Dialnet ViolenciaSexualNaInfancia 8729870
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Cristina TEODORO
Curso de Pedagogia do Instituto Hum anidades e Letras
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB)
Salvador, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-0850-4014
RESUMO
O artigo objetiva analisar ocorrências de violência sexual contra crianças e adolescentes, considerando a
intersecção de gênero, classe, raça e idade. Para tanto, em um prim eiro m omento, buscou-se compreender
o conceito de violência sexual e seus im pactos, posteriormente, foram utilizados com o base os dados
produzidos sobre violência e abuso sexual, com o recorde de gênero, raça e idade, divulgados pela
Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, para o período entre 2011 e 2017. Para a análise foram
utilizadas, com o referência teórica, a literatura sobre gênero, raça, classe e infância e, ainda, o conceito
de interseccionalidade, cunhado, além de outras autoras, por Kim berlé William s Crenshaw. Com o resultado,
ficou evidente que as m eninas negras, na faixa etária entre um e nove anos, sofrem violência sexual mais
prevalentemente e que, o índice entre aquelas que têm até cinco anos vem aum entando significativamente
no período entre 2011 e 2017. Do ponto de vista deste artigo, além da necessidade de divulgação dos
dados com o recorte dos m arcadores sociais m encionados – gênero, raça, classe e idade – é prem ente o
desenvolvimento de estratégias e a form ulação de po líticas que assegurem os direitos das m eninas negras,
com o crianças e sujeitos de direito.
PALAVRAS-CHAVE: Infância. Idade. Violência Sexual. Interseccionalidade.
ABSTRACT
This paper aim s to analyze occurrences of sexual violence against children and adolescents, considering
the intersection between gender, class, race, and age. Therefore, initially, we sought to understand the
concept of sexual violence and its im pacts, later, the data produced on violence and sexual abuse, with the
record of gender and race, released by the Health Surveillance of the Ministry of Health, for the period
between 2011 and 2017. For the analysis, we have used the literature on gender, race, class, and childhood
as a theoretical basis, as well as the concept of intersectio nality, coined by Kim berlé William s Crenshaw.
As a result, it has become evident that black girls in the age group between one and nine years old suffer
sexual violence and that the rates am ong those under 5 years old are significantly higher. From the point
of view of this paper, in addition to the need to disseminate data with the cut of the social m arkers
m entioned - gender, race, class, and age - it is urgent to develop strategies and form ulate policies that
guarantee the rights of black girls, as children and legal subjects.
KEYWORDS: Childhood. Age. Sexual Violence. Intersectionality.
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Em relação à realidade brasileira, Minayo (2006) argumenta que a violência
sempre foi um fator presente e que deve ser, portanto, um aspecto de reflexão no que
diz respeito a diversas condições: à aculturação dos indígenas, à escravização dos
negros, às ditaduras políticas, ao comportamento patriarcal e machista; a soma desses
tem perpetuado os abusos contra mulheres e crianças, aos processos de discriminação,
ao racismo, à opressão e à exploração do trabalho.
Seguindo as argumentações dos autores, fica evidente que a violência emerge
como implicação interacional e relacional, com usurpação do poder. No caso da violência
contra criança e contra o adolescente, ambos estão amparados no que podemos chamar
de paradigma do sistema de direitos, que contempla a noção de criança, sujeito de
direitos. Assim, “[...] qualquer ação ou omissão que provoque danos, lesões ou
transtornos ao seu desenvolvimento [das crianças], pressupõe uma relação de poder
desigual e assimétrica entre o adulto e a criança” (UNICEF, 2005, p. 2).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 2000)
sinalizou espaços mais democráticos de discussão e reflexão sobre o significado de
infância e adolescência e dos direitos a eles reservados. Em 13 de Julho de 1990, criou-
se o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), uma conquista social inegável, mas
que, nos dias atuais, sofre resistências quanto a sua natureza e a sua aplicabilidade.
