Antropologia, Identidade e Modernidade
Antropologia, Identidade e Modernidade
Antropologia, Identidade e Modernidade
Sylvia Gemignani.
Social; Antropologia,
Rev. Sociol.modernidade,
USP, S. identidade: notas 123-143,
Paulo, 5(1-2): sobre a tensão
1993entre o geral e o particular.
A R Tempo T I Social;
G O
Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 123-143,
(editado1993
em(editado em nov. 1994).
nov. 1994).
Antropologia, modernidade,
identidade
notas sobre a tensão entre o geral e o particular
SYLVIA GEMIGNANI GARCIA
RESUMO: Neste artigo exploro alguns sentidos políticos do dilema entre o uni- UNITERMOS:
versal e o particular, concebido como traço distintivo do projeto moderno de modernidade,
identidade, democra-
uma sociedade secular, livre e igualitária. Para isso, discuto certas configura-
cia, igualdade,
ções desse dilema presentes no pensamento antropológico clássico, no pen- liberdade, evolucio-
samento político do século XIX e no debate político-cultural contemporâneo nismo, relativismo,
sobre o multiculturalismo e o direito às diferenças. multiculturalismo,
política, antropologia.
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GARCIA, Sylvia Gemignani. Antropologia, modernidade, identidade: notas sobre a tensão entre o geral e o particular. Tempo Social;
Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 123-143, 1993 (editado em nov. 1994).
do feto e seu apoio à pena de morte para adultos -, mas isto nem sequer che-
gou a ser ventilado. O que aconteceu, ao contrário, foi que uma gangue de
manifestantes pró-aborto, alguns usando buttons que diziam foda-se a liber-
dade de expressão, tomou o salão e impediu qualquer orador de ser ouvido,
de modo que o próprio debate foi abortado. Uma das manifestantes (...) mais
tarde vangloriou-se, em seu nome e no de seus camaradas, dessa vitória sobre
a liberdade de expressão, numa carta ao Village Voice: quando oitenta a cem
ativistas anti-racistas e pró-escolha acabam com um fórum de um dos mais
poderosos racistas e sexistas dos Estados Unidos, como nós e outros fize-
mos(...) isso é uma vitória para todos os progressistas” (Hughes, 1993, p. 24).
Tal tipo de atitude parece basear-se na profunda convicção do cará-
ter emancipatório do valor que se está defendendo (o direito à escolha). Con-
tudo, as mesmas idéias que legitimam o direito à escolha legitimam o direito
à liberdade de expressão que, entretanto, os defensores do primeiro negaram
explícita e violentamente. O ponto a destacar é que a crítica da modernidade
não tem como sustentar-se sobre a crítica dos valores da modernidade, sob
pena de auto-destruir-se. Como coloca Laclau: “quando os teóricos do século
XVIII são apresentados como os iniciadores de um projeto de domínio que
eventualmente levaria a Auchswitz, é esquecido que Auchswitz é repudiado
em função de um conjunto de valores que, em grande parte, também provêm
do século XVIII” (Laclau, 1991, p. 131). Em recente entrevista, Lévi-Strauss
faz uma observação semelhante comentando os atuais conflitos culturais na
França. Referindo-se às críticas ao modo de vida ocidental oriundas de mem-
bros de outras culturas, ele adverte que não se pode esquecer que as idéias
com as quais outros povos fazem a crítica da sociedade francesa (enquanto
sociedade ocidental) não são oriundas de suas culturas de origem, mas foram-
lhes fornecidas pelo próprio Ocidente, ou seja, pelo pensamento democráti-
co-liberal moderno.
Da perspectiva democrático-liberal, o tipo de atuação dos ativistas
pró-escolha de Nova York não difere em nada dos procedimentos usados pe-
los grupos que se localizam no extremo oposto do espectro ideológico. É esse
o diagnóstico do liberal Hughes, expresso em vários momentos de seus arti-
gos perpassados de perplexidade: “Paleoconservadores e terapeutas da livre
expressão estão ambos no mesmo barco, e a única diferença é o que eles
querem proibir” (Hughes, 1993, p. 25). Nessa visão, o barco em questão abri-
ga um conjunto de defensores selvagens de particularismos irredutíveis que
trocam insultos, cada um arvorando-se a posse da verdade e da essência hu-
mana: “nós, os perfeitos; vocês, os ovos de piolho”.
Tais colocações introduzem uma outra face dos paradoxos que se
constituem no embate político-cultural. Trata-se da utilização dos discursos
sobre a diferença pelos grupos antagônicos àqueles que os produziram - ou os
inspiraram - exatamente para enfrentar o etnocentrismo, o racismo e outras
formas de discriminação. Apropriando-se da temática da alteridade, os racis-
mos contemporâneos justificam-se em nome da comunidade e da diferença,
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GARCIA, Sylvia Gemignani. Antropologia, modernidade, identidade: notas sobre a tensão entre o geral e o particular. Tempo Social;
Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 123-143, 1993 (editado em nov. 1994).
GARCIA, Sylvia Gemignani. Anthropology, modernity, identity: notes on tension between universality and
particularity. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 123-143, 1993 (edited in nov. 1994).
UNITERMS: ABSTRACT: In this article, I take up some of the political meanings of the dilemma
modernity, identity, between universality and particularity, conceived as a distinct feature of the
democracy, equality,
modern project of a secular, free and equalitarian society. Thus, I discuss some
liberty, evolutionism,
relativism, of the configurations of this dilemma present in classical anthropological thought,
multiculturalism, in the political thought of the nineteenth century and in the contemporary political-
politics, cultural debate about multiculturalism and the right to differences.
anthropology.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GARCIA, Sylvia Gemignani. Antropologia, modernidade, identidade: notas sobre a tensão entre o geral e o particular. Tempo Social;
Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 123-143, 1993 (editado em nov. 1994).
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