O Poder Da Amizade

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O poder da amizade

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O poder da amizade
A resposta para um mundo de solidão e discórdia

JOHN M. PERKINS
com KAREN WADDLES

Traduzido por Celso Rimoli

MUNDO CRISTÃO

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Copyright © 2019 por John M. Perkins Edição
Publicado originalmente por Moody Publishers, Daniel Faria
Chicago, Illinois, EUA. Revisão
Natália Custódio
Os textos bíblicos foram extraídos da Nova Versão
Transformadora (NVT), da Tyndale House Foundation, Produção
salvo indicação específica. Felipe Marques
Projeto e diagramação
Todos os direitos reservados e protegidos pela Marina Timm
Lei 9.610, de 19/02/1998. Colaboração
Ana Luiza Ferreira
É expressamente proibida a reprodução total ou
parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, Capa
mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia Douglas Lucas
autorização, por escrito, da editora.

CIP-Brasil. Catalogação na publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

P526p
Perkins, John M., 1930-
   O poder da amizade : a resposta para um mundo de
solidão e discórdia / John M. Perkins, Karen Waddles ;
tradução Celso Rimoli. - 1. ed. - São Paulo : Mundo Cristão,
2022.
  176 p.
   Tradução de: He calls me friend
  ISBN 978-65-5988-050-8
   1. Amizade - Aspectos religiosos - Cristianismo.
2. Deus - Miscelânea. 3. Amor - Aspectos religiosos -
Cristianismo. 4. Vida espiritual. I. Waddles, Karen. II. Rimoli,
Celso. III. Título.
21-74099 CDD: 241.6762
 CDU: 27-444.2

Publicado no Brasil com todos


os direitos reservados por:
Editora Mundo Cristão
Rua Antônio Carlos Tacconi, 69
São Paulo, SP, Brasil
CEP 04810-020
Categoria: Inspiração Telefone: (11) 2127-4147
1a edição: fevereiro de 2022 www.mundocristao.com.br

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Ao meu Amigo Eterno e a cada amigo que
caminhou comigo desde que entrei no reino,
há mais de sessenta anos. Àqueles a quem
Deus usou para me fortalecer em minha dor,
para me dar esperança quando eu não tinha
nenhuma e para me encorajar a seguir em frente:
não haveria tempo ou espaço suficiente para
nomear cada um de vocês, pois nossa amizade
é tão preciosa que não ouso arriscar esquecer
ou ofender ninguém. Para todos e cada um de
vocês, obrigado por estarem ao meu lado na
jornada da vida...
obrigado por serem amigos.

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Sumário

Prólogo 9
Introdução 13

PARTE 1: AMIZADE COM DEUS PAI


1. O Cão de Caça do Céu 27
2. O Deus íntimo e santo 41
3. O Deus do perdão 55

Vamos ouvir Ken Smith:  66


“Amizade é para sempre”

PARTE 2: AMIZADE COM JESUS


4. O Deus que veio a nós 73
5. Amigo de prostitutas, ladrões e marginalizados 85

Vamos ouvir Randy e Joan Nabors:  95


“Amizade é tolerante”

PARTE 3: AMIZADE COM O ESPÍRITO SANTO


6. O Deus que habita em nós 101
7. O fruto da amizade 113

Vamos ouvir Wayne Gordon:  128


“Amizade significa ir fundo”

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PARTE 4: AMIZADE COM OS OUTROS
8. Superando barreiras 133
9. O desafio da amizade 145

Vamos ouvir Phillip Perkins:  155


“Meu pai, meu amigo”

Conclusão 159
Para pensar e trocar ideias 165
Agradecimentos 170
Notas 171

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Prólogo

Nunca me esquecerei da primeira vez que encontrei o Dr.


