: do colono número 77 até o número 82, incluindo o nome de Gehrmann, que está duplicado, consta a reclamação da abertura da estrada
e da medição dos lotes, além de indenização para alguns. A reclamação da estrada está colocada da seguinte forma: “Reclamão caminho p.r de seus
prazos chega a estrada geral, sendo aquella na extensão de 250 braças m.s ou menos; entrando elles com a metade do [q.] p.r isso for necess.º.”

75
Patrícia Bosenbecker

(continua...)

Wilhelm Bartz 83
Ferdinand Schlatz 84
Friderich Becker 85
Ludwig Ehlert 86
Friederich Timm 87
Gustav Krummreich 88 Medição de seus prazos e indicação do lugar por onde
Faça-se a medição; quanto a mais a empresário para
Quevedos

Franz Roschild 89
deve passar a estrada que os comunique com a estrada
Heinrich Becker 90 atender a reclamação.
Heinrich Hepp 91 geral.
Wilhelm Bund 92
Carl Döring 93
Johann Radatz 94
Carl Blank 95
Johann Peter Berg
96
ou Berger
Pomera- Providências para ser inutilizado um caminho que os Dê queixa contra os vizinhos a autoridade compe-
Carl Krüger 97
nia vizinhos abrirão em suas terras. tente.
Indenização de uma diferença no valor de 6 sacos de
feijão que diz ter vendido por um preço ao empresário e Quanto a 1ª, não tem lugar, a visa das informações,
O empresário entregara logo que vá a
Johann Loch 98 por este pago por outro [informado] importando aquela quanto a 2ª ao empresário para atender ao recla-
Colônia o Escr.º competente.
diferença 21$000. A entrega de seu título por já ter pago mante.
sua dívida.
Providencias acerca de uma estrada que passa pelo seu
Quevedos

Jacob Katrein 99 A empresário para atender ao reclamante.


prazo.
Indenização das despesas com seu transporte do Rio
Friederich Griesbach 100 Não procede a reclamação por ter já conta liquidada.
Grande a Colônia.
Indenização da quantia de 60$ que diz ter pago ao em-
Quanto a 1ª e 3ª, não procede a reclamação visto ter-
presário e não lhe foi por este creditado, da de 31$320
-lhe já sido creditadas tais quantias; quanto a 2ª, ao
Peter Wagner 101 que lhe foi descontada por [sustento] no Rio Grande e
empresário para atender ao reclamante, cuja conta,
que, entretanto, pagou pessoalmente, e finalmente da
entretanto, já está liquidada.
despesa de seu transporte daquela cidade à Colônia.
August Liermann 102
Verificação da medição de seus prazos providencias Verifique-se, quanto ao 2º ao empresário para aten-
Bom Jesus

Christlieb Tessmer 103


acerca de um caminho que atravessa seus prazos. der.
August Tessmer 104
Heinrich Friederich Entrega do título do prazo pertencente ao finado Bernar- Ao empresário para atender aos termos do recla-
105 O mesmo que o nº 98.
Strellow do Boeling, com cuja viúva casou. mante.

76
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

(continua...)
Albert Pärten
4
106
Wilhelm Lütke 107
Carl August Knoll 108 Faça-se a medição, quanto a estrada, ao empresário Todos liquidarão já suas contas por
Friederich Schmiele 109 Medição dos prazos e designação definitiva da estrada.
Feliz

para atender. intermédio do diretor.


Peter Hansen 11
Friederich Voelz 111
August Lütke 112
Ferdinand Timm 113
Otto Tuchtenhagen 114
Wilhelm Marth 115
August Jeske 116
Hermann Vollbracht 117
Heinrich Strelow 118
Ferdinand Holz 119
Ludwig Waldow 120
Carl Dreckmann 121 Faça-se a medição, quanto a estrada, ao empresário Todos liquidarão já suas contas por
Medição dos prazos e designação definitiva da estrada.
Feliz

Friederich Treptow 122 para atender. intermédio do diretor.


Johann Münchow 123
Carl Peske 124
Freiderich Pranke 125
August Hilsinger 126
August Bartz 127
Wilhelm Barz 128
Carl Vollbrecht 129
Julius Bubolz 130
Wilhelm Klemtz 131
Friederich Bast 132
Frederich Hardt 133 Medição dos prazos e designação definitiva da estrada. Faça-se a medição, quanto a estrada, ao empresário
Carl Schulz 134 para atender.
Heinrich Marth 135 Indenização5 da quantia de 20 thalers que a cada um
August Helwig 136 deles foram adiantadas por ordem do empresário e com É absurda a reclamação porquanto, como os mes- Todos liquidarão já suas contas por
Feliz

August Kuhn 137


Albert Schulz 138 consequências debitadas em suas contas, por isso que mos confessam e se prova com os seus recibos, intermédio do diretor.
Hermann Rutz 139 a outros não foi debitada tal adiantam.to; bem assim do foi-lhes com efeito abando tal adiantam.to, que não
Wilhelm Bugs 140 câmbio que entendem ter-lhes sido excessivamente co- foi descontado a outros por que não o receberão por
Carl Pranke 141 brado. conta do empresário.
Franz Lilge 142
Wilhelm Zimmer 143

4
Poderia ser Albert Fanton conforme Coaracy (1957).
5
No rascunho, consta que todos os colonos de Picada Feliz reclamam da cobrança dos 20 thalers em Hamburgo e da cotação de câmbio. Apenas Hilzin-
ger, Zimmer, August e Wilhelm Barz e Vollbrecht reclamam das medições e da estrada. Nesse documento, os nomes dos colonos estão em outra ordem.
77
Patrícia Bosenbecker

(conclusão)
Augusto Zibell 144 6
Medição dos prazos e designação definitiva da estrada.
August Schulz 145 Indenização7 da quantia de 20 thalers que a cada um
Ernest Schulz 146 deles foram adiantadas por ordem do empresário e com
Carl Doring 147
Feliz

consequências debitadas em suas contas, por isso que


Carl Albert 148 a outros não foi debitada tal adiantam.to; bem assim do
Carl Grimm 149 câmbio que entendem ter-lhes sido excessivamente co-
brado.
Jacob Pilger? 150
Jacob Born 151 Medição e designação da Estrada.
Wilhelm Schroeder 152 Reclama que tendo dado em 2 de março de 1870 ao
Friederich Oller- Diretor da Colônia queixa de violência contra diversos
153
Travessão Feliz

mann moradores da linha Feliz desta Colônia, e tendo sido de- Levar ao conhecimento da presidência.
Albert Griep 154 cidido a mesma queixa por este ao Presidente da Prov.
Friederich Knuth 155 foi por ele remetido ao Delegado de Polícia Pelotas, sem
Johann Thürmer 156 que até agora [ilegível] produzido efeito algum.
Wilhelm Borck 157
Reclama mais que lhe tendo o empresário vendido um meio prazo colonial, começava ele a fazer derrubada e caminho e voltava depois para buscar
Johann Thürmer - a sua família com consentimento do empresário; quando, porém, voltara achou o mesmo meio prazo vendido, sem que lhe vendesse outro prazo
senão a dinheiro a vista. Não tendo o dinheiro pronto sofreu muitos prejuízos e protesta ser indenizado por estes. (Fora queixa na mão do Diretor).
Quevedos Carl Stücker 158 Verificação de seu prazo nº 34.
Promete o empresário levar em conta a quantia re-
Reclama 5$000 que lhe não foram descontados, nas
Cerrito Viuva Luisa Ehlert 159 clamada na ocasião de pagar-se as despesas da
despesas de sua passagem do Rio Grande para cá.
escritura de venda.
August Gottlieb
Bom Jesus

160 Reclama verificação de seu prazo nº 45 Verifique-se.


Wendler
August Bölke 161
Idem, nº 17 Idem
August Ehlert 162
Idem, nº 34 Idem
Exige-se lhe venda a parte do prazo que ocupava e que fica nos na terrenos área da colônia, tendo a outros parte sido reconhecida como propriedade
Cerrito Johann Schwede ? 163
do Dr. Chaves.
Fonte: Adaptado pela autora a partir dos seguintes documentos: Quadro synoptico das reclamações apresentadas pelos colonos de S. Lourenço á Comm.ão especial do Governo, e decisões que
ellas tiverão. e Relação dos colonos que apresentavão reclamações á Comm.ª em sua 1ª Sessão 23 – 10brº -70. AHRS. Fundo: Imigração, Terras e Colonização. São Lourenço/empresário/
diretor/diversos, mç. 72, cx. 37.

6
A partir de Augusto Zibell, os nomes constam apenas no rascunho. Nesse documento os colonos não estão numerados, contudo, continuei a contagem
conforme o documento de 1869.
7
Aparentemente, os 6 colonos aqui reclamantes também questionavam os valores passados em Hamburgo. O quadro está bastante confuso nessa parte,
dificultando a leitura.

78
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

Considerações finais
Mostramos nesse trabalho uma continuação das pesquisas rea-
lizadas sobre a condição dos imigrantes em uma das maiores colônias
privadas do sul do país. Administrada e de propriedade de um grande
comerciante alemão e empresário da colonização do Rio Grande do Sul,
Jacob Rheingantz, que trouxe como agenciador mais de 600 famílias
de imigrantes para serem assentadas em São Lourenço (Bosenbecker,
2017). Como vários problemas de ordem administrativa ou oriundos de
políticas migratórias inapropriadas nas colônias estatais, como mostrou
Seyferth (1999), os conflitos agrários nas colônias particulares estiveram
presentes de várias formas, tanto com relação a regularização das áreas
coloniais por seus diretores e proprietários em disputa com fazendeiros
ou posseiros quanto com relação aos lotes ou prazos coloniais e a regula-
rização necessária aos colonos, nem sempre efetivamente representados
nesse processo conflituoso.
Elaboramos nossa análise a partir de dois quadros de reclamações,
produzidos entre 1869 e 1871, a partir de diversas queixas dos colonos a
uma comissão estatal nomeada para intermediar os conflitos. Os quadros
são extremamente importantes para entender a dinâmica de colonização
privada implementada no sul do Rio Grande do Sul. As reclamações mos-
tram não apenas a localização e especificidade dos problemas fundiários
da referida colônia, mas também quem são os reclamantes e o que cada
colono alegava. Infelizmente, os documentos não apontam todas as solu-
ções ou encaminhamentos realizados, mas, mesmo assim, os dados possi-
bilitam entender a dimensão dos problemas ocorridos na colônia.
Nesse sentido, além de buscar preencher algumas lacunas na his-
tória da imigração da região sul do Rio Grande do Sul, bem como sobre
a empreitada da colonização privada, também esperamos contribuir ao
oportunizamos aos pesquisadores e pesquisadoras o acesso a uma versão
dos documentos aqui trabalhados, difíceis de ler e confusos em relação a
outros papéis rascunhados do acervo, que parecem exibir a urgência dos

79
Patrícia Bosenbecker

problemas e demandar alguma resposta do poder público frente a uma


das principais revoltas de imigrantes da região.

Referências
BOSENBECKER, Patrícia. Narrativas imigrantes: repensando os -turbulentos-
e amotinados nas regiões de colonização alemã. Revista Latino-Americana de
História, v. 8, n. 20, p. 22-44, 2018.
______. Três gerações de empreendedorismo: capital e laços sociais entre
Brasil e Alemanha a partir do estudo de caso da família Rheingantz. Tese (Dou-
torado em Sociologia). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- UFRGS, 2017.
______. Uma colônia cercada de estâncias: a inserção de imigrantes alemães
na colônia São Lourenço/RS (1857- 1877). Pelotas: Ed. UFPel, 2020.
COARACY, Vivaldo. A Colônia São Lourenço e o seu fundador Jacob
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HAMMES, Edilberto L. São Lourenço do Sul: radiografia de um município –
das origens ao ano 2000. São Leopoldo: Studio Zeus, 2010. 4 vols
IEPSEN, Eduardo. Jacob Rheingantz e a colônia São Lourenço: da des-
construção de um mito à reconstrução de uma história. Dissertação (Mestrado
em História). São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2008. 280 pg.
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São Lourenço. In: TEDESCO, João Carlos; NEUMANN, Rosane Márcia. Colo-
nos, colônias e colonizadores: aspectos da territorialização agrária do Sul do
Brasil. Porto Alegre: Letra e Vida, 2013, vol. 3, p. 92-116.
KLIEMANN, Luiza Helena Schmitz. RS: terra e poder. História da questão
agrária. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
KOLLING, Nilo Bidone. A presença teuta a partir de São Lourenço do Sul/RS.
Anais do 9º Seminário Nacional de Pesquisadores da História das Comunidades
Teuto-brasileiras (2006). Entre vales e serras: fronteiras. São Leopoldo: Casa
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PELLANDA, Ernesto. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto
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RHEINGANTZ, Carlos Guilherme. Colônia de São Lourenço. Breve Histórico de
sua fundação, extrahido das notas do archivo de seu fundador Jacob Rheingantz.
IN: RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Almanak literário e estatístico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Pinto e Cia/Livraria Americana, 1909. p. 143-164.

80
A colonização privada sob intervenção: conflitos de terra, reivindicações dos colonos e mediação estatal no sul do Rio Grande do Sul

ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre:


Ed. Globo, 1969.
SEYFERTH, Giralda. Colonização e conflito: estudo sobre “motins” e “desor-
dens” numa região colonial de Santa Catarina no século XIX. In: SANTOS, José
Vicente Tavares dos (org). Violências no tempo da globalização. São Paulo:
Hucitec, 1999. p. 285-330.
WITT, Marcos. Em busca de um lugar ao sol: estratégias políticas, imigração
alemã, Rio Grande do Sul, Século XX. São Leopoldo: Oikos, 2008.

81
A atividade empresarial de Antônio
Fialho de Vargas na colonização
privada do Vale do Taquari
(século XIX)1

Júlia Leite Gregory

Introdução

E
ntre o início do século XIX e as primeiras décadas do XX, esti-
ma-se que a América recebeu entre 42 e 60 milhões de imigran-
tes europeus (Lanza; Lamounier, 2015). Esse processo provocou
diversas transformações no território americano, tanto em termos es-
paciais como sociais e econômicos. No Brasil, a imigração foi entendida
como solução para resolver questões que impediam o Império de ser mo-
derno e capitalista, como a Europa. O latifúndio, a escravidão (que es-
tava com os dias contados), a baixa produção de alimentos para abaste-
cer a população e o despovoamento de algumas regiões eram problemas
sempre presentes nas discussões parlamentares ao longo do oitocentos
(Zarth, 2002). Embora sofresse críticas, o projeto de imigração e coloni-
zação de europeus foi representado como processo civilizatório e uma
forma mais racional de ocupação das terras devolutas. O pressuposto de

1
O presente texto é uma versão adaptada do artigo originalmente publicado sob o título “Uma
história de fracasso ou sucesso? A participação de Antônio Fialho de Vargas e sua empresa no
processo de colonização privada (Vale do Taquari/RS, segunda metade do século XIX).”
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

superioridade branca estava implícito no plano, ainda que fosse menos


evidente nas leis e decretos relativos ao assunto (Seyferth, 2002).
Na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, extremo sul do
Brasil, os imigrantes se estabeleceram a partir de 1824, sendo que a
maioria foi instalada em pequenos lotes coloniais voltados à agricultu-
ra desenvolvida com mão de obra familiar. Os lugares para os quais os
grupos eram encaminhados foram chamados de colônias, que podiam ser
administradas tanto pela iniciativa pública como privada. De acordo com
o aumento demográfico das colônias, estas se expandiam para territó-
rios adjacentes ou as famílias se dirigiam para outros núcleos, menos
populosos, que possibilitavam a compra de lotes maiores. O aumento da
demanda por terra fez crescer o número de empresas privadas interes-
sadas em investir no negócio da colonização, ainda mais em um período
de valorização fundiária como foi o século XIX. Mas como ocorriam os
empreendimentos coloniais? Por que empresários decidiam aplicar ca-
pital nesta atividade? Era um bom negócio? Quem eram os negociantes
atraídos por este tipo de investimento?
Estas perguntas podem gerar múltiplas respostas, dependendo
dos lugares e sujeitos aos quais forem direcionadas, no entanto, quando
a escala de análise é reduzida, é possível visualizar aspectos do proces-
so geral que não poderiam ser detectados em uma escala mais ampla
(Levi, 2016). As pesquisas sobre a colonização privada no Rio Grande
do Sul oitocentista começaram a aparecer mais recentemente2, demons-
trando que
[...] cada colônia particular é um micro espaço complexo e singular, resultado
de uma negociação entre o(s) seu(s) proprietário(s)/idealizador(es), os colonos,
os lavradores nacionais, os proprietários adjacentes, o poder público, e das
contingências macro-históricas (Neumann, 2009, p. 575, grifo original).

2
Alguns exemplos são: Gregory (2019), Bosenbecker (2011), Neumann (2009), Martirén (2017),
Schaeffer (2020).

83
Júlia Leite Gregory

Antes do surgimento dessas pesquisas, tínhamos poucas informações


sobre os núcleos coloniais privados3, que geralmente eram descritos de
maneira homogênea, como negócios lucrativos a priori. Não se levava em
consideração quem eram os empresários, como estavam constituídas suas
redes de relações e quais eram as estratégias econômicas empregadas.
Sendo assim, o objetivo do presente texto é explorar o universo da
colonização particular desenvolvida na província do Rio Grande do Sul a
partir da análise da trajetória de Antônio Fialho de Vargas, gerente da
empresa Batista Fialho & Cia. Esta funcionou durante apenas oito anos,
tendo como principais realizações a fundação da Colônia Conventos em
1855, no município de Taquari, e o financiamento do deslocamento de fa-
mílias de origem germânica da Europa até o estabelecimento na colônia
mencionada. Contudo, Fialho de Vargas ficou envolvido no comércio de
lotes de terras para imigrantes e descendentes durante quarenta anos.

Antecedentes
Antônio Fialho de Vargas nasceu em 1818, na Freguesia de Nossa
Senhora da Aldeia dos Anjos4, município de Porto Alegre, e faleceu em
1895, na cidade de Taquari5. Seu pai, Manoel, era imigrante açoriano,
da Ilha do Faial, assim como os avós paternos e maternos. A mãe, Maria
Inácia, já nasceu no Brasil. Antônio teve oito irmãos6, os quais exerceram
diversas profissões e residiram em lugares diferentes, como Porto Ale-

3
O baixo número de pesquisas sobre colônias privadas provavelmente está relacionado ao fato
de que é mais difícil encontrar informações sobre elas nas fontes. As colônias públicas, adminis-
tradas pelo Império ou província, produziram uma maior quantidade de documentos e também
de uma maneira mais regular, tendo em vista que os governos procuravam estar atentos ao que
ocorria nos espaços coloniais e aos rendimentos de cada um. Além disso, a documentação gera-
da pelos administradores públicos tinha mais probabilidade de ficar armazenada nos arquivos
centralizados, uma vez que a salvaguarda dos documentos produzidos por empresas privadas
ficava à mercê do interesse dos indivíduos vinculados a estas.
4
Livro de Batismos nº 4 (1811-1823). Gravataí, Freguesia Nossa Senhora dos Anjos, Comarca de
Porto Alegre, p. 171.
5
Livro de Óbitos nº 6. Taquary, Paróquia São José de Taquary, p. 37v.
6
Inventário post-mortem. 1866. Inventariado: Manoel Fialho de Vargas. Acervo do Poder Judi-
ciário, Comarca de Porto Alegre, Cartório de Órfãos e Ausentes, nº 330. Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul (APERS).

84
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

gre, São Leopoldo, Vacaria e Taquari. Os familiares mantinham relações


nos negócios, sendo Antônio sócio de seu irmão, Manoel Filho, na empre-
sa de colonização Batista Fialho & Cia.
Manoel Fialho de Vargas Filho (1825-1863)7 residia no centro de
Porto Alegre, em uma das ruas mais ativas da capital, a Rua da Igreja,
e a leitura de seu inventário permite visualizar o envolvimento em uma
variedade de investimentos, como terras urbanas e rurais, localizadas
em diferentes locais, ações e atividades empresariais em geral que lhe
permitiram acumular uma fortuna estimada em 15 mil libras8. Analisar
os negócios de Manoel é fundamental para entender algumas caracterís-
ticas da sociedade que ele viria a firmar com o irmão Antônio, em 1855.
Antes de criar a empresa de colonização, uma das principais ativi-
dades de Manoel era a arrematação de licitações para a construção de
obras públicas em Porto Alegre e áreas próximas, como indica a docu-
mentação9. Nesse ramo, atuava em conjunto com o padrinho, João Ba-
tista Soares da Silveira e Souza, na empresa chamada Batista & Fialho.
Esta foi responsável pela construção do Teatro São Pedro, da Casa de
Correção, da Sociedade Bailante, do prédio da Assembleia Provincial, da
ponte do Riacho (ponte de pedra sobre o Arroio Dilúvio, no Largo dos Aço-
rianos), da abertura da Doca (possivelmente um porto no Lago Guaíba)

7
Livro de Batismos nº 5 (1823-1832). Gravataí, Freguesia Nossa Senhora dos Anjos, Comarca de
Porto Alegre, p. 50v.
8
Inventário post-mortem. 1875. Inventariado: Manoel Fialho de Vargas Filho. Acervo do Poder
Judiciário, Comarca de Porto Alegre, Cartório de Órfãos e Ausentes, nº 289. APERS.
9
Processo judicial de embargo. 1862. Suplicantes: Manoel Fialho de Vargas Filho e João Bap-
tista Soares da Silveira e Souza. Suplicada: Associação Theatral Rio Grandense. Acervo do
Poder Judiciário, Comarca de Porto Alegre, nº 2829, m. 116, e. 1. APERS. BELLO, Luiz Alves
Leite de Oliveira. Relatorio do vice-presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul,
Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial. 1º de ou-
tubro de 1852. Porto Alegre, Typ. Do Mercantil, p. 25. Disponível em: <www-apps.crl.edu>.
Acesso em: 02/01/2019. BUENO, José Antonio Pimenta. Relatório do presidente da província
de S. Pedro do Rio Grande do Sul, o conselheiro José Antonio Pimenta Bueno, na abertura da
Assembléa Legislativa Provincial no 1º de outubro de 1850; acompanhado do orçamento da
receita e despeza para o anno de 1851. 1850. Porto Alegre: Typographia de F. Pomatelli, p. 38.
Disponível em: <www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019. MURITIBA, Barão de. Relatorio
do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, barão de Muritiba, na abertura
da Assembléa Legislativa Provincial. 1º de outubro de 1855. Porto Alegre, Typ. Do Mercantil,
p. 26. Disponível em: <www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019.

85
Júlia Leite Gregory

e do aterro do Mercado Público, em Porto Alegre; duas pontes e a Igreja


Matriz da freguesia de Nossa Senhora da Aldeia dos Anjos; uma ponte
no município de Santo Antônio da Patrulha; uma estrada na serra do
Mundo Novo (atual município de Taquara) (Duarte, 2002).
João Batista era padrinho de Manoel e havia emigrado dos Açores,
da Ilha de São Jorge, quando tinha doze anos, em 1813 (Duarte, 2002).
Também residia na Aldeia dos Anjos, sendo vizinho e amigo da família
Fialho de Vargas10. O afilhado seguiu a profissão do padrinho, tendo em
vista a participação de João Batista na construção de obras públicas des-
de a década de 1840.
Manoel e João Batista, além de possuírem parentesco espiritual e
de serem sócios na empresa Batista & Fialho, tiveram cargos políticos.
Este foi vereador em Porto Alegre (1853-1856), Juiz de Paz na Freguesia
da Aldeia dos Anjos e Irmão da Santa Casa de Misericórdia de Porto Ale-
gre (Duarte, 2002). Aquele foi deputado na Assembleia Provincial, eleito
em 186211 (como faleceu um ano depois, não teve uma longa trajetória
na política). Os dois também eram proprietários de inúmeros prédios
urbanos na capital, além de terrenos rurais, utilizados para render alu-
guéis. Sendo assim, ambos já tinham alguma experiência com o mercado
imobiliário e uma estreita relação com o governo da província, uma vez
que é possível depreender certa reciprocidade entre eles. Por um lado, há
o serviço prestado pela empresa Batista & Fialho ao governo provincial
quando da realização das diversas obras públicas, a disponibilização de
casas aos enfermos vítimas da epidemia de cólera12 e a contribuição fi-

10
Habilitação matrimonial. 1844. João Batista Soares da Silveira e Souza e Ana Joaquina de
Jesus. Nº 32, caixa 228. Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA).
11
NOTICIAS do interior. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, n. 73, 15 mar. 1862. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional.
12
Em 1867, João Batista pôs à disposição do governo todos os prédios urbanos que possuía na
capital para auxiliar na epidemia de cólera. MELLO, Francisco Ignacio Marcondes Homem de
Mello. Falla dirigida a Assembléa Legislativa da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul
pelo presidente, dr. Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello, em a segunda sessão da 12ª
legislatura. 1867. Porto Alegre, Typ. do Rio-Grandense, p. 31. Disponível em: <www-apps.crl.
edu>. Acesso em: 02/01/2019.

86
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

nanceira para as despesas com a Guerra do Paraguai13. Por outro, vemos


João Batista sendo condecorado com um título honorífico14 e Manoel com
o cargo de Coronel da Guarda Nacional.
Ressalta-se a proximidade com o governo da província tendo em vis-
ta que isso pode ter sido um dos fatores a levar os empresários a inves-
tirem na instalação de imigrantes europeus, juntamente com Antônio
Fialho de Vargas. Aquele era o responsável pelo processo de colonização
no período, portanto, os sócios tinham acesso a informações privilegiadas
sobre o negócio, na medida em que possuíam vínculos de reciprocidade
com ele. Contudo, também é possível visualizar outros estímulos para o
novo investimento. A própria atividade da empresa Batista & Fialho, a
arrematação de licitações de obras públicas, indica uma possibilidade.
Estradas, pontes e igrejas se fizeram cada vez mais necessárias com o
aumento da população da província e o processo de modernização pelo
qual ela estava passando. Nos núcleos coloniais que iam se formando,
construções como essas eram fundamentais para o desenvolvimento so-
cioeconômico local, uma vez que proporcionavam a exportação dos gêne-
ros alimentícios produzidos. Assim que uma colônia era criada, os habi-
tantes do lugar ou os próprios empresários logo reivindicavam obras de
infraestrutura, seja para melhorar as condições de vida da população ou
dar continuidade ao projeto da empresa, preparando o lugar para o rece-
bimento de um maior número de famílias. Por conseguinte, investir no
estabelecimento de uma colônia criaria ainda mais demanda por obras
públicas, além de ser uma maneira de diversificar as aplicações, estra-
tégia comum entre os empresários oitocentistas15. Sendo assim, tudo in-
dica que Manoel e João Batista, junto com Antônio, criaram a colônia

13
João Batista doou um conto de réis para ajudar nas despesas com a guerra. INTERIOR, No-
ticias do Sul. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, ano 24, n. 205, p. 2, 26 jul. 1867. Hemeroteca
Digital.
14
João Batista recebeu o título de Comendador da Ordem da Rosa. CAMPANHA do Paraguay.
Almanak, Rio de Janeiro, ano 26, p. 1324, 1869. Hemeroteca Digital.
15
Para um exemplo brasileiro, ver: Fragoso; Rios (1995). A diversificação de investimentos tam-
bém foi uma estratégia utilizada por empresários que atuaram na colonização privada da pro-
víncia de Santa Fé (Argentina): Martirén (2012).

87
Júlia Leite Gregory

Conventos, em Taquari, para potencializar os negócios que já estavam


acostumados a realizar16 e variar os investimentos.

Investir na colonização
A colônia Conventos foi fundada em 1855, no município de Taquari,
freguesia de Santo Amaro, distante cerca de cem quilômetros de Porto
Alegre. A empresa responsável por ela era a Batista Fialho & Cia., for-
mada por Manoel, João Batista e Antônio. Os sócios adquiriram duas
fazendas17, localizadas na margem direita do rio Taquari, e as transfor-
maram em inúmeros lotes coloniais. A escolha do lugar pode estar rela-
cionada com a informação transmitida pela Câmara de Vereadores de
Taquari ao governo da província, que indicava as fazendas Conventos
e Carneiros como um bom local para instalar uma colônia18. Tendo em
vista a proximidade de João Batista e Manoel com o governo provincial,
é provável que eles também tivessem acesso a essas notícias.
Além disso, na década de 1850, o excedente populacional das regiões
coloniais mais antigas, como as do Vale do Rio Caí e Vale do Rio dos Si-
nos, estavam se direcionando para o Vale do Rio Taquari. As migrações
internas ocorriam por vários motivos, sendo os principais deles o esgo-
tamento do solo provocado pela agricultura intensiva dos imigrantes e o
aumento populacional. Conforme as famílias cresciam e os filhos conti-
nuavam com a profissão agrícola dos pais, era necessário comprar áreas
maiores, que não estavam mais disponíveis nas colônias antigas. Assim,
a família vendia a propriedade e migrava para novas frentes de ocupação
ou somente alguns filhos se deslocavam (Roche, 1969). Isso garantia a

16
Esta afirmação será desenvolvida mais adiante.
17
As fazendas foram adquiridas da empresa Claussen e Companhia. Auto de Medição. 1872.
Antonio Fialho de Vargas. Nº 390. Taquari. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).
18
O governo provincial estava interessado em instalar uma colônia em Taquari, por isso solicitou
à câmara municipal que informasse onde havia terras devolutas. Estas, comunicaram os vere-
adores, eram de difícil acesso, recomendando ao governo a compra das referidas fazendas, algo
que não ocorreu. Correspondência da Câmara Municipal. 13 de junho de 1852. Autoridades
Municipais. Taquari, Maço 277, caixa 151. AHRS.

88
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

reprodução social do grupo, uma vez que, garantindo mais terras, pode-
riam continuar desenvolvendo as atividades de costume.

Mapa 1 – Localização da colônia Conventos

Fonte: Adaptado pela autora a partir de: JACQUES, João Candido. Carta geographica do estado federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, RS: Joaquim Alves Leite, 1891. 1 mapa, 70 x 80cm. Escala 1:1.545.925. Disponível em: <http://
objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart530286/cart530286.jpg>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Deste modo, na década de 1850, para quem estivesse interessado em


investir na colonização, era uma boa oportunidade atentar-se para o ter-
ritório do município de Taquari, pois lá havia demanda por terra. Não era
à toa que a maioria dos clientes da Batista Fialho & Cia. era oriunda de
São Leopoldo19, a primeira colônia do Rio Grande do Sul. No entanto, três
anos após a fundação de Conventos, em 1858, os empresários ousaram e
decidiram realizar o deslocamento de famílias diretamente da Europa20.
19
De acordo com a documentação disponível no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul sobre a
colônia. Colônia dos Conventos. Colônias, caixa 31, maço 57. AHRS.
20
Provavelmente este já era um projeto idealizado pelos sócios quando compraram as fazendas
para fundar a colônia.

89
Júlia Leite Gregory

Foram contratados cerca de setenta imigrantes alemães, que saíram do


porto de Hamburgo ajustados por Frederico Schmidt21, possivelmente um
sujeito que atuava como intermediário em uma rede de mediadores res-
ponsáveis por atrair imigrantes para se deslocarem ao Brasil.
Schmidt havia sido encarregado por Manoel Fialho de Vargas Filho
de executar o trabalho, o que aponta para uma possível divisão de tarefas
entre os sócios da empresa. Localizamos João Batista encaminhando os
relatórios referentes à situação de Conventos para o governo da provín-
cia, enquanto Antônio era o gerente da empresa e da colônia, residindo
no local e informando João Batista sobre as condições dela. Manoel, por
sua vez, ficou responsável pela contratação dos imigrantes. Fazia sen-
tido deixar Antônio se deslocar para Taquari e dirigir o negócio, tendo
em vista que os demais sócios já se ocupavam com outras atividades na
capital. Analisando a situação mais atentamente, podemos concluir que
a aplicação realizada por João Batista e Manoel na criação da colônia
pode ter sido uma maneira de auxiliar Antônio, membro da família, a dar
início ao negócio, além de diversificar os investimentos. Embora Antônio
fosse proprietário de metade da empresa, o capital dispendido e o papel
cumprido pelos parceiros foi fundamental para concretizar o projeto.
Logo após a fundação de Conventos, os empresários trataram de
solicitar ao governo da província, mais de uma vez, a construção de uma
estrada, três pontes e cinco estivas22, tendo em vista que o rio Taquari
possuía onze cachoeiras que impediam a navegação em determinadas
épocas do ano. Isso prejudicava o escoamento da produção dos colonos,

21
Por esse ocorrido, a Batista Fialho & Cia foi acusada de fraudar o prêmio garantido pela pro-
víncia aos particulares que trouxessem colonos europeus. FERRAZ, Angelo Moniz da Silva.
Relatorio com que o Exm. Sr. conselheiro Angelo Moniz da Silva Ferraz, entregou a presidencia
da provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, ao 2º vice-presidente o Exm. Sr. commendador
Patricio Corrêa da Camara, no dia 22 de abril e este ao Exm. Sr. conselheiro Joaquim Antão
Fernandes Leão. 4 de maio de 1859. Typ. do Correio do Sul, Porto Alegre. Disponível em:
<www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019. Para mais informações sobre as tensões ocorri-
das entre governo provincial e empresas de colonização, ver Gregory (2019, pp. 86-97).
22
Correspondência enviada ao presidente da província em 27 de setembro de 1859, Porto Alegre.
Observações feitas no mapa geral da colônia dos Conventos em 15 de maio de 1862, Porto Ale-
gre. Colônias. Colônia dos Conventos, caixa 31, maço 57. AHRS.

90
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

que às vezes não podiam mandar os gêneros ao mercado por falta de


via terrestre. As obras levaram alguns anos para serem construídas e
a Batista Fialho & Cia. não realizou nenhuma delas. A justificativa do
governo provincial para adiar as construções foi a incipiente população
do local ainda no final da década de 1850. Tendo em vista a recente fun-
dação de Conventos, as autoridades consideraram não serem necessárias
as obras naquele momento23. A estratégia dos empresários estava acerta-
da, afinal, a edificação das estruturas era inevitável, contudo, não seria
algo imediato. Além disso, o empreendimento custaria caro, em torno
de 50 contos de réis, de acordo com o orçamento da província24. Talvez
isso também tenha sido motivo para postergar o projeto. Na região do
Vale do Taquari, outros indivíduos também buscaram aliar o comércio
de terras para imigrantes à arrematação de licitações de obras públicas,
como Primórdio Centeno de Azambuja, responsável por construir uma
ponte25 e uma estrada26. Isso aponta para uma estratégia comum entre
os empresários da província.
Em 13 de abril de 1863, após oito anos de funcionamento, a Batista
Fialho & Cia. encerrou as atividades em decorrência da inadimplência
dos imigrantes contratados na Europa, de acordo com o prazo estipulado
pela empresa para o pagamento. Os contratos firmados com as famílias
indicavam que a empresa venderia o terreno e forneceria as sementes e
os víveres necessários até a primeira colheita, além de uma quantia em
23
FERRAZ, Angelo Moniz da Silva. Documentos anexos ao relatório do presidente da província
de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva Ferraz, apresentado a Assembléa Le-
gislativa Provincial na 1ª sessão da 8ª legislatura. 1858. Porto Alegre, Typ. do Correio do Sul,
p. 102. Disponível em: <www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019.
24
FERRAZ, Angelo Moniz da Silva. Documentos anexos ao relatório do presidente da província
de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva Ferraz, apresentado a Assembléa Le-
gislativa Provincial na 1ª sessão da 8ª legislatura. 1858. Porto Alegre, Typ. do Correio do Sul,
p. 102. Disponível em: <www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019.
25
SERTORIO, João. Relatorio com que o excellentissimo Sr. Dr. João Sertorio, presidente d’esta
província, passou a administração da mesma ao Ex. Sr. Dr. João Capistrano de Miranda e Cas-
tro, 1º vice-presidente. 20 de agosto de 1870. Porto Alegre, Typ. do Rio Grandense. Disponível
em: <www-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019.
26
MORAES, João Pedro Carvalho de. Falla dirigida à Assembléa Legislativa da província de S.
Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente Dr. João Pedro Carvalho de Moraes em primeira
sessão da 16º legislatura. 1875. Porto Alegre, Typ. do Rio-Grandense. Disponível em: <www-
-apps.crl.edu>. Acesso em: 02/01/2019.

91
Júlia Leite Gregory

dinheiro (60 mil réis para cada pessoa maior de 10 anos e 30 mil réis para
cada menor de 1 a 10 anos). A família ficava obrigada a quitar a dívida
(adiantamentos, fornecimentos e terreno) dentro de cinco anos27. Deste
modo, o prazo se encerrava em 1863. Contudo, até este ano, os imigran-
tes somente haviam pago cerca de 10% do total da dívida, ou seja, a em-
presa ainda devia receber 21:726$000 réis (vinte e um contos, setecentos
e vinte e seis mil réis)28.
A Batista Fialho & Cia. era proprietária de 157 colônias em Con-
ventos. Destas, 9 e meia foram adquiridas pelas 18 famílias oriundas da
Europa e 61 por colonos espontâneos. Das últimas, 23 ainda precisavam
ser pagas. Tanto as terras que ainda não haviam sido vendidas como
as dívidas que precisavam ser cobradas foram divididas entre os sócios
quando da dissolução da sociedade. Embora os empresários tivessem se
equivocado em relação ao prazo que ofereceram aos imigrantes europeus,
não significa que o investimento tenha sido perdido, pois os colonos pa-
garam as dívidas a longo prazo e com juros. É possível confirmar essa
afirmação a partir da leitura dos livros de Tabelionato da região, onde
encontramos diversas escrituras de compra e venda de terras em que
aparecem os pagamentos dos débitos29. Um exemplo é a escritura de Phi-
lipp Carl Immich e Philipp Peter Eckhard, que saldaram a dívida após
10 anos30. Mesmo com dificuldade, os imigrantes realizavam o reembol-
so, até porque acabavam ficando dependentes dos empresários que ad-
ministravam as colônias privadas e, portanto, obrigados a pagar o débito
de alguma forma.
Indivíduos como Fialho de Vargas podiam oferecer algo que imigran-
tes agricultores necessitavam: crédito. Por possuir uma casa de negócios
na colônia, o empresário dispunha de produtos importantes para o coti-

27
Cópia xerocada do contrato provisório do imigrante Johann Kaspar Richter. 1858. Arquivos
Particulares. Arquivo Histórico de Lajeado.
28
Escritura de dissolução de sociedade de Baptista, Fialho & Cia. 13/04/1863. Tabelionato de
Porto Alegre. 2º Tabelionato. Transmissões/Notas, Livro 77, p. 35v. APERS.
29
A escritura só era registrada quando ocorria a quitação da dívida.
30
Tabelionato de Taquari. Freguesia de Santo Amaro, Transmissões/Notas, Livro 09, p. 68.
APERS.

92
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

diano da comunidade, a qual ficava em débito pelo fato de a circulação de


moeda ser baixa em lugares afastados de centros urbanos, como Conven-
tos. Deste modo, o crédito oferecido por Antônio limitava a liberdade da
população local e estabelecia uma relação de dívida e dependência31. Na
verdade, essa relação já iniciava quando da compra dos lotes coloniais,
geralmente feita a prazo, bem como do oferecimento dos subsídios rea-
lizado pela Batista Fialho & Cia. A dívida podia ainda aumentar com o
passar dos anos, sendo que os colonos tinham a possibilidade de pagá-la
de diversas maneiras. Um exemplo é o caso de Fellippe Arend, que além
de agricultor era marceneiro e foi contratado para construir a casa de
Antônio Fialho de Vargas. Na percepção deste, o serviço foi uma maneira
de abater a dívida de Arend, contraída com a empresa Batista Fialho &
Cia. em 1858, embora o imigrante tenha acionado a justiça para realizar
a cobrança32. Além disso, percebemos Antônio como um indivíduo capaz
de conseguir melhorias para Conventos e resolver problemas cotidianos,
tendo em vista sua posição de gerente e, por conseguinte, a possibili-
dade que ele tinha de fazer solicitações ao governo provincial, como a
construção de pontes e estradas. Nesse sentido, o empresário chegou a
disponibilizar o oratório particular de sua casa para batismo de filhos de
imigrantes quando ainda não havia uma paróquia no local33.
O dispêndio dos empresários com a instalação das famílias euro-
peias também proporcionou que os mesmos e suas famílias continuas-
sem participando do comércio de terras, pois a colônia criada se tornou
atrativa para grupos oriundos de núcleos mais antigos. Estes migravam
em busca de terras mais férteis, maiores e mais baratas, enquanto os
imigrantes que chegavam da Europa procuravam se instalar em colônias
que existiam há mais tempo, que eram mais desenvolvidas e ofereciam

31
De acordo com Witold Kula, são características de um mercado pré-industrial, em que não há
livre concorrência e os preços não são regulados pelo mercado, mas resultados de transações
isoladas (Kula, 1977, p. 459-466).
32
Processo judicial de Libelo Cível do Cartório Cível e Crime de Taquari nº 2771, m. 50, e. 102,
1874. Autor: Fellippe Arend. Réu: Antonio Fialho de Vargas. APERS.
33
Livro de Batismos nº 9, Paróquia São José, Taquari, p. 219-222.

93
Júlia Leite Gregory

melhor infraestrutura. A maioria das famílias que se estabeleceu em


Conventos não migrou diretamente da Europa, mas do Vale do Rio dos
Sinos e de Petrópolis, no Rio de Janeiro34. Aqueles que conseguiam ven-
der as primeiras terras adquiridas e se deslocar espontaneamente para a
frente pioneira, como era Conventos, na segunda metade do século XIX,
tinham mais condições de se subsidiar e pagar pela nova terra, mesmo
a prazo35. Era essa clientela que mais interessava as empresas de colo-
nização, pois realizar o financiamento do transporte e garantir os adian-
tamentos necessários para que pessoas migrassem direto da Europa era
muito mais custoso, ainda que necessário para intensificar a procura por
terras, atraindo outros grupos.
Deste modo, embora os sócios possam ter considerado o negócio pés-
simo36, o empreendimento garantiu a inserção deles no mercado da terra
do Vale do Taquari, beneficiando inclusive seus familiares durante mui-
tos anos. Além disso, como os empresários diversificavam as aplicações,
não estavam dependentes somente do retorno financeiro da colônia Con-
ventos, o que permitiu que dessem continuidade nas atividades econômi-
cas mesmo não obtendo os valores estimados dentro do prazo.

Diversificar para acumular


Após o encerramento da sociedade Batista Fialho & Cia., Conventos
continuou recebendo imigrantes e o principal indivíduo responsável por
vender lotes a eles era Antônio Fialho de Vargas. Este foi o único sócio da
empresa a se deslocar para o local e, portanto, aquele que precisou empre-
gar estratégias para inserir-se no novo espaço, pois, aparentemente, a fa-

34
Esta informação foi obtida a partir do estudo genealógico realizado por Richter e Schmidt, que
a partir do mapa estatístico da Colônia Conventos de 1861 investigaram a origem das famílias
que moravam na colônia naquele ano (Richter; Schmidt, 2018).
35
As características da condição econômica dos moradores de Conventos foram discutidas em
Gregory (2019, pp. 112-122).
36
Utilizaram essa expressão em uma correspondência. Correspondência ao Presidente da Pro-
víncia João Marcellino de Souza Gonzaga, enviada por João Baptista Soares da Silveira e Sou-
za. 27 de dezembro de 1864. Colônias. Colônia dos Conventos. Caixa 31, Maço 57. AHRS.

94
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

mília Fialho de Vargas não tinha ligação alguma com a região. Além disso,
Antônio não era o único comerciante de terras de Taquari. Havia algumas
famílias que já estavam fragmentando suas fazendas quando da chegada
do empresário, como os Ribeiro e Azambuja. Faziam parte de uma elite
local que compunha o aparelho burocrático imperial e utilizava as redes de
relações pessoais para beneficiar os negócios. O embate entre as famílias
locais e os empresários recém-chegados é perceptível nas fontes.
No mesmo ano da fundação de Conventos, a Batista Fialho & Cia.
solicitou à Câmara Municipal de Taquari37 a abertura de duas servidões
públicas38, uma no porto particular das terras de Vitorino José Ribeiro e
a outra na margem oposta do rio Taquari. Vitorino era Tenente Coronel
da Guarda Nacional e proprietário da fazenda Estrela. Sua família tinha
“[...] um grande poder nas esferas políticas e públicas, mostrando-se ser a
mais bem relacionada no Vale do Taquari [...]” nas décadas de 1850 e 1860
(Christillino, 2004, p. 225). Além disso, Vitorino também fundou uma co-
lônia particular em suas terras no final da década de 1850, a colônia Es-
trela, sendo um grande comerciante de terras local. O pedido feito pela
empresa foi negado com veemência pelos vereadores, que o interpretaram
como uma atitude muito prejudicial ao Tenente Coronel. O objetivo da
Batista Fialho & Cia. era melhorar o transporte fluvial de produtos e pes-
soas entre as duas margens do rio Taquari, tendo em vista que Conventos
estava na margem direita e a fazenda Estrela na esquerda.
Alguns anos depois, a conexão entre os espaços foi estabelecida por
iniciativa da própria câmara, que passou a ver a comunicação entre as colô-
nias como necessária39. Ambos os proprietários concordaram com o projeto.
Naquele período, Vitorino Ribeiro já havia morrido e quem administrava a

37
Correspondência da Câmara Municipal. 30 de novembro de 1855. Autoridades Municipais. Ta-
quari. Maço 277A, caixa 152. AHRS.
38
A servidão pública é um mecanismo jurídico que converte uma propriedade privada em imóvel
de utilidade pública, mediante indenização ao proprietário. A ideia da empresa era poder utili-
zar o porto particular de Vitorino livremente.
39
Correspondência da Câmara Municipal. 07 de julho de 1866. Autoridades Municipais. Taquari.
Maço 278, caixa 152. AHRS. Correspondência da Câmara Municipal. 12 de junho de 1872. Au-
toridades Municipais. Taquari. Maço 279, caixa 150. AHRS.

95
Júlia Leite Gregory

propriedade eram a viúva Ana Emília Sampaio e os filhos. O ocorrido de-


monstra o poder, prestígio e influência que homens como Vitorino possuíam
nas regiões que atuavam, assim como as dificuldades de inserção enfrenta-
das por empresários recém-chegados, que poderiam representar concorrên-
cia na venda de lotes coloniais e prejudicar os negócios dos estabelecidos.
Para superar este tipo de obstáculo, Antônio aproximou-se das fa-
mílias influentes de Taquari. O que nos induz a concordar com esta afir-
mação são os casamentos realizados pelos filhos. Dos cinco filhos40 que se
casaram, quatro uniram-se em matrimônio a indivíduos que pertenciam
à elite local. Eram descendentes de fazendeiros, detentores de postos da
Guarda Nacional, vereadores, tabeliães e escrivães. Os sobrenomes eram
Azambuja, Pereira e Vianna. Os vínculos estabelecidos entre as famílias
contribuíram para os negócios de Antônio em torno da colonização, tendo
em vista que a legitimação de posses era facilitada para aqueles que es-
tivessem amparados por uma boa rede de relações pessoais (Christillino,
2010). Além disso, as ligações familiares também proporcionaram a ex-
pansão das vendas de lotes coloniais, uma vez que os Fialho de Vargas e
os Azambuja possuíam grandes propriedades confrontantes.
Os casamentos realizados pelos filhos de Antônio realçam a importân-
cia do capital relacional em uma sociedade em que as redes sociais se cons-
tituem como patrimônio imaterial. De acordo com Beunza (2010), atentar
para o capital relacional dos indivíduos e grupos é fundamental para en-
tender a capacidade de ação deles. O capital relacional é entendido como o
conjunto de relações úteis dos sujeitos, que podem proporcionar diferentes
resultados, dependendo daquilo que se pretende alcançar, como riqueza,
poder, influência social ou política. As relações úteis podem corresponder
tanto a vínculos duradouros como aos mais ocasionais. A ligação estabele-
cida pelos Fialho de Vargas com as demais famílias representa um relacio-
namento que tinha capacidade para durar vários anos, pois o matrimônio
40
Antônio teve treze filhos no total. Antônio Fialho de Vargas Filho casou com Josefina Centeno
de Azambuja. José Fialho de Vargas casou com Cândida Vianna de Oliveira. Justina Fialho de
Vargas casou com Américo de Azevedo Vianna e Joaquim Fialho de Vargas casou com Isaura
Liberalina Pereira.

96
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

era um evento familiar muito importante e que gerava frutos. Os netos


certamente se beneficiariam com as conexões efetivadas pelos ascendentes.
A elite local de Taquari não era afortunada, mas rica em prestígio
social e político (Christillino, 2004). Antônio Fialho de Vargas, oriundo de
Porto Alegre, possivelmente conhecia indivíduos detentores de um capi-
tal econômico mais elevado. Até mesmo seu irmão, Manoel, possuía uma
fortuna de 15 mil libras, valor que ia além dos patrimônios encontrados
para Taquari41. Contudo, para Antônio, estar amparado por uma rede de
relações que pudesse garantir privilégios era mais vantajoso do que ter
vínculos com pessoas que tivessem apenas grandes fortunas. Portanto,
concordamos com Beunza quando afirma que “[...] el poder efectivo no es
el resultado automático de un estatus económico o institucional, sino de
unas relaciones de influencia complejas [...]” (2010, p. 274). Sendo assim,
a aproximação dos Fialho de Vargas com as famílias de Taquari benefi-
ciou Antônio de duas maneiras. Por um lado, era um modo de garantir
uma inserção mais efetiva no local, tendo em vista que a primeira solici-
tação da Batista Fialho & Cia. feita à Câmara Municipal foi negada com
intensidade; por outro, assegurava a ampliação dos negócios coloniais.
Com o passar dos anos, percebe-se que Antônio aumentou seu prestígio
no município, chegando a ser vereador em dois mandatos e recebendo
elogios e autorizações da câmara para comprar terras devolutas em be-
nefício da colonização privada42. Por conseguinte, o ingresso na política
garantiu ainda mais possibilidades para ampliar as extensões de terra.43

41
Só para dar um exemplo, os bens de João Xavier de Azambuja, sogro de Antônio Fialho de
Vargas Filho, foram avaliados em sete mil libras. Inventário post-mortem. 1861. Inventariado:
João Xavier de Azambuja. Acervo do Poder Judiciário, Comarca de Lajeado, Cartório de Órfãos
e Ausentes, nº 1. APERS.
42
Correspondência da Câmara Municipal. 13 de outubro de 1879. Autoridades Municipais. Ta-
quari. Maço 280, caixa 150. AHRS.
43
Na segunda metade do século XIX, os códigos que organizavam a estrutura fundiária do Império
eram a Lei de Terras de 1850 e o Regulamento de 1854. Nesta conjuntura, o sucesso na afirmação
da propriedade estava condicionado ao estabelecimento de sólidas redes de relações sociais em tor-
no das estruturas políticas do Império. Quem julgava os processos de legitimação era o presidente
da província, beneficiando assim os indivíduos que possuíam maior proximidade e ligação com as
autoridades provinciais. O processo provocou grilagens de terra por parte dos grupos de elite, em
detrimento dos pequenos lavradores que também tinham direito à terra, mas que enfrentavam
mais dificuldade para garanti-lo (Christillino, 2010). Antônio Fialho de Vargas requereu o direito
ou procedeu demarcação sobre terras já ocupadas mais de uma vez (Gregory, 2019).

97
Júlia Leite Gregory

Entretanto, para que o negócio com o comércio de terras funcionas-


se, não bastava ter apoio político, também era necessário investir, ao
mesmo tempo, em outras atividades econômicas, que assegurassem re-
tornos mais dinâmicos. Analisando a trajetória de Antônio, é possível
identificar que a diversificação de aplicações foi uma estratégia utilizada
por ele, pois além de adquirir terras para assentar imigrantes, adqui-
ria áreas que proporcionavam a extração e venda de madeiras. Essa era
uma das principais atividades do município de Taquari durante todo o
século XIX, devido à abundância em pinheiros de araucária. Alguns in-
divíduos possuíam engenhos de serrar em suas propriedades, utilizados
para preparar a madeira para o comércio44. Antônio era um deles e, em
dois momentos, firmou sociedade com indivíduos para extrair e vender
madeiras45. A primeira foi com o colono Jacob Feltens, que ficou respon-
sável pela mão de obra, enquanto Antônio disponibilizaria a matéria-
-prima e as ferramentas necessárias46. A segunda foi estabelecida com
o filho, Joaquim, que ofereceu as árvores, ferramentas e o serviço, na
medida em que o pai forneceu 16 contos de réis para o negócio e se encar-
regou de comercializar a mercadoria.47
Deste modo, Antônio buscava explorar todos os recursos que seus
bens ofereciam, seja vendendo lotes coloniais, extraindo madeiras ou
utilizando o rio Taquari para o comércio. Além do engenho de serrar,
possuía um de moer cana de açúcar48, provavelmente para a produção de

44
Correspondência da Câmara Municipal. 24 de setembro de 1858. Autoridades Municipais. Ta-
quari, maço 277A, caixa 152. AHRS.
45
Só foi possível localizar duas escrituras, mas isso não significa que Antônio não tivesse organi-
zado outras empreitadas como essas, até mesmo através de acordos privados. Os documentos
são apenas indícios de ações mais corriqueiras.
46
Escritura de contrato de sociedade que Antonio Fialho de Vargas faz com Jacob Feltens. 1º de
julho de 1881. Tabelionato de Taquari, 1º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livro 36, p. 45.
APERS.
47
Escritura de sociedade entre Antonio Fialho de Vargas e seu filho Joaquim Fialho de Vargas, 03
de novembro de 1886. Tabelionato de Estrela, 1º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livro 14,
p. 59. APERS.
48
Inventário post-mortem. 1881. Inventariado: Maria Inácia da Conceição Fialho de Vargas. Acer-
vo do Poder Judiciário. Comarca de Taquari. Cartório de Órfãos e Ausentes, nº 329. APERS.

98
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

aguardente49 e, em sua residência, na colônia Conventos, eram realiza-


das diversas transações. A bibliografia indica que o local funcionava como
uma casa de negócios, hotel, escola, salão de festas e cartório (Schierholt,
1992). Os próprios imigrantes iam até lá para comprar e vender terras
entre si, sendo Antônio testemunha dos contratos. Ele atuava como me-
diador nesses negócios, indicando terras que podiam ser compradas ou
vendidas, bem como apontava indivíduos que estivessem interessados
em adquirir ou se desfazer de um lote. Como Antônio tinha uma boa cir-
culação na região, tendo residido não só em Conventos, mas também na
Vila de Taquari, possuindo terrenos em diversos lugares e se encontrar
inserido também no âmbito político, acabava obtendo informações privi-
legiadas e recursos para fomentar seus negócios enquanto comerciante.
Christillino (2004) indica ainda que ele foi um dos maiores prestamis-
tas da região. Foi essa atuação variada que permitiu a Antônio ter uma
grande desenvoltura no comércio de terras, como evidencia o gráfico 1.
O gráfico é resultado da seleção de 297 escrituras públicas em que
o negociante aparece como comprador ou vendedor na região do Vale do
Taquari50. Apenas 27 documentos correspondem a compras de particu-
lares, entretanto, Antônio também adquiriu terras devolutas durante a
década de 186051. As áreas obtidas eram grandes e aos poucos foram sen-
do fragmentadas para tornarem-se lotes coloniais destinados a famílias
de imigrantes, como aponta o volume de vendas de imóveis rurais. Já as
transferências de terras urbanas dizem respeito a terrenos comercializa-
dos na então Vila de Lajeado, núcleo urbano que começou a se formar em
Conventos a partir de década de 1870. A amostra engloba também tran-
sações envolvendo a empresa de Antônio, Batista Fialho & Cia., tanto no
período em que estava em atividade, como após a sua dissolução. Con-
tudo, representam apenas 13% do total das vendas, evidenciando que a
49
Era uma importante atividade econômica do município. Correspondência da Câmara Munici-
pal. 10 de agosto de 1854. Autoridades Municipais, Taquari, maço 277, caixa 151. AHRS.
50
Na segunda metade do século XIX, a região correspondia a três municípios: Taquari, Estrela e
Lajeado.
51
Registro das Cartas de Compra das Terras Devolutas. Repartição Especial das Terras Públicas
em Porto Alegre. Fundo Imigração, Terras e Colonização, Códices, C356. AHRS.

99
Júlia Leite Gregory

sociedade não teve destaque nos negócios do comerciante, embora ela


tenha sido fundamental para a inserção no mercado de terras.

Gráfico 1 – Volume de escrituras de compra e venda de terras realizadas por Antônio Fialho de Vargas

Fonte: Escrituras em que Antônio Fialho de Vargas aparece como vendedor e comprador. Tabelionato de Taquari, 1º
Tabelionato, Transmissões/Notas, Livros 2-52 (1855-1895). 2º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livros 2-35
(1878-1895). Freguesia de Santo Amaro, Transmissões/Notas, Livros 3-18 (1855-1883). Tabelionato de Estrela,
1º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livros 1-28 (1882-1895). 2º Distrito, Transmissões/Notas, Livros 1-9 (1882-
1891). Tabelionato de Lajeado, 1º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livros 1-21 (1891-1895). APERS.

As áreas adquiridas pelo empresário lhe garantiram retorno finan-


ceiro ao longo dos quarenta anos em que participou da atividade. Entre-
tanto, esse retorno só foi visível a longo prazo, pois em um primeiro mo-
mento, parecia um péssimo negócio, tendo em vista a alta inadimplência
dos imigrantes pouco tempo após a fundação de Conventos. O comércio
se tornou lucrativo quando as correntes de migração interna se tornaram
mais intensas, ocasionando maior procura por terra. O núcleo criado pe-
los empresários se tornou atrativo para grupos interessados em adquirir
lotes maiores, mais férteis e mais baratos do que os que possuíam co-
lonização antiga, como São Leopoldo. Deste modo, os donos do negócio
precisavam estar preparados para um amadurecimento que viria com
o tempo, bem como para o tipo de pagamento realizado pelos colonos: a

100
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

prazo e dificilmente em moeda corrente. Por isso, a combinação de dife-


rentes atividades econômicas com o comércio de terras era fundamental,
pois a lucratividade deste só apareceria com o passar das décadas.
Outro ponto a ser levado em consideração por aquele que quisesse
atuar no setor era a própria continuidade do comércio. Era necessário
ter sempre um estoque de terras disponível para a venda, na medida em
que ele ia se esgotando em determinados locais. As fazendas Conventos e
Carneiros, adquiridas em 1855, garantiram a comercialização de lotes e
terrenos nos quarenta anos seguintes, mas começavam a dar sinais de es-
cassez na década de 1870, com a formação de um núcleo urbano. Atento a
isso, Antônio Fialho de Vargas expandia sua atuação na região compran-
do outros espaços, mas na década de 1890, o Vale do Taquari já estava
repleto de colônias, sendo necessário ampliar o horizonte. E foi o que o
empresário fez ao adquirir terras no município de São Luiz Gonzaga52, lo-
calizado no planalto gaúcho. Assim, Antônio repetia a mesma estratégia
de quarenta anos antes, visando obter lucros com o avanço da colonização
sobre o território do Rio Grande do Sul, conduzida pelas iniciativas pri-
vada e pública e pelos próprios colonos. Nos anos 1850, era para o Vale
do Taquari, Santa Cruz, Santa Maria e Silveira Martins que o excedente
populacional das colônias dos Vales dos Rios dos Sinos e Caí se dirigiam.
A partir de 1890, o fluxo se encaminharia para o planalto, atingindo Ge-
neral Osório, Cerro Azul, Ijuí e São Luiz Gonzaga (Roche, 1969).
E se Antônio voltava a executar o mesmo planejamento de meados
do oitocentos, era porque ele havia tido êxito e sabia que os resultados se-
riam favoráveis novamente. Além disso, mesmo tendo falecido logo após
comprar as terras do noroeste do estado, os descendentes continuariam
a ser beneficiados por seus investimentos. Deste modo, entende-se que o
comércio de terras intensificado pela colonização europeia era um negó-
cio seguro, devido à valorização fundiária e à grande procura por terra,
mas de retorno a longo prazo, pois os colonos pagavam em prestações e

52
Inventário post-mortem. 1895. Inventariado: Antonio Fialho de Vargas. Acervo do Poder Judi-
ciário, Comarca de Taquari, Cartório de Órfãos e Ausentes, nº 475. APERS.

101
Júlia Leite Gregory

levava alguns anos para que os fluxos migratórios se tornassem contí-


nuos e atraentes. Essa condição fazia com que os empresários diversifi-
cassem as aplicações, investindo em engenhos, moinhos, comércio de ma-
deiras e empréstimo de dinheiro, a exemplo de Antônio Fialho de Vargas.

Considerações finais
Com o objetivo de lançar novas questões ao processo de coloniza-
ção privada, buscou-se realizar uma análise relacional (Grendi, 2009) da
trajetória de Antônio Fialho de Vargas. Fazendo uso de uma variedade
de fontes e, sem excluir dados e relações, foi possível enxergar Antônio
imerso em redes sociais capazes de promover sua inserção e manutenção
no comércio de terras. Partindo dos próprios atores sociais que tinham
envolvimento com Antônio, como os sócios da Batista Fialho & Cia., por
exemplo, procurou-se desenvolver um estudo indutivo (Imízcoz, 2004).
Sem a análise da atuação de Manoel e João Batista na capital, não con-
seguiríamos entender a formação da empresa de colonização e o quanto
estavam imbricadas as relações familiares e econômicas.
O negócio efetuado pelos parceiros em Taquari pode não ter ocor-
rido da maneira como esperavam, mas observando os acontecimentos a
longo prazo, percebe-se que foi uma transação acertada. Na década de
1850, período em que a emigração europeia ainda estava em fase inicial,
promover o estabelecimento de uma colônia era necessário para atrair
outros fluxos, que se deslocavam internamente, ou seja, a aplicação de
capital efetuada pela Batista Fialho & Cia. era essencial para que ocor-
resse a inserção no mercado da terra. O investimento era seguro, embora
fosse necessário possuir um leque variado de investimentos, que propor-
cionassem retornos dinâmicos, na medida em que o comércio de terras só
era lucrativo a longo prazo.
Além disso, foi possível verificar que não bastava ter capital e fazer
uso de estratégias econômicas para dar continuidade aos negócios. Estar
amparado por uma rede social que garantisse apoio político e legitimida-

102
A atividade empresarial de Antônio Fialho de Vargas na colonização privada do Vale do Taquari (século XIX)

de nas ações era imprescindível, ainda mais em uma região com a qual
não havia familiaridade. Antônio Fialho de Vargas foi um negociante
que diversificava as aplicações para potencializar os rendimentos. Como
trabalhava com um sistema de pagamentos a prazo e nem sempre em
dinheiro, não podia depender somente de uma fonte de renda. Foi a com-
binação de diferentes investimentos, aliada ao estabelecimento de novas
redes de relações pessoais, que fizeram com que o indivíduo garantisse
sucesso econômico durante 40 anos de atuação no mercado da terra.

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104
Nova Berlim: o hinterland no vale do
rio Taquari (1882-1900)

Jéferson Luís Schaeffer

Introdução

N
a segunda metade do século XIX, a colonização alemã no Rio
Grande do Sul avançou em direção ao vale do rio Taquari, ca-
pitaneada pela atuação de companhias colonizadoras privadas.
Nesse contexto, formou-se a colônia Nova Berlim, foco e recorte do pre-
sente estudo, realizado a partir da revisão bibliográfica e a análise de
fontes primárias. Uma pesquisa mais ampla e detalhada da temática
encontra-se na monografia intitulada “Entre Colônias e Redes Sociais:
viúvas neerlandesas e o avanço da fronteira agrária em direção aos ar-
roios Sampaio e Forquetinha – Rio Grande do Sul (1882-1900)”, realiza-
da entre os anos de 2016 e 2020.

Colônia Nova Berlim: um perfil obscuro


Primeiramente é preciso definir o que se entende por Nova Berlim.
Esse território tinha uma extensão de quatro léguas quadradas e com-
preendia as terras existentes entre o arroio Sampaio e o rio Forqueta,
ambos afluentes do rio Taquari. Na atual configuração territorial, a Co-
lônia Nova Berlim compreendia boa parte dos municípios inseridos nas
microrregiões oeste e centro-oeste do Vale do Taquari (Figura 1): Canu-
Jéferson Luís Schaeffer

dos do Vale, Forquetinha, Lajeado, Marques de Souza, Santa Clara do


Sul e Sério.
Em estudo realizado por Flores (2015, p. 90), a autora constatou que
a “carência de documentos e de memorialistas mantém obscuro o perfil
da primitiva Nova Berlim”. A referência bibliográfica mais antiga sobre a
referida Colônia, encontrada ao longo do percurso desta pesquisa, consta
na obra de Amstad ([1924] 1999, p. 126) e tem sido reforçada até os dias
atuais por distintos estudiosos da temática:
Todo o Hinterland das antigas colônias de Fialho, situadas na margem direita
do Taquari, havia sido aberto por duas grandes companhias colonizadoras. A
área da primeira delas, Nova Berlim, estendia-se de Sampaio até Forqueta.
Fundada em 1868, significou, na verdade, a continuação da Colônia Santa
Emília. Como Santa Emília, ela foi dirigida por algum tempo pelo engenheiro
Carlos Trein.

Em pesquisa recente, Schaeffer (2020) apresentou uma interpreta-


ção que diverge da histórica referência de Amstad ([1924] 1999): ao invés
de considerar a Colônia Nova Berlim enquanto uma continuidade da Co-
lônia Santa Emília1, constatou que Nova Berlim foi um prolongamento
da já mencionada Colônia Conventos. Segundo essa interpretação, a re-
percussão da colonização inicial de Conventos teria despertado o interes-
se de diversos empresários nas terras que ficavam no Hinterland dessa
Colônia com o intuito de garantirem o futuro dos negócios no comércio
imobiliário.

1
Colônia fundada no ano de 1862 em terras dos irmãos Pereira situadas junto ao arroio Sampaio,
hoje correspondentes aos municípios de Venâncio Aires e Mato Leitão. Ver Fröhlich (2005) e
Flores (2015).

106
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

Figura 1 – Mapa do território Nova Berlim atual

Fonte: CODEVAT, grifo do autor.

De acordo com Christillino (2010), as áreas florestais do vale do rio


Taquari ainda representavam uma fronteira de ocupação aberta na dé-
cada de 1850, as quais permitiram a ampliação do incipiente mercado de
terras na província meridional. As terras da família Fialho, situadas na
margem direita do Rio Taquari e mencionadas por Amstad, era a Fazen-
da Conventos2, adquirida pela empresa Baptista, Fialho & Cia no ano de

2
Terras situadas no atual município de Lajeado/RS.

107
Jéferson Luís Schaeffer

1855. A fazenda pertenceu aos empresários Antônio Fialho de Vargas,


seu irmão Manoel Fialho de Vargas Filho e o padrinho deste, João Bap-
tista Soares da Silveira e Souza, e nessa fazenda, foi estabelecida uma
colônia, denominada Colônia Conventos (Gregory, 2019).
O território que ficaria conhecido como “Nova Berlim” (Figura 2) si-
tuava-se nos fundos da Colônia Conventos e, por isso, recebeu de Amstad
([1924] 1999) a alcunha de Hinterland3. Essa região era composta por
terras ainda não concedidas ou vendidas, mas que já estavam ampla-
mente povoadas por lavradores pobres que se dedicavam à extração da
erva-mate (Christillino, 2004).

Figura 2 – Planta do território de Nova Berlim

Fonte: Adaptado pelo autor da “Planta dos municípios de Estrella e Lageado”. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de
Lajeado, Lajeado.

3
Termo germânico que neste caso designava as extensões territoriais localizadas atrás da Colô-
nia Conventos e que representavam um espaço de fronteira agrária aberta.

108
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

Em 18 de maio de 1862, Manoel Fialho de Vargas Filho, Joaquim


Francisco Dutra Júnior, Francisco Baptista da Silva Pereira e a empre-
sa Baptista, Fialho & Cia, representada por Antônio Fialho de Vargas,
efetivaram a compra4 de quatro léguas quadradas de terras na margem
direita do rio Taquari, as quais já haviam sido requeridas no ano anterior
à Fazenda Nacional. A localização do território, bem como, os nomes dos
seus peticionários, permite inferir que o título passado na mencionada
data faz referência ao território onde foi estabelecida a Colônia Nova
Berlim e que esses se tratavam de seus acionistas.
Curiosamente, nesse mesmo contexto, a empresa gerente da Colô-
nia Conventos, Baptista, Fialho & Cia, informou em relatório5 ao Gover-
no da Província que o território da sua Colônia havia sido aumentado em
quatro léguas quadradas, compradas em nome da empresa que atendia
por uma nova razão social, Baptista, Pereira, Fialho & Cia. De acordo
com esse mesmo relatório, o território continuaria a ser colonizado pelo
mesmo nome de “Colônia dos Conventos”.
Durante o percurso da presente pesquisa, não foi encontrado ne-
nhum documento que remetesse a fundação da Colônia com a denomi-
nação “Nova Berlim”. Essa designação apareceu somente a partir da dé-
cada de 1870 em escrituras de compra e venda de lotes coloniais, onde
é atestada a atuação da empresa Baptista, Pereira, Fialho & Cia e o
gerenciamento do território Nova Berlim.
Cabe ao historiador, nessas circunstâncias, problematizar os docu-
mentos e analisá-los através de um olhar crítico, sendo que a presen-
ça ou ausência de documentos depende de causas humanas (Le Goff,
2003). Sendo assim, entende-se que a mencionada obscuridade na qual
se encontrava o processo de constituição da Colônia Nova Berlim residia
numa intenção oculta aos documentos da época.