Considerar o Estatuto implica valorizar, redimensionar e assegurar à criança e ao
adolescente o direito à vida digna de um cidadão em formação e desenvolvimento.
Foi graças ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o reconhecimento,
sobretudo por parte dos profissionais da saúde e educação, da violência contra crianças
e/ou adolescentes, tornando-a um fato de notificação compulsória (BRASIL, 2003).
Segundo o ECA (1990), em seu artigo 5º: Nenhuma criança ou adolescente será sujeito
a qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. Para Minayo (2001, apud Faleiros e Faleiros, 2007, p. 31):
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seus desdobramentos. No segundo momento, apresentamos uma análise a partir dos
dados produzidos sobre violência e abuso sexual, com o recorde de gênero, raça e
idade, divulgados pela Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, relativo ao período
entre 2011 e 2017. Segundo o Ministério, a análise apresenta o perfil sobre violências
sexuais contra crianças e adolescentes e um panorama sobre a rede de serviços de
referência para a atenção às pessoas em situação de violência sexual, com objetivo de
contribuir para conscientização do problema e proposição de políticas públicas visando
seu enfrentamento. A contribuição que se intenta com o artigo é a de produzir
resultados e discussões a partir da análise cuja base teórica é a literatura sobre gênero,
raça, classe e infância evocando o conceito de interseccionalidade.
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com o autor, pode ser considerado intrafamiliar ou extrafamiliar. O primeiro, de acordo
com os autores, é também denominado incesto, sendo classificado em cinco formas:
pai-filha; irmão-irmã; mãe-filha; pai-filho; mãe-filho. Nessa categoria, está incluído o
abuso sexual perpetrado por avós, tios, padrastos, madrastas e primos. No segundo
tipo, o agressor não é membro da família, tampouco conhecido pela criança ou seus
familiares. Para Piana e Bezerra (2019), a violência intrafamiliar é corroborada pelo
pacto do silêncio, mantida em segredo; em lugar de proteção, encontra-se o medo, pois
muitas vítimas ainda estão sem voz e continuam a “calar” a violência, abafando-a cada
vez mais.
[...] tem permeado a história de vida de m uitas fam ílias dem onstrando que,
por controverso que possa ser, o am biente de certos lares é inóspito ao
hum ano. Longe de ser um refúgio seguro, o recesso do lar pode
representar, m uitas vezes, um risco à segurança física e em ocional da
criança. (PIANA; BEZERRA, 2019, p. 205).
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sobrevivência dos seus membros – as crianças - e essa dependência tem efeitos na
relação assimétrica relativamente ao poder, ao rendimento e ao status social que têm
os adultos e as crianças, e isto independente da pertença a distintas classes sociais. A
infância, a despeito do contexto social ou da conjuntura histórica, está em uma posição
subalterna face à geração adulta.
Na maioria das vezes, o abuso sexual decorre do fato de a criança ser tratada e
vista como objeto, destarte que “o lugar da criança, ao longo da história, foi desenhado
como lugar de objeto, de incapaz, de menor valor.” (FALEIROS; FALEIROS, 2008, p.37).
Desse modo, o adulto pode aproveitar-se da posição privilegiada que ocupa e do poder
que detém sobre a criança para praticar a violência sexual.
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Para dar visibilidade à violência, revelando sua magnitude, tipologia, gravidade,
perfil das pessoas envolvidas, localização de ocorrência e outras características dos
eventos, o Ministério da Saúde desenvolveu o Sistema de Vigilância de Violências e
Acidentes (Viva). A partir de 2011, entre outras ações, tornou obrigatória a
comunicação de qualquer tipo de violência contra crianças e adolescentes ao Conselho
Tutelar, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim,
foi realizado um estudo descritivo do perfil epidemiológico das violências sexuais1 contra
crianças e adolescentes notificadas pelos serviços de saúde, no período de 2011 a 2017.
Esse estudo delimita como crianças os indivíduos com idade entre zero e nove anos e
como adolescentes aqueles entre 10 e 19 anos, conforme a convenção elaborada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pelo Ministério da Saúde.
