Pre-Natal - Ua1 - Fragilidade Do Pré-Natal No Brasil

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CURSO

CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

FRAGILIDADES DO PRÉ-NATAL NO
BRASIL E DESAFIOS PARA
MELHORIA DA QUALIDADE

fonte da imagem:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_fotos_promocao_saude.pdf
Curso de atualização

Cuidado Pré-natal na
Atenção Primária à Saúde
Ficha técnica

Ministério da Saúde
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF)
Coordenação de Educação
Coordenação de Ações Nacionais e de Cooperação.

Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra, em


parte ou em sua totalidade, nos termos da Política de Acesso Aberto ao Conhecimento da Fiocruz.
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Conteudistas
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Maria Auxiliadora de Souza Mendes Gomes
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Coordenação de Curso
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Revisoras técnicas
Luiza Beatriz Ribeiro Acioli de Araújo Silva
Alexandra Gouveia de Oliveira Miranda Moura
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Mariana Brandão Streit
Edson Borges de Souza
Melanie Noël Maia
Coordenação EaD
Orientadoras de aprendizagem
Isabelle Aguiar Prado
Luciana Aparecida Moraes de Souza
Stephanie Matos Silva
Mariana Brandão Streit
Melanie Noël Maia

Financiamento
Ministério da Saúde (MS)
Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS)
Departamento de Gestão do Cuidado Integral (DGCI)
Coordenação de Atenção à Saúde da Mulher (COSMU)
Estratégia de Qualificação da Atenção à Saúde das Mulheres

Apoio
Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente -
portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br
Sumário
1. Definição e importância do pré-natal 05

2. Pré-natal no Brasil 06

3. Fragilidades do pré-natal e desafios 07


3.1 Competência dos profissionais 07
3.2 Transferência e continuidade do cuidado 08
3.3 Gerenciamento de risco gestacional 11
3.4 Desenho do pré-natal 13
3.5 Diretrizes de assistência ao pré-natal 14

Referências 16
1. Definição e importância do pré-natal

O pré-natal constitui um amplo pacote de cuidados oferecidos à mulher durante a


gestação, e que pode ser definido da seguinte maneira:

Nome do Tema 1 “Cuidado prestado por profissionais de saúde qualificados para


gestantes e adolescentes, a fim de garantir as melhores condições
de saúde para ambas as mães e bebê durante a gravidez. Os
componentes do ANC (sigla em inglês para Antinatal care, e no
curso adotaremos APN, atenção pré-natal) incluem: identificação
de risco; prevenção e manejo de doenças relacionadas à gravidez
ou simultâneas; e educação em saúde e promoção da saúde”
(WHO, 2016).
A assistência pré-natal tem sido considerada por muito tempo como um componente
central dos cuidados materno-infantis, originalmente com a aspiração de redução da
mortalidade materna e perinatal e da morbidade. Os benefícios para o bebê, em
termos de crescimento, risco de infecção, e sobrevivência estão bem estabelecidos. A
contribuição do pré-natal para a redução da mortalidade materna tem sido
questionada por alguns autores (CAMPBELL, 2006). Mas é vista como muito importante
por outros, incluindo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2016)
1. É razoável considerar que o pré-natal possa ter algum impacto sobre a
mortalidade materna, principalmente quando “as causas principais de mortalidade
materna apresentarem estados pré-mórbidos para os quais existam intervenções
terapêuticas eficazes e aceitáveis”. (OYERINDE, 2013). Sepse por foco urinário,
secundária à bacteriuria assintomática e pré-eclâmpsia são exemplos dessas
condições
2. De todo modo, para que as ações de pré-natal possam impactar à mortalidade
materna, é importante que estejam associadas a outras ações destinadas Legenda daaImagem
melhorar as condições de saúde sexual e reprodutiva das mulheres, como um
todo. Evidências mostram que as estratégias de melhoria dos cuidados intraparto
tiveram o maior impacto sobre os índices de mortalidade materna (CAMPBEL)
3. O pré-natal tem vários outros objetivos, além de prevenção da mortalidade
materna, tais como promoção da saúde e preparação da mulher para o
nascimento. Além disso, como o pré-natal é um dos serviços de saúde mais
difundidos e a cobertura é muitas vezes alta, ela serve cada vez mais como meio
de distribuição de outros pacotes, como drogas antimaláricas ou de terapia
antirretroviral para HIV/AIDS (CAMPBELL, 2006).