4
Título passado a favor de Manoel Fialho de Vargas, Joaquim Francisco Dutra Júnior, Francisco
Baptista da Silva Pereira e Baptista Fialho & Cia em 18/05/1862. Registro das Cartas de Compra
das Terras Devolutas. Fundo Imigração, Terras e Colonização, Códice 356. AHRS, Porto Alegre.
5
Mapa geral da colônia dos Conventos de 15 de maio de 1862. Fundo Imigração, Terras e Colo-
nização, maço 57, caixa 31. AHRS, Porto Alegre.

109
Jéferson Luís Schaeffer

Dado o contexto de avanço da fronteira agrária em direção ao vale


do rio Taquari e a privatização das áreas florestais, essas informações
corroboram com a hipótese de Schaeffer (2020), de que os integrantes da
empresa Baptista, Fialho & Cia já almejavam por meio da solicitação de
um prolongamento da Colônia Conventos, a fundação de um novo núcleo
colonizatório. Nesse sentido, a obscuridade da primitiva Colônia Nova
Berlim se justifica em silenciosas estratégias de empresários que visa-
vam a seguridade de seus futuros negócios imobiliários.

“A companhia vendeu grandes partes dessa área a particulares”


Com base em Roche (1969), salienta-se o impacto da colonização eu-
ropeia no vale do rio Taquari, que na segunda metade do século XIX se
expandia nessa direção por meio das Colônias particulares de Conven-
tos, Estrela e Teutônia. Nesse mesmo sentido, destaca-se a considerável
participação da iniciativa privada no empreendimento colonizador, visto
a única Colônia provincial estabelecida mais próxima a estes entornos
ter sido a Colônia Monte Alverne, em 1859.
O empreendimento colonizador privado funcionou por meio da atua-
ção de companhias colonizadoras, as quais promoviam o loteamento e
a comercialização de áreas florestais, angariavam colonos e garantiam
a abertura de estradas.6 Segundo Christillino (2004, p. 247), as compa-
nhias colonizadoras
[...] foram montadas, principalmente, no Rio Grande do Sul no período de 1850
a 1920 para comercializar lotes de terras a imigrantes europeus e seus descen-
dentes, e que no início do século XX intensificaram suas atividades no oeste de
Santa Catarina e do Paraná. Ocorria tanto a ação individual dos possuidores
que loteavam e comercializavam suas áreas individualmente, e aqueles orga-
nizados em torno de companhias, que envolviam um número maior de proprie-
tários. Estes comercializadores de terras foram os grandes beneficiados pela
Lei de Terras de 1850 no Rio Grande do Sul, legitimando e revalidando títulos
de áreas “abandonadas” e fundando colônias particulares nas mesmas.

6
Sobre a atuação de companhias colonizadoras entre o final do século XIX e início do século XX
no vale do rio Taquari, ver Trombini, Laroque e Castoldi (2017).

110
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

As terras adquiridas pela nova empresa Baptista, Fialho, Pereira &


Cia foram subdivididas em núcleos colonizatórios menores, denomina-
dos de linhas7 (Figura 3). Schaeffer (2020) identificou pelo menos onze
linhas no primitivo território Nova Berlim, cujos lotes seguiram o padrão
de 100.000 braças quadradas (48,4 hectares) e foram negociados por dis-
tintos comerciantes.

Figura 3 – Mapa das linhas existentes no primitivo território Nova Berlim

Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Google Earth, 2020.

Segundo informações contidas no inventário8 de Manoel Fialho de


Vargas Filho, sócio da empresa Baptista, Fialho, Pereira & Cia e falecido
no ano de 1863, a referida empresa teria se comprometido a introduzir
no território Nova Berlim quarenta famílias no período de quatro anos,
sob pena de voltarem ao domínio da Fazenda Nacional. Em 1867 a viúva

7
Além da designação “linha”, Roche (1969) e Dreher (2014) também mencionam o termo “pica-
da”, que correspondiam à forma básica de penetração em áreas florestais.
8
Inventário post-mortem do Cartório de Orphãos e Ausentes de Porto Alegre nº 289, de 1875.
APERS, Porto Alegre.

111
Jéferson Luís Schaeffer

de Manoel, Maria Rita de Andrade Fialho, atestou que o prazo não fora
cumprido e que as terras estavam lhe sendo “[...] ultimamente tomadas
pelo Governo [...]”.
O contexto de crise fez-se sentir também na Colônia vizinha de San-
ta Emília, cuja decadência se deu no início da década de 1880 com a mor-
te de seus sócios e a impossibilidade financeira dos herdeiros em realizar
investimentos no empreendimento colonizador (Fröhlich, 2005). Nessa
conjuntura surgiram novos personagens na história da colonização do
território Nova Berlim e, por consequência, de Santa Emília.
Entre estes estava o comerciante luso-brasileiro Manoel Py, que se
juntou à empresa Baptista, Fialho, Pereira & Cia em 1872 por meio da
aquisição da terça parte que Joaquim Francisco Dutra Júnior possuía
na referida sociedade.9 Manoel Py foi um próspero comerciante esta-
belecido em Porto Alegre que investiu no ramo têxtil (Reichel, 1993),
além de ter ocupado outros diversos cargos no setor privado da capital
(Strohaecker, 2005).
As terras que Manoel Py havia comprado em 1872 situavam-se na
margem esquerda do arroio Alegre, no território Nova Berlim, e foram
revendidas10 em 1877 para a companhia colonizadora Huch & Cia11. A
partir de então, além da empresa Baptista, Fialho, Pereira & Cia, o ter-
ritório Nova Berlim contaria com a atuação de uma segunda companhia
colonizadora: a Huch & Cia. A existência de revendas e da atuação de
outros comerciantes no território de Nova Berlim, já havia sido atestada
pelo pastor Rudolfo Saenger ([1934] 1998, p. 35, grifo do autor) nas crô-
nicas da Paróquia Evangélica de Marques de Souza:

9
Escritura de venda que fazem o Major José Alves Valença e sua mulher a Manoel Py. Tabe-
lionato de Porto Alegre, 1º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livro 87, p. 167. APERS, Porto
Alegre.
10
Escritura de venda que fazem Manoel Py e sua mulher a Huch & Cia. Tabelionato de Porto
Alegre, 2º Tabelionato, Transmissões/Notas, Livro 91, p. 107. APERS, Porto Alegre.
11
Companhia colonizadora estabelecida em Porto Alegre, representa por Ricardo Huch, a qual foi
a principal acionista da sociedade Carlos Schilling, Lothar de La Rue, Jacob Rech, Guilherme
Koop & Cia, responsável pela colonização da Colônia privada Teutônia (Schaeffer, 2020).

112
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

A região foi colonizada, em princípios de 1880, por uma sociedade privada, a


assim chamada “Berliner Gesellschaft”. [...] No arquivo municipal de Lajeado
também não existe nada sobre o assunto, pois o município foi criado poste-
riormente. Esta sociedade era proprietária da área de terras que vai da atual
localidade de Forqueta até Bastos, incluindo Forquetinha, Nova Berlim-For-
quetinha até Sampaio. A companhia vendeu grandes partes desta área
a particulares, que as colonizaram por conta própria.

Segundo a escritura de compra e venda, a área adquirida pela Huch


& Cia limitava-se a 14 lotes coloniais, tendo a companhia colonizadora
dado início a comercialização no ano de 1883 por intermédio do procu-
rador Roberto Júlio João Paulssen. No entanto, a atuação de Huch &
Cia no território Nova Berlim foi efêmera, tendo se limitado à pequena
parcela das terras adquiridas junto ao arroio Alegre, as quais foram co-
mercializadas até o final da década de 1880.
Por outro lado, a venda da parte que Manoel Py possuía na empresa
Baptista, Pereira, Fialho & Cia não significaria a sua saída da socie-
dade ou dos negócios imobiliários envolvendo o território Nova Berlim.
Considerando que a revenda realizada por Manoel Py a Huch & Cia foi
onerada em quatro vezes mais do que o valor pago anos antes por Py, é
sugerível que o negócio estivesse relacionado a investimentos posteriores
realizados pelo referido comerciante nesse mesmo território.
O caráter enganoso das transações mercantis também foi considera-
do por Levi (2000) ao discorrer sobre o comércio de terras em Santena, na
Itália. Para o autor, o tabelião somente registrava a sanção final de uma
série de contratos silenciosos, que haviam sido influenciados por laços de
parentesco, vizinhança, amizade, clientela ou caridade. Nesse sentido,
Motta e Guimarães (2007, p. 115) chamaram a atenção para a relevância
do cruzamento de fontes, salientando que
[...] cabe aos historiadores reconhecer a necessidade de um exercício diário
de análise e cruzamento de fontes, de localização de personagens cujas traje-
tórias – uma vez reveladas – auxiliem na reconstrução dos conflitos agrários
no século XIX, bem como permita trazer à luz concepções de justiça em sua
relação com o direito à terra.

113
Jéferson Luís Schaeffer

No início da década de 1880 começou a ser mencionada em fontes


documentais relativas a esse território uma nova companhia colonizado-
ra, denominada de “Schiött, Py & Cia”. Segundo Schaeffer (2020, p. 133),
“[...] o ano de 1882 marcou a ascensão da sociedade Schiött, Py & Cia so-
bre o território Nova Berlim”. Em referências bibliográficas relacionadas
a Colônia Santa Emília, Fröhlich (2005) e Flores (2015) também mencio-
nam a companhia colonizadora Schiött, Py & Cia como responsável pela
continuidade da colonização de Santa Emília.
As menções a empresa Baptista, Fialho, Pereira & Cia foram en-
contradas na documentação até o ano de 1882, momento em que é for-
malizada a companhia colonizadora Schiött, Py & Cia12, constituída com
base na aquisição das terras coloniais remanescentes das Colônias Nova
Berlim e Santa Emília. Sobre o processo de transição da colonização ini-
ciada pela empresa Baptista, Fialho, Pereira & Cia para a companhia co-
lonizadora Schiött, Py & Cia, Schaeffer (2020, p. 132) atestou o seguinte:
A empresa parece ter dado início à comercialização dos primeiros lotes nas
linhas Sampaio, Sampainho, Atalho e Forqueta até 1882, sendo assumidas
a partir de então pela sociedade Schiött, Py & Cia, que deu continuidade às
linhas já abertas e iniciou o loteamento das demais que integravam o territó-
rio Nova Berlim, a citar, Forquetinha, Alegre, Abelha, Nova Alemanha, Flor
e Sommer.

É importante ressaltar que havia nessa conjuntura um comércio de


terras operante no vale do rio Taquari, caracterizado pelos empreendi-
mentos pioneiros de Conventos, Estrela e Teutônia, do qual a companhia
colonizadora Schiött, Py & Cia se beneficiou, além dos investimentos já
realizados no território Nova Berlim pela empresa Baptista, Fialho, Pe-
reira & Cia antes de 1882. No entanto, quando a companhia colonizadora
Schiött, Py & Cia adquiriu as terras remanescentes das Colônias Nova
Berlim e Santa Emília, também assumiu as dívidas dos colonos que ain-
da não haviam pago os lotes negociados com os primitivos proprietários.

12
A companhia colonizadora foi regida por um contrato social datado de 10/09/1882, o qual não
foi localizado em sua integridade durante o percurso da pesquisa (Schaeffer, 2020).

114
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

Manoel Py, que chegou a ser sócio gerente da empresa Baptista, Fia-
lho, Pereira & Cia, também atuou como sócio gerente da companhia colo-
nizadora Schiött, Py & Cia. Schaeffer (2020) encontrou referência a oito
partes sociais referentes à companhia colonizadora Schiött, Py & Cia,
embora não tenha conseguido elucidar todas. Entre um dos principais
acionistas estava o empresário alemão Hans Adolf Zacharias Schiött, es-
tabelecido em Porto Alegre.
Também eram acionistas da companhia colonizadora Schiött, Py &
Cia os alemães Friedrich Wilhelm Bartholomay e Carl Trein Filho, im-
portantes figuras políticas da vila de Santa Cruz, com vínculo na Guarda
Nacional e que possuíam experiência no âmbito imigratório. Bartholo-
may e Trein, que eram cunhados, adquiriram de Manoel Py, ainda em
1882, partes sociais da referida companhia.13
Bartholomay era engenheiro de formação e foi diretor da Colônia
Nova Petrópolis (Schröder, [1931] 2019), tendo posteriormente se esta-
belecido na Colônia Santa Cruz, onde foi considerado por Noronha (2012)
um dos principais empresários e investidores. Trein exerceu o cargo de
diretor da Colônia Santa Cruz entre os anos de 1869 e 1872 (Cunha,
1988) e, além de ter dirigido a Colônia provincial Monte Alverne, foi de-
signado no ano de 1882 para ser o diretor dos núcleos coloniais Nova
Berlim e Santa Emília (Dilleburg, 1980).
Carl Trein Filho tornou-se referência para a companhia coloniza-
dora Schiött, Py & Cia por tê-la representado em inúmeras negociações,
da qual é mencionado como sócio-diretor. Essa afirmação justifica o fato
de autores como Amstad ([1924] 1999) e Roche (1969) terem atribuído a
fundação da Colônia Nova Berlim a Carl Trein Filho. Além da atuação de
Trein, Schaeffer (2020, p. 185-186) também destacou a importância dos
procuradores locais no comércio das terras no território Nova Berlim, a
exemplo de Peter Blauth:

13
Escritura de hypoteca que fazem Frederico Guilherme Bartholomay e sua mulher, Carlos
Trein Filho e sua mulher a Manoel Py. Tabelionato de Porto Alegre, 3º Tabelionato, Contratos,
Livro nº 03, p. 69, APERS, Porto Alegre.

115
Jéferson Luís Schaeffer

As vendas de lotes coloniais efetuadas nas linhas Alegre e Abelha da Colônia


Nova Berlim pela sociedade Schiött, Py & Cia, foram realizadas pelo próprio
sócio diretor Carl Trein Fº, em conformidade à cláusula oitava do contrato so-
cial da empresa de 10/09/1882, além deste também ter nomeado por meio de di-
versas procurações, Peter Blauth para lhe representar durante as transações.
[...] Peter Blauth teve ativa participação no comércio de terras promovido por
Schiött, Py & Cia no vale do arroio Forquetinha e seus afluentes, tendo sido o
responsável por passar praticamente todas as escrituras referentes às linhas
Forquetinha, Alegre, Abelha e Nova Alemanha da Colônia Nova Berlim.

Segundo análise dos Livros de Notas do 1º e 2º Tabelionato de Es-


trela entre os anos de 1882 e 1891 e 1º Tabelionato de Lajeado entre os
anos de 1891 e 1900, as principais atividades da companhia colonizadora
Schiött, Py & Cia no território Nova Berlim concentraram-se nas terras
existentes junto ao arroio Forquetinha e seus afluentes, com maior inten-
sidade entre os anos de 1890 e 1893. A liquidação formal da companhia
colonizadora Schiött, Py & Cia ainda carece de informações precisas, ten-
do suas vendas diminuído gradativamente a partir de 1896 e não sido
encontrada mais referência alguma a empresa a partir do ano de 1898.

Considerações finais
Longe de apresentar conclusões definitivas, espera-se que os apon-
tamentos realizados ao longo do texto tenham contribuído na elucidação
do processo de constituição da Colônia Nova Berlim e sua inserção no
contexto da atuação de companhias colonizadoras no vale do rio Taquari.
Sem ter a pretensão de esgotar a temática, entende-se que o estudo for-
nece elementos para futuras pesquisas.
Nesta pesquisa foram analisadas bibliografias que divergiram a
respeito da Colônia Nova Berlim e, por meio do cruzamento de fontes
diversas, ressaltou-se a importância de estudos pontuais que elucidem o
obscuro processo de constituição da primitiva Nova Berlim.
Tendo em vista que as sociedades Schiött, Py & Cia e Huch & Cia
se tratava de empresas de colonização privadas, não foram localizados
documentos relativos à contabilidade delas, tampouco relações de com-

116
Nova Berlim: o hinterland no vale do rio Taquari (1882-1900)

pradores ou mapas estatísticos das linhas, como é comum encontrar em


Colônias geridas pela Província ou pelo Império.

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118
Imigrantes europeus no sul de
Santa Catarina: o caso da Colônia
Grão-Pará (1882)

Tatiane Soethe Szlachta

Introdução

A
colonização não indígena do território que conhecemos como Brasil
teve início há cinco séculos, com a chegada dos portugueses. A par-
tir de então, a povoação é ditada pelos grandes ciclos econômicos e
pelas diretrizes estabelecidas pela coroa. Inicialmente, o foco foi o litoral,
para a defesa do território e a exploração do pau-brasil, e o nordeste, onde
se desenvolveu e prosperou a lavoura açucareira. Mais tarde, ocorreu uma
interiorização para a exploração do ouro na região de Minas Gerais e para
a criação de gado, que supria as necessidades do trabalho nas minas. Poste-
riormente, em São Paulo e no Rio de Janeiro, prosperou a lavoura cafeeira.
Considerando que nenhum dos grandes ciclos econômicos se desenvol-
veu em Santa Catarina, com exceção da criação de gado, que se deu no sécu-
lo XVII, no planalto, boa parte do território que hoje compreende o Estado
permaneceu longe dos interesses colonizadores até o século XIX. Até mesmo
as áreas do litoral e extremo sul do território português, na época Laguna,
não contavam com uma colonização efetiva e uma população numerosa.
Segundo Osório (2020), a Coroa portuguesa cuidou de proteger
seus limites com a Espanha, estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas,
mas seu interesse, de fato, estava no nordeste açucareiro. Dessa forma,
o litoral catarinense recebeu um significativo contingente populacional
Tatiane Soethe Szlachta

apenas na primeira metade do século XVIII, com imigrantes vindos de


Açores e Cabo Verde. Enquanto isso, o interior era habitado por esparsas
famílias luso-brasileiras e indígenas.
Uma mudança neste cenário aconteceu no século XIX, especialmente a
partir da segunda metade do século, com a promulgação da Lei Eusébio de
Queiroz (1850) e da Lei de Terras (1850). Essas leis atuaram complemen-
tarmente, causando mudanças importantes no cenário político, econômico
e social brasileiro. Isso, porque a Lei Eusébio de Queiroz, promulgada em 4
de setembro de 1850, proibiu o tráfico de africanos escravizados no império
(Brasil, 1850a), iniciando o processo de substituição da mão de obra africa-
na escravizada pela mão de obra livre e assalariada. Promulgada alguns
dias depois, em 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras dispôs sobre as
terras devolutas, com o objetivo de separá-las das particulares para o es-
tabelecimento de futuras colônias (Brasil, 1850b). A partir da promulgação
da referida lei, a única forma de acesso à posse de terras foi a compra.
O império brasileiro iniciava, assim, um processo de substituição da
mão de obra africana por imigrantes europeus livres e assalariados, que
satisfariam a necessidade de mão de obra nas fazendas de café para ocu-
par os chamados “vazios demográficos”, promovendo um “branqueamento
da população” (Selau, 2006). Tais objetivos do governo brasileiro configu-
raram-se como posturas equivocadas e racistas, uma vez que as áreas con-
sideradas “vazias” já eram ocupadas por diversos povos indígenas, que
buscavam refúgio nos interiores – onde o colonizador não havia chegado
– como forma de resistência a uma tentativa de integração forçada. Por ou-
tro lado, o branqueamento da população fazia parte de uma crença racista
de que a prosperidade e o desenvolvimento brasileiro se dariam apenas
por meio da miscigenação entre europeus, africanos e seus descendentes.
Esses foram alguns dos motivos que intensificaram a imigração eu-
ropeia para o Brasil e a formação de colônias. No decorrer do século XIX,
Santa Catarina foi palco da criação de dezenas de colônias públicas e pri-
vadas, que levaram a povoação não indígena para o interior do território
da então província, dizimando as populações indígenas no processo.

120
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

Uma das colônias criadas nesse contexto foi a Colônia Grão-Pará


(1882), sobre a qual apresentaremos um estudo de caso, realizado a partir
de um estudo bibliográfico e documental, com a análise de elementos con-
tidos em documentos da Empresa Colonizadora Grão-Pará, disponíveis
para a consulta no Centro de Documentação Histórica Plínio Benício, em
Orleans/SC. Para isso, será abordado o estabelecimento da Colônia Grão-
-Pará, identificando a postura adotada por seus dirigentes em relação à
imigração. Em seguida, serão discutidas as etapas da imigração, desde o
recrutamento dos imigrantes ao seu estabelecimento no novo lar.

A Colônia Grão-Pará
Com a mudança na legislação brasileira no que se refere à imigra-
ção, em especial após a promulgação da Lei de Terras (1850), foram in-
tensificados os trabalhos de medições de terras para a implantação de co-
lônias em Santa Catarina. No sul da província, onde seria posteriormen-
te instalada a Colônia Grão-Pará, as medições tiveram início em 1867,
com a expedição do engenheiro Manoel da Cunha Sampaio.
Segundo Tonetto, Ghizzo e Pirola (2015), as medições tinham o obje-
tivo de determinar a posição de terras devolutas dos vales do Rio Tubarão
e do Rio Araranguá em relação à cidade de Laguna. Naquele momento,
a comissão considerou a navegabilidade do Rio Braço do Norte, afluente
do Rio Tubarão, perigosa, e a quantidade de terras devolutas na área, pe-
quena. Tais argumentos foram utilizados como justificativa para carac-
terizar a região como imprópria para o estabelecimento de colônias. Dois
anos depois, a comissão foi dissolvida. No entanto, até aquele momento,
já haviam sido discriminadas as terras devolutas do Vale do Tubarão até
o Rio Mampituba, oportunizando a criação de colônias em seu território.
Novas medições voltaram a ser realizadas em 1870, visando ao cum-
primento da Lei no 1904, promulgada em 17 de outubro de 1870, que es-
tabeleceu um patrimônio em terras para a princesa Isabel e seu esposo, o
Conde d’Eu, por ocasião de seu casamento. Esse patrimônio seria composto

121
Tatiane Soethe Szlachta

por 49 léguas de terras, na província de Santa Catarina, e outra porção do


mesmo tamanho na província de Sergipe. A referida lei permitia, ainda, a
venda de metade das terras a colonos dispostos a cultivá-las (Brasil, 1870).
Diante disso, João Carlos Greenhalgh e Manoel da Cunha Sampaio
foram contratados para medir 12 léguas quadradas nos vales dos rios
Tubarão e Araranguá, respectivamente, para compor o patrimônio dotal
(Tonetto; Ghizzo; Pirola, 2015). Ao final das medições, as terras do Vale
do Tubarão foram escolhidas. Para Osório (2020, p. 207), a preferência
pelas terras citadas pode ser atribuída ao fato de que:
[...] as elites de Tubarão lideradas pelo coronel Luís Martins Collaço, tencionaram
para que a colonização tivesse início no vale do rio Tubarão como forma de im-
pulsionar o comércio da Vila de Tubarão que se configurava como um importante
entreposto para o comércio dos colonos do interior com a praça de Laguna, onde,
a partir do seu porto, os produtos eram comercializados com outras províncias do
país. Do mesmo modo que os futuros investimentos realizados no vale do Tubarão
fariam valorizar sobremaneira as terras que, em grande medida, se concentra-
vam nas mãos dessa mesma elite política e econômica, lembrando que, no final
de 1868, já se aventava a possibilidade da exploração do carvão nas terras do Vis-
conde de Barbacena e a construção de uma estrada de ferro que pudesse escoar a
produção mineral, o que, de fato, foi concretizado quinze anos mais tarde.

O autor ressalta ainda que Luís Martins Collaço era procurador da


Princesa Isabel e do Conde d’Eu, tendo acompanhado de perto as me-
dições e orientado a escolha das terras no Vale do Tubarão. Tal escolha
atendeu aos seus interesses pessoais e aos de uma elite regional, além
dos interesses dos futuros donos das terras. Outro ponto que influenciou
a escolha foi a existência do carvão mineral, visto que na época impulsio-
nou o desenvolvimento regional (Osório, 2020).
Uma vez aprovada a escolha das terras por Suas Altezas Imperiais
– SS.AA.II, Princesa Isabel e Conde d’Eu, tiveram início, em 1881, as
medições, para compor uma gleba de 12 léguas entre os rios Tubarão e
Braço do Norte (Lottin, 2002). Essa parcela estava situada, conforme a
figura abaixo, no que atualmente corresponde às terras dos municípios
de Lauro Müller, Orleans, São Ludgero, Grão-Pará, Rio Fortuna, Santa
Rosa de Lima, Anitápolis, Armazém, São Martinho e Braço do Norte.

122
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

Figura 1 – Localização das terras escolhidas para compor a Colônia Grão-Pará

Fonte: Szlachta (2020).

O passo seguinte foi dado em 15 de novembro de 1881, por meio de uma


sociedade entre SS.AA.II e o comendador Joaquim Caetano Pinto Júnior,
para o estabelecimento de imigrantes na colônia que estava sendo criada
(Lottin, 2002). A partir da celebração do acordo, foram iniciados os prepara-
tivos para a efetivação da colonização. Enquanto o comendador recrutava os
imigrantes, processo que será discutido mais à frente, o diretor da colônia,
Charles Mitchel Leslie, cuidava dos preparativos em uma sede provisória
em Braço do Norte (Dall’Alba, 1986). Em 1882, foi construída a sede da Em-
presa Colonizadora, batizada como “Grão-Pará”, em referência ao título do
primogênito de SS.AA.II, D. Pedro de Alcântara Luiz Felipe Maria Gaston.
A sede construída estava localizada em um local denominado “forca-
da”, nas proximidades de onde ocorre o encontro de dois rios, Pequeno e
Braço Esquerdo (marcado com uma estrela verde na figura acima). A esco-
lha do local para a implantação da sede se deu sob a seguinte justificativa:

123
Tatiane Soethe Szlachta

[...] convém para o estabelecimento da colônia que a Sede Central esteja pró-
xima aos caminhos e comunicações abertos naquele lugar, que assim dão ani-
mação ao colono que procura estabelecer-se na dita colônia e mesmo não há
outro lugar mais conveniente para a Sede Central, sendo no centro das terras
do Patrimônio, e para dali desenvolver-se os estabelecimentos da colônia, sen-
do assim o lugar central de onde devem seguir as vias de comunicação para
todos os pontos dos estabelecimentos de colonos e outros lugares comerciais na
proximidade (Lottin, 2002, p. 42).

Anos mais tarde, em passagem pelo sul de Santa Catarina para a


inauguração da The Donna Thereza Christina Railway Company Limited,
um dos donos da Terra, o Conde d’Eu, visitou a sede da colônia. Na ocasião,
decidiu por sua transferência para o núcleo colonial de Orleans do Sul
(marcado na figura 1 com estrela cor de rosa). Tal decisão pode ser atribuí-
da à construção da estrada de ferro, que passaria pelo núcleo de Orleans
do Sul. Dessa forma, a transferência da sede seria realizada para um local
com melhores vias de acesso para o trânsito de pessoas e mercadorias.
A transferência para a nova sede foi efetivada em 1888. No ano se-
guinte, pouco antes de terem os bens confiscados, em decorrência do ba-
nimento da família real no advento da República, os condes venderam
suas terras do patrimônio à Empresa Industrial e Colonizadora do Brasil.
Após novas vendas, a colônia foi extinta em 1984, quando seus últimos
bens foram transferidos ao último diretor, como forma de compensação
aos direitos sociais devidos (Dall’Alba, 1986). A Colônia Grão-Pará en-
cerrou suas atividades com pouco mais de um século de funcionamento.

A postura em relação à imigração


O contrato firmado em 1881 com o comendador Joaquim Caetano
Pinto Júnior lançava as primeiras diretrizes para o estabelecimento de
colonos, considerando a política brasileira, que priorizava imigração eu-
ropeia. Acerca disso, em seu 11º artigo, o contrato determinava que “[...]
os colonos a se estabelecerem poderão ser da (escolha) de J. Caetano Pin-
to, brasileiros ou estrangeiros, mas o número dos primeiros não poderá
exceder o dos estrangeiros” (Lottin, 2002, p. 22). Seguindo esse princípio,

124
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

a Colônia Grão-Pará recebeu imigrantes europeus vindos principalmen-


te da Alemanha, Itália e Polônia.
O recrutamento dos contingentes imigrantes se dava por editais e
propagandas espalhados por toda a Europa, por meio de publicações em
jornais, principalmente, como é possível observar no anúncio abaixo.

Figura 2 – Propaganda da Colônia Grão-Pará veiculada na Europa

Fonte: Centro de Documentação Histórica Plínio Benício – CEDOHI, Museu ao Ar Livre Princesa Isabel, Orleans/SC.

125
Tatiane Soethe Szlachta

Com o propósito de despertar o interesse das pessoas para a imi-


gração, eram feitas diversas promessas. De acordo com Osório (2020), a
localização da colônia, o clima e a qualidade das terras eram exaltados
junto à promessa de uma infraestrutura adequada para o recebimento de
colonos e a circulação de mercadorias. Os argumentos eram sedutores e
transmitiam a imagem de que havia um grande empreendimento no sul
de Santa Catarina.
Nos textos transcritos por Lottin (2002), é possível identificar ou-
tras promessas feitas aos imigrantes. A primeira era a possibilidade de
naturalização, como cidadão brasileiro, oferecida a todo estrangeiro que
residisse no país há mais de dois anos. O processo seria facilitado para
aqueles que adquirissem terras ou estabelecessem indústria ou comér-
cio. Além disso, oferecia-se a garantia de liberdade de culto para aqueles
que seguissem outra religião, senão a católica, mesmo que ela não fosse
considerada oficial no Brasil.
Em textos produzidos pelo diretor da colônia, Charles Smith Leslie,
a colônia estabelecia parâmetros comparativos entre os colonos de dife-
rentes nacionalidades. Em textos transcritos por Lottin (2002), o diretor
deixa claro o objetivo de estabelecer uma economia agrícola na colônia.
Para tanto, afirma que os estrangeiros se mostram mais adequados que
os nacionais, demonstrando predileção pelos alemães.
[…] O alemão tem até hoje mostrado maior predileção para a lavoura da terra;
enquanto os italianos e portugueses têm-se dedicado mais ao comércio e às
indústrias inclusive construções [...]
Os alemães sem contestação, sobressaem, comparados com os outros estran-
geiros; e a diferença torna-se enorme comparados com os nacionais.
Sem dúvidas há bons italianos, há bons portugueses e há bons nacionais; po-
rém a porcentagem dos bons alemães é maior que a dos outros estrangeiros; e
entre os nacionais encontram-se poucos que trabalham como os bons estran-
geiros, mormente os vindos das zonas frias e temperadas […] (Lottin, 2002,
p. 82-83).

Tais afirmações, feitas por Leslie e transcritas por Lottin (2002),


soavam um tanto etnocêntricas, pois colocavam o imigrante de determi-
nada nacionalidade — o alemão — acima dos demais. Essa postura in-

126
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

terferiu diretamente no tratamento dado ao colono de diferentes etnias,


uma vez que o estabelecimento dos alemães era privilegiado, o que se
justificava por sua aptidão ao trabalho agrícola.
O idioma, por si só, dificultava a comunicação entre imigrantes vin-
dos de nações distintas. Outros fatores culturais, como a religião, pode-
riam gerar conflitos. Por esse motivo, a empresa colonizadora estabeleceu
pontos de concentração de colonos de uma mesma nacionalidade, fortale-
cendo a convivência pacífica de um grupo étnico, distanciando-o de outro.
Embora não seja mais regra, hoje ainda é perceptível a concentração de
descendentes de determinadas etnias em alguns pontos da antiga colônia.
É importante ressaltar que os governos dos países de origem dos
imigrantes estavam a par de todo o processo de imigração e instalação na
colônia, por meio de relatórios encaminhados pelo próprio comendador.
De acordo com Lottin (1998), o relatório enviado em 1883 ao governo ita-
liano causou entraves à imigração para a América, especialmente para
o Brasil. O motivo era que o governo italiano considerava as garantias
oferecidas aos colonos insuficientes e exigia a garantia, por parte da em-
presa, de um ano de nutrimento ao colono.
A preocupação do governo italiano, conforme observado acima, era
garantir a sobrevivência do imigrante durante seu processo de estabele-
cimento na colônia. Tal preocupação é justificável, visto que, ao chegar à
colônia, o imigrante deveria iniciar a produção de gêneros agrícolas para
consumo próprio, não obtendo retorno imediato. Ao oferecer um ano de
nutrição, a empresa estaria garantindo a sobrevivência do colono até que
a lavoura começasse a produzir.
Com vistas a resolver esse impasse, o comendador convidou o cônsul
italiano no Brasil para verificar in loco a situação da colônia. Ao mesmo
tempo, procurou concentrar suas atenções na Alemanha e no Tirol, ter-
ritório localizado entre a Áustria e a Itália, pois havia o compromisso de
se estabelecer 100 famílias na colônia durante aquele ano (Lottin, 1998).
Dessa forma, é perceptível que a imigração europeia não se desen-
volveu sem entraves. Ao contrário, enfrentou diversos percalços, mesmo

127
Tatiane Soethe Szlachta

depois do estabelecimento dos colonos, tendo em vista que muitos com-


pravam seus lotes de forma parcelada e não conseguiam quitá-los, ou
então não se adaptavam à região.

Da Europa ao Brasil
A viagem da Europa para o Brasil era longa e cansativa, um grande
desafio a ser vencido por aqueles que buscavam uma vida melhor. A Europa
do século XIX passava por inúmeras transformações e instabilidade. Em
parâmetros gerais, a população crescia, e faltavam terras para a continui-
dade da atividade agrícola, que estava cada vez mais voltada para suprir
a matéria-prima da crescente indústria. A população sofria com a falta de
terras cultiváveis, a fome e o desemprego, resultantes de uma profunda
mudança econômica e social. Na Alemanha e na Itália, somavam-se a essas
questões o fator político, representado pelas guerras de unificação.
Inseridas nesse cenário conturbado, muitas pessoas foram atraídas
pelos editais, que prometiam uma vida nova nas colônias brasileiras. A
promessa foi suficiente para muitas famílias abandonarem sua vida na
Europa, levando apenas pertences pessoais; aquelas que detinham algu-
ma propriedade, geralmente as vendiam, com a finalidade de utilizar o
dinheiro na aquisição de terras no Brasil. A respeito disso, Lottin (2002)
afirma que a orientação dada aos imigrantes era a de que trouxessem
instrumentos para o trabalho na lavoura, pois os que eram vendidos na
Europa possuíam qualidade superior àqueles vendidos no Brasil. Além
disso, segundo o mesmo autor, pertences pessoais de vestuário, louças,
móveis em quantidade indispensável e instrumentos de trabalho eram
isentos de direitos de importação quando transportados junto aos seus
respectivos donos.
O primeiro navio de imigrantes vindos diretamente para a colônia
foi o Scrivia, que partiu do porto de Gênova em 22 de novembro de 1883,
chegando à colônia em 9 de janeiro de 1884. O grupo de passageiros des-
se navio era composto por 117 pessoas vindas do Tirol Italiano, perten-

128
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

cente à Áustria, e 56 italianos (Lottin, 2002). Na figura abaixo, é possível


observar uma parte da lista de passageiros do Scrivia.

Figura 3 – Lista de Passageiros do navio “Scrivia”

Fonte: Centro de Documentação Histórica Plínio Benício – CEDOHI, Museu ao Ar Livre Princesa Isabel, Orleans/SC.

Conforme descrito por Lottin (1998), a viagem da Europa até a Co-


lônia era realizada de forma terceirizada. A empresa H. Repetto, sediada
no Porto de Gênova, embarcava imigrantes em navios fretados e encami-
nhados diretamente para o Rio de Janeiro. Cada imigrante embarcava
no porto mais próximo ao seu país de origem. Dessa forma, os italianos
embarcavam em Gênova; os alemães, no Porto de Antuérpia; os letos e
poloneses, em algum porto na França.
A partir do momento em que chegavam ao Rio de Janeiro, capital
do Império, os imigrantes eram recebidos por um representante da Lec-
coq – Oliveira & Cia, empresa encarregada do transporte até a Colônia
Grão-Pará. Em Desterro, eram conduzidos em embarcações menores até
Laguna e depois subiam pelo Rio Tubarão ou Capivari até o Porto de
Gravatá. Quando não existiam mais rios navegáveis, o trajeto era reali-
zado a pé e com o auxílio de carros de boi ou cargueiros, para o transporte
da bagagem (Lottin, 1998).

129
Tatiane Soethe Szlachta

É importante ressaltar que as condições das estradas na época eram


péssimas. Não eram raros os trechos que se restringiam a uma estreita
picada no meio da mata, já utilizada pelos tropeiros em suas viagens.
Aliás, os caminhos existentes na colônia, até o início da imigração, ti-
nham origem no tropeirismo. Apenas trechos mais utilizados contavam
com estrutura para a passagem de carro de boi, o que também era raro
na época em questão. A circulação no dia a dia era realizada exclusiva-
mente a pé ou com o auxílio das mulas, no caso dos tropeiros.
A partir da criação da The Donna Thereza Christina Railway Com-
pany Limited, os imigrantes passaram a realizar o trajeto de Laguna até
Orleans — sede da Colônia — de trem. Com o funcionamento da estrada
de ferro, o transporte de pessoas e mercadorias foi favorecido, incenti-
vando a vinda de mais colonos, inclusive de outras colônias catarinenses.

O estabelecimento e os primeiros anos na colônia


Após uma viagem longa e cansativa, as famílias de imigrantes bus-
cavam se estabelecer na colônia. Os imigrantes que chegavam eram re-
cebidos na sede da Empresa Colonizadora, que, além de vender os lotes
coloniais, dispunha de galpões onde ficavam hospedadas as famílias. En-
quanto isso, os homens acompanhavam os agrimensores na escolha de
seus lotes e na construção de um primeiro rancho que serviria de mora-
dia para a família (Dall’Alba, 1986).
Conforme registros do livro de lotes provisórios da Colônia Grão-Pa-
rá, obtido em consulta ao CEDOHI, os primeiros lotes foram vendidos em
25 de setembro de 1882 e comprados de forma parcelada. No primeiro
ano de funcionamento da Colônia Grão-Pará, foram vendidos dezenove
lotes para oito compradores, número que cresceu exponencialmente nos
anos seguintes.
De acordo com alguns documentos da colônia, transcritos por Lot-
tin (2002), cada família poderia adquirir um lote de 48,4 hectares. Não
era permitida a venda de lotes vizinhos, com exceção dos casos em que

130
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

irmãos quisessem se estabelecer próximos um ao outro. Para promover a


valorização dos lotes, eles eram vendidos intercaladamente, de modo que
ficasse um lote vazio entre dois lotes ocupados. A crença era de que essa
postura favoreceria as vendas futuramente. Na prática, não foi isso o que
aconteceu. Ao verificar os registros de posse provisória dos lotes, foi pos-
sível constatar que não foram raras as vezes em que um único comprador
adquiriu lotes vizinhos. Conforme os registros, com a chegada de um
grupo de imigrantes de mesma origem, eram vendidos lotes próximos,
mesmo quando não havia vínculo familiar entre eles.
O pagamento dos lotes, por sua vez, poderia ser efetuado à vista
ou em parcelas acompanhadas por juros, e, uma vez firmado o acordo,
o colono recebia um título provisório de posse, que seria substituído por
um definitivo quando a dívida fosse quitada. O que, inicialmente, parecia
ser uma negociação simples se mostrou difícil de cumprir, visto que ao
imigrante que ainda não havia quitado sua dívida era imposta uma série
de limitações. Uma delas, segundo Lottin (2002), era que a derrubada da
mata nativa poderia ser realizada apenas nas partes do lote que seriam
destinadas às plantações, à construção de moradias e às instalações de
manufaturas para o desenvolvimento agrícola. Essa postura proibia, por
exemplo, a venda da madeira nativa.
Como a exploração de madeira para o comércio não era viável para
aqueles que não haviam quitado seus lotes, o que correspondia à maio-
ria dos colonos, a alternativa mais viável era a agricultura. Entretan-
to, apesar do auxílio da colônia para a derrubada da mata e preparo
da lavoura para a produção de gêneros de primeira necessidade, houve
muita dificuldade. Em primeiro lugar, não havia suplementos agrícolas,
os instrumentos de trabalho se restringiam à enxada, foice, machados e
picaretas. Outro problema era a falta de mão de obra, que no início era
exclusivamente familiar, tendo em vista que os vizinhos estavam a quilô-
metros de distância, e não havia estradas. Nessa situação, os imigrantes
sentiam-se sozinhos e desamparados.

131
Tatiane Soethe Szlachta

A respeito da postura adotada pela Empresa Colonizadora Grão-


-Pará, tendo em vista a situação em que se encontravam os primeiros
colonos, Lottin (1998, p. 42) descreve que
Nos primeiros tempos a Empresa os visitava quinzenalmente para distri-
buir sementes, pagar um auxílio em dinheiro para a compra das principais
necessidades e fazer uma avaliação do estado de saúde do pessoal. Quanto
às sementes eram acompanhadas de instruções sobre o plantio e feito o seu
acompanhamento até a colheita. Além das culturas temporárias como milho,
feijão, batata, cana-de-açúcar, arroz e outros, incentivavam o plantio de fru-
tas com a distribuição de videiras, laranjeiras e outras. Relatórios existentes
demonstram que eram os colonos orientados e fiscalizados apontando aqueles
que não se interessavam pelo trabalho.

É perceptível que as ações da Empresa Colonizadora visavam ape-


nas ao desenvolvimento inicial de uma lavoura policultora, com a pro-
dução de gêneros de primeira necessidade. Nesse momento, o trabalho
agrícola era realizado para a subsistência da família. Produzir e vender
excedentes era praticamente impossível, considerando a dificuldade de
escoamento da produção. Levavam-se dias, a pé, para chegar às cidades
mais próximas, Tubarão e Laguna.
A situação foi invertida com o estabelecimento de relações comer-
ciais entre os colonos e os tropeiros. Os últimos desciam a Serra Geral em
direção às cidades do litoral para vender seus produtos, principalmente
charque e queijo, e recebiam encomendas para serem trazidas das cida-
des; ao passarem pelo território da colônia, pediam pouso para os colonos.
Essa relação comercial na Colônia Grão-Pará é descrita por Ascari (2015).
Na situação em que viviam, muitos colonos apresentavam dificulda-
de para quitar seus lotes. Pensando nisso e na melhoria da infraestrutu-
ra da colônia, a empresa oferecia o abatimento de parte da dívida àqueles
que prestassem serviço na abertura de estradas. Na opinião de Lottin
(1998), ações como essa, junto ao fornecimento de gêneros alimentícios,
ferramentas e assistência médica, formavam uma boa assistência. A par-
tir de 1899, os colonos já tinham condições de promover seu desenvolvi-
mento sem a tutela da empresa. O autor prossegue afirmando que aos

132
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

novos colonos eram oferecidas as mesmas condições, até que adquirissem


sua independência econômica.
Entretanto, tais ações não foram suficientes, dado que muitos co-
lonos não se adaptaram às condições de vida na colônia e emigraram
para outras cidades ou estados. Outro motivo para a emigração foi a
dificuldade de quitar os lotes adquiridos, uma vez que era difícil obter
um mercado consumidor para sua produção agrícola. Somada a esses
motivos estava a presença dos indígenas Laklãnõ/Xokleng, com os quais
os colonos tiveram inúmeros conflitos.
A respeito desse último motivo, Dall’Alba (1986) traz inúmeros re-
latos nos quais os indígenas invadiram as propriedades dos colonos em
busca de comida, roubaram ferramentas ou mataram animais, motiva-
dos pela fome e invasão de seu território tradicional. Em alguns casos,
ocorreu a morte de imigrantes, como descrito por Dall’Alba (1986, p. 50).
Em 1888 os índios mataram um velho italiano desarmado, Bashiroto, no Rio
Pinheiros. Alguns meses depois mataram outro velho italiano, Meneghetti,
também desarmado, na Ilha Grande, o que causou que umas 40 famílias ita-
lianas emigraram da Colônia, quase todas para desgraça delas. [...]
No caso de 1893 os índios mataram uma moça polaca de 20 anos de idade, no
Rio dos Cachorrinhos, também desarmada. O efeito foi idêntico ao precedente.
Algumas 15 famílias saíram para o Rio Grande do Sul.
Os índios ambas as vezes foram castigados.

Nos relatos acima, vemos que o autor atribui ao ataque dos indíge-
nas a emigração de dezenas de famílias. Ele fala também que os indíge-
nas foram “castigados”, sem especificar quais foram as medidas tomadas
em relação aos ocorridos. Apesar da falta de detalhes, e considerando o
contexto da época, é possível presumir que a resposta foi violenta. Isso,
porque a presença dos indígenas era considerada pelos poderosos da épo-
ca um empecilho à colonização. Com o objetivo de resolver a situação,
os colonos e a própria Empresa Colonizadora contratavam colonos espe-
cializados em caçar e matar os indígenas, os chamados bugreiros. Como
resultado, menos de um século após a criação da Colônia Grão-Pará os
indígenas foram exterminados.

133
Tatiane Soethe Szlachta

Figura 4 – Bugreiros e suas vítimas

Fonte: Acervo Sílvio Coelho dos Santos.

A principal preocupação do governo e da empresa colonizadora ao


apoiar a atuação dos bugreiros era evitar o êxodo de mais famílias, para
que o empreendimento não fosse inviabilizado. Além disso, é importante
ressaltar que os imigrantes que vinham para a Colônia Grão-Pará não
eram informados sobre a existência de indígenas em suas terras, pois os
dirigentes da empresa acreditavam que isso os desestimularia. Dessa
forma, aos imigrantes eram feitas promessas de uma terra fértil, que dis-
punha de boas comunicações com os centros comerciais e possibilidades
de desenvolvimento, omitindo a presença indígena, já conhecida pelos
dirigentes da colônia.
Ao chegar, os imigrantes percebiam que a realidade era bem dife-
rente do que lhes fora prometido. Por esse motivo, durante todo o proces-
so de estabelecimento de colonos, não foram raros os casos de abandono
de terras e partida para outras regiões.
Na figura abaixo, vemos uma planta da referida colônia, contendo a
divisão de lotes com os nomes de seus respectivos compradores. O aglo-

134
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

merado de lotes na imagem impossibilita estipular sua quantidade, mas


permite a conclusão de que o desenvolvimento da colônia, apesar dos
percalços, atingiu o resultado esperado, com a venda da maior parte das
terras.

Figura 5 -– Planta da Colônia Grão-Pará

Fonte: Centro de Documentação Histórica Plínio Benício – CEDOHI, Museu ao Ar Livre Princesa Isabel, Orleans/SC.

É importante ressaltar que a área da figura acima que apresenta


poucos lotes corresponde à parte mais próxima da Serra Geral. Essa re-
gião estava mais distante dos centros urbanos; seu relevo se apresentava
cada vez mais acidentado conforme avançava em direção à Serra Geral;
o clima era mais frio e exposto a ventos; o solo apresentava qualidade
inferior quando comparado ao restante da colônia; além de ser onde os
indígenas Laklãnõ/Xokleng, que fugiam da colonização, buscavam refú-
gio. Esses e outros fatores fizeram com que essa fosse a última parcela da
colônia a ser ocupada por colonos.

135
Tatiane Soethe Szlachta

Considerações finais
A Colônia Grão-Pará foi um dentre tantos empreendimentos que
fizeram parte de uma política brasileira de colonização do país durante o
século XIX. Como visto, um dos principais objetivos era povoar as áreas
consideradas vazias, o que correspondia à grande parte das terras do sul
do Brasil. Dessa forma, desprezando a existência de povos indígenas,
como os Laklãnõ/Xokleng, o governo e as empresas colonizadoras inves-
tiram na imigração europeia como alternativa para a colonização.
Desde o planejamento até seu funcionamento, a Colônia Grão-Pará
foi pensada de acordo com os interesses de certos grupos sociais, a co-
meçar pela escolha das terras que iriam compor o patrimônio dotal da
Princesa Isabel, que favoreceu a elite tubaronense e o desenvolvimento
daquela cidade. Ademais, para que o empreendimento não fosse inviabi-
lizado, a existência dos indígenas Laklãnõ/Xokleng na encosta da Serra
Geral foi omitida. Os imigrantes ficaram cientes da presença indígena
apenas quando já haviam se estabelecido na colônia.
Não bastasse essa omissão, ao chegarem à colônia, os imigrantes
percebiam que a maior parte das promessas que lhes haviam sido feitas
ainda na Europa eram ilusórias. Não havia um comércio desenvolvido
para a venda do que produzissem, nem vias para o escoamento de sua
produção. Ao contrário, havia mata fechada, perigos e ausência de qual-
quer infraestrutura. Mesmo com o auxílio prestado pela empresa coloni-
zadora nos primeiros anos, a dificuldade era expressiva.
Com o sentimento de que haviam sido enganados e sem uma pers-
pectiva de quitar os lotes que haviam adquirido de forma parcelada, não
foram raros os casos em que as famílias abandonaram a Colônia Grão-
-Pará, seguindo para outras regiões de Santa Catarina ou até mesmo
outros estados. Somadas a essas condições havia o conflito com os indí-
genas, que causou mortes de ambos os lados, assim como a emigração de
muitas famílias.

136
Imigrantes europeus no sul de Santa Catarina: o caso da Colônia Grão-Pará (1882)

O discurso da Empresa Colonizadora era contraditório. Eram pro-


metidos suporte e infraestrutura aos colonos, mas esses recursos não
eram oferecidos. Nem mesmo as diretrizes para a colonização e o as-
sentamento dos imigrantes foram seguidas à risca, o que, na prática,
fez com que a colonização ocorresse de forma bem diferente do que fora
planejado. Ainda assim, é possível afirmar que a colonização atingiu seu
objetivo, pois a maior parte dos lotes foi vendida e, em um processo com-
plexo, a região se desenvolveu.
Diante do exposto, não apresentamos esta pesquisa como algo pron-
to e acabado, e sim como um processo em desenvolvimento. Para apro-
fundar as ideias apresentadas no decorrer do texto, são necessárias mais
análises, especialmente nos documentos da empresa colonizadora, que
muito tem a revelar sobre o processo de colonização do sul de Santa Ca-
tarina.

Referências
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pio e os causos reunidos nos 74 anos do ex-prefeito de Grão-Pará. Grão-Pará: O
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Tatiane Soethe Szlachta

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138
A atuação da Empresa Colonizadora
Serafim Fagundes & Cia, na região do
Planalto Rio-Grandense, 1898-19041

João Sand

Considerações iniciais

A
o final do século XIX houve o processo descrito por Jean Roche
(2022) como enxamagem, respectivamente a sua terceira fase:
o salto para o Planalto. Este processo se deu por fatores que
favoreceram o empreendimento colonizatório na região, destacam-se: a
fundação da Colônia Ijuí, em 1890, uma colônia mista de investimento
público e a construção do trecho da ferrovia São Paulo – Rio Grande, en-
tre Santa Maria e Cruz Alta, em 1894, integrando a região antes isolada,
ao Rio Grande do Sul, e consequentemente do Brasil.
O Planalto recebeu olhares de sujeitos que, sozinhos ou em sociedade,
viam a oportunidade de lucrar através da fundação de Colônias2, que se
valorizou cada vez mais. Estes investimentos de colonização particulares
poderiam ser de capital nacional, como é o caso deste estudo, a Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, onde três sujeitos constituíram
1
Este capítulo é resultado da pesquisa desenvolvida no trabalho de conclusão de curso, intitula-
do “Uma Colônia com um futuro extraordinário”: a atuação da Empresa Colonizadora Serafim
Fagundes & CIA, na região do planalto rio-grandense (1898-1904) defendido na Universidade
de Passo Fundo, em 2021.
2
O termo “Colônia” quando escrito em maiúsculo se refere ao empreendimento agrícola onde os
(i)migrantes adquiriram terras e foram assentados, já “colônia” com a escrita em minúsculo,
se refere ao lote adquirido pelo colono, a sua propriedade onde criou raízes. Sendo que em uma
Colônia havia muitas colônias.
João Sand

uma firma social; ou poderiam ser de capital de origem internacional, a


exemplo da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer3, que adquiriu
terras de particulares e frações do Governo do Estado, a fim de fundar nas
terras situadas em Cruz Alta, a Colônia Neu-Württemberg, em 1898.
Fundada em 1898, com registro legal em Porto Alegre, mas de capital estran-
geiro com sede formal em Leipzig, Alemanha, a Colonizadora Meyer, de pro-
priedade do intelectual Dr. Herrmann Meyer, sócio proprietário do Instituto
Bibliográfico de Leipzig, passou por várias reestruturações jurídicas, e atuou
no comércio de terras e colonização de 1897 a 1932, quando encerrou oficial-
mente as suas atividades (Neumann, 2014, p. 84).

Este estudo tem como objetivo analisar a formação e a atuação da


Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, na região do Planalto
Rio-grandense, de 1898, início da formação do núcleo colonial, até 1904,
quando a Colonizadora entrou em liquidação. Esta empresa adquiriu,
via compra, parcelas de terras de proprietários de Cruz Alta, Passo Fun-
do e do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, nas quais fundaram a
Colônia General Osório, em 1898 - atual município de Ibirubá -, situado
à margem esquerda do rio Jacuí, no município de Cruz Alta.
Partindo de uma questão geral – os processos migratórios - dentro
do recorte de colonização de terra, busca-se compreender as particulari-
dades da formação e povoamento da Colônia General Osório. Tendo em
vista que cada Colônia particular constitui um microuniverso próprio,
em uma escala maior todas seguem um conjunto normativo comum, mas
internamente, sua gerência, estrutura e formação variam. Cada em-
preendimento varia e se diferencia dos demais, neste sentido podem ser
realizados por uma sociedade, empresa ou um único indivíduo; de capital
nacional ou estrangeiro; limitada a compra a um grupo étnico ou con-
fessional específico; com um projeto de colonização definido ou apenas a
compra e venda de terras, ambas visando o lucro; poucos lotes grandes
ou muitos lotes pequenos; dentre outros (Neumann, 2016).

3
Sobre a Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, ver os estudos de Rosane M. Neumann,
principalmente sua obra Uma Alemanha em miniatura: o projeto de imigração e colonização
étnico particular da Colonizadora Meyer no Noroeste do Rio Grande do Sul (1897-1932) (2016).

140
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Este trabalho em termos teórico-metodológicos dialoga com a mi-


cro-história italiana, no que se refere ao jogo de escalas e ao método do
indiciário, pautando-se em autores como Carlos Ginzburg (1987, 1989) e
Giovanni Levi (1992, 2000, 2009), atrelada ao estudo das redes sociais dos
sujeitos, neste caso os proprietários de terras das regiões de Cruz Alta e
Passo Fundo. A respeito das fontes, para analisar a formação da Coloni-
zadora e a trajetória das terras formaram a Colônia General Osório serão
utilizados: os inventários post-mortem e testamento dos sócios da Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA e contratos de terras da empresa.
A Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA foi formada por
membros da elite política e econômica cruz-altense, proprietária de uma
área de 12.421 hectares de terras (124.211.728m²), cujo projeto de coloni-
zação era a venda de terras a compradores em potencial, independente-
mente de sua origem étnica ou confissão religiosa. Mapear a atuação e os
propósitos de colonização desses empreendedores e seu empreendimento
de colonização particular contribui para ampliar e fomentar as discus-
sões sobre imigração e colonização da região do Planalto Rio-grandense.

A fundação da empresa e a formação da Colônia


A Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, em meio ao ce-
nário de colonização das terras de Cruz Alta, foi fundada em primeiro
de outubro de 1898, tendo como sócios: o Coronel Serafim Fagundes da
Fonseca, Diniz Dias Filho e José Annes. A empresa tinha como objetivo
a compra e venda de terras para colonização, bem como o comércio de
madeiras e de produtos industriais e manufaturados. Seu capital inicial
era de Rs. 100:000$000.4 Não apenas pretendia realizar a venda em lotes
para colonos (i)migrantes, mas também a venda de produtos de constru-

4
Contrato de Sociedade da Colonizadora Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, em
01/10/1898. Documento do Registro Torrens da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749,
M 120, E 63. APERS.

141
João Sand

ção civil e produtos que garantissem o pleno desenvolvimento da colônia,


tendo outra fonte de lucro além da venda das colônias.
O sócio Diniz Dias Filho era advogado e ex-deputado estadual pelo
Partido Liberal, o qual designou-se à gerência da empresa, seu irmão
José Annes Dias, morador e comerciante de Cruz Alta, era responsável
pela conta bancária da Colonizadora. Já o Coronel Serafim Fagundes da
Fonseca não ocupava, até onde conseguiu-se analisar, nenhuma posição
na empresa, porém a Colonizadora carrega seu nome, levando a crer que
ele contribuiria com seu nome, sua posição social e poder local e junto ao
PRR de Cruz Alta, para facilitar na compra de terras (privadas ou públi-
cas), agilizando os processos. Ele era proprietário de terras no Distrito
do Vallos, e por ser o chefe republicano deste distrito, onde a Colônia
General Osório foi fundada, pressupõe-se que Serafim Fagundes possuía
influência na área e conhecia os demais proprietários e as condições que
as propriedades estavam, isto é, se haviam construções, áreas de matas,
pastos, plantações ou criação de animais.
O contrato de sociedade ainda possuía uma cláusula sobre a liquida-
ção da empresa, levada a cabo os sócios concordassem em dissolvê-la, ou
caso um dos sócios viesse a falecer, como de fato aconteceu em 1904, com
a morte de Serafim Fagundes da Fonseca. Com isso cabia ao gerente rea-
lizar o balanço ativo e passivo, quitar todas as dívidas e dividir o capital
da Colonizadora entre todos os demais sócios e herdeiros do sócio falecido.
A Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA era a típica com-
panhia de colonização criticada por Herrmann Meyer, já que era concor-
rente direta dele, tendo por único empenho vender terras e lucrar com
isso, vendendo lotes o mais rápido possível, possuindo um moinho ou
casa comercial (Neumann, 2016).
O referido colonizador [Herrmann Meyer] criticou as demais companhias de
colonização particular atuantes no Rio Grande do Sul, suas concorrentes,
empenhadas apenas na especulação de terras, procedendo à venda dos lotes
coloniais, mas não uma infraestrutura mínima, como uma escola, a qual os
próprios colonos precisavam providenciar. Além disso, para essas empresas
era indiferente a nacionalidade dos colonos, desde que pagassem pelos seus
lotes (Neumann, 2015, p. 32).

142
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Não havia em sua infraestrutura casas comerciais, fundadas so-


mente a partir de 1903, ou escolas, que seriam construídas pelos próprios
colonos da Colônia General Osório entre 1906 e 1907 (Revista Ibirubá,
1990). Fica claro que, por mais que a Colonizadora vendesse aos colonos
produtos para a terra e para construção civil, além de industriais e ma-
nufaturados, o objetivo principal era a lucrar com a venda dos lotes da
Colônia.
Para formar a Colônia, a Colonizadora adquiriu terras em dois mo-
mentos: ao longo dos anos de 1898 e 1899, adquiriu terras de particu-
lares de Passo Fundo, Jaguarão e Cruz Alta, localizadas a margem es-
querda do Rio Jacuí; em 1904 foi realizada a compra de terras públicas
do governo do Estado. Para assegurar a posse incontestável da grande
propriedade, a Colonizadora realizou junto ao cartório de Cruz Alta o Re-
gistro Torrens5. O Registro Torrens é uma modalidade de sistema regis-
tral de propriedade imóvel rural, criado em 1858 na Austrália, e passou
a ser conhecido pelo nome de seu idealizador, o irlandês Robert Richard
Torrens. No Brasil, foi adotado no início do período republicano, com a
edição do Decreto 451-B, de 31 de maio de 1890. O Registro Torrens torna
a propriedade da terra incontestável, sob a garantia do Estado.
Em casos de disputas entre proprietários pela posse de terras, o Re-
gistro Torrens era incontestável, mas precisava respeitar a Lei de Terras
de 1850. Tanto a Lei de Terras quanto o Registro Torrens não informam,
na maioria das vezes, no título de legitimação e escritura de compra e
venda a extensão da área da propriedade. Essa prática pode ser credita-
da à ignorância ou interesse dos declarantes, com vistas a expandir seus
domínios ou livrar-se de possíveis contestações futuras, o que em muitos
casos gerava processos de duplo registro da mesma área (Ortiz, 2009).
Desta forma, possuindo capital para realizar o processo, a Empresa Co-
lonizadora Serafim Fagundes & CIA pretendia evitar possíveis contes-
tações a respeito da propriedade que compôs a Colônia General Osório.

5
Sobre o Registro Torrens, ver Costa (2021).

143
João Sand

As terras adquiridas pela Empresa Colonizadora Serafim Fagundes


& CIA limitavam-se à margem esquerda do Rio Jacuí, a Colonizadora fez
então um “mapeamento” dos proprietários das áreas desejadas, confor-
me a análise dos contratos de compra percebe-se uma semelhança entre
os vendedores.

Figura 1 – Trajetória das terras de particulares adquiridas pela Empresa Colonizadora Serafim Fagundes e
CIA

Fonte: Dados compilados pelo autor, a partir das escrituras de compra e venda de terras anexadas ao Registro Torrens
da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA.6

Como é possível observar, as terras de particulares adquiridas per-


tenciam a dois proprietários, a saber: Athanásio José de Oliveira e Manoel
Faustino Correa. Contudo, não foram compradas diretamente deles, mas
sim de seus herdeiros, como Ovídio José de Oliveira, Vidal José de Oliveira,
João de Oliveira, Polycarpo José de Oliveira, Santiago José Duarte e Ma-
noel Joaquim de Oliveira; ou sujeitos que haviam adquirido frações da área
e as revendem à Colonizadora, como é o caso de Emilio Ferraz de Campos

6
Pública Forma de translado de escritura de compra e venda. Documento do Registro Torrens
da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz
Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

144
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

que anteriormente havia adquirido as terras de Aurélia Maria de Oliveira,


e Cesário Portes Pimentel, que havia adquirido terras de Athanásio e de
Antônio Fernandes do Espirito Santo; ou ainda sujeitos que receberam as
terras como pagamento de dívida e mais tarde venderam, como é o caso
de Conceição Maria de Oliveira, com cujo marido, Athanásio possuía uma
dívida, e com a morte do sujeito, a dívida foi paga em terras que foi dividida
entre Conceição Maria de Oliveira e seu filho Geraldo Nunes Vieira. Essa
rede de parentesco entre proprietários fica evidente no caso das terras ad-
quiridas de particulares para compor a Colônia General Osório.
Ao confrontar diferentes documentos, como escritura, inventário, memorial
de medição, esses laços tornavam-se mais visíveis e acabavam remontando as
primeiras famílias ali estabelecidas e a circulação da propriedade de terras
nas mesmas (Neumann, 2016, p. 320).

Várias hipóteses podem ser levantadas a respeito dos motivos que


levaram os proprietários a venderem suas terras para a Colonizadora: a
primeira é que os proprietários receberam nas terras de herança, aqui
referindo aos herdeiros de Athanásio José de Oliveira e Manoel Faustino
Correa. Tendo em vista que não moravam na propriedade, mas sim em
Passo Fundo e Jaguarão, a venda para a Colonizadora foi uma oportu-
nidade de ganhar dinheiro com uma propriedade que não dava retorno
financeiro a seus donos. Dentro dessa mesma lógica podemos pensar que
esses sujeitos viram essa oportunidade de venda para poder investir em
outro lugar, adquirir terras mais próximas de onde moram ou de investir
em uma empresa; outra hipótese é que a Colonizadora pressiona após
a primeira compra, os proprietário ao redor para ampliar o espaço da
Colônia General Osório, podendo ser uma pressão política, tendo em vis-
ta que os sócios da Colonizadora estavam ligados a uma elite política
de Cruz Alta, como é o caso de Serafim Fagundes da Fonseca, líder do
PRR no Distrito dos Vallos. A respeito dessas propriedades que outrora
pertenceram a Athanásio José de Oliveira e Manoel Faustino Correa, e
que foram vendidas para a Empresa Colonizadora Empresa Colonizado-
ra Serafim Fagundes & CIA, tem-se os seguintes dados:

145
João Sand

Tabela 1 – Compra das terras e registro da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA
Vendedor (Particular) Data escritura Data registro Valor Pago (Rs.)
Manoel Joaquim de Oliveira 25/08/1898 17/02/1899 250$000
Emilio Ferraz de Campos 25/10/1898 17/02/1899 250$000
Polycarpo José de Oliveira 25/10/1898 17/02/1899 1:000:000
Geraldo Nunes Vieira 24/12/1898 17/02/1899 350$000
Santiago José Duarte 26/01/1899 20/02/1899 250$000
Dona Conceição Maria de Oliveira 06/02/1899 20/02/1899 150$000
Domingo Faustino Correa 11/02/1899 11/02/1899 8:000$000
Cesário Portes Pimentel 09/05/1899 24/05/1899 30:000$000
Fonte: Dados compilados pelo autor, a partir das escrituras de compra e venda de terras anexadas ao Registro Torrens
da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA.7

Nota-se na Tabela 1 que as terras pertencentes à Athanásio José de


Oliveira foram adquiridas por valores igual ou inferiores a Rs. 1:000$000,
novamente há uma exceção no caso de Cesário Portes Pimentel, do qual
a propriedade fora adquirida por Rs. 30:000$000, sendo a compra mais
cara de particulares, realizada pela Colonizadora. Já as terras que per-
tenciam a Manoel Faustino Correa foram vendidas por Rs. 8:000$000.
Cabe salientar que as terras de Manoel Faustino Correa, uma área de
10680000m², foram divididas entre Domingos Faustino Correa e Manoel
de Deus Dias. No dia 10/02/1899, Domingos adquiriu a metade dessa
área de Manoel pelo valor de Rs. 6:000$000, e no dia seguinte, 11/021899,
ambas as partes que formavam a área foram vendidas à Colonizadora
pelo valor de Rs. 8:000$000.
Além disso, nota-se que as negociações com os particulares já ocor-
riam antes da fundação da Colonizadora, como é o caso da compra de
Manoel Joaquim de Oliveira. Podemos supor então que, mesmo antes da
fundação, os sócios da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA
já realizaram um “mapeamento” dos proprietários de terras da região
onde viria a ser fundada a Colônia General Osório. Durante os anos de
1898 e 1899, a Colonizadora foi adquirindo as propriedades, contudo, o

7
Pública Forma de translado de escritura de compra e venda. Documento do Registro Torrens
da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz
Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

146
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

registro só seria feito em sua maioria durante o mês de fevereiro de 1899,


com exceção das terras de Cesário Portes Pimentel, última adquirida. E
pode-se pressupor que a Colonizadora deixou acumular de duas a quatro
escrituras por vez, para o registro junto ao cartório de Cruz Alta.
O que diferencia essas propriedades que elevam seus valores? De
maneira geral, o tamanho da propriedade, e a qualidade dela. Entretan-
to, os documentos não informam a área exata das propriedades adquiri-
das, com exceção da área de Domingo Faustino Correa, que possuía “uma
parte de matos e terras de cultura” de 1.068 hectares, sendo o valor pago
Rs. 7$49 por hectare. As demais propriedades são citadas como “partes
de matos”, podendo variar em “parte de matos e terras de cultura”, “par-
te de matos e capoeiras” e “parte de matos e terras de lavrar”. Dessa for-
ma, tem-se Polycarpo José de Oliveira (quatro partes de matos), Geraldo
Nunes Vieira (uma parte de matos e terras de cultura), Emilio Ferraz
de Campos e Manoel Joaquim de Oliveira (uma parte de matos e capoei-
ras), Dona Conceição Maria de Oliveira (uma parte de matos e terras de
lavradas) e Santiago José Duarte (uma parte de matos), percebe-se que
as terras com maior porcentagem de matos, ou constituídas apenas por
matos tinham um valor de em média Rs. 250$000.
O caso de Cesário Portes Pimentel se diferencia dos demais, já que
fora adquirido um sítio denominado São Carlos, o qual possuía em sua
propriedade: casas de madeira, galpões, engenho de serrar madeira, moi-
nho com todos os seus acessórios, cercados para lavouras, potreiros e
mais benfeitorias, matos, pastagens, capoeiras.8 Essas informações refor-
çam a hipótese de que as terras adquiridas dos herdeiros de Athanásio
José de Oliveira e Manoel Faustino Correa não tinham retorno financei-
ro, e que os proprietários não residiam no local.

