Psicologias Uma Introdução Ao Estudo de Psicologia, Ana Merces-77-112
Psicologias Uma Introdução Ao Estudo de Psicologia, Ana Merces-77-112
Psicologias Uma Introdução Ao Estudo de Psicologia, Ana Merces-77-112
Psicologia
Termo que designa o estudo da alma. Hoje, não se concebe mais
o mundo psíquico como sinônimo de alma, e sim sobre os
registros simbólicos e emocionados que vamos construindo a
partir de nossas vivências no mundo material e social.
©Thinkstock/Photos.com
Nesse sentido, dois grandes filósofos representam esse período: Santo
Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274).
A crença na ciência
Como se sabe, na sociedade feudal, com modo de produção voltado
para a subsistência, a terra era a principal fonte de produção. A
relação entre o senhor e o servo era típica de uma economia
fechada, na qual uma hierarquia rígida estava estabelecida; não
havia mobilidade social; uma sociedade estável com uma visão de
um universo estático – um mundo natural organizado e hierárquico,
no qual a verdade era sempre decorrente de revelações e dos
dogmas religiosos. O lugar social do homem era definido a partir do
nascimento. A razão estava submetida à fé como garantia de
centralização do poder. A autoridade era o critério de verdade. Esse
mundo altamente controlado pelo clero e o universo finito refletiam e
justificavam a hierarquia social inquestionável do feudo.
©Thinkstock/Konoplytska
Dominar a natureza, construir fábricas: o capitalismo moveu o mundo para
produzir mercadorias e necessidades.
A experiência da subjetividade
Nem sempre e nem todos os grupos sociais sentem e pensam a sua
existência da mesma maneira.
Se observarmos com cuidado as construções do período feudal e
mesmo do início do Renascimento, verificamos que a vida privada
não tinha o lugar de importância que tem hoje. Os quartos não eram
em espaço reservado das construções. Para chegar a uma sala de
música, atravessavam-se aposentos de dormir. Hoje, nossas
construções separam a área privada (quartos, banheiro) da área
social (sala e lavabo). O romance e o drama surgem no século XVIII
e vão valorizando a experiência pessoal. Surgem as biografias.
Esse movimento está fundamentado nas necessidades e no
desenvolvimento das formas de produção capitalista que se
desenvolvem ocupando o lugar das formas medievais. Os humanos
passam a ser tomados cada vez mais como indivíduos, isolados e
livres. O capitalismo impôs a forma de pensar cada humano como
consumidor e produtor individual, livre para vender sua força de
trabalho. Passam a ser vistos como sujeitos, ativos, capazes de
escolher a trajetória de sua vida, de construir uma identidade para si
e de viver, pensar e sentir sua experiência como subjetividade
individualizada.
Hoje, isso tudo pode nos parecer óbvio, pois nos sentimos e
pensamos assim: somos UM e não nos confundimos com ninguém.
Sabemos de nossas vidas e sabemos muito bem quem somos: um
sujeito único. Mas estamos aqui afirmando, acompanhados pelos
4
estudos de Figueiredo (2007; 2008), que nem sempre foi assim. E,
mais ainda, que hoje em algum lugar do planeta alguém pode não
se sentir assim. O sentimento e a ideia de eu é algo da
modernidade!
Além das formas capitalistas que incentivaram e fomentaram essa
forma de ser, há uma experiência importante vivida que, com
certeza, fortaleceu a criação das formas capitalistas. No “(...)
Renascimento teria surgido uma experiência de perda de
referências. A falência do mundo medieval e a abertura do ocidente
ao restante do mundo teriam lançado o homem europeu numa
5
condição de desamparo”.
Vale relembrar que no tempo medieval a verdade era uma só. A
influência da Igreja Católica, na Europa, era forte e autoritária o
suficiente para que os humanos não tivessem dúvidas sobre o que
deveriam pensar e como deveriam agir e sentir. Quem pensou
diferente morreu queimado ou enforcado! O Sol girava em torno da
Terra, que era o centro do Universo. Os humanos nasceram de
Adão e Eva. A hierarquia social também era fixa: servos, nobres e
clero. Quem nascia em um desses estratos, nele morreria. Corpo
era inviolável e não se pensava em explorar a natureza em busca
de recursos materiais.
SAIBA
QUE...
Dessacralizados
que perderam o caráter sagrado.
O Funcionalismo
O Funcionalismo é considerado a primeira sistematização
genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma
sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento
econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo
espírito. Desse modo, para a escola funcionalista de W. James,
importa responder “o que fazem os homens” e “por que o fazem”.
Para responder a isso, James elegeu a consciência como o centro
de suas preocupações e buscou a compreensão de seu
funcionamento, na medida em que o homem usa a consciência
para adaptar-se ao meio.
