Dívida Pública - Sumário Desenvolvido - 2022-2023 VF
Dívida Pública - Sumário Desenvolvido - 2022-2023 VF
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M. MATILDE LAVOURAS
Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito
A dívida pública | Sumário desenvolvido
1. A dívida pública
A atividade financeira do estado é moldada pelo princípio da legalidade financeira
que revela uma das dimensões específicas do princípio da legalidade. Às exigências
constitucionais acrescem as exigências legais, nomeadamente as que decorrem da Lei de
Enquadramento Orçamental (LEO) e das demais normas de direito financeiro que
desempenham, ao menos neste domínio, a função de regras especiais ao consagrarem
alguns aspetos de regime que se afastam daquele que é o normativo regra para situações
idênticas. Em matéria de endividamento público essas especificidades são atualmente
bastante menores do que aquelas que já existiram noutros tempos. O estado é atualmente,
na generalidade dos casos, um agente do mercado – mas não apenas mais um agente do
mercado – concorrendo com os demais na busca de fundos para financiar as duas
despesas. Durante muito tempo a dívida pública e a dívida privada distinguiam-se pela sua
própria natureza e pelo regime jurídico diferenciado a que uma e outra estavam sujeitas, distinção
esta que se mantém ainda hoje, mas de forma menos visível1, e que se materializa quase
exclusivamente no processo de decisão subjacente ao recurso ao crédito que é marcado pela
natureza pública do potencial devedor.
1
Para maiores desenvolvimentos veja-se EDUARDO PAZ FERREIRA, Da dívida pública e das garantias dos
credores, Almedina, Coimbra (1995) pp. 20 e ss. e, para um estudo mais aprofundado da perspetiva
histórica DAVID GRAEBER, Debt: the firts 5,000 years, Mleville House Publishing, 2011.
2
David Ricardo defendeu que a opção por financiar a despesa pública com o recurso a impostos no
momento atual ou através da emissão de dívida é, em termos de efeitos sobre a procura agregada e sobre a
taxa de juro, neutral. Na verdade, estamos perante um trade-off, uma escolha, entre aumentar os impostos
1
A dívida pública | Sumário desenvolvido
no presente por forma a conseguir financiar a despesa ou aumentar os impostos no futuro para efetuar o
reembolso dos empréstimos e o pagamento dos juros e demais encargos com a dívida pública. Esta
neutralidade apenas é possível se considerarmos que, no momento presente, os contribuintes conseguem
antecipar o aumento futuro dos impostos e, por isso mesmo, a poupança privada vai aumentar no mesmo
montante do aumento do deficit orçamental. Se o aumento da procura de fundos por parte do Estado for
semelhante ao aumento dos fundos disponíveis para empréstimo, a taxa de juro mantém-se inalterada. Esta
proposição, designada por Teorema de Equivalência Ricardiana, viria a ser retomada por Antonio de Viti
de Marco e Robert Barro em 1974. Mais recentemente, James Buchanan retomaria a defesa desta
proposição Trata-se de um teorema que não está isento de críticas, desde logo as que se baseiam na
probabilidade de existência de uma transferência intergeracional. DAVID RICARDO, “Essay on the Funding
System”, in JOHN MURRAY, The Works of David Ricardo, McCulloch, Londres (1888), ANTONIO DE VITI DE
MARCO, “La pressione tributaria dell’imposta e del prestito”, Giornale degli Economisti, (1983), 6(4), pp.
38-67, ROBERT BARRO, “Are Government Bonds Net Wealth?”, Journal of Political Economy, (1974) 82
(6), pp. 1095-117 e JAMES BUCHANAN, “Barro on the Ricardian Equivalence Theorem”, Journal of Political
Economy, (1976), 84(2), pp. 337-342.
3
Recorde-se que já Adam Smith falava na necessidade de escolher o melhor momento para a cobrança dos
impostos e, entendia que esse deveria ser um dos parâmetros a considerar na técnica fiscal.
2
A dívida pública | Sumário desenvolvido
mesmos, mas antes as despesas que com essas receitas são financiadas bem como, mais
recentemente, os limites e as consequências do (excessivo) endividamento público.
Iremos iniciar a nossa análise com uma breve referência à noção, natureza jurídica
e funções da dívida pública para, depois, analisar os efeitos económicos do recurso a este
tipo de receita.
(a) Pode a dívida pública ser considerada como uma componente da riqueza
financeira de uma economia?
(b) Uma dívida pública elevada onera as gerações futuras?
3
A dívida pública | Sumário desenvolvido
1.1. Noção de dívida pública: a noção tradicional e a noção alargada relevante para
o direito da União Europeia
Como já referimos supra, as receitas creditícias são uma das categorias de receitas
estaduais, constituindo em alguns casos uma importante fonte de financiamento. Apesar
de poder assumir diversas configurações ou tipos, pode definir-se a dívida pública como
um conjunto de operações de natureza contratual praticadas pelo estado para obtenção de
receitas para o financiamento da despesa pública.
Trata-se, bem se vê, de uma receita de natureza contratual em que este – estado –
recebe no momento da contração do empréstimo uma determinada quantia que se
compromete a reembolsar num momento futuro, acrescida eventualmente de juros ou de
uma outra forma de retribuição. O credor será compensado por esta cedência temporária
de capital com um determinado (acordado) montante de juros. Do que acabamos de referir
infere-se que estamos perante um contrato de mútuo oneroso – art.os 1142.º e 1145.º do
Código Civil4 – que, por ter como devedor o Estado, recebe a designação de dívida
pública. Não estão aqui em causa as situações em que existe um atraso nos pagamentos
de fornecimentos de bens e serviços5.
4
Artigo 1142.º - (Noção)
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a
segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
Artigo 1145.º - (Gratuidade ou onerosidade do mútuo)
1. As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se
oneroso em caso de dúvida.