8
Escritura pública de venda de um sítio – Primeiro Cartório do Notariado da cidade de Cruz Alta,
livro n° 41, folhas 77 a 89. 02/05/1899. Escritura de compra e venda; título de legitimação. Docu-
mento do Registro Torrens da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Sera-
fim Fagundes & CIA. Cruz Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

147
João Sand

Mesmo que as escrituras e registros não explicitem o tamanho das


terras, pressupõe-se que elas teriam a extensão por volta de 100 hecta-
res. Sabe-se que o tamanho da Colônia General Osório no final do proces-
so de Registro Torrens era de 142.354.728 m², ou seja, aproximadamente
14.235 hectares. Tendo em vista que as terras adquiridas do Estado do
Rio Grande do Sul tinham a extensão de 124.211.728 m², aproximados
12.421 hectares9, e que as terras adquiridas de Domingo Faustino Cor-
rea possuíam 10.680.000 m², ou seja, 1.068 hectares, restando 8.463.000
m², 846 hectares, os quais são as terras registradas sem citar a extensão.
Estes 846 hectares divididos pelos nove registros que não possuem infor-
mações do tamanho da propriedade, representam aproximadamente 94
hectares por escritura.10 Tendo em vista a variação do preço pago por elas
é provável que as propriedades também tivessem variados tamanhos,
o Sítio São Carlos adquirido de Cesário Portes Pimentel teve seu valor
elevado por conta, como já dito, de já possuir construções na propriedade,
criando a hipótese de que talvez neste local onde foram fixados os primei-
ros colonos até que construíssem suas moradias em suas colônias, sendo
esta então a sede da Colônia General Osório.
O empreendimento inicial da compra das terras de particulares
gerou um custo de 46.250$000, 46% do caixa ativo da Colonizadora de
Rs. 100:000$000. Estes gastos seriam cobertos conforme as colônias
fossem sendo vendidas. Juntando com o valor de compra das terras do
Estado do Rio Grande do Sul, a Colonizadora teve um gasto total de
Rs. 102:806$364. Um fato interessante é que após a demarcação das
terras, realizado pelo agrimensor Antonio Pimentel e os auxiliares, en-
genheiros Sebastião Avelino Fernandes Chagas e João Leivas de Car-

9
Escritura de venda de terras de cultura que faz o Governo do Estado a Empresa Colonizadora
Serafim Fagundes & CIA. Cartório do Notariado de Porto Alegre, livro nº114, folhas 37 a 38.
19/03/1904. Documento do Registro Torrens da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749,
M 120, E 63. APERS.
10
Pública Forma de translado de escritura de compra e venda. Documento do Registro Torrens
da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz
Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

148
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

valho, o valor total da propriedade de 143.354.728 m² da Colonizadora


era Rs.200:000$000, (dobrando o valor inicial investido pelos sócios da
Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA11.

Tabela 2 – Balanço ativo e passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA
ATIVO: TOTAL
Em dívidas ativas Rs.106:612$350
Em Semoventes Rs.1:200$000
Em imóveis Rs.52:500$000 Rs.160:312$350
PASSIVO:
A credores Rs.38:952$680
A Capital Rs.39:817$965
Lucros sujeitos a liquidação Rs.81:541$705 Rs.160:312$350
CARTA DE CAPITAL TOTAL
Ao sócio Diniz Dias
Capital realizado Rs.17:778$775
Sua quota de lucros a liquidar Rs.27:180$568 Rs.44:959$343
Ao sócio José Annes Dias
Capital realizado Rs.13:369$190
Sua quota de lucros a liquidar Rs.27:180$568 Rs.40:549$758
Ao sócio Serafim Fagundes da Fonseca
Capital realizado Rs.8:670$000
Sua quota de lucros a liquidar Rs.27:180$568 Rs.35:850$568
Fonte: Tabela de balanço ativo e passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, em liquidação, anexada ao
Inventário post-mortem do sócio Serafim Fagundes da Fonseca, Cruz Alta, 31 de outubro de 1904.12

Conforme observa-se na Tabela 2, com dados informados no inven-


tário post-mortem do sócio Serafim Fagundes da Fonseca, ao entrar em
liquidação em 1904, a Colonizadora teria em capital ativo, um total de
Rs. 106:612$350 referentes à venda de lotes para 64 colonos, sendo que
cada lote era vendido a Rs. 500$000. Ainda possuía Rs. 1:200$000 em se-
moventes (bois mansos e bestas mansas) e um “engenho de serra movido

11
Relatório de agrimensura. Antonio Pimentel, agrimensor, Cruz Alta, 30/7/1899. Certidão for-
necida em Cruz Alta, em 11/02/1905. Documento do Registro Torrens da Comarca de Cruz
Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz Alta, Cartório do
Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.
12
Balanço Ativo e Passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. 31/10/1904. In-
ventário post-mortem de Serafim Fagundes da Fonseca. Inventariante: Serafim Fagundes da
Fonseca; Inventariados: Maria Annes da Fonseca, Diniz Dias. Entrada do processo: 16/11/1904.
Cruz Alta. Cartório da Provedoria de Cruz Alta. N 46, M 3, E 64. APERS.

149
João Sand

para cereais, acessórios, casa e galpões, estes e aquelas em mau estado”


com valor avaliado em Rs. 5:000$000 e ainda tendo outros 95 lotes que
não haviam sido vendidos, totalizando Rs. 52:500$000.
Já no passivo, a Colonizadora tinha de pagar Rs. 38:952$680 refe-
rentes ao pagamento da compra de terras do Estado do Rio Grande do
Sul e, de Cesário Portes Pimentel, sendo Rs. 31:052$680 ao primeiro e,
Rs. 7:900$000 ao segundo. O Capital refere-se ao investimento dos só-
cios, conforme Tabela 3.

Tabela 3 – Capital investido pelos sócios da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA a serem pagos
Capital TOTAL
Pelo capital do sócio Diniz Dias Rs.17:778$775
Idem do sócio José Annes Dias Rs.13:369$190 Rs.39:817$965
Idem do sócio Serafim Fagundes da Fonseca Rs.8:670$000
Fonte: Tabela de balanço ativo e passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, em liquidação,
anexada ao Inventário post-mortem do sócio Serafim Fagundes da Fonseca, Cruz Alta, 31 de outubro de 1904.13

Por fim a sobra dos valores após quitação das dívidas deveria ser di-
vidida entre os três sócios da Colonizadora, os lucros a serem repartidos
entre os sócios seria Rs.27:180$568 a cada um. Não se possui dados do mo-
mento em que estes investimentos dos sócios foram feitos, crê-se que du-
rante os anos a empresa recebeu o capital dos sócios, para pagamentos de
dívidas ou aquisição de novas propriedades ou na manutenção da Colônia.
Com a Colônia General Osório já fundada e já recebendo algumas
famílias de migrantes vindos de Santa Cruz, Estrela, Cachoeira, Rio
Pardo etc., a Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA negociou,
em 1904, com o governo do estado para adquirir 12.421 hectares, de ter-
ras públicas próximas à Colônia. Sobre a venda de terras públicas, era
previsto pelo Decreto nº 313, de 4 de julho de 1900,

13
Balanço Ativo e Passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. 31/10/1904. In-
ventário post-mortem de Serafim Fagundes da Fonseca. Inventariante: Serafim Fagundes da
Fonseca; Inventariados: Maria Annes da Fonseca, Diniz Dias. Entrada do processo: 16/11/1904.
Cruz Alta. Cartório da Provedoria de Cruz Alta. N 46, M 3, E 64. APERS.

150
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Art. 40 – Os adquirentes de terras do Estado, situadas fora das zonas coloni-


zadas e não contiguas a estas, ficarão obrigados a inscreve-las sob o regime
do Registro Torrens dentro do prazo que lhes for marcado no ato da alienação,
sob pena de nulidade desta, sendo o preço neste caso restituído pela Fazenda
do Estado, com dedução de 25%. Feita a inscrição, os compradores deverão
exibir o título do registro afim de fazer-se na Secretaria de Obras Públicas a
conveniente anotação (Decreto nº 313, de 4 de julho de 1900).

O decreto nº 313 de 04 de julho de 1900 dispõe sobre o serviço de


terras públicas, legitimação de posses, medição, conservação e alienação
das terras devolutas. Em resumo, os artigos 21, 22 e 23, estão dentro do
segundo capítulo do decreto Do domínio público e particular e da legiti-
mação da posse, e referem-se à medição e demarcação das terras.
Pelas datas, pressupõe-se que o processo se refira a demarcação dos
lotes que seriam vendidos aos colonos, uma vez que as terras de parti-
culares já haviam sido adquiridas. Em 1904, a Empresa Colonizadora
Serafim Fagundes & CIA adquiriu cerca de 12.421 hectares de terras pú-
blicas, a quantia de terras adquiridas na totalidade seriam 14.734 hecta-
res, com a medição das terras foram excluídos do total de 23.143.000m²
de terra, cerca de 23.143 hectares. Destes, 19.143 hectares eram terras
particulares já adquiridas pela Colonizadora, e 4.000 hectares referentes
a posses que ainda não haviam sido legitimadas.
Saibam quando virem esta publica Escritura de compra e venda, que no ano
de mil novecentos e quatro da era cristã, dos dezenove dias do mês de Março,
nesta Cidade de Porto Alegre, Capital do Estado do Rio Grande do Sul, em
meu Cartório perante mim Notário e as duas testemunhas no fim nomeadas
e assinadas, compareceram, de uma parte, como Outorgante vendedora, a Fa-
zenda do Estado, representado por seu Procurador Fiscal e Direito do Con-
tencioso Doutor Antonio Marinho Loureiro Chaves, e, de outra parte, como
Outorgante Comprador, Serafim Fagundes e Companhia, representados por
seu sócio Diniz Dias, os próprios, conhecidos de mim e das testemunhas re-
feridas. E, pelo representante da Outorgante Vendedora me foi dito perante
as referidas testemunhas, que, em virtude de despacho de dezoito de março
coerente do Doutor Secretário de Estado interino dos Negócios da Fazenda,
exarada no ofício numerado quinhentos setenta e dois (572) da mesma data do
Doutor Secretário de Estado dos Negócios das Obras Públicas; vendia, como
efetivamente vendido tem por esta Escritura e na melhor forma de Direito,
nos termos do mesmo ofício, aos Outorgados Compradores, pelo preço de meio
real por metro quadrado, em moeda corrente, e sob as duas condições seguin-
tes, uma área de 124:211:728m² de terras situadas na serra do Jacuhy, a mar-

151
João Sand

gem esquerda do rio do mesmo nome, no terceiro distrito do município de Cruz


Alta, no lugar denominado Colônia General Osório, limitando-se, ao Norte
com terras particulares, a Leste com terras particulares e o arroio “grande”, a
Oeste com o rio Jacuhy e terras particulares e ao Sul com terras particulares,
excluídos já da área total de 147:354:728m² ali compreendida, não somente a
parcela de 19:143:000m² correspondendo a três posses tituladas que os Outor-
gados obtiveram por compra, mas também a de 4:000:000m² equivalentes as
posses sujeitas a legitimação.14

A Colonizadora pagou o total de Rs.62:105$364 pelas terras públi-


cas adquiridas, duas parcelas de Rs.15:526$466 haviam sido pagas em
julho e novembro de 1904, sendo pago até então Rs.31:052$932, 50% do
valor total da compra. No balanço ativo e passivo da Colonizadora, feito
durante à liquidação da empresa devido a morte de Serafim Fagundes
em 1904, consta que ainda havia a dívida de Rs.31:052:680.
A partir do que foi exposto, conclui-se até o momento que a Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA foi uma das que atuou no cenário
de colonização das terras de Cruz Alta, adquirindo terras de diversos
proprietários, porém em outros tempos essas diversas propriedades es-
tavam reunidas em apenas uma, que por conta de vendas, pagamento de
dívidas e heranças, acabaram se fragmentando, não possuindo retorno
financeiro para os proprietários, sendo a venda para a Colonizadora uma
oportunidade de receber dinheiro e comprar terras mais próximas de sua
residência ou de investir em outro negócio.

A liquidação da Colonizadora e o futuro da Colônia General Osório


Antes de partir para a análise da venda dos lotes da Colônia Gene-
ral Osório, é preciso saber o que aconteceu com a Empresa Colonizadora
Serafim Fagundes & CIA após a morte do sócio Serafim Fagundes da
Fonseca, em 1904. Como explicado anteriormente, o contrato de socie-
dade previa que, com a morte de um dos sócios a gerência deveria rea-

14
Pública Forma de translado de escritura de compra e venda. Documento do Registro Torrens
da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Cruz
Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

152
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

lizar o processo de liquidação, efetuando os cálculos do balanço ativo e


passivo da empresa e dividindo os lucros entre os sócios restantes e os
herdeiros de Serafim Fagundes.
O coronel não possuía filhos, sendo sua única herdeira sua esposa
Dona Maria Annes da Fonseca que herdou o seguinte patrimônio: al-
gumas moradias na cidade de Cruz Alta, todas mobiliadas; terras no
povoado de Santa Maria e Cadeado, suas terras localizadas no 3º dis-
trito de Cruz Alta, denominado Vallos; uma parte de suas propriedades
arrendadas; e os animais: 52 rezes de criar, 12 cavalos, 12 bois mansos,
350 ovelhas, 8 éguas, 1 reprodutor fino, 1 dito fino, 1 potrilho e 5 mulas
redomonas. Além de propriedades e animais, possuía capital nas ações
do Teatro Carlos Gomes, de valor mínimo de Rs.100$000 cada uma, e
com o balanço ativo e passivo da Colonizadora, recebeu a quantia de
Rs.35:850$568. Também havia de receber Rs.10:948$100 em dívidas ati-
vas, e Rs.9:214$600 referentes a venda de animais para Franklin Ve-
ríssimo. Em dívidas, devia um total de Rs. 76:093$150. Após a morte
de Serafim Fagundes e receber os lucros da Colonizadora, Dona Maria
Annes da Fonseca não se envolveu mais com a empresa.
No livro produzido pela comunidade evangélica da IECLB de Ibi-
rubá/RS, há um documento que indica a quem coube a responsabilidade
sobre a Colônia General Osório.
Escritura pública de doação de dois terrenos urbanos na sede da Colônia Ge-
neral Osório; 4 alqueires de terras situadas contíguas ao cemitério católico
existente na mesma Colônia; meio alqueire de terras onde se acha situados
Cemitério Protestante da mesma Colônia e um pequeno potreiro ou Piquete
situado próximo à Serraria à vapor da mesma Colônia que faz com outorgante
doadora a firma [Empresa Colonizadora] Dias & Dias, representada por seu
sócio Diniz Dias, e como outorgada donatária a comunidade protestante repre-
sentada pelos cidadãos Otto Arnold [pastor protestante], Henrique Christiano
Wohlenberg, Germano Schwanke, Frederico Bohrz e Carlos Karnopp como
abaixo se declara (Resgate Histórico, 2007, p. 17).

Três anos após a liquidação da Empresa Colonizadora Serafim Fa-


gundes & CIA, a Empresa Colonizadora Dias & Dias já atuava como Co-
lonizadora responsável pela Colônia General Osório. Não se teve acesso

153
João Sand

a mais documentos referentes a Empresa Colonizadora Dias & Dias, mas


é fato que a gerência ficou sob responsabilidade, novamente, de Diniz
Dias Filho. Ainda sobre a empresa, ela recebia investimentos dos fami-
liares dos sócios, como é o caso da esposa de José Annes Dias, Adelaide
Dias, que faleceu em 1909; o casal teve um filho chamado Sylvio, que
faleceu em 1907, portanto seu testamento previa que todos seus imóveis,
móveis e direitos a capital fossem divididos primeiramente na metade
com seu marido José Annes Dias, e a metade de sua parte fosse dividida
entre seu marido e seu pai Emigdio Bonorio, ou seja 25% da totalidade
dos bens do casal seria dividido entre José e Emigdio. No entanto, a parte
de seu pai seria dada na casa onde que o casal residia, em Cruz Alta, caso
o valor do imóvel não fosse o suficiente para pagar os 25%, José Annes
Dias pagaria em dinheiro o que faltar. Em seu inventário post-mortem
havia em imóveis, móveis e semoventes o valor total de Rs.31:900$000,
capital e lucros na Empresa Colonizadora Dias & Dias, sendo o valor
inventariado Rs.35:000$000. Esse valor como descrito, foi investido pelo
casal, e dívidas a receber no valor de Rs.5:000$000m totalizando o valor
de Rs.71$900:000, o qual Rs.35.950$000 já pertencia a José Annes Dias,
e do valor restante Rs.17.975$000 (25% do total) deveria ser pago a seu
pai Emigdio Bonorio15.
Como não se sabe o capital que a Empresa Colonizadora Dias &
Dias possuía, acredita-se que a sociedade possuía o mesmo capital da
Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, mas fica evidente que
diferente de Maria Annes da Fonseca, esposa de Serafim Fagundes, Ade-
laide Dias possuía uma participação no capital ativo juntamente com seu
marido José Annes Dias.
O sócio e gerente da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes
& CIA e da Empresa Colonizadora Dias & Dias, Diniz Dias Filho, fa-
leceu em 1909, seu inventário foi dividido entre sua esposa Elvina da

15
Juízo Distrital de Cruz Alta. N 53, M 3, E 64. Autos de Inventário. Inventariante José Annes
Dias, Inventariado Adelaide Dias. 1909. APERS.

154
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Motta Dias e seu filho Diniz Dias16. No inventário de Diniz Dias Filho
havia o capital da Empresa Colonizadora Dias & Dias, a qual entrou
em liquidação após a morte do sócio, sendo o valor total da sociedade
Rs.90:087$800, que deveria ser dividido após a liquidação da empresa.
O inventário total (excluindo o capital da Colonizadora em liquidação)
a ser dividido entre ambas as partes era de Rs.125.689$786, ficando
Rs.62:844$893 para cada um. O capital e lucros da liquidação da Empre-
sa Colonizadora Dias & Dias dividido ficou: para Elvina da Motta Dias,
Rs.32:155$306; e para seu filho Diniz Dias, Rs.48:794$896. Totalizando o
valor de Rs.80:950$202, sendo então repassado ao sócio José Annes Dias,
do valor total da liquidação, o valor de Rs.9.137.598.17
O Almanak Litterario e Estatístico de 1913 ao falar sobre a Colônia
General Osório, menciona a morte do sócio Serafim Fagundes, e a conti-
nuidade nos negócios de colonização dos irmãos Dias, e com a morte de
Diniz Dias, a Colônia ficou sob a direção de José Annes Dias. Diniz Dias
é visto como o verdadeiro fundador da Colônia, o que reforça a ideia de
que carregava o nome de Serafim Fagundes para conseguir facilidades
por conta de sua posição social e política em Cruz Alta.
General Osorio. – Colônia particular, a Leste da cidade, fundada em 1898, nas
matas do Jacuhy, pela firma social Serafim Fagundes & Companhia. Com o
falecimento do socio Fagundes, ficaram os sobreviventes, irmãos Diniz e José
Annes Dias com a sociedade, sob a razão social de Dias & Dias, atualmente em
liquidação pela morte do capitão Diniz Dias, que, aliás, pode ser considerado
como o verdadeiro fundador da colônia, onde sua falta é assaz sentida e seu
nome acatado com veneração. Hoje em dia esse importante núcleo acha-se
sobre a direção exclusiva do Sr. José Annes Dias, abastado capitalista desta
praça [Cruz Alta] (Almanak Litterario E Estatistico, 1913, p. 86).

No ano de 1915, aparecem em algumas edições do jornal Città di


Caxias: Periodico Settimanale D’Interesse Coloniale o anúncio de colô-

16
A família Dias possui em cada geração um Diniz Dias, nessa pesquisa o primeiro a aparecer foi
Diniz Dias, o Barão de São Jacob, seu filho Diniz Dias Filho, sócio da Empresa Colonizadora
Serafim Fagundes & CIA e da Dias & Dias, e seu filho Diniz Dias, sócio da Dias & Sobrinho, até
onde se conseguiu apurar, este último também possui um filho chamado Diniz Dias.
17
Juízo Distrital de Civil e Crime de Cruz Alta. N 462, M 10, E 62. Devolução de Herança. Inven-
tariante Diniz Dias, Inventariado Elvina V. da Motta Dias. Autos de Inventário. Inventariante
Diniz Dias, Inventariado Diniz Dias. 1921. APERS.

155
João Sand

nias à venda na Colônia General Osório, no novo núcleo, 15 de Novem-


bro. O anúncio era feito pela Empresa Colonizadora Alberto Schmitt &
CIA, e possuía 200 lotes de 242 m² cada.
EXCELENTE COLÓNIA “GENERAL OSÓRIO”

25km de distância. da cidade de Cruz Alta.


Núcleo “15 Novembro” Município de Cruz Alta, com ainda 200 lotes coloniais
de 242m² cada.
Os títulos referentes às referidas terras encontram-se integralmente legaliza-
dos nesta Companhia.
Os compradores têm o prazer de ir aos escritórios: da colônia “Rio do Peixe 7
Setembro” ao Sr. “Otto Koelher” ou da colônia “General Osório” na localidade
“15 Novembro”, ao Sr. “Guilherme Foltz” que eles estão autorizados a mostrar
as terras e realizar os contratos.
Informações mais detalhadas são fornecidas pelo escritório da Cruz Alta e
pelo representante de Caxias, Sr. Giacobbe Brunetta que possui mapas muito
perfeitos que mostram a situação dos “lotes” e outras instruções convenientes
para os interessados ​​que desejam visitar as colônias e comprar terra.
Endereço telegráfico
Colonizadora Cruz Alta 18

Em setembro 1923 foi realizado o inventário e partilha dos bens de


José Annes Dias, que havia falecido em fevereiro do mesmo ano. Como
não possuía herdeiros diretos, o inventário foi dividido entre: sua irmã
Anna Dias da Fonseca, representada pelo seu filho Pacífico Dias da Fon-
seca; sua irmã Josephina Dias da Paixão; seu sobrinho filho de seu irmão
Diniz Dias Filho, Diniz Dias; seus sobrinhos, filhos de sua irmã Angélica
Annes Dias, Israel Dias Domingues, Angélica Domingues Martins, casa-
da com Francisco Antônio Martins, Josephina Domingues Kruel, casada
com Leopoldo Kruel, Dalila Domingues Araujo, casada com Theodolino
do Amaral Araujo, Stella Domingues Kruel, casada com João Carlos
Kruel e Anna Dias Domingues, casada com José Schinetscki.
O que nos interessa no inventário de José Annes Dias é a liquidação
da firma que tinha em sociedade com seu sobrinho Diniz Dias, a Dias &
Sobrinho, o capital da empresa liquidada foi de Rs.44:105$050.19
18
Tradução livre do autor. Fonte: Città di Caxias: Periodico Settimanale D'Interesse Coloniale,
26/04/1915. Disponível em: Hemeroteca Digital Nacional. Ainda há no mesmo anúncio a oferta
de terras da Colônia Rio do Peixe e da Colônia Colorado.
19
Cartório do Civil e Crime. N 2570, M 79, E 63. Inventário amigável. Inventariante Anna Dias
da Fonseca, Inventariado José Annes Dias. 1923. APERS.

156
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Os outorgantes declaram que se acham liquidados os negócios da firma Dias


& Sobrinho, formada entre o inventariado e seu sobrinho Diniz Dias, pelo que
declaram que fica este desobrigado de qualquer prestação de contas, referente á
mesma sociedade, que fica sendo considerada, para todos os fins de direito, como
dissolvida, e o mesmo socio sobrevivente desonerado de toda e qualquer respon-
sabilidade referente a mesma firma, para com os herdeiros do socio falecido.20

Também vale destacar que José Annes Dias possuía sete lotes na
Linha 7 da Colônia General Osório, no valor de Rs.4:500$000 cada um,
um lote na Linha Jacuhy no valor de Rs.4:500$000, dois lotes no Polígo-
no 7, no valor de Rs.2:500$000, no perímetro urbano da Colônia possuía
três terrenos no valor total de Rs.546$430. Possui também na Colônia 24
alqueires de terra em litígio, sob valor total de Rs.2:000$005. Esses lotes
foram divididos entre seus herdeiros.
Portanto, pode-se perceber que após a morte do sócio Serafim Fa-
gundes da Fonseca, a Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA
entrou em liquidação e em seu lugar surge a Empresa Colonizadora Dias
& Dias, com os dois sócios os irmãos Diniz Dias Filho e José Annes Dias.
Após a morte de Diniz Dias Filho, surge a Empresa Colonizadora Dias
& Sobrinho, agora composta por José Annes Dias e seu sobrinho Diniz
Dias. Nesse meio tempo a Empresa Colonizadora Alberto Schmitt & CIA
começou a vender terras no núcleo 15 de Novembro da Colônia General
Osório. Após a morte de José Annes Dias, a Empresa Colonizadora Dias
& Sobrinho entra em liquidação, não sendo possível saber se seu sobri-
nho Diniz Dias continuou com o negócio de companhias de colonização.

A medição e venda dos lotes


Para realizar a medição da Colônia General Osório foi enviado o
agrimensor Hjalmar Tufvesson, auxiliado por Erhardt Mertel e Peter
Nicknich (Revista Ibirubá, 1990, p. 06). Essa medição se deu nas terras
adquiridas de particulares e em 1904 foram anexadas ao Registro Torrens
as terras públicas adquiridas. Em seu relatório de medição descreve:
20
Cartório do Civil e Crime. N 2570, M 79, E 63. Inventário amigável. Inventariante Anna Dias
da Fonseca, Inventariado José Annes Dias. 1923. APERS.

157
João Sand

O imóvel em referência constitui um vasto complexo de terras lavradias com ma-


tos e capoeiras situado a margem esquerda do rio Jacuhy, terceiro distrito des-
te município, e abrange uma serraria servida por motor hidráulico, diversas e
grandes casas de moradia, galpões para deposito de madeiras e onde funciona a
mesma serraria e ainda muitas e pequenas casas e paióis para deposito de cereais
situadas em mais pontos do imóvel e desta cidade cinquenta quilômetros mais
ou menos, possui estradas de rodagem magnificas. As referidas terras, loteadas
e cultivadas em grande extensão são de uma uberdade extraordinária prestan-
do-se admiravelmente para cultura da vinha, cana de açúcar, trigo, arroz e todos
os cereais aclimáveis nesta zona. São abundantemente regados por caudalosos
rios e arroios onde se encontra força hidráulica para movimentar mecanismos ou
engenhos, mesmo aqueles que demandam de propulsor extraordinário21.

O fato de haver serrarias e o aproveitamento dos rios e arroios indica


que não necessariamente o colono que se instalasse na Colônia General
Osório precisaria conseguir seu sustento da terra, além de também in-
dicar a existência de moradias grandes e pequenas na Colônia, algumas
já existentes antes da compra pela Colonizadora, adquiridas juntamente
com as terras de Cesário Portes Pimentel, outras construídas pelos co-
lonos, além de galpões onde poderiam armazenar suas ferramentas e os
excedentes da produção.
A proximidade com Cruz Alta e as estradas que ligavam a sede do
município também demonstram o estabelecimento de relações da Colô-
nia com a sede. Sobre o solo, o agrimensor considera muito fértil devido
às condições climáticas e a proximidade dos rios e arroios. Conclui o re-
latório avaliando o imóvel em Rs.200:000$000, e que a Colônia possuiria
um “futuro extraordinário”.
Os proprietários deste imóvel Tenente Coronel Serafim Fagundes da Fonse-
ca, Advogado Capitão Diniz Dias e comerciante José Annes Dias membros
componentes da firma social Serafim Fagundes & Companhia, fundaram em
dito imóvel a colônia particular que denominaram “Colônia General Osório”
que promete um futuro extraordinário, não só pelas condições naturais antes
mencionadas como também pela amenidade do clima em tudo igual do da
esplêndida região Serrana.22

21
Memorial de agrimensura apresentado por Hjalmar Tufvesson, 11/01/1905. Documento do Re-
gistro Torrens da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagun-
des & CIA. Cruz Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.
22
Memorial de agrimensura apresentado por Hjalmar Tufvesson, 11/01/1905. Documento do Re-
gistro Torrens da Comarca de Cruz Alta. Requerente: Empresa Colonizadora Serafim Fagun-
des & CIA. Cruz Alta, Cartório do Civil e Crime, 1905, N 3749, M 120, E 63. APERS.

158
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

A respeito dos lotes coloniais, os tamanhos variavam entre 25 e 48,4


hectares cada23, conforme consta no balanço ativo e passivo, havia 95
colônias de 48,4 ha cada, que não foram vendidas, o que totaliza 4.598
ha de terras24. No Registro Torrens consta que a Colônia General Osório
possuía a área de 14.235 ha, dessa forma haviam sido vendidos até 31 de
outubro de 1904, 9637 ha de terras. Há informações apenas do valor dos
lotes de 48,4 há, Rs.500$000, já sobre os de 25 ha, não há informações.
Contudo, Zarth (1997), ao tratar do preço dos lotes coloniais, apresenta
um valor de Rs.15$000 por hectare.
Se, no período imediatamente anterior ao da criação de núcleos coloniais e da
construção da ferrovia, a terra de cultura ou de matos tinha um preço irrisó-
rio, a partir desses eventos os seus preços cresceram enormemente. Em 1901,
na colônia de Cadeado, um hectare valia cerca de quatorze mil réis; em Ijuí,
colônia próxima, em 1913 os preços atingiam a média de cinquenta mil réis o
hectare; em 1926, os números indicam valores de 15 mil e 214 mil réis na co-
lônia General Osório, com condições idênticas às daquelas (Zarth, 1997, p. 68).

Considerando que os dados de Zarth (1997) a respeito da Colônia Ge-


neral Osório referem-se a 1926, considera-se o valor por hectare igual ao
da Colônia de Cadeado; assim, cada hectare valia Rs.14$000 e, portanto,
uma colônia com 25 ha custava Rs.350$000. Os colonos adquiriam, em
sua maioria, grandes quantidades de terras, nos dados de devedores da
Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, é possível identificar
diversos sujeitos que adquiriram vários lotes coloniais, como é o caso de
João Wolmeister, que em 1904 devia para a Colonizadora Rs.7:700$000.
Pode-se pressupor que ele adquiriu, no mínimo, 15 colônias de 48,4 ha
cada, ou 22 colônias de 25 ha cada, ou ainda possa ter adquirido uma
grande área sem se importar com o valor das colônias, mas pelos valores
pagos é possível afirmar que João Wolmeister adquiriu no mínimo 500 ha.
Vale ressaltar que não se pode concluir qual o tamanho total da compra,
visto que era o valor que João Wolmeister devia em 31 de outubro de 1904.
23
Algumas colônias eram de 20 alqueires, sendo que cada alqueire equivale a 2,42 ha.
24
Balanço Ativo e Passivo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. 31/10/1904. In-
ventário post-mortem de Serafim Fagundes da Fonseca. Inventariante: Serafim Fagundes da
Fonseca; Inventariados: Maria Annes da Fonseca, Diniz Dias. Entrada do processo: 16/11/1904.
Cruz Alta. Cartório da Provedoria de Cruz Alta. N 46, M 3, E 64. APERS.

159
João Sand

A Colônia General Osório não foi uma grande receptora de imigran-


tes, mas sim dos descendentes destes, a partir da segunda geração. Con-
forme Roche (2022, p. 343), das 500 famílias instaladas na Colônia em
192625, 91,8% migraram das antigas Colônias alemãs; 3,3% das antigas
Colônias italianas; 4,2% de Colônias da região do Alto Jacuí; e 0,7% eram
imigrantes alemães.
General Osório acolheu os descendentes deles [dos imigrantes alemães] a par-
tir da segunda geração brasileira, isto é, de trinta a quarenta anos depois da
imigração. Ainda de trinta a quarenta anos começava a nova migração, desta
vez de General Osório (Roche, 2022, p. 356).

Essas migrações se davam, em sua maioria, por membros da mes-


ma família, como por exemplo a família Adiers - em 1900 Albert Adiers,
Robert Adiers Sobrinho e Karoline Adiers migraram de Santa Cruz e se
instalaram na sede da Colônia. Em 1901, Wilhelm Adiers também mi-
grou, mas se instalou na Linha 3. Esse processo de migrações familiares
fica evidente no caso da Colônia General Osório, pois muitos familiares
acabavam migrando em conjunto para uma nova Colônia, mas não ne-
cessariamente famílias se instalariam na mesma linha, ou na colônia ao
lado, mas buscavam estreitar os laços de parentesco.
A periodicidade deste movimento, portanto, aparece claramente, assim como
seu caráter familiar, visto que, em 1926, encontramos, de um lado, muitos
irmãos em uma mesma Linha, e, de outro lado, em Linhas próximas, vários
chefes de família portadores do mesmo nome e parentes chegados: 2 Lamb, 2
Krantz, 2 Wetzel, 3 Class, 4 Braatz, 5 Horsts… (Roche, 1969, p. 362).

Jean Roche (2022), buscou exemplificar o mecanismo da enxama-


gem a partir da Linha 5 da Colônia General Osório. Traçando a trajetó-
ria de 20 famílias, desde a chegada do antepassado imigrante no Brasil,
a instalação em General Osório, e novamente a migração interna para
novas Colônias. Um dos casos de migrações familiares rumo à Colônia
General Osório, analisado por Roche (2022) é a família Garmatz.

25
Esse número corresponde apenas às famílias de membros da comunidade evangélica de Ibiru-
bá/RS, em 1926.

160
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

As famílias nº 7, 8 e 9 são as de Arthur, Carl e Richard Garmatz, cujo pai


emigrara da Pomerânia para Rio Pardinho (Santa Cruz), em 1867. Os três
irmãos fixaram-se em General Osório no ano de 1902. Arthur teve 3 filhos,
todos agricultores. O filho mais moço era solteiro em 1950, a filha esposara o
colono Edgar Freitag e vivia com o irmão e o pai, que comprou a propriedade
de Carl (lote nº 8), falecido; nesse meio-tempo Carl teve 8 filhos, 4 varões e 4
mulheres. Duas filhas casaram com colonos dos arredores, a terceira seguiu
com o marido para Palmeira em 1948, a quarta casou em Porto Alegre. Um
dos filhos esposou uma filha de colono da vizinhança e vive com o sogro na Li-
nha IV; o segundo, desde 1935, é marceneiro em Cruz Alta; o terceiro, empre-
gado no comércio, em Porto Alegre, desde 1947; o quarto, professor primário,
desde 1946, na Linha V. Richard, o último dos três irmãos Garmatz, também
falecido, teve 10 filhos, 7 varões e 3 mulheres. Um menino e uma menina
morreram; os sobreviventes são todos agricultores; o mais moço vive no lote
paterno, 5 filhos instalaram-se na Linha Arroio Grande (pequena migração),
uma das filhas vive em Três Passos desde 1941, e a outra, a partir de 1947, em
Santa Rosa (Roche, 2022, p. 357-358).

Os três irmãos se instalaram na Linha 5 da Colônia, em 1902 ainda


se instalou na Linha Baixa Arroio Grande Waldemar Garmatz, vindo de
Rio Pardinho, e em 1903, Karl Garmatz Filho, também de Rio Pardinho,
se instalou na Linha 4. Fica evidente nesse caso a ligação pelo sobrenome
das famílias, que muitas vezes pode ser o fator decisivo para migrar para
outra Colônia.
Desta forma, as migrações internas, tais como pudemos estudá-las em Gene-
ral Osório, estão bem ligadas à sucessão das gerações numa mesma proprieda-
de. Não somente são periódicas, mas também de famílias, pois que estão con-
dicionadas pela conservação do lote paterno e pelos casamentos dos filhos, dos
irmãos e das irmãs. Ordinariamente dois ou três irmãos emigram juntos ou
se encontram na nova colônia, estreitando, assim, os laços de parentesco, cujo
nó permanece mantido pela casa paterna, onde ficou o mais moço dos filhos,
que assegura, com a guarda dos velhos pais, a conservação de uma coesão ao
mesmo tempo afetiva e social. É, portanto, no quadro de uma ou duas famílias
escolhidas pela sua antiguidade e pela sua disseminação que convém precisar
as características da enxamagem (Roche, 2022, p. 360).

A Colônia General Osório teve seus lotes adquiridos por diversas


famílias oriundas das antigas Colônias alemãs e italianas, muitas vezes
um mesmo sujeito adquiria vários lotes de uma só vez, seja para dividir
entre seus filhos ou para revender futuramente. Os lotes eram adqui-
ridos diretamente da Colonizadora, e variavam entre 25 a 50 hectares.
É comum ver na Colônia General Osório vários sujeitos de uma família

161
João Sand

migrando para a mesma linha, ou famílias com o mesmo sobrenome que


se instalaram na Colônia em outra linha.

Considerações finais
A região do Planalto Rio-grandense foi palco de diversos empreen-
dimentos de sociedades de colonização particulares, no final do século
XIX, que atendiam à demanda e aos interesses da municipalidade de
Cruz Alta. Contribuindo para regularização da posse da terra, formação
do minifúndio e produção de subsistência para abastecer a sede do mu-
nicípio. Dentre os complexos coloniais formados por essas empresas de
colonização, uma delas foi, a Colônia General Osório, obra da Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA. Essa Colonizadora adquiriu ter-
ras particulares e públicas, as dividiu em lotes que variavam de 25 hec-
tares e 50 hectares, e os vendeu para colonos vindos principalmente das
antigas zonas de colonização alemã e italiana. Tratava-se de um negócio
de compra e venda de terras, auferindo lucros.
O desmonte do latifúndio transparece nessa transação. As terras
particulares adquiridas pela Colonizadora faziam parte de duas gran-
des propriedades pertencentes a Athanásio José de Oliveira e Manoel
Faustino Corrêa, após a morte destes sujeitos suas terras foram dividi-
das entre seus herdeiros e credores. A Colonizadora reuniu estas terras
em uma grande propriedade novamente, fragmentando-a e revendendo
em pequenas colônias, multiplicando assim o valor da terra e dos seus
lucros. Para evitar incômodos com reivindicações e conflitos envolvendo
terras, a Colonizadora realizou o Registro Torrens, o qual asseguraria a
propriedade da terra em suas mãos, em um momento ainda de proprie-
dade precária da terra.
Com a morte do sócio Serafim Fagundes da Fonseca, em 1904, e a
extinção da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, os sócios
restantes, José Annes Dias e Diniz Dias, formaram a Dias & Dias, a qual
possuía o mesmo objetivo da antiga empresa. E após a morte de Diniz

162
A atuação da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & Cia, na região do Planalto Rio-Grandense, 1898-1904

Dias, em 1909, considerado o verdadeiro fundador da Colônia General


Osório, seu filho, também Diniz Dias, forma com seu tio a Dias & Sobri-
nho, que passa a administrar a Colônia. No final, todos morreram.
O estudo da Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, ou
melhor, das Colonizadoras que administraram a Colônia General Osó-
rio, contribui para compreender o processo de migração para as novas
Colônias do Planalto Rio-grandense, as relações entre os proprietários
de Cruz Alta e Passo Fundo e os empreendimentos coloniais de Coloniza-
doras particulares ou de sujeitos particulares. Também é possível identi-
ficar interesses políticos por trás dos processos de colonização, e como as
elites políticas articulavam-se em trocas de favores, no caso da Empresa
Colonizadora Serafim Fagundes & CIA podemos ver o interesse do PRR
de Cruz Alta em desenvolver a Colônia General Osório para assegurar os
votos do partido nas eleições.
Portanto, Colônia General Osório foi um grande investimento da
Empresa Colonizadora Serafim Fagundes & CIA, conforme foi crescen-
do e se desenvolvendo, mudou seu nome para Ibirubá e emancipou-se
de Cruz Alta em 1954. Hoje o município é um polo da indústria de im-
plementos agrícolas, tornando-se foco de movimentos pendulares, onde
muitos trabalhadores de Cruz Alta e região se dirigem diariamente para
o município de Ibirubá para trabalhar.

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a importação de um ideal econômico australiano para o Brasil. São Paulo. 2021.
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163
João Sand

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164
Reflexões sobre pequenos núcleos
coloniais particulares no Planalto
Rio-grandense (1897-1938)

Kalinka de Oliveira Schmitz

Introdução

A
colonização no Rio Grande do Sul ocorreu de diferentes formas
desde seu início. Inicia-se com os projetos públicos1 de São Leo-
poldo (1824), Três Forquilhas e São Pedro de Alcântara (1826),
ou alguns anos depois com os projetos particulares2 como Mundo Novo
(1846) – criada por Tristão Monteiro –, Nossa Senhora da Soledade
(1855) – criada pela empresa Montravel & Cia –, ou a Colônia São Lou-
renço (1858) – criada por Jacob Rheingantz. A partir de tais exemplos, é
possível observar que a colonização de iniciativa particular, seja por em-
presa ou por indivíduos, teve seu início após algumas décadas do início
desse processo no Estado.
Tal descompasso entre o início da colonização pública e da inserção
da iniciativa privada pode ter contribuído para a maneira como os em-
preendedores particulares desenvolveram seus projetos, visto que esta-
1
Sobre esses primeiros projetos públicos de colonização, destacamos as obras de Marcos Justo
Tramontini (2000) sobre São Leopoldo, e de Marcos Antônio Witt (2015) sobre a colonização no
mega espaço São Leopoldo – Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
2
Quanto à estudos sobre colonização particular desse período, apontamos para consulta as obras
de Patrícia Bosenbecker (2017) envolvendo a família Rheingantz que abarca a criação da Colô-
nia São Lourenço e o livro de Júlia Leite Gregory (2021) sobre a colonização privada no Vale do
Taquari.
Kalinka de Oliveira Schmitz

vam como observadores do que ocorria nos projetos públicos. Com um


cenário colonizatório já mais bem desenhado, e possuindo o Estado uma
população colonial crescente, contando também com a entrada constante
de imigrantes – em suspensão apenas durante o período da Guerra Civil
Farroupilha –, quem possuísse o interesse em ingressar no negócio lu-
crativo que a colonização se tornava, poderia tomar os projetos públicos
como exemplos, do que fazer e do que não fazer em seu próprio empreen-
dimento.
Dessa forma, desde que surgiram os primeiros núcleos coloniais
criados por particulares, ocorreu um crescimento da ocorrência de tais
projetos ao longo da segunda metade do século XIX e principalmente ao
final deste século e o período da Primeira República. Cabe mencionar
projetos coloniais como o complexo colonial de Neu-Württemberg cria-
do por Herrmann Meyer (1897-1898) (Neumann, 2016), General Osó-
rio (1898) (Sand, 2021) ou ainda a colonização empreendida pela Jewish
Colonization Association com os núcleos Filipson e a Fazenda Quatro
Irmãos, iniciadas no início do século XX, a primeira na região central do
Estado e a segunda na região Norte do Rio Grande do Sul (Gritti, 2013).
Considerar que havia uma observação realizada por particulares so-
bre a colonização pública iniciada primeiro, pode ajudar a compreender o
fato de que a maior movimentação particular no campo colonizatório no
Rio Grande do Sul tenha ocorrido após esse processo chegar no Planalto,
a partir dos anos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX.
A colonização particular foi superior numericamente, em comparação à
criação de projetos públicos de colonização: até 1924, cerca de 80% dos
projetos eram da iniciativa privada. Ocorre, contudo, que mesmo dian-
te de tal preponderância numérica, a área colonizada por tal iniciativa
era inferior àquela dispendida pelo poder público em seus projetos (Neu-
mann, 2016).
A partir de então, com a oferta de lotes coloniais em projetos pú-
blicos ou em projetos particulares, os imigrantes e seus descendentes

166
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

poderiam ser atraídos ou optarem por diferentes ideias de colonização,


partindo de seus próprios interesses, ou ainda do fato de possuir ou não
conhecidos/familiares já instalados em alguma Colônia3 sul rio-granden-
se. Acompanhando a maneira como a colonização pública se desenvolvia,
e ciente das possibilidades de lucro que viria da entrada num mercado
de terras que se fortalecia no momento, indivíduos ingressaram em tal
nicho, atuando individualmente ou a partir da criação de empresas de
colonização.
As empresas e particulares que se envolviam em tal negócio, po-
deriam firmar acordos com o governo para a concessão de terras coloni-
záveis mediante o comprometimento dos particulares em arregimentar
imigrantes na Europa e trazê-los para a então Província de Rio Grande
de São Pedro, dentro de determinado período. Outras maneiras de ad-
quirir terras para colonizar era a compra de terras junto ao governo, ou
ainda adquirir tais porções junto a grandes proprietários, quando não
utilizando áreas já próprias (Cem Anos, 2005). Por conta da forma como
adquiriam as terras para seus empreendimentos, e sem muita possibi-
lidade de expandir a área original – e ter novos ganhos no mesmo em-
preendimento –, os fundadores dos núcleos coloniais se retiravam quando
se realizava a venda total dos lotes disponibilizados por eles (Neumann,
2016).
Por mais que Theodor Amstad (2005) tenha expressado que a vanta-
gem da colonização particular fosse a rapidez com a qual era executada,
com custos menores que a colonização pública e principalmente para ele,
observassem uma separação étnica e confessional, são características
que podem ser ao menos questionadas. Obviamente, a defesa de uma
colonização homogênea étnica e confessional faz sentido considerando o
mote da obra e o contexto ante o qual ela fora produzida – seu autor ser
um padre alemão que produziu a obra para o centenário da imigração

3
A utilização do termo Colônia, em maiúsculo, faz referência aos projetos de colonização. Por
seu turno, quando estiver em minúsculo – colônia –, estaremos nos referindo aos lotes coloniais
que compunham o todo maior que era a Colônia.

167
Kalinka de Oliveira Schmitz

alemã, tendo como pano de fundo conflitos mundiais envolvendo também


a Alemanha (2005, p. 7).
Ainda assim, a relativa maior rapidez e menores custos do empreen-
dimento poderiam acabar resultando em ônus para aqueles colonos que
se instalassem em tais projetos. Muito embora projetos particulares pu-
dessem ofertar infraestrutura e serviços públicos básicos, havia aqueles
que, por serem pequenos projetos em sua maioria, seus fundadores pode-
riam não possuir meios ou não ter interesse em realizar o melhor aten-
dimento aos compradores de lotes. A rapidez com que tais projetos pode-
riam ser concluídos, bem como o fato de que, findada a venda de lotes, os
indivíduos que administravam os núcleos coloniais se retiravam, poderia
deixar os colonos sem o amparo devido caso fossem acometidos por doen-
ças ou problemas que afetassem a produção agrícola e seu sustento.
Com isso, ainda que a colonização pública possuísse diversos proble-
mas em sua execução, poderia ofertar aos colonos um maior atendimento
de suas necessidades, além de menores preços por lotes, bem como dife-
rentes possibilidades de pagamento. O fato que depreciava o empreendi-
mento público ante os olhos de muitos colonos eram justamente os últi-
mos pontos levantados por Amstad, o caráter misto de sua colonização.
É em partes decorrente dessa preferência em se assentar em Colônias
formadas por pessoas da mesma origem ou confissão religiosa, que além
da elevação do preço da terra no Rio Grande do Sul ao longo da Primeira
República, e da ainda disponível oferta de lotes em projetos públicos,
houvesse aqueles que optassem por migrar para a nova frente de coloni-
zação que iniciava no oeste catarinense (Schmitz, 2021).
De qualquer maneira, ambos os tipos de colonização – pública ou
particular – possuíam ônus e bônus, a depender de inúmeros fatores que
incidiam sobre esses projetos, seus administradores e os colonos que da-
vam movimento ao processo colonizatório que ocorreu. Devido às carac-
terísticas de cada um, poderiam atrair mais ou menos a população colo-
nial, independendo igualmente da extensão de cada projeto, sendo muito

168
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

mais importante as possibilidades de pagamento dos lotes coloniais e as


condições de reprodução sociocultural dos colonos, com a disponibilidade
de amigos e familiares adquirirem lotes próximos ou a oferta de serviços
religiosos e culturais.
Na região do Planalto rio-grandense, o interesse pela instalação de
núcleos coloniais, com o argumento principal sendo a produção alimentí-
cia, já era observado desde 1877, quando a câmara de Cruz Alta solicita-
va a ida de colonos para aquele município (Zarth, 1997; Neumann, 2012).
Formada principalmente por propriedades voltadas para a pecuária, e
com a agricultura sendo praticada em menor escala pelos lavradores na-
cionais, havia uma preocupação para com a produção e oferta de alimen-
tos para a população urbana do município. Havia igualmente, a existên-
cia de vastas áreas de matas que não estavam sendo utilizadas, por não
se adequarem à principal atividade econômica do município, a pecuária.
Tal cenário de subutilização de áreas de mata em grandes proprieda-
des, que depois do avanço da colonização são destinadas ao loteamento, é
uma das hipóteses para o surgimento das Colônias Coqueiros e Xadrez,
bem como, provavelmente, dos outros dois empreendimentos, visto ser a
lógica empregada em outros projetos coloniais que já estudados.
Por mais que houvesse tal interesse, as dificuldades de deslocamen-
tos de pessoas e principalmente de produtos, era um fator de entrave
para a criação de Colônias em regiões mais distantes de onde a colo-
nização ocorria no momento. Com a expansão gradativa, o movimento
colonizatório chega no Planalto a partir da década de 1890, quando há a
criação tanto de núcleos particulares quanto de núcleos públicos4, que
passam a serem vetores de transformações do cenário agrário que era
observado até então. Desde a criação de tais núcleos, inúmeros outros
surgiram e contribuíram em alguma medida para as alterações observa-
das em torno da propriedade da terra.
4
Desse início do processo colonizatório no Planalto rio-grandense, citamos aqui algumas Colô-
nias: Ijuí (1890), Guarita (1891) (colônias públicas); General Osório (1898) e Neu-Württemberg
(1898) (colônias privadas). O número, porém, de Colônias criadas ao longo da Primeira Repú-
blica, vai muito além das citadas aqui.

169
Kalinka de Oliveira Schmitz

Esse espaço, onde ocorre a aplicação de tais projetos de vendas de


terras a colonos e outros interessados em adquirirem lotes de terra, faz
parte do todo maior da região do Planalto rio-grandense que observava o
fortalecimento da colonização desde os últimos anos do século XIX. Dessa
forma, além do interesse em capitalizar terras que poderiam não estar
sendo utilizadas de maneira que dessem retorno financeiro, havia vários
exemplos de outros núcleos de colonização na região, de maneira que
possa ter ocorrido inspiração ou tomada de exemplo sobre como proceder
com áreas agricultáveis, mas subutilizadas nas grandes propriedades a
que faziam parte.

Mapa 1 – Localização dos municípios de Carazinho e Passo Fundo atualmente

Fonte: Produzido pela autora. Site: mapchart.net

A partir do mapa acima, além de observarmos a localização e a pro-


ximidade dos dois municípios, de maneira a melhor ilustrar o espaço

170
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

onde as colonizações citadas ocorriam. Possibilita refletir sobre a circula-


ção que poderia ocorrer, visto a ligação existente por muito tempo entre
os, agora, dois municípios.
Isto posto, o presente artigo visa refletir sobre empreendimentos de
colonização particulares que não necessariamente possuíam um projeto
específico, extensão considerável ou documentações diversas para serem
utilizadas por pesquisadores, mas que ainda assim contribuíram no pro-
cesso de colonização de áreas no Norte do Rio Grande do Sul, juntamente
com projetos melhores estabelecidos seja de particulares ou do governo
estadual. Para tal, partiremos nossa reflexão a partir das seguintes Colô-
nias: Dona Júlia (1897); Tamandaré (1915); Colônia de Coqueiros (1928)
e Colônia Xadrez (1938). Em comum, tais núcleos coloniais são criados
no que viria a ser o município de Carazinho/RS, emancipado de Passo
Fundo no ano de 1931.
Mesmo que estes núcleos coloniais possuam alguns anos de diferen-
ças entre suas criações, a escolha por tais ocorreu pelas ligações que exis-
tiam entre elas, tais como os fundadores ou a região onde se localizam.
As diferenças que possam existir, contudo, não são impeditivos para a
realização de reflexões partindo dessas Colônias, e reforçam antes de
tudo, a diversidade de empreendimentos coloniais que existiram no Rio
Grande do Sul naquele período histórico.
Para tal, será utilizada a História Comparada, amparada por auto-
res como José D’Assunção Barros (2014), Jürgen Kocka (2014), Oswaldo
Truzzi (2005). A reunião destes núcleos coloniais citados anteriormente,
para uma análise sobre o processo de colonização no Planalto rio-gran-
dense a partir de pequenos empreendimentos de venda de terras, per-
mite analisar e identificar semelhanças e diferenças entre ambos e as
suas variações, visto que até atingirem o objetivo final que é a venda de
terras, podem possuir diferenças nesta trajetória (Barros, 2014).
Ao mesmo tempo, enquanto a comparação é realizada ao reunir vá-
rios núcleos coloniais, é necessário que essas Colônias possibilitem estu-

171
Kalinka de Oliveira Schmitz

dos independentes entre si (Kocka, 2014); logo, analisar a maneira como


tais empreendimento “se vendem” para atrair compradores, a existência
ou não de um projeto definido de colonização para além da venda da
terra, e as redes que os empreendedores possuíam e ativavam para legi-
timar o negócio, não é intrínseco a uma análise conjunta.
A escolha pela utilização do método comparativo para estudar os
processos de colonizatórios/migratórios é, para Truzzi (2005) benéfica,
uma vez que apresenta duas ou mais realidades para as perguntas a
serem realizadas nos estudos. Amplia-se então o leque de respostas para
as perguntas guias dos estudos, dadas as particularidades encontradas
em cada caso, que são formados por um espaço e por pessoas diferentes.

A colonização particular e suas documentações


Por conta da forma como se organizavam para realizar a colonização,
com empresas formadas para a execução de terras que poderiam ser já
de propriedade de algum dos envolvidos, e tendo em primazia o interesse
apenas na venda da terra ou algum processo que poderia ser resultante
da colonização – como a extração de madeira – pode não ter ocorrido uma
preocupação extensa com a organização e registro dos acontecimentos
que envolviam o empreendimento.
Independentemente do tamanho/extensão do empreendimento co-
lonial, a existência ou não de uma organização bem documentada acaba
impactando nas possibilidades da realização de estudos sobre tais proje-
tos. Sand (2021) demonstra que, mesmo um empreendimento de mais de
14.000 hectares como foi a Colônia General Osório, objeto de seu estudo,
não possuía um projeto de colonização efetivo, tendo o lucro com a venda
de terras a principal preocupação.
Não possuir uma organização definida, com guarda de documentos e
registros de suas ações, não significa, contudo, que não possuíssem moti-
vos ou objetivos para além da venda de terra (por mais que esta pudesse
ser a principal preocupação). A partir do exercício comparativo realizado

172
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

a partir de duas outras Colônias, para além de seu objeto de estudo, a Co-
lônia General Osório, Sand (2021) realiza uma revisão sobre os interes-
ses políticos na Colônia Saldanha Marinho5, tal como havia na Colônia
General Osório, embora esta última possuísse uma grande preocupação
com os interesses lucrativos dos envolvidos na companhia de colonização
responsável. Por seu turno, o outro empreendimento colonial citado pelo
autor, Neu-Württemberg, um projeto étnico alemão, possuía o intento de
ser um espaço de preservação do Deutschtum6. Embora os três projetos
fossem empreendimento particulares, se faz interessante destacar que
apenas o último possuía capital financeiro estrangeiro.
Essas diferentes preocupações que podem ter movido os envolvidos
na colonização, acaba por impactar na produção ou preservação de ma-
teriais a serem acessados e utilizados por historiadores interessados em
pesquisar pequenos projetos de colonização particular. Assim, ao passo
que há projetos com grande variedade de documentos como os que Neu-
mann utiliza (2016), há aqueles empreendimentos com uma ausência de
fontes detalhadas, como no caso de Sand (2021); para driblar tal falta de
documentações, Sand fez uso de testamentos e inventários dos sócios da
empresa de colonização. Utilizar registros de transações de proprieda-
des, encontrados em registros de imóveis (Schmitz, 2019), é outra possi-
bilidade, ainda que o acesso a tais possa ser dificultado, a depender do
posicionamento do local sobre acesso aos seus registros.
Para a discussão reflexiva aqui realizada, partiu-se de informações
presentes em livros de memorialistas locais, que, à parte do discurso
ufanista, realizaram pesquisa documental de forma a embasar seus es-
critos. Buscou-se menções às Colônias estudadas em vários locais, como
os Relatórios de Presidente da Província ou ainda em jornais através
do uso da Hemeroteca Digital; no primeiro local de busca, não houve

5
Sobre a Colônia Saldanha Marinho, ver Streit (2003).
6
O deutschtum pode ser compreendido como a procura pela manutenção da germanidade das
populações de origem alemã (Neumann, 2016).

173
Kalinka de Oliveira Schmitz

resultados, e no segundo, menções apenas sobre a Colônia Tamandaré7


foram encontradas. Pesquisa em arquivos, em busca de documentações
como testamentos e inventários, não foi possível realizar. Isto posto, se
manteve a ideia de realizar esse exercício reflexivo, mesmo com tais di-
ficuldades, por entender a importância de discussões sobre os pequenos
empreendimentos colonizatórios. Discutir casos de núcleos coloniais que
acabam tendo pequena relevância em um espectro mais amplo, mas que
tiveram um papel local na reorganização da propriedade da terra, pode-
ria ser mais fácil com objetos concretos; assim, utilizar essas Colônias
como guias da reflexão proposta, visa facilitar para o leitor a compreen-
são do que fora proposto.
Diferentemente do observado, por exemplo, no complexo colonial de
Neu-Württemberg criado por Herrmann Meyer e estudado por Rosane
Neumann (2016), já no período republicano, ou no empreendimento da
Colônia de Conventos da Batista Fialho & Cia, objeto de estudo de Julia
Gregory (2021), no início da segunda metade do século XIX, grande nú-
mero das inúmeras pequenas Colônias que contribuíram para a coloniza-
ção na região, não possuía tal nível de organização. Sem demonstrar in-
teresse ou necessidade em uma rígida organização e registros, acabaram
legando poucas fontes, e quando estas existem, são localizadas de manei-
ra esparsa em diversos locais – arquivos, registros de imóveis e afins –,
ou até mesmo podendo estar retido com algum descendente (quando não
descartado).
Tal dificuldade para a reunião de fontes referentes a tais pequenos
projetos de colonização, acaba contribuindo para que haja poucos estudos
sobre essa parcela de empreendimentos, ao menos para a região onde as
7
A primeira menção é no jornal A Federação, na edição número 86, de 12 de abril de 1918, na
página 5. Trata-se de um elogio aos resultados agrícolas da “florescente colônia Tamandaré”,
que obteve bons resultados apesar do período de seca sofrido e o problema com gafanhotos
que atingiu principalmente o Norte do Rio Grande do Sul em 1917/1918. A segunda menção,
é também no jornal A Federação, na edição de número 122, de 26 de maio de 1923, na página
3. Esta segunda menção era referente a um saque realizado na dita Colônia por “um grupo
de assisistas, composto por trinta e tantos bandoleiros”, causando grandes danos econômicos.
Esta menção de maio de 1923, pode confirmar o caráter político da criação de tal núcleo, visto
a participação de José Antônio Vargas, perrepista de Carazinho.

174
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

Colônias objetos deste artigo se encontram. Tais Colônias ainda, são cita-
das na relação de Colônias particulares realizada por Amstad (2005), ao
final de seu livro, principal menção que existe sobre a existência desses
pequenos projetos de venda de terras. Inclusive, pela falta de um projeto
mais bem definido de colonização ou de oferta para determinado tipo
de colono – por caráter étnico ou religioso –, possibilita considerar que
esses empreendimentos são muito mais projetos de venda de terras que
acabam se aproveitando do fluxo de população colonial que passa a se
deslocar pelo interior do Estado em busca de novas terras.
Ou seja, por mais que integrem o espaço das colônias novas8, são
empreendimentos que não visam uma colonização propriamente – ou
uma colonização considerando apenas a transação capitalista da venda
da terra ao interessado –, apenas se aproveitando da população exce-
dente oriundas de projetos coloniais mais antigos. Logo, os casos aqui
utilizados para reflexão, se encaixam na ideia de que o mais importante
era a venda de terras, até pela extensão de terras indicarem para a possi-
bilidade de uma ação pontual de proprietários de terras que pretendiam
angariar lucros num mercado em crescimento. A única Colônia que pode
destoar de tal consideração é a Colônia Tamandaré, que tem por trás
uma empresa de colonização que possuiu outros projetos de colonização
na região, e que é citada por Rückert (1997) como uma das principais
colonizadoras em Passo Fundo. A Colônia Tamandaré e a Colônia Co-
queiros, acabam se tornando sedes de municípios que se emancipariam
de Carazinho na década de 1990; a saber, Almirante Tamandaré do Sul e
Coqueiros do Sul, respectivamente.
De qualquer maneira, a colonização/venda de terras para colonos
ou nacionais, fosse pública ou particular, teve papel importante para um

8
Esse termo se refere aos núcleos coloniais criados a partir do final do século XIX na região do
Planalto rio-grandense, com a chegada de imigrantes, mas principalmente com o excedente
populacional oriundo das primeiras zonas de colonização do Rio Grande do Sul, identificadas
como colônias velhas. As colônias novas localizavam-se nas áreas de matas não utilizadas para
a criação de gado; contudo, eram espaços já ocupados por nacionais e indígenas, o que acarre-
tou diferentes problemas conforme a colonização se expandia (Neumann, 2017).

175
Kalinka de Oliveira Schmitz

novo ordenamento agrário que passaria a ser observado na região do Pla-


nalto rio-grandense. Interesses capitalistas sempre estiveram presentes
na venda de terras para quem possuísse meios para pagar pela proprie-
dade de lotes de terras, ainda que seja mais destacada nos projetos par-
ticulares de diferentes tamanhos. Considerando uma preocupação maior
em auferir lucros com a venda de terra, fosse a quem fosse, é de se con-
siderar que também nacionais e não apenas colonos tenham participado
de tal processo, embora ainda tenha havido um bom número dessa popu-
lação que tenha se deslocado para outras regiões – e que posteriormente
seriam atendidos pelo Serviço de Proteção aos Nacionais9.

A colonização na região de Passo Fundo e Carazinho


A presença da iniciativa privada na região do Planalto rio-granden-
se foi marcada inicialmente de maneira mais intensa com a construção
e expansão das estradas de ferro que, que além de alterar o espaço com
os trilhos de ferro e toda a infraestrutura necessária e a mão de obra
utilizada, acabava por também se envolver na venda de terras contíguas
às linhas férreas. O final do século XIX observa o início da atuação de
empresas de colonização tanto de capital estrangeiro quanto de capital
nacional, algumas até com sede em Porto Alegre, que, cientes do processo
de desenvolvimento e valorização das terras do centro-norte rio-granden-
se, voltavam sua atenção para ela (Rückert, 1997).
Considerando as possibilidades de ação de indivíduos e empresas
de diferentes negócios nesta região do Estado, Rückert (1997) afirma
que o comércio de terras na região de Passo Fundo seria mais antigo
e maior que a colonização oficial. Com uma ocupação desde meados do
século XIX, a grande região de Passo Fundo era já densamente povoada
9
O Serviço de Proteção aos Nacionais foi criado e implantado primeiramente na Colônia de
Santa Rosa a partir de 1915, e posteriormente passou a ser aplicada por outras Comissões de
Terras e Colonização do governo estadual. Tal serviço consistia em atuar para regularizar a
situação dos nacionais que possuíam apossamentos de terras, mas não tinham meios financei-
ros para a regularização; tal Serviço possibilitava o pagamento do lote a partir da prestação de
serviço em obras públicas, administrados pelas comissões de terras e colonização.

176
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

e ocupada com propriedades de terras reconhecidas; como consequência


de tal fato, quando o fluxo de colonos migrantes se direciona para ali,
encontravam um complexo cenário fundiário onde estariam se inserindo
(Rückert, 1997; Neumann, 2017).
Com uma ocupação prévia já consolidada, e com a observação do
crescente interesse e demanda por lotes coloniais, empresas de coloniza-
ção particulares teriam sido, de acordo com Rückert (1997), mais ativas
no mercado de terras no município, uma vez que agiam a partir da venda
de terras próprias ou da compra de áreas diretamente de terceiros para
lotear. Diferentes participações em diferentes empreendimentos, parce-
rias entre particulares e empresas em diferentes níveis, visando ao fim
a venda de terras a quem pagasse, contribuem para considerar que “a
região colonial de Passo Fundo apresenta uma formação multifacetada,
tanto no que se refere às suas colônias, quanto aos sujeitos envolvidos,
no caso, colonos e colonizadores” (Neumann, 2017).
Para além desse comércio prévio à venda de terras para a coloni-
zação, havia aqueles que adquiriam terras públicas através da solici-
tação de indenizações10, decorrentes de problemas como a presença de
posseiros intrusos em outras áreas. Dos pedidos de indenização pagas
com áreas de terras, havia aqueles que solicitavam que tal pagamento
fosse realizado na região de Passo Fundo, já visando as possibilidades de
negócios com a colonização de tais áreas, ou ainda, a exploração de ma-
deira que também desempenhava papel importante e era, muitas vezes,
alinhada com a colonização.
As quatro Colônias que serão objeto de análise aqui podem ser agru-
padas em dois grupos. As Colônias Dona Júlia e Tamandaré11 surgem
10
Um caso exponencial, como o próprio autor classifica, é o processo de indenização a Mathias
Steffens, estudado por Álison Wagner (2020). Mathias Steffens participa de um longo processo
de indenização do governo estadual, que deveria indenizá-lo com extensa área de terras; a
opção de escolher receber áreas no município de Passo Fundo passaria pelo interesse em par-
ticipar do processo colonizatório, utilizando as terras a receber para lotear e vender a colonos,
e capitalizar sobre a indenização, se utilizando de conhecimento prévio sobre esse nicho de
negócio e seu capital social.
11
Atualmente, o que era a Colônia Dona Júlia faz parte ainda do território de Carazinho, enquan-
to a Colônia Tamandaré compõe parte do município de Almirante Tamandaré do Sul.

177
Kalinka de Oliveira Schmitz

no que ainda é o município de Passo fundo, e contam com um nome em


comum entre seus fundadores; ambas possuem, como fundador principal
ou como partícipe da sua fundação, José Antônio Vargas. Único fundador
da Colônia Dona Júlia, constituiu firma juntamente com Miguel Matte e
João Dias de Meira (Firma Matte, Vargas e Meira), para a fundação da
Colônia Tamandaré.
Esta empresa que fundou a Colônia Tamandaré, no então município
de Passo Fundo, foi responsável pela criação de outra Colônia também em
1915, a Colônia Tesouras, em Palmeira (Cem anos, 2005). Considerando
ações individuais como a de José Antônio Vargas na Colônia Dona Júlia,
e ações como as da empresa Matte, Vargas e Meira, é possível inferir na
existência de uma rede de contatos e negócios, além do conhecimento das
possibilidades regionais para a venda de terras, visto a localização de
tais núcleos. Além de partícipe na criação das Colônias analisadas neste
artigo, Vargas era pecuarista, e membro do Partido Republicano em Ca-
razinho (Ecker, 2007); logo, não se pode descartar os interesses políticos
que poderiam estar envolvidos na venda de lotes coloniais e consequente
aumento de eleitores na região, com a expectativa que fossem apoiar o
partido daqueles responsáveis pela sua instalação na nova região e novo
lote colonial, tal como vimos em Sand (2021).
A existência de uma rede de contatos para negócios, em diferentes
esferas permitiria uma seguridade tanto pela ação colonizatória quanto
pela propaganda de tais empreendimentos; o capital social e representa-
tividade acabariam sendo, então, legitimadoras para esse negócio. Isso é
refletido também em negócios que antecedem a criação e venda dos lotes
coloniais, ou seja, a negociação e compra de terras de pequenos proprie-
tários que existam na área onde se pretendia implantar a colonização.
Já o segundo grupo, formado pelas Colônias Coqueiros e Colônia
Xadrez, são criadas a partir de áreas da Fazenda dos Coqueiros, que
atualmente pertencem ao município de Coqueiros do Sul. Esses dois ca-
sos de colonização surgem do interesse da família Guerra, proprietária

178
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

da Fazenda, em lotear algumas áreas de mata que não estariam sendo


utilizadas para alguma outra atividade lucrativa. Tal possibilidade pode
ter sido também atentada para os outros casos, uma vez que Rückert
(1997) afirma que este era uma ação de vários grandes proprietários, que
optavam por lotear e vender áreas arborizadas sob suas propriedades.
Dentro da tipologia de colonização particular, via de regra, dividi-
da entre a colonização realizada por empresas de colonização, utilizando
como exemplo o caso da Colônia Tamandaré através da Firma Matte,
Vargas e Meira, ou de particulares (pessoa física), como a Colônia Dona
Júlia, criada apenas por uma das pessoas que compunha a firma citada
anteriormente. Mas entre esses dois exemplos de iniciativa privada na
colonização, há a parceria entre um indivíduo e alguma empresa de colo-
nização, como é o caso das Colônias Coqueiros e Xadrez. No caso destas
últimas, possuindo uma origem em comum das terras utilizadas para a
demarcação dos lotes coloniais, o proprietário da Fazenda dos Coqueiros,
Homero Guerra procura parceria com pequenas empresas que ajuda-
riam na propaganda sobre a venda de lotes nas referidas colônias (Sch-
mitz, 2019).
Primeiro empreendimento criado a partir de áreas da Fazenda dos
Coqueiros, a Colônia Coqueiros tem seu início no ano de 1928; é também
o maior dos dois núcleos coloniais, com 130 lotes colocados à venda. Como
o segundo núcleo é criado dez anos depois, ou seja, em 1938, é possível
inferir que os resultados obtidos com a primeira inserção no mercado
colonizatório, tenha contribuído para que Homero Guerra12 resolvesse
lotear e vender outra área da fazenda, após a divisão desta como herança
entre ele e suas irmãs (Schmitz, 2019). Desde a compra da propriedade
pela família Guerra na virada do século XIX para o século XX, as terras

12
Membro da família à frente da criação da Colônia Coqueiros e idealizador da Colônia Xadrez,
Homero Guerra também pode ter tido interesses políticos – para além dos econômicos – na
criação de núcleos coloniais e no consequente aumento populacional do distrito/município de
Carazinho. Figura importante da política carazinhense, participou da comitiva que pleiteou a
emancipação do então distrito de Passo Fundo, e após, se tornou o 1º prefeito do novo municí-
pio, no ano de 1931 (VARGAS, 1981).