O Estruturalismo
O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do mesmo
fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas, diferentemente
de W. James, Titchener estudou seus aspectos estruturais, isto é, os
estados elementares da consciência como estruturas do sistema
nervoso central. Essa escola foi inaugurada por Wundt, mas foi
Titchener, seu seguidor, quem usou o termo Estruturalismo pela
primeira vez, no sentido de diferenciá-la do Funcionalismo. O
método de observação de Titchener, assim como o de Wundt, é o
introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos produzidos são
eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir do
laboratório.
O Associacionismo
O principal representante do Associacionismo é Edward L.
Thorndike, importante por ter sido o formulador de uma primeira
teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de
conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade desse
conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que
perpassam a Psicologia.
O termo Associacionismo origina-se da concepção de que a
aprendizagem se dá por um processo de associação de ideias – das
mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um
conteúdo complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender as ideias
mais simples, que estariam associadas àquele conteúdo.
Thorndike formulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade
para a Psicologia Comportamentalista. De acordo com essa lei, todo
comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um
rato etc.) tende a se repetir se nós recompensarmos (efeito) o
organismo assim que ele emitir o comportamento. Por outro lado, o
comportamento tenderá a não acontecer se o organismo for
castigado (efeito) após a sua ocorrência. E, pela Lei do Efeito, o
organismo associará essas situações com outras semelhantes. Por
exemplo, se ao apertarmos um dos botões do rádio formos
“premiados” com música, em outras oportunidades apertaremos o
mesmo botão, bem como generalizaremos essa aprendizagem para
outros aparelhos, como gravadores, players digitais etc.
MÉTODO OBJETIVO E CIENTÍFICO
Os pioneiros da Psicologia, sem dúvida, procuraram, dentro das
possibilidades, atingir critérios científicos e formular teorias. Mas
aqui cabe um importante esclarecimento.
A concepção de ciência moderna se deparou com uma grande
questão: Como produzir conhecimento sobre o ser humano se o
próprio cientista é também seu objeto de estudo? Como garantir que
a Psicologia pudesse ser um conhecimento objetivo sobre a
subjetividade?
Essa questão foi resolvida com o método. Um método objetivo e
empírico que levasse à sistematização cuidadosa do que se
observou garantiria a possibilidade de replicação e, portanto, de
verificação. Com sucessivas verificações, poderíamos chegar à
verdade científica. É exatamente essa experiência que produzirá
uma cisão no mundo, colocando de um lado a subjetividade (objeto
da Psicologia) e de outro a objetividade (conhecimento a partir de
método científico).
Hoje, nós ainda pensamos o mundo assim dividido. Quando
alguém lhe diz: “acho que...” você pode responder: “Isso é a sua
versão, a sua impressão”, ou seja, é subjetivo. Mas se alguém lhe
mostra resultados e dados de pesquisa para provar algo, você dirá:
“Sim, é muito objetivo” e pode ser tomado como verdade coletiva.
Objetividade e subjetividade passaram a estar em campos
separados, e essa dicotomia permaneceu na ciência e na
Psicologia por todo o século XX, adentrando o XXI. Mas é no próprio
século XX que surgiram também as tentativas de superar a
dicotomia que caracterizou a ciência e o pensamento moderno, com
o uso de um novo método científico: o materialismo histórico e
dialético.
A aprendizagem se dá por um
processo de associação de
ideias, das mais simples às
mais complexas.
Esse método uniu subjetividade e objetividade em um mesmo
processo, entendendo a realidade como em permanente
movimento, na qual sujeito e mundo estão em relação e são
transformados por essa relação. Caracterizado pelos pressupostos
materialistas (de que a realidade existe independentemente de
nossas ideias e da razão humana e que existem leis na realidade
que podem ser conhecidas), pela concepção dialética (a contradição
e sua constante superação são a base do movimento de
transformação constante da realidade) e pela concepção histórica (o
mundo se constrói em seu movimento e podemos conhecê-lo
quando o estudamos em seu processo de transformação), o método
se contrapunha ao positivismo e ao empiricismo e inaugurava novas
possibilidades de compreensão da subjetividade. A subjetividade
que só pode ser compreendida como movimento constante do ser
humano em sua relação com o mundo material e social.
Com essas possibilidades dadas pela história da sociedade e do
ser humano moderno é que a Psicologia vai se desenvolver,
construindo teorias que, quando baseadas no pensamento
dicotômico, vão escolher este ou aquele aspecto, ou seja, vamos
encontrar teorias que vão privilegiar a objetividade humana – aquilo
que no ser humano é empírico e pode ser objetivamente conhecido
– ou a subjetividade humana – entendendo que são experiências e
dinâmicas internas ao ser humano que devem ser conhecidas pela
Psicologia ou, até mesmo, que o mundo deve ser lido a partir da
percepção que o homem tem dele.
