A Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes Sob A Perspectiva Socio Histórica

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A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOB A

PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS


RELACIONADOS À TEMÁTICA.

Ana Priscilla Christiano 1

Henrique Zanon 2

Jéssica Pedrosa Mandelli 3

Lisnéia Aparecida Rampazzo 4

Mirtes Viviani Menezes 5

O objetivo desta pesquisa é analisar estudos científicos, veiculados em meio virtual


(Internet), que relacionam a violência sexual contra crianças e adolescentes a questões
educacionais. Foram selecionados três artigos para análise: retirado da revista Interação
em Psicologia e revista Estudos de Psicologia de Campinas. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, do tipo documental. O estudo documental fornece ao investigador a
possibilidade de informação através de análise teórica de material pré-selecionado de
acordo com os objetivos aos quais a pesquisa se propõe. Após a leitura dos três artigos,
foram especificadas duas categorias de análise: a visão da violência sexual contra
crianças e adolescentes apresentada nos textos e o papel do professor frente aos casos de
violência sexual. Como referencial teórico buscou-se autores que compreendessem a
criança e o adolescente em seu contexto histórico e social, assim como autores que
trouxessem reflexões sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes na
contemporaneidade. Concluiu-se que os artigos analisados trazem considerações
importantes e pertinentes sobre a temática da violência sexual e da atuação da escola e
do professor estimulando o leitor a refletir sobre estes assuntos. Entretanto todos
apresentaram informações incompletas no que se refere à contextualização da infância e
da violência sexual na atualidade.

Palavras–Chave: Violência Sexual; criança e adolescente.

1
Psicóloga da Secretaria Municipal da Mulher, mestre em Psicologia pela UNESP – Assis, Professora da
Universidade Estadual de Londrina
2
Graduando em Psicologia pela UNIFIL, estagiário de Psicologia da Secretaria Municipal da Mulher
3
Graduanda em Psicologia pela UNIFIL, estagiária de Psicologia da Secretaria Municipal da Mulher
4
Psicóloga da Secretaria Municipal da Mulher, mestre em Serviço Social pela UEL, Professora da
Universidade do Norte Paranaense (UNOPAR)
5
Psicóloga da Secretaria Municipal da Mulher, mestre em Educação pela UEL.
1 - A violência sexual contra crianças e adolescentes: aspectos teóricos

O interesse pela temática da violência sexual contra crianças e


adolescentes surgiu a partir da atuação da equipe do Centro de Atendimento à Mulher
(CAM) e da Casa- Abrigo da Secretaria Municipal da Mulher - órgãos pertencentes à
Prefeitura Municipal de Londrina – que prestam atendimento social e psicológico a
mulheres em situação de violência.
Durante o período de atuação nestes serviços, foi possível observar o
grande número de suspeitas, relatos e confirmações de casos de abuso sexual de
crianças e adolescentes.
A partir deste contato com a realidade da violência intrafamiliar,
doméstica e sexual, realizada contra as crianças e adolescentes que passaram pelo CAM
ou pela Casa-abrigo, surgiram vários questionamentos, como por exemplo: desde
quando estas crianças vêm sofrendo abusos? Quais os sinais de pedido de socorro que
elas emitiram para os adultos que faziam parte de seu contexto (escolas, UBS, Igrejas)?
E na escola, como eram os comportamentos, ninguém suspeitou de nada? Quais
providências foram tomadas quando surgiram as primeiras suspeitas? E a aprendizagem
escolar? Estava ocorrendo de forma adequada ou tinha sido prejudicada pelos
constantes episódios de violência?
Todas estas indagações borbulhantes vieram à tona, durante o curso de
especialização em Psicopedagogia, de uma das psicólogas da equipe. Surgiram então as
primeiras reflexões sobre o papel da escola, e em especial do professor, junto aos
problemas de aprendizagem e demais manifestações ditas “problemáticas” dentro do
contexto educacional.
Durante o levantamento bibliográfico foram encontrados artigos que,
de alguma forma, mencionavam a importância de explorar as questões do contexto
escolar que possam relacionar-se em maior ou menor grau com a violência sexual.
No entanto, contatou-se que estes textos eram escassos, ficando
restritos a alguns núcleos de pesquisa como os existentes na Universidade Federal de
São Carlos, no Instituto de Psicologia ligado a Universidade de São Paulo ou ainda na
FIOCRUZ, o que levanta a hipótese de que possivelmente não estão sendo realizadas
muitas pesquisas relacionando estes dois temas tão pertinentes.
Concordando com autoras como Azevedo e Guerra (1995) e Saffioti
(1997) para as quais, ainda hoje, as publicações nacionais sobre o assunto parecem não
ser vastas e as discussões por vezes mostram-se ambíguas ou incompletas não levando
em consideração os diversos fatores que envolvem a questão da violência, percebeu-se a
importância de abordar a violência doméstica e em especial a violência sexual,
analisando-se estudos científicos, veiculados em meio virtual (Internet), que relacionem
este tema às questões educacionais.
Assim, a partir de um levantamento de textos que abordassem o tema
da violência sexual contra crianças e adolescentes, foram encontradas publicações na
área de saúde, educação, ciências sociais, cujo referencial pertencia a diferentes
abordagens, como o marxismo, a psicanálise e a teoria cognitivo-comportamental.
Observou-se que as obras sobre o tema iniciaram-se no final da década de 80 e
aumentaram consideravelmente no decorrer da década de 90 e neste início do século
XXI.
Os primeiros autores nacionais a abordarem a questão já haviam
ganhado destaque entre a década de 70 ou 80 por seu envolvimento com as questões de
gênero e de violência contra a mulher, como é o caso de Saffioti (1997), Azevedo
(1985) e Azevedo e Guerra (1988) e trazem uma visão ligada a uma perspectiva social
da violência pautada em estudiosos europeus da Escola de Frankfurt ou da escola
francesa.
Já Ruiz (1985, apud LEMOS, 2003) discutiu que dois modelos
teóricos destacaram-se nos estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes: o
modelo psicopatológico e o modelo social. Lemos (2003), respaldada nas conclusões
desta autora, afirma que:

