RRC 32 Comportamento Cuidando de Quem Cuida
RRC 32 Comportamento Cuidando de Quem Cuida
RRC 32 Comportamento Cuidando de Quem Cuida
Cuidando
de quem cuida
P rofissionais de saúde que lidam em seu dia
a dia com o paciente de câncer são submetidos a
Atualmente, a psicóloga reúne grupos
separados por categorias profissionais, como
um alto nível de estresse. Para aliviar o sofrimento, enfermeiros e recepcionistas. A demanda é
unidades de saúde adotam estratégias que visam a grande. “Institucionalizamos, junto com a
minimizar esses efeitos negativos que podem pre- Enfermagem, alguma coisa que não fosse
judicar o desempenho no trabalho e o bem-estar pesada e que ajudasse cada pessoa.
geral dos funcionários. O estresse nada mais é do Trabalho com hipnose, relaxamen-
que uma reação física e mental do organismo que to, faço dinâmicas e desenvolvo
ativa processos hormonais e nervosos baseados em com os participantes um lado
um estado de alerta, que pode levar ao aumento da mais lúdico, além de ensinar
pressão arterial e do batimento cardíaco e causar alguns exercícios. Tudo é
outros problemas de saúde. feito de acordo com
A psicóloga Cristina Volker presidiu a o interesse deles, para
Sociedade Brasileira de Psicologia Oncológica não ficar maçante. Os
durante 16 anos e trabalha há 26 no Centro de funcionários também
Terapia Oncológica (CTO) de Petrópolis, clínica costumam sair uma
conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) que vez por semana para
oferece tratamentos como quimioterapia e radiote- conversar e descon-
rapia. Cristina atua junto aos funcionários – cerca trair. Os grupos da
de 50 – com o objetivo de reduzir a sobrecarga Enfermagem e da
emocional que possa ser provocada pelo dia a dia Farmácia estão
com os pacientes. sempre se encon-
A iniciativa de promover atividades para aliviar trando e fazendo
o estresse dos trabalhadores teve início há cinco algo, por iniciativa
anos, de modo informal. “Era um churrasco mensal deles”, revela.
que envolvia os funcionários de todos os setores, O oncologista
como Enfermagem, Nutrição e Fonoaudiologia. Bernardino Alves
Comemorávamos aniversários e datas como a Ferreira Neto, um
Páscoa e o Natal, e havia também a participação dos dos donos da clínica,
pacientes”, conta Cristina. endossa o trabalho
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feito com os grupos. “Temos uma equipe que vai criança como soltar pipa, andar de bicicleta, jogar
do guarda até o diretor administrativo. Todos es- bola. Interagir com outros meios ajuda bastante a
tão envolvidos no acolhimento do paciente com liberar a tensão do dia a dia”, avalia.
câncer. Esses encontros são uma forma de conse- O enfermeiro relata que o contato constante
guirmos a união necessária para mantermos nosso com os pacientes cria um vínculo que humaniza o
foco”, define. atendimento. “No primeiro momento, eles chegam
arredios, alguns até agressivos, e não querem falar
LAZER COMO SUPORTE sobre a situação. Com a acolhida, conseguimos
trazê-los para nosso meio. Temos um mural onde
Rogério Cabral Machado, chefe da Enfermagem
colocamos as fotos dos pacientes que receberam
do CTO, há três anos participa do grupo com a psi-
alta e mantemos contato com alguns pelas redes
cóloga Cristina Volker. Ele considera que a conversa
sociais”, explica.
em grupo ajuda as pessoas a se desinibirem e, con-
Melina Pereira Duarte participa há quatro anos
sequentemente, a perderem o medo de falar e contar
suas apreensões. “Cada pessoa tem uma forma de do grupo de recepcionistas. Ela diz que, nos encon-
se libertar do seu estresse. Eu, quando termino meu tros, a equipe consegue desabafar e, assim, lidar
expediente, procuro me envolver com coisas familia- melhor com a sobrecarga emocional e as perdas.
res e pessoais. Tento fazer uma caminhada, praticar “Trabalhar com pacientes oncológicos não é fácil,
exercícios, ouvir música. Nos finais de semana, vou porque a gente acaba se apegando a eles e aos fa-
a um parque e curto a família. Faço brincadeiras de miliares. Então, às vezes precisamos desabafar com
a psicóloga. Também é importante o convívio com
os colegas do mesmo setor. O grupo facilita esse
diálogo”, acredita.
