O Que É Filosofia Política

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O que é Filosofia Política?

Apresentação:
Há diversas formas de se definir “filosofia política”. Aliás, mais do que distintas
formas de se definir o campo, há um conflito sobre o que constitui o próprio campo. Isto
é, enquanto há relativo consenso acerca do que é “sociologia política” e/ou “ciência
política”, quando se fala “filosofia política” não se pode pressupor a compreensão de
quem escuta.

O que é filosofia política?

Norberto Bobbio afirma que a filosofia política pode ser entendida de quatro modos:

1) Como descrição do Estado perfeito. Paradigma: A República de Platão, Utopia, de


Thomas Morus.
“O modo mais tradicional e corrente de se compreender a filosofia política é entendê-la
como descrição, projeção, teorização da ótima república ou, se quisermos, como a
construção de um modelo ideal de Estado, fundado sobre alguns postulados éticos
últimos, a respeito do qual não nos preocupamos se, quando e como poderia ser efetiva
e totalmente realizado.” (Bobbio, 2000, p. 68).

2) Como procura do critério de legitimidade do poder: a que condições o poder deve se


submeter para ser aceito como válido. Paradigma: a tradição contratualista, sobretudo
Hobbes e Locke.
“O segundo modo de se compreender a filosofia política é considerá-la como a busca do
fundamento último do poder, que permite responder à pergunta: ‘A quem devo
obedecer? E por quê?’ Trata-se aqui do problema bem conhecido da natureza e da
função do dever de obediência política. Nesta acepção, filosofia política consiste na
solução do problema da justificação do poder último, ou, em outras palavras, na
determinação de um ou mais critérios de legitimidade do poder.” (Idem.)

3) Como identificação da categoria do político: identificação das características próprias


da atividade política, em oposição à moral, ao direito, à religião. Paradigma: O
Princípe, de Maquiavel.

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“Por ‘filosofia política’ pode-se entender também a determinação do conceito geral de
‘política’, como atividade autônoma, modo ou forma do Espírito, como diria um
idealista, que tem características específicas que a distinguem tanto da ética quanto da
economia, ou do direito, ou da religião.” (Idem.)

4) Como metodologia das ciências políticas: reflexão crítica sobre o discurso político.
Isto é, análise, esclarecimento e classificação da linguagem, dos argumentos e das
finalidades de todos aqueles que fazem da política seu objeto de discussão. Paradigma:
Filosofia analítica contemporânea (não há, contudo, um “clássico” que sustente tal
posição).
“A filosofia política como discurso crítico, voltado para os pressupostos, para as
condições de verdade, para a pretensa objetividade, ou não-valoração da ciência
política. Nesta acepção, pode-se falar de filosofia como metaciência, isto é, do estudo
da política em um segundo nível, que não é aquele, direto, da busca científica
compreendida como estudo empírico dos comportamentos políticos, mas aquele,
indireto, da crítica e legitimação dos procedimentos através dos quais é conduzida a
pesquisa no primeiro nível.” (Idem, p. 69).

Se excluirmos a quarta alternativa, menos representativa quanto à tradição, vemos que


boa parte dos clássicos da área lidam com os três problemas apontados: qual a melhor
forma de governo, quando e a quem se deve obedecer, e qual o estatuto próprio da
política frente a outros domínios (particularmente a moral, a religião, o direito e a
economia).
“No Segundo tratado sobre o governo civil, de Locke, a estreita conexão entre os três
problemas é evidente [em ordem inversa, isto é: 3, 2, 1]: a) o objetivo do corpo político
é garantir aos indivíduos a asseguração da vida, da liberdade e dos bens; b) quando o
governo já não é capaz de garantir a segurança, o dever de obediência política, ou seja,
o dever de obediência perde o sentido; c) o melhor modo de se conseguir essa garantia é
um legislativo fundado no consenso e um executivo dependente do legislativo” (Idem,
p. 73).

De fato, os três problemas indicam, com perfeição, as principais preocupações da área.