2. Ainda que o mútuo não verse sobre dinheiro, observar-se-á, relativamente a juros, o disposto no
artigo 559.º e, havendo mora do mutuário, o disposto no artigo 806.º.
5
Essas situações são de enquadrar no conceito de dívida administrativa ou dívida corrente e estão
atualmente regulados na Lei dos compromissos e pagamentos em atraso das entidades públicas – Lei n.º
Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro.
4
A dívida pública | Sumário desenvolvido
6
Como sejam as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais e outras entidades não mercantis que pertençam
ao Sector Administrações Públicas (S.13), tal como definido no SEC 2010.
7
Este conceito de dívida de Maastricht, ao excluir dos instrumentos de dívida pública aqueles que são
detidos – como sujeitos ativos – por outras entidades públicas não se confunde com o conceito de crédito
interpúblico de que nos fala Sousa Franco, embora valham nestas situações (as excluídas pelo conceito de
Maastricht) as considerações relativas à questão da prestação de garantias e à atuação com base no ius
imperium. A. L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª ed., vol. II, Almedina,
Coimbra (1992 ou posterior), pp. 81. Identifica-se antes com o conceito de dívida fictícia utilizado pelo
mesmo autor a pág. 83.
5
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Valor bruto * 55388,88 69591,78 114552,87 179996,02 235746,15 270494,86 269249,58 272591,78
Figura 1: Dívida pública na ótica de Maastricht. Fonte: Banco de Portugal (*valores em milhões de euros)
8
Temos assistido a uma tendência para a uniformização dos critérios para determinação do endividamento
público. Se atentarmos ao art.º 110.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro que, embora se refira a
endividamento líquido global direto reconduz esta noção a uma noção muito próxima da de dívida de
Maastricht, só se afastando desta porque exclui o endividamento da administração regional e local.
6
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Figura 2: Evolução da Dívida Pública em percentagem do PIB. Fonte de dados: Banco de Portugal. Os dados relativos ao ano de
2021 são provisórios e os relativos ao ano de 2022 são uma previsão.
Um dos motivos para o recurso ao crédito por parte dos estados é a necessidade de
arrecadação de receitas para cobertura dos défices de tesouraria. Estamos aqui perante
situações em que, não obstante terem sido previstas no orçamento receitas suficientes para
cobrir as despesas previstas no mesmo orçamento, não existem, num determinado
momento, receitas suficientes para efetuar o pagamento daquelas despesas em concreto.
Trata-se de situações em que ocorre uma carência transitória de liquidez, originada pela
falta de coincidência temporal entre o momento da arrecadação das receitas e o momento
da exigibilidade de pagamento das despesas.
É, por conseguinte, uma dívida passageira que será saldada dentro do mesmo ano
financeiro em que foi contraída. Verdadeiramente estamos perante empréstimos que se
destinam a antecipar, dentro do mesmo período financeiro, o volume de receitas
necessário ao pagamento das despesas estaduais, incluindo o reembolso dos empréstimos
contraídos com a finalidade e acudir aos défices de tesouraria.
Por esse facto, sempre que se trate de dívida pública destinada à cobertura de défices
de tesouraria, o seu período de duração é variável, podendo ir de uns dias a vários meses,
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
O recurso ao endividamento pode também ser motivado pela falta de outras receitas
orçamentais para pagar as despesas públicas previstas no mesmo orçamento. Como se
trata de um valor que, em regra, foi previsto aquando da elaboração e aprovação do
orçamento do estado, esta dívida não será saldada dentro do mesmo período financeiro
em que foi contraída, subsistindo para além deste.
Pode ainda justificar-se a contração de empréstimos por parte do estado com base
em outros motivos de ordem económica, como um vetor de intervenção através da política
financeira não só no período em que o empréstimo é contraído (momento da emissão da
dívida) mas também no momento em que o empréstimo deve ser reembolsado (momento
da amortização). No caso da dívida pública emitida em moeda estrangeira muitas podem
ser as justificações para que tal suceda.
2. Espécies de dívida
A distinção entre dívida pública fundada e flutuante tem necessariamente por base
a finalidade do empréstimo. Do ponto de vista teórico, ou académico, se preferirmos, será
considerada dívida flutuante aquela que se destina a ser amortizada no mesmo período
financeiro em que foi contraída e dívida pública fundada a que foi contraída para ser
amortizada num período financeiro diverso daquele em que foi contraída9. Do que
acabamos de referir infere-se que o recurso a financiamento da despesa pública através
de instrumentos de dívida pública flutuante tem como finalidade a cobertura de défices
de tesouraria, enquanto que a dívida pública fundada está vocacionada para a cobertura
de défices orçamentais.
9
Neste mesmo sentido, veja-se as als. a) e b) do art.º 3.º da Lei n.º 7/98 de 3 de fevereiro. Até à aprovação
do diploma legal referido, em Portugal era considerada dívida pública flutuante a que fosse emitida por um
período inferior a 12 meses e fundada a que fosse emitida por um período superior. Esse regime permitia
que a dívida flutuante pudesse ser utilizada para a cobertura de défices de tesouraria, mas também de défices
orçamentais, contrariando a sua vocação que é precisamente a de se destinar a cobrir défices de tesouraria
9
A dívida pública | Sumário desenvolvido
pública fundada, sendo o seu limite fixado por Lei, nos temos do art.º 4.º da Lei n.º 7/98,
de 3 de fevereiro10.
A distinção entre dívida pública interna e externa é muito importante para que
possamos responder às questões colocadas inicialmente e, sobretudo, para determinar a
existência de limites ao endividamento e quais os efeitos económicos que decorrem da
emissão de dívida pública.
Esta distinção pode ser feita com base em vários critérios: critério da praça
financeira, critério da moeda e critério da residência dos credores.
