Anotaciones de Carolina Tiussi

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Anotaciones de Carolina Tiussi

Educação Terapêutica, uma prática institucional de atendimento a


crianças, criada e desenvolvida por Kupfer (1999).

oito princípios. Esses princípios foram construídos a partir de uma


leitura feita pela pesquisadora sobre as publicações e as
experiências clínicas desenvolvidas pela equipe do Lugar de Vida,
ao longo de seus 28 anos de trabalho.

Kupfer (2000), ao apresentar essa proposta, escreve:A Educação


Terapêutica, termo cunhado para fazer face a um tipo de intervenção junto a
crianças com problemas de desenvolvimento –psicóticas, crianças com traços
autistas, pós-‐autistas e crianças com problemas orgânicos associados a falhas
na constituição subjetiva –, é um conjunto de práticas interdisciplinares de
tratamento, com especial ênfase nas práticas educacionais, que visa à
retomada do
45desenvolvimento global da criança ou à retomada da estruturação psíquica
interrompida pela eclosão da psicose infantil ou, ainda, à sustentação do
mínimo de sujeito que uma criança possa ter construído. (p.83

2.1.1Os três eixos da Educação Terapêutica A Educação Terapêutica


é sustentada por três eixos: a inclusão escolar, a montagem
institucionale o escolar propriamente dito. O primeiro, a inclusão
escolar das crianças psicóticas e autistas, refere-‐se ao trabalho de
parceria com as escolas que se propõem a construir continuamente
formas de escolarização possíveis para essas crianças. A
experiência da inclusão escolar, quando realizada de forma
cuidadosa e acompanhada, apresenta efeitos positivos tanto para a
criança com dificuldades no laço social, como para os outros alunos.
A criança se beneficia dos lugares sociais oferecidos pela escola: de
criança, de aluno, lugares de pertencimento. Beneficia-‐se também
das formas de regulação de gozo e das formas de instauração da
Lei oferecidas: a rotina da escola, horário para comer, para brincar,
ter que se comportar de determinada maneira etc.. Para a criança
psicótica ou autista, essas regulações podem funcionar como
estabilizadoras de gozo e como ponto de ancoragem, a partir do
qual ela pode circular.
O segundo eixo é a montagem institucionalcomo ferramenta
terapêutica, eixo no qual o trabalho em grupo se insere. Ele se
refere a todo o campo de dispositivos de tratamento ofertados
dentro da instituição (grupos terapêuticos, atendimentos individuais,
grupo de pais, reunião de professores, entre outros). Todo o
funcionamento institucional é visto como um instrumento de
tratamento. Os dispositivos ofertados são construídos a partir das
hipóteses clínicas levantadas em equipe. Trata-‐se, portanto, de
uma proposta de organização institucional montada a partir do saber
teórico e da ética da psicanálise, fazendo valer a ideia de que uma
instituição para atendimento de crianças deve ser desenhada a
partir da compreensão que se tem das patologias atendidas e,
principalmente, da concepção de infância com a qual se trabalha.

O terceiro eixo, o educacional propriamente dito, versa acerca da


função da organização cognitiva como forma de prover para a
criança um reordenamento de sua posição frente ao simbólico. Nele,
incluem-‐se o trabalho de aquisição da leitura e escrita, e os
conteúdos da cultura que são transmitidos e que auxiliam o sujeito a
dizer-‐se em sua angústia. Esse eixo difere do eixo da inclusão
escolar, que está mais ligado à promoção da circulação e do laço
social, contribuindo para a retomada da estruturação perdida do
sujeito.

Trata-‐se de, através da organização cognitiva, proporcionar para a


criança um reordenamento de sua posição diante do simbólico ou no
interior do simbólico. Nesse eixo, a alfabetização e a aquisição da
escrita são priorizadas em função de suas características
específicas subjetivadoras. A escrita pode oferecer ao sujeito
psicótico e autista uma nova chance de ordenar sua relação com o
Outro oucom a linguagem, já que institui uma Lei compartilhada, a
legalidade da escrita, a qual o sujeito necessitaria se
assujeitar para ter a possibilidade de emergir vez por outra e dizer-‐
se.