A concepção psicopatológica funciona através do pressuposto de que


as relações familiares dos pais, os “traumas” que os acompanhariam
referentes aos acontecimentos da infância deles se refletiriam na
Educação que dariam aos filhos. Portanto, em uma relação causal,
pais que foram abusados na infância por seus familiares, também,
desenvolveriam modos abusivos de relacionarem-se com sua prole.
Já, a concepção social atribui os maus-tratos aos fatores sócio-
econômicos, como desemprego, a baixa renda e ao curto período de
educação escolarizada dos pais.Para esta autora, esses olhares seriam
reducionistas, pois as relações abusivas deveriam ser enfocadas por
múltiplos aspectos: os culturais, os sociais, os econômicos, os
psicológicos e os biológicos (p. 133).
Quanto a definição da violência, Marilena Chauí (1985) a entende,
não como violação ou transgressão de normas, regras e leis, mas como uma conversão
de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com
fins de dominação, de exploração e opressão e numa segunda perspectiva, como a ação
que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela
inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de
outrem são impedidas ou anuladas, há violência (CHAUÍ, 1985).
Araújo (2002) assume outra concepção e informa que a violência
intrafamiliar ocorre na família, envolvendo parentes que vivem ou não sob o mesmo
teto, ressaltando que a probabilidade de ocorrência seja maior entre parentes que
convivem cotidianamente no mesmo domicílio.
Azevedo e Guerra (1995) definem a violência doméstica contra
crianças e adolescentes como:

Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis


contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano
físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica de um lado, numa
transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa
coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças
e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento (p.36).

Saffioti (1997) faz algumas considerações a respeito desta definição e


propõe que as relações sociais são estabelecidas tanto pelas relações de classe quanto
pelas questões de gênero enquanto relações de poder, não devendo estas últimas ser
menosprezadas, visto que têm papel preponderante na produção da violência social,
interpessoal e familiar; o que explica sua proposta de usar o termo violência de gênero
para abarcar mulheres, crianças e adolescentes, meninas e meninos.
Quanto a violência sexual, Azevedo e Guerra (2000) a entendem
como sendo:

[...] todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual


entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por
finalidade estimular sexualmente a criança ou utiliza-la para obter
uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa
(AZEVEDO; GUERRA, 2000).
Estas autoras ainda argumentam que quando se trata de violência
doméstica podemos substituir o termo adulto por pais, responsáveis ou familiares; e que
o abuso-vitimização sexual pode ocorrer envolvendo contato físico (carícias, beijos, até
a relação sexual) ou não (como no voyerismo ou cantadas obscenas), com ou sem
emprego de força física (AZEVEDO; GUERRA, 1995).
Azevedo e Guerra (2000) consideram também como abuso-
vitimização sexual “... as experiências entre uma criança de doze anos e menos e uma
outra pessoa com menos de dezoito anos, mas que seja, no mínimo, cinco anos mais
velha que a criança...” (p.43).
O abuso sexual está relacionado com o poder, coação e/ou sedução e
envolve duas desigualdades básicas: a de gênero e a de geração (ARAÚJO, 2002).
Outro autor que trata do abuso sexual é Gabel (1997), para o qual:

[...] o abuso sexual supõe uma disfunção em três níveis: o poder


exercido pelo grande (forte) sobre o pequeno (fraco); a confiança que
o pequeno (dependente) tem no grande (protetor); e o uso delinqüente
da sexualidade, ou seja, o atentado ao direito que todo indivíduo tem
de propriedade sobre seu corpo (p. 5).

