Artigo Fernando Savater
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As perguntas da vida 73
SEÇÃO IV - RESENHAS
SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Martins
Fontes. 2001.
Ademir Aparecido Pinhelli Mendes16
Submetida em: dezembro de 2012.
Aprovada em: fevereiro de 2013.
Compreendendo a filosofia como exercício do filosofar, Savater propõe nesta obra,
levar o leitor a realizálo com ousadia, o que talvez o leve a conclusões opostas. Para isso
expõe o que compreende ser a diferença entre Ciência e Filosofia. Com o subtítulo “O porquê
da filosofia”, pergunta sobre o sentido da filosofia como disciplina escolar na formação de
crianças e jovens. Não seria uma perda de tempo, já que os programas educacionais de ensino
médio estão sobrecarregados de conteúdos? Para explicitar esta questão – a filosofia não
serve para nada já debatida por Sócrates e seus opositores, cinco séculos a.C., e citando
Ortega y Gasset (p. 5), apresenta três níveis diferentes de compreensão para distinguir ciência
e filosofia: informação, conhecimento e sabedoria. Conclui que o conhecimento científico
opera entre o nível (a) e o (b), enquanto que o conhecimento filosófico opera entre o nível (b)
e o (c). O desejável do ponto de vista do ensino seria chegar à sabedoria filosófica. Mas como
ensinar tal coisa? Seria possível ensinala?
Embora ciência e filosofia em algum momento estivessem unidas pela busca de
responder às perguntas suscitadas pela realidade, ao longo do tempo, elas foram sendo
separadas. Hoje a ciência preocupase em explicar “como as coisas são constituídas e como
elas funcionam”, enquanto a filosofia se preocupa com o que elas significam para o homem.
A ciência trata de “todos os temas de modo impessoal”; “aspira conhecer o que existe e o que
acontece”; “multiplica as áreas de conhecimento, fragmentando especializando o saber”;
“desmonta as aparências do real em elementos teóricos invisíveis, ondulatórios e
corpusculares, matematizáveis, em elementos abstratos não percebidos”; “busca saberes e não
meras suposições”. A filosofia tem a “consciência de que todo conhecimento tem
necessariamente um sujeito, um protagonista humano”; “põese a refletir sobre a importância
que tem para o ser humano saber o que acontece e o que existe”; “se preocupa em relacionar
o conhecimento com tudo o mais numa busca de unidade que possa explicar o ser humano”;
“resgata a realidade humanamente vital do aparente, na qual transcorre a nossa existência
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16Mestre em Educação (UFPR). Professor de Filosofia da Rede Estadual de Educação do Paraná. E-mail:
concreta”; perguntase sobre questões que os cientistas já dão como resolvidas, pois suas
soluções anulam e dissolvem as perguntas. A filosofia não dá soluções, mas respostas que,
que nos permitem conviver racionalmente com as perguntas, embora as formulando sempre
de um novo modo. A resposta filosófica não mata a pergunta, mas é uma forma de cultivála
de modo a nos fazer conviver cotidianamente com aquela interrogação. É isso o que nos
humaniza.
Um cientista pode utilizar a soluções encontradas por outro cientista sem a
necessidade de percorrer o mesmo caminho de investigação. Mas o filósofo não pode
satisfazerse com as respostas de outros filósofos. A resposta filosófica traz a exigência de
realizar por si mesmo o percurso de seus antecessores. Mesmo partindo de uma tradição
intelectual, para filosofar é necessário que cada um realize seu próprio percurso de
pensamento, de ver e argumentar. Daí a observação de Kant (p.11) ao afirmar não ser possível
ensinar filosofia, mas apenas filosofar. E esta pode ser uma das grandes contribuições da
filosofia no processo educacional. Cabe ainda uma última pergunta: por onde começar? Para
responder a esta questão Savater propõe a discussão de dez temas/problemas filosóficos:
Morte; Razão; Conhecimento; Linguagem; Cosmologia; Liberdade; Natureza; Política;
Beleza; Tempo. Para desenvolver o conteúdo de cada capítulo Savater fará referência às suas
experiências cotidianas, expondo problemas, teses e pensamento apresentando conceitos de
filósofos que melhor ajudam a desenvolver sua explicação.