179
Kalinka de Oliveira Schmitz

da fazenda sofreram então, com várias alterações, ampliações e fragmen-


tações (ampliação, divisão por heranças e colonização). Reforça-se então,
o cenário agrário dinâmico encontrado na região, impactado diretamente
com o avanço da colonização, onde propriedades eram expandidas para
posteriormente realizarem o desmembramento em pequenos lotes rurais
a serem vendidos para colonos.
Não possuindo projeto colonizatório para além da venda de lotes de
terras, ou até mesmo um registro jurídico específico para este comércio
de terras, obter documentação sobre tais empreendimento pode ser tare-
fa difícil. Optar por vender os lotes de terras para colonos a partir de seu
próprio nome, ao invés de passar as áreas para uma empresa específica
de colonização, poderia poupar os envolvidos de burocracias que pode-
riam desviar tempo e recursos, tornando atrativo realizar as vendas por
conta própria ou ainda definir extraoficialmente os acordos com empre-
sas, para se valer de uma possível legitimidade e confiança perante os
interessados em comprar terras na região.
Consideramos que a parceria entre o proprietário das terras e as
empresas teria ocorrido principalmente para a questão propagandísti-
cas, pelo fato de que a partir das matrículas de registro de compra e ven-
da realizadas nas Colônias em questão, são, em sua maioria, envolvendo
alguém da família Guerra e o colono adquirente, sendo encontradas pou-
quíssimo envolvimento de empresas em tais registros13.
A parte do fato da presença de uma empresa de colonização seja
diminuta no caso das Colônias criadas por Homero Guerra, a fragmenta-
ção de partes da propriedade sua e da sua família, seguiram aspectos ob-
servados em outros núcleos coloniais surgidos no Planalto rio-grandense
no período da Primeira República. Ainda que possuindo áreas colonizá-
veis dentro da Fazenda dos Coqueiros, não tenha sido necessário adqui-

13
Um estudo mais detalhado sobre esses núcleos coloniais pode ser encontrado no artigo de
minha autoria, denominado A relação entre a alteração da propriedade no norte rio-grandense
com a colonização a partir das Colônias dos Coqueiros (1928) e Xadrez (1938), publicado na
Revista Semina no ano de 2019.

180
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

rir áreas para a incorporação na colonização, se faz importante destacar


os ganhos econômicos e políticos que surgiram a partir de 1928 e 1938.

Considerações finais
Este artigo, antes de tudo, pretendeu propor reflexões gerais acerca
de empreendimentos colonizatórios que, embora possam ter tido impor-
tância local para a ocupação do espaço e inserção deste de maneira mais
incisiva na economia regional, não tenham sido de grande expressão se
observados em um nível mais amplo no Estado. Não que por isso não se-
jam úteis para refletir sobre o processo colonizatório que ocorreu em toda
a região do Planalto rio-grandense. Embora de extensão ou importância
regional menor do que outros projetos colonizatórios de maior fôlego, são
partes das bases da ocupação atual na região, e por isso, adentrar o es-
paço de reflexões sobre a colonização e a reorganização agrária do início
do século XX.
Foram ainda, empreendimentos que contribuíram com enxertos
multiétnicos na região até então formada predominantemente por nacio-
nais e indígenas, gerando, como não poderia deixar de ocorrer, processos
de alteridades nem sempre cordiais. Convém destacar, que, devido ao
caráter introdutório das reflexões apresentadas, há espaço para estudos
de maior fôlego sobre estes projetos, destarte a pouca disponibilidade de
fontes ou a sua dispersão em diferentes locais de guarda.
Nas quatro Colônias objetos da reflexão neste estudo, é possível
observar como os indivíduos que chefiavam tais negócios estavam di-
retamente ligados ao negócio, uma vez que eram vendidos os lotes por
eles próprios em sua maioria. A existência de empresas de colonização se
demonstra variada, sendo um caso o de reunião de pessoas diretamente
envolvidas no negócio – Colônia Tamandaré –, ou muito provavelmente
apenas para a realização de propaganda junto ao público-alvo da coloni-
zação – Colônias Coqueiros e Xadrez. A política foi outro aspecto obser-
vado em tais empreendimentos que, por conta de seus fundadores, eram

181
Kalinka de Oliveira Schmitz

utilizadas para a expansão de base eleitoral e força regional, a partir da


fragmentação da terra e a inserção de grande número de pessoas nos
municípios.
Por fim, podemos afirmar que o principal papel destes pequenos em-
preendimentos coloniais tenha sido dinamizar o mercado da terra em
municípios já com grande ocupação de propriedades, trabalhando na
fragmentação da propriedade da terra nas primeiras décadas do século
XX, ainda que se possa considerar um movimento contrário atualmente
– ampliação territorial de propriedades rurais.

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182
Reflexões sobre pequenos núcleos coloniais particulares no Planalto Rio-grandense (1897-1938)

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183
Empresas colonizadoras e
colonização do antigo Cruzeiro

Marilize Radin Fratini


José Carlos Radin

Introdução

O
processo de colonização do Sul do Brasil, sobretudo do contexto
da emancipação política (1822) até meados do século passado, é
repleto de experiências nas quais vários grupos de imigrantes e
de descendentes protagonizaram uma nova territorialização da região.
Tendo isso presente, nesse capítulo, objetiva-se caracterizar a experiên-
cia de colonização ocorrida em parte do “território contestado”, que for-
mou o município de Cruzeiro – SC (1917, atual Joaçaba), condicionada
por uma série de fatores, como a disputa de limites entre Paraná e Santa
Catarina, a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, a Guerra do
Contestado e, em especial, a intensa atuação de empresas particulares
de colonização, bem como do interesse do poder público em fazer avan-
çar tal projeto. Assim, ao longo da primeira metade do século XX, essas
empresas se aproveitaram de facilidades viabilizadas pelo poder público,
além da difusão de representações favoráveis aos colonizadores e con-
trárias aos grupos estabelecidos, impulsionando a reocupação de parte
significativa do território. Os principais protagonistas dessa movimen-
tação foram agricultores brancos, em geral provenientes das primeiras
colônias sulinas.
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

O contexto de passagem do Império para a República foi de inten-


sas discussões por parte da intelectualidade brasileira em aspectos que
envolviam a ideia de nação, a necessidade de construção da cultura e
identidade nacional, a mestiçagem e o branqueamento da população, o
trabalho cativo e o livre, o ingresso de imigrantes, entre outros. Também
foi intenso o debate sobre o efetivo domínio do território e de seu aprovei-
tamento econômico sob a perspectiva da expansão capitalista em curso
no país. Para o enfrentamento de tais situações e superação daquilo que
se considerava problemas estruturais do Brasil, era forte a defesa do in-
gresso de imigrantes, com predileção para os brancos da Europa central.
Nesse cenário, essa intelectualidade ansiava, conforme De Luca (1999),
influir nos destinos do país novo, “em sua infância”, para que fosse pos-
sível colocá-lo em sintonia com os seus “verdadeiros valores”. Nesse de-
safio, ao interpretar o país, considerava-se fácil “estabelecer uma relação
de causa e efeito entre presença da população branca e desenvolvimento
econômico”. Assim, o fator decisivo da vida nacional, mais importante de
qualquer outro, seria a composição étnica de sua população. Sem esse
cuidado, o Brasil não teria chances futuras de “vir a integrar o concerto
das nações”.
Nessa perspectiva de “branqueamento” da população brasileira,
como destacou Oliveira Vianna (1938, p. 180 e 198) as “combinações de
hereditariedades favoráveis” gerariam “mestiços superiores”, desde que
a cor da tez e a forma dos cabelos fosse, principalmente, “do tipo antropo-
lógico do homem branco”. No processo de miscigenação, esse conjunto de
caracteres permitiria uma ascensão mais fácil dos mamelucos. Por isso,
salientava a importância do ingresso de imigrantes com tais caracterís-
ticas, dizendo que esse movimento “não concorre apenas para aumentar
rapidamente, em nosso país, o coeficiente da massa ariana pura, mas
também, cruzando-se e recruzando-se com a população mestiça, con-
tribui para elevar, com igual rapidez, o teor ariano do nosso sangue”.
Acrescenta, ainda, que o fato de no Brasil haver “as seleções naturais e

185
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

sociais”, estaria se acelerando de forma extraordinária o “processo redu-


tor dos elementos bárbaros”.
Tal compreensão evidencia como foi sendo construído o entendimen-
to da conveniência de se aliciar imigrantes brancos e de privilegiá-los,
concedendo-lhes vários benefícios, mesmo que essa reengenharia social
implicasse em deixar à margem as populações já estabelecidas. No pro-
cesso de colonização do sul do Brasil, grosso modo, predominou esse pen-
samento que foi se tornando hegemônico desde a emancipação política,
quando o ingresso de imigrantes brancos passou a ser preocupação cons-
tante das autoridades. Destarte, para atraí-los, acenava-se com diversos
favorecimentos, tais como o pagamento de passagens, o fornecimento de
vários auxílios no momento da chegada, a concessão de direitos em si-
militude com os brasileiros e, principalmente, pelo fato de se viabilizar
ao imigrante o acesso à propriedade da terra, situação nitidamente ve-
rificada nas várias experiências dos assentamentos agrícolas da região.
A condição de privilégio que, em geral, tiveram os imigrantes, pode ser
demonstrada pela legislação que foi sendo produzida acerca do tema,
sistematizada por Luiza Horn Iotti (2001).
No território que viria a formar o município de Cruzeiro, a preocu-
pação com a colonização pode ser observada no Decreto imperial 10.432
(Brasil, 1889), que definia a contratação da empresa para a construção
da ferrovia São Paulo-Rio Grande. Nele se previu para a empresa cons-
trutora a “cessão gratuita de terrenos devolutos e nacionais”, nas mar-
gens da linha férrea. Em tais terrenos se deveria assentar imigrantes,
como estabelecia no artigo XLIV, o qual asseverava que: “15% das famí-
lias estabelecidas poderão ser nacionais. As outras serão de imigrantes
europeus...”. A grande quantidade de terras concedidas à empresa The
Southern Brazil Lumber & Colonization Company, como mostrou Delmir
José Valentini (2015), serviu para que ela não apenas explorasse a ma-
deira, mas para que a terra fosse vendida aos colonos, atividades que se
intensificaram a partir da segunda década do século XX.

186
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

A expansão da colonização desse território ganhava força a partir da


combinação de alguns fatores, sobretudo pela consolidação dos efeitos da
Lei de Terras (1850), a qual foi dando contornos definitivos à proprieda-
de privada da terra. Destaque-se, também, o Acordo de Limites entre os
estados do Paraná e de Santa Catarina (1916), que oficializou a incorpo-
ração de aproximadamente 28.000 km2 ao território catarinense, sendo
que a maior parte dessa área constituiu os municípios de Chapecó e de
Cruzeiro, criados em 1917. Tais definições davam maior segurança legal
no processo de apropriação privada da terra, em franca expansão na re-
gião. Em decorrência da assinatura do acordo interestadual de limites,
o governo catarinense se obrigava a reconhecer títulos que haviam sido
concedidos pelo Paraná. Nesse sentido, destaque-se (Radin, 2009) que a
The Southern Brazil Lumber & Colonization Company, pleiteava o regis-
tro definitivo, junto ao governo de Santa Catarina, de 72.815 hectares.
Além dela, outras empresas colonizadoras faziam pedidos semelhantes
de registros de áreas, da mesma forma, bastante expressivas.
Acrescente-se que o ano de 1916 também marcou o final da Guerra
do Contestado. Com isso, as autoridades passaram a impor um contro-
le maior sobre os “posseiros/intrusos” ou grupos estabelecidos, protago-
nistas do conflito, que teve, como causa mais profunda, a disputa pelo
domínio do território no qual residiam. Assim, o fim da Guerra também
era visto como fator que favoreceria a comercialização das terras e o con-
sequente avanço da colonização.
Foi a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, na margem es-
querda do rio do Peixe, o fator que mais impulsionou a reocupação do
território. A edificação do moderno meio de transporte também foi deter-
minante na mudança da dinâmica social e econômica, pois foi gradativa-
mente atraindo pessoas para a sua área de abrangência. A reocupação
dessas áreas fomentou a emergência de várias iniciativas econômicas
ligadas ao extrativismo da madeira, à prestação de serviços, ao pequeno
comércio e pequenas indústrias, entre outras.

187
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

Assim, a partir do transcurso da segunda década do século passa-


do, esse conjunto de fatores contribuiu profundamente para impulsio-
nar o processo de colonização das terras “devolutas” do antigo “território
contestado”, as quais formaram a base da nova e significativa fronteira
agrícola. Nela se observou intensa atuação de empresas privadas de co-
lonização que, sobretudo nas décadas de 1920 a 1940, desencadearam
ativa campanha publicitária e atraíram milhares de migrantes, em sua
maioria, agricultores descendentes dos imigrantes que haviam ocupado
os primeiros assentamentos agrícolas do Rio Grande do Sul.

A nova fronteira agrícola e a mercantilização da terra


No limiar do século XX, a campanha modernizadora do país, alme-
jada pela intelectualidade, visava uma nação unida e próspera, o que
ainda se apresentava como um desafio, sobretudo na parte meridional,
com divergências de limites e com expressivas áreas consideradas “ser-
tões demograficamente vazios”. A ocupação com imigrantes seria a forma
ideal para efetivar o projeto modernizador também na região Sul. De
modo genérico, segundo Radin (2022, p. 22-23), tal perspectiva serviu de
justificativa e permeou o processo de expansão para o interior, expressa
pela ideia de progresso, amplamente difundida com advento da Repúbli-
ca. Os interesses do mercado que moviam tal conquista seriam atendi-
dos, quando se fizesse a terra produzir.
O Brasil, tido como um “país agrícola”, conjeturava a necessidade
de ampliar a apropriação e aproveitamento efetivo da terra. As políticas
que decorriam da Lei de Terras de 1850, destinadas à regularização e
à comercialização, foram se fazendo perceber no território contestado,
em especial, a partir da resolução do litígio, em 1916, período em que
os projetos de colonização foram intensificados. É importante pontuar
que os municípios de Chapecó e Cruzeiro, emancipados em 1917, ocupa-
ram a maior parte do território que, pelo acordo interestadual, passou
a ser catarinense. Também, no entender de autoridades catarinenses,

188
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

a afluência de migrantes para essa nova fronteira agrícola, efetivaria


o domínio sobre as “terras incultas”, legitimando a posse e tornando-as
economicamente produtivas.
País novo e despovoado, o Brasil só na imigração terá o fator essencial ao
seu progresso econômico. Sem o braço alienígena, um país como o nosso, de
população rarefeita e de uma extensão territorial que equivale a 16 vezes a
França e 289 vezes a Bélgica, não pode entrar no combate pacífico de que
falava Waldec Rousseau, em que a vitória depende do progresso da economia
e da superioridade na produção e em que as nações disputam mercados e não
províncias. (Ramos, 1914, p. 6).

A preocupação, exposta na mensagem apresentada pelo governador


Vidal de Oliveira Ramos, corrobora com as inquietações do contexto na-
cional, na aurora do século XX. Era corrente o entendimento de que a
“falta de organização, disciplina e tenacidade” de um país imenso, com
enormes “áreas desertas”, habitado por “população escassa, sendo em
maioria esmagadora analfabeta e desprovida de civismo”, não levaria ao
progresso então almejado. Assim, somente a emergência de uma nova
hierarquia social, constituída com a contribuição do elemento branco eu-
ropeu ou descendente, seria capaz de superar o estigma de atraso, de
ocupar os “vazios” e de estabelecer uma melhor contribuição na tarefa de
edificar uma nação afinada com os propósitos capitalistas.
Nesse contexto, colocam-se os impactos da construção da estrada de
ferro São Paulo Rio-Grande para o redesenho agrário do município de
Cruzeiro e do Oeste catarinense. A concessão de terras devolutas efetiva-
da pelo governo federal, como parte do pagamento pela execução da obra,
serviu de base para impulsionar o processo de ocupação dessa fronteira.
Era corrente a ideia de que a “ferrovia colonizatória”, ao atrair imigran-
tes europeus e/ou seus descendentes, pelo aceno da propriedade privada
da terra, conduziria à modernização da região e a inseriria na economia
nacional.
Nas décadas iniciais do período republicano, quando as terras de-
volutas haviam passado para a jurisdição dos Estados, o poder públi-
co catarinense alegava dificuldades para assumir o projeto de “ocupar o

189
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

sertão”. Assim, a tarefa foi gradativamente sendo passada às empresas


colonizadoras, fato claramente observado no processo de demarcação e
ocupação das terras de Cruzeiro. A mercantilização da terra, no formato
praticado pelas empresas, atraiu milhares de descendentes de europeus
das colônias de imigrantes, do Rio Grande do Sul. Nesses locais se obser-
vavam diversas dificuldades quanto à subsistência, decorrentes também
do empobrecimento do solo agrícola, da precariedade de técnicas para
recuperá-lo, da escassez de novos lotes e do consequente encarecimento,
entre outras. Por outro lado, a publicidade das empresas colonizadoras
acenava que, em Santa Catarina, haveria abundância de terras férteis
e baratas, reavivando a possibilidade de conquista da propriedade de
terra e de prosperidade. As expressões “terras velhas”, reportando-se às
primeiras colônias de imigrantes e, “terras novas” para aquelas do Oeste
catarinense, eram comuns nesse contexto.
As práticas efetivadas no município de Cruzeiro foram identificadas
em boa parte do território do sul do Brasil no limiar do século XX. Por
elas se pleiteava que a região pudesse se modernizar e que, como cita
Tania de Luca (1999, p. 49), contribuíssem para “dar sentido de conjunto
ao país, incutir no seu povo a consciência do próprio valor [...] combater
o seu ‘estado mórbido’ e equipará-lo ‘às raças adultas, emancipadas e
sadias’”. A territorialização e o desenvolvimento imaginado seriam ca-
pitaneados pelas empresas colonizadoras e protagonizados pelos grupos
direcionados à nova fronteira, pois eles estariam imbuídos dos princípios
e valores para tal. Pleiteava-se, com isso, como acenou Adelar Heinsfeld
(2015, p. 38), a organização fronteiriça e consolidação do Brasil-nação.
Nesse cenário, despontaram dezenas de empresas que operaram na
mercantilização da terra, sobretudo no antigo território contestado. A
reocupação das terras, seguindo os moldes das áreas dos primeiros as-
sentamentos de imigrantes, favorecia a comercialização de lotes e a ge-
ração de lucros a tais empresários. Para o Estado, ao menos nas primei-
ras décadas do século XX, a ação colonizatória também seria oportuna,
considerando que contribuiria para a superação do “atraso” da região. A

190
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

demarcação das terras e posterior venda dos lotes, a construção de es-


tradas vicinais à ferrovia, a edificação de escolas, de igrejas e de outras
obras de infraestrutura concretizaria o processo de expansão capitalista,
de forma “terceirizada” pelo Estado às empresas, o que isentava o poder
público de tais responsabilidades. As práticas apareciam em mensagens
do governo catarinense, que argumentava em seu favor.
O processo consiste em pagar em terras o preço das estradas construídas sujei-
tando, porém, os respectivos construtores, a condição de colonizar dentro de de-
terminado tempo os terrenos cedidos, sob pena de estes, ao fim do respectivo pra-
zo reverterem ao Estado sem indenização de qualquer espécie. (Luz, 1920, p. 47).

A manifestação do governador Hercílio Luz evidencia que a prática


do pagamento às empresas, em terras, pela construção de estradas, seria
uma forma eficaz de facilitar o processo colonizatório e consequente “mo-
dernização do sertão”. A projeção de vias que ligassem as várias regiões
do Estado, do litoral até o extremo oeste, justificaria a cessão de terras
aos empresários. A aliança entre poder público e privado resultaria no
“aproveitamento imediato de uma grande riqueza até agora inativa sem
onerar a despesa pública com encargos impossíveis” (Luz, 1920, p. 47).
A prática relacionada ao domínio privado do território contribuiu
para a superação da ideia de posse, a qual guiava os grupos tradicionais
desde tempos imemoriais. O processo de mercantilização das terras re-
talhou o território e, simultaneamente, promoveu a exclusão dos grupos
mais pobres, como os caboclos e indígenas, quanto o acesso à terra. Em
geral eles eram caracterizados como atrasados, avessos ao progresso e
vistos como empecilhos aos projetos propostos pelo governo e pelas em-
presas colonizadoras. Isso se observa no discurso proferido, pelo então
Governador Coronel Vidal de Oliveira Ramos, ao Congresso Represen-
tativo, em 1914 (Ramos, 1914, p. 06), quando justifica as condutas de
resistência, por parte dos “habitantes dos nossos sertões”, à ocupação das
terras pelos agricultores e, também, a sua forma de “ocupar e cultivar”,
originadas da condição de “ignorância e analfabetismo” em que vivem os
“infelizes sertanejos”.

191
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

Nesse contexto, as empresas colonizadoras foram favorecidas, com a


propagação de tais representações, em seu objetivo de promover a migra-
ção de grandes contingentes populacionais e criação de núcleos coloniais.
Nessas áreas, o foco da produção familiar, além da subsistência, gradati-
vamente foi sendo o viés mercantil, situação que produziu uma dinâmica
comercial e industrial no município.
Por sua vez, a ferrovia São Paulo-Rio Grande, considerada uma por-
ta de entrada e de saída para os produtos excedentes dos agricultores,
exerceu um papel muito importante para a colonização de todo o vale
do rio do Peixe. O crescimento progressivo que decorreu da formação
dos núcleos de colonização era frequentemente enaltecido e relacionado
à presença dos agricultores nas margens da via, como foi destacado por
José Ferreira da Silva, referindo-se à região de Cruzeiro.
Onde homens ativos e experimentados no comércio de gêneros coloniais mon-
tavam as suas casas de negócio, as suas pequenas indústrias, ativando transa-
ções não só com os colonos, na compra dos gêneros que estes produziam, como
com as firmas do Rio Grande e São Paulo. A estrada de ferro mantinha-os em
contato permanente e seguro com esses centros, facilitando igualmente a vin-
da de novos braços, de novas energias, para o desbravamento da fertilíssima
região, que seria, graças e esse meio de transporte, ao trabalho persistente, a
coragem e ao entusiasmo de lavradores ativos e inteligentes, transformada em
breve em uma das mais ricas e prósperas de todo o estado de Santa Catarina.
(Queiróz, 2016, p. 16)

Tais perspectivas evidenciam o significado econômico que a terra


assumiu com a expansão da colonização. Enquanto mercadoria, assumiu
valor de troca e cada vez mais foi percebida como possibilidade de fonte
de renda, balizando o caráter do processo de ocupação do território de
Cruzeiro. As facilidades e os incentivos proporcionados pelo poder públi-
co, aliadas a proximidade com a ferrovia, condicionaram as transforma-
ções nas terras do município e da região.
A atuação intensa de tais empresários, bem como seus interesses
corporativos, fica bastante evidente num espesso Memorial (1933), da
“Sociedade União dos Colonizadores”, que afirmava representar mais
de vinte empresas colonizadoras da região, endereçado ao recém-no-

192
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

meado Interventor de Santa Catarina, Aristiliano Ramos. No Memorial


são feitas uma série de sugestões e, sobretudo, reivindicações acerca da
proteção da atividade de venda das terras e da cobrança de impostos.
Salientam que as empresas não poderiam ser “tratadas como inimigas
do bem público” por cumprirem um papel importante para o Estado, pro-
movendo a ocupação dos espaços ainda não aproveitados economicamen-
te. Faziam forte questionamento quanto à modificação da cobrança de
impostos sobre a terra, o que teria atingido os pequenos proprietários
e que isso prejudicaria os negócios das empresas e, por conseguinte, os
próprios interesses do Estado. Argumentavam que a atividade de coloni-
zação que desenvolviam era “contrária ao latifúndio” e que seu interesse
não era o de “guardar grandes áreas, mas vendê-las o mais depressa
possível”. Alertavam que o novo Regulamento do Imposto de transmis-
são prejudicaria os colonos, pois esses adquiriam pequenas áreas, com o
intuito de cultivá-las. Isso destoaria do trato que as empresas do mesmo
fim receberiam nos estados vizinhos.
A atuação das diversas empresas colonizadoras, na nova fronteira
agrícola (Tabela 1), evidencia como a mercantilização da terra se tornou
em negócio palpitante. Em geral, eram formadas por grupos de sócios,
com diferentes participações de capital. Muitos sequer conheciam as ter-
ras comercializadas pelas empresas, onde geralmente atuava um prepos-
to ou o sócio com participação menor de capital acionário. A esse cabia
à gestão das demarcações, a apresentação dos lotes aos compradores, a
recepção dos agricultores e a resolução de eventuais problemas ligados
ao ofício.
Saliente-se que a perspectiva liberal, colocada como suporte da mo-
dernização do Brasil, faria avançar a o capitalismo na região e, nessa
empreitada, as empresas colonizadoras seriam imprescindíveis. Empe-
nhados em comercializar as terras, os empresários da colonização, difun-
diam a ideia de que a divisão em pequenos lotes era a melhor estratégia
para incrementar a população rural, desenvolver a agricultura e promo-
ver o progresso almejado.

193
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

Tabela 1 – Empresas colonizadoras que atuaram no município de Cruzeiro


Colonizadora Sede Área de atuação

Brazil Railway Company (Subsidiárias)


Portland (Estados Uni- Cruzeiro: várias áreas próxi-
Brazil Development and Colonization Company e
dos) mas a ferrovia
Southern Brazil Lumber e Colonization Company

Sociedade Territorial Sul Brasileira H. Hacker & Cruzeiro: Colônia Bom Retiro
Santa Catarina
Cia. (Luzerna).
Estação de Rio Bonito (Tan-
Colônia Petry, José Petry. Santa Catarina
gará).
Videira, Estação Rio das Pe-
Colônia Piccoli: Augusto e Reynaldo Piccoli. Santa Catarina
dras/ Campos Novos.
Cruzeiro: Catanduvas, Ponte
São Paulo/ Rio Grande Serrada, Irani, Vargem Boni-
Mosele, Eberle, Ghilardi & Cia.
do Sul ta, Ouro, Capinzal, Piratuba e
Concórdia.
Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahrons & Cruzeiro: Concórdia, Arabu-
Rio Grande do Sul
Cia. tã, Ipumirim e Lindoia do Sul.
Cruzeiro: Concórdia, Seara,
Luce, Rosa & Cia. Rio Grande do Sul
Itá e Paial
Empresa Povoadora e Pastoril Theodore Capelle Cruzeiro: Rio das Antas, Pira-
São Paulo
& Irmão – Jean Leon Capelle tuba e Concórdia
Cruzeiro: Ponte Serrada, Var-
Angelo De Carli, Irmão & Cia. – Colônia Irany Rio Grande do Sul gem Bonita, Irani e Passos
Maia
Empresa Colonizadora Nardi, Rizzo, Simon & Cruzeiro: Seara – Colônia
Rio Grande do Sul
Cia. Rio Branco
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de anúncios do jornal Staffetta Riograndense e Nodari (2002).

As empresas colonizadoras que atuaram no município de Cruzeiro


se instalaram no contexto da construção da ferrovia São Paulo Rio-Gran-
de. Como se evidenciou, tratou-se de um cenário que favoreceu tais negó-
cios, sobretudo pela facilidade de deslocamento de pessoas e de produtos,
o que valorizou sobremaneira as terras da região e foi criando uma nova
dinâmica social e econômica. A Brazil Railway Company, responsável
pela exploração da linha férrea, junto com suas subsidiárias Brazil Deve-
lopment & Colonization Company e a Southern Brazil Lumber & Coloni-
zation Company, fez avançar o processo de demarcação e reocupação das
novas terras, assim como do extrativismo da madeira.

194
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

A Brazil Railway Company, empresa do magnata americano Perci-


val Farquhar, através de seu engenheiro João Teixeira Soares, recebeu
ainda no final do Império, pelo Decreto n. 10.432, de 9 de novembro de
1889 (BRASIL, 1889), a autorização para “construcção, uso e goso” da
ferrovia. Dentre as cláusulas mais emblemáticas, no que tange a frontei-
ra, está a concessão gratuita de terras devolutas em uma extensão de 30
km para cada lado do eixo da linha, para fins de colonização. No entanto,
com a queda da Monarquia, o contrato sofreu alterações, pelo Decreto
n. 305, do dia 7 de abril de 1890 (BRASIL, 1890), mas, mesmo assim,
mantinham-se as concessões, reduzindo-as para 15 km de cada lado da
ferrovia. As cláusulas que tratavam especificamente da ocupação e co-
lonização foram consideradas sem valor, o que desobrigava a empresa
de uma série de compromissos e abria espaço para a atuação de outras
empresas privadas.
Pela análise de Márcia Janete Espig (2012), era estratégico o obje-
tivo principal que norteava os interesses do governo republicano para a
construção. A ferrovia cortava vastas áreas das províncias do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul e isso possibilitaria rápido deslo-
camento de tropas para o sul do continente, no caso de conflitos. Entre-
tanto, em 1907, foi assinado um importante decreto que, entre outras
questões, recolocava a colonização dos terrenos marginais à ferrovia.
Pela clausula VIII do decreto n. 6.533[...], obrigou-se a companhia a promover
a colonização das terras marginaes da estrada, o que, sem dúvida, será um dos
factores mais poderosos para o incremento desta importante via ferrea que
atravessa, presentemente, vasta extensão de terras pouco povoadas e quasi
incultas, comquanto disponham de riquezas naturaes de bom aproveitamento.
(Apud Espig, 2012).

Segundo Delmir José Valentini (2015, p. 116) a Brazil Railway Com-


pany teve participação direta no processo colonizatório ao criar colônias
através de suas subsidiárias ou agindo indiretamente através de contra-
tos repassados a empresas particulares que assumiam os serviços nas
glebas adquiridas. Por sua vez, Paulo Pinheiro Machado (2004) desta-
ca ainda, a afirmação do Engenheiro Érico Gréseke que, designado pelo

195
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

governo catarinense, em 1913, para a medição de terrenos devolutos,


assegurou que a região estaria pronta para receber os imigrantes e des-
cendentes. O corpo de segurança da Brazil Railway já havia “limpado” a
região da presença de “intrusos”.
Foi nesse cenário que diversos empresários da colonização comer-
cializaram grandes áreas de terras, que não estavam em posse de fa-
zendeiros, efetivando o projeto almejado pelo poder público em relação
à região. Tal entendimento é corroborado pela declaração do presidente
da província, Felipe Schmidt, em 1918, quando descreve ao Congresso
Representativo que o
[...] serviço de colonização realizado pela Brasil Company em Herval, Rio
Capinzal e Rio do Peixe, feito com elementos nacionais ou estrangeiros aqui
domiciliados, vai concorrendo para o aumento da nossa produção agrícola e
para que sejam desbravadas e conhecidas as regiões até então desabitadas e
incultas e que começam agora a ser povoadas. (Schmidt, 1918, p. 48)

A conjugação de fatores, nas primeiras décadas do século XX, favo-


receu a atração de empresários da colonização ao município de Cruzeiro,
como foi o caso de Henrique Hacker. Associado a um grupo de investido-
res do Rio Grande do Sul, em 1916, fundou a “Sociedade Territorial Sul
Brasileira H. Racker e Cia”. Adquiriu uma área de 40.000 hectares, divi-
dindo-a em lotes que, nos padrões da época, poderiam acomodar aproxi-
madamente 1.500 famílias de colonos. Assim, a colônia Bom Retiro pas-
sou a receber agricultores dos primeiros assentamentos de imigrantes
alemães e italianos. Acerca de tal empreendimento, afirma José Ferreira
da Silva (Queiroz, 2016, p. 16), que por estar na margem oposta da fer-
rovia, o engenheiro construiu uma balsa para facilitar o deslocamento de
pessoas e de mercadorias para a estação Herval.
As técnicas de convencimento adotadas pelas empresas exploravam
a ideia de melhoria na condição de vida e de possibilidade de um futuro
melhor. Eunice Nodari (2002, p. 39), evidencia que os agentes utilizavam
todos os meios que estavam à sua disposição para persuadir as pessoas
a comprarem as terras. Os anúncios, patrocinados pelos empresários da

196
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

colonização nos jornais de circulação nas colônias do Rio Grande do Sul


apresentavam os novos assentamentos como local que traria, além do
acesso a terras férteis e em abundância, a garantia de comercialização
da produção, visto a proximidade com a ferrovia.
Numa publicidade, divulgada em italiano e voltada para às pri-
meiras colônias italianas, em fevereiro de 1920 (Staffetta Riogranden-
se, 1920, nº 44, p. 3), pela colonizadora H. Hacker & Cia., fica evidente
a estratégia da empresa em destacar que suas terras eram próprias a
pequenos agricultores, que estavam localizadas muito próximas à ferro-
via, com boas estradas de acesso e, portanto, conectadas com os grandes
centros de consumo do país, como Curitiba, São Paulo e Rio de Janei-
ro. Também, como artifício para facilitar a comercialização, destacava a
existência de escola e de igreja, o que permitiria a manutenção da cultu-
ra e costumes da família.
A prática publicitária adotada pela empresa colonizadora de Henri-
que Hacker, em geral, foi assumida pela maioria das empresas particu-
lares que aturam no Vale do Rio do Peixe e Oeste catarinense. Em 1923,
sócios da empresa H. Racker e Cia. aliaram-se ao empresário Leonel
João Mosele e fundaram a Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ghilardi
& Cia. Dois anos mais tarde, fruto de associação parcial entre as duas,
surgiu a Sociedade Territorial Mosele, Eberle & Ahrons Ltda. Sobre tais
empresas, destaca Nilson Thomé (2006, p. 275), elas cravaram as bases
para a colonização de Bom Retiro, Leãozinho, Capinzal, Rio do Peixe e
Uruguai, com porções também na margem esquerda do Rio do Peixe, no
município de Campos Novos, alcançando ainda a região de Concórdia.
A Mosele, Eberle, Ghilardi & Cia. possuía inicialmente o domínio de
grande extensão de terra na margem direita do Rio do Peixe, como pode
ser observado na Figura 1. A empresa adquiriu e loteou boa parte do
território do velho Cruzeiro, atuais municípios de Joaçaba, Ouro, Catan-
duvas, Jaborá, Presidente Castelo Branco, Ipira e Peritiba. Pela imagem
se observa a característica dos lotes rurais, que seguem um padrão de

197
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

em média 24 hectares, correspondentes a uma colônia. José Carlos Ra-


din (1996, p. 80) destaca que a sede da empresa se localizava em Porto
Alegre, mas um dos sócios, Leonel João Mosele, residia em Marcelino
Ramos, facilitando assim, as transações comerciais em Santa Catarina.
Essa era uma prática comum no tocante à administração das colônias.
As empresas colonizadoras recrutavam agentes que atuavam no conven-
cimento para a aquisição das terras nessa nova fronteira agrícola.

Figura 1 – Planta da Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Guilardi & Cia.

Fonte: Acervo Gilson Ratti (Joaçaba-SC).

Na propaganda da empresa Mosele, Eberle, Ahrons & Cia., Figura


2, são identificados diversos encarregados atuando em suas respectivas
localidades, no intuito de recrutar o maior grupo de colonos para a ocupa-
ção dos assentamentos no território de Cruzeiro. Igualmente, salienta a
grande quantidade de terras comercializadas ao longo do processo de co-
lonização do município e a acuidade das empresas privadas na execução
do empreendimento. Em 1925, a empresa colonizadora também adquiriu

198
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

da Brazil Development & Colonization Company 3.346 lotes coloniais,


com o encargo de colonizar a gleba “Rio Engano”. Carlos Fernando Co-
massetto (2007, p. 9) acrescenta que em 1932, com o desígnio de concre-
tizar a reocupação do espaço de Concórdia, então distrito de Cruzeiro,
foram divididos 3.638 lotes rurais e 256 lotes urbanos.

Figura 2 – Propaganda da Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahrons & Cia.

Fonte: Staffetta Riograndense, 18 de abril de 1929, p. 04.

199
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

As observações precedentes justificam as políticas adotadas pela


empresa em períodos anteriores. Na propaganda divulgada pelo Jornal
Stafetta Riograndense em 1927, “o progresso alcançado pelo Distrito de
Concórdia”, com a existência de duas casas de comércio, um hotel, uma
serraria movida a turbina, a qual gerava energia elétrica para a sede
da empresa, era considerado o grande diferencial. A estrada ligando o
distrito de Cruzeiro a Marcelino Ramos, em fase final de execução, tam-
bém era apontada como marco para o desenvolvimento local. (Staffetta
Riograndense, 16 de fev. de 1927, p. 04). Destaque-se que os atuais muni-
cípios de Arabutã, Ipumirim e Lindoia do Sul também tiveram a atuação
direta da empresa na organização das propriedades agrícolas.
A empresa colonizadora Luce, Rosa & Cia. Limitada, com sede em
Porto Alegre, foi fundada em 1915 e empreendeu boa parte dos negócios
no estado de Santa Catarina. Além do distrito de Concórdia, a coloniza-
dora atuou no loteamento e comercialização do território do velho Cru-
zeiro, que corresponde atualmente aos municípios de Seara, Itá e Paial.
Em seus estudos, Márcia dos Santos Caron (2009, p. 85) expôs que os
acionistas da empresa mantinham estreitas relações com representantes
do poder político rio-grandense o que favoreceu a aquisição de terras no
nordeste do Rio Grande do Sul, e, com a capitalização da empresa, poste-
rior expansão para o estado vizinho.
As práticas de organização adotadas pela Luce, Rosa & Cia. eviden-
ciam arranjos comuns no processo de aquisição e comercialização das
terras. A mercantilização por essa e demais empresas, aliava interesses
privados e os do Estado, que buscavam a ocupação efetiva dos espaços
considerados “vazios”. Em Santa Catarina, ela figura entre as primei-
ras empresas a comercializar terras na região do Contestado. Segundo
Caron (2009, p. 91), em 1921, o sócio e representante da empresa, José
Petry, recebeu um Título de Concessão de Terras Públicas expedido pelo
governo catarinense, de uma área de 1.095,1 hectares, parte do distrito
de Sertãozinho. A concessão, somada às áreas da Fazenda Sarandy e
parte da Fazenda Barra Grande, no distrito de Concórdia, adquiridas em

200
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

1919, resultou em 14.926,6 hectares de terras contíguas, destinadas ao


projeto de colonização.
A empresa colonizadora Ângelo de Carli & Cia., fundada em 1914,
atuou especialmente nos atuais municípios de Irani, Ponte Serrada e
Vargem Bonita. Seguiu o mesmo viés de ocupação das áreas que as de-
mais empresas e, seus agentes de comercialização, mesmo que as terras
não estivessem tão próximas à Ferrovia São Paulo-Rio Grande, reforça-
vam a ideia de que a área tinha acesso a ela, além de exaltar a quanti-
dade e a qualidade das terras. Em divulgação da venda de lotes na Co-
lônia Irani (Cruzeiro), em 1928, destacava-se as grandes possibilidades
de produção devido à fertilidade do solo, ao clima e às boas estradas que
davam acesso à estação Herval. Já a Vila de Cruzeiro era descrita como
um centro dinâmico onde qualquer gênero poderia ser comercializado,
o que facilitaria a vida do colono (Stafetta Riograndense, 1928, nº 38,
p. 4). Acerca dessas estratégias, Arlene Renk (2006, p. 69) também des-
taca que a fertilidade do solo aliada à criação de infraestrutura mínima
seriam os principais alicerces para a atração dos compradores rio-gran-
denses. Ainda, em relação à empresa de Ângelo de Carli & Cia., como foi
descrito por Radin (2009, p. 196), na década de 1950 ela figurava entre
as mais prósperas de Caxias do Sul. Paralelamente, as atividades de Co-
lonização em Cruzeiro, investia no extrativismo madeireiro, na região de
Caçador. Também, em Herval d´Oeste, construiu uma fábrica de fósforos
e atuava na extração de erva-mate.
Os relatos perpetrados, quando da passagem do governador Adolfo
Konder por Ponte Serrada, em 1929, dão conta de que no local vivam
“apenas quatro famílias”. Claro está que, por esse número, a autoridade
desconsiderava as famílias caboclas, tendo em vista se tratar de local ha-
bitado pelo grupo. Os registros mostram que, no deslocamento de Cruzei-
ro até Irani e Ponte Serrada, Konder enfatizou a excelência do sistema
rodoviário e que a presença de assentamentos familiares representaria
“a conquista da civilização” (Boiteux, 1931, p. 9-10).

201
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

A colonizadora Ângelo de Carli & Cia. também fez uso da prática


de divulgação, no Rio Grande do Sul, da venda das terras, através de
propagandas em jornais que circulavam nas regiões dos primeiros as-
sentamentos de imigrantes. Dava ênfase à terra barata e fértil e a pos-
sibilidade de os colonos prosperarem e de se tornarem proprietários. Na
década de 1930, os agentes que atuavam na região de Ponte Serrada, ao
divulgar a venda dos lotes, segundo Arlene Renk (2006, p. 73), salien-
tavam que neles havia pinheirais e, portanto, seriam mais valorizados
devido a possibilidade de comercialização da madeira, ou ainda, terrenos
“limpos”, sem a madeira, mais baratos. Essa estratégia visava facilitar a
venda dos terrenos, permitindo que mais gente pudessem adquirir.
A Empresa povoadora e Pastoril Theodore Capelle & Irmão, sediada
em São Paulo e dirigida pelo francês Theodore Jean Leon Capelle, apos-
tando na lucratividade do negócio, também direcionou suas atividades
para Cruzeiro, especificamente para a região de Concórdia e Piratuba.
Carlos Fernando Comassetto (2007, p. 8) ressalta que o maior empreen-
dimento da empresa esteve atrelado à negociação de aproximadamente
32.500 hectares da gleba Rancho Grande, com a Companhia Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande.
É relevante pontuar que a extensão da propriedade Rancho Grande
foi pleiteada judicialmente pela Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande
junto ao governo catarinense. Como destacou Nilson Thomé (2007, p.
289), o governador Hercílio Luz questionava a posse das terras tituladas
ao sindicato de Farquhar pelo Paraná. Somente em 1924 quando foi en-
cerrada a questão judicial entre o Governo e a Brazil Railway Company,
acertaram-se as bases para a efetiva colonização e o repasse a para em-
presa Theodore Capelle & Irmão.
Contudo, as disputas judiciais entre a referida empresa e o Esta-
do catarinense pela expedição de títulos de propriedade não podem ser
consideradas o único entrave que permeou a colonização da propriedade
Rancho Grande. No processo de comercialização das terras e da fixação

202
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

dos agricultores, Cristina Dallanora (2020, p. 57-58) pontua a intensi-


ficação da expropriação dos habitantes da região o que resultou em le-
vantes como, por exemplo, os que ocorreram no município de Cruzeiro,
em 1921, com o propósito de impedir a demarcação das terras. Muitos
posseiros que ocupavam a região também acionaram judicialmente a
EFSPRG alegando que a desapropriação era indevida, estando suas ter-
ras além da área demarcada pelo Estado1.
O processo de apropriação privada da terra e da colonização aos
agricultores, não foi nem de longe pacífico e sem conflitos. As empresas,
movidas pela perspectiva do lucro e amparadas na legislação, adotaram
condutas que excluíam ou marginalizavam as populações tradicionais.
Por outro lado, a característica dos assentamentos familiares, em lotes
que tinham 24 hectares como referência de tamanho, condicionou a for-
ma de ocupação, nesse sentido se diferenciando do latifundiário presente
em grande parte do país. Incumbidas pelo Estado de fixar agricultores,
tidos como portadores do ethos do trabalho, as empresas colonizadoras
retalharam as terras do município de Cruzeiro e atraíram para a nova
fronteira agrícola grandes contingentes populacionais.
Esse cenário do início do século XX modificou profundamente a his-
tória do município de Cruzeiro e da região, seja pela forma de domínio ou
pela dinâmica socioeconômica que decorreu da migração. Seu território
possuía uma área de 7.680 Km², no ato da criação e, nessa vasta ex-
tensão, a baixa densidade demográfica era apontada pelo governo como
o principal empecilho para o almejado progresso, por isso também tais
empresas eram bem vistas pelas autoridades.

A migração para o velho Cruzeiro


A colonização de Cruzeiro esteve diretamente atrelada à expansão
capitalista, simbolizada na privatização da terra, em particular pela

1
Acerca dessas disputas judiciais impetradas por posseiros contra a Companhia EFSPRG no
município de Cruzeiro, na década de 1920, ver, Frattini; Radin (2022, p. 187-206).

203
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

atuação das empresas colonizadoras, responsáveis por efetivar assenta-


mentos de agricultores em todo o território do ex-Contestado. Para tal,
souberam aproveitar-se do fator ferrovia, que era importante meio tanto
para o deslocamento de pessoas quanto para a comercialização de produ-
tos, o que ia transformando as terras do município em um capital valioso.
Por isso foi se construindo uma teia de interesses em torno da coloniza-
ção. Ao repassar a comercialização das terras ao setor privado, o Estado
buscava também repassar as responsabilidades com a infraestrutura,
além de potencializar a arrecadação de impostos.
A questão agrária, no início do século XX, estava diretamente vin-
culada aos ideais de modernização da fronteira, que se dariam pela efe-
tiva ocupação do território. Nesse sentido a migração de descendentes de
europeus, considerados portadores do ethos do trabalho, era tida como a
alternativa para a superação do atraso que a região se encontrava. Nessa
perspectiva a colonização, segundo João Carlos Tedesco (2008, p. 7-8),
simbolizou a ação de homens sobre um determinado espaço. Promoveu a
negociação da terra e implicou na transformação da relação homem-na-
tureza, homem-terra, homem-mercadoria.
No caso de Cruzeiro, sobretudo até meados do século passado, des-
taca-se a intensa atuação das empresas de colonização, tanto na estrutu-
ração das colônias em si, que se estabeleciam na nova fronteira, quanto
pela comercialização dos lotes. A mercantilização da terra nessa região
do território ex-contestado estava intimamente ligada às condições das
antigas colônias do Rio Grande do Sul, de onde partiu a maioria dos mi-
grantes.
O crescimento demográfico de Cruzeiro evidencia o significado exer-
cido pela ferrovia, aliada às estratégias dos empresários na reocupação
pela colonização, pelo grande afluxo de migrantes a esse território. O
município que foi criado com extensão territorial de 7.680km2, contava,
conforme dados do IBGE, com 13.335 habitantes e, em 1940, alcançou
36.448. Acrescente-se a esse número a população do município de Con-

204
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

córdia, que havia se emancipado de Cruzeiro em 1934, e contava com


população de 32.754 habitantes (IBGE, 1956, p. 597). Os números que
se referem à população do território que formou Cruzeiro são ainda mais
expressivos quando comparados a Chapecó, cuja extensão territorial era
de mais de 14.000km2 e, em 1920, registrava população de 11.315 habi-
tantes, passando a 44.660 em 1940.
Destaque-se que parte significativa dessa população da nova fron-
teira agrícola era formada principalmente por descendentes de italianos
e alemães que migraram das primeiras colônias do Rio Grande do Sul.
Esses migrantes, convencidos de que as terras de Cruzeiro ofereceriam
uma melhor condição de vida, adquiriram os lotes comercializados pelas
empresas, favorecendo o processo colonizador ambicionado pelo poder
público. A propriedade agrícola familiar facilitou, dessa forma, a reocu-
pação dos “vazios improdutivos”, pelos migrantes, imbuídos da ideia de
conquistar sua propriedade e de melhorar a sua condição social.
O processo histórico de povoamento e de colonização de Cruzeiro
permite identificar, dessa forma, a significativa participação das em-
presas colonizadoras. Foram elas que, como afirma Eunice Sueli Nodari
(2002, p. 50),
[...] com suas diferentes técnicas souberam trabalhar com as insatisfações as
esperanças dos teutos e ítalos, mostrando-lhes que na nova vida a ser iniciada
teriam condições de manter as suas práticas socioculturais e o seu padrão
econômico ou mesmo melhorá-lo.

Reproduzindo as práticas agrícolas de seus antepassados, em ter-


renos acidentados, de vales e matas, que caracterizam o município de
Cruzeiro e o vale do rio do Peixe, favoreceu-se a expansão da pequena
propriedade agrícola, gerida e trabalhada pela família. Nesse tipo de
agricultura prevaleceram culturas de verão, como as do milho e feijão e
as de inverno, como a alfafa e o trigo; permitindo que a produção fosse
além do consumo próprio. O excedente, principalmente de trigo, era leva-
do a grandes centros de abastecimento através da ferrovia, mas gradati-
vamente também sendo processado por uma gama de moinhos coloniais,

205
Marilize Radin Fratini, José Carlos Radin

que emergiram na região. Assim, essa produção camponesa deu suporte


a uma dinâmica econômica que diferenciou o município de outras áreas
com ocupação diferente, como as do latifúndio.

Considerações finais
O período que compreende o final do Império e o início da República
foi de grandes transformações no país, que também se fizeram sentir no
antigo território Contestado. A intensificação da demarcação de terras
favoreceu o avanço da apropriação privada de imensas áreas e a reocu-
pação desses “sertões”, sobretudo pela fixação do elemento branco. Nesse
cenário, o território de Cruzeiro, e do Oeste catarinense, constituiu-se em
base de uma significativa fronteira agrícola.
Diversas empresas de colonização exerceram um papel decisivo no
processo de reocupação do território, sobretudo após a construção da Fer-
rovia São Paul-Rio Grande. A Southern Brazil Railway Company e suas
subsidiárias, bem como diversas outras empresas privadas, atraíram,
para Cruzeiro, milhares de agricultores, em sua maioria descendentes
de imigrantes das primeiras colônias do Rio Grande do Sul, vistos como
ideais para promover o progresso almejado pelas autoridades, em espe-
cial quando comparados às populações já estabelecidas, que foram alija-
das do processo.
A estratégia de mercantilização das terras adotadas pelas referidas
empresas foi a de dividi-las em lotes destinados à agricultura familiar.
Para tal, realizaram intensa campanha publicitária, dirigida especial-
mente à população das áreas dos primeiros assentamentos de imigran-
tes. Em seus anúncios exploravam vários elementos como a proximidade
com a ferrovia, além da fertilidade do solo, da produtividade e da possi-
bilidade de comércio, dos preços atrativos das terras, da abundância de
madeira e, consequentemente, das grandes possibilidades de ascensão
social e econômica. Nesse cenário, até meados do século XX, tais empre-
sas atraíram para Cruzeiro dezenas de milhares de migrantes agricul-

206
Empresas colonizadoras e colonização do antigo Cruzeiro

tores. Para as autoridades, a atividade das empresas colonizadoras foi


considerada complementar ao interesse público, justamente por fixar os
migrantes ao território e por torná-lo produtivo.

Referências/fontes
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209
Volksverein: associação com ares de
colonizadora (1912-1956)

Carlise Schneiders

Introdução

N
a edição número 09 do ano de 1920 da revista St. Paulus-Blatt,
ocupa lugar a partir da página 04 o estatuto atualizado da
Volksvereins für die deutschen Katholischen in Rio Grande do
Sul (Sociedade União Popular para alemães católicos do Rio Grande do
Sul)1. O estatuto determina a atuação da entidade:
O motivo da associação é a promoção da ordem escrita, em especial o acompa-
nhamento dos católicos alemães sobre o desenvolvimento das novas funções
sociais e religiosas em crescimento e a escolarização para trabalhos práticos
em relação ao desenvolvimento intelectual e econômico de todas as profissões.
A associação ao mesmo tempo dá atenção especial às questões religiosas bá-
sicas da sociedade. A língua oficial da associação é alemã. É de se citar que a
Volksverein é orientada pela autoridade dos bispos e o principal bispo respon-
sável é o bispo metropolitano (Traduzido pela autora)2.

É nesse sentido que organizações associativas dos alemães e teu-


to-brasileiros do sul do país funcionavam em sua maioria. Em todas as
localidades onde a imigração alemã se concentrou, apareceram também
inúmeras associações, clubes e sociedades, elas projetavam e organiza-
vam grupos com membros definidos, regras estabelecidas e objetivos

1
Neste trabalho, ambos os nomes podem ser utilizados para designar a associação, tanto
Volksverein, quanto União Popular.
2
ST. PAULLUS-BLATT. Estatuto da Sociedade União Popular. Nº 9, 1920, p. 04. Arquivo da
Associação Antônio Vieira, Porto Alegre – RS.
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

claros, normalmente atuando em setores sociais das comunidades em


busca da promoção da germanidade (Deutschtum)3. O objetivo dessas
agremiações era, principalmente, conservar a cultura alemã entre os as-
sociados. Nos primeiros anos da colonização alemã no Rio Grande do
Sul, os colonos dedicavam grande parte de seus esforços na construção
material da colônia, deixando em segundo plano a formação espiritual.
No entanto, a partir dos anos de 1860 uma diversidade de “formas de
lazer que se destinam ao espírito e ao coração, [...] sociedades de canto,
orquestra, sociedades de teatro, círculos de leitura, etc.” (Cem anos de
germanidade... 2005, p. 302) começam a ocupar espaço no cotidiano da
população teuto-brasileira.
Além das atividades culturais de lazer, havia associações que se en-
carregavam de questões financeiras, educacionais, religiosas e de coloni-
zação, afinal, a Colônia era o palco central das atividades de qualquer as-
sociação. Dessa forma, objetiva-se, no presente texto, fazer um panorama
da Sociedade União Popular para alemães católicos do Rio Grande do Sul
ou Volksverein, enquanto associação que se preocupava tanto com ques-
tões “do espírito” quanto com a construção de novas zonas de colonização.
Assim, a partir de análises de cartas trocadas entre os padres da
associação, estatutos, artigos e propagandas publicados na revista da
associação St. Paulus-Blatt e bibliografia a respeito, busca-se fazer uma
análise da atuação da Volksverein enquanto associação e colonizadora a
partir do método micro histórico. Segundo Geovanni Levi (2011, p. 135),
“a micro-história é essencialmente uma prática historiográfica [...] o mé-
todo está de fato relacionado em primeiro lugar, e antes de mais nada,
aos procedimentos reais detalhados que constituem o trabalho do his-
toriador”, nesse sentido, é importante frisar a utilização da variação de

3
Em síntese, a Germanidade (Deutschum) objetiva que os imigrantes alemães e seus descen-
dentes sejam cidadãos brasileiros, preservando, no entanto, características culturais e de iden-
tidade étnica alemães a partir da conservação da língua alemã, das características raciais e
culturais dos imigrantes. Essa ideologia era defendida pincipalmente por membros das elites
dos núcleos coloniais, principalmente aqueles ligados às igrejas, às escolas, aos centros de co-
mércio ou profissionais liberais, uma das principais formas de divulgar e preservar a ideologia
era a partir da imprensa (Arendt, 2006).

211
Carlise Schneiders

escalas defendido por Revel (2010). Dessa forma, a micro-história em


conjunto com a variação de escalas fornecerá subsídios para pensar a
partir da Volksverein a atuação de associações no contexto da colonização
alemã no sul do Brasil para manutenção da germanidade que envolvem
diretamente ideais religiosos, políticos, culturais e econômicos arraiga-
dos nas sociabilidades das colônias de população alemã e teuto-brasileira
e como entidade colonizadora.
A Volksverein, enquanto associação de caráter universalista, de
atuação direta em diversos campos da sociedade, teve lideranças tanto
de caráter clerical jesuíta, quanto de leigos. No entanto, as ideias dos
projetos da associação e a execução dos trâmites necessários para tal,
eram majoritariamente feitos pelos padres jesuítas, e sendo estes letra-
dos e eruditos, deixaram escritas centenas de páginas acerca das suas
andanças, ideias e projetos no sul do país. Essa cultura escrita da or-
ganização facilita o acesso às fontes e amplia o debate acerca de sua
atuação. Encontram-se nesses registros, diversas referências à projetos e
objetivos da Volksverein, e da mesma forma, incongruências sobre alguns
pontos e projetos não atingidos.
A partir disso, busca-se no primeiro momento deste artigo, analisar
a criação da Volksverein, seu projeto de organização, seus objetivos e as
ferramentas utilizadas pela associação para efetivação de suas metas.
Na segunda parte da proposta, parte-se para a criação da “Colônia Mo-
delo” em 1926 no oeste de Santa Catarina. A Colônia Porto Novo, ideali-
zada pela associação, ocupa espaço importante na construção ideológica
da Volksverein, pois seria povoada apenas por alemães e teuto-brasileiros
católicos, que buscavam crescimento econômico e preservação da língua
e da cultura teuto-brasileira. Por isso, diversos esforços são realizados
desde a compra do território até a venda dos lotes e posteriormente, da
implantação de escolas, igrejas e organização das sociedades.
A última parte desta análise se concentra nos anos do pós-Guerra, a
partir de 1945. Nesse momento, feita a instalação e conquistada a quase

212
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

independência da “Colônia Modelo”, os esforços se concentram novamen-


te em encontrar um espaço para fundar uma espécie de “Porto Novo II” e
ampliar as influências dos ideais de germanidade da Volksverein. É pre-
ciso antecipar que os estudos sobre esse período ainda são iniciais, o que
se propõe aqui é o início de um debate sobre a tentativa de implantação
de colônias étnicas e confessionais em meados dos anos de 1950 no Brasil
pela Volksverein.

Associações como forma de afirmação da identidade


Há um ditado que diz que “se três alemães se juntarem, um clube
estará formado”, a máxima pode parecer extravagante, no entanto, a tra-
dição germânica de formação de sociedades não ficou esquecida na pá-
tria-mãe, pelo contrário, os imigrantes e seus descendentes cultivaram
(e ainda cultivam) esse tipo de reunião social. Seyferth afirma que “tais
associações se constituíram como expressão da Kultur alemã, daí ad-
vindo seu papel como lugares de afirmação da etnicidade” (1999, p. 25).
Ainda segundo a autora, diversas associações (Vereine) são organizadas
no Brasil principalmente partir da metade do século XIX, essas associa-
ções possuíam caráter social e poderiam ser: sociedades esportivas e de
lazer, de ginástica, tiro, futebol ou bocha; sociedades formadas por gru-
pos de trabalhadores, como comerciantes ou agricultores; e sociedades de
ajuda mútua que arrecadavam bens para hospitais, asilos, fundos para
aposentadorias e pensões, majoritariamente para a comunidade étnica
(Seyferth, 1999).
Elemento importante dessas organizações é a conservação do idio-
ma, central na manutenção da germanidade, principalmente através de
cantos, literatura e teatro. Esse elemento central aparece não apenas
nos clubes e associações, mas também em outras formas de ampliação
da cultura germânica, como o grande volume de circulação de periódicos.
Jornais, revistas e Kalenders, principalmente, são fundados também a
partir da metade do século XIX e contribuem massivamente para a ex-

213
Carlise Schneiders

pansão da cultura, das crenças e para a formação da etnicidade germâ-


nica no Brasil. Para os idealizadores desses movimentos, é fundamental
preservar essa identidade,
Afinal, que valor teria a emigração da velha pátria, a expansão na nova pátria
às vivências históricas tão relevantes somadas ao progresso material caso os
imigrantes alemães do Rio Grande do Sul não tivessem preservado os seus
bens culturais, não tivessem continuado no cultivo do espírito? Sem esse con-
teúdo espiritual, sem o desenvolvimento cultural, nossa germanidade não pas-
saria de uma casca sem caroço! (Cem anos de germanidade..., 2005, p. 289).

Nessa perspectiva é interessante empregar dois termos debatidos


por Silva (2000, p. 81) quando este diz que “Identidade e Diferença não
são, nunca, inocentes”. Segundo o autor, ambos os conceitos são empre-
gados para demarcar simbolicamente o espaço em que os indivíduos
estão inseridos, e que isso representa, acima de tudo, uma disputa de
poder. Pois, onde existe diferença, existem hierarquias de poder. Nessa
perspectiva, a união de alemães em clubes, associações e na organização
de periódicos para afirmação e difusão de sua cultura seria uma forma
de disputa de poder. Afirmar a sua identidade para se diferenciar dos
demais e garantir, dessa forma, a inclusão de seus membros no “nós” (os
germânicos residentes no brasil) em oposição ao “eles” (todos os outros
grupos étnicos brasileiros).

Origens ideológicas: os padres jesuítas


Os padres jesuítas responsáveis pela construção ideológica da Volks-
verein no Rio Grande do Sul, tinham em sua formação grande influência
da restauração católica, movimento organizado pela igreja na Alemanha
contra a Kulturkampf4. A restauração católica na Alemanha, enquan-
to reação do movimento de secularização que acontecia nos Estados-de-
mocráticos em nascimento na Europa, defendia a volta aos preceitos do

4
Em tradução literal, Kulturkampf significa “luta pela cultura”, foi um movimento de disputa
na Alemanha promovido por Otto Von Bismarck no século XIX que defendia a laicização do
Estado. Esse movimento tira forças da Igreja Católica que retruca com o movimento de restau-
ração católica.

214
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Concílio de Trento. O mesmo movimento também seguia o Ultramonta-


nismo, que defendia a infalibilidade papal e a centralidade da Igreja de
Roma (Rambo, 2013).
Dessa forma, visto que o Estado visava diminuir a influência do cato-
licismo diante da população, a Igreja se volta para o povo e constrói uma
gama de ferramentas para essa aproximação. Segundo Schallenberger,
Na tentativa de recuperar o seu espaço de influência social, política e cultu-
ral, a Igreja Católica foi se declinando, cada vez mais, para as questões so-
ciais, aproximando-se dos trabalhadores, organizando-os em associações, em
entidades assistenciais, em sindicatos e em cooperativas. A diversidade das
formas de intervenção social fomentou o desenvolvimento de eixos de con-
vergência para as atividades associativas, que tiveram no Partido do Cen-
tro (Zentrumspartei) a coordenação das ações políticas e na União Popular
(Volksverein) o ponto de convergência das ações educativas, sociais e religiosas
(Schallenberger, 2009, p. 24).

Diante desse cenário, o primeiro-ministro Prussiano, Otto Von Bis-


marck, não satisfeito com a atuação da Igreja católica e em especial dos
padres da Companhia de Jesus pela sua atuação política, expulsou o
grupo do Império Alemão, oficialmente em 1873. Cerca de 750 membros
precisavam encontrar novos postos de trabalho e o sul do Brasil foi um
desses locais. A preferência dos padres, naquele momento, era de traba-
lhar com grupos de imigrantes alemães e seus descendentes, o que no Rio
Grande do Sul encontrou solo fértil (Werle, 2011).
A presença jesuítica nas colônias alemãs, no entanto, não se deu
apenas a partir da expulsão destes do Império Alemão. Alguns padres je-
suítas espanhóis já se encontravam em território gaúcho anteriormente.
Mas, indiferente da origem, os padres tinham a opinião unânime de que
as colônias de alemães estavam desamparadas espiritualmente. Essa si-
tuação acabou por incentivar os planos jesuítas. Sua atuação no Sul do
Brasil se organizou de forma muito parecida com o trabalho que estava
acontecendo em território europeu durante a restauração católica: or-
ganizar paróquias e fiéis; realizar congressos católicos que objetivavam
discutir os problemas da colônias e encontrar soluções; criar associações
de classe que representasse e oferecesse soluções às necessidades dos

215
Carlise Schneiders

trabalhadores; cuidar da educação nas colônias; uso da imprensa para


disseminação de sua doutrina, entre outros (Werle, 2011). Segundo Mon-
teiro (2009, p. 2), a romanização da igreja que ocorre no sul do Brasil
com o advento da restauração católica, implica em uma série de práticas
religiosas, principalmente educacionais, que formam, posteriormente, a
elite burguesa das regiões metropolitanas, o que garante “a reprodução a
manutenção do pensamento católico conservador”.
Enquanto na Europa os movimentos socialistas de organização de
trabalhadores iam de vento em popa, o social-catolicismo surge para dar
conta da demanda. Conservadora, a igreja precisava garantir seus domí-
nios e expandir a sua doutrina. Dentre as investidas da Restauração para
determinado cenário, estava a organização de Katholikentage, “assem-
bleias anuais de todas as associações católicas da Alemanha, nas quais
se tiravam as grandes orientações para a política do social-catolicismo”
(Shallenberger, 2009, p. 80). Da mesma forma, se objetivava a criação de
uma associação que abarcaria a “necessidade de uma organização mais
efetiva dos católicos para que os fundamentos da cultura, da nacionali-
dade e da própria organização social fossem balizados no cristianismo”
(Shallenberger, 2009, p. 80). Essa associação se efetivou em 1890 sob a
denominação de União Popular para a Alemanha Católica (Volksverein).
No Brasil, organizações associativas também estavam sendo orga-
nizadas pelos padres jesuítas, dentre as figuras, a que mais se destacou
foi o padre Theodor Amstad,
Os seus superiores da ordem, aproveitando seus conhecimentos especializa-
dos e a sua tendência para o trabalho social, destacaram no como sacerdote
volante a percorrer no lombo do cavalo, qual autêntico gaúcho, os núcleos co-
loniais fundados pelos imigrantes alemães no Estado, com a incumbência de
prestar-lhes assistência religiosa, ao mesmo tempo que esclarecia e orientava
os colonos imigrados sobre culturas, seleção de sementes, tratamento da ter-
ra, mercados compradores, etc, animando os nas árdua tarefa de pioneiros e
desbravadoras dos nossos sertões e infundindo no seu espírito a consciência
de classe e a ideia cooperativista como fatores eficazes na organização e defesa
dos interesses económicos dos núcleos fundados (Requerimento da Sociedade
União Popular do Rio Grande do Sul ao Exmo. Snr. Dr. João Gonçalves, Porto
Alegre, 22 jun. 1955, fl. 1).

216
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

O seu contato com os colonos o fez perceber as mazelas sociais em


que se encontravam grande parte dos trabalhadores, principalmente em
relação ao acesso material de gêneros industrializados e a venda dos gê-
neros produzidos nas colônias, dessa forma, por sua iniciativa, funda-se
a Bauernverein, Associação Riograndense de Agricultores.

Bauernverein
Grande parte das associações que estavam ligadas ao lazer e a cul-
tura, e até mesmo os de ajuda mútua tinham como público-alvo os mo-
radores de determinada localidade dentro do grupo étnico. Outro tipo de
associação eram as que tinham como público-alvo todos os membros de
determinada categoria dentro do estado ou até mesmo, do sul do país,
exemplo disso é a Federação do Cantores do Rio Grande do Sul ou a So-
ciedade Alemã de Amparo Mútuo (Cem anos de germanidade..., 2005).
No final do século XIX, quando um número considerável de associações
já estavam consolidadas e atendiam as mais diversas demandas locais,
formou-se a Associação Riograndense de Agricultores ou Bauernverein,
por sugestão e pioneirismo do Padre Theodor Amstad SJ.
O padre Amstad, pequeno no porte, mas grande no coração e no seu ideal, era
amigo, conselheiro e defensor dos colonos, e através dos contatos com os diver-
sos núcleos na sua visitação periódica aos mesmos, conhecia bem as necessi-
dades e os problemas desses pioneiros da pequena agricultura no Estado. De-
pois de diversos anos de preparação e doutrinação dos agricultores imigrados,
fundou o Bauernverein (Sociedade dos Colonos), organização de caráter inter-
confessional, congregando, indistintamente, colonos católicos e protestantes
com o objetivo de arregimenta-los, paraque, fortalecidos pela união, pudessem
solucionar com mais facilidade, os muitos e graves problemas que se afligiam
nos primórdios da colonização no estado (Requerimento da Sociedade União
Popular do Rio Grande do Sul ao Exmo. Snr. Dr. João Gonçalves, Porto Alegre,
22 jun. 1955, fl. 1).

A demanda da criação da associação seria pela vasta produção de


gêneros (principalmente da agricultura) nas colônias teuto-brasileiras,
a dificuldade logística e a dependência de países estrangeiros industria-
lizados quando diz respeito à produtos “vestuário, instrumentos de tra-

217
Carlise Schneiders

balho e instalação de moradias” (Rambo, 1988, p. 110). A partir disso, a


atuação da associação seria fundada em: amparo jurídico aos agriculto-
res do Rio Grande do Sul; e melhoria da agricultura e da pecuária, com
divulgação de técnicas agrícolas, principalmente através do periódico da
Bauernverein, o Bauerfreund (amigo do agricultor).
Entre 1899 e 1909 a Bauernverein idealizou projetos de colonização
e de organização de finanças. Uma de suas principais contribuições foi
a fundação das Caixas Rurais5, que posteriormente se transformaram
nas Cooperativas de Crédito. Segundo Werle (2014), houve um esforço
amplo por parte, principalmente, de Amstad para a fundação das Cai-
xas Rurais e dentre os principais problemas para a sua implementação
estava o convencimento dos agricultores sobre a sua eficiência e a impor-
tância de poupar. A primeira Caixa Rural implementada no Rio Grande
do Sul foi na Linha Imperial, interior de Nova Petrópolis no ano de 1902.
É importante frisar, nesse contexto, que a implementação das Caixas
Rurais não serviria apenas para o avanço material dos colonos, segundo
Werle (2014), o projeto tinha objetivos tanto para crescimento material
dos colonos e das colônias, tanto quanto de formação moral, promoção da
unidade colonial e das sociabilidades baseadas na cultura germânica de
organização familiar.
Outra realização importante da associação, foi a implementação de
uma colônia interconfessional alemã no noroeste gaúcho, a Colônia Serro
Azul (atual município de Cerro Largo). A Colônia foi fundada em 1902,
objetivava reunir colonos alemães e teuto-brasileiros católicos ou protes-
tantes, mas com preceitos étnicos germânicos. No entanto, foi justamen-
te a característica interconfessional da associação que acabou por dividir
a Bauernverein em dois grupos. Em 1912 a associação se dividiu entre
católicos, que criaram a Volksverein, e protestantes, que deram continui-
dade à Bauernverein sob a denominação de Liga Colonial.