10
Apesar da haver um consenso tendencialmente generalizado a nível doutrinal sobre a distinção entre dívida
fundada e dívida flutuante é interessante mencionar, a este propósito, a solução legal seguida noutros países.
Atentemos, por exemplo, nas disposições contidas na Constituição da República Federativa do Brasil,
nomeadamente nos seus artigos 167, IV e do § 8 do art.º 165 ao distinguir, dentro da dívida pública aquelas
operações de curto prazo destinadas a antecipar receita ‒ as designadas AROs (antecipações de receitas
orçamentárias ou operações de crédito por antecipação da receita) ‒ e que, nos termos do inciso II do artigo
38 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar n.º 101 de 4 de maio de 2020). Esta classificação e
exigências denota que a dívida flutuante terá que ser totalmente liquidada dentro do mesmo ano financeiro no
qual foi contraída. Aliás, a exigência colocada pela Lei de Responsabilidade Fiscal vai até um pouco mais além,
ao determinar que terá que ser liquidada até ao dia 10 de dezembro. A Lei estabelece ainda uma outra
peculiaridade no inciso IV do mesmo artigo 38 ao proibir a emissão de dívida flutuante “enquanto existir
operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada” [alínea a)] e “no último ano do mandato do
Presidente, Governador ou Prefeito Municipal” [alínea b)]. Estas prescrições deixam bem clara a finalidade
destes créditos, mas, também, o risco de este tipo de dívida se transformar em dívida consolidada.
11
Para o ano de 2023 o limite previsto pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro para o aumento do
endividamento líquido global foi de 16 000 000 000 € - cfr. art.º 110.º − e o limite para o montante
acumulado de emissões vivas (ativas) de dívida pública flutuante de 25 000 000 000 € − cfr. art.º 115.º.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
De acordo com este critério, serão considerados empréstimos internos aqueles que,
no momento da emissão, sejam colocados à subscrição (emitidos) numa praça financeira
com sede em território nacional e serão considerados externos os empréstimos colocados
à negociação numa praça financeira estrangeira12. Ou seja, para utilizarmos as palavras
de Teixeira Ribeiro, serão internos os que sejam contraídos dentro do próprio país e
externos os que são contraídos em território estrangeiro13. Não está aqui em causa a
nacionalidade da moeda ou dos credores, mas apenas o local da emissão da dívida pública.
12
A. L. DE SOUSA FRANCO, Lições… cit., pp. 93 e ss. e HERNÂNI MARQUES, PAIVA MANSO e BACELAR
FERREIRA, Lições de Finanças – de harmonia com as prelecções do Ex.mo Senhor Doutor João Pinto da
Costa Leite (Lumbrales), ao curso do II ano jurídico de 1932-1933, Atlântida-Livraria Editora, Coimbra
(1932), p. 145
13
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição refundida e atualizada, Coimbra Editora
(1996 ou posterior), pp. 187.
14
A introdução em circulação de moedas denominadas em euro (€) e as suas características foram definidas
pelos regulamentos (CE) n.os 974/98 e 975/98, do Conselho, de 3 de maio.
15
Em Portugal a percentagem do volume de dívida pública denominada em moeda diferente do euro tem
sido fixada, nos últimos anos, em 15% do total da dívida. A emissão de dívida pública em moeda diversa
daquela que goza de curso legal num determinado país pode justificar-se por várias razões mas é
especialmente utilizada naqueles casos em que se pretende recorrer a empréstimos externo e a moeda
nacional goza de pouca confiança no exterior.
11
A dívida pública | Sumário desenvolvido
16
Falamos em residência e não em nacionalidade porque este último vínculo tem vindo a perder importância
como vínculo autónomo na determinação do vínculo jurídico a um determinado território geográfico e
estadual. O que importa, para estes efeitos, é saber quais os credores do estado que estão sujeitos a todas as
dimensões da atuação estadual, podendo tratar-se ou não de cidadãos nacionais desse estado. A
nacionalidade, por si só, não garante em todos os domínios jurídicos e não o garante claramente nas
situações que estamos a analisar, a sujeição às prerrogativas de um determinado Estado.
17
Podem existir movimentos internacionais de capitais mesmo nestes casos se os residentes tiverem obtido
a totalidade ou parte dos seus rendimentos no estrangeiro.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Figura 3: Dívida externa líquida. Fonte de dados: Banco de Portugal. Os dados relativos ao ano de 2021 são provisórios
e os relativos ao ano de 2022 são uma previsão
Empréstimos perpétuos são aqueles que o estado contrai e em que se obriga a pagar
uma determinada quantia anualmente, mas não a proceder ao seu reembolso, isto é, à
devolução do capital mutuado. Nestes casos o estado pode ainda reservar-se a faculdade
de realizar o reembolso, caso em que estaremos perante empréstimos perpétuos remíveis,
ou não gozar desta faculdade, caso em que estaremos perante empréstimos perpétuos
irremíveis. Estes últimos assemelham-se a uma renda perpétua porque o estado obriga-se
a pagar periodicamente uma determinada quantia aos subscritores daquele tipo de dívida.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
obrigação de reembolso da quantia mutuada, isto é, mesmo nos casos em que estejamos
perante um empréstimo perpétuo remível é ao devedor que cabe determinar se e quando
pretende reembolsar o empréstimo. Para os subscritores destes empréstimos a vantagem
advém-lhes do facto de estes títulos proporcionarem a obtenção de um rendimento a título
de juro em regra superior ao dos demais títulos e de serem títulos negociáveis. Assim, o
credor pode negociar o título em mercado secundário quando assim o entender, realizando
o seu crédito. A escolha do momento adequado para essa alienação pode permitir a
obtenção de um rendimento extra, dada a existência de uma taxa de juro em regra
superior.