IFF/FIOCRUZ 2022 CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 05


2. Pré-natal no Brasil

O acesso ao pré-natal no Brasil melhorou de forma significativa, nos últimos anos,


passando de 74% das mulheres com acesso em 1986 para 97,2% em 2015. A
implementação e ampliação da Estratégia em Saúde da Família contribuiu para isso
(Maternal Mortality - Our World in Data). Dados do DATASUS mostram que, em 2019,
98% das mulheres tiveram pelo menos uma consulta, e 72% tiveram 7 ou mais
consultas.
Porém, 5% das mulheres fez apenas 1-3 consultas e 2% (43.406 mulheres) não fizeram
nenhuma consulta, o que pode indicar a persistência de dificuldades de acesso.

Tabela 1. Porcentagem de consultas de pré-natal no Brasil, evolução desde o ano 2000 até 2019
(DATASUS)

Apesar disso, permanecem disparidades regionais, sociais e raciais importantes,


assim como problemas de qualidade. A pesquisa Nascer no Brasil avaliou a
adequação do pré-natal entre 2011–2012 (LEAL, 2016). Alguns dos problemas
apontados foram os seguintes:
O recebimento de cartão da gestante cobriu quase a totalidade das mulheres
(98,9%). Entretanto, nem todas apresentaram o cartão na admissão para o parto
(48,8%)
Em relação ao inicio do pré-natal: até 12 semanas (56,5%); segundo trimestre
Legenda da Imagem
(39,3); terceiro trimestre (4,2%)
Pouco mais da metade das mulheres foram vinculadas à maternidade durante o
pré-natal. A peregrinação foi enfrentada por mais de 20% das mulheres, atingindo
mais de 30% no Nordeste.

Outro estudo avaliou as características da estrutura das unidades de saúde e dos


processos gerenciais e assistenciais da Atenção Pré-Natal (APN) no âmbito da
Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, em municípios que aderiram ao PMAQ-AB.
Apesar da alta cobertura da APN e da sua institucionalização nos serviços de APS,
persistem vários problemas.

IFF/FIOCRUZ 2022 CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 06


“A estrutura das unidades básicas e as ações prestadas pelas
equipes não obedeciam à maioria dos padrões, destacando-se a
existência de barreiras estruturais, indisponibilidade de
medicamentos e exames essenciais, problemas na oferta do elenco
de ações assistenciais, envolvendo a atenção individual e o
cuidado clínico, bem como de promoção da saúde e ações coletivas
e domiciliares ofertadas” (LUZ, 2018).

Assim, as intervenções de melhoria da qualidade do pré-natal devem contemplar


melhorias nas estruturas, assim como nos processos, tanto assistenciais quanto
gerenciais. Ademais, para que a melhoria da qualidade no pré-natal possa impactar
nos indicadores de mortalidade materna, devem estar associadas a outras ações de
promoção da saúde materna, em particular os cuidados intraparto.

3. Fragilidades do pré-natal e desafios


3.1 Competência dos profissionais
Competência é definido como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
para a realização de determinada tarefa. Em 2004, OMS, FIGO e ICM descreveram as
competências fundamentais (core midwifery skills) para que os profissionais
habilitados em cuidados à maternidade pudessem ser considerados proficientes.
(WHO/ICM/FIGO, 2004). Em relação ao pré-natal, foram incluídas as seguintes
habilidades.
Comunicar-se efetivamente e oferecer cuidado holístico centrado na mulher
Colher história clínica adequada, identificar fatores de risco e referenciar quando
indicado
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Conhecer os cuidados de rotina do pré-natal, incluindo triagem, suplementação
de vitaminas e minerais e o manejo das anormalidades, quando presentes

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Apoiar a mulher e sua família na elaboração do plano de parto, incluindo
preparação para o parto
Orientar as mulheres para o auto-cuidado e prontidão para emergências
Identificar o início do trabalho de parto e apoiar a mulher no final da gravidez.

Muitos países que atingiram níveis relativamente altos de cobertura por profissional
habilitado não apresentaram redução proporcional na mortalidade maternal e
neonatal. Muitos países verificaram que existem grandes lacunas entre os padrões
internacionais, como os da FIGO, ICM, ICN, IPA, WHO, e as competências dos
profissionais que atendem parto.