2.4Os princípios em Educação Terapêutica do grupo heterogêneo

Ouseja, são oito princípios construídos pela pesquisadora a partir


daquilo que já foi produzido acerca dos grupos em Educação
Terapêutica.
comum que pessoas que estão tendo o primeiro contato com
grupos, como os estagiários, tenham a sensação de que os
encontros são caóticos e de que “não acontece nada”. Isso acontece
em especial quando realizamos grupos com crianças que estão em
sofrimento e que, de fato, se expressam de maneira caótica. É
comum que os encontros sejam desordenados, com as crianças
separadas, fazendo coisas diferentes, ainda que os coordenadores
proponham uma atividade em comum. Cenas de agressividade
também acontecem (crianças que batem ou que se machucam,
56que sobem em lugares perigosos ou que quebram brinquedos e
portas da instituição). Essas cenas são sempre interpretadas nas
reuniões de fio, quando a equipe tem a oportunidade de elaborar e
discutir o que foi vivido. Quando os encontros caóticos persistem por
um tempo prolongado, pode se instalar uma sensação de perda de
sentido do trabalho. Os estagiários ou os próprios coordenadores
podem ter a impressão de que o grupo é contraproducente, que não
está ajudando, ou até que está prejudicando as crianças. Isso
dificulta a interpretação, a leitura das cenas clínicas e,
consequentemente, a construção de saídas coletivas para o caos
instalado. A resposta mais imediatista e contraproducente para a
aparente falta de sentido dos encontros é tentar “pedagogizá-‐los”.
Ou seja, tentar direcionar os encontros, pensar em atividades
prévias e construir um roteiro pré-‐definido para ogrupo, a partir do
que se entende que seria aquilo que as crianças “precisam”. Algo
como tentar orientar desde fora o que emerge do inconsciente, as
irrupções comportamentais de cada criança, tentando calar o
sintoma de uma forma ortopédica

I-‐A heterogeneidade é terapêutica (Kupfer & Pinto, 2010; Kupfer,


Voltolini & Merletti, 2017)

II -‐Tratar é educar e educar é tratar

Como afirma Bastos (2012) acerca do tratamento de crianças


autistas e psicóticas: Se localizarmos que os entraves dessas crianças
estão na ausência de inscrições primordiais, o tratamento seguirá na direção de
buscar produzir tais inscrições. Ou seja, as consequências dessa leitura teórica
para a clínica levarão o psicanalista na direção da psicanálise invertida ou, dito
de outro modo, na direção da ‘educação terapêutica’. (p. 213)
III -‐A estruturação de conteúdos simbólicos e escolares auxilia a
estruturação subjetiva (extraído do terceiro eixo da Educação
Terapêutica, o escolar propriamente dito)

O trabalho com crianças mostraria a função central que os


conteúdos simbólicos disponíveis na cultura –parlendas, contos de
fada, cantigas de ninar, entre outros –teriam para que elas deem
forma às suas angústias e fantasias inconscientes. Na literatura,
temos diversas pesquisas acerca do tema (Rodulfo, 1990; Jorge,
1988). Desde brincadeiras que permitem identificações e projeções
–bonecas e bonecos, casinha, super-‐heróis, encenações etc. –, até
jogos que permitem trabalhar a regulação do gozo através de suas
regras e do par presença-‐ausência –pega-‐pega, esconde-‐
esconde, amarelinha etc.. Da mesma forma, nas escolas, o
conteúdo transmitido nas aulas de história, de português, de
matemática, entre outras, também poderia produzir efeitos
subjetivantes nos alunos, ainda que esse não seja o objetivo
primeiro da educação. A ideia central seria a de que a aquisição de
conteúdos simbólicos e escolares significativos pode produzir
alterações na posição subjetiva.

Segundo Kupfer, Voltolini e Pinto (2010),não é também pelo valor


terapêutico que ensinamos História às crianças? Não é para provocar outras
identificações, fazê-‐las viver outras vidas, fazê-‐las passar por outras
formações discursivas, outros tempos? É vivendo outra vida, vendo outras
posições, que a experiência se enriquece, e se dissolvem cristalizações,
experimentam-‐se outras formas de ser. (p. 106)

IV -‐As crianças são transmissoras de formas de lidar com a falta no


Outro, com as perdas e com as substituições (Kupfer,Voltolinie
Pinto(2010).

V-‐A transferência de trabalho é o motor da coordenação Pinto


(2014).

