Sebenta Financas Publicas II Coquim

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Sebenta Finanças Públicas II

Finanças Públicas II (Universidade de Coimbra)

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Finanças Públicas II

Dra. Matilde Lavouras


Com base nas aulas teóricas, nas aulas práticas lecionadas pelo Dr. Felipe e diversos
materiais disponibilizados.

BÁRBARA COQUIM DA COSTA ALMEIDA SERRA

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2021/2022 FPII Bárbara Coquim Serra

Parte I – As receitas públicas

1. A dívida pública – Considerações iniciais


A atividade financeira do estado é moldada pelo princípio da legalidade financeira que revela
uma das dimensões específicas do princípio da legalidade. Às exigências constitucionais
acrescem as exigências legais, nomeadamente as que decorrem da Lei de Enquadramento
Orçamental (LEO) e das demais normas de direito financeiro que desempenham, ao menos neste
domínio, a função de regras especiais ao consagrarem alguns aspetos de regime que se afastam
daquele que é o normativo regra para situações idênticas. Em matéria de endividamento público
essas especificidades são atualmente bastante menores do que aquelas que já existiram noutros
tempos.
O estado é atualmente, na generalidade dos casos, um agente do mercado – mas não apenas mais
um agente do mercado – concorrendo com os demais na busca de fundos para financiar as duas
despesas. Durante muito tempo a dívida pública e a dívida privada distinguiam-se pela sua própria
natureza e pelo regime jurídico diferenciado a que uma e outra estavam sujeitas, distinção esta
que se mantém ainda hoje, mas de forma menos visível, e que se materializa quase exclusivamente
no processo de decisão subjacente ao recurso ao crédito que é marcado pela natureza pública do
potencial devedor.
O recurso ao endividamento para a obtenção de receitas que suportem os gastos com as despesas
naquelas situações em que as demais receitas estatuais são insuficientes surge desde a Idade
Média, questionando-se desde então a legitimidade do recurso a esta forma de financiamento e a
sustentabilidade a médio e longo prazo de um sistema baseado em receitas creditícias.
Mas nós sabemos que a dívida pública não se paga, gere-se.
Dos problemas, poderão surgir vantagens, para além das desvantagens. Surgem-nos, portanto,
vários autores que procuram responder à questão, sendo que se considera atualmente a
possibilidade de existência de endividamento, que pode até vir a ser considerado como produtivo.
Todavia, o problema incide sobre a existência do Efeito de Bola de Neve, isto é, perceber a partir
de que ponto o endividamento se torna incontrolável por parte do Estado.

→ A Escola clássica inglesa


Repudiava esta forma de financiamento sobretudo porque considerava que as receitas creditícias
representavam apenas a substituição de impostos no presente por impostos no futuro. David
Ricardo, criou uma espécie de dilema de Equivalência Ricardiana, mais tarde utilizada por
Barro, para tentar desmistificar os efeitos nefastos da contração de divida. Ricardo explica que os
efeitos negativos que a escola clássica apontava aos impostos, podem ser diluídos no tempo, caso
a dívida pública seja contraída.
o David Ricardo defendeu que a opção por financiar a despesa pública com o recurso
a impostos no momento atual ou através da emissão de dívida é, em termos de efeitos
sobre a procura agregada e sobre a taxa de juro, neutral. Na verdade, estamos perante
um trade-off, uma escolha, entre aumentar os impostos no presente por forma a
conseguir financiar a despesa ou aumentar os impostos no futuro para efetuar o
reembolso dos empréstimos e o pagamento dos juros e demais encargos com a dívida
pública. Esta neutralidade apenas é possível se considerarmos que, no momento
presente, os contribuintes conseguem antecipar o aumento futuro dos impostos e, por
isso mesmo, a poupança privada vai aumentar no mesmo montante do aumento do
deficit orçamental

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Todavia, as reflexões Ricardianas levaram a que a dívida continuasse a ser encarada como uma
receita à qual se poderia recorrer apenas em situações excecionais.
Porquê? Porque a substituição de impostos atuais por impostos no futuro não permite concluir
que o recurso a empréstimos passa a ser uma boa forma de financiar a despesa pública e que os
efeitos nefastos na economia são eliminados. Esta afirmação permite, apenas, sustentar a
conclusão de que os efeitos negativos decorrentes da cobrança de impostos foram temporalmente
adiados. Esta dilação pode permitir que os mesmos sejam cobrados em momento mais adequado.
Ora, com o avanço dos estudos económicos e o aumento da intervenção do estado na economia,
o recurso a crédito para financiar a despesa pública torna-se cada vez mais habitual em
substituição do aumento dos impostos e da emissão de moeda.

→ António de Vitu de Marco


O autor discute maioritariamente as consequências do endividamento, i.e., o que se discute não
são os empréstimos em si mesmos, mas antes as despesas que com essas receitas são financiadas
bem como, mais recentemente, os limites e as consequências do (excessivo) endividamento
público, sobretudo aquele acima de determinado montante de percentagem do PIB.
A análise desta questão não pode ser separada da análise do endividamento do setor privado, uma
vez que isso pode colocar em causa a solvabilidade do Estado-Nação. Apesar das diferenças entre
dívida pública e dívida privada não é possível desligar os efeitos decorrentes do endividamento
das empresas e das famílias do endividamento do setor público. Para os privados as alternativas
ao recurso ao crédito para financiamento da despesa são escassas ou inexistentes e, não raras
vezes condicionadas pelas opções em termos de políticas públicas e dos modelos de
financiamento públicos.

Questões fundamentais a que vamos responder durante a abordagem da matéria:

• Pode a dívida pública ser considerada como uma componente da riqueza financeira de um
país?
• Uma dívida pública elevada onera as gerações futuras?
• Qual o limite máximo da dívida pública? (se é que há limite)
• Em que circunstâncias é mais provável a escalada de uma crise de confiança do estado?
(num estado com endividamento elevado ou no início de uma crise financeira)
É possível perceber que até uma dívida pública elevada é gerível, ou seja, pode haver um país com
um crescimento económico sustentado e uma dúvida pública elevada (é necessário que tenha
algumas características). O maior problema que vamos enfrentar é o de saber se o endividamento
atual representa ou não um encargo para as gerações futuras.

Porque é que se recorre à dívida pública?


a. Função de estabilização que consiste na modificação temporal dos níveis de atividade
económica. Ou seja, a estabilização pode ser observada de duas formas:
i. Por um lado, se estivermos perante uma situação em que há níveis de inflação
altos porque há níveis de consumo e de investimentos também elevados, vamos
ter o Estado a “secar liquidez”, a retirar o dinheiro do mercado.
ii. Por outro lado, se o mercado tiver pouco dinheiro e o Estado tiver dinheiro, vai
injetar dinheiro no mercado;

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b. Função de equidade intergeracional, i.e., a (re)distribuição dos encargos com a


Despesa Pública entre as várias gerações. Ou seja, temos situações como a construção de
uma ponte ou o investimento em educação que vão beneficiar várias gerações. Assim, o
que acontece é que as várias gerações vão pagando, através de impostos, para que possam
ser pagos os juros dos empréstimos feitos para a construção da ponte e para que possa ser
feito o reembolso do capital em dívida;

c. Função de distribuição da alíquota fiscal (também designada “tax smoothing”), que


remete para o facto de quem normalmente tem de contribuir com mais impostos para o
pagamento da dívida são as pessoas com mais rendimentos (ou seja, conseguimos
aligeirar a quota fiscal). Por outro lado, isto também permite que em momentos em que
é necessário realizar investimento e financiar esse investimento, não exista um enorme
aumento da carga fiscal, isto é, permite que o nível de fiscalidade se mantenha um pouco
mais regular/suave, o que também permite o planeamento fiscal (planeamento fiscal aqui
no sentido do planeamento da minha atividade pessoal enquanto pessoa física e atividade
empresarial das pessoas jurídicas, que podem planear a sua forma de atuação e os seus
investimentos);

d. Função de eliminação das falhas de mercado que decorrem do facto de o mercado


financeiro ser um mercado completo;

e. Controlo da inflação.

1.1. Noção de dívida pública: a noção tradicional e a noção alargada relevante para o
direito da União Europeia
As receitas creditícias são uma das categorias de receitas estaduais, constituindo em alguns casos
uma importante fonte de financiamento.
Apesar de poder assumir diversas configurações, pode definir-se a dívida pública como um
conjunto de operações de natureza contratual praticadas pelo estado para obtenção de receitas
para o financiamento da despesa pública. Ou seja, o estado recebe uma determinada quantia que
se compromete a reembolsar num momento futuro, acrescida eventualmente de juros ou de uma
outra forma de retribuição.
Este contrato, de acordo com o Código Civil, é considerado um contrato de mútuo oneroso
(designação jurídica de empréstimo) - art. 1142º e 1145º CC.

Artigo 1142.º - (Noção)

Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a
segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

Artigo 1145.º - (Gratuidade ou onerosidade do mútuo)

1. As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso
em caso de dúvida.

2. Ainda que o mútuo não verse sobre dinheiro, observar-se-á, relativamente a juros, o disposto no artigo
559.º e, havendo mora do mutuário, o disposto no artigo 806.º.

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! Nota a reter: Não são consideradas situações de dívida pública aquelas em que existe um atraso no
pagamento do fornecimento de bens e serviços, por ser considerado como dívida administrativa ou dívida
corrente e estão atualmente regulados na Lei dos compromissos e pagamentos em atraso das entidades
públicas – Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro.

A dívida pública engloba então as situações em que o Estado é o sujeito principal (dívida pública
direta) mas também aquelas situações em que o devedor é uma outra pessoa coletiva de direito
público diferente do Estado, como por exemplo, as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais e
as outras entidades que pertençam ao Setor 13 das Administrações Públicas.
O que interessa verdadeiramente é saber como é que é financiada essa atividade, de forma a
sabermos se estamos perante uma entidade que pertence ao Setor 13.
Para determinarmos a noção de dívida pública presente nas normas de direito da União Europeia
– habitualmente designada por dívida de Maastricht – temos de mobilizar o art.º 126.º do TFUE,
os Protocolos nº 12 e 13 anexos ao Tratado e o Regulamento (CE) 479/2009, de 25 de maio,
relativos à aplicação do protocolo sobre o procedimento relativo aos défices excessivos - esta
diferenciação parte desde logo da delimitação do designado sector Administrações Públicas que
tem em consideração todas as entidades englobadas no sector S13, ou seja, não são tomados em
consideração os valores em que o devedor não se enquadra no S13.
A dívida de Maastricht corresponde, então, ao valor facial do stock de dívida (bruta) apurada a
31 de dezembro no Setor Administrações Públicas (S13), representando o valor que terá que ser
reembolsado aos credores no momento da amortização do empréstimo.
As diferenças entre o conceito utilizado no direito interno e no direito da União Europeia são
visíveis em vários aspetos:

• A dívida de Maastricht é uma dívida consolidada bruta.


o Não toma em consideração os instrumentos financeiros, as ações e outras
participações em capital social, os derivados financeiros e as dívidas comerciais.
Excluem-se, ainda, as responsabilidades cujos ativos ou passivos financeiros
sejam detidos pela própria administração pública.
o São relevantes os valores dos empréstimos em que o credor é uma outra entidade
pertencente ao Setor Público.

• Inclui apenas a dívida pela qual é responsável o subsetor administração central deixando
de fora o envidamento dos demais subsetores públicos, nomeadamente da administração
regional e local.

• Ainda, trata-se do sector nominal oficial, ou seja, o valor que tem de ser reembolsado ao
credor no momento da amortização de empréstimo, estando incluídos os instrumentos de
numerário (notas e moedas) e depósito, mas também títulos de divida e outro tipo de
empréstimos. Excluem-se derivados financeiros e outros débitos referidos no n5 do art.
Nº1 do Regulamento 479/2009.

• O tratamento dado à capitalização dos juros dos certificados de aforro:

o No direito interno o valor da dívida inclui o valor dos juros acumulados e não
resgatados pelos titulares dos certificados de aforro,
o O cálculo do valor da dívida relevante para efeitos do Tratado de Maastricht
apenas deve ser considerado o valor nominal da mesma, desconsiderando o
impacto dos juros capitalizados.

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Exemplo: Nas situações em que o financiamento do próprio Estado é assegurado por outros
subsetores, nomeadamente no fundo de estabilização financeira da segurança social em que há
emissão de dívida pública para financiar o próprio fundo (ou seja, o fundo com as receitas próprias
que tem das contribuições dos trabalhadores, adquire títulos da dívida pública que coloca a render,
usando esse rendimento para o financiamento das suas restantes operações). Esta dívida não conta
porque é o Estado que deve a si mesmo e se ele quiser anular essa dívida pode fazê-lo por decreto.
Está excluída a capitalização dos certificados de aforro.

Em suma,

A dívida de Maastricht está prevista no artigo 126º do TFUE e tem em consideração todo o setor administrações públicas
(tudo o que seja Estado, setor empresarial ou não desde que seja incluído no setor das empresas não lucrativas e que tenham
de ser financiadas maioritariamente pelas receitas do orçamento do Estado). É uma dívida consolidada, ou seja, exclui as
operações em que o credor é outra entidade do setor administrações públicas, ou seja, o Estado faz empréstimos a si próprio
que não são considerados.

Na Dívida direta do Estado está apenas em causa o subsetor Estado, que corresponde apenas aos serviços de administração
direta do Estado (por isso é que é normal que a dívida direta do Estado seja inferior à dívida de Maastricht). Não há
consolidação, ou seja, corresponde à dívida em que o subsetor Estado é devedor efetivo independentemente de quem é a
entidade credora. Está incluída a capitalização dos certificados de aforro

1.2. Os motivos de recurso ao crédito


O recurso ao crédito para financiamento das despesas públicas pode ter várias justificações:
1. Cobertura dos défices de tesouraria,
2. Cobertura dos défices orçamentais
3. Razões de política económica (política monetária) - esterilização do poder de compra.
4. Outros motivos
Esta multiplicidade de motivos condiciona a escolha do tipo de instrumento a utilizar, o momento em
que a mesma vai ser emitida e destino que vai ser dado a essas receitas
1.2.1. Cobertura dos défices de tesouraria
Estamos perante situações em que, não obstante terem sido previstas no orçamento receitas suficientes
para cobrir as despesas previstas no mesmo orçamento, há uma falta temporária de receitas para fazer
face às despesas que é necessário pagar nesse mesmo momento.
Trata-se de uma carência transitória de liquidez, originada pela falta de coincidência temporal entre
o momento da arrecadação das receitas e o momento da exigibilidade de pagamento das despesas. É,
por conseguinte, uma dívida passageira que será saldada dentro do mesmo ano financeiro em que foi
contraída. Verdadeiramente estamos perante empréstimos que se destinam a antecipar, dentro do
mesmo período financeiro, o volume de receitas necessário ao pagamento das despesas estaduais,
incluindo o reembolso dos empréstimos contraídos com a finalidade e acudir aos défices de tesouraria.
Por esse facto, sempre que se trate de dívida pública destinada à cobertura de défices de tesouraria, o
seu período de duração é variável, podendo ir de uns dias a vários meses, sendo sempre inferior a um
ano. No final do período financeiro – 31 de dezembro – toda a dívida contraída para fazer face aos
défices de tesouraria estará saldada.

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1.2.2. Cobertura dos défices orçamentais


O recurso ao endividamento pode também ser motivado pela existência de um défice orçamental, ou
seja, pela insuficiência de receitas públicas não creditícias para efetuar o pagamento das despesas
previstas no orçamento geral do estado.
Em alguns casos, esta insuficiência está logo reconhecida no orçamento e, nos mesmo nos casos em
que tal não suceda, há uma previsão do limite máximo de endividamento. Como se trata de um valor
que, em regra, foi previsto aquando da elaboração e aprovação do orçamento do estado, esta dívida
não será saldada dentro do mesmo período financeiro em que foi contraída, subsistindo para além
deste.
Estaremos perante dívida pública destinada à cobertura de défices orçamentais sempre que o prazo
de emissão seja superior a um ano ou, sendo inferior, o pagamento deva ser efetuado num período
financeiro diferente daquele em que foi contraído.
São disso exemplo os empréstimos contraídos por um período superior a um ano em que o momento
da contração do empréstimo e o momento do reembolso são em períodos financeiros diversos, mas
também o serão os empréstimos de curta duração cuja amortização tenha lugar num período
financeiro diverso daquele em que foram contraídos.

1.2.3. Razões de política económica, nomeadamente esterilização do poder de compra


Aqui a dívida publica aparece como um instrumento de política monetária e política financeira,
permitindo aos Estados absorver liquidez do mercado e impedindo que este montante seja usado.
Nestes casos, estando perante uma crise inflacionista, a forma que o Estado tem para combater será
contraindo empréstimos. Fazendo isto, o estado contribui para a redução do poder de compra, desde
que não utilize essas receitas, isto é, apesar de ter receitas disponíveis o estado tem que as manter
em saldos líquidos, não as pode utilizar. Desde modo absorve liquidez do mercado, contribuindo
para a diminuição da quantidade de moeda em circulação, diminuindo por sua vez as trocas e, deste
modo, para a controlo da inflação.
1.2.4. Outros motivos
A emissão de dívida pública pode ainda ser fundamentada por outros motivos de ordem económica,
sendo habitual a sua utilização como mecanismo de políticas financeiras, ou como alternativa às
tradicionais medidas de política monetária. Esses efeitos podem ser visíveis quer no momento em
que o empréstimo é contraído (momento da emissão da dívida) mas também no momento em que
o empréstimo deve ser reembolsado (momento da amortização). O estado cria as suas próprias
políticas financeiras e económicas – como market maker mas não como market taker. Não aceita
as condições que o mercado dá, mas cria a as condições do próprio mercado. Nalgumas situações o
Estado impõe os preços e até impõe a taxa de juro.

2. Espécies de Dívida

2.1. Dívida fundada e dívida flutuante


A distinção entre dívida pública fundada e flutuante tem em consideração a duração e a finalidade
do empréstimo. Esta distinção está nas als. a) e b) do art.º 3.º da Lei n.º 7/98 de 3 de fevereiro.

• Dívida flutuante - é a divida que é contraída e amortizada no mesmo período financeiro.


o recurso a financiamento da despesa pública através de instrumentos de dívida pública

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flutuante tem como finalidade a cobertura de défices de tesouraria. Do ponto de vista


jurídico, esta dívida vê apenas o seu montante máximo fixado na lei o orçamento
(aprovada pela AR), podendo o Governo, ao abrigo dos seus poderes de execução e de
gestão, gerir da forma que entender adequada a emissão deste tipo de dívida.
• Divida Fundada – É emitida num ano financeiro diferente daquele em que é amortizada
e tem como finalidade a cobertura de défices orçamentais. Permite apurar a designada
dívida de Maastricht e por isso é relevante para efeitos de determinação do cumprimento
ou do desvio face às exigências colocadas pelo artigo 126.º do TFUE no que diz respeito
ao critério de Finanças Públicas. Também o seu limite é fixado na lei do Orçamento para
cada ano. Além disso, do ponto de vista jurídico, esta dívida tem a sua emissão
condicionada à autorização por parte da AR. O acréscimo de endividamento fundado em
cada ano está limitado pelo valor fixado para o aumento do endividamento líquido em
cada ano na Lei do Orçamento nos termos do art.º 4.º da Lei n.º 7/98, de 3 de fevereiro.