5
O tema é amplamente discutido na tese de Márcio José Werle (2014).

218
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Volksverein
Sob clara inspiração alemã, no Congresso Católicos de 1912, em Ve-
nâncio Aires-RS, os padres jesuítas, ainda sob a liderança de Theodor
Amstad, criam a Volksvereins für die deutschen Katolichen in Rio Grande
do Sul, que em 1934 foi registrada com o nome Sociedade União Popular
do Rio Grande do Sul. A associação objetivava formar (ou manter) co-
munidades católicas e alemães em perfeita harmonia, de acordo com os
preceitos religiosos e com progresso econômico. Dessa forma, a Volksve-
rein organizou diversos instrumentos de multiplicação da sua doutrina.
Werle ressalta a atuação da companhia com a publicação de periódicos
(jornais e almanaques); fundação de hospitais e asilos, escolas e seminá-
rios; realização dos Katholikentage (Congressos Católicos), cujos temas
estavam relacionados com a situação e problemas econômicos, sociais,
espirituais e culturais dos colonos; e a organização do Sparkass (O Siste-
ma de Crédito “Caixa Rural União Popular”) (Werle, 2000, p. 19).
Dentre os mecanismos de difusão de uma ideia de sociedade, a
Volksverein iniciou ainda em 1912 a edição de uma revista que difundia
os preceitos da associação, a St. Paulus-Blatt, inteiramente escrita em
alemão. Klauck (2009, p. 93) diz que a imprensa foi utilizada de forma
massiva para “manter os católicos, católicos”. A revista era organizada
em seções, e abarcava as mais diversas esferas da vida social dos colonos,
desde a vida espiritual e religiosa, seções sobre educação e catequese,
seções práticas sobre a vida laboral na colônia, seção de classificados e
uma categoria voltada para as mulheres.
Essa revista é fundamental para a efetivação do projeto da Volksve-
rein, pois segundo informações levantadas por Klauck (2009), em 1914
existiam cerca 9000 sócios assíduos e todos estes recebiam interferência
direta ou indireta da St. Paulus-Blatt, pois a maioria dos sócios tinha aces-
so à revista e lia as matérias contidas nela. É importante lembrar que os
meios de comunicação ainda eram extremamente raros nas casas brasilei-
ras desse período, ainda mais nas regiões remotas que este estudo abarca,

219
Carlise Schneiders

por isso a importância de uma revista como a St. Paulus-Blatt. A revista


teve sua circulação interrompida no período do Estado Novo, justamente
pela característica da língua alemã, mas voltou a circular após 1948.

A Colonização Alemã e a Volksverein


A primeira Colônia alemã implantada no Estado do Rio Grande do
Sul, ainda durante o século XIX foi a Colônia São Leopoldo, em 1824.
Segundo Jean Roche (1969, p. 94) a colonização alemã no Rio Grande
do Sul teve duas fases: a primeira, entre 1824 e 1889, quando o governo
imperial, e depois o provincial, eram responsáveis pela colonização; e a
segunda fase, após a Proclamação da República (1889), quando os esta-
dos ficam responsabilizados pela colonização. Entre 1830 e 1845 a che-
gada de novos imigrantes foi suspensa, tanto por problemas internos da
província, quanto por problemas políticos no Rio de Janeiro6. Após 1845,
no entanto, a entrada de novos imigrantes voltou a acontecer, Arthur
Rambo (2003) destaca que até 1880 grande parte das terras entorno dos
Rios Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí estavam ocupadas, por isso, o
fluxo de colonos agora se orientava para o norte e para o oeste do Estado.
Segundo Rosane Neumann (2016), no caso do Rio Grande do Sul,
o governo positivista de Júlio de Castilhos (1891-1891/1893-1898) de-
fendeu a imigração espontânea e a transferência das responsabilidades
pelos imigrantes para as colonizadoras privadas. A partir de 1914, no
entanto, o governo estadual encerrou o contrato com o Governo federal
e cessou a entrada de novas levas de imigrantes, pois, as zonas coloniais
antigas já resultavam em um contingente populacional suficiente para
ocupar novos territórios, além de que essa população já possuía um co-
nhecimento avançado em relação à terra e a colonização.
Ademais, em 1915 “a população de descendentes e estrangeiros for-
mava mais de um terço da população total do estado [...] a assimilação

6
Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835-1845) e Abdicação de Dom Pedro I (1831).

220
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

desse contingente à população nacional era urgente e necessária” (Neu-


mann, 2016, p. 49). Esse contexto levou à expansão da fronteira agrícola
do estado gaúcho e a formação de uma “nova zona colonial” no norte e
noroeste do Rio Grande do Sul, Rambo assinala que,
A partir daí, a região se transformou num grande laboratório de experiências
de colonização. Entre os anos de 1890 e 1930, foram implantadas no mínimo
quatro modelos. Ijuí foi uma iniciativa do governo federal, Santa Rosa, do
governo estadual e Santo Ângelo, um projeto municipal. Todas as demais colo-
nizações foram empreendimentos particulares, ou de empresas, ou de pessoas
físicas, ou de associações (Rambo, 2003, p. 131).

Esse processo migratório foi batizado por Jean Roche (1969) de “en-
xamagem dos pioneiros”, que é caracterizada pelas migrações rurais de
imigrantes e seus descendentes para novas zonas de colonização. Quatro
fases desse processo são descritas pelo autor: a Primeira fase: até 1850,
a ocupação da periferia de São Leopoldo; a Segunda fase: entre 1850 e
1890, a marcha para o oeste; a Terceira fase: a partir de 1890, o salto
para o planalto; e a Quarta fase: desde 1914, êxodo do Rio Grande do
Sul. É importante frisar, nesse sentido, que, para Roche, as migrações
internas dos colonos “dadas sua amplitude e duração, tiveram mais im-
portância do que o próprio movimento imigratório” (p. 319).
As primeiras fases da enxamagem deixavam mais claro que o esgo-
tamento da terra e a grande natalidade das famílias não permitia a per-
manência de todos os familiares nos antigos lotes, no entanto, os processos
migratórios pós 1914, direcionados para Santa Catarina, Paraná e até mes-
mo, os países vizinhos Argentina e Paraguai, levantam outras hipóteses,
Ao analisarmos a saída de colonos rio-grandenses para o Estado vizinho, não
podemos deixar de considerar como sendo reflexo de algumas políticas pú-
blicas criadas pelo governo positivista que estava no poder. Principalmente,
a partir de 1908, com a criação da colônia Erechim, o governo passou a in-
centivar uma colonização mista, isto é, abarcando tanto colonos/imigrantes
quanto caboclos, além de não restringir a uma única confessionalidade em
seus núcleos coloniais. Essa formação heterogênea da colonização pública nem
sempre agradava aos colonos, que tinham sua preferência por colônias onde
pudessem se agrupar com seus pares – étnicos e confessionais (Schmitz, 2021,
p. 824).

221
Carlise Schneiders

Essa política governamental implantada pelos governos gaúchos


com a implantação de colônias mistas como motivo para a migração para
locais fora do estado também é reforçada por Pe. Amstad (Cem anos de
germanidade..., 2005, p. 131).
Havia duas razões que explicam o surgimento do fenômeno nada desejável
da febre da emigração: o sistema de colonização do governo estadual do Rio
Grande do Sul e a especulação dos compradores e vendedores de terras. Já
que a maioria das colônias particulares e das pertencentes a companhias co-
lonizadoras, haviam sido ocupadas, restavam aos colonos à procura de terras
para assentamentos, as colônias do governo. O sistema de colonização dos
atuais governantes positivistas consiste em abrir colônias mistas nas quais
são assentadas misturadas pessoas das mais diversas nacionalidades. Esse
sistema não agrada nem aos colonos de descendência alemã, nem ao se des-
cendência italiana, nem aos de descendência polonesa. Isso fez com que, du-
rante os últimos dez anos, os melhores elementos possuidores de mais capital
fossem fixar-se fora de nosso Estado, em colônias confessionais e etnicamente
separadas em Santa Catarina, Paraná e Argentina.

Dessa forma, a “febre migratória” levou para fora do Rio Grande


do Sul um número impressionante de pessoas, Segundo Roche (1969, p.
357) em 1940, havia 76 394 brasileiros nascidos no Rio Grande do Sul
que residiam em de Santa Catarina, e 14 800 no Paraná, na década se-
guinte esse número aumentou para um total de 156 411 riograndenses.
Esses migrantes ocupavam, majoritariamente, áreas do interior dos es-
tados e mantinham-se agricultores, ainda segundo Roche, o índice equi-
librado entre homens (52%) e mulheres (48%) indicava que a regra era a
migração de famílias inteiras, o que facilita a reprodução de um habitus
camponês já desenvolvido em solo gaúcho.
O modo de vida dos colonos praticado nas colônias velhas é mantido
quando se emigra para as colônias novas e é carregado na mala quando
se vai para as colônias novíssimas, apesar de não existir um apego pela
terra, pois, segundo Roche (1969), os descendentes de colonos migram,
pelo menos, uma vez durante a vida, muitas características culturais
permanecem no seio dessas populações, principalmente com aqueles que
migram para colônia étnicas e/ou confessionais.

222
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Efetivação dos projetos: a criação de uma “colônia modelo”


A Volksverein se insere no início do século XX como uma possibili-
tadora dos processos migratórios que aconteciam com intensidade em
direção a novos locais de colonização. Diferentemente de outras compa-
nhias colonizadoras, o lucro não era o principal objetivo da Associação.
Em carta escrita por Balduíno Rambo em 1946, ele diz que “A União [Po-
pular], depois de tudo isso [colonização de Porto Novo] é pobre como um
rato de igreja, ou pior do que isso, porque um rato de igreja pelo menos
não tem dívidas”7. Os planos da Volksverein estão muito mais voltados
à reprodução e manutenção da germanidade, dessa forma, a principal
intenção da associação no início do século, era conseguir uma gleba de
terra, preferencialmente em território gaúcho para implantar uma colô-
nia nos moldes de Serro Azul, contudo, exclusivamente católica.
Segundo Jungblut (2015), já em 1915 os representantes da União
Popular dedicavam esforços para encontrar um território passível de co-
lonização étnica e confessional. Enquanto Pe. Rick defendia o início da
busca por glebas fora do Rio Grande do Sul, Pe. Amstad ainda defendia
que a colônia deveria ser fundada em território gaúcho. Diversas visi-
tas, negociações e propostas circularam entre os líderes da Volksverein,
de Companhias Colonizadoras e de integrantes do governo, envolvendo
especialmente Carlos Torres Gonçalves, diretor de Terras e Colonização
do Rio Grande do Sul. No entanto, como já frisado anteriormente, o go-
verno positivista que liderava o RS, tinha na figura de Carlos Torres
Gonçalves um de seus principais defensores, o que significava que a ideia
da Volksverein de constituir uma colônia homogênea em solo gaúcho era
incompatível com os ideais positivistas, visto que eles defendiam as colo-
nizações públicas e mistas.

7
RAMBO SJ, Balduíno. [Correspondência]. Destinatário: D. Antonio Zattera, Bispo de Pelotas.
Porto Alegre, 28 ago. 1946. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-14 - Doc. 1. Coleção de Obras
Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

223
Carlise Schneiders

Os impedimentos governamentais foram, provavelmente, o fator que


levou a Volksverein para fora do Estado, pois Torres Gonçalves permaneceu
na Diretoria de Terras e Colonização entre 1908 e 1928, tempo suficiente
para concretizar diversos planos e defender o ponto de vista governamental
calcado no positivismo. Durante esse período, diversas foram as tentativas
de conseguir territórios devolutos do Estado para a tão sonhada colonização,
contudo, “a tática do Governo foi sempre a mesma” (Jungblut, 2015, p. 159),
retornando aos padres católicos que a proposta estaria “em análise”.
Enquanto isso, no entanto, o território catarinense mais à oeste do
Estado estava sob domínio da Empresa Chapecó-Pepery, que por diver-
sos problemas financeiros vendeu uma parcela de seu território à Volks-
verein, em 1926. Ao lado do território em negociação, já estava, desde
1922, sendo desenvolvida a Colônia Porto Feliz, sob liderança de Her-
mann Faulhaber, que também possuía a ousadia dos padres jesuítas,
constituindo naquela localidade uma colônia alemã e protestante. Dessa
forma, as colônias Porto Feliz e Porto Novo seriam cúmplices na manu-
tenção da língua e da cultura alemã. Há de se destacar, no entanto, que a
comercialização de terras em uma Colônia homogênea é mais difícil que
a comercialização de terras em colônias mistas, já que, apenas elementos
específicos são preferidos para o projeto. Essa dificuldade, além de outros
problemas internos em relação à colonização de Porto Feliz levou Fau-
lhaber ao suicídio em 1926 (Neumann, 2016).
A questão financeira, no entanto, não é central quando se trata de
Porto Novo, apesar de haver uma grande circulação de propagandas do
território, a finalidade da Volksverein é a venda de terras para a efetivação
do projeto ideológico, em primeiro lugar. A questão do lucro foi, inclusive,
um dos fatores impeditivos de parceria entre a Volksverein e Empresa Co-
lonizadora Luce, Rosa & Cia, ainda em 1917. Segundo Nunes (2015), a
Volksverein havia fechado um acordo com a empresa para que uma parte
do território fosse colonizada apenas por alemães católicos para que a As-
sociação pudesse lá aplicar o seu projeto, no entanto, o advento da I Guer-
ra Mundial diminui significativamente o contingente migratório alemão

224
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

no Estado, o que impossibilitou a empresa de manter o território reserva-


do à Volksverein intacto. Essa experiência alertou as lideranças da União
Popular sobre a impossibilidade de unir os seus objetivos ideológicos com
os objetivos puramente capitalistas das Empresas Colonizadoras.
Os recursos financeiros utilizados para a compra dos primeiros 100
lotes de terra em território catarinense vieram das Caixas Rurais, que
no momento da compra tinham Albano Volkmer como presidente. A efeti-
vação da compra e assinatura do contrato aconteceu em 28 de janeiro de
1926, na sede da Caixa União Popular em Santa Cruz do Sul, na presença
de Albano Volkmer como representante das Caixas Rurais, Pe. João Rick
e Jacob Becker como representantes da Volksverein e Hermann Faulha-
ber como representante da Empresa Chapecó-Pepery Ltda. (Jungblut,
2000). Mais tarde, outra área foi adquirida, totalizando 58.397 hectares,
ou 2340 lotes com 24,8 hectares em média por lote (Mayer; Schneider,
2021; Rohde, 1996, p. 25).

Mapa 1 – Configuração espacial da região da Colônia Porto Novo atualmente, 2022

Fonte: Criado pela autora, a partir das Bases Cartográficas do IBGE 2019 e 2020. Software utilizado: QGis

225
Carlise Schneiders

Mapa 2 – Delimitação das Linhas de Porto Novo (1950)

Fonte: Arquivo Instituto Antônio Vieira.

Nos primeiros 30 anos de colonização, os padres e a população de


Porto Novo construíram uma complexa rede de comunicação e infraes-
trutura no território. Os trabalhos realizados para construção de estra-
das e pontes, foram, muitas vezes, utilizados como moeda de troca para
a aquisição de lotes, além disso, muitos trabalhadores nacionais foram
contratados para fazer o serviço, visto que seu conhecimento sobre a
mata era mais amplo.

226
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Último núcleo agrícola fundado, o de Porto novo, o maior e mais bem projeta-
do, com uma área de 23000 alqueires, constitue hoje a área de um novo muni-
cípio denominado Itapiranga, sede daquela colônia. E possuía uma população
superior de 15000 almas. Dentro da gleba colonisada existem 800 km de es-
tradas de rodagem, construídos pela União Popular, possuindo ainda telefone
“automático”, que liga a sede a todas as sub-sedes, como particulares entre si.8

Até 1960 a economia Itapiranguense era majoritariamente de sub-


sistência, com a venda de excedente, a base da agricultura se orientava
sob a criação de suínos e plantio de fumo para a venda, e o plantio de ar-
roz, mandioca, milho, produção de leite e ovos para consumo doméstico.
Indústrias de porte familiar, como madeireiras, ferrarias e olarias, tam-
bém estavam no território. A União Popular se orgulhava em mostrar os
resultados materiais dos colonos,
Possui ainda Porto Novo um dos melhores e mais bem aparelhados hospitais
da região. Assim como a sociedades recreativas, pequenas indústrias e um
comércio bem organisado. A produção agrícola se desenvolve de ano para ano.
Exporta por safra cerca de 15.000 cabeças de porcos gordos e 2.000.000 de
quilos de tabaco em folha, sem mencionar os demais produtos, como milho,
feijão, ovos, aves, frutas, etc.9

Além dos ganhos materiais, a União Popular também investiu forte-


mente na reprodução de sua ideologia, com escolas, seminários e igrejas
espalhados por todo o território,
Existem em Porto Novo mais de 30 escolas primárias, uma escola complemen-
tar para a formação de professores, dois Colégios dirigidos por religiosos e um
Seminário Menor, para a formação de sacerdotes católicos. Nada menos de
1700 crianças frequentam a escola como uma assiduidade de 98,5%. Em vir-
tude dessa difusão do ensino primário e da assiduidade excepcional de quase
100%, não há analfabetos em Porto Novo.10

8
Sociedade União Popular do Rio Grande do Sul. [Requerimento]. Destinatário: Exmo. Snr. Dr.
João Gonçalves, Porto Alegre, 22 jun. 1955. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 9,
fl 03. Coleção de Obras Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.
9
Sociedade União Popular do Rio Grande do Sul. [Requerimento]. Destinatário: Exmo. Snr. Dr.
João Gonçalves, Porto Alegre, 22 jun. 1955. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 9,
fl 03. Coleção de Obras Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.
10
Sociedade União Popular do Rio Grande do Sul. [Requerimento]. Destinatário: Exmo. Snr. Dr.
João Gonçalves, Porto Alegre, 22 jun. 1955. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 9,
fl 03. Coleção de Obras Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

227
Carlise Schneiders

O requerimento de 1955 destaca os feitos da União Popular, ressalta


os números exitosos da colonização de Porto Novo11, no entanto, sua orga-
nização e doutrina não são experiências que deveriam ficar apenas neste
território. Segundo o mesmo documento “diante de pedidos insistentes,
que lhe tem sido dirigidos por muitos agricultores” (fl. 4) a Volksverein
estava à procura de novos territórios para ocupação e colonização, para
isso, precisava de “uma gleba intata mínima de 20 a 25.000 alqueires de
terras de mata virgem, no sul do paiz (S. Catarina ou Paraná), zona de
clima temperado, livre de posseiros, de solo fértil e de preço razoável”
(fl. 5).

Após Porto Novo, a Volksverein tem mais planos


A primeira metade do século XX representou, para as populações
germânicas do sul do Brasil, uma série de desafios e mudanças de pers-
pectivas em suas políticas e práticas. Até o início do século XX, o imi-
grante alemão, bem-visto pela sua boa vontade para o trabalho e o em-
preendimento capitalista da pequena propriedade, foi bem recebido pelo
império e sua política de colonização e imigração. Contudo, a república
trouxe para o centro do debate a questão da miscigenação dos povos eu-
ropeus com a população nacional, dessa forma, o imigrante germânico já
não atendia a ideologias raciais, pois se provou, ao longo do século XIX
que grupos de germânicos são “irredutíveis” e não se misturam com a
população nacional (Seyferth, 1996).
Essa concepção criou o estereótipo dos quistos étnicos e ligou o aler-
ta para o perigo alemão, essas noções dão conta de que os grupos de
teuto-brasileiros no sul do Brasil estariam reproduzindo preceitos pan-
germanistas, sob influência estrangeira o que ameaçaria a construção da
identidade e da unidade nacional. A 1ª Guerra Mundial reforçou a ideia

11
Cabe apontar que segundo dados do IBGE de 1960, havia em Itapiranga 688 pessoas acima de
10 anos que não sabiam ler nem escrever, o que equivalia a 4,58% da população total do muni-
cípio, que em 1960 estava em 15011 pessoas (IBGE, 1960).

228
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

e dificultou o modo de reprodução camponesa reformadora de germani-


dade em curso em muitas colônias no sul. Após o fim da 1ª Guerra, al-
guns anos se passaram até que as atividades dos grupos e associações de
língua alemã pudesse voltar a atuar como no período anterior à Guerra.
A própria Volksverein interrompeu a promoção de Congressos Católicos
entre 1916 e 1926 em função da grande disseminação da língua e cultura
alemã nesse tipo de evento (Schallenberger, 2009, p. 221).
Entre 1926 e 1937 as organizações teuto-brasileiros voltaram a
atuar de forma mais intensa, nesse período, como já colocado anterior-
mente, fundou-se a Colônia Porto Novo. Após 1937, no entanto, dois fato-
res primordiais interviram para a atuação das associações, periódicos e
outras formas de disseminação da germanidade, inclusive a Volksverein:
a implantação do Estado Novo, por Getúlio Vargas, e a instauração da 2ª
Guerra Mundial. Durante esse período, o modo de vida de muitos grupos
teuto-brasileiros teve grandes interferências por parte do governo fede-
ral, já que o processo de nacionalização proibiu o uso da língua alemã,
entre outros fatores de interferência.
Após o fim da Segunda Guerra, no entanto, as atividades das asso-
ciações, grupos e periódicos teuto-brasileiros puderam voltar à ativa, e
é nesse contexto em que a Volksverein volta a imprimir esforços para a
construção de uma “Porto Novo II”. Logo após a Guerra, já em 1946, hou-
ve uma negociação entre o Pe. Balduíno Rambo com o Bispo de Pelotas,
Dom Antonio Zattera, que, interessado no capital social da Volksverein,
entra em contato com a associação para a colonização de Hulha Negra,
no sul do Rio Grande do Sul.
Consegui falar com todos os membros da Diretoria da União Popular. Desde
o primeiro momento, o interesse foi unanime e grande. Terminada a guerra e
praticamente concluída a colonização de Porto Novo; dada ainda a necessida-
de de se empreender a colonização da zona campestre, uma vez que as terras
de mato já estão escasseando, todos se manifestaram positivamente, em parte
até com entusiasmo.12

12
RAMBO SJ, Balduíno. [Correspondência]. Destinatário: D. Antonio Zattera, Bispo de Pelotas.
Porto Alegre, 28 ago. 1946. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-14 - Doc. 1. Coleção de Obras
Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

229
Carlise Schneiders

Na mesma carta, Rambo destaca os pontos para a colonização de


Hulha Negra se efetivar por parte da Volksverein:
1. O plano de colonizar, da parte da União, a zona de Hulha Negra, é bom e
aceitável.
2. Os colonos não faltarão; antes haverá falta de terras, pois segunda a opinião
dos entendidos, o colono no campo necessita de cerca duma quadra, razão
porque dificilmente se poderão localizar, no terreno até agora previsto, mais
de 200 famílias.
3. A Diretoria unanimemente se manifestou pouco favorável ao plano da de-
sapropriação por parte do governo, porque isto cria animosidades e facilmente
resulta em gritaria nos jornais; acham que seria preferível resolver o assunto
pacificamente, comprando as terras, em condições vantajosas, dos próprios
donos.
4. Em geral, nao houve inclinação para ter o governo como intermediário. A
razão não está no terreno do lucro, pois o plano é antes de crear uma espécie
de sociedade ou cooperativa colonizadora, em que os próprios interessados em-
penham o seu capital ficando todo o lucro e risco dentro das responsabilidades
desta entidade. A União não entraria financeiramente, mas apenas empres-
taria os seus homens e o seu prestígio. Esta sociedade se comporia, portanto,
aos ja residentes em Hulha Negra, especialmente dos nomes constantes da
lista, mais os colonos futuros. Os lucros reverteriam nas benfeitorias locais,
incluindo escola, igreja, hospital.
5. É indispensável prever a maior quantidade de terras possível, que deve ser
comprada duma vez, porque senão nos próprios valorizamos as terras, deven-
do mais tarde pagar do próprio bolso esta valorização.
6. Condição essencial são a creação de escolas mais a cura de almas por sacer-
dotes que entendem a língua dos colonos.13

As condições impostas pelo Pe. Rambo ao Bispo de Pelotas não dife-


rem dos planos de colonização do início do século, a Volksverein, enquanto
associação que pregava os preceitos de germanidade, não permitiria que
uma colonização governada por ela não andasse conforme o seu estatuto,
segundo Pe. Balduíno Rambo, “a razão porque quereríamos antes proce-
der na colonização de um modo particular [...] é porque é preciso realizar
o princípio antigo e comprovado da União: não queremos mistura de cre-
dos, que redunda em dano dos católicos e não traz proveito a ninguém”.

13
RAMBO SJ, Balduíno. [Correspondência]. Destinatário: D. Antonio Zattera, Bispo de Pelotas.
Porto Alegre, 28 ago. 1946. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-14 - Doc. 1. Coleção de Obras
Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

230
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

A máxima pregada pela associação, mesmo após duas décadas, ainda


permanecia a mesma, e não estava aberta a negociações.
As negociatas para colonização de Hulha Negra continuaram até o
final do ano, outras cartas trocadas entre os membros interessados da-
vam conta dos elementos aqui já abordados, em carta de 3 de dezembro
de 1946 para o Bispo Zattera, Balduíno Rambo reforça que “a União
deve ter plena liberdade para colonizar com elementos de sua escolha,
isto é, católicos; é sabido que o governo faz a mistura de todos os cre-
dos e nacionalidades, sistema que nós não tomaremos debaixo do nosso
nome”. Gabriel Arns, membro da União Popular e grande interessado
na colonização de Hulha Negra também trocou correspondência com
Rambo, ambos enfatizam o grande interesse e possibilidades de negócio
na região. Em dezembro de 1946, Rambo enviou uma carta para Arns e
destaca que ficou “espantado ao ver que o secretário de Agricultura não
tinha a menor objeção a que vendêssemos a terra e nos apegássemos
aos nossos princípios. Cerca de 75 quadras estariam imediatamente dis-
poníveis para nós”14. Esse posicionamento do Secretário de Agricultura
do Estado do Rio Grande do Sul difere do posicionamento ressaltado
por Carlos Torres Gonçalves, secretário responsável pela colonização no
início do século.
Mesmo com os devidos esforços, a colonização do território pela
Volksverein não se efetivou, e as fontes que foram utilizadas neste tra-
balho não revelam o motivo, no entanto, é importante notar que novas
zonas coloniais estavam sendo procuradas no pós-guerra, e os esforços
não param por aí. Em carta do Padre Albano Berwanger para Padre
Balduíno Rambo em 1951, o primeiro mostra sua preocupação em re-
lação à inércia da Volksverein em relação à ocupação de novos espaços
coloniais,

14
RAMBO, Balduíno. [Correspondência]. Destinatário: Gabriel Arns, Porto Alegre, 25 de dezem-
bro de 1946. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-14 - Doc. 4. Coleção de Obras Raras e Espe-
ciais do Memorial Jesuíta Unisinos.

231
Carlise Schneiders

Prezado P. Balduíno

Mais uma vez, quero chamar a atenção de V. R. sobre a conveniência de se


darem os passos necessários para uma colonização em Paraná. As terras em
Porto Novo estão sendo vendidas em tempo acelerado. As companhias que
colonizam Toledo e arredores praticamente já venderam as 11 mil colônias e
está para comprar mais 3 mil do governo, com os quais fazem fortuna. Se a
Central das Caixas das S.U.P. empenharem junto ao governo para obter ter-
ras para seus associados e se contentar com um lucro mais módico, estou certo
que poderíamos organizar um II Porto Novo. Mas se continuarmos dormindo
nas palhas, sem demora será tarde.15

Durante o Estado Novo os esforços nacionais em ocupar às regiões


mais à oeste do país se mostraram intensos, de fato, desde o início da
República no país houve um movimento de incentivo para ocupação dos
“vazios demográficos” e das regiões de fronteira. Esse movimento, no en-
tanto, ganha força com Getúlio Vargas, visto que a integração nacional
passava pela ocupação de novos territórios, ainda não devidamente ex-
plorados. Segundo Galvão,
A chamada “Marcha para o Oeste” foi um projeto governamental que buscou
povoar e desenvolver o interior do Brasil, região distinta do litoral no que dizia
respeito ao desenvolvimento humano e econômico. Visando uma maior inte-
gração nacional, os potenciais naturais e humanos do sertão não poderiam ser
mais desperdiçados, entendidos como fundamentais para a garantia da pros-
peridade da Nação. A proposta governamental incluía a construção de escolas,
hospitais, estradas, ferrovias e aeroportos no interior, com objetivo de integrar
e consolidar o País, de acordo com uma visão de unidade (Galvão, 2011, p. 2).

No contexto mais ao sul do país, a marcha para o oeste afetou for-


temente os três estados do sul. Segundo Jean Roche (1969, p. 351-352)
“a febre do Paraná” tirou do Rio Grande do Sul um número considerável
de pessoas. Nesse contexto de intensas migrações, alguns dirigentes da
Volksverein se mostravam aflitos com a situação da associação, na mes-
ma carta destacada acima, Pe. Berwanger se diz preocupado que a Volks-
verein tenha uma “Padre de bolsa”, se referindo ao secretário itinerante,
“apenas para vender Paullusblätter”, visto que historicamente, a atua-

15
BERWANGER SJ, Albano. [Correspondência]. Destinatário: Pe. Balduíno Rambo, Campinas,
29 de setembro de 1951. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-14 - Doc. 7. Coleção de Obras
Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

232
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

ção do secretário itinerante estava muito voltado para a implantação


de novas colônias e de conversas com membros da sociedade civil para
organizar processos migratórios, que apenas para vender exemplares do
periódico St. Paullus-Blatt, e que por esse motivo, a associação estava se
tornando uma Papierverein (Associação de papel).
Em 1952, em outra carta trocada entre Pe. Berwanger e Pe. Rambo,
o primeiro ressalta que,
[...] estamos na última oportunidade de empreendermos uma colonização nos
três estados sulinos. Capanema é a única região ainda limpa de intrusos, por-
que falta estrada de acesso. Cheguei perto do limite. A região é fertilíssima.
A estrada está avançando e também os intrusos, os aventureiros que querem
“saquear” terra do governo.16

A “Marcha para o Oeste”, não apenas incentivada pelo governo fe-


deral, também recebia apoio do governo do Estado, segundo a carta de
1952 de Albano Berwanger para Balduíno Rambo, “Capanema já tem
prefeito eleito, sem sede, com poucas dezenas de famílias, mas muito
dinheiro, pois o Estado dará aos municípios recém-criados do Oeste du-
rante 10 anos 2 milhões de cruzeiros”. Além do interesse em Capanema,
na mesma carta, Berwanger ressalta as terras da Companhia Sul-Brasil,
“Estive em Romelândia, onde estão entrando calmos católicos de origem
alemã. Já estão vendendo a 25 contos a colônia. Creio que a Sul-Brasil
nos venderia a 12-15 contos a colônia já medida, ficando a nosso cargo
fazer a entrada”.
Diversos são os contatos entre os padres jesuítas e destes com au-
toridades e intermediadores, em algumas cartas, declaram as reuniões
e contatos que tiveram com deputados e autoridades para conseguir a
posse de algum território para implementar um novo projeto de coloniza-
ção. Em 1955, um requerimento é redigido e enviado a João Gonçalves,
Presidente do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC) soli-
citando a doação do “Terreno Andrada”, pertencente ao Governo federal,

16
BERWANGER SJ, Albano. [Correspondência]. Destinatário: Pe. Balduíno Rambo, Porto Novo,
04 de dezembro de 1952. Caixa 1.4.1.6 - SUP 1-16 - Pasta SUP-15. Coleção de Obras Raras e
Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

233
Carlise Schneiders

localizado à margem direita do “rio Iguassú, entre os seus afluentes, os


rios Gonçalves Dias e Adelaide”, no extremo oeste do Paraná. No reque-
rimento, a associação lista os feitos desde a sua fundação e ressalta o seu
interesse na aquisição do Terreno Andrada,
Pretende a União Popular obter desse órgão autárquico federal, proprietário
em espetativa da gleba referid e incumbido de promover e orientar a imi-
gração e colonisação no pais, uma área mínima de 20 a 25.000 alqueires do
referido “TERRENO ANDRADA”, para poder realizar o seu novo projeto de
colonização nacional.
A união popular se distingue das demais congêneres, como entidade colo-
nizadora. A característica fundamental dessa distinção está em que as em-
presas privadas de colonização, que atuam no paiz, tem objetivo meramente
comercial. Compram e vendem terras, realisando operações imobiliárias,
com o fim de proporcionar o máximo de lucro aos seus acionistas ou cotis-
tas, sem preocupar-se com a ocupação e cultivação das terras vendidas. A
União Popular, ao contrario, não considera, como aqueles, o fator lucro, mas
se preocupa em sua atividade colonizadora, precipuamente, com o aspecto
social e humano do problema e com a finalidade agrícola propriamente dito.
Coloniza não para auferir lucros, mas para proporcionar terras e agriculto-
res tradicionais, que as desejam povoar e explorá-las com o auxílio de seus
filhos, creando, assim, a pequena propriedade rural e o bem da família. [...].
Uma colonisação assim realizada, por entidade idônea e tradicional no ramo,
com agricultores profissionais e experimentados em solo brasileiro, no regi-
me da pequena propriedade rural, explorada pelo seu dono com o auxílio dos
membros de sua família, sem visar lucros, por certo, corresponderá inteira-
mente aos patrióticos e alevantados propósitos desse Instituto e aos anseios
da nossa pátria.17

No Paraná, um dos intermediadores é Arno W. Vier, nas cartas, as-


sina-se como Dr. amigo, ex-aluno e parente de Pe. Balduíno Rambo, e lhe
presta informações sobre as negociatas da União Popular com o Governo
do Estado e a CITLA18 (Clevelândia Industrial e Territorial LTDA.)

17
Sociedade União Popular do Rio Grande do Sul. [Requerimento]. Destinatário: Exmo. Snr. Dr.
João Gonçalves, Porto Alegre, 22 jun. 1955. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 9,
fl 04-05. Coleção de Obras Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.
18
Durante a década de 1950 a CITLA se envolveu em uma série de problemas envolvendo as
terras do oeste do Paraná, nas cartas, Arno Vier diz que o Governador do Estado é o maior
acionista da Empresa, mas que para fins políticos não é revelado esse detalhe. Os eventos que
envolvem a empresa e a ocupação de terras resultam na Revolta dos Posseiros, em 1957. Para
saber mais sobre a Revolta dos Posseiros, ver: Pegoraro (2008).

234
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Tive uma audiência especial com o governador atual eleito, o senhor Moises
Lupion, onde fora muito bem recebido. Fui sozinho falar com sua Excia; lar-
gando os deputados e acionistas da CITLA, o que os desagradou muito, pois
elas insistiam em Ir junto na audiência com o governador (são um salafras).
O governador me falara o seguinte: Conheço muito bem a vossa organização, e
estou muito interessado na vinda de vossa gente para cá. Mas o caso da CITLA
está muito encrencado. Esperem nos organizarmos os ministérios, até o dia
2(2) depois dessa data poderemos atender-vos melhor, e farei todo o possível a
fim de termos tudo na base legal19.

Não param no Paraná as investidas para novas colonizações por


parte dos padres jesuítas, Pe. Balduíno Rambo em carta enviada em
1952 para Pe. Mello SJ, diz que
Minha viagem para o Mato Grosso teria, como finalidade secundaria, a ex-
ploração de terras porventura colonisaveis com elementos Riograndenses. No
RGS já não ha terras disponíveis; Sta Catarina esta loteando os últimos pe-
daços; o Paraná está sendo invadido por uma verdadeira migração de povos.
Precisamos de novas terras para as novas gerações.
Estou plenamente inteirado das dificuldades que se opõem a uma colonisação
de terras tropicais, mesmo com elementos d’aqui. Apesar disso não o julgo
impossível, nem indigno de estudo. Colocar europeus em terras tropicais como
o Mato Grosso seria mais do que um crime, seria uma inépcia20.

Mesmo não havendo uma intencionalidade clara como nas experiên-


cias no Paraná, principalmente por causa dos elementos geográficos tro-
picais do Mato Grosso, há um interesse em conhecer a região e estudar a
possibilidade. A colonização em território mato-grossense é incentivada
a partir de 1940 e, mesmo o Pe. Rambo achar que seria uma “inépcia”
enviar colonos “europeus” ao território, a migração do Sul para o centro-
-oeste é intensificada a partir de 1970. Além disso, cabe lembrar que a
maioria dos colonos do sul do Brasil da década de 1950 não é mais euro-
peia, mas descendente daqueles que vieram em décadas anteriores e já
estão bem adaptados ao território nacional.

19
VIER, Arno. [Correspondência]. Destinatário: Pe. Balduíno Rambo, Maringá, 03 de janeiro de
1956. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 11. Coleção de Obras Raras e Especiais do
Memorial Jesuíta Unisinos.
20
RAMBO SJ, Balduíno. [Correspondência]. Destinatário: Mons. A.S. de Mello SJ, Porto Alegre,
21 de julho de 1952. Caixa 1.4.1.6 SUP 17-42 Pasta SUP 25 - Doc. 2. Coleção de Obras Raras e
Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

235
Carlise Schneiders

Dentre os materiais e cartas aqui citados, em nenhuma há infor-


mações sobre o fechamento de algum desses acordos, até o momento não
há informações em trabalhos acadêmicos sobre a aquisição de terras por
parte da Volksverein para a implantação de uma nova colônia. Há de se
especular que nenhuma dessas negociações tenha tido êxito, visto o nível
de exigências da associação, que em meados dos anos de 1950 tinha obje-
tivos um tanto quanto exuberantes.

Considerações finais
A expansão da fronteira agrícola do Rio Grande do Sul, ao final do
século XIX, joga à luz uma grande quantidade empresas colonizadoras
privadas. Essas empresas objetivam a compra de um grande territó-
rio, sua divisão e demarcação e posterior venda aos colonos. Majorita-
riamente, companhias colonizadoras particulares preveem lucro (Neu-
mann, 2016; Sand, 2021; Caron, 2009; Schallenberger; Schneider, 2009).
A maioria das colonizadoras particulares, além disso, não tinha grande
preocupação com a infraestrutura e com o amparo dos colonos após a sua
instalação no território, se retirando da Colônia após a venda de todos os
lotes (Schmitz, 2019).
Nesse cenário, há algumas exceções, como colonizadoras que pos-
suíam um projeto de colonização étnica e/ou confessional, o que acarre-
tava no interesse específico nos elementos que comporiam a colônia, e
na presença, a longo prazo, da companhia no território. Esse é o caso da
Colonizadora Meyer e a colônia Neu-Württemberg (1897) e a Empresa
Chapecó-Pepery Ltda. e a Colônia Porto Feliz (1922) (Neumann, 2016).
No caso de projetos de colonização particulares com objetivos ideológicos,
religiosos e étnicos, existe uma preocupação mais intensa em relação à
infraestrutura e ao amparo espiritual e material dos colonos, no entanto,
a lógica do lucro ainda prevalece.
Diferentemente de companhias privadas que, mesmo com projetos
variantes, sempre almejavam o lucro, a Volksverein für die deuscthen

236
Volksverein: associação com ares de colonizadora (1912-1956)

Katholischen in Rio Grande do Sul, era uma organização associativa que


não tinha objetivos financeiros. Na sua atuação enquanto colonizadora,
predominou a preocupação em relação ao amparo material, educacional,
cultural e religioso dos colonos após o seu assentamento em novo ter-
ritório. É importante frisar, no entanto, que no seu projeto efetivado, a
Colônia Porto Novo (1926) havia uma atuação, tanto dos padres jesuítas,
quanto da população que visava a manutenção e permanência de uma
língua e cultura específicas, pautados na germanidade e na religiosidade
católica. Esses elementos levantam alguns questionamentos sobre ques-
tões identitárias e de aceitação ao diferente. O que mais chama a aten-
ção, no entanto, são os esforços contínuos, já nas décadas de 1940 e 1950
de uma aquisição de terras para fundar uma nova zona de colonização
étnica e confessional.

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239
Angelo de Carli, Irmão & Cia:
colonização da Fazenda Ressaca em
Ponte Serrada (1920-1940)

Leticia Maria Venson

Introdução

O
presente capítulo tem por objetivo analisar a atuação da Com-
panhia Colonizadora Ângelo de Carli Irmão & Cia no território
que compreendia parte da Colônia Militar do Xapecó. A Colônia
foi instalada na então Província do Paraná em março de 1882 e manteve
seu funcionamento sob administração do Ministério da Guerra até mea-
dos do ano de 1908 quando passou para o regime civil. A Colônia Militar
foi uma tentativa de proteger e ao mesmo tempo estimular a ocupação da
região que estava sendo disputada diplomaticamente com a Argentina,
na chamada “Questão de Palmas”.
Em 1908 o território da Colônia passou a ser responsabilidade ex-
clusiva do Estado do Paraná, que tinha como obrigação legalizar os tí-
tulos expedidos pelos militares a favor dos colonos que viviam na re-
gião, porém com a Guerra do Contestado e o acordo de limites de 1916
a responsabilidade de gerir esse território passou ao Governo de Santa
Catarina, que como estratégia de ocupação investiu na colonização via
empresas colonizadoras, sendo uma delas a Colonizadora Ângelo de Car-
li, Irmão & Cia.
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

Como fonte de análise utilizaremos o jornal o Staffetta Riogranden-


se de Caxias do Sul, um jornal católico destinado a colônia italiana, onde
foram vinculadas diversas propagandas da companhia colonizadora aqui
abordada. Também utilizaremos o jornal O Regional, também da cidade
de Caxias, onde além das propagandas encontramos outras informações
sobre Ângelo de Carli e os demais membros da colonizadora. Ambos os
jornais estão disponíveis no site da Biblioteca Nacional Digital. Além dos
jornais, analisaremos os processos para registro do território da Fazen-
da Ressaca requeridos pela Companhia Ângelo de Carli, Irmão & Cia e
as mensagens dos Governadores de Santa Catarina dos anos de 1916 a
1930, disponíveis no Arquivo Público de Santa Catarina.
Como metodologia recorremos a Análise do Discurso, que de acordo
com Eni Orlandi, é a palavra em movimento, prática de linguagem, onde
procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho sim-
bólico, necessária entre o homem e a realidade natural e social (Orlandi,
2020, p. 13). Trabalha com as maneiras de significar, com homens falando
considerando a produção de sentidos enquanto partes de suas vidas, re-
lacionando a linguagem com sua exterioridade, ou seja, considera os pro-
cessos e as condições de produção da linguagem, além de trabalhar a rela-
ção língua-discurso-ideologia, pois compreende que o sujeito é interpelado
pela ideologia e é assim que a língua faz sentido (Orlandi, 2020, p. 14).
O presente estudo está em fase inicial, fazendo parte do projeto de
tese em processo de desenvolvimento pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná e visa investigar a atuação das companhias colonizado-
ras no território que compreendia a Colônia Militar do Xapecó, ou seja,
os atuais municípios de Xanxerê, Xaxim, Faxinal dos Guedes e Ponte
Serrada que eram e ainda são compreendidos como terras devolutas.

Colônia Militar do Xapecó


A Colônia Militar do Xapecó foi criada pelo decreto n° 2502 de 14 de
novembro de 1859, e tinha como objetivo central a proteção dos habi-

241
Leticia Maria Venson

tantes dos campos de Palmas, Erê, Xagú e Guarapuava da incursão


dos indígenas ditos como “bravos” e a proteção do território devido ao
conflito territorial envolvendo a Argentina, na Questão de Palmas
(Venson, 2020). O interesse da Argentina nesse território devia-se a
descoberta de importantes extensões de erva-mate de alto valor co-
mercial. Paraguaios e argentinos já percorriam a região na coleta
de erva mate nativa, que se intensificou após a Guerra do Paraguai
(1864-1870), o que foi interpretado pelo governo brasileiro como uma
pretendida invasão dos argentinos no território de Palmas (Aranha,
2020, p. 108).
José Bernardino Bormann, veterano da Guerra contra o Paraguai
foi designado em 1880 como responsável pela comissão de instalação da
Colônia que após a exploração da região optou por estabelecer o núcleo
na margem esquerda do rio Chapecó, num local denominado Xanxerê,
tendo como data de instalação dia 14 de março. Após todo o processo
de instalação, Bormann foi designado como diretor do estabelecimento
responsável por todas as questões administrativas, principalmente as
envolvendo a distribuição das terras, cargo que ocupou até o ano de 1898
(Venson, 2020).
Um conceito importante para o presente trabalho é o de Estado, que
de acordo com Pierre Bourdieu é o setor do campo de poder, que se defi-
ne pela possessão do monopólio da violência física e simbólica legitima
(Bourdieu, 2014, p. 30). O Estado é um dos princípios da ordem pública
que repousa sobre o consentimento “O Estado é essa ilusão bem funda-
mentada, esse lugar que existe essencialmente porque se acredita que
ele existe” (Bourdieu, 2014, p. 36). Sendo assim, compreendemos que a
Colônia Militar do Xapecó era um aparelho do Estado, que tinha como
objetivo a proteção e consolidação do território pretendido pela República
Argentina, além de ter a missão de “civilizar” e levar a “civilização” para
a fronteira.

242
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

A Colônia Militar do Xapecó era organizada e regida pelo Estado,


e além da tarefa da proteção do território cabia a ela disciplinar os mo-
radores da região, bem como os praças do Exército. Os oficiais militares
buscavam congregar e vigiar homens considerados uma ameaça aos la-
res familiares. Era comum durante o século XIX a prática do alistamento
forçado, daqueles que cometeram algum ato criminoso (Beattie, 2009).
E de acordo com José Bernardino Bormann, muitos praças do Exército,
com a índole “suspeita”, faziam parte da Colônia, sendo essa uma ques-
tão de constante reclamação aos seus superiores, pois não considerava
esses sujeitos aptos para se estabelecerem em uma Colônia Militar.

Figura 1 – Localização Aproximada da Colônia Militar do Xapecó

Fonte: IBGE. Adaptado por Juliano Cesar Baginski (2020).

O território da Colônia compreendia cerca de 57.600 hectares, que


abrangia os atuais municípios de Xanxerê, Xaxim, Faxinal dos Guedes e
Ponte Serrada, no Oeste de Santa Catarina, divididos em lotes de até 242
hectares, que foram distribuídos gratuitamente aos colonos, divididos em
urbanos, suburbanos e pastoris (Venson, 2020, p. 53). Para uma melhor
administração do território a Colônia foi dividida em três distritos com
áreas desiguais, sendo: o 1° distrito começava no chamado “Pesqueiro”
e terminava na margem direita do Xanxerê. O 2° sendo o menor, e mais

243
Leticia Maria Venson

populoso ia do Xanxerê até o arroio da “Serrinha” e o 3° estendia-se da


“Serrinha” até o Xaxim (Venson, 2020, p. 53).
O desenvolvimento da Colônia estava atrelado a agricultura e a pe-
cuária, pois a doação de lotes de terras previa o enraizamento de colonos.
O diretor era o responsável por estimular as plantações, com o intuito de
que fossem suficientes para a subsistência dos habitantes, não precisan-
do recorrer aos cofres públicos, além de prever a distribuição aos centros
urbanos próximos como Palmas e Nonoai, o que de fato não ocorreu devi-
do à falta de boas vias de comunicação (Venson, 2020, p. 59).
Até o ano de 1903 foram expedidos cerca de 11 títulos definitivos e
126 títulos provisórios, todos os títulos definitivos foram assinados por
José Bernardino Bormann, diretor do estabelecimento de 1880 a 1898.
Após a Proclamação da República não foram emitidos novos títulos de-
finitivos de terras, efeito da falta de instrução de como a distribuição
das terras passaria a ocorrer e da inexistência de engenheiros para a
medição dos lotes (Venson, 2020, p. 54). De acordo com Silvio Coelho dos
Santos (1974), em 1908 a Colônia havia distribuído cerca de 255 títulos
de propriedade, sendo em sua maioria títulos provisórios que não conti-
nham a demarcação dos lotes.
Em 1908 o então Ministro da Guerra Marechal Hermes da Fonseca
em seu relatório apresentado ao Presidente da República Afonso Pena,
sugeriu e pediu permissão para que tanto a Colônia do Xapecó quanto a
do Xopim fossem emancipadas, pois “não satisfazem mais os fins para
que foram criadas, visto se acharem muito longe das fronteiras” (FON-
SECA, 1908, p. 48). No momento a Colônia contava com 152 colonos e a
economia era baseada na exportação da erva-mate, milho, fumo e por-
cos. Ainda em 1908 pelo aviso de 02 de dezembro n° 1.745, Hermes da
Fonseca emancipou para o regime civil as Colônias do Xapecó e Xopim
(Fonseca, 1909).
A Colônia Militar do Xapecó foi instalada em território considerado
estratégico, tanto militarmente, quanto economicamente, porém, não ob-

244
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

teve autonomia financeira devido à falta de estradas que a ligassem aos


mercados comerciais próximos. Outra questão foi o número reduzido de
militares do destacamento da Colônia, o que dificultou a administração
militar, pois não havia homens suficientes para fazer o policiamento na
região e na Colônia e muito menos para realizar as tarefas cotidianas
(Venson, 2020). Porém, apesar do “fracasso” econômico a Colônia esti-
mulou a ocupação do espaço, sendo uma das primeiras estratégias de
povoação da região de Chapecó.
Em fevereiro de 1910, o Capitão João Batista Cúrio de Carvalho,
último diretor da Colônia Militar do Xapecó encaminhou uma mensagem
ao Governador do Estado do Paraná, Francisco Xavier da Silva, com rela-
ção a situação dos lotes que pertenciam aos colonos, definindo a situação
como precária, devido a emancipação da Colônia, pois não foi cumprida a
lei n° 733 de 21 de dezembro de 1900 que organizou as Colônias Militares
e definiu que fossem expedidos os títulos de posse definitiva aos colonos
que tivessem cumprido a exigência de cultivo ou criação nos lotes por
período superior a dois anos.
Carvalho ainda afirmou que o número de colonos era de 241, quan-
do de emancipação da Colônia, porém somente 51 lotes foram medidos
e demarcados, sendo que alguns foram considerados “devolutos devido à
má colocação ou ser suas terras imprestáveis para a cultura e criação”.
Cobrou que o governo do estado tomasse alguma providência, pois com-
preendia que os colonos haviam cumprido todas as exigências e mereciam
a regulamentação de seus títulos (Colônia, 1910). Na teoria o pedido de
Carvalho foi atendido, porém na prática poucos colonos conseguiram le-
gitimar seus lotes.
Entre 1912 e 1916 esse território foi disputado entre os Estados do
Paraná e de Santa Catarina, durante a Guerra do Contestado que resul-
tou no acordo homologado pela lei federal n° 3.304, de 03 de agosto de
1917, que em 25 de agosto foi convertido na lei n° 1.147 que estabeleceu
a organização municipal e judiciária do território dividido em quatro mu-

245
Leticia Maria Venson

nícipios, que constituíam cada um uma comarca, sendo o município de


Mafra; Porto União; Cruzeiro e Chapecó (Schimdt, 1918, p. 21). Sendo
assim a responsabilidade por legalizar os lotes expedidos pela Colônia
passou ao Estado de Santa Catarina.
Em 1917, em mensagem o então governador de Santa Catarina Fe-
lipe Schimdt demonstrou preocupação com a organização do território do
“antigo Contestado” e destacou a instalação de 3 agências de repartição
de terras, para que o Estado pudesse exercer adequadamente a jurisdi-
ção sobre o território. Informou também a elevação do efetivo de força
pública, pois compreendeu que a população da região necessitava de um
regime de “ordem, de civilização, de segurança e de justiça” o que conse-
quentemente elevaria os gastos públicos. Enfatizou também que com “a
anexação da parte do território Contestado que nos cabe, passaremos a
ser um dos grandes produtores de erva-mate” (Schimdt, 1917, p. 23) de-
monstrando o interesse e a importância econômica do território anexado,
principalmente devido aos extensos ervais.
Em 1925 pela Lei n° 1.511, de 26 de outubro o Poder Executivo es-
tava autorizado a regularizar o domínio sobre os lotes distribuídos nas
antigas Colônias Militares, na zona do ex-Contestado, desde que fosse
apresentado o título expedido pelo diretor da respectiva Colônia e os do-
cumentos oficiais de medição (Werlang, 2006, p. 20). De acordo com Al-
ceu Werlang pelo decreto n° 46 de 11 de julho de 1934 o Estado de Santa
Catarina reconheceu a validade de todos os títulos expedidos pela Colô-
nia Militar (Werlang, 2006, p. 32). Porém, boa parte dos títulos expedidos
pela Colônia eram títulos provisórios que não continham a medição dos
lotes, o que foi um dos empecilhos para a legalização, fazendo com que
muitos colonos vendessem os títulos para terceiros, por receio de não
conseguirem legalizar os lotes. A Companhia Ângelo De Carli & Irmão
foi uma das empresas que comprou lotes dos colonos militares e tentou
posteriormente legalizar os títulos como veremos no próximo subtítulo.

246
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

Atuação da Companhia Ângelo De Carli, Irmão & Cia


A Colonizadora Ângelo De Carli, Irmão & Cia era formada por Ân-
gelo De Carli e Tranquilo De Carli Sobrinho, e teve origem na cidade de
Caxias, no Estado do Rio Grande do Sul. Contavam com um escritório
na Estação do Herval, no munícipio de Campos Novos, Estado de San-
ta Catarina, onde administravam a colonização dos territórios de Ponte
Serrada, Vargem Bonita, Irani e Passos Maia. As companhias Madeirei-
ra Xanxerê e Colonizadora Renner também fizeram parte do processo de
colonização de Ponte Serrada (Renk, 2006, p. 52).
Ângelo De Carli também fazia parte de outras empresas como Ângelo
de Carli & Cia; Irmão De Carli & Paganelli; Ângelo De Carli & Irmãos,
que se desdobrou em vários departamentos, dedicando-se a cantina viní-
cola, serrarias, erva-mate, produção de banha, colonização de terras, entre
outros (Radin, 2006, p. 128). A Colonizadora Irmãos de Carli e Paganelli
tornou-se a Colonizadora Cruzeiro posteriormente (Radin, 2006, p. 72).
Ângelo De Carli participou ativamente da vida política do munícipio
de Caxias, onde foi eleito conselheiro municipal, além de participar jun-
tamente com Tranquilo de Carli Sobrinho do Partido Republicano Cata-
rinense, chegando a doar em nome da empresa mil réis para a construção
da sede do Partido (Colônia, 1929a) o que demonstra que ambos tinham
uma boa relação com a política do Estado de Santa Catarina.
Em 1926, Tranquilo De Carli Sobrinho, ofereceu em sua residência
em Herval uma festa em honra ao Dr. Cid Campos, chefe de polícia e ao
Dr. Othon Lobo Da Gama D’Eça Juiz de Direito de Campos Novos, que
haviam sido convidados para o cargo de delegado auxiliar de Florianópo-
lis (Os Munícipios, 1926). Cid Campos, chegou a ser Oficial de Gabinete
do Governador Hercílio Luz, além de ter ocupado o posto de Chefe de Po-
lícia do Estado, e de ter sido eleito duas vezes ao cargo de Deputado Esta-
dual pelo Partido Republicano Catarinense (Memória Política de Santa
Catarina, 2020). Já Gama D’Eça chegou a ser Oficial de Gabinete da
Secretaria de Interior e Justiça, além de promotor público da Comarca

247
Leticia Maria Venson

de Lages, e Juiz de Direito. Em 1927 ocupou o cargo de Chefe de Polícia,


e em 1929 acompanhou o governador Adolfo Konder a viagem em que fez
pelo Estado de Santa Catarina (Furtado, 2015). A oferta de um jantar
por Tranquilo demonstra a sua proximidade com sujeitos importantes no
cenário político catarinense, o que provavelmente lhe trouxe vantagens,
principalmente envolvendo a colonização da região.
Com o fim da Colônia Militar do Xapecó e o acordo de limites, o Esta-
do de Santa Catarina passou a ser o responsável por legalizar as proprie-
dades distribuídas pelos militares, sendo assim por meio de decretos au-
torizaram que os colonos legalizassem seus títulos desde que contassem
com documentos referentes a Colônia e a medição dos lotes. Porém, como
vimos anteriormente a maioria dos títulos era de caráter provisório, não
tendo a medição feita por um agrimensor, o que trouxe complicações para
alguns colonos, pois teriam que contratar um agrimensor as próprias
custas para legalizar as propriedades, sendo assim, muitos optaram por
transferir os títulos a terceiros.
A Companhia Ângelo De Carli & Irmão comprou mais de 900 hec-
tares que pertenciam aos colonos da Colônia Militar do Xapecó, na de-
nominada Fazenda Ressaca, atual munícipio de Ponte Serrada, visando
a legalização dos títulos junto a Diretoria de Terras de Santa Catarina.
No quadro 1 podemos observar o nome dos sujeitos que venderam suas
posses a Companhia bem como os tamanhos das propriedades.

Quadro 1 – Títulos requeridos pela Colonizadora Ângelo De Carli, Irmão & Cia.
Nome Tipo de Título Área (hectare) Local
Antônio Rebalho Nunes Provisório 303, 71 Fazenda Ressaca
Antônio Ribeiro dos Santos Provisório 21,07 Três Lagoas
Francisco Antônio Ayres Provisório 272,25 Três Lagoas
João Alves de Siqueira Provisório 21,00 Três Lagoas
João Francisco de Sousa Provisório 21,07 Três Lagoas
Joaquim da Andrada Costa Provisório 272,25 Lajeado do Tigre
Ramiro Gomes dos Santos Provisório 272,25 Fazenda Ressaca
Fonte: FREITAS,1903.

248
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

Além dos títulos provenientes de colonos da Colônia Militar do Xape-


có a Companhia comprou terras da Fazenda Ressaca de terceiros, sendo
títulos com raízes paranaenses, constando de dois títulos expedidos pelo
Paraná a Zeferino Almeida Bueno, sob números 2.350 e 2.351, em 1 de
setembro de 1917. O primeiro título era de uma área de cerca de 6 mil
hectares, sendo legitimada por meio da lei 68/1892 e a segunda gleba, de
40 mil hectares foi comprada (Renk, 2006, p. 53).
Uma das primeiras compras do território que compreendia a Colô-
nia Xapecó ocorreu em dezembro de 1924, quando Joaquim de Andrade
Costa por meio de uma procuração autorizou Olímpio Simões Cavalheiro
a vender ou legalizar as terras de sua propriedade que faziam parte do
perímetro da Colônia:
[...] senhor Olímpio Simões Cavalheiro, casado comerciante e residente nesta
Vila de Rui Barbosa, compradores especiais e revogáveis em causa própria
para promover a medição e legitimação de um título provisório que possui
como colono com a área de 2.722.500 m², situado no lugar denominado Lajea-
do do Tigre neste município, podendo ser dito procurador mandar extrair o
título definitivo em seu nome e no de quem convier tratando da ação ou ações
de legitimação do dito título até final sentencia usando de todos os recursos
legais e meios consolativos podendo ainda seu dito procurador vender as ter-
ras legítimas a quem julgar conveniente pelo preço que lhe convier digo pela
importância de 2 contos e 500000 réis [...] (Rui Barbosa, 1924).

A procuração deu plenos poderes a Olímpio, o que nos faz levantar a


possibilidade de que as terras no momento da venda já eram de seu per-
tencimento e que a procuração foi a forma utilizada para conseguir vender
a terra a terceiros, no caso para a Colonizadora De Carli, pois eram prove-
nientes da Colônia Xapecó sob um título provisório, portanto não havia do-
cumentos, além do título expedido em nome de Joaquim de Andrada Costa.
Outro título proveniente da Colônia foi comprado ou melhor “tro-
cado” em 1928 onde Tranquilo de Carli representou, como outorgante a
empresa em um contrato de compra e venda com Antônio Rebalho Nunes
de uma área de cerca de 303 hectares localizada na Fazenda Ressaca no
lugar denominado “Campina do Galvão” que ficava a margem esquerda
da estrada de rodagem de Herval a Xanxêre, compreendendo parte do
território no Munícipio de Chapecó e outra parte em Cruzeiro.
249
Leticia Maria Venson

Em compensação Antônio Rebalho Nunes desistiu a favor da Com-


panhia de todos e quais quer direitos de pretensão relativo ao terreno
com a área de cerca de 303 hectares que ocupava na Fazenda Ressaca,
no lugar denominado “Jaguatirica”, transferindo também os títulos pro-
visórios expedidos pela Colônia Militar do Xapecó, que lhes foram trans-
feridos por Felipe Antônio com o objetivo de serem legalizados perante o
Governo do Estado de Santa Catarina. Ainda de acordo com o contrato:
A desocupação da área atualmente ocupada pelo outorgado dentro da Fazen-
da Ressaca, no lugar Jaguatirica, e a desistência das pretensões e direitos de
pleitear perante o Governo do Estado de Santa Catarina a legislação dos cita-
dos títulos provisórios “equivalem ao pagamento e a quitação das terras que a
outorgante transferirá ao outorgado, dentro da mesma Fazenda Ressaca, em
virtude da cláusula primeira (Rui Barbosa, 1924).

Percebe-se que o próprio Antônio não era um colono militar, tendo


comprado em 1897 o título provisório de Felipe Antônio, o que demons-
tra que era prática comum fazer a venda dos lotes, mesmo com posse do
título provisório. Antônio comprou as terras no valor de sete contos e
seiscentos mil reis, sendo uma área de extensos ervais, o que justifica o
interesse e a “troca” das terras pela Companhia Ângelo De Carli e Irmão,
pois possuíam uma fábrica de beneficiamento de erva-mate chamada
“Iarva Malte Xauxeré”, que foi registrada em maio de 1927. Ou seja, ha-
via interesse na exploração da erva-mate, que era vendida pela empresa
em forma de chá e de erva para o chimarrão.
Na figura 2 podemos observar o modelo de título provisório utilizado
pela Colônia, sendo um documento conciso e com poucas informações. O
título foi expedido no nome do colono Ramyro Gomes dos Santos, sendo
um lote de terra de cultura, que não havia sido medido tendo a metra-
gem de 1650 metros quadrados, no local denominado Lambedor, datado
de maio de 1898, assinado por José Bernardino Bormann, diretor que
comandou a Colônia até meados do ano de 1898. Em 1908 Ramyro pediu
para que o seu lote fosse transferido para “os olhos d’água” junto ao do
colono Joaquim Gregório da Andrade Costa, pedido atendido pelo diretor
interino João Cúrio de Carvalho. De acordo com a documentação anali-

250
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

sada a prática de pedir a troca do local do lote era algo bem comum e em
sua maioria atendido pelos militares.
Devido a distância da Colônia dos centros comerciais, muitos co-
lonos optavam por não permanecer no estabelecimento e desistiam dos
títulos provisórios, sendo assim, ao invés de expedirem novos títulos,
os militares escreviam na margem dos documentos e distribuíam o lote
para outro colono interessado e em outros casos o colono vendia o lote
como vimos no subtítulo anterior.

Figura 2 – Título Provisório da Colônia Militar do Xapecó

Fonte: Acervo do Arquivo Público de Santa Catarina

Além das terras da Fazenda Ressaca a Colonizadora Ângelo De Car-


li, Irmão &Cia dispunha de terras na Colônia Irany, também no Estado
de Santa Catarina, que compreende parte do território do atual munícipio
de Irani. As terras da Colônia Irany pertenciam até 1916 ao Estado do
Paraná, que eram propriedade da Companhia Frigorifica e Pastoril Bra-
sileira, que em 1908 estava em processo de liquidação por meio do Banco
do Brasil anunciando a venda das fazendas: Tucunduva; Irany; Santa He-
lena; Morro Azul; Praia, Barra e Potreiro; Barreiro São Benedito; Barra
e Tubuna; Santa Bárbara; Santo Antônio do Chopim; São João do Serro
Agudo; São João do Irany; Bom Retiro; São Bento e Marrecas (Fazendas,

251
Leticia Maria Venson

1908). A Colônia Irany foi fundada pela lei n. 1169 de 30 de março de 1913
e no momento de sua criação contava com 46 processos de aforamento de
nacionais que mantinham há anos cultura efetiva e habitação, sendo to-
dos aprovados em outubro do mesmo ano (A Viagem, 1913).
Como estratégia para atrair colonos italianos publicaram vários
anúncios em jornais do estado do Rio Grande do Sul, entre eles destaca-
mos a publicação no jornal O Regional, da cidade de Caxias, em 1927. Na
propaganda a companhia anunciou a venda de 2.000 colônias de “ubér-
rimas” terras, no munícipio de Cruzeiro (Colônia, 1927a). Ao utilizar o
termo “ubérrimas”, superlativo absoluto sintético da palavra úbere enfa-
tizam a ótima fecundidade do solo, demonstrando que na terra seria pos-
sível plantar diversos gêneros alimentícios com uma boa produtividade.
Outra questão que foi levantada na propaganda era a proximidade
da Colônia Irany da vila de Cruzeiro e da Estação Herval sendo “essas
duas localidades dois centros comerciais muito importantes”, ou seja, ha-
via a possibilidade de venda das produções para demais centros comer-
ciais do restante do país, pois “existem importados os produtos para as
praças do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Gran-
de do Sul, e outros Estados” (Colônia, 1927a). Portanto, além da terra ser
muito fértil havia a possibilidade de exportar os produtos para fora da
colônia, gerando retorno financeiro.

Figura 3 – Propaganda das Terras da Colônia Irany

Fonte: Colônia, 1927b.

252
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

Na figura 3, podemos observar a propaganda publicada no jornal


Staffetta Riograndense, também da cidade de Caxias, redigido em ita-
liano, voltado especificamente para as colônias de imigrantes italianos
do estado. O anúncio consome uma porcentagem considerável da página
do jornal, e as palavras “Colônia Irany” em uma letra maior e em negri-
to visam chamar a atenção, além de demonstrar o poder econômico dos
anunciantes, pois quanto maior o espaço que divulga no jornal, maior é o
investimento no anúncio. A propaganda vinculada no jornal O Regional
é a mesma que a do Staffetta, mudando somente a língua, do português
para o italiano, o mesmo anúncio foi publicado em outros jornais do esta-
do como no Jornal Popular, também da cidade de Caxias, onde o anúncio
consumiu uma página toda. Percebe-se que o interesse da Companhia
era em imigrantes ou migrantes italianos, o que justifica os tantos anún-
cios nos mais diferentes jornais do munícipio de Caxias.
Classificam o clima com o adjetivo “salutar”, ou seja, um clima fa-
vorável a preservação da saúde, complementando com o fato de parecer
com o clima do Rio Grande do Sul e conter “águas abundantes” que favo-
receriam a instalação de moinhos, engenhos de serra, entre outros. Ou
seja, levantavam várias possibilidades para um bom desenvolvimento
econômico das colônias, visando despertar o sentimento de esperança
de prosperidade nos possíveis colonos. Também utilizaram exemplos,
destacando que já havia famílias de colonos italianos na região e que
contavam com uma boa produção, além de vários beneficiamentos como
moinhos e engenhos de serra (Colônia, 1927a).
E por fim, já no final do anúncio em caixa alta é enfatizado “Um
Preço Barradíssimo, As Nossas Vendas São Feitas Em Condições Muito
Vantajosas, Concedendo-Se Também Prazos Longos”. Com o intuito de
despertar a curiosidade dos colonos em ir obter mais informações e saber
mais sobre as condições de venda. As terras eram vendidas em Caxias,
no Rio Grande do Sul e em Herval no Estado de Santa Catarina.
Em 1929, Adolfo Konder, presidente do Estado de Santa Catarina
percorreu o Oeste do Estado, tendo como objetivo a “conquista” das po-

253
Leticia Maria Venson

pulações da região (Renk, 2006, p. 58), o que ficou explicitado na repor-


tagem de maio de 1929 do jornal Correio Paulistano que enfatizou que:
A viagem do presidente Konder até aqui foi feita em pousas horas, apesar das
repetidas paradas na estrada, onde quer que exista uma sede, um povoado,
uma colônia, uma escola, uma igreja, um agrupamento humano formado a
beira do caminho para saudar o primeiro chefe de Estado que se aventurou
por estas bandas (1929).

Portanto, uma das estratégias utilizadas pela comitiva de Konder vi-


sando a aproximação com os moradores do oeste catarinense foram as “pa-
radas” em todos os locais onde houvesse moradores. Um dos locais de pa-
rada foi em Ponte Serrada, que pertencia ao munícipio de Cruzeiro, onde
Ângelo De Carli forneceu informações sobre a colonização das terras e do
“intenso movimento da venda de lotes, que já atinge á alta cifra do milhar
no ano corrente” (A Viagem, 1929), de acordo com o Jornal a venda de lotes
em Ponte Serrada estava ocorrendo de forma satisfatória, levando a crer
que em pouco tempo haveria muitos moradores na região. Ainda em re-
portagem do jornal A República, da cidade de Florianópolis foi destacado:
Ponte Serrada é a sede das imensas propriedades territoriais da firma colo-
nizadora de Carli & Irmão. Existe ali uma forte palpitação de vitalidade e de
esforço útil no sentido de grandeza coletiva. E o regime do trabalho florescen-
do num ambiente de ordem e de garantias públicas. Para comemorar de uma
grande forma expressiva a passagem do presidente do Estado, o sr. Ângelo de
Carli inaugurava a praça principal da sede das colônias, falando brilhante-
mente nesse ato o dr. Liberato Barrozo. Nessa ocasião o sr. Adolpho Konder
plantou uma árvore e, agradecendo a saudação do dr. Liberato Barrozo, pediu
para que todos tivessem carinho pelas árvores e não as derrubassem inutil-
mente. O discurso do chefe do Estado foi um esplêndido florão de cultura e de
amor pelos tesouros imensos das nossas florestas e que eram as vezes, esban-
jados perdulariamente num requinte de selvageria ou de inconsciência. Após
essa bela solenidade teve lugar o banquete oferecido a s. exa. E sua comitiva
pela firma De Carli [...] (A Viagem, 1929).