Segundo dados da Pesquisa Nascer no Brasil, o pré-natal em nosso país é realizado


por médicos (75%) e enfermeiros generalistas (25%) (Nascer no Brasil, 2014). Não
foram encontrados estudos avaliando a competência desses profissionais nos
domínios descritos acima. Muitos deles não receberam outra formação em pré-natal
além daquela fornecida na graduação, a qual, aparentemente, não garante a
aquisição das competências fundamentais.

Entre as competências descritas como fundamentais para que o profissional seja


considerado proficiente, algumas podem ser adquiridas através da participação em
cursos e oficinas. Outras, em particular o diagnóstico do trabalho de parto e o manejo
do final da gravidez, requererem habilidades práticas e algum tipo de vivência em
serviço. A duração e o formato dessas vivências não estão estabelecidos.

3.2 Transferência e continuidade do cuidado


Ao longo do período gravídico puerperal, a gestante transita entre diferentes níveis de
cuidado e provedores, mesmo nos casos de baixo risco. Uma das características do
cuidado obstétrico, no serviço público, no Brasil, é que as equipes que fazem pré-
natal, em geral, são diferentes das equipes que cuidam do parto, diferentemente de
outros modelos (Midwifery Caseload). Assim, ao final da gravidez, a gestante Legenda daé Imagem
encaminhada para um hospital ou maternidade, para continuidade do pré-natal
e/ou realização do parto. Após o parto, é contra-referenciada para a atenção
primária. Durante a gestação, pode apresentar intercorrências, e necessitar de
avaliação em serviço de emergência, por demanda espontânea ou encaminhamento
a partir da APS.

Mulheres com gestações de alto risco são encaminhadas para serviços de alto risco,
para interconsulta ou transferência permanente do cuidado, embora a APS
permaneça como responsável pelo cuidado.

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Assim, “compartilhamento” e “transferência” são aspectos fundamentais do cuidado
no pré-natal, tendo como objetivo a segurança e satisfação da paciente e sua
família. Mas afinal, compartilhamos ou transferimos o que? Como ocorrem todos
estes processos. Embora os termos compartilhamento e transferência do cuidado
sejam frequentemente utilizados por gestores e profissionais, nem sempre estão bem
definidos na literatura.

Kelly et al (2011) definiram cuidado compartilhado da seguinte maneira:

Um sistema estruturado para alcançar a integração do cuidado


entre múltiplos prestadores e serviços autônomos, incluindo
profissionais tanto da atenção primária quanto secundária que de
alguma maneira estejam contribuindo com elementos do pacote
de cuidados de um paciente. O cuidado compartilhado envolve
algum acordo sobre as atividades compartilhadas e os níveis de
responsabilidade de cada provedor e processos de comunicação
adequados para apoiar essa integração.

Transferência de cuidado é:

“um conjunto de ações destinadas a garantir a coordenação e


continuidade do cuidado em saúde, quando os pacientes se
transferem entre diferentes locais ou diferentes níveis de cuidados
dentro de um sistema. (COLEMAN, 2003).

Transferência de cuidado inadequada (inefetiva ou insegura) pode ocorrer por a)


problemas relacionados ao acesso (oferta de vagas para consulta, ou dificuldades
de deslocamento por parte da paciente) ou b) perda de informações relevantes para
a continuidade do cuidado. Adicionalmente podem ocorrer divergências entre as
condutas ou informações fornecidas nos diferentes pontos de cuidado, o que pode
comprometer a confiança da paciente na equipe, e aumentar a chance de resultados
adversos. Legenda da Imagem

A transição de cuidado ameaça a segurança do paciente à medida


que aumenta a possibilidade de perda de informações clínicas
críticas, e requer um alto grau de coordenação. (JOINT
COMISSION, 2010; OMS, 2016)

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Não foram identificados estudos avaliando a qualidade da transferência de cuidado
durante o pré-natal no Brasil. Os profissionais da APS frequentemente apontam
problemas relacionados à transferência de cuidado, tanto por dificuldade de acesso
(muitas vezes oferta de vagas insuficientes), quanto pela baixa qualidade das
informações. Os profissionais nos serviços de referência também costumam queixar-
se de informações ou indicações insuficientes para transferência do cuidado.

Algumas condições, pela sua elevada prevalência, pela necessidade frequente de


avaliação complementar, e pela baixa resolutividade da atenção primária nestes
casos, são motivo comum de transferência de cuidado, muitas vezes em caráter de
urgência.

Sangramento no primeiro trimestre da gravidez;


Mulher com queixas urinárias;
Mulher com alteração dos níveis pressóricos;
Hipertensão na gravidez;
Cuidado no final da gestação – queixas múltiplas, preocupação quanto à
segurança do feto, fase latente, momento do parto.