Seria possível, no entanto, perceber que há mais algumas questões recorrentes na
tradição da filosofia política. A resposta à questão: qual é a melhor forma de governo, a

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descrição do Estado perfeito, pode ser: “aquela que assegura ou promove a liberdade
dos cidadãos” ou “aquela que é justa”; do mesmo modo, a questão da legitimidade do
exercício do poder, a de quem, quando e como obedecer, pode ser: “deve-se obedecer ao
governo que garante ou promove a liberdade (ou a justiça)”. Estes dois conceitos,
liberdade e justiça, são basilares da filosofia política, são questões recorrentes, de modo
que a história da filosofia política pode ser narrada usando-as como fio condutor. Uma
história das diferentes concepções de liberdade ou de justiça seria uma historia da
filosofia política.

Peculiaridades das questões da filosofia política:

Isaiah Berlin, em “Ainda existe a teoria política?”, observa que há dois tipos de
problemas para os quais são possíveis respostas claras. O primeiro é aquele cuja
resposta depende da observação e da inferência dos dados observados. É o caso das
ciências naturais. O segundo é aquele cuja resposta depende da observação das
premissas e/ou axiomas e da observância das regras de dedução e cálculo. É o caso das
ciências formais, exatas. Há, porém, outras questões que não se enquadram em nenhum
destes dois grupos:
“Quando pergunto ‘por que não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo?’, ‘por
que não posso retroceder ao passado?’ ou, para explorar outra região, ‘o que é a
justiça?’ ou ‘a justiça é subjetiva e absoluta?’ ou ainda ‘como ter certeza de que
determinada ação é justa?’, não existe à mão nenhum método óbvio de esclarecer essas
questões. Uma das marcas mais seguras de uma pergunta filosófica – pois é isso que
todas essas perguntas são – é que nos sentimos perplexos desde o início, que não há
nenhuma técnica automática, nenhum conhecimento especializado universalmente
reconhecido para tratar dessas questões. Descobrimos que não sabemos ao certo como
proceder para esclarecer nossa mente, encontrar a verdade, aceitar ou rejeitar respostas
anteriores a essas perguntas. Nem a indução (em seu sentido mais amplo de raciocínio
científico), nem a observação direta (apropriada às pesquisas empíricas), nem a dedução
(exigida pelos problemas formais) parecem prestar algum auxílio. Quando percebemos
com clareza como devemos proceder, as perguntas já não parecem filosóficas.” (Berlin,
2002, p. 102)

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“Quando perguntamos – o que é talvez a mais fundamental de todas as questões
políticas – ‘por que uma pessoa obedece a outra pessoa?’, não perguntamos ‘por que os
homens obedecem?’ – algo que a psicologia, a antropologia e a sociologia empíricas
talvez fossem capazes de responder –, nem ainda ‘quem obedece a quem, quando, onde
e por quê?’, o que talvez pudesse ser respondido com base em evidências tiradas desses
campos e de outros semelhantes. Quando perguntamos por que um homem deve
obedecer, estamos pedindo a explicação do que é normativo em noções como
autoridade, soberania, liberdade, e a justificação de sua validade em argumentos
políticos. Essas são palavras em nome das quais ordens são dadas, homens são
coagidos, guerras são travadas, novas sociedades são criadas e antigas destruídas –
expressões que continuam a desempenhar um grande papel em nossas vidas hoje em
dia. O que torna essas questões prima facie [à primeira vista (AF)] filosóficas é o fato
de que não existe um consenso amplo sobre o significado de alguns dos conceitos
envolvidos.” (Berlin, 2002, p. 105).

Há filosofia política porque os fins almejados pelos indivíduos são conflitantes. Se


houvesse uma mesma finalidade perseguida por todos – a máxima riqueza econômica, a
virtude e os bons costumes, o bem-viver – bastariam cálculos técnicos para ver como
obter tal fim com o menor custo, mas este não é o caso.

Para se aprofundar no assunto:


Capítulo: “A filosofia política”, de Norberto Bobbio, em Teoria Geral da Política,
Elsevier: 2000 (p. 67-100).
Capítulo: “Ainda existe a teoria política?”, de Isaiah Berlin, em Estudos sobre a
humanidade. Companhia das letras: 2002. (p- 99-130).
Capítulo: “O que é filosofia política?”, de Leo Strauss, em Uma introdução à filosofia
política. É Realizações, 2016.

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