Os empréstimos reembolsáveis em data fixa são aqueles que garantem, quer para o
credor quer para o devedor, um maior grau de certeza no que à data de amortização diz
respeito. Independentemente do tipo de empréstimo em causa, fica estabelecido no
momento da emissão dos títulos a data em que se procederá ao reembolso. Mas esta
característica pode, em algumas situações, originar problemas de tesouraria porquanto
obriga à devolução da quantia mutuada toda na mesma data o que, tratando-se de um
14
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Por último, as rendas vitalícias são um tipo de dívida pública em que o estado se
obriga a pagar ao credor uma renda anual. Este montante a pagar ao credor incorpora não
só o valor dos juros, mas também uma parte da quantia mutuada. Contudo, como se trata
de uma obrigação que se extingue com a morte do credor e não se transmite aos seus
herdeiros, o estado pode ganhar ou perder. O montante anual a pagar é calculado tendo
por referência a idade do credor e a esperança média de vida. Assim sendo, o estado ganha
nos casos em que o credor morre antes de atingir a idade da esperança média de vida, mas
perde quanto este a ultrapassar.
Podemos ainda notar a existência de títulos da dívida pública que são negociáveis
e outros que são não negociáveis, consoante o credor goze ou não da faculdade de colocar
os títulos da dívida pública que subscreveu à negociação no mercado financeiro. Caso
sejam negociáveis, esta transmissão ocorrerá em mercado secundário e as características
do título vão influenciar a cotação do mesmo, isto é, vão influenciar o valor pelo qual o
título virá a ser transacionado.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
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Em Portugal houve uma emissão de empréstimos forçados em 1983 e que correspondeu à atribuição de
títulos da dívida pública no mesmo valor do subsídio de Natal aos funcionários públicos.
16
A dívida pública | Sumário desenvolvido
mesmo tempo, garante que o cumprimento das ordens de compra é feito em função do
perfil do investidor e a diversificação de investidores.
Diverso deste tipo de colocação é a colocação por leilão. Nesses casos a emissão da
dívida é feita com recurso a uma metodologia que permite obter o preço mais competitivo
para um conjunto de títulos a colocar no mercado. Apesar de podermos encontrar leilões
muito diversificados em função do tipo de dívida e dos objetivos pretendidos, há sempre
que dividir este procedimento em duas fases: a fase não competitiva em que os candidatos
admitidos ao leilão apresentam as suas propostas e uma fase competitiva em que se
procede à subscrição dos títulos a colocar no mercado.
Concretizado que foi o conceito de dívida pública, pudemos concluir que os títulos
incorporam em si mesmos o direito ao pagamento de uma retribuição, bem como, em
regra, o direito ao reembolso. Tratando-se de títulos negociáveis há ainda que contar com
a possibilidade de os mesmos serem transacionados na bolsa. A cada uma destas situações
corresponderá um valor do título, valor esse que pode ou não ser constante ao longo da
vida do empréstimo e que é relevante para determinar a manutenção do empréstimo ou a
sua alteração.
Tradicionalmente definia-se o valor nominal dos títulos da dívida pública (vn) como
o valor facial/inscrito dos títulos, valor este sobre o qual são calculados os juros a pagar
(periodicamente ou não) e que é devolvido ao credor no momento do reembolso. Com a
alteração da forma de emissão e de titularização da dívida assiste-se a desmaterialização
dos títulos da dívida, passando apenas a existir o registo contabilístico dos mesmos.
Assim, há que considerar que esta noção de valor nominal, apesar de continuar válida,
deve ser completada permitindo abranger também esta nova realidade. O valor nominal
será então o valor facial – inscrito no título ou registado contabilisticamente – e com base
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
no qual são calculados os encargos com os juros e determinado o valor da despesa pública
com os reembolsos.
Diferente do valor nominal é o preço de emissão, que representa a quantia paga pelo
credor no momento da subscrição dos títulos da dívida pública e corresponde,
efetivamente, ao valor recebido pelo estado no momento da emissão do empréstimo. Este
valor é por vezes confundido pela cotação e, embora corresponda ao valor da cotação no
momento da emissão, não deve com este ser identificado.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
De toda a explanação que fizemos supra em relação à dívida pública decorre, para
o devedor, não só a importância da escolha do instrumento mais adequado às finalidades
do recurso ao crédito, como também os encargos globais que esse financiamento implica.
Veremos mais adiante que esta escolha pode ter também implicações quanto aos efeitos
económicos que daí decorrem.
Recordemos que o valor do título depende não só do valor nominal do título, mas
também do preço de emissão, da taxa de juro a que o empréstimo foi emitido e das demais
condições de emissão.
A cotação dos títulos – que representa o valor pelo qual os mesmos são
transacionados nos mercados financeiros – depende de vários fatores, como sejam a
procura e oferta global de capitais, a confiança dos investidores na entidade emitente, etc.,
mas, sobretudo, da taxa de juro corrente no mercado.
19
Sobre as razões justificativas da emissão de empréstimos abaixo do par e da subscrição de empréstimos
emitidos acima do par, veja-se J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições ..., cit., pp. 206 e 207.
19
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Referimos há pouco que o juro pode ser ou não pago de forma periódica. Na
verdade, quanto ao momento do pagamento do juro, podem existir duas situações: (i) o
juro pode ser pago periodicamente ao longo dos vários períodos em que o empréstimo no
momento do vencimento; (ii) o juro pode ser pago apenas no momento do reembolso do
empréstimo. Neste último caso o que sucede é que, apesar de se vencer periodicamente,
o juro ao invés de ser colocado à disposição do credor (pago) passa a incorporar o capital
emprestado ao estado, passando a render juro nos períodos subsequentes. É aquilo que se
denomina por capitalização do juro.
