Consenso Brasileiro em Ventilação Mecânica Suporte Ventilatório Na Síndrome Do Desconforto Respiratório Do Recém-Nascido Introdução
Consenso Brasileiro em Ventilação Mecânica Suporte Ventilatório Na Síndrome Do Desconforto Respiratório Do Recém-Nascido Introdução
Introdução
A síndrome do desconforto respiratório (SDR) do recém-nascido (RN) ou doença
da membrana hialina é a expressão clínica decorrente da deficiência do surfactante
alveolar associada à imaturidade estrutural dos pulmões, complicada pela má-adaptação
do RN à vida extra-uterina e pela imaturidade de múltiplos órgãos. Como a maturação do
pulmão fetal guarda relação com a idade gestacional, tanto a incidência como a gravidade
da doença relacionam-se diretamente com o grau da prematuridade (1). Os sinais de
aumento do trabalho respiratório aparecem logo após o nascimento, pioram
gradativamente nas primeiras 24 horas e atingem o auge por volta de 48 horas. Nos casos
de má evolução, a insuficiência respiratória se acentua com hipóxia progressiva
acompanhada de deterioração do estado hemodinâmico e metabólico. Nos sobreviventes,
a recuperação tem início a partir de 72 horas de vida. O diagnóstico pode ser confirmado
através de uma radiografia de tórax com aspecto típico de infiltrado retículo-granular e
broncogramas aéreos.
Os avanços nos conhecimentos dos processos que envolvem a maturação do
pulmão fetal alcançados nas últimas décadas permitiram o desenvolvimento de medidas
mais efetivas para prevenir e tratar a doença, como o uso antenatal de corticóide e a
administração pós-natal do surfactante exógeno (2). Além disso, houve uma melhora
expressiva nos cuidados de suporte, em especial, na assistência ventilatória. A despeito
desses progressos, a incidência de complicações decorrentes da doença, do seu
tratamento ou da própria prematuridade, ainda é elevada, destacando-se a displasia
broncopulmonar (DBP) e a hemorragia periintraventricular (HPIV). Portanto, a SDR
continua sendo o maior problema respiratório no período neonatal e, tanto os óbitos como
as complicações ocorrem, em geral, durante a fase aguda da doença, sendo em grande
parte limitados aos RN prematuros de muito baixo peso. O manejo ventilatório desses
bebes é complexo, pois além da insuficiência respiratória eles apresentam graus variados
de disfunção de múltiplos órgãos. Por isto, é fundamental a monitoração constante e a
instituição precoce da terapêutica adequada, evitando-se os grandes riscos de iatrogenias
e tendo-se em mente a antecipação e a prevenção das possíveis complicações da própria
doença e da prematuridade.
O objetivo desse documento é relatar a análise crítica dos achados da melhor
evidência disponível na literatura acerca do suporte ventilatório na SDR. A revisão de
literatura tomou como base os artigos incluídos em MEDLINE, LILACS e Cochrane
Library e temas livres publicados no Pediatric Research, utilizando-se as palavras-
chaves síndrome do desconforto respiratório, pressão positiva contínua de vias aéreas
(CPAP), ventilação mecânica convencional, ventilação sincronizada, ventilação volume
controlado e ventilação de alta freqüência. Os níveis de evidência e os graus de
recomendação empregados estão apresentados na tabela abaixo.
Graus de
Recomendaç Nível de Evidência
ão
- Revisão sistemática de estudos controlados e aleatórios.
A - Estudo clínico controlado e aleatório de alta qualidade (intervalo de confiança
estreito).
- Revisão sistemática de estudos tipo coorte ou caso-controle.
B - Estudos de coorte ou caso-controle ou ensaio clínico aleatório de menor
qualidade.