! Nota a reter: Para o ano de 2021 o limite previsto pela Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro para o
aumento do endividamento líquido global foi de 19 900 000 000 € - cfr. art.º 177.º - e o limite para o
montante acumulado de emissões vivas (ativas) de dívida pública flutuante de 25 000 000 000 € - cfr. art.º
181.º.

Até à aprovação do diploma legal referido, em Portugal era considerada dívida pública flutuante a que fosse
emitida por um período inferior a 12 meses e fundada a que fosse emitida por um período superior. Esse
regime permitia que a dívida flutuante pudesse ser utilizada para a cobertura de défices de tesouraria, mas
também de défices orçamentais, contrariando a sua vocação que é precisamente a de se destinar a cobrir
défices de tesouraria

2.2. Dívida interna e dívida externa


A distinção entre dívida pública interna e externa é muito importante para que possamos
responder às questões colocadas inicialmente e, sobretudo, para determinar os efeitos económicos
que decorrem da emissão de dívida pública, bem como os limites ao endividamento decorrentes
de considerações económicas.
Critérios de distinção:

• Critério da praça financeira;


• Critério da moeda;
• Critério da residência dos credores,
• Critério do movimento internacional de capitais

Critério da praça financeira


Serão considerados empréstimos internos aqueles que, no momento da emissão, sejam colocados
à subscrição (emitidos) numa praça financeira com sede em território nacional e serão
considerados externos os empréstimos colocados à negociação numa praça financeira estrangeira.
Não está aqui em causa a nacionalidade da moeda ou dos credores, mas apenas o local da emissão
da dívida pública. Assim, instrumentos de dívida pública emitidos na Bolsa de Lisboa seriam
considerados instrumentos de dívida pública interna enquanto se forem emitidos numa outra praça
financeira, por exemplo, na Bolsa de Paris, Bolsa de Londres ou na Bolsa de Nova York, serão
contabilizados como dívida pública externa

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! Nota a reter: Não obstante termos assistido a uma aglutinação, para efeitos de gestão, das Bolsas
de Paris, Lisboa, Amesterdão e Bruxelas para formarem a Euronext NV isso não distorce o critério
mencionado, embora demande uma análise mais atenta

Critério da moeda
Neste caso o que distingue os empréstimos internos dos empréstimos externos é o facto de os
primeiros serem emitidos em moeda com curso legal no país emitente e os segundos serem numa
moeda que não tenha curso legal no país emitente. O artigo 3.º da Lei n.º 7/98, de 3 de fevereiro
utiliza este critério para distinguir entre dívida pública em moeda nacional e dívida pública em
moeda estrangeira. Deste modo, sempre que Portugal emite dívida pública denominada em euro
estaremos perante dívida pública interna (também designada por dívida pública denominada em
moeda nacional) e quando emite dívida pública em dólares ou libra esterlina estaremos perante
instrumentos de dívida pública externa (ou dívida pública em moeda estrangeira).

Critério da residência dos credores


De acordo com este critério serão empréstimos internos os que sejam destinados a credores
residentes em território nacional e por estes subscritos; os empréstimos externos correspondem
àqueles que são subscritos por residentes no estrangeiro. Na prática o que distingue os dois tipos
de empréstimos é o facto de os subscritores de títulos da dívida pública poderem ser considerados
como fazendo parte de um dos setores da economia do país emitente.

• Falamos em residência e não em nacionalidade porque este último vínculo tem vindo a
perder importância como vínculo autónomo na determinação do vínculo jurídico a um
determinado território geográfico e estadual. O que importa, para estes efeitos, é saber
quais os credores do estado que estão sujeitos a todas as dimensões da atuação estadual,
ius imperii daquele Estado, podendo tratar-se ou não de cidadãos nacionais desse país. A
nacionalidade, por si só, não garante em todos os domínios jurídicos e não o garante
claramente nas situações que estamos a analisar, a sujeição às prerrogativas de um
determinado Estado.
o Um sujeito de nacionalidade portuguesa que vive na Alemanha, o poder do
Estado Português sobre ele é nulo. Pelo contrário, alguém que tenha uma
nacionalidade estrangeira, mas que tenha um vínculo de residência em Portugal
já está sujeita ao Estado Português nomeadamente no domínio financeiro.

Critério do movimento internacional de capitais


Os empréstimos internos serão aqueles que não dão origem a movimentos internacionais de
capitais, enquanto os empréstimos externos são aqueles que dão origem a movimentos
internacionais de capitais. Trata-se de um critério que, em certa medida, se aproxima do critério
da residência dos credores, uma vez que, tendencialmente, se os empréstimos forem subscritos
por residentes não existirão movimentos internacionais de capitais.

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Porque é que nenhum dos critérios supra serve?


Podemos ter instrumentos da dívida colocados à subscrição na Bolsa de Lisboa, em euro, e que vão
se subscritos por pessoas ou entidades residentes em vários países; podemos ter títulos denominados
em dólares, transacionados na Bolsa de Nova York que serão subscritos por portugueses que
mobilizaram capital resultante de um investimento em dívida espanhola e depositado junto de uma
entidade financeira brasileira.

Então, que critério adotar? Os critérios que acabamos de analisar são muito fluídos e, em regra, a
sua aplicação em simultâneo não conduz a um resultado satisfatório.
Dada a multiplicidade e diversidade de critérios e das dificuldades decorrentes da aplicação isolada
de cada um deles, entendemos que o mais adequado é combinar vários critérios, tendo por base o
critério da residência dos credores complementado, se necessário, pelo critério do movimento
internacional de capitais e pelo critério da moeda.
Sendo a dívida subscrita por entidades residentes, denominada em moeda com curso legal no país
e não existindo movimento internacional de capitais estão reunidas as condições possíveis para que
possamos considerar que estamos perante uma situação em que o estado pode exercer as
prerrogativas de ius imperii para influenciar as decisões dos seus credores e, mais importante do
que isso, para que possamos dizer que se verificam todos os efeitos que decorrem de endividamento
interno. Embora tenhamos que ter em consideração que, no caso de uma moeda que goza de curso
legal em vários países e em que cada um deles, isoladamente, não se pode controlar a sua emissão,
não devemos concluir que este critério deve ser completamente afastado ou que é indiferente a
moeda em que a receita é arrecadada e a moeda em que têm que ser efetuados os pagamentos dos
juros e outras compensações, bem como os reembolsos.

2.3. Dívida Perpétua e Dívida Temporária


Os empréstimos também podem ser agrupados de acordo com a sua duração, distinguindo-se, em
primeiro lugar, empréstimos perpétuos e empréstimos temporários.
Empréstimos perpétuos – são aqueles que o estado contrai e em que se obriga a pagar uma
determinada quantia anualmente, mas não a proceder ao seu reembolso, isto é, não assume a
obrigação de devolução do capital mutuado. O que o Estado se obriga a pagar é, então, uma
quantia periódica de juros.

• Empréstimos perpétuos remíveis - o estado reserva a faculdade, em momento posterior,


de decidir se realiza ou não o reembolso.
• Empréstimos perpétuos irremíveis - desde início fica estabelecido que o valor mutuado
não será reembolsado. É uma espécie de renda perpétua, em que o credor vai recebendo
uma determinada quantia monetária para sempre.

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Qual é a vantagem deste tipo de empréstimos?


Afiguram-se como bastante vantajosos para o devedor, nomeadamente na figura dos empréstimos
perpétuos remíveis, em que pode decidir se e quando procede ao reembolso. Para os subscritores
destes empréstimos a vantagem traduz-se, em regra, numa rendibilidade mais elevada e na
possibilidade de os mesmos serem transacionado no mercado financeiro. O credor pode, se assim
o entender, negociar o título em mercado secundário, liquidando o seu crédito. A escolha do
momento adequado para essa alienação pode permitir a obtenção de um rendimento extra, dada a
existência de uma taxa de juro em regra superior à taxa de juro do mercado no momento da
emissão.

Empréstimos temporários - o estado obriga-se a amortizar, num determinado momento (certo


ou incerto) a dívida existente.

• Empréstimos reembolsáveis à vista – o estado se obriga a amortizar se e quando o


credor o solicitar. Este apresenta o título da dívida e pede para ser reembolsado.
Esta possibilidade introduz muita incerteza na gestão da dívida pública uma vez que o devedor
não sabe, ao certo, se e quando terá que reembolsar aquele montante. Daí ser habitual
estabelecer-se um período inicial durante o qual o empréstimo não é reembolsável, bem como
condições remuneratórias que incentivem à manutenção do empréstimo até à data-limite para
o reembolso
Exemplo: certificados de aforro em que ainda assim gozam de um período inicial em que não
podem pedir reembolso.

• Reembolsáveis por sorteio – o estado determina, em cada ano, o volume de dívida que
vai amortizar e datas para sorteio e qual ou quais os títulos que serão amortizados.

• Reembolsáveis em data fixa – O Estado estabelece uma data é que vai reembolsar aquele
empréstimo. São aqueles que garantem, quer para o credor quer para o devedor, um maior
grau de certeza no que à data de amortização. Podem, contudo, originar problemas de
tesouraria uma vez que a devolução da quantia mutuada é feita toda na mesma data, o que
obriga a que muitas vezes se recorra a outros meios de crédito a condições mais onerosas.

• Rendas vitalícias – O Estado compromete-se a pagar em cada período de vigência do


empréstimo um determinado montante de juros e uma outra quantia que corresponde a
uma espécie de amortização da divida pública enquanto o credor for vivo. O montante
anual a pagar/receber é calculado tendo por referência a idade do credor e a esperança
média de vida. Assim sendo, o estado ganha nos casos em que o credor morre antes de
atingir a idade da esperança média de vida, mas perde quanto este a ultrapassar.

2.4. Empréstimos negociáveis e empréstimos não negociáveis


Podemos ainda registar a existência de títulos da dívida pública que são negociáveis e outros que
não são negociáveis.

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Empréstimos negociáveis - o credor goza da faculdade de transacionar os títulos no mercado


financeiro, através de negócios inter vivos. Esta transmissão vai ocorrer no mercado secundário.
Empréstimos não negociáveis – os títulos não são transacionados no mercado, mas sim mortis
causa. Exemplo: certificados de aforro.

2.5. Empréstimos forçados e empréstimos voluntários

Empréstimos forçados – O Estado cria a obrigatoriedade de subscrição de divida pública,


traduzindo-se num facto positivo unilateral.
! Nota a reter: Em Portugal se assistiu a uma emissão de empréstimos forçados em 1983 e que
correspondeu à atribuição de títulos da dívida pública no mesmo valor do subsídio de Natal.
Por existir uma obrigação de subscrição há quem compare este tipo de empréstimos a impostos.
Trata-se de uma equiparação que, ao menos do ponto de vista jurídico, é desprovida de sentido,
uma vez que os empréstimos forçados dão origem a um contrato cujo cumprimento permite ao
credor obter reembolso do valor mutuado – juros.
Trata-se de uma situação de último recurso e que é utilizada quando o estado pretende obter
financiamento em condições mais favoráveis do que as de mercado ou naquelas situações em que,
apesar de oferecer condições mais favoráveis do que as condições de mercado, mesmo assim, não
encontra compradores para a dívida.

Empréstimos voluntários - O Estado, apesar de não obrigar à subscrição de dívida pública, apela
ao sentimento patriótico dos credores.
Estão em causa situações em que o estado pretende oferecer aos seus credores condições menos
vantajosas do que as praticadas no mercado para instrumentos financeiros com características
equiparáveis. Ainda assim, estamos perante situações em que os credores aceitam de forma livre
as condições que lhes são oferecidas, como acontece nos casos de grave crise económica ou de
guerra em que as taxas de juro do mercado sobem.

2.6. Quanto ao tipo de emissão de dívida pública

• Operações sindicadas – este tipo de operações permite ao estado escolher as instituições


financeiras que vão ser aliadas do emitente na colocação dos títulos da dívida no mercado
com base na negociação direta com os Operadores Especializados de Valores do Tesouro
(OEVT). Assim, garante que os títulos são colocados no mercado a preço de mercado e que
o cumprimento das ordens de compra é feito em função do perfil do investidor e a
diversificação de investidores.

Quem é que podem ser estas OEVT? As instituições bancárias, por exemplo, que têm de se
registar junto do tesouro português, cumprir determinados requisitos para que depois possam
beneficiar desta negociação entre os OEVT e o Estado

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• Leilão – Implica que sejam colocados no mercado os valores de divida para serem subscritos,
obtendo o preço mais competitivo para um conjunto de títulos a colocar no mercado. Os
particulares têm de estar representados por uma entidade financeira.
o Fase não competitiva – em que os candidatos que são admitidos a leilão, em regra
instituições, apresentam as suas propostas. Se forem validadas passam à 2ª fase.
o Fase competitiva – se houver mais propostas que valores a emitir a proposta é
adjudicada a pagar mais, a quem oferecer as melhores condições de subscrição.
Genericamente, se o comprador do título aceitar receber uma taxa de rentabilidade
mais baixa.

• Subscrição limitada (tapping) – em que apenas são admitidos a subscrever os títulos


determinado tipo de entidades. Exemplo: Fundo de estabilização financeira da Segurança
Social.

3. A emissão de títulos da dívida pública


Os títulos da dívida incorporam dois direitos em si:

→ o direito a receber juros (direito ao pagamento de uma retribuição


→ o direito ao reembolso, se for dívida temporária
Contudo, se forem títulos negociáveis, têm também a caraterística de permitirem ao seu
proprietário a sua transação em bolsa, ou seja, no mercado.
O valor dos títulos pode oscilar ao longo do tempo, e por isso é importante determinar, em cada
um dos momentos da vida do mesmo, o seu valor. Este pode ser constante ou variável e, quando
oscile, essa alteração pode ser maior ou menor. O valor dos títulos é importante quer para o
credor quer para o devedor sendo um fator decisivo nas opções a considerar pelo investidor e pelo
Estado em cada momento.

3.1. Valor nominal, preço de emissão e cotação dos títulos

• Valor nominal – tradicionalmente é definido como o valor facial que se encontra inscrito
no título, ou seja, corresponde ao valor que o estado tem de devolver ao credor no fim do
empréstimo. No entanto, atualmente o valor nominal corresponde ao valor facial
registado continuamente, com base no qual são calculados os juros e os demais encargos,
correspondentes aos valores a reembolsar pelo estado, no final do empréstimo (pode não
ser igual ao valor de emissão);

O valor nominal corresponde, então, ao valor facial – inscrito no título ou registado


contabilisticamente – e com base no qual são calculados os encargos a suportar pelo devedor
ao longo da vida do empréstimo e determinado o valor do reembolso (juros, p.e.).

• Preço de emissão – representa a quantia que o credor emprestou ao estado, no momento


da subscrição dos títulos e corresponde, efetivamente, ao valor recebido pelo estado no
momento da emissão do empréstimo.

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É fixado no mercado, e depende de:


o oferta e da procura
o taxa de juro que é oferecida ou apresentada pela divida que o Estado emite
o Risco de solvabilidade/não pagamento do Estado. Quando maior for este
risco, menos predisposição há para emprestar dinheiro ao Estado e ao
emprestar aumenta-se a taxa de juro pelo risco.

• Cotação – corresponde ao valor do título que se fixa nos mercados financeiros, e o valor
que os agentes do mercado estão dispostos a pagar pelas características desse título.

3.2. Taxa de juro nominal e taxa de juro real


O juro é, de forma generalista, o preço do dinheiro. O dinheiro é um ativo que se figura pela
liquidez por excelência. O juro é a contraprestação dada por quem contrai um empréstimo a favor
do credor. A taxa de juro tenderá a ser mais elevada quanto mais duradouro for o empréstimo
porque nesses casos a liquidez do emprego do dinheiro será diminuída – quanto mais tempo
empresto o dinheiro por mais tempo não tenho liquidez. Para além disso, os empréstimos mais
duradouros têm associados mais riscos. Um empréstimo de longo prazo, não se vislumbrando
liquidez cedo, só poderá transacionar o título da divida, mas isto nem sempre permite a
recuperação do capital emprestado, porque as condições do mercado podem ter sido alteradas, a
ameaça da inflação, desvalorização da moeda.

• Taxa de juro nominal – também designada por taxa do empréstimo – se for multiplicada
pelo valor nominal do título obtemos o juro (a remuneração a obter pela cedência do capital);

• Taxa de juro real – também designada por yeld ou taxa de rendibilidade do título. Esta
incorpora, para além do juro, outros valores que constituem um fator de remuneração dos
títulos, como prémios de reembolso, prémios de permanência, isenção de impostos e outros
e pode ser determinada a partir de uma operação aritmética simples, que consiste na divisão
do rendimento global do título pelo seu valor nominal. É a que mais importa, pois é a que
permite, de facto, saber as vantagens patrimoniais que o credor irá receber pela aquisição de
títulos da dívida.

A divida pública implica não só o pagamento do reembolso como o pagamento do rendimento


(dos títulos). Além de estabelecer um valor nominal, estabelece o juro a que o empréstimo foi
emitido, e por referência a isto é determinado o rendimento a ser recebido.

• Taxa de juro fixa – definida no momento da emissão da divida


• Taxa de juro variável – está em função de um outro elemento, como por exemplo a inflação
- indexação do juro.

3.3. Emissão ao par, emissão abaixo do par e emissão acima do par

• Emissões ao par – quando o valor da emissão é igual ao valor nominal. O Estado recebe
o mesmo valor que se compromete a reembolsar;

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• Acima do par- o estado assume a obrigação de reembolsar em montante inferior ao que


recebeu. Acontece quando o contexto geral do mercado permite. Taxa de juro, valor que
se compromete a reembolsar, a solvabilidade que garante.
• Abaixo do par – o preço da emissão é inferior ao nominal. O Estado reembolsa ao seu
prestamista uma quantia superior àquela que foi emprestada. É naturalmente a situação
que os credores privilegiam. Esta diferença entre o valor do reembolso e o valor
emprestado chama-se prémio de reembolso.

3.4. A “lei da cotação dos fundos públicos”


É evidente a influência que as características dos títulos têm na escolha do instrumento mais
adequado às finalidades do recurso ao crédito, na escolha do momento de emissão de dívida e no
impacto que essas opções podem ter ao nível dos encargos globais desse financiamento.
Para os credores, o que está em causa é, maioritariamente, a escolha de instrumentos financeiros
que permitam uma maior rendibilidade se comparados com instrumentos financeiros que
representem idêntico risco.

Recapitulando o que já vimos anteriormente:


A cotação dos títulos – que representa o valor pelo qual são transacionados nos mercados financeiros –
depende de vários fatores nomeadamente:
o da procura e oferta global de capitais,
o da confiança dos investidores na entidade emitente,
o da taxa de juro corrente no mercado.
O juro representa a compensação que é dada ao credor pela cedência de liquidez e corresponde ao valor que
haverá de ser pago – periodicamente ou não – ao credor. Pode ser:
o fixo – sendo estabelecido no momento da emissão
o variável – indexado a um outro valor como seja por exemplo a taxa de inflação ou, como sucede
usualmente, a uma outra taxa de juro do mercado financeiro. Neste último caso, o juro destes
empréstimos vai acompanhando a evolução da taxa de juro nos mercados e a sua cotação não está,
tendencialmente, sujeita às mesmas variações que a cotação dos títulos de taxa de juro fixa.
Quanto ao momento do pagamento do juro:
o o juro pode ser pago periodicamente no momento do vencimento;
o pode ser pago apenas no momento do reembolso do empréstimo.
▪ na sua totalidade no momento do reembolso;
▪ passar a incorporar, em cada momento do vencimento, o capital emprestado ao estado,
passando a render juro nos períodos subsequentes. É aquilo que se denomina por
capitalização do juro e que dá origem a um fenómeno designado por juros compostos.