Segundo a denominada Lei da Cotação dos Fundos Públicos, “a cotação dos títulos
tende para a capitalização do seu rendimento à taxa de juro corrente no mercado”, ou seja,
o valor da cotação resultará da divisão do rendimento do título que, recorde-se, é fixo (r)
pela taxa de juro corrente de mercado na data da mensuração:
r
𝑐=
j
em que,
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Sendo o rendimento do título um valor fixo – quer seja porque a taxa do empréstimo
é fixa e constante quer porque o título tem um com rendimento pré-definido, também fixo
e constante, – pode concluir-se que a cotação do título varia no sentido inverso ao da
variação da taxa de juro corrente no mercado entre o momento da emissão e o momento
da mensuração e vice-versa.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Assim,
C = 0,04/0,08 C = 0,5
O mesmo raciocínio deve feito para determinar qual a cotação dos títulos a 15 de
julho de 2031:
C = 0,04/0,02 C = 2
O que significa que a cotação subirá para € 2,00, caso os pressupostos enunciados
se verifiquem.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Nestes casos, convém ter presente que o Estado goza, se assim o entender, da
faculdade de proceder ao reembolso dos títulos. Pode, por isso, aproveitar as condições
favoráveis do mercado para fazer o roulement da dívida, contraindo um novo empréstimo
a uma taxa de juro mais baixa. Deste modo, limita-se a substituir o empréstimo antigo
com uma taxa de juro superior por outro com uma taxa de juro mais baixa, diminuindo
os encargos com a dívida.
Por ser assim, e ainda que a taxa de juro no mercado desça consideravelmente, a
cotação não subirá acima do valor nominal (que é também o valor do reembolso). Os
credores do estado correm o risco de perder caso a taxa de juro no mercado suba e não
ganham caso esta desça. Este facto faz com que em regra os empréstimos remíveis sejam
emitidos com impossibilidade de remição durante um determinado período de tempo.
Consoante este seja um prazo mais ou menos longo, a cotação tenderá, no início do prazo,
a comportar-se de forma semelhante à dos empréstimos perpétuos irremíveis, mas à
medida que o prazo (de irremição) se aproxima do fim a cotação aproxima-se da que se
fixaria para títulos de empréstimos perpétuos remíveis.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Sempre que nos referimos a operações sobre a dívida pública estamos a considerar
apenas algumas destas formas de extinção ou modificação da relação contratual que está
na base do empréstimo, bem como as especificidades privativas da relação contratual de
endividamento público. Analisaremos com algum detalhe a amortização, a conversão e a
novação e, de modo mais abreviado, a consolidação, a capitalização, o repúdio e a
bancarrota.
3.5.1. A amortização
20
Convém ter presente que a opção pela amortização total ou pela amortização parcial depende do tipo de
instrumento de dívida em causa e das condições específicas acordadas com os credores.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
Num primeiro momento, que designaremos por período n0 o estado transferiria uma
determinada verba para a Caixa, valor esse que seria utilizado para adquirir títulos no
mercado. Assim, no período n1 e nos períodos que se seguem, a Caixa deve destinar os
juros que vai recebendo para adquirir mais títulos da dívida pública, títulos estes que vão
gerar juros, permitindo renovar a aquisição de títulos e assim sucessivamente. Após
21
RICHARD PRICE, Observations on Revisionary Payments; on Schemes for providing Annuities for Widows,
and for Persons in Old Age; in The Method of Calculation the Values if Assurances on Lives, vol. I, 5.ª ed,
T. Cadel, in the Strand, Londres (1772), cap. III, p. 181 e ss., em especial p. 185, ideia esta retomada pelo
mesmo autor em An Appeal to the Public on the Subject of the National Debt, T. Cadell, in the Strand,
Londres (1772).
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
alguns períodos a Caixa terá tido rendimento suficiente para adquirir todos os títulos de
dívida pública que tinham sido emitidos, e a dívida podia considerar-se extinta.
Extrapolando este exemplo para um caso concreto, pode dizer-se que se um Estado
pretender utilizar este modelo para amortizar totalmente uma dívida no valor de 100 000
emitida à taxa de juro de 5%, por um período de 50 anos, bastaria que criasse um Caixa
com uma dotação inicial de 15 000 para que, ao fim de 49 anos, a Caixa já tivesse
adquirido títulos no valor de 102 500,24. Findo esse período, a Caixa devia destruir os
títulos.
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
externo que Price incorre num erro jurídico que se revela fatal: no momento em que a
Caixa adquire títulos da dívida pública esta extingue-se por confusão22, cessando também
a obrigação do pagamento dos juros e demais compensações que a esta estivessem
associados.
Em jeito conclusivo, diremos que por referência aos arts. 868.º e seguintes do
Código Civil Português a implementação de um modelo deste tipo não padeceria, do
ponto de vista jurídico, deste “erro” uma vez que se considera que não existe extinção da
dívida por confusão sempre que o crédito e a dívida pertencerem a patrimónios separados.
Para além disso, do ponto de vista económico importa considerar que a titularidade da
dívida não é indiferente para a implementação de práticas gestionárias da mesma.
22
Analisaremos mais detalhadamente a extinção da dívida por confusão. Por agora importa referir que uma
obrigação se extingue por confusão no momento em que se encontram reunidos na mesma pessoa as
características de devedor e de credor daquela obrigação.
28
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Um sistema deste tipo é eficaz para a extinção da dívida, mas esta eficácia tem como
contraponto a imprevisibilidade e irregularidade da amortização, uma vez que não é
previsível nem provável que existam saldos orçamentais positivos em todos os períodos
financeiros.