Os resultados da pesquisa foram publicados no Boletim Epidemiológico da
Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (2018). Aqui, será
considerada parte desses resultados, compreendidos no período de 2011 a 2017,
quando constavam 184.524 casos notificados de violência sexual, sendo 58.037
(31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes, totalizando 76,5% dos
casos notificados nesses dois cursos de vida. Comparando-se os anos de 2011 e 2017,
observa-se um aumento de 64,6% e 83,2% nas notificações de violência sexual contra
crianças (cf. Tabela 1).
Tabela 1. Violência sexual sofrida por crianças (de zero a nove anos) relacionada ao gênero, à idade e à
raça/etnia (dados de 2011-2017)
Categorias (N = 58.037) Feminino (N = 43.034) Masculino (N= 14.996)
Faixa etária Número % Número % Número %
Menor que 1 ano 2.653 4,6 2.238 5,2 415 2,8
1a5 29.686 51,2 22.354 51,9 7.332 48,9
6a9 25.691 44,3 18.442 42,9 7.249 48,3
Raça/cor da pele
Branca 22.611 39,0 16.577 38,5 6.034 40,2
Negra 26.407 45,5 19.782 46,0 6.625 44,2
Amarela 280 0,5 209 0,5 71 0,5
Indígena 586 1,0 509 1,2 77 0,5
Ignorada 8.146 14,0 5.957 13,8 2.189 14,6
Fonte: Ministério da Saúde (2018) Elaborada pela autora.
1
Incluem-se como violência sexual os casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual, que podem
se manifestar das seguintes maneiras: abuso incestuoso; sexo forçado no casamento; jogos sexuais e práticas eróticas
não consentidas; pedofilia; voyeurismo; manuseio; penetração oral, anal ou genital, com pênis ou objetos, de forma
forçada. Incluem-se, também, exposição coercitiva/constrangedora a atos libidinosos, exibicionismo, masturbação,
linguagem erótica, interações sexuais de qualquer tipo e material pornográfico. Ademais, consideram-se os atos que,
mediante coerção, chantagem, suborno ou aliciamento, impeçam o uso de qualquer método contraceptivo ou force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto, à prostituição; ou que limitem ou anulem em qualquer pessoa a autonomia e o
exercício de seus direitos sexuais e direitos reprodutivos.
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Para iniciar a análise, importa destacar, conforme demostrado neste e reforçado
por outros estudos, que as crianças do sexo feminino são significativamente mais
violentadas que aquelas do sexo masculino. Para Saffioti (2004), a sociedade, de
maneira geral, legitima não somente o adultocentrismo, mas também o androcentrismo
(supervalorização do homem), conferindo, portanto, aos homens o direito de exercer
seu poder sobre as mulheres, crianças e adolescentes, sendo que essas duas
características (adultocentrismo e androcentrismo) interconectam-se, caminhando
juntas na esfera privada e alimentando-se do patriarcado para sua plena reprodução.
Outro elemento imprescindível para a captura do fenômeno diz respeito à perspectiva
falocrática, que, segundo Azevedo (2001), compreende as relações desiguais de gênero
dentro da família, caracterizando, assim, entre outros aspectos, o que podemos chamar
de violência de gênero. Para Saffioti (2001, p. 108),
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particularmente, a idade do zero aos seis anos. Muitas das literaturas sobre o tema
consideram esse o período crucial, quando ocorre o desenvolvimento de estruturas e
circuitos cerebrais, bem como a aquisição de capacidades fundamentais que permitirão
o aprimoramento de habilidades futuras mais complexas. Destaque-se que, entre as
meninas nessa faixa etária, 46% eram negras.