Lidar com a morte nunca é algo fácil, reconhe-
ce Cristina. A psicóloga lembra do óbito de um idoso
no CTO que causou comoção entre os funcionários,
desde os médicos até os vigilantes. “Nesses momen-
tos, o profissional de psicologia faz o acolhimento e
vai trabalhando as questões do enfrentamento e
da resiliência. Não é que as pessoas não irão
sentir a perda, mas as que encaram a vida e
a morte como um processo natural, ape-
sar de sentirem as perdas, não vão se
desestruturar”, argumenta.
DOIS LADOS
DA MOEDA
É comum profissionais de
saúde cursarem especialização
em Oncologia e, ao se depa-
rarem com a rotina diária, per-
ceberem que não aguentam a
carga. “Já vi muitos médicos
desistirem da área oncológica
e partirem para a dermato-
logia ou a estética. Alguns
dizem: ‘Eu não aguento ver
o paciente sofrer, a doença
evoluir e a pessoa morrer’.
Mas existe o contraponto, há
aqueles que se recuperam e
têm alta”, pondera Cristina.
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Embora estejam na linha
de frente do tratamento, os
médicos são mais resistentes
na hora de manifestar seus
sentimentos. “Apesar de
reconhecerem a atuação da
psicologia, eles têm dificulda-
de para se expressar. É como
se eles se sentissem, além de
impotentes, fracassados por
não conseguirem curar e salvar.
Com alguns a gente consegue
conversar, mas não é algo oficial.
Não falamos sobre o óbito de uma
maneira emocional”, revela. Para re-
duzir a tensão, a maioria dos médicos do
CTO busca alternativas de lazer e tenta tirar
férias de 15 dias a cada semestre.
A fim de colaborar ainda mais no processo de
alívio à sobrecarga, Cristina vai sugerir que a clínica
faça um levantamento de interesses dos profissio-
não atrapalhe suas rotinas”, frisa Denise. Todos os
nais. O objetivo é firmar convênios para que, fora do
profissionais da oncologia são convidados, mas
horário de trabalho, eles pratiquem atividades como
nem todos podem fazer regularmente a atividade,
dança e natação.
que acontece duas vezes por semana. Participam
enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeu-
GESTÃO DO ESTRESSE tas, farmacêuticos e alguns médicos.
Funcionários do setor de oncologia do Hospital A fim de avaliar a iniciativa, Denise está aplicando
Israelita Albert Einstein, em São Paulo, participam, des- um questionário, no qual os funcionários respondem
de setembro, de uma atividade chamada “gestão do es- como se sentem antes e depois da atividade. Ainda
tresse”. Coordenado pela oncologista pediátrica Denise é cedo para um balanço, mas a médica já consegue
Tiemi Noguchi e pela enfermeira Letícia Martins Arantes, fazer algumas observações. “A gente percebe que
o trabalho segue os princípios da medicina integrativa, as pessoas reconhecem o bem-estar proporcionado
abordagem que propõe “uma mudança de paradigma pela atividade, pois querem fazê-la novamente. E nós
no tratamento médico: a doença não é mais o principal estimulamos que elas repitam os exercícios em casa
foco de atenção, mas o paciente ‘inteiro’ (mente, corpo ou até mesmo durante o trabalho, fora do grupo.”
e espírito)”, conforme define o próprio site da instituição. Letícia, que além de coordenar o grupo partici-
A prática de gestão do estresse consiste em pa das atividades, corrobora a percepção de Denise.
cinco minutos de alongamento, com base na ioga, e Embora reconheça o desgaste a que está submeti-
mais dez minutos de atenção plena, com foco na res- da, sobretudo ao lidar com pacientes em cuidados
piração. “Não chamamos de meditação, porque não paliativos, ela testemunha os ganhos que obteve
tem os mesmos moldes. É algo semelhante, com o ob- com a prática. “Tenho a sensação de relaxamento,
jetivo de fazer com que a pessoa se concentre naquele bem-estar e diminuição do estresse. É como se eu
momento e diminua um pouco a atuação do sistema me desconectasse momentaneamente da realidade.
nervoso simpático, que está relacionado à resposta do Volto mais tranquila para o trabalho. Quando enfren-
organismo ao estresse”, explica Denise. to novamente uma situação estressante, consigo me
Mesmo iniciado recentemente, o trabalho já lembrar daquela sensação boa e voltar para aque-
teve boa adesão, com 61 participações. Em uma le estado, porque faço algumas técnicas que me
sala cedida pela Enfermagem, os profissionais são ensinaram”, garante. E acrescenta: “Diminuindo a
orientados a prestar atenção no corpo e na respi- ansiedade, a gente fica menos doente, sente menos
ração. “Eles participam no meio do expediente, dor no estômago, fica menos gripada e melhora o
durante a pausa para o café, para que a atividade sistema imunológico”.
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