No momento da emissão da dívida os títulos são adquiridos por quem tem dinheiro
disponível: os capitalistas. Estes receberão em troca juros. Se partirmos do pressuposto
que o montante que recebem de juros é superior ao montante que pagam de impostos para
o serviço da dívida então poderemos afirmar que esta dívida não implica qualquer encargo
para os capitalistas. Contudo, as outras classes sociais como os proprietários e os
trabalhadores sofrem uma perda, porquanto pagam impostos para o serviço da dívida e
não recebem qualquer rendimento s título de juros.
Quando todas as classes sociais e grupos tiverem títulos suficientes para lhes
renderem os juros no mesmo montante dos impostos que pagam para o serviço da dívida
pública, esta deixará de constituir um encargo para qualquer uma delas. Poderá, pois,
considerar-se extinta de facto.
29
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Mesmo que aceitássemos que tal sucederia teríamos ainda que comprovar que os
contribuintes adquirem títulos da dívida pública para obterem juros que destinam ao
pagamento dos impostos e que, para além disso, cada contribuinte faz internamente a
compensação entre juros e impostos. O rendimento proveniente dos títulos da dívida
pública (os juros) é considerado por quem o recebe como um rendimento definitivo que
resulta da remuneração da cedência do capital enquanto que os impostos constituem um
ónus, um encargo definitivo, verdadeiramente irremissível, uma perda de rendimento cujo
pagamento é feito no cumprimento de um dever fundamental. Não há, pois, lugar à
extinção da dívida por democratização, o que se verifica é, em termos globais, uma
disseminação dos títulos da dívida pública por um leque mais alargado de contribuintes
sem que essa (re)distribuição tenha qualquer impacto no montante da dívida ou dos seus
encargos.
A opção pela amortização ou não da dívida pública num determinado momento tem
efeitos sensíveis sobre o andamento da economia. A opção pela não amortização em regra
não se reflete nos níveis de aforro e de consumo totais, pois os detentores dos títulos
muitas vezes limitam-se a conservá-los e receber os respetivos juros, não se preocupando
em transacioná-los no mercado para obterem liquidez. Já nos casos em que a opção seja
pela amortização, assistiremos a uma situação em que o rendimento disponível dos
detentores dos títulos aumenta, podendo aumentar o consumo, mas também o
investimento. O aumento do rendimento disponível no mercado pode provocar uma
descida da taxa de juro, e consequentemente um aumento do investimento.
23
Convém notar que o recurso à emissão de moeda como forma de financiamento da amortização da dívida
pública não é um mecanismo que esteja diretamente à disposição de todos os estados. É o que sucede com
os países que fazem parte da União Europeia aos quais está vedada a monetarização direta da dívida pública
embora, de modo indireto, possamos dizer que isso é possível.
30
A dívida pública | Sumário desenvolvido
De um modo genérico podemos dizer que a amortização da dívida pública interna terá
efeitos expansionistas sempre que os efeitos expansionistas provocados pela devolução
do valor aos credores do estado sejam superiores aos decorrentes dos efeitos
contracionistas provocados pelo recurso a um determinado instrumento de financiamento.
Ora, se o financiamento for feito com o recurso a receitas provenientes dos impostos
verifica-se uma tendencial a redução do consumo e do investimento privados. Este efeito
pode ser compensado pelo aumento do consumo e do investimento dos credores que
receberam o reembolso. Há ainda que considerar a possibilidade de aumento da receita
fiscal por via do aumento de rendimento dos credores do estado. Efeito idêntico sucederá
se o financiamento da amortização for feito com o recurso a empréstimos internos. Mas,
se a receita utilizada forem os empréstimos externos ou a emissão monetária, o que se
verifica é um efeito expansionista, efeito este que pode ser minorado caso o acréscimo de
moeda em circulação venha a provocar um aumento generalizado dos preços.
31
A dívida pública | Sumário desenvolvido
anterior – cfr. art.º 857.º do Código Civil –, levando à extinção da obrigação anterior24,
mas sem alteração das partes do contrato.
Nos casos de conversão voluntária o Estado faz uma proposta de alteração das
condições contratuais, dando aos credores a possibilidade de aceitarem a conversão dos
títulos, de manterem os títulos que detêm ou de optarem pelo reembolso da quantia
mutuada25. Nesta última hipótese estamos perante uma conversão facultativa e caso os
credores venham a optar pelo reembolso a dívida extingue-se por pagamento.
24
As alterações contratuais podem dizer respeito apenas ao juro – caso em que podemos dizer que estamos
perante redução de juro ou perante uma alteração do juro, do prazo ou condições de pagamento.
25
Podemos considerar, do ponto de vista teórico, a possibilidade de existência, logo no contrato inicial, de
menções específicas a alterações deste tipo que apenas podem ser mobilizadas pelo Estado e que não estão
sujeitas a autorização do credor, operações estas condicionadas e que habitualmente se designam por
operações swap ou similares. A inclusão dessas cláusulas a ser permitida, no entanto, levaria a que a
conversão deixasse de poder ser classificada como forçada, uma vez que existiria um acordo prévio para
essa novação. No contexto atual é muito difícil aceitar a existência de conversões forçadas nos casos em
que os estados se financiem no mercado de capitais em condições muito idênticas às que sucedem com os
demais atores económicos.
26
A alteração da rendibilidade do título nem sempre depende da alteração das condições contratuais
podendo resultar de outros eventos, nomeadamente da alteração dos benefícios fiscais de que gozam alguns
instrumentos de dívida pública. Nessas situações não estamos perante novação da dívida uma vez que não
32
A dívida pública | Sumário desenvolvido
A novação objetiva substitui a dívida existente por uma nova dívida sujeita a
condições contratuais diversas da anterior. Em termos genéricos não há, verdadeiramente,
extinção da dívida no sentido em que o seu valor não se viu reduzido, mas aquela dívida
extinguiu-se para dar lugar a uma outra, de igual montante, mas sujeita a condições
contratuais diversas e é precisamente por isso que se fala, a este propósito, em roulement
da dívida.