Na maioria das vezes, não são condições graves, mas podem ser sinais de alarme de
patologias com potencial de gravidade, como gravidez ectópica, sepse de foco
urinário, preeclampsia, etc.

O reconhecimento oportuno na APS e a transferência adequada do cuidado (nos dois


sentidos) podem ser particularmente críticos, nestes casos. Nem sempre isso ocorre.
Descrever o caminho percorrido por estas mulheres, assim como a resposta dada
pelos diferentes pontos de cuidado, pode ser um exercício produtivo para
profissionais e gestores.

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3.3 Gerenciamento do risco gestacional
Classificar a gestação em categorias de risco (baixo ou alto risco) é uma prática
padrão em serviços de cuidados antenatais em todo o mundo. O método mais
simples, e por isso mais utilizado, é a lista de fatores de risco ou patologias, prévias á
gestação, ou de aparecimento no decorrer da gestação. Se presente algum desses
fatores, a mulher é classificada como de alto risco; se ausente, de baixo risco/risco
habitual. Outro método são os sistemas de escores de pontos, em que cada fator de
risco recebe uma pontuação.

Em ambos os modelos, as mulheres classificadas como de alto risco são


referenciadas para serviços especializados, aquelas de baixo risco permanecem sob
os cuidados da atenção primária. Todavia, não há evidências de que a avaliação de
risco leve a uma diminuição da mortalidade materna e da morbidade nos países em
desenvolvimento (GRAHAN, 1988; CAMPBELL, 2006).

Segundo Grahan (GRAHAN, 1988), para que a avaliação de risco seja efetiva, as
seguintes condições teriam de ser atendidas:

a ferramenta de avaliação de risco deve ser tecnicamente eficiente;


toda a população grávida deve ser avaliados;
fatores de risco e sintomas precoces devem estar ligados às principais causas de
mortalidade e morbidade;
ação adequada deve seguir previsão de alto risco;
serviços de encaminhamento adequados devem existir, e
mulheres "em risco" devem ter acesso aos serviços de referência e motivação
para usá-los.

Se essas condições estiverem ausentes, há o perigo de que a avaliação de risco


consuma recursos da maioria das mulheres, sem melhorar os resultados. Segundo
este autor, em vez de priorizar a avaliação de riscos, serviços obstétricos essenciais
de alta qualidade devem ser acessíveis a todas as gestantes, durante a gestação e
pós-parto (GRAHAN, 1998). Legenda da Imagem
Embora bastante utilizados, estes modelos apresentam problemas que podem
comprometer os resultados do pré-natal:
Cria uma dicotomia: “Alto Risco” x “Baixo risco”. Isso demarca responsabilidades
entre atenção primária e especializada, mas pode dificultar a comunicação entre
níveis de atenção. Frequentemente quebra a continuidade do cuidado (“torna o
sistema vulnerável à ocorrência de cuidado abaixo do padrão”). “Este sistema não
facilita o compartilhamento de responsabilidade”. (PHOSTUMUS, 2013).

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Hipermedicalização da gestação. Uma vez encaminhadas para serviços de alto
risco, independente da condição de base, as mulheres passam a ser submetidas
a protocolos de vigilância e intervenções nem sempre adequados para aquela
condição, ou baseados em evidências. Podem fazer exames complementares e
receber medicações em excesso. Por outro lado, a ocupação da agenda com
condições cujo manejo não requer este tipo de tecnologia dificulta o acesso de
mulheres com risco gestacional elevado.
Não identifica ou não prevê eventos em pacientes que não apresentam fatores de
risco. "Vários estudos têm demonstrado que a ocorrência de desfechos perinatais
adversos muitas vezes depende da presença de uma série de fatores de risco
menores, em vez de um único maior que pode ser mais fácil de detectar. Isso é
conhecido como acumulação de risco. Em números absolutos, a maioria dos
eventos adversos ocorre neste grupo de mulheres. (POSTHUMUS, 2013)

Outros modelos de identificação e manejo do risco têm sido testados (modelos


preditivos). Segundo alguns autores, “uma avaliação integrada no início da gestação,
combinando história e características maternas com exames bioquímicos e biofísicos
pode definir o risco específico por paciente para uma série de complicações
gestacionais, incluindo anomalias fetais, aborto e decesso fetal, preeclampsia,
prematuridade, diabetes gestacional, CIUR e macrossomia. A estimativa do risco
específico da paciente, no início da gestação, poderia melhorar os resultados
gestacionais, através da mudança do cuidado pré-natal de uma série de visitas de
rotina para uma abordagem mais individualizada, específica por paciente e por
doença, tanto em termos de calendário quanto em termos de conteúdo” (NICOLAIDES,
2011)