Uma das atividades econômicas em ascensão durante a vinda de


Konder ao Oeste era a exploração das madeiras por madeireiras que se
instalavam na região juntamente ou derivadas das próprias Companhias
Colonizadoras, o que justifica a preocupação relacionada a derrubada de
árvores e o ato simbólico de plantar uma árvore no momento de inaugu-

254
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

ração de uma praça na vila de Ponte Serrada. A Colonizadora De Carli


foi a responsável pelo banquete da comitiva do Presidente de Estado o
que demonstrou o poder e o prestígio de que dispunham na região.
O povoamento do Oeste de Santa Catarina é associado ao tropeiris-
mo com erva-mate, sendo um dos pontos de pouso, a própria companhia
De Carli explorava erva-mate, sendo responsável pelo beneficiamento
e exportação do produto. Os colonos eram oriundos das ditas colônias
velhas, ou seja, de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Sananduva, Veranó-
polis, Nova Prata, entre outros, sendo em sua maioria a segunda gera-
ção de imigrantes (Renk, 2006, p. 68). Em 1937, cerca de sete famílias
austríacas se estabeleceram em Ponte Serrada e havia a expectativa de
instalação de mais 34 no decorrer do ano (Colonização, 1937).

Figura 4 – Barracões da Colonizadora de Carli – Ponte Serrada, 1929

Fonte: https://www.ponteserrada.sc.gov.br/cms/pagina/ver/codMapaItem/17563. A foto retrata a passagem da comitiva


do Governador Adolfo Konder (1929).

Uma das estratégias utilizadas pela Companhia Ângelo De Carli,


Irmão & Cia para o estabelecimento de imigrantes e migrantes foi a con-
tratação de um propagandista como agenciador de terras. Para ser um
propagandista era necessário ter ou ser colono conhecedor de terras e

255
Leticia Maria Venson

dispor de um círculo considerável de conhecidos, em troca, recebiam um


percentual sobre a venda dos lotes (Renk, 2006, p. 69). Também foi uti-
lizada para acolher os colonos a “Casa de Pasto” de José Bortolazzi e a
estratégia de abrir picadas no mato para mostrar a “terra sem pedra”
(Renk, 2006, p. 69) como forma de demonstrar a qualidade das terras.
Em 1938 a Companhia Colonizadora Ângelo de Carli, Irmão e Com-
panhia entraram em liquidação, tendo como liquidatário Edmundo Fer-
nandes Lopes que fez o deposito do memorial e documentos dos terrenos
loteados nos imóveis denominados “Fazenda do Irany” e “Fazenda São
João do Irany” (Colonização, 1937). Apesar da liquidação da empresa,
Tranquilo De Carli Sobrinho continuou atuando na região por meio da
fábrica de fósforos “Sarandy” localizada em Herval (Fabricavam, 1939).
A Vila de Ponte Serrada transformou-se em munícipio em 1958, em de-
corrência da lei n° 348, de 21 de junho, quando o território foi oficialmen-
te desmembrado do munícipio de Joaçaba.

Considerações finais
No desenvolvimento do capítulo constatamos que os colonos milita-
res da Colônia Militar do Xapecó (1882-1908) ao assinarem o contrato do
colono, passavam a ter direito a um título provisório de terras, que após
dois anos de cultivo ou criação tornar-se-ia um título definitivo válido,
porém poucos títulos definitivos foram expedidos, e com a emancipação
da Colônia a gerência dessas terras passou ao Estado do Paraná, e poste-
riormente ao Estado de Santa Cataria após a Guerra do Contestado. Por
meio de várias leis e resoluções o Estado de Santa Catarina autorizou a
validação dos títulos desde que mediante aos documentos de medição,
porém poucos títulos foram validados, e os que foram validados já não
pertenciam aos colonos militares, mas sim a terceiros.
Com o presente trabalho percebe-se que mesmo com a documenta-
ção provisória das terras a prática da venda era algo comum, pois a maio-
ria dos lotes comprados pela Companhia Ângelo De Carli já pertenciam

256
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

a terceiros. A Companhia comprou os títulos com a justificativa de legiti-


mar as terras frente ao Governo do Estado, o que de fato fez, apresentan-
do ao Comissariado Geral do Estado os títulos provisórios, juntamente
com os documentos de compra, os relatórios de medição e as plantas.
Portanto a venda dos lotes a terceiros foi uma estratégia utilizada pelos
colonos militares para não perderem o direito a terra, pois muitos não
tinham condições financeiras de arcarem com a legalização dos títulos,
ou seja, para a transferência de provisórios a definitivos, sendo essa uma
responsabilidade do Ministério da Guerra, que não foi cumprida.
Concluímos que mesmo por meios escusos alguns colonos consegui-
ram legitimar sua posse por intermédio da Companhia Colonizadora,
como foi o caso do colono Antônio Rebalho Nunes que fez a “troca” do
lote da Colônia por um lote próximo, já medido e legalizado. Destacamos
novamente que o estudo está em processo de elaboração, sendo esse um
exercício inicial, bem como a tentativa de estimular outros pesquisado-
res a terem como temática o Oeste Catarinense no final do século XIX e
início do século XX, bem como a atuação das companhias colonizadoras
no território que pertencia a Colônia Militar do Xapecó.

Referências
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na Fronteira (1882-1905). 431 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Universi-
dade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
BEATTIE, Peter. Tributo de sangue: Exército, Honra, Raça e Nação no Brasil,
1864-1945. São Paulo: Edusp, 2009.
BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
CEOM - Centro de Memória do Oeste Catarinense (Org.). A viagem de 1929:
oeste de Santa Catarina: documentos e leituras. Chapecó: Argos, 2005.
FURTADO, Tamires. Literatura, vida pública e modernidade: Um Estudo
Sobre Othon Lobo Da Gama D’Eça (1892-1965). 2015. 116 f. Dissertação (Mes-
trado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de São
Paulo, 2015.

257
Leticia Maria Venson

MEMÓRIA POLÍTICA DE SANTA CATARINA. Biografia Cid Campos. 2020.


Disponível em: <http://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/187-Cid_Cam-
pos>. Acesso em: 11 de setembro de 2021.
ORLANDI, Eni. Análise de discurso: Princípios e Procedimentos. 13ª ed. Cam-
pinas: Pontes Editores, 2020.
RADIN, José Carlos. Companhias colonizadoras em Cruzeiro: representa-
ções sobre a civilização do sertão. 2006. 212 f. Tese (Doutorado) – Programa de
Pós-graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianó-
polis, 2006.
RENK, Arlene. A luta da erva: um ofício étnico da nação brasileira no oeste
catarinense. Chapecó, Argos, 2006.
SANTOS, Silvio Coelho. Nova História de Santa Catarina. Florianópolis, Lu-
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VENSON, Leticia Maria. “Donde se avista o caminho da roça”: José Bernar-
dino Bormann e a Colônia Militar do Xapecó. 2020. 132 f. Dissertação (Mestrado)
– Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Fronteira
Sul, Chapecó, 2020.
WERLANG, Alceu Antônio. Disputas e ocupação do espaço no Oeste Cata-
rinense: A atuação da Companhia Territorial Sul Brasil. Chapecó, Argos, 2006.

Fontes
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A VIAGEM presidencial. República, Florianópolis, 24 abri. 1929.
COLONIZAÇÃO. A Notícia. Joinville, 11 set. 1937.
COLÔNIA do Chapecó. A República, Curitiba, 5 fev. 1910.
COLÔNIA Irany. O Regional, Caxias, 09 abr. 1927a.
COLÔNIA Irany. Staffetta Riograndense, 1927b.
EXCURSÃO presidencial – chegada a Ruy Barbosa – Passagem em Coração,
Irany, Ponte Serrada, Bahia – Notas diversas. Correio Paulistano, São Paulo,
5 de maio 1929.
FABRICAVAM fósforos sem sêlo do consumo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
18 mar. 1939.
FAZENDAS a venda. O Dia, Floripa 05 nov.1908.
FONSECA, Hermes. Relatório apresentado ao Presidente da República
dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.

258
Angelo de Carli, Irmão & Cia: colonização da Fazenda Ressaca em Ponte Serrada (1920-1940)

FONSECA, Hermes. Relatório apresentado ao Presidente da República


dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909.
FREITAS, João J. d’Oliveira. Relatório Colônia Militar do Chapecó. Xan-
xerê, 1903.
OS MUNÍCIPIOS de Campos Novos e Cruzeiro prestam homenagens aos Drs.
Cid Campos e Gama D’Eça. O Dia, Curitiba 1926.
RUI BARBOSA (SC). Cartório do Distrito de Rui Barbosa, Comarca de Chapecó.
Procuração que faz Joaquim de Andrade Costa ao senhor Olímpio Si-
mões Cavalheiro. 07 de maio de 1924.

259
A história de uma companhia
suíço-brasileira de colonização:
projetos, imigrações e refúgios

Nathan Lermen

A
história das ações humanitárias, por vezes intitulada “história do
humanitarismo”, parte do estudo de princípios de solidariedade,
altruísmo, filantropia e/ou caridade compreendidos sob o escopo
das ações governamentais. Estes princípios são caracterizados pela im-
parcialidade, neutralidade, independência e universalidade, cuja ajuda
é ofertada a indivíduos ou grupos em situação de vulnerabilidade. Con-
forme a historiadora espanhola Alicia Alted (2019), a ajuda humanitária
assume três fases distintas: a primeira abrange a assistência às necessi-
dades imediatas, a segunda diz respeito às ações de reabilitação social e
de reconstrução econômica, e a última é responsável pelo estabelecimento
de ações políticas de médio e longo prazo de amparo aos envolvidos.
Nesse sentido, a concepção moderna de ajuda humanitária está ligada
ao filantropo suíço Henri Dunant quando, em 1863, participou da fundação
do Comitê Internacional para Ajuda aos Militares Feridos (posteriormente
Comitê Internacional da Cruz Vermelha) após seu contato com a batalha de
Solferino. Com o fim da I Guerra Mundial, assim como o término da Guerra
Civil Russa (1921), as sequelas políticas, econômicas e humanas enfrenta-
das pelos países envolvidos demandaram o surgimento de novas entidades
especializadas na mediação de ações para as comunidades afetadas.1
1
O presente capítulo é fruto da pesquisa de dissertação desenvolvida pelo autor. O trabalho,
intitulado “Como se estrangula um lavrador?”, conta com financiamento CAPES.
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

Inclusive, a Suíça será importante para o desenrolar deste capítu-


lo. Logo após o fim da II Guerra Mundial, o país criou uma organização
guarda-chuva que reuniu diferentes agências especializadas em ajuda
humanitária, sendo elas: a Doação Suíça (Schweizer Spende), a Ajuda
Mútua Protestante Suíça (Hilfswerk der evangelischen Kirchen der Sch-
weiz - HEKS), a Cruz Vermelha Suíça (Schweizerische Rote Kreuz - SRK),
a Organização Suíça de Assistência aos Trabalhadores (Schweizerische
Arbeiterhilfswerk - SAHW) e a Associação Suíça Cáritas. A reunião de
todas as instituições em uma só produziu a chamada Schweizer Euro-
pahilfe - SEH (Ajuda Suíça à Europa) que coordenou diferentes projetos
ao longo de sua história (Böse, 1993).
A preocupação internacional sobre a reintegração de sem-tetos in-
cidia sobre a organização de assentamentos para refugiados em áreas
poupadas pela II Guerra. A SEH, criada em 1948, foi formada a partir
de dois objetivos principais: o primeiro era constituir uma única organi-
zação de ajuda a longo prazo, já o segundo era o de retirar a obrigação
da Confederação em fornecer seus fundos federais a projetos como estes,
preocupação que foi realocada às organizações privadas. Dessa maneira,
as principais agências se fundiram para a criação da SEH.
Em nível de comparação à sua organização predecessora, Schweizer
Spende, a SEH possuía uma área de atuação e responsabilidade muito
mais ampla. Devido à junção de outros órgãos, ela coordenou atividades
de ajuda e gerenciou os fundos coletivos com base em um sistema de
distribuição financeira. Logo, a instituição se tornou referência suíça na
ajuda construtiva aos refugiados quando assumiu as medidas necessá-
rias para a garantia de paz e liberdade entre os atendidos a partir da
oferta de moradias, cursos de especialização e treinamento, medidas de
imigração e integração para os refugiados no país de destino. Sob meta
de fornecer ajuda construtiva para governos sobrecarregados com suas
ações, na época a Cáritas e a SAHW lidaram inicialmente com planos de
realocação de pessoas (Hug, 2011).

261
Nathan Lermen

A Companhia Progresso Rural


Quando a II Guerra Mundial terminou, a Áustria se tornou um país
de trânsito em que garantiu a abertura de suas fronteiras para refugia-
dos e deslocados. O país recebia um fluxo intenso de pessoas oriundas,
principalmente, da Europa Central e dos Balcãs à procura de novas opor-
tunidades. Em 1949, antigos representantes da Cáritas e da SAHW, que
então participavam da SEH, cogitaram pela primeira vez um estudo en-
volvendo a realocação da população para regiões não europeias em uma
das reuniões de trabalho. Regina Kägi, que naquela altura era ex-direto-
ra da SAHW, compreendia a situação dos campos austríacos como amea-
çadora para a Europa e só enxergava uma alternativa: a emigração.2
No caso da Áustria, uma parte considerável da população era con-
trária à permanência de estrangeiros no território. Conforme palavras
de Oskar Helmer, então ministro do Interior no final da década de 1940,
a prioridade austríaca era se livrar dos deslocados e refugiados, pois
“não trabalhavam” e representavam “um fardo para a Áustria’’. Em um
memorando, Helmer explica que era complicado separar um germânico
de um esloveno, pois “tanto os volksdeutsche quanto os eslovenos falam
ambas as línguas igualmente bem, ou igualmente mal, e eles podem, por-
tanto, reivindicar ser alemães ou eslovenos de acordo com seus próprios
interesses” (Zahra, 2010, p. 198).
Ainda que houvesse determinadas campanhas para a repatriação
de étnicos germânicos, pois estes eram tidos como ideais para o tra-
balho de reconstrução da Áustria, o país não tinha a capacidade de
agregar tantos refugiados. No período, a Ajuda Suíça assumiu a tarefa
de organizar um dos grupos estabelecidos nos campos austríacos: os
suábios do Danúbio. Em uma reunião composta por todos os membros
do conselho da SEH, Kägi-Fuchsmann (SAHW), Giuseppe Crivelli (Cá-
ritas), Heinrich Hellstern (HEKS), Rodolfo Olgiati (CIVC) e Carl Lu-

2
KÄGI-FUCHSMANN, Regina. Declaração. Ata de reunião do conselho da SEH de 27 de ou-
tubro de 1949. Sobre a ajuda europeia e o programa de refugiados (Arquivo Federal Suíço).

262
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

dwig (presidente da SEH), ficou-se decidido sobre a atuação suíça no


enfrentamento do problema e de realocação dos suábios em áreas livres
de guerra. Devido à excepcionalidade da situação em coordenar um pro-
jeto de extensa dimensão, foi formada uma nova comissão dentro da
SEH, a KEAS (Kommission für Auswanderung und Siedlung - Comis-
são para Imigração e Colonização) que coordenou a imigração de parte
dos suábios para o Brasil.
Era junho de 1951 quando o primeiro grupo de suábios-danubianos
chegou ao Paraná dando início à construção de uma colônia agrícola. En-
tre Rios, distrito do município de Guarapuava (PR), recebeu cerca de 500
famílias que se instalaram na localidade para um projeto de agricultura
coletiva organizado nas cinco aldeias do distrito, arranjadas em forma de
pentágono - antigo hábito já presente nos assentamentos iugoslavos de
onde a maioria era oriunda.3
Dois funcionários da Schweizer Europahilfe iam regularmente à
Guarapuava para lidar com os trâmites da instauração da colônia, o suí-
ço René Bertholet e o húngaro János Vayda. Os dois se associaram ainda
na Suíça quando fundaram a Emigrar S.A, uma empresa subordinada
à SEH que tinha por objetivo promover o desenvolvimento agrícola e
industrial, especialmente em relação à elaboração de planos de coloni-
zação a partir da obtenção de empréstimos locais e internacionais.4 Era
1952 quando a SEH encerrou suas atividades com a colônia guarapua-
vana e, portanto, interrompeu a atuação da Emigrar S.A no Brasil. No
entanto, Vayda e Bertholet mantiveram a sociedade e criaram uma nova
empresa: a Progrebras S.A. Esta última possuía os mesmos objetivos da
antecedente:
O objetivo da empresa é promover o desenvolvimento agrícola e industrial do
Brasil, em especial através da elaboração de planos de colonização, obtenção
de créditos locais e internacionais, financiamento da instalação de trabalha-
dores europeus, criação ou transferência de empresas industriais europeias,

3
Sobre a história da Colônia Entre Rios e a imigração suábia-danubiana, cf. Stein (2011).
4
Departamento de Polícia de Basileia (Polizeidepartement Basel-Stadt). Relatório do Inspe-
tor Suter (Bericht von Det. Kpl. Suter). Basileia, 13 jul. 1954 (Arquivo Federal Suíço).

263
Nathan Lermen

bem como a realização de todas as transações, em particular também as co-


merciais, que estejam relacionadas com a realização dos fins societários men-
cionados (tradução nossa).5

A Progrebras foi fundada como uma sociedade com sede em Basi-


leia (Suíça). Em seu estatuto, conforme Art. n° 2, a instituição possuía o
objetivo de contribuir com a promoção do desenvolvimento agrícola e in-
dustrial no Brasil, a partir da criação de colônias. Para a criação de uma
empresa como a Progrebras era necessário que potenciais acionistas in-
vestissem sobre a empresa, e, por isso, Bertholet e Vayda utilizaram uma
lista com nomes de envolvidos em exportações agrícolas suíças para a
comunidade suábia no Paraná. A intenção era comunicar possíveis inte-
ressados que já tivessem exportado mercadorias para o Brasil:
Como sabemos, você está muito interessado em intensificar suas exportações
para o Brasil, mas você e nós também estamos cientes das dificuldades que
enfrentam as exportações suíças em função da situação cambial no Brasil. Esta
situação difícil não surgiu recentemente, mas existe há anos. Sem adentrar
nas razões econômicas desta situação, gostaríamos de salientar que no início
de 1951, em cooperação com a Ajuda Suíça à Europa, conseguimos, no entanto,
chegar a um acordo com o Banco do Brasil, segundo o qual mercadorias suíças
no valor de 31 milhões de francos suíços foram excepcionalmente aprovadas
para importação. Você também participou das entregas sob este contrato e,
até onde nos foi informado, está satisfeito com a realização e os pagamentos do
Banco do Brasil que estão chegando dentro do prazo (tradução nossa).6

5
“Zweck der Gesellschaft ist die Förderung der landwirtschaftlichen und industriellen Entwi-
cklung von Brasilien, insbesondere durch die Ausarbeitung von Kolonisation Planen, Bescha-
ffung von lokalen und internationalen Krediten, Finanzierung der Ansiedlung von europäis-
chen Arbeitskräften, Errichtung bzw. Überführung von europäischen Industrie-Unternehmen,
sowie die Durchführung aller Geschäfte, insbesondere auch von Handelsgeschäften, die mit der
Verwirklichung der erwähnten Gesellschaftszwecke im Zusammenhang stehen» Die Gesells-
chaft kann Zweigniederlassungen im Ausland errichten und sich an anderen Gesellschaften
beteiligen oder solche finanzieren”. In: BERTHOLET, René; VAYDA, János. [Memorando].
1f., Basileia: 27 out. 1952. Informa a criação da Progrebrás S.A.
6
“Wie wir wissen, sind Sie an der Intensivierung Ihrer Exporte nach Brasilien sehr interessiert,
jedoch sind Ihnen und uns auch die allgemeinen Schwierigkeiten, welchen die Schweizer-Ex-
porte infolge der Devisenlage in Brasilien begegnen, bekannt. Diese schwierige Lage ist nicht
erst kürzlich entstanden, sondern existiert schon seit Jahren. Ohne die wirtschaftlichen Gründe
dieser Situation zu untersuchen, möchten wir auf die Tatsache hinweisen, dass es uns anfangs
1951 in Zusammenarbeit mit der Schweizer Europahilfe trotzdem gelungen ist, mit dem Banco
do Brasil ein Abkommen zu treffen, wonach im Werte von 31 Millionen Schweizerfranken Wa-
ren schweizerischer Provenienz ausnahmsweise zur Einfuhr zugelassen worden ist. Sie haben
sich auch an den Lieferungen im Rahmen dieses Abkommens beteiligt und soweit wir orientiert
sind, sind Sie mit der Abwicklung zufrieden und die Zahlungen des Banco do Brasil laufen
termingemäss ein”. In: BERTHOLET, René; VAYDA, Janos. [Correspondência]. 3 nov. 1952,
Basiléia [para] potenciais acionistas, Suíça, 2f. Informa sobre a criação da Progrebras e convida
empresas a participarem do plano de colonização no Brasil.

264
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

A correspondência aponta que as negociações da Progrebras com as au-


toridades brasileiras, sob objetivo de fazer um plano semelhante ao de 1951,
ia muito bem. Com otimismo, os chefes escreveram que os pré-requisitos
para a realização de planos de colonização no Brasil estavam, por duas ra-
zões, muito mais favoráveis do que em 1951. A primeira razão era que o go-
verno brasileiro estava favorável a ofertar terras com o intuito de desenvol-
ver a economia agrícola, e a segunda envolvia o Comitê Intergovernamental
Provisório para a Migração Europeia (PICMME) que estava disposto a pa-
gar as passagens dos colonos.7 Dessa forma, somente caberia à Progrebras
cobrir eventuais necessidades adicionais através de contribuições.
Bertholet e Vayda enfatizaram que o propósito da empresa não era
fazer negócios de exportação e importação, mas a razão de sua criação era a
de que ela pudesse se tornar um gabinete central para a promoção de acor-
dos nos âmbitos da emigração e colonização. Dessa forma, as atividades da
empresa estariam centradas no planejamento, facilitação e processamento
técnico de um contrato de exportação-importação, sendo então a Progre-
bras uma prestadora de serviços.8
Não achamos errado que você tenha um grande interesse na conclusão de tais
acordos e nos permita apresentar a você uma minuta dos estatutos e convidá-lo
a ingressar nesta empresa subscrevendo algumas ações. Nós mesmos subscre-
vemos a maior parte do capital social e, portanto, arcaremos com o peso do risco,
enquanto sua participação representa apenas uma modesta divisão de risco.
[...] Para sua orientação, informamos que a Embaixada do Brasil em Berna, em
particular o Sr. Ex. Ministro Francisco D’Alamo Lousada, está bem informado
sobre a fundação da empresa e o propósito que perseguimos (tradução nossa).9

7
Criado em 1951, por iniciativa dos Estados Unidos e da Bélgica, o Comité intergouvernemental
provisoire pour les mouvements migratoires d’Europe (PICMME) organizou o atendimento e a
realocação de mais de 400.000 refugiados, deslocados e migrantes da Europa para outros conti-
nentes, cf. ONU Migration. Disponível em: https://www.iom.int/. Acesso em 04 de set., 2022.
8
BERTHOLET, René; VAYDA, János, op. cit.
9
Os interessados em constituir o rol de acionistas, deveriam enviar 50% das ações para uma conta
de pagamento vinculada ao Banco Suíço. “Wir glauben nicht fehl zu gehen, dass Sie ein grosses
Interesse am Zustandekommen derartiger Abkommen haben und erlauben uns, Ihnen hier beilie-
gend einen Entwurf der Statuten zu überreichen und Sie einzuladen, durch die Zeichnung von ei-
nigen wenigen Aktien dieser Gesellschaft beizutreten. Die Mehrheit des Aktienkapitals werden wir
selbst zeichnen und tragen so die Hauptlast des Risikos, während Ihr Beitritt nur eine bescheidene
Risikoteilung bedeutet. [...] Zu Ihrer Orientierung teilen wir noch mit, dass über die Gründung der
Gesellschaft, sowie den von uns verfolgten Zweck die Brasilianische Gesandtschaft Bern, insbeson-
dere S.Ex. Minister Francisco D’Alamo Lousada bestens informiert ist.” In: Ibid.

265
Nathan Lermen

Carl Anderes, René Bertholet, Ernst Jost, Rudolf Leupold e János


Vayda assumiram o cargo de principais acionistas, em uma lista de 36
empresas que participariam dos trâmites para exportação de produtos
suíços ao Brasil. Leupold foi nomeado presidente do Conselho de Admi-
nistração, enquanto Bertholet e Vayda se tornaram delegados da filial da
empresa no Brasil, a Companhia Progresso Rural (CPR), fundada pelos
dois.10 A CPR lançou seu guia de instruções com base na resolução n.° 70
do Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), de 5
de novembro de 1953.11
A Companhia Progresso Rural (Rio de Janeiro) em colaboração com a Progre-
bras S.A (Basiléia, Suíça), receberam o encargo de instalar três colônias agrí-
colas, sendo uma no Estado de Paraná, uma no Estado do Rio e uma no Estado
de Alagoas, para o total de 870 famílias (cerca de 4.500 pessoas). Os meios
financeiros para a instalação das colônias referidas serão criados, no sentido
das disposições da Instrução n. 70, da SUMOC, sobre financiamento da produ-
ção agrícola, a longo prazo e juros baixos, através da reserva de uma parte dos
ágios que serão pagos pelos importadores de mercadorias de origem suíça.12

A SUMOC concedeu licenças para mercadorias suíças no valor de


34,5 milhões de francos suíços para diferentes categorias, pagáveis pelo
Banco do Brasil, em seis quotas mensais sem juros a partir do primeiro
ano da conclusão da importação. A intenção era a de que as negociações
rendessem cerca de 300 milhões de cruzeiros em ágios, a partir de um
sistema de leilões, para vários projetos de imigração. O acordo entre Pro-
grebras e os bancos suíços foi de 64.5 milhões de francos suíços, interme-
diado pelo “Bureau pour l’Assurance des Risques d’Exportation”. Com o

10
BERTHOLET, René; VAYDA, Janos. [Correspondência]. 19 nov. 1952, Basiléia [para] acio-
nistas da Progrebras, Suíça, 2f. Informa sobre os integrantes do Conselho e as empresas que
participarão das exportações.
11
A superintendência, criada a partir do Decreto-Lei n° 7.293 de 2 de fevereiro de 1945, possuía
como objetivo coordenar políticas monetárias e creditícias. A instituição esteve envolvida com a
concessão de licenças para a importação de mercadorias suíças e, portanto, participou dos trâ-
mites financeiros de instauração das colônias agrícolas coordenadas pela Cia. Progresso Rural.
Por sua vez, a Instrução n.° 70 instituiu o regime de leilões de divisas para importação e criou
categorias de bens importados conforme essencialidade. Sobre a fundação da superintendência
e a política econômica durante o segundo governo Vargas, cf. Vianna (1987).
12
Companhia Progresso Rural (Rio de Janeiro). Instrução nº 01, de 14 de dezembro de
1953. Determina instruções sobre a participação nas importações da Suíça, relacionadas com o
financiamento de colônias agrícolas no Brasil. Rio de Janeiro, p. 01-05, 14 dez. 1953.

266
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

acordo, a Progrebras se tornou a responsável por fornecer as informações


necessárias ao Bureau, como os produtos adquiridos em leilão, a catego-
ria e o valor aproximado de cada pedido, bem como o nome e o endereço
do importador e do exportador. Os leilões produziram para fim de finan-
ciamento à colonização um total de Cr$ 282.403.465,30 (valor final após
as deduções das bonificações de compra do câmbio).

Os projetos
Os leilões possibilitaram a criação de duas colônias: a Colônia Pindora-
ma (Coruripe - AL) e a Colônia Santo Antônio (Barra Mansa - RJ). Pindora-
ma passou a ser construída em 1954 pela Cia. Progresso Rural em uma área
correspondente a 34.133 hectares com grande parte coberta por uma flores-
ta secundária e pouco habitada.13 À época o território integrava a Fazenda
Santa Cândida, um espaço pertencente a um latifundiário da mesma região
que arrendava porções de terras para pequenos proprietários dependentes
socialmente e economicamente dele. Entre 1962 e 1974, o desenvolvimen-
to de Pindorama esteve ancorado pela assistência técnica e financeira de
quatro países, conforme trâmites e negociações estabelecidos entre Estados
Unidos, Alemanha Ocidental, Holanda e Suíça (Schacht, 1980).
Pindorama era constituída por 14 vilas e um núcleo (“centro urbano”).
A colônia contava com um prédio administrativo da cooperativa, uma pe-
quena agência dos correios e uma fábrica de sucos, esta última responsável
pelo mais importante produto da região: o suco de maracujá. Entre outras
instalações, havia uma serraria, uma oficina, uma fábrica de casca de arroz
e uma fábrica de rações que completavam as alas comerciais de Pindorama.
Com o passar dos anos, a localidade contou com um hotel simples, uma en-
fermaria (com um médico, auxiliares de enfermagem e um dentista), uma
escola para crianças, igreja, além de um centro de treinamento agrícola
com 16 professores (Schacht, 1980). Na década de 1960, Pindorama contou

13
O Decreto n° 39.291, de 01 de junho de 1956, dispôs sobre a instalação de famílias na Colônia
Pindorama.

267
Nathan Lermen

com a presença de trabalhadores brasileiros e cerca de 140 estrangeiros


que atuaram nas terras da fazenda, a maioria de origem alemã.

Figura 1 – Planta da Colônia Pindorama

Fonte: Schacht (1980) - Cartografia: T. Schmitz


Tradução das legendas (sentido cima para baixo, esquerda para direita): Fronteira da Colônia; Estradas; Rios e riachos;
Assentamentos; Loteamentos até 1970; Loteamentos de 1970-1977; Floresta secundária (Capoeira); Vale pantanoso; Lago.

Os trabalhadores rurais de Pindorama cultivavam diferentes cul-


turas tradicionais de subsistência do Nordeste, particularmente feijão,

268
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

mandioca e milho, assim como produtos de mercado (cultura de rendimen-


to). O maracujá e o coco ganharam destaque no ramo das frutas, ainda
que abacaxizeiros, cajueiros e coqueiros tenham sido plantados ao longo
da colônia nos primeiros anos. Na década de 1970, a colônia aumentou o
cultivo da cana-de-açúcar devido a construção de uma fábrica de álcool e
complementou o cultivo das lavouras tropicais com uma pecuária baseada
em cruzamentos entre gado zebu e gado da raça holandesa com ênfase na
produção de leite.14 Os produtos dos assentados eram vendidos através da
cooperativa e, por sua vez, os sucos de maracujá e abacaxi eram comercia-
lizados em todo o Brasil, principalmente nos Estados de São Paulo e Rio
de Janeiro. A produção de arroz e coco era vendida na própria região e a
cana-de-açúcar encaminhada para a Usina Coruripe (Usina Camaçari).

Figura 2 – A enfermeira alemã Rotraut Recklies atendendo na enfermaria de Pindorama (c. 1960).

Fotógrafo: Joe J. Heydecker.

14
Trata-se de uma iniciativa do governo brasileiro para expandir a produção de etanol como
substituto à gasolina. O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) ofertou incentivos fiscais e
financiamentos para produtores de cana-de-açúcar no período.

269
Nathan Lermen

Além de Pindorama, no mesmo período a Cia. Progresso Rural execu-


tou o plano de criação da Colônia Santo Antônio em Barra Mansa. O mu-
nicípio de Barra Mansa está localizado na região sul fluminense, dentro do
vale do Rio Paraíba do Sul, próximo à divisa com o Estado de São Paulo.
Anteriormente fazenda, Santo Antônio foi construída em 1855, quando in-
tegrava um complexo de outras fazendas (Harmonia, Astréia, Cafundó e
Chalé - as três primeiras já demolidas). Tratava-se de fazendas destinadas
ao plantio de café no século XIX que passaram do seu proprietário inicial,
Dr. Manuel Ferreira de Mattos, por várias mãos até 1946. A última proprie-
tária Odete Áurea Cossini Cavalcante, viúva do Dr. Luiz Leopoldo Coutinho
Cavalcante, as vendeu para a Cia. Progresso Rural na década de 1950.15

Figura 3 – Localização da Fazenda Santo Antônio em Barra Mansa (RJ)

Fonte: Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense (2008)

15
ROCHA, Allan. A Colônia Santo Antônio: Apontamentos históricos e formadores do núcleo
de habitação. Relatório Técnico. Barra Mansa: 1991.

270
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

Com a compra da propriedade por parte da Cia. Progresso Rural, foi


necessário criar a futura colônia que abrigaria seus trabalhadores. Con-
cebida conforme colonização agrícola dirigida e assistida tecnicamente,
Santo Antônio nasce como uma colônia de cinturão verde, ou seja, um
experimento que utiliza a terra para a produção agrícola e visa abaste-
cer em produtos hortícolas e granjeiros uma determinada região e sua
adjacente. Assim, a colônia foi criada na região sob justificativa de realo-
car o abastecimento de Barra Mansa e Volta Redonda, dependentes dos
mercados municipais de São Paulo e Rio de Janeiro, para uma produção
local.
Com o surgimento do Plano Nacional de Colonização, nêle fôra prevista uma
colônia agrícola de cinturão verde para o Estado do Rio de Janeiro, cuja locali-
zação inicialmente prevista para Araruama, foi depois transferida para Barra
Mansa, aliás com o parecer favorável do INIC. É o lugar onde foi visitado por
técnicos, inclusive pelo perito internacional Dr. Weizmann, do Comitê Inter-
governamental para as Migrações Européias, de que o Brasil faz parte, e ao
qual o Plano Nacional de Colonização havia sido apresentado como um plano
do Gôverno Brasileiro no campo de colonização agrícola dirigida.16

A base produtiva e econômica da colônia era a horticultura, ou seja,


um tipo de cultivo que exige abundância de água. Dessa forma, os lotea-
mentos se encontravam próximos à várzea principal da colônia, por onde
o rio Bananal corria, para assegurar uma regularidade de abastecimento
de água. A partir de um sistema de irrigação por aspersão, um tipo de
irrigação semi-fixa, a água do rio era bombeada por uma canalização
subterrânea longitudinalmente disposta entre cada lote, o que garantia
pelo 100 mm de irrigação mensais às plantações.
O equipamento mecânico de irrigação é constituído de 6 conjuntos, dos quais
2 móveis e 4 fixos. Empregaram-se 5.080 m de tubulação subterrânea e 7.158
de tubulação móvel. Existem 4 bombas KBS acopladas com motores Diesel de
30 HP com capacidade para 82,3 m³ por hora, e 2 bombas KBS acopladas com
motores Diesel MVM de 12 HP para uma capacidade de 15 m³ por hora.17

16
Companhia Progresso Rural. O que é a Colônia Santo Antônio? Relatório Técnico. Rio de
Janeiro: 18 nov. 1957, 6f.
17
Ibid.

271
Nathan Lermen

Durante sua construção, a Companhia organizou um parque de me-


canização que compreendia “4 tratores Oliver BDH, dos quais dois de
lâminas; 2 tratores Oliver OC 6, 1 trator Caterpillar D2, 1 trator Farmall
e 1 trator - Unitrak; 3 caminhoes Ford F-600, 1 caminhão International,
2 pick-ups Unimog e 2 jeeps Willys.”18 Em relação a sua estrutura, fo-
ram construídas 48 casas para colonos, 27 casas para operários, 7 casas
para funcionários, um escritório central, um depósito, um armazém de
colheita, uma oficina mecânica, uma garagem de caminhões, uma gara-
gem para tratores e máquinas agrícolas, além da reforma de uma casa
sede - já existente na fazenda desde o século XIX. O plantel de gado com-
preendia duas partes distintas: uma primeira distribuída entre colonos
e uma segunda sobre posse da administração. Haviam 310 bovinos, dos
quais 70 estavam com colonos e 240 controlados pela administração; 186
suínos dos quais 17 estavam com os colonos e 27 equinos dos quais 10
estavam com os trabalhadores. Conforme relatório técnico, foram cons-
truídos 59 km de estradas, 63.746 m de cercas e 14.801 m de valetas no
entorno da colônia.
O loteamento de Santo Antônio havia sido realizado de modo que o
colono possuísse três glebas (identificadas como lotes A, B e C, além de
seu respectivo número).19 O lote A correspondia a três hectares de área
irrigada, o lote B correspondia a cerca de cinco/seis hectares de terra de
encosta, e por sua vez, o lote C era designado como homestead - uma área
para a casa do colono. Assim, os lotes A compunham a base econômica
da colônia, enquanto os lotes B eram utilizados de forma livre pelos tra-
balhadores, geralmente empregados como espaço para pasto de animais
ou para fruticultura. Os lotes C, ao redor da casa, compreendiam um
pequeno jardim, o pomar, um poço, galinheiros e estábulos. Em 1958
existiam 48 lotes, sendo 35 hortifruticultores; 8 agri-hortifruticultores e
5 agri-fruticultores. Dos 48 lotes, 47 estavam ocupados por 26 famílias

18
O que é a Colônia Santo Antônio, op. cit.
19
A área total da Colônia Santo Antônio equivalia a 1.412 hectares, com 343 hectares destinados
a pastos/invernadas e 400 hectares de reservas florestais.

272
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

brasileiras, 7 japonesas, 4 italianas, 4 húngaras, 2 suíças, 2 alemãs, 1


espanhola e 1 tchecoeslovaca.20
Como é possível notar, a Colônia Santo Antônio contou com uma
pluralidade de nacionalidades em sua formação - eram brasileiros e es-
trangeiros com diferentes histórias migratórias que compraram lotes do
local. Uma das famílias a ocuparem Santo Antônio foram os integran-
tes da família trentina Andrighi que não partiram diretamente da Itália
para o Brasil, pois já viviam no interior do território chileno. Oriunda de
Vermiglio, a família migrou para a colônia agrícola de La Serena, situada
em Coquimbo - Chile.21 Essa migração pré Santo Antônio foi reflexo das
ações políticas estabelecidas entre o presidente chileno Gabriel González
Videla e o ministro Alcide De Gasperi que juntos desenvolveram projetos
de colonização agrícola no Chile sob objetivo de reduzir o número de de-
sempregados italianos e estimular o setor rural latino-americano.22
Cerca de cento e vinte famílias trentinas migraram, em 1952, para a
colônia chilena. Todo o processo foi intermediado pela Compañía Chileno
Italiana de Colonización (CITAL), cujos recursos foram arrecadados pelo
European Recovery Programme (disposto no Plano Marshall dos Estados
Unidos) com o objetivo de promover a recuperação econômica europeia
após o fim da guerra (Spagnolo, 2001). Logo após o estabelecimento dos
trentinos no Chile, alguns problemas começaram a surgir: terrenos di-
fíceis de trabalhar, inexistência de água para a rega, casas precárias e
financiamento nulo por parte dos técnicos competentes (Grigoli, 2005).
Nem todos os trabalhadores conseguiram sustentar a situação e colher
os frutos do trabalho ao longo dos anos, o que refletiu em um característi-

20
Sobre a criação da Cia. Progresso Rural, a história dos envolvidos, a fundação das colônias agrí-
colas e as trajetórias dos estrangeiros e nacionais, cf. LERMEN (Em elaboração). Cada lote era
numerado e contava com uma família, no início da colonização os grupos japoneses se destaca-
ram frente às demais nacionalidades: eram sete, representados por Tsunehiko Shiokawa (lote
7), Hiromichi Oikawa (lote 8), Sueki Maeda (lote 11), Toshio Hirata (lote 18), Tsuneo Sawano
(lote 19), Kikuo Oide (lote 20) e Takeshiro Sasaki (lote 40).
21
Capofamiglia selezionati per il 1952. Museo storico in Trento - Fondo emigrati in Cile.
22
O desemprego trentino era um fenômeno estrutural, agravado pela conjuntura da baixa dispo-
nibilidade de terra, já que nem 3% das propriedades eram superiores a 10 hectares, cf. Miche-
letti (2021).

273
Nathan Lermen

co comportamento dos imigrantes em colônias estrangeiras: a re-emigra-


ção. Assim, a família Andrighi vendeu suas terras no território chileno e
rumou para Santo Antônio, onde se estabeleceu em 1956.
Uma outra família étnica italiana, porém, oriunda de Feričanci -
atual condado de Osijek-Barânia (Croácia), foram os Belló. Esta última
integrou o êxodo juliano-dálmata, um êxodo do pós-Segunda Guerra ca-
racterizado pela saída forçada de étnicos italianos da região iugoslava
- compreendida na região de Ístria, Veneza Júlia, Kvarner e parte da
Dalmácia.23 À época, muitos refugiados optaram pela manutenção da ci-
dadania italiana e seguiram para o país vizinho. Os Belló, 14 integrantes
da família no total, estabeleceram-se na mesma região trentina e poste-
riormente participaram do projeto imigratório para o Chile, chegando à
Santo Antônio também em 1956.24

Considerações finais
As colônias de Santo Antônio e Pindorama foram projetos concebi-
dos pela companhia de colonização Cia. Progresso Rural. Por sua vez, a
fundação desta última esteve atrelada aos funcionários de uma impor-
tante associação suíça fundada após o fim da II Guerra Mundial, a Sch-
weizer Europahilfe, que esteve envolvida com a realocação de refugiados
europeus para territórios diversos. As colônias foram projetadas no Bra-
sil dos anos 1950, amparadas por um acordo Brasil-Suíça de importação
e promoção de leilões de produtos, sob justificativa de modernização dos
campos agrícolas brasileiros e desenvolvimento econômico das respecti-
vas localidades.
O estudo de colônias agrícolas, como estas apresentadas, são meios
importantes para a apreensão das dinâmicas agrárias, dos deslocamen-
tos humanos e dos mundos do trabalho. Ainda que pequenos em relação

23
Angelo Bello. Ficha consular - Imigração ao Brasil, 1956.
24
Os trâmites para o recrutamento de imigrantes foram organizados pelo Instituto Nacional de
Imigração e Colonização (INIC) ou pelo Comitê Intergovernamental Provisório para a Migra-
ção Europeia (PICMME).

274
A história de uma companhia suíço-brasileira de colonização: projetos, imigrações e refúgios

às dimensões territoriais, os projetos da companhia revelaram uma plu-


ralidade de conexões transnacionais estabelecidas entre organizações,
políticas nacionais e internacionais, assim como movimentos migratórios
de trabalhadores que possuíam origens diversas - desde brasileiros a es-
trangeiros, em condição de refúgio ou não.

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276
Colônias militares interioranas:
antessalas para o processo
colonizador no Sul do Brasil

João Carlos Tedesco


Alex Antônio Vanin

Introdução

A
s colônias militares foram uma estratégia de ação do estado so-
bre o território brasileiro com múltiplos fins entre meados do
século XIX até início do XX. Denominavam-se militares em ra-
zão de uma de suas funções mais pragmáticas, que era de proteção do
território nacional, principalmente as localizadas em espaços de frontei-
ra nacional num período em que as guarnições eram importantes para
as questões geo-fronteiriças e de controle social. Porém, suas dimensões,
orientações e sentidos transcendiam esse processo.
De qualquer forma, independente de seus interesses e formatos,
elas expressaram a ação do estado imperial e, posteriormente, nas pri-
meiras décadas do período republicano, sobre o território nacional. Não
esquecendo que as colônias militares foram constituídas, em sua maior
parte, num contexto político em que se estava definindo a nação, e que,
na concomitância, havia lutas sociais por independência de províncias,
conflitos pela terra em razão de novas legislações agrárias, (i)migra-
ções, reocupação territorial em correspondência com a forma nascente
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

de capitalismo que se expressava no país. Nesse processo todo havia, o


“problema indígena”, ou seja, a necessidade de delimitar e definir seus
territórios, controlá-los através de ações de governo, mas, acima de tudo,
pela presença de religiosos no interior de suas comunidades para, com
isso, permitir a reocupação territorial com a lógica que se desenhava no
mundo ocidental do período e que o Brasil desejava ser membro, porém,
em uma inserção tardia.
A terra era, e continua sendo, um recurso econômico por excelência.
Leis promulgadas a partir de meados do século XIX objetivaram regu-
lamentá-la com a intenção de dar-lhe um caráter de recurso mercantil
principalmente para as esferas públicas. As colônias militares interio-
ranas incorporaram também essa função, ou seja, viabilizar o acesso à
terra, criar as condições para a produção agrícola e a comercialização do
excedente. Elas tinham a função de preparar o terreno (em múltiplos sen-
tidos), de controlar e delimitar terras indígenas, abrir vias de acesso e de
interligação regional no Sul do Brasil, além de que iniciaram experiên-
cias de produção agrícola de excedentes e com canais de comercialização,
dentre vários outros processos.
Esse breve texto quer simplesmente dar ênfase a esses processos.
É um conteúdo, em boa parte rediscutido1, mas que está em correspon-
dência com o que já desenvolvemos em outra pesquisa, a qual objetiva-
va analisar uma experiência de colônia militar interiorana, a Colônia
Militar de Caseros (1858-1878), no norte da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. O que queremos aqui, de uma forma elementar e ge-
neralizante, sem nos atermos a nenhuma experiência ou caso específico
de análise, é dar ênfase ao fato de que as colônias militares serviram de
antessalas para um empreendimento colonizador futuro, principalmente
nos três estados do Sul do Brasil, notadamente via colonizadoras priva-
das e/ou mistas.

1
Ver João Carlos Tedesco e Alex A. Vanin, Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar
de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878) (2018).

278
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

Portanto, é um texto simples, introdutório, para um leitor não espe-


cializado e que, num curto espaço, objetiva dar uma breve noção do papel
do estado, de ações de governo com matizes diferenciadas (da Monarquia
à República), elencar alguns tópicos do contexto histórico do período,
demonstrar interesses envolvidos de vários grupos e a correspondência
das ações com o espírito do tempo, ou seja, uma nova estrutura social
e produtiva, a qual, alia-se, em momentos seguintes e/ou contempora-
neamente, com as colonizadoras, colonos e colônias para produzir novas
territorialidades no espaço agrário.

O que foram as colônias militares?


Foram muitas as colônias militares distribuídas em várias partes do
país (logo a seguir há um mapa que demonstra isso). Todas as colônias
militares brasileiras constituíram-se durante o Segundo Reinado (1840-
1889) e mantiveram-se em funcionamento até as duas primeiras décadas
da República. Documentos que revisamos para escrever o referido livro
indicado anteriormente em nota de rodapé, bem como parte da literatu-
ra, as identificavam como “Colônias de Militares”, porém, muitas delas,
principalmente as interioranas, tinham mais pessoas identificadas com
a terra, com a produção agrícola e outras profissões, que poderiam, se
necessário for, transformarem-se em agentes militares, ressalvando que,
no período, havia uma parca formação militar, fato esse bem expresso no
interior dos referidos empreendimentos e, em particular, no que estuda-
mos, que foi a Colônia Militar de Caseros (Tedesco; Vanin, 2018).

279
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

Mapa 1 – Colônias Militares no Brasil criadas durante o Brasil Império

Fonte: Xavier (2016, p. 31). Adaptado por Alex Antônio Vanin.

Como já mencionamos, poder-se-ia dividir as colônias militares bra-


sileiras em basicamente duas modalidades: as fronteiriças e as interiora-
nas. As primeiras serviam mais como guarnição de fronteiras nacionais;
montaram sua estrutura militar e seu cotidiano de relações, funções,
infraestrutura e comando com essa incumbência; as segundas, além da
característica militar, possuíam também outras funções, em particular,
a de ser um espaço deliberado para atrair (i)migrantes através do con-
trole social existente sobre os indígenas, da produção agrícola, da sua
consequente comercialização, da valorização das terras, das matas e do
extrativismo da madeira e também da erva mate, em se tratando dos

280
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

casos mais específicos dos estados do Brasil Meridional. A dimensão mi-


litarizada do território, administrada pela esfera pública, daria essa ga-
rantia (Sodré, 2010).
Nem todas as colônias militares foram semelhantes em termos de
condução desse processo colonizador peculiar. Como vimos, havia dois
tipos bem definidos, porém, no interior das duas tipologias, havia dife-
renciações em razão de tamanho, dinâmicas de ações, limites geográfi-
cos, distâncias de povoações constituídas, carência de pessoal, presença
intensa de indígenas, dentre outras questões. No entanto, alguns ele-
mentos eram comuns: consistiam num conjunto habitacional com carac-
terísticas de quartel militar, com habitações para diretores e membros
de patentes mais elevadas e outras contíguas, para famílias de outros
militares e membros civis, com uma extensão de terra ao seu entorno
para a produção agrícola e pecuária, vias de acesso por terra, rios, lagos
e mar (Barreto, 1958).
O governo imperial projetou, em meados do século XIX, uma espécie de cor-
dão, uma cadeia de colônias militares ao longo de praticamente toda a exten-
são das fronteiras terrestres do Brasil, bem como na proximidade de todos
os maiores rios e principais caminhos do interior (Brüggemann, 2013, p. 54).

A planta da Colônia Militar de Caseros expressa, pelo menos em


parte, um modelo de colônia militar interiorana. Havia a sede urbana da
colônia, o vilarejo central, de preferência que houvesse rios navegáveis,
ou abundante oferta de água, bem como terrenos para o plantio de produ-
tos agrícolas, ou seja, um núcleo com expressão colonial, muito parecido
com o formato que as colonizadoras utilizaram no Sul do Brasil para
fatiar grandes extensões de terras e comercializá-las para agricultores.
Processo esse que se dará logo após e/ou na concomitância com as colô-
nias militares no Sul do Brasil.

281
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

Mapa 2 – Planta da Colônia Militar de Caseros (1862)

Reprodução da Planta da Colônia Militar de Caseros, elaborada pelo agrimensor Antonio Augusto de Arruda,
Capitão de Engenheiros, em 1862. Na planta, vê-se os primeiros noventa lotes demarcados na colônia militar no período
entre 1858 e 1862, bem como as vias de acesso, a sede da colônia e a área ocupada pelos indígenas Kaingang do Pa’í
mbang Yu-toahê, o Cacique Doble. Reprodução de Frederico Helmuth, 1932. Acervo da Divisão de Terras Públicas do
Estado do Rio Grande do Sul.

Nas colônias militares havia, em geral, espaços físicos para dimen-


são religiosa (rituais católicos e catequese), educacional, lazer e treina-
mento militar. Elas possuíam efetivos permanentes e temporários, um
contingente que mesclava militares e civis com profissões e preparação
variada, baterias de artilharia, construções feitas, em geral, de tijolos
e madeira, taipas de pedras e logística territorial como estratégias de
defesa (Barreto, 1958).
Fortins, feitorias, fortalezas, entrepostos, casas fortes, entre outros
meios foram utilizados como instrumento de defesa de território num
longo período do Brasil colonial e Imperial (Oliveira, 1966). A vigilân-
cia da ampla costa marítima, o comércio, a navegação, o contrabando de
animais e de minérios, as invasões etc., expressavam preocupações dos
gestores e das políticas públicas governamentais. Além de que havia, em
várias partes do Brasil, grupos descontentes com a administração impe-

282
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

rial, bem como um país de tamanho continental para ser gerenciado sem
as mínimas condições de vias de mobilidade geográfica.
Ambas as modalidades de colônias militares revelavam uma ação
do estado sobre o espaço agrário para transformá-lo política e econo-
micamente em território controlado sob novos interesses, anulando os
sujeitos que nele viviam (indígenas, em especial), principalmente o seu
modus vivendi, suas relacionalidades inter e intra grupais e geográficas,
em seu ambiente construído de longa data, atraindo, com isso, novos su-
jeitos e novos horizontes sociais e relacionais-mercantis. É o que diz um
Ministro do Império em 1859:
Com o fim de proteger a população de certas localidades do interior contra cor-
rerias dos índios selvagens e facilitar as comunicações e o comércio, tem sido
criadas estas colônias, mas podem tais estabelecimentos prestar ainda outros
serviços importantes; o de auxiliar os núcleos coloniais civis que se fundarem
em suas colônias.2

Nesse sentido, as colônias estariam na ponta da dimensão pública


dada à ocupação territorial do país, ou seja, dariam possibilidade para
que o estado tivesse condições de se apossar do território, de conhecê-lo
melhor, de ligá-lo e otimizá-lo territorial e economicamente em corres-
pondência com os recursos naturais existentes e com os novos sujeitos
que se esperava que fizessem parte.
Com isso, no contexto de uma definição de nação independente, era
necessário conhecê-la, controlá-la, racionalizá-la aos moldes do novo tempo,
produzir um imaginário de pertencimento nacional, homogeneizar proces-
sos produtivos e de vida em geral, evitar e/ou coibir grupos com desejos inde-
pendentistas, demonstrar a existência de um poder central com interesses
comuns. Isso daria a representação de um povo, como critério para definir
uma nação, um poder político auxiliado e/ou mediado pelas forças militares
e pela lógica da cultura e da vida econômica ocidental, europeizada (pelos
imigrantes e pela dinâmica capitalista já ganhando algum grau de maturi-

2
Relatório de João de Almeida Pereira Filho, Ministro do Império, em 1859, apud XAVIER, M.
O Coronel Freitas e a Colônia Militar do Chapecó – os primórdios de Xanxerê e a colonização
do Oeste Catarinense. Florianópolis: Editora Insular, 2016, p. 33.

283
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

dade no país) e da ação dos homens na esfera produtiva da terra e/ou dos
bens que ela oferecia e que eram passíveis de se tornarem mercadorias.
Imaginava-se, com isso, atrair população no interior e num amplo
raio do entorno das colônias militares com esse novo (para o Brasil) espíri-
to do tempo; projetava-se a constituição de povoados e atores econômicos
(produtores, coletores, madeireiros, comerciantes, ferreiros, carpinteiros,
lavradores, carroceiros, tropeiros, criadores de gado, dentre uma ampla
variedade de tarefas e de domínios de saber), agentes de colonização que
fatiariam a terra e a transformariam em mercadoria para abastecer os
cofres públicos, bem como a transformariam em recurso produtivo de
excedentes, rotas e vias de acesso, interligação de todos territórios com a
sede da província e, dessa, com a sede do Império.
A escolha do local para a instalação da colônia militar de fronteira,
por questões óbvias, era fundamental. Porém, para as interioranas, esse
fator também era muito importante. Possibilidades de vias de acesso, pes-
soal que conhecesse a região (para isso, as várias experiências de colônias
militares do sul do Brasil, serviram-se de indígenas que já habitavam
no seu entorno), a possibilidade de existência e de atração de populações
migrantes, da presença de representantes da Igreja Católica, para dimen-
sionar a ordem moral, formação educacional e civilizar os gentios que
porventura estivessem pelo entorno do empreendimento militar, a exis-
tência de rios navegáveis próximos, dentre outros aspectos, tornavam-se
fundamentais para o bom andamento e para atingir os seus objetivos.
Não podemos deixar de dar ênfase ao fato de que as colônias milita-
res revelaram a dimensão política, dinâmica e móvel dos espaços e sua
transformação e/ou criação social e política em territórios dominados,
controlados e induzidos a uma lógica econômica e seletiva de sujeitos e
relações com a terra, portanto, espaços que, pelas ações desenvolvidas
pelo estado, tornaram-se territórios militarizados e/ou sob uma lógica
produtiva e mercantil com feição capitalista. Para isso, havia necessida-
de de uma série de medidas administrativas em sinergias com a questão
da colonização, na intenção de atrair pessoas para o interior do país,

284
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

através de frentes de expansão territorial, ocupacional e produtiva, bem


como controlar e coibir os ataques de indígenas (Barros, 1980).
Desse modo, a dimensão centralizadora e hegemônica do Estado, em
conluio com elites nacionais, em particular, de grandes proprietários de
terra, ervateiros, criadores de gado, madeireiros, colonizadoras (públicas
e privadas), governos das províncias, dentre outros, permitiu a imple-
mentação de vias de acesso e controle social e político em praticamente
todo o território.3 Nesse sentido, era importante a “obediência de tribos
selvagens que ocupavam grandes porções de terra e impor respeito sobre
a população turbulenta dispersa por amplas regiões”.4

Quadro 1 – As 26 colônias militares criadas durante o Período Imperial


Colônia Militar Província Fundação
Santa Thereza do Tocantins PA 1849
Pedro II PA 1850
São João do Araguaya PA 1850
Leopoldina AL 1852
Pimenteiras PB 1852
Urucú MG 1854
Óbidos PA 1854
Santa Thereza SC 1854
São Pedro de Alcântara do Gurupy MA 1855
Brilhante MT 1855
Nª Sra. da Conceição do Jatahy PR 1855
Guandú ES 1857
São Lourenço MT 1859
Miranda MT 1859
Caseros RS 1859
Itapura SP 1859
Nioac MT 1860
Avanhandava SP 1860
Dourados MT 1861
Taquary MT 1862
Itacayú MT 1871
Conceição de Albuquerque MT 1872
Alto Uruguai RS 1879
Chapecó SC 1882
Chopim PR 1882
Iguaçu PR 1889
Fonte: Brüggemann (2013).

3
Sobre os objetivos das colônias militares na segunda metade do século XIX e sua ligação com
a imigração e os indígenas, ver, MAGALHÃES, José Vieira Couto. Memória sobre as colônias
militares, nacionais e indígenas. Rio de Janeiro: Tipografia da Reforma, 1875.
4
BRASIL. Ministério do Império. Relatório do ano de 1850 apresentado a Assembleia Geral Le-
gislativa, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Visconde de Mont'Ale-
gre. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851, p. 26.

285
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

As colônias militares possuíam um quadro funcional e gerencial am-


plo em razão dos amplos setores (militar, agrícola, educacional, religioso,
comercial, infraestrutural, contábil, saúde, dentre outros). O diretor da
colônia possuía uma função central e centralizadora. Na realidade, tudo
o que acontecia na Colônia passava por ele. A logística da sede da colônia,
o ambiente construído, os soldados e colonos, bem como os trabalhado-
res temporários, o controle da produção e do comércio, o pagamento dos
seus subordinados, dentre uma série de outras atribuições ficava a cargo
dele. O diretor registrava os nascimentos, mortes, casamentos e qual-
quer coisa merecedora de menção; decidia sobre a doação, o mérito ou
não, da cedência definitiva do lote aos agricultores, arbitrava sobre justi-
ça, sobre os conflitos existentes, o comércio e a canalização dos recursos
financeiros etc.5 O bom funcionamento da colônia dependia muito do
bom cumprimento do papel do diretor. Exercícios militares eram exigi-
dos, trabalhos manuais agrícolas e artesanais, manutenção e construção
de prédios e estradas eram atividades cotidianas (Brüggemann, 2013;
Barros, 1980; Xavier, 2016). A aprendizagem escolar para os filhos dos
membros do povoado era também uma exigência das atividades diárias.
Nesse âmbito, havia muita precariedade, inclusive em algumas colônias,
nem escola havia, ou se havia, não havia professores e nem recursos para
a aprendizagem.6 Na realidade, a literatura que revisamos e, mesmo em
nossa pesquisa sobre a Colônia Militar de Caseros, demonstram que as
precariedades, os limites, as carências, as debilidades eram tantas que
era difícil dar correspondência entre os objetivos delas e a sua efetiva
experiência. Doenças, falta de remédios, conflitos morais e afetivos, par-
ca produção agrícola, não controle de parcialidades indígenas existentes
num amplo raio de ação dos empreendimentos, falta de ferramentas, as
imensas distâncias e difíceis vias de acesso para ir e retornar até a sede
das províncias, atraso de pagamentos, pragas nas culturas agrícolas, fal-

5
BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil de 1858. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1858. Artigos 7 e 56, decreto n. 2.125, p. 153 e 160.
6
BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1851. Artigo 19, decreto n. 729,

286
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

ta de vestimentas para o frio, infestação de mosquitos e inexistência de


meios para combatê-los, ausência de profissionais de saúde, do campo
religioso e educacional. Enfim, um cenário de grandes dificuldades.
Por muito tempo, durante o século XIX, as colônias militares pos-
suíam ingerência de vários ministérios (de Guerra, do Império, da Agri-
cultura) e, não era incomum que entre eles não houvesse sintonia, infor-
mação e correspondência nos atos e determinações. Desse modo, tanto
presidentes de províncias, quanto diretores de colônias necessitavam
contatar com várias instâncias públicas e militares em espaços distantes
e em condições muito precárias. Quando havia parcialidades indígenas
próximas ou no interior do território da colônia, em geral, havia um di-
retor parcial dos índios, o qual também dividia poder com o diretor da
colônia, muitas vezes, não sem conflitos. Conflitos hierárquicos e refe-
rências variadas com relação às instituições responsáveis acabavam por
produzir descompassos entre ambas.
Pode-se imaginar as dificuldades de comunicação e informação (cor-
respondências, despachos, relatórios), de translado entre uma parte e
outra do país com o poder central localizado no Rio de Janeiro. Somado
a isso, havia muita dificuldade de realizar pagamentos a todos os que
recebiam os soldos, os quais, em geral, chegavam com muitos meses de
atraso, peças de reposição de instrumentos de trabalho, para confecção
de moradias, abertura de estradas e derrubada da mata. A dimensão das
distâncias também poderia produzir reduzida e/ou inexistente fiscaliza-
ção do poder central, informações sobre dados de produção poderiam ser
facilmente burladas, e poderia, também, permitir maior liberdade para
gestores decidirem os formatos de gestão etc.
A dimensão militar era fundamental para as colônias; era considera-
da condição para o bom funcionamento do empreendimento. Porém, em
razão das profissões variadas, da presença de soldados e colonos, ambos
com funções diferentes, a esfera militar nem sempre era exercida con-
forme as determinações. As práticas mais enérgicas, em geral, sofriam

287
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

resistência e oposição dos colonos e de outros residentes no interior das


colônias. O desgaste físico nas atividades da roça não permitia exercer
com desenvoltura o que era exigido no âmbito militar. Esse processo era
compensado pelos resultados da agricultura e pela reduzida demanda de
ações propriamente militares (defesa, enfrentamentos, combates etc.) de
muitas das colônias em particular as do interior do país, sendo que mui-
tas delas, segundo a literatura revisada, nunca houve nenhum ataque.
A viabilização da colonização, principalmente, pós-segunda metade do
século XIX, compensava também essa débil organização e regramento
militar.

Figura 1 – Destacamento da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, no início do século XX

Fonte: http://www.zuccaratto.jor.br/blogs/historia-do-municipio-de-foz-do-iguacu-comeca-como-colonia-militar-em-1889/.
Acesso em 20/06/2022.

O que se evidenciou dessa experiência?


Não podemos perder de vista, quando se fala de colônias militares, a
imensidão do território brasileiro, os conflitos existentes no período, a di-
mensão política, cultural e, em alguns momentos, beligerante, de regio-

288
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

nalismos e provincialismo desenvolvida no país nas primeiras décadas


do Império com mais intensidade, mas alastrando-se em vários momen-
tos no país. Associadas a essas questões estão as distâncias entre a sede
do poder central (Rio de Janeiro) e grande parte das províncias, o difícil
e, para algumas regiões, quase impossível deslocamento físico em razão
de falta de vias de acesso, topografia e ampla distância. Lutou-se muito
no período para dirimir a falta de uma unidade e integração nacional.
A ocupação desregrada da terra (possessismos indevidos e ilegais, re-
gularizações fraudulentas, esbulhos e grilagem de terra vitimando, com
intensa força, indígenas, negros, pequenos camponeses nacionais) era
uma outra questão a enfrentar, a qual expressava falta de controle do
Estado e legislação correspondente. Urgia a necessidade de conhecimen-
to, controle e segurança do território. Acreditava-se que a presença de
guarnições militares, essas, espalhadas pelas múltiplas regiões do país,
poderiam amenizar esses problemas e/ou auxiliar nesse intento.
Em termos militares, a efetivação de tropas nos postos militares
criados nem sempre era fácil, pois eram constituídas por membros da
população de seu entorno (em algumas regiões formadas por imigran-
tes, luso-brasileiros e caboclos, em geral, para as lides na agricultura,
pecuária e extrativismo), sem formação/treinamento e sem receber re-
muneração, além de que, em razão desse último fator, não abandonavam
suas atividades fora do âmbito do espaço militar (Piazza, 1980; Santos,
2011). Esses fatores eram acrescidos aos parcos incentivos financeiros
governamentais, além de promessas não cumpridas, principalmente aos
imigrantes (em geral, alemães, para o caso no Sul do Brasil) que, na rea-
lidade, eram recrutados para serem muito mais agricultores do que mili-
tares, inclusive, com a promessa de serem proprietários de uma gleba de
terra após alguns anos de serviço na colônia militar em que estivessem
(Farias, 2011).
Em linhas gerais, entendia-se que as colônias militares poderiam
reconfigurar o território econômico e logístico do país.

289
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

Com todos esses elementos trabalhando juntos, o governo tinha a expectativa


de que a economia de cada colônia se desenvolveria rapidamente. Ao expandir
o comércio e a indústria, as colônias poderiam exigir melhores transportes e
comunicações. As colônias militares poderiam fornecer, também, melhorias
importantes nessas comunicações, especialmente porque os colonos eram
obrigados a contribuir com o desenvolvimento e manutenção de uma rede de
caminhos, tanto fluviais quanto terrestres, que cruzavam todo o Império. E,
assim, contribuiriam com os propósitos econômicos e estratégicos do governo
imperial (Brüggemann, 2013, p. 54).

O governo entendia que, com a promessa da aquisição privada da


terra, os colonos seriam mais laboriosos, pois além da dimensão mer-
cantil do retorno financeiro, havia o fato de ser proprietário e toda a
simbologia que essa realidade produzia principalmente no imigrante
(Bringmann, 2010). Para tanto, se não houvesse produção, não haveria
forma de pagamento e a propriedade poderia retornar para as mãos do
Estado e/ou das colonizadoras privadas e, o proprietário de até então po-
deria perder tudo (Farias, 2011). Havendo produção, poder-se-ia também
estruturarem-se vias de escoamentos, praças de comércio, interpostos de
mobilidade de mercadorias como passaram a existir em várias partes do
país pela navegação fluvial. Redes de comércio e de comerciantes passa-
ram, com isso, a estruturarem-se e a ligarem-se no território mercantil
de seu comando; enfim, produzir-se-ia uma dinâmica sinérgica de ativi-
dades, sujeitos e ofícios que, em tese, dariam funcionalidade ao empreen-
dimento estabelecido.
Tudo isso seria o que as colonizadoras e os estados necessitavam
para implementar o segundo empreendimento: o comércio das terras,
novos sujeitos nela e a reocupação territorial. O isolamento com os mer-
cados fazia com que a produção agrícola não produzisse excedente que
poderia se transformar em dimensão mercantil e, por consequência, não
atraísse a aquisição de terras, nem a permanência de militares e colonos
que, por direito, esses, após um período de trabalho, poderiam incorporar
para si. Sem mercados consumidores próximos ou possibilidades inter-
modais de deslocamento de mercadorias, as colônias militares tornar-
-se-iam inviáveis. Desse modo, para evitar isso e, dar funcionalidade à

290
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

experiência das colônias militares, uma das formas para atrair soldados
e colonos, principalmente as localizadas no interior do país, em regiões
de difícil acesso, era a promessa de que, a partir de uma quantidade
de anos de serviços prestados, poderiam tornar-se proprietários de um
pedaço de terra para plantar e viver independente (Brüggemann, 2013;
Barros, 1980).
Os oficiais do Exército sob a jurisdição de um presidente de província pode-
riam ser provisoriamente alocados nas colônias. De acordo com o regulamento
colonial editado pela coroa, depois de um colono requerer o título de terras ao
governo, o presidente de província tinha o poder de conceder o título das terras
que o colono ocupava.7

Como já mencionamos, as obrigações dos diretores de colônias esta-


vam expressas nos regulamentos coloniais; deveriam administrar pes-
soas, administrar o tempo em correspondência com as atividades e pre-
mências, distribuir trabalhos, definir as práticas de exercício e a discipli-
na militar, as estratégias de segurança e vigilância na colônia, permitir
ou não a entrada e a inserção de pessoas em geral e de trabalhadores
em particular, expulsar os indesejados e/ou indisciplinados, conceder ou
não os títulos de propriedade aos colonos, executar prisões de desertores,
desocupados, desordeiros, alcoólatras, encaminhar junto ao presidente
da província as admissões e demissões, efetuar o pagamento dos empre-
gados e colonos (Brüggemann, 2013).
A literatura que revisamos dá ênfase aos inúmeros limites para via-
bilizar todas as intenções e o que se esperava delas, principalmente as
interioranas. A dificuldade de gerenciamento pelas distâncias com o co-
mando central, pelos recursos esparsos e reduzidos que chegavam, pela
diversidade de sujeitos e muito despreparados para quase tudo (para
ser militar e para ser agricultor), precariedade de armamentos, dentre
muitas outras questões que já mencionamos. Isso tudo produzia um ce-
nário de problemas de ordem moral, econômica, de comando racional, de

7
BRASIL. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1851. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1852. Artigo 17, decreto n. 820, p. 248, apud Brüggemann (2013, p. 61).

291
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

deserções, consumo de álcool, doenças com mortes, conflitos internos em


termos de relações e, no somatório, dificuldade de realizar os objetivos
propostos pelo empreendimento governamental.
Não era incomum a troca de comando em tempos reduzidos por de-
cisões externas e/ou dos próprios designados para o posto em razão da
incapacidade de controle interno e de resolução de problemas. Muitos
não se ambientavam com o território devido ao clima, à distância, dentre
outros fatores. Os diretores de colônias militares, em geral, não eram
da região a que se destinavam. Em geral, eram de províncias distantes;
inseriam-se em espaços desconhecidos, muitos deles pouco desbravados
e com limitada, quando não ausente, interligação com centros urbanos. A
literatura que revisamos enfatiza essa realidade em várias experiências
de colônias militares no país.
Em muitas das colônias havia, além de indígenas, grupos sociais,
em geral, caboclos, brasileiros mestiços, vivam nos espaços escolhidas de
domínio da colônia, numa estrutura de subsistência de pequenos roçados
e do extrativismo, sem título de propriedade ou de legitimação das terras
na forma como a legislação do período exigia. Em algumas delas, esses
sujeitos sociais foram inseridos em seu interior, outros resistiram, pois
não queriam abandonar suas terras e estruturar seu novo cotidiano sob
a autoridade militar.
No caso da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, por exemplo, além de
imigrantes estrangeiros (alemães, poloneses, italianos e austríacos), há
registros que também havia o camponês nacional, o conhecido no Sul do
Brasil, como caboclo, habitante e produtor agrícola empobrecido, bem
como ervateiros, que desejavam se inserir no interior dela. Para alguns
dos habitantes do meio rural, desenvolver a profissão de militar, repre-
sentava possibilidade de melhorar de vida, escapar da fome, da falta de
moradia etc. Diz Myskiw (2009, p. 170), referindo-se à Colônia Militar de
Foz do Iguaçu, que,

292
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

Asilo de mendigos”, essa foi a frase que Domingos Nascimento utilizou para
definir a colônia militar de Foz do Iguaçu, mesmo antes de conhecê-la. Refe-
ria-se ele à migração dos peões, ervateiros que encontrou pelo caminho e que
muitos peões que havia conversado lhe disseram que iriam “à colônia pedir
um lote para recomeçar a sua vida com seus filhos.