John Perkins. Ele irradia o amor de Jesus e tem um sorriso
que ilumina o recinto. Se você o conhece, sabe o que quero
dizer. Ele é magnético. Nós o convidamos para falar à nossa
comunidade há alguns anos, a fim de receber sua ajuda, seus
conselhos e sua sabedoria adquiridos ao longo de toda uma
vida enfrentando os efeitos devastadores do racismo. Quería-
mos nos engajar mais do que nunca na abordagem às ques-
tões da reconciliação racial nos Estados Unidos e descobrir
como poderíamos ser parte da solução. Eu não tinha ideia
de onde estava me metendo. Junto com nossa comunidade
sentei-me para conversar com o Dr. Perkins, e ele nos deixou
mais que impressionados. Todos nós saímos transformados
de lá naquele dia. Ele e eu nos tornamos amigos chegados e,
como se diz, o resto é história.
Agora sei que o trabalho de qualquer bom entrevistador é
fazer a lição de casa, mas confesso com humildade que só tive
tempo de folhear rapidamente seu livro mais recente à época.
Na pressa de cumprir as agendas e de levá-lo até lá, não con-
segui obter muitos detalhes sobre sua história. Então, quando
ele se sentou comigo para conversar, eu estava despreparado
em vários aspectos. Quanto mais ele falava, menos precisava
das minhas perguntas, porque tudo o que eu queria era ouvir
mais e mais. Senti várias coisas naquele dia: indignação, in-
credulidade, compaixão e um amor imenso pelo Dr. Perkins.
Ele compartilhou sua vida conosco por meio de histórias: de
sua mãe, que faleceu devido à pobreza extrema, de como seu

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O PODER DA AMIZADE

irmão foi brutalmente assassinado por um policial branco, de


como Deus transformou sua raiva em ativismo e no que são
agora uma vida e um legado inigualáveis de fé indescritível.
Não dava para acreditar como ele se expressava tão abertamen-
te e com tanta força, humildade e graça. Ele generosamente
compartilhou sua vida conosco, completos estranhos. Mesmo
entre lágrimas, sua presença me encheu de esperança. Fui des-
construído, mas revigorado.
O Dr. Perkins escreveu este livro, O poder da amizade, com
tanta beleza e autenticidade porque o deixou bem simples.
Ele escolheu conhecer a Deus e torná-lo conhecido. Escolheu
receber a amizade de Deus, como um apóstolo João da atua-
lidade, o autoproclamado “discípulo que Jesus amava”. Mais
precisamente, ele escolheu abraçar por completo a Deus Pai,
seu Filho Jesus e o Espírito Santo. E o Dr. Perkins testemu-
nhou ao longo de sua vida a realidade dessa amizade vez após
vez, desafio após desafio, temporada após temporada. Assim
como na vida de Jesus, vejo muito claramente o que torna a
vida e a mensagem do Dr. Perkins tão convincentes. A vida
de Jesus foi repleta de pessoas: homens e mulheres que ele
encontrou e acolheu. Pessoas comuns com quem dividiu uma
refeição, casamentos que frequentou, crianças que abraçou,
mulheres que protegeu e até um amigo que trouxe dos mortos.
Amigos cujas dores ele compartilhou e, por fim, cujos pecados
tomou para si. Ele nos deixou uma bela imagem de que a
amizade divina era de coração para coração, mais importante
que normas e regras sociais.
E, da mesma forma, sou mais uma vez provocado por John
Perkins quando ele compartilha sua vida comigo. Exatamente
como quando nos conhecemos. Sempre penso nele ao longo
dos anos, e ainda fico impressionado pela forma como ele su-
portou o que suportou — e sorrindo. Até tive conversas em voz