Lacan, ao escrever sobre o cartel, aponta que, para alémdas


transferências imaginárias, dos narcisismos, das idealizações
presentes no movimento psicanalítico, um analista deveria se
orientar a partir de seu desejo de analista e manter com os demais
uma transferência de trabalho. De acordo com esse princípio, as
transferências entre a dupla de coordenação e os estagiários
deveriam ser norteadas a partir disso. As relações transferenciais
entre os coordenadores e as crianças seriam atravessadas pela
transferência de trabalho da equipe. É ela que daria suporte e
contorno às angústias vividas, que cortaria as transferências
imaginárias que podem se estabelecer entre coordenador e criança,
que elaboraria a experiência e a transformaria em saber
inconsciente. A transferência de trabalho entre a equipe instalaria
uma outra cena, que se articularia com o vivido no grupo. Seria essa
outra cena que permitiria as necessárias elaboração e criação para
dar sustentação ao trabalho.

VI -‐A direção de tratamento na psicose e no autismo é o tratamento


do grande Outro (Esse princípio foi apresentado no artigo de
Merletti, Kupfer, e Faria (2007)

Entende-‐se que frequentemente, nas psicoses infantis e nos


autismos, o contato com o outro seria sentido como invasivo e
desorganizador. De acordo com uma leitura lacaniana, o Outro
construído por essas crianças seria um Outro não-‐barrado,
onipotente. Em função disso, não haveria distância entre o outro
semelhante e o Outro invasivo, não-‐barrado. Parte do tratamento
consistiria em construir com as crianças essa separação, e poder
dar algum contorno para as experiências com o Outro invasivo.

De acordo com Merletti, Kupfer, e Faria (2007),Parece que o que toma


espaço demais nessa estrutura é o Outro. É o Outro que impõe ao ser um
sofrimento, e invade o sujeito com um gozo que transborda dele. Se para essas
crianças o Outro é gozador, tratar o Outro implica tratar seu gozo, por meio de
uma construção, uma invenção, particular em cada caso, já que se trata de
crianças para quem o modelo do Outro da neurose não está mais ao alcance.
(p. 161)

As intervenções oblíquas, que convidam o sujeito indiretamente,


seriam mais efetivas, porque permitiriam uma boa distância para
que a criança possa se aproximar espontaneamente e se retirar
quando necessário. Para esse tipo de intervenção, o grupo seria um
dispositivo interessante, já que permitiria uma fala endereçada para
todas as crianças e não diretamente para uma criança específica.
Nas escolas, é recorrente o relato de professoras de crianças
autistas que se surpreendem com seus alunos fazendo as
atividades propostas para a sala como um todo,enquanto eles se
recusam a fazer quando a atividade é proposta diretamente para a
própria criança.

VII -‐A função da coordenação está entre o educativo e o analítico

Esse eixo foi extraído da experiência clínica com grupos. O mesmo


tema já foi trabalhado por Petri (2003), quando a instituição atendia
apenas crianças com autismo e psicose infantil. Nos grupos em
Educação Terapêutica, não se trataria nem de interpretar as
crianças em grupo, nem de interpretar o próprio grupo, como se ele
fosse uma entidade em si mesma. Mas sim de, a partir da
transferência estabelecida com o coordenador, proporcionar
encontros entre as crianças, na expectativa de que tais encontros
permitam a circulação por outros lugares discursivos inéditos para
elas, bem como a consequente separação dos discursos alienantes.

Foulkes, temos que “o grupo é o principal instrumento terapêutico,


sendo o psicoterapeuta apenas o seu condutor e responsável
administrador, cuja tarefa é fazer com que o grupo se realize de
modo criativo, flexível e dinâmico”(Ribeiro, 1995, p. 30).

Nossa abordagem estaria mais próxima dessa última, já que


entendemos que umas das tarefas da coordenação seria fazer com
que o grupo se realize de modo criativo, flexível e dinâmico,
privilegiando a relação entre as crianças. Mas entendemos também
que a transferência com a coordenação está posta e deve ser uma
ferramenta de trabalho, uma vez que ela dá o suporte para que a
transferência entre as crianças possa se instalar.

ua função busca garantir as condições de manutenção da existência


do grupo (compor o grupo, estabelecer o horário de início e término,
sustentar algumas regras mínimas de funcionamento etc.) e criar
condições para que as trocas ocorram entre as crianças. Isso
frequentemente envolve propor brincadeirase brincar junto.Ou seja,
todo o trabalho acontece no laço social. Enquanto em uma análise
individual uma criança pode contar sobre sua relação com os
colegas, em um grupo terapêutico temos a oportunidade de intervir
no laço, a partir do lugar transferencial em que estamos colocados.
No grupo, há o atravessamento das transferências das crianças
entre si, delas com os coordenadores, dos coordenadores entre si e
do grupo com a instituição à qual pertence

s crianças são convidadas a brincar de forma compartilhada umas


com as outras, e o coordenador ocuparia a função de sustentação
desse espaço. As lideranças se alternariam entre os membros do
grupo, de acordo com os tipos de laço estabelecidos. Quando
alguma criança fica presa a determinada posição discursiva no
interior do grupo (líder, bagunceiro, isolado, agressivo, inteligente...),
a coordenação promoveria intervenções no sentido de provocar
essa criança e os outros membros, na aposta de que esses papéis
possam circular.

