Advogada, Professora Orientadora Da Faculdade Multivix Castelo e Cachoeiro de Itapemirim
Advogada, Professora Orientadora Da Faculdade Multivix Castelo e Cachoeiro de Itapemirim
Advogada, Professora Orientadora Da Faculdade Multivix Castelo e Cachoeiro de Itapemirim
RESUMO
O trabalho objetiva discutir à luz dos princípios constitucionais os direitos e as
garantias alcançadas pelas pessoas transgêneras, sobretudo o direito à alteração do
nome e do gênero no registro civil sem a exigência da realização de procedimento
cirúrgico de alteração de sexo e da propositura de tratamentos hormonais, bem como
da autorização judicial, reconhecidos a partir da reforma da ADI nº 4.275 e da
publicação do Provimento nº 73/2018.
Palavras-Chave: Transgêneros, alteração do nome e do gênero; direitos.
ABSTRACT
The objective of this study is to discuss, in the light of constitutional principles, the
rights and guarantees reached by transgender people, especially the right to change
name and gender in the civil registry without the requirement of carrying out a surgical
procedure for altering sex and proposing hormonal treatments, as well as judicial
authorization, recognized as of the Reform ADI No. 4,275 and the Publication of
Provision No. 73/2018.
Keywords: Transgender; name and gender change; rights.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa apresentar um tema de grande relevância para o âmbito jurídico
e social, tendo em vista que é um assunto extremamente complexo e carente de
atenção e regramentos legais, ao passo que é pertinente a uma categoria de pessoas
Uma pessoa que se atrai pelo mesmo sexo e aceita seu corpo exatamente como ele
é, caracteriza-se em homossexual, “os homossexuais são aqueles que estão
satisfeitos com o seu sexo morfológico e dele se orgulham” (SEPÚLVEDA, G.;
SEPÚLVEDA, V., 2015, p. 5).
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Já o travesti “usa vestimentas do sexo oposto durante uma parte de sua existência,
de modo a satisfazer a experiência temporária de pertencer ao sexo oposto, mas sem
desejo de alteração sexual mais permanente [...]” (SEPÚLVEDA, G.; SEPÚLVEDA,
V., 2015, p. 5), podendo até mesmo realizar procedimentos cirúrgicos como implante
de silicone por exemplo, pois apenas tem a intenção de alterar determinados aspectos
estéticos. E o transexual é aquele indivíduo que não reconhece seu próprio corpo
como seu e se submete a cirurgias estéticas, de adequação de sexo e/ou realizam
tratamentos hormonais (SEPÚLVEDA, G.; SEPÚLVEDA, V., 2015, p. 5).
Foi inserido no ordenamento jurídico, o artigo 1º, inciso III na Constituição Federal de
1988, o direito a dignidade da pessoa humana como uma norma maior que
fundamenta o Estado Democrático de Direito “fornecendo o parâmetro de validade
das demais normas integrantes e deduzindo a raiz antropológica que conduz o homem
como pessoa [...]” (HOGEMANN, 2013, p. 67-88).
Maria Berenice Dias (2016, p. 73-74) identifica-o como um direito “de manifestação
primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções e
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experimentado no plano dos afetos”, além de ter sido o principal responsável pela
colocação do indivíduo como ponto central de proteção.
Sendo assim, tudo o que for de encontro ao direito da igualdade e dos demais direitos
preexistentes, sejam atos advindos do legislador, do intérprete da lei ou do indivíduo
estarão respectivamente sujeitos a inconstitucionalidade; reanálise; e penalização em
conformidade com a lei, assim como não é viável a propositura de resoluções e de
medidas discriminatórias e abusivas adotadas nas demais áreas, como da saúde e da
medicina (D’OLIVEIRA, 2010, p. 3).
viabilizado na prática os direitos básicos e essências para uma vida plena e digna
(D’OLIVEIRA, 2010, p. 3).
A simples previsão da igualdade nos dispositivos legais não garantem a sua eficácia,
dessa maneira, para alcançar a igualdade material, faz-se necessário a edição de leis
para reduzir as desigualdades como também a instituição de políticas públicas e de
atos por parte do Poder Público para contribuir na conscientização e na mudança de
comportamento e posicionamento de toda população para se chegar a plenitude do
direito a igualdade previsto na Constituição (D’OLIVEIRA, 2010, p. 2-4).
conforme preceitua o art. 5º, inciso II, “os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados [...]” (BRASIL, 1988).