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Prólogo

alta (bem, para ser sincero, eu estava gritando) com Deus sobre
isso, perguntando: “Como, Senhor? Como esse homem supor-
tou tanta dor, crueldade e injustiça e, ainda assim, é tão doce?!”.
Veja bem, uma coisa é ser gentil quando alguém toma seu
lugar no estacionamento, mas o que meu amigo sofreu é indizí-
vel, e no entanto seu amor permanece. Apenas um homem que
experimentou um nível incrivelmente íntimo de amizade com
Deus é capaz de me fazer acreditar que coisas assim são possí-
veis. Ele me faz querer conhecer mais a Deus. Ele me inspira a
ser um companheiro constante de Deus. Somente um homem
que conhece Jesus intimamente e cultivou um relacionamento
verdadeiro e próspero com ele pode nos dar a esperança de que
é de fato possível vencer a luta contra o pecado do racismo.
Sim, o Dr. Perkins e eu já fomos desconhecidos, mas não
mais. Somos amigos que se tornaram família. Naquele dia, eu
sabia que meu relacionamento com o Dr. Perkins era o que
eu queria para toda a vida. Ele acolheu a mim e à minha famí-
lia, além da comunidade Churchome — completos estranhos
—, e nos chama de amigos. Construímos uma amizade que
me transformou para sempre. Ele é um tesouro nacional, uma
representação de esperança e de mudança da qual todos nós
precisamos. Desfrutamos uma amizade verdadeira, marcada
pela segurança e pelo sacrifício, o compromisso mútuo com a
convicção que somente Deus pode dar. Não é a amizade defi-
nida de forma vaga que a cultura promove, mas aquela cultiva-
da em amor sincero e respeito. Uma amizade que divide fardos
e suporta dores. Esse tipo de amizade é único, vinculado ao
amor de Deus e de um pelo outro, que pode superar e vencer
a luta contra o ódio e a intolerância. Jesus verdadeiramente o
chama de amigo, e sou muito grato por também fazê-lo.
Judah Smith
Pastor da Churchome e autor de Jesus é ______.

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“Agora vocês são meus amigos.”

João 15.15

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Introdução

Há muito tempo a Nova Zelândia é conhecida por sua


tranquilidade, qualidade de vida e liberdade econômica.
Minha esposa e eu estivemos lá há algum tempo e ficamos
impressionados com a beleza e a paz daquele país. Vera Mae
disse que, se pudesse viver em outro lugar que não nos Estados
Unidos, escolheria morar lá.
Enquanto escrevo as palavras deste livro, nosso coração se
entristece com a notícia de que um atirador matou cinquenta
muçulmanos em seus locais de culto na cidade de Christchurch.
A Nova Zelândia, por muitos anos um lugar pacífico e seguro,
se encontra agora atemorizada pelo ódio étnico e pela vio-
lência. Por volta da mesma época, aqui nos Estados Unidos,
assistimos ao assassinato de onze judeus na Sinagoga Árvore
da Vida, em Pittsburgh, na Pensilvânia, e ao assassinato de
uma jovem branca em Charlottesville, na Virgínia, que pro-
testava contra as palavras de ordem de supremacistas brancos
que marchavam pelas ruas exibindo símbolos nazistas.
Eu já vivi tempo suficiente para não ficar alarmado com
qualquer coisinha, mas vejo algo acontecer nos Estados Unidos
e pelo mundo afora que precisamos controlar. Se não o fizer-
mos, isso nos destruirá.
Quando escrevi One Blood: Parting Words to the Church on
Race and Love [Um só sangue: Últimas palavras para a igreja
sobre raça e amor], em meu coração eu quis fazer as pessoas
entenderem que existe apenas uma raça: a raça humana. E que

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O PODER DA AMIZADE

todo ser humano é criado à imagem de Deus e tem dignidade


e valor. Cada indivíduo — negro, branco, hispânico, asiático,
judeu, muçulmano — é criado à imagem de Deus! Do fundo
do coração, acredito que a igreja é responsável por conhecer
essa verdade e vivenciá-la. One Blood foi uma mudança de pa-
radigma. Nosso comportamento mostrava que pensávamos
haver muitas raças: a negra, a branca, a hispânica, a asiática e
assim por diante. Mas, na verdade, existe apenas uma e somos
idênticos uns aos outros, com exceção de 0,1% de nossa com-
posição, responsável pela cor da pele e a aparência física.
Este livro é a progressão daquela mensagem. É a mensa-
gem do discipulado que decorre de nossa salvação pelo sangue
de Jesus. Como viver esse novo paradigma de unidade? Como
concretizamos esse novo paradigma de unidade? Como su-
peramos as fronteiras e os muros que nos separaram segundo
barreiras étnicas, econômicas, sociais e de classe? Existe um
bálsamo de cura para a doença pecaminosa do ódio e do pre-
conceito étnicos?
O apóstolo João disse isso de forma muito clara nas Es-
crituras: “Se vivemos na luz, como Deus está na luz, teremos
comunhão [amizade] uns com os ou-
Podemos estar tros” (1Jo 1.7a). Meu argumento é que
“conectados”, mas a amizade é o caminho para superar
somos pessoas as barreiras que nos separam há tanto
solitárias, isoladas tempo. Amizade é discipulado em ação.
umas das outras, Deus nos chama para uma amizade
com medo umas profunda consigo próprio e com todos
das outras. os seus filhos, o que contrasta forte-
mente com o modo como falamos hoje
de “amigos”. Muito se fala em amizade por causa do Face-
book e da internet. Você pode conseguir amigos e “curtidas”