Feitos estes reparos podemos agora dedicar-nos à análise do comportamento da cotação dos títulos
da dívida pública.
Segundo a denominada Lei da Cotação dos Fundos Públicos, “a cotação dos títulos tende para
a capitalização do seu rendimento à taxa de juro corrente no mercado”, ou seja, o valor da cotação

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resultará da divisão do rendimento do título que, recorde-se, é fixo (r), pela taxa de juro corrente
de mercado na data da mensuração.
Esta lei permite-nos determinar a tendência para a cotação de um título da divida publica e em
alguns títulos de empréstimo, conseguimos verificar com exatidão o valor da cotação de um
determinado título num determinado momento. A cotação dos títulos tende para a cotação do seu
desenvolvimento para o mercado.

𝑟𝑒𝑛𝑑𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑡í𝑡𝑢𝑙𝑜
Então, 𝑐𝑜𝑡𝑎çã𝑜 =
𝑡𝑎𝑥𝑎 𝑑𝑒 𝑗𝑢𝑟𝑜 𝑛𝑜 𝑚𝑒𝑟𝑐𝑎𝑑𝑜

Sendo o rendimento do título um valor fixo quer porque a taxa do empréstimo é fixa e constante
quer porque o título tem um rendimento pré-definido, também fixo e constante, – pode concluir-
se que a cotação do título varia no sentido inverso ao da taxa de juro corrente no mercado no
momento da mensuração e vice-versa.

Nos empréstimos perpétuos irremíveis


Nos casos em que estejam em causa títulos de empréstimos perpétuos irremíveis, não existe
qualquer limitação à aplicação plena da Lei de Cotação dos Fundos Públicos. Como estamos
perante títulos que não podem ser reembolsados os únicos fatores a considerar para a
determinação da cotação do título são o valor nominal, a taxa de rendibilidade do título e da taxa
de juro corrente no mercado no momento para o qual se pretende determinar a cotação.

Exemplo:
No dia 15 de novembro de 1937 foram emitidos contratos de rendas vitalícias, com o valor nominal de 1€
e uma taxa de juro fixa de 4%. No dia 15 de março de 2020 a taxa de juro encontra-se fixada nos 8%. No
entanto, em 2030 prevê-se que a taxa de juro seja 2%.
Posto isto, se em 2020 fossemos vender ao mercado o título, com a taxa de juro a 8%, o título desvalorizaria
para 0.5€, a cotação desceu para metade, visto que a taxa de juro aumentou para o dobro. Em 2030, como
a taxa de juro diminuiu para metade, relativamente a 1937, o preço do título subiria para o dobro, neste
caso 2€.

Nos empréstimos perpétuos remíveis


No caso dos empréstimos perpétuos remíveis, continuam válidas as considerações feitas para os
empréstimos perpétuos irremíveis quando a taxa de juro no mercado sobe, mas o mesmo já não
acontece quando a taxa de juro no mercado desce.
Convém ter presente que o Estado goza, se assim o entender, da faculdade de proceder ao
reembolso dos títulos. Pode, por isso, aproveitar as condições favoráveis do mercado para fazer o
roulement da dívida, contraindo um novo empréstimo a uma taxa de juro mais baixa. Deste modo,
limita-se a substituir o empréstimo antigo com uma taxa de juro superior por outro com uma taxa
de juro mais baixa, diminuindo os encargos com a dívida.

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Os credores do estado correm o risco de perder caso a taxa de juro no mercado suba e não ganham
caso esta desça. Ou seja, quando a taxa de juro sobre a cotação diminui, no entanto, o contrário
não se verifica.

Nos empréstimos temporários


No caso de títulos representativos de empréstimos temporários a da cotação varia em função de
fatores como a duração do empréstimo, as condições em que o mesmo foi emitido e a conjuntura
do mercado, mas está muito mais dependente da perceção dos investidores sobre o risco associado
à aquisição de títulos da dívida pública e à evolução esperada para o mercado deste tipo de ativos.
São ainda relevantes fatores relacionados com a política monetária e a política financeira do
estado emitente e outras considerações relacionadas com os mercados e com o mercado financeiro
em especial ou a existência de limitações no acesso ao crédito, quer por parte dos estados, quer
por parte das famílias e das empresas.
3.5. Operações sobre a dívida pública: as formas de extinção
As necessidades de financiamento dos estados vão variando ao longo do período financeiro
e, de período financeiro para período financeiro, o mesmo sucedendo com as condições do
mercado e do acesso ao crédito. A extinção da dívida pública aparece como a hipótese
preferencial, mas tal nem sempre é possível. Por essa razão, é habitual falar-se em operações
da dívida para designar aquelas atuações por parte do estado que modificam a relação
contratual inicialmente estabelecida.
No que às causas de extinção propriamente dita diz respeito são de mencionar as que se
aplicam à extinção das demais relações contratuais como sejam o reembolso ou
amortização, o perdão ou remissão, a prescrição e a confusão. A estas acrescem o repúdio
da dívida, a bancarrota, a capitalização e a consolidação.
Já quanto às demais operações que não permitem extinguir a dívida, mas apenas introduzir
modificações no contrato inicial é de referir a novação, que pode ser objetiva, subjetiva ou
mista e que no caso da dívida pública se designa, habitualmente, por roluement.
1. O reembolso/amortização
Quando se procede ao reembolso integral da quantia mutuada. Esta devolução pode ser feita
de uma única vez ou de forma faseada ao longo do período de vida do empréstimo. Falamos
assim em amortização total ou em amortização parcial da dívida, modalidades estas a que
corresponde, respetivamente, uma extinção total ou apenas parcial da dívida.
Existem vários sistemas de amortização:
o Anuidades obrigatórias,
o Caixas de amortização
▪ a caixa de Price
▪ saldos orçamentais.

o As anuidades orçamentais obrigatórias


O sistema de amortização da dívida pública através de anuidades obrigatórias pressupõe a
inscrição obrigatória, em cada período orçamental, de uma dotação ou crédito orçamental
especificamente destinada à amortização da dívida pública.

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Permite assegurar um pagamento contínuo e faseado da dívida, mas nem sempre isso é suficiente
para que o valor global da dívida diminua. Porquê?
o Nos anos em que o saldo orçamental seja nulo ou positivo a dívida pública diminui.
o Nos períodos orçamentais em que exista um défice:
▪ o valor global da dívida pode não diminuir – só diminuirá se o valor do défice for
inferior ao da dotação prevista para a amortização da dívida e
▪ podemos assistir a uma situação em que exista um agravamento da onerosidade da
dívida pública.
Quando recorrer? Nas situações em que seja possível prever, com um elevado grau de certeza,
que a inclusão de uma inscrição de despesa destinada ao pagamento da dívida no orçamento do
estado não vai implicar o recurso ao crédito para financiar a despesa pública.

→ As caixas de amortização
Estamos perante um modelo em que estado cria uma entidade dotada de autonomia administrativa
financeira – designada por Caixa – que tem como objetivo a aquisição de títulos da dívida pública
e proceder à sua gestão. A diversidade de formas como essa gestão é feita permite distinguir entre
as Caixas simples e a Caixa de Price.

• Caixa simples – Em cada período, o estado transfere para a caixa uma determinada
quantia, adquirida através da compra de títulos da divida publica. Depois de adquiridos,
os títulos da dívida são destruídos.

• Caixa de Price – a Caixa também irá receber uma verba proveniente do orçamento do
estado, verba essa que apenas será transferida no primeiro período, constituindo uma
espécie de capital inicial da Caixa. No entanto, ao invés de destruir os títulos adquiridos,
vai arrecadá-los e receber os juros provenientes desses títulos com os quais vai comprar
mais títulos. Gera-se, assim, um ciclo até que se chegue ao ponto em que a divida já está
saldada e aí irão proceder à destruição dos créditos. Assim, tornava-se desnecessária a
existência de qualquer transferência adicional de verba a partir do orçamento do estado.
No fundo, com uma pequena dotação inicial era possível amortizar valores avultados de
dívida.

Atentemos no exemplo dado pelo próprio Richard Price:


Se a dotação inicial da Caixa for de 100 000 e a taxa de juro de 4% isso significa que ao fim de
um ano (n1) a Caixa recebeu de juros 4 000; no ano seguinte (n2), o valor dos títulos a considerar
para cálculo do juro a receber é de 104 000, o que equivale a dizer que será recolhida a quantia de
4 160 e assim sucessivamente. Passados 18 anos da criação da Caixa, esta terá acumulado títulos
no valor de 202 581,65; passados 36 anos, o valor ascende a 410 393,26 e, passados 95 anos, 415
138,59 (o valor dos juros seria de 166 045,54).

Erro de Price - a Caixa vai receber juros dos títulos que adquiriu nos períodos anteriores, como
se de um credor externo ao estado se tratasse. Aqui, Price incorre num erro jurídico que se revela
fatal: no momento em que a Caixa adquire títulos da dívida pública esta extingue-se por confusão,
cessando também a obrigação do pagamento dos juros e demais compensações que a esta
estivessem associados.

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! Nota a reter: uma obrigação extingue-se por confusão no momento em que se encontram
reunidos na mesma pessoa as características de devedor e de credor daquela obrigação.

Contudo, no nosso Ordenamento Jurídico, à luz dos arts. 868.º e seguintes do Código Civil, a
implementação de um modelo deste tipo não padeceria, do ponto de vista jurídico, deste “erro”
uma vez que se considera que não existe extinção da dívida por confusão sempre que o crédito e
a dívida pertencerem a patrimónios separados, como sucede no modelo desenhado por Richard
Price. Para além disso, do ponto de vista económico importa considerar que a titularidade da
dívida não é indiferente para a implementação de práticas gestionárias da mesma.
Em termos económicos, os efeitos da utilização de uma caixa de Price são também semelhantes
aos das anuidades obrigatórias, com o problema acrescido de que na amortização, o Estado paga
diretamente ao credor; já nas caixas, a caixa vai ao mercado comprar títulos, pelo que aumenta a
procura de títulos no mercado, o que implica que seu preço tenda a subir, ou seja, apresentam uma
clara desvantagem porque podem provocar o aumento da taxa de juro por pressionarem a procura.
Verdadeiramente, só há efetiva amortização se as transferências para a caixa puderem ser pagas
com receitas efetivas – nos casos de excedente orçamental em valor igual ao das transferências
para a caixa.

→ Os saldos orçamentais
No sistema de saldos orçamentais a amortização da dívida é feita com o recurso aos saldos
orçamentais positivos. Tal significa que apenas haverá amortização da dívida nos casos em que a
execução orçamental o permita, ficando a amortização suspensa nos demais casos.
Apesar da sua eficácia, este mecanismo traduz-se numa imprevisibilidade e irregularidade da
amortização, uma vez que não é previsível nem provável que existam superavits orçamentais em
todos os períodos financeiros.

→ A amortização automática da dívida pública através da democratização


Di Viti Demarco defende que a divida pública se extingue naturalmente e que o Estado nada tem
com que se preocupar relativamente a esse fenómeno. No momento da emissão da dívida os títulos
são adquiridos por quem tem dinheiro disponível: os capitalistas. Estes receberão em troca juros.
Se partirmos do pressuposto que o montante que recebem de juros é superior ao montante que
pagam de impostos para o serviço da dívida então poderemos afirmar que esta dívida não implica
qualquer encargo para os capitalistas.
Contudo, as outras classes sociais como os proprietários e os trabalhadores sofrem uma perda,
porquanto pagam impostos para o serviço da dívida e não recebem qualquer rendimento s título
de juros. Então, vão-se ver na obrigação de aforrar para poderem, a longo prazo, comprar dívida
e receber juros.
No final, quando chegar o momento em que todos recebem juros, a divida não será um encargo
para ninguém.

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Entraves:

→ Problema de comprovação empírica - A factualidade não tem demonstrado que os


títulos da dívida pública se dispersem pelas mãos de todos os contribuintes, e, mesmo no
caso em que tal suceda nem sempre os juros equivaleriam ao montante pago a título de
impostos.

→ Problema puramente jurídico - impostos e juros são duas realidades completamente


distintas, desde logo porque o rendimento proveniente dos títulos, o juro, é um
rendimento devido pela aplicação do capital, é uma receita do cidadão pela renúncia
temporária da utilização do seu capital; diferentemente, os impostos são um encargo que
constitui uma obrigação, um dever fundamental, isto é, são uma receita coativa e ao
pagamento da qual ninguém pode eximir-se. Deste modo, não é possível fazer-se esta
compensação.

Efeitos económicos da amortização no âmbito da política financeira


A amortização da dívida pública depende de vários fatores e tem em consideração os seus efeitos
sobre a economia.
Opção pela não amortização em regra não se reflete nos níveis de aforro e de consumo
totais, pois os detentores dos títulos muitas vezes limitam-se a conservá-los e receber os respetivos
juros, não se preocupando em transacioná-los no mercado para obterem liquidez.
Opção pela amortização situação em que o rendimento disponível dos detentores dos títulos
aumenta, podendo aumentar o consumo, mas também o investimento. O aumento do rendimento
disponível no mercado pode provocar uma descida da taxa de juro, e consequentemente um
aumento do investimento.

→ No caso da amortização de dívida pública interna: os montantes serão devolvidos a


credores internos, permitindo aumentar o rendimento dos mesmos. Mas, tal só significa
que se dê um aumento do rendimento nacional se os efeitos expansionistas provocados
pela devolução do valor aos credores do estado sejam superiores aos efeitos
contracionistas decorrentes da utilização de um determinado instrumento de
financiamento.

o Se a amortização for feita com recurso a receitas provenientes dos impostos há


uma tendência para a redução do consumo e do investimento dos contribuintes.
Este efeito pode ser compensado pelo aumento do consumo e do investimento
dos credores que receberam o reembolso, que podem ser também contribuintes.

o Se resultar de empréstimos externos ou de emissão monetária, há sempre um


efeito expansionista, efeito este que pode ser minorado caso o acréscimo de
moeda em circulação venha a provocar um aumento generalizado dos preços
(inflação).

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Outras causas de extinção da dívida: o perdão ou remissão, a prescrição, a confusão e o


repúdio

• Perdão – pode ser efetuada de forma expressa ou tácita. Os credores podem renunciar
ao seu direito de reembolso;
o art.º 863.º do CC.

• Prescrição – ocorre quando um determinado titular de direito de crédito não exerce o


seu direito de reembolso durante um determinado período.
o arts. 298.º e 304.º do C.C. - e, embora o prazo ordinário de prescrição seja de
vinte anos – art.º 309.º do C.C. – o art.º 310.º do citado diploma estabelece um
prazo prescricional de cinco anos para as anuidades de rendas perpétuas ou
vitalícias e das quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

• Confusão – reúnem-se as características de devedor e credor na mesma pessoa;


o art.º 868.º do Código Civil. Contudo, o artigo 872.º do Código Civil exclui a
extinção da dívida por confusão nos casos em que, embora estejam reunidas na
mesma pessoa as qualidades de devedor e de credor, a dívida e o crédito
pertencerem a patrimónios separados.

• Repúdio – o repúdio da divida pode ser visto como uma recusa por parte do devedor de
pagar juros e encargos da divida (isto só acontece quando há recusa do lado do devedor),
fundamentando a sua decisão na existência de falta de legitimidade da entidade emitente
para vincular externamente o país uma vez que a emissão de dívida não foi devidamente
consentida pelos órgãos representativos ou, tendo-o sido, estes não tinham legitimidade
democrática para o fazer.
Embora correspondam a uma dívida odiosa, o recurso ao repúdio aparece, atualmente, como uma
hipótese cuja mobilização não é possível. Daí que surja a necessidade de criação de regras que
impeçam a concessão de crédito a estados autoritários ou que, sendo este crédito concedido, não
possam os credores vir exigir o seu pagamento ao novo executivo democraticamente eleito.
! Nota a reter: A designação dívida odiosa decorre do facto de estarmos perante uma situação em
que os cidadãos de um determinado país terem estado sujeitos a um regime ditatorial que emitiu,
sem o devido consentimento, dívida pública destinada a financiar despesa que não podia ser
considerada despesa pública e, para além disso, cessado o regime, têm que suportar através das
mais diversas formas, os encargos devidos do pagamento dessa dívida.

3.6. As operações de alteração da relação contratual de endividamento público

1. Novação objetiva – existe uma substituição dos títulos antigos por títulos novos, sendo de
esperar que estes títulos sejam emitidos com novas taxas de juros. Permitindo até ao estado
diminuir a taxa de juro através da conversão da divida antiga em divida nova;
Ao invés de extinguir a dívida o estado pode optar, caso as condições de mercado assim o
permitam, pela substituição dos títulos de uma dívida existente por novos títulos. Em rigor,
podemos dizer que estamos aqui perante uma novação ou roulement da dívida pública, pois há
a constituição de uma nova obrigação em substituição da anterior – cfr. art.º 857.º do Código Civil
–, levando à extinção da obrigação anterior, mantendo-se inalterados o devedor e o credor. Estas

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alterações contratuais podem ter como origem uma conversão voluntária ou uma conversão
forçada.

→ Na conversão voluntária o estado faz uma proposta de alteração das condições


contratuais, dando aos credores a possibilidade de aceitarem a conversão dos títulos, de
manterem os títulos que detêm ou de optarem pelo reembolso da quantia mutuada.

→ A conversão forçada ocorrerá naquelas situações em que o estado, no uso dos seus
poderes públicos, impõe a redução da taxa de juro ou a alteração de outras condições
contratuais. O credor não tem qualquer alternativa, ficando vinculado às novas condições
contratuais ditadas de modo unilateral. Esta possibilidade só muito dificilmente é
compatível com o princípio pacta sunt servanda previsto no art.º 406.º do Código Civil.

→ Há situações em que decorre do regime legal ou da proposta contratual subscrita no


momento da emissão a possibilidade de o devedor introduzir alterações concretas na
relação contratual, alterações estas que não estão sujeitas a autorização do credor –
consideramos como conversão voluntária, por existir um acordo prévio entre as partes
para essa novação.

2. Novação subjetiva – Também se verifica uma substituição dos títulos antigo por novos,
mas dá-se uma alteração relativamente aos credores do estado. No entanto, as estipulações
contratuais mantêm-se inalteradas - artigo 858.º CC

3. Novação mista – Esta novação é caracterizada por uma junção das novações
supramencionadas.

3.7. O peso da dívida pública


A resposta à pergunta: “A dívida pública representa um encargo para as gerações futuras?” parece
óbvia e afirmativa. Já os efeitos da dívida pública sobre a geração presente não parecem tão óbvios
embora exista um entendimento genérico de que só em circunstancialismos muito específicos é
que a dívida pública pode onerar a geração presente.