Recomendações
1. Iniciar a CPAP em todos os bebes com risco de SDR (< 30 semanas) e com
desconforto respiratório. NÍVEL D
2.A CPAP iniciada na sala de parto pode ser uma alternativa à intubação traqueal em
bebes com risco de SDR. NÍVEL D
3.O uso de CPAP com surfactante de resgate pode ser considerado para bebes com
SDR para reduzir a necessidade de ventilação mecânica. NIVEL A
4.As prongas binasais curtas são mais efetivas. NÍVEL A
Recomendações
1. Na fase aguda da doença, utilizar tempos inspiratórios entre 0,2 e 0,3 segundos.
NIVEL C
2. Ajustar a PIP para manter volume corrente entre 4 a 6 mL/kg. NÍVEL D
3. Ajustar os valores da PEEP para adequar o volume pulmonar. NÍVEL D
4. Utilizar dispositivos (sensor de fluxo) para monitorar o volume corrente. NÍVEL D
5. Manter níveis de PaCO2 entre 45 e 65 mmHg (“hipercapnia permissiva”). NIVEL
B
6. Manter níveis de SatO2 entre 85 e 93%. NÍVEL B
7. Indicar a VAF nos casos de falha na ventilação convencional. NÍVEL C
8. Na fase de retirada da ventilação preferir o modo A/C (NÍVEL B) ou SIMV
associado com pressão de suporte. (NÍVEL B)
9. Na fase de retirada da ventilação iniciar metilxantinas (cafeína) tão logo possível.
NÍVEL B
10. Proceder a extubação traqueal tão logo possível instituindo protocolo de retirada
da ventilação. NIVEL D
11. Após extubação traqueal colocar os bebes em CPAP nasal (NÍVEL A) com
pressões ≥ 5 cmH2O (NÍVEL A) uma vez que isso reduz a necessidade de re-
intubação.
Referências bibliográficas
1. Robertson PA, Sniderman SH, Laros RK Jr, Cowan R, Heilbron D, Goldenberg
RL, Iams JD, Creasy RK. Neonatal morbidity according to gestational age and
birth weight from five tertiary care centers in the United States, 1983 through
1986. Am J Obstet Gynecol 1992;166:1629-41.
2. St. John EB & Carlo WA. Respiratory Distress Syndrome in VLBW Infants:
Changes in Management and Outcomes Observed by the NICHD Neonatal
Research Network. Semin Perinatol 2003; 27:288-92.
3. Ho JJ, Subramaniam P, Henderson-Smart DJ, Davis PG. Continuous distending
pressure for respiratory distress in preterm infants. Cochrane Database of
Systematic Reviews 2002; (2): CD002271.
4. Subramaniam P, Henderson-Smart DJ, Davis PG. Prophylactic nasal continuous
positive airways pressure for preventing morbidity and mortality in very preterm
infants. Cochrane Database of Systematic Reviews 2005; (2): CD001243.
5. Ho JJ, Henderson-Smart DJ, Davis PG. Early versus delayed initiation of
continuous distending pressure for respiratory distress syndrome in preterm
infants. Cochrane Database of Systematic Reviews 2002; (2): CD002975.
6. Morley CJ, Davis PG, Doyle LW, Brion LP, Hascoet JM, Carlin JB. Coin Trial
Investigators: Nasal CPAP or intubation at birth for very preterm infants. N Engl J
Med 2008; 358:700–8.
7. Thomson MA. Continuous positive airway pressure and surfactant; combined
data from animal experiments and clinical trials. Biol Neonate 2002; 81:16–19.
8. Ammari A, Suri M, Milisavljevic V, Sahni R, Bateman D, Sanocka U, Ruzal-
Shapiro C, Wung JT, Polin RA. Variables associated with the early failure of nasal
CPAP in very low birth weight infants. J Pediatr 2005; 147:341–347.
9. Davis PG, Henderson-Smart DJ. Nasal continuous positive airways pressure
immediately after extubation for preventing morbidity in preterm infants. Cochrane
Database of Systematic Reviews 2003; (2): CD000143.
10. Davis PG, Lemyre B, De Paoli AG. Nasal intermittent positive pressure ventilation
(NIPPV) versus nasal continuous positive airway pressure (NCPAP) for preterm
neonates after extubation. Cochrane Database of Systematic Reviews 2001; (3):
CD003212.
11. Gupta S, Sinha SK, Tin W, Donn SM. A Randomized Controlled Trial of Post-
extubation Bubble Continuous Positive Airway Pressure Versus Infant Flow Driver
Continuous Positive Airway Pressure in Preterm Infants with Respiratory Distress
Syndrome. J Pediatr 2009;154:645-50.