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Introdução

e começar a se sentir bem consigo mesmo, dependendo de


quantos você acumular. Nossa fundação, a John & Vera Mae
Perkins Foundation, tem cerca de 3.500 curtidas no momen-
to, e suponho que isso seja um bom número. Mas não tenho
certeza se esse tipo de amizade é forte o suficiente para nos
fazer atravessar os obstáculos que nos isolam uns dos outros.
Acredito que a pessoa pode ter muitos amigos desse tipo e
ainda assim se sentir sozinha, isolada e com medo.
O colunista E. J. Dionne Jr. conta sobre uma conversa que
Marc Dunkelman teve há vinte anos com seu avô, um ven-
dedor aposentado. Eles falavam sobre como encontrar os me-
lhores restaurantes em uma cidade desconhecida. Marc estava
empolgado com um novo aplicativo que ajudava o usuário a
encontrar os melhores lugares para comer e até mostrava quais
restaurantes havia por perto. Mas seu avô não ficou muito en-
tusiasmado com aquela nova tecnologia. Ele disse que sempre
que fazia uma viagem de vendas a um novo local, procurava um
“desconhecido de aparência amigável” e lhe pedia que recomen-
dasse um bom lugar para comer. Nesse processo, o desconhe-
cido muitas vezes se tornava um novo amigo, alguém que ele
encontraria quando retornasse à cidade. “Foi assim que conheci
o mundo: conversando com estranhos”, disse o homem mais
velho. “Com todas essas tecnologias sofisticadas de que você
está falando, como as pessoas vão se conhecer? Se quer saber,
acho que isso vai deixar todo mundo mais solitário.”1
Acredito que ele tem razão. Dispomos de toda a tecno-
logia para facilitar o contato entre nós, mas na verdade não
há contato nenhum. Podemos estar “conectados”, mas somos
pessoas solitárias, isoladas umas das outras, com medo umas
das outras. E esse medo tem causado atos de violência que
vêm se tornando comuns demais.

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O PODER DA AMIZADE

A solidão tem sido chamada de “um dos maiores desafios


de saúde pública do nosso tempo”.2 A ex-primeira-ministra
da Inglaterra chegou a nomear uma ministra da solidão para
resolver esse problema.3 Nos Estados Unidos, a Associação
Americana de Aposentados entrevistou adultos com 45 anos
ou mais e descobriu que um terço deles se sente só.4 Há uma
epidemia de solidão e falta de amizade, e essa epidemia traz
sérias consequências para a saúde pública. Pesquisas mostram
que a solidão e o isolamento são tão prejudiciais para a saú-
de quanto fumar quinze cigarros por dia, podendo acelerar o
avanço do mal de Alzheimer.5
Portanto, a falta de amizade, a solidão e o isolamento pre-
judicam corpo, mente... e alma. É do impacto em nossa alma
que este livro trata. Quero falar sobre amizade no nível da
alma. Acho que esse é o tipo de amizade que Deus planejou
que tivéssemos, com ele e uns com os outros. É o único tipo de
amizade que curará as feridas da alma e nos ajudará a resolver
o problema étnico. Eu gosto das duas seguintes definições de
amizade. A primeira vem de um livreto teológico e a segunda
vem da cultura nativa americana:

Amizade é uma relação recíproca


caracterizada por intimidade,
fidelidade, confiança,
gentileza desinteressada e serviço.6

Amigo: “Alguém-que-carrega-minhas-dores-em-suas-costas”.7

Isso sim é amizade. Ser capaz de se ligar a alguém e ca-


minhar pela vida juntos. Confiar um no outro e cuidar-se
mutuamente em um nível profundo do coração. Ajudar um
ao outro a carregar as tristezas da vida.