A partir de reflexões respaldadas na teoria psicanalítica Faiman


(2004), define o abuso sexual enquanto todo o relacionamento interpessoal no qual a
sexualidade é veiculada sem o consentimento válido de uma das pessoas envolvidas,
não existindo uma relação direta com a violência física.
Cohen (1997) defende que o abuso sexual intrafamiliar está
relacionado ao grau de parentesco entre a vítima e o agressor e identifica algumas
formas deste fenômeno como: o incesto pai-filha, padrasto-enteada, avô-neta, pai-filho,
tio-avô-neta, tio- sobrinha, fraternal, mãe-filho, mãe-filha e avó-neta.
Furniss (2002) coloca que o abuso sexual da criança é tanto uma
questão normativa e política quanto clínica, possuindo importantes aspectos
sociológicos e antropológicos. As definições normativas relacionam-se a práticas
aceitáveis ou inaceitáveis de educação da criança e à posição desta em diferentes
sociedades. Elas descrevem as normas, limites e fronteiras do comportamento
apropriado e aceitável dos adultos em relação à criança.
A autora define a exploração de crianças e adolescentes como:
[...] o envolvimento de crianças e adolescentes dependentes, imaturos
desenvolvimentalmente, em atividades sexuais que eles não
compreendem totalmente, às quais são incapazes de dar
consentimento informado e que violam os tabus sociais dos papéis
familiares, além disto, objetivam a gratificação das demandas e
desejos sexuais da pessoa que comete o abuso. (p.12).

Esta mesma autora, assim como Azevedo e Guerra (1995), afirma que
o dano psicológico do abuso sexual da criança/adolescente pode estar intrinsecamente
relacionado à idade do início do abuso, a duração do abuso, o grau de violência ou
ameaça de violência, a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a
vítima, o grau de relacionamento entre a vítima e o abusador, a ausência de figuras
parentais protetoras e o grau de segredo.
Os estudos de Ana Freud aparecem em Furniss (2002) que cita esta
estudiosa:
[...] no abuso sexual da criança, esta não pode evitar ficar
sexualmente estimulada e essa experiência rompe desastrosamente a
seqüência normal da sua organização sexual. Ela é forçada a um
desenvolvimento fálico e genital prematuro, enquanto as
necessidades desenvolvimentais legítimas e correspondentes
expressos mentais são ignorados e deixados de lado (p.14).