→ O peso da dívida pública externa


Nos casos em que o financiamento da despesa pública seja feito com o recurso a dívida pública
externa verificamos que, no momento da emissão há um acréscimo de rendimento e, no momento
do pagamento dos juros e dos reembolsos o fluxo financeiro é em sentido inverso, com a saída de
rendimentos.
❖ A geração presente – aquela que existe no momento da emissão da dívida – vê o
rendimento aumentar e, por isso, não sofre qualquer impacto negativo da contração de
dívida externa, a não ser que o aumento de rendimento provoque uma subida
generalizada dos preços dos bens e serviços.
❖ Já as gerações que tenham de suportar os encargos com o pagamento dos juros e dos
reembolsos – as gerações futuras - vão ver o seu rendimento diminuir por causa da
dívida.
Podemos então dizer que, tal como sucede com a dívida privada, a dívida pública não representa
um encargo no momento da contração, mas, apenas, nos períodos em que tenham de ser pagos

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juros e reembolsos. Trata-se de um efeito negativo que não pode ser anulado, embora possa ser
atenuado por via da utilização que é feita do rendimento que foi obtido através do empréstimo.

→ O peso da dívida pública interna


A dívida pública interna apresenta, deste ponto de vista, um comportamento um pouco diverso e
exige que se faça uma análise tendo em conta duas perspetivas diferentes: aquela que analisa os
efeitos da dívida pública interna enquanto um conjunto de fluxos financeiros ou, tendo em
consideração os efeitos económicos que a contração da dívida, o pagamento dos juros e a
amortização podem originar.

❖ Análise do peso da dívida pública se considerada como um puro fluxo financeiro


Não devemos considerar, isoladamente, cada um dos detentores de títulos da dívida pública e cada
contribuinte, mas devemos, antes, ter em consideração o conjunto de pessoas jurídicas e de
pessoas físicas que constituem um dado país ou território. Assim, no momento da contração do
empréstimo, haverá um fluxo de rendimento de um grupo para outro, mas o rendimento nacional
não sofre qualquer impacto. Ou seja, o estado, quando cobra impostos ou reduz o volume da
despesa pública para suportar o serviço da dívida - representado pelo pagamento de juros e das
amortizações- vai provocar uma diminuição no rendimento disponível de todos os que têm que
suportar o aumento dos impostos e/ou a diminuição da restante despesa pública, mas,
correspetivamente, vamos assistir a um aumento de igual valor do rendimento dos que recebem o
pagamento dos juros e dos reembolsos.
É como se se tirasse rendimento com uma das mãos para devolver com a outra. A sociedade
globalmente considerada não ganha nem perde. O montante que lhe é retirado a título de impostos
para cumprimento da dívida é o mesmo que lhe é devolvido na forma de juros e reembolsos.
A existir algum sacrifício, este ocorre no momento da contração do empréstimo, quando os
privados, ao emprestarem ao estado, renunciam a utilizações alternativas do capital.
Em suma, o recurso à dívida pública interna como meio de financiamento não faz aumentar os
recursos do país, pois o que está a suceder é apenas uma alteração (desvio) da propriedade e
utilização daqueles fundos.
Críticas:
1. David Ricardo refere que todo o rendimento aforrado se destina a ser gasto de forma
produtiva, uma vez que cada cidadão tenderia a utilizar o seu rendimento por forma a
aumentá-lo ainda mais.

2. Say - refere que a concessão de um empréstimo ao estado é nefasta para a economia


por duas razões:
❖ Em primeiro lugar, porque pode levar à transformação de capital produtivo – proveniente
dos privados e que, ao menos em parte, seria destinado ao investimento – em capital
improdutivo, por se destinar a financiamento do consumo público, não gerando
rendimento nos períodos posteriores;
❖ Em segundo lugar, porque o estado tem sempre que proceder ao pagamento dos juros e
dos reembolsos.
Tendo o valor arrecadado através dos empréstimos sido destinado ao consumo
público, os juros e os reembolsos não podem ser financiados a não ser através de

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rendimento proveniente, mais uma vez, dos particulares, seja através da emissão
de novos empréstimos seja através da cobrança de impostos.
3. James Buchanan apresenta vários argumentos
❖ Rejeita a ideia de que os particulares comprarem divida pública ao estado
se afigura como um sacrifício, já que a cedência de capital é feita de forma
voluntária. O credor renuncia à utilização no presente de uma determinada
quantia porque espera vir a receber no futuro essa mesma quantia acrescida
de uma outra: o juro.
❖ Nem todos os cidadãos são credores do estado e mesmo os que são, não
veem o valor dos impostos que pagam ser “compensado” pelo reembolso
da quantia que haviam mutuado ou sequer pelos juros que recebem. Aceitar
esta compensação seria advogar uma posição idêntica à defendida por De
Viti de Marco quando se refere à extinção da dívida por democratização.

4. Aníbal Almeida – Argumenta que teríamos sempre de considerar que impostos e


empréstimos não têm a mesma natureza jurídica. Enquanto o imposto é uma receita
pública de natureza coativa e unilateral, os juros e os reembolsos resultam de uma
estipulação contratual e por isso, assumem uma natureza contratual – não coativa – e
foram determinados a partir da vontade expressa pelas partes no momento da
celebração do contrato, sendo uma contrapartida direta da renúncia voluntária a uma
utilização alternativa do capital feita no momento da aquisição dos títulos da dívida
pública. Dada a diversa natureza das duas prestações não é possível recorrer à figura
jurídica da compensação. O valor suportado a título de impostos é, verdadeiramente,
irremissível.

Se analisarmos os efeitos da contração de dívida pública já não numa perspetiva de puro fluxo
financeiro, mas antes tomando em consideração os efeitos que se verificam ao nível do
rendimento e do consumo da geração presente, bem como sobre o rendimento potencial das
gerações futuras e, por esta via, do seu consumo, as conclusões podem ser diversas.

❖ Análise do peso da dívida pública interna se considerados os seus efeitos sobre o


consumo e sobre o investimento

o Os efeitos sobre o rendimento da geração presente


Os efeitos nefastos decorrentes do financiamento da despesa pública com recurso a empréstimos
para a geração presente só são visíveis se o rendimento e, por essa via o consumo, forem afetados.
Para prosseguirmos a análise teremos que começar por distinguir os potenciais efeitos que
decorrem da emissão de dívida pública numa situação de pleno emprego de fatores, em que a
produção global apenas pode aumentar dentro de limites muito apertados, e as situações em que
não existe pleno emprego.

Situação de pleno emprego de fatores – não é possível aumentar a produção de um ou mais


bens sem diminuir a produção de outros. Nesses casos, existe uma necessidade de reajustamento
dos meios de produção à nova procura, ou seja, aos novos bens, passando a ter de ser

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redistribuídos entre os bens que já estavam a ser produzidos e os bens que vão agora ser
produzidos decorrentes deste aumento da procura pública. Se aumento a produção dos bens X ou
desloco a produção dos outros ou mantenho tudo como está e aumento o preço desse bem.

→ Se houver uma diminuição da procura dos bens de consumo feita pelos privados, a
geração presente vê-se obrigada a adaptar o seu consumo aos novos bens produzidos
ou a renunciar, ainda que parcialmente, ao seu consumo.
Numa situação de pleno emprego, o estado tem de redistribuir os bens de produção
para os adaptar às preferências de consumo dos particulares.

→ Se não provocar uma diminuição dos bens de consumo, mas só uma diminuição nos
bens de capital (ou bens de investimento), então a produção de bens de consumo no
presente não será afetada, não existindo, também, limitação do consumo da geração
presente.

Dito isto, conclui-se que o que importa determinar são as situações em que é de esperar que a
contração de dívida pública provoque a diminuição da provisão privada de bens de consumo ou,
em alternativa, de bens de produção. Tudo dependerá do comportamento da taxa de juro no
mercado.

→ Sempre que o estado emite dívida pública concorre com os privados no acesso aos
fundos disponíveis no mercado. Esta atuação leva, em regra, a um aumento da procura
de fundos, sendo de esperar que a taxa de juro suba. Aumentando a taxa de juro,
diminuirá o investimento privado, mas não será afetada a provisão privada de bens de
consumo.

→ Se a taxa de juro se mantiver, acontece de forma muito excecional, mantém-se também


a produção de bens de consumo e de investimento, acrescendo à procura de bens
privados, a procura de bens por parte do Estado.
▪ Como estamos numa situação de pleno emprego, os preços só se manterão
estáveis se a oferta conseguir aumentar na mesma proporção do aumento da
procura. Se isso não acontecer, dá-se uma subida generalizada dos preços –
inflação – com a consequente redução dos níveis de consumo.

Situação em que não há pleno emprego de fatores - o aumento da produção de bens por parte
do estado não tem efeitos sensíveis sobre o consumo bens por parte dos privados a não ser
naquelas situações em que a economia se comece a aproximar do pleno emprego. Contudo, este
aumento da procura de fundos por parte do Estado pode ter efeitos sobre o consumo da geração
presente e sobre o rendimento das gerações futuras.

→ Numa situação em que não existe pleno emprego, os aumentos de fundos, de dinheiro,
pode provocar uma subida da taxa de juro. Se tal acontecer, o consumo da geração
presente não será afetado, mas haverá um decréscimo do investimento.
→ Se a taxa de juro de mantiver inalterada, vai manter-se o investimento privado e a
produção de bens de consumo também não será afetada porque há fatores de produção
disponíveis, não sendo de esperar que exista inflação, mas o preço de alguns bens pode
subir.
Note-se que a inflação é o aumento generalizado dos bens e serviços.

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Em jeito conclusivo, podemos dizer que consumo da geração presente só será afetado se existir
pleno emprego e a taxa de juro se mantiver, uma vez que o aumento da procura de bens de
consumo financiada pelas receitas provenientes da emissão de dívida pública vai provocar um
aumento da procura, sem que lhe corresponda um aumento similar da oferta, provocando a subida
generalizada dos preços dos bens e serviços e a redução do consumo.

o Os efeitos para as gerações futuras


Como se pode antever pelo que acabamos de referir, a emissão de dívida pública constituirá um
ónus para as gerações futuras nos casos em que se provoque uma diminuição do rendimento e do
consumo no futuro. Isto sucederá naqueles casos em que o investimento privado no presente
diminua e esse decréscimo não seja compensado pelo aumento do investimento público com
idêntica produtividade ou com rentabilidade superior. Como também já tivemos oportunidade de
referir, estes efeitos estão dependentes do comportamento da taxa de juro no mercado.

→ Se a taxa de juro se mantiver, o investimento privado também se mantém e pode até


aumentar o investimento total. Independentemente da rentabilidade do investimento
público financiado pelas receitas da dívida, assistiremos a uma de duas situações:
manutenção da capacidade produtiva do país e do rendimento das gerações futuras ou
aumento da capacidade produtiva do país e do rendimento das gerações futuras. No
cenário mais pessimista, o rendimento das gerações futuras não sofre qualquer alteração.

→ A conclusão será diferente se estivermos perante uma emissão de dívida pública que
provoque uma subida da taxa de juro no mercado subir. Aqui, há uma tendência para a
diminuição do investimento privado com a consequente diminuição da formação bruta
de capital fixo.

o Caso os empréstimos públicos sejam destinados a consumo no presente, então há


uma diminuição no investimento total e, por esta via, do rendimento e do
consumo das gerações futuras.
o Se as receitas dos empréstimos forem usadas para investimento e este
investimento público tiver a mesma produtividade que o investimento privado
que deixou de ser feito, então não há alteração ao investimento total e a
produtividade desse investimento mantém-se também inalterada. Pode até
acontecer que o investimento publico financiado pelo endividamento tenha uma
maior produtividade que o investimento privado que deixou de ser feito e isso
provoca um aumento do rendimento no futuro.

Em conclusão, para as gerações futuras, a divida publica será um encargo nos casos em que o
recurso ao crédito provoca um aumento na taxa de juro e a diminuição no investimento privado
que dai decorre não seja compensada com investimento público com pelo menos a mesma
produtividade.
Para a geração presente, o que interessa ter em consideração são os níveis de consumo do presente
enquanto para a geração futura é o consumo futuro.
Mas como o consumo futuro é difícil de prever, podemos analisar o investimento no presente que
irá influenciar esse consumo. Para as gerações futuras interessa se o país consegue aumentar a

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sua capacidade de produção no presente – formação bruta de capital fixo. Pode até acontecer que
o investimento publico tenha maior produtividade que o investimento privado que deixou de ser
feito. Se aumenta a taxa de juro, diminui o investimento privado. Resta saber o que o Estado vai
fazer, substituiu-se com igual, maior ou menos produtividade.

A sustentabilidade da dívida pública

A par dos efeitos sobre o rendimento e o consumo das gerações presente e futura é usual referir
ainda os efeitos que níveis elevados de endividamento podem ter sobre o crescimento e, em geral,
sobre os mercados.
Ao nível da dívida pública há que ter em especial atenção os efeitos que a mesma tem sobre o
crescimento da carga fiscal, mas, também não podemos olvidar que temos tido vários exemplos
de coexistência entre níveis elevados de dívida pública e níveis elevados de crescimento
económico. Mais do que saber a percentagem da Divida Publica em função do PIB é saber a sua
sustentabilidade, saber se o país continua em crescimento económico. Os EUA ou até a Itália têm
um endividamento muito substancialmente maior que Portugal e apresentam taxas de crescimento
económico que nos ultrapassam a olhos vistos.
O que tem sido constatado, contrariamente às teorias que afirmam que um volume de dívida
pública elevado constitui potencialmente um entrave ao funcionamento dos mecanismos
automáticos de estabilização e às políticas públicas contra cíclicas, é que nem sempre um aumento
dos níveis de endividamento público leva a um efeito proporcionalmente inverso nos níveis de
crescimento do PIB. Tem sido possível observar, isso sim, que um dos fatores que mais
condiciona os efeitos do endividamento sobre o crescimento económico se relaciona com o facto
de os credores serem internos ou externos, isto é, se, graças ao endividamento, a economia de um
dado país está muito ou pouco dependente de credores externos.
Esta ideia é realçada nos estudos mais recentes, que colocam a sustentabilidade da dívida soberana
dependente de três condições:
1- Crescimento do PIB nominal
2- Manutenção da taxa de juro efetiva
3- Equilíbrio do Orçamento Primário.

A redução do endividamento tem que começar por se fazer a partir da limitação/diminuição dos
défices orçamentais, apresentando orçamentos equilibrados do ponto de vista primário e,
preferencialmente, superavitários, bem como com a diminuição dos encargos correntes da dívida
pública (vulgo, juros).
Dado que não é possível recorrer quer à desvalorização monetária, quer à implementação de
políticas de controlo da taxa de juro devido às regras da União Europeia estas são as alternativas
viáveis embora possam escolher-se caminhos diversos para as implementar:

→ aumento da receita fiscal seja através do aumento dos níveis de fiscalidade,


→ melhoria dos sistemas de prevenção e controlo de mecanismos de fraude e evasão fiscal,
→ implementação de práticas de elevado desempenho ao nível da despesa pública
permitindo atingir níveis mais elevados de eficiência e eficácia e, por esta via, a médio
prazo reduzir a despesa pública ou contribuir para um melhor desempenho económico.
Os estudos mais recentes têm mostrado que o nível de endividamento externo de Portugal cresceu
entre 2000 e 2014, mas que, a partir de então, apresenta uma tendência decrescente, o que equivale

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a dizer que a parcela de dívida pública interna tem aumentado face à dívida externa. Ainda, cerca
de 51% da dívida pública portuguesa ser detida por organismos oficiais (dados de setembro de
2017) e que apenas uma percentagem marginal de cerca de 0,5% do total de mercado da dívida
pública portuguesa ser negociada em mercado secundário. Todos estes fatores agregados levam
a que o risco de Portugal no curto prazo e de longo prazo fossem classificados como baixo risco,
mas a sustentabilidade da dívida e o risco de médio prazo como elevados.
! Nota a reter: De acordo com os dados do Banco de Portugal a dívida externa líquida em 2000 era de
26,4% do PIB, mas em 2014 se cifrava em 107,64%. Já em 2020 esse valor era de 87,45% do PIB e em
2021 de 80,7% do PIB.

3.8. A (in)sustentabilidade da dívida pública (abordagem – ler S.D.)


Os níveis elevados de endividamento em relação ao Produto Interno Bruto que encontramos
atualmente num leque muito vasto de países e que apresenta uma tendência para o crescimento
desde a última década do século XX não só não é um exclusivo deste período temporal como a
sua abrangência geográfica é bastante ampla, como demonstram os dados estatísticos.
Encontramos, aliás, uma tendência para níveis de endividamento bastante mais elevados nos
países desenvolvidos do que aqueles que se verificam nos países em vias de desenvolvimento ou,
até, nos países emergentes.
Historicamente são conhecidos vários casos de endividamento público elevado, embora fossem,
em regra, situações transitórias. Em períodos mais recuados registam-se situações em que o
endividamento elevado nos casos em que os países necessitavam de obter financiamento para
despesas de guerra ou para expansão dos seus territórios ou comércio, originando casos de
incumprimento ou de renegociação da dívida.
Exemplos:

→ Em Portugal, por exemplo, a Rainha D. Maria II repudiou o empréstimo emitido pelo


autoproclamado Rei D. Miguel em 1833, empréstimo este que tinha sido emitido em
Paris, por intermédio dos banqueiros Outerquin e Jauche, no montante de 40 milhões de
francos, pelo prazo de 32 anos e com a taxa de juro nominal de 5%. Não obstante o
repúdio parcial da dívida – apenas foram pagos 2,5 milhões de francos – e o facto de em
Portugal estarmos a vivenciar uma época conturbada de luta pelo trono, o repúdio não
colocou em causa novas colocações de dívida pública no mercado;

→ a Rússia repudiou a dívida e em 1933 a Alemanha suspendeu o pagamento da dívida


pública externa, nunca mais tendo retomado os pagamentos.

Pode perguntar-se porque é que não foi dado um tratamento igual a estes casos à Grécia, durante
a crise das dívidas soberanas de 2008 ou porque é que um tratamento deste tipo não foi dado
aos PIGS (Portugal, Ireland, Greece and Spain) para que pudessem alcançar uma capacidade de
crescimento económico tendo em vista o aumento dos níveis de bem-estar das suas populações.
A principal razão decorre da necessidade de garantir o livre funcionamento do mercado e das
condições de acesso ao mesmo por parte dos estados.
Em 2017, por exemplo, verificou-se a existência de uma enorme disparidade ao nível das taxas
de juro: enquanto as taxas da dívida pública alemã foram reduzidas para valores entre os 0% e
os 5%, nos PED as taxas em 2017 variavam entre os 5,7% e os 11,4%. E, claro, nenhum dos
países foi autorizado a reembolsar a dívida pública externa em moeda diversa daquela em que
havia sido contraída.