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Introdução

Minha primeira amiga foi minha avó. Ela era de idade,


mas foi de fato minha primeira amiga. Quando eu me sentia
abatido ou quando alguém fazia algo contra mim e eu não
conseguia responder à altura, eu chorava e me sentava à bei-
ra da lareira. E eu colocava minha cabeça no colo dela. Suas
mãos frágeis acariciavam minha cabeça perturbada e parte
da minha tristeza desaparecia. Ela se tornou um lugar seguro
para mim, como uma âncora em águas tempestuosas.
Isso foi importante para mim em minha infância pobre
no Mississippi, no Sul regido pelas leis de segregação racial.
Minha mãe morreu quando eu tinha sete meses de idade. Ela
me levou ao peito e me deu sua última gota de força. Morreu
de fome e, porque teria sido difícil para meu pai cuidar dos
filhos sozinho, fui criado por minha avó, que criou treze filhos.
Ela fez o melhor que pôde, e sou grato por ela ter me acolhi-
do. Nossa casa estava sempre cheia de crianças, mas eu ainda
assim me sentia sozinho.
Talvez eu estivesse especialmente carente porque minha
mãe se fora e meu pai estava ausente de casa. Eu sempre me
indagava, aflito, se minha vida importava. Desde cedo eu queria
me sentir importante, sentir que minha vida tinha algum sig-
nificado. Mas eu me sentia sem importância e muito sozinho.
Se é verdade que nossa importância se reflete nos olhos
dos outros, então suponho que eu possuía um grande déficit
como um garoto negro e pobre no Mississippi. Não houve
pais amáveis que olhassem com orgulho para meus primei-
ros passos ou que esperassem ansiosamente minhas primeiras
palavras. Não houve professores cujos olhos se iluminassem
quando eu entrava na sala de aula. Mas sou eternamente grato
a uma professora. A Sra. Maybelle Armstrong me ensinou as
histórias de Nat Turner, Frederick Douglass e John Brown, e

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O PODER DA AMIZADE

me convenceu de que um dia eu também poderia ser um líder.


Isso me trouxe profundo amor pela minha negritude e impe-
diu que eu me sentisse como menos humano do que qualquer
outra pessoa. Talvez ela pudesse ver algo em mim — mesmo
quando jovem — que eu não conseguia ver. Porém, entre a
terceira e a quinta série, deixei de ir à escola e fui trabalhar
colhendo algodão.
Aprendi mais lições sobre minha insignificância nos cam-
pos de algodão do Mississippi. Certo dia em particular, a lição
foi tão crua e tão profunda que ainda me lembro dela, mais de
setenta anos depois, como se fosse ontem. Quando tinha onze
ou doze anos, trabalhava o dia inteiro arrastando feno para
um cavalheiro branco. Eu esperava ganhar um dólar ou um
dólar e meio por esse dia de trabalho. No final do dia, porém,
ele me deu alguns centavos. Mesmo sendo criança, entendi,
por suas ações, que ele dizia que eu não tinha valor.
Alguns anos depois, quando meu irmão Clyde foi morto
por um policial, eu soube que a vida de um negro não valia
muito, pelo menos não no Mississippi.
Acho que quase Então, assim como o personagem Cris-
alcançamos o sonho tão em O Peregrino, parti para encontrar
americano... porém, a Cidade Celestial, um lugar onde mi-
ainda faltava algo. nha vida importasse e o enorme vazio de
Eu estava inquieto, insignificância pudesse ser preenchido.
sem saber por quê. Minha peregrinação me conduziu à
Califórnia. De fato, era como a Cidade
Celestial para um homem negro do Sul. Consegui encontrar
um bom emprego lá. Vi meu valor refletido nos olhos das
pessoas que conheci, tanto negros quanto brancos.
Minha grande ventura foi me casar com Vera Mae e come-
çarmos a construir uma família juntos. Finalmente, a vida era