Assim, mais do que classificar ou estratificar o risco, compete à APS, como gestora do
cuidado, fazer a gestão do risco ao longo da gravidez, já que o risco não é uma
variável categórica, nem estática, nem uniforme. Isto implica em:

Legenda da Imagem
1. Identificar o risco de forma
sistemática em todos os casos
2. Conhecer as dimensões
quantitativas e qualitativas do
risco;
3. Estabelecer medidas preventivas
reconhecidamente efetivas
4. Estabelecer planos de ação para
atender o evento, caso ele ocorra e
mitigar os danos.

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Embora se diga que “a unidade básica de saúde deve continuar responsável pelo
seguimento da gestante encaminhada a um diferente serviço de saúde”, o papel da
atenção primária no cuidado a mulheres “classificadas” como de alto risco não é
claro. Muitas vezes, o compartilhamento do cuidado se resume a uma alternância de
consultas, em que a APS acaba tendo um papel secundário (exemplo, fornecer
insumos para monitoramento da glicemia, em mulheres diabéticas). Compartilhar o
cuidado é muito mais do que simplesmente alternar consultas ou fornecer insumos. E
participar diretamente do gerenciamento (administração ou manejo) do risco, o que
deve incluir o compartilhamento na tomada de decisões.

3.4 Desenho do pré-natal


O modelo de cuidados prenatais é um espelho do modelo de cuidados intraparto que
se impôs como modelo dominante ao longo do século XX. É um modelo tecnocrático,
baseado na doença, no diagnóstico, no médico, em detrimento do protagonismo da
mulher e da compreensão da gravidez e parto como um processo fisiológico.

“O cuidado deve se desenvolver sob a supervisão do diretor do


hospital e deve ser realizado por médicos homens suficientemente
treinados para fazer um diagnóstico confiável. Deve haver
enfermeiras com experiência obstétrica considerável e algum
treinamento em serviço social, e devem receber salários
adequados” (Williams, 1915)

Foi desenhado em torno das necessidades médicas da paciente, e não em torno de


suas necessidades emocionais (ROLAND, 1971). Muitas vezes, a consulta de pré-natal
transforma-se num ritual, que os profissionais executam sem refletir, e a que a
gestante procura, porque faz parte da rotina, ou porque se sentem mais seguras
(STEER, 1993).

Legenda da Imagem
Em geral, o pré natal se organiza em torno de uma dezena de condições de saúde
Infecções: toxoplasmose, HIV/Hepatite, sífilis, infecção urinária.
Intercorrências clínicas da gravidez: anemia, hipertensão, diabetes
Crescimento fetal

Por certo este modelo deu importante contribuição à melhoria dos indicadores de
saúde materna, ao longo do século XX, incluindo a redução da mortalidade materna.
Todavia, outras condições de igual relevância, devido à elevada prevalência e/ou
grande impacto sobre os resultados da gestação, não são rotineiramente
pesquisadas. Ou, quando identificadas, de forma aleatória, não são objeto de
intervenções efetivas. As condições mais importantes dessa categoria são:
obesidade, uso de substâncias ilícitas, tabagismo/etilismo, violência doméstica,
depressão no período gestacional.

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Ao contrário das condições mencionadas no primeiro grupo, as condições incluídas
no segundo grupo não são identificáveis através de exames laboratoriais, não
possuem tratamento medicamentoso. Com exceção da obesidade, que pode ser
identificada pela avaliação do peso na primeira consulta, todas as demais exigem,
para o diagnóstico, de instrumentos específicos, aplicados de forma sistemática. Seu
tratamento (incluindo a obesidade), requer abordagens multiprofissionais,
intervenções comunitárias e sociais.
É necessário incorporar instrumentos para a investigação e abordagem sistemática
dessas condições durante a gravidez, e desenvolver estratégias mais efetivas para o
seu manejo, incluindo abordagem multiprofissional (NASF), e ações intersetoriais.
Adicionalmente, é preciso criar espaços de convivência e trocas de experiencias,
aperfeiçoar competências de “ouvir e aprender” e “aumentar a confiança” (BUENO,
2004) da mulher em sua capacidade de parir.