Saffioti (1997) diz que, ao tomarmos a organização social por meio da interação
das gramáticas de regulação social, como apresentado, a menina negra estaria no grau
mais elevado de vulnerabilidade social, por ser a última nessa escala de poder, ou seja,
ao poder relativo ao gênero, à raça/etnia, à classe social e à idade. Para ela, são as
crianças do sexo feminino, negras e economicamente desfavorecidas que lideram o
ranking das violações sexuais, ou seja, quando os dados são analisados de forma
interseccional, a questão racial no fenômeno da violência sexual infantil emerge de
forma incontestável. Portanto, é possível perceber que o machismo, o racismo, a
desigualdade social e o adultocentrismo – masculino - sustentam as violências sexuais
na infância, dando-lhe um determinado corpo. O abuso sexual está perpassado por
esses fenômenos, sendo impossível desassociá-lo desse repertório.
De acordo com Camargo, Alves e Quirino (2005), a violência praticada contra
crianças e adolescentes negros não é um acontecimento novo no Brasil. Desde o período
colonial até os dias atuais, essa parcela da população vem sendo espoliada, oprimida,
negligenciada, sofrendo, assim, as consequências da violência sob todas as formas que
essa pode incidir sobre uma pessoa e/ou comunidade. No período colonial,
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como o estabelecimento dos Estados-nação e, com efeito, o crescimento de
desigualdades no sistema-mundo. Esse período, também testemunhou transformações
sociais e culturais. As categorias gênero e raça emergiram nessa época como dois
pilares: exploração de pessoas e sociedades estratificadas. De acordo com Silvério
(2020), neste período que o “Negro” foi criado como uma tentativa de apagamento da
diferença étnica entre os não europeus e, em especial, os descendentes de africanos
por meio da construção de uma identidade coletivamente negativa e inferiorizante,
portanto, colonizadora e construtora de um Outro mitologicamente sem história e sem
cultura. A criação e racialização do Outro, bem como o estranhamento daí resultante,
retiraram do colonizado a possibilidade de ser visto (e, consequentemente, de se ver)
como expressão também universal do gênero humano.
Em relação às crianças, Sarmento (2009) contribui com o debate ao argumentar
que foi no período da modernidade que a infância foi criada e, contrariamente ao que
ocorria antes, as crianças passaram a ser mais confinadas em espaços privados,
tornando-as à margem de espaços considerados públicos. Da mesma forma suas
competências e capacidades passaram a ser consideradas em um compasso de espera,
ou seja, uma espera para serem adultas, para tornarem-se um verdadeiro membro da
comunidade humana. Todos esses aspectos são importantes para compreender a
caracterização da posição social que cada criança ocupa no mundo e n os diferentes
lugares, já que, a infância não é universal.
Assim, para a situação aqui analisada, é necessário considerar, para além das
condições isoladas em que vivem as crianças, o processo de opressões interseccionadas
pelo qual elas passam. Para ilustrar, podemos utilizar a entrevista veiculada em 2016,
em que Crenshaw apresenta uma metáfora, também utilizada por Akotirene (2018):
segundo as autoras, os marcadores sociais são como avenidas e os sujeitos/as sujeitas,
ao longo de suas vidas, são posicionados nos cruzamentos dessas avenidas de acordo
com suas identidades e subjetividades (na “rua da raça”, na “rua da classe” e na “rua
do gênero”, por exemplo). Sujeitos posicionados em cruzamentos, encontrar-se-iam
em locais mais suscetíveis a “atropelamentos” individuais e simultâneos – do “carro do
racismo”, do “carro do sexismo”, do “carro do classismo” e de outros “carros”. Portanto,
quanto maior o número de opressões que se sobrepõem na vida de um sujeito, maior
a situação de vulnerabilidade desse sujeito.
As meninas negras sexualmente abusadas estão posicionadas nos cruzamentos
e são atropeladas – simultaneamente - pelas opressões de raça, classe, gênero e idade.