Nestes casos não só o novo credor se substitui ao antigo, como também o devedor,
neste caso o Estado, se vincula para com este novo credor por uma nova obrigação, nos
mesmos termos aos que haviam sido estabelecidos.
há qualquer alteração das condições contratuais, mas, apenas e só, alteração de fatores que influenciaram a
escolha do credor, mas que são externos ao instrumento de dívida pública subscrito.
27
Artigo 858.º
(Novação subjectiva)
A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-
se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um
novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.
33
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Distintas da novação mista são a assunção de dívida (art.os 595.º e ss. do Código
Civil) e a cessão de créditos (art.os 577.º e ss. do Código Civil).
3.6.4. Confusão
Curiosamente esta ideia que parte da analogia entre a dívida pública e a dívida
privada, apesar de ser aceite como regra quanto se trate de dívida pública externa, é
rejeitada por uma grande parte da literatura económica – nomeadamente por Teixeira
Ribeiro –, nos casos em que se esteja perante dívida pública interna.
Já os efeitos da dívida pública sobre a geração presente não parecem tão óbvios
embora exista um entendimento genérico de que só em circunstancialismos muito
específicos é que a dívida pública pode onerar a geração presente.
34
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Este efeito não pode ser anulado por qualquer outra via, embora possa ser
atenuado.
A discussão em torno da questão do peso da dívida pública interna pode ter por
base a análise da dívida pública como o um conjunto de fluxos ou tendo em consideração
os efeitos económicos que a contração da dívida, o pagamento dos juros e a amortização
podem originar.
35
A dívida pública | Sumário desenvolvido
28
J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições ..., cit, pp. 229.
29
Esta posição referida por Teixeira Ribeiro pode também ser encontrada em alguns textos do séc. XVII, e
foi recentemente retomada por Abba Lerner, que também entende a que a análise da dívida pública não
deve ter em consideração os credores nem os devedores de forma individualizada, mas o seu conjunto.
36
A dívida pública | Sumário desenvolvido
aumentar os recursos do país, pois o que está a suceder é apenas uma alteração (desvio)
da propriedade e utilização daqueles fundos.
Não obstante ter uma aceitação bastante ampla, esta teoria não está isenta de
críticas. David Ricardo e Jean Baptiste-Say30 rejeitam a validade da mesma por
considerarem que o argumento das transferências é falacioso. Idêntica posição é, mais
recentemente, retomada em parte por James Buchanan31 e, entre nós, por Aníbal
Almeida32.
30
Traité d'economie politique ou simple exposition de la manière dont se forment, se distribuent et se
consomment les richesses, livro terceiro, capítulo XI, Paris, 1831, pp. 540
31
JAMES BUCHANAN, Public Principles of Public Debt: a defense and a restatement, Homewood, Richard.
D. Iirwing, Inc., 1958
32
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o programa, os conteúdos e os métodos de ensino teórico e prático da
disciplina de Economia e Finanças Públicas…, Coimbra, edição do autor, policopiado, (1991), ponto
2.2.3.3. Sobre o «peso da dívida pública», pp. 77 a 82, bem como as notas 173 a 182, pp. 98 a 102.
33
“Les Dettes d’un Etat, sont des Dettes de la main droit à la main gauche, dont le corps ne se trouvera
point assoibli, s’il a la quantité d’aliments necessaires, & s’il fait les destribuer.”, JEAN-FRANÇOIS MELON,
Essai Politique sur le Commerce, 1734, cap. XVIII, p. 246,
37
A dívida pública | Sumário desenvolvido
rendimento nos períodos posteriores; para além disso, o estado teria sempre que proceder
ao pagamento dos juros e dos reembolsos. Ora, se o valor arrecadado através dos
empréstimos foi destinado ao consumo, os juros e os reembolsos não podem ser
financiados a não ser através de rendimento proveniente, mais uma vez, dos particulares,
sejam novos empréstimos ou impostos. A contração de dívida provocaria, então um duplo
problema: diminuição do investimento privado que seria financiado por aqueles
rendimentos e diminuição do rendimento privado pela necessidade de arrecadação de
receitas para financiamento quer dos reembolsos, quer dos juros. O financiamento através
de impostos iria onerar pesadamente os que têm que os suportar.
Certamente que nesse país todos os cidadãos pagam impostos para o serviço da
dívida, mas nem todos são credores do estado. Ademais, mesmo aqueles que são credores
do estado não veem o valor dos impostos que pagam ser “compensado” pelo reembolso
38
A dívida pública | Sumário desenvolvido
da quantia que haviam mutuado ou sequer pelos juros que recebem. Isto sucede, desde
logo, porque os montantes de um valor e de outro podem não corresponder: alguns pagam
mais de impostos para o serviço da dívida do que o valor que recebem a título de
amortizações e juros e outros pagam de impostos para o serviço da dívida um valor
inferior àquele que recebem a título de reembolsos e de juros. Aceitar esta compensação
seria advogar uma posição idêntica à defendida por De Viti de Marco quando se refere à
extinção da dívida por democratização.
Por sua vez, Aníbal Almeida avança com uma fundamentação de natureza jurídica
para sustentar uma posição similar à avançada por James Buchanan: a diversa natureza
jurídica de um e de outro pagamento. Enquanto que o imposto é uma receita coativa e
unilateral exigida pelo Estado a todos os que cumpram os pressupostos previstos na lei, o
reembolso e os juros resultam de uma estipulação contratual e, por isso mesmo,
dependeram da vontade das partes no momento da celebração do contrato, sendo uma
contrapartida direta da renúncia alternativa do capital feita no momento da aquisição dos
títulos da dívida pública34. Dada a diversa natureza das duas prestações não é possível
recorrer-se aqui à compensação. O valor suportado a título de impostos é,
verdadeiramente, irremissível. É neste pagamento dos impostos necessários para o
pagamento dos juros e dos reembolsos que reside precisamente o sacrifício. Se estes
pagamentos vão ser efetuados no futuro, então serão as gerações futuras que verão os seus
rendimentos diminuídos por causa do empréstimo. Serão estas quem terão de suportar os
encargos dos empréstimos.