As experiências de parto dos profissionais de saúde precisam ser levadas em conta,


afinal as experiências pessoais dos profissionais (homens e mulheres, mesmo que
não tenham tido filhos), podem afetar profundamente a maneira como estes
profissionais conversam sobre parto com as mulheres sob seus cuidados. Um
profissional com história de negativa no parto, dificilmente será capaz de discutir
medos e encorajar o parto vaginal.

3.5 Diretrizes da assistência pré-natal


O Ministério da Saúde do Brasil tem produzido manuais, protocolos, diretrizes e notas
técnicas que contemplam diversas áreas dos cuidados em saúde. Em relação ao
pré-natal, os mais importantes são: Cadernos de Atenção Básica 32: Atenção ao
Prénatal de Baixo Risco (2012), Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal (2016),
Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana (2016), Protocolos da
Atenção Básica (2016), Manual de Gestação de Alto Risco (2022), Portaria GM/MS nº
715/2022. São publicações importantes, que têm norteado a prática em todo o país,
além de servir como referência para a elaboração de protocolos locais.

Legenda da Imagem
Outras publicações bastantes utilizadas são as séries de Protocolos e Diretrizes
Clínicas (PCDTs) sobre transmissão vertical de doenças infecciosas (sífilis, HIV,
hepatites virais), frequentemente atualizadas.

São de enorme relevância, mas apresentam lacunas, contradições, insuficiências, que


precisam ser resolvidas. Contemplam uma grande variedade de condições clínicas,
mas nem sempre respondem às dúvidas dos profissionais, no ponto do cuidado. As
recomendações relacionadas à Atenção Prenatal estão fragmentadas e dispersas
em diferentes publicações e manuais. Uma situação apontada pela própria OMS, até
a publicação do documento “WHO Recommendations on Antenatal Care for a Positive
Pregnancy Experience” (2016)

IFF/FIOCRUZ 2022 CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 14


Atualmente, as orientações da OMS sobre as rotinas de Atenção Prenatal são
fragmentadas, com recomendações publicadas em diversas diretrizes e manuais
práticos da OMS. O manual de implementação do modelo de cuidado em prenatal,
de 2002, por exemplo, não contém orientações relevantes específicas por contexto
relevantes, que precisam ser buscadas em outras fontes (WHO, 2016).

Não temos, no Brasil, uma Diretriz Nacional de Assistência ao Pré-natal, nos moldes da
Diretriz Nacional de Assistência ao Parto (2016) ou das diretrizes elaboradas no Reino
Unido pelo NICE (Antenatal Care, 2008; Antenatal Care, 2018). A responsabilidade de
elaborar uma diretriz de prenatal (protocolo) acaba delegada ao nível local, que
muitas vezes despende meses ou anos neste trabalho. Quando, ao cabo, o protocolo
fica pronto, já está desatualizado ou apresenta lacunas. A elaboração de diretrizes
clínicas requer metodologias adequadas, nem sempre utilizadas pelos
desenvolvedores locais. A adaptação de outras diretrizes pode ser utilizada:

“O desenvolvimento e atualização de Guias Clínicos de alta


qualidade requer recursos substanciais e a maioria das
organizações vive sob pressão para produzir mais Guias Clinicos
em um curto período de tempo, com recursos cada vez mais
limitados. Como objetivo de aproveitas os Guias Clinicos
disponíveis e reduzir a duplicação de esforços, a adaptação de
diretrizes tem sido proposta como uma alternativa para o
desenvolvimento de Guias Clínicos” (THE ADAPTE
COLLABORATION, 2009)

É positivo o esforço dos gestores locais e profissionais no ponto do cuidado para


elaborar diretrizes clínicas apropriadas para os locais. De todo modo, seria bem vinda
uma Diretriz Nacional de Atenção ao Pre-natal (Segundo o modelo da Diretriz de
Assistência ao Parto), estabelecendo “o que” deve ser feito e “como” cada
recomendação deve ser oferecida. Devem ser utilizados mecanismos que garantam
o compartilhamento de atualizações no momento em que elas ocorram, para evitarda
Legenda a Imagem
obsolescência da diretriz e a permanente espera pela “versão mais atualizada”.

IFF/FIOCRUZ 2022 CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 15


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statement by WHO, ICM and FIGO. 2004

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IFF/FIOCRUZ 2022 CUIDADO PRÉ-NATAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

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