Muitos desses empobrecidos do meio rural, ou grupos que viviam


na sua lógica de reprodução e de entendimento em relação a terra, à
propriedade e à produção agrícola, produziram resistências, porém,
outros, pressionados e vendo-se sem muitas alternativas em razão da
força do poder militar e da esfera jurídica em lhe confiscar a terra
que, de direito, julgavam ser sua, resolveram se inserir (Prado Jú-
nior, 2014). Muitos desses transformavam-se em jornaleiros, ou seja,
trabalhadores diários e/ou sazonais (colheita e plantio), na abertura
de estradas, etc., mas, sem direito a um pedaço de terra como eram
contemplados os colonos e militares efetivados (Brüggemann, 2013;
Barros, 1980).
Na segunda metade do século XIX, em razão de resultados pífios
das colônias e da relativa pacificação do país, houve uma reavaliação
das colônias militares. O Governo Imperial imprimiu um reordena-
mento no processo organizacional e funcional com a intenção também
de reduzir os gastos. Havia, no período, maior estabilidade política
alcançada com a derrota das revoltas regenciais, maior centralização
do poder, o entendimento de que a ordem política e social era funda-
mental para o desenvolvimento econômico e a eficácia das decisões
políticas, bem como os fluxos migratórios estavam dando o tom na
necessária ocupação de várias regiões que se entendiam como proble-
máticas.
Nas colônias criadas na década de 1850, haveria diferenciação en-
tre colonos militares e colonos proprietários, esses últimos seriam civis
e com dedicação total às lides da terra, pecuária e extrativismo. Já os
colonos militares só poderiam dedicar-se à produção agrícola e apropriar-
-se de seus lotes após haver cumprido o tempo de compromisso militar.
Os militares receberiam remuneração pelo serviço; uma nova hierarquia

293
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

militar seria colocada em prática para incentivá-los em seus ofícios e


treinamentos;8 dar-se-ia um grande incentivo à agricultura para que a
referida fosse fonte de renda e remuneração ao estabelecimento colonial
(Brüggemann, 2013).
A literatura que revisamos enfatiza que, em algumas das experiên-
cias, a realidade cotidiana era tão difícil que, muitos soldados, após o
término do período, não solicitavam a posse de terras e, sim, solicitavam
afastamento, transferência para outros lugares. Isso sem falar das de-
serções que eram costumeiras (Barros, 1980; Xavier, 2016). Essa reali-
dade nos faz deduzir que, em determinadas colônias militares, não era
atrativo para muitos membros do Exército, ele valia para diretores e/ou
de patentes mais elevadas da instituição, os quais eram obrigados a se
inserir em regiões muito distantes, completamente diferentes das de até
então, isoladas e sem vias de acesso, ou eram obrigados a enfrentar as
agruras da topografia, do frio ou do calor intenso e ao risco dos ataques
indígenas (Brüggemann, 2013). Em realidade, para os oficiais enviados
para administrarem as colônias militares, geralmente o cargo de diretor
lhes servia também como pena, já que eram corriqueiramente destinados
àqueles que houvessem cometido alguma infração e/ tivessem ido parar
na reserva.
Muitos indígenas, pressionados pela força militar, sem muitas op-
ções, foram obrigados a se inserir no horizonte das colônias militares e/
ou aceitar o aldeamento. Aliás, mencionamos pouco os indígenas nesse
empreendimento militar que, no Sul do Brasil, foi implementado para
agir e definir suas territorialidades. Dedicaremos algumas linhas a se-
guir sobre essa questão com maior centralidade sobre a Colônia Militar
de Caseros, a qual possuía um agrupamento indígena no seu interior
além de que estava situado numa macrorregião de intensa presença de
agrupamentos, alguns inclusive, em intenso e histórico conflito que é a

8
Ver Barros (1980) e Oliveira (1966).

294
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

parte centro-norte da província sulina e suas correlações com parcialida-


des que habitavam no outro lado do rio Uruguai.

Limpar o terreno e expulsar e/ou controlar os “silvícolas”


As colônias militares interioranas tinham na “questão indígena”
muito de seu sentido de ser. Elas tinham de dar garantias a quem
quisesse se estabelecer nelas ou no seu entorno, principalmente aos
que optavam pela via da colonização; segurança essa da guarnição
militar frente aos indígenas e aos possíveis problemas que poderiam
advir. O governo garantiria o regramento e a integração dos indíge-
nas através de aldeamentos, de catequização, essa, além da dimen-
são religiosa católica, a socialização e hábitos de trabalho rotineiro,
de desejo de propriedade, respeito à justiça e úteis a si e à nação. A
intenção era mais de racionalidade econômica e social do que propria-
mente a de defesa.
Na segunda metade do século XIX, findado o conflito com o Pa-
raguai, novas normativas surgiram em razão de novas feições da for-
mação militar e, como consequência, da importância e sentido das co-
lônias militares. Muitos aldeamentos tinham sido constituídos no Sul
do Brasil. Colonizadoras haviam se encarregado de também agir para
disciplinar e/ou expulsar indígenas nessa porção de terra do Brasil
Meridional. Não deixamos de lembrar que a região centro-norte da
Província do Rio Grande do Sul, em meados do século XIX, situava-se
no âmbito das políticas de terras devolutas (fruto da Lei de Terras de
1850) e aptas para a colonização. Os indígenas presentes nesse cená-
rio, em geral, da etnia Kaingang, foram induzidos aos novos aldea-
mentos impostos pelo governo imperial, para a formação de núcleos
para imigrantes (Golin, 2007; Becker, 1995). As terras que pertenciam
às ditas “hordas selvagens” tornar-se-iam, a partir de então, aptas e
necessárias à colonização e integração da nação (Simoniam, 1995).

295
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

No caso específico do Aldeamento Santa Isabel, localizado muito


próximo da Colônia Militar de Caseros, ele foi deslocado da proximidade
e, em alguns momentos, para o interior da colônia, amalgamando ambas
as experiências; isso fazia parte da estratégia do empreendimento.9 Ao
mesmo tempo em que os indígenas poderiam se sentir um tanto prote-
gidos das investidas de grupos inimigos, tornavam-se vítimas das es-
tratégias de assimilação e integração das políticas de governo aplicadas
pelas ações da referida colônia, ou seja, de inseri-los ao seu horizonte
produtivo, fornecer seu sustento, insumos básicos, acostumá-los à vida
sedentária, utilizar ferramentas para as atividades da agricultura, al-
terações nos quadros de referência simbólica para os casamentos e suas
ritualidades outras, bem como a perda de controle de territórios mais
amplos, principalmente, os que possuíam o pinheiro araucária que era
a fonte básica de alimentos bem como a base das conflitualidades e de
poder frente a outros grupos indígenas da região. Com isso impossibili-
tado e controlado pela colônia militar, serviria como uma antessala pre-
paratória para os processos de aldeamentos que se desenhavam por todo
o território brasileiro e, em especial, o sulino, mas, acima de tudo, para
o empreendimento colonizador que exigia isso para se instalar e atrair
agricultores imigrantes.
Primeiramente, os diretores da Colônia eram também responsáveis
pelos indígenas. O capelão e diretor dos índios, que poderia ser uma só
pessoa, surgem alguns anos depois do início dela. Os dois primeiros di-
retores, José Lopes de Oliveira e Hortencio da Gama Souza Mello da
Colônia Militar de Caseros narraram em seus relatórios a dificuldade
nas relações com os indígenas e, demandavam a presença de um diretor
que pudesse atuar diretamente com eles, coordenar as lavouras e tivesse
conhecimento de construção e, que fosse padre.

9
Uma análise com amplos detalhes sobre as questões que envolveram os indígenas dessa par-
cialidade com os demais grupos da região e sua correlação com a Colônia Militar de Caseros
encontra-se em Tedesco e Vanin (2018).

296
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

[...], sei que nessa capital, existe um padre que tem as necessárias habili-
tações; ora ele se quisesse occupar o lugar do Capellão, Mestre de Obras, e
director das lavouras no que é tambem pratico. Seria isto de uma importância
incalculável: [...], e me parecendo que, com um ordenado de dusentos mil reis,
por mez, elle entraria em ajuste com V. Ex [...].10

Em várias circunstâncias a Colônia Militar de Caseros foi acometi-


da por pragas e doenças, que promoviam dispersão e/ou dificuldade de
manter os indígenas aldeados e da forma pacífica, bem como porque “ali
habitavam unicamente indivíduos dissolutos e vadios, vivendo errantes
os índios e perturbando a disciplina e os trabalhos da Colônia Militar de
Caseros” (Rocha, 2005, p. 86), o Presidente da Província escreve para o
Ministro da Guerra para extinguir o Aldeamento Santa Isabel em razão
dos altos custos, doenças e da dispersão dos indígenas, fatos esses que
ocasionam muitos problemas para o diretor dela.
O Diretor parcial nomeado para o citado aldeamento, cuidando mais em seus
interesses do que do bem estar dos índios que lhe haviam sido confiados deu
causa a que fosse mandado ex-tinguir o citado aldeamento em 25 de fevereiro
de 1861, visto que poucos eram os índios que ali permaneciam, no entretanto
que as despesas mensais com alimentos etc eram consideráveis.11 (Grifo nosso).

Diz o diretor, reclamando dos altos custos dos índios e o pouco resul-
tado obtido até então, e em resposta a uma carta enviada pelo diretor dos
índios acusando ações de maus tratos de militares junto aos índios, que,
[...], tenho pois a informar a V. Ex, que nada sei respeito ao expendido pelo
Sem. Director Geral dos Indios, a não ser que o governo gastou com elles no
aldeamento de Santa Isabel, muito dinheiro sem fructo, porque isso é de todos
sabido e consta das contas, que parecem fabulozas, do seu do Director [...].12
(Grifo nosso).

Nessa experiência de colônia militar a presença indígena sempre foi


expressão de conflitualidades. A não obediência dos indígenas, as fugas,

10
Relatório enviado pelo diretor da Colônia Militar de Caseros, Hortencio M. da Gama Souza
Mello, à Presidência da Província. Colônia Militar de Caseros, em 31/07/1861. AHRS. Fundo
Colonização. Maço 48.
11
Correspondência Expedida pelo Presidente da Província ao Ministério da Guerra, em
13/03/1861. AHRS - Fundo Correspondências Expedidas.
12
Relatório enviado pelo diretor da Colônia Militar de Caseros, Hortencio M. da Gama Souza
Mello, à Presidência da Província. Colônia Militar de Caseros, em 28/07/1862. AHRS. Fundo
Colonização. Maço 48.

297
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

as correrias nas propriedades de pecuaristas e extrativistas que inva-


diam e se apropriavam de seus territórios, a resistência em produzir na
lavoura, a não aceitação em trabalhos de aberturas de picadas e vias
outras de acesso, os conflitos no interior do grupo por várias questões,
dentre outros elementos, colocaram em xeque a presença deles no inte-
rior da referida colônia, bem como o papel desta em realizar seu objetivo.
Por isso que se levantou várias vezes a possibilidade de não os ter no seu
interior.
No entanto, extinguir o aldeamento significava reduzir a importân-
cia e os objetivos da referida colônia, além do mais, os índios dispersos e
não aldeados poderiam significar grande perigo e expressar as fragilida-
des de defesa e a precariedade do empreendimento colonial localizado na
região. O aldeamento não foi extinto como havia solicitado o Presidente
da Província, ao contrário, permaneceu sob a direção do padre Antônio
de Moraes Branco, o qual passou a imprimir um amplo controle sobre os
indígenas. Ele exercia várias funções para além da catequese e de outras
dimensões e rituais religiosos, dentre as quais, a tentativa de inserção
deles nas atividades agrícolas como expressão das exigências e cobranças
do diretor da Colônia.
A lógica da vida indígena não era compreendida pelos diretores da
referida colônia, ou, se era, tudo era feito para rompê-la e, integrá-los à
dinâmica e sentidos do empreendimento. A dificuldade de seguir com as
lógicas das metades clânicas, fruto da cosmogonia kaingang sobre a sua
origem e que decidem as junções matrimoniais, impedidas pela inexis-
tência equilibrada das referidas partes no interior do grupo e a dificul-
dade de encontrar em outras parcialidades em razão de conflitos entre
os próprios grupos indígenas, o aldeamento em si e os outros que eram
propostos fora da Colônia, a falta de alimentos e de vestimentas, dentre
uma série de outros impedimentos e abusos de poder impressos pelos não
indígenas, produzia muitos conflitos, reações e revelava a fragilidade dos
objetivos da referida colônia.

298
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

Mapa 3 – Locais de ocupação tradicional da etnia Kaingang no centro-sul do Brasil

Fonte: Laroque (2007, p. 36).

O cotidiano da referida colônia produzia ações e relações entre indí-


genas e não indígenas; gratificações e contraposições estavam em jogo;
barganhas, dependências, liderança, poder, rivalidades, etc., enfim, um
campo de disputas e estratégias entre indígenas, em particular, o cacique
Doble e sua parcialidade, e as demais, em especial, a do cacique Braga,
as questões ligadas aos aldeamentos forçados, a necessidade de manter
uma comunidade de interesses entre o primeiro cacique e os diretores da

299
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

Colônia, os limites e necessidades de ambos, enfim, vários processos que


aglutinavam um amplo espectro relacional.
O Aldeamento Santa Isabel agrupava um grande contingente de
indígenas, porém, outros se formavam e se extinguiam com a saída da
parcialidade ou eram extintos. No caso do de Santa Isabel, “Extinto ofi-
cialmente o Aldeamento, os indígenas ficaram entregues à própria sorte,
vivendo de caça e do fruto de sua agricultura; com o andar dos anos, os
moradores da vizinhança começaram a se queixar às autoridades, re-
clamando providências; os índios praticavam furtos nas roças, furtavam
galinha, porcos e até vacas” (Barbosa, 1989, p. 15). Atendendo a tais re-
clamações, o Delegado de Polícia de Lagoa Vermelha [...], à frente de 60
homens armados, fez com que a maior parte dos indígenas se retirassem
com suas famílias para a serra do Forquilha, sendo, mais tarde, reunidos
no Aldeamento de Faxinal e outros toldos improvisados como o dos cam-
pos de José Bueno de Oliveira (Barbosa, 1989, p. 15).
O ofício do Diretor Geral dos Índios, em 08/12/1879, ou seja, mais
de uma década do fim do Aldeamento Santa Isabel, revelava a existência
de indígenas na região. Ele recebe queixa de moradores do Pontão de
que indígenas de Caseros estão promovendo correrias e depredações. O
referido responde que “Os indios de que se queixão aquelles moradores
se achão a muitos annos alojados em seus faxinaes existentes no mesmo
pontão, e não estão morando com os de Caseros, e por isso estes não são
os que ali fasem tais depredações”. O referido diretor revela a situação
precária vivida pelos indígenas espalhados pela região, solicita junto ao
Presidente da Província que envie recursos financeiros para amenizar
sua precariedade e não promovam correrias. Ele informa que, com o fim
do Aldeamento Santa Isabel, foram “demolidas as cazas e ranchos de que
constava o mesmo – e por isso dispersos – parte para o Pontão, e parte
ao sul da Colonia em distancia de duas leguas retiradas da mesma. [...]”.
A relação da Colônia com os índios foi muita complexa e conflituosa.
Difícil concluir se o papel da referida em relação aos sujeitos em ques-

300
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

tão tenha sido cumprido conforme suas intenções. Muitos indígenas não
foram aldeados, ficaram sim na região e formaram parcialidades coman-
dadas por várias lideranças por todo o restante do século XIX; descen-
dentes seus hoje reivindicam terras e ampliam os atuais conflitos. Diz
Branco (1993, p. 71) que, em 1875, a “Comissão nomeada para avaliar a
situação da Colônia Militar de Caseros informou, em seu relatório, que,
se aquela Colônia fora criada para conter os índios do Cacique Doble, não
havia razão para continuar existindo, pois, os índios estavam mansos e
trabalhando na agricultura”. Difícil é concluir isso, pois a historiografia
regional aponta e analisa vários conflitos entre indígenas, pecuaristas
e colonos em anos posteriores ao fim da referida colônia militar (1878).
Porém, não há dúvida que o empreendimento colonial, no que tange
à questão dos indígenas, reduziu seus conflitos e impedimentos e, com
isso, permitiu o acesso e a apropriação das terras, algo impossível antes
da implantação da Colônia em razão das correrias e outras formas de
ataque13 como contraposição à intrusão em seus territórios. Não há dúvi-
da de que a referida colônia impediu a possibilidade livre e autônoma da
circulação indígena pelos seus territórios na medida em que auxiliou a
apropriação privada das terras em correspondência com as políticas pú-
blicas do momento. Sua extinção fragilizou o controle, ainda que parcial,
dos indígenas. Muitos deles aceitaram ser aldeados em terras indígenas
demarcadas na região norte do estado, inclusive, um de seus líderes, o
cacique Doble, havia manifestado interesse de assim o fazer como forma
de proteção e resguardo de sua parcialidade; outros acabaram se inse-
rindo em fazendas pastoris e em propriedades de colonos que se apro-
priaram de terras no norte do estado; mas, a grande maioria, formou
pequenas parcialidades sob lideranças de descendentes de antigos caci-
ques e viviam de uma forma sedentária em algumas porções de terra de
colonização mais tardia, em geral, muito próximas do rio Uruguai.
13
Isso é muito evidenciado pela ampla literatura existente que aborda o povoamento da região
de Passo Fundo, inclusive com episódios envolvendo parcialidades indígenas ocorridos durante
a Revolução Farroupilha pela passagem de tropas, de ambas as partes envolvidas, nos matos
Castelhano e Português.

301
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

Figura 2 – Índios e colonizadores na Barra da Paloma - Rio Novo (município de Aratiba), Norte do Rio
Grande do Sul, em 1926

Fonte: Arquivo Histórico Juarez Miguel Illa Font, Erechim/RS.

Enfim...
Vimos, de uma forma sintética e superficial que as colônias milita-
res do século XIX tinham objetivo de cumprir algumas funções necessá-
rias ao controle do estado sobre o território, redefinir espaços e transfor-
má-los sob o comando político e econômico com outra lógica. Elas foram
múltiplas e diversas. Por várias razões não cumpriram a contento suas
funções; as que atingiram melhor seus objetivos foram as que estavam
localizadas em regiões limítrofes, em áreas de fronteiras. Outras colônias
não foram além de resolução de pequenos conflitos com indígenas, pos-
seiros e quilombolas, além dos seus próprios, em seu interior, na esfera
administrativa, de hierarquia militar, de controle e regramento interno,
dentre outros aspectos. Porém, é interessante enfatizar que o empreen-
dimento colonizador se constituiu e realizou seu intento; a experiência de
colônias militares auxiliou nesse processo.

302
Colônias militares interioranas: antessalas para o processo colonizador no Sul do Brasil

No período republicano, todas as experiências de colônias militares


foram oficialmente extintas, ou extinguiram-se em razão dos parcos re-
cursos e apoio do governo, mas, também, em razão da falência do modelo.
Muito disso se deve ao fato de que outros processos de ocupação e povoa-
mento foram promovidos pelas colonizadoras, públicas ou privadas, mas
com incentivo e recursos da esfera pública, como políticas de governo em
todo o Sul do Brasil. As colonizadoras, em muitos casos, encarregaram-se
de algumas das ações atribuídas às colônias militares. A continuidade
das imigrações para várias regiões do país também contribuiu para o
ocaso desse modelo de colonização.
Muitas das colônias militares de fronteira atingiram seus objetivos,
porém, várias demonstraram suas fragilidades. Também, foram poucos
os casos de invasão estrangeira, a não ser nas colônias da província do
Mato Grosso, atacada pelas tropas paraguaias, inclusive em situação de
reduzida capacidade de defesa e, por isso, sem condições de rechaçar os
ataques, tendo de render-se, pois não tinham efetivo e nem armamen-
to (Barros, 1980, p. 41). Outras colônias não foram além de resolução
de pequenos conflitos com indígenas, posseiros e quilombolas, além dos
seus próprios, em seu interior, na esfera administrativa, de hierarquia
militar, de controle e regramento interno, dentre outros aspectos. Mui-
tos militares do alto comando do Rio de Janeiro, tendo presente os seus
resultados e quase inoperância em determinados espaços, também se
mostravam descrentes em torno delas. Autoridades civis, em vários mo-
mentos, manifestavam sua descrença e criticavam seu alto desembolso
financeiro em correspondência com a invisibilidade dos resultados.
Na realidade, em quase todas as colônias, a tentativa era permitir a
colonização, ocupação e produção combinando atividades de cunho mili-
tar e civil ao mesmo tempo, num processo hierárquico de disciplinamento
entre membros de profissões e ofícios variados em seu interior. Várias
entidades de governo estiveram envolvidas nesse empreendimento, em
particular, o Ministério do Império, o da Guerra e da Agricultura, insti-
tuições religiosas e civis.

303
João Carlos Tedesco, Alex Antônio Vanin

De qualquer forma, em alguns âmbitos, as colônias militares foram


importantes, principalmente para dar segurança aos processos que en-
volviam a colonização em espaços interioranos e distantes; contribuíram
para reterritorializar regiões; deram um impulso à integração nacional
para além do âmbito geográfico, bem como auxiliaram na tentativa de
produzir uma nação baseada fundamentalmente na centralidade polí-
tico-militar em correspondência com interesses de elites nacionais e re-
gionais.

Referências bibliográficas
BARBOSA, F. D. Caseiros. Caxias do Sul: Gráfica Universal, 1989.
BARRETO, A. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro. Biblioteca do Exército,
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305
Colonização e intrusão no oeste
catarinense: o caso da Fazenda
Faxinal do Tigre (1922)

Leticia Maria Venson

Introdução

O
presente capítulo analisa de forma breve e exploratória o pro-
cesso de colonização da Fazenda Faxinal do Tigre, atual muníci-
pio de Guatambu, por meio da empresa colonizadora Isaac Pan
& Vargas e uma “intrusão” envolvendo cerca de 200 pessoas oriundas em
sua maioria do Estado do Rio Grande do Sul, identificadas como “intru-
sos” e foragidos da Justiça por parte dos representantes do Estado.
A intrusão deve ser entendida como uma forma ilegal de ocupação
da terra. O termo intruso passou a ser usual na documentação após a Lei
de Terras de 1850, que bloqueou o livre acesso à terra, exigindo dos la-
vradores a compra das áreas destinadas aos seus roçados, ou legitimação
das que já ocupavam antes de 1850, o que gerou uma série de conflitos
(Nascimento; Zarth, 2020, p. 461).
O atual Oeste Catarinense no início do século XX era conhecido
como “[...] uma região onde se mata um homem por simples divertimen-
to” (Breves, 1985) e a população cabocla era estigmatizada devido aos
seus costumes e modos de vida. O imigrante ou migrante descendente
de europeu advindos do Rio Grande do Sul, eram vistos como mais “ci-
vilizados”, considerados como figuras centrais para a colonização, pois
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

de acordo com o Governo Estadual eram capazes de incorporar o papel


de desenvolvedores da região, com melhores técnicas agrícolas. A Colo-
nizadora Isaac Pan & Vargas visava a colonização de suas terras com
imigrantes e migrantes descendentes de italianos.
Como fonte de análise utilizaremos o artigo “O Chapecó que eu Conhe-
ci” de autoria de Wenceslau Breves, onde descreve a sua estadia no muníci-
pio dos anos de 1920 a 1924, quando foi encarregado de demarcar as terras
concedidas a Empresa Colonizadora Bertaso Maia & Cia, e jornais disponí-
veis na Hemeroteca Nacional Digital, em especial o jornal “A República” de
Florianópolis. Wenceslau Breves foi funcionário da Secretaria da Fazenda,
Viação e Agricultura de Santa Catarina, sendo membro da Comissão Técni-
ca discriminadora de Terras do Estado, efetuando demarcações de terras no
Oeste Catarinense, entre 1919-1924. Assumiu o 8° Distrito de Terras (1924)
com abrangência de Chapecó a Cruzeiro (Joaçaba), ou seja, era agente re-
gulador e fiscalizador das propriedades de terras nessa região. Também foi
Conselheiro e Presidente do Conselho Municipal de Chapecó1.

História e Região
O território que atualmente compreende a região de Chapecó per-
tencia ao Estado do Paraná, foi somente após a Guerra do Contestado
(1912-1916) que o território passou a ser parte do Estado de Santa Cata-
rina, que em 1917 criou o munícipio de Chapecó, com uma área de apro-
ximadamente 14 mil km², também conhecido como a região do “Velho
Munícipio de Chapecó”. Sendo habitada no início do século XX em sua
maioria por populações indígenas e caboclas e em menor número por co-
lonizadores europeus ou seus descendentes (Radin; Vicenzi, 2017, p. 60).
Com a Proclamação da República em 1889, os estados passaram a
ter maior autonomia, principalmente com relação as terras devolutas, a
partir de então poderiam comercializar as terras e cobrar impostos, po-

1
Disponível em: <memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/925-Wenceslau_Breves>. Acesso
em: 04 abr. 2019.

307
Leticia Maria Venson

rém também ficavam responsáveis por resolver questões relativas as dis-


putas e regulamentação da propriedade (Radin, 2009, p. 76). Uma das
alternativas foi a concessão desses territórios as Companhias Coloniza-
doras, concessões de áreas que atualmente perfazem o território de vários
municípios do Estado de Santa Catarina (Radin; Vicenzi, 2017, p. 76).
No estado de Santa Catarina foi criado em 1897 o Comissariado Geral
das Terras, e em 1903 a Diretoria de Viação, Terras e Obras Públicas, a qual
coordenou o povoamento do solo e colonização. O serviço de Povoamento do
Solo foi regulamentado pelo Decreto n° 6.4 55, de 19 de abril de 1907, mo-
dificado pelo Decreto n° 9.081, de 03 de novembro de 1911, que permitiu a
colonização por companhias de colonização ou por indivíduos (Radin; Vicen-
zi, 2017, p. 77). Em 1917 houve o início de uma política por parte do governo
catarinense de colonização do Oeste com famílias oriundas de descendentes
de imigrantes europeus do Estado do Rio Grande do Sul (Rosa; Silva, 2010,
p. 140) o que levou ao fomento da população regional e a constantes conflitos
relacionados a posse de terras, envolvendo caboclos e migrantes
As empresas colonizadoras, principalmente de Santa Catarina e do
Paraná, nas áreas do antigo Contestado obtiveram facilidades e regalias
por parte dos governos. A aquisição dessas terras se deu a longos prazos
para o pagamento, além de diversos artifícios para evitar o envolvimento
da moeda, como os serviços de abertura de estradas, de construção de pon-
tes, entre outras (Radin, 2015, p. 163). Uma das colonizadoras que recebeu
concessões de terras devolutas do Governo de Santa Catarina nessa região,
foi a empresa Bertaso, Maia & Cia. Das concessões estaduais de 1920 a
1922, a Companhia adquiriu mais ou menos um bilhão de metros quadra-
dos de terras no Oeste catarinense. Essas concessões de terras demonstrou
a vontade do Estado e do colonizador, na mercantilização da terra e na
seleção dos habitantes, substituindo as populações caboclas e nativas, por
comunidades inseridas na política mercantil (Vicenzi, 2006, p. 60).
Os fluxos populacionais impulsionados pela política das empresas co-
lonizadoras, de origem alemã e italiana oriundos da zona agrícola do Rio

308
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

Grande do Sul, dedicavam-se em sua maioria a extração da madeira da


mata florestal existente, mais tarde a extração e industrialização da erva-
-mate também foi considerável na economia da região (Vicenzi, 2006, p. 15).
Esses migrantes ocupavam um espaço tido como desabitado, porém eram
áreas habitadas por indígenas Kainkang e Guarani e por caboclos, que atra-
palhavam a política de colonização do Estado e das companhias imobiliárias
colonizadoras (Vicenzi, 2006, p. 17). Ou seja, a história do Oeste Catarinen-
se é marcada por desapropriação e violência de caboclos e indígenas.
Além da Colonizadora Bertaso, outras companhias atuaram na re-
gião Oeste de Santa Catarina, entre elas a Empresa Construtora e Co-
lonizadora do Oeste Catarinense Ltda., a Cia. Territorial Sul Brasil e a
empresa Colonizadora Isaac Pan & Vargas que ficou responsável pela colo-
nização do atual espaço geográfico do Município de Guatambu (Corá; Oli-
veira, 2010, p. 14). As concessões do Governo Estadual sempre foram para
aqueles que tinham condições econômicas para promoverem a exploração.
As colonizadoras comprometiam-se a colonizar as áreas em determinado
prazo e isto fez com que vendessem partes das suas concessões (Poli, 1995,
p. 178) o que justifica o número de Empresas Colonizadoras na região.

Figura 1 – Localização do atual munícipio de Guatambu

Fonte: Tribunal Regional Eleitoral, 2009.

309
Leticia Maria Venson

No próximo subtítulo nos desdobraremos sobre a colonização da Fa-


zenda Faxinal do Tigre pela Companhia Colonizadora Isaac Pan & Var-
gas e sobre o caso de intrusão envolvendo o território e vários sujeitos
provenientes do Estado do Rio Grande do Sul, caracterizados como “in-
trusos” e foras da lei. A bibliografia sobre a colonização do munícipio de
Chapecó é vasta, porém há a necessidade novas pesquisas envolvendo os
munícipios menores da região bem como das Companhias Colonizadoras
que também atuaram no território, mas que obtiveram menos quantida-
de de terras.

Colonização e intrusão na Fazenda Faxinal do Tigre


O atual Oeste Catarinense no decorrer do século XX, passou por in-
tensas transformações, principalmente relacionadas ao controle e ao uso
da terra. Esse território desde o período Colonial é marcado por disputas
territoriais, primeiro entre Portugal e Espanha, posteriormente entre
Argentina e o Governo Brasileiro, e no início do século XX entre Santa
Catarina e Paraná, na Guerra do Contestado (1912-1916). Com o início
da colonização oficial esses conflitos continuaram, mas desta vez envol-
vendo os colonizadores, italianos, alemães e seus descendentes, advindos
por meio da colonização incentivada pelo governo e grupos de indígenas
e caboclos que já viviam na região.
Uma das colonizadoras que atuou na região foi a Companhia Isaac
Pan & Vargas que recebeu do governo catarinense, por meio de um con-
trato de concessão de terras a “Concessão Vargas”, com aproximada-
mente 25 mil hectares, entre o rio Uruguai e o rio Chapecó, no atual
munícipio de Guatambu. Os fluxos populacionais impulsionados pela co-
lonizadora eram em sua maioria de alemães e italianos oriundos do Rio
Grande do Sul e dedicavam-se a extração da madeira e industrialização
de erva-mate. A madeira era transportada pelo rio Uruguai, pelo Porto
Chalana – Guatambu, para Argentina, onde era comercializada (Corá;
Oliveira, 2010).

310
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

Figura 2 – Subprefeitura de Guatambú na década de 1950

Fonte: Centro de Memória do Oeste – CEOM

Guatambu até o ano de 1991 era um distrito da cidade de Chapecó


e devido a disputas políticas no ano de 1921 recebeu o nome de Lauro
Muller, em homenagem ao governador de Santa Catarina, passando a se
chamar Guatambu somente 1938 quando é elevado à categoria de Vila2.
De acordo com o site do IBGE o território do atual município de Guatam-
bu era conhecido como Fazenda Faxinal do Tigre e tinha abundância de
madeira para exploração. O território supostamente era de fácil acesso
para a fuga de foragidos da Revolução Federalista (1893), bastando atra-
vessar o Rio Uruguai. Devido a isso havia na região vários indivíduos
oriundos do Rio Grande do Sul, identificados como fora-da-lei.
Os conflitos não se limitavam somente ao território, mas também as
diferentes culturas que coexistiam nessa região, ou seja, é um local de
encontro e desencontro. Levando em consideração o conceito de fronteira
utilizado pelo sociólogo José de Souza Martins compreendemos a fron-
teira como ponto limite de territórios que se redefinem continuamente,
disputados de diferentes modos por diferentes grupos humanos. Martins

2
Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/guatambu/historico>. Acesso em: 04 abr.
2019.

311
Leticia Maria Venson

afirma que é na fronteira que se pode observar melhor como as socie-


dades se formam, se desorganizam ou se reproduzem. É lá que melhor
se veem quais são as concepções que asseguram esses processos e lhes
dão sentido. Na fronteira, o homem não se encontra, se desencontra. A
fronteira não se resume à fronteira geográfica. Ela é fronteira de muitas
e diferentes coisas: fronteira da civilização, fronteira espacial, fronteira
de culturas e visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da história e
da historicidade do homem. E sobretudo, fronteira do humano (Martins,
2016, p. 11).
De acordo com Arlene Renk e Priscila Fernanda Rech Confortin:
É no confronto com o migrante colonizador que se contrastam as diferenças
estabelecem as fronteiras étnicas, a fricção étnica, gestando-se o processo de
minoria étnica agudizando a subalternidade e seus efeitos concretos, como
a perda do modo de vida, do território e da territorialidade. A questão mais
crucial é o cerceamento do acesso à terra nos modos realizados tradicional-
mente e a retirada das áreas ocupadas, a limpeza destas para a venda (Renk;
Confortin, 2017, p. 141).

O que fica evidente quando nas primeiras páginas de seu artigo


Wenceslau de Souza Breves destaca que “ a antiga população cem por
cento brasileiro de quatrocentos anos, foi absorvida quase que completa-
mente pelos brasileiros de origem estrangeira recente, os elementos co-
loniais”, e que os costumes caboclos foram substituídos por hábitos mais
progressistas dos brasileiros de origem europeia (Breves, 1985), os cabo-
clos foram estigmatizados e sua cultura vista como inferior comparada a
dos imigrantes e migrantes.
Em 1850 foi elaborada a Lei n° 601, de 18 de setembro (Lei de Ter-
ras), que normatizou e regulamentou o acesso e a apropriação da terra,
via compra. Desse momento em diante o acesso às terras no Brasil pas-
sou a ser feito somente via compra, exceto as chamadas terras devolutas
e as fronteiriças com países vizinhos em uma zona de cerca de 10 léguas,
que poderiam ser concedidas gratuitamente (Brasil Império, 1850). A
concessão de terras passou a ser uma estratégia do governo Imperial
para assegurar a posse e garantir a defesa dos limites territoriais e da

312
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

região de fronteira, além de promover a colonização de áreas considera-


das “vazios demográficos”.

Figura 3 – Moinho em Guatambú na década de 1940

Fonte: Centro de Memória do Oeste – CEOM

O Oeste de Santa Catarina era sinônimo de “terra sem lei”, “sem


dono”, e se constituía na última fronteira do estado a entrar no modelo
colonizador e civilizador (Radin, 2009, p. 45). Como fica evidente no Re-
latório elaborado por Arthur Ferreira da Costa na visita do então gover-
nador Adolfo Konder ao Oeste de Santa Catarina, no ano de 1929:
Um dos grandes flagelos do Oeste Catarinense, como do Nordeste brasileiro, é
o banditismo no sertão. As estradas e picadas estão macabramente povoadas
de túmulos, em parte da zona que percorremos. São resultantes de motivos
políticos, questões de terra, assuntos de honra, e em menor escala, do roubo
(Costa, 2005, p. 60).

Ou seja, a região era considerada como um vasto deserto e paraíso


da criminalidade, devido a isso, houve a elaboração de um Convênio “Po-
licial do Irahy”, com o estado do Rio Grande do Sul, visando a repressão
desse banditismo (Radin, 2009).

313
Leticia Maria Venson

Os caboclos e os posseiros não eram representados e nem protegidos


pelo Estado, devido a isso desenvolveram mecanismos de resistência con-
tra a expropriação das colonizadoras, podendo ser mais ou menos violen-
to dependendo do contexto e da região. Também resolviam as questões
de honra de uma forma arbitrara, como fica evidente no caso da briga
entre os Cabral e os Lara onde devido a desavenças, um Lara matou um
dos Cabral. Estes por vingança mataram um dos Lara, e assim suces-
sivamente até que os Lara mataram todos os descendentes dos Cabral
(Pereira, 2004).
Chapecó em seus primeiros anos era marcada por uma política-ad-
ministrativa instável, pois o governo municipal era indicado e nomeado
pelo poder estadual, o isolamento, a distância da capital estadual e os
desmandos das autoridades locais só agravavam ainda mais a situação
(Vicenzi, 2008).
O Oeste catarinense era vista como um “grande vazio demográfico”
que necessitava ser ocupado efetivamente (Radin, 2009, p. 49), ou seja, o
governo estadual, representado nesse momento por Breves queria a colo-
nização efetiva desse território, e sua incorporação ao processo produtivo
almejado pelos governantes, e a figura do caboclo não era indicada para
tal colonização, como fica evidente no relato de Arthur Ferreira da Costa
“os colonos demandarão aquelas regiões privilegiadas para a compensa-
ção do trabalho. Com eles fugará o banditismo” (Costa, 2005, p. 64).
De acordo com Breves:
Havia entre os caboclos de Chapecó, a respeito de terras, uma falsa concepção
do que era posse: eles confundiam intrusamento com posse. Para eles, o fato
de se estabelecerem com um pobre rancho e uma pequena roça em terras do
Estado ou de particulares, lhes dava o direito de propriedade (Breves, 1985).

Ou seja, os caboclos ocupavam as terras através da posse e não da


propriedade legal, o que favorecia a desapropriação. Os caboclos eram
chamados de intrusos, pois ocupavam as terras, mas não eram proprie-
tários legítimos, ou seja, não possuíam título de propriedade (Marquetti,
2011).

314
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

De acordo com Victor Antonio Peluso Junior:


[…] injustiças foram também cometidas pelos homens do governo, realizando
as concessões de terras com absoluto desprezo pelos direitos dos posseiros.
Esta gente passou, mercê da omissão dos governos que tinham o dever de lhes
dar proteção, a intrusos em suas próprias terras. Em todas as colônias esta-
vam presentes, como ocupantes ilegais, os antigos moradores que habitavam
e tinham desbravado a região (Peluso, 2006).

Os caboclos e os posseiros não tinham condições para conhecer e re-


conhecer territórios diante do Estado, pois contavam com as dificuldades
postas pelas autoridades e grandes proprietários, o desconhecimento da
lei, a falta de meios para pagar os pleitos, a falta de representatividade
política entre outras, que dificultavam e impediam esse reconhecimento
(Vicenzi, 2008). Além disso, grande parte dessa população não possuía
existência civil, ou seja, registro de nascimento ou algum vínculo com o
Estado (Renk, 2005). Produziam somente para sua subsistência, pois o
mercado consumidor era pequeno, portanto, havia pouca circulação de
dinheiro. Dificilmente conseguiriam adquirir terras e pagar as prestações
que o Estado exigia (Breves, 1985). A expulsão dos posseiros desse territó-
rio evitaria possíveis conflitos com os colonos migrantes instalados.
Outra questão que demonstra o conflito cultural entre os imigrantes
e migrantes com os caboclos era a forma de uso da terra pelos caboclos,
com suas capoeiras e criação de animais soltos, vista como incompatí-
vel com a agricultura praticada pelos colonos, pois possíveis incursões
desses animais nas lavouras causariam danos, gerando tensões entre as
populações (Silva; Brandt; Moretto, 2017).
Os colonos que compravam essas terras, através de título, conforme
a Lei de Terras, queriam que a propriedade estivesse limpa, sem morado-
res. Portanto os caboclos e indígenas foram expulsos de suas terras, pois
eram considerados improdutivos pelo Governo. A necessidade de titula-
ção das terras atendia aos interesses dos latifundiários e posteriormente
das companhias colonizadoras e dos próprios colonos, ou seja, a concep-
ção da terra como propriedade passou a prevalecer, gerando inúmeros
conflitos (Radin, 2009).

315
Leticia Maria Venson

Breves ressalta que os caboclos supostamente teriam manifestado


má vontade com os colonos de origem estrangeira, pois:
Os métodos de trabalho destes, a constância, a organização, tudo isso que
trazia a estes tão rapidamente a prosperidade, enquanto eles, caboclos, con-
tinuam naquela pobreza, irritava-os, enchia-os de despeito. Não queriam a
sua vizinhança porque não queriam motivos de comparação. Muitos já amea-
çavam ir embora para o Paraná ou mesmo para o Mato Grosso, visto que iam
ficar apertados entre aqueles gringos que aí vinham (Breves, 1985).

De acordo com Arlene Renk isso ocorreu, pois, o processo de co-


lonização e expropriação de suas terras resultou na etnogênese dos
“brasileiros”, que passaram a se “diferentes”, a chegada dos colonos
descendentes de imigrantes instaurou um novo tempo (Renk, 2005, p.
115). No início do século XX boa parte da intelectualidade brasileira
fundamentava suas percepções no Positivismo, Evolucionismo e no
Darwinismo Social, com isso produziam justificativas por preterir as
populações nativas, caboclas e negras e a opção pelo estímulo à vinda
de imigrantes da Europa central (Radin; Vicenzi, 2017, p. 67). Breves,
como representante do Estado, estigmatizava as populações nativas
como inadequadas para o projeto de colonização, sempre colocando ca-
boclos e colonos em contraposição.
As representações construídas sobre os caboclos contribuíram para
que fossem gradativamente marginalizados, servindo como justificativa
em relação a apropriação privada da terra (Radin; Vicenzi, 2017). A co-
lonização desencadeou um processo de espoliação dos povos indígenas e
caboclos (Radin; Vicenzi, 2017). De acordo com Arlene Renk:
Nenhuma colonizadora gostaria de ter em suas áreas os chamados intrusos
por “inflacionar” o preço de suas terras. Nos confrontos, nas intimidações e
nas práticas de “limpeza das terras”, atribuíam aos posseiros brasileiros ca-
tegoremas depreciativos, como serem de índole turbulenta e belicosa. Para
qualquer empreendimento imobiliário não seria um atrativo, podendo com-
prometer os negócios das colonizadoras (Renk, 2005, p. 119).

Com relação a um desses conflitos destacamos o que ocorreu no


ano de 1922 na Fazenda Faxinal do Tigre, atualmente Guatambu. Isaac
Pan e Rodolfo Fin fizeram uma reclamação a Wenceslau Breves, que era

316
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

membro da Comissão Técnica discriminadora de Terras do Estado, sobre


a presença de cerca de 200 indivíduos em sua propriedade.
Breves denomina esses indivíduos de “intrusos” advindos em sua
maioria do Rio Grande do Sul. Esse processo de intrusão se apresenta
diferente dos demais ocorridos na região onde os intrusos eram pessoas
que viviam no território a bastante tempo. Os intrusos da Fazenda Faxi-
nal do Tigre teriam chegada no final do século XIX e início do século XX e
foram trazendo suas famílias, por isso o número elevado de pessoas. Esse
território serviu como refúgio para as pessoas que procuravam escapar
do controle do estado, no caso da Revolução Federalista (1893-1895), e da
Guerra do Contestado (1912-1916) (Silva; Rosa, 2010, p. 140), os indiví-
duos poderiam ser remanescentes dos conflitos, devido a isso Breves des-
taca a possibilidade de serem foragidos da Justiça. Por ser um território
com pouca presença do governo, facilitava tais migrações.
Isaac Pan e Rodolfo Fin possuíam um registro de compra do ano
de 1854, ainda durante a jurisdição do Paraná, o qual foi apresentado
juntamente com o título, planta, memorial das terras (Breves, 1985).
Não se sabe da veracidade desses documentos, pois como dito anterior-
mente esse território foi concedido aos mesmos pelo Governo de San-
ta Catarina, visando a Colonização, mas de acordo com Breves essa
documentação demonstrava a legitimidade da posse dessas terras por
parte de Pan e Fin, ainda de acordo com Breves “davam-se por isso
constantes atritos, e quem menos mandava na fazenda eram os seus
legítimos proprietários” (Breves, 1985, p. 26). Ou seja, Breves acredita-
va na veracidade dos documentos apresentados, e se posicionou a favor
dos migrantes.
Os indivíduos que havia ocupado a fazenda afirmavam que a demar-
cação do território não havia sido fechada, sendo assim, Breves solicitou
uma verificação da marcação e uma audiência foi marcada. Isso ocorreu
muito na região, pois a falta de demarcação dos lotes favorecia as empre-
sas colonizadoras, que desapropriavam indígenas e caboclos.

317
Leticia Maria Venson

Breves utiliza o termo caboclo com uma conotação pejorativa, para


referir-se as pessoas que viviam no campo, resultado da mistura, ora
entre índio e negro, ora entre o índio e o branco, sendo uma conceituação
muito mais social do que racial. O caboclo não era reconhecido como ente
político e social pelas autoridades, que não reconheciam seus direitos de
posse e sua forma de trabalho (Radin; Corazza, 2018). Os caboclos eram
os brasileiros antigos, sendo a maioria da população, dedicada a pequena
agricultura ou a trabalho assalariado. Homens da mesma origem, mas
que tivessem alcançado uma melhor situação econômica e social deixa-
vam de ser designados como caboclos (Breves, 1985), o que ressalta o
caráter social do termo.
A intrusão era uma forma ilegal de ocupação da terra. Intrusos
eram colonos nacionais ou descendentes de imigrantes que não possuíam
condições de adquirir terras nos moldes ditados pela Lei de Terras, que
se estabeleciam em terras devolutas ou em terras não aproveitadas (Te-
desco; Caron, 2012). Breves quando se refere a intrusos está aludindo
aos caboclos que viviam na região, os descrevendo de uma forma pejora-
tiva no decorrer de todo texto. Os caboclos eram vistos como atrasados
e incapazes de incorporar o papel de desenvolvedores da agricultura do
Estado, pois possuíam técnicas agrícolas consideradas obsoletas (Tedes-
co; Caron, 2012). No final do século XIX e no século XX, prevaleciam nas
ciências sociais representações negativas sobre etnia, tanto com relação
aos brasileiros, mestiços, caboclos e indígenas (Radin, 2009).
De acordo com Breves os caboclos em geral não pensavam em ser
proprietários, sendo ideal continuar como intrusos, pois assim continua-
riam não pagando impostos, não teriam a obrigação de construir uma
boa casa ou uma boa roça, pois estariam ali provisoriamente, tendo a
facilidade de se mudar quando quisessem (Breves, 1985). Ao mesmo tem-
po que destacavam que os caboclos não queriam ser proprietários, não
davam condições para que de fato se tornassem, não levavam em conta
o modelo de vida adotado pelos mesmos e nem a falta de um mercado
consumidor desenvolvido para geração de renda.

318
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

Outra questão que aborda é a suposta falta de interesse dos caboclos


em comparecer nas audiências para requerer terras, ressaltando que os
que requeriam deixavam caducar os requerimentos (Breves, 1985, p. 32).
Fica evidente que Breves era a favor das colonizadoras, dos migrantes e o
direito de propriedade, o fato de não irem as audiências só reforça a ideia
de que não tinham condições econômicas de adquirirem os lotes.
Breves marcou uma reunião para o meio-dia e compareceram cer-
ca de 80 caboclos supostamente embriagados, requerendo as terras que
ocupavam. A suposta embriaguez apresentada por Breves era mais uma
forma de desqualificar o caboclo e de refutar o seu interesse em ter a pos-
se de terra, os representar dessa maneira eram uma forma de reforçar a
questão de que não eram os indicados para o desenvolvimento da região.
Porém, não houve acordo, pois, os “intrusos” não queriam renunciar às
terras e nem seus “legítimos donos”. Como não houve acordo a ata foi
encerrada, porém os caboclos presentes se recusaram a assinar.
Na questão da Fazenda Faxinal do Tigre, Breves destaca um ban-
do de cerca de 20 ou 30 homens, que após a audiência se aproximaram
da barraca do agrimensor, aos gritos, supostamente dando vários dispa-
ros no ar, liderados pelo “velho” Simão de Almeida, “de barbas e cabelos
brancos, surpreendeu-me a agilidade com que montava e a voz firme e
dura com que gritava” (Breves, 1985, p. 28), estava acompanhado de seu
irmão, André e de seu filho, supostamente marcado por cicatrizes de gol-
pes de facão. Breves descreve a cena da seguinte maneira:
Esta cena é muito comum em fitas de Far-west (faroeste), mas quem nunca a
viu na realidade e sendo a alvo principal dos atores, não pode fazer ideia do
minuto trágico que vivemos, quando se vê cercado de vinte ou trinta cavalei-
ros barbudos, com as fisionomias transtornadas pela exaltação e pelo álcool
(Breves, 1985, p. 26).

Faroeste no Dicionário de Língua Portuguesa significa região vio-


lenta, onde há muitos crimes (Michaelis, 2008, p. 386), ao descrever a
cena, Breves teve o intuito de classificar esses homens como violentos, e
cita a aparência selvagem e embriaguez como um agravante, reforçan-

319
Leticia Maria Venson

do o discurso pejorativo com relação aos caboclos, e reafirmando que o


território carecia de um maior investimento na segurança pública, prin-
cipalmente pela presença de imigrantes e migrantes, advindos com as
Empresas Colonizadoras, a região não poderia ser mais “fora da lei”.
A contestação de Simão de Almeida era com relação a medição do
território que foi marcado para o dia seguinte de manhã, o mesmo e seu
bando exigiam a medição imediatamente. Breves diz o seguinte “Vi o
perigo iminente. Qualquer passo em falso e seríamos estraçalhados em
dois tempos. As fisionomias exaltadas daqueles homens e sua aparência
selvagem não deixavam dúvidas”. Essa comparação que faz com relação
ao selvagem é mais uma forma de reforçar seu discurso e demonstrar que
essa região era dominada pela “alfombra selvagem”, mas que continha
potencialidade de um futuro promissor, com o homem civilizado (Radin,
2009, p. 66).
Segundo Eli Maria Bellani, em entrevista realizada no ano de 1975:
Dante Travi, chegou a Chapecó em 1923, em companhia de sua sogra, para
resolver problemas com as terras do sogro, Rodolfo Fin. Seu sogro, nos primei-
ros anos do século atual, havia comprado as terras. Uma série de percalços
que enfrentou na região o fizeram abandonar em parte a propriedade. Com
o falecimento de um filho, em situações não conhecidas da família, levou-o
a passar uma procuração a terceiros para a venda das terras. Era sócio de
Isaac Pan, em empreendimentos comerciais. Faleceu em novembro de 1979
(Bellani, 1991, p. 97).

A vinda de Dante Travi a região no ano de 1923 pode estar relacio-


nada com os “intrusos” pois Rodolfo Fin era seu sogro. Breves não faz
menção da presença do mesmo na resolução do Conflito e nem temos
mais informações, tendo em vista que não obtemos a entrevista completa
realizada por Bellani (1991).
Devido à pouca força policial presente na região, Passos Maia Dele-
gado Especial, optou por não empregar força, devido a possibilidade de
surgir um violento conflito, portanto entraram num “acordo” com Isaac
Pan e Rodolfo Fin, onde ficou acordado que deveriam vender um lote a
cada intruso pelo preço que o Governo vendia as suas terras e com longos

320
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

prazos de pagamento e dispor dos gastos necessários para garantir a


manutenção da ordem.
De acordo com Breves, Severiano Barcelos foi nomeado subdelegado
da região e contratou cerca de quatro homens para garantir a medição
dos lotes, já Passos Maia, chamou chefes de um clã denominado Almeida
(Breves, 1985, p. 29). Fica evidente que tinham receio de um possível
conflito com os caboclos contrários a medição dos lotes, por isso houve
um reforço policial.
Sobre a resolução da intrusão na Fazenda Faxinal do Tigre:
Cerca de duzentas famílias, apenas cinco declararam querer comprar as ter-
ras que ocupavam. Os restantes queriam continuar naquele regime de intru-
samento e declararam que pretendiam mudar-se. Desde esse dia, porém, tudo
serenou em Faxinal do Tigre e os proprietários passaram a mandar no que era
deles (Breves, 1985, p. 30).

Segundo Breves, tudo ocorreu bem, porém de acordo com Gracin-


da Clara Pereira Ramos há mais de 100 requerimentos de posseiros de
Faxinal do Tigre que tiveram os seus pedidos recusados, em favor de
Isaac Pan e Rodolfo Fin, protegidos pelo Agente do Distrito de Terras. A
autora afirma que de acordo com a análise dos documentos a transação
foi duvidosa (Ramos, 2006, p. 186), e levando em consideração o artigo
escrito pelo mesmo fica muito claro o posicionamento de Breves com rela-
ção a essa questão. Alceu Antonio Werlang destaca que os pedidos foram
indeferidos no ano de 1919, sob a alegação de não serem terras devolu-
tas. Estas propriedades estavam dentro das grandes concessões feitas
pelo Estado de Santa Catarina (Werlang, 2006, p. 32).
Em nenhum momento a colonizadora ou Breves analisou as formas
distintas de culturas presentes, apenas atribuiu aos caboclos a denomi-
nação de intrusos e aos colonos de homens trabalhadores (Vicenzi, 2008,
p. 67). Os intrusos ou posseiros representavam um obstáculo as ativi-
dades econômicas e mercantis. Apesar dessa tentativa de legalização
das posses por parte do Estado e visível a falta de interesse para que
isso ocorresse efetivamente. Posteriormente, com o decreto n. 21, de 5 de

321
Leticia Maria Venson

março de 1925, foi estabelecido o prazo de até 31 de dezembro de 1925


para a regulamentação das ocupações ilegais, o que deixa claro que o ob-
jetivo era dar suporte legal a ação de despejo das colonizadoras (Werlang,
2006, p. 33).
As pesquisas sobre a colonização do atual munícipio de Chapecó são
expressivas, porém há uma necessidade de pesquisas relacionadas aos
munícipios menores que derivaram do “Velho Chapecó” como é o caso
do munícipio de Guatambu, a pesquisa aqui apresentada e inicial e tem
por objetivo estimular que outros pesquisadores lancem um olhar sobre
Faxinal do Tigre, bem como os demais munícipios da região.

Considerações finais
Breves afirma que a questão da intrusão na Fazenda Faxinal do Ti-
gre foi resolvida pacificamente, porém sabe-se que os caboclos e posseiros
continuaram tentando a posse dessas terras por meio de requerimentos,
porém todos tiveram seus pedidos recusados em favor de Isaac Pan e
Rodolfo Fin, protegidos pelo Governo Estadual na figura do Agente do
Distrito de Terras. Os conflitos territoriais passaram para o âmbito legal,
onde os posseiros tinham pouco ou nenhum amparo, pois eram estigma-
tizados de diversas maneiras pelo Estado e pelos migrantes descenden-
tes de europeus que começaram a se instalar na região a partir de 1917.
Podemos concluir que as intrusões ocorridas na Fazenda Faxinal do
Tigre no ano de 1922 foram intensas, pois cerca de 200 indivíduos, vindos
do Rio Grande do Sul se instalaram no território contestado, e devem ser
entendidas dentro do contexto no qual aconteceram. Este contexto está
diretamente ligado ao processo de colonização da Fazenda Faxinal do
Tigre. A falta de políticas públicas com relação aos posseiros, demonstra
quem eram os indivíduos que o governo estadual queria para colonizar
essa região, o que fica bem claro com o posicionamento de Wenceslau
Breves no decorrer do artigo.

322
Colonização e intrusão no oeste catarinense: o caso da Fazenda Faxinal do Tigre (1922)

Breves reproduziu em seu texto os anseios do Governo do Estado de


Santa Catarina com relação a colonização, vendo os caboclos e moradores
nativos como um empecilho para o desenvolvimento regional e por várias
vezes os “novos” ocupantes da terra reproduziam os mesmos valores. De
acordo com o relato de Breves podemos concluir que as 195 famílias que
não legalizaram suas poses foram forçadas a procurar pequenas áreas
mais distantes, pois não podiam permanecer devido ao novo contexto
econômico,
Com a presença de Companhias Colonizadoras na região, o número
de migrantes e imigrantes aumentou, o que ocasionou contato entre os
diferentes grupos étnicos, e nessa coexistência se produziram inúmeras
tensões. Tensões essas voltadas principalmente ao processo de apropria-
ção privada da terra e pela forma como um grupo via o outro. Os diferen-
tes modos de produção dos caboclos e imigrantes criaram um profundo
estranhamento entre as comunidades, engessando preconceitos sobre os
caboclos, processo influenciado e determinado pelas colonizadoras.

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A compasso e taquara: o domínio
da vida e a ruína do progresso no
Parque Florestal Manoel Enrique da
Silva (Irati-PR): 1950-19601

Ancelmo Schörner

Introdução

A
partir do conceito de colonialidade (a parte invisível e constitu-
tiva da modernidade), tal como discutido desde o final dos anos
1980 e início dos anos 1990, por Aníbal Quijano e, posteriormen-
te por Walter Mignolo, Nelson Maldonado-Torres, Catherine Walsh e
Héctor Alimonda, este texto procura discutir como se deu a colonialidade
do poder, saber, do ser e da natureza no processo de constituição do Par-
que Florestal Manoel Enrique da Silva, atual Floresta Nacional de Irati.
Como fontes, temos os relatórios produzidos pelo seu silvicultor Ernesto
da Silva Araújo, e enviados à Delegacia Regional do Instituto Nacional
do Pinho (INP) em Curitiba entre 1950 e 1960. Além desses documentos,
estudamos 34 formulários impressos pelo INP, aqui denominados FINPI,
para preenchimento de informações a respeito dos talhões plantados no
Parque entre 1950 e 1957 com Araucária angustifólia (pinheiro-brasilei-

1
Texto apresentando como requisito para ascensão de nível, de Professor Adjunto D para Professor
Associado, na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), em agosto de 2020. Os do-
cumentos pesquisados estão arquivados no Centro de Documentação da UNICENTRO (CEDOC),
Campus Universitário de Irati, a quem agradecemos na pessoa da Arquivista Márcia Doré.
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

ro ou pinheiro-do-paraná). No texto mostramos como a silvicultura cien-


tífica pretendeu, nem sempre com sucesso, ordenar um espaço tido pelo
silvicultor como primitivo. Nos processos de plantação de Araucária, a
natureza foi reduzida ao valor terra, isto é, uma mercadoria. Além disso,
sua diversidade foi limitada ao valor de apenas uma espécie de valor
comercial. Assim, a monocultura foi a base fundamental desse modelo,
onde ecossistemas complexos foram transformados em agroecossistemas
simplificados e manejados por um administrador.

Colonialidade
No artigo Colonialidade e modernidade-racionalidade, de 1989, Aní-
bal Quijano vincula a colonialidade do poder nas esferas política e eco-
nômica à colonialidade do conhecimento. Segundo ele, a colonialidade é
um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder
capitalista,
[...] e baseia-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população
mundial como a pedra angular desse padrão de poder e opera em cada um dos
planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivos, da existência cotidiana e
em escala social (Quijano, 2014, p. 285).

A colonialidade seria, então, o modo mais geral de dominação no


mundo atual, haja vista que o colonialismo como ordem política explícita
foi destruído com os processos de descolonização. Porém, essa destruição
não esgota as condições e nem as formas de exploração e dominação que
existem entre as diversas populações do globo. Colonialidade é, assim,
diferente de colonialismo.
De acordo com Ballestrin (2003, p. 99-100), o conceito de coloniali-
dade possui uma dupla pretensão. Por um lado, denuncia a continuidade
das formas coloniais de dominação após o fim das administrações colo-
niais. Por outro lado, possui uma capacidade explicativa que atualiza e
contemporiza processos que supostamente teriam sido apagados, assimi-
lados ou superados pela modernidade.

327
Ancelmo Schörner

Dir-se-ia que a modernidade implica a colonização do tempo pelo europeu, isto


é, a criação de estágios históricos que conduziram ao advento da modernidade
em solo europeu. (...) O que o conceito de modernidade faz é esconder, de for-
ma engenhosa, a importância que a espacialidade tem para a produção deste
discurso. É por isso que, na maioria das vezes, aqueles que adotam o discurso
da modernidade tendem a adotar uma perspectiva universalista que elimina a
importância da localização geopolítica. (Maldonado-Torres, 2008, p. 84)

Para Mignolo (2017, p. 2), a colonialidade nomeia a lógica subja-


cente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o
Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma
dimensão constituinte, embora minimizada. Assim, a colonialidade foi
concebida e explorada por Mignolo (2017) como “o lado mais escuro da
modernidade”. A tese básica, no universo específico do discurso tal como
foi especificado, é:
[...] a “modernidade2” é uma narrativa complexa, cujo ponto de origem foi a
Europa, uma narrativa que constrói a civilização ocidental ao celebrar as suas
conquistas enquanto esconde, ao mesmo tempo, o seu lado mais escuro, a “co-
lonialidade” (Mignolo, 2017, p. 2).

De acordo com Walsh (2008, p. 136), a colonialidade concentra sua


autoridade em quatro áreas ou eixos entrelaçados: do poder, do conheci-
mento, do ser, e da mãe natureza e da própria vida.
O primeiro eixo refere-se ao estabelecimento de um sistema de clas-
sificação social baseado na hierarquia racial e sexual, e na formação e
distribuição de identidades sociais de superior a inferior: brancos, mes-
tiços, índios, negros. É o uso da “raça” como um padrão de poder confli-
tuoso e permanente que, desde a colônia até hoje, mantém uma escala
de identidades sociais com o branco masculino no topo e os indígenas e
negros nos degraus finais, este último como identidades homogêneas e
negativas (Walsh, 2008, p. 136).
O segundo eixo, a colonialidade do conhecimento, é o posicionamen-
to do eurocentrismo como uma perspectiva única do conhecimento, que
2
Durante o período em que a dominação colonial europeia foi consolidada, estava sendo cons-
tituído o complexo cultural conhecido como racionalidade/modernidade europeia, estabelecido
como paradigma universal de conhecimento e relação entre a humanidade e o resto do mundo
(Quijano, 1992, p. 14).

328
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

exclui a existência e a viabilidade de outras lógicas epistêmicas que não


sejam a dos homens brancos europeus ou europeizados (Walsh, 2008,
p. 137). A colonialidade do saber estaria representada pelo caráter euro-
cêntrico do conhecimento moderno e sua articulação às formas de domi-
nação colonial/imperial.
Essa categoria conceitual refere-se especificamente às formas de
controle do conhecimento associadas à geopolítica global traçada pela co-
lonialidade do poder. Nesse sentido, o eurocentrismo funciona como um
locus epistêmico de onde se constrói um modelo de conhecimento que, por
um lado, universaliza a experiência local europeia como modelo a seguir
e indicam seus dispositivos de conhecimento universalmente válidos.
A colonialidade do ser é aquela que é exercida através da inferio-
rização, subalternização e desumanização. Ela aponta a relação entre
razão/racionalidade e humanidade, isto é, os mais humanos são aqueles
que fazem parte da racionalidade formal, a racionalidade modernidade
concebida a partir do indivíduo “civilizado” (Walsh, 2008, p. 138).
A colonialidade do ser proposta por Nelson Maldonado-Torres
(2007), entende a modernidade como uma conquista permanente na qual
o constructo “raça” vem justificar a prolongação da não ética da guerra,
que permite o avassalamento total da humanidade do outro. O autor
aponta a relação entre a colonialidade do saber e do ser, sustentando que
é a partir da centralidade do conhecimento na modernidade que se pode
produzir uma desqualificação epistêmica do outro. Tal desqualificação
representa uma tentativa de negação ontológica (Quintero, Figueira, Eli-
zalde, 2019, p. 7).
Além disso, a colonialidade do ser como categoria analítica viria re-
velar o ego conquiro que antecede e sobrevive ao ego cogito cartesiano,
pois, por trás do enunciado “penso, logo existo”, oculta-se a validação de
um único pensamento (os outros não pensam adequadamente ou sim-
plesmente não pensam) que outorga a qualidade de ser (se os outros não
pensam adequadamente, eles não existem ou sua existência é dispensá-

329
Ancelmo Schörner

vel). Dessa forma, não pensar em termos modernos se traduzirá no não


ser, em uma justificativa para a dominação e a exploração. (Quintero,
Figueira, Elizalde, 2019, p. 7-8. Grifo no original).
O quarto eixo é a colonialidade da natureza. Para Walsh (2008,
p. 135) ela
É a que se fixa na diferença binária cartesiana entre homem/natureza, cate-
gorizando como não modernas, primitivas e pagãs as relações espirituais e
sagradas, que conectam os mundos de cima para baixo, com a terra e com os
ancestrais como seres vivos.

A colonialidade na apropriação da natureza é entendida tanto como


resultado da construção no interior da modernidade de formas econô-
mico-instrumentais de se pensar e explorar o meio ambiente, quanto
como expressão de processos concretos de expropriação territorial que
sustentam a lógica prevalecente da acumulação capitalista e mantém
em funcionamento o sistema-mundo colonial (Assis, 2014, p. 615), e que
envolve, por exemplo, a produção de riquezas através das monoculturas,
como no caso do Parque Florestal Manoel Enrique da Silva3, doravante
Parque, salvo indicações no texto.
No Parque, é a silvicultura4 científica5 que orienta os trabalhos do
silvicultor Ernesto da Silva Araújo. A silvicultura científica surgiu na
Alemanha no final do século XVIII e fundamentou várias escolas de silvi-
cultura em todo o mundo. Junto com esse processo caminhou outro: a da
criação de reservas florestais sob o controle do Estado, que tinham como
objetivo a produção madeireira.

3
O nome foi uma homenagem ao ex-presidente do INP, e foi sugerida por Luiz Alberto Langer,
Diretor Regional do INP no Paraná, em abril de 1946.
4
Em 1713 nasceu a primeira escola de florestas do mundo, na Alemanha, que iniciou o período
de mudanças nos sistemas silviculturais, focados na seleção de indivíduos, coleta de sementes,
produção de mudas, melhoramento genético de usos de interesse, plantios planejados com fer-
tilização e irrigação, com produtividade e estoques aumentados no final da intervenção (Zanet-
ti, 2014).
5
O rótulo de ‘científico’ atribui uma espécie de sacralidade ou imunidade social ao sistema oci-
dental. Enquanto metáfora, a monocultura mental talvez seja bem exemplificada no saber e na
prática da silvicultura e da agricultura. A silvicultura “científica” e a agricultura “científica”
dividem artificialmente a planta em domínios separados sem partes em comum, com base nos
mercados isolados de bens aos quais fornecem matéria-prima e recursos (Shiva, 2003, p. 24ss).

330
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Assim, na direção de uma produção sustentada de madeira, baseada


numa ideia regular e sistemática da floresta, as obras de Georg Ludwig
Hartig6 (1764–1837) e Heinrich Cotta7 (1763-1844) constituíram textos
clássicos. Ambos desenvolveram uma metodologia de tratamento dos po-
voamentos, cuja prática florestal incluía o inventário, o cálculo da produ-
ção, a subdivisão, a regulação e organização das matas, que deveria ser
geridas durante seu ciclo a partir de instrumentos mais eficientes de ges-
tão e planejamento, tal como “a matemática florestal quantitativa”, elabo-
rada com base nos três princípios quantitativos que moldaram o campo da
ciência florestal: diversidade mínima, cálculo fiscal e rentabilidade asse-
gurada (Ioris, 2014, p. 103). Esta perspectiva de gestão florestal científica
levou à produção de florestas monocultoras (árvores da mesma espécie, da
mesma idade, por exemplo), e que se tornaram um modelo a ser seguido
para ordenar uma natureza desprovida de ciência, de simetria.
Neste texto, tomamos a silvicultura científica como um agente da
modernização que reorganiza progressivamente os grandes domínios do
mundo social e do mundo natural do Parque, sujeitando-os a novas formas
de controle. Não apenas se planta Araucária angostifolia no Parque, como
veremos logo abaixo. O que se pretende é por em prática uma nova forma
de ver e pensar o mundo e seus recursos. Nela, as curvas, as ondulações e
as cores são aplainadas. Os animais e os inços são eliminados. Árvores são
derrubadas parfa se plantar outras árvores. temos, dessa forma, a coisifi-
cação e economização da natureza do Parque. Assim, através da silvicultu-
ra científica a natureza do Parque foi colonizada, isto é, seus ecossistemas
foram reduzidos a madeira das espécies que têm valor comercial.
As terras do Parque foram adquiridas no âmbito da política do INP,
desde o início dos anos 1940, para regular o preço da madeira e promover
o empreendimento madeireiro através de apoio técnico e institucional. O

6
Anweisung zur Holzzucht für Förster [Instruções para a criação de madeira para silvicultores].
Marburg, 1791.
7
Anweisung zum Waldbau [Directions for Silviculture), Dresden, 1817 e Verbindung des Feld-
baues mit dem Waldbau oder die Baumfeldwirtschaft [The Connection of Agriculture with Sil-
viculture or Economic Tree Cultivation], Dresden 1819-1822.