VIII -‐A identificação é uma ferramenta terapêutica para o trabalho


em grupoEsse princípio foi extraído de nossa pesquisa anterior
(Tiussi, 2012). A identificação, fomentada pelo dispositivo grupal,
seria uma ferramenta importante no trabalho com crianças que
apresentaram falhas na constituição da imagem corporal, como as
crianças com autismo e psicose infantil. P
adulto ocuparia para a criança o lugar do Outro primordial, lugar do tesouro dos
significantes. Geralmente, é um adulto o responsável por introduzir a criança na ordem
simbólica. Ainda que possamos encontrarsituações em que isso ocorra entre as crianças,
elassão pontuais e não interferem na posição do adulto enquanto depositário do saber.
Um exemplo disso é o fato das crianças, na fase dos porquês –quando elas
continuamente perguntam o por quê das coisas, o que foi interpretado por Freud como um
deslocamento da curiosidade em torno da origem e da sexualidade –não endereçarem
suas perguntas às outras crianças,mas sim aos adultos. Ao menos atéo presente
momento, observamos que normalmente as crianças têm os adultos como referência de
saber.

Pensamos que o lugar do adulto analista para a criança seria inicialmente o de uma
diferença, uma exterioridade–enquanto representante das leis, do saber e da onipotência
–que poderia, a partir de uma construção em transferência, encontrar pontos de
semelhança, compartilhadoscom a criança. Isso, entretanto, demanda um giro na
transferência. Que o analista deixe de ocupar o lugar transferencial de representante dos
pais, por exemplo. Enquanto que o lugar deuma criança para a outra seria, no sentido
oposto, de uma semelhança inicial (sujeitos faltosos, assujeitados ao Outro) que, a partir
da construção de uma relação, pode introduzir a diferença, a alteridade.

O adultotambém está em um posição diferente diante do infantil,


visto que já passou pela castração. Suas experiências infantis estão
sob a barra do recalque. Ele é capaz de extrair as consequências de
sua sexualidade, ao contrário da criança que, apesar de ter sua
sexualidade infantil, não é capaz de extrair suas consequências
reprodutivas, por exemplo. No caso da criança, a semelhança
estaria em, de saída, pertencer ao grupo das crianças. Ainda que
isso possa indicar uma diferença tão grande quanto a singularidade
de cada sujeito do grupo, em relação ao grupo dos adultos, o
significante “criança” atribuiria um traço de semelhança entre elas. A
partir dessa semelhança inicial, o laço se organizaria, podendo se
diferenciar, com a introdução de uma marca de alteridade, de
separação,

4.6Caracterização da função do semelhante

pretendemos contrapô-‐la às funções materna e paterna e ao


complexo fraterno para investigar sua especificidade. Afinal, qual
seria a diferença entre a função do semelhante e as outras? Por que
utilizar função do semelhante e não complexo fraterno?
Em grupos terapêuticos, esse aspecto fica evidente, na medida em
que temos presente,na mesma cena, a transferência central com a
coordenação e as transferências horizontais entre as crianças,
articuladas em rede. Na relação criança-‐criança, inicialmente, a
identificação seria facilitada. E o trabalho posterior seria o de
separação, ou a introdução da alteridade. Na relação adulto-‐
criança, a transferência passa por outras vias, como pelo adulto
enquanto representante do Outroe necessita de um giro
transferencial para se instalar no discurso analítico.

Não estamostrabalhando coma identificação enquantoidentidade, ou


enquanto uma homogeneização narcísica, mas enquanto a
transmissão de um traço, umamarca (Lacan, 1960-‐1961/1992).
Nesse sentido, Felício teria transmitido a Eudi uma forma de ser
criança, através do desenho. Eudi, ao se aproximar de
Felício,respeitando seu tempo e se permitindo ser cuidado, teria
favorecido o contato dele com o campo da infância, com as
criançasque até então eram vistaspor elecomo intrusivas.