No que se refere aos sintomas apresentados pelas vítimas de violência


sexual, Finkelhor (1993, apud AMAZARRAY; KOLLER, 1998) destaca que em
crianças em idade escolar, os sintomas mais comuns são: medo, distúrbios neuróticos,
agressão, pesadelos, problemas escolares, hiperatividade e comportamentos regressivos.
Na adolescência cita como sintomas: depressão, isolamento, comportamento suicida,
auto-agressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso de substâncias,
comportamento sexual inadequado, baixa auto-estima e percepção distorcida de si
mesma.
Outro sintoma citado na literatura é o comportamento sexualizado
inadequado à idade que consiste em: brincadeiras sexualizadas com bonecas, introdução
de objetos ou dedos nos órgãos genitais, masturbação excessiva ou em público,
comportamento sedutor, conhecimento sexual inapropriado para a idade e pedido de
estimulação sexual aos adultos ou a outras crianças. (AMAZARRAY; KOLLER, 1998)
Quanto ao sentimento de culpa das crianças e adolescentes, Furniss
(2002) revela que este, origina-se do senso equivocado de responsabilidade, e da idéia
de ter sido uma participante do abuso. Em boa parte dos casos, este sentimento é
reforçado pelo agressor através de ameaças de que a criança será responsável pelas por
todos os problemas que causará se relevar o abuso.
Essas ameaças podem ser de violência, castigo, e até de um ganho
secundário, como a de um tratamento especial, dificultando assim a revelação do abuso
e contribuindo para a manutenção do segredo.
Gabel (1997) ressalta que a não revelação do abuso por parte da
criança transmite, além do medo das conseqüências, a falta de confiança no adulto, ou
seja, a incapacidade dos adultos de protegê-la da violência de seu agressor e a falta de
valorização de sua palavra.
A criança que mantém o segredo do abuso pode adaptar-se a essa
situação, ou seja, o abuso pode tornar-se um evento aparentemente normal e a criança
fará adaptações psíquicas prejudiciais ao seu desenvolvimento.
Segundo Gabel (1997) as conseqüências dos abusos sexuais
intrafamiliares são em geral mais graves do que os abusos extrafamiliares, pois
provocam na criança uma confusão em relação às imagens parentais: o pai deixa de
desempenhar um papel protetor e representante da lei e a mãe mostra-se omissa e
impotente.
Amazarray e Koller (1998) afirmam que mesmo a criança que não
apresenta sintomas aparentes merece atenção, pois as conseqüências do abuso podem
manifestar-se a longo prazo.
Quanto à intervenção, encontrou-se em Scherer e Scherer (2000) que
o abuso sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes deve ser enfrentado nos três
níveis de prevenção, sendo que no nível terciário há a necessidade de identificação dos
casos, avaliação, diagnóstico e tratamento, apoio psicossocial, fortalecimento das
relações familiares para que sejam capazes de educar e proteger suas crianças.
Os programas devem incluir equipe com profissionais qualificados e
envolvidos diretamente na defesa da criança na perspectiva individual, familiar,
comunitária e social (Scherer; Scherer, 2000).
Amazarray e Koller (1998) chamam a atenção ao fato de que:
A intervenção legal, desconhecendo os aspectos psicológicos do
abuso sexual e as necessidades terapêuticas da criança e das famílias
disfuncionais, acaba produzindo um dano psicológico à vítima. Por
outro lado, os profissionais da saúde mental, negligenciando os
aspectos legais do abuso (proteção à criança e prevenção adicional do
crime), também contribuem para o aumento do dano psicológico
sofrido pela criança. Ainda, se os profissionais da saúde não
denunciarem a ocorrência do crime ou desconsiderarem sua possível
existência, estarão perpetuando o abuso sexual, colaborando com a
síndrome de segredo do mesmo e levando adiante uma terapia que
não tem valor nenhum para minimizar o impacto físico e psicológico
do abuso sexual na criança (p.12).

Furniss (2002) coloca que a revelação do abuso sexual da criança


conduz geralmente ao envolvimento de um grande número de diferentes profissionais e
instituições. Intervenções não coordenadas podem conduzir a um dano maior do que o
abuso original, tanto nos relacionamentos familiares quanto na própria criança.
Quanto à incidência da violência sexual, Azevedo e Guerra (2000)
informam que é possível considerar que o abuso não se restringe as camadas pobres,
ocorrendo em todas as camadas sociais, em todas as etnias e credos religiosos. Ocorre
em grande parte das vezes dentro do lar e apesar de acontecer também com meninos,
acomete mais as meninas.
Para Cohen (1997), apesar da grande dificuldade na identificação dos
casos de abuso sexual intrafamiliar e na notificação dos mesmos, as pesquisas realizadas
nacionalmente e internacionalmente indicam que o incesto pai-filha pode ser
considerado a forma de abuso sexual mais comum.
Desta forma, fica claro, a partir da literatura levantada sobre o tema,
que o abuso sexual traz conseqüências desastrosas para a vida de qualquer criança ou
adolescente e que sua identificação por adultos a eles vinculados pode ser determinante
para que estas crianças e adolescentes possam vir a ter uma qualidade de vida melhor e
tratamento adequado.
A escola, então, e em especial o professor, tem um papel fundamental
nesta identificação e quando bem orientado sobre os sintomas, conseqüências e
conceitos sobre a violência doméstica, a partir de referencial teórico sério e fidedigno, é
capaz de fazer a diferença na vida de uma criança abusada.
2 – A análise de artigos científicos: as informações que todos os professores
deveriam saber