34
ANÍBAL ALMEIDA, Relatório com o programa cit…, pp. 77 e ss. Esta voluntariedade, característica da
génese da dívida pública e que se manifesta no momento da subscrição de títulos representativos de dívida
pública não existe, verdadeiramente, nos empréstimos forçados. Ainda assim, consideramos que esta
situação ‒ excecional e anómala ‒ não impede que tais atos possam ser considerados como dívida pública,
embora devam ser designados como dívida pública em sentido impróprio, uma vez que a sua natureza
jurídica é mais próxima da dos empréstimos do que da dos impostos por desse ato impositivo unilateral
resultar a obrigatoriedade de restituição da quantia mutuada e a obrigação do pagamento de juros
compensatórios pela cessão temporária de liquidez.
39
A dívida pública | Sumário desenvolvido
A teoria tradicional destaca o facto de, nos casos em que se trate de dívida púbica
interna, nem a contração do empréstimo, nem o pagamento de juros ou a amortização do
mesmo terem um qualquer efeito sobre o rendimento nacional, contrariamente ao que
sucede com a dívida pública externa.
Da teoria sustentada por Buchanan e seguida entre nós por Aníbal Almeida,
resulta clara a ideia de que o sacrifício da contração da dívida interna se manifesta na
esfera dos contribuintes. Nesse sentido, a opção que se coloca aos Estados consiste em
financiar a despesa pública com recurso a impostos e, deste modo, onerar a geração
presente ou contrair empréstimos internos e transferir para as gerações futuras o encargo
com o seu pagamento. Serão essas gerações que verão os seus impostos aumentar para
que possam ser arrecadadas receitas destinadas ao cumprimento das obrigações
resultantes dos contratos de mútuo oneroso celebrados anteriormente.
40
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Dito isto, conclui-se que o que importa determinar são as situações em que é de
esperar que a contração de dívida pública provoque a diminuição da provisão privada de
bens de consumo ou, em alternativa, de bens de produção. Tudo dependerá do
comportamento da taxa de juro no mercado.
Sempre que o Estado emite dívida pública concorre com os privados no acesso
aos fundos disponíveis no mercado. Esta atuação leva, em regra, a um aumento da procura
de fundos, sendo de esperar que a taxa de juro suba. Aumentando a taxa de juro, diminuirá
o investimento privado, mas não será afetada a provisão privada de bens de consumo.
Se a emissão de dívida pública ocorrer numa situação em que não existe pleno
emprego o aumento da produção de bens por parte do Estado não tem efeitos sensíveis
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
sobre a produção de bens por parte dos privados a não ser naquelas situações em que a
economia se comece a aproximar do pleno emprego. Contudo, este aumento da procura
de fundos por parte do Estado pode ter efeitos sobre o consumo da geração presente e
sobre o rendimento das gerações futuras.
Mesmo numa situação em que não existe pleno emprego o aumento da procura de
fundos pode provocar uma subida da taxa de juro. Se isso acontecer haverá um
decréscimo do investimento privado, mas o consumo da geração presente não será
afetado. Mantendo-se a taxa de juro inalterada, vai manter-se o investimento privado e a
produção de bens de consumo também não será afetada. Como há fatores de produção
disponíveis a provisão pública pode aumentar sem que isso coloque em causa a provisão
privada e, como a um aumento da procura se pode responder com um aumento da oferta
também não estão reunidas as condições para que exista inflação.
Como se pode antever pelo que acabamos de referir, a emissão de dívida pública
constituirá um ónus para as gerações futuras nos casos em que se provoque uma
diminuição do rendimento e do consumo no futuro. Isto sucederá naqueles casos em que
o investimento privado no presente diminua e esse decréscimo não seja compensado pelo
aumento do investimento público com idêntica produtividade ou com rentabilidade
superior. Como também já tivemos oportunidade de referir, estes efeitos estão
dependentes do comportamento da taxa de juro no mercado.
Nos casos em que a taxa de juro no mercado não sofra qualquer alteração, o
investimento privado também se mantém. O investimento total pode aumentar se as
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A dívida pública | Sumário desenvolvido
A par dos efeitos sobre o rendimento e o consumo das gerações presente e futura
é usual falar-se nos efeitos que uma dívida pública de valor elevado pode ter sobre o
crescimento e, em geral, sobre os mercados.
43
A dívida pública | Sumário desenvolvido
Esta ideia é realçada nos estudos mais recentes, que colocam a sustentabilidade da
dívida soberana dependente de três condições: crescimento do PIB nominal, taxa de juro
implícita na dívida e equilíbrio orçamental primário. Assim sendo, em países que, como
Portugal, apresentam uma taxa de endividamento superior a 120% do PIB – mais do que
o dobro do estabelecido pelas normas de Direito da União Europeia –, a redução do
endividamento tem que começar por se fazer a partir da limitação/diminuição dos défices
orçamentais, apresentando orçamentos equilibrados do ponto de vista primário e,
preferencialmente, superavitários, bem como com a diminuição dos encargos correntes
da dívida pública (vulgo, juros), uma vez que não pode recorrer quer à desvalorização
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Bibliografia complementar:
MANMOHAN KUMAR e JAEJOON WOO, Public Debt and Growth, IMF Working
Papers, pp. 1-47, 2010, disponível em https://ssrn.com/abstract=1653188
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