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Introdução

boa. Acho que quase alcançamos o sonho americano. Eu tinha


amigos de verdade, uma família, uma boa casa, um bom traba-
lho e pessoas que me respeitavam... porém, ainda faltava algo.
Eu estava inquieto, mas não sabia por quê. Havia um anseio
— uma solidão — em meu coração que não me abandonava.
Nosso filho mais velho, Spencer, começou a ir às reuniões
do ministério Clube de Boas-novas, onde aprendeu que a Bí-
blia ensinava que Jesus o ama. Ele voltava para casa animado
para compartilhar comigo as histórias que havia aprendido.
Quando ele me convidou para ir, fiquei mais animado do que
ele poderia ter esperado. E quando comecei a ler a Bíblia por
conta própria, desde as primeiras páginas, encontrei a respos-
ta para aquele desejo tão profundo, a solidão que parecia um
abismo amplo e vazio. Li sobre um Deus que seria um amigo.
Pela primeira vez, li sobre um Deus que criou tudo: a terra,
o sol, a lua, as estrelas e todos os seres vivos. Então ele criou
um homem e uma mulher. O poeta James Weldon Johnson
imagina a cena. Em “A Criação”, Johnson descreve Deus
observando a grandiosidade de tudo o que ele havia feito. De-
pois de um tempo, o Senhor decidiu que não bastava, que algo
estava faltando. Ele decidiu: “Farei para mim um homem”.8
E foi o que ele fez.
Gosto muito dessa imagem de Deus sentado e pensando
sobre o que ele faria para preencher sua “solidão”, a ideia de um
ser do qual pudesse ser companheiro, e finalmente decidindo
que criaria o homem. Pode não ser teologicamente correto, pois
Deus — Pai, Filho e Espírito Santo — já era completo em si
mesmo. E, para dizer a verdade, tenho certeza de que nascemos
da amizade da Trindade. Quando Deus disse em Gênesis 1.26:
“Façamos o ser humano à nossa imagem; ele será semelhante a
nós”, ele pôs as coisas em movimento.

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O PODER DA AMIZADE

Mas, em minha mente, consigo imaginar Deus curvando-se


e pegando argila, aparando as arestas e formando cuidadosa-
mente o corpo de Adão, o primeiro ser humano. Como um
escultor, ele se afasta lentamente de sua obra-prima, aprecian-
do a beleza do que havia feito. Certamente deve ter sido essa a
imagem que o salmista tinha em mente quando escreveu que
somos “feito de modo tão extraordinário” (Sl 139.14). E, por
fim, Deus soprou o fôlego da vida em Adão, “e o homem se
tornou ser vivo” (Gn 2.7).
Surpreendentemente, depois de Deus colocar o primeiro
homem, Adão, no jardim do Éden, onde ele tinha tudo de
que poderia precisar, Deus disse: “Não é bom que o homem
fique só. Farei alguém que o ajude e o complete” (Gn 2.18).
Então Deus criou uma mulher a partir da costela de Adão e
a nomeou Eva. Sua beleza emocionou Adão, que encontrou
nela a resposta para sua solidão. Amizade e relacionamento
são os remédios para a solidão e o isolamento, e a deles era
uma amizade rica e íntima. Adão “conhecia” Eva. Essa palavra
carrega a ideia de intimidade física e emocional. Deus havia
providenciado uma solução para a solidão que ameaçava ocu-
par o jardim. Este era seu propósito para o casamento: que
marido e mulher preenchessem o lugar solitário um do outro.
Podemos observar um casal andando no parque e quase
dizer se eles são casados ou não. Algo no comportamento deles,
o modo como se dão as mãos e andam juntos. Existe uma
união tácita que fica evidente porque é única. Quando Vera
Mae e eu nos casamos, eu vivia encantado com sua beleza.
Pensar que ela então era parte de mim! Eu nunca mais estaria
sozinho. E, nos últimos setenta anos, esse tem sido um dos
meus maiores tesouros. Nós temos sido um.

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