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Há ainda que considerar que os países periféricos, que foram aqueles onde os efeitos da crise
económica mais se fizeram sentir, acabaram por atingir níveis de endividamento público muito
elevados, acrescendo níveis de endividamento privado também eles muito altos. Como seria de
esperar, sendo os fundos disponíveis limitados, este acréscimo de procura de capital levaria a
um aumento da taxa de juro, mas, estranhamente, esse aumento não se comunicaria aos países
do Centro da Europa que conseguiram continuar a financiar-se no mercado a taxas de juro muito
reduzidas. São disso exemplo a Alemanha, a França, os Países Baixos, a Finlândia, o
Luxemburgo, a Áustria e a Bélgica.
Tudo o que acabou de ser referido leva a que se tente encontrar uma resposta para a razão de ser
deste comportamento em economias de mercado. Somos tentados a concordar com Rosa do
Luxemburgo quando afirmava, seguindo as preleções de Karl Marx, que as relações entre as
potências capitalistas se encontram marcadas de forma vincada pela desigualdade e não pela
igualdade de armas.
Independentemente de podermos concordar ou não com essa afirmação, lida por referência ao
contexto atual, há factos que não podem ser negados: níveis elevados de dívida pública
constituem uma grave ameaça para os sistemas económicos nacionais, mas também para o
sistema económico global. E se a este elevado endividamento público acrescermos o elevado
endividamento privado a situação parece ser ainda mais complexa.

O contexto após a crise financeira


Pós crise de 2007 - A (impropriamente) designada crise das dívidas soberanas, originada por
uma crise hipotecária nascida no setor privado e relacionada direta e exclusivamente com o
endividamento privado, acabaria por se transmitir ao setor público e influenciar de forma
determinante o modo de financiamento da despesa pública e, sobretudo, o peso que o
endividamento assume no conjunto das receitas estaduais.
No contexto atual (pós fase pandémica) assistimos a uma situação com algumas semelhanças,
mas com tantas outras divergências, uma vez que a uma crise pandémica se junta o previsível
impacto decorrente do conflito bélico, provocado pela invasão russa ao território ucraniano,
iniciado há poucas semanas, ainda com contornos pouco definidos.
Aos constrangimentos decorrentes da necessidade de (re)adaptação à nova realidade, às novas
formas de produção ou de comunicação e transmissão de dados gerados pela pandemia juntam-
se, agora, a crise energética, a escassez de matérias-primas e uma crise humanitária, lançando
novos ou renovados desafios aos estados, sobretudo aos que fazem parte do continente europeu.
As medidas a implementar pelos estados são urgentes e é necessária a mobilização de um
volume de recursos que dificilmente é compatível com um aumento de impostos. Outra opção
não resta a não ser o recurso aos mercados por forma a obter recursos suficientes e adequados,
preferencialmente em condições pouco onerosas.

Deve a dívida pública ser paga a todo o custo? – o problema da sustentabilidade da dívida
pública
Questões:

→ É absolutamente necessário que sejam honrados os compromissos assumidos pelos


estados?
→ É absolutamente necessário que sejam diminuídos os níveis de Divida Pública?

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A discussão da primeira questão está ultrapassada, sendo considerado que os estados são, para
estes efeitos, equiparados aos demais devedores, mas a segunda continua por solucionar.
A opção pelo financiamento da despesa pública através do recurso a receitas provenientes dos
empréstimos deve ser excecional, mas aparece habitualmente relacionada com uma escolha:

→ os estados podem escolher aumentar os impostos no presente ou


→ recorrer a endividamento público.
Em regra, a escolha recai sobre os impostos. Estes, ao invés da dívida, podem ter impacto quer
no consumo presente quer no crescimento económico e no rendimento futuro, afetando por essa
via o rendimento e o consumo das gerações futuras, mas a sua onerosidade global é menor do que
a dos empréstimos
Em certo sentido, mas apenas num certo sentido, a dívida pública não tem que ser paga, mas tem
que ser bem gerida. Uma gestão cuidadosa da dívida, desde o momento da sua emissão, pode
ajudar a minorar ou até mesmo a reduzir para níveis absolutamente residuais o impacto nas contas
públicas de níveis elevados de endividamento. Basta que pensemos, por exemplo, na gestão da
dívida e da escolha do mecanismo e do prazo em função da finalidade a que a receita proveniente
do empréstimo se destina, ou a fixação de prémios de permanência, prémios de reembolso,
incentivos fiscais ao (re)investimento em dívida pública, etc.
Em suma, o mais importante é o destino a dar aos empréstimos e a capacidade de as gerações
futuras honrarem os compromissos contratuais assumidos pelos governos anteriores. A dívida
pública pode crescer desde que a taxa de aumento seja inferior à taxa de incremento do P.I.B. e
que o Estado consiga manter os demais indicadores de confiança estáveis a ponto de conseguir
efetuar o roulement da dívida, caso tal seja necessário, sem que os encargos da mesma se vejam
aumentados.

4. Receitas Efectivas
4.1. Notas introdutórias
As receitas publicas podem ter uma natureza muito diversificada que reflete as várias funções do
Estado.
Habitualmente fala-se de receitas públicas para designar o conjunto de recursos financeiros de
que são titulares as entidades do Setor Administrações Públicas (S.13), recursos esses que podem
ser utilizados para cobrir as despesas dessas mesmas entidades.
Num Estado moderno de economia de mercado assumem especial importância as receitas
efetivas. Trata-se daquelas receitas que aumentam definitivamente o património monetário
líquido do Estado ou aquelas que, permitem aumentar o património monetário do Estado e não
criam, em contrapartida, qualquer encargo monetário presente ou futuro.
Incluem:

• Receitas não tributárias


o Receitas patrimoniais,
o Receitas contributivas e não contributivas,
o Multas e outras penalidades
• Receitas tributárias
o Taxas,
o Impostos

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o Outros tributos

Ficam excluídas:

• receitas provenientes da divida pública,


• receitas não efetivas
• receitas provenientes de ativos e passivos financeiros.
! Nota a reter: Recorde-se que as receitas não efetivas são aquelas que não aumentam o património
monetário do Estado, ou que, permitindo um aumento do património monetário do Estado no momento em
que são arrecadadas, dão origem, no mesmo momento e em contrapartida daquela arrecadação ou cobrança,
ao nascimento de encargos futuros.

 Receitas não tributárias

4.2. Receitas patrimoniais:


São aquelas que provêm da venda de produtos e da prestação de serviços a preços contratualmente
estabelecidos. Atualmente, têm uma importância diminuta e são agregadas, para efeitos de análise
económica, às demais receitas não fiscais e não contributivas.
Incluem os rendimentos de propriedade, as receitas da venda de bens duradouros, de bens não
duradouros e da prestação de serviços, bem como de ativos financeiros que não sejam de
classificar como instrumentos de dívida pública.

o Rendimentos do património mobiliário – Corresponde uma carteira de títulos constituída


por ações ou obrigações de empresas detidas pelo Estado, podendo ainda incluir outros
investimentos financeiros suscetíveis de gerar rendimento. Nesta certeira de títulos estão
também incluídos os empréstimos concedidos pelo Estado e as diferenças cambiais. Constitui
um conjunto de rendimentos bastante diversificado, uma vez que o estado tende a dispersas
o seu investimento por várias áreas e com vários fundamentos, mas na generalidade os casos
estão em causa situações em que há um interesse público em garantir o fornecimento
continuado de determinados bens e serviços e que habitualmente assume a forma de
monopólio natural.
 Monopólio – existe só um produtor. Dizem que é a forma mais imperfeita de
mercado.
 Monopólio natural – para aquele bem é a forma mais adequada de mercado
por permitir ao adquirente pagar o preço mais baixo, porque os custos de
produção são elevadíssimos e não faz sentido haver mais do que um produtor,
p.e. fornecimento de água, rede de esgotos, caminhos de ferro, autoestradas.
o Porque é que há vários fornecedores de rede ótica? Pelo seu
baixíssimo custo, por ainda não ser considerada 100% essencial à
vida humana.
 Monopólios fiscais – o Estado cria um monopólio para garantir o
funcionamento e para garantir receita fiscal, mas explora muitas vezes através
de concessões, como p.e. as concessões de jogo, uma vez que só se permitem
jogos de azar em estabelecimentos credenciados pra o efeito e parte da receita
irá para o estado, o imposto sobre o jogo.

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Ora, estas participações em Portugal vão desde participações imobiliárias, empresas de


transportes, armazenagem de mercadorias e serviços de interesse económico geral ou até o sector
financeiro. O Estado tem vindo, de forma progressiva, a alienar as suas participações.

o Património imobiliário: Até finais do sec. XVIII este património imobiliário era a
principal fonte de receita do Estado, tendo vindo a perder importância.
São bens do domínio rural e bens do património imobiliário urbano dos quais pode resultar a
arrecadação de receitas.
Como? O património imobiliário público pode gerar receita, seja através da cedência para
utilizações temporárias e pontuais como sejam a organização de eventos ou, de uma forma mais
duradoura, como seja através da celebração de contratos de arrendamento ou de concessões de
exploração de espaços públicos. Em todos os casos há possibilidade de ser cobrada uma receita
(renda) pela cedência temporária do imóvel. Toda esta cedência tem de ser feita de acordo com o
princípio da boa administração e da onerosidade.

 Princípio da onerosidade – não obriga ao pagamento de uma quantia pecuniária, mas


existe sempre uma contrapartida.
Exemplo: Os estudantes organizam uma conferência na faculdade, pedindo à faculdade
uma sala para o efeito. Claro que não paga uma contrapartida monetária, mas os imputs
provenientes do evento são a contrapartida.
Por último, o património imobiliário pode ainda gerar receita aquando da sua alienação.

o Receitas provenientes da prestação de serviços e da venda de bens: Constituiu uma


fonte residual de receita pública. O Estado, como vimos, tem património mobiliário e
imobiliário que permite a produção bens e serviços que podem ser transacionados no
mercado.
O Estado Português neste momento detém uma empresa de viagens aéreas, e, por isso, vai
explorar essas atividades e fixar um preço para cobrar por esses bens e serviços que coloca no
mercado.
A fixação do preço – da receita a arrecadar pela prestação do serviço ou pela venda do bem –,
pode obedecer às regras do mercado (mercado concorrencial, oligopólio ou mesmo monopólio),
sendo por isso o seu valor idêntico ao preço praticado por empresas privadas a operar no mesmo
mercado, ou pode afastar-se do preço de mercado por imposição do próprio.
▪ O Estado pode afastar-se do preço do mercado, limitando o próprio preço - preços
administrativos;
▪ O Estado não fixa o preço, mas cria situações em que o preço pode ser superior a
um determinado valor. Esta é mais adequada, uma vez que o Estado pode
estabelecer margens máximas de lucro, havendo menos intervenção do Estado no
mercado.
▪ Há ainda casos em que o Estado produz um bem e serviço e não há qualquer
correspondência entre o custo e o preço - situações em que ao valor arrecadado
como receita patrimonial tem que acrescer, mas agora do lado da despesa, o
diferencial entre o preço cobrado e o custo do serviço

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4.3. Multas e outras penalidades: Estamos perante receitas não tributárias e não contributivas,
tendo como característica verdadeiramente distintiva o seu caracter sancionatório. Ou seja,
perante receitas que são não só coativas como também sancionatórias, aplicadas na sequência
da prática de um ilícito de mera ordenação social ou de um crime de natureza fiscal, financeira
ou outra. Em termos contabilísticos encontramos aqui englobados os juros de mora, os juros
compensatórios e outras penalidades do não cumprimento tempestivo das obrigações cujo
credor seja o Estado.
Este título de receitas tem uma logica de criação completamente diferente das demais receitas
estaduais, nomeadamente das receitas tributárias, daí estarem excluídas do nosso estudo.

4.4.Receitas tributárias:

1- Taxas
2- Impostos
3- Demais tributos
Recordamos que a cobrança deste tipo de receitas encontra o seu fundamento (genérico) na
existência de um dever de contribuição por parte dos cidadãos para o financiamento da despesa
pública, desde que o poder tributário tenha sido exercido no cumprimento dos princípios
constitucionais que o legitimam e que o limitam.
A doutrina tem distinguido, dentro da categoria dos tributos, as taxas, os impostos e outras figuras
tributárias. No caso português divisão tripartida não encontra apoio nas normas constitucionais,
que apenas reconhece a existência de duas categorias de tributos – as taxas e os impostos –, mas
antes no art.º 3.º da Lei Geral Tributária que, no desenvolvimento das normas constitucionais,
subdivide os tributos em impostos, taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades
públicas.
Porque é que esta distinção é importante? Esta distinção assenta nas disposições contidas nos arts.
102.º e ss. e no 165.º, n.º 1 al. i) da CRP, bem como nos arts. 3.º e 4.º da LGT e tem relevo, entre
outros, na escolha do parâmetro de determinação do fator de determinação da base de incidência,
na titularidade ativa e passiva da relação jurídica tributária e nas garantias dos contribuintes.
O regime constitucional presente no art. 165, nº1 al. i) da CRP, estabelece a reserva de lei formal
para os designados elementos essenciais dos impostos e para o regime geral das taxas,
estabelecendo ser da competência de reserva relativa da AR, exceto se esta tiver autorizado o
Governo a legislar sobre essa matéria fixando ainda assim, a forma e os limites como esta
autorização tem de ser exercida.

Este regime constitucional permite-nos dizer, para esta perspetiva, podemos distinguir entre:

• Tributos bilaterais: Regime jurídico das taxas


• Tributos unilaterais: Regime jurídico dos impostos

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No direito do urbanismo há muitos impostos com causa, com muita dificuldade de se distinguir
se são laterais ou bilaterais.

1- Taxas
As taxas são definidas como uma quantia coativamente paga pela utilização individualizada de
bens semipúblicos ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização. - J. J. Teixeira
Ribeiro, “Noção Jurídica de Taxa”,
É uma receita:
o tributária,
o pecuniária, uma vez que tem de ser paga em dinheiro ou equivalente legal,
o coativa,
o ex lege, porque a sua obrigação de pagamento decorre diretamente de ato normativo
o bilateral, ou seja, o pagamento de uma taxa apenas pode ser exigido nos casos em que
exista uma contraprestação especifica decorrente da utilização individualizada
▪ de um bem semipúblico ou de um bem de domínio publico
▪ da prestação concreta de um serviço publico ou
▪ da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
O obstáculo que aquela taxa remove tem de ser um obstáculo real, que permita a utilização de um
bem semipúblico.
Exemplos em que é duvidoso:

• Licenciamento para que se coloque nos Santos Populares vasos nos peitoris das janelas a
pender sobre o passeio. Além da remoção do obstáculo jurídico, tem de haver fiscalização
e, para além disso, o espaço aéreo acima do passeio já é um espaço público.
• Licenciamento para que se coloquem reclames/outdoors nas autoestradas, uma vez que
num outdoor específico notou-se que este transtornava a condução causando acidentes de
trânsito.

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Ou seja, tem de ser um obstáculo real, que exija uma atividade da administração para verificar as
condições de acesso a um bem semipúblico.
Quais podem ser as finalidades das taxas?

• Taxas meramente estatísticas – possuem um valor residual já que pretendem, apenas,


aferir a utilização de um determinado bem ou serviço;
• Taxas compensadoras – aquelas cujo pagamento se destina a distribuir total ou
parcialmente pelos utilizadores o custo de bens ou serviços. Exemplo: propinas
• Taxas moderadoras – cuja finalidade é limitar o acesso a um bem ou serviço permitindo
que não exista uma utilização excessiva ou imoderada
Embora o princípio geral seja o princípio do benefício segundo o qual pagarão igual montante
aqueles que beneficiem em idêntica medida dos bens semipúblicos que as taxas visam financiar
e pagarão valor diverso aqueles que diversamente deles beneficiem, a sua modelação no caso
concreto não é simples e aparece sempre limitada pelo princípio da proporcionalidade, exigindo-
se que exista alguma correspondência económica entre prestação e contraprestação concreta. O
seu valor pode ser:
▪ Inferior ao custo
▪ Igual ao custo
▪ Superior ao custo
Desde que se mantenha inferior ao preço que se fixaria no mercado, por forma a não absorver a
totalidade do benefício auferido pelo particular que suporta o seu pagamento.

2- Impostos
Constituem efetivamente a maior fonte de receita estadual na generalidade dos estados fiscais e
são definidos como uma prestação coativa, unilateral, definitiva, a suportar pelos detentores de
capacidade contributiva e que é pago a favor de entidades que exercem funções públicas por
forma a financiar a realização dessas funções.
No caso dos impostos não existe uma contraprestação especifica, mas apenas uma contraprestação
genérica que se vai materializar nos benefícios que cada um recebe da atividade estadual. A
fixação do valor do imposto tem em conta o princípio da capacidade contributiva, mas pode
também ter em consideração outras finalidades, sendo habitual definir-se entre

 Impostos com finalidade fiscal – obtenção de receita


 Impostos com finalidade extrafiscal – a finalidade principal não é obtenção de
receita, mas sim condicionar o comportamento dos contribuintes, normalmente
desincentivando-o.
O sistema fiscal globalmente considerado pode também servir para atingir outros objetivos
nomeadamente a repartição justa do rendimento e da riqueza.
A estrutura do sistema fiscal e a repartição dos impostos está sujeita ao princípio da legalidade
fiscal, mas a escolha de cada tipologia de impostos e, sobretudo, da articulação entre cada um
deles e entre todos, vai permitir adequar a tributação aos objetivos pretendidos, ou seja, a
arrecadação de receitas para a satisfação das necessidades do Estado e de outras entidades
públicas e a repartição justa do rendimento e da riqueza.

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Conceitos a reter:
Matéria coletável (m.c.) corresponde à manifestação de capacidade contributiva
definida para cada tipo de imposto;
Taxa do imposto ou alíquota (t), representa o coeficiente a utilizar para a determinação
da coleta do imposto;
Coleta (c) corresponde ao valor do imposto a entregar nos cofres do Estado e calcula-
se multiplicando a taxa ou alíquota do imposto pela matéria coletável (c = m.c. x t).

Impostos diretos e indiretos


A distinção entre impostos diretos e indiretos pode ser feita com base em vários critérios quer
económicos quer jurídicos.

 Impostos diretos- aqueles que incidem sobre manifestações imediatas ou diretas da


capacidade contributiva.
o Os contribuintes quando se veem desapossados de uma parte do seu rendimento
ou património sentem de imediato que vão ter que renunciar à satisfação de
algumas necessidades.
o Ao absorverem de forma imediata parte do rendimento ou do património,
diminuem o rendimento disponível.

 Impostos indiretos – incidem sobre manifestações mediatas da capacidade contributiva


o Servem para corrigir os casos em que o fisco tem dificuldades em determinar o
valor do rendimento ou o património real dos contribuintes, seja porque estes
ilegitimamente o ocultam ou porque ele não é determinável com elevado grau de
certeza;
o Permitem operar uma anestesia fiscal, o imposto é pago no momento em que se
encontram a satisfazer uma necessidade e em que o preço do bem é analisado sem
tomar em devida consideração o valor do imposto que se encontra repercutido no
mesmo
▪ Exemplo: pagamento do IVA no supermercado.

Impostos reais e impostos pessoais

 Impostos reais - a capacidade contributiva é determinada de forma objetiva sem atender


especificamente às características do seu titular.
 Impostos pessoais - são tomadas em consideração referências objetivas às características
pessoais e sociais do titular da capacidade contributiva.
Estes últimos têm as seguintes características: atendem ao rendimento global; excluem da
tributação o mínimo de existência e têm em consideração os encargos com a família e são
progressivos.

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Impostos periódicos e impostos de obrigação única

 Impostos periódicos - aqueles que incidem sobre manifestações contributivas com


caráter estável e duradouro. O elemento temporal tende a manter-se ou a reiterar-se, sendo
necessário fracionar juridicamente o facto.
 Impostos de obrigação única - os impostos que incidem sobre manifestações isoladas e
instantâneas da capacidade contributiva. O elemento temporal não carece de definição
jurídica e se basta com critérios naturalísticos
A importância desta distinção reside atualmente na configuração do elemento temporal do facto
tributário, nomeadamente para efeitos do art.º 45.º n.º 4 e 48.º, n.º 1 da LGT – prazos de
caducidade da liquidação e prescrição dos impostos.