Utilizou-se como metodologia, para esta pesquisa qualitativa do tipo


documental, a análise de conteúdo, proposta por Bardin (1977) que propõe três fases
cronológicas durante a pesquisa: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento
dos resultados, a inferência e a interpretação.
Trivinõs (1992) observa que uma das peculiaridades essenciais da
análise de conteúdo é “ser um meio para estudar as comunicações entre os homens,
colocando ênfase no conteúdo das mensagens” (p.161), em especial, as escritas, que são
“mais estáveis e constituem um material objetivo ao qual podemos voltar todas as vezes
que desejamos” (p.161).
A partir deste princípio, foram selecionados os seguintes artigos para
análise:
- BRINO; WILLIAMS (2003a) - Concepções da professora acerca do
abuso sexual infantil. Retirado da revista Cadernos de Pesquisa, de São Paulo;
- BRINO; WILLIAMS (2003b) - Capacitação do educador acerca do
abuso sexual infantil. Retirado da revista Interação em Psicologia de Curitiba;
- INOUE; RISTUM (2008) - Violência sexual: caracterização e
análise de casos revelados na escola. Retirado da revista Estudos de Psicologia de
Campinas.
Vale ressaltar que durante a pesquisa, foi encontrado um maior
número de artigos ligados a área de saúde, em especial, aqueles publicados na revista do
curso de enfermagem da USP de Ribeirão Preto. Observou-se também que os artigos
nas áreas de ciências humanas e em educação foram escassos e não relacionavam a
questão escolar ao abuso sexual.
Dos textos encontrados sobre violência doméstica, apenas um foi
escrito por pedagogas, que o apresentaram como monografia do curso de
psicopedagogia do IBPEX. Foram também encontrados textos que abordavam as
especificidades das crianças expostas à violência conjugal. Os três textos analisados
foram os únicos que relacionavam especificamente a violência sexual a questões
educacionais circulando na Internet até abril de 2008, mês em que foi feita a última
busca.
Dois dos textos analisados são da mesma autora, sendo que um é parte
de sua dissertação do mestrado em Educação Especial da Universidade Federal de São
Carlos e o outro de sua tese de Doutorado pela mesma instituição.
Foi considerado que a seleção de dois artigos de mesma autoria
poderia interferir nos resultados da pesquisa, entretanto optou-se por mantê-los na
análise devido a dois fatores: a escassez de artigos sobre a temática escolhida para a
pesquisa e o reconhecimento destas autoras enquanto referências teóricas brasileiras na
área de violência sexual.
No terceiro texto analisado, o destaque fica para a época em que foi
publicado: jan-março de 2008, ou seja, período em que a pesquisa estava sendo
realizada. As autoras são da Universidade Federal da Bahia e uma delas, conforme
consta no artigo, pertence ao Programa de Pós-graduação em Psicologia.
A análise dos artigos mostrou que importantes considerações sobre a
relação entre a violência sexual contra crianças e adolescentes e o contexto educacional
podem ser feitas. Os três artigos buscaram: conhecer as informações que professores
tem sobre a violência sexual, capacitá-los para atuarem mais adequadamente frente a
esses casos e verificar a incidência, dentre casos de abuso sexual, de denúncias feitas
por escolas.
Todos os artigos concordaram em afirmar que o contexto educacional
ainda tem pouco conhecimento sobre esta temática e que apenas o fornecimento de
informações não é suficiente para que haja mudanças de comportamento dos
professores.
Apesar das diferentes abordagens teóricas utilizadas nos textos,
observou-se que algumas temáticas foram reincidentes como, por exemplo, a menção
aos possíveis sintomas apresentados pelas crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual.
Notou-se, entretanto que BRINO; WILLIAMS (2003a) e BRINO;
WILLIAMS (2003b) não trouxeram para a discussão a contextualização do lugar da
violência sexual na sociedade atual. INOUE; RISTUM (2008) abarcaram mais
informações, não chegando, no entanto a realizar uma reflexão pautada em referencial
teórico amplo e consistente sobre o assunto.
Quando se objetiva levar os professores a mudarem sua postura e
concepções diante do abuso sexual, torna-se imprescindível a realização de uma
reflexão mais aprofundada sobre o contexto político e social que levou a tal postura.
Apenas assim uma ressignificação de conceitos pode ser efetivada com sucesso.
Sendo assim, pode-se constatar, com esta pesquisa que os textos
analisados que abordam a temática da violência sexual contra crianças e adolescentes
trazem informações importantes sobre o assunto, entretanto muito ainda tem-se que
avançar no aspecto conceitual e contextual.
Uma possível hipótese para a dificuldade conceitual seja o
esfacelamento do conhecimento em especialidades ou linhas teóricas que não se
encontram ou não conversam entre si. Assim, textos oriundos da saúde não abordam
aspectos sociais e culturais, textos baseados em uma perspectiva behaviorista tratam
pouco das relações entre a violência e o contexto político-econômico-social. Por outro
lado, textos pautados em uma leitura social, muitas vezes esquecem-se dos sintomas, da
importância de pesquisas precisas ou de uma abordagem mais objetiva e atual sobre o
assunto.
Pesquisas que se propõe a discutir produções teóricas podem
contribuir para apontar esta limitação acadêmica/teórica da atualidade e oportunizar o
surgimento de novas propostas mais integradoras para inclusive poder relacionar
temáticas tão interrelacionadas como a violência sexual contra crianças e adolescentes e
as diversas situações que podem ser encontradas no contexto educacional.
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