Por sua vez, estão elencados na Constituição Federal e no Código Civil de 2002, neste
apresentado no capítulo II, em seus artigos 11 a 21 de maneira exclusiva.
Regulamentando que: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
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Além disso, embora não esteja expresso na Lei de Registros Públicos nº 6.015/1973,
em atendimento as razões psicológicas e sociais de cada pessoa somada as garantias
destinadas a todos, uma vez que o nome do indivíduo não mais o represente em face
da sua identidade de gênero, deve-se assegurar o direito à sua alteração assim como
do gênero no registro civil das pessoas transgêneras que assim requererem
voluntariamente (HOGEMANN, 2014, p. 220-221).
Outro assunto que merece destaque é a previsão do direito ao uso do nome social,
concedido no art. 58, da Lei n° 6.015/1973 pela Lei nº 9.708/98 em seu art. 1º,
admitindo a alteração do nome civil por um apelido público notório de escolha
individual correspondente à identidade de gênero o qual a pessoa se identifica, sem
vínculo com os documentos oficiais, afim de incluir os grupos trans e reduzir o
desrespeito às diferenças sexuais na sociedade. Sendo um mecanismo hábil a
promoção da dignidade da pessoa humana, personalidade, igualdade e felicidade dos
transgêneros. Esse direito foi reconhecido após a constante luta dos movimentos
transgêneros e LGBTs (HOGEMANN, 2014, p. 220-221).
Continuou listada até o dia 18 do mês de junho do corrente ano, no qual a OMS
publicou a 11ª edição da CID elencando-a como “incongruência de gênero” na
categoria das condições relativas à saúde sexual e não mais como um transtorno
mental, sustentando que embora não seja um transtorno, as pessoas transexuais
necessitam de maiores cuidados e para que isso ocorra operativamente deve constar
na CID. As alterações pertinentes a nova CID serão adotadas pelos Estados-membros
em 2019 durante a Assembleia Mundial da Saúde. Essa nova classificação refletirá
sobremaneiramente na vida e dignidade das pessoas transgêneras, trazendo maior
segurança na assistência à saúde; nas relações jurídicas e na busca pela felicidade
(WORLD Health Organization, 2018).
Desse modo, para a realização da cirurgia é preciso apresentar laudo médico com o
devido diagnóstico do transtorno sofrido. Tendo inclusive, uma Resolução do
Conselho Federal de Medicina de nº 1.955 de 2010 que regulamenta o transexualismo
e inúmeros critérios os quais devem ser obedecidos para que seja dada a
oportunidade do transgênero realizar o procedimento cirúrgico que deseja
(CRISTIANETTI, 2015, p. 65):
Agora com as recentes decisões jurisprudenciais acredita-se que esse quadro irá ser
modificado e melhorado.
No Uruguai, vigora a partir de 2009 a lei 18.620, que trata da identidade de gênero e
da alteração de sexo nos documentos oficiais do Estado. Dispõe que qualquer pessoa
possui o direito à modificação de seus dados cadastrais conquanto que declare em
juízo o conflito entre o gênero psíquico e o físico dispensando a cirurgia para a
procedência do direito (FIGUEIREDO, 2017, p. 65).
essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas
características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade. O sexo
é justamente uma característica determinada geneticamente, de tal forma que
o transexual encontra nessa declaração mais um fundamento para pleitear
seu direito de ser reconhecido da forma que realmente é (FERNANDES,
2010, p. 5).
Por sua vez a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto São José da
Costa Rica de 1969 resguarda o direito ao nome, ao reconhecimento da personalidade
jurídica, liberdade pessoal, a honra e a dignidade, dessa forma, a Corte garante a
menção do prenome e do sexo no registro civil de acordo com a identidade de gênero
entendida. Desse modo, os estados membros da OEA, como é o caso do Brasil,
devem designar mecanismos cabíveis à consecução dessas garantias, mesmo que
ainda não tenha nenhuma lei que promova os direitos dos transgêneros, assim como
resguarde a alteração dos registros civis, pois, não pode desrespeitar normas
humanitárias (CORTE IDH, 2017).