Tais opressões as deixam mais vulneráveis. Para Azevedo e Guerra (2007), citados por
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Vieira (2018, p. 108), a violência sexual traz, em seu centro, a transversalidade, pois
“trata-se de um fenômeno que não é caudatário do sistema de estratificação social e
do regime político vigente numa sociedade [...], [portanto], não pode ser dito que é um
fenômeno característico da pobreza”. No entanto, segundo Vieira (2018), a exploração
sexual comercial atinge profundamente as crianças e adolescentes pertencentes às
classes e aos estratos sociais menos favorecidos, por serem mais suscetíveis à
exploração sexual infanto-juvenil. As condições de pobreza influenciam e,
principalmente, potencializam o acometimento desse crime. Para Crenshaw (1991,
p.3),
[...] raça, gênero e classe estão im plicados juntos porque o fato de ser uma
m ulher de cor correlaciona-se fortemente com a pobreza. Além disso, o
acesso desigual a habitação e em prego - isto é, o fenôm eno da
discrim inação - é reproduzido através da sua raça e identidade de gênero.
No caso das crianças, a título de exemplo, segundo o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF, 2010), de cada dez crianças pobres, sete eram negras. A
pobreza atingia 32,9 % entre as crianças brancas; entre as crianças negras, atingia
56%. Entre os 26 milhões de crianças que viviam em famílias com renda per capita de
até meio salário-mínimo, 17 milhões eram de crianças negras. De acordo com o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (2018), a pobreza na infância e na adolescência tem
múltiplas dimensões, que vão além do dinheiro, ou seja, para compreendê-la, é
necessário considerar que ela é o resultado da relação entre privações, exclusões e de
diferentes vulnerabilidades a que meninas e meninos estão expostos e que impactam
seu bem-estar. Em relação às meninas e meninos negros, o índice de privação de
direitos é de 58,3%, enquanto entre crianças e adolescentes brancos, ela é de 40%. O
mesmo ocorre para a privação extrema, que afeta 23,6% dos negros e 12,8% dos
brancos. O estudo indica que a incidência de privações entre meninas e meninos negros
é 1,5 vez maior do que entre brancos, sendo que a precarização de suas condições
aumenta ainda mais nas privações extremas, em que a incidência entre negros é duas
vezes maior do que entre brancos.
Considerando a intersecção de gênero, raça, classe e idade, as meninas negras
são mais vulneráveis e tendem a ter seus direitos, como crianças, menos assegurados.
Elas, desde a tenra idade, passam por um processo de “adultização”, ou seja, são
consideradas mulheres adultas e vivenciam as mesmas situações que, historicamente,
as mulheres negras vivem. Segundo Angela Davis (2016), o estupro da mulher negra
é usado como castigo desde o tempo da escravidão: “O estupro, na verdade, era uma
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expressão ostensiva do domínio econômico do proprietário e do controle do feitor sobre
as mulheres negras na condição de trabalhadoras” (DAVIS, 2016, p. 20). Como a
mulher negra trabalhava tanto quanto o homem negro e tinha a sua feminilidade
apagada por conta disso, ela podia perceber a própria força e ter noção do seu poder
de resistência. Para que isso não acontecesse, eram violadas sexualmente e, dessa
forma, elas se lembrariam da sua condição de fêmea: “Na visão baseada na ideia de
supremacia masculina [...], isso significa passividade, aquiescência e fraqueza” (DAVIS,
2016, p. 37).
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poder e o contexto social. Em relação à desigualdade social, dizem que é necessário
entendê-la para além de lentes exclusivas de raça ou classe; em vez disso, entende-se
a desigualdade social por meio das interações das várias categorias de poder. Por outro
lado, as relações de poder interseccionais devem ser analisadas por meio de
intersecções específicas – por exemplo, racismo e sexismo, ou capitalismo e
heterossexismo –, bem como entre domínios de poder – a saber, estrutural, disciplinar,
cultural e interpessoal. Por fim, sobre o contexto social, é importante a análise do
crescente reconhecimento da desigualdade econômica global, que enfatiza a
importância das políticas dos Estados-nação e dos contextos sociais das instituições
governamentais.