12. De Paoli AG, Davis PG, Faber B, Morley CJ. Devices and pressure sources for
administration of nasal continuous positive airway pressure (NCPAP) in preterm
neonates. Cochrane Database of Systematic Reviews 2002; (3): CD002977.
13. Stevens TP, Harrington EW, Blennow M, Soll RF. Early surfactant administration
with brief ventilation vs. selective surfactant and continued mechanical ventilation
for preterm infants with or at risk for respiratory distress syndrome. Cochrane
Database of Systematic Reviews 2007; (4): CD003063.
14. Henderson-Smart DJ, Wilkinson A, Raynes-Greenow CH. Mechanical ventilation
for newborn infants with respiratory failure due to pulmonary disease. Cochrane
Database of Systematic Reviews 2002; (4): CD002770.
15. Clark RH, Slutsky AS, Gertsmann DR. Lung protective strategies of ventilation in
the neonate: what are they? Pediatrics 2000; 105:112–114.
16. Reynolds EOR. Pressure waveform and ventilator settings for mechanical
ventilation in severe hyaline membrane disease. Int Anesthesiol Clin 1974;
12:259.
17. Kamlin COF, Davis PG. Long versus short inspiratory times in neonates receiving
mechanical ventilation. Cochrane Database of Systematic Reviews 2004; (4):
CD004503.
18. Woodgate PG, Davies MW. Permissive hypercapnia for the prevention of
morbidity and mortality in mechanically ventilated newborn infants. Cochrane
Database of Systematic Reviews 2001; (2): CD002061.
19. Davis PG, Henderson-Smart DJ. Extubation from low-rate intermittent positive
airways pressure versus extubation after a trial of endotracheal continuous
positive airways pressure in intubated preterm infants. Cochrane Database of
Systematic Reviews 2004; (4): CD004503.
20. Henderson-Smart DJ, Davis PG. Prophylactic methylxanthines for extubation in
preterm infants. Cochrane Database of Systematic Reviews 2003; (1):
CD000139.
21. Bernstein G, Heldt GP, Mannino FL. Increased and more consistent tidal
volumes during synchronized intermittent mandatory ventilation in newborn
infants. Am J Respir Crit Care Med 1994; 150:1444-8.
22. Greenough A, Dimitriou G, Prendergast M, Milner AD. Synchronized mechanical
ventilation for respiratory support in newborn infants. Cochrane Database of
Systematic Reviews 2004; (4): CD000456.
23. McCallion N, Davis PG, Morley CJ. Volume-targeted versus pressure-limited
ventilation in the neonate. Cochrane Database of Systematic Reviews 2005; (3):
CD003666.
24. Yoder BA, Siler-Khodr T, Winter VT, Coalson JJ. High-frequency oscillatory
ventilation: effects on lung function, mechanics, and airway cytokines in the
immature baboon model for neonatal chronic lung disease. Am J Respir Crit Care
Med 2000; 162:1867-76.
25. Bhuta T, Henderson-Smart DJ. Elective high frequency jet ventilation versus
conventional ventilation for respiratory distress syndrome in preterm infants.
Cochrane Database Systematic Reviews 1998; (2):CD000328.
26. Henderson-Smart DJ, Cools F, Bhuta T, Offringa M. Elective high frequency
oscillatory ventilation versus conventional ventilation for acute pulmonary
dysfunction in preterm infants. Cochrane Database of Systematic Reviews 2003;
(1): CD000104.
27. Bollen CW, Uiterwaal C, Van Vught AJ. Cumulative meta analysis of high
frequency versus conventional ventilation in premature neonates. Am J Respir
Crit Care Med 2003; 168:1150-55.
28. Bhuta T, Henderson-Smart DJ. Rescue high frequency oscillatory ventilation
versus conventional ventilation for pulmonary dysfunction in preterm infants.
Cochrane Database of Systematic Reviews, 2000; (2): CD 000438.
Relator
Prof. Dr. Milton Harumi Miyoshi
Professor Assistente da Disciplina de Pediatria Neonatal da Universidade Federal de
São Paulo – UNIFESP
Consultor Médico da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana - SP