No grupo, a partir da função do semelhante, ascrianças


podemcolar-‐se umas às outras para, num segundo momento, se
separarem e extrairpara si algo dessa experiência, tal como Lacan
(1967/2003) propõe com os cartéis. Afinal, não seria para isso que
as colocamos em grupos? Para que se misturem, entrem em
transferência e então se separem,produzindoalgo desse encontro.
Kaës, a partir do conceito de alianças inconscientes também sinaliza
a diferença do laço criança-‐criança e adulto-‐criança. Para ele, uma
das dimensões das alianças inconscientes seria a
simetria/assimetria. Essa dimensão se refere ao poder e à
dependência que estão presentes nas relações. Enquanto que nas
alianças simétricas os sujeitos investiriam igualmente nas relações
(dois adultos em uma relação amorosa, por exemplo), nas relações
de dependência ou de poder os sujeitos investiriam de maneira
assimétrica. A relação adulto-‐criança seria um exemplo de aliança
assimétrica, já que envolve uma relação de dependência da criança
para com o adulto(Castanho, 2018, p. 75).

Poderíamos pensar o autismo enquanto um paradigma da função do


semelhante. Nas crianças com autismo, que não realizaram as
primeiras identificações, a possibilidade de entrada na fratria, no
campo da infância, se dá a partir da identificação com um outro
semelhante (como ocorreu com Eudi e Igor). Nesse caso, também
se faznecessário que esse outro seja uma criança. Afinal, como
vimos, Igor,por exemplo,se relacionava bem com os adultos. Sua
dificuldade era com o grupo de crianças. Efoi a partir de sua
amizade com o outro garoto, através de brincadeiras corporais e
especulares (mostrar a barriga para o outro), de forma espontânea e
prazerosa,que ele pode, posteriormente, se aproximar de seus
colegas da escola.Após esse movimento, observado por seus pais,
seu analista e a escola, elepode se reconhecer e se nomearcomo
um menino de verdade.

a cada bom encontro, a criança pode adquirir mais recursos


simbólicos e imaginários para lidar consigo e com o mundo,para
dizer de si.Assim, mesmo os momentos de parada ou de crise, são
menos dolorosos quanto mais recursos psíquicos a criança tiver
para enfrentá-‐los.

No caso do autismo, um adulto não poderia colocar-‐se como


modelo identificatórioque permite o acesso da criança ao campo da
infância. O adulto está em outra posição tanto pelo aspecto
imaginário (é maior, seu corpo é diferente) como pelo aspecto
simbólico (é aquele que sabe, que nomeia, que interdita). Igor não
poderia reconhecer-‐se como um menino de verdadese
relacionando somente com adultos. É somente através do laço
com um semelhante que algumascriançascom autismo
podemse ver e se nomearemcomo crianças. Por isso,
consideramos o autismo como um paradigma da função do
semelhante, já que ele evidencia a especificidade dessa função.

qual seria a distinção entre o complexo fraterno,o laço fraterno e a


função do semelhante?

Nos grupos heterogêneos, os coordenadores também brincam com


a criança e não interpretam a transferência. Eles levam em
consideração as transferências e brincam a partir delas. Nesses
grupos, em que a heterogeneidade deve aparecer na composição
do grupo, a função do semelhante é o que fundamenta o trabalho.
Ainda que oscoordenadores se coloquem presentes –brincando com
as crianças, propondo atividades –isso ocorre com o objetivo de
fazer a função do semelhante operar entre as crianças. Que elas
brinquem entre si! A heterogeneidade na composição do grupo de
crianças facilita a instalação da função do semelhante. Quanto mais
heterogêneo for o grupo, maiora possibilidade de trocas entre os
semelhantes. Em um grupo homogêneo, as crianças tendem a
darem respostas parecidas diante de suas próprias questões. Elas
se colocam nos laços de formas similares e, assim, temos menos
possibilidades de construção de respostas novas, de formas inéditas
de lidar com as questões apresentadas. Isso dificulta a instalação da
função do semelhante, já que há pouca diferença entre as crianças.
Dificulta também a construção da alteridade, já que estamos
entendendo que a alteridade só advém apartir de uma relação com
o semelhante.

Ou seja, a função do semelhante seria um operador analítico para o


trabalho em grupo. O coordenador, a partir de sua relação
transferencial central, poderia adotar a função do semelhante como
eixo de leitura e de intervenção no grup

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