Outras teorias vão conviver com essas e vão procurar estudar o
ser humano na sua relação permanente e constitutiva com o mundo.
Objetividade e subjetividade vão aparecer, então, nessas teorias
como diferentes âmbitos de um mesmo processo – de
transformação do mundo pelos humanos, em que eles se
transformam ao transformar o mundo.
São diversas as psicologias, mas, sem dúvida, todas elas se
unificam como formas de dar visibilidade a uma experiência
subjetiva.
A realidade é um permanente
movimento, na qual sujeito e
mundo estão em relação e são
transformados por essa
relação.
TEXTO COMPLEMENTAR
7
A história das ideias é sempre social
Uma história das ideias, sem mais nada, é abstração que reforça a
concepção de que a Ciência é neutra, de que os conceitos que a
integram nada devem à realidade histórico-social em que foram
geradas e/ou aplicadas. Segundo correntes historiográficas mais
recentes e mais férteis, a história das ideias é sempre social. O
que existe é uma história social das ideias, imprescindível à reflexão
sobre o presente de uma ciência e de uma profissão. História é
unidade de passado, presente e futuro. Para entendermos o
presente, é preciso ir em busca de sua constituição histórica. Para
pensar o seu futuro é preciso conhecer seu passado e seu presente,
sobretudo em busca da identificação dos problemas que terão de
ser enfrentados. Impossível pensar o futuro da Psicologia sem
conhecer sua instituição num lugar e num tempo social e
politicamente determinados. E quando falo em “política” não estou
obviamente me referindo a doutrinas político-partidárias, mas à
dimensão das relações de poder em vigor em sociedades concretas,
das quais as teorias e as práticas fazem parte, seja para reafirmar
essas relações, seja para contestá-las. Por tudo isso, quem se
dedica à historiografia da Psicologia não pode declarar-se culpado
por se voltar para o passado da profissão e, assim, descuidar de
seu presente. Estudamos o passado não por interesse inútil e
recriminável pelo que já foi, mas para entendermos o presente.
Historiadores precisam ter clareza a respeito dos motivos pelos
quais se dedicam à escrita da História.
A história das Ciências Humanas, em geral, e da Psicologia, em
particular, não se dá acima da história política, social e econômica
do lugar em que são produzidas, como se nada tivesse a ver com
ela. Não é também uma história que se escreve sobre o pano de
fundo da história do país. A História da Psicologia do Brasil é
parte integrante da história brasileira, é um de seus elementos
constitutivos, está implicada nos rumos por ela tomados, é
determinada por ela e um de seus determinantes.
ATIVIDADES
1. Construamuma linha do tempo e coloquem nela os principais
marcos da Psicologia. Tragam para esse exercício seu
conhecimento sobre gregos, romanos, Idade Média,
Renascimento e Idade Moderna.
2. Discutam o surgimento da Psicologia como fruto da
modernidade. Por que o homem da Idade Média não poderia ter
criado a Psicologia?
3. O texto de Maria Helena Patto afirma com ênfase a relação
entre o desenvolvimento de uma sociedade e o
desenvolvimento das ideias que se apresentam e circulam
naquele coletivo social. As ideias de uma ciência refletem as
relações de poder e os principais aspectos de uma sociedade.
4. Considerando essas ideias, sugerimos que um grupo assista
ao filme Giordano Bruno e outro assista Galileu Galilei. Depois,
discutam quem foram e o que pensaram esses homens. O que
aconteceu com eles? Comparem suas ideias com o que
pensamos hoje sobre o mundo.
5. Psicologias ou Psicologia? Debatam essa questão a partir do
que foi apresentado no texto.
1
GONÇALVES, Rainer. Texto da idade média. História do mundo, UOL.
Disponível em: <http://historiadomundo.uol.com.br/idade-media/texto-idade-
media.htm>. Acesso em: 21 jan. 2018.
2
ALIGHIERI, Dante. Divina comédia. 2.ed. São Paulo: Editora 34, 2017.
3
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Petrópolis: Vozes, 2011.
4
FIGUEIREDO, Luis C. M. A invenção do psicológico: quatro séculos de
subjetivação 1500-1900. São Paulo: Escuta, 2007. FIGUEIREDO, Luis C. M.;
SANTI, Pedro L. R. Psicologia: uma (nova) introdução. 3. ed. São Paulo: Educ,
2011.
5
FIGUEIREDO; SANTI, 2011, p. 4.
6
FIGUEIREDO; SANTI, 2011, p. 6.
7
PATTO, Maria Helena S. O que a história pode dizer sobre a profissão do
psicólogo: a relação Psicologia-Educação. In: BOCK, Ana Mercês Bahia (Org.).
Psicologia e o compromisso social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
8
BOCK, Ana Mercês Bahia (Org.) A perspectiva sócio-histórica na formação em
psicologia. Petrópolis: Vozes, 2003.