Impostos de quota fixa e impostos de quota variável


Esta distinção tem por base a forma como é fixada a coleta23 do imposto, isto é, o montante do
imposto a pagar.

 Impostos de quota fixa ou impostos específicos - aqueles em que a lei determina o valor
da coleta, em dinheiro, sem que o mesmo varie em função da matéria coletável.
Em rigor não podemos falar aqui em taxa formal do imposto, embora seja possível determinar a
taxa efetiva do imposto, dividindo a coleta pela matéria coletável (t = c/m.c.)

 Impostos de quota variável ou ad valorem a coleta é fixada mediante o produto


aritmético (multiplicação) de um coeficiente, designado por taxa ou alíquota, ou de um
elenco pré-definido de coeficientes, pela matéria coletável.

o Sendo uma taxa ou alíquota única, estaremos perante um imposto proporcional,


o Se houver mais do que uma taxa ou alíquota podemos estar perante:
▪ Um imposto progressivo (regra) – à medida que a matéria coletável
aumenta a taxa aumenta
▪ Um imposto regressivo (não existe em Portugal) – à medida que a
matéria coletável aumenta a taxa diminui.

Impostos estaduais e impostos não estaduais

 Impostos estaduais - aqueles em que titularidade da receita pertence ao Estado


 Impostos não estaduais - aqueles em que o sujeito ativo é outro ente público distinto
do Estado.
! Nota a reter: desde a aprovação do SEC 95 (Sistema Europeu de Contas Regionais e Locais), substituído
pelo SEC 2010, que a distinção supramencionada perde algum efeito, dado que ambos pertencem ao
Subsetor Administrações Públicas (S.13). Convém referir que algumas vezes esta distinção é utilizada com
um outro significado: o do âmbito de eficácia das normas tributárias, distinguindo-se entre os impostos (ou
normas) que têm eficácia em todo o território nacional e aqueles em que o âmbito de eficácia se restringe a
determinadas parcelas do território.

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Impostos gerais e impostos especiais

 Impostos gerais - aqueles que estão previstos na lei para toda uma categoria homogénea
de situações;
 Impostos especiais - são aqueles que, respeitando embora a factos e situações abrangidas
genericamente no primeiro grupo, são objeto de uma disciplina jurídica especial.

Impostos sobre o rendimento, impostos sobre o património e impostos sobre consumo


Esta classificação tripartida é mais comumente utilizada nas organizações internacionais (FMI,
OCDE) e não era até há pouco tempo muito utilizada pelos juristas por assentar quase
exclusivamente em conceitos económicos.

 Impostos sobre o rendimento - incide sobre os acréscimos patrimoniais líquidos obtidos


pelo contribuinte num determinado período de tempo, os quais podem ou não resultar do
exercício de uma determinada actividade económica produtiva. Pode optar-se por
tributar:
▪ O rendimento-produto (ou rendimento em sentido estrito) que corresponde
ao acréscimo de bens obtidos durante o período e que são provenientes da
contribuição do sujeito para a atividade produtiva (salários, juros, rendas e
lucros);
▪ ou o rendimento-acréscimo, que corresponde a qualquer acréscimo de bens
obtidos no período e que podem ser utilizados sem dano para o património
inicial.
Exemplos: IRC e IRS

 Impostos sobre o património - tributa-se a titularidade ou a transmissão de valores


pecuniários líquidos. Esta tributação pode ser uma tributação estática ou uma tributação
dinâmica, podendo também tributar-se, no caso da tributação dinâmica, as transmissões
onerosas e as transmissões gratuitas.
▪ São, entre nós, exemplos de impostos sobre o património o Imposto Municipal
sobre Imóveis (IMI), o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de
Imóveis (IMT) e o Imposto de Selo (IS).

 Impostos sobre o consumo - a tributação incide sobre o rendimento utilizado em


consumo.
▪ Exemplos: o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e os Impostos
Especiais de Consumo (IECs): o Imposto sobre produtos petrolíferos e
energéticos (ISP), o Imposto sobre o tabaco (IT), o Imposto sobre o álcool, as
bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes
(IABA).
▪ A estes acrescem outros impostos que, embora não sejam considerados pela
letra da lei como IECs também eles incidem sobre manifestações específicas
de capacidade contributiva revelada através da utilização do rendimento e têm
como finalidade a redução do consumo e a internalização das externalidades
negativas geradas pelo comportamento dos particulares: o Imposto sobre
veículos (ISV), ao Imposto Único de Circulação (IUC) e à Contribuição sobre
os sacos de plástico leves.

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4.5. A repartição dos impostos


A distribuição da carga tributária não pode ser nem caprichosa nem arbitrária.
Assumem especial relevância as noções de generalidade e uniformidade, decorrências diretas do
princípio da no taxation without representation e materializadas no princípio da igualdade fiscal.
De acordo com estas exigências todos os cidadãos devem pagar impostos (generalidade), não
havendo entre eles qualquer distinção de classe, ordem ou casta, sendo que a repartição dos
impostos tem de ser feita de acordo com o mesmo critério (uniformidade).
A observância destas duas exigências obriga a que indivíduos nas mesmas condições entregarem
nos cofres do Estado a mesma quantia a título de imposto (igualdade em sentido horizontal) e que
indivíduos em condições diferentes suportarem montantes diferentes de imposto, na medida dessa
diferença (igualdade em sentido vertical – destaca-se, aqui, o princípio da capacidade
contributiva.
De acordo com princípio da capacidade contributiva estarão nas mesmas condições os
indivíduos a mesma capacidade para pagar impostos e em condições diferentes indivíduos que
têm diversa capacidade. Esta capacidade determina-se a partir dos recursos em moeda ou
avaliáveis em moeda que se renovam todos os anos.
Contrariamente, do princípio do benefício, do qual nos afastamos pela sua impraticabilidade,
decorre que cada contribuinte deve pagar impostos na medida do benefício que aufere da atividade
pública.

 Difícil determinar o valor dos benefícios que cada um recebe da atividade


pública, da utilização de bens públicos;
 Há situações em que o valor dos mesmos é tão elevado que o contribuinte não
tem condições económicas para suportar o seu pagamento.
Embora o princípio do benefício não seja adequado como princípio geral para determinar a
distribuição da carga tributária nos impostos com finalidade exclusiva ou maioritariamente fiscal
já o é no caso dos impostos extrafiscais, ou seja, naqueles casos em que o imposto tem como
finalidade primeira refrear de determinado comportamento dos contribuintes.
Então, com o princípio da capacidade contributiva, parte-se do pressuposto que é mais fácil aos
mais ricos prescindir de uma parcela do seu rendimento ou da sua riqueza do que aos mais pobres.
Assim, deve ser escolhido um sistema em que o esforço material - perda de bem-estar - suportado
por cada um dos contribuintes seja idêntico.
É, portanto, essencial diferenciar a tributação com base na fonte dos rendimentos:

 os rendimentos do trabalho (salários, juros, rendas e lucros) resultam de uma fonte


temporária e, por isso, são rendimentos transitórios,
 os lucros das empresas têm uma fonte permanente, a sua obtenção não está diretamente
relacionada com a vida física do seu titular.
Assim, os titulares de rendimentos temporários apresentam uma menor capacidade para pagar
impostos do que os demais. Deve existir um incentivo a reservar uma parcela de rendimentos para
aforro, por forma a conseguirem amealhar rendimentos para os períodos em que, por qualquer
vicissitude, a sua capacidade para o trabalho diminua, seja em consequência de um evento de
cariz pessoal como uma doença ou o envelhecimento, seja por decorrências do próprio mercado

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de trabalho, como sucede em situação de desemprego. Justifica-se, então, a existência de uma


discriminação qualitativa dos rendimentos, que pode ser levada a cabo por diversas formas, desde
que estas se reconduzam a uma tributação mais favorável e respeitando, sempre, a liberdade dos
cidadãos.

5. Sistemas de Tributação
Existe uma necessidade tributária da totalidade do rendimento, o que nem sempre é possível, uma
vez que há alguns benefícios – “fringe benefits’’ –, que é rendimento não monetário, porque são
benefícios relacionados com a prestação de trabalho, mas que não são rendimento acessório, nem
são consideradas suplementos de salário.
Importa ter desde logo em consideração que num sistema tributário encontramos agregadas quer
as receitas provenientes dos tributos bilaterais – maxime, as taxas – e os tributos unilaterais ou
impostos. A fixação do valor das taxas é feita, como já tivemos oportunidade de referir, tendo por
base o princípio do benefício diversamente do que sucede no caso dos impostos em que o
princípio que rege a sua fixação é o da capacidade contributiva.

5.1. Vários Sistemas de Tributação:

• Proporcional
• Progressivo
• Regressivo

→ Imposto proporcional é aquele em que se exige uma fração constante da matéria coletada,
ou seja, é o imposto em que a taxa aplicada é sempre a mesma e não varia
independentemente do comportamento da matéria coletada. Costuma também dizer-se que
neste tipo de impostos a taxa média e a taxa marginal são iguais.
o A taxa média do imposto representa a razão (ou relação) entre a coleta do imposto
e a matéria coletável.
o A taxa marginal representa a relação entre o acréscimo da coleta a pagar por cada
fração adicional da matéria coletável.

→ Imposto progressivo, é exigida uma fração crescente da matéria coletável, ou seja, a taxa
do imposto varia no mesmo sentido da variação da matéria coletável. Assim sendo, a taxa
marginal do imposto que é suportado ao abrigo de matéria coletável é superior à taxa média.

→ Imposto regressivo o Estado exige uma fração decrescente da matéria coletável o que faz
com que a taxa do imposto varie em sentido inverso ao da variação da matéria coletada e a
taxa marginal é inferior à taxa média do imposto.
Podemos ter impostos que formalmente pertencem a um destes tipos, mas que materialmente se
enquadram num outro tipo de impostos. Um imposto pode ser proporcional em relação à matéria
coletável, mas regressivo ou progressivo face ao rendimento total do contribuinte.
Exemplo 1: Isto acontece no imposto sobre o tabaco constituído por aquelas duas taxas,
pois é uma taxa sobre a coisa (art. 103º do código dos impostos especiais sobre o
consumo). Há uma certa progressividade pela incidência da taxa ad valorem, que varia
em função do preço, e depois tem a taxa ad rem que varia em função da quantidade da
coisa.

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Exemplo 2: Pode suceder que, no IRS por exemplo, existam elementos proporcionais no
contexto da tributação, em taxas liberatórias, pois o IRS é progressivo, mas no âmbito das
taxas liberatórias ele passa a ser proporcional onde passa a ser um imposto real que tributa
a matéria tributável sem ter em conta qualquer característica pessoal do contribuinte

A conjugação destes conceitos no sistema fiscal é essencial para alcançar a justiça e a equidade
e, a forma como a igualdade foi entendida ao longo dos tempos tem variado.
No período Pós-Revolução Francesa, a igualdade (a qual era essencialmente material) consistia
em que todos pagassem impostos, entendia-se à época que a maior igualdade era em sentido
formal, através de um sistema proporcional que apresentou desde logo diversas falhas.
Mais tarde, em inícios do seculo XX, começou a ideia de diferenciação de um sistema
progressivo, que permitiria arrecadar mais receita, uma vez que a taxa aumentava ao aumento da
matéria coletável e permitia a redistribuição de rendimentos. Habitualmente, até se discutia qual
a melhor forma de igualdade, assunto este que perdeu importância ao longo dos tempos.
! Nota a reter: A título de curiosidade podemos referir que os primeiros impostos sobre o
rendimento introduzidos no Reino Unido eram proporcionais e só mais tarde é que viriam a ser
criados impostos progressivos, enquanto nos Estados Unidos da América foram desde sempre
progressivos. Esta divergência pode ficar a dever-se, apenas, ao facto de estes últimos terem sido
introduzidos mais tarde e faz diferenças face ao seu cálculo

→ Imposto proporcional (comumente usados nos impostos indiretos).

Considera-se a forma mais simples de determinação da matéria coletável, quer porque não
enferma dificuldades de definição quer porque da sua aplicação prática não resultam quaisquer
problemas. A norma fiscal fixa uma taxa invariável que funcionará como coeficiente, sendo a
coleta calculada através de uma operação matemática simples de multiplicação dessa taxa
(formal) do imposto pela matéria coletável.
A utilização de um imposto proporcional na tributação direta mostra-se difícil de compatibilizar
com o princípio da igualdade tributária, impulsionando a introdução de uma isenção de base que
corresponde ao limiar de subsistência, remodelação esta que transformará este imposto num
imposto de outra espécie – um imposto progressivo por dedução - como teremos oportunidade de
ver mais adiante, habitualmente apelidado de flat tax.

→ Imposto progressivo
Num imposto progressivo a taxa do imposto acompanha o sentido de variação da matéria
coletável e a taxa média do imposto é inferior à taxa marginal.
A progressividade surge associada a intenções de realização de maior igualdade social, os
impostos não foram sempre progressivos, isto só nasceu no “caos e improviso” da guerra. Foi
também por aqui, que o capitalismo sobreviveu de forma a tentar combater a ideia de igualdade
do comunismo. Outras razões que justificam a progressividade:
- Económicas: a progressividade a nível económico prende-se com a ideia de que o rendimento
possui uma utilidade que diminui com cada unidade adicional. Quem ganha mais 100 difere de
utilidade para pessoas de rendimento de 1000 ou de 100000. O princípio da igualdade exige que

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os sacrifícios resultantes dos impostos sejam distribuídos por um critério materialmente justo, e
para isto, o critério tem de considerar a utilidade do rendimento.
- Do plano teórico: a progressividade considera que a tributação não é apenas um direito de
agressão ao património privado, não é apenas um direito do Estado de tributar receitas coativas
aos privados, o imposto é também um direito de repartição, o imposto e os tributos visam repartir
justamente os encargos do Estado pelos contribuintes. A progressividade faz com que a tributação
não vise apenas agredir o património privado, mas sim tente garantir redistribuição de igualdade.
- Estado Social: a progressividade também se justifica pela afirmação do Estado social, é ela que
proporciona o maior nível de distribuição de riqueza entre as formas de tributação. O estado social
custa dinheiro, e a progressividade permite que sejam aplicadas taxas mais altas do que nos
proporcionais, arrecadando assim mais receita. A progressividade é um fim extrafiscal que o
Estado social tem de maneira a não só financiar-se, mas também a promover igualdade

5.2. Os vários ripos de impostos progressivos (matéria não obrigatória para prova escrita)

→ Progressão contínua
Na progressão contínua a taxa do imposto é variável e aumenta com o mínimo aumento da matéria
coletável.
Problemas:
▪ Não podemos desenhar um imposto a que a qualquer aumento, mesmo que residual da
matéria coletável, corresponda um aumento, também ele infinitesimal da taxa do imposto
– por razões de praticabilidade
▪ Não podemos também, por razões de coerência lógica, criar um imposto em que a taxa
se aproxime ou atinja os 100%, sob pena de o imposto se converter em confisco.
É ainda necessário determinar qual a percentagem máxima de rendimento que pode ser entregue
ao Estado a título de imposto e, também aqui por razões de coerência lógica, se torna defensável
que esta possa ultrapassar os 50% fazendo com que aqueles que teriam um rendimento superior
ao dos demais antes da tributação ficassem com um rendimento disponível inferior ao rendimento
disponível dos demais. Isto é, a hierarquização de rendimentos existente antes e após a tributação
deve manter-se após a tributação, ainda que a desigualdade entre os rendimentos seja esbatida.

→ Progressão por dedução


Num imposto progressivo por dedução a coleta determina-se através da aplicação de uma taxa
proporcional à matéria coletável, depois de a esta ter sido deduzida uma soma fixa.
Apesar de termos um imposto de taxa fixa e invariável, não estamos perante um imposto
proporcional dado que a taxa formal do imposto nunca é aplicada à totalidade da matéria
coletável, mas sim à matéria coletável depois de lhe ter sido abatida uma quantia fixa.
! Nota a reter: Desconhecemos a existência de propostas concretas desta modalidade de
progressão por dedução, embora a existência de deduções à matéria coletável variáveis em função
do nível de rendimentos do contribuinte aplicada no caso dos impostos progressivos por classes
ou por escalões, como sucede no IRS português, se aproxime muito da hipótese agora mencionada,
só que não tem taxa fixa.

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À medida que a matéria coletável aumenta, o peso do valor da dedução na matéria coletável total
vai decrescendo, tornando este imposto num imposto quase proporcional para rendimentos
muito elevados, tal como sucede, por razões diversas, na progressão contínua.
Esta modalidade de progressão relega para um campo meramente residual a questão da não
tributação dos rendimentos abaixo do limiar de subsistência, bastando que o desenho da norma se
tenha em consideração esse valor ou um valor aproximado deste. Tendo em consideração que a
taxa efetiva do imposto nunca atingirá o valor da taxa formal do imposto. Para rendimentos mais
elevados o imposto vai-se tornando quase proporcional, facto este que é bem visível na tabela que
se segue:

→ Progressão por classes


A matéria coletável é dividida em classes e a cada classe de matéria coletável corresponde uma
taxa própria, que varia no mesmo sentido da variação da matéria coletável. A progressividade é
assim conseguida através da aplicação de taxas diferenciadas e crescentes a matérias coletável
também elas diferenciadas e crescentes.
▪ Problema: se nada for feito, na zona de transição entre uma classe e aquela que a precede,
os rendimentos disponíveis (rendimento após imposto) daqueles que se situam no limite
inferior da classe superior tornam-se inferiores aos daqueles que foram tributados no
limite superior da classe anterior, ocorrência esta que, se não for corrigida, constitui um
efeito perverso da tributação
▪ Proposta de solução: introduzir uma previsão que impeça que estas situações ocorram,
uma espécie de “imposto de Procusto”, de acordo com a qual “nenhum contribuinte
poderá ficar um rendimento disponível inferior ao que lhe ficaria se a sua matéria
coletável correspondesse ao teto da classe imediatamente anterior”.

Progressão por escalões


Tal como a progressão por classes, a progressão por escalões consiste num sistema composto por
várias taxas formais crescentes e que variam no mesmo sentido da variação da matéria coletável.
Todavia, contrariamente ao que acontece na progressão por classes, a taxa de cada escalão não é
aplicada à totalidade da matéria coletável, mas apenas à parcela que cabe dentro do respetivo
escalão.

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A coleta deste imposto pode ser calculada de acordo com três metodologias distintas:
1. Mediante a divisão da matéria coletável em duas parcelas
a. uma, igual ao limite do maior dos escalões que nela couber, à qual se aplica a
taxa média correspondente a este escalão, e outra, igual ao excedente, a que se
aplica a taxa marginal respeitante ao escalão imediatamente superior, somando-
se posteriormente os dois valores apurados.