Morte: a constatação de que um dia vamos morrer é a evidência de que já podemos
pensar por nossos próprios pensamentos, pois a experiência da morte não só nos torna
pensativos, mas nos faz pensadores e por isso nos humaniza. Platão no Fédon “diz que
filosofar é prepararse para morrer” (p. 16). Embora a filosofia trate da vida e seu significado,
a consciência da morte nos torna viventes. Filosofar sobre a morte é melhor maneira de
compreendermos o sentido da vida.
Razão: pensar na morte me leva a fazer perguntas sobre a vida. Mas como responderei
convincentemente as perguntas que a vida me sugere? Como poderei saber se minhas
respostas serão mais ou menos válidas? Minhas perguntas são feitas a partir de um conjunto
de informações que já disponho. Coisas que sei por que os outros me disseram e outras
porque estudei. Há coisas que sei por experiência própria. Mas como saber se são
verdadeiras? Como saber se sei o que creio saber? Como posso ter certeza sobre elas? Como
posso ampliar e melhorar ou até substituir de modo confiável o que acredito saber? Parece
imprescindível revisar o que acredito saber, comparar com outros conhecimentos meus,
sociedade tecnológica.
Política: o que nos faz significativos é a vida com os outros, ou seja, a vida em grupo
produz significado humano. Esse parece ser o sentido de nossa existência, “somos com os
outros” (p. 148), mas a vida com os outros custanos, não é indolor. Sob este pressuposto
discute a vida humana em sociedade e suas dificuldades. Levanta o paradoxo da angústia
entre viver isolado, sendo ignorado e viver incomodado entre os outros. Discutirá política,
democracia, utopia, justiça, dignidade e direitos humanos.
Beleza: partindo do diálogo Leis de Platão, dirá que estamos submetidos à “dois
mestres inteligentes: o prazer e a dor” (p. 169). Com eles aprendemos a viver e a sobreviver.
O prazer e a dor nos ensinam que somos iguais no geral e ao mesmo tempo diferentes, no
particular. Provocados pela contraposição deste dualismo, Savater levará o leitor às
investigações filosóficas que envolvem os problemas da “estética”, como área da filosofia
que investiga temas como o belo, o feio, o agradável, o desagradável, etc. Para isso fará uma
incursão pelo pensamento kantiano acerca da beleza como o “interessante desinteressado”.
Discutirá valores estéticos e irá contrapor Platão e Shiller na discussão das teses platônicas.
Além de discutir temas como tarefa educacional do artista e do filósofo; arte e jogo; arte e
política; arte e ciência; beleza e feiura na obra de arte; abandono do conceito de beleza pela
arte contemporânea; beleza e felicidade.
Tempo: tomando as referências temporais da vida cotidiana, organizada de forma
cronológica ou vivencial, discute as várias compreensões humanas acerca do tempo. Savater
buscou em Agostinho de Hipona a principal pergunta que procura responder: “O que é, pois,
o tempo?” (p.206). A análise desta questão se fará por meio da discussão de temas como:
medidas de tempo; tempo e cultura; tempo e destino; tempo e imagem; relação entre tempo e
espaço; tempo e morte; experiência temporal.
No epílogo (p. 205) Savater retoma a questão dos porquês da filosofia e da eficácia de
suas respostas. Para isso utiliza vários exemplos demonstrando como os filósofos são risíveis
para aqueles que não gostam e até para aqueles que dizem gostar da filosofia. Nestes, o modo
de apresentar o filósofo nos leva a crer que algo faz com que a sociedade de alguma forma os
rejeite. Poderia ser sua desmedida ambição teórica, perguntando sempre “por quê?”. Ou por
conta dos poucos resultados práticos produzidos por seus questionamentos? Quem sabe, em
razão de frequentemente se chorarem com a visão de senso comum ou com as respeitáveis
tradições, as pessoas decentes nunca criticam? Quem sabe, por utilizarem com abundância
termos incompreensíveis e obsoletos para as pessoas comuns, negandose a com ela dialogar
das soluções imediatas e préfabricadas oferecidos pelo mundo. Mas como ensinálos a
filosofar por si mesmos?