Com esteio na ADI nº 4.275/DF, o Relator Ministro Dias Toffoli decidiu pela
repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 670.422 que estava em discussão no
plenário do STF desde o ano de 2014, a fim de atribuir a todos os transgêneros o
direito de alterarem o Registro Civil pela via extrajudicial diretamente nos Cartórios de
Registro das Pessoas Naturais, sem a realização de cirurgia de mudança de sexo
para tanto. O Ministro em seu voto sustentou que “não é o sexo do indivíduo a
identidade biológica, que faz a conexão do sujeito com a sociedade, mas sim a sua
identidade psicológica” (BRASIL, ADI nº 4.275/DF). Já Barroso manifestou que “exigir
a cirurgia de transgenitalização como condicionante para alteração no registro civil é
uma violação aos direitos à integridade psicofísica, à dignidade e autonomia dos
transexuais” (BRASIL, ADI nº 4.275/DF).
Nesta toada, verifica-se que embora o provimento tenha facilitado a vida das pessoas
trans, em algumas situações ainda será obrigatória a participação do judiciário, o que
enseja embaraços, morosidade e altos custos à parte.
Os cartórios para realizar o sigilo o qual se busca frente o Provimento nº 73/2018, tem
omitido ou atualizado os dados de ofício, pelo Registrador, quando não avariarem o
conteúdo, nos casos em que já existirem nos registros de nascimento ou casamento
anotações ou averbações constando citações do pronome e gênero originais da
pessoa, situação omissa no Provimento (ASSUMPÇÃO, I.F.M, ASSUMPÇÃO, L.F.M,
2018).
4 CONCLUSÃO
Todas as conquistas adquiridas até o momento foram frutos da incessante luta dos
movimentos transgêneros e LGBTs pelo reconhecimento da identidade de gênero e
da efetivação de seus direitos como pessoas e cidadãos. Porém, a acessibilidade aos
procedimentos cirúrgicos de adequação de sexo e a garantia do nome social aos
travestis e transexuais não viabilizam a materialização integral de seus direitos. Deve
ser concebida maior importância social e jurídica ao transgênero, principalmente
diante a sua condição de vulnerabilidade em face da rejeição, discriminação e
preconceito a que são acometidos, sendo merecedores de uma tutela específica para
terem seus direitos afirmados.
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Somado a isso foi publicado o Provimento nº 73/2018 para fazer valer a decisão do
STF nos Cartórios Registrais, ocasionando impactante mudança na realidade das
pessoas transgêneras, visto que, enfim o judiciário adequou a norma ao fato social,
aceitando a transexualidade e amparando os direitos que até então eram negados.
Porém é visível que ainda existem lacunas as quais devem ser preenchidas para que
o judiciário não precise atuar ao caso e a parte arcar com as custas de processos
morosos, ostensivos e desnecessários.
Conclui-se que o sistema forense vigente precisa evoluir para eficazmente cumprir os
preceitos constitucionais e defender a sociedade transgênera como sujeitos de
direitos, detendo cruciante necessidade em elaborar uma lei para resolver essa
problemática ou de forma mais prática simplesmente adicionar um artigo à Lei de
Registros Públicos, como muitos Projetos de Lei vem propondo, que verse sobre o
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5 REFERÊNCIAS
______. Código Civil. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. In: Vade Mecum
OAB e concursos. 12. ed., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017.
______. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4.275/DF, Rel. Min. Marco Aurélio. Julg.
01/03/2018, DJ 09-03-2018. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2691371>. Acesso em: 18
nov. 2018.
______. Supremo Tribunal Federal. RG RE: 670422 RS – RGS; Rel. Min. Dias
Toffoli. Julg.11/09/2014, DJe-229 21-11-2014. Disponível em: <https://
stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/311628936/repercussao-geral-no-recurso-
extraordinario-rg-re-670422-rs-rio-grande-do-sul/inteiro-teor-311628946. Acesso em:
18 nov. 2018.
______. Manual de direito das famílias. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte geral. v. 1., 15. ed. São Paulo: Atlas,
2015.