2. Dividindo a matéria coletável em tantas parcelas quantos os escalões que nela cabem
a. aplicando-se a cada uma delas a taxa própria do respetivo escalão, sendo a coleta
dada pela soma dos produtos de cada uma dessas coletas parciais

3. Dedução de uma parcela a abater


a. aplicando a taxa média do escalão à matéria coletável e deduzindo a esta “coleta
virtual” uma parcela constante de uma tabela aprovada pelos serviços da AT

Atente-se ao caso português, cujo cálculo se realiza através deste último método, conforme
constante do nº2 do artigo 68º do CIRSS.

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→ Imposto regressivo
O Estado exige uma fração decrescente da matéria coletável. A taxa do imposto varia em sentido
oposto à variação da matéria coletável e a taxa marginal é inferior à taxa média do imposto.
Podemos encontrar um exemplo de imposto direto regressivo em Inglaterra no séc. XIV, imposto
este que não terá sido implementado e, entre nós, a dízima militar que configura a primeira forma
de imposto direto ad valorem.
Estamos perante um imposto cuja taxa desce na exata proporção do aumento da matéria coletável,
isto é, estabelece-se entre a matéria coletável e a taxa do imposto (alíquota) uma relação de
proporcionalidade simples inversa, o que é conseguido de uma forma bastante simples: a norma
fixa uma coleta a suportar por cada contribuinte, sendo a taxa efetiva do imposto determinada
pela divisão do valor da coleta pelo valor da matéria coletável.

6. A teoria da tributação ou o desenho de um sistema tributário ideal: utopia?


6.1. Generalidades
O desenho de um sistema tributário e, em especial, de um sistema fiscal obedece a princípios
vários, nomeadamente ao princípio da legalidade fiscal, decorrência natural do princípio no
taxation without representation. - Não pode haver tributação sem representação, tem de ser os
próprios cidadãos a aprovar os seus impostos.
O sistema fiscal tem como função a arrecadação de receitas, mas também com outros objectivos,
nomeadamente o objectivo de redistribuição, mas também a orientação de comportamentos (todos
os impostos que falamos com finalidade extrafiscal). a escolha de um determinado tipo de sistema
fiscal e, dentro deste, da tipologia de cada um dos impostos que o integram sempre foi considerada
uma matéria de grande importância

O sistema tributário ideal é a conjugação de vários tipos de tributos, bilaterais e unilaterais, taxas
e impostos, e dentro dos impostos também eles de vários tipos, para permitir atingir um leque
mais abrangente de capacidade contributiva e corrigir mutuamente as deficiências de cada tipo de
imposto. Todos concordam que os sistemas tributários devem ser justos, mas não existe consenso
sobre as características que um sistema fiscal deve assumir para que possa ser considerado justo.
Mas habitualmente é dado especial atenção à própria legitimação do poder tributário dos estados
e à definição de justiça e equidade. A concretização prática destes conceitos tem sofrido alterações
ao longo dos séculos sendo influenciada pelas teorias económicas dominantes em cada período.
Atualmente é consensual que um sistema de tributação progressivo cumpre os requisitos para ser
considerado um sistema justo, embora se considere que um sistema proporcional pode, em certa
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medida, dar cumprimento a esse desiderato. Apenas um sistema regressivo não é capaz de cumprir
essa função.
Em suma, O que se pretende, ao falar em sistema fiscal justo, é um sistema que permita atingir os
objetivos económicos e sociais traçados com a menor perda de bem-estar por parte daqueles que
têm que suportar o pagamento dos impostos ou seja, contribuir para que o impacto económico da
despesa pública financiada por empréstimos seja o menor possível, com base numa ideia de
eficiência e eficácia.
Por forma a responder a esta questão, Adam Smith formulou as “quatro máximas dos impostos”:
1. Capacidade para suportar o encargo do imposto
2. Certeza
3. Conveniência de pagamento
4. Economia de Cobrança

Todos os cidadãos devem contribuir na medida do possível para o financiamento da despesa


pública, sendo que esta compreensão não deve ser calculada de forma arbitrária, tendo de ser
cognoscível o montante a pagar, o modo de pagamento e o prazo de pagamento. A escolha do
momento da cobrança também deve ser adequada (o IRS é pago no momento em que se paga o
salário e por retenção na fonte) e, por fim, diferencial do valor a receita arrecadado do estado e os
custos do imposto, deve ser o mais alto possível.
Contudo, e mesmo estas preocupações não tendo sido descartadas, a própria interpretação das
máximas smithianas deve ser adaptada: os custos de cumprimento e de administração devem
ser um dos fatores a considerar ao nível do procedimento de criação e gestão dos impostos uma
vez que, também eles, têm um impacto direto na eficiência da gestão de recursos, quer públicos,
quer privados, a ideia de justiça e de adequação dos mecanismos para determinação da capacidade
contributiva e, dentro desta, da matéria tributável, deve respeitar as legítimas expectativas, o
princípio da proporcionalidade e o princípio da legalidade e todo o sistema deve ser o mais
transparente possível, só assim se conseguindo a sua compreensibilidade50 ou seja: simples,
neutral e estável.

6.2. Neutralidade, simplicidade e estabilidade


A justiça do sistema fiscal deve ser vista não só na perspetiva de diminuição da desigualdade na
distribuição dos rendimentos, mas também em termos procedimentais. Desde logo porque um
procedimento tributário simples, claro e adequado permite garantir aos contribuintes um
tratamento adequado e, sendo compreensível, constitui um incentivo ao cumprimento adequado
das normas, isto é, pode funcionar como um instrumento de compliance.
E é por isso que se formularam novas regras de ouro dos sistemas fiscais: neutralidade,
simplicidade e estabilidade

• Neutralidade - não discriminando arbitrariamente atividades e padrões de


comportamento dos cidadãos, minimizando as distorções do comportamento e as perdas
de bem-estar. Também é importante um desenho de um sistema fiscal que cumpre
finalidades extrafiscais, nos benefícios fiscais pensados para fomentar as boas práticas
ambientais ou na tributação acrescida de determinado tipo de produtos por razões de
saúde pública.

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• Simplicidade – ligada à possibilidade de conhecimento dos deveres, mas também dos


direitos e à compreensibilidade das normas fiscais, que nos leva a dizer que quanto mais
simples e compreensível for o sistema, melhor. As medidas mais complexas devem ser
deixadas para situações excepcionais. Esta opção garante maior transparência e, em regra,
demanda menores custos administrativos e de gestão fiscal por parte da administração
tributária e dos contribuintes. A complexidade é também apontada como uma das razões
justificativas da fraude e evasão fiscal, sendo, não obstante essencial para garantir a
igualdade em sentido material.

• Tendencial Estabilidade – Na busca incessante por um sistema fiscal que combata


eficazmente a fuga aos impostos, criando normas que permitam eliminar as situações em
que os contribuintes programam as suas atividades por forma a evitar o pagamento de
impostos, ainda que isso implique a violação de normas legais, leva a que os sistemas
sejam cada vez mais complexos e imprevisíveis. As normas fiscais aplicam-se, como
quaisquer outras normas legais, a uma realidade em constante mutação e as
especificidades e por isso não podem deixar de ser adequadas às alterações sociológicas
e económicas que, entretanto, ocorreram. Essas alterações não têm que implicar
alterações significativas no rumo da política fiscal e podem até ajudar a introduzir
correções que levem a uma maior justiça e equidade fiscais.

Embora do ponto de vista teórico seja possível desenhar um sistema económico justo e neutral, a
realidade dos últimos tempos leva-nos também a questionar se os índices de capacidade
contributiva não estão eles próprios a mudar. A tendência atual para concentrar a tributação em
realidades físicas, têm demandado a introdução de algumas alterações nos sistemas fiscais, mas a
erosão das receitas tem funcionado em sentido contrário, por forma a atrair as pessoas físicas e as
atividades empresariais com forte conexão física a um território para que seja possível obter
receitas suficientes para o financiamento das atividades estaduais.
5.3. Repensar o imposto sobre o rendimento
A aplicação combinada dos impostos no nosso sistema fiscal leva-nos a algumas conclusões:

• Sistema fiscal tendencialmente proporcional sobretudo para os rendimentos mais


elevados
• Tributação direta do rendimento progressiva
• A tributação indireta do rendimento e a tributação do património acabam por ser
materialmente regressivas na generalidade dos casos.
Porquê? Porque os Estados sociais e fiscais modernos estas receitas são canalizadas
maioritariamente para o financiamento das despesas com direitos fundamentais, mas, também
com direitos económicos, sociais e culturais de abrangência universal.
Importa ressalvar que o sistema progressivo contribuiu, e continua a contribuir, de forma
decisiva, para a implementação do Estado Social. Permitiu, de modo direito ainda que imperfeito,
realizar a redistribuição de rendimentos e, principalmente, a arrecadação de avultados montantes
de receita para financiar as despesas públicas nas mais diversas áreas, nomeadamente as
relacionadas com as políticas de redistribuição. Contudo, há que considerar que não é sustentável,
sequer do ponto de vista teórico, que a taxa marginal do imposto seja muito elevada, levando à
criação de impostos confiscatórios. O desejo de progressividade fiscal parece questionar, por
vezes, a justiça e a equidade não só nos escalões mais baixos, mas, mais notório, nos escalões
mais elevados.

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Efeitos económicos dos impostos


(para um estudo mais aprofundado e completo ver o texto do Dr. Fernando Rocha Andrade)
A questão aqui levantada é a de saber quem suporta o sacrifício patrimonial do imposto, ou seja,
quem é que, por causa daquele concreto imposto, vê o seu património reduzido - quem é que
estaria melhor na ausência daquele imposto em concreto. Esta é a questão da incidência
(económica) do imposto.
Contribuinte – é o titular da manifestação da capacidade contributiva que a lei visa atingir.
Sujeito passivo em sentido estrito – é o devedor do imposto. Aquele que deve satisfazer perante
o Estado a obrigação do imposto
Verificamos um fenómeno comum a todos os impostos que incidam sobre uma transação (como
é o caso dos impostos indirectos e dos impostos directos sobre o rendimento): o preço pago pelo
comprador e o preço recebido pelo vendedor são diferentes.
Exemplo: Quando consumimos um café, efetuamos o pagamento à empresa, neste caso
ao bar. Contudo, o dinheiro amealhado efetivamente pela entidade não é a totalidade do nosso
pagamento, mas apenas uma parte, uma vez que terá ainda de pagar ao Estado o IVA (que para
nós já vem incluído no preço, mas que, na sua ausência, teríamos um custo mais baixo). Ou seja,
substitui-se momentaneamente à autoridade tributaria, dando-lhe depois o devido a imposto.
O que quer isto dizer? O imposto altera os preços relativos dos bens e dos factores, e o problema
da incidência económica é o de saber como é que os impostos alteram esses preços - quem fica a
perder e a ganhar. Determinar a incidência económica do imposto é determinar a diferença entre
o rendimento real dos indivíduos antes e depois da imposição. Para essa incidência, não só é
irrelevante quem é, juridicamente, o devedor do imposto; mas pode essa incidência económica
ser diferente da incidência jurídica, ou seja, pode o peso do imposto não recair sobre as pessoas
cuja capacidade contributiva a lei quis atingir - os contribuintes.
São vários os efeitos económicos possíveis dos impostos:

→ Repercussão
À alteração dos preços dos bens e dos factores que resulta de um imposto chamamos repercussão
do imposto:

• Temos repercussão para a frente quando há uma subida do preço por efeito do imposto,
significando que é o comprador que suporta o imposto, por via da subida do preço que
ele paga.
• Repercussão para trás significa que é o vendedor que suporta o imposto, através da
redução do preço que ele recebe.
! Nota a reter: a incidência económica refere-se sempre a pessoas físicas. Como já vimos, só
as pessoas físicas podem suportar o sacrifício dos impostos. As pessoas colectivas não fazem
qualquer "sacrifício", pelo que não tem sentido dizer que uma pessoa colectiva suporta um
imposto.

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Relembrar

Elasticidade (elasticidade-preço): dá-nos a medida da variação da quantidade procurada de um


bem perante a variação do respetivo preço.

• a procura é elástica quando o quociente obtido seja maior que um. Neste caso, se o
preço aumentar, existe uma descida mais que proporcional na quantidade procurada
• a procura é inelástica quando o quociente obtido é menos do que um. Aqui, uma subida
do preço leva a uma diminuição menos que proporcional na quantidade procurada e,
consequentemente, a receita total do empresário aumentará se este subir o preço
• Procura com elasticidade unitária se o quociente obtido for igual a um. Neste caso, uma
variação no preço leva a uma variação idêntica, mas em sentido oposto da quantidade
procurada
• a elasticidade é igual a zero denomina-se por elasticidade absolutamente inelástica.
Aqui verifica-se que o aumento do preço não influencia a procura, pelo que esta é
indiferente a variações de preço – a procura é rígida

Estão reunidas as condições para que a repercussão para a frente atinja os seus objectivos nos
casos em que a elasticidade da procura seja zero, absolutamente inelástica. O vendedor pode subir
o preço do imposto sem afetar o preço do produto sem que a procura seja afetada.
Tendencialmente, os impostos especiais de consumo são repercutiveis na sua totalidade,
precisamente porque incidem sobre bens de compra inelástica. O mesmo acontece com o IVA,
mas por razões diferentes. O IVA é um imposto geral sobre o consumo, em que os consumidores
não têm alternativa livre do imposto.
Quanto aos impostos sobre o trabalho, em regra, a tributação direta é suportada pelo trabalhador,
mas há um fenómeno de repercussão regressiva no caso das contribuições para a SS, por parte
das entidades patronais - Em Portugal, como em muitos países, a incidência legal destas
contribuições está repartida entre trabalhador e empregador. Isto quer dizer que, do seu salário
bruto, o trabalhador paga uma percentagem para a SS. E que o empregador, além do salário bruto,
paga também uma percentagem deste para a SS (sendo a soma destes dois valores o custo do
trabalhador visto do ponto de vista do empregador).
Convém, ainda, distinguir entre:
▪ Repercussão total – há uma transferência da totalidade do encargo tributário do contribuinte
de direito para o contribuinte de facto.
Antes do imposto são vendidas 20 unidades do bem, ao preço de 10 unidades monetárias,
recebe 200 o vendedor. É criado imposto específico sobre cada unidade de 10, sendo uma
procura inelástica, o vendedor sabe que pode subir na proporção do imposto, podendo
subir de 10 para 20 o preço de cada unidade. Destas novas 400 unidades monetárias, o
vendedor fica com mesmo lucro, o comprador paga mais (paga a totalidade do imposto)
e o vendedor apesar de receber um aumento de preço não fica com ele pois o entrega ao
Estado.

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▪ Repercussão Parcial – A transferência não é total. Só uma parte é passada para o


contribuinte de facto. Situações em que a elasticidade varia entre 0 e 1. Acontece em
exemplos com efeito de substituição.

▪ Repercussão Nula – Não há transferência de encargo tributário. Existe nos casos em que a
elasticidade da procura é 1 ou infinitamente elástica, ou seja, só há procura a um
determinado preço, não há possibilidade de haver repercussão pois o contribuinte de direito
não consegue passar para o de facto. Por outro lado, quando a elasticidade é igual a 1, se o
vendedor aumentar o preço vai ter uma diminuição na procura na mesma proporção

→ Remoção
Atividade levada a cabo pelo contribuinte para aumentar a sua matéria coletável por forma a ficar
com o mesmo rendimento disponível que tinha antes da incidência de imposto. O encargo do
imposto é completamente irremissível.
Exemplo: um explicador trabalha 6h/dia e recebe 5000/mês, sem qualquer imposto. Imagine-se
que passa a incidir um imposto de 20% sobre este rendimento. Em prática, por cada hora de
trabalho, recebe menos 20%, mas cada hora de descanso, acaba por ficar muito mais barato. Tem
duas hipóteses: pode aumentar o seu rendimento para absorver total ou parcialmente estes 20%
de imposto (efeito rendimento) ou, como a diminuição do “preço” de cada hora d descanso passa
a ser um incentivo ao aumento da sua procura, passa a trabalhar menos porque o descanso fica
mais barato (ao invés de perder 5 mil por cada hora que não trabalha, perde só 80% desses 5 mil).
Partindo do pressuposto que não há Segurança Social, conseguimos através de dois mecanismos
gráficos, da curva em foice e em S perceber o efeito rendimento ou efeito substituição.

Gráfico em foice Gráfico em S

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Ponto 1 (Limiar)- O comportamento da curva de oferta de trabalho é atípico. O trabalhador terá


de aumentar a sua oferta de trabalho para restaurar o seu salário e não se afastar ainda mais do
limiar de subsistência.
Entre o limiar e o teto o comportamento da curva da oferta de trabalho é típico, aumenta a oferta
à medida que se aumenta o valor pago pelo trabalho. O trabalhador tende a operar a remoção.
Depende claro se está mais próximo do limiar ou do teto.
Ponto 2 (Teto) – Acima do teto, a curva é rígida e atípica, o efeito rendimento não tem
importância nenhuma, pois o aumento destes rendimentos (já altíssimos) não compensa o
aumento de trabalho porque aumenta o imposto, sendo o efeito substituição preponderante, não
operando a remoção do imposto.

→ Encargo excedente
Diminuição adicional de bem-estar pelos contribuintes que não se traduz diretamente nem no
efeito rendimento nem no efeito substituição. Mas que decorre diretamente do pagamento do
imposto. É apenas uma perda de bem-estar, traduz-se num comportamento que não implique um
custo monetário.
Exemplo: Em Portugal, os automóveis com apenas dois lugares (os chamados "comerciais
ligeiros") são tributados de forma mais leve do que os restantes automóveis. Muitos dos
adquirentes deste tipo de veículos fazem-no para evitar o pagamento de um imposto mais elevado.
Todavia, estas pessoas, na ausência de impostos, prefeririam comprar um automóvel com 5
lugares. Elas estão então a suportar uma diminuição do seu bem-estar - concretamente, a
diminuição que decorre da ausência do banco traseiro.

→ Descapitalização ou amortização
Perda de valor capital nos bens de produção de duradouros em consequência da criação (ou
aumento da taxa) de um imposto sobre o seu rendimento ou sobre o próprio bem, quer o bem
venha ou não a ser transacionado. Temos bens que são meios de produção duradouros (imóveis,
terrenos, máquinas, p.e.), criado um novo imposto que tributa o rendimento desse bem ou
aumentado a taxa de um já existente.
Exemplo: O Senhor A é proprietário de uma quinta que utiliza para uma produção de maçãs e
cujo rendimento anual é de 1000€. Sobre este rendimento obtido não incide qualquer imposto. O
António quer vender a quinta, sabendo que a taxa de juro no mercado é de 5%. Qual o valor
capital da quinta?
Resposta: Através de fórmula matemática, dividindo o rendimento pela taxa de juro corrente no
mercado (a mesma fórmula que usamos noutras aplicações financeiras). O resultado é 20000,
porque é indiferente a aplicação financeira, a decisão vai depender de outros fatores para alem da
rentabilidade.

Imaginando agora que sobre o rendimento da quinta é criado um imposto à taxa de 20%. Será que
o valor capital da quinta se mantém inalterado ou sofre uma diminuição? Partindo do pressuposto

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que a taxa de juros corrente do mercado e todas as restantes condições económicas se mantêm
(ceteris paribus), qual será o novo valor da quinta?
O rendimento da quinta diminui uma vez que baixa para 800 (20% de 1000), sendo que,
transacionada, passa a valer 16000. Não obstante, o rendimento bruto continua igual (usando a
mesma fórmula e razão que vimos em cima).