331
Ancelmo Schörner

INP foi criado8 pelo Governo Federal9 em 1941 como Serviço do Pinho, e
estava subordinado à Comissão de Defesa da Economia Nacional.
Logo após sua criação, o INP passou a funcionar em 5 escritórios re-
gionais (São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas
Gerais), além da sede no Rio de Janeiro. Na prática, porém, ele atendia
aos interesses dos produtores, industriais e exportadores10 de pinho de
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde a econo-
mia industrial do setor florestal estava em operação.
Em 1949, a sua Junta Deliberativa do INP determinou que metade
de sua renda fosse aplicada nos programas de silvicultura, o que o levou
a implantar, ao longo de cinco anos, nove estações florestais.
Inicialmente o INP tinha requerido áreas de terras dos Estados
para a implantação dessas estações florestais, porém, a maioria das que
conseguiu adquirir foi comprada, como no caso da primeira Estação Flo-
restal, implantada em Capão Bonito, em São Paulo. Assim, diante do
desenvolvimento das atividades e o correspondente aumento da receita,
o INP instituiu uma política de aquisição de terras, a partir de 1943, e de
organização de planos de reflorestamento para cada Estado11.
A aquisição das terras para a formação do Parque, em uma região de
ocorrência natural da araucária, se deu em 1946. A Unidade12 foi desti-
nada à implementação de estudos e ensaios com a Araucária angustifólia
com o objetivo inicial de avaliar e testar os métodos de plantio, espaça-

8
Ele foi criado a partir do Decreto-lei nº 3.124, de 19 de março de 1941 e reorganizado com o
Decreto-lei nº 4.813, de 8 de outubro de 1942.
9
“(...) durante o período do colonialismo histórico, a exploração de bens primários foi levada
a cabo através da mão visível da dominação política; agora está organizada por mecanismos
de poder operados pela aparente mão invisível do mercado em associação com a destacada e
necessária presença do Estado” (Coronil, 2000, p. 61).
10
Isso estava explícito no Art. 1° do Decreto-lei nº 3.124-1941 e no Art. 2º Decreto-lei nº 4.813-
1942.
11
No caso do Paraná, o 1º parque a ser criado foi o Parque Florestal do Assungui, em 1942. Ele
está localizado em Campo Largo e sua criação se deu a partir da doação, pelo Estado do Paraná,
de uma área de 490,48 hectares.
12
As primeiras atividades no Parque Florestal tiveram início em 26 de setembro de 1946, sob a
coordenação do agrônomo Fernão de Lignac Paes Leme e do silvicultor Erwin Gröger e, a partir
de 1949, de Ernesto da Silva Araújo, que foi o diretor da Unidade até o ano de 1978 (Munhoz;
Brandalise; Ulhoa, 2013, p. 26).

332
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

mento, tratos culturais, gerando subsídios para os plantios em grande


escala (Hosokawa et al., 1990, Apud Munhoz; Brandalise; Ulhoa, 2013,
p. 25) No parque foram realizados plantios de araucária entre 1946 e
1959.13

A ciência e a simplificação radical


As plantações de Araucária angustifólia, para além das preocupa-
ções econômicas do INP, são possibilidades de se colocar se ordenar o
espaço. A diversidade de tempos, os tocos, as curvas, as ondulações, as
cores, o inço, as formigas, as perdizes, a geada, as vertentes de água, o
sombreamento, o raizame e as taquaras, vão sendo substituídos pelas
linhas14 retas dos talhões. Como resultado, o que se pretendia era uma
paisagem hegemônica, transformada conforme a imagem fabril proce-
dente da indústria (Shiva, 2003), com marcado predomínio da linha reta
e de figuras quadrangulares, próprias da geometria euclidiana. Os exem-
plos são os talhões.
Do ponto de vista técnico, por talhonamento se entende as ativi-
dades de divisão da área a ser plantada em unidades, denominadas ta-
lhões. Nesse processo medidas exatas de distanciamento das mudas são
pré-definidas. No planejamento da área a ser plantada, a sua divisão
deverá ser feita de tal forma que haja a seleção dos melhores locais para
o plantio propriamente dito. Para tal devem ser avaliados a declividade
do solo, a permeabilidade ou drenagem, a profundidade do solo, susceti-
bilidade à erosão e a fertilidade do solo. (Auer, s/d)

13
Nas terras, contudo, já existia um pedaço de terra, depois denominado talhão 1, plantado com
25 mil covas pelo antigo proprietário, Alberico Xavier de Miranda.
14
Para Pierre Bourdieu, “o regere fines, o ato que consiste em ‘traçar as fronteiras em linhas
retas’, em separar ‘o interior do exterior, o reino do sagrado do reino do profano, o território
nacional do território estrangeiro’, é um ato religioso realizado pela personagem investida da
mais alta autoridade, o rex, encarregado de regere sacra, de fixar as regras que trazem à exis-
tência aquilo por elas prescrito, de falar com autoridade [...]. (Bourdieu, 2000, p. 114. Grifos no
original)

333
Ancelmo Schörner

Mas, mais do que a divisão, planejamento e seleção de áreas de um


terreno a ser plantado em unidades, o talhão é a expressão da matemati-
zação da terra. A matemática é efeito e agente de uma forma de pensar e,
portanto, uma forma de se colocar e de operar no mundo. É a linguagem
matemática dos talhões que materializa, neste contexto, o modo como ela
serve ao capital, possibilitando o aproveitamento da natureza ao máxi-
mo, e levando ao mínimo os custos de produção.
Ao analisarmos o FINPI15 do talhão 21, sabemos que ele foi planta-
do em junho de 1953 com 206.842 covas de Araucária angustifólia. De
acordo com o documento o seu terreno era de campo sujo, com ocorrência
de vassourinha16 e árvores mais grossas, que foram derrubadas a trator.
Uma parte do terreno foi roçada, queimada, arada e gradeada profun-
damente. Outra parte foi roçada, queimada e destocada, sendo também
arada e gradeada a trator.
Percebemos, pelo exemplo acima, como este terreno passou por um
processo de esquadrinhamento, de quadriculamento (Foucault, 2004): de
terreno composto com capoeira grossa ele se transforma em talhão. No
conjunto de operações pelas quais passou, podemos dizer que ele foi ma-
tematizado17. Vejamos: ele é escolhido18, desbravado, roçado, destocado,
encoivarado19, queimado, gradeado, piqueteado, alinhado20, coveado e,
finalmente, plantado.

15
A relação dos FINPIs analisados estão abaixo, no item Fontes Orais.
16
Família: Asteraceae, Espécie: Baccharis semiserrata DC, Nome popular: vassoura-tupichava.
17
A ilusão de iluminar o mundo, de representá-lo como fidelidade e exatidão, de modelá-lo e
ordená-lo matematicamente até alcançar a verdade, tem reproduzido simultaneamente uma
realidade deslocada que desnaturaliza a natureza, transformando-a artificialmente (...) (Giral-
do, 2018, p. 34-35).
18
O levantamento das diversas áreas requer tempo: abertura de picadas e medição da superfície,
medições e marcações das árvores etc. devendo ser realizado paulatinamente, por talhões de 20
a 25 hectares. (Araújo, 1950, p. 9)
19
Coivara: do tupi koybara, ‘cata-paus de roça’ (kó, ‘roça’ + yba, ‘pau’ + ar, ‘cair’ + a). (Navarro,
2013).
20
Alinhar: pôr(-se) ou dispor(-se) em linha reta, em fileira; enfileirar(-se). Como sinônimos de
alinhar temos: tornar reto (ordenar, regrar, dispor, retificar, perfilar, endireitar, enfileirar, for-
mar, arrumar e compor); embelezar (polir, adornar, embelezar, enfeitar, apurar, aperfeiçoar,
arrumar e esmerar).

334
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

O talhão 11, plantado em maio de 1953, é outro exemplo da disciplina-


rização do espaço no Parque. De acordo com o seu FINPI, esta área já havia
sido plantada em 1947, mas o seu plantio foi destruído em 1952 pela geada.
A leitura do documento indica que o plantio antigo havia sido feito em ter-
reno bruto, composto de capoeiras e remanescentes de pinheiros. O plantio
ficou vários anos sujo, coberto de vegetação arbórea com predominância de
vassourinha, tupichava composta e tigüera21. Após desbravamento22 total,
com destoca a trator, aração e gradagem, ele foi replantado em 1953.
Como vemos, o processo de transformação do terreno em talhão, me-
diado pela técnica, foi longo. Iniciou em 1947, quando foi plantado em
terreno bruto, foi destruído pela geada em 1952, ficou abandonado al-
guns anos, tempo no qual a vassourinha tomou conta de uma parte, e de
outra parte, onde durante algum tempo foi plantado milho, tomou conta
a tigüera e foi replantado em 1953.
As expressões utilizadas (terreno bruto, sujo, vassourinha, tupicha-
va composta, tigüera) implicam “a observação de coisas e sujeitos que pa-
recem abalar as classes estabelecidas – e é precisamente nessas frestas
que se situam as poluições” (Douglas, 2010). Por outro lado, as expres-
sões aração e gradagem indicam o seu aplainamento.
Douglas (2010) utiliza o exemplo da poluição e, em particular, de
nossa percepção sobre o que conta como “sujo”. Segundo ela, nossas con-
cepções sobre “sujeira” são “compostas de duas coisas: cuidado com a hi-
giene e respeito pelas convenções” (Douglas, 2010, p. 19). Ela argumenta
que a sujeira ofende a ordem, mas que não existe nada que se possa cha-
mar de sujeira absoluta. A sujeira é “matéria fora de lugar” e “não vemos
nada de errado com a terra que encontramos no jardim, mas ela ‘não está
21
Tigüera (abati + guera) em tupi-guarani. Significa “o que foi roça de milho”.
22
O desbravamento a trator compreende: destoca propriamente dito, remoção de mato e árvores
em pé e arrastamento para barrocas ou aceiros do material imprestável. Quanto ao desbrava-
mento manual corresponde às operações de ajuntamento de raizame e tocos pequenos para
queima ou remoção por meio de carroças e mais ao trabalho auxiliar na derrubada de pinhei-
ros e árvores de grande porte cujo trator HD-5 [“Allis Chalmers”, de esteira e equipado com
“buldozer”] não consegue fazer sozinho (Araújo, 1954, p. 2). Bulldozer: lâmina frontal de aço
reforçada e perpendicular ao chão, que serve para escavar e empuxar terra e qualquer outro
material.

335
Ancelmo Schörner

no lugar certo’ quando a encon­tramos no tapete da sala” (Douglas, 2010,


p. 12). Diante disso, o que está no lugar errado? A geada, a vassourinha,
a brutalidade do terreno, a tigüera, estão no lugar errado, haja vista que
formam o caos ao qual se quer dar ordem.
Dessa forma, a construção do “outro” (ou “outros”) como poluído e
poluidor, é motivada pela necessidade de manter o sentimento de reti-
dão, ordem e controle, e de colocar a sujeira no lugar certo, isto é, deve
ser eliminada23. Assim, no lugar do caos, teremos a ordem.
Assim, os ecossistemas caóticos destas paisagens, na ótica do capi-
tal, vão sendo ordenados geometricamente por aparatos mecânicos que os
aplainam, que os delimitam e os funcionalizam em claras porções aráveis,
controláveis, para assegurar divisas24 segundo os desígnios da valorização
econômica e da cobiça da civilização capitalista (Giraldo, 2013, p. 34). Cria-
-se, então, uma floresta racionalizada, homogênea25, alinhada, retilínea,
que se põe em marcha pelo domínio da racionalidade técnico-científica.
Para Francis Bacon (1561-1623), “ciência é poder”, e um de seus
objetos de domínio é a natureza, para o que é preciso conhecer o mundo
natural. Mas só interessa conhecer o que tem utilidade, isto é, finalidade
técnica. Ou, segundo Descartes26, chegar a um conhecimento que seja
possível “utilizá-lo da mesma forma em todos os usos para os quais são
próprios, e assim nos tornar como senhores e possuidores da natureza”.

23
A limpeza se dava com a utilização do fogo, no caso de árvores, galhos, tocos e raizame, e de venenos
(formicida bi-sulfureto de carbono, Brometo de Metila Blemco e o Cianogás), no caso das formigas.
24
“Na linguagem de hoje, nós chamamos este novo tipo de sistema agroecológico de monocultu-
ra, significando uma parte da natureza que vem sendo reconstituída a ponto de produzir uma
única espécie, que está sendo plantada na terra apenas porque em algum lugar há uma forte
demanda de mercado por ela” (Worster, 2003, p. 35. Grifo no original).
25
Essas plantações homogêneas formadas por árvores de uma única espécie não têm as caracte-
rísticas das verdadeiras formações florestais, uma vez que a “introdução de florestas cultivadas
significa que muitas das funções ecológicas das matas e suas produções que servem para a vida
humana e seus sustentos se perdem”. (Alier, 2018, p. 161).
26
“A partir de Descartes, a dúvida sobre a humanidade dos outros se torna uma certeza, com
base na alegada falta de razão ou pensamento nos colonizados/racializados. Descartes fornece
à modernidade os dualismos mente/corpo e mente/matéria, que servem de base para: 1) trans-
formar a natureza e o corpo em objetos de conhecimento e controle; 2) conceber a busca pelo
conhecimento como uma tarefa ascética que busca distanciar-se do subjetivo/corporal; e 3) ele-
var o ceticismo misantrópico e as evidências racistas, justificadas por um certo senso comum,
ao nível da primeira e fundamental filosofia das ciências” (Maldonado-Torres, 2007, p. 145).

336
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

No sistema de administração científica, de acordo com Vandana Shi-


va, a diversidade orgânica é substituida pelo atomismo e pela uniformida-
de fragmentada, tal como os alinhamentos nas monoculturas. A diversi-
dade tem que ser erradicada como uma erva daninha, e as monoculturas
uniformes – de plantas e pessoas – têm que ser administardas de fora
porque não são mais auto-reguladas e autogeridas. (Shiva, 2003, p. 33)
A natureza agora já não é aquela que controla os homens, agora se
trata do seu inverso: o homem como “senhor e possuidor” da mesma. Con-
solida-se, com o advento da ciência moderna, o desejo pela ordem e pela
criação de um método seguro, que garanta a chegada ao conhecimento e,
justo por isso, o domínio humano sobre a natureza. (Henning, 2019, p. 769)
Como assegura Leff (2004), o conhecimento já não apenas nomeia, des-
creve, explica ou compreende a realidade. A ciência e a tecnologia moderna
alteram, transtornam e desequilibram o mundo que buscam conhecer; in-
tervêm na natureza, recodificando-a, capitalizando-a, sobre economizando-
-a, convertendo-a em um recurso27 útil para a produção. (Leff, 2004, p. XIV)
No caso do Parque, por exemplo, isso valia para os pinheiros cienti-
ficamente plantados. Tocos e refugos de pinheiros explorados desordena-
damente, ou pinheiros misturados com outras espécies de grande porte,
embora de menor valor econômico, como imbuias, bracatinga, monjolei-
ros, canelas, cerejeira e araçá, por exemplo, representam a sujeira, um
inconveniente. A sua limpeza ou derrubada são considerados um proces-
so antieconômico, conforme podemos ler no Relatório de 1960. Além dis-
so, Ernesto de Araújo dizia que, quando se pretende plantar em terreno
de capoeira natural, deve-se eliminar todos os pinheiros existentes para
facilitar a limpeza por meio do fogo (Araújo, 1960, p. 1ss).
Assim, como resultado deste processo, temos o que Tsing (2019, p. 59.
Grifo no original) chama de “ciência das plantations”, cujo bem-estar é
uma fórmula calculada a partir de cima e o dano colateral é esperado.

27
“A silvicultura ‘científica’ reduziu o valor da diversidade da vida nas florestas ao valor de umas
poucas espécies que têm valor comercial e depois reduziu o valor dessas espécies ao valor de seu
produto morto – a madeira. (Shiva, 2003, p. 32).

337
Ancelmo Schörner

Segundo ela, “nas plantations do agronegócio nós coagimos, mutilamos


e simplificamos as plantas, de tal forma que elas não saibam mais como
participar em mundos de múltiplas espécies” (Tsing, 2019, p. 44).
Vemos aqui, “nesta caminhada do sistema agroecológico capitalis-
ta, um movimento em direção à simplificação radical, a monocultura,
que conjugou a ciência moderna e sua aplicação aos problemas agríco-
las” (Worster, 2003, p. 35). Contudo, mesmo a tríade economia, ciência e
tecnologia tendo sido fundamental na colonização da natureza (Achinte
e Rosero, 2016, p. 29), de maneira geral, e no Parque de maneira particu-
lar, os problemas não deixaram de se fazer presentes.
Ao lermos os relatórios de Ernesto Araújo e os FINPIs dos talhões,
nos deparamos com vários desses problemas, ou vulnerabilidades, como
nos diz Worster (2003). Segundo ele, as vulnerabilidades inerentes à mo-
nocultura moderna incluem:
[...] um grau sem precedentes de suscetibilidades à doença, à depredação e às
explosões populacionais de pragas; uma elevada instabilidade total do siste-
ma; uma tendência constante do administrador humano em se arriscar por
lucros de curto prazo, incluindo a aração do solo [...]; uma dependência cres-
cente dos substitutos tecnológicos dos produtos das plantas e dos animais;
uma dependência dos insumos químicos que muitas vezes têm sido altamente
tóxicos aos humanos e a outros organismos; [...] (Worster, 2003, p. 38).

Ao longo dos documentos, encontramos vários exemplos dessas vul-


nerabilidades, sendo que a maior delas eram as formigas, cujas incontá-
veis tentativas de extinção representam um exemplo da luta constante
do Silvicultor contra a natureza. No final não se sabe se “o silvicultor
acabou com as saúvas ou se as saúvas acabaram com o silvicultor”28. O
que sabemos é elas acabavam encarecendo a mão de obra, uma de suas
reclamações. Assim, no caso das formigas, ele se via em um dilema: ou
pagava para retirar tocos e juntar raizames, lugares propícios para seus
ninhos, ou deixava os tocos e o raizame e pagava para extinguir os futu-
ros formigueiros, serviço cada vez mais oneroso.
28
A frase original, de Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), é: “Ou o Brasil acaba com a saúva,
ou a saúva acaba com o Brasil”. Ela foi imortalizada pelo personagem de Policarpo Quaresma,
O Herói do Brasil, de Lima Barreto.

338
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

No primeiro relatório redigido por Ernesto da Silva Araújo, datado


de 1950, ele fazia as autoridades saberem que:
São regulares os prejuízos provocados por formiga saúva e quem-quem nas
plantações de pinheiro, principalmente na primeira fase de desenvolvimento;
um operário é encarregado de combate às mesmas, o que é feito empregan-
do-se bi-sulfureto de carbono29 com máquina agri-defesa (Araújo, 1950, p. 3).

O talhão 20 foi plantado em junho de 1953 com 246 mil covas de


Araucária angustifólia. Em novembro de 1955 foi feita uma contagem,
que indicou a presença de 194.523 pés. Quatro anos depois esse número
era de 110 mil. No seu FINPI podemos ler que ele “sofreu com as secas
e também sofreu com a presença de formigas”. O talhão 10, de 8,5 hec-
tares, foi plantado com 85 mil covas em julho de 1953. Três anos depois
uma contagem indicou a presença de 38.584 pés, isto é, um percentual
de falhas de 55%. O grande problema desse talhão, pelo que podemos ler
no FINPI, foram as formigas: entre outubro de 1953 e fevereiro de 1956
foram feitas 9 tentativas de extinção. Outro talhão que teve problemas
com as formigas foi o talhão 1, de 1953. Nele foram plantadas 36.900 co-
vas de Araucária angustifólia, mas a “Presença forte de formiga cortadei-
ra (saúva ou mineira) causou grandes estragos no início da germinação”.
Mas nenhum talhão sofreu tanto com as formigas quanto o talhão
13, de 1954. Ele era um “terreno de capoeira grossa com presença forte
de taquara, plantado em agosto de 1954 com exatas 91.461 covas. Em
1959 restavam apenas 30.270 pés, ou seja, perda de 64%”. O problema se
fazia notar de tal maneira que entre setembro de 1954 e março de 1958
foram 15 tentativas de exterminar a saúva e a quem-quem.
Outro problema recorrente eram as chuvas. Exemplos são os talhões
14 e 16, ambos plantados em 1950, com, respectivamente, 6030 e 20031 mil
covas de Araucária angustifolia. Em uma folha anexa ao FINPI do talhão

29
No ano de 1954 foram empregados o Brometo de Metila Blemco e o Cianogás.
30
Uma contagem realizada em1960 indicou 30.270 pés existentes.
31
Em maio de 1952 foi realizada contagem dos pés, que indicou a presença de 78.600 indivíduos.
Em janeiro de 1959, outra contagem indicou a existência de 25.304 pés.

339
Ancelmo Schörner

14, podemos ler que “Nas manchas de represamento da água32 das chu-
vas e vertentes houve perda total dos pinheiros nascidos. As insistências
do replantio nestas manchas foram negativas”.
A partir do FINPI do talhão 16 sabemos que entre abril de 1952 e
julho de 1959 foram realizados 3 desbastes nas zonas onde a densidade
da chuva era forte. O talhão apresentava, porém, zonas em que as falhas
são quase totais em decorrência do excesso de umidade por ocasião de
chuvas abundantes33.
O erro na redação de uma frase encontrada no FINPI do talhão 14
poderia, eventualmente, ser creditado a um problema simples de concor-
dância verbal. Contudo, ao analisar melhor a situação, somos levados a
crer que não se tratava apenas disso. A frase é: “A insistência do replan-
tio nestas manchas [de represamento de água] foram negativas”. A ex-
pressão “A insistência” indica que foi uma vez que se tentou replantar os
pinheiros. Contudo, o final da frase (“foram negativas”) nos leva a pensar
que foram mais do que uma tentativa. Assim, “insistência” e “replantio”
caracterizam aquilo que Worster (2003, p. 38) chama de “tendência em
apostar alto contra a natureza”.
Diante disso, nos perguntamos: que racionalidade é essa, quanto
de científico existe na ideia de se plantar em áreas de represamento de
água? E mais. Replantar na mesma área quando a primeira plantação
morre? O que o Silvicultor estava tentando fazer? Seria a insistência no
replantio, como nos chama a atenção Worster (2003, p. 38), uma constan-
te aposta contra a natureza, “num esforço febril para evitar o insucesso”?
Outro exemplo desse “esforço fabril” é o talhão 18, plantado em ju-
nho de 1950 com 90 mil covas. Igual muitos outros terrenos, este também
era de campo sujo, com parte de capoeira alta e uma parte baixa sujeita
a estagnação de água em época de chuvas abundantes. De acordo com o

32
O talhão 14 teve, ainda, “Grandes prejuízos causados por perdizes”.
33
Em 1951 foram as secas que prejudicaram as plantações. O talhão 29, plantado em julho de
1951 com 140 mil covas de Araucária angustifólia, “teve grande perda após a 1ª limpeza, em
dezembro de 1951, por conta da insolação forte, seguida de seca prolongada’.

340
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

documento, o “trecho de campo foi arado e gradeado com tração animal.


A parte com capoeira foi roçada por baixo, sendo o inço queimado em
caieira [...]”. Entretanto, o plantio foi abandonado em 1951, haja vista o
grande número de mortes causadas pelo excesso de sombra. Este talhão
também foi bastante prejudicado por formiga saúva e mineira.
Depois de passar por um investimento de tempo e dinheiro, o plan-
tio no talhão 18 foi abandonado34 por causa das “mortes causadas pelo
excesso de sombra”. Além disso, ele também foi “bastante prejudicado
por formiga saúva ou mineira”. Dessa forma, o abandono ou o completo
replantio dos talhões, representa uma vitória de quem? Da racionalidade
instrumental do Silvicultor ou da natureza? Nesse ponto, então, devemos
concordar com Worster (2003, p. 38), quando diz que
[...] o outro lado deste impressionante sucesso [da monocultura] foi (e é) uma
tendência em apostar alto contra a natureza, em elevar as apostas constante-
mente num esforço febril para evitar o insucesso – e por vezes, perder a aposta
e perder muito.

Além das formigas, perdizes, taquara, geadas, tocos, raizame, tigüe-


ra, enchentes, inços e o sombreamento, em 1959, ocorreu o ataque em
vários talhões da Laspeyresia sp.,
[...] intensamente disseminada pelas zonas de ocorrência natural dessa co-
nífera no Sul do Brasil. A larva penetra, quase sempre, no broto terminal
dos pinheiros novos, abrindo uma galeria onde permanece até seu máximo
desenvolvimento. O broto, quando atacado geralmente seca ou se quebra com
o vento. Mesmo que a planta reaja, soltando novos brotos, ocorre um novo
ataque a estes (Araújo, 1960, p. 9).

Segundo Ernesto Araújo, as primeiras observações da praga foram


feitas em maio de 1959 quando do desbaste do talhão 17, plantado em
1950. Ele ressalta que em julho de 1958, quando foi realizado o 1º des-
baste do talhão 20, de 1953, aparentemente, não havia presença do mal,
e acredita que (...) “no período 1958/1959 algum fator ou um conjunto de
fatores (entre eles, talvez, a escassez de produção de pinha) tenha ocor-

34
Informação constante no relatório de 1961 nos diz que em 1960 foi realizada uma contagem
neste talhão, que indicou 46 mil pés (Paes Leme, 1961, p. 2).

341
Ancelmo Schörner

rido favoravelmente para um ataque mais forte da praga nos pinheiros


novos” (Araújo, 1960, p. 9. Grifo nosso). Diante disso, como providência,
ele resolveu eliminar os pés atacados, queimando-os nos aceiros. Medida
empírica, segundo ele, que não impediu que o ataque aumentasse de in-
tensidade (Araújo, 1960, p. 10).
A situação estava tão séria que o Ministério da Agricultura, median-
te contrato com o INP, chegou a vir para Irati para realizar um trata-
mento nos plantios com povilhamento aéreo com helicóptero. Além disso,
o Parque recebeu 40 toneladas de BHC [Hexaclorobenzeno] e 5 de DDT
[Dicloro-Difenil-Tricloroetano].
O helicóptero chegou em 20 de outubro de 1959, mas não fez o pol-
vilhamento, uma vez que o técnico da Defesa Sanitária Vegetal, Clóvis
de Ruiz Beduin, depois de fazer alguns testes com polvilhamento ma-
nual, cujos resultados deram negativos, determinou a volta de todo o
equipamento do Ministério da Agricultura que se encontrava no Parque.
Logo depois a “situação de vários talhões atacados melhorou bastante,
tendo havido uma redução sensível da praga” (Araújo, 1960, p. 10). Não
sabemos os motivos desta redução, mas sabemos que a praga voltou a
atacar, “depois de estar aparentemente desaparecida”, em 1960 (Paes
Leme, 1961, p. 4).

A colonialidade do ser e do saber


Em 1950 foi redigido o primeiro relatório, a respeito da situação do
Parque, pelo silvicultor Ernesto Araújo. Na página 2 do relatório lemos
que:
Primitivamente, a área da fazenda era coberta de maciços florestais que
continham pinheiros, imbuia, cedro, herva-mate e outras essências em
menor quantidade, exploradas intensamente durante os últimos 20 anos,
restando desta derrubada, hoje, capoeiras altas e alguns remanescentes
de Araucária e Phoebe porosa deixados por imprestáveis para a serraria
(Araújo, 1950, p. 2).

342
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Logo de início Ernesto Araújo nos diz que “Primitivamente, a área


era coberta [...]”. Do que ela era coberta nós sabemos pelo relatório, mas
não sabemos a o que, exatamente, se refere o “primitivamente”. Poderia
ser, em hipótese, anteriormente? Nesse caso, a que, ou qual, anterior
ele se referia: a um passado muito distante ou ao tempo mais próximo,
que seria possível ver seus vestígios logo após a compra das terras pelo
INP? Ao longo deste, e de outros relatórios, somos levados a crer que o
“primitivamente” estava mais perto do que pensávamos. Na verdade, o
Silvicultor empreendeu uma batalha pessoal contra tudo o que ele con-
siderava primitivo, seja dentro ou fora do Parque, em um processo de
“colonialização de tudo”35.
Continuando a leitura do relatório, sabemos que os maciços flores-
tais “continham pinheiros, imbuia, cedro, erva-mate e outras essências
em menor quantidade” e que “foram explorados intensamente nos últi-
mos 20 anos”, ou seja, desde meados da década de 1920. E mais. O que
restou dos maciços florestais foi “deixado por imprestáveis para a serra-
ria”. O que existe antes da compra das terras pelo INP, mesmo que tenha
sido feito sob uma lógica de exploração intensa ou desordenada, como ele
diz em outros relatórios, tal como feito pelas serrarias, é descaracteriza-
do: o que importa é a nova racionalidade, a racionalidade da gerência, da
uniformização, do quadriculamento, do plantio e da exploração ordenada.
Além disso:
Antes da aquisição pelo INP a fazenda foi ocupada em várias áreas com cul-
turas agrícolas esporádicas. A parte da fazenda que era de propriedade dos
Chuchene apresenta grande área coberta por campo nativo que foi usada
como pastagens de engorda do gado e, portanto, submetida anualmente ao
fogo (Araújo, 1950, p. 2).

Aqui, novamente, assim como da utilização da expressão primiti-


vamente, acima, temos a sua tentativa da marcação dos tempos: o que

35
“[...] a colonialidade poderia ser considerada um discurso e uma prática que prega simulta-
neamente a inferioridade natural dos sujeitos e a colonização da natureza, que marca certos
sujeitos como dispensáveis e a natureza como pura matéria-prima para a produção de bens no
mercado internacional” (Maldonado-Torres, 2007, p. 135).

343
Ancelmo Schörner

havia antes eram as culturas esporádicas, pastagens de engorda do gado


e terras submetidas ao fogo. O que temos agora é a racionalidade da sil-
vicultura científica e a busca da lucratividade, expressas na monocultura
de Araucária angustifólia e na geometria dos talhões.
Não sabemos quais culturas esporádicas eram plantadas. Teria sido
esquecimento do Silvicultor? Ou seriam tão insignificantes que não me-
recem sequer serem mencionadas? Contudo, mesmo que as culturas es-
porádicas fossem feitas pelo antigo proprietário da fazenda, não invalida
a sua ideia: o que foi feito “antes”, pelo “antigo” proprietário, não conta.
Talvez, no máximo, sirva para indicar o que não deva ser feito daqui por
diante: pastagens e engorda de gado.
Contudo, primitiva era, ainda, a forma como a antiga administra-
ção fazia os registros da então Estação Florestal. Assim, podemos notar
também certo desprezo, ou quem sabe, desconfiança, pela forma como
o Parque foi administrado antes dele. Nos parece que tudo estava a ser
feito nas terras, e que a administração anterior deixou muito a desejar. É
a partir de sua administração, por exemplo, que os talhões são registra-
dos, bem como os trabalhos neles realizados passam a ser devidamente
registrados36 e relatados à Diretoria Regional do INP, em Curitiba.
A frase do relatório “Entretanto, os dados relativos ao período ante-
rior à nossa gerência são baseados em informações colhidas aqui e ali”
(Araújo, 1950, p. 6), indica que a administração anterior não tinha sido
cuidadosa em relação aos registros, de maneira geral, mas principalmen-
te a respeito de cálculos das áreas dos talhões, uma vez que eles estavam
“aqui” e “ali”, ou seja, dispersos em registros ou mesmo na memória dos
trabalhadores mais antigos, a quem o Silvicultor teve que recorrer para
saber mais a respeito das plantações e das terras.

36
A racionalidade da silvicultura científica que se pretende aplicada às terras e aos plantios era
também aplicada nos registros de Ernesto da Silva Araújo, que são extremamente detalhados.
A quantidade de vezes que as palavras controlar e ordenar aparecem nos relatórios indica a
vontade do silvicultor em dar uma nova formatação às terras.

344
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Ora, a racionalidade a ser implantada não podia se contentar com


registros dispersos, informações que estavam “aqui” e “ali”, ou na memó-
ria de uns e outros, mas devem estar sistematizadas e organizadas. Essa
nova racionalidade devia ser aplicada também aos vizinhos. Um primei-
ro grupo de vizinhos é aquele que tem “áreas contíguas ao parque”37.
Ao levantar a questão das dificuldades para a realização dos plan-
tios, principalmente por causa da cobertura vegetal das terras do Parque
(poucos terrenos limpos de capoeira ou livres de troncos e de árvores
grandes) Ernesto Araújo dizia que seria melhor se concentrar apenas em
plantios onde já havia um preparo mínimo da terra, bem como nos tratos
culturais dos já plantados. Contudo, “se o Instituto conseguisse, real-
mente, controlar as áreas de maciços puros pertencentes a particulares
ou que esses, espontaneamente, submetessem seus trabalhos a um plano
racional de corte” (Araújo, 1950, p. 1) seria possível ampliar a quantida-
de dos plantios.
Assim, a forma como os donos das áreas contíguas ao Parque cuida-
va de suas florestas também devia ser algo de uma racionalidade, de um
ordenamento. Anos depois, e seguindo as recomendações discutidas na
Reunião de Silvicultores do INP em 1958, Ernesto Araujo fez um levan-
tamento das áreas próximas ao Parque e indicava ao INP que a fazenda
pertencente a Pedro Zagonel apresentava a vantagem de possibilitar,
durante 2 a 3 anos, trabalhos de plantio em terreno arado sem haver ne-
cessidade de destoca extensa. Além disso, a área de capoeira poderia ser
roçada e ser aproveitada para um plantio ordenado (Araújo, 1958, p. 3).
A ordem que se queria dentro do Parque deveria ser estendida ao
seu entorno, notadamente aos vizinhos que tinham matas, as quais deve-
riam ser submetidas a um plano racional de corte, ou àqueles que tinham
fazendas que poderiam ser plantadas ordenadamente. Assim, áreas de

37
“Desde 1955 temos nos referido a necessidade do INP adquirir áreas mais favoráveis a um
plantio maior. (...) Na reunião de Silvicultores realizada em dezembro do ano transato, no Rio
de Janeiro, foi aprovada a seguinte orientação: “Aquisição de terras suplementares, contíguas
ao Parque, com o fim de lhes aumentar as áreas de plantio sem a necessidade de novas instala-
ções, o que viria a onerar por demais o custo de plantio” (Araújo, 1958, p. 2).

345
Ancelmo Schörner

fazendas, sejam com plantios ou criação de gado, deveriam ser plantadas


com Araucária.
Outro grupo de vizinhos era o dos “moradores dos arredores [que]
têm o mau hábito de criações soltas” (Araújo, 1950, p. 3). Segundo o relató-
rio, foram reformadas as cercas antigas e construídos exatos 5.825 metros
de cerca nova. Por isso, o gado dos vizinhos não causava mais danos nas
plantações, como acontecia anteriormente. Porém, porcos e outros animais
pequenos que continuavam a invadir as plantações, eram eliminados.
Se o gado não causa danos, como anteriormente, quer dizer que em
algum momento o gado entrava nas plantações. Quais? Nas plantações
de pinheiro, as quais acabavam danificando. Por isso, o espaço do Parque
tem que ser delimitado, separado, resguardado38 contra eventuais proble-
mas. Na sequência lemos que o gado não entra mais, “como acontecia an-
teriormente”. Por que acontecia anteriormente? O gado entrava porque
as cercas não eram seguras e/ou não existiam em quantidade suficiente.
O gado entrava antes da fazenda ser transformada em Parque, isto é, de
passar a ser administrada, gerenciada segundo outra racionalidade.
É o Parque e sua forma de organização/administração, materializa-
da na pessoa do Silvicultor, que marca a divisão dos tempos: antes o gado
entrava, agora não entra mais. O Parque, por assim dizer, cria uma disci-
plina, e “a disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indiví-
duos no espaço. A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um
local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo” (Foucault,
1989, p. 130). O poder disciplinar é um meio para se conhecer, controlar,
vigiar e também, de “articular essa distribuição sobre um aparelho de
produção que tem suas exigências próprias”, visando a manipulação dos
processos para se atingir o resultado eficaz a partir da distribuição e di-
visão do espaço com rigor (Foucault, 1989, p. 131).

38
Segundo Foucault (1989, p. 131), pelo princípio da localização imediata ou quadriculamento,
deve haver “em cada lugar um indivíduo e cada indivíduo em seu lugar”. Ou seja, “É preciso
anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos,
sua circulação difusa [...] e perigosa”.

346
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Assim, o que se pretende é cada qual no seu lugar, e separados por


uma cerca, que define lugares a serem ocupados nessa nova racionali-
dade. Há uma cerca e ela deve ser respeitada, seja por quem for. Porém,
observamos que nem todos os animais respeitavam a nova racionalidade
expressa nas cercas: porcos e outros animais pequenos continuam en-
trando, e, por isso eram eliminados. Contudo, a culpa tem uma direção
certa: os moradores locais, que “têm o mau hábito de criações soltas”.39
Mas primitiva não era apenas a terra antes da compra pelo INP, os
registros da estação e os plantios dos vizinhos. Primitivos eram também
seus trabalhadores, “os elementos humanos da região”, os caboclos40 e
seus costumes arraigados41, conforme podemos ler no mesmo relatório.
Com certo pesar, Ernesto Araújo escreve que procurava melhorar os tra-
balhadores do Parque com saúde e educação, mas que não estava tendo
muito progresso, “principalmente, pela desconfiança com que o elemento
humano dessa região, o caboclo, analisa tudo que é contrário aos seus
costumes primitivos e arraigados” (Araújo, 1950, p. 5).
Neste fragmento do relatório se espraia toda a lógica da raciona-
lidade que move nosso Silvicultor. O seu discurso, e principalmente a
sua prática, estão operando dentro de uma lógica de subalternização do
“outro”42. Mas o relatório diz mais. Dizia que em 1949 o número de tra-
balhadores de campo foi reduzido consideravelmente: de 62 passou para
35. Aqueles 62 trabalhadores recebiam “ordenados que variavam de

39
Estaria Ernesto da Silva Araújo se referindo aos faxinais?
40
A colonialidade sustenta-se, então, na imposição de uma classificação racial/étnica da popu-
lação do mundo realizada pelo padrão mundial do poder capitalista. Foi a racialização das
relações de poder entre as novas identidades sociais e geoculturais que legitimou o caráter
eurocentrado do padrão de poder (Quijano, 2010, p. 107).
41
“O ser representa, para a história e a tradição, o mesmo que a colonialidade do ser representa
para a colonialidade do poder e para a diferença colonial. Assim, a colonialidade do ser refere-se
ao processo pelo qual o senso comum e a tradição são marcados por dinâmicas de poder de cará-
ter preferencial: discriminam pessoas e tomam por alvo determinadas comunidades. A relação
entre poder e conhecimento conduziu ao conceito de ser, e se colocou a questão do que seria a
colonialidade do ser” (Maldonado-Torres, 2008, p. 89).
42
“A colonialidade do ser, é aquela que é exercida através da inferiorização, subalternização e
desumanização. Ela aponta a relação entre razão/racionalidade e humanidade, isto é, os mais
humanos são aqueles que fazem parte da racionalidade formal, a racionalidade modernidade
concebida a partir do indivíduo ‘civilizado’” (Walsh, 2008, p. 138).

347
Ancelmo Schörner

C$18,00, C$20,00 e C$23,00 por dia e estavam em completa indisciplina


de trabalho, comparecendo ao serviço quando bem entendiam” (Araújo,
1950, p. 5).
Ora, podemos dizer que os moradores locais eram, em algum núme-
ro, também os trabalhadores do Parque. Esses moradores, os caboclos,
seriam os mesmos que criavam animais à solta e que eram, segundo o
relatório, os que “vivem em completa indisciplina de trabalho”. Mas por
quê? Porque o tipo humano da região, o caboclo, é desconfiado, tem hábi-
tos primitivos e arraigados, tais como não gostar de trabalhar e de criar
animais à solta. Fica nítida, como podemos perceber, a dificuldade do
Silviculor em conseguir algum progresso em relação a isso. Como mudar
um lugar e chegar aos resultados esperados se a terra era primitiva, se o
elemento da região possuía costumes primitivos e arraigados, se os mo-
radores dos arredores tinham o mau hábito de criações soltas, se os que
tinham terras adjacentes ao Parque não exploravam racionalmente seus
plantios e os trabalhadores viviam em completa indisciplina de trabalho?
Esses mesmos trabalhadores eram, também, muito caros, conforme
podemos observar nos relatórios de 1953, 1958 e 1960. No caso de 195343,
o processo de desbravamento de alguns terrenos acabou ficando mui-
to caro por causa da grande quantidade de pinheiros44 que existiam, os
quais foram aproveitados para toras através do serviço braçal.
Já em 1958, o preparo de alguns terrenos encareceu ainda mais por-
que, além de se perder muito material lenhoso, com o fogo, por exemplo,
os plantios tiveram que serem feitos “no toco”. A destoca, logo após a
derrubada da mata, principalmente as de pinheiro, também era impra-
ticável por conta dos tratores que o Parque possuía, conforme veremos

43
O trabalho de preparação do terreno do talhão1, de 44,54 hectares, teve os seguintes custos:
desbravamento com trator (destoca e limpeza): CR$ 6.011,10, desbravamento manual (roçada
e queimada) custou CR$ 22.462,70. (Araújo, 1953, p. 4) O desbravamento com tratores (desto-
ca, derrubada e limpeza) do talhão 8 custou CR$ 7.157,50, e o desbravamento manual (roçada
e queimada) custou CR$ 16.310, 60 (Araújo, 1953, p. 6).
44
Qual a racionalidade, qual a expertise que derruba pinheiro para plantar ... pinheiro?

348
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

abaixo. Por isso, as áreas de plantio diminuíam, enquanto os serviços


manuais de preparo ficavam mais caros45.
Em1960, após detalhar os procedimentos de preparo do terreno do
talhão 28 (derrubada, queima, encoivaramento e nova queimada), Ernesto
Araújo dizia que a explicação desse processo era necessária para ressaltar
os inconvenientes do plantio de pinhão em terrenos com essas caracterís-
ticas. Por isso, as diversas operações de preparação do terreno ficavam
caras e demoradas; havia também a necessidade de exterminação de for-
migueiros, que iam se formando no raizame e tocos. Todo esse trabalho
era realizado com a mão de obra de trabalhadores do Parque, “mais cara,
porque sujeita ao regime de 8 horas e salário família”. (Araújo, 1960, p. 2)
As reclamações do Silvicultor não eram dirigidas apenas contra o
preço da mão de obra. Elas também eram dirigidas aos tratores e imple-
mentos que possuíam, e que começaram a chegar em 1952.

A mecanização e a colonialidade da natureza


No caso do Parque, e de acordo com Ernesto da Silva de Araújo, com
a mecanização seria possível preparar um terreno, ou limpá-lo, de forma
mais rápida e econômica. Contudo, a persistência de práticas tidas como
atrasadas, como a plantação “no toco”, indicam que nem tudo se resolvia
com a técnica e o trator.
O FINPI do talhão 28 apresenta uma série de detalhes do terreno e
de sua preparação para o plantio, em julho de 1957. Este terreno apre-
sentava capoeira e tigüera, em sua maior extensão. Esta parte foi roça-
da, queimada e destocada com grade pesada, a Rome Plow. Outra par-
te do terreno era composta de capoeira grossa mesclada com pinheiros.
Nesta parte ele foi roçado, encoivarado e queimado em várias parcelas.
Em ambos, o plantio foi realizado “no toco”.

45
Por exemplo: em 1954, para preparar o plantio em 24 hectares, foram gastos CR$ 490.967,00.
Em 1956, para o plantio de outra área de 24 hectares, foram gastos CR$ 2.092.721,90 (Araújo,
1958, p. 1).

349
Ancelmo Schörner

Como vemos, o terreno era de capoeira e tigüera, e capoeira grossa


com ocorrência de pinheiros noutra parte. Esta composição chama aten-
ção pela presença de tigüera, que resulta dos restos de uma plantação de
milho, mas que também pode ser entendida como vegetação baixa, mais
rala, mas não menos daninha, pelo menos de acordo com a silvicultura
científica. Por isso deve ser eliminada pela roçada e pela queimada. A ou-
tra composição do terreno foi queimada, destocada, depois encoivarada e
novamente queimada. O plantio em ambas foi feito “no toco”.
Estamos em 1957 e Ernesto da Silva Araújo é o administrador do
Parque desde 1949, quando começa a implantar a silvicultura científica,
e o que nos chama a atenção são as técnicas que ainda utiliza para a
preparação do terreno: roçada, queimada e coivara, e para a plantação:
o plantio “no toco”. Comumente, essas são técnicas utilizadas por indíge-
nas, negros, populações pobres de maneira geral; pelos caboclos, que ele
chama de primitivo. São parte, dessa forma, de uma agricultura irracio-
nal, do cultivo da terra feito através de métodos considerados “arcaicos”,
que não se utiliza de preceitos científicos ou maquinário agrícola.
Causa surpresa, então, que, em se tratando de plantações levadas a
efeito sob as premissas da silvicultura científica, e que ele está no parque
há 8 anos, quase todas as plantações foram feitas com essas técnicas46.
Diante disso podemos nos perguntar: seria essa técnica utilizada pelos
moradores locais, o caboclo, o elemento humano da região, primitivo e
arraigado em seus costumes? Se for, por que então se utilizar de uma
técnica primitiva para plantação baseada na silvicultura científica, como
aponta o próprio silvicultor em seu relatório de 195247?

46
Dos 34 talhões plantados com Araucária angustifólia entre 1946 e 1959, seis indicam expressa-
mente que o plantio foi feito “no toco”. Outros talhões indicam que ele foi realizado “sob capo-
eira alta”, “em campo sujo”, “sob cobertura de mata fina”, “com capoeira grossa e presença de
taquara”, “com vegetação arbustiva e capim barba de bode”.
47
O problema de assegurar a continuidade do trabalho em empresas florestais, existe desde os
começos da silvicultura científica. Isto em vista da necessidade da produção florestal em com-
paração com a produção agrícola e industrial, é tão difícil quanto essencial. O método adotado
[...] consiste na organização de um plano florestal como base para a futura gerência (Araújo,
1950, p. 1).

350
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

No caso do Parque e seu silvicultor, a mecanização48 poderia ser a


chave para desbravar os segredos de sua natureza. A chegada de trato-
res, em 1952/1953, está envolta em demoras e promessas da Divisão de
Florestamento e Reflorestamento do INP, que comprometia a preparação
dos terrenos para o plantio. Contudo, aquilo que parecia ser a salva-
ção, se transformou em pesadelo. Um trator49 chegou em abril de 1952,
mas veio sem o arado e só começou a trabalhar dias depois. Logo depois
ele apresentou vários problemas e ficou mais de um mês parado. Assim,
sem saber quando o trator poderia iniciar os trabalhos, Ernesto da Silva
Araújo decidiu plantar em uma área já preparada e deixar o restante
para plantar em 1953 (Araújo, 1952, p. 3-4).
Em 1953 o Parque possuía 3 tratores, uma maquinaria que esbarra
em vários problemas, como era o caso do trator John Deere, modelo “R”,
que servia para aração, mas apenas quando o terreno permitia (Araújo,
1952, 6). Ao descrever como foi realizado o serviço de desbravamento do
talhão 11, em 1952, Ernesto da Silva Araújo conta que o seu desbrava-
mento constou de derrubada de árvores, inclusive pinheiros, destoca e
retirada de toras. Contudo, o trator Allis Chalmers não conseguia rea-
lizar o serviço sozinho, precisando do “auxílio de braços” para cavar em
torno dos pinheiros e cortando as raízes laterais. (Araújo, 1952, 6)
Em 1953 Ernesto relatava à DRF que estava conseguindo realizar
o plantio de acordo com o planejado, graças ao auxílio dos tratores que
chegaram. Segundo ele isso vinha provar a eficiência e a rapidez da me-
canização nas operações de preparo de terrenos. Porém, elas ainda eram

48
Em 1950 o Parque possuía “dois arados de aiveca reversível, um arado de pá, uma grade de 12
discos Internacional, dois cultivadores ‘bico de pato’ tipo ‘Empire’ com riscador e uma enxada
de 14 polegadas, dois cultivadores ‘Mac-Cormick’ de 3 enxadas, sendo todas essas máquinas
de tração animal. Em 1949 foi comprado pela DRF, uma enxada rotativa (Rotary-hoe), a qual,
porém, foi enviada para a Estação dos Pardos (SC); essa máquina foi devolvida em fins de 1950
sem funcionar” (Araújo, 1950, p. 4).
49
O trator “Allis Chalmers” é destinado para os trabalhos mais pesados de desbravamento e
movimento de terra; o “caterpilar” D-4 para aração e o trator “John Deere” “R” serve para
aração, quando o terreno permite, mas principalmente é usado na gradagem de terreno. Os
dois últimos, porém, auxiliam na limpeza dos terrenos onde existem toras e troncos pesados,
transportando-os para fora da área a ser preparada (Araújo, 1952, 6).

351
Ancelmo Schörner

caras, principalmente por causa da natureza dos terrenos trabalhados,


geralmente cobertos de capoeira grossa e grande quantidade de tocos,
principalmente de pinheiros (Araújo, 1953, 1). A mecanização, assim, en-
roscava nos tipos de terrenos existentes no Parque e indicava, nas na
verdade, a inadequação dos tratores no processo de desbravamento.
Em 1954, na descrição do que era um processo de desbravamen-
to, Ernesto Araújo nos diz que o desbravamento manual corresponde às
operações de ajuntamento de raizame e tocos pequenos para queima ou
remoção por meio de carroças, e no trabalho auxiliar na derrubada de
pinheiros e árvores de grande porte, serviço que o trator HD-5, o Allis
Chalmers equipado com “bulldozer, não consegue fazer sozinho. (Araújo,
1954, p. 2) A expressão “fazer sozinho” pode nos levar a pensar em sua
onipotência, que o trator tem a qualidade de um ser que tem a capacida-
de ilimitada de fazer qualquer coisa. Mas não. Sua onipotência é coloca-
da em xeque pelo terreno, uma vez que o trator de esteiras equipado com
“bulldozer” só consegue fazer, sozinho, serviços que a natureza permite.
Do que vimos, fica uma questão: quem auxiliava quem? O braço ope-
rário auxiliava o trator ou o trator auxiliava o braço operário?
Diante disso, e seguindo a racionalidade instrumental, nada melhor
para resolver o problema dos terrenos do que ter mais tratores, só que
mais possantes e melhor equipados. Assim, para resolver o problema
Ernesto da Silva Araújo pedia, em 1953, dois tratores equipados com
“bulldozer”: um para os trabalhos de destoca e derrubadas mais pesadas,
e outro, menos possante, para a destoca mais leve e serviço de limpeza de
área, tal como o arrastamento de tocos e árvores para fora da zona a ser
beneficiada (Araújo, 1953, p. 1).
Contudo, a técnica e a mecanização, símbolos do pensamento do Sil-
vicultor, esbarram nas condições objetivas dos terrenos do Parque, de
forma que para se poder prepará-los para os plantios, não prescindia do
braço dos trabalhadores. A ordem e a simetria que tanto se desejava no
Parque, às quais o trator daria materialização, encontravam uma série

352
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

de complicadores para se efetivar e expressavam várias contradições.


1954 foi um ano em que essas contradições se tornaram mais visíveis.
Mesmo com 3 tratores, os serviços de preparação dos terrenos, bem como
a limpeza dos talhões, não eram realizados sem a braço trabalhadores
caboclos.
No relatório referente ao período de setembro de 1953 a março de
1954, Ernesto Araújo dá conta de que a área que estava sendo desbra-
vada havia sido derrubada desordenadamente e depois queimada para
agricultura, tornando-se impossível o aproveitamento total para lenha.
Além de fazer essa crítica ao que considera uma derrubada desordenada
e à agricultura, ele nos diz que seria necessário “derrubar parte de um
capão de mato para corrigir as linhas do futuro talhão [...] (Araújo, 1954,
p. 2). O relatório continua e nos apresenta outra dificuldade: a grande
quantidade de nós de pinho, cuja retirada era indispensável devido à
futura limpeza mecanizada.
Ao lermos o relatório, somos levados a pensar em qual seria a ideia
de uma derrubada desordenada. Seria aquela feita pelas serrarias des-
de a década de 1920? Mas somos levados a pensar, também, que exista
uma derrubada ordenada. Nesse caso, qual seria? Seria a derrubada das
matas segundo a silvicultura científica? A derrubada para “corrigir as
linhas do futuro talhão” seria ordenada? Seria aquela que, a partir do
momento que foi efetivada, bem como os futuros talhões, daria ordem ao
caos?
Possível resposta podemos encontrar no texto de Edmundo Navarro
de Andrade, quando na década de 1920 faz a defesa do reflorestamento.
Para ele:
O que é preciso, indispensável mesmo, é cuidar do reflorestamento do nosso
país [...]. Precisamos pensar em matas uniformes, homogêneas, de uma só, ou
de reduzido número de espécies, cuja exploração possa ser, mais tarde, feita
segundo as regras da silvicultura e cujos lucros correspondam aos que se po-
dem e devem obter da cultura florestal, sem o processo bárbaro de derrubar
muitas árvores para aproveitar alguns metros cúbicos de uma determinada
essência e sem a necessidade de vender, a um preço irrisório, como lenha,
madeira de inestimável valor (Andrade, 1923, p. 13-14).

353
Ancelmo Schörner

Outros problemas aparecem e vão mostrando as contradições, tanto


da monocultura que se pretende com os plantios de pinheiro, como das
dificuldades em realizar os serviços de limpeza. Uma tentativa em limpar
parte do talhão 17 teve que ser abandonada, uma vez que “a grade do disco
lesava a parte inferior do pinheiro” (Araújo, 1954, p. 3). A limpeza com a
Rotary Hoe (enxada rotativa), ainda no talhão 17, também não teve muito
sucesso. Segundo o relatório, o trabalho da Rotary Hoe, embora perfeito,
era moroso, e poderia ser suplantado pelo trator GH, que era mais econô-
mico e muito mais rápido. Contudo, o trabalho continuou sendo feito pela
Rotary Hoe, que gastou no serviço 9 dias. A justificativa? O terreno estava
tão sujo que o mato embaraçava nas enxadinhas da máquina, tornando-se
necessário, a qualquer momento, limpar máquina que fazia a limpeza.
Os talhões 1, 21, e parte do 11, revelam mais contradições da me-
canização. Em todos eles o mato cobria as linhas de pinheiros, e se, an-
teriormente as tentativas de limpeza foram feitas com grade animal e
Rotary Hoe, agora ela foi feita com o trator GH. E aqui, novamente, a
natureza complicou a tecnologia. Em primeiro lugar houve a necessida-
de de um ajudante para ir balizando as linhas com taquara. Depois, o
espaçamento em que foram plantados os pinheiros não dava “regulagem
para o trator”, não permitindo a limpeza cruzada. A solução foi passar o
trator apenas nas linhas de 2 metros, sendo o restante deixado para ser
feito a enxada.
Observamos, dessa forma, que mesmo a mecanização, a técnica e a ra-
cionalidade não dão conta de determinados tipos de cobertura vegetal. Por
exemplo: a limpeza do talhão 11, de 44,45 hectares, e plantado com 222.728
covas em 1953, foi feita, segundo o FINPI do talhão, com carpideira animal
e trator GH nas entrelinhas, completando-se o serviço com a enxada.
Outro exemplo da (ir)racionalidade da simplificação radical, isto é,
a monocultura, foi o espaçamento do talhão 17, plantado em junho de
1950. No seu FINPI lemos que foi realizado um desbaste por conta do
compasso curto entre as linhas. Em 1954 foi realizado outro desbaste,

354
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

ficando o compasso acima de 0,50 centímetros – inicialmente ele era de 2


x 0,20 metros – entre as plantas.
Ora, se o espaçamento é a expressão da matematização da natureza,
e tem nas linhas que formam desenhos geométricos sua racionalidade,
tanto de plantio quanto de limpeza, por que não fazer o plantio no espa-
çamento de 2 x 0,50 desde o início do processo? Por que plantar em um
determinado espaço e depois ter que fazer dois desbastes para se chegar
ao espaçamento ideal?
Assim, várias questões apresentadas no relatório fazem-nos pensar
na racionalidade, ou como nos diz Dussel (2001, apud Achinte e Rosero,
2016, p. 30) “a irracionalidade da racionalidade ocidental”, do negócio do
Parque: talhões cobertos de mato, em cujas linhas o trator não consegue
se locomover sozinho, necessitando de um balizamento a taquara, um
trator que não dá regulagem, espaçamentos que não dão no tamanho do
trator, a limpeza mecanizada que não pode ser feita sem a retirada do nó
de pinho, uma máquina de limpeza que precisa ser limpa a cada instante
porque se enrosca no mato, e espaçamentos muito pequenos e que preci-
sam ser aumentados, depois, à custa da eliminação de pinheiros.
Aqui, somos inclinados a pensar que, mais uma vez, o gerenciamen-
to não deu certo: quem planta com um espaçamento sabendo que é pe-
queno? Quem planta para depois ralear? Quem planta para posterior-
mente eliminar pinheiros? Que racionalidade é essa que planta 217 mil
covas pinheiro e depois elimina 70 mil pés, como foi o caso do talhão 28,
plantado em junho de 1959?
Por outro lado, somos levados a pensar que, de forma nenhuma, se
negociava com a natureza. A ela se impõe uma lógica e se segue nela do
começo ao fim, mesmo que isso não dê certo, isto é, que a natureza “diga”
outra coisa.
Em suma, parece que tudo caminhava a taquara e compasso pelas
bandas do Parque, e a enxada, a coivara, o “toco” e a taquara, antes sím-
bolos do atraso frente à glorificação da figura do trator e do arado, é que
conseguiam “salvar a lavoura”.

355
Ancelmo Schörner

Em 1960 o Parque possuía 4 tratores, um a mais do que em 1953,


conforme vimos acima. Era o trator Hoeard Twelve com enxada rotativa.
(Paes Leme, 1961, p. 4) Contudo, devido à natureza das terras a serem
desbravados e preparadas, eles trabalharam poucas horas.50
É interessante observar que a lógica dos “danos colaterais espera-
dos” (Tsing, 2019) que é aplicada, por exemplo, aos pinheiros que não
se desenvolveram satisfatoriamente e são eliminados nos processos de
desbaste, também vale para os tratores e implementos do Parque.
Fernão Paes Leme, em relatório de 1961 – o único assinado por ele –
é muito direto em suas palavras. Segundo ele, os arados e os tratores não
seriam mais utilizados no parque dado à natureza da cobertura do solo.
Dessa forma, os tratores John Deere GH, com o respectivo implemento,
e o trator Hoeard Twelve, com a enxada rotativa, poderiam ser vendidos
ou transferidos para outros serviços “por não terem mais serventia neste
parque”, por “serem impróprios aos nossos serviços de reflorestamento”
(Paes Leme, 1961, p. 4).
Como vemos, o trator é uma entidade enquanto serve. Depois, de-
pendendo do terreno, é impróprio e pode ser vendido. O trator, símbolo do
progresso, se torna impróprio para os trabalhos do Parque, assim como
a política de mecanização dos serviços de reflorestamento do INP tenha
sido, de acordo com Fernão Paes Leme, tão mal planejada, e que sua dis-
tribuição pelos parques tenha sido pior (Paes Leme, 1961, p. 4).

Considerações finais
Sustentamos ao longo do texto que processo de transformação da
fazenda em Parque foi mediado pela colonialidade. Ocorreu não apenas
a colonização da natureza, mas também do saber e do ser. O processo não
foi apenas econômico, mas foi também do imaginário. Assim, mesmo que

50
O trator HD-5 trabalhou 858 horas entre janeiro de 1960 e abril de 1961; o trator D-4 tra-
balhou, no mesmo período, 393 horas; o trator “R” trabalhou 264 horas. Já os tratores GH e
Hoeard Twelve não trabalharam nenhuma hora sequer (Paes Leme, 1961, p. 5).

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A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

os resultados esperados não tenham sido alcançados na sua totalidade,


ou que tenha passado por uma série de dificuldades, a natureza foi colo-
nializada.
O processo de transformação da fazenda em Parque Florestal, em
1946, foi marcado pela colonialidade, uma vez que a ideia do “parque” já
é uma expressão dessa colonização. Os talhões, com sua linguagem ma-
temática, deram forma a uma terra, a fazenda, que, primitivamente, era
composta de capoeiras, campos de engorda de gado, terras de agricultura
submetidas ao fogo e tocos e restos de madeiras imprestáveis para as
serrarias.
Depois, com o Parque, lugares com formigueiros, taquara, tigüera e
tocos imprestáveis, lugares que sofriam com as chuvas, com a seca, com
as geadas e com as perdizes, vão ganhando forma com a ajuda de arados,
grades, cultivadores, riscadores, enxada rotativa e tratores. A técnica e
a mecanização trabalhavam juntas nesse processo de colonialização da
natureza. Nem sempre, ressalta-se, com a vitória dos primeiros.
Quase tudo se modifica no Parque. A construção de cercas, por
exemplo, não só tenta impedir animais de entrarem nos plantios, como
também marcam os lugares de cada um, e os porcos e outros animais
pequenos que não entendiam essa nova racionalidade acabavam mortos
quando as ultrapassam. É o recurso da eliminação.
Eliminação, inclusive, é o que acontece com os pinheirinhos que não
alcançam determinado crescimento, mesmo que tenham sido plantados
em lugares com sombreamento denso ou em lugares de represamento de
água. Eliminados são também os trabalhadores, que passam de 62 a 35,
uma vez que “viviam em completa indisciplina de trabalho”. Eliminados
serão também os tratores e implementos que não servem mais aos pro-
cessos de desbravamento do Parque.
Derrubar as matas, ordenar as terras, plantar em linhas, quadricu-
lar o espaço, eliminar animais, pessoas, pinheiros e tratores, são exem-
plos do pensamento antropocêntrico, próprio do legado do pensamento

357
Ancelmo Schörner

ocidental em relação à natureza. Ou seja, um conhecimento específico, o


ocidental, é tido como conhecimento objetivo e universal, e o conhecimen-
to científico/empresarial ocidental (Lander, 2000) é o único aceito.
Este conhecimento se expressa, em relação à natureza, na ideia de
controle, de dominação. Esta pretensão de controle pode ser notada no
dualismo entre o homem e a natureza, em que esta última passou a ser a
inimiga daquele e, por isso, deve ser subjugada. A natureza, transforma-
da em terra51, “(...) e tudo que ela contém, passa de força a coisa. (Silva,
1997, p. 20. Grifo no original). O controle da natureza implica a anulação
de sua atividade, de seu fazer-se por si só, o que dá através da técnica,
com a qual o Silvicultor está identificado.
Com a técnica, o poder e a possibilidade de domínio da natureza
situam-se do lado do homem. Neste caminho, a natureza foi esvaziada de
uma alma, isto é, de um poder que tanto podia auxiliar quanto aterrori-
zar. Por isto o progresso do conhecimento é o progresso do domínio (Silva,
1997). (Grifo no original).
A natureza do Parque, fonte/possibilidade de riqueza, era também
um obstáculo ao seu progresso e modernização, dado à sua composição
de curvas, ondulações, águas, pragas e animais, que tiveram que ser ex-
plorados e igualmente dominados pela racionalidade que se instaurava.
Para Alimonda (2011, p. 22):
[...] a persistente colonialidade que afeta a natureza latino-americana, tanto
como uma realidade biofísica (sua flora, sua fauna, seus habitantes humanos,
a biodiversidade de seus ecossistemas) quanto sua configuração territorial (a
dinâmica sociocultural que articula significativamente esses ecossistemas e
paisagens), aparece diante do pensamento hegemônico global e diante das
elites dominante na região como espaço subalterno, que pode ser explorado,
arrasado, reconfigurado, de acordo com as necessidades dos atuais regimes de
acumulação.

51
“[...] o capitalismo introduziu uma inovação que mudaria profundamente a forma como as
pessoas se relacionavam com a natureza em geral: ele criou, pela primeira vez na história, um
mercado geral de terras. Todas as forças e interações complexas, seres e processos que designa-
mos como ‘natureza’ (às vezes até elevada ao status honorífico de uma ‘Natureza’ capitalizada),
foram reduzidas a uma simplificada abstração, ‘terra’ (Worster, 2003, p. 34. Grifo no original).

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A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Contudo, além de mutilar, simplificar e esquadrinhar a natureza, a


expertise das monoculturas quer provar a todo instante que está certa
“num esforço febril para evitar o insucesso” (Worster, 2003). Por outro
lado, mesmo com as altas apostas em favor da técnica e da mecanização,
o Parque caminhava a taquara e compasso, sendo que em muitos talhões
quem dava as cartas eram as saúvas e as quem-quem.

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362
A compasso e taquara: o domínio da vida e a ruína do progresso no Parque Florestal Manoel Enrique da Silva (Irati-PR): 1950-1960

Formulários impressos pelo INP


FINPI talhão 1, 1953
FINPI talhão 10, julho de 1953
FINPI talhão 11, maio de 1953
FINPI talhão 13, agosto de 1954
FINPI talhão 14, junho de 1950
FINPI talhão 16, junho de 1950
FINPI talhão 17, junho de 1950
FINPI talhão 18, junho de 1950
FINPI talhão 20, julho de 1953
FINPI talhão 21, junho de 1953
FINPI talhão 28, julho de 1957
FINPI talhão 29, julho de 1951

363
Sobre os autores

Alex Antônio Vanin. Doutorando em História pelo Programa de Pós-


-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo/UPF. Bolsista
CAPES. Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em Histó-
ria da Universidade de Passo Fundo/UPF.

Ancelmo Schörner. Professor do curso de Graduação e Pós-Gradua-


ção em História, Universidade Estadual Centro-Oeste do Paraná/UNI-
CENTRO, campus de Irati. Professor Visitante no Programa de Pós-Gra-
duação em História da UNIMONTES. Professor do Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Comunitário da UNICENTRO. Doutor
em História. Pós-doutorado em Sociologia.

Carlise Schneiders. Mestre em História pelo Programa de Pós-Gra-


duação em História da Universidade de Passo Fundo/UPF. Licenciada
em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS.

Jéferson Luís Schaeffer. Graduado em História pela Universidade


do Vale do Taquari/ UNIVATES.

João Carlos Tedesco. Professor aposentado da Universidade de Passo


Fundo/UPF. Professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade de Passo Fundo/UPF. Doutor em Ciências So-
ciais e pós-doutor pela Universidade de Milão e Verona (Itália).

João Sand. Mestrando em História no Programa de Pós-Graduação


em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/
PUC-RS. Bolsista CAPES. Graduado em História pela Universidade de
Passo Fundo/UPF.
João Carlos Tedesco | Rosane Marcia Neumann (Org.)

José Carlos Radin. Professor Associado e docente do Programa de


Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul/
UFFS, Campus Chapecó. Doutor em História do Brasil. Pós-Doutorado
em História pela Universidade de Padova, Itália.

Julia Gregori. Doutoranda em História no Programa de Pós-Gradua-


ção em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos/ UNISINOS.
Bolsista CAPES. Mestre em História pela UNISINOS e Graduada em
História pela UNIVATES.

Kalinka de Oliveira Schmitz. Doutoranda em História no Programa


de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos/
UNISINOS. Bolsista CAPES. Mestre e Graduada em História pela Uni-
versidade de Passo Fundo/UPF.

Leticia Maria Venson. Doutoranda em História no Programa de Pós-


-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná/
UNIOESTE. Bolsista pelo Programa UNIEDU/FUMDES. Mestra e Gra-
duada em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus
Chapecó.

Marilize Radin Fratini. Mestranda em História no Programa de


Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul/
UFFS. Professora da rede Básica de Ensino. Especialista em História e
Geografia do Sul do Brasil e Graduada em História/UNOESC-Joaçaba.

Nathan Lermen. Mestrando em História Global no Programa de Pós-


-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina/
UFSC. Bolsista CAPES.

Patrícia Bosenbecker. Professora substituta na Faculdade de Ciên-


cias Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD.
Doutora em Sociologia. Pós-doutorado em Sociologia/UFRGS, bolsista
CNPq. Mestre em História.

365
Colonos, colônias e colonizadoras: aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil

Rosane Marcia Neumann. Professora visitante do Programa de Pós-


-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande/FURG.
Doutora em História. Pós-doutora em História pelo Lateinamerika Ins-
titut (LAI)/Freie Universität Berlin, Alemanha e PUCRS. Pesquisadora
do Instituto Histórico de São Leopoldo/RS.

Tatiane Soethe Szlachta. Graduada em História pela Universidade


do Sul de Santa Catarina, Tubarão.

366
COLONOS, COLÔNIAS
E COLONIZADORAS
aspectos da territorialização
agrária no sul do Brasil

olonos, colônias e colonizadoras têm como espinha


dorsal os projetos de imigração e colonização particula-
res, implementados no Sul do Brasil por indivíduos/em-
presários e companhias/empresas colonizadoras, de meados do
século XIX a meados do século XX, ajustados à legislação e políti-
ca do Império e da República, respectivamente. Mais do que
respostas, os estudos fornecem pistas e instigam o leitor a novas
perguntas sobre: quem eram os investidores? De onde provinha o
seu capital? O que os levou a investir no mercado/colonização de
terras? Quem eram os colonos? Como funcionavam as colônias
particulares? Dentre outras. Portanto, as colonizadoras, empresas,
empresários e as colônias particulares ou empreendimentos de
colonização, são o fio de Ariadne da tessitura dessa coletânea.
Observar esse mundo colonial particular sob o jogo de escalas
reduzida/aumentada, faculta perceber particularidades e singulari-
dades que, por sua vez, suscitam outras/novas problemáticas de
pesquisa. Considerando que cada empreendedor/colonizadora
criou seu próprio espaço colonial particular, mapeamos alguns
poucos cosmos, enquanto outros ainda permanecem obscuros
nesse imenso universo colonial!

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