No caso dos dados analisados, o uso da interseccionalidade como ferramenta
analítica, fez compreender que: a violência sexual sofrida pelas meninas com menos de
cinco anos de idade, foi em função de elas fazerem parte da parcela da sociedade que
é mais impactada pelas desigualdades sociais e econômicas, por serem membros de
um grupo étnico-racial - negro - historicamente discriminado e, por serem meninas.
Além desses fatores, que são estabelecidos por relações de poder, a idade em que elas
se encontram são hierarquicamente mantidas pelo poder dos adultos em relação a elas,
impondo formas de disciplinas que os favorecem. Ademais, elas vivem em um contexto
tanto nacional quando local, onde são duplamente invisibilizadas por serem crianças e
por serem negras. Seguindo a argumentação das autoras,
O que faz com que um projeto seja interseccional crítico é sua conexão com a
justiça social. A justiça social tam bém é ilusória, onde aparentemente as regras
são aplicadas de m aneira igual a todos, m as, ainda assim , produzem resultados
desiguais e injustos: nas social-dem ocracias e nos Estados-nação neoliberais,
todos podem ter o “direito” de votar; m as nem todos têm igual acesso para fazê -
lo, e os votos têm pesos diferentes. (COLLINS; BILGE, 2021, p. 47).
Segundo o ECA (1990), em seu artigo 5º: Nenhuma criança ou adolescente será
sujeito a qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. Para seguir com a conversa, considerando uma sociedade que
preza pela justiça social: quem teria direito a ter direito?
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violência sexual contra crianças. Partimos, em um primeiro momento, da discussão
sobre violência sexual, considerando a perspectiva de diferentes autores. Com a
discussão que propusemos, ficou evidente que a violência sexual que acomete crianças
e adolescentes é sobretudo decorrente das relações de poder que são estabelecidas
pelos adultos, que as consideram como “coisa” desrespeitando tanto suas condições
como humanos quanto, fundamentalmente, seus direitos garantidos por lei.
Posteriormente, com o perfil sociodemográfico e, especificamente, considerando
as categorias sexo, idade, classe e raça, ficou evidente que as crianças do sexo
feminino, negras e com idade até cinco anos são as vítimas que mais sofrem violência
sexual. A base teórica que pautou a análise contribuiu para evidenciar como as
opressões de gênero, raça, classe e idade podem ser interseccionadas, trazendo à baila
um problema social, como é o caso da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Do ponto de vista do artigo, a interseccionalidade, como ferramenta analítica e como
práxis social, deve ser entendida como uma visão e postura frente ao mundo e suas
injustiças, no caso, as injustiças praticadas pelos adultos em relação às crianças,
especialmente aquelas relacionadas às meninas negras violentadas permanentemente
por aqueles que deveriam protegê-las e, em locais, onde deveriam se sentir seguras.
Como foi possível verificar, além das mulheres negras, que historicamente sofrem
violências diversas e abuso sexual, as meninas negras sofrem pelo mesmo machismo,
classismo e racismo presentes na sociedade brasileira e, por isso, necessitam de
adultos/adultas que possam escutá-las, dando visibilidade às suas histórias, às suas
opressões, às suas dores e às suas vidas.
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NOTAS
TÍTULO DA OBRA
VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA: GÊNERO, RAÇA E CLASSE EM PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL
Sexual violence in childhood: gender, race and class in intersectional perspective
Cristina Teodoro
Doutora em Educação
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB)
Curso de Pedagogia do Instituto de Humanidades e Letras
Salvador, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-0850-4014
AGRADECIMENTOS
Não se aplica.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
Concepção e elaboração do manuscrito: C. Teodoro
Coleta de dados: C. Teodoro
Análise de dados: C. Teodoro
Discussão dos resultados: C. Teodoro
Revisão e aprovação: C. Teodoro
CONFLITO DE INTERESSES
Não se aplica.
Zero-a-Seis, Florianópolis, v. 24, n. Especial, p. 1582-1598, dez., 2022. Universidade Federal 1598
de Santa Catarina. ISSN 1980-4512. DOI: https://doi.org/10.5007/1980-4512.2022.e87381