Porque é que o valor desceu? Antes da incidência do imposto o rendimento gerado pela quinta
era 1000€. Posteriormente, mesmo continuando a retirar 1000€ de rendimento da quinta, tem de
entregar 200€ ao Estado a título de imposto. Então, o rendimento líquido da quinta desceu para
800€.
O doutor Teixeira Ribeiro diz que a amortização é uma espécie de repercussão regressiva (o
comprador transfere para o vendedor pois paga menos, o vendedor tem de aceitar receber menos
pois caso contrário não a vendia) dos impostos pois o valor só altera no momento de transação.
Já o doutor Aníbal Almeida diz que a amortização é um efeito económico dos impostos diferente
da repercussão regressiva uma vez que se verifica independentemente do bem ser transacionado
ou não. Desde a criação do imposto, a quinta fica efetivamente a valer menos, desvaloriza, o
rendimento da quinta diminui se for ou não transacionada.

→ Elisão fiscal
O contribuinte escolhe para materialização de uma realidade ou uma operação económica uma
veste jurídica diferente com o objectivo de obter uma maior poupança fiscal. Esta alteração de
comportamento tem apenas por base razões fiscais, mas não é uma violação da lei. Utilizam-se
meios lícitos que tentam evitar o surgimento do imposto. Pressupõe-se aqui, portanto, a
comparação entre uma situação hipotética – a configuração jurídica do acto que corresponderia
ao comportamento racional do agente económico na ausência de imposto – e a configuração
efectivamente empregue.
A elisão fiscal é um comportamento lícito - não envolve a violação de deveres jurídicos - mas
põe em causa o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de igualdade horizontal. Na
verdade, a elisão significa que uma mesma realidade económica será tributada de maneira
diferenciada, consoante a forma jurídica escolhida. Além disso, reduz a receita fiscal do Estado.
Todavia, como vimos, a escolha da forma jurídica para uma operação faz parte da liberdade do
contribuinte, e não é em geral censurável que ele se oriente por motivos de poupança fiscal.
Assim, só haverá sanção contra a elisão quando esta configure um abuso dessas formas jurídicas,
uma verdadeira fraude à lei fiscal. Abuso que, segundo a doutrina, existe quando haja afastamento
da “forma negocial normalmente escolhida” para a obtenção daquele resultado económico,
resultando a elisão da utilização de “«processos insólitos», «formas anormais», «formas
inusuais», ou «formas inadequadas»”.
No nosso ordenamento jurídico, a elisão fiscal é combatida pela existência de normas anti-abuso.
A reacção da ordem jurídica perante a elisão fiscal é a desconsideração da caracterização jurídica
dos factos feita pelo contribuinte. A administração fiscal vai ignorar a forma jurídica escolhida

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pelo contribuinte e tributar o facto como se ele tivesse sido praticado sob uma outra
caracterização. Estas normas anti-abuso dividem-se em normas especiais (prevendo um
específico comportamento elisivo, e as respectivas consequências fiscais) e norma geral (ou
cláusula geral anti abuso). A segunda tem sede no art. 38º, nº2 da Lei Geral Tributária.

→ Evasão fiscal
Comportamentos ilícitos, ou seja, contrários à lei, onde o sujeito passivo viola deveres jurídicos
para tentar diminuir o montante de imposto a pagar.
O tipo mais frequente de evasão fiscal é a violação dos deveres de declaração por parte do sujeito
passivo, por exemplo não declarando certos rendimentos auferidos ou fornecendo elementos
falsos acerca de despesas efectuadas. A consequência jurídica da evasão fiscal (se detectada, como
é óbvio) é o pagamento do imposto devido. Além disso, haverá eventualmente, sanções pela
prática do acto ilícito. Dado o princípio da tipicidade das infracções, nem todo o comportamento
ilícito terá necessariamente como consequência uma sanção penal ou contraordenacional. Assim,
dentro dos actos de evasão contra legem, devemos ainda autonomizar os que constituem infracção
fiscal.

7. A política de redistribuição

7.1. Noção de redistribuição de rendimento


Na economia de mercado, a distribuição de rendimentos é uma consequência da remuneração dos
fatores produtivos.
À participação de cada um na produção corresponde um rendimento, que traduz em salários,
rendas, juros e lucros. Designa-se por redistribuição a alteração, por atuação das entidades
públicas, desses resultados distributivos do mercado.
O efeito redistributivo não se limita à atividade financeira: as legislações do trabalho, da
propriedade industrial ou da concorrência, por exemplo, têm efeitos significativos na própria
formação dos rendimentos no mercado. Em suma, existe redistribuição sempre que há uma
diferença entre aquilo que cada um paga ao Estado (nomeadamente através dos impostos) e o
cada um beneficia com a atuação pública. Naturalmente, isto acontece sempre que a tributação
não se faça estritamente pelo princípio do benefício. Já vimos que tal princípio, além de
dificilmente aplicável na prática, é genericamente rejeitado enquanto base desejável da política
fiscal (sendo, aliás, a necessidade de redistribuição o principal fundamento dessa rejeição).
Por seu lado, a política redistributiva tem geralmente uma finalidade precisa: redistribui-se de
quem tem mais para quem tem menos, reduzindo assim a desigualdade de rendimentos e riqueza
resultante do funcionamento do mercado. É este o sentido apontado pelo texto da Constituição
Portuguesa - veja-se o disposto na alínea d) do artigo 9.º da CRP, e sobretudo nas alíneas a) e b)
do artigo 81.º: neste pode-se ler que são incumbências prioritárias do Estado, no âmbito
económico e social, "promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de
vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas" e "promover a justiça social (…) e operar
as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento". Como
já vimos, esta redução de desigualdades é também um dos objetivos especificamente apontados
pela Constituição para o sistema fiscal.

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7.2. Meios de efetivação da política de redistribuição - política fiscal


O sistema fiscal pode ser utilizado como mecanismo de política redistributiva, através de um
sistema que possa ele mesmo globalmente ser considerado como progressivo.
Se se retira aos titulares de maiores rendimentos uma maior proporção da matéria
coletável do que aos titulares de menores rendimentos, as desigualdades relativas nos
rendimentos após impostos serão menores do que as desigualdades antes da tributação
No desenho constitucional do sistema fiscal português, a progressividade seria obtida pela
conjugação de um imposto progressivo sobre o rendimento pessoal, uma tributação do património
e uma tributação agravada dos consumos de luxo. Dado que não existe uma tributação geral do
património (mas apenas tributação do património imobiliário) e que foi abolida a taxa agravada
de IVA de 30%, toda a “responsabilidade” pela progressividade do sistema fiscal recai hoje sobre
o IRS.
Também a provisão de bens públicos e semipúblicos pode realizar o objectivo redistributivo
porque essa provisão é financiada com impostos, sendo, portanto, o benefício extraído por alguns
dessa provisão superior ao montante com o qual contribuem para a mesma pela via fiscal.

7.3. Segurança Social e redistribuição


A finalidade redistributiva não é a única presente nos sistemas de Segurança Social. No seu início
(normalmente associado a medidas tomadas na Alemanha, no último quartel do séc. XIX), a
Segurança Social era um mecanismo de cobertura de riscos para as classes trabalhadoras,
traduzindo-se essencialmente em pensões de reforma. Há uma finalidade comutativa, à maneira
de um seguro.
As políticas de Segurança Social especialmente dirigidas às situações de maior carência
económica surgem mais tarde. Todavia, é evidente que mesmo a componente de cobertura de
risco da Segurança Social foi criada tendo em vista os estratos sociais mais expostos a esse risco,
que naturalmente é constituído pelos titulares de menores rendimentos.

7.4. Regimes não contributivos vs Regimes contributivos


Podemos subdividir os regimes de segurança social em regimes contributivos e regimes não
contributivos.
Regimes contributivos – são financiados fundamentalmente com contribuições dos próprios
beneficiários, tendo, portanto, como finalidade principal a comutação do risco. São em larga
medida financiados por meio de quotizações de trabalhadores e entidades patronais.
Regimes não contributivos – são dirigidos a situações de carência económica, são financiados
principalmente pelas receitas gerais do estado, e têm uma finalidade essencialmente
redistributiva. São financiados exclusivamente por transferências estaduais (maxime receitas
provindas de impostos)
! Nota a reter: Esta divisão encontra acolhimento na atual Lei de Bases da Segurança Social – Lei
n.º 4/2007, de 18 de janeiro, alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, na divisão entre
subsistema de solidariedade e sistema previdencial.

Os regimes contributivos, visam, em primeira linha, fornecer aos cidadãos rendimentos


substitutivos dos rendimentos do trabalho. Funcionam numa lógica de comutatividade do risco,

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exigindo a prévia contribuição para o financiamento do sistema através das quotizações – arts.
54.º, 56.º, 61.º e 90.º n.º 2 LBSS. O acesso aos benefícios fica dependente da inscrição dos
trabalhadores no sistema, e do cumprimento das obrigações contributivas durante um determinado
lapso de tempo – período de garantia.
Por contraposição, nos regimes não contributivos, a finalidade prevalecente é a redistribuição
de rendimentos. Não obstante o âmbito de aplicação material poder ser semelhante ao do regime
contributivo, este funciona numa lógica diversa. O que aqui se pretende em primeira linha é
fornecer aos indivíduos rendimentos que permitam prevenir e erradicar situações de carência
económica – arts. 26.º, 29.º, 36.º, 40.º e 90.º n.º 1 LBSS. O acesso aos benefícios (pensões) não
fica dependente de inscrição no sistema nem envolve o pagamento de contribuições, sendo antes
determinado tendo em consideração os recursos do agregado familiar.
Os regimes de segurança social com finalidade essencialmente redistributiva
As mais importantes políticas redistributivas da Segurança Social enquadram-se no chamado
subsistema de solidariedade, que abrange o regime não contributivo, o regime especial de
segurança social das atividades agrícolas, os regimes transitórios ou outros formalmente
equiparados a não contributivos e o rendimento social de inserção.
Os meios de acesso e âmbito de cobertura pessoal, destinam-se quer a colmatar as lacunas do
regime previdencial, quer a potenciar a inserção dos mais desfavorecidos, bem como a garantir
os direitos essenciais por forma a prevenir ou erradicar situações de pobreza e de exclusão. Este
é mobilizado em situações de falta ou insuficiência de recursos económicos dos indivíduos e dos
agregados familiares para a satisfação das suas necessidades essenciais – nomeadamente
situações de invalidez, velhice ou morte e para a promoção da sua progressiva inserção social e
profissional. Atua ainda em casos de insuficiência das prestações substitutivas dos rendimentos
da atividade profissional, por referência aos valores mínimos fixados, podendo ainda abranger
os encargos resultantes da isenção, redução ou bonificação de taxas contributivas e de antecipação
da idade de reforma.

8. A política de estabilização e a sua relação com as políticas anti cíclica e anti-inflacionista


8.1. O emprego e os ciclos económicos
Outra das políticas financeiras é a política de estabilização, com vista a preservar o país de forte
desemprego e da variação considerável dos preços.
Ora, um aumento do rendimento nacional (valor dos bens de produção e de consumo finalizados
num determinado período) exige um aumento de elementos produtivos. Então, a situação ideal é
a do pleno emprego uma vez que este se traduz na máxima produção que se pode obter com a
técnica existente, ou seja, no máximo rendimento nacional. Existindo braços sem emprego e terras
ou máquinas desaproveitadas, perde-se rendimento que se poderia aproveitar desta. Ademais, a
maior parte dos trabalhadores têm um património diminuto, contrariamente à maior parte dos
capitalistas e proprietários. Então, os primeiros vivem do rendimento do seu trabalho, pelo que a
falta de emprego leva a que não disponham de meios de subsistência.

• Desemprego friccional – Resulta da chegada ao mercado de novos trabalhadores, uma


vez que se assiste a um desencontro entre a oferta e a procura de trabalho e, portanto, a
uma demora do mercado em atingir o equilíbrio.
• Desemprego sazonal – Verifica-se periodicamente, em determinados meses do ano.

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• Desemprego estrutural – Deve-se a alterações na estrutura económica do país, através,


por exemplo da substituição tecnológica ou pelo desfasamento entre as suas habilitações
e as exigências do mercado de trabalho.
• Desemprego cíclico – Verifica-se após cada período de prosperidade. É, de todos, o mais
grave, pois pode afetar enormes massas de trabalhadores.

Desemprego cíclico. Porquê?


Em primeiro lugar, vale ressalvar que a economia capitalista se caracteriza por fases alternadas
de prosperidade e depressão.
Ora, face a uma fase em que se verifica uma diminuição substancial dos bens de consumo, amos,
pois, aumentar o investimento para fazer renascer a procura de capitais de substituição como,
aumentando a procura, surge a busca por capitais novos.
Encontramo-nos, então, numa fase de prosperidade porque aumenta o investimento e o consumo.
Importa salientar que o processo de expansão é limitado pelo pleno empego. Compreende-se
porque mesmo que se aumente a população ou até que se introduzam novos processos técnicos
podem não ser braços suficientes para acelerar o investimento. Com menos trabalhadores, diminui
a produção desta empresa e, portanto, desses bens. Mas sabemos já que diminuindo o consumo,
diminui o investimento.

Contudo, muitas vezes acontece que a expansão cessa antes de os braços estarem todos ocupados:

• Investimentos excessivos nos primeiros estágios de prosperidade;


• Diminuição da eficiência marginal do capital (aumento constante dos salários e
consequentemente dos custos de produção dos bens);
• Esgotamento da capacidade financeira dos bancos.
Pelo contrário, a depressão faz ressurgir a procura de capitais e incrementar a procura de bens de
consumo duradouros – forças endógenas ou orgânicas.

A política financeira anti cíclica


Que política pode o Governo seguir não só para sustar o decréscimo do rendimento nacional ou
o afrouxamento do seu acréscimo, como para desencadear uma nova fase de prosperidade?

→ O rendimento está a diminuir


→ A procura feita ao nível corrente dos preços é inferior à oferta de pleno emprego
→ É necessário o aumento da procura
Como? Através do aumento das despesas-compra que estimulem as despesas dos privados. Daí
que não deve fazer investimentos que sejam concorrentes com a iniciativa privada. Além disso,
deve fazer despesas que contribuam para a baixa do custo de produção, incentivando assim o
investimento.
Obras públicas: estradas, pontes, energias renováveis.
Por outro lado e de forma indireta, o Estado pode incrementar a procura global através do aumento
das despesas-transferência e da redução dos impostos:

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→ Aumento das despesas em subsídios e auxílio aos mais pobres para estimular o
poder de compra
→ Reduzir os impostos sobre os rendimentos,
o Vale notar que só se verifica um aumento no consumo se se considerar
permanente a redução do imposto.

A política financeira anti-inflacionista

• O caso da inflação-procura
Vencida a depressão, invertido o movimento, entra-se em nova fase de prosperidade,
começando a reabsorver o desemprego.
Enquanto há pessoas sem trabalho, o aumento da procura global provoca aumento
correspondente da produção sem aumento (ou até ligeiro) dos custos. Contudo, à medida que
se aproxima o pleno emprego, o aumento da procura provoca um aumento da produção que
passa a fazer-se a custos crescentes:
o Maiores salários
o Recurso a trabalhadores menos capazes
Assiste-se, portanto, à inflação. Com ela perdem os titulares de rendimentos fixos (pensionistas,
renditas, etc.), os credores a longo prazo e os trabalhadores e ganham os devedores a longo prazo
e os titulares de rendimentos variáveis (os empresários)
O que pode o Estado fazer?
A inflação foi desencadeada pelo aumento da procura global – aumenta a oferta a custos
crescentes e consequentemente os preços. Há então que refrear a procura.

→ Diminuição das despesas-compra


o Pode prejudicar o funcionamento dos serviços ou o andamento das obras
públicas.
→ Diminuição das despesas-transferência
o Vai sempre afetar os beneficiários.
→ Aumento dos impostos
o Esta arrisca-se a ter eficácia diminuta uma vez que a curto prazo os
indivíduos resistem a reduzir o seu consumo.
→ Redução da oferta da moeda, aumentando a taxa de juro e consequente diminuição
do investimento.
o Política contraccionista
O êxito de qualquer uma destas medidas tem, um custo: o desemprego. Reduzindo-se o aumento
da procura acaba por se reduzir a produção e, portanto, o número de pessoas empregadas.
O facto de nãos e combater o desemprego ao mesmo tempo quês e combate a inflação é explicada
porque a redução do aumento do nível dos preços não ser acompanhada de uma redução do
aumento dos custos, ou seja, os preços começam a subir menos em consequência de uma política
restricionista, mas os custos continuam a subir como anteriormente, sobretudo porque os
trabalhadores não acreditam que se consiga combater a inflação e exigem, por isso, salários
maiores. Tal desfasamento entre a subida dos preços e a subida dos custos traduz-se numa redução
dos lucros das empresas que acabam por reduzir a produção, fazendo aumentar o desemprego.

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Trade-off inflação-desemprego
Em face a este desfasamento o Governo tem de proceder a uma arbitragem – trade-off – entre as
duas realidades. Quer isto dizer que tem de optar ou por menos inflação e mais desemprego ou
menos desemprego e mais inflação.
Ora, numa situação próxima do pleno emprego, a diminuição da inflação vai corresponder a níveis
irrisórios de desemprego. Porque o aumento da procura vai-se refletir mais na subida dos preços
do que propriamente na diminuição da produção. Então, qualquer diminuição da procura vai fazer
com que a inflação desça mais do que a produção e, por isso, que o emprego.
Contudo, pode haver atrasos nas políticas financeiras e quando as medias que restringem a
procura sejam implementadas, já se tenha esgotado a fase da prosperidade e estejamos a entrar
em depressão pelo que as medidas podem até agravar o muito desemprego já existente.

• O caso da inflação-custo
Os preços sobem porque sobem os custos, estes sobem porque aumenta a produção a produção
aumenta porque aumenta a procura.
A subida dos custos é, então, motivada pela subida da procura.
Contudo, os custos também podem subir autonomamente:

→ encarecimento das matérias-primas em casos de monopólio ou oligopólio dos produtores;


→ subida dos salários superior à subida da produtividade dos trabalhadores motivada pela
força dos sindicatos.
Ora, se a subida dos custos é autónoma, as empresas veem os seus lucros reduzidos e acabam por
restringir a produção, fazendo com que os preços aumentem. A isto se chama a inflação-custo.
O que pode fazer o Estado?
A escolha depende muito da intensidade relativa do desemprego, da inflação e a sua
previsibilidade, ou até do que se espera das taxas de desemprego para se perceber como é que se
pode reduzir o desemprego e as taxas de inflação.
Então, se o desemprego foi bastante intenso, o Governo vai desistir das políticas contraccionistas
e aplicar outra: a política dos rendimentos (não é matéria de avaliação).
Para terminar, concluímos que não podemos depositar grande confiança em políticas anti-
inflacionistas. Se a inflação surge do aumento da procura – fase da prosperidade -, de nada nos
vale aumentar os impostos, mas sim diminuir as despesas publicas e é difícil encontrar o montante
certo para o fazer sem encontrar grande prejuízo.
Por outro lado, se a subida dos preços for fruto da subida dos custos – fase de depressão -, torna-
se duvidosa na pertinência da escolha de menos inflação e mais desemprego, uma vez que é
elevado o número de braços sem trabalho.

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